Carta Do Prelado Do Opus Dei
Carta Do Prelado Do Opus Dei
Carta Do Prelado Do Opus Dei
1. Desejava muito voltar a escrever, agora de maneira um pouco mais extensa. Com estas letras,
quero fazê-los partícipes das conclusões do último Congresso geral, que ocorreu em Roma em
janeiro passado. Faço isso porque, como dom Javier em 2010, quero que todos sintam o peso da
Obra, o peso das almas, a responsabilidade de levar para a frente esta pequena família que
formamos. Com toda a Igreja, aspiramos, segundo uma expressão de São Paulo, a reconciliar o
mundo com Deus (cfr. 2 Cor 5, 19): tarefa imensa, que nos superaria se não contássemos com a
graça divina.
É responsabilidade nossa, como escrevia com palavras de São Josemaria, na minha primeira carta
como Padre desta pequena parte da Igreja, redimir e santificar o nosso tempo, compreender e
compartilhar as aspirações dos outros. Volto agora a essas palavras: Não é verdade que toda a
gente de hoje - assim, em geral e em bloco - esteja fechada ou permaneça indiferente ao que a
fé cristã ensina sobre o destino e o ser do homem; não é verdade que os homens destes tempos
se ocupem só das coisas da terra e se desinteressem de olhar para o céu. Ainda que não faltem
ideologias - e pessoas a sustentá-las - que permanecem fechadas, há em nossa época anseios
elevados de mistura com atitudes rasteiras, heroísmos a par de covardias, idealismos ao lado de
desilusões; criaturas que sonham com um mundo novo mais justo e mais humano, embora
outras, decepcionadas talvez com o fracasso dos seus primitivos ideais, se refugiem no egoísmo
de cuidar apenas da sua própria tranquilidade ou de permanecer imersas no erro.
A todos esses homens e a todas essas mulheres, estejam onde estiverem, em seus momentos de
exaltação ou em suas crises e derrotas, temos que fazer chegar o anúncio solene e firme de São
Pedro, durante os dias que se seguiram ao Pentecostes: Jesus é a pedra angular, o Redentor, a
totalidade da nossa vida, porque fora dEle não foi dado aos homens outro nome debaixo do céu
pelo qual possamos ser salvos (Atos 4, 12)1.
1
São Josemaria, É Cristo que passa, nº 132.
2
Cfr. Francisco, Exhort. ap. Evangelii gaudium, 24-XI-2013, íncipit.
3
São Josemaria, Caminho, nº 833.
querido me escrever uma carta de encorajamento, colocando-me sob o cuidado de Nossa
Senhora.
4
São João Paulo II, Homilia, 23-III-1980. Cfr. Concílio Vaticano II, Const. Past. Gaudium et spes nº 22.
5
Cfr. Missal Romano, Prefácio I dos santos.
6
Dom Javier, Carta, 28-XI-2002, nº18, em Cartas de Família V, nº125. Cfr. Instrução, 31-V-1936, nº 66.
6. Além de manifestar o seu agradecimento aos que foram Custodes de dom Javier, pela dedicação
com que o atenderam, o Congresso valorizou a grande ajuda que os fiéis idosos ou doentes
prestam, com o oferecimento alegre e simples de suas limitações, para continuar impulsionando o
labor de evangelização que a Obra desenvolve em todo o mundo. Soma-se a esse impulso calado,
sem dúvida, a atenção esmerada de quem cuida dessas pessoas, com carinho e espírito de serviço
generoso, seguindo a tradição que herdamos de São Josemaria, como parte importante do espírito
de família. Filhas e filhos meus, muitas coisas dependem da maneira como cuidamos os idosos e
doentes!
O Congresso Geral fez constar também o seu reconhecimento a seus irmãos e irmãs que, ao longo
destes anos, foram começar o labor apostólico em novos países, deixando seu lugar de origem
para ajudar a fazer a Obra em outras latitudes. Dom Javier nos repetia com frequência, como
lembram, que há muita gente boa esperando-nos em todos os lugares.
