Brotando Da Terra - Francisco José Pinheiro
Brotando Da Terra - Francisco José Pinheiro
Brotando Da Terra - Francisco José Pinheiro
Fortaleza - Ce
AGRADECIMENTOS
5
1 INTRODUÇÃO
No entanto, apesar da insuficiência de dados estatísticos sobre o período que se estende de
1822 até por volta de 1840, o que se constata a partir dos primeiros anos da década de 1820, a
produção algodoeira entrou em declínio. Como assinala Silvia Porto Alegre “O valor da
arroba no mercado externo continua a subir, até atingir a cotação máxima de 9.150 réis, em
“Senhor, Nessa Capitania do Ceará estão vários moradores com Índias furtadas a
seus maridos há quatro, dez, quinze anos sem lhes quererem largar, e fazendo-me os maridos
requerimentos lhe não deferi por falta de jurisdição enviando-os para as justiças me
responderão que não entendiam o que havia de fazer, nem tinham dinheiro que gastar: E
porque é grande desserviço de Deus, e os visitadores mandando algumas para seus maridos,
as vão buscar para casa, tanto que acaba a visita,(…).”
Os missionários, também, denunciavam os abusos sobre os povos nativos. Em 1713, cinco
anos após a denúncia do desembargador Reimão, uma representação do jesuítas João Guedes,
ao conselho ultramarino, tornava explícito que não houve mudança após as denúncias de 1708
e, mais uma vez se percebe o impacto desagregador causado pelo avanço da pecuária afirmar
que:
Esse quadro assumiu tal gravidade que o bispo de Pernambuco, a quem o Ceará estava
vinculado, publicou uma pastoral excomungando todos os homens que mantivesse índias
roubadas das aldeias. O documento era explícito de como deveria proceder para evitar a
excomunhão ao afirmar que:
“E assim no que respeita a Pastoral que o Bispo de Pernambuco passou com pena
de excomunhão para que os moradores da Ribeira do Acaraú largassem no termo de três dias
a qualquer índia, que em suas casas tivessem, a e repusessem no dito termo na aldeia, donde a
tivessem tirado,(…).”
Em 1719 o missionário Antonio de Souza Leal, que esteve por 18 anos em Pernambuco e
mas capitanias anexas, mais uma vez, faz um relato circunstanciado sobre os abusos
cometidos contra os povos nativos. Há uma passagem elucidativa do impacto causado pelo
avanço da pecuária na capitania ao afirmar que:
“Não era o gentio senhor de sua liberdade, nem de seus bens, nem de suas
mulheres e filhas, nem sequer de suas vidas, pois era opinião geral naquele sertão que era
lícito matá-lo, porque não era cristão nem servia a Deus.”
Na freguesia do Icó os percentuais ficaram muito próximo dos observados em Russas e
Aracati. Isto é, um elevado índice de filhos ilegitimidade entre os povos indígenas chegando a
44,7% e, os com pais reconhecidos 34,3%. Somando-se os dois percentuais chega-se 79%.
Entre os livres esse percentual era de 9%, somando-se aos filhos naturais chegava-se aos
23%. Entre os escravizados africanos e seus descendentes esse percentual era de 76% os
filhos ilegítimos, somando com os filhos com pais reconhecidos esse percentual chegava a
90%.
Para a freguesia de Quixeramobim (1755-1808) houve uma queda significativa dos filhos
ilegítimos para 27,7%, no entanto há um crescimento significativo dos filhos, considerados
ilegítimos pela igreja, que classifiquei com pais reconhecidos para 19%. Ficando o total em
46,7%. Essa queda pode ser entendida em função do avanço da igreja coibindo as ações
ilegais frente ao casamento. Essa freguesia foi constituída na segunda metade do século XVIII
quando a presença da igreja se fazia mais efetiva e, alguma forma inibindo os abusos sobre as
mulheres indígenas como também foram adotadas políticas repressivas, pelo diretório
pombalino, frente a dispersão dos povos indígenas tema que será tratado a seguir. Entre os
livres o percentual era de 10% somando-se aos filhos reconhecidos pelos pais chegava-se a
23%.
Batizados freguesia de Quixeramobim (1755-1808)
As ordens eram precisas e repetidas em diversos bandos devendo ser cumpridas a risca. O
bando lançado aos 17 de novembro de 1789, no governo Luis da Mota Feo Torres, é mais um
indício sobre o modo como se reproduziam os pobre-livres, principalmente os indígenas ao
afirmar que:
(...) Faço saber a todos os moradores desta Capitania que tendo mostrado a
experiência, que não bastarão os Bandos pelos quais repetidas vezes se fez notória a proibição
de se conservarem Índios em serviços particulares sem, as licenças necessárias,(…).”
A fala do governador tornava explicita que a dispersão dos índios tinha a conivência do
grandes proprietários ao aceitarem os mesmo nas suas terras sem licença e, esse foi um dos
mecanismos que garantiu a sobrevivência dos pobre-livres na capitania. A desobediência a
“(...) Nenhuma pessoa de qualquer qualidade que seja poderá ir tirar Índios para
seu serviço, ou para outro efeito sem licença das pessoas que lho podem dar na forma das
minhas leis, nem o poderão deixar ficar nas suas casas depois de passar o tempo em que lhe
foram concedidas, e aos que o contrário fizerem incorrerão pela primeira vez na pena de dous
meses de prisão, e de vinte mil reis para as despesas das obras da Matriz desta Vila; e pela
segunda terão a mesma pena em dobro, e pela terceira serão degredados cinco anos para
Angola, também sem apelação.(…).”
A tabela a seguir possibilita uma visão geral da divisão da terra na região norte da
capitania do Ceará. O que se constata era uma representação de 27,2% de minifúndios e
pequenos proprietários categorias que podem ser incluídos entre os pobre-livres.
Outros aspectos importantes para definirem a posição social dos proprietários, além da
concentração fundiária, são: a atividade exercida e a quantidade de escravo, que se
transformou em outro elemento indicativo de riqueza, portanto de posição social.
A tabela a seguir possibilita uma análise panorâmica da situação dos proprietários, tendo
como referência os dois aspectos anteriormente referidos. É possível estabelecer uma relação
direta entre o tamanho da propriedade e o percentual de escravos com a atividade
desenvolvida. A imensa maioria dos proprietários minifundiários, isto é, 89% tinham como
atividade principal a agricultura produtora de alimentos e a média de escravo por proprietário
é a mais baixa, 0,6. E mais, dos 48 proprietários minifundiários que tinha como atividade a
agricultura, apenas 11 eram proprietários de escravos, o que representava apenas 23%,
enquanto 77% não dispunha de força de trabalho escravo. Nesta mesma categoria, os
pecuaristas, que eram apenas 3, não tinham escravos. Por outro lado, dos três que eram
pecuarista e agricultores, dois eram proprietários de escravos. Mais uma vez, se constata que
os minifundiários era agricultores em base familiar o que os aproximavam dos moradores de
condição.
Ao fazer análise dos pequenos proprietários constata-se que a mesma lógica se mantém:
60% eram agricultores, o que correspondia a 24, destes apenas 7 eram proprietários de
escravos, o que correspondia a 29%, enquanto 71% não tinham escravo. Os que se auto-
identificavam como pecuaristas correspondiam a 37,5% e 66,6% eram proprietários de
escravos. À medida que cresceu o percentual dos que declaravam serem pecuaristas, também
Por fim examinarei o que era produzido nas diversas unidades produtiva e qual era o seu
destino. A maior parcela era para o consumo dos produtores e parte era vendido no termo da
vila. Os produtores consorciavam milho, feijão e algodão, e 80% plantavam mandioca uma
das bases alimentares dos cearenses a farinha e os derivados da mandioca como polvilho
(goma) até hoje largamente utilizada na nossa alimentação. A cana era cultiva por apenas 7
grandes produtores para produzir rapadura e mel e alguma cachaça também eram consumidas
no termo da vila. Havia produtos como a mamona que era utilizada como combustível para
iluminar as noites no sertão, sendo, também usada no fabrico da rapadura em pequenas
porções.
Produtos Total dos Produtores No % Destino
Não produziu 22 (7,3)
Mandioca 239 (80, 2) Vende parte no termo
Milho 206 (69) Vende parte no termo
Feijão 71 (23,8) Vende parte no termo
Arroz 34 (11,4) Vende parte no termo
Algodão total 151 (51) Vende no termo e Pernambuco
Mamona 16 (5,3) Vende no termo
Cana 7 (2,3) Vende no termo
Fonte: “Superintendência do Desenvolvimento do Estado do Ceará (SUDEC) e Universidade Vale do Acaraú –
Estudo do remanejamento da pecuária na zona norte do Ceará (2 volumes) – 1976.
“sabe pelo ver que o preto Manoel querelado traz a muito tempo desencaminhada
a preta Romana (...)o mesmo preto tem uma casa alugada que só lhe serve para jogos e
maganagens (...)da tal casa aonde continuamente há insultos, jogos, e inquietações, causadas
pelo tal querelado(criminoso)(...) sendo certo que este negro se faz intolerável por ser um
vadio sem ocupação mais que ficar fazendo ajuntamento de negros e de outra gente da plebe,
metido a valente fazendo desatenções a homens brancos (...)”
“(...)sabe por ser bem publico que o crioulo querelado escravo de Ignácio dos
Santos não tem sujeição nenhuma a seu senhor (...)sabe pelo o ver que tem uma casa alugada
na Rua do Medeiro onde ela testemunha mora na qual casa faz o contínuo ajuntamento de
outros negros e gente vadia e perdida que jogam e fazem barulhos causando inquietação a
vizinhança não tendo o dito preto outro ofício e também se queixa de que furta para jogar de
sorte que a ninguém obedece nem a seu senhor por mais que o tenha prendido sendo para
todos atrevido e petulante”.
Esse depoimento é rico para a reconstrução do modo-de-vida dos pobres, mas também, das
relações estabelecidas entre os pobres e os escravizados. Por outro, como os espaços da vila
iam sendo esquadrinhados em uma clara separação entre pobres e ricos. A rua do madeiro,
pelas descrições, fica próximo ao rio Jaguaribe, região do porto dos barcos, uma área
destinada aos desclassificados onde morava uma costureira, um escravo etc.
Outro processo analisado versava sobre uma tentativa de crime em 1782, também, na vila
de Aracati, era reverso da medalha aconteceu na área rica da cidade.
Nesse processo, mais uma vez, é possível constatar como sobreviviam os pobre-livres e
como a cor da pele e o trabalho manual eram elementos que desqualificava. Nesse caso, os
litigantes eram representantes de situações sociais extremas: de um lado, estavam os membros
de uma poderosa família cearense representada por Jacinto José da Costa Barros e seu irmão,
o mestre de campo José da Costa Barros, do outro um mulato, oficial de sapateiro, Antônio
Francisco Pereira.
Esse processo é mais uma peça para ir reconstruindo o modo-de-vida em uma vila
próspera como Aracati, em que os espaços entre pobre e ricos eram claramente delimitados.
Seja nas igrejas em que os sepultamentos denunciavam a posição social das pessoas. Quem
era sepultado no altar mor eram os ricos e os religiosos, os pobres nos altares laterais ou fora
da igreja. Na malha urbana também começava a ser delimitado os espaços. Esse processo é a
demonstração de uma tentativa de romper essas regras. Uma festa que reunia a classe
dominante local, lá estava presente um dos principais charqueadores da capitania Bernardo
Por outro lado, na recomposição dos depoimentos, aos poucos se revela o motivo da
tentativa de assassinato perpetrada pelo sapateiro. O terceiro depoente, o furriel Manoel José
da Fonseca, que era qualificado como um homem branco, militar, solteiro, idade de 30 anos,
morador na vila de Aracati e que se auto-identificava como tendo a profissão de alfaiate
revelava o motivo da tentativa de assassinato.
O que motivou o tiro teria sido a atitude do mestre de campo agredindo o sapateiro mulato,
por ofender o sargento-mor Bernardo Pinto. No entanto, fica claro a hierarquização dos
espaços e dos cargos. O mestre de campo “por ser um homem principal” tinha que dá o
exemplo não permitindo que um mulato estragasse a festa de um seu subordinado, mas
principalmente dos ricos da vila. Uma festa dos classificados não havia espaço para
desclassificados.
Um outro processo, do mesmo período, era contra Antônio José, descendente de índio,
solteiro, morador nas Lavras da Mangabeira, por defloramento. O depoimento de Joana Maria
Álvares vizinha da vítima, moradora em Lavras da Mangabeira, de 30 anos, casada, era
esclarecedor de como iam construindo estratégias de sobrevivência dos pobre-livres e dos
padrões morais vigentes.
O depoimento esclarecia qual deveria ser o comportamento das mulheres, preparadas para
o casamento, também revelava mulheres chefe de família como era Joana Rodrigues, que
poderia ser por viuves ou provavelmente mãe solteira mas, criava a sua filha Josefa de Sá e
Albuquerque de forma honesta, recolhida, acautelada, para quebrar o ciclo de ser pobre, ter
Como se percebe a tabela não fecha 100% pois, classificamos apenas as atividades
exercidas pelos pobre-livres.
No segundo período, de 1802-1824, foram consultados um universo de 82 (oitenta e dois)
processos com 247 (duzentas e quarenta e sete) testemunhas.
No período inicial (1778-1800), 15% das testemunhas se auto-identificavam como
criadores de gado, nesse período, caiu para apenas 3,2%. Por outro lado, a agricultura teve
uma expansão significativa passando de 23% para 36,7% das testemunhas que se auto-
identificavam como vivendo da lavoura, o que representava uma expansão superior a 50%.
Essa atividade continuou ser desempenhada, predominantemente, pelos livres-pobres, mas
criadores de gados e comerciantes também passaram a ter na agricultura atividade importante.
Isto é, houve uma mudança do perfil da agricultura em que os mais abastados também
“do preto Manoel oficial de sapateiro escravo da viúva Feliciana Lopes de Freitas
morador nesta vila, de Izabel Vieira, Índia que casando-se com o suplicante, e fazendo vida
marital, e ele a tinha, e mantinha conforme podia e não obstante ser cativo fez um rancho
onde trabalhava, pagando dois cruzados por semana a sua senhora, e o mais que ganhava
despendia com a suplicada e por isso devendo ela proceder conforme o seu estado, ela o fez
pelo contrario(…),”
Na petição inicial o escravizado Manoel narrava o seu dia-a-dia, onde se constata que ele
morava em uma habitação precária nos arrabaldes da Vila de Fortaleza, separado de sua
senhora, se comprometia a pagar dois cruzados semanalmente. Como sapateiro estabeleceu
uma clientela e, inclusive fazia serviços fiados pois, enquanto estava doente deixou algumas
contas para serem recebidas por sua mulher para garantir a sua sobrevivência. E na queixa,
quase uma súplica, demonstrado o sacrifício feito por ele, para dar dignidade ao casamento,
resultou na traição da sua mulher. Que ao invés de cobrar as dívidas para se manter de forma
honesta se prostituiu. Por fim, há outro dado a ser destacado, na doença grave ele foi para a
casa de sua senhora para se tratar e mais, o escravizado, na petição, com licença de sua
senhora, argumentava que a índia sem temor a deus o traiu. Tipificava o crime como adultério
e solicitava sua punição:
“porque adoecendo (...) de moléstia grave e para se tratar melhor se retirou para a
casa de sua senhora, e a suplicada ficou no dito rancho, e para se manter lhe deixou dívidas
para cobrar do negócio que fazia, e o mesmo negócio de que tratava ela, sem temor de Deus
se entrou a prostituir com o soldado de infantaria Braz de tal,(…).”
O escravo solicitava a punição da índia Izabel Vieira por crime de adultério. Esclarece que
para mover o processo obteve licença de sua senhora, e mais, solicitava a punição com prisão
para que ela se corrija, sirva de exemplo para outras mulheres e sobretudo, para a sua própria
satisfação.
“a suplicada deve ser punida pelo crime de adultério que tem cometido, (...), com
o de facto querelado tem para cujo fim obteve licença de sua Senhora que junto oferece, para
As testemunhas arroladas no processo são, também, importantes para se perceber teia de
relações estabelecidas por um escravizado com os pobre-livres. As três eram vizinhos do
rancho e eram pobres, um deles era carapina, carpinteiro de obras grossas e as outras duas
mulheres solteira, uma cabra e outra que não era branca mas bem parece.
“Simplício de tal solteiro que vive de seu ofício de carapina que mora vizinho=
Maria da Silva mulher cabra solteira, mora vizinha = Anna de Tal mulher solteira que se não é
branca bem parece, mora vizinha”.
Esse outro auto de queixa é mais uma peça, no quebra-cabeça, para compreendermos
como viviam os pobres livres. Neste caso era um índio Francisco Roque da Silva morava, no
momento, na vila de Fortaleza, se queixando de Januário de Souza, pardo, solteiro, por ter
desvirginado e emprenhado a sua filha com 13 para 14 anos.
Há dois aspectos a ser destacado, o primeiro é como os povos indígenas incorporavam os
valores ditados pela sociedade circundante. O argumento do índio era uma reprodução do
discurso católico quanto ao casamento mas, não só o casamento era uma possibilidade de
estabelecer aliança ao afirmar que:
“(...) em sua casa onde morava no sítio das Aroeiras, termo do Aquiraz a dita sua
filha, a qual neste tempo estava com idade de 13 para 14 anos, tratando-a e educando para se
casar com pessoa do seu merecimento, o suplicado com promessa de casamento a entrou a
aliciar (...)”.
“Roque Jose do Rosário casado que vive do ofício de sapateiro morador nesta vila
= Estevam Rodrigues das Neves, casado, vive de ser oficial da Inspeção = José Rodrigues
casado, oficial de sapateiro”.
Mais um auto de queixa uma peça para compreender como viviam e se relacionavam os
pobre-livres. O marido Pedro José Pereira, com casta da terra descendente de índio,
denunciava duas mulheres e o pai delas por darem uma surra na sua mulher Izabel Maria.
Todos, acusados e acusadores eram qualificados como mestiços.
Esses processos são elucidativos de como viviam os pobre-livres e de alguma forma põe
por terra a imagem das mulheres tidas como recolhidas e recatadas, essa era deveria ser as
condições para as da classe dominante, não era a mesma realidades dessas mulheres
denunciadas, por surrarem juntas com o pai Izabel Maria. Eram pessoas que o espaço urbano
fazia parte do quotidiano, no trabalho, na interação com os vizinhos e nas desavenças.
