Ebook A Genialidade de Villa Lobos
Ebook A Genialidade de Villa Lobos
Ebook A Genialidade de Villa Lobos
Villa-Lobos
© 2022, by Autores
Ficha catalográfica
Instituto Brasileiro de Museus – IBRAM
Museu Villa-Lobos – MVL
Biblioteca José Vieira Brandão – BJVB
Serviço de Processos Técnicos
CDD 780
Direitos reservados a
autores
Paulo de Tarso Salles
Loque Arcanjo Jr.
infografia
Júlia Fagundes / a Ilustra
mídias sociais
Bruno Ribeiro
assessoria de comunicação
Hulda Rode
assessoria jurídica
VMAA Advogados Associados
assessoria contábil
Rio Barra Serviços Contábeis
imagens
Acervo Museu Villa-Lobos
direitos de imagem
Academia Brasileira de Música presidente do Instituto Brasileiro de Museus
Pedro Mastrobuono
produção
Aloha Consultoria & Eventos diretor do Museu Villa-Lobos
Luiz Octávio Mendes de Oliveira Castro
patrocinadores
BAP Administração de Bens divisão técnica
Luso Brasileira Bianca Freitas
Afonso Kuernez Arquitetura Danielle Soares
BM RIO Juliana Amado
Barlovento Brasil Energias Renováveis Pedro Belchior
divisão administrativa
José Ricardo Alberto
Vanea Rabelo
estagiários
Eduardo Seabra de Lima
Lucas Martins da Fonseca Santos
apoio
Alex dos Santos
Aline da Silva
André Ferreira dos Santos
Cláudio Rogaciano
Pamella Pereira
Ronaldo Querino
6 Apresentação 45 De volta ao Rio, 1924
O retorno (definitivo) ao
Villa-Lobos, o violão e os
54 Brasil, 1930
20 chorões
56 Villa-Lobos e o carnaval
As viagens do jovem Heitor
23 pelo coração do Brasil 59 Villa-Lobos e as crianças
O embaixador da cultura
A música de Villa-Lobos na
37 Semana de Arte Moderna 75 brasileira
8
O projeto “A Genialidade de Villa-Lobos – 100 Anos da Semana
Curadora de Arte Moderna” foi idealizado para homenagear um dos maio-
Ana Brites res músicos das Américas, que teve um papel fundamental para
o estabelecimento da cultura brasileira no cenário mundial.
9
Para a criação dessa incrível obra, buscamos a parceria com o
Museu Villa-Lobos, com a Academia Brasileira de Música e com
dois dos mais renomados pesquisadores e especialistas em Villa,
Paulo de Tarso Salles e Loque Arcanjo Jr.
O “Trenzinho do Caipira” é o
IV movimento da peça Bachia-
nas Brasileiras nº 2. A obra se
caracteriza por imitar o movi-
mento de uma locomotiva com
os instrumentos da orquestra.
Escute a gravação da Orques-
tra Sinfônica Brasileira, em
2015
10
Paulo de Tarso Salles nasceu em São Paulo e é musicólogo,
Os Autores com pós-doutorado pela University California Riverside, dou-
torado em Composição pela Universidade Estadual de Campi-
nas e mestrado em Artes pela Universidade Estadual Paulista.
Graduou-se como bacharel em Música pela Universidade São
Judas Tadeu, com especialidade em violão, sob orientação de
Henrique Pinto e Giacomo Bartoloni. Leciona desde 2008 no
Departamento de Música da Universidade de São Paulo (USP),
onde é Professor Associado na área de Teoria e Análise Musical.
Tornou-se um especialista na obra de Heitor Villa-Lobos, pro-
movendo uma série de iniciativas metodológicas e acadêmicas
para a reavaliação, revisão e divulgação da obra do compositor
brasileiro. É autor dos livros Aberturas e impasses: a música no
pós-modernismo e seus reflexos no Brasil (1970-1980) (Ed. Unesp,
2005); Villa-Lobos, processos composicionais (Ed. Unicamp, 2009);
Os Quartetos de Cordas de Villa-Lobos: forma e função (Edusp,
2018); e organizou, com Norton Dudeque, o livro Villa-Lobos,
um compêndio: novos desafios interpretativos (Ed. UFPR, 2017). Tra-
duziu o livro Heitor Villa-Lobos: vida e obra (1887-1959) de Eero
Tarasti (Ed. Contracorrente, 2021).
11
Os patrocinadores
Hoje, em 2022, seu nome ecoa com ainda “Eu tinha o sonho de ter uma empresa que
mais potência por toda a sua contribuição poderia ser mais e fazer mais. Mais por sua
para a cultura brasileira. Um gênio que mis- cidade, por seus clientes, colaboradores e
turou toda a erudição dos clássicos com o fornecedores. Uma empresa que pudesse
nosso tropicalismo, e que resultou em uma crescer de forma sustentável, fazendo a dife-
música genuinamente brasileira, única. Foi rença na vida das pessoas”, entoa Thomé, ao
assim que se tornou um ícone da Semana se referir aos seus ideais mais originários. Na
da Arte Moderna, de 1922, ao lado de Di Ca- verdade, para ele, a sua razão de “ser BAP”.
valcanti, Mario de Andrade, Anita Malfatti e
muitos outros. A virada de página de tudo o De lá pra cá, nossas vidas passaram por im-
que encontramos nas artes dali pra frente, portantes transformações. As cidades cada
uma nova forma de fazer e interpretar nos- vez mais verticalizadas, crescimento demo-
sas expressões culturais. gráfico representativo, novos comporta-
mentos sociais e familiares, estilo de vida
Mas porque - ora bolas! - todo esse prelúdio etc. Não dava para ficar parado esperando
a respeito de Villa-Lobos e sua maestria na o tempo passar, não é mesmo? De fato, não
condução de um grupo de pessoas em prol dava. E não deu.
12
Em 50 anos, a empresa viu seus pro-
cessos iniciais se reestruturarem e
darem lugar a uma condução cada
Como apoiadores da arte em geral,
vez mais profissional e conectada aos
nós da Afonso Kuenerz Arquitetura
novos tempos. Era preciso seriedade,
nos sentimos muito felizes em parti-
tecnicidade, mas também uma certa
cipar do patrocínio do livro do Cen-
dose de ousadia, criatividade e hu-
tenário da Semana da Arte Moderna,
manização na veia. Não cabia mais o
evento da maior relevância no cená-
básico, era preciso ir além.
rio artístico brasileiro.
13
Ao longo de 69 anos de atividades inin- tístico-cultural que abriu novos horizontes à
terruptas, a Luso Brasileira Serviços Ltda cultura nacional.
manteve viva a importância de um trabalho
voltado também à preservação da consciên- Assim, a Luso Brasileira se associa à inicia-
cia social ao gerar milhares de empregos. tiva que visa às homenagens a Villa Lobos,
Nos últimos anos, valendo-se dos incentivos mediante uma programação que contem-
fiscais, estendeu recursos à causa cultural, plará concertos, rodas de conversas e o lan-
patrocinando peças teatrais e shows em pal- çamento de um livro que aborda a vida e a
co notáveis, como o da Casa de Arte e Cul- obra do compositor.
tura Julieta de Serpa.
Na qualidade de uma empresa preocupada
Neste ano de 2022, que marca o centenário também em preservar e ampliar o acesso
da Semana de Arte Moderna, é louvável re- do público aos eventos de cunho cultural, a
lembrar a obra notável do compositor Hei- Luso Brasileira sente-se honrada em parti-
tor Villa Lobos, que representou o Rio de cipar de um projeto que permitirá conhecer
Janeiro naquele evento, um movimento ar- mais e melhor a obra de Villa Lobos.