Desafios atuais na aventura da formação
7. O dinamismo apostólico, fruto do Espírito Santo, foi sustentado pelo profundo trabalho de
formação que a Prelazia oferece aos seus fiéis, e que é a sua missão: faz-se de todo o mundo uma
grande catequese7. O Congresso quis ressaltar alguns conteúdos dessa formação nas
circunstâncias atuais. Permitam-me que os enumere a seguir, para que em cada circunscrição da
Prelazia, em cada Centro, em cada família das minhas filhas e filhos, em cada alma, a luz e a força
da graça nos faça ver o que mais podemos fazer e, principalmente, como podemos melhorar o que
já fazemos.
8. Em primeiro lugar, foi considerada a centralidade da Pessoa de Jesus Cristo, a quem desejamos
conhecer, tratar e amar. Colocar Jesus Cristo no centro de nossa vida significa penetrar mais na
oração contemplativa no meio do mundo, e ajudar os outros a irem por caminhos de
contemplação8. É redescobrir com luzes novas o valor antropológico e cristão dos diferentes
meios ascéticos. É chegar à pessoa na sua integridade: inteligência, vontade, coração, relações
com os outros. É fomentar a liberdade interior, que leva a fazer as coisas por amor. É ajudar a
pensar, para que cada um descubra o que Deus lhe pede e assuma as suas decisões com plena
responsabilidade pessoal. Alimentar a confiança na graça de Deus para enfrentar o voluntarismo e
o sentimentalismo. Expor o ideal da vida cristã sem confundi-lo com o perfeccionismo, ensinando
a conviver com a própria fraqueza e a dos outros. Assumir com todas as suas consequências uma
atitude cotidiana, fundamentada na filiação divina, de abandono repleto de esperança.
Dessa forma, o sentido de missão da nossa vocação se fortalece, com uma entrega plena e alegre:
porque somos chamados a contribuir, com iniciativa e espontaneidade, para melhorar o mundo e
a cultura de nosso tempo, de modo que os planos de Deus estejam abertos para a
humanidade: cogitationes cordis eius, os projetos de seu coração, que se mantêm de geração em
geração (Sal 33 [32] 11).
Neste sentido, convém facilitar que todos queiram viver com o coração em Deus e, portanto,
desprendidos das coisas materiais. Livres para amar: este é o sentido do nosso espírito de
pobreza, austeridade e desprendimento, aspectos evangélicos enormemente valorizados pelo
magistério do Papa Francisco.
7
São Josemaria, Anotações de uma reunião familiar, 6-II-1967, em Noticias 1967, pg. 84 (AGP, biblioteca, P02).
8
São Josemaria, Amigos de Deus, nº 67.
Além disso, o nosso amor à Igreja nos moverá a procurar recursos para o desenvolvimento dos
labores apostólicos, e a promover em todos um grande entusiasmo profissional: aos que ainda são
estudantes e devem possuir grandes desejos de construir a sociedade, e aos que já exercem uma
profissão: convém que, com retidão de intenção, desenvolvam a santa ambição de chegar longe e
deixar rastro. Ao mesmo tempo, animo a todos os Numerários e Numerárias a terem uma
disponibilidade ativa e generosa para dedicar-se, quando for preciso, com esse mesmo entusiasmo
profissional, às tarefas de formação e governo.
9. Esse amplo panorama nos convida a renovar o afã de expansão, como nos primeiros tempos da
Obra, para levar a alegria do Evangelho a muitas almas, para que muitos sintam a atração de Jesus
Cristo9. Nosso Padre nos dizia: se queremos ser mais, sejamos melhores10. Gostaria que esta
consideração suscitasse em nós um renovado sentido de urgência para promover, com a graça de
Deus e a correspondência livre e generosa das pessoas, muitas vocações – as que Deus quiser – de
Numerários, Adscritos, Supernumerários e sacerdotes da Sociedade Sacerdotal da Santa Cruz.
