Direito Reais Ta Exames
Direito Reais Ta Exames
Direito Reais Ta Exames
I
Antoninho era proprietário da quinta “Paraíso”, situada em Alcácer do Sal. Antoninho
falece no dia 20 de março de 2001. Não tendo outorgado testamento, deixou sobrevivos
como únicos sucessores os seus filhos, Bernardo e Carminho. Apesar de nunca se ter
efetuado a partilha, como Bernardo estava fora do país, quem ficou a tomar conta da
quinta foi Carminho. Ao longo dos anos, Carminho aproveitou para realizar várias obras:
em 2005 construiu uma piscina; em 2007 uma churrasqueira. Adicionalmente, desde 2010
que Carminho aproveita o Verão para rentabilizar a quinta, afetando-o ao turismo rural.
Ao longo destes anos foi sempre Carminho que procedeu a todas as obras de
restauração da habitação presente na quinta, ainda que o pagamento do Imposto
Municipal sobre Imóveis tenha sido pago, alternadamente, pelos irmãos. Em janeiro de
2022, Bernardo regressa a Portugal, interpelando imediato Carminho para solucionar a
questão da partilha do imóvel, que nunca havia sido realizada. Carminho contrapõe
afirmando que, passado tantos anos, o direito de propriedade sobre a quinta só a ela lhe
pertenceria. Segunda ela, nem seria injusto, pois seria uma forma de “compensar” o facto
de Bernardo ter ficado com todo o ouro que pertencia ao pai. Furioso, Bernardo decide
então intentar uma ação possessória para reaver a posse, a titularidade do direito e para
que lhe sejam restituídos parte dos frutos obtidos com a utilização do imóvel. Por seu
turno, Carminho é aconselhada a reagir em juízo e a invocar a exceptio dominii.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
II
Duarte tem uma luxuosa casa de férias no Algarve e com o intuito de a rentabilizar, a
longo prazo e sem grandes preocupações, em junho de 2005, celebra um negócio com
Eduarda, sua amiga de infância, pelo prazo de 15 anos, e nos termos do qual, mediante o
pagamento de uma quantia anual, esta última poderia usar, fruir e administrar a casa da
forma que melhor lhe aprouvesse. No mês seguinte, Eduarda aceita uma proposta de
trabalho fora de Portugal e por esse motivo, transmite este direito, nos exatos termos em
que lhe foi concedido, a Francisco, seu primo, que regista a posse da casa. Eduarda
falece em junho de 2007 e Francisco aproveita para constituir um direito de passagem a
favor de Gabriela, proprietária do terreno agrícola vizinho, uma vez que o mesmo não
tinha saída para a estrada, mediante o pagamento de uma avultada quantia, e ainda para
ceder o gozo da casa a Hugo nos meses de junho a setembro, também mediante o
pagamento de uma elevada soma. Considerando que até junho de 2020, não teve
qualquer notícia de Duarte, Francisco deixa de providenciar os pagamentos a Duarte e
muda-se para a casa com a sua família, passando a fazer da mesma habitação
permanente. Em junho de 2022, Duarte, que se ausentara do país desde 2010, regressa
e depara-se com esta situação, exigindo a devolução imediata da casa, ao que Francisco
se opõe, afirmando ser o proprietário da casa; simultaneamente Gabriela e Hugo
pretendem fazer valer os seus direitos, que consideram ter adquirido de forma vitalícia, a
primeira invocando o decurso do tempo e o segundo apresentando o registo a seu favor.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
I
Em março de 2015, Armindo encontrava-se a viajar no expresso Lisboa-Faro
quando encontrou uma pedra preciosa dentro da bolsa traseira do Banco. Armindo
guardou-a discretamente, tendo, logo que chegou a Faro, perguntado ao seu amigo, o
Bruno, dono de uma casa de penhor, que tipo de pedra era aquela. Após analisar, Bruno
disse-lhe que era um mineral muito valioso, nomeadamente uma esmeralda rara. Bruno