Inaugurada em junho de 2020, a BM RIO hoje referência no segmento, seja pelo alto
é uma representante exclusiva das marcas índice de satisfação dos consumidores, seja
BMW, MINI e BMW Motorrad. Localizada pelas premiações em concursos da BMW.
no bairro de Botafogo, Zona Sul do Rio de
Janeiro, a concessionária se propõe a ofere-
cer uma assessoria em venda e pós-venda à Mais recentemente, em março de 2022,
altura do seu público consumidor. Seus pi- a concessionária expandiu para Teresó-
lares são o alto padrão de atendimento aos polis, região serrana do Rio de Janeiro.
clientes e a robustez financeira.
A equipe se dedica a assegurar uma experi- Além dos atributos estruturais e de atendi-
ência marcante, por meio de uma assistên- mento, outro diferencial da marca é o inves-
cia personalizada ao longo de todo o ciclo timento em eventos que apoiam a cultura.
de relacionamento, em linha com o espírito A BM RIO está em Botafogo, na Rua Mena
da montadora alemã, que tem como essên- Barreto, 161, Zona Sul do Rio de Janeiro, e
cia oferecer o puro prazer de dirigir e pilo- na Região Serrana, na Avenida Alberto Tor-
tar. Por sua gestão arrojada, mesmo jovem, a res, 1165, em Teresópolis.
BM RIO já acumula grandes resultados, e é
Somos uma engenharia especializada em A presença ativa da Barlovento em vários
energias renováveis. Podemos prestar assis- países, permite assegurar aos clientes um
tência técnica no desenvolvimento de pro- enfoque mais próximo, compreendendo as
jetos eólicos e solares em qualquer lugar do circunstâncias próprias dos lugares onde
mundo. serão desenvolvidos os projetos, para dar
soluções adequadas tendo em conta fatores
Desde 1998, a Barlovento contribui de for- locais que podem influir no bom desenvol-
ma ativa ao desenvolvimento de um mun- vimento dos mesmos.
do mais sustentável com seu conhecimento
técnico das energias de origem limpo. Nossos laboratórios de ensaios de energias
renováveis estão acreditados para diversas
Assessoramos em mais de 40 GW eólicos atividades em energia eólica, energia solar
e 5 GW fotovoltaicos construídos; gerimos e campanhas de medição, de acordo com as
mais de 2400 estações de medição em todo normas ISO, IEC e normas nacionais e in-
o mundo; realizamos o ensaio de mais de ternacionais.
300 modelos de aerogerador; e desenhamos
mais de 250 parques eólicos. As principais áreas de atividade da Barlo-
vento são a avaliação de recurso eólica e
As diretrizes da Barlovento em sua atuação solar, a integração em rede, e outros servi-
são independência, proximidade ao cliente ços relacionados com o meio ambiente e a
e qualidade técnica. I+D+i (Pesquisa, Desenvolvimento e Inova-
ção).
A equipe da Barlovento, é multidisciplinar,
formado por engenheiros, matemáticos, físi- Estamos inseridos no ecossistema de ESG e
cos e economistas, entre outros. Todos reali- somos incentivadores de projetos sócio-cul-
zam seu trabalho ao mais alto nível de pro- turais que contribuem com a melhoria do
fissionalismo realizando cada projeto único meio ambiente a educação, sustentabilidade
e comprometendo-se de maneira pessoal. e cultura das pessoas de todas as idades.
“O povo é, no fundo,
a origem de todas
as coisas belas e
nobres, inclusive da
boa música!”
16
Introdução
Este livro apresenta aos leitores e rios e Heitor Villa-Lobos, vida e obra
leitoras aspectos relevantes sobre a (1887-1959) de Eero Tarasti, entre ou-
vida e música de Heitor Villa-Lobos tros. Outros pontos aqui levantados
(1887-1959), compositor nascido no vêm de nossas pesquisas em jornais
Rio de Janeiro e considerado como o de época, apontando alguns detalhes
principal representante da chamada e esclarecendo certos pontos contro-
“música clássica” brasileira em todos versos; esse material está disponibili-
os tempos. zado em grande parte na Hemerote-
ca Digital da Biblioteca Nacional do
Os fatos aqui narrados são de conhe- Rio de Janeiro.
cimento público, alguns deles compi-
lados a partir de estudos biográficos De quebra, traz cartas inéditas que
sobre o compositor, especialmente o Villa-Lobos trocou com familiares,
livro Heitor Villa-Lobos de Vasco Ma- amigos, colegas, mecenas, construin-
riz; Heitor Villa-Lobos: o caminho sinu- do um painel mais detalhado e ínti-
oso da predestinação, de Paulo Gué- mo de sua trajetória.
Hemeroteca Digital
17
Este texto irá traçar um perfil biográfico do com-
positor, repassando sua trajetória e mostrando em
especial alguns aspectos relevantes neste momen-
to em que se celebra o centenário da Semana de
Arte Moderna em São Paulo e o bicentenário da
Independência. Dentre dessa narrativa, é mostra-
do como Villa-Lobos desponta a partir de sua con-
vivência com os músicos humildes das rodas de
choro cariocas – seus professores de harmonia e
contraponto – para tornar-se a grande referência
da chamada música clássica no Brasil, reconhecido
internacionalmente.
18
Os primeiros anos
de Tuhú a Villa
19
Acima, Raul Villa-Lobos, Villa-Lobos com sua família, em 1942: em pé: Villa-Lobos
abaixo, Noêmia, pai e mãe e Paulo Hemídio; sentados da esquerda para a direita (a
do compositor. legenda na foto indica o ponto de vista oposto): Bertha,
Ahygara, dona Noêmia e Carmen.
20
A família, até o falecimento de Raul Segundo contava Heitor, o
Villa-Lobos, tinha status social de
pai o obrigava a reconhe-
classe média; Raul era bibliotecário
cer de ouvido o nome das
na Biblioteca Nacional e foi autor
de livros importantes sobre história,
notas musicais, fosse num
geografia, a maioria deles dedicados instrumento convencional
a temas brasileiros – provavelmente ou um ruído casual; esse
uma influência que se mostrou du- treinamento sem dúvida
radoura no filho Heitor. Durante a contribuiu para desenvol-
infância, Raul foi criado no Asilo dos ver sua audição interna –
Meninos Desvalidos, instituição fun-
habilidade testemunhada
dada em 1875 e voltada primordial-
mente à assistência, acolhimento e
por relatos de pessoas que
profissionalização de crianças desam- presenciaram sua incrível
paradas, dos 6 aos 12 anos – em espe- capacidade de compor em
cial os filhos gerados na vigência da qualquer ambiente, escre-
Lei do Ventre Livre. Raul formou-se vendo suas partituras sem
nessa instituição, onde teve colegas se incomodar com os sons
notáveis como os compositores Fran-
que o cercavam, fosse du-
cisco Braga (1868-1945) e Anacleto de
rante uma conversa, uma
Medeiros (1866-1907).
festa, um ensaio musical
Raul Villa-Lobos ascendeu social- etc.
mente, organizando saraus musicais
em sua residência e frequentando sa- Raul às vezes assinava seus traba-
lões onde se podia encontrar intelec- lhos sob o pseudônimo “Epaminon-
tuais como Silvio Romero ou Barbo- das Villalba”, que Heitor recuperou
sa Rodrigues. Foi Raul quem iniciou anos mais tarde, como “Epaminondas
Tuhú musicalmente, ensinando-o a Villalba Filho”. Um texto de Raul ser-
tocar violoncelo, com uma viola de or- viu como argumento para o poema
questra adaptada com um espigão e sinfônico Amazonas, uma das obras
convertida em um cello em miniatura, mais importantes do compositor.
adequado ao tamanho do menino.
