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Os Donos Do Poder

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RAYMUNDO FAORO

Os donos do poder

Laura de Mello e Souza


EsCLARECIMENTOs
A primeira edição de Os donos do
poder aconteceu em 1958) em Porto
Alegre: um volume de 271 pag1nas, que ficou restrito aos círculos acadêmicos
alcancou repercussão mais local do
que propriamente nacional. A segunda
edição ocorreu em 1975, em convênio com a Editora da Universidade de São
Paulo. Nesse meio tempo, o prestigio da obra cresceu e Raymundo Faoro, seu
autor, debruçou-se sobre ela, dando-lhe feição bastante diferente. A edição de
1975 tornou-se a básica, com dois volumes e 750 páginas.' E sobre ela que se
apoia a síntese abaixo.
Se alguns pontos do livro se tornaram discutíveis à luz de pesquisas e
interpretações historiográficas recentes - como as que relativizam o caráter
precocemente mercantil do Estado português ou ainda o pálido papel desem-
penhado pela nobreza na vida econômica do Antigo Regime-,o todo da obra
permanece de pé. Algunmas passagens são inclusive tristemente atuais, como
esta: "Duas etapas constituem o ideal do empresário: na cúpula, o amparo
estatal; no nível da empresa, a livre iniciativa". A agudeza da análise e a origi-
nalidade do trabalho continuam atraindo os leitores e confirmando-lhe a fei-
ção de clássico.

A PREDOMINÂNCIA DO PATRIMONIALISMO EM PoRTUGAL

O mundo português foi patrimonial, e não feudal. A cidade predominou


SObre o campo, impulsionada pela economia de mercado do capitalismo co-
mercial e monárquico que, desde então, fazia do príncipe "o senhor da espada
de
cdas trocas". Apesar de grande parte das rendas vir da terra, o agrarismo
comércio
chegou a ser profundo, e desde a Reconquista
o
Ougal nunca
indissociáveis. O se-
aritimo e a formação territorial andaram juntos, quase
e o sIstema se desvinculava
r a l era, antes de tudo, um cobrador de rendas,
da economia natural, orientando-se para interesses ligados ao comércio.
ESse patrimonialismo determinou, além de uma ordem econômica pecu-

d Telações bastante especificas poder. Ao patrimonialismo


entre homem e

superpunha o soberano ao cidadão


h da uma ordem burocrática, que o funcionario. A ele,
drelação semelhante à existente entre o chefe e

Paulo: Globo/ Edusp, 1975).


Raymmundo Faoro, Os donos«dopoder, 2 v. (Porto Alegre/São

337
OS DONOS DO PODER

ainda, se deveu o ritmo acelerado das relações comerciais e o fato de o rei


tornar-se o primeiro comerciante do reino, somando essa atribuição à outra,
de senhor de terras, e gerindo ambas como empresa sua. Estavam assim lançadas
as bases do capitalismo de Estado.
A Revolução de Avis afastou o perigo de uma confederação de tipo feu-
dal, consolidando o Estado patrimonialista portugués e amadurecendo um
qua-
dro de administradores. A coroa tinha de ser gerida como empresa económica
voltada para o mar, e requeria um grupo de conselheiros e executores
subordi
nados ao rei. Apoiado na burguesia, o novo monarca conseguiu, por meio da
estrutura patrimonial, erguero seu domínio acima da classe que havia patroci-
nado a monarquia e que, a partir de então, passaria a servi-la. Ao lado da
nobreza, a burguesia se tornou fator do poder, situando-se dentro do Estado.
Acima de uma e de outra, pairavam o rei e a
monarquia.
O grupo de comando não era, então, uma classe, mas um estamento. A
diferença entre um e outro reside no fato de a primeira ser determinada econo-
micamente, enquanto o segundo é, antes de tudo, uma camada social: "os
estamentos governam, as classes negociam". Em Os donos do poder, o autor
se preocupa estamento político: aquele em que os membros têm cons-
com o
ciência de pertencer a um mesmo grupo - qualificado para o exercício do
poder e que se caracteriza pelo desejo de prestígio e honra social. O estamento
é tipico das sociedades
em que a economia não é totalmente dominada pelo
mercado, como a feudal e, no caso português, a patrimonial. Contudo, encon-
tra-se também, de forma residual, nas sociedades
freio conservador, voltado
capitalistas. Representa um
para si mesmo e preocupado em assegurar as bases
do poder: aliado ao Estado
português, o estamento propiciou-lhe a organiza-
ção politica capaz de empreender a aventura
ultramarina, que nunca paderia
ter sido obra de
particulares.
A exploração sistemática
dos cargos -no país, os cargos são para os
homens, e não os homens para os cargos", dizia um ditado da época - tambem
caracterizava o Estado patrimonial de estamento,
do máximo
cujo objetivo era a obtençao
proveito possível. A India era então uma grande vinha a que os
1uncionários acorriam para suas abundantes vindimas. A nobreza ociosa c
Ostentatória nutria-se da economia
dirigida pelo estamento. A corrupya
Brassava, e o cargo conferia nobreza: onde
havia comércio, estabelecia-seun
aparelho administrativo: "a
administração segue a economia,
para proveito do rei, senhor e organizandoa
regente do tráfico".
LAURA DE MELLOE SOUZA