Liberdade e vocação: temos aqui duas dimensões essenciais da vida humana, que apelam uma à
outra. Somos livres para amar um Deus que chama, um Deus que é amor e que põe em nós o
amor para amá-Lo e amar aos outros11. Esta caridade nos dá plena consciência da nossa missão,
que não é um apostolado exercido de modo esporádico ou eventual, mas de modo habitual e por
vocação, tomando-o como o ideal de toda a vida12. O ideal do amor a Deus e aos outros nos leva
a cultivar a amizade com muitas pessoas: não fazemos apostolado, somos apóstolos! Assim
caminha a “Igreja em saída” da qual o Papa fala com frequência lembrando-nos a importância da
ternura, da magnanimidade, do contato pessoal.
Este «dinamismo de “saída” que Deus quer provocar nos que creem»13 não é uma estratégia, mas
a própria força do Espírito Santo, Caridade incriada. Num cristão, num filho de Deus, amizade e
caridade fazem uma só coisa: luz divina que dá calor14. As circunstâncias atuais da evangelização
tornam ainda mais necessário, se é possível, dar prioridade ao relacionamento pessoal, este
aspecto que está no centro do modo de fazer apostolado que São Josemaria encontrou nos relatos
evangélicos. Bem se pode dizer, filhos da minha alma, que o maior fruto do labor do Opus Dei é
aquele que seus membros obtêm pessoalmente, com o apostolado do exemplo e da amizade
leal15.
9
São Josemaria, Notas de uma meditação, 1-IV-1962 (AGP, biblioteca, P09, p.46).
10
São Josemaria, Instrução, 8-XII-1941, nota 122.
11
Cfr. São Josemaria, Forja, nº 270.
12
São Josemaria, Instrução, maio de 1935/14-IX-1950, nº15
13
Francisco, Exhort. ap. Evangelii gaudium, 24-XI-2013, n. 20.
14
São Josemaria, Forja, nº 565.
15
São Josemaria, Carta 11-III-1940, nº55.
ativa dos assistentes; para mostrar a incidência prática do espírito do Opus Dei na vida familiar e
social, de modo que a unidade de vida cresça: uma autêntica coerência cristã entre o que se
pensa, se reza e se vive (cfr. Jo, 24; Rm 12 1; 2 Ts 3, 6-15).
11. Para a fraternidade e o apostolado de amizade e confidência, algumas virtudes são de grande
importância: junto à humildade, a alegria e a generosidade. E faz-se necessário um sincero
interesse pelos outros, em forma de compreensão, respeito e apreço às diferentes opiniões. Um
tom positivo nas conversas permite enfocar melhor as questões. Em resumo, trata-se de que
sejamos semeadores de paz e de alegria16 como o nosso Padre nos ensinou, também retificando
com espírito esportivo quando, em lugar de paz, tivermos semeado talvez um pouco de discórdia.
Nossos Centros, as casas dos Adscritos, dos Supernumerários e dos sacerdotes da Sociedade
Sacerdotal da Santa Cruz devem irradiar um atraente calor de lar (cfr. Sl 133 [132] 1; Jo 13,
34-35).
Lembro-me da paz e da serenidade que dom Álvaro irradiava somente com a sua presença, pois
vivia o que nos ensinava: «O espírito de família é tão essencial para nós, que cada filha e cada filho
meu o leva sempre consigo. É tão forte que logo se manifesta ao nosso redor, facilitando a criação
de um ambiente de lar em qualquer lugar onde nos encontrarmos. Por isso, nosso ser e sentir-nos
família não se fundamenta na materialidade de vivermos sob o mesmo teto, mas sim no espírito
de filiação e de fraternidade, que o Senhor quis para sua Obra desde o primeiro momento»17.
