Precedentes Judiciais
Precedentes Judiciais
Precedentes Judiciais
PRECEDENTES JUDICIAIS
Thiago de Oliveira1
I – A SEGURANÇA JURÍDICA: O ESTADO DEMOCRÁ-
TICO DE DIREITO E O PAPEL ESTABILIZADOR DO PO-
DER JUDICIÁRIO
A
cos decorrentes da vida em comunidade, exige a
consolidação da confiança de indivíduos em rela-
ção às opções e aos atos dos Poderes institucio-
nalizados. É preciso conferir previsibilidade e se-
gurança às decisões do Estado a fim de que garantias, direitos e
até mesmo expectativas legítimas sejam asseguradas aos cida-
dãos.
Nessa esteira, o Professor Catedrático da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) JORGE MIRANDA
destaca a importância da justiça como instrumento à efetivação
plena da segurança jurídica:
“A segurança jurídica (...) alcança a máxima realização até
hoje conhecida, em conjugação com a justiça; só o Estado de
Direito oferece um quadro institucional rigoroso, no qual se
manifestam, em simultâneo, certeza, compreensibilidade, ra-
zoabilidade, determinabilidade, estabilidade e previsibili-
dade”.2 (grifo nosso)
determinado direito5.
No âmbito da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 (CRFB-88), o inciso XXXVI do artigo 5º consa-
gra a segurança jurídica como garantia fundamental. É crista-
lina a opção do constituinte pela segurança jurídica, associada
ao princípio da legalidade, ao direito adquirido, à coisa julgada
e ao ato jurídico. Aliás, no âmbito legislativo ordinário, o novo
Código de Processo Civil de 2015 acolhe a segurança jurídica,
ao determinar "os tribunais devem uniformizar sua jurisprudên-
cia e mantê-la estável, íntegra e coerente" (art.926 do NCPC).
Por sua vez, a Constituição da República portuguesa de
1976 (CRP-76) também erige a segurança jurídica ao status de
garantia fundamental, revestindo tal segurança respectivamente
sob o manto da “legalidade democrática” e da “força jurídica”:
“o Estado subordina-se à Constituição e funda-se na legalidade
democrática” (nº 2 do art. 3º da CR) e “os preceitos constituci-
onais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são di-
rectamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e priva-
das” (nº 1 do art. 18).
Neste contexto, o Poder Judiciário brasileiro deve agir a
fim de assegurar a previsibilidade, a estabilidade, mas também
a adaptabilidade de suas decisões judiciais ao caso concerto,
vez que ditam diretamente a vida de indivíduos, bem como o
cenário político, econômico e social.
Aliás, a aproximação entre o sistema jurídico romano-
germânico, de inspiração civil-law (do qual são signatários: Por-
tugal e Brasil), e o sistema anglo-saxão, cujo a fonte é comnon-
law, tem sido evidente nos últimos tempos.
Tradicionalmente, a principal característica do sistema
jurídico, brasileiro e português, é a fonte de direito escrito, onde
6 Nesta linha, destaque-se, entre outras, a obra Ativismo Judicial – parâmetros dog-
máticos. Ed. Saraiva. 2010, de autoria de Elival da Silva Ramos. No âmbito interna-
cional, o americano Ronald Dworkin e o alemão Robert Alexy pelo conjunto de suas
obras.
7 DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael; BRAGA, Paula. Curso de direito
RJLB, Ano 5 (2019), nº 3________1755_
de padronização decisória.
Por exemplo, antes do advento da Emenda Constitucio-
nal nº 45/2004, apenas as decisões judiciais decorrentes do con-
trole concentrado de constitucionalidade possuíam efeitos vin-
culantes e eficácia erga omnes, o que foi modificado com a Re-
forma do Judiciário. A referida emenda constitucional criou ins-
titutos e mecanismos, como a súmula vinculante e a repercussão
geral no recurso extraordinário, que revelam o propósito do le-
gislador constituinte derivado de atribuir efeito vinculante aos
enunciados de súmula e padronizar o entendimento da jurispru-
dência do Supremo Tribunal Federal.