DESCOBRIMENTO E COLONIZAÇAO, EMPREENDIMENTOS DO ESTaDo

Num primeiro momento, quando nada apresentava de comerciável aos


olhas dos mercadores portugueses, o
Brasil despontou como escoadouro
para
miseráveis, pintado pelo grupo dominante com tons paradisíacos, funcionan-
do como silenciador das revoltas e aliviador das tensões. Esse aceno, promis-
sor de ascensão sübita, constituiu o ramo popular do impulso colonizador.
Na conquista, o elemento politico foi representado pelo rei, defensor e
garantia da empresa, o comercial foi personificado pelo contratador, armador
das naus, vinculado aos financiadores europeus; o territorial se concretizouna
feitoria. O estabelecimento colonial não representou uma volta ao feudalismo,
uma regressão: na verdade, a colonização foi obra doEstado, e teve nítido
cunhocapitalista, embora o capitalismo fosse politicamente orientado.
Empresa real, a colonização foi confiada às pessoas que cercavam o tro
no e que garantiriam a preservação dos vínculos públicos com a conquista: os
burocratas e militares, letrados e guerreiros, a pequena nobreza sedenta de
glórias, enfim, o estamento burocrático. Rei e estamento criariam as vilas
antes das povoações, criando a realidade com a lei e o regulamento: "A Amé-
rica seria um reino a moldar, na forma dos padrões ultramarinos, não um
mundo a criar".
AS ameaças à posse e à integridade da colônia levaram a coroa a criar um
SIstema de delegação de autoridade que utilizava os agentes locais,proporcio-
dnag-Ihes vantagens em troca de encargos e, ao mesm0 tempo, preservando
0S
monopólios e sistema
Nesse tempo, mais dode. tributos.
o
que os ataques de índios e piratas, era a "privatiza-
Para que se man-
uOs donatários e colonos" que assombrava metrópole.
a

iv Oedificio colonial, era necessário dar as rédeas ao estamentoburocrático:


do rei, Tom de Sousa su-
em nome
4 8 nstalou-se o governo-geral, e, soberano. A discipli-
bordin
OS agentes coloniais, deles fazendo agentes do
sustentação da unidade
econômica forneceu as bases de
ad Vidade distâncias enormes, a lei de
financeira: apesar das
nistrativa, judicial e malhas ficaram sol-
realidade. Mas algumas
tas A Cspondeu à exceção
na
inaugurando, com o viço
rede oficial não cobrirá todo o mundo social,
haurid
haurido Capitanias, um dualismo de forças entre Estado e vida
civil".
autonomistas
limitação às aspirações
Nessa política metropolitana de sendo ins-
dos
dos tiveram papel importante,
potentados,
trumentos
OS conselhos municipais
colonos e
latifundiários que o Estado
centralização, abrigo dos autonomia não exis-
domesticara et
domesti4 C homens-bons. O
ransformara em
temorda

339
OS DONOS DO PODER

tiu desde sempre, e o exercício da autoridade e da disciplina não foi prática


sistemática: ela se intensificou com a Restauração (1640), como resposta ao
desvio dos privilégios comerciais e tributários da coroa, provocados pela
privatização do latifúndio, e correspondeu à necessidade de reconstrução do
Estado absolutista português.
Após a primeirainvestida do Estado no sentidode conquistar o sertão, a
iniciativa foi dada a particulares que, contudo, exerciam funções públicas:
foram antes guerreiros do que burocratas, esses caudilhos coloniais; enquanto
fossem úteis à coroa, sua rebeldia seria tolerada, dando-lhes a impressão enga-
nadora de independéncia.
O processo de cerceamento à autonomia dos caudilhos e dos municípios
se tornou irreversível com o aparelho administrativoe fiscalista que se mon-
tou sobre as minas. A ordem pública portuguesa atravessava os mares e se
impunha sobre a colônia, traduzindo-se na obediência passiva. O Estado, des-
de então, apareceria como "monstro sem alma, o titular da violência, o
impiedoso cobrador de impostos, o recrutador de homens para empresas com
as quais ninguém se sentirá solidário".
Para o funcionamento do aparelho administrativo, judiciário e fazendário,
a paz interna e a defesa eram essenciais: as forças armadas tornaram-se, as
sim, o elementointegrador do colono à ordem metropolitana, fazendo do par-
ticular, uma vez mais, o agente real; aportuguesando a colônia; afidalgando os
colonos; embranquecendo os mestiços. Entretanto, isso só foi verdadeiro para
as patentes superiores: o serviço militar como profissão e atividade perma-
ente não enobrecia, sendo, ao contrário, refügio de pobres e desvalidos.
A estrutura patrimonial portuguesa somou-se, pois, ao sistema colonial;
sobre este, montou o aparelho de sucção do Estado, controlando as exporta-
ções e o comércio, orientando a ordem social das classes. A consequencia to
a dependência permanente.

As CLASSES NA COLÖNIA

a
Procedendo-se a uma tipologia das classes na colônia, distinguem-se
"se define
Casse proprietaria,a classelucrativa e a classemédia. A primeira
pelas diferenças de bens, que determinam a situação dos membros", no po10

positivamente privilegiado estão os senhores de rendas advindas deimóveis,


os ooj
escravos, barcos, valores e créditos; no polo contrário, encontram-se
tos da propriedade: os escravos, os déclassés, os pobres e os devedores.

340
LAURA DE MELLO E SOUZA

unda - a classe lucrativa - "encontra seu caráter nas probabilidades de

valorização de bens e serviços no mercado", e abrange os comerciantes, arma-


dores, industriais, empresários agricolas, banqueiros, financistas e até profis-
sionais liberais de vasta clientela, no polo contrário - negativamente privilegiado

ficam os trabalhadores qualificados, semiqualificados e braçais. A classe


média abarca "as camadas intermediárias dos grupos de proprietários e
especuladores e mais setores de expressão própria: a pequenaburguesiaantiga
e a nova classe mdia dos empregados com status quase autônomo (white
collars". A classe proprietária tende à estabilidade social, e a lucrativa se
apresenta mais aberta às mudanças, das quais se beneficia; classe proprietária
e alguns setores da classe média são os que mais se avizinham do estamento,
o que não impede, paradoxalmente, que no "sistema global português-brasi-
leiro" o estamento se assente e se desenvolva sobre a classe lucrativa.
Grande parte das análises tradicionais sobre o Brasil colonial se fixaram
na dicotomia senhor/escravo, correspondendo a uma transposição da visão
feudal e penetrando apenas a realidade interna da colônia - a da propriedade

territorial. Deixaram assim de lado o fulcro da colonização: o comércio e a


classe por ele suscitada, a burguesia comercial vinculada ao Estado. No come-
ço do século XVII, o comerciante eraa principalfigura davida portuguesa. e
de Lisboa transmitia energia ao sertão coloni l. No topo da pirâmide, na pes-
S0a do senhor de engenho, a classe proprietária pendia para a lucrativa; na Sua

base, na pessoa do escravo negro, a ascensão era impossibilitada.