12. Peço ao Senhor que a formação de quem exerce uma direção espiritual pessoal, sacerdotes ou
leigos seja cuidada com um especial empenho, para que saibam ajudar os outros com dedicação e
acerto. Com a graça de Deus, devem mover a acolher com generosidade as moções do Espírito
Santo, que fala no fundo do coração (Cfr. Mt 10,20). O bom exemplo e o cumprimento esmerado
das obrigações profissionais, familiares e sociais, são imprescindíveis para ajudar outras pessoas a
seguirem o Senhor. Nosso Padre nos ensinou que o prestígio profissional, considerado como
autêntico serviço, é anzol de pescador de homens18: a fé ilumina a inteligência e dá sentido à vida,
faz descobrir aquela nova dimensão que leva à Vida em Cristo.
13. Convém favorecer, com ações específicas, a formação profissional permanente daqueles que
participam das tarefas de direção dos labores apostólicos. Trata-se de melhorar suas capacidades
de governo e de direção de pessoas e equipes. Uma grande responsabilidade reside em reforçar a
identidade cristã dos labores, a qualidade da sua gestão e o serviço que oferecem à sociedade. A
colegialidade é uma arte que não se improvisa: é necessário saber escutar, mudar de parecer,
compartilhar opiniões, contar com o melhor com que cada pessoa possa contribuir.
Na Igreja
14. Para que a nova evangelização dê frutos, é decisiva a comunhão entre os próprios católicos. É
parte da nossa missão fazer crescer o apreço mútuo entre os fiéis da Igreja, e entre os vários
grupos que existem na grande família dos filhos e filhas de Deus: o principal apostolado que nós,
os cristãos, temos de realizar no mundo, o melhor testemunho de fé, é contribuir para que
dentro da Igreja se respire o clima da autêntica caridade19. Para isto, é necessário reforçar, do
16
São Josemaria, É Cristo que passa, nº 30.
17
Bem-aventurado Álvaro, Carta, 1-XII-1985, em Cartas de família I, nº 204.
18
São Josemaria, Caminho, nº 372.
19
São Josemaria, Amigos de Deus, n.226.
modo oportuno em cada caso, a relação com pessoas de outras instituições e realidades da Igreja,
superar possíveis mal-entendidos e rezar pelas iniciativas promovidas por outros, vivendo a
humildade coletiva.
15. A ajuda que se oferece a sacerdotes e seminaristas é também muito importante para o bem da
Igreja e da sociedade. Os sócios Adscritos e Supernumerários da Sociedade Sacerdotal da Santa
Cruz, por participarem plenamente da vocação à Obra, são protagonistas de primeira linha para
dar um novo dinamismo a todos os labores, respeitando totalmente a dependência única em
relação ao seu próprio Bispo, e no contexto de seu ministério pastoral, que desenvolvem
habitualmente inteira e diretamente ao serviço da diocese de incardinação, à qual devem amar
cada vez mais.
Todos os fiéis do Opus Dei são chamados a rezar e ter proximidade e veneração aos bispos e aos
sacerdotes do seu âmbito geográfico, bem como a colaborar com eles na medida das suas
possibilidades: sempre que for coerente com a santificação do seu trabalho profissional e dos seus
deveres familiares.
Aos sacerdotes eu me limitarei a recordar agora umas palavras do Papa sobre o ministério da
confissão: sejamos acolhedores com todos, testemunhas da ternura de Deus, solícitos em ajudar a
refletir, claros, disponíveis, prudentes e generosos. Com um coração magnânimo celebraremos o
mistério da infinita misericórdia de um Deus que perdoa20.
Será bom continuar aproveitando as oportunidades de estimular alguns fiéis da Prelazia,
Cooperadores e jovens, a se oferecerem para colaborar, com plena liberdade e responsabilidade
pessoais, em catequeses, cursos pré-matrimoniais, obras sociais, nas paróquias ou outros lugares
que o necessitem, sempre que forem serviços coerentes com a sua condição secular e
mentalidade laical, e sem que nesse aspecto dependam em nada da autoridade da Prelazia. Por
outro lado, quero fazer uma menção especial às religiosas e religiosos, que tanto bem fizeram e
fazem à Igreja e ao mundo. Quem não amar e venerar o estado religioso, não é bom filho meu21,
ensinava-nos o nosso Padre. Alegra-me, além disso, pensar em tantos religiosos, além de
sacerdotes diocesanos, que viram a sua vocação florescer ao calor da Obra.