21
Villa-Lobos, o
violão e os chorões
Quando Raul morreu, Tuhú tinha repressão policial, repri-
apenas 12 anos. Os confortos da vida
mindo as rodas de samba,
burguesa em torno da família Villa-
-Lobos foram gradualmente min-
os terreiros e pontos de
guando – Noêmia passou a trabalhar encontro dos mais pobres,
fora de casa, lavando toalhas e guar- sobretudo da população
danapos para a Confeitaria Colombo; negra.
a rígida disciplina imposta pelo pai
não pode ser mantida pela mãe, que Entre 1902 e 1906, o prefeito Pereira
viu frustrado o desejo de ver o filho Passos implementou um projeto de
estudando medicina. modernização do centro do Rio de
Janeiro, demolindo os cortiços,
Heitor passou a se interessar pela abrindo avenidas largas,
vida noturna, aprendeu a tocar violão expulsando a população
e ingressou nas rodas dos chorões, pobre para os morros. O
participando das serestas que anima- modelo civilizatório apre-
vam as noites cariocas de então. Essa ciado então era importa-
mudança de hábitos denota a trans- do de Paris, sua arquitetu-
formação do status social da família; ra, figurinos, música, teatro,
os chorões, o violão, eram pratica- gastronomia, práticas
mente símbolos de um estrato mais
humilde da sociedade.
22
culturais consideradas como índices – onde teve aulas de harmonia com
de bom gosto e requinte pelas clas- Frederico Nascimento, Agnelo Fran-
ses mais abastadas, em detrimento da ça e conheceu o grande compositor
cultura popular. Até mesmo pardais Alberto Nepomuceno, mas mudan-
foram trazidos da Europa para dar ças no estatuto e na direção dessa
uma atmosfera mais “parisiense”... instituição encerraram os cursos no-
turnos, impedindo que Villa-Lobos
A biblioteca com livros raros, deixa- pudesse prosseguir seus estudos for-
da como herança por Raul, foi aos mais, os quais duraram poucos me-
poucos sendo negociada por Heitor. ses.
A finalidade era ganhar a simpatia e
aulas práticas de improvisação com O aprendizado com os
os chorões – que podiam ser mais fa- chorões foi um dos aspec-
cilmente obtidas pagando uma roda-
tos mais importantes em
da de bebidas durante as serestas. Ele
passou a frequentar assiduamente as
sua formação musical. Seu
rodas de choro promovidas no “Ao desenvolvimento como
Cavaquinho de Ouro”, loja de instru- violonista foi notável, to-
mentos musicais situada à rua da Al- cando com músicos como
fândega, no centro do Rio, tradicio- Pixinguinha, Donga, Sinhô,
nal ponto de encontro dos chorões. Quincas Laranjeira, Sátiro
Aos 16 anos, provavelmente para não Bilhar, João Pernambuco
discutir com a mãe que reprovava sua
e diversos nomes de des-
vida boêmia, passou a morar com sua
tia Fifina, prima de Noêmia.
taque na cena do choro
carioca do início do século
Em 1904, Villa-Lobos se matricu- 20.
lou no Instituto Nacional de Música
23
O violão, todavia, carregava o estigma de instrumento de vaga-
bundos, capadócios... Villa-Lobos foi um dos principais respon-
sáveis pela valorização desse instrumento, produzindo uma obra
não muito extensa, mas extremamente significativa: Choros nº 1
(1920), 12 Estudos (1929), 5 Prelúdios (1940), Suíte Popular Brasilei-
ra (1912-1940), e o Concerto para violão e pequena orquestra (1951).
24
As viagens do
jovem Heitor pelo
coração do Brasil
1. O compositor falou
O desejo de conhecer o Brasil, que aprendeu a admirar e imagi- sobre a relação entre os
nar nos livros deixados por seu pai, fez com que Heitor vendesse chorões e a polícia em
uma entrevista: “Sabe o
mais alguns daqueles valiosos volumes para empreender, com que aconteceu uma vez?
19 anos, uma viagem por vários estados como Espírito Santo, Estávamos tocando nas
proximidades da casa de
Bahia, Pernambuco etc. Em 1908 morou em Paranaguá, cidade um juiz. Veio a polícia
litorânea no estado do Paraná – há quem diga que esse “exílio” e pediu para que nós
a seguíssemos. Mas na
paranaense foi motivado por problemas com a polícia, em suas esquina, o policial convi-
noitadas com os chorões!1 O paradeiro dele durante os anos dou-nos a ir tocar em ou-
tro bairro que ele pagaria
de 1908 a 1912 nem sempre é conhecido ou confirmado, mas tudo. Villa-Lobos sorri e
contam-se histórias incríveis sobre aventuras nas cidades por acrescenta: esses policiais
(que nós chamávamos de
onde passou. Em 1912 atuou como violoncelista na companhia secretas) foram nossos
de operetas de Luís Moreira (outro ex-aluno do Asilo dos Meni- perus por muito tempo.
Aliás, a polícia sempre
nos Desvalidos), tio-avô de Chico Buarque; nesse ano Villa-Lo- nos prendia como capo-
bos viveu em Manaus entre abril e setembro. No ano seguinte, a eiras!” (“Graças a Deus já
foi muito vaiado”, Revista
expedição Roosevelt-Rondon fez incendiar o imaginário sobre a Manchete de 7.8.1954, pp.
Amazônia na população da capital federal. 47-48).
25
O primeiro
casamento e
o piano
26
Escute a gravação de Rude-
poema com o pianista Lucas
Thomazinho, em concerto
na Fundação Maria Luisa
e Oscar Americano, São
Paulo, 2021
27
Fachada da casa da Rua Dídimo
10, onde Villa-Lobos e Lucília vi-
veram entre 1919 e 1936. O lugar
não resistiu às transformações
urbanas do centro do Rio e hoje
está completamente alterado.
28
Do “Cavaquinho de
Ouro” ao Municipal
Villa-Lobos tratou de esconder sua formação como chorão para
conquistar espaço como compositor erudito, “sério” – já que a
música popular era então menosprezada. O violão foi deixado
de lado por algum tempo, preterido pelo violoncelo, instrumen-
to bem-visto nas salas de concerto. Em janeiro e fevereiro de
1915, ele como violoncelista, Lucília ao piano e o flautista Age-
nor Bens se apresentaram em trio na cidade de Nova Friburgo,
no que é considerado o primeiro concerto dedicado somente a
suas obras. Isso serviu como preparação para um concerto na
capital carioca – Distrito Federal àquela época – no salão do
Jornal do Commercio.
29
Em 1918 Villa-Lobos conseguiu realizar um concerto com or-
questra no Teatro Municipal do Rio. No programa constavam
os poemas sinfônicos Naufrágio de Kleônicos, Tédio de Alvorada e
Myremis, além da Elegia; e o quarto ato da ópera Izaht. Apesar
de não atrair um grande público, o concerto chamou a atenção
da crítica que considerou o estilo do compositor como um “mo-
dernismo” à maneira de d’Indy, com “dissonâncias que beiram a
Escute a gravação de “O cacofonia”. Se essas obras flertavam com uma estética francesa,
Polichinelo” da suíte A nota-se que eram incômodas pelas novidades que assombravam
prole do bebê nº 1, com
Arthur Rubinstein, pia- o público mais conservador. O estilo moderno era às vezes cha-
no, The BP Super Show, mado pejorativamente de “futurismo”.
produzido pelo canal
GTV-9, de Melbourne,
em 1964. Ainda em 1918 Villa-Lobos conheceu o célebre pianista polonês,
naturalizado estadunidense, Arthur Rubinstein. Durante uma
turnê pela América do Sul, Rubinstein ouviu falar a respeito
de um jovem compositor brasileiro e quis conhecê-lo. Villa-Lo-
bos nessa época tocava em pequenas orquestras nos cinemas
e restaurantes do Rio; ficou embaraçado ao ser abordado por
um músico famoso como Rubinstein e foi ríspido no primeiro
contato. Depois, Villa-Lobos levou um grupo de colegas músi-
cos para mostrar suas obras para Rubinstein, no próprio quarto
do hotel onde ele estava hospedado, dando início a uma grande
amizade.
