Dor Pelvica Cronica 2021
Dor Pelvica Cronica 2021
Dor Pelvica Cronica 2021
2020 / 2023
Vice-Presidente
Helizabet Salomao Abdalla
Secretária
Márcia Mendonça Carneiro
Membros
Carlos Alberto Petta
Carlos Augusto Pires Costa Lino
Corival Lisboa Alves de Castro
Eduardo Schor
Joao Nogueira Neto
João Sabino Lahorgue da Cunha Filho
Marco Aurélio Pinho de Oliveira
Marcos Tcherniakovsky
Maurício Simões Abrão
Omero Benedicto Poli Neto
Ricardo de Almeida Quintairos
Sidney Pearce
Descritores
Dor pélvica; Síndrome miofascial; Síndrome da bexiga dolorosa; Constipação intestinal
Como citar?
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Endometriose.
São Paulo: FEBRASGO; 2021 (Protocolo FEBRASGO-Ginecologia, n. 2/Comissão Nacional
Especializada em Endometriose).
Introdução
A dor pélvica crônica (DPC) é uma condição comum que pode aco-
meter mulheres nas suas diversas fases da vida, mais frequentemen-
te durante a menacme, ou seja, o período reprodutivo. Não se trata
de uma doença especificamente, mas de um sintoma que pode ser
deflagrado ou estar associado a diferentes afecções ou mesmo a ou-
tras queixas clínicas, como disfunção sexual, transtornos do humor,
sangramento anormal, queixas urinárias e intestinais diversas etc.
Acomete uma parcela significa das mulheres e tem um impacto ne-
gativo no curso de vida delas, estando associada a reduzida quali-
dade de vida, sintomas depressivos, ansiedade, diminuição da pro-
dutividade no trabalho e reduzida satisfação sexual.(1,2) Além disso,
está associada a um significativo impacto econômico na vida das
mulheres e da comunidade como um todo.(3,4) Embora seja possível
Definição
A ReVITALize, iniciativa liderada pelo Colégio Americano de
Obstetras e Ginecologistas (ACOG) que visa padronizar a terminolo-
gia em ginecologia e obstetrícia, define DPC como “presença de dor
percebida como originária de órgãos/estruturas pélvicas, tipicamen-
te com duração maior que seis meses. Está frequentemente associa-
da a consequências negativas dos pontos de vista cognitivo, compor-
tamental, sexual e emocional, bem como com sintomas sugestivos
de disfunção do trato urinário inferior, sexual, intestinal, assoalho
pélvico, miofascial ou ginecológico”. A dor pélvica cíclica também é
considerada uma forma de DPC, desde que haja consequências cog-
nitivas, comportamentais, sexuais e emocionais significantes. A dor
desencadeada pelo coito é tema de controvérsia, mas tem sido discu-
tido como um sintoma componente de DPC.(6,7)
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Dor pélvica crônica
Prevalência
A prevalência mundial varia entre 2% e 27%, sendo próxima de 4%
nos países desenvolvidos.(8,9) No Brasil, estima-se prevalência aproxi-
mada de ao menos 10%.(10,11) Afecções ginecológicas e não ginecoló-
gicas frequentemente se sobrepõem em até 60% das mulheres.(7) Por
outro lado, nenhuma doença pélvica é identificada em aproximada-
mente um terço das pacientes,(12) e se usarmos os critérios estabeleci-
dos na Classificação Internacional de Doenças, décima edição (CID-
10), entre 60% e 80% se enquadram no diagnóstico de desordem
somatoforme.(13) De qualquer modo, a condição responde por 10% a
20% das consultas ginecológicas, 20% das histerectomias e 40% das
laparoscopias ginecológicas realizadas.(14) Mesmo após o diagnóstico
etiológico e o tratamento correto, as taxas de recorrência dos sinto-
mas podem ser superiores a um terço.(15)
Etiologia
O painel de diagnóstico diferencial é extenso.(7) Embora seja possível
subdividi-los em ginecológicos ou não, talvez o mais prudente seja
separar as condições de origens visceral, neuromuscular e psicos-
social. Isso nos dá uma ideia melhor dos mecanismos fisiopatológi-
