Dourado Lucianagoncalves D
Dourado Lucianagoncalves D
Dourado Lucianagoncalves D
Aspectos Morfossintáticos
da Língua Panará (Jê)
UNICAMP- IEL
2001
1
Aspectos Morfossintáticos
da
Língua Panará (Jê)
Fevereiro de 2001
11
CMOO 15'?832--2
Gonçalves-Dourado, Luciana
D748a Aspectos Morfossintáticos da Língua Panará (Jê) I Luciana
Gonçalves Dourado, Campinas SP: [ s.n.], 2001.
BANCA EXAMINADORA
~ Wdf?,
Profa. ~cySeki - IEL (Unicamp) - Orientadora
AosPanará,
AGRADECIMENTOS
Agradeço ...
à minha orientadora Lucy Seki, pelos anos de convívio no projeto de pesquisa das línguas
do Xingu, pelas excelentes discussões e sugestões e, sobretudo, pela grande amizade;
aos professores Aryon Rodrigues, Lúcia Lobato, Mary Kato, Bernadete Abaurre, Charllote
Galves, Maria Luiza Braga e Ingedore Koch que contribuíram de forma decisiva para a
minha formação;
aos meus orientadores de área, os professores Jairo Nunes e Filomena Sandalo, que me
apresentaram novas perspectivas teóricas;
aos meus colegas e amigos, Cristina Fargetti, Marci Martins, Maria Amélia Reis Silva,
Frantomé Pacheco, Cilene Campetela e Jaqueline Brandão pelo convívio agradável dentro e
fora das salas de aula. De forma bem particular, agradeço a Raquel Costa, Andrés Salanova,
Lurdes Jorge e Rachei Guirardello, pelas valiosas sugestões no tratamento dos dados do
Panará;
ao meu marido e aos meus filhos, pelo constante incentivo, pelo carinho e pela
compreensão, quando dos meus momentos de ausência.
à Universidade de Brasília, por ter me dado a oportunidade de realizar meus estudos com
total dedicação.
por fim, ·a comunidade Panará pela cooperação e hospitalidade nas minhas estadas na
aldeia, durante a pesquisa de campo, nos últimos doze anos. Agradeço, especialmente, ao
meu informante, Kiompé Panará, sem o qual este trabalho dificilmente teria sido realizado.
Vlll
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
Capítulo 1. INTRODUÇÃO.................................................................... I
1.1. A língua Panará. .......................................................... 1
1.2. As línguas da família Jê ............................................. .2
1.3. A história do povo ..................................................... .3
1.4. O projeto ..................................................................... 7
1.5. Os dados ...................................................................... 8
1.6. Metodologia. ................................................................ 9
Bibliografia............................................................................................... 225
ABL ablativo
ABS absolutivo
ADES adessivo
ALA alativo
BEN benefactivo
CLAS classificador
CLV clivado
COM comitativo
COMP complementizador
CONJ conjunção
DAT dativo
DER partícula derivacional
ERG ergativo
EVD evidencia!
ESS eSS!VO
FIN fmalidade
FO foco
ICOM instrumental-comitativo
IMP imperativo
IMPF imperfectivo
INES inessivo
INTR intransitivo
INSTR instrumental
INTF intensificador
IRR irrealis
LOC locativo
XV
Capítulo 1
INTRODUÇÃO
A língua Panará é atualmente falada por cerca de 210 indivíduos que vivem na
aldeia Nãsepotiti, às margens do rio Iriri Novo, no estado do Mato Grosso, em uma área
de aproximadamente 840.000 ha, remanescente do seu antigo território, que está sendo
reivindicada para ser demarcada como reserva. Os Panará são, na sua maioria,
monolíngües
Classificada como pertencente à família lingüística Jê (Rodrigues 1986), um ramo
do chamado tronco Macro-Jê, o Panará figura ao lado de línguas como Kayapó, Suyá,
Apinajé, as línguas Timbira e muitas outras. Contudo, o Panará apresenta caracteristicas
morfossintáticas muito peculiares, que o distinguem sobremaneira das demais línguas de
sua família, como, por exemplo, o sistema de classificadores nominais, a incorporação
nominal e posposicional e as construções seriais, ainda não atestadas nessas línguas. O
sistema fonológico do Panará é constituídos de 15 vogais (nove orais e seis nasais) e onze
2
FamíliaJê
Nordeste Norte Centro Sul
l.tJaikó 2. Timbira (Canela 7. Xavante 11. Kaingang
Ramcokamekrã, Canela 8. Xerente 12. Xokleng
Apanyekrã, Gavião Piokobjé, 9. tXakriabá 13. tlgain
Gavião Parakatejé, Krinkati, 10. tAkroá
Krahô, Krejé).
3. Apinajé.
4. Kayapó ( A'ukré, Gorotire,
Kararaô, Kokraimoro,
Kubenkraken, Menkragnoti,
Mentuktire, Xikrin).
5. Panará.
6. Suyá (Tapayuna).
1.4 O PROJETO
Povos Indígenas do Parque Indígena do Xingu", coordenado pela Dra. Lucy Seki, do
Instituto de Estudos da Linguagem (Unicamp).
De 1988 até agora, foram realizadas mais de urna dezena de viagens à aldeia dos
Panará para coleta de material linguístico e comprovação de hipóteses de trabalho. As
estadas na aldeia eram geralmente de 20 a 30 dias, urna a duas vezes por ano. Durante um
mês e meio de cada vez, em 1989 e 1990, o informante lingüístico Kiompé Panará esteve
em Brasília, com o objetivo de fornecer-me dados lingüísticos. No período de 1994 a
1997, contudo, o trabalho de campo não foi realizado, tendo em vista o processo de
mudança do Panará do Parque Indígena do Xingu para seu antigo território.
l.SOSDADOS
1.6 METODOLOGIA
Capítulo2
Classes de Palavras
1
São, entre outros, defensores da categorização lingüísticas baseada no modelo dos protótipos (Dixon 1977,
1994, Givón 1984, 1990, Taylor 1989).
12
2.1 NOMES
que se anexam obrigatoriamente aos pronomes livres, são opcionais para marcar a flexão
nos nomes. O número dos nomes em posição argumentai é inferido a partir da forma dos
proclíticos pronominais ou prefixos de concordância co-referentes com estes, ou algum
outro determinante (um numeral ou indefmido) que co-ocorre com o nome. Inversamente,
se nomes aparecem marcados pelo sufixo de número, a concordância do verbo com esses
elementos pode ser dispensada. Observa-se que a ocorrência de marcas de flexão em nomes
em Panará atende mais a urna exigência pragmática do que propriamente gramatical. Por
exemplo, as sentenças abaixo em (a), são encontradas principalmente em início de discurso,
quando se introduz o tema ou as personagens, mas podem também ocorrer quando se quer
enfatizar ou realçar algum desses elementos. Já as sentenças como em (b) e (c) ocorrem em
contextos não-marcados do ponto de vista pragmático:
REAL.TR=3DU.ERG=3SG.ABS=cortar-PERF buriti.ABS
'aqueles dois homens cortaram buriti.'
14
bicho-PL.ABS
'a sucuri come bichos.'
Ao lado dessas flexões de número, existe, ainda, urna classe de nomes em Panará
referentes às categorias de idade na comunidade, que são sistematicamente marcadas pelo
sufixo derivacional coletivo -ara. Nomes marcados por esses sufixos em posição de
argumento nuclear podem ser alvo de concordância do verbo tanto no plural quanto no
singular. Os nomes que admitem o sufixo coletivo possuem o traço semântico [+humano].
Entretanto os nomes kipa 'terra' e kukrs 'casa' também admitem essa derivação.
2
Regras fonológicos de apagamento vocálico em juntura interna encontram-se no Apêndice l, referente a
informações básicas sobre a fonologia da língua.
16
Em Panará existe também uma partícula derivacional ãte que, quando associada a
um nome, torna-o ou um agente, ou um instrumento ou um recipiente daquilo a que este se
refere. Este processo é bastante produtivo na língua.
'papel' -+ 'pasta'
17
Na sua maior parte, os nomes simples em Panará ocorrem apenas como palavras
monomorrernicas, isto é, verifica-se apenas a ocorrência da raiz. Potencialmente, no
entanto, as palavras simples apresentam a seguinte configuração: um prefixo de posse
inerente (cf. item 3.2.1.3, capítulo 3), também relaciona! de não-contigüidade, ou um
prefixo relaciona! de contigüidade (Rodrigues 1981, 1990)3, ambos obrigatórios apenas
para urna classe de nomes; urna raiz obrigatória para todos os nomes; um sufixo
derivaciona1 coletivo para nomes referentes à categoria de idade e um sufixo flexionai de
número (dual, plural, paucal), opcional para qualquer nome que possua o traço semântico
[+animado].
3
Palavras apresentam fenômenos de alternância fonológica em suas margens, quando co-ocorrem com
elementos com os quais mantêm mna certa relação sintática Rodrigues (1981, 1990) é quem primeiro observa
esse fenômeno em línguas indígenas da América do Sul, não apenas da fumília Jê, mas também de outras
fumílias lingüísticas. Ele chama esses formantes de relacionais, marcadores de cootigüidade e não-
contigüidade do elemento determinado com o elemento determinante em mna estrutura sintagmática.
Assumindo a análise de Rodrigues (1981, 1990), chamaremos esses prefixos de relacionais de contigüidade
(RC) e de relacionais de não-contigüidade (RNC):
(a) os prefixos s- ou -y:
s- s-aanpi i?kow s-aanpi •o macaco tem rabo'
RNC-rabo macaco RNC-rabo
y- y-aanpi i?kow y-aanpi 'o rabo do macaco'
RC-rabo macaco RC-rabo
(b) os prefixo -i ou 0-:
i- i-tE nãkã i-te rõ 'cobra não tem perna'
RNC-pema cobra RNC-perna NEG
0- liJ-tE ka fl!-tc 'tua perna'
RC-perna você RNC-pema
(c) o prefixo fli- ou a assimilação desta vogal aos traços da vogal precedente:
fli- fli-it:J nãkã fl!-ít:J 'cobra tem olho'
'NRC.olho' cobra RNC-olho
4
Palavras simples em Panará apresentam apenas um acento primário.
19
morcego+INST+queimar
5
nã 'mãe', cf. Kayapó.
6
su 'pai', cf. Barbosa (1918) nçum /usíi/, emPanará (Cayapó do Sul).
22
dos nomes com os quais forma o composto não tenha sido, do ponto de vista sincrônico,
possível identificar o seu significado:
nipi;l 'primo/a'
tuapi;l 'neto/a'
t:>wpÍ;} 'avô'
2.1.2 CLASSIFICADORES
Iaranja.ABS REAL.INTR=fruta=cair
'a laranja caiu.'
castanha pegar
'pegar castanha.'