30
to, Epitácio Pessoa, em 1919. Sobre
poemas de Escragnolle Dória, foram
encomendadas sinfonias aos com-
positores Francisco Braga (“A Paz”),
João Octaviano Gonçalves (“A Vitó-
ria”) e Villa-Lobos (“A Guerra”). Villa
teve pouco tempo para compor, após
a desistência de Nepomuceno, cerca
de um mês, mas sua obra foi a quem
causou maior impacto na plateia.
31
Preparativos para a
ida a Paris
32
Villa-Lobos na
Semana de Arte
Moderna
33
Assim, mesmo exercendo atividades mais hu-
mildes para sua subsistência, tocando em ci-
nemas e restaurantes, Villa-Lobos integrou o
movimento como o representante da moderni-
dade musical, junto com os artistas e intelectu-
ais das classes média e alta que idealizaram o
modernismo brasileiro.
35
dade artística, um cenário político e econômico diferen-
te e a eclosão de movimentos como a Revolução Russa,
além da sucessão vertiginosa de movimentos artísticos
como o futurismo, impressionismo, expressionismo,
cubismo. O estabelecimento de meios mecânicos de fi-
xação de som e imagem, como a fotografia, o gramofone,
o cinema, tornou obsoleta a concepção da arte como
mera imitação da natureza, permitindo que os artistas
passassem a explorar aspectos inusita-
dos da psicologia humana – os quais
estavam em discussão com a cres-
cente divulgação das pesquisas de
Jung e Freud.
36
pelas apresentações artísticas. As experiências modernistas an-
tes de 1922 são importantes para compreendermos este evento
como ponto culminante de um processo que se iniciara na dé-
cada anterior, como as exposições dos pintores Lasar Segall e
Anita Malfatti, que trouxeram novas informações ao ambiente
conservador que predominava nas artes plásticas no Brasil.
37
“O folclore sou eu!”
Semana de Arte
Moderna
39
A participação de Guiomar Novaes estabeleceu uma espécie de
O Sesc lançou um “ponte” entre o repertório tradicional, como intérprete notável
conjunto de quatro CD’s
que reúne pela primeira
da obra de Chopin, compositor amplamente reverenciado pelo
vez as obras que foram público, habituado ao romantismo musical. Embora a música
apresentadas nos três
dias da Semana de Arte
do gênio polonês não estivesse programada para os concertos, a
Moderna de 1922. Você plateia poderia naturalmente esperar um eventual bis com um
pode escutar no site do
Sesc Digital.
de seus Noturnos ou Polonaises. A pianista, no entanto, não fez
essa concessão (ou pelo menos isso não foi registrado nos rela-
tos da semana, nas “seis vezes” que retornou ao palco); ao invés
disso, ela tocou peças de um compositor mais recente, o francês
Claude Debussy (1862-1918), cuja obra é considerada “um pon-
to de partida preciso” para a música moderna.
40
mo assim, a pianista honrou o compromisso assumido em participar do se-
gundo dia do festival.
41
O último dia de atividades da Semana de Arte Moderna
(17.2.1922) teve as seguintes obras de Villa-Lobos: Trio nº 3 (1918)
para piano, violino e cello; três canções da série de Historietas
(1920), sobre poemas de Ronald de Carvalho no idioma fran-
cês, com Maria Emma e Lucília Guimarães; a Sonata nº 2 (1914)
para violino e piano (Paulina D’Ambrosio e Fructuoso Vianna);
três solos para piano com Ernani Braga: Camponesa cantadeira,
Num berço encantado e Bailado infernal. O encerramento foi com
o Quarteto Simbólico (expressões da vida mundana), para flauta,
saxofone, celesta e harpa (ou piano)4, com coro feminino oculto,
4. No concerto, Fructuoso
Vianna tocou a parte da posicionado nas coxias ao lado do palco.
harpa ao piano.
42
Villa-Lobos e
os modernistas
em torno da
Semana de 22
43
44
Villa-Lobos em
Paris, 1923
Após a repercussão da Semana, Villa-Lobos Um aspecto curioso dessa viagem é que, di-
preparou-se para ir a Paris, imbuído da ta- ferentemente de outros compositores que
refa de realizar mais de 20 concertos com o antecederam – como por exemplo Carlos
obras de compositores brasileiros em gran- Gomes, Alberto Nepomuceno e Francisco
des cidades europeias. Um projeto apresen- Braga, que também fizeram viagens subven-
tado no Congresso em julho de 1922 gerou cionadas pelo governo brasileiro – Villa-Lo-
discussões com relação ao montante em di- bos jamais pretendeu fazer cursos de aper-
nheiro, reduzido de 108 para 40 contos de feiçoamento; em uma entrevista dada ao
réis, dos quais Villa-Lobos recebeu apenas chegar a Paris (em julho de 1923) ele afirma:
20... Não fosse o apoio de amigos que organi- “não vim para aprender, vim mostrar o que
zaram concertos para arrecadar mais verba, fiz”. Considerando que seus estudos formais
bem como a contribuição de patrocinadores no Instituto Nacional de Música não foram
como Arnaldo e Carlos Guinle, Paulo Prado, além de poucos meses de aulas, podemos
Antônio Prado, Geraldo Rocha, Laurinda admirar seu empenho como autodidata e a
Santos Lobo, Graça Aranha e Olívia Guedes importância de sua formação nas rodas de
Penteado, a viagem não teria acontecido. A choro, contribuindo para o colorido original
realização dos concertos requer verba para de seu estilo e a construção de uma técnica
pagamento de ensaios aos músicos, cópias peculiar.
de partituras, aluguel de teatros etc., sem fa-
lar nas despesas cotidianas em uma cidade Ele logo se inseriu no ambiente artístico da
com custo de vida tão alto. cidade, acompanhado de outros modernis-
45
tas brasileiros, como o casal Tarsila brasileiras, sem soar como
do Amaral e Oswald de Andrade. A
um mero imitador de Stra-
esposa Lucília não foi, provavelmente
por questões financeiras. Villa-Lobos
vinsky.
conheceu artistas como Andrés Se-
As apresentações musicais de Villa-
govia, Tomás Terán, Blaise Cendrars,
-Lobos começaram em outubro de
Jean Cocteau entre outros, frequen-
1923, com recital da cantora brasilei-
tando a efervescente vida cultural da
ra Vera Janacopoulos, intérprete em
cidade, entre exposições, concertos e
contato frequente com compositores
reuniões sociais.
como Stravinsky, Debussy, Prokofiev
e Manuel de Falla. Em março de 1924
Se a assimilação da modernidade
regeu obras de Henrique Oswald e
proposta por Debussy foi decisiva
Nepomuceno, além de suas Danças
para que Villa-Lobos encontrasse sua
Características Africanas e Dança Fre-
própria identidade musical, quan-
nética, em Lisboa. Em abril e maio de
do ele chegou em Paris a música de
1924 ele consegue apresentar em Pa-
Debussy já era considerada “ultra-
ris duas obras até então inéditas, das
passada” diante da ousadia do com-
mais importantes em sua produção:
positor russo Igor Stravinsky (1882-
o Trio para oboé, clarinete e fagote
1971) com os balés O Pássaro de Fogo
(1921) e o Noneto (1923), despertando
(1910), Petrushka (1911) e A Sagração
as primeiras críticas mais detalhadas
da Primavera (1913). Stravinsky havia
nos periódicos franceses. Fala-se, é
causado grande escândalo (auxiliado
claro, na influência de Stravinsky
pela coreografia de Nijinsky), fazendo
nessas obras – que o compositor re-
uso do folclore eslavo, de um arsenal
futou com veemência. Mas em entre-
inusitado de instrumentos de percus-
vista a Manuel Bandeira admitiu que
são e do naipe de metais.
a escuta de A Sagração da Primavera
teria sido “a maior emoção musical
Essa estética, considera- de sua vida”5.
da “primitivista”, já havia
se estabelecido como uma
marca da música moderna; 5. Villa-Lobos certamente deve ter ido
ao concerto de 25.10.1923, onde A
o grande desafio de Villa- Sagração da Primavera foi regida por
Sergei Koussevitzky.