cos envolvidos e favorece a instituição de medidas complementares
para controle da dor ou dos episódios de piora. Por exemplo, dores
de origem neuropática não deveriam ser controladas com o uso de
anti-inflamatórios não esteroidais, assim como o uso indiscrimina-
do de fármacos antidepressivos ou neurolépticos para tratamento de
dores de origem visceral não acrescenta melhora significativa, aliás,
pode agregar mais efeitos colaterais indesejados. Em geral, causas
ginecológicas estão entre as causas viscerais e incluem adenomiose,
aderências pélvicas, congestão pélvica, doença inflamatória pélvica
Fisiopatologia
Por se tratar de uma condição que pode ter inúmeras causas primá-
rias e estar associada a outras tantas, a fisiopatologia da dor pélvica
crônica é complexa, para não dizer incerta. Discutir especificamen-
te a fisiopatologia associada a cada causa seria muito longo e pouco
útil para o clínico. No entanto, alguns pontos são importantes e se-
rão ressaltados. Dores de origem visceral são percebidas em decor-
rência de estímulos aferentes que caminham de terminações neu-
rais periféricas (nociceptores) localizadas nas paredes das vísceras
e atingem a medula espinhal através de fibras aferentes, predomi-
nantemente do tipo C, o que lhes confere a característica de terem
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Avaliação diagnóstica
História clínica
Para uma orientação diagnóstica mais precisa, é fundamental reali-
zar uma história clínica minuciosa. Atenção especial deve ser dada
à cronologia dos sintomas, às associações feitas pela paciente e aos
eventos deflagradores. Antecedentes ginecológicos, obstétricos, ci-
rúrgicos (principalmente cirurgias transversas de repetição no abdo-
me, como cesáreas e histerectomias) e fatores relacionados a riscos
e exposições (como doenças sexualmente transmissíveis), investi-
gações e tratamentos prévios, assim como qualquer forma de abuso
(sexual, psicológico, profissional ou doméstico), também são impor-
tantes. A International Pelvic Pain Society disponibiliza um formulá-
rio em diversos idiomas, inclusive em português, que pode ajudar os
profissionais a sistematizarem a avaliação inicial (https://www.pel-
vicpain.org/IPPS/Professional/Documents-Forms/IPPS/Content/
Professional/Documents_and_Forms.aspx). Os sintomas psicoló-
gicos também devem ser avaliados e, neste quesito, talvez seja mais
interessante o uso de ferramentas objetivas que ajudem o ginecolo-
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gista a fazer uma boa triagem e uma boa indicação de avaliação com-
plementar por um profissional da área. Existem diversos instrumen-
tos para isso, mas sugerimos o Patient Health Questionnaire (PHQ-9)
ou sua forma reduzida (PHQ-2) pela facilidade e bons atributos psi-
cométricos de sensibilidade e especificidade.(21) Alguns sintomas
e sinais são sugestivos de neuropatia. Conhecê-los pode ser muito
útil na definição do diagnóstico definitivo ou mesmo dos compo-
nentes de dor associados, o que ajuda no direcionamento do trata-
mento. O questionário de dor neuropática (Douleur Neuropathique 4
Questionnaire [DN-4]) é uma dessas ferramentas.(22)
Outro elemento fundamental e importante de ser realizado em
todas as consultas é a mensuração da intensidade da dor. Mais do
que uma avaliação pontual, a análise da “curva de dor” ao longo do
acompanhamento pode ser valiosa no direcionamento da aborda-
gem. Existem inúmeras escalas para essa mensuração,(23) mas a esca-
la analógica visual, a escala categórica numérica e a escala de faces
são as mais utilizadas. O importante é sempre usar a mesma para
critério de comparabilidade da intensidade de dor em momentos
distintos em um mesmo indivíduo.