Aliás, os enunciados de súmula sem força vinculante, cri-
ados por sugestão do ex Ministro do STF VICTOR NUNES
LEAL, com a finalidade de facilitar o trabalho dos juízes e dos
advogados, na medida em que o entendimento dominante da ju-
risprudência do Tribunal estaria em pequenos textos sumariza-
dos, dispensando a pesquisa nas decisões anteriores acerca de
determinada questão de direito, foram insuficientes para conter
o grande número de recursos e resolver as divergências de inter-
pretação. A morosidade do Judiciário e insegurança jurídica
continuavam.
Assim, a Emenda Constitucional nº 45/2004, criou a pos-
sibilidade do Plenário do Supremo Tribunal Federal editar enun-
ciados de súmulas vinculantes (art. 103-A da Constituição da
República de 1988 e, posteriormente, também regulada pela Lei
nº 11.417/2006), que vinculam os demais órgãos do Poder Judi-
ciário e a administração pública direta e indireta, nas esferas fe-
deral, estadual e municipal ao entendimento da Corte Suprema.
E mais, note-se que o legislador infraconstitucional, vi-
sando a dar efetividade aos enunciados de súmulas e a reduzir o
número de recursos nos Tribunais, estabeleceu o procedimento
de inadmissão de recurso destinado a impugnar decisum que es-
teja em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Jus-
tiça ou do Supremo Tribunal Federal.
RJLB, Ano 5 (2019), nº 3________1759_
http://www.stf.jus.br.
_1762________RJLB, Ano 5 (2019), nº 3
de crime.
A rigor, o STF poderia aplicar a Sumula nº691, deixando
de conhecer o habeas corpus ou poderia cancelá-la e conhecer
do habeas corpus, opção esta de cancelamento de súmula des-
cartada, pois não atenderia o anseio da Corte constitucional, con-
sistente em impedir a impetração de inúmeros habeas corpus ile-
gítimos, mesmo quando não se estivesse diante de uma ilegali-
dade flagrante.
Assim sendo, constatando a importância de se manter a
súmula, mas a necessidade de excepcioná-la no caso concreto, o
Ministro do Supremo Tribunal Federal GILMAR MENDES pro-
pôs expressamente a aplicação do distinguishing, de forma a não
se cancelada a súmula, mas admitir a impetração do habeas cor-
pus naquele caso excepcional, considerada a particularidade de
ser flagrante a ilegalidade perpetrada em desfavor do paciente.
Embora a sua proposta não tenha sido aceita naquele jul-
gamento, prevalecendo a nova proposta do então Ministro do
STF CEZAR PELUSO no sentido de reafirmar o conteúdo da
súmula, não conhecer do habeas corpus impetrado, mas conce-
der a ordem de ofício ao paciente; na prática, como afirmou o
Ministro GILMAR MENDES durante os debates: “ não houve
nenhuma diferença substancial entre as duas propostas”.
Outro leading case envolvendo o distinguishing, refere-
se à nomeação para cargo político e à aplicação da Súmula nº
13 “vedação ao nepotismo” do STF.
Recentemente, o Ministro do STF LUIZ FUX determi-
nou o prosseguimento de ação civil pública, por ato de improbi-
dade administrativa, proposta pelo Ministério Público de São
Paulo (MP-SP) contra o prefeito afastado da cidade de Campina
do Monte Alegre (SP). Acusado da prática de nepotismo, Or-
lando Dozinete Aleixo nomeou o sobrinho para o cargo de se-
cretário municipal de administração, planejamento e finanças, e
o cunhado para o cargo de secretário municipal de segurança pú-
blica e trânsito.
RJLB, Ano 5 (2019), nº 3________1763_
14DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito
Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, teoria do precedente, decisão ju-
dicial, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela, v. 2, Salvador: Juspodivm
RJLB, Ano 5 (2019), nº 3________1765_
17
cf. BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do Precedente Judicial. A justifi-
cação e a aplicação das regras jurisprudenciais. São Paulo: Noeses, 2012.
18 LOURENÇO, Aroldo. Precedente judicial como fonte do direito: algumas conside-
19
The Journal of Law and Economics, v. 35, n. 2.
20NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas. Ed. Renovar, Rio de
Janeiro, 2002.