Para um melhor serviço à Igreja e um atento cuidado das almas, o Congresso geral indicou que se
estude, com imaginação criativa e flexibilidade, a melhor maneira de impulsionar e coordenar os
labores apostólicos: por exemplo, unificando, em certos casos, alguns Centros do Opus Dei, para
economizar energias e facilitar uma vida em família cheia de alegria e carinho. Ou então dispondo
de mais pontos de apoio, convenientemente instalados e organizados de forma flexível, para
organizar os meios de formação lá onde as pessoas estiverem: nos centros nevrálgicos das
cidades, em zonas de forte densidade laboral, em polos de crescimento urbano, em colégios e
universidades, por exemplo.
20
Cfr. Francisco, cfr. Carta ap. Misericordia et misera, 20-XI-2016, n. 10.
21
São Josemaria, Instrução, maio 1935/14-IX-1950, nota 5.
dignidade da pessoa humana e seu destino à glória dos filhos de Deus em Jesus Cristo»22. Todos os
fiéis da Prelazia, as pessoas de São Rafael e os Cooperadores devem sentir-se protagonistas desta
nova cultura, que haverá de superar a mentalidade relativista contemporânea. Isto exige de cada
um, de acordo com as suas possibilidades, uma profunda formação humana, profissional e
doutrinal, além de uma presença decidida nas instâncias às quais puderem ter acesso, com uma
mente aberta que lhes permita se relacionarem com todos.
Também é necessária certa ascendência – que se adquire se levarmos os outros a sério – e um
dom de línguas pessoal, cultivado com desejo permanente de renovação. Dessa forma,
favorecemos essa empatia que faz com que a visão cristã da realidade seja convincente, pois conta
também com as inquietações do próximo, sem atropelar nem cair no monólogo. O respeito à
dignidade de cada pessoa, por cima dos seus erros, e ao bem comum da sociedade, o trabalho
sereno e responsável, em colaboração com outros cidadãos, põe em evidência a beleza e o poder
de atração dos valores cristãos nos vários âmbitos da sociedade.
17. Para entender a complexidade de certos setores da vida social requer-se a ajuda de
especialistas em campos como, por exemplo: o uso das tecnologias digitais de informação e
comunicação, o acompanhamento de iniciativas educacionais, a comunicação institucional, a
administração de projetos universitários, a direção e gestão de hospitais e clínicas, os projetos de
promoção social, a criação e manutenção de fundos patrimoniais. A exigência de competência
profissional faz parte da mentalidade laical e caminha ao lado dos desejos da alma sacerdotal:
aperfeiçoar a criação e corredimir.
Para promover uma nova cultura, faz-se necessário formar aqueles especialistas que, com bom
critério, poderiam ajudar a enfocar – tendo como base uma antropologia cristã – questões
especialmente complexas: gênero, igualdade, objeção de consciência, liberdade religiosa,
liberdade de expressão, bioética, modos de comunicação, citando apenas algumas. As
universidades e os centros de pesquisa são lugares privilegiados para estudar estes temas.
Além disso, convém elaborar, com prudência e com audácia, um plano de formação adequado a
cada pessoa, começando pelos mais jovens, para que tenham ideias bem fundamentadas. Sem
fechar-se numa atitude meramente defensiva, é necessário conhecer os acertos dos diferentes
posicionamentos, dialogar com outras pessoas, aprendendo de todos e respeitando
esmeradamente a sua liberdade, mais ainda em matérias opináveis.