2.2 VERBOS
Para decidir se uma forma questionável é um verbo ou não, deve-se verificar quão
próximamente ela segue o padrão de verbos prototípicos, no que se refere suas propriedades
morfossintáticas.
As propriedades morfossintáticas dos verbos são: distribucionais e estruturais. As
propriedades distribucionais se referem à função dos verbos em sintagmas ou orações e as
estruturais se referem à estrutura interna deles (tempo, modo, aspecto e concordância). As
propriedades estruturais dos verbos em Panará serão discutidas neste capítulo, enquanto que
as distribucionais serão objeto dos capítulos 3 e 4, destinados ao estudo de sintagmas e
orações, respectivamente.
9
Os verbos transitivos estendidos, nos quais ocorrem a concordância dativa com o benefàctivo ou comitativo,
concordam também com o objeto direto. Quando, no entanto, é usada a concordância absolutiva para qualquer
oblíquo, inclusive o benefàctivo e o comitativo, o verbo concorda com o objeto da posposição, mas não com o
objeto direto.
27
Esses formantivos que precedem o verbo são aqui tratados como clíticos, e não como
prefixos, dada a liberdade com que outros elementos são inseridos entre eles, como nomes,
classificadores e posposições incorporados, além de alguns deles poderem mudar de
posição, com já mencionado.
Potencialmente, a estrutura de um verbo em construção com verbos seriais em Panará
pode ter a seguinte configuração:
.. ..
* O chtlco referente a voz pode alternar sua postção com o auxihar (Isto e, auxiltar em 3 ou 4, voz em 4 ou 3) .O prochttco de
voz também foi encontrado na posição (8), no mesmo lugar em que o nome incorporado ou o classificador ocorrem.
** O clítico de concordância com o sujeito de verbos intransitivos (absolutivo) e a posposição incorporada em construções
seriais podem preceder qualquer um dos verbos da série.
*** Em construções seriais, posposição incorporada, também pode se incorporar depois do primeiro verbo da série, já prefixo
de switch-reference e aspecto também podem se anexar a qualquer um verbo da série ..
vocês.ERG REAL.TR=2PL.ERG=3SG.PL=l.DAT=dar-PERF
kan ikieti ikye mã
cestaABS muita eu BEN
'vocês me deram muitas cestas.'
cestaABS eu ABS
'vocês me deram uma cesta'
cestaABS eu ABS
'vocês me deram uma cesta.'
e. kamerã =sõ -n
O modo emPanará é marcado por clíticos que ocupam a primeira posição à esquerda
do verbo. De acordo com Hopper (1979), a escolha do modo não depende do valor de
verdade da proposição em si, isto é, não é o domínio de verdade ou fato que é o dominio
relevante para modo, mas sim o dominio de asserção e não-asserção que é relevante.
Observa-se que a categoria grarnaticalizada de modo em Panará, orientada para o falante
(speaker-oriented), expressa em que medida esse deseja asseverar ou não a verdade da
proposição no que se refere ao que é fato ou não-futo. Distingue fonnalmente modo realis
de modo irrealis, isto é, entre eventos como ocorrendo ou não ocorrendo no mundo real O
modo realis é marcado pelo clítico yi para verbos intransitivos e não-marcado para verbos
transitivos. O modo irrealis é marcado por ka, tanto para verbos transitivos quanto para
verbos instransitivos. Incluem-se no modo realis as formas verbais equivalentes ao presente
habitual, ao presente progressivo e ao passado. O futuro é classificado como irrealis.
Verifica-se que o modo irrealis é sistematicamente marcado, ao passo que o realis por vezes
não o é. O imperativo, orientado para o ouvinte, tem uma função diferente de uma
asserção e, assim, constitui um modo à parte, principalmente quando se trata de verbo
intransitivo, no qual este pode ser marcado por duas partículas descontínuas, uma antes e a
outra depois dele: kua ... hã para o afirmativo e ha ... sã para o negativo, ou também pode
ocorrer sem qualquer marca. Quando se trata de verbo transitivo, o imperativo é
preferencialmente marcado pelo clítico referente ao modo irrealis ka em lugar de kua e ha
(cf. capítulo 4, item 4.6). O modo emPanará interage com o sistema de caso, no que se
refere à marcação de pessoa no verbo. Emprega o sistema ergativo/absolutivo para
organizar as relações argumentos/verbo no modo realis, e o sistema nominativo/acusativo
30
no modo irrealis.
Além da codificação morfológica de modo, existe também em Panará a
possibilidade de expressar sintaticamente a categoria de modo, ou melhor, de modalidade,
por meio de: a) estruturas analíticas envolvendo construções seriais (cf. capítulo 5, item
5.2.1) e; b) sentenças complexas envolvendo uma oração matriz e outra subordinada (cf.
capítulo 5, item 5.2.2, subitem ii).
Em Panará exíste uma classe de verbos que se caracterizam por ocorrerem ora com
uma forma breve, ora com uma forma longa do seu tema (com ou sem uma sílaba final).
Esse futo, atestado em outras línguas da mesma família, como em Kayapó e Suyá, tem sido
objeto de muitas interpretações. Nem sempre a oposição entre a forma breve e longa nessa
classe de verbo, em Panará, parece consistente para o julgamento de alguns falantes que,
geralmente, não atribuem qualquer diferença entre o uso de uma ou de outra forma.
Verifica-se, entretanto, na grande maioria dos dados, que essa oposição parece se referir à
categoria de aspecto, isto é, à constituição temporal interna de eventos ou estados. A forma
longa: o Perfectivo, em que o evento é visto na sua inteireza ou como concluído e; a forma
breve: o Imperfectivo, em que o evento é visto de dentro, como um processo em andamento
ou ainda não concluído. O passado e o presente habitual são predominantemente marcados
pelo aspecto perfectivo. O imperfectivo marca principalmente o verbo no futuro, no
presente progressivo e em orações interrogativas. O modo imperativo vem sempre marcado
pelo aspecto perfectivo. Com essa ínterpretação, lançamos a hipótese inicial de que na
forma longa do verbo, os sufixos -ri ~ -ni - -ti, ou a reduplicação da última sílaba
codificam o aspecto perfectivo, e na forma breve, o rnorfema zero codifica o modo
imperfectivo para uma classe de verbos em Panará. Para que se obtenha uma análise mais
conclusiva sobre esse fato, requer-se um tratamento mais aprofundado dos dados, além de
um estudo comparativo com outras língua da família Jê que apresentem fenômeno similar.
O tempo pode ser codificado perifrasticamente por meio de advérbios indicadores
de relações temporais de três dimensões básicas: ian 'PASSADO, ontem', bwmã
'PRESENTE, hoje, agora' e pikowmã 'FUTURO, amanhã', além de outros advérbios que
31
variantes morfologicamente condicionadas, para a voz reflexiva, pelo clítico yi para a voz
média e pelo clítico pi para o recíproco. No item 4.4, do capítulo 4, este assunto será
tratado.
O Panará apresenta, proclíticos ao verbo, dois marcadores de direção:
a) pi - indica uma dupla trajetória de movimento, de saída e de retomo a um centro
dêitico:
eu ERG REAL.TR=ISG.ERG=DIR=3SG.ABS=DAT=dar-PERF
sabãw s -õ pikõ mã
sabão.ABS NREL-posse Pikõ BEN
'eu dei a Pikõ o sabão dela.'
ele REAL.INTR=3SG.ABS=ir
'ele foi.'
ele REAL.INTR=DIR=3SG.ABS=ir
'ele veio.'
Pelos menos três verbos em Panará apresentam raízes supletivas para suas formas
no plural:
Singular Plural
tu-ri hoyow-ti 'carregar na cesta'
te yoyo 'cair'
te anpiam 'correr'
2.3 ADJETIVOS
O Panará, na maioria das vezes, não distingue formalmente adjetivos com função
atributiva de adjetivos com função predicativa, tendo em vista que a língua não possui
cópula. Tanto como atributos quanto como predicados ocorrem basicamente à direita do
nome. Em ambos os casos podem também ser precedidos por classificadores nominais
(obrigatórios no caso dos adjetivos referentes a cores), ou por intensificadores. Em resumo,
é possível ter-se uma mesma seqüência nome-adjetivo com duas possibilidades de
interpretação diferentes: atributiva e predicativa.
eu ERG REAL.TR=lPL.ERG=3SG.ABS=AUX=comer-PERF
ki::lripe ípe t<Jti
mulher.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=vermelho
'a mulher está pintada.'
Entre os sete tipos universais propostos por Dixon (1977) para o Inglês, Panará
apresenta cerca de seis tipos semânticos em termos de suas propriedades sintáticas e
morfológicas,: dimensão, propriedade fisica, cor, propensão humana, valor e velocidade.
Não se inclui neste rol o tipo semântico de idade, que é expresso emPanará por meio da
categoria de nome.
Os adjetivos referentes a cores básicas emPanará carecem de algumas considerações.
Propomos apenas três termos de cores básicas para o Panará: ipo 'branco', rãkiã 'preto',
nãpr:l 'vermelho', embora urna parte dos falantes tenham indicado mais dois termos: t&t&ti
para 'verde' (e também azul) e sik:>pakiã para 'amarelo'. Durante a pesquisa sobre cores
Indistintamente, os mesmos termos têm sido considerados para essas cores, até pelos
mesmos fulantes. E também, indistintantamente, outros termos são atribuídos a ambas as
cores, como: ikiã (cabeça?), k:)-it&pi 'CLASSIFICADOR para casca+sujo' ou k:)=it&pi
aya 'CLAS(para casca)=sujo quase'. O 'amarelo' ainda tem sido referido como ipo aya
'quase branco'. Entre os vários critérios propostos por Berlin e Kay (1969) para se
considerar termos de cores básicas, encontram-se aqueles que se referem ao fato de que
estes devem ser psicologicamente salientes para seus informantes, no sentido de apresentar
estabilidade de referência entre estes e entre ocasiões de uso. E mais, deve ocorrer no
idioleto de todos os informantes. Além do que, do ponto de vista formal, devem ser
monolexêmicos e não devem incluir em sua significação qualquer outro termo de cor.
Como se pode observar, os termos indicados pelos informantes para 'verde' e 'amarelo' em
Panaránão
apresentam estabilidade de uso: são indistintamente referidos para ambas as cores. Os
demais nomes atribuídos a essas cores, ou são sintagmas descritivos, ou são derivados de
cores básicas expressando matizes, da mesma maneira, aliás, como foram referidas as
demais cores básicas investigadas, demonstrando que a língua ainda não gramaticalizou
certas cores do continuum.