-Lobos foi assimilar essas
novidades técnicas usando
suas referências musicais
46
De volta ao
Rio, 1924
Com o esgotamento dos recursos financeiros (alguns mecenas
pararam de atender a seus insistentes pedidos), Villa-Lobos teve Escute a gravação do
Choros nº 7, com mem-
de interromper sua permanência em Paris e voltar ao Rio, em
bros do Kinetic Ensem-
setembro de 1924. Apresentou concertos em São Paulo – com ble e WindSync Wind
Quintet.
ajuda de Mário de Andrade – e em maio de 1925 esteve em mis-
são oficial em concerto realizado em Buenos Aires.
47
Fachada da editora Max Eschig, que publi-
cou as partituras de Villa-Lobos na França.
48
Retorno a
Paris, 1927
49
Os Choros
50
O Choros nº 2, escrito em Paris no ano de 1924, para flauta e cla-
rineta, é dedicado a Mário de Andrade. Nesse duo observamos Escute a gravação do
claramente os diálogos entre a musicalidade própria às van- Choros nº 2, com Marcelo
Bomfim, flauta e Cris-
guardas europeias com a música urbana carioca, nostálgica e tiano Alves, clarinete, na
tipicamente popular. Os instrumentos se revezam, como numa Sala Cecília Meireles,
Rio de Janeiro, em 2006.
trama musical moderna e brasileira.
51
O Choros nº 6 é datado de 1926, mas os estudiosos apontam que
Escute a gravação do
Choros nº 6, com a Or-
devido a suas características orquestrais e estilísticas este pode
questra da UFRJ sob ter sido concluído somente em 1942, ano de sua estreia. Forma-
regência de Roberto
Duarte.
do por grandes painéis sonoros divididos em partes, como uma
grande rapsódia, esta obra é uma das mais aclamadas obras do
compositor. Isto se deve ao fato de que o Choros nº 6 apresenta
materiais musicais e instrumentos do norte do país que reme-
tem à musicalidade das comunidades ameríndias, tornando-se
assim uma referência exemplar. A presença do tambu-tambi, e
o uso de outros instrumentos de percussão tais como ronca-
dor, puíta e cuíca, além da sonoridade dos pássaros e das matas
brasileiras, e das serestas do interior do Brasil fazem desta obra
uma pérola do repertório villalobiano.
52
O Choros nº 9 (1929), escrito para orquestra, foi dedicado a Min-
dinha – provavelmente a dedicatória foi acrescentada nos anos
1930, a estreia só ocorreu em 1942 (foto). Nessa obra encon-
tramos uma rica combinação de instrumentos de percussão,
inseridos na orquestração: reco-reco, tamborim de samba, tar-
taruga, bateria, tambor surdo, camisão e bombo. Melodias am-
plas e sincopadas podem ser ouvidas por toda a obra, que se
aproxima da atmosfera idílica e triunfante das Bachianas e da
Escute a gravação do
Sinfonia nº 2. Choros nº 10, com a
Orquestra Estadual
de São Paulo e Coro,
O Choros nº 10 (1926) é uma das obras mais aclamadas de Villa- com regência de John
-Lobos. Além da utilização de instrumentos tradicionais, tais Neschling, na Sala São
Paulo em 2008.
como caxambu, ganzá, pio, reco-reco e puíta, o compositor tam-
bém constrói diversas paisagens sonoras das florestas e pás-
saros da fauna e flora brasileiras em uma orquestração muito
variada, com um grande coro misto. Um de seus temas mais
recorrentes é a melodia da canção indígena “Mokocê Cê Maká”,
recolhida por Roquette Pinto. A segunda seção dessa peça traz
ainda uma adaptação do instrumental “Iara” de Anacleto de Me-
deiros, transformado em canção por Catulo da Paixão Cearense
sob o título “Rasga o Coração”. A obra culmina em um clímax
poderoso, com o coro impulsionado pela percussão que evoca
os blocos carnavalescos de rua, numa síntese de várias facetas
da musicalidade brasileira, uma das passagens mais impactantes
escrita por Villa-Lobos.
53
De acordo com o biógrafo Vasco Mariz, no Choros nº 12 (1929),
percebe-se uma ampliação da técnica de composição com osti-
natos apresentada por Villa-Lobos no Choros nº 9, intercalando
passagens vigorosas, a cargo dos metais, com melodias líricas e
saudosistas, com caráter de modinha. Composto para grande
orquestra, esse choro orquestral é dedicado ao musicólogo An-
drade Muricy e foi estreado em 1945.
A série dos Choros foi ainda ampliada pelo compositor, que es-
creveu uma Introdução aos Choros (1929) para violão e orquestra,
o Choros Bis (1928/29) para violino e violoncelo e o Quinteto em
forma de choros (1928) para sopros (flauta, oboé, clarinete, trompa
[ou corne inglês] e fagote).
54
Villa-Lobos tocando
um atabaque.
55
O retorno (definitivo) ao
Brasil, 1930
Em junho de 1930 Villa-Lobos este- dado para debater sua proposta de
ve no Recife, onde foi organizado um ensino musical com o interventor
concerto com obras suas. Passou ain- João Alberto, nomeado por Vargas.
da pelo Rio e foi para São Paulo, onde
apresentou um plano de sistematiza- A conversa com João Alberto moti-
ção do ensino de música nas escolas vou Villa a ficar no Brasil. O início das
brasileiras a Júlio Prestes, candidato atividades foi marcado por uma turnê
cotado à presidência segundo a rota- artística pelo estado de São Paulo em
tividade costumeira da política “café 1931, com mais de 50 concertos em
com leite” (alternando políticos de diferentes municípios. Em fevereiro
São Paulo e Minas Gerais no poder). de 1932 Villa-Lobos ainda pensava
Com a vitória da Revolução, com Ge- em retornar a Paris – afinal ele não
túlio Vargas no comando, Villa-Lobos tinha emprego fixo com que garantir
pensou em retornar a Paris e já fazia sua subsistência e previa a dificulda-
seus preparativos quando foi convi- de de aceitação de sua música, vol-
57
Villa-Lobos e o
Carnaval
Ao longo de sua trajetória artística, a aproximação entre Villa-
-Lobos e as diversas manifestações culturais brasileiras foi uma
das marcas importantes das suas criações musicais. No contexto
do Estado Novo, mais precisamente no ano de 1940, o composi-
tor coordenou a organização de um bloco carnavalesco batizado
“O Sodade do Cordão” que remonta uma antiga tradição cultu-
ral carioca: os cordões de carnaval. Estes eram grupos de mas-
carados, velhos, palhaços, diabos, velhos, rei, rainha, sargento,
baianas, índios, morcegos, mortes. Conduzidos por um mestre
que comandava o desfile com um apito, o conjunto era tradi-
cionalmente formado por instrumentos de percussão, tais como
adufes, cuícas e reco-recos. Como informa a notícia no jornal
aqui citado, no carnaval de 1940, “Villa-Lobos resolveu (...) re-
Escute o programa “Na memorar os folguedos de outrora. Organizou um grupo com a
Trilha da História”, da feição da época o qual denominou Sodade do Cordão.”
EBC, apresentado pela
jornalista Isabela Azeve-
do entrevistando o pes- Ainda em 1940, Villa-Lobos colaborou com uma iniciativa do
quisador Pedro Belchior,
do Museu Villa-Lobos, maestro inglês Leopold Stokowski, que produziu o álbum Nati-
sobre a gravação de Nati- ve Brazilian Music, gravado a bordo de um navio atracado no Rio
ve Brazilian Music
de Janeiro.