combinou então com António que este vendesse a pedra preciosa na sua loja, ficando
este último com 10% da venda. De forma a promover a venda, Bruno decide colocar a
esmeralda num anel de ouro. O conjunto acabou por ser vendido em julho de 2015, a
Catarina. Em janeiro de 2021, Catarina é surpreendida por Diana, que reconhece a sua
esmeralda, pedindo-a de volta. Catarina recusa-se a devolvê-la, aduzindo os seguintes
argumentos: (i) que o comprou a um legítimo comerciante; (ii) que já não estava mais em
causa apenas a esmeralda, mas sim um anel com uma gema; (iii) que já detinha a
esmeralda há muito tempo e, por isso, Diana já não tinha direitos sobre a pedra preciosa.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (3 v)
- Forma de aquisição da posse de A, que se deu por via do esbulho (não sendo previsto,
expressamente, ainda assim, este modo de aquisição possessória pode ser retirado dos
artigos 1278.º a 1282.º)); a aquisição por via do esbulho deverá ser mantida,
independentemente de se defender que D perdeu a posse, uma vez que A não cumpre
com os requisitos do artigo 1323.º, n.º 1 e 2, excluindo-se, por conseguinte, a aplicação
deste regime; classificação da sua posse, em especial, discutindo se a mesma é pública
ou oculta.
- B é apenas detentor (artigo 1253.º, c)). Embora a sua detenção lhe atribua tutela
possessória (artigo 670.º, a)), a mesma não constitui posse.
- C adquire a posse do anel com a esmeralda por tradição material da coisa (artigo
1263.º, b)); classificação da sua posse; C não adquire, porém, o direito real de
propriedade sobre a esmeralda, pois constitui uma venda de bens alheios (artigo 892.º).
- D é, aparentemente, titular do direito real de propriedade sobre a esmeralda; discutir se
a posse de D se extingue por perda (artigo 1267.º, b)), configurando a situação como
sendo correlativa com a aplicação do regime das coisas perdidas e esquecidas (artigo
1323.º) ou, pelo contrário, aplicando esta causa de extinção num sentido restrito, uma vez
que D poderia, ainda, encontrar a coisa, tendo em conta a factualidade do caso concreto,
e, aplicando-se, assim, o artigo 1267.º, d).
II
Em janeiro de 2010, Francisco herda um monte alentejano que decide entregar a
Guilherme no mês seguinte, para que este proceda à respetiva manutenção e
rentabilização da forma que entender adequada. Guilherme reserva uma parte do monte
para fazer plantações agrícolas, comercializando os respetivos frutos e em fevereiro de
2010, cede outra parte a Hugo, para que este aí construa e explore um alojamento
destinado a turismo rural, o que não comunica a Francisco por considerar desnecessário.
Em março de 2021, Guilherme morre e Francisco vende o monte a Inês. Em maio do
mesmo ano, Inês muda-se para o monte e depara-se com a presença de Hugo, exigindo
que este abandone a propriedade, exibindo-lhe a escritura e o comprovativo do registo.
Hugo recusa-se, atendendo ao tempo decorrido entretanto, bem como ao montante por si
despendido na construção do alojamento.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
III (4 v.)
I
Em julho de 2010, Ana, proprietária de um terreno em Alcácer do Sal, decide
constituir, a favor de Bruno, um usufruto pelo período de 30 anos. Nos termos do
contrato, ficaria vedado a Bruno trespassar a sua posição jurídica a terceiros,
podendo, porém, alterar o aproveitamento económico do terreno, que era, à data,
utilizado para a cultura do arroz. Bruno, que tomou posse imediata do terreno,
procedeu à transformação do mesmo para a cultura da batata-doce, bem como à
oneração de uma parcela deste a Carlos pelo período do usufruto, ficando
estabelecido, contratualmente, que o contrato teria eficácia real.
