Artigo 1
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Resumo: Em projeto para recomposição de dois trechos de mata ciliar localizados às margens do Rio
Jacuí/RS, foram plantadas em malha regular de 4 x 4 m, em novembro de 2008, 1000 mudas arbóreas
somando 24 espécies nativas da região. Efeitos climáticos adversos como seca seguida de inundação
resultaram em perdas de 55% e 80% em cada um dos dois trechos. Ainda que tenha havido plantios de
reposição as espécies Enterolobium contortisiliquum Psidium cattleyanum, Schinus terebinthifolius, Schinus
molle, Schinus lentiscifolius, Mimosa bimucronata e Inga uruguensis mostraram-se mais resistentes.
Também, houve regeneração natural do estrato arbóreo a partir de remanescentes florestais. Tais resultados
indicam que em áreas sujeitas a grandes variações climáticas apenas o plantio de espécies notadamente
mais resistentes seguido de plantios de enriquecimento juntamente a práticas de nucleação que valorizem a
regeneração natural devem ser considerados enquanto metodologia para recuperação de mata ciliar ao invés
da metodologia de plantio de alta variabilidade de espécies aplicada quando do início dos trabalhos.
ambiente absorver distúrbios sem que mude áreas degradadas Glufke (1999) estabeleceu
qualitativamente seu comportamento, que além da ocorrência natural aspectos
enquanto a condição de equilíbrio é como exigência de luminosidade (heliófita e
modificada (ACIESP, 1997) podendo reagir esciófita) e umidade (xerófita e higrófita),
espontaneamente a estímulos exógenos adaptação a solos empobrecidos,
(CORTINES et al., 2005) valendo-se da capacidade em fixar nitrogênio, apresentar
germinação do banco de sementes do solo sistema radicular vasto capaz de conter
para ocorrer e que corresponde ao erosão, ter frutos comestíveis (bagueiras) e
reservatório viável de sementes em uma ser melífera devem ser valorizados quando
determinada área (ROBERTS, 1981). Para da escolha das espécies.
Reis, Três e Scariot (2007), além do sol A interação entre estas
também os produtores, os consumidores e possibilidades abre um leque de medidas
os decompositores atuam no processo visando à restauração ou recuperação de
sucessional. Trabalho de Santos, Melo e matas ciliares bastante variado,
Durigan (2007), por exemplo, indicou que a principalmente se às técnicas propriamente
recuperação da biodiversidade pela ditas forem acrescidas as variáveis custo de
regeneração natural de mata ciliar tende a implantação e manejo. A regeneração
ter mais êxito quando se utiliza alta natural, por exemplo, pode ser acelerada por
proporção de espécies zoocóricas técnicas nucleadoras como a instalação de
localmente adaptadas, independentemente poleiros artificiais como mostram McDonnel e
do número de espécies plantadas. Stiles (1993) que encontraram vegetação
O enriquecimento entende que mais diversificada sob poleiros artificiais em
zonas com pouco adensamento vegetativo campos abandonados que fora deles.
podem ser complementadas pelo plantio de Conforme levantado por Rodrigues
novos indivíduos enquanto a implantação de (2006), os modelos de restauração que
espécies arbustivo-arbóreas poderá variar podem ser aplicados às diversas situações
em termos de adensamento e modelo de de degradação estão em contínuo processo
plantio (ao acaso, em linha com espécies de refinamento e ampliação, sendo que,
pioneiras e não-pioneiras, em quinquoncio, cada modelo pode variar bastante, de acordo
em módulos etc.) conforme indicado por com os interesses e objetivos do projeto.
Martins (2007). Para este autor “[...] muitos Assim, é bastante importante que
modelos de recuperação de áreas ciliares técnicas de plantio sejam testadas e
degradadas são disponíveis, entretanto, monitoradas de forma tal que os projetos de
nenhum deles pode ser considerado ideal recuperação e restauração de matas ciliares
para todos os casos, devido ao grande possam ser avaliados e adequados ou
número de variáveis ambientais.” (MARTINS, readequados às especificidades locais
2005, p. 116), que podem ser a cobertura detectadas ao longo de anos após sua
vegetal existente na área, a existência do implantação. Para Ignacio, Attanasio e
banco de sementes ou remanescentes Toniato (2007, p. 219) “[...] o monitoramento
florestais próximos à área em questão entre de áreas em restauração auxilia na avaliação
outras (MARTINS, 2005). do seu desenvolvimento; na identificação de
Cabe ressaltar que “[...] a perturbações; na definição de medidas de
implantação de espécies arbóreas é um manejo, condução ou replantio; na
procedimento que permite pular as etapas verificação da eficiência dos métodos e
iniciais da sucessão natural.” (DUARTE; espécies empregadas e no aperfeiçoamento
BUENO, 2006, p.39). Reis (2006, p.16) dos modelos”. Para estes mesmos autores
afirma que “[...] há uma tendência muito existem poucos estudos voltados para
forte, principalmente no Brasil, de que os avaliação/monitoramento de áreas
processos de restauração devam ser restauradas com espécies nativas.