59
“Tenho uma grande
fé nas crianças. Acho
que delas tudo se pode
esperar. Por isso é tão
essencial educá-las”
60
Villa-Lobos e
as crianças
Villa-Lobos não teve filhos. Mesmo assim, sempre manifestou
grande carinho em relação às crianças, desde obras no início de Escute a gravação da
Suíte Infantil nº 1 com
carreira, como a Suíte Infantil nº 1 (1912) e nº 2 (1913), dedicadas a pianista Sônia Maria
“às pequeninas alunas de minha mulher”, denotando a colabo- Strutt, sobrinha de Villa-
-Lobos!
ração entre o compositor e Lucília, reconhecida professora de
piano; alguns anos depois, compôs a célebre A Prole do Bebê nº
1 (1918) e a notável Carnaval das Crianças (1919/1920), obras que
lançam um olhar terno e divertido para o universo infantil.
61
do folclore musical brasileiro e suas apropria-
Escute a gravação de
Carnaval das Crianças, ções de influências europeias, africanas e indí-
com as pianistas Lúcia
Barrenechea, Maria genas.
Teresa Madeira, Erika
Ribeiro, em concerto na
Sala Cecília Meireles, Uma de suas obras mais celebradas nesse estilo são as Cirandas
Rio de Janeiro, em 2018. (1926) para piano, as quais Mário de Andrade afirmava ter tido
um papel importante em sua elaboração (ver nas “Cartas Inédi-
tas”, abaixo) – provocando Villa-Lobos ao mencionar um certo
compositor chileno que havia escrito obras muito boas explo-
rando canções infantis. Villa-Lobos reagiu à provocação criando
uma de suas obras-primas para o piano!
Manuscrito da Sinfonia nº 6.
63
“O petróleo e a
eletricidade são úteis
para movimentar as
máquinas; a música
movimenta as almas”
64
As Bachianas
Brasileiras
65
Para alguns estudiosos a obra representa um recuo estético por
parte de Villa-Lobos, pois ele teria aderido ao neoclassicismo,
movimento comum a muitos compositores europeus do perío-
do – inclusive o próprio Stravinsky, que adotou essa tendência
na década de 1920. Porém, este “retorno a Bach” por parte de
Villa-Lobos ocorre de modo muito particular, pois ao longo da
série de composições em homenagem a Bach percebe-se a pre-
sença de ambientes sonoros da música brasileira.
66
acompanhada de uma sonoridade barroca trazida pelo violonce-
lo. Mas, podemos destacar também as referências a brasilidade
musical representada, por exemplo, pela modinha que apare-
ce como um canto languido e pastoso. Com relação a “Fuga/
Conversa”, o próprio Villa-Lobos afirmou que fora elaborada à Escute a gravação da
Bachianas nº 2, com Or-
moda de Sátiro Bilhar, seresteiro carioca, amigo de Villa-Lobos. chestre Philharmonique
de Radio France, regên-
cia de Gustavo Dudamel,
A Bachianas Brasileiras n° 2 (1930) para orquestra de câmara é Olivier Messiaen Hall,
formada por quatro movimentos, “Prelúdio/Canto do Sertão”, Paris, 2005
“Ária/O canto da Nossa Terra”, “Dança/Lembrança do Sertão”,
“Toccata/O Trenzinho do Caipira”. Esta última se tornou um
ícone da música brasileira, pois sugere uma viagem ao interior
do Brasil reproduzindo de forma magistral a sonoridade de um
trem de ferro cortando as montanhas de Minas e de outros in-
teriores do Brasil. Como essência de brasilidade, esta melodia
se tornou uma das mais conhecidas do repertório musical bra-
sileiro. Nela, Villa-Lobos associa, também, a sonoridade do trem
com os “ruídos” característicos do mecanismo de execução dos
instrumentos de tecla barroco explorados no gênero Toccata.
Em 1978 o compositor e cantor Edu Lobo gravou “O Trenzinho
do Caipira” em formato de canção, com letra do poeta Ferreira
Escute a gravação gra-
Gullar no álbum Camaleão.
vação do “Miudinho” da
Bachianas nº 4, com o
pianista Nelson Freire.
A Bachianas Brasileiras n° 3 (1930) para piano e orquestra é com-
posta em quatro movimentos, “Prelúdio/Ponteio”, “Fantasia/De-
vaneio”, “Ária/Modinha” e “Toccata/Picapau”. Na sessão “Fan-
tasia/Devaneio” nota-se a citação de “A Casinha Pequenina”,
canção de autor desconhecido bastante popularizada no Brasil.
67
roda originário do Recôncavo baiano; Villa-Lobos cita a canção
Escute a gravação de
“Vamos Maruca”, com folclórica “Vamos Maruca”, sucesso na voz de Francisco Alves.
Francisco Alves.
A Bachianas Brasileiras n° 5 (1938) foi originalmente escrita para
soprano e orquestra de violoncelos (também empregada na Ba-
chianas nº 1), mas também tem versões do autor para canto e
piano ou para canto com acompanhamento de violão. A obra
é composta por dois movimentos: “Ária/Cantilena” (com letra
de Ruth Valadares Correa) e “Dança/Martelo” (com letra do po-
eta Manuel Bandeira). A “Ária/Cantilena” apresenta uma das
mais conhecidas melodias da música brasileira. Sua introdução
faz referência ao ponteado das violas caipiras, as baixarias dos
Escute a gravação da violões do choro e ao estilo bachiano. A obra foi gravada pe-
Bachianas nº 5, com Or-
questra Filarmônica de las maiores cantoras líricas, como Kiri Te Kanawa e Victoria de
Berlim. Los Angeles, além de cantoras populares como Elizeth Cardo-
so, Joan Baez e Monica Salmaso, ou em versões instrumentais
como a do Modern Jazz Quartet, do guitarrista Steve Howe e do
sambista Jorge Aragão.
68
A Bachianas Brasileiras n° 7 (1942) dedicada a Gustavo Capane-
Escute a gravação de O
ma foi escrita para orquestra e é formada por quatro movimen- cravo bem-temperado de
tos, “Prelúdio/Ponteio”, “Giga/Quadrilha Caipira”, “Toccata/De- Bach, com o pianista
Sviatoslav Richter
safio”, “Fuga/Conversa”. Dentre os elementos que traduzem a
originalidade desta peça, podemos observar a presença da Qua-
drilha que estabelece um elo entre a música europeia e as tradi-
ções musicais do interior do Brasil. A “Quadrilha” é uma dança
francesa que fora apropriada pela cultura popular e reelaborada
no Brasil por meio dos festejos populares.
69
“Sou filho da
Natureza. Sempre
senti necessidade
de enfrentá-la, de
aprofundar-me nela, de
sondá-la.”
70
O cancioneiro
brasileiro
nas canções de Villa
72
Mindinha e o
Museu Villa-Lobos
Villa-Lobos e Arminda Neves d’Al- A dedicação de Arminda foi impor-
meida se conheceram em 1932; ele tantíssima após a morte de Villa-Lo-
com 45 anos, ela com 20. Em 1936 bos, pelo empenho com que lutou
Villa-Lobos rompeu o casamento pela criação do Museu Villa-Lobos e
com Lucília para assumir o relacio- o estabelecimento de sua sede defini-
namento com a jovem Arminda. tiva, em um casarão na rua Sorocaba
no bairro de Botafogo, zona sul do Rio
Arminda – cujo apelido era “Mindi- de Janeiro (foto). Mindinha dirigiu o
nha”, foi a companheira de Villa-Lo- Museu Villa-Lobos entre 1961-1985,
bos em sua vida madura, atuando coordenando todo o acervo de parti-
como secretária, copista, traduto- turas, manuscritos, cartas, entrevistas
ra e enfermeira. Sua simbiose com e reportagens sobre o compositor.
Villa-Lobos foi tão grande que sua
caligrafia musical ficou praticamen-
te idêntica à do maestro, nos mui-
tos manuscritos que ajudou a passar
a limpo. A ela Villa-Lobos dedicou
grande parte de suas obras compos-
tas entre 1936 e 1958.