“Sumário da querela e denúncia que dá Pedro José Pereira casado sua casta da
terra morador no lugar (...) Sapiranga deste termo, de Rosa de Tal e sua irmã Francisca Luiza
ambas solteiras filhas de Francisco Honório, todas mestiças assistentes no dito lugar e do dito
seu pai por estas darem em sua mulher Izabel Maria”.
“Ignácio da Cruz, pardo solteiro morador na Varginha (...) que vive de sua agência
idade 19 anos (…). Disse que estando ele testemunha alugado trabalhando em um roçado de
Joaquim Ferreira que parece branco casado (...)”
Na mesma perspectiva era o depoimento de “Faustino Rodrigues da Silva pardo solteiro
morador na Varginha que vive de sua enxada de idade 25 anos (...)”.
A outra testemunha era João Manoel de Carvalho, pardo, casado morador na Varginha,
termo [município] da vila do Icó que vivia do seu trabalho, de 25 anos.
Outro dado importante era quanto à utilização do trabalho livre e escravizado nas mesmas
atividades o que, de alguma forma demostra um processo complexo, e o preconceito em
relação ao trabalho manual é algo a ser examinado como mais cuidado, podendo ficar restrito
aos setores dominantes que tinham pretensões a nobilitação. A resistência dos pobre-livres
deve examinado com relação ao predomínio do tempo de trabalho em relação ao tempo livre.
Joaquim Ferreira, o proprietário que alugava as três testemunhas para trabalhar no seu roçado,
era também proprietário de escravo, tudo faz crer trabalhava lado-a-lado com os livres na
agricultura.
utro auto de queixa que nos ajuda a perceber o dia-a-dia dos moradores da capitania foi
O
feito aos 01/10/1807 Povoação de Santa Cruz da Serra de Uruburetama por:
A outra testemunha era pardo, solteiro e vivia de seu trabalho isto é, se alugava e tinha
alguma agricultura:
“Marcos José de Souza pardo solteiro morador nesta povoação que vive de seu
trabalho (...) 21 anos. Analfabeto”.
“Por quanto tem chegado em repetidas queixas a minha presença que tendo-se
refugiado de outras a esta Capitania inumeráveis vadios, vagabundos, bandidos e facinorosos
de um e outro sexo, e de todas as qualidades, aumentarão excessivamente o número assas
crescido, que já nela havia de semelhantes indivíduos que postando-se uns, e discorrendo
outros por vários lugares das Ribeiras do Jaguaribe e Icó, as tem devastado assolada e
destruído, ainda mais do que mesmo a seca,(...)propondo-se extinguir com violência e
escândalo jamais visto os gados e lavouras das mesmas Ribeiras em danos irreparável de seus
moradores e Real Fazenda(...) chegando a sua dissolução ao extremo de matarem as rezes sem
mais interesse que o de lhe tirarem os couros, e comerem, a imitação das feras, aquela parte
que o mais lhe agrade, deixando o resto nos matos.”
No entanto, mais uma vez acentuou a importância de examinar o discurso sobre os pobre-
livres a contrapelo como propunha Walter Benjamim. Esse era um contexto excepcional, a
capitania era assolada por uma seca longa agravando as condições dos pobres, que muitas
vezes recorriam a expedientes extraordinários para garantir a sobrevivência. Como, também,
no contexto era fundamental controlar os pobre-livres, sobretudo modificar o seu modo de
vida em relação ao tempo de trabalho. Constata-se que concomitante com a produção do
algodão, exigindo a alteração entre o trabalho continua frente ao trabalho eventual até então
dominante o que vai acentuar o discurso de combate a vadiagem. No entanto, além das ações
coercitivas do Estado metropolitano, o processo de constituição fundiária na capitania do
Ceará, marcadamente excludente, foi um dos elementos essenciais para compreender a
subordinação da população livre-pobre em fins do século XVIII e início do XIX.
O papel do Estado na construção de um discurso sobre vadios e a vadiagem
para justificar a violência sobre os pobres-livres em fins do século XVIII.
Nesse capítulo examinaremos os mecanismos em que a ação coercitiva do Estado foi
essencial na subordinação dessa população. Mas além do uso da violência, os representantes
do Estado metropolitano também atuaram no processo de normatização do quotidiano das
pessoas, que implicava na observação de regras morais, o que convergia para a aquisição dos
novos valores societários condizentes com o capitalismo nascente, tendo como instituição
fundamental a igreja católica. Dentre os valores a serem incorporados pela população estava o
trabalho regular e disciplinado para produzir excedente, isto é, a alteração profunda na
economia de aprovisionamento. Além do papel da religião fundamental para a produção dos
valores condizentes com as necessidades do capitalismo na capitania do Ceará. O que a
primeira vista parece contraditório a medida em que a base ideológica do capitalismo era
liberal e, em grande medida anticlerical, no entanto, na Inglaterra berço do capitalismo o
papel da religião foi essencial. No entanto, para suprir as demandas do capitalismo nascente
por matéria-prima, a religião foi largamente utilizada por ser, talvez, o único mecanismo
capaz de "convencer” os pobre-livres a alterar o seu modo de vida. Tal opção fez com que a
Mais uma vez, recorre-se a Laura de Mello e Sousa, ao afirmar que: "na metrópole e na
colônia, estava em gestação o capitalismo, apesar dos dois espaços estarem intimamente
articulados, as formas como o capitalismo estava sendo gestado teve suas particularidades,
devido ao contexto histórico”. Nessa perspectiva é importante prosseguir examinando como
ocorreu a subordinação da população livre-pobre, numa região que predominava um modo de
vida tipicamente agrário.
Um dos eixos da investigação é acompanhar como vão se alterando os discursos e as
práticas de combate a “vadiagem” a partir do final do século XVIII, para se perceber como se
construíram historicamente justificativas para subordinar a população pobre-livre.
Para a instituição do capitalismo tornar-se efetiva, era essencial ter o controle sobre a força
de trabalho. No entanto, não se pode imaginar que a lógica do capital se impõe da mesma
forma nas mais diversas partes do planeta. O capital tem uma lógica que lhe é imanente, no
entanto, a lógica não se impõe sem levar em conta o contexto histórico. A situação histórica
da capitania do Ceará, do final do século XVIII, era bem diversa da Inglaterra, em que a
expropriação crescente da população servil obrigava milhares de camponeses e trabalhadores
sem terra a migrar para os centros urbanos. No Ceará, como de resto na colônia, os centros
urbanos eram extensão do mundo rural. Na capitania do Ceará como em outras regiões das
capitanias subalternas a Pernambuco, situada nas franjas da produção principal, cultivo de
cana, se desenvolveu uma importante atividade agrícola para a produção de alimentos e no
período em análise, a maioria da população pobre-livre tinha como principal ocupação uma
economia de aprovisionamento, o que significava a produção, essencialmente, de valores de
uso e os trabalhadores resistiram a produção de excedente, visto que isto implicaria em
mudança radical do seu modo de vida como analisou Palácios nas capitanias de Pernambuco e
Paraíba.
De outro lado, era essencial elaborar mecanismos para justificar o controle sobre essa
população. Nesse contexto será examinada a construção de um discurso e de uma prática para
justificar a coerção exercida pelo Estado na subordinação da população pobre-livre. Laura de
Mello, analisando as medidas adotadas para combater a vadiagem nas Minas Gerais, na
primeira metade do século XVIII, fez uma síntese sobre o conceito de vadio para essa região e
que se presta para a região da pecuária, apesar de conterem as suas especificidades, quando
afirma que era considerado vadio o: “Trabalhador esporádico, homem desprovido de dinheiro,
criminoso, ladrão, sublevado, revoltoso e até mesmo potentado dissidente, eis algumas das
conotações assumidas pela personagem do vadio colonial.” Apesar dessa gama de indivíduos
que são incorporados à condição de vadio, na prática recaiu essencialmente sobre a população
pobre-livre, como afirma a própria autora. A investigação ora realizada esta demonstrando
situação idêntica para o Ceará. Para tal farei, mais uma vez, à análise dos bandos, legislação
excepcional.
Em 1786 o governador Montauri responde à consulta feita pela Secretaria de Estado e em
decorrência reeditou o bando de 1783. Essa é uma fonte importante para se perceber a
constituição do discurso e das práticas adotadas contra os ditos vadios. Montauri, nesse
bando, também já se referia à polícia do passaporte, que ganhou efetividade nas primeiras
décadas do século XIX. Nesse contexto, quando estava apenas iniciando a produção
algodoeira, a preocupação que se destacava era com o combate à criminalidade, mas também
a vadiagem. O governador chegou a listar os crimes cometidos na capitania e nessa lista está
nitidamente enunciada a categoria de crimes como: roubo, mortes, deflorações etc. Afirmava
ainda o governador que a primeira obrigação era garantir a tranqüilidade da população.
“Porquanto conheço que uma das mais rigorosas obrigações que no governo desta
capitania me são impostas é a de conservarem a tranquilidade, e paz dos povos dela,
O governador identificava os cabras como o alvo das ações repressivas. Esse termo tinha
algumas conotações, em termos étnicos era a população resultante das relações entre índios e
negros, mas também, vai se transformando em qualificativo negativo que recaia sobre a
população pobre. Nesse sentido, o objetivo do governador era combater “a inveterada
malícia” da população cabra. No discurso fica explícito como essa parcela da população era
qualificada: “peste que infestava o interior da capitania”. Um dos mecanismos apontados para
coibir a criminalidade era a aplicação da polícia do passaporte. Para que essa política se
mostrasse eficaz, Montauri propunha a montagem de uma estrutura policial que ia do
governador aos comandantes do distrito policial nas vilas e povoações. A primeira regra,
dessa proposta de política repressiva, era que todas as pessoas deveriam ter passaporte
(identidade) quando fossem se movimentar de uma vila para outra. Segunda regra: sempre
que a pessoa fosse fazer algum deslocamento era obrigada a solicitar autorização da
autoridade policial, de seu distrito, informando para onde iria e quanto tempo ficaria na
localidade. Por fim, ao chegar à nova localidade era obrigada a se apresentar ao comandante
de distrito policial.
O bando ainda ressaltava como a principal preocupação combater a criminalidade, isto é,
proteger a propriedade privada. No entanto, rapidamente essa proposta vai se voltar para
controlar os que resistiam ao trabalho e os desertores. Montauri, no entanto, destacava que os
principais responsáveis pela perpetração dos crimes eram os senhores de fazendas, criadores
de gado.
Para denunciar a gravidade dos crimes, que são cometidos sob a proteção dos criadores de
gado, o governador recorre a vários argumentos sendo o primeiro deles os relacionados aos
preceitos religiosos. Estes argumentos também foram utilizados para justificar a violência
sobre a população pobre-livre para obrigá-la a se subordinar.
“(...)as ordens, que tenho dado para que ninguém transite sem passaporte; e
também porque muitos senhores de fazendas de gados, esquecidos até das obrigações de
Católicos, conservam nelas muitos dos sobreditos indivíduos Criminosos, e desertores com o
diabólico interesse de serem executores das suas paixões, sem que as penas estabelecidas nas
Leis Militares, e Civis contra os fautores de semelhantes delinqüentes, lhes imprimam o
respeito, e temor devido; tudo prejudicialíssimo à República, e as mesmas fazendas de gados,
que destroem roubando-os para se sustentarem; e assim mesmo ao comércio, e a real Fazenda,
como é patente, e me consta por várias representações.”
“e aos senhores de fazendas, que nelas não constam mais que aqueles homens
necessários que ocupam na Criação dos gados, e cultura de plantas, (...)”
“os quais de nenhum modo sejam criminosos, ou desertores tanto desta como de
outra qualquer capitania; e que sabendo são tais, os prendam logo, e remetam á (...) cadeia
tudo sob pena de prisão, e das mais estabelecidas nas leis: que os (...) oficiais, e comandantes,
logo que no seu distrito apareça sujeito desconhecido sem passaporte, o prendam, e remetam
á cadeia mais vizinha dando me imediatamente parte circunstanciada com a qualidade do
preso, naturalidade, e com todas as particularidades, que dele souberem, e puderem conhecer
por informações.”
Montauri relatou o rosário de crimes que foram cometidos pelos grandes proprietários,
mas, sobretudo, aqueles perpetrados pela família Feitosa. A partir dessa constatação sobre os
crimes cometidos pelos grandes proprietários e seus agregados, o governador indicava outra
fonte de verbas para a construção das obras públicas reclamadas pela câmara de Fortaleza,
que seria a cobrança de taxas sobre cada criminoso que esteja agregado nas fazendas. Para
justificar a proposta, Montauri fez uma série de acusações contra a família Feitosa, que era a
maior proprietária de terra na capitania. Essa família havia caído em desgraça a partir de
1725, quando iniciou uma guerra contra a família dos Montes. Os Feitosas foram acusados de
desafiarem as ordens das autoridades para depor armas, além de serem acusados, em devassa,
“Outro meio que me ocorre, e que aqui aponto, e lembro para poder se levantar
dinheiro para as sobreditas obras públicas é o seguinte que é outro imposto sobre o vício, ou
crime, Já fica dito que esta capitania abunda escandalosa, e exuberantemente em malfeitores,
vadios, e peralvilhos, e que esta má gente tem acolhimento, e protecção por outros de
semelhante categoria, que são mais ricos, e por isso poderosos nesta comarca, especialmente
pelos régulos, e sublevados Feitosas da ribeira dos Caratiús, essencialmente na Casa, e
fazendas do Coronel Miliciano Manoel Martins Chaves chefe da família dos mesmos Feitosas
dos ditos Caratiús, e pela mesma forma na Casa, e fazendas de seus Irmãos, e nas de seu
sobrinho a ele em tudo semelhante Bernardino Gomes Franco; e na Casa finalmente de todos
os parentes, e família dos ditos Feitosas; e amparados, e protegidos, como disse, os ditos
facinorosos não experimentam o castigo que as leis determinam sobre os horrendos delitos
que eles aqui a cada passo perpetram e se acaso algum deste facinorosos chega a ser preso,
fica na cadeia, e nela morre, se acaso a sua indústria lhe não dá lugar a poder escapar da
mesma cadeia, como também freqüentemente aqui sucede (...)”
É importante destacar que a referência aos ricos potentados também revela a incapacidade
do Estado metropolitano em estabelecer a ordem interna dada à fragilidade das instituições no
espaço colonial, sobretudo devido à reduzida presença do aparato policial para fazer cumprir
as determinações, seja pela autoridade que ocupava a função executiva, no caso o governador,
ou a judiciária (ouvidor-mor). Isto de alguma forma explica o poder privado que vai sendo
constituído pelos grandes proprietários de terra, que em muitas ocasiões se sobrepõe ao poder
público, como pareceu ser o caso da família Feitosa no Ceará.
Retomando os argumentos utilizados por Montauri, para combater a criminalidade, perante
o Conselho de Estado, este propõe que deveria ser articulada uma ação conjunta com os
governos das capitanias vizinhas.
“(...) por isso horrorizado eu do que tinha notícia, e do que via por isso a dar todos
aquelas providencias que julguei úteis, e necessária afim de evitar os contínuos malefícios que
estes facinorosos aqui praticam; e pela outra parte também para que os ditos criminosos
pudessem ser prezo, e se revendo, e fazendo para isso uma concordata com os Governos
circunvizinhos as desta capitania, para quem mutuamente auxiliando-nos pudéssemos
perseguir a todos os ditos facinorosos em qualquer das ditas capitania, afim de que pudessem
ser presos, e remetidos ás justiças respectivas como já disto mesmo eu dei conta a informei a
V.Exa pela minhas antecedentes Cartas, (...)”
Fica explicitada na passagem seguinte, que a preocupação do governador não era apenas
com a impunidade ocasionada pela fuga dos índios, mas sobremaneira como processo de
esvaziamento destas vilas, inviabilizava o controle dessa população. Sendo assim, perder o
esse controle era correr o risco de inviabilizar o projeto de desenvolvimento da capitania e
sobretudo admitir a vadiagem.
O crime dos proprietários, de acordo com o governador, não se restringia à proteção aos
vadios, desertores, mas, o incentivo à fuga dos índios de suas vilas era considerado tão grave
e danoso quanto os crimes acima mencionados, por colocar em risco as propostas
estabelecidas através do Diretório Pombalino. No trecho a seguir se explicita, ainda mais, a
preocupação do Estado com a perda de controle sobre essa população. Em um período em que
a produção algodoeira começa a se tornar importante mercadoria na pauta de exportações da
capitania exigindo a mobilização de força de trabalho. A alusão à polícia e à direção da vila é
significativa, pois o diretor era um branco encarregado de administrar as vilas até que os
índios fossem capazes de fazê-los. O diretor exercia, dentre outras funções, a de distribuição
da força de trabalho e a polícia era quem tentava controlar os passos da população para
impedir a dispersão.
“(...)obrigando-se pela outra parte aos que foram unicamente vadios, e ociosos, a
que trabalhem eles mesmo nas obras públicas, e em todas as mais da causa pública; e que este
objeto de polícia seja privativamente incumbido á vigilância, inspecção, e autoridade dos
governadores desta capitania, por positiva, e muito particular recomendação, e ordem de Sua
Majestade, porque só assim poderá ter êxito permanente o que lembro (...)”
Montauri vai propor que seja montada uma estrutura jurídica tendo como base de
“e para que se conheça quais sejas os protetores dos ponderados desertores, dos
dispersos Índios, e finalmente dos peralvilhos, vadios, facinorosos, e bandidos que tenho
falado, se determine também por ordem Régia, que cada um dos Juízes Ordinários desta
capitania nos seus respectivos departamentos sejam uns Juízes Comissários da Polícia nesta
parte, debaixo da imediata inspecção, e vigilância, de que tenho falado, dos Governadores
desta capitania, e que cada um dos referidos Juízes por uma particular, e privativa devassa
inquira sobre este objeto de Polícia, e regulação para se conhecer assim de condição do
protetor, como da quantidade dos protegidos, e que fixada a devassa a remetam os ditos juízes
ao Governador para este fazer executar as penas pecuniárias de que tenho falado. (...)”
Desta forma, acreditava o governador que poderia reprimir a ação dos proprietários na
proteção dos criminosos, sobretudo para inibir a ação dos vadios e da vadiagem na capitania
do Ceará.