Vale acrescentar que termos de cores em Panará, em sintagmas nominais, são
obrigatoriamente precedidos de classificador nominaL predominantemente o classificador
ka 'casca'.
2.4 ADVÉRBIOS
como as fonnas sua- asua, derivada de sua 'dente', que corresponde ao advérbio de lugar
'na frente' e puti - iputi, derivado de iputi, 'nuca' correspondente a 'atrás'. Outros
apresentam urna forma composta com puu 'roça', como puu+tã>puuãtã roça+ALA >
'para longe', puu+pej>puuãpej roça+ABL >'de longe' e puu+ãhã>puuãhã
roça+LOCATIVO > 'longe'; outros têm a mesma forma dos pronomes demonstrativos
'este' e 'aquele', respectivamente, seguidos de posposição ADESSIVA ia+hã>iãhã e
ua+hã>uãhã 'aqui e lá'; ALATIVA ia+tã>iatã, ua+tã>uatã 'para cá e para lá'; e
ABLATIVA ia+pe>iape e ua+pe>uape 'daqui e de lá'. Poucos são os advérbios em
Panará que apresentam formas que não sejam sincronicamente identificadas como
derivadas de outras categorias do léxico, como mahê' 'aqui', ip& e pitinsi, ambos
Alguns advérbios parecem ter escopo sobre toda a oração, embora se mantenham na
posição pós-verbal.
antigos.ERG REAL.TR=3PL.ERG=3SG.ABS=comer-PERF
apey p~r(i) alm:ti
lexical, uma vez que não foi possível identificar tihê' como um formante da língua.
Adjetivos e até nomes podem funcionar como advérbios de modo emPanará:
2.5 PRONOMES
Essa classe de nomes são pró-formas, isto é, elementos que sob certas circunstâncias
são usadas como substitutas de sintagrnas nominais e que podem também, como adjetivos,
modificar o nome (no caso dos demonstrativos e de alguns indefmidos).
Alguns pronomes em Panará, como é o caso dos pronomes pessoais livres,
poderiam ser considerados como urna subclasse dos nomes com os quais mantêm
identidade distribucional e estrutural. Todavia, nem todos os tipos de pronomes poderiam
ser assim considerados, pois se distinguem da classe de nomes tanto do ponto de vista
41
10
Nos casos ergativo e benefuctivo nã<rsingular houve fusão da posposição com o pronome, resultando na
nasalização da última vogal do pronome.
42
SG
lfBs
ikye
lfRG
1kyehe
IEEN
ikyemã
IIMAL
ikyepe
lfCOM
ikyehaw
lfOM
ikyekõ
IIABS/ERG
11
Esses dois pronomes podem ocorrer como clíticos absolutivos e também como pronomes livres. Como
pronomes livres, aparecem com a função de sujeito de verbo transitivo ou intransitivo. Como clíticos, são co-
referentes com a primeira pessoa do plural. Como pronomes livres, ambos se referem a 'nós', sendo que pa,
derivado do homônimo 'gente', pode também se referir a 'ele(s)' e mí ocorre preferencialmente como
exortativo.
43
criançada.ABS
'o caititu mordeu a criançada'
REAL.TR=3SG.ERG=3PL.ABS=morder-PERF
'ele as mordeu.'
I SINGULAR 1
ABS
ra
!NOM
0
IERG
ri-re
jDAT
kyê'
2 a-ha ti(a) ka kã
3 0 ti ti mã
PAUCAL 3 ra 0
ne-re mã
2 ame
~
2 k-
3 s-- y-
45
Os verbos com temas iniciados por s- serão considerados como formas básicas, tendo
em vista que também é possível encontrá-los co-ocorrendo com clíticos pronominais de co-
referência, principalmente no modo irrealis.
i- - i-, que podem ser agregados a verbos e também a nomes. Quando prefixados a nomes,
(55) ã-kow tã 'você (vai) para o rio.' 1'-kow tã 'eu (vou) para o rio.'
eles.ERG REAL.TR=3PL.ERG=3PL.ABS=carregar-PERF
i-kui
N2-mandioca.ABS
'eles carregaram mandioca.'
Quando prefixados a verbos, não nos foi possível estabelecer uma distinção de função
entre esses dois formantes. Tampouco foi possível detectar qualquer tipo de
condicionamento fonológico para essa alternãncia, ou mesmo determinar se se trata de uma
alomor:fia morfologicamente condicionada. Nos contextos sintáticos em que ocorrem,
sugerem tratar-se de um tipo de sistema de switch-reference, como nos exemplos abaixo em
que o prefixo indica que o sujeito da segunda oração é co-referencial com o sujeito da
primeira. Em construções seriais prefixam-se ao primeiro verbo da série.
46
REAL.TR=lSG.ERG=MS-escolher=pegar-PERF FIN
'eu fui comprar roupa.'
eu.ABS REAL.INTR=lSG.ABS=chegar
0 =re =a -pe =pa -r(i) ahe
REAL.TR=lSG.ERG=MS-falar=ouvir-PERF FIN
'vim para aprender a falar.'
todos.ABS IRR=2PL.NOM=3SG.ABS=pegar=MS-ir
'todos vocês vão pegar.'
47
a) Uso situacional. Envolve a noção de distância relativa para algum centro dêitico e
serve para apresentar um referente no universo do discurso. Aponta entidades
localizadas em dois graus de distância em relação ao fulante. Tem função
predominantemente adnominal.
esta-DU.ABS REAL.INTR=3DU.ABS=vomitar
'as duas crianças estão doentes, estes/as estão vomitando'.
49
mas semanticamente se distinguem daqueles por não apresentar qualquer caráter dêitico.
Quando em uso pronominal, substituem os argumentos nominais, recebem marcação de
caso e são alvo de concordância do verbo.
Os pronome indefmido pre 'alguém' ocorre apenas na posição de argumento
nuclear (sujeito, objeto direto e indireto 12), recebe caso, flexiona em número e pode ser
negado. A partícula de negação, quando segue a forma do indefinido no plural, também
flexiona-se em número por meio do sufixo -ri 13 . O pronome indefinido invariável piã
'algo' ocorre nos mesmos contextos de prê' e não pode ser negado.
canoa.ABS
'alguém fez a canoa.'
canoa.ABS
'ningúem fez a canoa.'
alguém-PL.ERG REAL.TR=3PL.ERG=3SG.ABS=fazer-PERF
p;:Jrik<l
canoa.ABS
'fizeram a canoa.'
alguém-PL.ERG NEG-PL
0 =re =wayã-ni
REAL.TR=3PL.ERG=3SG.ABS=fazer-PERF canoa.ABS
'não fizeram a canoa.'
,..,
(73) piã =fll =te
algo.ABS REAL.INT=3SG.ABS=cair
'algo caiu.'
Como os demais pronomes indefinidos, com exceção de prê' 'alguém' e piã 'algo',
13 Esse afixo só foi encontrado, como marca de flexão de número, nesse contexto.
52
REAL.INTR=DIR=IPL.ABS=fala=perguntar um
'gravamos mais uma vez.'
eu ERG REAL.TR=lSG.ERG=3SG.ABS=AUX=comer
sõ kitin
comida.ABS pouca
'eu comi pouca comida.'
nucleares (sujeito, objeto direto e objeto indireto) e são marcados por caso, sendo que piã
também pode ocorrer com função de aposto especificativo quando o acompanha o núcleo
do sintagma: piã t&pi 'que peixe?' (b) O pronome indefinido ikieti 'muito/s' quando
2.6 POSPOSIÇÕES
As posposições emPanará formam com o seu objeto sintagrnas que podem constituir
ou um argumento nuclear do verbo (o objeto indireto), ou um adjunto adverbial de vários
tipos. São formas curtas de, no máximo, duas sílabas que ocorrem sistematicamente após o
nome. Assim como os nomes, as posposições podem se incorporar ao núcleo de verbos. As
mesmas formas das posposições nessa língua também podem funcionar como um operador
sintático introduzindo orações adverbiais, cujo predicado pode ser um verbo, um verbo
nominalizado ou um nome. Posposições homônimas podem ter diferentes funções: a de
introduzir um objeto indireto (78), um adjunto adverbial (79), ou urna oração subordinada
adverbial (80). Neste último caso, serão interpretadas como conjunções.
2.7 CONJUNÇÕES
Conjunções são palavras que são usadas para conectar palavras, sintagmas ou
orações. Tradicionalmente se distinguem dois tipos de conjunção: coordenativas e
subordinativas. Em Panará essa distinção não se aplica. O que se distingue é conjunção que
conecta sintagmas nominais de conjunção que conecta orações subordinadas adverbiais 15 •
As orações coordenadas emPanará não são conectadas por conjunções (cf. capítulo 5, item
5.6).
segue cada constituinte que correlaciona, formando com este uma unidade estrutural e
fonológica, podendo assim ser caracterizado como posposicional. Pode também ocorrer
uma única vez entre dois sintagmas, ou simplesmente ser omitida.
A ocorrência dessa conjunção parece, em certos contextos, atender mais a exigências
de ordem semântico-discursiva do que gramatical. Dois sintagmas nominais podem ser
ligados por apenas um conector entre eles, sem nenhuma pausa entonacional, contrastando
com sintagmas nominais seguidos por conectores e separados por uma pausa entonacional
entre eles. No primeiro caso, parece designar uma unidade conceitual simples, já no
segundo caso, parece designar membros conceitualmente distintos de algum conjunto. No
exemplo (82), em que 'o homem branco e os outro indios' referem-se à 'frente de atração',
portanto uma unidade conceitual simples. Já os mesmos sintagmas em (83) referem-se a
elementos distintos do conjunto de 'inimigos'.
REAL.TR=3.DUAL.ERG=3.DAT=coisa=dar-PERF
'o homem branco e os outros índios deram presentes para os panará.'
57
REAL.TR=3P.ERG=lutar=matar-PERF
apey s::>papi::> me, 1pe
- ~ N
me
Algumas dessas conjunções podem se combinar para introduzir outras noções nas
orações em que ocorrem (cf. 5.5.1).
2.8 PARTÍCULAS
'muito( s)':
(85) yu tã =a =kui ka
(87) a y1 =a =kÍ
PI REAL.INTR=2SG.ABS=bom
'você está bem?'
verbais nos modos realis e irrealis e, também, para a negação de nomes; a partícula de
negação sã para predicados no modo imperativo; e a partícula de negação categórica ikbw.
