Responsabilidade Social
Responsabilidade Social
Responsabilidade Social
Este trabalho integra os esforços que vêm sendo realizados em um estudo que
busca analisar as práticas políticas destinadas ao processo de legitimação da burguesia
enquanto classe dirigente no Brasil de hoje, bem como as estratégias empregadas por
esta classe na afirmação da sociabilidade capitalista nesse início de século1.
O objetivo central do presente texto é captar o movimento da classe burguesa
nesse processo a partir das proposições sobre inclusão social de pessoas com
deficiência. A análise se concentra nas formulações e proposições do Instituto Ethos de
Empresas e Responsabilidade Social, um aparelho privado de hegemonia que foi criado
com a tarefa de difundir referências políticas e de orientar a intervenção da classe
burguesa nas questões sociais de modo mais orgânico a partir da ideologia da
responsabilidade social.
As reflexões aqui apresentadas buscam contribuir para a compreensão das
relações de poder e dos processos de dominação que vêm sendo implementados na
realidade brasileira nesse início de século.
1
Segundo Martins (2009), “padrão de sociabilidade” refere-se à forma pela qual os indivíduos e as
classes produzem e reproduzem, em um dado momento histórico, as condições objetivas e subjetivas
de sua própria existência. Tais condições resultam das relações de poder e são mediadas pelas relações
sociais de produção da vida humana.
responsabilidade social, essa ideologia sintetizou a linha dos fundamentos políticos e a
perspectiva de intervenção da burguesia em dois movimentos concomitantes: buscou
definir as novas bases para a construção da unidade política e atualizar a postura dos
empresários. Buscava-se não só minimizar as representações em torno da figura do
“patrão” como também definir novas estratégias para difundir valores, crenças e
comportamentos políticos compatíveis com o projeto hegemônico a ser seguido pelo
conjunto da sociedade.
A ideologia da responsabilidade social se constituiu numa resposta à crise de
hegemonia burguesa nos final dos anos de 1980, frente à “insuficiência” de respostas do
neoliberalismo ortodoxo e da social-democracia clássica2. Conforme salienta Martins
(2009), os fundamentos dessa ideologia se encontram expressos no programa da
Terceira Via3 . Trata-se de uma construção que articula uma concepção de mundo e
formas de intervenção na realidade que procuram oferecer respostas práticas e diretas
para afirmação das chamadas “sociedade do conhecimento” e “economia do
conhecimento”, evidenciando que a dominação nas formações sociais capitalistas
complexas não se exerce sem um intenso trabalho educativo sobre o conjunto da
sociedade.
A gênese da responsabilidade social no Brasil pode ser apreendida, inicialmente,
na articulação político-ideológica de setores do empresariado brasileiro em torno do
movimento o Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE), criado, nos anos
finais da década de 1980, com o intuito de rearticular a classe burguesa e viabilizar um
projeto de nação para recuperar o desenvolvimento econômico conjugado com o ideal
de “democracia” e “justiça social” nos marcos do capitalismo. Os embates travados
naquele período e os avanços políticos na recomposição do bloco histórico burguês nos
anos de 1990 foram decisivos para delinear o surgimento da ideologia da
responsabilidade social no Brasil.
Um dos pontos marcantes do trabalho do PNBE foi sobre a indicação de que o
empresariado, para se reafirmar como classe dirigente, deveria assumir uma nova
posição frente à democracia e à política no país. Para mostrar a viabilidade dessa nova
postura, os principais intelectuais orgânicos do PNBE se vincularam às lutas de
organizações populares em defesa dos interesses da criança e do adolescente frente às
formas de violência e exploração dos menores no país. Essa vinculação se deu por meio
2
Sobre a crise de hegemonia burguesa no Brasil, ver Bianchi (2001).