E mais, para garantir a eficácia das investigações, o governador propunha que estas seriam
feitas em sigilo e os seus resultados enviadas para o governador.
Por fim, Montauri detalhava como deveria ser efetivada a cobrança do imposto. Como
afirmado acima, a possibilidade de efetivação do processo era difícil e, ainda mais a cobrança
do imposto, já para que isso ocorresse era necessário não só invadir as fazendas, mas ainda
fazer o confisco dos bens e colocá-los em leilão público. Nos leilões para estabelecer a
cobrança do dízimo, que era o mais importante imposto cobrado sobre o gado, muitas vezes
não aparecia arrematador. Quem se arriscaria na arrematação de bens confiscados de um
grande proprietário, já que a presença do Estado era extremamente débil.
“E que logo o Governador passe a ordenar que o mesmo Juiz acompanhado dos
seus respectivos Oficiais, e assistido do capitão-mor da ordenança, ou comandante do
respectivo distrito vão com agente necessária ao lugar, e fazenda do que for dono
compreendido réu protetor na mesma devassa, a apreender as rezes que forem suficientes para
o embolso do que tocar ao dito regulo, ou protetor, e das ditas rezes vendidas logo em praça
pública com as solenidades legais, se receba do comprador o correspondente valor em
dinheiro para ser remetido com as devidas seguranças, ou ao cofre desta câmara, ou ao da real
fazenda com a aplicação positiva das obras públicas, de que se tem tratado,(...)”.
Comparando-se com a proposta do ouvidor geral, que adotava as sugestões apresentadas
pelo conselho ultramarino, em que o imposto recaía sobre os pobres-livres e a do governador
geral propor que os grandes proprietários, também, fossem penalizados por cometer e facilitar
a atuação dos “criminosos”, era uma proposta de difícil execução diante do que foi afirmado
acima.
O bando de 1783 do governador Montauri, reeditado em 1786, representava um processo
de transição entre as propostas de combate ao crime de forma genérica e as propostas que, a
partir desse contexto, iriam especializar-se em um crime específico, o da vadiagem.
É importante também destacar que a partir de 1777, com o início do governo da rainha
Maria I, houve mudanças importantes nos rumos da política que vinha sendo implementada
durante o governo de D. José I, sob a égide do marquês de Pombal. Uma das mudanças
ocorreu nas instituições culturais. As “novas reformas realizaram-se nas instituições culturais,
ofuscando a antiga centralidade da Universidade de Coimbra. Em primeiro lugar, a Academia
Real de Ciência foi se impondo como novo reduto de saber da corte de Dona Maria. Criada
por aviso régio de 24 de dezembro de 1779, a Academia se dedicaria não apenas a um ramo
de estudos (...), propunha-se a estudar e difundir variados setores do conhecimento, desde
“Tendo sido presente a Sua Majestade a conta que essa Câmera dirigiu a Real
presença em 29 de Dezembro próximo passado, em que representa a necessidade de edificar
casa de câmara e cadeia, e de se fazerem as outras obras indispensáveis; para o que requer a
mesma câmara, que se imponha um direito sobre o algodão couros salgados, e solas que se
exportarem deste distrito: Foi a Rainha Nossa Senhora servida resolver sobre a mesma
representação pela maneira seguinte: que participe eu a essa câmara, que sendo muito
acertada a sua pretensão pelo que pretende ao procurar que se fação as obras, de que se trata”,
No entanto, no trecho seguinte fica explícita a preocupação com as medidas que poderiam
acarretar prejuízos para o comércio da capitania, sobretudo aos interesses da metrópole, na
medida em que as sobretaxas recairiam sobre os produtos de exportação. Esses produtos
enfrentavam, no mercado que se mundializava, a concorrência de outros centros produtores,
principalmente o algodão que se transformou no principal produto na pauta de exportação. Os
adjetivos utilizados para expressar a reprovação das medidas não deixavam qualquer dúvida,
ao classificá-las como prejudiciais e ruinosas ao comércio. E mais, combatia-se o argumento
da câmara de que outras câmaras da capitania já estavam cobrando impostos extras sobre os
produtos indicados, afirmando que não se deve imitar o erro, mas ao contrário, era preciso
corrigi-lo. Percebe-se assim que era o cálculo racional, a necessidade de garantir lucros para a
combalida economia portuguesa que justificava a reação metropolitana.
“são porém os meios que procura para fazer um rendimento próprio para esta
despesa, os mais prejudiciais, e ruinosos ao comércio, e cultura desta capitania; porque um
Direito na exportação dos gêneros de que ela abunda, tende directamente a diminuir a sua
exportação, e por conseqüência a agricultura, em que consiste unicamente a sua riqueza: e
que se em outros distritos se tem praticado um semelhante modo de se levantar dinheiro para
as obras públicas, que este erro político se não deve imitar, mas antes é preciso emenda-lo;”.
O imposto deve incidir sobre as bebidas e sobre os objetos de luxo, pois, dessa forma não
prejudicaria a lavoura e o comércio, que era de onde poderiam ser gerados lucros para a
metrópole. Ao finalizar as propostas, o governador reproduz as recomendações da Secretaria
de Estado em que, mais uma vez, o argumento sobre a necessidade de obtenção de lucro se
faz presente. Além do mais, recomendava os cálculos dos custos de tais obras e, necessidade
de um planejamento adequado para garantir a eficácia do empreendimento, sobretudo, as
fontes de recursos para a sua execução.
“Alem deste meio por ser esta vila, e os lugares do seu termo destituídos de luxo,
o qual por ser vicio tem ao mesmo tempo por objecto o grande numero de pessoas da plebe
que se encalavam nas culpas de furto de gados, armas curtas, e proibidas, e concubinatos
escandalosos, nos lembra, que também se podia impor, que cada uma destas pessoas, que nas
devassas que tirão os corregedores, ou nas devassas Janeiras, forem compreendidos, ou
pronunciados nos preditos crimes, sendo branco, pague para este Senado de três até quatro
mil reis, sendo mameluco, ou misto, ou preto forro dois mil reis, ate dois mil e quatro centos
reis; sendo cativo, ou índio, dez até doze tostões, ficando ligado a esta contribuição logo que
forem pronunciados, e que sem a cumprirem se lhes não conceda livramento:”.
Os crimes elencados são aqueles praticados, em geral, pelos pobres, conforme
levantamento realizando nos autos de querela e denúncia.
Em 1786, o governador da capitania do Ceará, João Baptista de Azeredo Montauri,
respondendo a consulta do governo metropolitano sobre a solicitação da câmara de Fortaleza,
faz uma análise sobre as vilas de índios que foram criadas, por determinação do Diretório
“(...) visto terem os índios as suas vilas, e as suas câmaras, que também são
pobres, e que em caso semelhante deverá ser aplicada a dita pequena imposição
preferivelmente ás suas câmaras respectivas, ainda quando sendo, como são, os ditos Índios
tão pobres e miseráveis, dificultosamente terão, com que paguem aquele mesmo pequeno
ônus, que a câmara aponta, (...)”
Além de qualificar os índios como pobres, o governador os reprovava, por não terem
qualquer ambição em acumular, o que era visto como um problema grave tendo em vista que
esse era um dos elementos fundamentais do capitalismo a possibilidade de ascensão social
pela acumulação de bens resultante do esforço individual. Para os povos nativos, no entanto,
esses valores não tinha qualquer significado. Os europeus, ao invés de qualificar como um
aspecto da cultura desses povos, passam a apresentar como preguiça, em que a noção acima
apontada do desperdício ganha um poder explicativo quando se tratava das populações
nativas. Além do mais, na perspectiva do europeu, a migração era um problema grave
dificultando o controle dessas populações. A situação agravou-se ainda mais no final do
século XVIII, quando se iniciou a produção algodoeira, exigindo mais força de trabalho em
uma região em que o trabalho escravizado africano era reduzido. Nesse contexto, o
governador passou a qualificar a migração na mesma condição da deserção, que era um crime
grave cometido, principalmente, pelos soldados (pagos), recrutados entre os pobres-livres. E
mais, o governador tem uma visão marcadamente negativa sobre o modo de vida dos povos
indígenas que passou a ser considerado desonesto, amoral e, o aspecto mais grave, para o
governador, era não ter apego a bens materiais. Mais uma vez se exacerba a sua perspectiva
eurocêntrica.
“(...) e como são inteiramente desapegados de tudo o que é honesto, e lícito, e despidos de
quanto pode ser objecto de afeto, ou amor civil, e pública mudam-se a todos os momentos de
um para outro distrito, buscando a sua primitiva vida errática, e selvática, de que ainda hoje se
lembram saudosos;(...)”
“(...)tem sido infrutuosas todas as providências, que até agora tenho a este respeito
dado, e se fazem por isso necessários outras, mais fortes, violentas insólitas proporcionadas a
Para o governador não restava dúvida, que deveria adotar penas mais violentas e públicas
para combater, o que ele classificava como “malícia e relaxação dos delinquentes”.
Ordenando castigos públicos de acordo com a qualidade e condição das pessoas.
“Ordeno portanto que da publicação deste bando em diante todas aquelas pessoas que
forem compreendidas em furtos de gados ou roças sejam logo presas e sem piedade punidas
com acoites os que forem escravos, cabras ou místicos, com rodas de pau os que forem ou
parecerem brancos e com palmatoadas as mulheres a proporção da culpa, e robustez de cada
um, cujo castigo, se administrará na parte mais pública da vila ou povoação mais vizinha ao
lugar do delito, a cujas cadeias serão remetidos e se lhe continuara em dias interpolados e
assim mesmo se praticarão com os vadios e vagabundos forasteiros, que no prazo de três dias
não evacuarem esta Capitania,(…).”
Os castigos eram aplicados de acordo com a qualidade e condição. Fica explicitado que os
escravos (condição) e os cabras ou mestiços (qualidade) tinham tratamentos idênticos eram
açoitados em praça mais pública. Os que fossem ou parecerem brancos em roda de pau e as
mulheres com palmatórias. Os castigos eram repetidos em dias interpolados de acordo com o
arbítrio da autoridade local. Os mesmos castigos também estavam previstos para “vadios e
vagabundos forasteiros. Noutro trecho o governador explicitava a preocupação com a situação
e recomendava as autoridades policiais ações coordenadas para extirpar da capitania o que ele
qualificava de inimigos da paz da humanidade, além de um perigoso contágio:
Essa percepção, também, estava expressa na memória escrita pelo naturalista João da Silva
Feijó. Nas memórias sobre o Ceará, Feijó tratava de temas como: clima, vegetação, presença
de minerais, tipos de madeiras, regime das chuvas, etc. Na nota introdutória, Feijó fez uma
apreciação sobre as possibilidades da natureza cearense, destacando as suas potencialidades,
ao afirmar que:
“Sendo porém esta capitania tão vasta, é de admirar a sua diminuta e desfalecida
população, que apenas montará a 150 mil habitantes de todas as classes, e estes pela maior
parte de péssima qualidade;(...)”.
“porque uns são índios originais do país, entes de si mesmos ineptos para se
felicitarem ou para fazerem a felicidade dos outros, ou seja por natureza e sua constituição
física, ou por falta de educação ou por algum capricho particular etc.,”
O que poderia justificar uma percepção preconceituosa e negativa dos povos indígenas, no
início do século XIX? Mais uma vez, mostra-se uma concepção societária em que o único
modo de vida possível era aquele que estava se constituindo na Europa e não se admitia
outras possibilidades de sociabilidade. Os povos nativos eram considerados incapazes por
resistirem ao modo de vida que se fazia capitalista. O naturalista Feijó apresentava algumas
hipóteses para identificar tal incapacidade. A primeira seria da própria natureza dos índios,
que teriam nascido geneticamente marcados pela incapacidade, hipótese que já havia sido
apresentada por outros autores no período. O autor ainda aduz a outra possibilidade que seria
a falta de educação. Isto é, caso houvesse ensinamento poderia haver utilidade para os povos
nativos. Essa hipótese era importante, pois caso essa possibilidade não fosse aventada e se
mantivesse a avaliação de que a população nativa era inútil, principalmente a indígena,
inviabilizaria o projeto metropolitano de subordinar a população livre-pobre ao trabalho
regular. A despeito do tom negativo como eram descritos os povos nativos, tidos como
incapazes, seja por sua própria natureza, pela constituição física, o autor não fechava todas as
possibilidades para tornar esses povos aptos ao trabalho e apontava para educação, para o
trabalho, como uma possibilidade de torná-los úteis, isto é, produtivos na perspectiva
capitalista.
O segundo grupo étnico descrito foram os “cabras”, que era como o autor classificava a
população resultante da miscigenação dos negros e índios, a perspectiva era a mesma daquela
feita em relação aos índios ao afirmar que:
“outros são provenientes destes (índios) com os negros, cuja raça indígena
constituem o maior número dela, conhecido com a vil denominação de – cabras – (...)”
O mesmo tom negativo com que foram descritos os índios, também, eram os seus
descendentes. Os cabras são denominados de forma preconceituosa como vis seres
desprezíveis, mesquinhos e repugnantes. Essa era a perspectiva que se apresentava, aos olhos
de intelectuais orgânicos, do status quo, como era o naturalista Feijó.
Em seguida Feijó descreve os mamelucos, destacando que há os verdadeiros e os falsos.
Em relação a esse grupo social, há uma certa condescendência por resultar do cruzamento
“outros são nascidos dos mesmos índios com os brancos, que faz em uma
diminuta parte da população, verdadeiros mamelucos, porque há outra raça impropriamente
assim chamada, proveniente de mistura de outras, digo, de todas as classes entre si; (...)”.
Por fim, o naturalista faz referência aos brancos e o problema era serem estes a parcela
minoritária da população local.
Mais uma vez, ao final da breve avaliação sobre a população cearense, Feijó colocava, em
confronto a natureza pródiga, capaz de suprir as necessidades da população local, oferecendo
uma gama de alimentos, que para a sua obtenção a população teria de despender o mínimo de
esforço.
“(...)o país lhes é favorabilíssimo, por lhes(…) subministrar com liberalidade
multiplicados meios de fácil subsistência, na abundância de raízes ou batatas e de infinitos
frutos silvestres, e de imensas caça e pesca (...)”.
Para Feijó não havia dúvida que o principal problema residia na população livre indígena e
seus descendentes com os negros e em menor escala a mameluca. É importante destacar que
apesar de todo o preconceito em relação à população negra, não há uma palavra sequer na
avaliação feita por Feijó sobre essa parcela da população. Como se justificava esse silêncio
em relação a essa parcela da população? Toda a construção desse discurso era para justificar a
ação coercitiva que se desenvolvia sobre os livres-pobres. A população negra, além de ser
pequena, uma parcela significativa estava subordinada na condição de escravizado. Nessa
perspectiva, tornava-se inócuo o debate sobre essa parcela da população, pois esse era um
problema particular que caberia aos senhores de escravo resolverem. Mais uma vez, constata-
se um discurso que era portador de uma negatividade extrema em relação à maior parcela da
população livre-pobre, qualificada como indolente, preguiçosa, vadia, dissoluta dos costumes
e, utilizando um estilo redundante, o autor vai acentuar o caráter e o poder de desagregação da
população livre-pobre cearense, na perspectiva da sociabilidade por ele defendida, quando
afirmava que esta era portadora de vícios que haviam atingido a cota máxima que o coração
humano podia imaginar. Entretanto, a despeito de toda a carga negativa, o naturalista
vislumbrava, como em outras passagens já analisadas, alguma possibilidade de recuperação
dessa população.
Porém mesmo descrevendo a população livre-pobre como sendo a causadora dos males da
capitania e considerá-la praticamente inútil, Feijó não descartava a possibilidade, mesmo que
remota, de transformá-la em força de trabalho. Para tal, no entanto, seria essencial uma ação
educativa como se deduz da afirmação a seguir:
“no centro da mais crassa ignorância, donde provém neles a falta de sentimento e
de virtudes morais, e outros vícios já pouco estranhados contra todos os direitos da natureza e
da sociedade.”
A política do passaporte foi mais um mecanismo que o Estado metropolitano elaborou para
coagir, controlar e submeter a população livre-pobre na capitania do Ceará. Os registros, na
capitania, sobre a exigência do passaporte datam da segunda metade do século XVIII na
correspondência trocada entre os capitães-mores (governador) e os diretores de índios.
No início do século XIX foram localizadas regras escritas e de forma sistemática essa
política foi implementada. As regras estavam contidas em circulares aos comandantes de
distritos, de ordenanças e capitães-mores. Além dos modelos para autorizarem os respectivos
passaportes. Analisar a política do passaporte é se debruçar sobre um dos mecanismos
intervenção do Estado metropolitano para submeter a população livre-pobre a uma nova
disciplina do trabalho. A alteração mais significativa era como o tempo deveria ser utilizado
por uma população rural, por excelência, em que a maioria esmagadora se dedicava à
atividade agrícola para o seu próprio consumo, para se transformar em produtora de
excedente como algo necessário, o que implicava em modificações substanciais no seu modo
de vida. Uma dela era em relação ao tempo de trabalho se tornar predominante frente ao
trabalho eventual que até então era hegemônico. Nesse sentido foi necessária a aplicação de
mecanismos coercitivos e a polícia do passaporte foi um dos mecanismos usados para que
esse processo se concretizasse.
A política (polícia) do passaporte tradicionalmente se preocupava em controlar a entrada
de estrangeiros e de pessoas advindas de outras capitanias, entretanto no início do século XIX
ganhou uma nova conotação e passou a ser executada para controlar a movimentação da
população no espaço da capitania. Essa modificação se deu no período em que a produção
algodoeira atingiu o seu auge e população livre-pobre deveria ser incorporada como força de
trabalho.
Para a aplicação dessa política foi essencial a intervenção do Estado. O governador
articulava uma rede formada pela estrutura policial, constituída pelos comandantes de
distritos, de ordenanças e capitães-mores essenciais efetivar a aplicação da lei.
Ao lado da política do passaporte foram executadas outras medidas que, também, tinham
“Por quanto para obstar a excessiva devassidão, que tenho observado nesta
capitania, e por termo a ilimitada liberdade com que nesta classe de gentes professando um
escandaloso desprezo para as sagradas, e respeitáveis leis de Sua alteza Real (...), adotam uma
vida errante, e vagabunda, tornando-se pelo ócio, a que se entregam não só inúteis, mas até
ruinosos a sociedade pela desorganização, e mau exemplo, que nela introduzem:”
O contexto em que esse documento foi editado, na primeira década do século XIX, quando
o algodão, o principal produto para exportação, estava atingindo o melhor preço no mercado
internacional, sendo necessário aumentar a sua produção. Para tanto era essencial o concurso
da força de trabalho da população pobre-livre. Essa legislação foi posta em prática para
responder a essa exigência.