21 POSNER, Richard. Overcoming Law, 1996.
_1772________RJLB, Ano 5 (2019), nº 3
visão”.22
O filósofo utilitarista acreditava que o direito deveria al-
cançar sua maior utilidade possível, e que, portanto, o sistema
jurídico e o direito deveriam ser passíveis de transformações uti-
litaristas. A finalidade do direito para JEREMY BENTHAM era
a no sentido de as normas jurídicas proporcionarem a maior fe-
licidade possível para o maior número de pessoas:
“(..) a felicidade era homogênea, independentemente de indi-
víduos e poderia ser comparada e medida em uma escala car-
dinal. A ideia de medição cardinal de utilidade manteve sua
influência dos trabalhos de Bentham passando por Arthur Cecil
Pigou e continuou até as comparações ordinais de utilidade, o
que caracterizou o movimento de Direito e Economia. O fator
mais decisivo foi a convicção que estimativas sobre a utilidade
individual são uma melhor aproximação do que qualquer alter-
nativa, o que é compartilhado entre utilitaristas e a análise eco-
nômica do direito. Em muitos casos, a implementação prática
dessa ideia significava que a utilidade deveria ser transformada
em valor monetário, o que é muitas vezes feito no Direito e
Economia moderno e também pode ser encontrado em Ben-
tham.”23
Na década de 20 do século passado, o aprimoramento dos
estudos do utilitarismo deu corpo à uma nova teoria: a do rea-
lismo jurídico que teve como principal precursor OLIVER WEN-
DELL HOLMES. Tal teoria buscou combater o pensamento ju-
rídico clássico (HANS KELSEN – A Teoria Pura do Direito) que
defendia o caráter intocável da ciência do direito, segundo o qual
seria um ramo autônomo às outras demais ciências.
O realismo jurídico foi potencializado nos Estados Uni-
dos da América. O caso Lochner v. New York (198 U.S. 45), de
http://www.supremecourt.gov.
_1776________RJLB, Ano 5 (2019), nº 3
de Janeiro. 2006.
RJLB, Ano 5 (2019), nº 3________1779_
33
ALVAREZ, Alejandro Bugallo. Análise econômica do direito: contribuições e des-
mistificações. In Direito, Estado e Sociedade. v. 9, n. 29. Jul/Dez 2006.
34 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Decisão nº765 de 1999 – Plenário.
peração ou confronto? In: Timm, Luciano Benetti (Org.). Direito e Economia. 2. ed.
Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.
RJLB, Ano 5 (2019), nº 3________1783_
social.
Ora, parece lógico que a norma jurídica deve proporcio-
nar a cada indivíduo a previsão clara das consequências de suas
ações, mesmo porque, a segurança jurídica deve balizar as re-
lações jurídicas, tornado o ambiente negocial e a atividade eco-
nômica mais clara e estável.
Diante deste contexto, a imparcialidade do Judiciário
traz insegurança e desestimula o investimento, a produtividade
e, por consequência o crescimento econômico, uma vez que os
investidores buscarão ambientes para a realização de suas tran-
sações comerciais em jurisdições onde a segurança jurídica seja
maior.
Sob a ótica do mercado, a justiça social não deve ser
finalidade do Poder Judiciário, mas do Estado que deve, por de-
ver, promover a redistribuição das riquezas e receitas proveni-
entes da arrecadação de impostos, através da implementação de
políticas públicas nas áreas de educação, saúde, habitação, entre
outras.
Neste sentido, segundo o entendimento da classe empre-
sarial, a falta de neutralidade nas decisões judiciais estaria, não
praticando justiça social, mas prejudicando a economia, posto
que o desrespeito a contratos e demais normas comerciais, além
de causar insegurança jurídica, aumenta o risco nas transações
econômicas e introduz prêmios de riscos que acabam por reduzir
salários, aumentar juros, burocracias e preços praticados no mer-
cado.38
Quanto à importância dos juízes se conscientizarem da
repercussão econômica de suas decisões e a sua afetação às ex-
pectativas do mercado, ARNALDO CASTELAR PINHEIRO:
“(...) também é importante que os juízes entendam melhor a
repercussão econômica de suas decisões. Em particular, que
quando eles buscam a justiça social estão mandando sinais e
39
PINHEIRO, Armando Castelar. Judiciário e Economia no Brasil. São Paulo: Su-
maré. 2000.
_1786________RJLB, Ano 5 (2019), nº 3
V. CONCLUSÃO