3
A Terceira Via é definida como o programa do neoliberalismo para o século XXI (NEVES, 2005).
da Associação dos Fabricantes de Brinquedos (ABRINQ), uma entidade empresarial
criada em 1985 para representar os interesses específicos do setor. A ABRINQ foi
apresentada como uma organização de “empresários éticos” interessados em
transformar suas unidades de negócio em “empresas cidadãs”. A atuação dessa entidade
na defesa da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao lado de
organizações ligadas às lutas populares no país, pode ser interpretada como um
laboratório de experiência política para a constituição da responsabilidade social. Ao
longo da década de 1990, outras experiências foram sendo gestadas, envolvendo o
PNBE. Todas elas foram importantes para difundir a idéia de consertação (ou pacto)
social entre capital e trabalho, afirmar os parâmetros da cidadania e, ainda, legitimar os
empresários como classe dirigente no país.
Em síntese, a defesa do PNBE, em nome da unidade e renovação das práticas
políticas da classe empresarial, marca uma inflexão na ideologia burguesa, indicando
que o empresariado tinha “soluções” para os problemas do país referenciado no preceito
de democracia. Porém, cabe ressaltar que isso não significou uma ação verdadeiramente
compromissada com o aprofundamento radical da democracia tal como defende Wood
(2003). Na verdade, a perspectiva apresentada manteve a histórica forma burguesa de
separar o político do econômico na definição de democracia, confirmando que a
socialização da participação política não coincide, no capitalismo, com socialização do
poder.
Essa perspectiva ficou muito clara na medida em que os principais intelectuais
orgânicos da ideologia da responsabilidade social atuaram junto a outros intelectuais do
capital para viabilizar uma coalizão de forças em defesa da candidatura de Fernando
Henrique Cardoso, em 1994, e, posteriormente, atuar na organização do novo bloco no
poder.
Nesse contexto, a responsabilidade social passou a compor as referências
ideológicas do novo bloco no poder no período de governo Fernando Henrique Cardoso.
Os intelectuais orgânicos do capital identificados com a responsabilidade social tiveram
um papel decisivo no processo de legitimação dessa ideologia. A criação do órgão
Comunidade Solidária, na aparelhagem estatal, é uma das principais indicações de que
essa ideologia passou a se constituir como referência para o bloco no poder.
As ações do órgão Comunidade Solidária foram destinadas a implantar, no
Brasil, a “sociedade do bem-estar”, redefinindo as funções estatais frente às questões
sociais e legitimando a ação empresarial neste campo. O trabalho desse órgão consistiu
na mobilização e na coordenação de esforços do aparelho de Estado e de organizações
empresariais e não empresariais para atuarem em projetos de difusão das noções de
“colaboração social” e de “parcerias” em favor do “bem-comum”. Isso fica claro na
seguinte afirmação:
4
Essas e outra informações podem ser obtidas na publicação “Fórum de empregabilidade da pessoa
com deficiência”, de 24 de setembro de 2009, na qual Sérgio Mindlin, um dos fundadores do Instituto
Ethos, defende a importância de se constituir um fórum de empregabilidade da pessoa com
deficiência. Disponível em <http://institutoethos.blogspot.com/2009/09/forum-de-empregabilidade-
da-pessoa-com.html>.
5
Em geral, as publicações do Instituto Ethos são coordenadas por intelectuais orgânicos à serviço desse
aparelho privado de hegemonia. Marta Gil, que sistematizou o documento em questão a pedido do
Instituto Ethos, formou-se em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo e, a partir da década de
1990, destacou-se no planejamento, implementação e coordenação de redes de comunicação e
informação sobre deficiência, dedicando-se à realização de ações e orientações de projetos voltados à
inclusão social e aos Direitos Humanos. Algumas das iniciativas coordenadas por Marta Gil são as
seguintes: Reintegra (Rede de Informações Integradas sobre Deficiências), Rede SACI (Solidariedade,
Apoio, Comunicação e Informação), Campanha Acesso de Humor, além da pesquisa “Caracterização
sociológica de indivíduos portadores de cegueira e deficiência visual”. Essa intelectual atuou como
consultora em instituições e projetos, dentre os quais pode-se destacar: a equipe de Deficiência e
Desenvolvimento Inclusivo do Banco Mundial, a Secretaria de Educação à Distância do MEC, o
CTDRHU (Centro de Treinamento e Desenvolvimento de Recursos Humanos da Secretaria de Estado
da Educação de São Paulo), o Programa Acessa São Paulo de capacitação de monitores e elaboração
de material didático e a série Vida em Movimento. Essas e outras informações podem ser obtidas no
site: <http://www.forumdaconstrucao.com.br/mostraperfil.php?cod=169>.