REINADDO
CLASSES, POLÍTICA E CONFLITO NO PRIMEIRO
No início do século XIX, os senhores territoriais jå no eram mais ne-

terras incultas. Sua função


militar
Como caudilhos e exploradores de
se tornara praticamen-
Substituída pela do reinol, e sua influência politica
vilas. Dada a queda das
dCm Virtude da falsa autonomia das câmaras
e
e do träfico,a
exportações, o colapso do ouro, o retraimento do setor agricola
onomia se voltava para a subsistência: "De caçador de riquezas [o senhor
o
territorial] con
converte-se senhor de rendas, a fazenda
monocultora toma o
arh dlatifündio quase fechado". Esse processode transformação do em-
caráter
em

PCsario exportador em senhor de rendas e produtos coincidiu coma vinda da


familia CCom
real o amadurecimento de um.certo liberalismo:Os fazendeiros
Ticos pro avam diminuir poder dos reis dos governantes para aumentar
o e
o

seu heproprio,
Seu
anova partilha de poder da qual,
mais uma vez, ficavam

341
OS DONOS DO PODER

excluídas as classes pobres, os agregados e dependentes que gravitavam em


torno do fazendeiro.
O Rio de Janeiro de então, moradia da família real, se transformava e
aglutinava uma camada de funcionários famintos de emprego, dinamizandooa
formação social da colônia. O governante se via às voltas com a dificil tarefa
de criar um Estadoe suscitar as bases econômicas da nação: como de
costume,
o país era tratado como conquista a explorar. Sob influência dos comerciantes
ingleses - já que os portugueses se mostravam refratários às mudanças -,

ocorreria a modernização da vida econômica; ao mesmo tempo, a Corte


transmigrada relutava em aceitar a submissão ao comércio inglês, compreen-
dendo que o capitalismo industrial significava o
golpe de morte ao capitalis-
mo português
politicamente orientado. De fato, a partir de 1810 e como
predomínio britânico, o Estado patrimonialista se tornava simples cobrador
de impostos. A classe lucrativa
enfraqueceu-se; sobreveio o rápido interregno
do grupo de grandes proprietários rurais - fluminenses, mineiros e paulistas -
subitamente transformados em dignitários da Corte e aliados da burocracia
colonial de segundo grau. Junto com esta, os proprietários formavam o grande
núcleo separatista que forneceu muitos deputados às cortes de Lisboa.
Após um primeiro momento de idílio mútuo, os brasileiros começaram a
ser vistos com certa
desconfiança, acentuada com a Revolução de 1817. Com
a volta do predomínio luso e o agravamento do divórcio entre metrópole e
colônia, entre Estado e nação, o separatismo se acentuaria, o liberalismo da
revolução do Porto repercutindo na colônia e lhe imprimindo o desejo de li-
berdade e de suspensão do pacto colonial. Sem elo de união, os interessees
diversos se fragmentavam: a grande tarefa de José Bonifácio foi unir ao
prín-
cipe esses elos dispersos, concentrando novamente o poder em suas maos,
realizando transação que impediria soluções extremas.
a

No país nascente, a estrutura politica continuaria repousando na buro-


cracia, agora nacionalizada, e no absolutismo colorido pelas novas fumaças
nberals. Entre a democracia e a liberdade, a Constituição de 1824 optava pela
ultima, assegurando os direitos individuais e politicos garantidos pelas insti-
tuições sem, contudo, tocar no problema da partilha do poder entre os
c
daos: a soberania é nacional, e não popular. O imperador precedia ao pacto
SOcial, e ao abrir a Constituinte, parafraseava, sintomaticamente, Luís XV1,
prometendo obedecer à Constituição caso esta fosse digna do Brasile dele.
Com a aclamaç o, imperador e povo passaram a conviver cesaria-
mente, e a ação passou a ser medida pelo aplauso das ruas, pelo amor ao

povo, pelo carisma. Uma vez imperador, D. Pedro I se engajou em corren

342
LAURA DE MELLO E SOUZA

naliticas sucessivas, enfraquecendo as bases do poder e concedendo


Lanrarias para suprir deficiências. Apesar do esforço dos parlamentares
em Conciliá-los, soberano e pais eram realidades diversas, um tendendo ao
despotismo e o outro à anarquia. Liberal na aparência e absolutista no
conteúdo, o Estado buscou a rearticulação, controlando as províncias atra-
co
vés da nomeação de seu presidente. A organização política, com a coroa à
frente da nação, era incompativelcom a democracia, mas não como lihe-
ralismo.Dois partidos moviam o parlamentarismo brasileiro, possível ape
nas devido à manipulaç o de cima para baixo. Graças ao poder Moderador,
D. Pedro I pôde reinar, governare administrar mesmo quando lhe faltou o
apoio ministerial.

OLOCALISMO LIBERAL E O REGRESSO CONSERVADOR

Aabdicaçãoeclipsoua autoridade do plano politico,eagrandetarefada


governoregencial foi reconstruí-la, buscando, por meio do predomínio do
grupo moderado, edificar uma base estável de poder. O grande projeto da.
regênciafoi a descentralização, que visava a "devolver a nação a si própria'" e,
ompendo o predomínio da cúpula do poder, abrir comunicações políticas com
S 1orças locais: os municípios e as províncias. Nesse sentido, o Código de
a autonomia
TOCesso Penal (1832) e o Ato Adicional (1834) consagrariam
local e fortaleceriam o poder privado.
das fa-
localismo liberal de 1831-1837 coincidiu com o fechamento
do eixo
CIdas, voltadas então para a subsistência, e com o deslocamento
CCOnomico do Norte para o Sul, o café dando substrato econômicoå suprema-
se associar ao quadro politico-
c a dessa região. O comércio voltara a condu-
inistrativo, e o Bstado reingressava nos trilhos patrimonialistas, arti-
do estamento burocrático
politica centralizadora por intermédio Estado. Dinheiro e
Conselho de
n Senado, dos partidos e do
torno do
ambicionavam o
os que
a subjugar a classe proprietária;
ho Passaram
poder tinham ent de deixar o comércio e a agricultura e ingressar na máqui-

4politica, à caça do emprego público.