Em fevereiro de 2021, após o falecimento de Ana, o seu legítimo herdeiro,
Daniel, envia uma carta a Bruno, declarando que o contrato era inválido tendo em
conta dois fundamentos: (i) falta de forma legalmente exigida, uma vez que o
contrato de usufruto tinha sido celebrado, unicamente, por escrito particular; (ii)
violação das regras imperativas do regime de usufruto. Bruno contradita, referindo a
que a falta de validade do contrato não se aplica no presente caso, dado que está há
muito tempo na posse do terreno. Adicionalmente, Bruno refere que a alteração
para a cultura da batata-doce foi prevista contratualmente e que tal não viola as
regras do usufruto, pois ficou estabelecido que, no final do contrato, Bruno colocaria
o terreno no estado em que se encontrava anteriormente.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
III
-Em primeiro lugar, as obrigações contidas no diploma não colidem com a tipicidade.
-Por seu turno, quanto ao morador, o dever de realizar e suportar o custo de obras
de conservação ordinária na habitação.
Tópicos de correção
I (10 valores)
Em fevereiro de 2010, Alberto e Bruno adquiriram por compra e venda um terreno
a Carlos, na região de Santarém. O facto jurídico aquisitivo foi devidamente registado.
Em janeiro de 2011 Bruno falece, fazendo com que Alberto assuma o controlo dos
negócios da quinta. Nos anos seguintes, Alberto procede à construção de dois casões
para armazenar máquinas agrícolas, bem como de uma piscina. Em janeiro de 2021,
Alberto é surpreendido por Daniel filho de Bruno, que reclama ser, igualmente,
possuidor e comproprietário do terreno, referindo que todos os atos práticos por Alberto
eram inválidos, pois não tiveram a sua anuência. Alberto contrapõe dizendo ter sido o
único a preocupar-se com o terreno desde a morte de Bruno, sendo que ao fim destes
anos será ele o único proprietário.
Responda, de forma fundamentada, às seguintes questões:
1) Caracterize a situação jurídica dos vários intervenientes na hipótese. (3 v)
- A junção de duas coisas corpóreas, cuja titularidade não pertence ao mesmo titular,
pode suscitar a questão da aquisição por acessão (forma de aquisição originária: artigos
1316.º e 1317.º, d)); in casu, a acessão industrial imobiliária (artigos 1339.º e seguintes);
referência aos requisitos.
- Não existindo autorização, a situação reportar-se, de qualquer forma, ao artigo 1341.º.
Em determinadas situações, a transformação, por um dos comproprietários, do terreno
comum, que diz respeito ao seu interesse exclusivo, sem autorização, pode implicar a
aplicação das regras da acessão; porém, como vimos, parece não ter existido inversão do
título da posse, pelo que as regras de acessão não se aplicariam, tendo em conta que a
titularidade pertence a ambos os sujeitos.
II (6 valores)
Alda, titular de uma unidade de alojamento, num empreendimento de turismo rural, no
Douro Vinhateiro, escreveu uma carta ao administrador daquela entidade, nos seguintes
termos:
a) Deixará de pagar a prestação periódica, no fim do mês de Dezembro de 2021, se até lá
não for reparada a canalização da cozinha do apartamento que utiliza durante o mês de
Setembro.
b) Como também é titular da unidade de alojamento contígua, declara ir abrir, de imediato,
uma porta de comunicação, entre os dois apartamentos, que funcionará durante cada
mês de Setembro.
c) Mais declara que, em 2022, irá viajar durante os meses de Agosto e de Setembro. Por
isso, pretende utilizar as unidades de alojamento em Outubro, por troca com o respectivo
usuário
d) Porque pondera a hipótese de alienar as duas unidades de alojamento em 2023, data
previsível do fim da construção da moradia que mandou edificar, a alguns quilómetros de
distância, vem, desde já, dar preferência, nos termos contratuais, declarando que as irá
transmitir a Bento, pelo preço global de X.
Quid Juris?
- Em primeiro lugar, haverá que discutir se estaremos perante um direito real. Em caso
positivo, qual?