iniciados com plantas arbóreas”, quando em O presente trabalho teve como
realidade a ecologia das espécies tem objetivo acompanhar a evolução da
mostrado suas reais potencialidades, seja cobertura vegetal após a implantação de
para ações de preservação, manejo ou mudas arbóreas, em dois trechos ausentes
restauração. de mata ciliar, impactados por bovinocultura
Certamente a opção pelas espécies no rio Jacuí - Depressão Central do Rio
mais adequadas a um dado local deve ser Grande do Sul ao longo do triênio 2008/2011
objeto de interesse para quaisquer das com vistas ao aprimoramento das práticas ali
opções supracitadas. Em levantamento de desenvolvidas.
espécies florestais para recuperação de
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REA – Revista de estudos ambientais (Online)
v. 14, n. 2esp, p. 84-95, 2012
Figura 1 - Área 1 indicada por trapézio (esquerda) e remanescente arbóreo em 2008 (direita) no interior
da mesma.
dos cuidados, 50% das mudas na Área 1 mesmo período e a vegetação herbácea teve
morreram ao cabo de seis meses. Vale crescimento expressivo impedindo a
ressaltar que ali, mesmo após seis meses passagem (caminhamento) em
sem pastoreio, a vegetação herbácea nativa aproximadamente 40% da área para o
não havia conseguido cobrir o solo em sua mesmo período. Neste contexto foram
totalidade. Já na Área 2 a situação foi oposta reimplantadas 200 mudas de espécies
a despeito da seca. O plantio foi bem nativas na Área 1 e 100 mudas na Área 2 em
sucedido tendo havido perdas de 20% no caráter de reposição em junho de 2009.
Figura 4 - Área 2 antes da enchente de 2009/2010 (esquerda) e logo após a mesma (direita).
Neste contexto, na Área 1, que está poucas árvores que havia ali. Em 2010 foram
17 m acima do nível do mar, a inundação reimplantadas 700 mudas de espécies
atingiu apenas a porção anterior, portanto, nativas, todas na Área 2, em caráter de
apenas as áreas baixas (próximas ao rio), reposição. Não houve replantios, em 2010,
onde houve perda de 70% de Mimosa na Área 1.
bimucronata. Assim, perdeu-se 55% da De janeiro a dezembro de 2010 não
vegetação implantada ao cabo de dois anos houve eventos climáticos expressivos o que
somando-se o efeito da seca e ao da permitiu o retorno da vegetação
inundação. principalmente herbácea na Área 2 e o
Na Área 2 os efeitos da enchente desenvolvimento da vegetação arbóreo-
foram absolutamente severos. Sua cota de arbustiva em ambas as áreas. Neste período
nível inferior, 8 m, fez com que tenha se foram reintroduzidas 100 mudas na Área 1
perdido 80% da vegetação arbórea onde novas mudas foram voltaram a ser
implantada e que também 50% da vegetação introduzidas em 2011. Na Área 2 não houve
herbácea tenha sido suprimida pela força replantios em 2010 ou 2011.
das águas ou soterrada por areia depositada As Figuras 5 e 6 resumem os
pelo rio. Outra consequência na Área 2 foi a quantitativos supracitados para as Áreas 1 e
queda das margens e, logo, a perda das 2 ao longo do período de estudo.
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REA – Revista de estudos ambientais (Online)
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Figura 5 - Quantitativos de mudas existentes no início dos semestres 2008/2, 2009/1 e 2009/2, mudas
mortas, replantadas e o total das mesmas ao término de cada semestre.
Figura 6 - Quantitativos de mudas existentes no início dos semestres 2010/1, 2010/2 e 2011/1, mudas
mortas, replantadas e o total das mesmas ao término de cada semestre.
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5 Riparian forest restoration in two sections of Jacuí River/RS, Brazil
Abstract: During a reclamation project to reestablish riparian forests in two sites located at Jacui River/RS,
one thousand (1,000) trees including 24 native species were planted in a matrix of 4 by 4 m, in November
2008. Hazardous climatic effects like drought followed by flood resulted in 55 and 80% losses in each one.
Even though seedlings had been replenished, the species Enterolobium contortisiliquum Psidium cattleyanum,
Schinus terebinthifolius, Schinus molle, Schinus lentiscifolius, Mimosa bimucronata e Inga uruguensis had
shown to be more resistant. Also, there had been natural regeneration of the arboreal stratum from arboreal
remnants. These results indicate that in areas exposed to large climatic variations the introduction of species
namely more resistant followed by enrichment planting with nucleation techniques that enhance natural
regeneration might be considered as methodology for riparian forest reclamation instead of the former
methodology that was applied at the beginning of the studies which introduced a high variability of species.
Keywords: Riparian forest. Reclamation. Jacui River. Nucleation techniques. Climatic effects.
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