Mora Do Devedor - Contratos Comerciais
Mora Do Devedor - Contratos Comerciais
Mora Do Devedor - Contratos Comerciais
Sumário:
Índice:
I. Introdução.
a) Objetivos;
b) Âmbito de aplicação;
e) Dano superior;
V. Conclusão.
I. Introdução.
1
regime estabelecido no Código Civil quanto à mora do devedor nas obrigações
pecuniárias. Em especial, vamos sublinhar o intuito punitivo deste novo regime
tutelando-se, assim, de forma mais eficaz o credor, censurando-se, de forma
mais acentuada, a mora do devedor.
1
Para mais desenvolvimentos desta temática do não cumprimento das obrigações, vide COSTA, Mário
Júlio de Almeida, Direito das Obrigações, 12.ª edição revista e atualizada, Almedina, Coimbra, 2011,
1033, ss.
2
Importa agora determinar o momento da constituição da mora, id est,
quando é que o devedor fica constituído em mora.
2
Sobre a transformação da mora em incumprimento definitivo (artigos 808.º e 801.º do Código Civil)
bem como sobre a responsabilidade do devedor moroso pelo risco (artigo 807.º do Código Civil), vide
COSTA, Mário Júlio de Almeida, op. cit., 1052, ss.
3
faculdade prevista no artigo 808.º do Código Civil e notificar o devedor para
cumprir num prazo adicional razoável sob pena de resolver o contrato se a
prestação não for cumprida nesse prazo adicional. Diga-se, sem sermos agora
exaustivos, pois ultrapassa o nosso objeto, que existem situações excecionais
em que a simples mora concede ao credor o direito potestativo de resolução
imediata (sem qualquer prazo adicional) do contrato (vide, para este efeito, o
disposto nos artigos 442.º, 1041.º, 1083.º, 1084.º, 1150.º, 1235.º e 1242.º,
todos do Código Civil).
3
Sobre as funções da responsabilidade civil e a consagração de alguns casos em que o legislador optou
por dar cumprimento a uma função sancionatória ou punitiva da responsabilidade civil, vide, entre outros,
ALMEIDA, Alberto Ribeiro de, «A função punitiva da responsabilidade civil na violação de direitos
subjectivos de propriedade intelectual», in Estudios de Derecho Mercantil, Libro homenaje al Prof. Dr.
Dr. h c. José Antonio Gómez Segade, obra coordenada por Ana M.ª Tobío Rivas, Marcial Pons, Madrid,
2013, 865-882; e ALMEIDA, Alberto Ribeiro de, «Responsabilidade Civil pela violação de direitos
subjectivos da Propriedade Intelectual – As influências anglo-saxónicas», in Revista de Direito
Intelectual, n.º 2/2014, 165-187.
4
COSTA, Mário Júlio de Almeida, op. cit., 735.
4
«1 — Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a
contar do dia da constituição em mora.
Sendo certo que este regime é mais favorável ao credor, pois não tem de
provar qualquer dano (a indemnização corresponde ao juro), é também
verdade que o credor não pode, como regra, exigir qualquer indemnização
suplementar além dos juros. Por outras palavras, qualquer dano superior aos
juros não é, nos termos desta disposição, indemnizável, salvo se esse dano
superior aos juros se verificar no quadro da responsabilidade por facto ilícito ou
pelo risco (aqui será possível uma indemnização suplementar).
5
Quanto às suas funções, os juros podem também ser remuneratórios, compensatórios e indemnizatórios.
Sobre estas outras funções dos juros, vide, entre outros, COSTA, Mário Júlio de Almeida, op. cit., 751.
6
Não referiremos aqui os casos em que o capital e os juros não constituem obrigações pecuniárias, mas
outras coisas fungíveis; ou, ainda, a hipótese em que o juro tem uma natureza diferente do capital.
5
sua fonte, a obrigação de juros pode resultar do disposto na lei (juros legais) ou
do estipulado no contrato (juros convencionais).