comerciantes, nem os
O seriam nem os ricos
grupo de apoio de Feijó não sem fumaças
de
ricos médias, "agricultores
PICtarios, mas as camadas püblicos
senhores, com
Capazes
nerciantes sem a manipulação do governo, empregados
norte-americano e
falsamente
capazes, uSuia nativa... -quadro vagamente

343
OS DONOS DO PODER

brasileiro". Esboçou-se, assim, um poder politico que não correspondia às


forças cconômica c socialmcnte dominantes.
A regência apresentou ainda enorme arbitrariedade social ejuridica-o
"poderinoportuno"- , no satisfazendo a ninguém, não pacificando a nação,
apesar das violências cometidas. A renúncia de Feijó significou o fim do
governo liberal moderado que se inaugurara com a abdicação, e o controle
do poder pelo partido conservador: foi o "regresso", com bases politicas no
Norte e que, em 1837, fixou definitivamente o parlamentarismo e reduziu o
povo a "uma ficção, minima e sem densidade, que vota em eleições fantas-
mas". Era o parlamentarismo sem povo, no qual o poder merecia todas as

homenagens.
O primeiro passo do movimento centralizador foi a Lei de Interpretação
do Ato Adicional, que acabou por lhe infundir um conteúdo oposto ao inicial,
pois privilegiou o poder Legislativo e fez com que as assembleias provinciais
perdessem terreno. Apesar das investidas liberais que visavam a submeter o
poder moderador ao controle da nação, as decisões continuavam sendo tomadas
na cúpula, sob a autoridade do imperador. No contexto político e jurídico de
centralização, os capangas dos senhores se tornavam capangas do império, e o
uniforme da Guarda Nacional burocratizava agricultores e senhores de engenho:
Sobre os sertões e os campos desce a espada imperial; estruturada, na cúpula,
num mecanismo estável de governo, mecanismo superior às mudanças de ga-
binete". O Estado era ainda o das dinastias de Avis e Bragança, todo poder
emanando do rei e a ele volvendo, os conservadores sem cargos se fazendo de
revolucionários e o liberal no poder esquecendo "a pólvora incendiária".

PARTIDOs POLÍTICOS E ELEIÇÕES NO IMPÉRIO

A partir de 1836, a história politica do império se resumiu à luta dosdois


grandes parlidos: o Liberale oConservadar, cujas linhas erambastantedistin-
tas. Desdec o início, o partido Liberal se achou comprometido com a ideia de
soberania popular, sendo mais democrático do que propriamente liberal. Já os
conservadores reverenciavam o trono e a tradição, acatando a fórmula de que
O rei reina, governa e administra, com base na Conselho de Ministros e no
SEnado. O partido Liberal se encontrava mais próximo da propricdade rutd
na medida em que pregava a descentralização e o federalismo, suscitando os

poderes locais ao mando. O partido Conservador, por sua vez, estaria mais
próximo do comércio e do crédito.

344
LAURA DE MELLO E SOUZA

Comum a ambos os partidos foi o debate teórico sobre o poder Modera-


dor um dos grandes temas polemicos de todo o Segundo Reinado. As vozes
ce levantariam, unänimes, contra o poder pessoal, contra a falta de garantias e
de regras determinadas, e pregando a refornma das instituições. O poder Mode-
rador funcionaria como armadilha, entravando a emergência dos tempos no-
vOs. Sob a concórdia aparente, o imperio apresentava um povo sem nenhuma
representatividade, incapaz de ter sua vontade expressa em eleições que ho-
mologavam as decisões de cima e confirmavam os gabinetes: eram filhas do
partido no poder. O regime monárquico era representativo, mas o governo não
o era. O fundamento da vida partidária do império foi a mesa eleitoral, "eixo
maior da máquina de compressão" e lugar das manipulações e das fraudes.
Feita a mesa, dizia-se, estava feita a eleição; o número de eleitores da paróquia
ficava a seu arbítrio.
gabinete da Conciliação (1853-1857) procurou estabelecer reformas
eleitorais que suprimissem o mecanismo de pressões sobre o eleitor, como se
a simples lei pudesse transformar a realidade profunda. A cruzada em favor da
reforma eleitoral culminou com a reforma de 1881, que foi decepcionante,
possibilitando eleições mais pacificas mas ainda controladas pelos elementos
economicamente dominantes. A barganha entre polo oficial e local passou a
dominar a carreira política, substituindo a imposição armada. Sob a influência
dos grandes chefes politicos, a máquina eleitoral tinha sua base de sustentação
na corte. O candidato deveria ser filhote: filho ou apadrinhado de algum per-
sonagem importante; na carreira politica, o cargo público foi, frequentemente,
o passo inicial.

Vessa epOca, um novo fator começou a contar:o coronelismo. A influên-


distri
4 1Ocal obedecia à geral, com a condição de que houvesse viagem pelo
do füturo deputado e
rdadeira peregrinação que formava os vinculos de ou
gava solidariedades ao mando local, independentes
programas
das nomea-
Vndicações nacionais, "O deputado será o agente que cuida
árbitro das disputas de campa-
a s promessas, dos favores, dos arranjos,
nário".
a centraliza-
predominio do soberano por meio do poder Moderador,
não formavam, entretanto, um
IClada na corte e o voto manipulado
d político. Esse se baseava numa tradição persistente, assentada em ve-
Ihas ideias imp
portadas e em fatores novos,
ativos mas incapazesdetranstor
mara ordem das conflitos politicos, o estamento
coisas.Acima das classes e dos
burocrático
Cas
per
persistia, fechado na
caracteristi-
hereditariedade e mantendosuas do Estado
cas stó aristocrática. As exigências
s e funcionais de camada

345
OS DONOS DO PODER

eram superiores aos recursos da nação, c à antinomia metrópole/colônia subs-


tituiu-se a de Estado/nação. A camada dominante, apesar de negá-lo,
entendia
que a sociedade brasilcira não dispunha "dos instrumentos necessários de cul-
tura e autonomia para o trato de scus ncgócios e para governar-se a si mesma".