Existem em Panará, pelo menos, cínco formas livres que apresentam características
dos chamados evidenciais, isto é, da "codificação lingüística da epistemologia" (Chafe
1986). Referem-se à atitude do falante com relação à veracidade da informação contida na
oração, seja pelo grau de compromentimento com o que está sendo asseverado na
informação em si mesma, seja com referência à procedência e a importância dessa
informação. São de três tipos diferentes: (i) três formas se referem ao não-
comprometimento do falante com a verdade da informação; (ii) uma forma indica a
fidedignidade da informação em relação à sua fonte; (iii) e uma outra forma índica que a
ínformação contida na proposição foi frustrada.
61
Os evidenciais: in& - in e, kipi e tapia possuem uma mesma função: indicar o não-
ocorrer: sozinho, só com kipi, só com tapia ou com ambos; (ii) kipi - ocupa a posição
entre o sujeito e o verbo da oração. Pode ocorrer: comine, ou simultaneamente com este e
tapia ; tapia- posiciona-se após o verbo; não ocorre apenas com kipi.
REAL.TR=3SG.ERG=3PL.ABS=comida=fazer-PERF EVD
sõpã ia -pyira
filho este-PAUC
'ela fez comida para seus filhos.'
63
REAL. TR=3PL.ERG=pegar=cortar=3SG.ABS=comer-PERF
mãmã lll =ti =ra =súü tiãni
aí REAL.TR=3SG.ERG=3PL.ABS=dizer EVD
'comeram e aí ela contou para eles.'
REAL.INTR=lSG.ABS=morrer EVD
'eu quase morri/eu desmaiei. '
Capítulo3
SINTAGMAS
canoa.ABS devagar
'aquele homem construiu a canoa devagar.'
(1 05) ikyê'l yõ se
eu posse arco
'meu arco.~
1Encontramos, contudo, dois exemplos no discurso de um mesmo falante, em que 'Xará (apelido de
Ezequias) 'e 'terra' ocorrem como possuídos. A este último pode-se atribuir o significado de 'pátria':
ikyê Ida sara
eu posse Xará
"meu Xará.'
banana árvore
'o pé de banana.'
eu RC-nariz
~meu nariz.'
kiompé RC-irmão
'o irmão de Kiompé.'
casa parede
'a parede da casa.'
3
Com exceção de nomes equivalentes a 'sogra' e 'cunhado/a', os quais são marcados por partícula
de posse alienável.
69
macaco RC-rabo.ABS
'ele puxou o rabo do macaco.'
macaco.ABS
'ele puxou o rabo do macaco.'
A posse alienável em Panará pode ser expressa por meio de diferentes nomes, que
podem ocorrer em contigüidade ou não com o possuidor. Existem três formas diferentes
que marcam a posse inalienável em Panará. Duas destas ocorrem obrigatoriamente com
prefixos relacionais (Rodrigues 1981, 1990). Possuidor e o nome referente a 'posse'
formariam um sintagrna nominal, cujo núcleo seria este último. O nome referente ao
possuído seria um aposto.
Contrastando com:
71
função de posse e de reflexivo (e voz média), como atestado em várias línguas do mundo.
Com função possessiva, entretanto, é pouco produtivo, tendo sido encontrado quase que
exclusivamente no discurso dos mais velhos.
Na língua Panará, a posse também pode ser expressa por me10 de orações
possessivas. Essas construções se caracterizam por apresentar:
a) o nome -õ, contíguo ao possuidor, mas marcado pelo prefixo relaciona! de não-
contigüidade, sinalizando que estes elementos integram constituintes distintos.
Os exemplos em (124) com s-õ e em (125) com y-õ ilustram bem esse contraste:
cotia RC-posse
'todos arrancaram o amendoim da cotia.'
ela.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=marido
'ela é casada (lit: ela tem marido).'
vocês Panará
'vocês são Panará.'
Por outro lado, construções seriais são bastante produtivas em Panará. Nessas
construções, o último verbo à direita da série define a classe de verbo daquele predicado.
75
Nomes foram encontrados compondo elementos da série (131) e (132), em última posição,
definindo o predicado como transitivo e intranstivo.
veado.ABS atingir
'você atirou no veado (e o atingiu).'
Esses fatos nos levam a propor que construções possessivas em Panará com o nome
sõ 'posse' marcado por morfologia verbal mais o nome do possuído constituem o núcleo de
um predicado complexo. Este predicado expressa posse específica, sendo o nome, como
último elemento da série, o definidor da intransitividade do predicado.
Kiompé.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=posse=casa
'Kiompé possui casa.'
(137) s- "'·
S-Up!:l 'o pai dele sua/*yua 'dente
s-õpã 'o fillio dele'
s-ikia 'a unha dele'
s-õkiuti 'o pescoço dele'
77
a) Os mesmos sintagmas formais usados para expressar posse alienável, o Panará usa
também para codificar relações semânticas que não são verdadeiramente de posse ou de
parte com o todo.
inalienável. Além dessa oposição, o sistema de posse em Panará exibe uma classe de nomes
marcados pela posse inerente. Sintagmas nominais sem qualquer expressão conceitual de
dependência, apresentam-se com as mesmas formas utilizadas para codificar a posse em
Panará.
Sintagmas nominais em Panará podem ter como elemento periférico adjetivo e/ou
pronome adnominal (determinante e quantificador). Em construções neutras, os adjetivos
seguem o nome, e os determinantes e quantificadores o precedem.
(143) saya po
pena branco
'pena (da asa) branca.'
muito Panará
'muito Panará.'
(149) SI y-utT
osso RC-pesado
'osso pesado.'
Sintagmas nominais podem ter também um núcleo complexo formado por uma
composição sintática de nome+adjetivo ou nome+nome, os quais apontam para um único
referente.
80
'copo sujo.'
instrumental how X
dativo (benefactivo) mã X
alativo tã X
final ahe X
adessivo 'perto de, sobre' hã X
essivo ri(n)-pi(n) X
quem aqui
'quem está aqui.'
Capítulo 4
ORAÇÕES SIMPLES
os mesmos índices para as ordens SVO e SOV, com 8% de freqüência cada. No caso dos
verbos intransitivos predomina a ordem VS, com 35% contra 12% da ordem SV. Se
considerarmos apenas os resultados em que todos os argumentos estejam presentes e os
confrontarmos com os obtidos em dados elicitados, nos parece que esses percentuais não
permitem de:fmir uma ordem de constituintes nessa língua, como se pode observar na
tabela abaixo:
O que esses resultados preliminares apontam é que o verbo nessa língua apresenta
características de línguas não-configuracionais, no que se refere à sua predominante
atualização como um elemento proposiciona1, dispensando, assim, a presença dos
argumentos nominais. O núcleo verbal em Panará pode conter em seus domínios: os
clíticos co-referentes com sujeito e objeto direto e/ou objeto indireto; prefixos de
concordância com absolutivo para uma classe de verbos; a incorporação do núcleo do SN
objeto direto nominal e do SN sujeito de verbo na voz média; a incorporação de certas
posposições; direcionais; prefixos de switch reference e a possibilidade de um predicado
com mais de um verbo em série que projeta toda aframe do evento ou estado que se quer
expressar. O verbo, então, pode funcionar como uma verdadeira proposição. No entanto,
não há qualquer evidência de que os argumentos nessa língua sejam meros adjuntos,
considerando que é possível também encontrá-los em orações sem a ocorrência dos
clíticos pronominais, isto é, com o verbo despido desses elementos, da mesma forma que
em co-ocorrência com estes. Some-se ainda ao fato, já mencionado, do Panará ser uma
língua pro-drop, isto é, de admitir o apagamento dos argumentos em posição de sujeito,
objeto direto e indireto. Nas relações gramaticais, como relativização, causativização e
clivagem, estes elementos são tratados como argumentos e se distinguem dos adjuntos,
como se poderá ver nas análises apresentadas no Capítulo 5.
88
Quanto aos demais constituintes, é possível determinar uma ordem básica, ainda
que não haja como correlacioná-la com a ordem dos constituintes da oração. A lingua
Panará, em construções sintática e pragmaticamente neutras, apresenta as seguintes
ordens de constituintes:
(167) pa ãhã
jirau sobre
'sobre o jirau.'
(168) lã yakiã
cabelo preto
'cabelo preto'.
folha pouca
'pouco dinheiro.'
.v
(170) atõsi (ipi he o =ti =o =pi-ri]
REAL.INTR=3SG.ABS=acabar
'a munição que o homem comprou acabou.'
acuradamente predizer quais seriam as ordens dos outros constituintes. Como em Panará,
há discrepância justamente na correlação entre as ordens desses constituintes, se tomamos
a ordem SVO como predominante tendo em vista os dados elicitados, a proposta de
Hawkins (1983) não contribui para urna conclusão a priori sobre qual seria a ordem
básica, ou mesmo, se existe urna ordem básica nessa língua (Mithun 1987). No entanto,
tendo em vista que em dados elicitados é muito significativa a predominância de
ocorrência para as ordens SVO/SV 1, consideraremos na presente análise estas ordens
como as mais neutras e mais básicas em Panará, até que estudos ulteriores tragam novas
luzes a essa questão.
rA ergativo
nominativo {
ls 1
} absolutivo
acusativo oJ
1
Esse predomínio nas elicitadas pode ter resultado da influência do Português, como tradução mais ou
menos literal.
91
vocês.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=INSTR=2PL.ABS=beber-PERF
iko how
água INSTR
'vocês beberam água'(lit: vocês saciaram a sede com água).'
verdadeiros oblíquos nessa língua e que são marcados pelos casos alativo, ablativo, final
e locativo de vários tipos.
eu.ABS REAL.INTR=lSG.ABS=chegar
0 =ka =r -ãpií
eu.ABS REAL.IN1R=1SG.ABS=chegar
0 =re =k -ãpu ka
REAL.TR=1SG.ERG=2ABS-ver você.ABS
'eu cheguei e vi você.'
REAL.INTR=2SG.ABS=ir
'você me viu e foi embora.'
95
REAL.INTR=1 SG.ABS=ir
'você me viu e eu fui embora.'
pai.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=DIR=ir
'a mãe viu o pai e o pai voltou . '
REAL.INTR=3SG.ABS=DIR=ir
'a mãe viu o pai e (a mãe) voltou.'
96
REAL.INTR=3SG.ABS=fugir-PERF
'a onça viu o veado e (o veado) fugiu.'
REAL.INTR=3SG.ABS=ir
'o menino, a cobra mordeu e fugiu (a cobra).'
Dessa forma, como os dados parecem sugerir, o Panará segue o padrão nominativo-
acusativo do ponto de vista sintático, operando com o pivot sintático NS (Dixon 1979).
97
(193) ka "'
toputu
você chefe
'você é o chefe.'