Essa afirmação já evidencia um objetivo proclamado pelo documento, qual
seja, o de atuar de acordo com o princípio ético de promoção da diversidade, de respeito
às diferenças e de redução das desigualdades sociais. O estabelecimento desse objetivo
integra a defesa do Instituto Ethos pela adoção, por parte do empresariado, de princípios
éticos que configurem uma face humanizada ao capitalismo. Dentre tais princípios,
encontra-se a disponibilidade para defender a diversidade em todos os campos da vida.
É fundamental destacar que o respeito às diferenças humanas é uma ação
importante, que deve sim ser adotada pelo conjunto da sociedade. Entretanto, deve-se
estar atento ao fato já mencionado por Duarte (2006) e reforçado por Pina (2009) de que
o princípio do respeito às diferenças tem sido utilizado para legitimar a sociedade
capitalista. Com o Instituto Ethos não é diferente. A própria citação apontada
anteriormente já fornece uma valiosa dica para a identificação das bases ideológicas que
sustentam a proposta de inclusão social das pessoas com deficiência.
Consta, na afirmação, que o Instituto Ethos considera a inclusão social como
parte integrante do compromisso ético de reduzir as desigualdades sociais. Ora, a
desigualdade social nada mais é que uma expressão da contradição capitalista, e pôr fim
a desigualdade demanda o ataque aos fundamentos centrais do modo de produção
vigente. O Instituto Ethos não defende a erradicação nem o ataque aos determinantes
essenciais desse problema social. Sua defesa reside na contenção, ou dito de outra
forma, na redução da desigualdade social.
O Instituto Ethos vai ainda mais além nas formulações sobre a redução da
desigualdade, o que deixa claro seu posicionamento sobre o tema. Em um documento
mais recente desse organismo, publicado em 2008 com o título de Diversidade e
Eqüidade – Metodologia para o senso nas empresas (ETHOS, 2008), consta a
afirmação de que existem, na sociedade, “desigualdades injustas”. Vejamos o que diz o
trecho seguir:
Em linhas gerais, pode-se dizer que o senso a que se refere o texto consiste em
uma tentativa empresarial de produzir informações no âmbito interno das empresas, de
modo a desencadear ações a partir do monitoramento de “possíveis situações de
iniqüidades, assimetrias ou hierarquizações das diferenças, transformadas em motivo
para essas desigualdades injustas” (ETHOS, 2008, p.7). As desigualdades injustas
seriam, de acordo com o documento, aquelas relacionadas à sexo, cor ou raça, idade e
deficiência. Não há nenhuma indicação sobre quais seriam as “desigualdades justas”.
Entretanto, ao considerar o conjunto das reflexões apresentadas no documento, torna-se
possível constatar que, para o Instituto Ethos, a desigualdade de classe, embora não seja
mencionada, toma a forma de algo, no mínimo, desejável. Essa afirmação sustenta-se no
fato de que a luta pela desigualdade proposta pelo documento refere-se à superação de
condições de inferioridade social que atingem indivíduos pertencentes a grupos
historicamente discriminados. As ações propostas pelo Instituto Ethos, sobretudo por
estarem centradas no paradigma da inclusão, não buscam superar a desigualdade
político-econômica marcada pela divisão de classes, mas apenas aquelas desigualdades
classificadas pela visão burguesa como “injustas”. Evidência disso é a defesa pela
inclusão social no mercado de trabalho, a qual demonstra o entendimento de que não é
a exploração o problema a ser atacado, mas, sim, a “exclusão”, que estaria impedindo as
pessoas com deficiência de venderem sua força de trabalho no mercado.