VIDA ECONÒMICA NO SEGUNDO REINADO

economia, a dependência continuou a existir: não mais em moldes


Na
coloniais, mas pela via do Estado, sob vigilância e para proveito do estamento
burocrático. Os liberais protestariam contra a excessiva intervenção do Estado
na vida econômica, defendendo a autonomia dos senhores de
terras e de in-
dústrias. A crítica acabaria envolvendo o estamento burocrático, indissociável
do Estado e, com ele, passível de cair por terra.
Com a expansão do café, o federalismo começou a se tornar
necessário,
pois oprocesso estatal de concessão de crédito e de emissão freava, frequen-
temente, o desenvolvimento econômico, atingindo também a indústria e o
comércio. O desencanto das classes médias, da lavoura e do Exército
este, -

rechaçado pelo estamento - lançou as primeiras bases de contestaç o ao


sistema.
O empresárioficavadividido.entre a necessidade de um Estado forte e o
desejo de liberalismo econômico: "Duas etapas constituem oideal do empre-
sário: na cúpula, o amparo estatal; no nível da
empresa, a livre iniciativa".
Floresceria então um liberalismo peculiar, com a liberdade apoiada na rede
oficial de favores, o Estado intervindo em todas as atividades e os
particulares
sendo relegados a segundo plano.
O Segundo Reinado foi o paraíso dos comerciantes, mais uma vez alia-
dos do estamento, então modernizado.

As raposas infiltram nos gabinetes, contaminando, com sua


se
esperteza, o tipo
social do político. O progressismo, como muito mais tarde o desenvolvimentismo,
farão da modernização um negócio de empréstimos e concessões, entremeado com
o jogo da bolsa, sob os auspícios do Estado. Modernização esta em choque com as
forças conservadoras e agrárias, mas distante das correntes revolucionárias. Nin-
guém quer matar a galinha dos ovos de ouro, senão viver à custa dela, submissa,
calada e recolhida, mas prolífica.2

2
Ibid., v. 2, pp. 437-438.

346
LAURA DE MELLO ESOUZA

PROPAGANDA REPUBLICANA

O império atingira seu auge em meados do século, com a sociedade


submetida ao Estado e com o triunto centralizador. Entretanto, as eleições de
1860 trouxeram à tona aspirações liberais adormecidas desde o período
regencial. Começaram a surgir as grandes figuras liberais, e a queda do gabi-
nete Zacarias (1868), seguida do retorno conservador, provocou espanto e in-
dignação, revivendo as criticas e pondo a nu o desgaste do poder Moderador.
Sentindo-se fraudado, esmagado, banido por meio de um ato de violência, o
liberalismo se rearticulou e passou a pregar a eleição direta.
Adescentralização, a maior liberdade daindústria edo comércio liberta-
riam as forças sociais da tutela do Estado; o
programa liberal respeitava en-
tretanto, a supremacia do trono, e optariapela reforma Havia contudo uma
ala jovem e exaltada à qual o reformismo
não consolava, e que identificava
liberalismoe democracia, aceitando amonarquia apenas enquanto se mostras-
se útil às mudanças politicas e sociais. Esse radicalismo não ficaria confinado
à corte, espraiando-se pelas outras províncias, florescendo sobretudo em São
Paulo, onde adquiriu coloração republicana e acabou por gerar o Manifesto
Republicano. O movimento corria na mesma direção da riqueza: de São Paulo
ransbordou para Minas Gerais, e acabou por contagiar o Rio Grande doSul.
A urbana também andava ombro
corrente a ombro com os fazendeiros, dife
cClando-se profundamente destes por apresentar um tom positivista e
uietadoramente liberal, em nada semelhante ao conservadorismo arraigado
cl4ocontraditório para os observadores da época- dos senhores de terras.
A nota aparentemente extravagante do avanço republicano seria a adesão

la/zendeiro de café, sobretudo o paulista. Mas o problema não parece tão

cado quando se tem em conta que a centralização monárquica atendia


DrCludo a interesses nacionais, sem localização geográfica especitica, de pre-
se
d do istema escravista. A economia de màão de obra esCravanecessiLava
n centro de defesa e de crédito. Daí a causa republicana ser abraçada pelo

Oragrário assentado no trabalho livre, os fazendeiros do oeste paulista inte-


d o s no federalismo e na autonomia regional que os libertasse da dependén-
cia do comissário e do exportador. O federalismo e a descentralização
funci
d , pois, como ím para esse grupo; o republicanismo como mani-
stação de ressentimento pela abolição não faz sentido. O grande aliado do
Sazendeiro na luta republicana foi opróprio sistema político eadministrativo:o
peso da quina centralizadora acabou por esmagar o império. "O que o fazen-
deiro fez E-se sem amor ao paradoxo - foi contormar-se com a república

347
OS DONOS DO PODER

nascente."A monarquia procurou responder aos ataqucs, rcorganizando-se, mas


a sua insistência em preservar a centralização nculralizou as reformas de última
hora, mesmo porque o seu único ponto de apoio consistia nos fazcndciros do
vale do Paraiba. O estanmento, entre a sna falència e a da monarquia, optou pela
última e abandonou o barco, já combalido pelas discuSsõcs liberais de carátcr
antiestamental e antiburocrático.
Sob D. Pedro 1, doze militares são clevados ao Senado, c cinco ao Conse-
Iho de Estado. Achavam-se ainda vivas, então, as tradições da monarquia aristo
crática, que integrava os militares na ordem dominante c dirigente. Com a
regência, verificou-se a ruptura: em nove anos, dois militares no Senado.
O Segundo Reinado só fez confirmar o ostracismo do quadro militar, acentuan-
do-o: os soldos eram péssimos, mal dando para viver, e a profissão era vista
com repulsa por não ser dirctamente ligada às atividades produtivas. Discrimi-
nado, o Exército se sentia cada vez mais solidário internamente; tendo a ascen
são social bloqueada, desenvolvia valores próprios c um modo especifico de
pensar, extremamente erítico. Seu envolvimento na questão militar, no
abolicionismo e no republicanismo abalou definitivamente a monarquia: "sem
compromissos com a propriedade territorial, de onde não saíam os oficiais, não
se dispôs a apoiar, de outro lado, o estamento monárquico, do qual se desligara
e que não admitia abrir-lhe as portas". No seu último momento, a monarquia
compreendeu a gravidade da dissidência militar e procurou, num derradeiro
esforço, atrair os soldados com honrarias, títulos e cargos, chamando-os à part
cipação no governo; mas já então o titulo tinha som oco. A república viria,
mesmo que muitos dos espectadores de 15 de novembro acreditassem, confor-
me narra Aristides Lobo, estar assistindo a uma parada militar.