Em uma linguagem marcadamente barroca, o governador vai anunciar primeiro: a justeza
da legislação produzida pelo poder real para garantir o sossego; mas, sobretudo que essas
medidas tenderiam a produzir uma maior prosperidade:
“E lhe tem parecido justo e necessário para (...) as paternais, e inimitáveis vistas
do mesmo senhor, todas tendentes a conservar o sossego, e a produzir a maior prosperidade
deste País, das providências terminantes, e que prometam um tão salutífero resultado (...);”
O governador João Carlos Augusto Oeynhunsen explicitava que as ordens reais são
comunicadas para todas as vilas e, como estavam sendo executadas na capitania e, mais uma
vez, constata-se que os encarregados de executarem tais ordens são os corpos policiais e os
juízes ordinários. É importante destacar que a escolha dos juízes ordinários, vereadores,
capitães-mores e coronéis de milícias sistematicamente recaiam sobre os grandes
proprietários havendo assim um forte imbricamento entre o Estado e os proprietários. No
entanto, isto não implica afirmar que os grandes proprietários, nesse período, já constituem
uma classe ou uma fração pronta e acabada, com uma identidade e interesses comuns. Por
outro lado, é também importante acentuar que há, em determinados contextos, conflito entre
os interesses dos proprietários locais e as determinações do Estado metropolitano. Ressalte-se,
no entanto, que se por um lado não havia uma identidade em todos os momentos entre as
determinações do Estado metropolitano e os interesses dos proprietários locais, não se deve
concluir que havia um confronto entre os interesses locais e aqueles que eram ditados pelos
interesses da metrópole. O que se pode afirmar era que esses interesses poderiam, em
determinados contextos, terem identidade e em outros entrarem em conflito aberto, como foi
“(...) e com efeito até as mais remotas vilas desta capitania, tenho dirigido as
referidas ordens, encarregando da sua observância os respectivos capitães mores, juízes
ordinários, coronéis de milícias dos seus Distritos,(…).”
Nesse período já havia uma maior complexidade na organização do corpo de policial, pois
já estava espalhado por todas as vilas e distritos da capitania e, como afirmava o governador
as ordens chegaram às vilas e aos seus distritos. Isto é, era de conhecimento de todas as
autoridades locais, o que as deixavam comprometidas com a sua execução ou ao menos não
poderiam alegar desconhecê-las. No trecho seguinte, o governador propõe fazer uma
experiência na vila de Fortaleza sobre o que veria se transformar na polícia do passaporte. No
bando de 1804 já estava esboçado um conjunto de propostas que a partir de 1813 seriam
incorporadas pela polícia do passaporte, que foi estendida para toda a capitania.
“(...) que assim cumpre, e conste a todos os habitantes desta vila, e seu termo, que
para o futuro atraídos por negócios, ou por outras razões, quiserem sair desta para as
capitanias vizinhas, ou desta vila para outras da mesma capitania, mandei publicar, e afixar
este para que chegue ao conhecimento de todos, e para que não se podendo alegar ignorância,
se não iluda o seu efeito. Como é justo, que nesta vila, que é a capital desta capitania se
observem as Reais Ordens com tanta exatidão, que venha ela a ser o modelo das outras vilas,
tanto pelo seu regimen particular, como pela polícia, e boa ordem, que nela devem reinar, e
como demais a exactidão, e vigilância, que reconheço nas pessoas, que nelas se acham
empregados me permitem a infalível observância de tudo que a esse respeito determinar:”
“Toda aquela pessoa, que quinze dias contados da data desta em diante chegando
a esta vila, quer venha doutra vila desta capitania, quer venha doutra capitania não apresentar
o competente passaporte, ou guia assinada pelo seu Juiz Ordinário, e se for de povoação onde
não haja juiz pelo comandante dela, será preso na cadeia desta vila, onde será conservado
como vadio, até se lhe dar destino,(…).”
“(...) e empregado (...) na Limpeza desta vila, ou em outra qualquer faxina; mas
fazendo-se suspeito por trazer armas proibidas, será preso, e empregado nas obras das
fortificações de Mucuripe, até que haja ocasião de o mandar sair da capitania”.
Além das punições, o bando apresentava um regramento que deveria ser observado pelos
visitantes da vila. Ao chegarem, deveriam apresentar-se na casa do capitão comandante,
prestando informações sobre a atividade exercida, o tempo que permaneceriam, onde
ficariam na mesma e, sobretudo apresentarem o passaporte à autoridade policial. Mais uma
vez, era notória a determinação do governador de controlar os passos dos que chegassem à
vila.
“Para que isto assim se observe, faço publico, que toda, e qualquer pessoa que da
data desta em diante entrar nesta vila devem ir apresentar-se a casa do capitão comandante
dela José Henriques Correia declarar o seu nome, manifestar o seu passaporte; dizer que
ofício tem, a que negócio vem; quanto tempo se há de demorar na vila, e aonde se vai
arranchar como estas mesmas assistem (moram) nas outras vilas desta capitania”.
No entanto, a tentativa de controle não ficava restrita às pessoas que vinham de outras
capitanias, ela também recaia sobre a população da capitania. Qualquer pessoa que
pretendesse sair de uma vila para outra, na capitania, era obrigada a solicitar uma guia ou
passaporte ao juiz ordinário. As recomendações eram idênticas para os que vinham de outras
capitanias, no entanto, havia uma informação suplementar para os habitantes da capitania: se
era trabalhador e, não sendo conhecido do juiz era necessária a presença de duas testemunhas.
Uma das “preocupações” do governador era não apenas a qualificação formal, a determinação
ia além, deveria declarar a profissão, mas, também, comprovar que era trabalhador, ser
moderado no modo de viver, ter bom procedimento, ter boa educação; estes eram os
requisitos necessários para o que o juiz concedesse o passaporte. Estas são as qualidades
exigidas pelo capital para o padrão de trabalhador moderno. O Ceará, a despeito de ser uma
região em que predominavam as atividades agrárias, apresentava uma parcela da população se
ocupando com alguns ofícios como: ferreiro, sapateiro, carpinteiro, latoeiro, costureiras,
vaqueiros etc; como analisei acima, o perfil exigido, pelo governador, abrangia o conjunto da
população livre-pobre.
No bando fazia parte de um processo de aperfeiçoamento das medidas para controlar a
população pobre-livre, pois isentava do passaporte as pessoas conhecidas pelos seus cargos,
postos e autoridades. O que tornava a proposta marcadamente subjetiva. Esse princípio foi
incorporado à tradição cultural dos setores dominantes. Via de regra, em situações as mais
diversas, você ainda é surpreendido com a seguinte pergunta. Você sabe com quem está
falando?
“Esta guia simples bastará para aqueles que não pretendem sair da capitania
porque neste segundo caso, deverá o pretendente apresentar-me seu alvará de legitimação,
para eu lhe conferir a dita licença: Fica entendido, que destas formalidades, ficam excetuadas
“Ordeno: que toda aquela pessoa, que receber em sua casa um viajante, que já não
tenha legitimado, e apresentado em casa do sobredito comandante, sendo convencido de a ter
feito por desobediência, seja castigado com a mesma pena destinada aos sobreditos vadios, e
com a mesma, que fica cominada aos que trazem armas proibidas, se a pessoa, que tiverem
acoitado as trouxe com efeito.”
O governador encerra o texto, fazendo um apelo à população, afirmando que havia duas
possibilidades: a primeira seria que esta se submetesse ao que estava determinado ou, caso
contrário, seria obrigado a utilizar a força para que as determinações fossem obedecidas. Pela
proposição fica explícita que, a despeito do governador apresentar alternativas, estas não
existem. Isto é, a população era coagida a se submeter ao que estava determinado pelo
diploma legal.
“Espero que o fiel, e exato cumprimento de tudo quanto fica publicado neste
edital me deixará na certeza do desvelo com que procurarão propagar, e manter a boa ordem,
e a precisa harmonia, e me porá antes nas circunstancias de mostrar a minha satisfação, pela
obediência, que se professa a todas as ordens, que tem por objeto estes importantes artigos, do
que de empregar o rigor para as fazer executar”.
O bando colocava à disposição das autoridades todo um arcabouço legal que poderia ser
utilizado como instrumento de controle e disciplinamento da população pobre-livre. Por outro
lado, traçava um perfil do modo de vida que deveria ser observado por essa população. Há
fortes indícios de que essas normas foram aos poucos sendo aplicadas na capitania, tendo em
consideração que a produção algodoeira para exportação cresceu sem que para tal tenha
ocorrido um crescimento da população escrava, tampouco houve inovações tecnológicas
capazes de alterar a produtividade das áreas cultivadas.
O tempo do verbo usado pelo governador foi o imperativo, ordeno a ação conjunta
entre a polícia e a justiça no combate aos facinorosos. É importante destacar, mais uma vez, o
termo usado para identificar os facinorosos era que infestavam, como se fosse uma praga que
invadia a capitania, e devia ser debelada. A linguagem e as medidas eram idênticas a utilizada
pelos governos anteriores.
Além da ação de integração da polícia e justiça, foi feito um mapeamento conhecer o
funcionamento da estrutura policial. Para tanto, o governador enviou ofício aos comandantes
dos diversos termos, solicitando informações sobre a estrutura policial em todas as 12 vilas
dos brancos e, ao mesmo tempo, indagando da necessidade de aumentar ou não os distritos
policiais em cada vila e seu termo, o que equivaleria atualmente ao município.
Na vila de Granja havia 12 distritos policiais e a pergunta era se seria necessário criar mais
distritos para que os seus comandantes pudessem cumprir as suas funções. Em ofício dirigido
ao comandante em 22 de junho de 1812, (a pouco mais de um mês do ofício circular), se
explicitava a prioridade dos corpos policiais na manutenção da ordem pública e no
desenvolvimento da agricultura.
No contexto a vadiagem era tipificada como um crime grave por ser considerada a causa
dos diversos crimes, e a polícia deveria combatê-la através do incentivo ao desenvolvimento
da agricultura. A desobediência da população resultaria em prisão, os corpos policiais e os
juízes ordinários seriam responsabilizados se as ordens não fossem executadas:
“(...) Pela relação que me remeteu dos comandantes de distritos do termo dessa
vila fico certo estar(...)divido em 12 distritos Vmce. me informará se será necessário criar
algum outro comandante de distrito novo afim de se conseguirem os dous fins principais do
estabelecimento dos ditos comandantes (...) a manutenção da boa ordem e do sossego público,
e o adiantamento da agricultura no que os ditos comandantes devem também ter a maior
vigilância persuadindo e obrigando os povos a que façam roçados e plantações
principalmente de mandioca e remetendo presos a esta vila os que desprezando estes avisos
continuarem a ser vadios, ficando-me responsáveis pela falta de execução a esta minha
ordem. (...)”.
A folha corrida que teve vigência no Brasil, de forma plena durante a última ditadura
civil/militar (1964-1985), era um atestado de bons antecedentes expedida pela autoridade
policial. No período do governador Sampaio quem não apresentasse bons antecedentes não
teria acesso ao passaporte, isto é, estava impedido de se deslocar do seu termo (município) e,
mesmo dentro deste poderia ser preso se fosse encontrado sem a licença. Na prática o
passaporte se transformava em um salvo conduto para a população pobre-livre.
O juiz ordinário, era eleito junto com os vereadores, não tinha formação jurídica, podia
conceder licença para todos os que habitavam no termo (município) da vila. Mais uma vez,
havia a exigência da folha corrida.
A autoridade dos militares ficava restrita aos seus comandados e podia passa licença
(passaporte) para circularem dentro do termo (município) e para os que ficavam nos limites
do seu termo (município).
Se acaso um soldado tivesse necessidade de ir para uma vila que não fosse limítrofe a
jurisdição do seu comandante, deveria recorrer ao juiz ordinário para poder obter o seu
passaporte. O juiz ordinário, via de regra, era um grande proprietário, eleito entre os homens
“bons” da vila.
Os comandantes de companhia e milicianos poderiam passar passaporte para os seus
soldados e por um prazo extremamente reduzido, de 1 (um) mês.
O que chamava a atenção, nessas medidas era, mais uma vez, a tentativa de
controle dos pobre-livres ao determinar que todas pessoas, para saírem dos seus distritos,
eram obrigadas a tirarem o passaporte caso contrário estariam sujeitas à pena de prisão.
Como, também, determinava a responsabilidade de cada autoridade, no âmbito do termo
(município), de sua vila e nos distritos. A começar pelos militares, que eram obrigados a
solicitarem licença para se ausentar do seu distrito:
“Os militares precisão também de licença militar para sairem cada um do seu
Distrito;”
Em uma sociedade marcadamente patriarcal, não havia regras especiais para as mulheres,
que eram tratadas como subordinadas aos homens. No caso das casadas e viúvas as regras
eram as mesmas estabelecidas para os maridos e as solteiras são igualadas a situação mais vil,
a dos soldados.
“As mulheres casadas, viúvas para obterem passaporte estão no caso de seus
maridos, e as solteiras como se fossem casadas com soldados de ordenanças.”
“Todas aquelas pessoas que vagar pelas estradas nesta capitania sem ter
passaporte na forma acima declarada será preso e conduzidos á cadeia da vila em cujo o
termo for apreendida para se legitimar.”
O processo de legitimação não era tão simples e nem todos estavam habilitados para
receber o passaporte como analisado. A tentativa de controlar a população não se restringia
aos moradores da capitania, mas também os que vinham de outras capitanias.
“Na mesma pena incorrerão todos aqueles que vindo de capitania diferente não
trouxerem passaporte legitimamente passado pelas autoridades competentes”.
Até então foi examinada a legislação no seu aspecto formal, isto é, como ela foi
concebida pelo legislador, sem acompanhar como se deu a sua execução na capitania. No
período do governador Sampaio será possível fazer o exame desse processo. Existe
documentação versando sobre a temática. No próximo tópico será analisada sua aplicação e a
adequação à realidade local.
Como analisei, formalmente a legislação sobre o passaporte era rígida, no entanto, a sua
Mesmo os povos indígenas não estavam imunes a esse tipo de influência. Em 1782, D.
José de Souza e Castro, um dos chefes indígenas do povo tabajara, solicitava a patente de
capitão-mor da vila Viçosa. A nomeação revela a influência de uma sociedade em que ser
nobre era a garantia de privilégio e no espaço colonial esse processo se dava, em grande
medida, pela via militar. Ao ser nomeado, uma das exigências era que o chefe indígena
passasse a se subordinar ao sistema colonial, devendo obediência ao rei e, não tinha
remuneração, a recompensa era de caráter honorífico como estava explicitado na nomeação
feita pelo capitão general-governador de Pernambuco.
O posto de governador capitão-mor dos índios, se por um lado trazia alguma benesse, por
outro selava um compromisso com o Estado metropolitano, transformando-o em um agente
desses interesses. As determinações oriundas da carta patente implicavam em implementar as
políticas que foram extremamente lesivas aos interesses dos povos nativos como: a obrigação
“Em resposta ao seu ofício de 18 do corrente sou a dizer aVossa Merce que sendo
certo que o principal fim a que me proponho com o recrutamento dos índios é o aumento
d’agricultura não deve ele ser executado de forma que venha a prejudicar esta mesma
agricultura”.
“No último do referido mês de junho devera ele remeter presos aqueles que não
lhe apresentarem licença minha para ali continuarem as plantações”.
Por fim, o governador concluiu de forma esclarecedora, afirmando que a legislação tinha
por objetivo fazer a população livre-pobre se integrar à produção de excedente. A afirmação
não deixava dúvida. O indulto que já havia sido concedido para outras pessoas obedecia a
uma regra básica: terem roçados de vulto (grandes). E mais, para aqueles que estavam se
O caráter discricionário da lei vai se tornar uma constante mantendo a lógica do bando de
1804. Em 1813, mais uma vez, na correspondência entre Sampaio e o capitão-mor de
Quixeramobim, José Pereira Deca, se explicita esse caráter discricionário da legislação
quando o governador determinava ao capitão-mor para não incomodar os condutores de
boiadas, aparentemente negando o que estabelecia a política do passaporte:
Mais uma vez, fica explícito que apesar do caráter, aparentemente inflexível da legislação,
está vai se adequar aos interesses dos grandes criadores de gado. A pecuária, apesar da crise
que atravessava, era uma atividade importante para a economia local e mais , os criadores era
a parcela mais representativa da classe dominante local, em constituição, não seria “racional”
criar obstáculos para o transporte das boiadas, era fazer com que a lei tivesse uma ação
contrária ao que havia sido proposta, que era controlar os passos da população pobre-livre
para forçá-la a se dedicar às atividades produtoras de excedente.
As recomendações do governador, ao fazer ressalvas em relação às pessoas suspeitas e
desconhecidas, para não dispensar a apresentação do passaporte, caso contrário seriam presas,
são elucidativas nesse sentido. Não significava que qualquer pessoa trabalhando como
tangedor de gado seria dispensada de apresentar passaporte, tal exceção era para as pessoas
conhecidas e, principalmente, os habitantes da capitania.
A lei do passaporte foi um caso típico, mas não isolado do caráter subjetivo que a
legislação assumia. O objetivo do governador era impedir a circulação de “vadios” e as
pessoas desconhecidas de uma vila para outra e, sobretudo, as que vinham de outras
províncias consideradas suspeitas. Dentre estas, nas perspectivas dos representantes do Estado
português, era onde estariam os criminosos em potencial que “infestavam” o interior da
capitania e contra eles deveria ser aplicado o que determinava a legislação.
Apesar da ordem para a ser lei executada a risca, mais uma vez, eram ressaltadas as
exceções e cautela com as pessoas conhecidas. Na verdade, sob a desculpa de pessoas
“exceto se for alguma pessoa muito conhecida, e que claramente se evidencie que
a falta do Passaporte procede de descuido, e não de malícia.”