Um pressuposto fundamental da sociedade capitalista consiste na dissociação
entre os trabalhadores e a propriedade dos meios pelos quais realizam o trabalho. Essa
dissociação formou duas espécies diferentes de possuidores de mercadoria: o
proprietário de dinheiro, de meios de produção e de meios de subsistência, interessado
em produzir capital; e o trabalhador, detentor apenas de sua força de trabalho, que a
vende como condição para manter sua própria existência. Essa divisão mantém sua
essência até os dias de hoje, sendo que o sentido de superfluidade característico da
sociedade capitalista contemporânea descarta e torna supérflua parcela enorme da força
humana mundial que necessita trabalhar para sobreviver (ANTUNES, 2005). Ao invés
de atacar essa divisão da sociedade que força os trabalhadores a venderem sua força de
trabalho para a produção de capital, o Instituto Ethos se contenta em lutar pela
“inclusão” das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Seguindo a tendência
de entender que o “problema dos dias de hoje” não é a exploração, mas a “exclusão”, o
referido Instituto não se propõe a superar as leis fundamentais das relações capitalistas
na produção da existência humana, mas, apenas, promover adequações jurídicas e
culturais para que os portadores de deficiência tenham maiores oportunidades de vender
sua força de trabalho. Sua forma de ação sustenta-se no entendimento de que é preciso
“mudar o mercado”, em especial, as empresas, para que as pessoas com deficiência
possam competir por vagas nos postos de trabalho juntamente com os outros
trabalhadores.
Sassaki (1999, p. 60) explica que, no passado, o mercado de trabalho poderia
ser comparado a um campo de batalha: de um lado, estariam as pessoas com deficiência
e seus aliados, empenhando-se arduamente para conseguir alguns empregos; e de outro,
estariam os empregadores, praticamente despreparados e desinformados sobre a questão
da deficiência, recebendo ataques furiosos por não preencherem as vagas com
candidatos portadores de deficiência tão qualificados quanto os candidatos não-
deficientes.
O “no passado” a que se refere o autor consiste em um momento histórico
frequentemente denominado de “fase da exclusão”. Nela, “a pessoa com deficiência não
tinha nenhum acesso ao mercado de trabalho competitivo” (SASSAKI, 1999, p.60).
Trata-se da fase em que “a humanidade considerava uma crueldade a idéia de que
pessoas deficientes trabalhassem”, visto que “empregar pessoas deficientes era tido
como uma forma de exploração que deveria ser condenada por lei” (SASSAKI, 1999,
p.60).
Com o passar dos anos, porém, ganhou espaço o entendimento de que as
pessoas com deficiência também poderiam ser exploradas para a produção de capital.
Daí a atual defesa do paradigma da inclusão para que as pessoas com deficiência sejam
“inseridas no mercado de trabalho”. Para tanto, o paradigma da inclusão defende a
necessidade de consolidar uma nova fase, na qual o mercado de trabalho não seja
entendido como campo de antagonismo entre as classes sociais. Se, na “fase da
exclusão”, o mercado de trabalho era composto, de um lado, pelos capitalistas e, de
outro lado, pelos trabalhadores (sejam eles deficientes ou não deficientes),
6
O desenho universal articula-se à chamada “equiparação de oportunidades”, a qual é definida como o
“processo mediante o qual os sistemas gerais da sociedade, tais como o meio físico, a habitação e o
transporte, os serviços sociais e de saúde, as oportunidades de educação e de trabalho, e a vida cultural
e social, incluídas as instalações esportivas e de recreação, são feitos acessíveis para todos”
(DRIEDGER E ENNS apud SASSAKI, 1999, p.39).
pela acessibilidade. Seus produtos e ambientes não são especialmente destinados a
pessoas com deficiência, podendo ser utilizados por qualquer pessoa, deficiente ou não.