O LIBERALISMO DOS SENIIORES

O liberalismo politico se harmonizara com os interessesdos senhores de

terras, defensores do federalismo, da descentralização, dasoberania popular


-

o povo sendo os proprietários agrícolas e da democracia. Do. seio dolibera


lismo politico brotou o liberalismo econômico, valorizando a livre concorrèn
cia, atacando o protecionismo e as peias estatais.
Na crise de 1889-1891, duas correntes se cruzariam, uma voltada para a

jogatina, outra para a reconstrução da economia: sob seu impacto, o industria-


lismo, defendido por Rui Barbosa, se retrai, e se consolida o agraristmo, e
quanto tenta se liberar das garras dos comissários e banqueiros. Os cafeicultores

348
LAURA DE MELLO E SOUZA

do inicio do século defenderiam o pais agricola sólido, estável, da fazenda


coldável e articulada ao comercio exterior, substituindo o comissário pelo ex-
nortador estrangeiroecriando, em 1906, 0 esquema de valorização do café.
instrumentos patrimonialistas de comando da economia sofreram gran-
Os
Jacerceamento, sendo evocados uma vez ou outracomo corretivo da política
economica; o estamentoestatal perecia"em favor das unidades federadas plan-
tadas sobre o cafe.A industria possivel passou a ser a que se articulava e era
compativel com o café e com a predominância politica do Sul. Duas modali-
dades se desenvolveriam: apaulista,capitalistae de indoleliberal;afluminense,
especuladora e dependente dos favores do governo.
Oprocesso modernizador, politicamente orientado e repousando no com-
plexo exportador, apresentava grandes contradições, comprometido desde o
inicio: "A absorção, num só impulso ascensional, do patrimonialismo e do
capitalismo moderno, voltado este para a indústria e para a lavoura como
empresa, será um destino não possível para o esquema modernizador, com-
prometido com a comercialização e não com o âmbito produtor"" O núcleo
modernizador acabou, assim, por cair no controle dos particulares consagra-
dos estadualmente; a necessidade de centralização, o processo antifederal ali-
mentavam as correntes que desembocariam em 30.

O MILITARISMO E OS MILITARES

A integridade da pátria era a preocupação central do grup0 militar que


aScendeuao poder em 1889, e que firmou como guardião das ins-
para tal se
uiçóes constitucionais. Nesse momento, afastar o Exército do poder signifi-
sob domínio de São Paulo,
aia consagrar o imobilismo oligárquico do regime, cultivar o seu
d s e da
política dos governadores. Era necessário, pois,
os que desejaram se
que foi0feito, através dos tempos, por todos
0, dissidentes conquistaria o
0Xmar do poder. Mas nenhuma das categorias sua estrutura estamental,
sua identidade,
q u e conseguiu preservar tornando-se categoria
numa classe",
CCnar-se numa casta e estruturar-se era poSSivel mas
frequencia,
Caatuante. O militarismo, invocado
com

dO Chegou a aflorar no curso da nossa historia.


burocrático, os milita-
ma do Congresso, do Ministério e do aparelho
res n
u r a r i a m base de apoio nos estados. A força armada zelaria pela
condu-

lbid., p. 534.
349
OS DONOS DO PODER

ta de seus chefes, abafando as ambições individuais; o molde das instituições


militares supriria as deficiências de representação de um papel politico. Após
primeiro momento, as duas colunas de apoio do regime-civis.emilitares
-

o
começaram a se separar devido ao agravamento de suas desavenças, o que se
acentuou ante o fato de o liberalismo ver a intervenção militar na política
como sintoma de doença, A força armada estará sempre presente, mesmo que

afastado o militarismo.

O QUE PENSAM OS ESTADOS, PENSA A UNIÃO

Com Floriano, os paulistas se assenhorearam do poder, procurando fir-


mar sua hegemonia e enxergando o governo militar como etapa necessåri.
Mas o federalismo triunfaria de fato com o imenso desgaste do Exército após
o episódio de Canudos e com a ascensão de Prudente de Morais, cujo governo
"serå a arena onde a förma republicana encontrará seu molde". O presidente
da República se articularia aos governadores, fortalecendo-se cada vez que
encarnava um grande estado. A política dos governadores foi aliás o eixo da
república, o que lhe permitiu levar a cabo o federalismo.
Campos Sales consolidou definitivamente o federalismo dirigido por
São Paulo e Minas, enquanto o Rio Grande do Sul adquiria aos poucos o
caráter de terceira força e os demais estados, pobres, calavam-se ante o contro-
le da União sobre o aparelho fiscal e financeiro, do qual dependiam.
De 1900 até a morte de Pinheiro Machado o país foi dominado pela
política dos governadores. A tendência presidencialista se acentuou apenas
nos anos 20, quando tomou "o rumo quase despótico" que culminaria com a
Revolução de 30. As decisões politicas pairavam acima do eleitorado, "passi-
vo e inconsciente na soberania das atas falsas e das eleições a bico de pena"; o
politico só visava ao poder, para os chefes e para os estados: "a relação entre a
cúpula e a base será, em todos os graus, autoritária, sem que o rebanho eleito-
ral possa reclamar ou negociar".