18. É famosa aquela afirmação do bem-aventurado Paulo VI, que dizia: «o homem contemporâneo
escuta com mais vontade aqueles que dão testemunho do que aqueles que ensinam», e
continuava: «Se escutam os que ensinam, é porque eles dão testemunho»23. Na cultura
contemporânea são necessários rostos que façam uma mensagem ser plausível. Por isso, convém
apresentar testemunhos atraentes de vida cristã disponibilizada ao serviço dos outros. Além de
formar líderes de opinião, é preciso impulsionar iniciativas de informação sobre a Igreja e, em seu
seio, a Prelazia do Opus Dei, também por meio das redes sociais, tão eficazes para chegar
imediatamente a milhares de pessoas. O desenvolvimento destas iniciativas depende da
generosidade e da criatividade daqueles que as mantiverem.
19. Junto ao apostolado pessoal de amizade e confidência, o Congresso quis manifestar seu pleno
apoio aos labores apostólicos corporativos e pessoais. Sua fecundidade apostólica se comprova
22
Dom Javier, Carta, 28-XI-2002, n. 11, em "Cartas de familia" V, n. 118.
23
Bem-aventurado Paulo VI, Exhort. ap. Evangelii nuntiandi, 8-XII-1975, n. 41
pela formação integral que dispensam: ensinam, educam, abrem ao serviço aos outros. Interessa
que permitam chegar a muito mais pessoas, aproximando-as pouco a pouco das riquezas da fé
cristã, que liberta do medo e da tristeza. Para que essa fé se encarne na vida cotidiana, são
necessários meios de formação adaptados à família, alunos de colégios, estudantes universitários
etc. Isso requer motivar as pessoas e prepará-las bem.
20. A evangelização da sociedade e o desenvolvimento sustentável do labor apostólico fazem
conveniente que surjam novos centros educativos nos quais se possa proporcionar uma formação
humana e cristã aos pais e aos seus filhos, desde a mais tenra infância. Quando a criação destes
centros estiver sujeita a uma legislação que impeça ou dificulte ser obra corporativa ou labor
pessoal, apesar de tudo, podem apresentar-se condições que permitam receber uma atenção
espiritual por parte de sacerdotes da Prelazia.
Importância da família
21. Em sua segunda encíclica o Papa nos ensina: «Na família, cultivam-se os primeiros hábitos de
amor e cuidado da vida, como, por exemplo, o uso correto das coisas, a ordem e a limpeza, o
respeito pelo ecossistema local e a proteção de todas as criaturas. A família é o lugar da formação
integral, onde se desenvolvem os distintos aspectos, intimamente relacionados entre si, do
amadurecimento pessoal»24. A pessoa amadurece com o tempo e se olhar para a frente, com
confiança: é preciso estimular nas famílias o profundo sentido da virtude da esperança.
Convirá estudar modos práticos para desenvolver a preparação ao matrimônio, sustentar o amor
mútuo entre os esposos e a vida cristã nas famílias, impulsionar a vida sacramental de avós, pais e
filhos, especialmente a confissão frequente. Cristo abraça todas as idades do homem. Ninguém é
inútil ou supérfluo.
O Congresso valoriza a ação de grupos de estudo sobre o papel educativo, social e econômico da
família, com vistas a criar na opinião pública um ambiente favorável às famílias numerosas. Será
oportuno reforçar a atenção daquelas que já têm relação com os diferentes instrumentos
apostólicos (jardins de infância, colégios, clubes, universidades, residências).
A Orientação familiar, tão estimulada por dom Javier, continua sendo uma prioridade, pois
contribui eficazmente para a consolidação do amor mútuo entre os esposos e a sua abertura à
vida, e facilita que, a partir da realidade da família natural, se desemboque na alegria da família
como espaço espiritual cristão. Com muitas iniciativas se chega cada vez a mais famílias jovens e
se realiza uma ampla tarefa formativa. Descobre-se, dessa forma, para muitas pessoas, a beleza do
matrimônio sacramental, imagem da união de Cristo com a sua Igreja (Cfr. Ef 5, 32): com o
sacramento, a paz e a alegria do Espírito Santo entram nos lares. No amor mútuo dos pais, assim
como na liturgia e na comunhão da Igreja, Deus «nos ama e nos faz ver e experimentar seu amor e
deste “antes" de Deus pode nascer também em nós o amor como resposta»25.