73
A Academia
Brasileira de
Música
Em 1945, incentivado pelo amigo e compositor Lorenzo Fer-
nandez, Villa-Lobos liderou o processo de criação da Academia
Brasileira de Música, inspirado pela Academia de França (fun-
dada em 1635), da qual Villa-Lobos era integrante, e pela Aca-
demia Brasileira de Letras, fundada no Rio de Janeiro em 1896
por Machado de Assis.
74
O embaixador da
cultura brasileira
A atividade artística e pedagógica exercida durante a era Var-
gas contribuiu decisivamente para que Villa-Lobos assumisse
a condição de representante oficial da cultura brasileira.
Revista O Cruzeiro, 5 de
dezembro de 1959.
76
Arminda e Heitor Villa-Lobos
embarcando para mais uma
viagem musical.
77
Cartas inéditas de
Villa-Lobos
“Considero minhas
obras como cartas
que escrevi à
posteridade, sem
esperar resposta.”
Arnaldo Guinle
o mecenas das artes
81
à capital francesa em 1927, Villa-Lobos se hospedou no aparta-
mento dos Guinle, no terceiro andar do número 11 da Praça de
Saint-Michael no Quartier Latin.
Recebi com grande prazer a tua carta de 1º de abril que me causou grande
contentamento, não só por saber que vais gozando de uma forte saúde,
mas também por ter tido conhecimento dos grandes sucessos que tens
feito com os teus concertos em Lisboa e Paris e faço votos para esses su-
cessos continuem nos concertos que me disse ter em Bruxelas, Londres
e Espanha.
82
83
vo ao folclore que àquela altura ainda estava sob a responsabili-
dade do compositor:
84
85
86
Mário de Andrade
o Macunaíma da música brasileira
Villa querido:
Tua carta, que prazer. Tua carta triunfal. Vejo que estás com o verdadeiro
espírito em que eu te desejara. Coragem e entusiasmo, a que nenhuma
(pieguice?) e restrição desses franceses abaterá. Bravo.
Estou louco por ver e ouvir “A menina e a canção”. Sou feliz em saber que
de alguma coisa te serviram esses meus versos. Que bela coisa deves ter
feito!
87
Os teus manuscritos já estão há bastante tempo em mãos de dona Lucília.
Foi o que me disse o Leônidas Autuori, muito antes de eu receber tua car-
ta. Como sabes, estive bastantes dias fora de S. Paulo. Descansei a respei-
to de teus manuscritos pois o Leônidas me afirmara que iam breve para
o Rio. Chegado a S. Paulo na 2ª quinzena de julho caí doente. Garganta.
Proibição absoluta de falar. Assim fiquei até quase meados de agosto. Só
depois disso soube pelo Luís Aranha que o Autuori ainda não mandara as
músicas. Procurei-o. Prometeu-me que elas seguiriam breve. Depois certi-
ficou-me que estavam já nas mãos de tua mulher. Só então descansei.
Em todo caso vou escrever a dona Lucília para saber se a Sonata Fantás-
tica já partiu para Paris. Contar-lhe-ei teu desejo e pressa. Os amigos aqui
estão molengos. Pouca reunião. A amizade anda desconjuntada. Cada um
trabalha e vive para seu lado. Certo desânimo em alguns. Eu, trabalho
sempre, com entusiasmo e afinco. Sinto-me feliz e espero. Mas espero só
por assim. Espero por ti, por Brecheret, por Anita, toda esta troupe divina,
Ronald, Luís, etc. etc., o melhor circo de cavalinhos que já houve no Brasil.
88
89
Em seu artigo “Evolução Social da Música Brasileira”, Má-
rio de Andrade (1991 [1939], p.11) situa a obra de Villa-Lobos
como o ponto culminante do desenvolvimento da nacionalida-
de musical brasileira. Para o autor, a música brasileira teve um
desenvolvimento lógico: “Primeiro Deus, em seguida o amor
e finalmente a nacionalidade”. Em outras palavras: a colônia,
o império e a república davam inteligibilidade à história da
música no Brasil e a independência musical tinha no naciona-
lismo sua expressão.
90
É significativo destacar que em 1924, Villa-Lobos havia dedi-
cado o Choros n° 2 para flauta e clarineta ao amigo Mário de
Andrade. Nesta obra, nota-se a presença da musicalidade dos
Chorões com os quais o compositor convivera nos primeiros
anos do século XX, articulada a sonoridade modernista das van-
guardas europeias. Na carta aqui presente, Mário de Andrade
agradece a Villa-Lobos pela dedicatória e provavelmente pelo
envio da transcrição do Choros n° 2 para piano feita pelo próprio
compositor.
Villa querido,
91
sempre despertada e acompanhada por uma técnica seguríssima e rica.
Porém, não foi por nada disso que me lembrei de você quando lia as peças
dele: foi porque as tais peças são de um gênero que há muito eu estava
pra te pedir alguma coisa. Eu sei a facilidade maravilhosa do espírito de
você Villa e acho que não tomaria muito o seu tempo escrever uma série
por exemplo de vinte Peças Populares brasileiras pra piano. Não pense
não que estou fazendo encomenda nem achando que você está fazendo
caminho errado. Artista verdadeiro nunca fez caminho errado e você sabe
o meu, o nosso entusiasmo aqui pelas últimas coisas que você tem feito.
Então o Trio... você não imagina a saudade que tenho dos dias que ele
passou na minha casa. Um tempinho que eu arranjava, pronto: corria pro
piano examinar mais um pedaço dele. Que coisa linda! Tenho uma loucura
pelo Trio, palavra. Se eu lembro essas peças é porque a literatura pianís-
tica brasileira está carecendo delas. E só um artista como você poderia
dá-las de maneira a serem representativas da nossa raça e sem deforma-
ções italianizantes ou debussiniantes. Atualmente no Brasil só vejo você
pra escrever estas músicas. Tente Villa. Será certamente mais uma obra
maravilhosa. Estou carecendo delas pro meu curso. Você já sabe que quem
introduziu e sustentou você no Conservatório daqui fui eu. Tenho essa
felicidade. Pois me mande estas peças que serão adotadas como as outras
todas. Disse vinte, pois não carece fazer coisas compridas. Um tema popu-
lar, de moda, de dansa, de lundu harmonizado da maneira tão característi-
ca de você. Seria uma delícia! E com a facilidade que você tem, não tomaria
muito tempo. Pense nisso e faça as peças como entender. Você sabe o que
fará e não estou aqui pra dar conselhos. Estou pedindo porque careço
disso pros meus cursos e o Brasil carecendo pra sua literatura musical. E
é uma coisa que só Villa-Lobos pode fazer agora no Brasil.
Terça passada, falamos muito de você em casa de dona Olívia. Nãos seria
possível você me arranjar alguns dos jornais de Buenos Aires falando de
você? Tenho sede de ler isso e dona Olívia emprestou os dela pro Guinle
e não teve devolução. Nãos e esqueça e mande. Como vai os ensaios para
o concerto do dia dez? Com os meus melhores desejos de sucesso e um
enorme mariopedal abraço amigo.
92
93
94
Oswald de Andrade,
Villa-Lobos e o redescobrimento do Brasil
95
dar. Na carta escrita por Oswald, provavelmente no ano de 1942,
o escritor deixou clara a perspectiva política e cultural do proje-
to. Sobre o balé, Andrade afirmou que este seria “música nossa,
antropofágica no primeiro quadro. Música ultra-moderna, in-
terplanetária no fim”. “Se você concordar, todas as combinações
serão possíveis” dizia ela ao amigo compositor. De modo inver-
so daquele apresentado pelo Descobrimento do Brasil, a lingua-
gem de A Princesa Radar, paródica e alegórica, consistiria numa
metáfora da história do Brasil partindo da antropofagia para a
“modernidade capitalista do mundo”. Porém, a parceria aparen-
temente não se concretizou.