As exceções eram para garantir os interesses dos proprietários. À medida que os
tangedores eram apenas executores de tarefas demandas pelos grandes proprietários, impedir
sua ação só criaria dificuldades para o desenvolvimento das atividades produtivas, mas
também contrariaria os interesses dos criadores de gado (fazendeiros), que representavam os
interesses do grupo dominante local, que eram importantes aliados dos representantes do
Estado português na execução da legislação, pois via de regra, os cargos honoríficos como: de
capitães-mores, comandantes de milícias e comandantes de distritos eram ocupados pelos
grandes proprietários.
No primeiro semestre, a partir de abril-maio, no final do período chuvoso era quando as
boiadas estavam sendo transportadas para serem abatidas nas oficinas ou charqueadas
situadas no litoral; exigir passaporte, aplicar a lei de forma rigorosa prejudicaria as atividades
produtivas e os interesses dos grandes proprietários. Nesse sentido, Sampaio recomendava
moderação na aplicação da lei aos comandantes de distritos. No entanto, a partir de junho
quando o movimento das boiadas se reduz ou praticamente cessava, eram retomadas as
recomendações para a lei ser aplicada sem exceção. Fica explícito que a legislação era
aplicada de forma seletiva, de modo a não prejudicar as atividades produtivas e os interesses
dos proprietários e da coroa portuguesa.
“Em todo o caso porém será útil que d’aqui até junho Vossa Merce proceda com
alguma moderação na execução da dita minha Ordem mas de junho em diante deve ser
executada a risca de forma acima dita.”
Ao mesmo tempo em que o governador Sampaio aparentemente ampliava os poderes dos
diretores das vilas de índios, os comprometia como responsáveis pelos passaportes que
passam. Na prática se o índio com passaporte cometesse um delito, o diretor poderia ser
responsabilizado pelos seus atos, como se explicita no trecho a seguir:
“No caso que Vossa merce também dispensar-lhe a obrigação de ajuntar folha
corrida ficando Vossa merce em todo o caso responsável por aqueles índios a quem passar
passaporte (...)”.
Procurando demonstrar que aplicação da lei obedecia a uma lógica ou lógicas será
citado mais um ofício dirigido pelo, governador Sampaio, ao capitão-mor José Alves Feitosa,
“(...) Entre as pessoas que tem vindo do Cariri noto que há muitas que não tem
passaporte. Se entre estas houver alguma que não seja conhecida é necessário faze-la remeter
a cadeia na forma das minhas ordens (...)”.
“Por este correio recebi o seu ofício de 28 de mês passado e com ele várias listas
dos Passaportes passados pelos comandantes de distritos desse termo pelos quais venho no
conhecimento de que a minha ordem de 23 de fevereiro do ano passado esteve unicamente em
vigor no termo dessa vila por espaço de dois ou quando muito 3 meses (...).”
No trecho seguinte fica patente que a política ditada pelos representantes do Estado
português enfrentava resistência dos proprietários de terra, tendo em vista que eram eles que
ocupavam os postos de comando da estrutura policial e o governador para persuadi-los,
ameaçava lançar mãos de instrumentos coercitivos e mais, responsabilizava-os pela
desorganização do Estado, o que trazia como decorrência certa conivência com a
criminalidade e também pela precária situação da segurança pública e individual na capitania.
“(...) eu já estava certo pelas participações [correspondência] que tinha tido pelos
comandantes de distritos dos outros termos cuja a falta de serviço é muito digna de repreensão
e castigo, e tende unicamente a uma perfeita desorganização do Estado, e a uma anarquia
completa facilitando-se por esta forma escapula dos criminosos desta capitania e tronando-se
por conseqüência mui precária a segurança pública, e individual.”
E mais, Sampaio exigia a execução da política em toda a sua extensão, sem exceção, o que
não era contraditório com o que vem sendo examinando, tendo em vista que na vila do Icó e
seu município a política do passaporte não estava sendo executada ou só fora em curto espaço
de tempo como foi constatado. O governador fazia lembrar ao capitão-mor as
responsabilidades do seu cargo e do comando que deve exercer sobre os subordinados, os
comandantes de distritos.
“Espero portanto que Vossa merce em desempenho dos deveres do cargo que
ocupa haja de executar, e fazer executar pelos comandantes de distritos do termo dessa vila
com maior exactidão e em toda a sua extensão a dita minha ordem de 23 de fevereiro do ano
passado que estabelece a Polícia dos Passaportes que deve estar em uso nesta capitania (...)”.
“Tenho a advertir-lhe 1 o
que na forma da citada ordem nenhum comandante de
distritos pode passar passaporte para fora da capitania como abusivamente fez o comandante a
quem pertence o caderno que incluso lhe remeto, e que não sei a quem pertence por não vir
assinados o único que continuou a tomar a lembrança dos passaportes passados depois de mês
de julho próximo passado”.
o
“2 que é necessário executar, e fazer executar com grande cuidado o que
prescreve a dita Polícia do Passaporte no & que principia = Toda aquela pessoa= etc”.
Essas eram também, quase nos mesmos termos, as recomendações feitas, através do ofício,
ao capitão-mor do S. João do Príncipe (Tauá), de 15 de abril de 1814. A primeira constatação
era quanto à atuação dos comandantes de distritos na aplicação do que determinava a polícia
do passaporte. A segunda esclarecia a quem cabiam determinadas atribuições.
Em mais um ofício ao sargento-mor de Sobral, Sampaio ordenava a prisão de duas pessoas
estranhas que estavam sem passaporte. A recomendação para efetuar essas prisões não
contradizia a ordem de março de 1814, que se coaduna com o caráter discricionário da lei. O
governador afirmava que prender quem anda sem passaporte era a regra, ela deve ser
flexibilizada em situações particulares, o que não era o caso dos desconhecidos que chegaram
a um dos distritos de Sobral. Por outro lado, percebe-se que o governador constituiu uma rede
“(...) Ordene ao comandante Antônio Gonçalves Rosa que faça prender os dois
homens que vieram para o seu distrito sem passaporte, o que ele deveria ter já feito em
virtude da minha Ordem de 23 de fevereiro do ano passado, o que se não opõe á outra minha
ordem de março do corrente ano, por que prender um homem estranho que não traz
passaporte é prisão em flagrante”.
Por fim, serão analisadas as informações contidas no livro de registro de passaporte que
recobre o período de 1813 até 1824. Esse conjunto de documentos torna explícito que essa
legislação foi efetivada na capitania. Em julho de 1813 foi concedido um passaporte a João
Ferreira, mameluco, morador na vila de Sobral que se encontrava na vila de Aracati. O
documento faz uma descrição minuciosa do solicitante para possibilitar a sua identificação. A
licença foi concedida para João ir a sua casa na vila de Sobral, o que também demonstra que
havia mobilidade da população na capitania.
Outros registros foram localizados, apesar de não conterem a riqueza de informações, mas,
são importantes para constatar a aplicação da legislação e a mobilidade da população na
capitania. Era a situação do pardo João Soares, morador no termo de Sobral, estava na vila de
Aracati, deslocava-se para Lavras, no sul do Ceará, e daí para a sua casa.
“Passou-se passaporte para João Soares de Silva pardo casado morador na Cruz
do Padre da vila de Sobral para ir as Lavras, e dai para sua casa em 25 de Agosto de 1813 na
vila de Aracati”.
A partir das últimas décadas do século XVIII se iniciou todo um processo, tendo por
objetivo disciplinar a população pobre-livre para que se submetesse ao trabalho regular e
disciplinado, mas, sobretudo, garantir o monopólio da coerção sob o controle dos
representantes do Estado metropolitano na capitania. Pelo exame da documentação era
notória que a aplicação da legislação obedeceu a uma lógica que foi a adequação da legislação
à realidade local. Nas ordens emanadas do governador, a lei deveria ser aplicada ao pé da
letra, no entanto, o próprio governador Sampaio recomendava, em determinadas
circunstâncias, moderação na sua aplicação, caracterizando um processo de adequação do
texto legal à realidade da capitania.
Por fim, constata-se sintonia dos interesse dos grupos dominantes locais e os da metrópole em
submeter os pobre-livres como trabalhadores produtores de excedente, principalmente, no
contexto algodoeiro em uma capitania em que o trabalho escrava não teria condições de
responder a demanda.
Parte II
Como assinalou Hobsbawm, o período final da década de 1840 foi marcado pela
liberalização do comércio mundial. Tal fato demarcava também uma nova fase no
desenvolvimento do capitalismo, que ingressava na fase de hegemonia do capital industrial.
Foi nesse contexto que a economia da Província apresentou sinais de recuperação, com o
renascimento da agricultura comercial, possibilitando a reinserção dessa no mercado europeu.
O renascimento agrícola foi marcado pela recuperação do algodão, que havia entrado em
crise a partir da década de 20, e pelo aparecimento do café e do açúcar como produtos para
exportação.
O café se transformou num produto importante na pauta de exportação da Província na
segunda metade do século XIX, chegando em alguns momentos, como entre 1860/1865, a
superar o algodão, em termos de produção para exportação.
De acordo com o Barão de Studart, o café foi introduzido no Ceará na primeira metade do
século XVIII (1746), mas, segundo outros autores, como o Senador Pompeu, no ensaio
estatístico da Província do Ceará, o café começou a ser cultivado em maiores proporções a
partir de 1822 através de sementes vindas de Pernambuco, plantadas no Cariri cearense e daí
se expandindo para outras áreas da Província.
Nesse período a produção estava voltada para atender ao consumo local. Foi somente a
partir de 1846 que a produção cafeeira passou a constar da pauta de exportação cearense.
Inicialmente, o cultivo se deu na serra de Maranguape. Posteriormente, estendeu-se
praticamente por todas as áreas da Província propícias ao seu cultivo. Foi, entretanto, na serra
de Baturité onde se concentrou a maior parcela da produção cearense.
O Relatório do Presidente da Província de 1862 constatou a existência de 600 fazendas
produtoras de café na Província, das quais 40% estavam situadas na serra de Baturité.
A produção tornou-se crescente a partir de 1845, sendo o período de maior exportação
entre 1860/1865, quando chegou a 8.321.716 kg, como podemos constatar pelo quadro
abaixo.
Quadro III
EXPORTAÇÃO DE CAFÉ DA PROVÍNCIA DO CEARÁ (1850-1880)
Período Peso (Kg) Valor Oficial
1850-1855 1.763.797 311.469$540
1855-1860 2.128.320 1.199:509$730
1860-1865 8.321.716 4.078:150$240
1865-1870 4.611.958 1.945:820$800
1870-1875 5.095.399 2.577:066$000
1875-1880 7.752.618 3.158:417$050
Fonte: Guabiraba, M. Célia de Araújo, A crise Cearense p.215 Fortaleza, 1989, p.215
“Na serra de Baturité (...) está situada esta vila (Monte-Mor o Novo). A
agricultura é de legumes, que se vendem em pequena quantidade para a vila de Fortaleza,
algodão e cana. (...) A cana é reduzida a rapaduras, que se extrai para o sertão de Campo-
Maior e Canindé, termo da Fortaleza, em engenhocas mais pobres que as do Cariri.”
Na “Notícia Geral da Capitania de Seará Grande”, de fins do século XVIII. Azevedo
Montaury, Governador da Capitania, referiu-se à abundância de cana-de-açúcar, concluindo
que era mal aproveitada pela população. A produção restringia-se ao consumo local:
No início da década de 1870, a produção açucareira provincial estava inviabilizada pela
queda constante dos preços no mercado europeu. O relatório do Presidente da Província de
1872 retratou essa situação:
“As indústrias não prosperam pela ausência de meios fáceis, rápidos e baratos de
transporte. Os artigos de transportes sobre lutarem com grandes dificuldades para chegarem
ao principal mercado da província, vêm-se absorver-se uma grande parte do seu valor no
custo do transporte. É claro o motivo do abandono da cultura de cana, de certa zona do
interior da província em diante. O fabricante do açúcar bruto, depois de tantos sacrifícios e
incômodos só obtêm 100 réis por arroba”
Si, porém, a distância for de 500 km, o frete de despesas por arroba de café,
algodão e couros levasse à 3$900 para os dous primeiros, e à 3$500 para o último, deixando
ao produtor o valor líquido de 2$700 por arroba de café, 4$800 pela de algodão e 5$000 pela
de couros, desaparecendo inteiramente a indústria sacarina (...)”
Como tentativa para salvar a lavoura açucareira no Ceará foi proposta a implantação de
engenhos centrais. Essa proposta começou a ser discutida em Pernambuco a partir da década
de 1850. No entanto, só foi implantada duas décadas após. “Durante a década de 1870 tanto o
governo provincial quanto o imperial começaram a oferecer subsídios a engenhos centrais.
(...) A Assembleia Provincial de Pernambuco aprovou a lei 1.141, a 8 de junho de 1874, que
autorizava o Presidente a promover seis engenhos centrais garantindo um lucro de 7% sobre
500 contos por engenho, por vinte anos.”
No Ceará, como em Pernambuco, o engenho central, segundo os produtores, minoraria um
dos problemas básicos: a “escassez” de trabalhadores. É o que pode ser constatado pelo
Relatório do Presidente da Província, de 1875:
“O cultivo da cana é, entre nós, o mais penoso e improdutivo. A dificuldade de braços para
vencer o grande trabalho de plantio e moagem (...) tem dado lugar a decadência desse (...)
ramo da indústria (...).
Nessas condições não é lícito cruzar os braços (...).Está demonstrado que o (...)meio mais
pronto (...) para o melhoramento (...) é o estabelecimento dos engenhos centrais.”
Em 1857, mais uma vez, o Araripe voltou a se posicionar sobre o cultivo de algodão no
No mesmo editorial o algodão, mais uma vez, era apontado como o produto capaz de tirar
da crise a economia da Comarca:
“Nos muito nos regozijamos com isto; porque desejando o aumento da exportação
de seu comércio, não vemos si não o algodão, que de pronto e de um modo eficaz, possa
operar essa revolução, tornando mais abundante o numerário, (...) e o crédito individual tanto
maior quanto deve ser a confiança nos recursos de um país, (...). Não há quem nos possa
contestar, que sem um novo ramo de indústria, que lhe valha novos recursos, o Cariri não
pode pagar o que importa.”
Em 1862, com a queda dos preços do açúcar, mais uma vez o algodão era apontado como a
cultura capaz de suprir a crise da economia do sul da Província:
Em 1861 o Jornal Pedro II, órgão de uma fação do partido conservador do Ceará, editado
em Fortaleza, fez uma análise sobre guerra civil americana e as suas repercussões no
comércio mundial. Acentuou as dificuldades que teria a Inglaterra para suprir as necessidades
de matéria-prima para a indústria têxtil, apontando o Brasil como o país capaz de suprir tais
necessidades e, mais especificamente, as Províncias do Norte. Como não poderia ser diferente
o jornal apontava Ceará como aquela que teria as melhores condições para produzir algodão:
“As províncias que ficam ao norte do Brasil, e a do Ceará sobre todas, é a que
oferece melhores condições para a plantação de algodão, e por isso lembramos aos nossos
comprovincianos a conveniência de fazer convergir, seus esforços na exploração desse
manancial de riqueza de que, tantos lucros podem auferir. A plantação do algodão não
exigindo grandes capitais, intermediando pouco tempo do ato de plantação ao a colheita, deve
merecer de preferência a qualquer ramo da agricultura a atenção dos homens mais abastados
da província de nosso povo em geral, no empenho de fazermos todos suas lavras grandes ou
pequenas conforme os recursos e possibilidades de cada um.”
O autor retratava a expectativa que a produção algodoeira criou uma expectativa tal que,
segundo Brígido, fez avançar a agricultura em muitas áreas novas isto é, terras incultas,
passaram a ser ocupadas com o cultivo do algodão. No entanto, Brígido, também retratava
decorrência do interesse pelo novo cultivo o abandono de atividades tradicionais como a
produção de alimentos em favor da produção algodoeira:
“Este aspecto, que torna o comércio do algodão, tem por tal modo incitado a
ambição de nossos agricultores que no fim do ano não haverá uma geira de terra em pousio,
todas as capoeiras estão convertidas em roça e todas as outras plantações serão abandonadas
por essa que a situação econômica converteu em mais lucrativa, fabulosamente lucrativa. ”
Além do mais João Brígido destacou outros aspectos relacionados como a deficiência de
estradas e dos meios de transporte, que demonstram o caráter geral das modificações
ocorridas devido a produção algodoeira, na segunda metade do século XIX:
“Contando por milhares de braços que atrai esta indústria, a safra do ano futuro
nos parece tão boa que desde logo prevemos que o transporte não será possível com os meios
e com as vias de que atualmente dispomos.”
“as cavalgaduras, que fazem os transportes dos nossos gêneros, não bastão para
levar ao mercado todo esse algodão. Elas pertencem pela maior parte às freguesias dos
sertões, e aí reclamam os seus serviços safras igualmente copiosas. ”
O mesmo destaque era, também, explicitado no relatório sobre São Matheus, o algodão era
apontado como o principal produto de exportação, ressaltando que a sua produção mais
“O algodão que, a três anos, principiou a ser cultivado neste município, em maior
escala, tem sido n’estes últimos tempos um dos importantes objetos de exportação (...), para a
capital, Aracati, Icó.”
Não era diferente o entusiasmo ao relatar o avanço do cultivo de algodão, que segundo o
relatório, se disseminou por todas as áreas da Província. Do litoral ao sertão, em áreas
tradicionais de pecuária, ao algodão se transformou no principal produto da pauta de
exportações, na década de 1860, sendo, também, estabelecido o consórcio entre as culturas
tradicionais como milho, feijão e a própria pecuária. O que pode ser constatado pelo relatório
da Vila de Imperatriz (Itapipoca):
Como se pode perceber pelo quadro acima, entre 1850-1855 a exportação de algodão pelo
porto de Fortaleza (o principal da Província) foi de 3.799.476 kg; em 1865-1870, quando
estava em curso a guerra nos Estados Unidos e o mercado europeu teve de recorrer a fontes
alternativas para suprir a lacuna deixada pela produção americana, as exportações saltaram
para 18.620111 kg. No entanto, os primeiros anos da década de 1870, exportação continuou
crescendo, no entanto, a queda dos preços no mercado europeu, em função da “Grande
Depressão”, como denominou Dobb, e a recuperação da produção dos Estados Unidos,
determinou uma queda brusca da produção a partir de 1876. Apesar do esforço dos produtores
em aumentarem a exportação como forma de enfrentarem a crise, a estratégia se mostrou
inviável, pois os preços continuaram caindo de forma constante. Mais uma vez recorro a
Rodolfo Teófilo, um observador arguto das condições enfrentadas pela Província no período:
“N’estas condições nos temos achado desde 1870. O comércio definha a olhos
vistos, a agricultura enferma, todas as relações da vida econômica se alteram, indo o mal em
progressão espantosa.