Segundo Sassaki (1999), o desenho universal poderia também ser chamado de “desenho
inclusivo”, o qual, pensado em conformidade com o paradigma da inclusão, seria capaz
de “incluir todas as pessoas”.
É possível reconhecer que o “desenho universal” pode ser considerado um
avanço, tendo em vista a ampliação das possibilidades de acesso àqueles que antes
estavam impedidos. Uma pessoa que utiliza cadeira de rodas, por exemplo, teria poucas
possibilidades de transitar pelas ruas, prédios, cinemas, teatros, escolas, hospitais etc.,
caso esses espaços apresentassem barreiras arquitetônicas. Ao modificar os espaços
físicos com base no desenho universal, a equiparação de oportunidades, de fato, amplia
as possibilidades de acesso. É com base nesse entendimento que o Instituto Ethos
incorpora o conceito de desenho inclusivo, afirmando que
7
Até mesmo a utilização de calçadas vem sendo condicionada aos interesses do capital. Mclaren e
Fahramandpur (2003) explicam que a “privatização das calçadas” vem sendo pensada como
alternativa para impedir que pessoas desabrigadas deitem ou sentem nas calçadas do “distrito de
negócios”. Tal fato ampliaria ainda mais a não-acessibilidade promovida pelo capital, pois até mesmo
a calçada (seja ela “adaptada”, “acessível” ou “inclusiva” teria acesso restrito aos que possuem o
privilégio de consumo.
É importante destacar que um fator essencial que determina a defesa do
Instituto Ethos pela inclusão social reside nos benefícios a serem obtidos pelas
empresas.
No plano mais geral das relações de hegemonia, a repercussão positiva da
atuação dos “empresários éticos” e da “empresa cidadã” é importante para sinalizar que
as “ações socialmente responsáveis” são promotoras de uma nova dinâmica social, o
capitalismo de face humanizada, um mundo em que todas as pessoas teriam
oportunidades de trabalho e vida.
No plano específico da concorrência inter-capitalista, o Instituto Ethos indica
que o simples fato de contratar pessoas com deficiência já agrega valor à marca, criando
um diferencial ao produto no mercado consumidor. Sobre esse tema, o Instituto afirma
que
Seis aspectos são apontados pelo Instituto Ethos como sendo os principais
ganhos cumulativos para o empresariado, a saber: 1) o desempenho e a produção das
pessoas com deficiência, que muitas vezes supera as expectativas do início do contrato;
2) o desempenho da empresa que mantém empregados portadores de deficiência, em
geral, é impulsionada pelo clima organizacional positivo; 3) os ganhos de imagem
tendem a fixar-se a longo prazo; 4) os impactos positivos de empregar pessoas com
deficiência refletem-se sobre a motivação dos outros funcionários; 5) os empregados
portadores de deficiência ajudam a empresa a ter acesso a um mercado significativo de
consumidores com as mesmas características, seus familiares e amigos; 6) o ambiente
de trabalho fica mais humanizado, diminuindo concorrência selvagem e estimulando a
busca da competência profissional.
Embora enfatize os ganhos da empresa, o Instituto Ethos defende o
entendimento de que a inclusão social beneficia também os trabalhadores, sejam eles
deficientes ou não, trazendo repercussões positivas para toda a sociedade. Assim,
difundindo a ideia de que a inclusão social é um ganho para todos, o Instituto procura
afirmar os interesses particulares do empresariado como se fossem interesses de toda a
sociedade. O chamado “círculo virtuoso da inclusão das pessoas com deficiência” nos
fornece elementos para identificar os ganhos reais dos trabalhadores – com ou sem
deficiência.