22. O Congresso quis destacar um campo apostólico de grande relevância nos últimos anos: trata-
se de contribuir para o crescimento da fé e da formação de tantos imigrantes procedentes de
países de tradição católica (por exemplo, filipinos, latino-americanos, poloneses, etc.) e de formá-
los humanamente. Além de ajudá-los a desenvolver a sua própria identidade, essa formação faz
24
Francisco, Enc. Laudato si', 24-V-2015, n. 213.
25
Bento XVI, Enc. Deus caritas est, 25-XII-2005, n. 17; cfr. 1 Jo 4, 10.
deles, no país que os acolhe, uma autêntica levedura para a evangelização (cfr. Lc 13, 20). No
mundo inteiro, várias dezenas de igrejas encarregadas pelos Bispos a sacerdotes incardinados na
Prelazia podem manter eficazmente esse trabalho, seguindo os planos pastorais dos Ordinários
diocesanos de que dependem.
Algumas prioridades
29. Além do começo cada vez mais próximo do apostolado da Prelazia em novos países, o
Congresso sugere orientar a expansão apostólica para alguns lugares nos quais já se trabalha, e
que têm grande incidência para a configuração do futuro da sociedade, pelo fato de neles se
encontrarem organismos internacionais ou centros de liderança intelectual.
30
Catecismo da Igreja Católica, nº 2204.
O Congresso convida a prosseguir a publicação e a difusão das obras completas de São Josemaria e
o correspondente trabalho de pesquisa histórica, para o bem da Igreja e das almas.
Especificamente, sugere-se desenvolver ainda mais, a partir de perspectivas diversas (acadêmica,
teológica, sociológica, espiritual, entre outras) esse aspecto central da mensagem de São
Josemaria que é o trabalho dos filhos de Deus como eixo da santidade e âmbito natural do
apostolado, com tantas consequências para a Igreja e para a sociedade.
30. Já estou prestes a terminar. Depois da leitura das páginas anteriores, poderão se perguntar:
entre tantas conclusões a que o Congresso chegou, quais são as prioridades que Nosso Senhor nos
apresenta neste momento histórico do mundo, da Igreja e da Obra? A resposta é clara: em
primeiro lugar, cuidar da nossa união com Deus com delicadeza de apaixonados, partindo da
contemplação de Jesus Cristo, rosto da Misericórdia do Pai. O programa de São Josemaria será
sempre válido: “Que procures Cristo. Que encontres Cristo. Que ames a Cristo”31. O labor
apostólico da Obra é e será sempre uma superabundância de nossa vida interior. São momentos,
filhas e filhos meus, para penetrarmos cada vez mais por caminhos de contemplação no meio do
mundo.
31. A Igreja, há décadas, fixou a sua atenção maternal em duas prioridades: a família e os jovens.
Também nós, como partezinha da Igreja, queremos secundar os desvelos dos últimos Papas para
que a família responda cada dia com maior fidelidade aos planos amorosos que Deus traçou para
ela. Ao mesmo tempo, devemos ajudar todos os jovens para que os sonhos que têm de amor e de
serviço se convertam em uma jubilosa realidade. As conclusões do Congresso encontram no
acompanhamento à família e aos jovens uma linha de força, da qual poderão extrair-se muitas
consequências práticas no nosso labor apostólico diário.
Junto a estas prioridades, gostaria de sublinhar a urgência que todos temos de dilatar o nosso
coração – pedimos ao Senhor que nos dê um coração à medida do seu – para que entrem nele
todas as necessidades, as dores, os sofrimentos dos homens e mulheres do nosso tempo,
especialmente dos mais fracos. No mundo atual, a pobreza apresenta muitos rostos diferentes:
doentes e idosos que são tratados com indiferença, a solidão que experimentam muitas pessoas
abandonadas, o drama dos refugiados, a miséria em que vive boa parte da humanidade como
consequência, muitas vezes, de injustiças que clamam ao Céu. Nada disto pode ser indiferente
para nós. Sei que todas as minhas filhas e os meus filhos colocarão em movimento a “imaginação
da caridade”32, para levar o bálsamo da ternura de Deus a todos os nossos irmãos que passam
necessidade: Os pobres - dizia aquele amigo nosso - são o meu melhor livro espiritual e o
principal motivo de minhas orações. Doem-me eles, e Cristo me dói com eles. E, porque me dói,
compreendo que O amo e que os amo33.