A taxa juro legal está determinada, entre nós, através de Portaria – assim
o estabelece o artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil: «Os juros legais e os
estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em
portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano».
Atendendo à evolução da economia e dos mercados financeiros, esta é a
melhor solução, id est, a remissão da estipulação do montante da taxa de juros
para Portaria em vez de consagrada no próprio Código Civil.
Pode ser estabelecida uma taxa de juro superior, mas deve ser fixada por
escrito sob pena de a taxa de juro ser a legal (os referidos 4%). Assim reza o
n.º 2 do referido artigo 559.º do Código Civil: «A estipulação de juros a taxa
superior à fixada nos termos do número anterior deve ser feita por escrito, sob
pena de serem apenas devidos na medida dos juros legais».
7
Sem ser nossa preocupação neste texto, importa referir que este artigo 559.º-A do Código Civil estendeu
o regime jurídico do artigo 1146.º do Código Civil a outros casos em que existam juros usurários.
6
tempo de mora mais do que o correspondente a 7% ou 9% acima dos juros
legais, conforme exista ou não garantia real.
Por fim, importa referir que os juros convencionais e os juros legais, ainda
que ilíquidos prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos do disposto na
alínea d) do artigo 310.º do Código Civil.
7
um ato como mercantil, ao abrigo do disposto no artigo 2.º do Código
Comercial, tem relevância substantiva em diversos domínios (denominado de
regime especial comum aos atos de comércio em geral8), sendo um deles a
obrigação de juros.
§ 4.º A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior
ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais
recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de
janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre
do ano civil, acrescida de sete pontos percentuais, sem prejuízo do disposto no
parágrafo seguinte.
8
O regime especial comum aos atos de comércio em geral é hoje muito limitado (estamos a considerar
aqui, em especial, o regime dos artigos 13.º, 15.º, 100.º, 101.º e 102.º do Código Comercial, além de
algumas disposições no domínio da prova, da forma, e da prescrição presuntiva de créditos). Ao lado
deste parco regime especial comum aos atos de comércio em geral, temos um regime especial de certos
atos de comércio em particular (mandato, empréstimo, depósito, compra e venda, transporte, etc.) –
temática que aqui não vamos abordar. Sobre esta matéria vide ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Curso
de Direito Comercial, Volume I, 10.ª edição, 2017, Almedina, Coimbra, 67, ss.; MORAIS, Fernando de
Gravato, Manual de Direito Comercial, Volume I, 2.ª edição, 2017, Associação de Estudantes de Direito
da Universidade do Minho, 30, ss.
8
antes do 1.º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1.º
ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de oito pontos percentuais».
9
Como refere ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Curso de Direito Comercial, cit., 71 (119), «um pouco
diferente é o regime do n.º 2 do art. 559.º do CCiv.»
9
esteja, respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de 7
pontos percentuais.
Ou seja, a taxa de juro moratória supletiva legal tem uma componente fixa
(7%) e uma componente variável. A variável depende da taxa de juro definida
pelo Banco Central Europeu. A taxa fixa é alta (7%), ou seja, o legislador
atribuiu a esta taxa elevada duas funções: preventiva (evitar o incumprimento
temporário) e repressiva (reparação de danos). Acresce que esta taxa fixa
simplifica a tarefa de cálculo dos juros, mas a taxa variável é-o
semestralmente. A taxa varável – e nos termos do artigo 3.º da Portaria n.º
277/2013, de 26 de agosto – é divulgada no Diário da República, 2.ª série, por
aviso da Direção-Geral do Tesouro e Finanças, até 15 de janeiro e 15 de julho
de cada ano. Assim, no início de cada semestre divulga-se o valor das taxas
em vigor de forma a facilitar o seu conhecimento pelos interessados.
10
MORAIS, Fernando de Gravato, op. cit., 57.
11
SANTOS, Filipe Cassiano dos, Direito Comercial Português, volume I, Coimbra Editora, Coimbra,
2007, 179.
10
comerciais o disposto nos artigos 559.º-A e 1146.º do Código Civil» - normas
que já citamos e estudamos.