O sinal de que esta crise vai solapando tudo, no gênero das finanças, está em que
as rendas públicas baixam consideravelmente, escasseia o meio circulante, fecham-se os
estabelecimentos comerciais por centenas, e finalmente as operações de carteira são
nulíssimas e arriscadas, todo gênero de transação já se dificulta com as praças da Europa,
onde os negociantes do país tinham constante provisão e fundos para praticarem seus saques.”
O quadro retratado, pelo editorial, era aterrador, a redução das rendas públicas, a crise
comercial, as dificuldades de crédito e a redução das transações com a Europa, cessando as
possibilidades dos comerciantes locais em buscar crédito, que era a principal fonte de
financiamento. Casas comercias como a Boris Fréres que, também, atuava no ramo do crédito
e tinha fortes ligações como o velho continente.
Esse quadro era descrito por todas as correntes de pensamento seja os liberais, através do
seu jornal o cearense, ou os conservadores do jornal Pedro II que em junho de 1874, fez
comentário seguinte, apesar de não ser tão dramático o quanto o traçado pelo jornal Cearense,
também constatava a situação de crise da economia provincial:
“Faço saber perante Edital que por parte de Joaquim da Cunha Freire (Barão de
Ibiapaba) e Irmão, negociantes matriculados, moradores (...) Cidade da Fortaleza, foi
apresentado a petição de teor seguinte: Ilm Sr. Juiz de direito do Comércio
– Dizem Joaquim da C. Freire e Irmão, (...) que Francisco R. da Silva, negociante
também, e estabelecido na casa de secos e molhados (...) nesta cidade, lhes está a dever
(...)7:245$190 reis, vencidos e a vencer sendo instado a pagar a primeira parte, o não tem
Noutro edital, no mesmo jornal, de junho de 1874, em que João Antonio de Cunha
solicitou a declaração de sua falência, justificou-a como resultado da crise que recaia sobre a
economia regional:
Introdução
Como analisei, na segunda metade do século XIX, estava em curso uma série de
transformações no âmbito da Província do Ceará. Estas modificações não ficaram restritas aos
aspectos materiais houve repercussões no modo de vida da população livre-pobre. O objetivo
desse capítulo é recuperar as propostas dos grupos dominantes locais para organizar as
relações de trabalho na Província a partir da população pobre-livre.
O renascimento da agricultura comercial na Província, exigiu a incorporação crescente de
força de trabalho. Exigiu sobretudo, a criação de mecanismos para garantir a submissão, da
força de trabalho e dos trabalhadores aos grandes proprietários.
Na análise das relações de trabalho na Província, de 1850 até 1880. Iniciarei fazendo um
panorama sobre o trabalho escravizado no Ceará.
É importante afirmar o caráter escravista da formação social cearense. Isto, no entanto, não
inviabilizava ressaltar a importância do trabalho livre já no primeiro período algodoeiro
(1780-1825). Farei a comparação da participação do escravo como força de trabalho na
capitania do Ceará com outra área de pecuária, como a capitania do Piauí, que conforme os
Fonte: José Ribeiro Junior. Colonização e Monopólio no Nordeste Brasileiro. A companhia Geral de
Pernambuco e Paraíba. (1759-1780). São Paulo, HUCITEC, 1976, p.72.
O exame dos inventários de 1800 a 1840, das Comarcas do Icó, Acaraú e São João
do Príncipe (Tauá), reforçam as constatações feitas por Pedro Alberto O. da Silva para o
período final do século XVIII: a participação do trabalhador escravizado na capitania era
pequena.
INVENTÁRIOS DAS VILAS DE S. J. DO PRÍNCIPE, ACARAÚ e ICÓ.
1800 – 1840
o o o
Localidade N Inventários N Escravos N Proprietários Escravos/ Proprietários
Quando dividimos o número de proprietários pelo total de escravizados, obtemos uma média de
4,7 por proprietário. No entanto, ao fazermos uma análise mais acurada constatamos que 20,5%
dos proprietários não tinham escravizados e 30% tinham somente 2. É importante salientar que
50,5 dos proprietários estavam situados na faixa entre 0(zero) e 02 escravizados. Além do mais,
como se pode constatar no quadro a seguir, 70,8% dos proprietários possuíam entre 0 e 5
escravizados.
A DISTRIBUIÇÃO DOS ESCRAVOS POR PROPRIETÁRIOS (%) (1800-1840)
No Escravos Icó Acaraú (Tauá) Média
00 6,7 17,0 27,4 20,5
01-05 56,2 53,6 41,1 50,3
06-10 14,7 17,6 20,5 7,6
11-15 4,2 4,8 4,9 4,6
16-20 2,1 4,8 1,9 2,9
21-25 6,3 00 0,1 2,4
26-30 00 00 1,0 0,3
31-35 00 00 00 00
36-40 00 00 00 00
41-45 00 00 2,9 0.98
Fonte: Segundo Cartório do Icó; Arquivo Público do Estado do Ceará
Para o início do século XIX há dados sobre a distribuição da população escravizada, o que
pode ser constatado era a concentração nas áreas ocupadas pela pecuária. Outras fontes
documentais importantes para avaliarmos a participação dos escravizados na Província são as
“Esta vila é a mais antiga, (...). A agricultura é mandioca, milho e algum feijão,
que se consome na vila de Fortaleza e na do Aracati; produz algodão, mas em pouca
quantidade. Está inteiramente arruinada e sem comércio; (...) Ha no termo 28 engenhocas de
fazer rapaduras, mas é necessário advertir, que tais fábricas nada são; algumas nem um
escravo tem (...)”
Ou como se percebe pelo exame da tabela construída a partir do censo de 1804.
População da capitania do Ceará grande em 1804
Vilas Branco -Pretos e Pardos Livres Pretos e Pardos Escravos Total da População
Aquiraz 2.679 2.145 702 5.526
Aracati 2.339 1.490 1.102 4.931
Russas 3.753 2.769 943 7.465
Icó 3.822 3.522 1.507 8.851
Crato 6.797 12.793 1.091 20.681
Tauá 5.362 3.231 1.856 10.448
Granja 1.047 1.656 759 3.502
Sobral 2.781 4.193 2.978 9.952
Campo Maior 1.757 2.986 1.270 6.013
Fonte: Revista do Instituto do Ceará. Tomo XXIX, p. 279
O que se pode constata é que o percentual de escravizados nessa região, uma área em que a
pecuária determinava a sua dinâmica econômica/social, a maior parcela estava na área
representado pela pecuária. Enquanto a atividade agrícola era praticada, de forma
hegemônica, pela população pobre-livre. Conforme foi demonstrado a partir da análise de um
conjunto de fontes como o levantamento sobre a agricultura e pecuária, 1788, na freguesia de
Sobral, censo da população do Ceará de 1804, os inventários, as descrições da capitania.
A vila do Crato, situada em uma região agrícola, era onde estava o menor percentual de
escravizados, sendo apenas 5,2% em relação à população total. As vilas situadas na região de
pecuária como: Sobral a população escrava correspondia a 30%; em Aracati esse percentual
chegava a 22%, Campo Maior (Quixeramobim) 21%, em Icó a 17%, em São João do
Príncipe era 17,7%, São Bernardo de Russas correspondia 12,6%, vila de Aquiraz, apesar de
situada no litoral, tinha a maior parte de seu território na região da pecuária o percentual era
de 12,7% só para citar as vilas mais importantes que estavam relacionadas com o circuito da
pecuária. Tornar-se evidente que a maior parcela dos escravizados estava nas regiões em que
predominava a atividade pecuarista.
Na capitania do Ceará, não há dados sobre a população escrava até a primeira metade do
século XVIII, estes estão disponíveis só a partir da segunda metade. Em 1762, 87% da
população cearense eram livres.
Para dar continuidade a essa visão panorâmica, recorro aos censos realizados na capitania
no início do século XIX (1813) e o de 1872 e o levantamento de 1881/1883.
De acordo com Pedro Alberto de Oliveira, o recenseamento de 1813 foi um dos melhores
executado na capitania do Ceará, na época do governador Manoel Inácio de Sampaio,
revelava a população do Ceará em 148.74 habitantes, destes 28% era composta pela
população branca; 6% era a população indígena, 16% era composta pela população negra,
(sendo 45,1% desta representada pela população escravizada, mas, a maioria da população
negra era livre 54,9%). Os pardos representavam 50% da população, destes apenas 8,6 eram
escravizados.
Fonte: Relatório do Presidente da Província João de S. Souza, 01 jul., 1858, pg 30; Melo, Manuel Nunes,
Rev. Inst. do Ceará, Tomo XXV, Ano XXV, 1911, pg 50ss; Silva, Pedro Alberto de Oliveira, Escravidão no
Ceará, O Trabalho Escravo, Fortaleza 1986, pg 18.
Um outro conjunto de dados, relevantes para compreender perfil dos escravos, foram os
obtidos a partir da matrícula geral feita por exigência da lei 2040 de 28/09/1872, popularizada
como a lei de ventre livre. A matrícula qualificou todos os escravos da província. Tais
informações possibilitam traçar o perfil social dos escravos ao informar: a cor, estado civil,
profissão, acuidade para o trabalho, moralidade, idade, sexo, a localidade, o proprietário,
pessoas na família. No entanto, o levantamento realizado nos 45 municípios a partir de 1881
contém informações em alguns municípios, como o de Fortaleza, que deixou lacunas os dados
O município de Fortaleza, onde estava concentrado o maior plantel, foi retirado por não
Nesse levantamento foram registrados 2.610 escravizados, pois foi incluído o município de
Fortaleza, mais uma vez as mulheres representavam a maioria. Outro dado importante era a
presença significativa de crianças entre 0 e 13 anos representavam 19,2% da população
escravizada arrolada na Província. Nesse levantamento foram registrados ao menos 2
escravos brancos. Quanta a origem étnica a totalidade nasceu no Brasil e, a maior parcela era
natural da Província do Ceará. Um tema deve ser destacado com base nestes dados a
reposição por via da reprodução dos cativos no Ceará. Outro aspecto diz respeito à origem
étnica, quando é feita a qualificação aparece o termo crioulo são os descendentes de africanos
e no Ceará se transformou, também, em sinônimo de negro.
Outro dado, para traçar um perfil da população escravizada, no período, foi a análise das
ocupações. Uma parcela de 20,3% dos escravizados eram detentores de alguma habilidade
que o colocava como alguém diferenciado. Dessa totalidade os trabalhadores domésticos
representavam a maioria, 42,3% enquanto os rurais 21,7% e outras especialidades era 35,1%.
Dentre as categorias especializadas apresentarei em tabela para o leitor acompanhar:
Como ficou demonstrado havia uma variedade de profissões exercida pelos escravizados
no Ceará, no período final da escravidão. O universo social foi sendo ampliado quando
comparado a situação analisada por Mattoso para os séculos iniciais da escravidão no Brasil.
A imensa maioria trabalhadores escravizados eram domésticos destacando-se as cozinheiras,
costureiras. A profissão de servente pode ser o ajudante de pedreiro, mas também no sentido
“Estas indústrias (agricultura para exportação) dando mais lucros muito mais
vantajoso, que da cultura de mandioca, e legumes desviaram desta grande parte dos braços,
para emprega-los com mais vantagens,(…). Segundo a exportação contínua de escravos, que
não pode regular em menos de 300 à 400 anualmente depois da extinção do tráfico para cá.
Com quanto a maior parte desses escravos não estivesse empregado na
agricultura; contudo estavam eles em misteres, que hoje ocupam braços livres, que se
deslocaram da agricultura: por quanto esses escravos pela maior parte eram empregados nas
cidades em serviços domésticos, ou na criação de gados: na falta deles esses serviços é hoje
feito por homens livres. ”
O jornal apontava a realocação do trabalhador livre devido a redução dos escravizados. Por
outro lado, confirmava o que apresentamos na tabela acima sobre as atividades exercida pelos
escravizados, destacando que as principais atividades nos centros urbanos como: o trabalho
doméstico, a pecuária. E mais, essas atividades, antes ocupadas pelos escravizados, passaram
a ser exercidas pelos pobre-livres. Estava em andamento dois movimentos aparentemente
contraditórios o desenvolvimento da agricultura comercial e a exportação de escravizados,
principalmente, no sudeste cafeeiro. Tal movimento tornava imprescindível a submissão dos
pobre-livres como força de trabalho. Na mesma perspectiva era a constatação feita pelo
Jornal Araripe, em 1859, ao fazer uma avaliação sobre a agricultura na comarca do Crato ao
afirmar que:
Como analisei, a segunda metade do século XIX foi marcada por transformações no
âmbito da Província como o renascimento da cultura algodoeira e o aparecimento do açúcar e
do café enquanto produtos para exportação. Além do mais, foi nesse período que teve início o
tráfico inter-provincial de escravizados. A Província do Ceará foi uma das áreas que, em
termos percentuais, mais perdeu escravos com o tráfico entre 1850-1880 saíram oficialmente
16.480 escravizados. Essas transformações colocaram, mais uma vez, na ordem do dia a
necessidade de organizar o trabalho na província tendo por base a população pobre/livre
nacional.
O objetivo nesta secção é recuperar as propostas dos grupos dominantes locais para
estruturar as relações de trabalho “livre” na Província na virada da segunda metade do século
XIX e os aspectos tidos como impeditivos para a concretização desse projeto.
A principal proposta do grupo dominante local, para estruturar as relações de trabalho, era
recorrer a população “livre”/pobre. A Imprensa provincial, os relatórios do Presidente da
Província, os debates realizados no parlamento, em âmbito nacional, foram explicitadas essas
propostas.
A análise será feita, inicialmente, examinando como a imprensa abordou a temática. Os
primeiros ensaios sobre as medidas que deveriam ser adotadas para possibilitar o
desenvolvimento da agricultura foram apresentados no final da década de 1840. O jornal
Cearense, em 1847, fez uma análise sobre a agricultura da Província, apontando as causas do
seu atraso como: falta de recursos, de conhecimento, mas o destaque era para a preguiça:
Mais uma vez, se explicitava que a agricultura de aprovisionamento não livrava os pobre-
livres da pecha de vadios e preguiçosos. Essa concepção estava expressa quando o jornal
afirmava, em editorial, que o povo era inimigo da diligência. No contexto, mais uma vez,
estava em curso a necessidade de transformar a agricultura produtora de alimentos, por
excelência, em uma agricultura produtora de excedente destinada a suprir as demandas do
mercado. No ano seguinte, 1848, o Jornal Cearense, mais uma vez, fez uma análise sobre as
necessidades da agricultura cearense. Dentre os diversos problemas apontados, sobressaiam-
se três relacionados com a organização do mercado de trabalho: a falta de estradas, de capital
e mais uma vez, de gente laboriosa.
A natureza era apresentada, mais uma vez, como pródiga e fertilíssima, no entanto, falta
estradas, capitais mas, sobremaneira de gente laboriosa. O que se constata é que aos olhos do
grupo dominante o que era considerado preguiça poderia significar a resistência da população
livre/pobre em se submeter às relações de trabalho disciplinado e contínuo. Ao fim da década
de 1850, o jornal Cearense referia-se aos lavradores, que era os que se denominava de
arrendatários, isto é, pequenos produtores, que arrendavam uma parcela de terra pagando o
arrendamento em produtos. O jornal refere-se à necessidade de proteção do Estado para com
esses produtores por se dedicarem à produção de alimentos, num período em que o Brasil
enfrentava uma crise alimentícia:
“O Brasil inteiro sente esta falta, e para supri-la o governo tem um crédito de seis
mil contos, e uma grande sociedade central no Rio se tem encarregado da introdução de
colonos europeus nas províncias do sul. Para nós não chegam esses benefícios; é inútil
pensarmos neles. Contemos somente com nossas forças e dupliquemo-las com a indústria.
Nós não temos escravatura, ou pouco tivemos. ”
Noutra passagem, mais uma vez, o jornal acentuou as dificuldades de obter recursos do
governo imperial para atrair imigrantes europeu e apresentava como solução para a escassez
de braços recorrer ao braço livre nacional. Esse era o cerne do projeto dos grupos dominantes
locais/regional:
Já se explicitava em fins da década 1850 que a resolução para falta de braços era recorrer
aos pobre-livres nacional. A questão era como submeter essa população ao trabalho regular e
disciplinado. A mesma perspectiva era apresentada pelo presidente da Província, no relatório
lido na abertura dos trabalhos legislativos, em 1859. O presidente fez apreciações sobre a
colonização com trabalhadores europeus chegando as mesmas conclusões da imprensa local
para depois concluir que:
No trecho seguinte, o Presidente indaga aos deputados provinciais se não seria mais digno
recorrer ao braço nacional. E mais uma vez, como ocorreu no primeiro período algodoeiro,
era necessário construir argumentos para justificar ações coercitivas em relação aos pobre-
livres. Os conceitos como utilidade verso inutilidade são outra vez evocados:
“Felizmente o nosso povo não é estranho ao trabalho, (...). O que é preciso é que
se regularize melhor o sistema de trabalho, e o mais conveniente, seria da parceria do dono
do estabelecimento com as famílias de trabalhadores agregados, dando lhes terra para plantar
e outras vantagens, como em alguns de nossos sítios já se pratica.”
“Entendem-se mui livremente os vadios que não podem ser coagidos, sem
ofensa de sua liberdade, ao serviço ou ao emprego de suas faculdades nativas. A fim de que
daí tirem a subsistência por meio de uma ocupação honesta e útil, que converta-os antes em
homens honrados do que em díscolos, que solapam por seus vícios a sociedade (...),”
Mais uma vez, como no final do século XVIII, foi retomado o debate sobre os vadios e a
vadiagem verso a utilidade e a honestidade. Alguém que não deveria ser visto como um peso
para a sociedade, em suma alguém que com suas ações não sejam elementos de “perturbação
da ordem social”. Noutro trecho o jornal expressa o significado da aprovação e
regulamentação da lei da terra em 1855, que estabeleceu a propriedade privada da terra no
Brasil, foi um elemento importantíssimo para os proprietários se sentirem seguros no
estabelecimento de regras na subordinação dos pobre-livres.