98
vento forte
'o vento está forte/vento forte.'
roupa CLAS=vermelha
'a roupa é vermelha/roupa vermelha.'
Esse tipo de predicado pode ocorrer opcionalmente como verbo intransitivo, com
marcas de modo e concordância com o sujeito, e com interpretação predicativa, apenas:
(197) s:)per!
vento.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=forte
'o vento está forte.'
2
É possível que haja dferença de entonação entre uma e outra intepretação.
99
após o sujeito da oração e seguido pelo SN possuído, que funciona como um aposto.
Quando ocorre precedido de morfologia verbal está sendo interpretado, juntamente com o
nome possuído, como núcleo do predicado em uma construção serial (cf. 3.2.1.2, capítulo
3).
K.iompé.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=posse=casa
'Kiompé tem casa.'
Teseya RNC-pai
Teseya RC-pai
casa RNC-velha
'a casa é/está velha.'
casa RC-velha
'casa velha '
cobra RNC-olho
'cobra tem olho.'
cobra RC-olho
'o olho da cobra.'
mulheres.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=vermelho
'as mulheres estão pintadas.'
festa.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=não
'a festa acabou.'
Panará.ABS REAL.1NTR=3SG.ABS=muitos
'os Panará eram muitos.'
PI 2PL.ERG=AUX=3SG.ABS=INSTR roça.ABS
'como vocês fazem roça?'
104
.-v
(224) YJ: =~ =pe ~ =how =~ =te
REAL.INTR=3SG.ABS=MAL=3SG.ABS=ICOM=3SG.ABS=correr
sõkr&pakoko i;:m how nãsow pe
crianças INSTR
'você brincou com as crianças.'
(v) Predicados transitivos estendidos com três argumentos (trivalentes) ocorrem com
objeto direto e com objeto indireto. As posposições que regem o objeto indireto
são: benefactiva e malefactiva. O verbo concorda com o sujeito (caso ergativo) e
com o objeto da posposição malefactiva ou benefactiva (caso absolutivo), mas
não com o objeto direto básico.
eu DAT
'o chefe me deu o cocar.'
coisas eu DAT
'Pâsina me deu coisas.'
(vi) Existem, pelo menos, dois verbos que ocorrem com sujeito experienciador
marcado pelo caso dativo (DAT) e com concordância igualmente dativa. O verbo
não apresenta concordância com o objeto nem é marcado por modo ou aspecto.
Esses mesmos verbos podem também ocorrer como verbos intransitivos. Neste
caso, o sujeito não é experienciador.
REAL.INTR=frio
'está frio'.
4.4.1 REFLEXIVA
eu ERG REAL.TR=1SG.ERG=RFLX=3SG.ABS=pegar-PERF
ikye mã pek<l
eu BEN roupa.ABS
'eu comprei o vestido para mim mesma.'
eu ERG REAL.TR=1SG.ERG=RFLX=3SG.ABS=pegar-PERF
ikyemerã soti
nós.BEN coisa.ABS
'eu comprei coisas para nós.'
eu ERG IRR=1SG.NOM=RFLX=COM=3SG.ABS-encontrar.IMPF
ka muu tã
você Brasília ALA
'eu vou levar você comigo para Brasília.'
4.4.2 RECÍPROCA
expressa apenas pelo dual, não há corno distinguir formalmente uma oração recíproca de
uma oração ativa.
hornems.ERG 3PL.ERG=REC=3DAT=falar
'os homens estão conversando (uns com os outros).'
eles.ERG.DU REAL.TR=3DU.ERG=lutar=fazer-PERF
'eles lutaram um com o outro/eles dois lutaram.'
4.4.3MÉDIA
,J
b. teseya he =ti =yi =(i)t:l=sa =kiey
3
o termo foco aqui está sendo usado no sentido de descrever alguns elementos das orações como
pragmática e formalmente marcados, em oposição a elementos que podemos considerar não-focadas ou
com foco neutro.
114
ciumento INTF FO
'(era) muito ciumento, o bravo (que) comia.'
REAL.INTR=3SG.ABS=envergonhar-se=morrer FO
0 =ti =ç:s =nowwã sukahamãy
REAL.INT=3SG.ABS=envergonhar-se=morrer
'(aquele que) morreu, (foi quem)rnatou o Txukahamãe e morreu.'
constituintes topicalizados parecem sugerir sobre o que vai se referir a sentença que o
segue, isto é, funcionam como "uma frame conceitual ou referencial dentro do qual o
resto do predicado ocorre" (Li & Thompson 1976). Foram encontrados topicalizados em
Panará apenas objetos diretos e indiretos.
cordão?':
NEG munição.ABS
'não, eu não comprei munição.'
pbw, e nõ- rõ- ambos são usados para negar orações e sintagmas.
primeira teria sido originariamente uma partícula de negação exclusiva para sintagmas, e
a segunda uma partícula de negação para orações ou constituintes maiores.
(268) i-pê rõ
NMZ-falar NEG
'mudo.'
(269) pipi:l rõ
marido NEG
'solteira'
(272) ha sõti sã
IMP dormir NEG
'não durma!'
(273) ka=kukre sã
IRR=comer NEG
'não coma!'
para negar a oração, também finita, que o precede. Este verbo também pode
ocorrer em outros contextos com o sentido de 'acabar ou terminar', como em
(277).
REAL.INTR=não
'o homem disse que não ia.'
120
(i) com tõ antes do verbo e pio ou, menos frequentemente, nõ/rõ, após o
verbo.
(ii) o verbo negativo pi::l - pi:>w também pode ocorrer como segundo elemento
REAL.INTR=INSTR=1 SG.ABS=NEG=chegar
=pi::lw
REAL.INTR=3SG.ABS=não
ia tã i?kow how muu tã
veado.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=fugir-PERF
0 =re =pi~ -n pio
REAL.TR=1SG.ERG=3SG.ABS=encontrar-PERF NEG
'o veado fugiu, pois não o encontrei.'
N •
(287) prê' he pl:J 0 =ti =(i)ko=kuyã
Estas mesmas orações podem ocorrer sem a partícula interrogativa e também sem
a inversão da ordem do sujeito e do verbo, porém com uma entonação ascendente.
IRR=2SG.NOM=3SG.ABS=fazer.IMP
'você vai trabalhar ou vai fazer comida?'
REAL.TR=3SG.ERG=ISG.ABS=perguntar-PERF
a y1 =e =rãki:> kiãp:>
Pl REAL.INTR=3SG.ABS=quente beiju.ABS
'quando meu marido chegou em casa, ele perguntou se o beiju estava quente.'
Perguntas sim ou não podem também ser codificadas por meio da partícula
evidenciai de dúvida ine - inê'. Neste caso, não há duplicação da oração, a partícula
4.5.3.2 TAG-QUESTIONS
São questões em que se espera uma resposta mais elaborada. Em Panará, essas
questões são introduzidas por uma classe de palavras: complementizadores (COMP), que
funcionam originariamente como pronomes indefinidos, mas também introduzem orações
relativas. Palavras interrogativas, em gera~ têm a função não só de marcar a oração como
interrogativa, como também de indicar qual a informação que está sendo solicitada. Em
Panará, qualquer palavra interrogativa, seja referente a argumentos nucleares ou adjuntos,
é marcada morfologicamente por caso, com o são os sintagmas plenos.
quem.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=ir
'quem partiu?'
que.ABS REAL.TR=3SG.ERG=2.DAT=dar-IMPF
'o que ele deu para você?'
motor vocês.ERG
'(em detrimento) de quem vocês pegaram o motor?'
(b) palavras interrogativas com função de adjunto e que ocorrem com piã seguida
das posposições inessiva (modo) e final (causa, motivo):
ele ERG lá
'por que ele colocou a madeira lá?'
(d) a palavra interrogativa piã seguida do nome referente a 'sol' ipiti, ambos
(e) a palavra interrogativa piã, seguida pelo verbo su 'atingir, pegar', bastante
produtivo em construções com verbos seriais, constitui um expressão
interrogativa também muito produtiva em Panará com o sentido de 'qual
objetivo?'
(319) yu pe =a =kui
PI ABL REAL.INTR=2SG.ABS=vir/ir
'de onde você vem?'
quantos REAL.TR=3SG.ERG=3SG.ABS=2.DAT=dar.IMPF
tepi mara he
peixe.ABS ele ERG
'quantos peixes ele deu para você?'
PI muito REAL.TR=2SG.ERG=3SG.ABS-ver
hipe yõ koa
REAL.INTR=3SG.ABS=chegar
'ele disse quem chegou.'
(332) kua ~ hã
(333) ha ~ sã
IRR=veado=rnatar AFIR
'mate o veado!'
IRR=veado=matar NEG
'não mate o veado!'
Com verbos com sujeito dativo, o verbo é precedido pelo clítico deste caso:
CapítuloS
SENTENÇAS COMPLEXAS
a) sentença simples:
Txukahamãe.ABS REAL.INTR=envergonhar-se=3SG.ABS=ir
'O Txukahamãe foi embora.'
b) coordenação:
d) causativização:
eu ERG REAL.TR=lSG.ERG=dizer=2SG.ABS-fazer-PERF
=k -ãp:J rahe ka
=2SG.ABS-comer FIN você
'eu fiz você comer.'
140
e) subordinação:
eles.ABS REAL.INTR=3PL.ABS=envergonhar-se=ir
'eles foram embora.'
eles.ABS REAL.INTR=envergonhar-se=3PL.ABS=ir
'eles foram embora.'
eu.ABS IRR=lSG.NOM=atingir=3SG.ABS
=ICOM=ir sozinho
=how =kui at&
REAL.TR=3SG.ERG=MAL=pegar=pôr-PERF
sõkr&pabb he
jacu ERG
nãsow pe sõkyoti amã
urubu MAL garganta INES
'o jacu pegou o (o fogo) e pôs dentro da garganta em detrimento do urubu.'
142
REAL.lNTR=fogo=ICOM=3SG.ABS=ir-PERF=queimar
ãhã tua?tu
TEMP velha.ABS
'quando a velha foi, o fogo a queimou.'
cigarro.ABS
'ele vai comprar cigarro.'
a) s;;, 'colher'.
b) se 'coletar' .
madeira.ABS floresta
'eles pegaram madeira na floresta.'
tõ 'escolher'.
REAL.TR=lSG.ERG=3SG.ABS=escolher=cortar-PERF jatobá.ABS
'catei jatobá.'
144
IRR=1SG.NOM=3SG.DAT=escolher=pegar.IMP piolho.ABS
'vou catar piolho nele.'
ku 'cortar':
mulheres.ERG REAL.TR=3PL.ABS=3SG.ABS=cortar=cortar-PERF
iãsi h:Jw
veado.ABS faca grande INSTR
'as mulheres cortaram o veado com o facão.'