11
de 2000, e introduziu medidas adicionais para dissuadir os atrasos de
pagamentos nas transações comerciais.
a) Objetivos.
12
distorções na concorrência. No combate aos atrasos no pagamento das
transações comerciais as entidades públicas têm uma responsabilidade
especial.
b) Âmbito de aplicação.
13
estabelecidas entre empresas privadas ou públicas, ou entre empresas e
entidades públicas, tendo em conta que estas são responsáveis por um
considerável volume de pagamentos às empresas. A definição de entidade
pública corresponde ao consagrado no Código dos Contratos Públicos [vide o
artigo 3.º alínea c) do diploma que estamos a analisar]. Estão igualmente
abrangidas por este diploma as profissões liberais. Todavia, a Diretiva não
obrigou os Estados Membros a tratar as profissões liberais como empresas ou
comerciantes para fins diferentes dos previstos no âmbito de aplicação da
citada Diretiva.
Para efeito deste diploma [artigo 3.º, alínea b)] entende-se por «transação
comercial», uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades
públicas destinada ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços
contra remuneração. A expressão «transação» não tem tradição jurídica entre
nós nem corresponde ao contrato de transação regulado nos artigos 1248.º e
ss. do Código Civil. A designação «comercial» não é igualmente utilizada no
nosso sentido técnico do Código Comercial, pois tem um âmbito de aplicação
muito vasto, incluindo empresas não mercantis e entidades públicas.
Atendendo a todo o conteúdo do diploma pode-se concluir que «transação
comercial» quer englobar relações jurídicas derivadas de contratos, podendo
ser compra e venda, contratos de prestação de serviços, de fornecimento, de
locação financeira, empreitada, etc. Esta amplitude de abrangência de
«transação comercial» implica, necessariamente, do lado passivo uma
14
obrigação de natureza pecuniária. Por outro lado, os contratos abrangidos pela
expressão em causa são contratos onerosos (que impliquem perdas
patrimoniais para ambas as partes) e sinalagmáticos («pagamentos efetuados
como remuneração de transações comerciais», ou seja, exige-se
correspetividade entre a obrigação de pagamento e o fornecimento das
mercadorias ou a prestação dos serviços).
Por fim, entende-se por «empresa» [artigo 3.º alínea d)], uma entidade
que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou
profissional autónoma, incluindo pessoas singulares. A expressão «empresa» é
usado com um sentido muito amplo, incluindo as empresas não comerciais (id
est, as empresas agrícolas e artesanais)12 e os profissionais liberais.
12
Sobre as empresas comerciais e não comerciais vide ABREU, Jorge Manuel Coutinho de, Da
empresarialidade, as empresas no direito, Almedina, Coimbra, 1996, 25, ss., e 83, ss.
15
seguras, previsíveis e contínuas do que as empresas (além de obterem
financiamento em condições mais atrativas do que as empresas). Acresce que
as entidades públicas dependem menos do que as empresas do
estabelecimento de relações comerciais estáveis para a consecução dos seus
objetivos, pois não “vivem” num quadro concorrêncial. Ou seja, prazos
dilatados de pagamento e atrasos de pagamento por parte de entidades
públicas acarretam custos injustificados para as empresas. Assim sendo, foram
estabelecidas disposições específicas neste domínio, prevendo-se, em
particular, prazos de pagamento curtos (30 dias de calendário), salvo
disposição expressa em contrário prevista no contrato e desde que tal seja
objetivamente justificado pela natureza particular ou pelas características do
contrato, não excedendo, em caso algum, 60 dias de calendário. Todavia, uma
derrogação especial foi consagrada para os serviços de saúde, sendo certo
que não se permitiu um prazo superior a 60 dias de calendário (embora os
Estados-Membros devam envidar todos os esforços para assegurar que os
pagamentos no sector dos cuidados de saúde sejam efetuados dentro dos
prazos legais de pagamento). Este prazo mais alargado teve em consideração
a situação particular da prestação dos serviços de saúde nos diversos Estados-
Membros (que têm de estabelecer um equilíbrio entre as necessidades
individuais dos doentes e os recursos financeiros disponíveis). Assim, às
entidades públicas que prestam cuidados de saúde foi concedido uma certa
margem de flexibilidade no cumprimento das suas obrigações.
