JMA0069 Degustacao
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ELEMENTOS
DE DIREITO
CONSTITUCIONAL
25ª edição
CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE
DE ATOS NORMATIVOS
1. Introdução
Controlar a constitucionalidade de ato normativo significa impedir a
subsistência da eficácia de norma contrária à Constituição. Também signi-
fica a conferência de eficácia plena a todos os preceitos constitucionais em
face da previsão do controle da inconstitucionalidade por omissão.
Pressupõe, necessariamente, a supremacia da Constituição; a existên-
cia de escalonamento normativo, ocupando a Constituição o ponto mais
alto do sistema normativo. É nela que o legislador encontrará a forma de
elaboração legislativa e o seu conteúdo. Aquele, ao inovar a ordem jurídica
infraconstitucional, haverá de obedecer à forma prevista e ao conteúdo an-
teposto. Se um deles for agravado, abre-se espaço para o controle da cons-
titucionalidade daquele ato normativo cujo objetivo é expelir, do sistema,
o ato agravador.1
Por isso, tais atos são presumidamente constitucionais até que, por
meio de fórmulas previstas constitucionalmente, se obtenha a declaração
1. No caso Marbury versus Madison, o Juiz Marshall sustentou a célebre tese da supre-
macia da Constituição, dizendo que os atos do Congresso a ela contrários deveriam ser tidos
por nulos, inválidos e ineficazes.
2. Órgãos de controle
A doutrina indica a possibilidade de controle por meio de órgãos dis-
tintos: por órgão político e por órgão jurisdicional.
O controle por órgão político assenta-se na ideia de que o órgão con-
trolador deve ocupar posição superior no Estado e deve ser distinto do Le-
gislativo, do Executivo e do Judiciário.
Essa concepção ganhou força na França, onde a Constituição do ano
VII, por inspiração de Sieyès, criou o Senado Conservador com a finalida-
de de decretar a inconstitucionalidade de atos legislativos.
A tentativa mais eficaz, feita naquele país, foi com a criação do Con-
selho constitucional, da Constituição de 1958.4
5. Ronaldo Porto Macedo escreveu magnífico trabalho, ainda não publicado, em que
busca demonstrar a natureza legislativa dessa atividade do Judiciário.
Caberá ao juiz da ação decidir a questão que lhe foi colocada. Para
atingir este fim, precisa, obrigatoriamente, resolver sobre a constituciona-
lidade da norma.
Portanto, qualquer indivíduo com direito lesado, ou ameaçado de le-
são, estará legitimado a provocar o Judiciário sobre a questão. Qualquer
membro do Judiciário, competente para decidir o caso concreto, está legiti-
mado a declarar a inconstitucionalidade da norma questionada.
No entanto, o art. 97 da Constituição Federal exige que a inconstitu-
cionalidade de lei ou ato normativo só seja declarada pelos tribunais pelo
voto da maioria de seus membros ou dos membros do respectivo Órgão
Especial. De qualquer forma, o efeito desta decisão é sempre inter partes.
Ou seja, o interessado defende-se da aplicação da lei inconstitucio-
nal, mas, ainda que declarado inconstitucional, este ato normativo conti-
nua válido em relação a terceiros, contra quem continua a produzir efeitos
normais. A declaração não anula a lei, só impede sua aplicação ao caso
concreto.
Por se tratar de questão envolvendo norma constitucional, o caso pode
chegar até o STF, o qual exerce o “controle terminal”,6 que se opera depois
de esgotadas as instâncias inferiores.
Se a decisão chegar ao STF em razão de recurso, aquela Corte deve re-
meter eventual declaração de inconstitucionalidade, derivada da apreciação
do caso concreto, ao Senado Federal, para que este suspenda a execução da
lei, nos termos do art. 52, X, da Constituição Federal.7
O art. 52, X, autoriza o Senado “a suspender a execução, no todo ou
em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supre-
mo Tribunal Federal”.
Terá o Senado autorização constitucional para negar a retirada da efi-
cácia do ato normativo após a declaração efetivada pelo Supremo Tribunal
Federal? Terá ele a possibilidade de retirar parcialmente a eficácia de uma
lei se o STF a declarou, no seu todo, inconstitucional?
A nosso perceber, pode. O Senado não está obrigado a suspender a
execução da lei na mesma extensão da declaração efetivada pelo STF. A ex-
pressão “no todo ou em parte”, que se encontra no art. 52, X, não significa
que o Senado suspenderá parcial ou totalmente a execução da lei ou decreto
de acordo com a declaração de inconstitucionalidade, parcial ou total, efe-
tivada pelo STF.
O Senado Federal não é mero órgão chancelador das decisões da Cor-
te Suprema. Qual é exatamente o papel do Senado no controle da consti-
tucionalidade?