- Na verdade, não basta a existência de uma unidade de alojamento, integrada num
empreendimento turístico para estarmos defronte de um direito real de habitação
periódica (Decreto-Lei nº 275/93 de 5 de Agosto, republicado pelo nº 37/2011 de 10 de
Março).
- Em segundo, será necessário ter em conta a especialidade do objecto, como decorre
dos artigos 4º e 5º.
-Se essas condições não estiverem reunidas, suscita-se a questão de uma posse relativa
ao DRHP, mas não da titularidade de um verdadeiro DRHP.
- Ou ainda da eventual existência de um direito real de condomínio, caso a unidade
estivesse em regime de propriedade horizontal.
- O pagamento da prestação é a principal obrigação do utente, constituindo uma
obrigação real ou um ónus real.
-A falta de pagamento das prestações também integra a alínea d) do artigo 46 do CPC,
nos termos do nº 2, do artigo 23º.
- Além de que a falta de pagamento da prestação periódica, permite uma oposição ao seu
exercício por parte do proprietário, nos termos do nº 3 do artigo 23º.
- Por conseguinte, não parece que a cessação de pagamento, por parte de A, seja
admissível.
-Se a ligação entre fracções é admissível no regime do direito de condomínio, não parece
admissível no DRHP, atento o teor do artigo 28º.
- Quanto à troca do período de utilização, cumpre saber se o período de tempo foi
determinado ou é determinável, em cada ano, de acordo com os números 2 e 3 do artigo
3º. Além da eventual existência de um acordo com o outro utente.
-Ao invés do direito de superfície o proprietário do empreendimento não goza do direito de
preferência na venda ou dação em cumprimento dos direitos parcelares de habitação
periódica. Aliás, como recorda Mónica Jardim, se esta matéria é omissa no diploma
actual, a anterior Decreto-Lei nº 130/89 regulava esta matéria no artigo 13º.
III (4 v.)
Tópicos de correção
I
Em janeiro de 2005, Ana e Bruno receberam de doação um pequeno iate
que se encontrava na marina de Portimão. Como Bruno se encontrava fora, Ana
utilizou sempre o iate a seu belo prazer, realizando, inclusive obras de restauro sem
qualquer autorização de Bruno. Em maio de 2021, Bruno envia uma carta a Ana,
sugerindo-lhe vender a “parte dele do iate”. Ana responde dizendo que, ao fim
destes anos, Bruno já não tem quaisquer direitos sobre o bem, sendo ela
proprietária exclusiva. Bruno, chateado com a situação, decide transmitir a sua
quota a Carlos, em troca de um BMW usado, não informando disso Ana.
II
Em março de 2005, Diana adquiriu um apartamento, que decidiu usar como espaço
de trabalho; porém, em fevereiro de 2010, é surpreendida com uma deliberação
aprovada no mês de janeiro transato em assembleia de condóminos, nos termos da
qual as frações apenas podem ser usadas para fins exclusivamente habitacionais.
Em junho de 2011, acaba por vender o apartamento a Emília, que de imediato se
instala com o seu marido Francisco, embora não proceda ao registo. Em janeiro de
2015, Francisco e Emília divorciam-se, ficando Francisco com o direito a
permanecer no apartamento. Em junho de 2021, Diana, tomando conhecimento que
o apartamento ainda se encontra inscrito no registo a seu favor, vende-o a
Guilherme, que de imediato o regista. Emília opõe-se a Guilherme dizendo ser a
proprietária do apartamento atento o decurso do tempo e a atitude pouco cordata de
Diana; enquanto Francisco afirma que, independentemente de quem seja o
proprietário, tem direito a viver no apartamento.
III
I / A)
I / A) 1. António apoderou-se, furtivamente, em 1980 de um conjunto de objetos de ouro
de Bento. Guardou-os numa gruta, situada numa ilha deserta, onde têm estado escondidos
e ocultos desde então. Na semana passada, foi buscá-los e trouxe-os para Lisboa passando
a exibi-los de forma totalmente pública. Apercebendo-se de onde estavam os seus bens,
Bento exige de imediato a António que proceda à respetiva entrega. António alega
usucapião para não ter de devolver. Tem razão?