16
soma devida à sua disposição na data de vencimento fixada, desde que tenha
cumprido as suas obrigações contratuais e legais. Para este efeito, as faturas
constituem avisos de pagamento e são documentos importantes na cadeia de
valor das transações para o fornecimento de bens e a prestação de serviços,
nomeadamente para determinar os prazos de pagamento. A segurança e a
certeza jurídicas exigiram medidas quanto à data exata da receção das faturas
pelos devedores, incluindo a faturação em linha, em que a receção das faturas
pode produzir prova eletrónica, a qual é em parte regulada pelas disposições
relativas à faturação da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro
de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.
13
Neste sentido vide COSTA, Mário Júlio de Almeida, op. cit., 1057.
17
c) 30 dias após a data de receção efetiva dos bens ou da prestação dos
serviços, quando o devedor receba a fatura antes do fornecimento dos bens ou
da prestação dos serviços;
18
Esta disposição segue o disposto no Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de
maio, que alterou o artigo 102.º do Código Comercial, introduzindo um § 5.º,
que dispõe que, no caso de transações comerciais sujeitas ao mencionado
Decreto-Lei, a taxa de juro acima referida não pode ser inferior ao valor da taxa
de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação
principal de refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de janeiro ou de julho,
consoante se esteja, respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil,
acrescida de oito pontos percentuais.
19
e) Dano superior.
14
Sobre estas medidas vide, entre outros, LOURENÇO, P. Meira, A Função Punitiva da Responsabilidade
Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, 29, ss.; ANTUNES, H. Sousa, Da Inclusão do Lucro Ilícito e de
Efeitos Punitivos entre as Consequências da Civil Extracontratual: a sua Legitimação pelo Dano,
Coimbra, Coimbra Editora, 2011, 206, ss.; CARVAL, S., La responsabilité civile dans sa fonction de peine
privée, LGDJ, Paris, 1995, 233, ss.; JAULT, Alexis, La notion de peine privée, LGDL, Paris, 2005, 67, ss.
20
Apesar de se ter podido ir mais longe, o legislador afastou-se, nesta
disposição, do disposto no artigo 806.º, n.º 1 e n.º 3, do Código Civil. Na
verdade, apesar de este artigo 7.º, em parte, ser um espelho do disposto no
artigo 806.º, n.º 3, do Código Civil (admitindo uma indemnização suplementar,
isto é, para além do quantitativo de juros moratórios, quando exista um prejuízo
superior aos juros previsto no n.º 1 do artigo 806.º), entendemos que dele se
afasta em especial quando estabelece um quantitativo mínimo. É já uma outra
compreensão da responsabilidade civil que está aqui presente15.
15
Sobre a admissibilidade e seus limites dos «exemplary damages», vide AYRES, Ian, KLASS, Gregory,
Studies in Contract Law, eight edition, Foundation Press, New York, 2012, 967, ss.
21
abusiva. Todavia, não está aqui em causa a forma exigida para os contratos,
nos termos do direito interno, nem as normas jurídicas aplicáveis à validade do
contrato ou das cláusulas contratuais que sejam abusivas para o devedor. As
referidas cláusulas são consideradas nulas no nosso ordenamento jurídico.
Prevemos ainda que sempre que tais cláusulas revistam a natureza de
cláusulas contratuais gerais, pode-se recorrer à ação inibitória prevista no
regime das cláusulas contratuais gerais, mesmo nos casos em que este não
seja aplicável. O regime das cláusulas contratuais gerais pode ser sempre
aplicável, nos termos que está regulado.
22
3 — Nos casos dos números anteriores, os contratos mantêm-se,
vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se
necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.
V. Conclusão.
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