A nosso ver, existe discrição do Senado ao exercitar essa competên-
cia. Suspenderá, ou não, a execução da lei declarada inconstitucional pelo
Supremo, de acordo com o seu entendimento. O simples fato de o art. 52,
X, possibilitar a suspensão parcial ou total da lei revela essa discriciona-
riedade. Seja: se o STF declarar a inconstitucionalidade de lei, por inteiro,
faculta-se ao Senado a possibilidade de suspendê-la em parte. De fato, ha-
verá hipótese em que a Corte Suprema terá declarado a inconstitucionali-
dade por maioria de um ou dois votos, remanescendo, portanto, fundada
dúvida sobre a provável constitucionalidade. Se em dado instante mudar a
composição do Supremo ou a convicção de alguns de seus Ministros relati-
vamente ao tema, a declaração, em nova ação, será de constitucionalidade.
As expressões “no todo” ou “em parte” são utilizadas em outros dis-
positivos constitucionais. Por exemplo, no art. 66, § 1o. Tratando-se da pos-
sibilidade de veto, por inconstitucionalidade ou contrariedade ao interesse
público, concede ao Presidente da República a possibilidade de veto total
ou parcial. Significa, no caso deste preceito, que a Constituição deixa à
discrição do Chefe do Executivo a dimensão do veto. Assemelha-se à com-
petência conferida ao Senado Federal no art. 52, X.
OS ESTADOS FEDERADOS
1. Introdução
O Brasil é Federação desde 15 de novembro de 1889. O Decreto n. 1,
como ato constituinte, fixou que as antigas Províncias ficariam constituin-
do os “Estados Unidos do Brazil”.
Assim se mantiveram até a Constituição vigente, registrando-se des-
naturamento da Federação no período que mediou entre 1937 e 1945, quan-
do o Dec.-lei 1.202, de 8.4.39, dispôs sobre a administração dos Estados e
dos Municípios, preceituando, no art. 1o, que “os Estados, até a outorga das
respectivas Constituições, serão administrados de acordo com o disposto
nesta lei”.
Afora esse momento histórico, sempre se buscou a preservação da
autonomia estadual mediante a possibilidade de os Estados editarem suas
próprias Constituições e, portanto, se auto-organizarem. Isto porque a au-
tonomia estadual, de grau político, é um dos pressupostos da Federação.
Nos dias que correm, a Constituição vigente preserva aquela autono-
mia. Porém, com muitas limitações, como passaremos a examinar.
2. A autonomia estadual
É mais autônomo ou menos autônomo, politicamente, o ser que te-
nha maior ou menor capacidade para dispor a respeito de suas competên-
2. José Afonso da Silva e Raul Machado Horta classificaram didaticamente esses prin-
cípios sob a fórmula de princípios constitucionais sensíveis, princípios federais extensíveis e
princípios constitucionais estabelecidos. Conferir os trabalhos “O Estado-membro na Consti-
tuição Federal”, RDP 16/15, e Autonomia do Estado-membro.
3. José Afonso da Silva, “O Estado-membro na Constituição Federal”, RDP 16/15.
Anoto que o trabalho mencionado se refere à Constituição de 1967.
AS ESPÉCIES NORMATIVAS
1. Espécies normativas
Vêm arroladas no art. 59 da CF. São: I – emendas à Constituição; II
– leis complementares à Constituição; III – leis ordinárias; IV – leis delega-
das; V – medidas provisórias; VI – decretos legislativos; e VII – resoluções.
2. Emendas à Constituição
Examinemos a emenda à Constituição.
Sabemos que há um escalonamento de normas. A lei se submete à
Constituição, o regulamento se submete à lei, a instrução do Ministro se
submete ao decreto, a resolução do Secretário de Estado se submete ao
decreto do Governador, a portaria do chefe de seção se submete à resolu-
ção secretarial. Há hierarquia de atos normativos, e no ápice do sistema
está a Constituição. A emenda à Constituição é, enquanto projeto, um ato
infraconstitucional: só ingressando no sistema normativo é que passa a ser
preceito constitucional e, daí, sim, da mesma estatura daquelas normas an-
teriormente postas pelo constituinte.
Como é que ela pode ingressar no sistema alçando-se à condição de
norma constitucional? Na medida em que seja produzida segundo uma for-
neste caso, ter assinatura de 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados ou
do Senado Federal (art. 60, I) ou mais da metade das Assembleias Legisla-
tivas das unidades da Federação, cada uma manifestando-se pela maioria
relativa de seus membros (art. 60, III).
A proposta de emenda é discutida e votada em cada Casa do Congres-
so Nacional, em dois turnos. Considera-se aprovada se obtiver, em ambos,
3/5 dos votos dos membros de cada uma das Casas (art. 60, § 2o).
Inexiste sanção no caso de Emendas Constitucionais. A decisão é, so-
beranamente, do Congresso Nacional, que exerce a representação popular
e dos Estados, na reformulação da estrutura estatal.