Exame físico
O exame físico também é importante e deveria incluir algumas ou-
tras observações além daquelas já usuais na avaliação do gineco-
logista. São elas: palpação das regiões sacral e lombar inferior, das
articulações sacroilíacas, da sínfese púbica, assim como procura de
espasmos ou pontos localizados de dor na parede abdominal, asso-
alho pélvico e períneo. O uso de um cotonete ou escova com cerdas
macias também pode ser útil para avaliar a sensibilidade dessas re-
giões. Dentre todos eles, o que mais se destaca pela precisão, pela
frequência com que é identificado e pelo impacto que tem na deter-
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Dor pélvica crônica
Exames complementares
Na maioria dos casos, exames laboratoriais ou de imagem pouco
auxiliam na confirmação diagnóstica da causa de DPC, porém são
importantes na exclusão de outras afecções associadas e na defini-
ção da programação terapêutica. Devem ser solicitados, de forma ra-
cional, com base na história clínica e no exame físico. A solicitação
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Medidas farmacológicas
Anti-inflamatórios não esteroidais:(40) são fármacos muito utili-
zados no cotidiano, inclusive como automedicação. Recomendamos
evitar o uso crônico pelo risco de efeitos adversos. Possibilidades:
diclofenaco (75 mg, via oral, duas vezes ao dia), diclofenaco micro-
nizado (35mg, via oral, três vezes ao dia), nimesulida (50 a 200 mg,
via oral, duas vezes ao dia), naproxeno (250 a 500 mg, via oral, uma
a duas vezes ao dia), ibuprofeno (600 a 800 mg, via oral, três vezes
ao dia), cetoprofeno (100 a 300 mg, via oral, uma vez ao dia), áci-
do mefenâmico (500mg, via oral, três vezes ao dia), piroxicam (20
a 40mg, via oral, uma vez ao dia), trometamol cetorolaco (10mg,
uso sublingual, três vezes ao dia), celecoxibe (200mg, via oral, duas
vezes por dia, Etoricoxibe (60mg, via oral, uma vez ao dia), alem de
poder estarem associados com protetores gástricos, tais como: ni-
mesulida + pantoprazol (100mg + 20mg, via oral, uma a duas vezes
por dia), naproxeno + esomeprazol (500mg + 20mg, via oral, uma
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CNE em Endometriose
gabalina 75 mg, duas vezes ao dia, podendo atingir 300 mg, duas
vezes ao dia; cloridrato de duloxetina 60 a 120 mg ao dia (https://
www.cochrane.org/CD007115/NEUROMUSC_duloxetine-treatin-
g-painful-neuropathy-chronic-pain-or-fibromyalgia); já velafaxi-
na tem efeito controverso (https://www.cochrane.org/CD011091/
SYMPT_venlafaxine-neuropathic-pain-adults).
Injeção de anestésico tópico: recomendamos injeção local de
anestésicos nos pontos gatilho para tratar síndrome miofascial e
neuralgias mediante o bloqueio de nervos ilioinguinais, ilioipogás-
tricos ou pudendos. Em geral, injeção de 2 a 3 mL da solução sem va-
soconstritor no ponto de dor é suficiente. A frequência de uso é por
demanda, mas recomendamos uma a duas vezes por semana. Temos
observado que quatro a oito aplicações são suficientes até que o tra-
tamento específico tenha o efeito desejado.(43) Necessidade superior
a essa deve indicar atenção ao diagnóstico atribuído.
Injeção de toxina botulínica: tem sido proposto o uso para tra-
tamento da síndrome miofascial, mas um ensaio clínico recente não
mostrou eficácia superior à do placebo.(44)
Medidas cirúrgicas
Adesiólise: recomendamos que seja feita adesiólise quando identi-
ficada a presença de aderências no intraoperatório. No entanto, de-
ve-se levar sempre em conta o princípio de não maleficência, ou seja,
é preciso ponderar o risco de lesão de estruturas nobres e complica-
ções advindas da adesiólise. Esse princípio é importante, pois o real
benefício da adesiólise é controverso.(45,46)
Cirurgias ablativas (ablação de ligamentos uterossacros e
neurectomia pré-sacral): em geral, não são indicadas, pois não há
evidências de melhora significativa.(47) Além disso, a taxa de compli-
cações é significativa.(48)
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Comentários finais
A dor pélvica crônica é uma afecção complexa. A fisiopatologia não é
completamente compreendida e, por conseguinte, medidas terapêuti-
cas são parcialmente eficazes. A legitimação dos sintomas e a análise
multidisciplinar integrada são as opções com resultados mais satisfató-
rios tanto para as pacientes quanto para os profissionais que as assistem.
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