No trecho seguinte, o articulista do jornal O Araripe traça um perfil do que seria o modelo
de trabalhador, era fundamental verificar o modo de vida anterior, as qualidades pessoais, a
disposição para o trabalho, ao afirmar que:
Por fim o articulista, como vinha sendo debatido em diversos espaços, apresentava a
modalidade de relação de trabalho que deveria se estabelecer entre os proprietários e os
pobre-livres. Isto é, a moradia de condição.
“Si este concede habitação nas suas terras, si n’aquelas não molhadas, dá agua
de regra para as plantações de seu morador, não é muito que este também dê-lhe aquele
preferencia, quando há precisão, e mediante o competente salário estipulado ou de costume.”
Como analisamos, na primeira parte desse trabalho, o jornal Araripe retomava no contexto
da reestruturação da agricultura para exportação o discurso sobre vadios e vadiagem como o
Irineu Pinheiro, em estudo sobre o Cariri cearense, constatou que o processo em curso na
segunda metade do século XIX, por volta de 1950, havia generalizando-se na região e era
visto como algo incorporado a cultura local. A subordinação dos pobre-livres aos grandes
proprietários, mas, sobretudo a adoção de relação de trabalho marcada pela exploração fosse
algo normal:
O que teve seus primeiros ensaios em fins do século XVIII, na década de 1950 era
apresentado como uma convenção. Outra forma de submissão da população pobre e livre foi
através da relação latifúndio/minifúndio. Isto é, pela submissão do pequeno produtor
independente ao grande proprietário. Freire Alemão, no mesmo período, ao referir-se às
relações de trabalho em Pacatuba e Fortaleza, constatou essa forma de submissão:
“A gente livre aqui, que constitui o povo é todo mestiça, mamelucos, cabras etc.
Trabalham pouco para si fazendo roças, gostam mais de se alugar, porque assim estão certos
de passar melhor e comer carne diariamente (...)”
“Si lhes derem terras, lhes facilitaram, os meios de adquirir, si fôr possível
estabelecer a parceria como temos no Ceará, sim os agricultores cearenses poderão prestar
grande serviço à lavoura.”
“A província do Ceará sr. Presidente, não tinha menos de 900.000 almas, e é uma
verdade reconhecida que duas eram as fontes de riqueza: a criação de gado e a pequena
lavoura, exercida por braços livres.”
O deputado Paula Pessoa, mais uma vez, ressaltava a importância da pequena produção,
realizada pelos moradores, na base da moradia de condição como sendo um fato consumado.
Mais uma vez, recorro ao deputado João Brígido, em discurso que defende a liberação de
verbas para socorrer a população flagelada pela seca, analisou o papel da pequena produção:
“A verdade é esta não espere no entanto que a maioria dos Cearenses emigrados
preste à lavoura grandes serviços. Os que não eram pastores, eram lavradores, porém livres,
ou proprietários. A subdivisão do solo no norte do Império é completa; (...) Eles não comem
de ração, são jornaleiros algumas vezes, mas tendo a sua vivenda, livre da autoridade do
senhorio. ”
Mais uma vez Brigido destacava a importância do trabalho livre no Ceará e defende que os
cearenses poderiam ser úteis no sudeste cafeeiro, se fosse reproduzido as relações de trabalho
vigentes na província. No entanto, Brigido em um esforço de retórica afirmava que a divisão
da terra era uma realidade no norte. Esse argumento era assacado para convencer da
importância de se estabelecer a parceria ou a moradia de condição a principal modalidade de
relação de trabalho vigente no Ceará. Como, também, em relação a condição de jornaleiro
(trabalhador alugado) era uma modalidade importante mas, não era a principal. Noutro trecho,
João Brígido destacava a importância da produção familiar para a economia cearense,
demonstrando relação dos grandes produtores x pequenos produtores se transformou numa
modalidade de produção importante para a economia provincial, como constatou Freire
Alemão em fins da década de 1850:
“No sul do império a grande propriedade passa ainda por cousa utilíssima; aqui
não se conhece ainda a pequena, mas profícua lavoura do norte. O Ceará mandava pela
alfândega da Fortaleza cerca de 140,000 sacos de algodão, e não tínhamos a grande
propriedade ou grandes fazendas.
“Os chefes de família pobre com sua mulher e filhos, trabalhavam nas suas
roças. As pequenas quantidades de produtos multiplicados pelo número das famílias davam
aquele resultado. O algodão era exclusivamente dos pobres.”
Na tentativa de convencer os seus pares, na câmara, Brigido, mais uma vez, fazia
referência a pequena produção no Ceará como uma saída para resolver a escassez de braços
no sudeste cafeeiro. No seu discurso ele acentuava a importância do trabalho familiar na
produção algodoeira, sem no entanto, descrever quais as condições a que estavam submetidos
essas famílias.
O que deve ser acentuado sobre a discussão em relação à escassez de braços na Província,
a partir de 1871/1872, é que, com a crise da produção algodoeira devido a queda dos preços
no mercado internacional, uma das reações dos produtores provinciais foi aumentar a
produção para compensar as perdas em função do rebaixamento dos preços. Observe-se que
esta discussão estava em sintonia com o processo de desescravização nacional:
“(...) Exergar-se por toda a parte nossa sorte, só porque muito cedo resolvemos o
problema do trabalho livre, acabando com o escravo (...), e entregando a lavoura aos
estímulos do homem que percebe salário.
Retirando o escravo da lavoura, (...) ficou o fazendeiro entregue à vontade, ao
capricho do trabalhador livre. ”
“De tempos em tempos à esta parte começaram alguns negociantes d’esta praça
(Fortaleza) mais relacionados com os nossos centros produtores de Maranguape, Baturité, á
fazer um ensaio, (...)mandaram vir de Portugal alguns emigrantes, destinados ao trabalho da
lavoura, e pensaram por esse meio estabelecer a concorrência com os braços nacionais, para
colherem daí mais aumento do trabalho e barateza nos salários. Essa expectativa foi
completamente iludida.”
Enfim, os grupos dominantes locais, como se pode constatar pelas citações acima,
apontavam, como principais dificuldades para organizar relação de trabalho “livre”, a
vadiagem, a instabilidade dos trabalhadores e a forma como era realizado o recrutamento.
Continuaremos, no próximo tópico, analisando as propostas dos grupos dominantes locais
para submeterem a população livre/pobre.
Os mecanismos propostos para submeterem os grupos subalternos devem ser analisados
levando-se em conta duas vertentes: aquela que depende da intervenção do Estado e a que não
dependia de forma direta dessa intervenção. Partindo deste pressuposto, julgamos necessário
analisar o papel do Estado em dois períodos: de 1830 até fins da década de 1850.
Nesse período, o que caracterizava a atuação do Estado era a preocupação com a
segurança, o que era compreensível, tendo em vista a situação da Província que, na década de
1830, enfrentou a Revolta de Pinto Madeira. José Martiniano de Alencar, em 1834, na fala
com que abriu os trabalhos da Assembleia Legislativa Provincial do Ceará, fez o seguinte
comentário:
“Diversas são as causas (...) de crimes (...) mas entre elas avulta a ociosidade, a
falta de educação moral e religiosa, e sobretudo a indulgência e bonomia proverbial dos
jurados, e só pelo andar dos tempos com o progresso da civilização, da moralidade, e da ação
perseverante e inexorável da justiça.”
Ao propor as medidas que deveriam ser adotadas para modificar a situação da segurança
pública e individual na Província, o Presidente era enfático quanto à necessidade de fortalecer
os aspectos relacionados com a religião, a moral, sobretudo, os mecanismos que induzissem a
população pobre ao trabalho:
Em outro trecho, o Presidente da Província explicitava a forma como o Estado deveria atuar
para combater o crime e a ociosidade, nesse contexto, são apresentados como algo imbricado.
“Da observação da estatística criminal resulta que seria de grande vantagem para a
preservação dos delitos empregar todos os esforços a fim de tornar-se efetivo o ensino
obrigatório criado pela resolução provincial de 2 de janeiro de 1865: obrigando os ociosos a
tomar uma ocupação útil e honesta, como prescreve o artigo 295 do código criminal; -
punido severamente os delitos policiais; procedendo mais escrupulosa revisão na luta dos
juízes de fato. ”
“Uma polícia ativa e vigilante, que não consentisse vadios sem modo de vida
conhecido; uma administração da justiça mais imparcial, e econômica que fizesse seguros os
contratos de locação de serviços, concorreriam para o aumento de braços, sem precisarmos de
colonização... .”
“A falta de uma polícia vigilante, que previna os furtos não poucos, que há de
gados, e de outros gêneros alimentícios, que obrigue aos vadios á tomarem um meio de vida
honesta. A falta de execução da lei de contractos, que são constantemente iludidos e violados
impunemente por muitos operários assalariados e agricultores.”
“Esta medida tal como se pratica entre nós é uma barbaria, que envergonha nossos
costumes, (...).
Está caçada é feita em todo tempo, de modo que não há garantia alguma para certa
classe de cidadãos; porém por uma inépcia(...) de nossos administradores, mandão agravar no
princípio do inverno, quando as classes pobres (sobre quem pesa o tributo de sangue) estão
plantando, ou mudando seus roçados, e lavouras.”
“De modo que o recrutamento não traz somente o mal imediato da privação de
braços, que se arrancão à agricultura; acarreta ainda como consequência sua a expatriação,
homizio, e fuga de muitos indivíduos, que receosos se escondem, ou mudam-se de distrito em
distrito, procurando um asilo, onde possam escapar.
Esta necessidade faz contrair aos rapazes habito nômades, desgostos pela vida
sedentária, pelo trabalho, e por conseguinte vícios inerentes à tais hábitos de cidadãos
morigerados, e úteis, tornam se as vezes vagabundos e réus de polícia.
Eis como uma medida anti-social, e anti-cristão deprava uma sociedade, corrompe
os costumes, e perverte a índole do povo.”
Onde queria chegar a classe dominante local com esses argumentos? Com certeza não era
uma preocupação com os pobres. O discurso sobre o recrutamento foi se transformando, a
medida que as condições da Província também mudavam. A partir da década de 1850, são
basicamente duas as reivindicações dos grupos dominantes devido o recrutamento. Ambas
tinham um traço comum: relacionar o desenvolvimento da agricultura com a necessidade de
modificar a forma como era executado o recrutamento da Província direcionando ou
modificando para ir ao encontro dos interesses da agricultura comercial. Isso se caracterizava
como uma tentativa dos grupos dominantes locais de se apropriarem do recrutamento como
um dos mecanismos para organizar o trabalho livre na Província.
A seguir, o jornal, mais uma vez, explicitava impacto do recrutamento para a economia
provincial, em que há uma relação entre o recrutamento e desfalque de braços para a
agricultura e óbvio como um mecanismo que dificultava a organização do trabalho livre,
mas, sobretudo contribuía no processo de desagregação social e na construção de um modo-
de-vida errante:
Em 1866, mais uma vez, o jornal Constituição, que era editado por uma das facções do
Partido Conservador do Ceará, publicou uma correspondência que abordava o impacto do
recrutamento na desorganização do Mercado de Trabalho:
“Procura-se um rapaz para o serviço do trato do gado, ele apesar de querer ganhar
o jornal, escusa-se dizendo – não posso por que não sei, se estou designado; receio ser preso
(...). Alguns indivíduos solteiros, que tinham algumas reses, as tem perdido quase todas, por
não poderem tratar d’elas, em consequência de recearem ser preso; (...)outros casados estão
no mesmo caso por não poderem ser ajudados por seus filhos, pela mesma razão. Assim, por
exemplo, há aqui um homem pobre, (...) que apenas tem um filho homem solteiro, este que
poderia ajudar, a ganhar alguma cousa para auxilia-lo na sustentação da família, foi
designado, e acha-se embrenhado nos matos. Este pobre homem tem outros filhos, porém
todos casados, e com família faz pena ver o lidar d’este pobre homem de mais de 60 anos.”
"Em Maranguape consta que o Capitão Estevão tem levado susto e terror por
todos os moradores do mato (...).
De Maria Pereira as folhas de oposição referem cousas muitos graves (...). Consta-
nos que nos sítios, e casas do mato nos termos d’esta cidade, Aquiraz,
Maranguape, não se encontra um indivíduo do sexo masculino, senão algum
Noutro trecho o jornal destacava o impacto para a agricultura por ocorrer o recrutamento
em setembro, que antecede ao período chuvoso, nosso inverno, quando estão sendo abertos
novos roçados, além da colheita do café.
O Pedro II, jornal conservador, também em 1867, fez uma análise sobre o recrutamento,
em que mais uma vez fica explícita a relação entre essa medida e a desorganização do
trabalho livre:
“Somos informados que está aberto, o recrutamento por toda a província (...) a
vista d’isto não desejamos criar tropeços no publico serviços; (...) o que desejamos é
demonstrar algumas inconveniências que se vão dando e que muitos males fazem ao comércio
e a agricultura; estas duas fontes importantes do progresso (...).Temos pois a lamentar danos
muito veementes se não houver toda a consideração para os lugares agrícolas como Imperatriz
(Itapipoca), Baturité, Santa-cruz (Uruburetama), Maranguape Pacatuba e outras localidades.
Não acabou ainda a colheita das vantajosas safras de café, algodão e açúcar e
plantações no próximo inverno e sentimos a falta de braços para o trabalho e conduções na
presente safra, um recrutamento forçado n’estes pontos agrícolas (...) não será uma
calamidade ?(...).”
Os argumentos elencados pelo jornal Pedro II, eram os mesmos apresentados pelos demais
órgãos da imprensa, fosse liberal ou conservador, o que tornava explícito que a problemática
unificava as diversas linhas de pensamento da Província. O recrutamento traria prejuízos para
a economia local, mas sobretudo, implicava na redução dos trabalhadores livres.
Até mesmo o Relatório e Catálogo da Exposição Agrícola e Industrial do Ceará, realizada
em 1866, que deveria ter um caráter técnico, também explicitava a proposta dos grupos
dominantes locais, quando exigiam a intervenção do Estado na organização do mercado de
trabalho e propunha modificações na Lei do Recrutamento isentando dessa obrigação os
trabalhadores agrícolas:
É elucidativa, nesse sentido, a análise que o jornal Cearense fazia em 1847 sobre a
agricultura provincial, ao discutir as possibilidades de transformação do conceito que a
população livre-pobre tinha sobre o trabalho e, mais, como convencê-la a se engajar no
trabalho regular e disciplinado, a religião era apontada como o único meio capaz de realizar
esta transformação ao afirmar que:
Noutro trecho, o Jornal destaca o poder que tinha a pregação do missionário para “corrigir
até aqueles que caíram em erro”, isto é colocar freios na população e combatendo o “vício”:
“Com que força não doutrina ele aos que o ouvem? Com que ardor não explica e
prega palavras santas do Evangelho? Que frutos não tem colhido na gloriosa carreira que
abraçou? Aqui inimigo se congraça com o seu inimigo: ali o marido desvairado abraça
arrependido sua virtuosa esposa (...).
Tais tem sido os triunfos (...) desse eloquente missionário, que fulminando o vício
e o crime vai arrebanhando para o sagrado aprisco as ovelhas que dele se tinham desgarrado.”
Essa concepção estava presente, ao longo da segunda metade do século XIX, na pregação
dos capuchinhos mas, também de religiosos como o padre Ibiapina de forma reiterada. A
seguir, abordaremos a experiência missionária do padre Ibiapina, que percorreu as províncias
do que hoje compõe a região nordeste entre 1860 e 1875, pregando, construindo igrejas,
açudes, cacimbas, cemitérios e Casas de Caridade que eram escolas de formação para o
trabalho. No Ceará construiu várias Casas de Caridade, principalmente, no Cariri.
“Art. 1 – Têm dois fins as Casas de Caridade desta Instituição, e vêm a ser a
educação moral e o Trabalho.
Art. 3 – A primeira educação das órfãs é ler, escrever, contar, aprender a doutrina
cristã e cozer. Finda esta educação entraram nos trabalhos manuais como tecer panos, fiar nos
engenhos, fazer sapatos e qualquer gênero de indústria que a casa tenha adotado.”
As casas de caridade articulava aspectos considerados cruciais, do ponto de vista da classe
dominante, que era construir valores de base cristã para servir de freio aos instintos do povo,
quase selvagem, como afirmava o discurso dominante, e tornar a população dócil para o
trabalho. No Capítulo segundo o regulamento define que além das órfãs, a casa de caridade
pode receber mulheres para o trabalho. O que definia a aceitação ou não na casa, após seis
meses de noviciado, era, sobretudo, o amor ao trabalho:
“Art. 6 – As mulheres para o trabalho não serão logo definitivamente aceitas, mas
estarão na Casa como em noviciado de 6 meses para provarem sua conduta, amor ao trabalho
e verdadeira religião.
Art. 7 – Serão, também, ensinadas em doutrina e a ler nas horas vagas do trabalho. ”
“Seu prazer, sua felicidade neste mundo é sofrer, destruir-se aniquilar-se e morrer
a tudo que é sensível, a fim de ganhar os sagrados Corações de Jesus e de Maria, ....”
Nas crônicas das casas de caridade, um diário em que foram registradas as experiências do
padre Ibiapina na ação missionária, contém narrativas sobre o funcionamento das missões e,
nesta havia uma relação explicita entre os atos de fé e o trabalho. O trabalho, enquanto meio
para combater o pecado e o ócio, era um tema recorrente na ação pastoral do período. Na sua
pregação, o trabalho manual perde o seu caráter aviltante, para se transformar em algo divino
e um meio essencial para a salvação das almas. Na descrição a seguir tornar-se mais uma vez
claro a relação entre fé e trabalho:
“Dividido o tempo entre a oração e o trabalho, em quanto uns corriam com afã
para o tribunal da penitência, outros desempenhavam com a melhor vontade as ordens de seus
Gedeões e as obras materiais marcham a par do progresso espiritual. ”
A indução ao trabalho a partir da ação missionária tinha uma eficácia comprovada, pois, o
discurso era feito a multidões que chegavam a 14 mil pessoas por missão, que escutavam
atentamente os conselhos, os quais eram seguidos como preceitos. Ao lado do discurso havia
toda uma prática pedagógica nas atividades de mutirão, utilizadas na construção de igrejas,
casas de caridade, açudes, cemitérios e cacimbas, o que envolvia algumas centenas de
pessoas. A descrição sobre a missão em agosto de 1868 em Goianinha é um exemplo desse
processo pedagógico de formação para o trabalho. Eram 12 mil pessoas trabalhando na
construção de obras públicas mas, o mais importante era o convencimento de que o trabalho
manual era algo enobrecedor e o caminho para a salvação das almas. Esse processo estavam
ocorrendo em plena vigência da escravidão.