A ORDEM EA CONTESTAÇÃO: O NOVO PRESIDENCIALISMO

Com Hermes da Fonseca, a política dos governadores começou a se to


nar impopular, o que foi agravado pelo crescente poderioeconomico.da Uar#o.
Em 1919, com a eleição de Epitácio Pessoa, o poder fugiu novamente à inin

350
LAURA DE MELLO E SOUZA

de São Paulo e Minas, mas isso no significava muito, jáque o


presi-
n ã o podia deixar de servir aos interesses dominantes: "No máximo ser-
he-ia Dermitido brincar com Obras contra as secas, contanto que aprovasse a
arizacão do cafë". A politica dos governadores se transformaria, a partir de
então, em politica dos presidentes, enérgicose autoritários.
A canpanha de Rui Barbosa em
1919 teve enorme
importância, espécie
de nesadelo que conturbou o sono republicano. Apesar de as reformas prega-
das não implicarem mudanças profundas, desmascarou a predominância agrá-
ria da república, a necessidade de liberalismo contratual: "[..] não se trata de
reivindicações operárias traduzidas em plataforma política, mas de prudente
cuidado das elites de acomoda-las a uma direção, e, ao admiti-las, dar-lhes um
rumo. Rui Barbosa teve o apoio dos setores médios em ascendência, e os
resultados eleitorais Ihe deram 30% da votaço geral, com a vitória no Rio de
Janeiro. A partir de então, as camadas médias se descolariam cada vez maisdo
governo:para se manter, a presidencia teria de redobrar seus poderes.
A repüblica agrária e federal substituíra o estamento pelas elites esta-
duais. O ano de 1922 seria "o divisor de águas da república", como 1868 o
TOra do império, a sucessão presidencial deflagrando umacrise que.daria o
golpe de morte na politica dos governadores. No lugar das combinações
Norte
Cstaduais, passaria a prevalecer o equilibrio das duas grandes regiðes,
o

cOSul. Havia grande inquietação popular, e os militares, no ostracismo por


seria contra o pre-
OIS quatriênios, também estavam descontentes. O ataque
uente, a peça essencial do sistema naquele momento. ASegunda Republ
*ca
começou, assim, em 1922.

OSISTEMA CORONELISTA E AS ELEIÇÖES NA REPUBLICA

dominante, o povo perma-


sonhos da camada
d s inquietações e os
direta do coronel.
Durante o
neci obediente, sob a influência
imnk o calado e foi sempre
minima; de toaas
as

participação politica variou,


mas
de 1930
Velha, apenas a
eleições
SeoVdas em nossa história,
até a República
urnas, atingindo
5,7% da
Conseguiu levar
Populacvar
mais de um milhão de
eleitores às
dos poucos que
comandam a

população.politica foi sempre a


ocupação
multidão dos analfabetos. de provincia
eram

O Os presidentes
sistema imperial partia do centro.
da corte,
vertical-

nomeados com auxilio da Guarda


Nacional
manipulada
coerção. Nos primeiros
mente, e.e, no
Cnte, apoiavam-se na
fraude e na
o local,
351
OS DONOS DO PODER

anos republicanos, sob o Exército, o processo não se alterou, mas com a elei-
ção dos governantes dos estados, para estes se deslocou o eixo decisório, os
estados grandes se mantendo incólumes à influência central. O coroamento
desse processo foi a politica dos governadores, e sua consequência, o
coronelismo, aliado das oligarquias estaduais.
O fenômeno coronelista não era, contudo, novo: a inovação residia no
seu aspecto estadualista e na sua enmancipação do "patrimonialismo central do
império". Antes de ser um líder político, o coronel era um líder económico
não precisava obrigatoriamente ser fazendeiro, e constituiu o primeiro degrau
da estrutura politica, projetada de baixo para cima. O seu mando independia
da riqueza, e se submetia ao reconhecimento tácito de seu poder, num pacto
consensual que o governo da república, por meio da concessão de poderes
especiais, confirmava.
Com a passagem do império para a república, a função eleitoral do coro-
nel se acentuou. Urgia transformar a ordem republicana, de minoritária, em
dominante, e para tanto substituía-se uma farsa eleitoral por outra. O governa-
dor da província era o verdadeiro condutor do processo eleitoral, devendo
submeter o coronel, como o diálogo de Borges de Medeiros com um chefe
local expressa muito bem: "Engano, coronel, o senhor pensa que pensa, mas
quem pensa sou eu". A soberania popular continuava dançando entre os se
nhores, e a vitória eleitoral importava mais do que tudo.
O coronel representava uma forma peculiarde delegaçãodo poder públi-
co no âmbito
privado.O.coronelismo se manifestaria num compromisso, numa
troca de proveitos entre o chefepolitico e o governo estadual.As despesas
ficavam geralmente a cargo do coronel, e a paga vinha sob a forma do empre-
go público, trazendo como consequência o governismo inveterado dos coro-
néis: "O governo mudou, mas eu não mudo: fico com o governo", diria um
deles. A revolta contra esse esquema só seria possível quando o coronel go-
zasse de poderes próprios, à margem da pressão estadual.
Em troca da proteção contra a violência, do auxílio financeiro, o coronel

exigia a obediência de seus apaniguados: "O coronel é, acima de tudo,


um

Compadre, de compadrio é o padrão dos vínculos com o séquito". O eleitor


vota no candidato do coronel antes por dever sagrado do que por temor a

pressão: o poder exercido é de homem para homem, "não racional, pre-buro


crático, de indole tradicional".
Com a União no comando da política econômica e financeira, conL.O
impacto da urbanização, ofenômeno coronelista tendeu a se tornar obsolero
sua intermediação tornou-se desnecessária, "diante dos meios diretos de con

352
LAURA DE MELLO E SOUZA

sivio do governo com o


pOVO. Num sistema político
assimétrico, em que
tado o mando irradiava do gOverno, do governador e da
oligarquia, não era
nossivel a representatividade politica nem a circulação das elites.
Apesar dis-
so, as reações dos vencidos chegaram a sacudir a nação em 1910, em 1922 e
em 1930; a mudança viria, como sempre, da superficie, mas dessa vez com
alterações.