Votado e aprovado o projeto, passa-se à promulgação, efetivada pelas
Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o número de
ordem sequente a anteriores emendas.
Sobre a publicação o Texto Constitucional silencia. Há de entender-
-se, entretanto, que essa competência é do Congresso Nacional.
por acaso, encontra seu fundamento de validade, seu engate lógico, sua
razão de ser, sua fonte geradora, na lei complementar? Absolutamente, não!
A leitura do art. 59, III, indica que as leis ordinárias encontram seu
fundamento de validade, seu ser, no próprio Texto Constitucional, tal qual
as leis complementares que encontram seu engate lógico na Constituição.
Portanto, não há hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária.
Pode surgir a seguinte indagação: por que o constituinte estabeleceu,
de um lado, a lei complementar e, de outro lado, a lei ordinária? Qual a
razão dessa distinção? Não seria efetivamente em razão de hierarquia?
A resposta está no seguinte: o constituinte estabelece documento que é
sintético. São as sumas, são as vigas mestras do sistema. O desdobramento
para o cumprimento da Constituição deve ser observado pelo legislador
infraconstitucional. Portanto, num sentido amplo, todas as leis, todas as
espécies normativas, são complementares à Constituição. Isto é, se os limi-
tes constitucionais não forem obedecidos, não podem ingressar no sistema.
Assim, quando se diz complementar – em sentido lato – significa desdobra-
mento de norma constitucional.
Mas o constituinte criou espécie determinada e a rotulou de lei com-
plementar.
Qual a diferença entre ela e a lei ordinária?
A diferença reside em dois pontos bem claros.
O primeiro é o âmbito material de sua abrangência. Com efeito, em
vários dispositivos o constituinte prescreve: “lei complementar disporá so-
bre isto ou aquilo”. “A criação de Estado depende de lei complementar.”
Poder-se-ia objetar: “mas todas as demais matérias contidas na Constitui-
ção também dependem de lei e o legislador estabelece normas, preceitos,
também sobre estas matérias”. É que, no tocante às leis complementares,
em razão do disposto no art. 69 da CF, são aprováveis por maioria absoluta,
o que se opõe à maioria simples.
É do confronto entre o art. 69 e o art. 47 da CF que se apura a distinção
entre maioria simples e maioria absoluta. O art. 47 fornece os parâmetros
para esta distinção ao estipular: “Salvo disposição constitucional em con-
trário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por
maioria de votos, presente a maioria absoluta de seus membros.” Se há 100
integrantes numa Casa Legislativa e 51 estão presentes, há o que se chama
de quorum. Uma lei ordinária é aprovável, segundo o art. 47, por 26 votos,
isto é, mais da metade dos presentes à sessão.
Já, entretanto, o art. 69 exige a “maioria absoluta”. Qual é a maioria ab-
soluta, nesse exemplo? É o número de 51 membros. É “mais da metade” dos
1. Eugênio Doin Vieira, no mestrado da PUC-SP, ofereceu, como trabalho final da dis-
ciplina “Direito Constitucional”, magnífico estudo sobre o assunto.
7. Leis delegadas
As leis delegadas derivam de exceção ao princípio da indelegabilida-
de de atribuições.
A lei delegada, prevista no art. 59, IV, e depois no art. 68 da Constitui-
ção, é exceção ao princípio da indelegabilidade de atribuições de um Poder
para outro Poder. No art. 68, o constituinte afirma: “As leis delegadas serão
elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação
ao Congresso Nacional”. É uma delegação “externa corporis”, ou seja,
para fora do corpo do Poder Legislativo.
Delegar atribuições, para o constituinte, significa retirar parcela de
atribuições de um Poder para entregá-lo a outro Poder.
Delegação de atribuição, segundo o Texto Constitucional, se verifica
com o deslocamento de parcela de atribuição do Legislativo, por vontade
deste, para outro Poder, o que se dá na delegação externa corporis. Na que
autoriza o Presidente da República a editar lei. Delegação de atribuições é,
efetivamente, a transferência de parte da atividade legislativa ao Presidente
da República.
A delegação ao Presidente da República se faz por meio de resolução
do Congresso Nacional (art. 68, § 2o).
Por outra parte, só é possível delegar ao Presidente da República se
este solicitar. Em outras palavras: o Legislativo não pode obrigar o Presi-
dente da República a legislar.
Ainda são indelegáveis os atos de competência exclusiva do Congres-
so Nacional (aqueles arrolados no art. 49); os de competência exclusiva da
Câmara dos Deputados (arrolados no art. 51); os de competência exclusiva
do Senado Federal (arrolados no art. 52) e as leis sobre organização do Po-
der Judiciário e do Ministério Público, a legislação sobre nacionalidade, ci-
dadania, direitos individuais, políticos, eleitoral e sobre planos plurianuais,
diretrizes orçamentárias e orçamento. São indelegáveis, também, as maté-
rias reservadas à lei complementar.