32. O Congresso quis colocar explicitamente nas mãos da Virgem as conclusões que acabo de lhes
transmitir. É somente com a sua mediação materna que seremos capazes de ir adiante na
apaixonante missão que nos é confiada como discípulos de Jesus Cristo. Ela é a Mater pulchræ
dilectionis, a Mãe do Amor Formoso (Cfr. Sir 24,24), que celebramos no calendário próprio da
Prelazia como festa litúrgica hoje, 14 de fevereiro34. Nesta data, Deus fez São Josemaria ver, em
1930, a vocação das mulheres do Opus Dei e, em 1943, o lugar dos sacerdotes. Assim se reiterou
31
São Josemaria, Caminho, nº 382.
32
São João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte, 6-I-2001, n. 50.
33
São Josemaria, Sulco, nº 827.
34
Cfr. Congregação para o Culto divino e a Disciplina dos sacramentos, Decreto 626/12/L, 10-XI-2012.
mais ainda a unidade da Obra, unidade de uma desorganização organizada35, mas acima de tudo,
unidade que nasce do Amor, de estarmos todos atentos aos outros, filhos da que é Mãe de Deus e
Mãe nossa36.
Ao cantar hoje o Te Deum de ação de graças diante do Senhor exposto solenemente na custódia,
lembrei-me de vós. Comunhão, união, comunicação, confidência: Palavra, Pão, Amor37.
Considerando que Jesus Cristo, agora escondido no Pão e na Palavra, virá no final dos tempos,
pedi que venha em nossa ajuda e confiei todos à sua misericórdia.
33. Filhas e filhos meus, se neste mundo tão belo e ao mesmo tempo tão atormentado, algum se
sentir sozinho alguma vez, saiba que o Padre reza por ele e o acompanha de verdade, na
Comunhão dos Santos, e que o leva em seu coração. Gosto de recordar, nesse sentido, como a
liturgia canta a apresentação do Menino no Templo, festa litúrgica que celebramos no dia 2 deste
mês: parecia, diz, que Simeão estivesse segurando Jesus em seus braços. Na realidade era o
contrário: «Senex Puerum portabat, Puer autem senem regebat»38: o ancião segurava o
Menino, mas era o Menino quem sustentava o ancião e o dirigia. Assim nos segura Deus,
ainda que às vezes só consigamos perceber quanto as almas nos pesam. Assim nos
segura, por meio da bendita Comunhão dos Santos39.
Per singulos dies, benedicimus te, dia após dia Vos bendizemos, Senhor com toda a
Igreja: “cada dia”, como gostava de repetir dom Javier, filho fiel de São Josemaria e do
Bem-aventurado Álvaro. Filho fiel, dizia, empenhado numa luta cotidiana para deixar-se
levar pelo Amor divino. Elevo minha alma ao Deus três vezes Santo, pela mão da Virgem,
Mãe do Amor que se dá sem medida: fazei, Senhor, que a partir da fé no vosso Amor
vivamos cada dia com um amor sempre novo, numa alegre esperança.
Com todo carinho, os abençoa
seu Padre
Fernando
Roma, 14 de fevereiro de 2017.
Festa de Santa Maria, Mãe do Amor Formoso.
35
São Josemaria, Entrevistas, nº 19.
36
São Josemaria, Forja, nº 11.
37
São Josemaria, Caminho, nº 535.
38
Liturgia das Horas, Primeiras Vésperas da festa da Apresentação do Senhor, Antífona ad Magníficat.
39
São Josemaria, Sulco, nº 56.