“Nesta vila (de Flores Pernambuco) esteve reverendo Dr. Ibiapina que, com sua
palavra autorizada, ... tem prestado ao governo do seu país e a religião bem entendida, que é a
educação do povo, desarraigando do seu (...) hábitos de vício e do crime e suplantado em seu
lugar a moralidade a sobriedade e o amor ao trabalho”.
Noutro trecho o jornal elogiava a ação de Ibiapaba, destacando o papel das casas
de caridade como sendo um espaço por excelência formativo, civilizatório, citando a
construção de mais uma casa na Vila de Triunfo, em Pernambuco.
“Muito lhe devem os nossos sertões. Nesta comarca pós ele em prática o profundo
e sábio aforismo – educai a mulher e civilizarás o mundo – fundou ... (na) vila de Triunfo um
recolhimento de educação e trabalho para as órfãs desvalidas...”.
Introdução
“Entendo que d'El-Rei se poderá colheres grandes vantagens; tempo virá em que
seja necessário empreender-se obras mais importantes nos distritos do interior, e em que as
diversas lavouras da Província precisarem de braços ainda mais que a actualidade, e com os
recursos que aquele regulamento cria, será possível obter-se sem grandes dificuldades muitos,
trabalhadores hoje completamente perdidos para umas e outras; ele é em todo caso um meio
apropriado de chamar-se ao trabalho as classes ociosas, com manifesta utilidade para si e para
a sociedade.”
“1. Ser menor de 18 anos ou maior de 50, ou sofrer moléstia ou aleijão que o
Inabilite para o trabalho.
2.Ter propriedade, emprego ou indústria de que tire meios de decente subsistência.
O que se constata da análise das isenções, é que estavam isentos aqueles que não podiam
trabalhar e os que tinham uma ocupação regular. Com isso, a grande maioria da população
pobre-livre, que sobrevivia da agricultura de aprovisionamento e, não era proprietária,
trabalhava esporadicamente para os grandes proprietários, era o principal alvo da Companhia
dos Trabalhadores.
No artigo 6, explicita-se a exigência da regularidade do trabalhador para fazer jus às
isenções:
“Para que aproveitem as isenções (...) é necessário que os indivíduos que as
alegarem, se acharem empregados ou se ocupem efetiva e habitualmente nos diversos
misteres ou serviços ali mencionados.”
Essa medida, caso fosse executada, possibilitaria conhecer em cada distrito a população
livre que não era isenta e poderia ser recrutada de acordo com as exigências dos proprietários
para serem engajados nas atividades produtivas, mas também poderia induzir a alguns
buscarem trabalho de acordo com os padrões exigidos pela lei.
O artigo 36 tornava clara a necessidade de controlar a força de trabalho, recorrendo aos
mecanismos como o passaporte ou licença do comandante do distrito, como já havia sido
usado em fins do século XVIII mas, sobretudo no início do XIX no período do governador
Sampaio. O artigo proibia a liberdade de locomoção dos indivíduos que estivessem inscritos,
com contrato ou não, a não ser com a licença do Comandante:
O que se constata é que o modus operandi foi sendo retomado a cada período em
“Quando outra cousa se não estipule, o preço do salário será o que geralmente se
pagar no lugar onde os serviços tem-se de prestar e o pagamento será feito por semana.”
“(...) os locatários que não satisfizerem seus empenhos para com os trabalhadores,
que engajarem, deverão ser chamados perante o juiz de paz do distrito onde celebrou o
a
contrato, (...) e este lhes poderá impôr a multa ou pena de que trata a 2 parte do artigo
seguinte (...), além da obrigação de pagar ao locador o que lhe estiver a dever.”
“Fica também elevado ao duplo o número de dias de prisão, de que trata o artigo
40 do regulamento, e que tem de ser imposta aos trabalhadores remissos ou desobedientes
(...).”
Como examinamos o recrutamento era uma das ações mais temida pela população pobre-
livre e a possibilidade de isenção poderia se transformar em uma armar na aceitação dessa
população para submeter ao contrato proposto. No entanto, mais uma vez, a isenção não era
algo automático dependia do desempenho do trabalhador. Porém, mesmo que tivesse um
“bom” desempenho, o julgamento ficava a critério dos proprietários contratantes o que
geraria uma situação marcadamente desvantajosa para o trabalhador. Na discussão, no âmbito
nacional, quando esse tema foi abordado havia denúncias de que muitos trabalhadores se
submetiam a trabalhar de graça para evitar o recrutamento.
Para finalizar o tópico, faremos uma análise sobre a posição da imprensa liberal frente a
proposta de organização da companhia de trabalhadores. É importante, de antemão,
esclarecermos que a proposta foi elaborada e aprovada por um governo conservador, ao qual a
imprensa liberal fazia uma oposição cerrada. No entanto, apesar dessa posição do jornal
“Cearense” fez o comentário seguinte:
“(...) Nosso fim porém é falar de seu celebre regulamento criando uma
companhia, ou companhias de trabalhadores. É um monumento de arbítrio e despropósito.
Aqui a intenção é louvável; porém o meio e ilegal, e inexequível.
“Ao contrato de locação de serviço feito por nacionais é aplicável a pena de prisão
simples de 5 a 20 dias, quando o locador não cumprir.”
Ou, como explicitou Alencar Araripe na discussão do projeto em 1875, ao afirmar que:
“O projeto não obriga a trabalhar, obriga, sim, a cumprir os contratos legalmente feitos.”
Nos artigos 2º e 3º torna-se clara a subordinação do projeto aos interesses dos grandes
proprietários, ao propor que sua execução e as pendências, entre o locador (trabalhador) e o
locatário (proprietário), fossem resolvidos pelo Juiz de Paz, um típico representante dos
interesses locais. A mesma proposição contida no projeto de 1858. Vejamos como o projeto
trata da aplicação da pena de prisão e da realização do contrato:
A função do Juiz de Paz foi uma das poucas que permaneceu sob influência dos interesses
locais, após a reforma procedida pela lei de 1840, de reinterpretação do Ato Adicional,
centralizando o poder nas mãos do Imperador. O Juiz de Paz era eleito pelo voto direto. Era
quase sempre um grande proprietário ou um representante desses. E era exatamente, esse Juiz,
o “mediador” entre trabalhador e o proprietário, de acordo com o projeto Alencar Araripe.
Os artigos 9º e 10º, que isentavam do recrutamento militar os trabalhadores com contrato
de locação, tornavam, mais uma vez, claro o objetivo do projeto, ao submeterem ao arbítrio
dos grandes proprietários, as decisões sobre quem deveria ser isentado:
Como examinamos, no capítulo que trata de uma visão panorâmica sobre o trabalho
escravizado na província, ficou demonstrado que uma parcela significativa desses
trabalhadores eram domésticos. Para suprir essa lacuna o projeto Alencar Araripe propõe a
regulamentação de trabalho doméstico, mas vai além isentando-os do recrutamento.
Do ponto de vista dos grandes proprietários da Província, o projeto era excelente. O artigo
primeiro criava os mecanismos legais para obrigar os trabalhadores ao cumprimento dos
contratos. Os artigos 3ºe 4º, reforçavam o poder dos grandes proprietários, ao transferirem
para o Juiz de Paz, o poder de condenar o trabalhador através de processo sumário, enquanto
o trabalhador, para condenar o proprietário, deveria recorrer à justiça comum. Por outro lado,
os artigos 9º e 10º induzia o trabalhador a se submeter ao contrato, frente à possibilidade de
ser isentado do recrutamento, em uma conjuntura marcada pela Guerra entre o Brasil e o
Paraguai, período, em que o recrutamento se transformou numa ameaça real para a população
livre/pobre.
O projeto foi apresentado em 1869, no entanto, só entrou em discussão na Câmara dos
deputados em 1875. Dos debates sobre o projeto, em 1875, recuperaremos duas perspectivas:
de um lado, a intervenção de Martinho Campos, cafeicultor, representante de Minas Gerais.
Do outro, Alencar Araripe, representante da Província do Ceará.
Como propõe Ana Lúcia D. Lana, no sudeste cafeeiro, a transição para o trabalho livre
percorreu dois caminhos. O projeto dos cafeicultores do Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Espírito Santo que se manteve fiel à proposta de abolição gradual do trabalho escravizado,
como havia sido posto pela lei de 1871 (do ventre livre), tinha como um dos principais
“Não esqueça a câmara que aqui o locador é um miserável jornaleiro que contrata
com um homem relativamente poderoso e eu não conheço a necessidade desta intervenção da
lei no presente caso.”
“O locatário faz o contrato de serviços, se não adiantou dinheiro não sei porque
obrigará o jornaleiro que não recebeu salários; se os recebeu já há disposição de lei que o
obriga.”
Concluindo a análise sobre o artigo 1º, Campos tenta inviabilizar a proposta dos grupos
dominantes da Província com um argumento liberal clássico ao afirmar que:
“Eu entendo, sr. Presidente, que esta matéria não precisa de lei: que as
necessidades obrigarão suficientemente os pobres a trabalhar; que as necessidades e o
interesse recíproco os leva locador e locatário, a chegarem a acordo. ”
“O rico que toma um alugado tem ação sumária contra ele para sujeita-lo ao
serviço com pena de prisão por até vinte dias, dá-lhe em compreensão no artigo 4º o
executivo para haver o seu salário. ”
A posição adotada pelo deputado Martinho Campos não deve ser interpretada como uma
defesa dos interesses do pobre-livres, mas de uma disputa em curso no seio da classe
dominante agrária sobre qual o projeto deveria prevalecer na transição para o trabalho livre no
Brasil, e as ditas províncias do norte, no contexto, era uma região secundária, a área estava
açucareira em crise e a atividade algodoeira era algo incipiente frente a pujança da
cafeicultura do sudeste e essa fração da classe dominante não poderia colocar em risco o
projeto hegemônico representado pelo sudeste. A crítica de M. Campos tornou-se mais
contundente em relação aos artigos 9º e 10º, que tratavam da isenção para o recrutamento
militar, ao afirmar que:
Esse era um mecanismo essencial que estava presente em todos os debates, ao longo da
segunda metade do XIX no Ceará, quando se tratava de regulamentar o trabalho dos pobre-
livres e Campos tenta destruí-lo com o argumento primeiro: no Rio de Janeiro, onde estava
situada a sede do governo imperial, essa medida resultava em arbítrio como não seria em
outras províncias. Essa era uma das pedras de toque para atrair o pobre-livre a se submeter ao
trabalho regular e disciplinado a retirada dessa proposta era esvaziar mais ainda as pretensões
da classe dominante local. Noutra passagem, quando Campos refere-se especificamente ao
artigo 9º do projeto, mais uma vez reafirma seu ponto de vista, de que esse era um mecanismo
para submeter a população pobre aos grandes proprietários:
“Um artigo do projeto dá a cada fazenda dez locadores de serviços, e portanto dez
conscritos isentos do serviço militar (…). Não fica ninguém (…) e declaro a V. Excia que
todo o mundo terá hoje trabalhador de graça, menos quem tiver escrúpulo de comer o suor do
povo gratuitamente; será o resultado do projeto se for lei.”
Campos chegou a uma conclusão, a partir da qual justificou o seu voto contrário ao
projeto: era desnecessária a regulamentação das relações de trabalho, pois o próprio mercado
se encarregaria disso. Esse era um pressuposto básico do liberalismo e Martinho Campos era
membro do Partido Liberal. Um outro aspecto, que deve ser levado em conta para
compreendermos o posicionamento de M. Campos contra o projeto, era o fato deste ser um
projeto apresentado por parlamentares do Partido Conservador, que estava no poder.
No entanto, é importante ressaltar que para os cafeicultores de Minas Gerais, do Rio de
Janeiro e Espírito Santo era fundamental postergarem ao máximo a abolição do trabalho
escravizado; e o projeto Alencar Araripe, ao propor a regularização do trabalho livre,
colocaria em risco o projeto de abolição gradual. Este nos parece o aspecto fundamental para
explicar a posição de Martinho Campos.
Na defesa do projeto, em 1875, Alencar Araripe, mais uma vez, usou como principal
argumento, a necessidade de colocar à disposição da agricultura, da indústria e dos serviços
domésticos, uma força de trabalho regular:
Mais uma vez, Araripe reforça o argumento da necessidade de uma forma de trabalho
regular e abundante o que era uma questão fundamental para a província do Ceará, apesar de
nesse contexto a agricultura para exportação já está em crise, principalmente o algodão:
“A lavoura lucrará com isto, assim como a indústria, assim como as famílias.
Contratando serviços, os lavradores estarão certos de poder realizar as suas
plantações e tirar as suas safras; o fabricante contará com operários para a laboração de suas
fábricas, as famílias terão certos os serviços de que necessitam.”
“Em um país, onde a agricultura faz a base principal da nossa economia social, é
de suma importância cuidar dos meios de dar braços à lavoura. Hoje os nossos agricultores
não buscam com empenho trabalhadores na classe operaria do país porque não contão com
garantia alguma: eles sabem que se ajustarem trabalhos com o operário não podem contar
com os seus serviços por tempo certo. Embora hajam ajustes, o operário de um momento para
outro abandona o trabalho, e deixa o proprietário baldo de prosseguir em seus serviços.”
Analisaremos como Araripe vai se defender das críticas ao artigo 1º, que determinava a
pena de prisão para o trabalhador que não cumprisse o contrato. Alencar Araripe parte do
pressuposto de que deve haver igualdade entre as partes envolvidas no contrato. Para o autor,
o proprietário apresentava como garantia os seus bens, aos quais o trabalhador pode recorrer,
no caso do proprietário se recusar ao pagamento dos salários mas, o trabalhador, no
argumento do deputado, só tem a vida e a pena de prisão seria a garantia o cumprimento do
contrato:
“As garantias para as obrigações civis são de dous gêneros: a comum e ordinária é
a que nasce da propriedade, a outra, que somente deve admitir-se na ausência desta, é que
estabelece sobre a pessoa. É regra de direito que quem não garante com a propriedade a
execução das obrigações civis a deve garantir com a pessoa .”
A pena de prisão surge como um instrumento legal e eficaz para garantir uma força de
trabalho regular e disciplinada numa Província em que, apesar da população livre/pobre, que
era a quem o projeto atingiria, ter acesso aos meios de produção, não tinha a posse legal,
restando, nesse caso, de acordo com o projeto, a pessoa como garantia.
Alencar Araripe concentrou a sua defesa na necessidade de estabelecimento de
instrumentos jurídicos capazes de assegurar uma força de trabalho regular. Além do mais, de
acordo com Araripe, não era nova no país, pois as leis de 1830 e 1837 sobre a locação de
serviço já usavam esses mecanismos para obrigar o trabalhador a cumprir o contrato:
A seguir, mais uma vez, Alencar Araripe ressaltava a importância da pena de prisão para
garantir a regularidade da força de trabalho:
“Nem estas leis, nem as disposições das nossas ordenações, satisfazem as nossas
atuais necessidades.
A lei de 13 de setembro de 1830 só tem aplicação quando há adiantamento de
salários; a lei de 11 de outubro de 1837 é concernente aos colonos; as providências das
ordenações são minguadas e inexequível. A ordenação e as duas leis citadas estão fora do uso,
porque não correspondem às atuais circunstancias do país.”
“Ao temor do castigo deve aliar-se a esperança de recompensa para os vadios que
transformarem-se em homens laboriosos e locarem seus serviços por um certo número de
anos à grande lavoura. Essa recompensa deve consistir na isenção do alistamento para o
serviço do exército e armada em tempo de paz.”
No âmbito dessa discussão, José Angelo, Deputado pela Província de Alagoas, ao se
referir à “escassez” de braços fez proposições que reforçam o que temos afirmado sobre a
consciência que a classe dominante regional tinha, de que a saída, para esta área, era recorrer
ao trabalhador livre nacional:
“A grande lavoura do norte nada tem que esperar dos colonos vindos para o
Brasil (...). Resta-nos só esperar do braço escravo e do livre nacional; e em minha opinião há
muito que esperar deste último (...).”
“Mas para isso é preciso que os poderes públicos preocupem-se seriamente com
os meios para coibir a vadiação e a ociosidade para forçar esses braços a procurarem o
trabalho (...).”
O que se constata é que havia acordo dos representantes, das províncias do Norte, sobre as
possibilidades para suprir a força de trabalho devido o rápido declínio do trabalho
escravizado. A defesa do representante de Alagoas, nos pontos mais importantes, guarda
semelhanças com aqueles apresentados no projeto Alencar Araripe e nos debates feitos pela
imprensa local como também no congresso agrícola de Recife em 1878. Para Alencar
Araripe, como para os outros representantes da região, a solução para o suprimento de braços
residia na mobilização do trabalhador livre nacional através do poder coercitivo do Estado e
quando possível articulado a medidas compensatórias como a isenção do recrutamento. No
entanto, o projeto aprovado em 1879 é bem diferente da proposta de Alencar Araripe, que
havia sido apresentada em 1869. Na verdade, a proposta aprovada representou uma vitória
dos interesses dos cafeicultores do Oeste paulista, ao enfatizar como um dos principais
aspectos a regularização do trabalho do imigrante.
Considerações Finais
BIBLIOGRAFIA
Fontes Primárias
2 - Jornais
Araripe (1855-1864)
Ceará (1868)
Cearense (1846-1880)
Constituição (1865-1876)
Pedro II (1867,1874)
3) Publicações Oficiais
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1867-1871-1875).
-Relatório e Catálogo da Exposição Agrícola Industrial do Ceará (1866). -Leis provinciais do
Ceará – Regulamento No. 38 de 01 Jan 1858/
Idem – Regulamento No. 40 de 03 Nov 1858.
-Parlamento Brasileiro – Anais da Câmara dos Deputados (1869, 1875, 1877,1879) -Anais da
Câmara dos Deputados, 07 Ago 1869 (Projeto de Locação de Serviços) Idem, 20 Ago 1875
(Discussão do projeto No. 93 de 1874 sobre locação de serviços) Idem, 20 Jun 1877 (parecer
da Comissão de Agricultura da Câmara)
Idem, 17 Set 1879 (Intervenção de Alencar Araripe)
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