Considerações finais
Os enunciados gerais do Instituto Ethos afirmam os fundamentos da
responsabilidade social como algo a ser seguido pelo conjunto da sociedade, o que
acaba por evidenciar sua atuação ideológica. Suas formulações reúnem concepções,
idéias, experiências e propostas que empurram os homens para a ação coletiva, visando
alcançar os objetivos políticos de médio e longo prazo no país. Assim, o Instituto Ethos
cumpre a missão de consolidar referências simbólicas e materiais importantes para
afirmar a “nova pedagogia da hegemonia”.
Através da qualificação de novos intelectuais orgânicos, o Instituto Ethos iniciou
a construção de uma unidade político-ideológica voltada à legitimar o papel do
empresário moderno: o “financiador do bem-comum e da solidariedade”, um exemplo a
ser seguido por todos, constituindo, desse modo, uma “direita para o social”. Procurou
legitimar também a sua nova plataforma de intervenção na realidade, apresentando-a
como referência para ação de outros cidadãos e organismos da sociedade civil.
A direita para o social vem se afirmando no século XXI como força política
capaz de impulsionar e orientar a ação política do conjunto da sociedade, a partir da
difusão de um novo padrão de sociabilidade, estabilizador das relações sociais, algo
positivo para a manutenção do sistema capitalista (MARTINS, 2009). O
reposicionamento dos empresários face à nova ideologia revela que está em curso em
nosso país a formação de um importante segmento da classe, comprometido com as
causas sociais e ambientais do país e do mundo. O crescimento deste grupo pode ser
apreendido a partir da análise dos estudos de Pelliano (2003a; 2003b; 2006). Isso
significa que, ao lado do Instituto Ethos, um aparelho formulador da ideologia burguesa,
associam-se outros aparelhos privados (as empresas) com a missão de difundir
molecularmente a nova ideologia.
O processo de análise da atuação do Instituto Ethos tem revelado que esse
aparelho privado de hegemonia é uma expressão singular da direita para o social, que
tem empregado, ao menos, três indicações para educar o consenso: (1º) o confronto de
classes e os questionamentos à ordem estabelecida devem dar lugar à noção de
colaboração de todos para o “bem-comum”; (2º) a sociedade deve ser preparada para se
ocupar da promoção do bem-estar em parceria com o Estado; (3) os cidadãos devem se
transformar em voluntários, desenvolvendo o capital social e o capital cultural de suas
comunidades. Tais indicações convergem para um ponto comum: a construção de uma
base social ampla que reivindique o “capitalismo humanizado” como horizonte
histórico.
A incorporação do paradigma da inclusão à ideologia da responsabilidade social
constitui uma das estratégias de formação dessa base social que tem a manutenção do
capitalismo como horizonte histórico. Por meio dessa ação, o Instituto Ethos busca
estimular a colaboração entre capital e trabalho no sentido da construção da coesão
social e da nova cultura cívica como forma de negação da luta de classes.
A ação do Instituto Ethos, ao defender o paradigma inclusão como forma de
construção do consenso, confirma, na prática social concreta, que os processos de
dominação burguesa na atualidade ocorrem por meio de estratégias cada vez mais
refinadas, ainda que persistam velhas práticas políticas referenciadas pelo uso da força
direta. As novas estratégias possuem um duplo sentido político: ao mesmo tempo em
que reafirmam, num patamar superior, a condição do empresariado como classe
dirigente, difundem um conjunto de referências materiais e simbólicas que asseguram e
legitimam, como válidas, as bases do modo de produção capitalista da existência.
Referências Bibliográficas
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In:LOMBARDI, Claudinei; SAVIANI, Dermeval; SANFELICE, José Luís.
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SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão. Construindo uma sociedade para todos. Rio de
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