Novos RUMOS DA ECONOMIA E DA SOCIEDADE NUM ESTADO FORTE

A Revolução de 30, congregando descontentamentos e se levantando


contra o extremo autoritarismo de Washington Luís, foi uma revolução em
nome da ordem, em lugar do povo, ou como disse Antônio Carlos: "Uma
revolução antes que o povo a fizesse". Para o politico mineiro, revolta e refor
ma seriam aceitáveis desde que não se perdesse o domínio sobre as massas
nem se alterassem Os alicerees-da estruturasocial.
No primeiro momento, Getúlio Vargas esteve só. O Rio Grande não tinha
condições de substituir São Paulo no comando, e para ele a revolução foi uma
jornada de otário, pois, uma vez vencedora e empreendidas as reformas políti-
cas, o comando da Unio voltaria a ser feito sob a égide da política do cafë com
leite. Mas logo Getúlio conheceu o aplauso das ruas, que durante muito tempo
estivera reservado aos contestadores; sua preocupação social despontou, e a in-
Crvençao nesse campo passoua ser comparada à do Estado na economia: como
protecionismo econômico, o proletariado precisava de dispositivos tutelares.
Dra precisO mudar para realizar o progresso nacional, mas o poder não deveria
SCr ransferido às camadas médias epopulares. "Daí, na perspectiva do poder, a
ecessidade de um Estado orientador, alheado das competições, paternalista na
CSSencia, controlado por um líder e sedimentado numa burocracia superior,
cStamental e sem obediência a imposições de classe.
elemento militar. O Exército
espinha dorsal do novo modelo seria
o

DdeIXaria seduzir pelo fascismo, mantendo-se


"imune ao deliriada dita-
e Classe" e cobrindo o vazio institucional que a sociedade criara no
SIstema politico.
e o sistema
Om Getúlio, apatrimonialista se reorganizou
estrutura
da década de
passou o espaço até
então vazio. Em meados
1 al a ocupar
comandada pelo aparelho
estatal
1930,
V I d a das instituições era de novo

lbid., p. 693.
353
OS DONOS DO PODER

centralizador. Incapazes de expressão politica autônoma, dissociadas interna-


mente e desvinculadas dos partidos, as classes aceitaram a tutela do Estado.
Entre o povo e o ditador, haveria apenas a burocracia, sem coronelismos ou
oligarquias mas capaz de estabelecer um vínculo forte com as massas e gerar
um populismo autocrático, dai em diante o setor politicamente dinâmico. Nesse
sistema restritivo, vastas parcelas da população deixavam de ser atendidas.
Também no plano econômico as coisas mudaram. A "sampaulização" do
Brasil levada a cabo por Washington Luís ruiu em 1930, com a bancarrota do
país. Inaugurou-se então uma nova fase, com o rompimento do dogma liberal
e a intervenção estatalno domínio econômico.
Assim, as circunstâncias, somadas à tradição histórica, lançaram as ba-
ses do esquema autoritário de 1937. O Estado comandava a economia por -

meio de uma nova camada, mais burocrática do que aristocrática, mas, como
no passado, estamental e árbitro das classes. Nesse sentido, o primeiro passo
dado seria a disciplina social e jurídica do proletariado. Era o regresso de um
patrimonialismo que ficara afastado nos interregnos de 1889 a 1930 e de 1934
a 1937.

CONCLUSÃO

De D. João I a Getúlio Vargas, numa viagem de seis séculos, uma estru-


tura político-social resistiu a todas as transformações fundamentais, aos desa-
fios mais profundos, "à travessia do oceano largo". Durante todo esse tempo,
o patrimonialismo estatal se manteve, os olhos voltados para a especulação, o
lucro e a aventura
A principal característica do capitalismo do Estado patrimonial foi a
predominancia do quadro administrativo junto ao foco superior de poder: o
estamento que evoluiu de aristocrático para burocrático, acomodando-se às
mudanças sem alterar as estruturas. O patrimonialismo também evoluiu, pas-
sando de pessoal para estatal, amoldando-se às transformações, adequando-se
às mudanças. Essa compatibilidade entre capitalismo moderno e quadro tradi-
cional é uma das chaves para a compreensão do fenômeno histórico portugu-
ês-brasileiro.
Isso foi possivel devido à existência de um sistema de forças políticas
que pairavam acima das classes: a uma camada que mudou e se renovou, mas

nunca representou a nação. Os grupos e as classes procuraram, sem sucesso,


se furtar à sua opressão: a ordem era imposta de cima para baixo, "seja pelo

354
LAURA DE MELLO
ESOUZA

cma colonial, o federalismo republicano, a autonomia do


senhor de
C c n t r

terras s".As formaçöes sociai foram pontos de apoio móveis


para estrutura
a
aanial estamental, e esta sempre valorizou os
Patr

grupos que Ihe traziam


aiar montante de recursos, o que explica
maio a sua
aliança prolongada com a
lasse lucrativa. A fisionomia do chefe de
governo era determinada pelo con-
da do Estado, e nele repousavam as
esperanças do povo, ao qual se dirigia
cem intermediários: "Ele e o pai do
povo, não como mito carismático, nem
como herói, nem como governo constitucional", mas como bom principe
D. João I, D. Pedro Il, Getúlio que pode vir a empreender uma politica
social de bem-estar a fim de assegurar a adesão das massas. Desse modo, a
soberania popular só existiu na forma de farsa.
Através dos tempos, a passagem de um tipo de modernização para outro
se vinculou ao Exército, cuja atividade política adquiriu substância com a
república. O Estado, por sua vez, manteve-se independente da nação.

O poder- a soberania nominalmente popular - tem donos, que n o emanam da

nação, da sociedade, da plebe ignara e pobre. O chefe não é um delegado, mas um


gestor de negócios, gestor de negócios e não mandatário. O Estado, pela cooptação
sempre que possível, pela violência se necessáio, resiste a todos os assaltos, re-
duzido, nos seus conflitos, à conquista dos membros graduados de seu estado-
maior. E o povo, palavra e não realidade dos contestatários, o que quer ele? Este
oscila entre o parasitismo, a mobilização das passeatas sem participação politicae
a nacionalização do poder [..] A lei, retórica e elegante, não o interessa. A eleição,
mesmo formalmente livre, lhe reserva a escolha entre opções que ele não formu-

lou.

ad-
cultura forneceu solução alternativa, sufocada pela carapaça
NCm a
ao desafio do
Strativa. Resistindo às setas, à voluptuosidade das indias,
"hipocritamente cas-
undo, a máquina estatal permaneceu portuguesa,
ta, duramente administrativa, aristocraticamente superior".

Ibid., p. 748.

355

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