96
97
pensadas, portanto, por meio perspectiva modernista relativa a
antropofagia. As narrativas do viajante alemão Hans Staden re-
latando ter sido prisioneiro e ameaçado de ser morto e “comido”
pelos tupinambás carregada de sua moral religiosa e sua visão
etnocêntrica, é reinventada no Manifesto Antropofágico (1928) de
Oswald Andrade. Neste, o modernista propõe a inversão des-
ta perspectiva e reinventa a antropofagia enquanto metáfora
da cultura brasileira. “Só a antropofagia nos une. Socialmente.
Economicamente. Filosoficamente” afirma Oswald em seu fa-
moso manifesto. “Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a
revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na
direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua
pobre declaração dos direitos do homem.”
98
sacrifício antropofágico vivido pelo alemão Staden, no século
XVI.”
99
100
Graça Aranha
diplomata, intelectual e modernista
101
e culturais advindas do contexto da Primeira Grande Guerra
(1914-1918). Não foi por acaso que a Semana de Arte Moderna
foi inaugurada pela palestra de Graça Aranha: “A emoção estéti-
ca da Arte Moderna”.
Querido Villa-Lobos,
102
103
104
Carlos Drummond
de Andrade
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), escritor mineiro
nascido em Itabira é um dos mais significativos poetas da se-
gunda fase do modernismo. Em 1924, Drummond toma contato
com os modernistas de São Paulo quando da viagem destes a
Minas. A trajetória de Drummond se cruza com a de Villa-Lobos
de modo mais direto a partir dos anos 1930 e 1940 no contexto
do nacionalismo da “Era Vargas”.
105
tado a integrar a comissão “incumbida de estudar a fixação” do
Hino Nacional, à Bandeira, à República e à Independência.
Sr. Professor,
Fico desejando uma oportunidade. Até lá, o melhor abraço, com a profunda
admiração do seu, muito grato.
106
107
Villa-Lobos tocando cuíca, cercado de
instrumentos musicais.
108
Vasco Mariz
o biógrafo pioneiro
109
ris em 1967, e, em 1970, foi impressa nos Estados Unidos. Estas
foram três de um total de onze edições da obra pioneira que
mais influenciou os estudos biográficos sobre o compositor até
o presente momento. A biografia possui diversas edições, tanto
na Europa quanto nos países da América Latina. Vasco Mariz
afirmou recentemente que seria necessário, ao reescrever seu
livro trinta anos após a primeira edição, reavaliar o que fora es-
crito em 1947, “a fim de não ser dominado pela personalidade
gigantesca do compositor”.
110
também conhecido pelo seu trabalho como educador musical
no Brasil.
Prezado Mariz:
111
Na realidade, de acordo com quase toda a crítica americana, o liberto
de Madalena prejudicou a obra e, talvez por este motivo ela deverá
ficar menos tempo no cartaz, segundo muitos declaram.
De acordo com o contrato não se poderá fazer novo libreto mas tra-
duzi-lo e para isso, Raymundo Magalhaes Junior já pediu autorização
à Cia... o que aliás julgo bem entregue, não só porque conhece bem o
inglês, mas porque viveu muito tempo na América.
Não sei, porém, quando será realizado esse trabalho, porque franca-
mente não julgo que se poderá fazer tão grande montagem aqui entre
nós, especialmente em uma época de compressão de despesas como
atravessamos.
Após minha atuação nos Estado Unidos e México, nos meses de janeiro
e fevereiro, partirei para Paris, Londres e Roma e por isto é perfeita-
mente viável que eu possa dar um pulinho até aí.
112
113
114
Câmara Cascudo,
Villa-Lobos e o “folclore brasileiro”
115
116
Othon
o carinho fraternal
Rio, 22/7/1918
Saudações
Othon
117
Artigo escrito por Alejo Carpentier e publi-
cado na Revista Gaceta Musical (1928).
118
Alejo Carpentier
instrumentos indígenas e afro-brasileiros
119
gem e obra já circulavam nos jornais e nos círculos artísticos quando Alejo
Carpentier, difusor do afrocubanismo musical na Europa, passou a viver na
França, numa estadia entre os de 1927 e 1939. Durante esse período, dentre
outras atividades, colaborou com a Revista Gaceta Musical. Publicado em lín-
gua espanhola, o periódico circulou em Paris entre os anos de 1928 e 1929.
A Gaceta foi editada pelo compositor mexicano Manuel Ponce e direcionava
sua produção para as reflexões sobre a música produzida na América Latina.
120
o local enquanto clivagem da construção de sua brasilidade em meio a nego-
ciações históricas no contexto latino-americano.
121
122
Para pensar
Villa-Lobos,
a Semana
e o Brasil...
Em sua obra Mozart: a sociologia de um gênio, o sociólogo Norbert
Elias trata das tensões entre a trajetória do compositor austríaco
e seu contexto social. Para Elias, a capacidade criativa de Mozart
contrastava com seu contexto caracterizado pelo controle social
próprio a sociedade de corte europeia do século XVIII. Para a
sociedade cortesã, a música era vista como atividade para entre-
tenimento, e o músico como artesão que deveria cumprir suas
funções como determinado por cada corte. Ao tentar ganhar a
vida como músico autônomo e consciente de seu talento pesso-
al, Mozart não obteve sucesso, pois tal atividade só seria possível
na geração posterior, por exemplo aquela da qual fez parte Bee-
thoven.
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Ao avaliar a trajetória de Villa-Lobos em relação ao contexto his-
tórico brasileiro da primeira metade do século XX, bem como
a construção de suas redes de sociabilidades naquele cenário
artístico, nota-se que sua música se apresenta como um grande
painel sonoro tradutor dos dilemas do compositor e da socieda-
de brasileira em relação às transformações ocorridas no contex-
to. Sua música traduz diversos dilemas, ainda atuais, relaciona-
dos ao lugar do Brasil no cenário da modernidade europeia. As
representações, simbologias, alegorias, metáforas da brasilidade
presentes em suas criações oferecem de modo propositivo uma
releitura original do nacionalismo inventado pelos europeus.
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permanências em relação ao nosso passado colonial, escravis-
ta e conservador. Este caldeirão de ideias construídas nos anos
1920 reverberariam nas ciências sociais posicionamentos diver-
sos produzidas na década seguinte expressados em obras como
Casa Grande & Senzala de Gilberto Freyre e Raízes do Brasil de
Sérgio Buarque de Holanda.
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de “folclore”. Uma cultura multifacetada que, como observa Ja-
meson, “desmantelou muitas das barreiras ao consumo cultural
que pareciam implícitas no modernismo”. Alicerçada no tripé
democracia-mídia-mercado, a produção cultural dos dias atuais
desafia a utopia modernista em seus aspectos higienistas e ho-
mogeneizadores, dando um novo sentido à noção de produção
cultural e dos valores associados a esses produtos.
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Todavia, Villa-Lobos ainda enxergava seu campo de atuação
como um forma de legitimação da cultura popular, supostamente
“enriquecida” pela técnica orquestral – essa era uma concepção
ainda arraigada em seu tempo – mas ainda assim sua proposta
artística representa uma primeira quebra importante de para-
digma, empoderando a arte popular. A voz das periferias é hoje
menos dependente da genialidade de homens como Villa-Lo-
bos, ecoando espontaneamente por meio de artistas mulheres
e homens, nas diversas identidades de gênero, etnias e culturas
que consistem esse caldo indefinido que chamamos de “povo”.
A arte como forma de inclusão é, no limite, a nova revolução que
está por ser feita, não mais pela ação das elites, mas por esses
diversos atores, seja nas salas de concerto, nos teatros populares,
nos bailes funk, nas universidades, nas casas de cultura ou nas
festas e ritos que celebram o Brasil e seu povo. A celebração do
bicentenário da independência mostra que essa condição “in-
dependente” é um processo em constante evolução. Villa-Lobos
parece ter compreendido a necessidade dessa transformação do
Brasil, colônia convertida em nação, cujo processo de verdadeira
modernização passa pela valorização da cultura e bem-estar de
seu povo.
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Referências bibliográficas