IRR=2PL.NOM=3SG.ABS=cortar=socar milho.ABS
'você vai socar o milho.'
b) sa - 'furar'.
su - 'atingir' .
É comum encontrar mais de um verbo dessa série compondo com outros verbos
uma construção serial. Em alguns casos assumem o conteúdo nocional mais geral que
perrneia os verbos dessa classe 'pegar', ou já indicam um processo de gramaticalização
em curso, com perda de conteúdo nocional, funcionando mais como um auxiliar
marcador de modo, traduzido pelos fàlantes como 'ir'.
Os verbos dessa série, bem como outros que ocorrem em construções seriais, em
certos contextos, demonstram que já sofreram descategorização, com perda do seu
contéudo nocional, isto é, passaram por um processo de grarnaticalização. Nesses
contextos, essas formas se comportam como verbos auxiliares e/ou classificatórios, como
marcadores de aspecto, de modo e, em algumas construções, parecem simplesmente
constituir com outro verbo um novo item lexical. Serão glossados aqui como verbos
auxiliares até que trabalhos futuros venham defmir o seu real status gramatical.
IRR= 1S.NOM=trabalhar
'depois que eu dormir, eu vou trabalhar.'
REAL.TR=2SG.ERG=3PL.ABS-ver FIN
'eu fiz você visitá-los.'
....-
(373) itu =rõ =pre
batata.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=jazer=velha
'a batata (no chão) está velba'
menino.ABS REAL.TR=3SG.ERG=3SG.ABS=jazer=morder-PERF
nãkã he
cobra ERG
'o menino, foi mordido pela cobra.'
eu ERG REAL.TR=ISG.ERG=3SG.ABS=cortar=cortar-PERF
sase ãkre byasa pã how
corda.ABS fàca pequena INSTR
'eu cortei a corda com o canivete.'
149
5.2 COMPLEMENTAÇÃO
eu ERG REAL.TR=ISG.ERG=3SG.ABS=ir=querer
muu tã
Brasília ALA
'eu quero ir para Brasília.'
árvore.ABS
'ele começou a derrubar a árvore.'
colar.ABS
'você continuou a vender os colares.'
eu.ABS
'você tentou me ajudar.'
151
O verbo parecer, com exceção do sujeito dativo, exibe a mesma estrutura dos
verbos seriais modais.
Complementação com verbos modais podem também ocorrer com até três verbos
na mesma série:
Em Panará, orações completivas com verbos finitos são orações independentes que
carregam seu próprio tempo e aspecto e expressam seu sujeito diretamente, isto é, a
referência ao sujeito não está restrita àquela da oração matriz. Os verbos que selecionam
a oração complemento são verbos de cognição, de enunciação e de modalidade. Dois
tipos fundamentais de orações completivas foram encontrados em Panará; com
complementizador e sem complementizador.
que REAL.TR=3SG.ERG=3SG.ABS=fazer-PERF
'ele disse o que fez.'
N~
quando REAL.TR=3SG.NOM=DIR=chegar
'a mulher disse quando ia voltar.'
(i) Cada predicado exibe marcação de modo, aspecto e referência ao seu próprio
sujeito. Essa é a forma mais comum, geralmente encontrada com verbos de cognição e
enunciação, quando as duas orações possuem o mesmo sujeito.
eu ERG REAL.TR=lSG.ERG=3PL.ABS=ouvir-PERF
akiu h:>w yi =ra =pe
timbó IC REAL.INTR=3SG.ABS=3PL.ABS=ir
'eu sei que todos foram bater timbó.'
Na língua Panará foram encontrados três verbos que, em certas construções bi-
oracionais, constituem o núcleo do predicado da oração matriz. A oração encaixada
nessas construções é o complemento semântico daquela. O sujeito da oração matriz não
realiza a ação, mas age nocionalmente sobre o sujeito da oração encaixada para que este a
realize. Trata-se, portanto, de cansativas sintáticas. Na sua formação, ocorrem mudanças
nas relações gramaticais entre os constituintes, se comparadas às construções não-
cansativas.
Os três verbos que podem exprimir causativização em Panará são transitivos e
tomam como complemento tanto orações transitivas quanto intransitivas. Ocorrem
também em construções não-cansativas, como se pode verificar nos exemplos abaixo:
eu ERG IRR=lSG.NOM=desistir-PERF=plantar
'eu vou desistir de plantar.'
fmal ahe - rahe - yahe ocorre imediatamente após o núcleo verbal da oração encaixada,
à qual se vincula, com a função de complementizador, delimitando assim a oração que
constitui o complemento semântico do predicado da oração matriz. Construções
157
(400) a ka =k-ãp;,
você.ABS REAL.INT=2SG.ABS-comer
'você come/comeu.'
REAL.INTR=3SG.ABS-trabalhar COMP
'o homem pediu a mulher para (ela) trabalhar.'
é argumento do verbo da oração matriz com o qual mantém relação sintática, como se
pode observar pela presença do clítico de concordância dativa no verbo. Na oração
encaixada, o causee mantém a sua função de sujeito, presente apenas na marca do prefixo
absolutivo de concordância verbal s-.
As causativas com verbos transitivos se manifestam de três formas diferentes:
(i) com o causee objeto direto da oração matriz, e com o objeto direto da oração
encaixada também como objeto direto da oração matriz, isto é, a oração matriz
com dois objetos diretos:
eu ERG REAL.TR=1SG.ERG=AUX=2SG.ABS-mandar-PERF
Margarida e =ka =s-ãpü ahe
(causer), como SN objeto direto (absolutivo) e com o objeto indireto benefactivo, em (b)
de (419). O verbo da oração encaixada mantém os mesmos clíticos pronominais de co-
referência com o sujeito (ergativo ), o causee, e com o objeto direto (absolutivo ), como
em(a).
üi) com o causee objeto direto da oração matriz, e o objeto direto da oração
encaixada como complemento oblíquo da oração matriz:
1
Normalmente, os objetos diretos posicionam-se após o verbo, se não co-ocorrem com complemento
oblíquo.
160
Na língua Panará há uma série de construções que atendem à definição das chamadas
orações relativas: uma oração que funciona como um modificador de um sintagma
nominal constituinte de uma oração matriz. O conteúdo semântico desse constituinte,
163
chamado núcleo, satisfaz à interpretação semântica tanto dentro da oração relativa quanto
dentro da oração matriz.
De acordo com Keenan e Comrie (1977), nas linguas naturais existem: a) três
posições possíveis para o núcleo: ou à esquerda, ou à direita ou dentro da oração relativa;
b) três estratégias de relativização: com pronome relativo, com pronome pessoal, com 0
No Panará, as orações relativas até aqui encontradas são todas pós-nominais, isto é,
ocorrem após o elemento nominal com o qual se relacionam. Não se distinguem relativas
explicativas de relativas restritivas. Para expressar a relativização a lingua emprega
diferentes estratégias dependendo da função gramatical do nominal relativizado.
Para relativizar o SN sujeito de verbo transitivo (ERG) e intransitivo (ABS) e o SN
objeto direto (ABS), a lingua Panará não utiliza complementizador. Na relativização
desses constituintes, a oração relativa ou segue a oração matriz, como em (b) e (c) de
(408), ou ocorre intercalada, como em (d), ocupando a posição entre o núcleo e os demais
constituintes da oração matriz. Em (a), a oração básica.
b. 1pi =po
homemABS REAL.INTR=3SG.ABS=chegar
[111 =ti =111 =pi-ri atõsi]
REAL.TR=3SG.ERG=3SG.ABS=comprar-PERF munição.ABS
'o homem, que comprou munição, chegou.'
REAL.INTR=3SG.ABS=chegar
'o homem, que chegou , comprou munição.'
REAL.INTR=3SG.ABS=acabar
'a munição, que o homem comprou, acabou.'
Predicados verbais em Panará, como já foi mencionado, podem concordar, por meio
das séries de clíticos ergativos, nominativos e absolutivos, com o SN sujeito, SN objeto
165
direto ou SN objeto indireto. Os objetos indiretos com os quais o verbo concorda são
sintagmas posposicionais marcados por benefactivo, ma1efactivo, comitativo,
instrumental-comitativo e inessivo. A concordância com esses constiutintes ocorre
mesmo quando o objeto direto temático está presente. Com objetos indiretos marcados
por benefactivo e comitativo, além da concordância com o absolutivo, a língua apresenta,
alternativamente, a possibilidade de concordância com o dativo:
homens BEN
'os índios deram arco para vocês.'
arco.ABS IRR=2PL.NOM=ir
'vocês, para quem os índios deram arco, irão embora.'
eu ERG REAL.TR=ISG.ERG=3PL.ABS=COM=pegar-PERF
ikiara
mulheres
'eu ajudei as mulheres.'
vocês.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=ICOM=2PL.ABS=ir
1kiey kri tã
mulher aldeia LOC
'vocês levaram a mulher para a aldeia.'
REAL.INTR=DIR=3SG.ABS=ir/vir de longe
'a cidade de onde o branco veio fica longe.'
matriz (conforme concordância dativa), e não com o verbo da oração relativa. Dos
exemplos de que disponho, as relativas sem núcleo ocorrem apenas na relativização de
sujeito e só com o verbo 'falar' na oração matriz:
ele.ABS REAL.INTR=3DAT=3SG.ABS=falar
[pre mã 0 =ti =pi-ri kiãrãpe]
eu.ABS REAL.INTR=3DAT=3SG.ABS=falar
[pre mã moto arnã Yl =o =po]
você.ABS REAL.INTR=3DAT=2SG.ABS=falar
[pre mã pãyakriti amã]
v
(426) mara =mã =IZJ =pe
ele.ABS REAL.INTR=3DAT=3SG.ABS=falar
pre mã [IZJ =ti =pi-ri kiãrãpe]
=IZJ =pe
i"
(427) mara yt =mã
eu.ABS REAL.INTR=3DAT=3SG.ABS=falar
pre mã [moto amã yi =o =po]
REAL.INTR=3SG.ABS-dormir-PERF
'o homem, que estava sentado, dormiu'
tipo de oração relativa distinto daquelas descritas aqui, exigindo uma maior investigação.
REAL.INTR=3SG.ABS=chover chuva.ABS
ikyê yõ pêk:l =flJ =k:>w
menino.ABS REAL.INTR=DIR=3SG.ABS=bem.PERF
hipê hê' 0 =ti -~
=suu
menino.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=chegar
Yl =fll =rõ Yl =fll =sõti
REAL.INTR=3SG.ABS=deitar REAL.INTR=3SG.ABS=dormir
'o menino chegou, deitou e dormiu.'
(i) CAUSA
ele.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=entrar
[ita Yl =0 =~em> yamã)
(ii) CONTINGÊNCIA
(iii) CONCESSÃO
(iv) TEMPO
rahe - yahe, originalmente uma posposição final. Podem ser finitas ou não-
finitas.
ele.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=ICOM=3SG.ABS=ir
pek:J how [0 =ti =0 =rãkõ rahe]
(450) Yl =a ka
REAL.INTR=2SG.ABS=ir você.ABS
[a=pri ãhã] São Paulo tã
2=criança CONJ São Paulo ALA
'quando você era pequeno, você foi para São Paulo.'
ele.ABS REAL.INTR=3SG.ABS=ir
[yi =ra =po tã]
REAL.INTR=lSG.ABS=chegar CONJ
'ele saiu, quando eu cheguei.'
IRR=lSG.NOM=AUX=sleep OP IRR=lSG.NOM=trabalhar
'eu vou dormir, depois eu vou trabalhar.'
Orações adverbiais também podem ser introduzidas por ãhã e ahe seguidas por
mãmã, isto é, com as posições invertidas, expressando temporalidade sequencial, em que
com ãhã o evento expresso pelo predicado da oração adverbial é posterior àquele da
oração matriz e com ahe é anterior.
5.6 COORDENAÇÃO
(i) a conjunção:
(ü) a disjunção:
2 Com exceção dos exemplos ??? , capítulo 7, que nos sugerem tratar-se de um recurso estilístico.
182
(iü) a contradição:
REAL.TR=3SG.ERG=3SG.ABS=ICOM=ganhar NEG
'Posua trabalhou para o chefe mas não ganhou nada.'
183
Capítulo 6
INCORPORAÇÃO
trairão.ABS
'ele pescou trairão.'
186
eu ERG REAL.TR=3SG.ERG=RFLX=cortar-PERF
s-ikia-rin
RNC-mão-LOC
'eu me cortei na mão.'
eu ERG REAL.TR=ISG.ERG=RFX=RNC-mão=cortar-PERF
s-ikia-rin
NR-mão-LOC
'eu me cortei na mão.'
1
Verbos inacusativos são aqueles em que o SN que aparece em posição de sujeito é um objeto direto
subjacente (Perlmutter 1978).
188
dentro do verbo.
Tipo 3. A manipulação de estrutura discursiva. Altamente produtivo, mas não livre, esse
tipo de incorporação, seria típico de linguas po lissintéticas, isto é, linguas em que o
núcleo verbal pode sozinho constituir urna oração, vez que o verbo contém
obrigatoriamente afixos referentes aos argumentos. Os argumentos externos estabelecem
e mantêm a referência, mas não são gramaticalmente necessários. A função da
incorporação nominal nesse caso seria a de reduzir a saliência do nome dentro de urna
particular porção do discurso.
homens.ERG REAL.TR=3SG.ERG=3SG.ABS=cabeça-cobrir-PERF
kukre
casa.ABS
'os homens cobriram (o teto d)a casa.'
Nesse tipo de incorporação não é possível ter-se uma paráfrase dessa sentença, na
qual o nome e o verbo co-ocorram separadamente. O nome incorporado não é
referencial, conforme atestam as traduções para o Português. Observe-se, contudo, que
em orações como em (479) e (482), o nome incorporado pode ter sido o elemento
possuído (o núcleo) de sintagmas possessivos, cujo possuidor permanece como objeto
direto temático e sujeito, respectivamente.
você RC-mão.ABS
'ele está apertando a tua mão.'
b. kF!le=0=su kiãpo
194
b. 0=ne=ra=niiri (i)tu
eu ERG REAL.TR=3SG.NOM=3SG.ABS=comida=fazer.IMPF
'eu vou fuzer (a) comida.'
b. ikye he ka=rsu:~ sõ
eu ERG REAL.TR=ISG.ERG=3PL.ABS=escolber=comprar-PERF
ikiara mã pek:l
mulberes DAT vestido.ABS
'eu comprei vestido para as mulheres.'
195
terra de origem, pode-se ter um bom exemplo desse tipo de incorporação nominal. A
informação nova (a apropriação da comida pelos brancos) é iniciahnente introduzida, em
(492), sem incorporação. Em seguida de (493) a (496), a citação dos nomes dos produtos
ocorrem incorporados, com o objetivo de reduzir a importância, o detalhe desses, e
chamar a atenção para sõ "a comida", pãpã sõ "toda a comida", sem a qual ficaram os
Panará, retomada no final em (497) com uma pergunta retórica e novamente sem
incorporação.
2PL.ERG=3SG.ABS=peixe=comer ASS
'e comeram peixe.'
2PL.ERG=3SG.ABS=mandioca=comer ASS
'e comeram mandioca.'
existe são construções com itens lexicais incorporados, mas que resultam não só em
verbos intransitvos, mas também em verbos transitivos. Em nenhuma dessas construções
é possível se ter uma paráfrase correspondente sem a incorporação. Nas construções com
verbos transitivos, como já foi acima observado, o nome incorporado sugere ter sido o
nome possuído de uma construção genitiva, no entanto não ocorre opcionalmente nessa
posição. O nome incorporado perde a sua referencialidade embora aguce o sentido do
verbo. Ainda assim não há como negar que se trata de um processo de composição por
incorporação, embora já lexicalizado, como sugerem os exemplos em (479) a (482) aqui
repetidos e (498) a (50 1):
homens.ERG REAL.TR=3SG.ERG=3SG.ABS=cabeça-cobrir-PERF
kukre
casa.ABS
'os homens cobriram (o teto d)a casa.'
REAL.INTR= 1SG.ABS=cabeça-andar
'eu nadei.'
também divergências. Rosen (1989) observa que, nesse caso, o nome incorporado não
satisfaz um argumento do verbo complexo (diferente, pois, do caso de incorporação por
composição), tendo em vista que o verbo permanece transitivo mesmo depois da
incorporação de um nome objeto direto. Assim um SN é requerido para satisfazer à
estrutura argumentai do verbo. Para tal, propõe que as língua se valem de três possíveis
recursos: 1) O SN pode ser completamente vazio como em pro-drop; 2) o núcleo do SN é
vazio, mas deixa para trás um elemento desprezado (um possuidor, um modificador ou
um determinante); e 3) um SN pleno pode ser preenchido pelo que se chama de
'duplicação'.
1) O Panará, como já foi mencionado, é urna língua pro-drop, isto é, permite apagamento
de argumentos nucleares, sujeito, objeto direto e objeto indireto. No caso da incorporação
do nominal objeto direto, de acordo com Rosen (1989), a não realização do objeto
externo é independente da incorporação nominal, é parte do fenômeno que permeia a
língua, o qual permite apagamento de qualquer argumento. Então urna construção com
incorporação, como em (502), seria paralela a urna construção sem incorporação com o
agapagamento do objeto direto, como em (503):
2) Panará também admite que possuidores sejam deixados para trás quando o nome
possuído é incorporado ao verbo, como no exemplo em (484), repetido em (504). No
entanto, não seria esse o caso de considerar o possuidor como elemento 'stranding',
tendo em vista que esse é alçado à condição de argumento, como atesta a marca de caso
ergativo neste exemplo. Nesse caso, o possuidor passa a ser o núcleo do SN sujeito.
De acordo com o sistema proposto por Rosen (1989), as linguas que admitem
stranding são linguas que possuem modificadores de núcleo nulos em geral,
independentemente da incorporação nominal. Contudo, prevê que a existência desse
fenômeno é uma conseqüência direta de linguas que incorporam e que têm argumentos
nulos. Em Panará, exemplos em que modificadores e determinanates ocorrem sem
qualquer nome, não podem ser considerados como stranding, tendo em vista que nessa
lingua demonstrativos e modificadores podem ocupar a posição de núcleos.
Mas:
b. pre he' 0 =ti =kã =sõ
este.ABS vocês.BEN
'quem deu este (fogo) para vocês?'
Mas:
b. uãhã pia pitinsi
lá alto INTF
lá havia (velho) ahíssimo.'
'coísa, bicho' incorporado ao núcleo verbal, o qual vem sofrendo perda de parte de sua
substância fonológica, realizando-se algumas vezes como s:> apenas e, assim, se
eu ERG REAL.TR=ISG.ERG=3SG.ABS=3.DAT=coisa=comprar-PERF
k:>wmã ipiarã yiramã
homens.ERG REAL.TR=3PL.ERG=coisa=NEG=matar-PERF
pio sõyowpi
NEG caça.ABS
'os homens não mataram nenhuma caça'
você RC.mão
'ele está apertando a tua mão.'
REAL.TR=3SG.ERG=RFX=RNC-perna=quebrar
'a perna da criança quebrou.'
eu ERG REAL.TR=ISG.ERG=3SG.ABS=3.DAT=calção=comprar-PERF
k:>wmã ípiarã krak::l
De acordo com o que tem sido aceito na literatura (Allan 1977, Craig 1986,
Mithun 1986), existem três tipos de sistemas de classificadores:
205
O Panará não se enquadra de forma discreta em nenhuma das três categorias como
definidas acima. Predomina na lingua um sistema de classificadores do tipo verb-
incorporated, mas os mesmos classificadores também ocorrem em sintagmas nominais
com adjetivo e não são do tipo concordial. São opcionais tanto em SNs quanto em SVs,
exceto em contextos de sintagmas nominais com adjetivos referentes à classe de cores,
em que a presença do classificador tem se mostrado obrigatória. Ocorrem como
procliticos ao verbo ou ao adjetivo em co-referência com os respectivos nominais: sujeito
de verbo intransitivo ou objeto direto de verbo transitivo, quando incorporado ao verbo; e
núcleo do sintagrna nominal, quando cliticizado ao adjetivo. Quando incorporado ao
verbo, não há como definir se a concordância com o nome em posição de sujeito ou
objeto se mantém, urna vez que nomes co-referentes com classificadores são de terceira
pessoa, singular, absolutivos, isto é, com marca de concordância zero.
arroz.ABS REAL.INTR=CLAS=brotar-PERF
'o arroz brotou.'
2
Formas similares a essas, com os mesmos significados, foram reconstruídos por Davis ( 1966) para o
Proto-Jê.
208
t::J líquido ?
jenipapo REAL.INTR=CLAS=secar
'o jenipapo murchou.' (em referência à casca)
sustentar qualquer relação gramatical com seu verbo, isto é, eles são rebaixados para o
status de não-termo". O objeto temático é colocado en chômage e perde todas as suas
propriedades, incluindo a de ser extraído para se submeter à relativização ou passivização
etc.
Nakamura (1997) afirma que as chamadas "aplicativas" têm sido usadas para
cobrir uma série de processos de mudança gramatical estreitamente relacionados. São
resultantes da adição de um morfema ao verbo, fazendo com que um oblíquo se tome um
objeto. Citando Baker (1988) a propósito das aplicativas Bantu, Nakamura afirma que
nem todas as ap!icativas são resultantes de incorporação sintática de posposição, podendo
haver aplicativas cujo morfema aplicativo é de natureza verbal, que se combina com o
verbo no léxico e introduz um argumento interno adicional na estrutura argumentai do
verbo. Citando Gary e Keenan (1977) a propósito da impossibilidade de se extraír o
objeto temático, apresenta como ponto fundamental para se definir se urna aplicativa é
derivada por incorporação três condições fundamentais:
(529)
(i) impossibilidade de o objeto básico (Tema) ser submetido à
passivização ou relativização;
(ü) existência de urna construção analítica equivalente à aplicativa,
contendo urna adposição independente;
(üi) o objeto temático não pode provocar concordância no verbo.
Construções aplicativas em Panará podem ocorrer tanto com verbos que têm
sujeito marcado pelo caso ergativo (transitivos), quanto com verbos que têm sujeito
marcado pelo caso absolutivo (intransitivos). Podem ser resumidas em três tipos
fundamentais:
crianças ICOM
'você brigou com as crianças.'
crianças
'você brigou com as crianças.'
.A/
(533) a kam&ra yt =ra =ria =te
.;
b. kam&ra yt =ra =h:~w =ria =te
eu aldeia ALA
'vocês foram comigo para a aldeia (=me conduziram).'
eu bonito
'o vestido que ele me deu é bonito.'
O quadro das posposições homófonas, isto é, das que admitem e das que não
admitem incorporação pode ter a seguinte distribuição:
218
3
Jnstnnnental-comitativa é mn termo que cobre os dois papéis semânticos atribuídos ao objeto dessa
posposição, como já foi observado no Capítulo 2. Cumpre, no entanto, acrescentar que a distinção entre
instrumentivas que incorporam e as que não incorporam não são bem definidas em Panará. Existem
divergências a esse respeito entre os próprios fulantes.
4
A escolha entre locativa e inessiva aqui é arbitrária, tendo em vista que ambas são inessivas e locativas. O
que existe, entretanto, é mna diferença talvez com relação aos traços semânticos dos seus objetoS e que
determina a possibilidade ou não da incorporação dessa posposição.
5
Como locativa só ocorre associada a continentes de água (rios, lagos, igarapés etc.).
219
REAL.TR=3SG.ERG=3PL.ABS=pegar-PERF anzol.ABS
'os homens, em detrimento dos quais ele pegou o anzol.'
crianças ICOM
'você brigou com as crianças.'
eles.ERG REAL.TR=3PL.ERG=3SG.ABS=dar-PERF
sô panãra mã
comida índios BEN
'eles deram comida para os índios.'
221
6
Essa estratégia de relativização é adotada para todos os NPs objetos de posposições não incorporadas,
porém suscetíveis de incorporação.
223
CONSIDERAÇÕES FINAIS
( 5) Construções seriais com até três verbos, codificando oração simples, coordenação,
complementação, causativização e subordinação. Pela primeira vez identificadas em
línguas Macro-Jê, essas construções são de grande produtividade em Panará. A
transitividade ou intransitividade do predicado é determinada pelo último verbo da
série.
225
BIBLIOGRAFIA
DRYER, Mathews (1997). On the six-way word order typology. Studies in Language 12.1:
69-103.
DU BOIS, John W. (1987). The discourse basis o f ergativity. Language 63.4.805-55.
FOLEY, William & V AN VALlM, Robert (1984). Functional Syntax and Universal
Grammar. Cambridrge University Press.
FOLEY, William (1985). The packaging of information in the clause. In Language
Typology and Syntatic Description, vol. I: Clause Structure, ed. by Thimothy
Shopen, 282-364. Cambridge University Press.
GARY, J. & KEENAN E. (1977). On collapsing grammatical relations in Universal
Grammar. In Syntax and Semantic 8:Grammatical Relations, Peter Cole & Jerrold
M. Sadock ( eds. ). New York: Academic Press.
GIRALDIN, Odair (1994). Cayapó e Panará: luta e sobrevivência de um povo. Campinas:
Unicamp.
GIVÓN, Tahny (1984). Syntax: a Functional- Typologial Introduction, vol II.
Amsterdam and Philadelphia: John Benjamins.
GIVÓN, Tahny (1987). Serial verbs and the mental reality of "event". Final NEH progress
report, University of Oregon departament oflinguistics (ms.).
GIVÓN, Tahny (1990). Syntax: a Functional- Typologial Introduction, vol II.
Amssterdam and Philadelphia: John Benjamins.
GREENBERG, Joseph. H. (1963). Some universal of grammar with particular reference to
the order of meaningful elements. In Universal of Language, ed. by Joseph H.
Greenberg. Cambridge, MA: MIT Press.
GUEDES, M. (1993). Siwja mêkapêrêra Suyá: a lingua da gente, um estudo fonológico e
KEENAN, Edward (1976). Towards a universal defmition of'subject'. Subject and Topic.
3, Brasília: SIL.
TAYLOR, John (1989). Linguistic Categorization: Prototypes in Linguistic Theory.
Clarendon Press. Oxford.
UNGERER, F. & SCHMID, G. J. (1996). An Introduction to Cognitive Linguistics.
Forgman.
URBAN, Greg (1985). Ergativity and Accusativity in Shokleng (Jê). /JAL, vol. 51.2:16487
ZWICKY, Arnold (1985). Clitics and Particles. Language 61:283-305.
WIESEMANN, Ursula ( 1986). The pronoun systems ofsome Jê and Macro-Jê languages.
In WlESEMANN, Ursula (ed) Pronominal systems. 359-80. Tübingen: Gunther
Narr Verlag.
WOODBURY, H. ( 1975). Onondaga Noun Incorporation: some notes on the
interdependence o f syntax and semantics. IJAL, vol41.1-1 0-20.
232
233
APÊNDICE
INFORMAÇÕES SOBRE A FONOLOGIA
1. Consoantes e vogais
nove são orais e seis são nasais. As duas séries contrastam, articulatoriarnente, na posição
da língua: (±posterior]; as posteriores contrastam em arredondamento: [±arredondado]. A
série oral contrasta em três alturas e a série nasal contrasta em duas alturas. Observa-se por
vezes urna duração longa na realização das vogais. No entanto, trata-se de urna duração
mais fonética do que fonológica, urna vez que esses segmentos falliam em encontrar no
sistema urna oposição paradigrnática com segmentos homorgâncos breves. Temos os
seguintes quadros das vogais em Panará, com seus respectivos alofones:
lEI [re) (E) la! [o] [A] [a] /o/ [o] [o]
;e; [ê] [&] lã! [5] [Ã] [õ] lõl [õ] [5] [õ]
I ,.,..,...
(4) tE1tEtÍ 'verde' SUl 'pássaro'
'kipa 'terra'
'puu 'roça'
235
Os segmentos li! e lu! [+silábico] e /y/ e /w/ [-silábico] diferem em termos de sua
posição nuclear e não-nuclear na estrutura silábica, respectivamente.
Os segmentos /y/ e /w/, colocados aqui no quadro das consoantes face a sua posição
usual em margem de sílaba, podem, todavia, ocorrer em seqüências em que precedem urna
vogal, alternativamente, como onset ou como núcleo, resultando em ditongo crescente em
variação com hiato. Em ambos os casos o padrão acentuai não se altera, na medida em que
permanece na sílaba final (5). Os segmentos /i! e lu! seguidos de vogais ocorrem também
em outros itens lexicais consistentemente como hiato (6):
tu.a?. 1iií
I •
w~.'ro u.~'ro 'papagaio' su.~n 'banho' 'velba'
. I • 1
yo.n. t1 i.o.ri.'ti 'caititu' ku.i 'mandioca wã.tu. 1i 'bebê'
Já nas seqüências em que /y/ e /w/ seguem a vogal, estes se realizam sempre como
coda silábica, isto é, formam com a vogal um ditongo decrescente (7). Em contextos em
que /y/ e /w/ ocorrem entre vogais, estes se posicionam sempre em onset silábico (8).
Os glides vocálicos /y/ e /w/ e os laríngeos ll/ e Ih/ se caracterizam como urna classe
1
O glide fricativo glotal ocorre em posição de coda como epêntese. A oclusiva glotal ocorre somente em
sílaba mediai.
236
2. Alofonia consonantal
(ü) A detem!inação da alofonia do fonema In!, que inclui entre as suas realizações o alofone
[r], o qual tanibém é um fonema na língua. Não há como considerá-los como realizações
de um mesmo fonema, pois configura-se no sistema consonantal do Panará:
[prê' 'velho'
ka nãpi:~ [karã'pi:~] 'tua mãe' kamera nãpi:~ [kame'ra] [nã'pi:~] 'nossa mãe'
tõ nãsuti [tõrãsu 'ti] 'outra estrela' pãpã nãsuti [pã'pã] [nãsu'ti] 'muitas estrelas'
vogal nasal:
condicionamento fonológico:
238
IJI, podendo ambos os pares de segmentos se realizarem como [o] e [õ], respectivamente.
Ocorre também debordamento também com as vogais /;)/ e la!, podendo ambas ser
k:Íiw
.u ku 'nevoeiro'
Sl.ill Sl 'sentar-se'
Em juntura externa, pode ocorrer a haplologia da sílaba final não acentuada diante
de sílaba com consoante homorgância:
'y:>wpi 'pa 'kõri y:>w 'pa 'kõri 'a onça está bebendo'
Em juntura externa ocorre o apagamento das vogais não acentuada /i/ , li! e la! em
sílaba final não acentuada (ou clíticos) à esquerda ou em sílaba ínicial da palavra à direita
A preferência é pelas vogaís com o traço [+alto] quando co-ocorrem com a vogal [+baixa].
Se umas dessas vogaís for nasal, a sua nasalidade é assimilada pela vogal sobrevivente. Se
a sílaba à direita tem Ih! em onset, este também é apagado.
nã' sepi h:> 'titi nã'sep :> 'titi 'o morcego queimou'
p=:>='kini 'melhorar'
Confronte-se com:
(23) pn pri+ara priara 'criança-COL'
b) vogal [+baixa] núcleo de sílaba com onset em final de palavra provoca a queda
da vogal inicial do sufixo anexado.