• Não pode haver usucapião. Este resultado poderia ser alcançado com diversas
argumentações.
• A usucapião só poderia ser invocada se houver posse durante um período
estabelecido para o efeito. Neste caso, há um poder de facto ou controlo material
sobre a coisa. Mas haverá algum tipo de posse e será ela boa para usucapião?
Referência à necessidade de ideia publicidade como requisito e caraterística da
posse (artigos 1251.º, 1263.º/a) do Código Civil. Menção, porém, no artigo
1267.º/2 e 1297.º a uma posse oculta. Serão estes preceitos de aplicar ou não há
sequer aqui posse? É possível uma posse oculta? Se sim quais os efeitos?
• Possibilidade de referência à posição de Menezes Cordeiro: a posse pública é
definida, como tal, não por referência ao momento da sua constituição – como
sucede com a posse de boa ou de má fé ou com a posse violenta ou pacífica – mas,
antes de acordo com o modo por que é exercida, em contínuo. Seria esta a chave
do sistema: a posse pode passar de pública a oculta ou inversamente. Para se
constituir, a posse terá de ser cognoscível pelos interessados; pode, porém,
subsistir clandestinamente. Simplesmente, enquanto se mantiver neste último
estado, ela não é boa para usucapião: será uma mera posse interdital. Nesse
sentido parece apontar efetivamente o artigo 1297.º do CC. Em todo o caso, não
haveria usucapião. O tempo de publicidade não o permite, atendendo ao disposto
no artigo 1297.º.
• Possibilidade referência à posição defendida no curso acerca da posse oculta:
uma posse totalmente oculta desde o momento do início do controlo material
sobre a coisa não será verdadeira posse em sentido técnico jurídico. Segundo esta
perspetiva, a referência à posse oculta só se poderá entender se se tiver presente
o disposto no artigo 1267.º. Alusão à possibilidade de consideração, à luz deste
preceito, como posse oculta apenas da posse tomada ocultamente, mas que
entretanto se transformou em pública, desconhecendo contudo o antigo
possuidor, não obstante essa publicidade, a nova posse (esta posse é oponível a
terceiros, mas não ao esbulhado que mantém a sua posse). Esta posse oculta (que
é a tomada ocultamente mas, entretanto, tornada pública) não é oponível ao
esbulhado para efeitos de aplicação do prazo do artigo 1267.º/d) (cfr. artigo
1267.º/2) enquanto não for dele conhecida, mas por ter publicidade face a
terceiros é posse a partir do começo dessa publicidade (e só a partir dela) e torna-
se boa para usucapião a partir desse momento e só desse. Uma posse tomada
publicamente, mas que deixou de ter publicidade deixa de ser posse. Um controlo
material tomado ocultamente e mantido ocultamente também não é posse. Posse,
seja de que tipo for pressupõe sempre publicidade. A esta luz, mesmo perante o
artigo 1297.º, para se poder falar de uma posse tomada ocultamente, é necessário
que o controlo material tomado ocultamente já tenha dado lugar a um exercício
publico desse poder. Antes desse convolação do oculto em público não faz sentido
falar em posse, nem mesmo em posse tomada ocultamente. A referência a uma
posse tomada publicamente ou ocultamente pressupõe já o ato de nascimento
jurídico dessa posse.
I / A) 4. Abel alega que é o legítimo titular das gravuras. Quem tem razão?
• Classificação e efeitos posse de cada um dos respetivos sujeitos da hipótese: A e
B.
• Na hipótese estará em causa a eventual aquisição originária do direito real de
propriedade por usucapião, por parte de B. Menção dos requisitos.
• Responder negativamente à aquisição por usucapião por parte de B.
I / A) 5. Ana diz não o ter de devolver, alegando ter direito pelo “decurso do tempo”.
Quem tem razão?
• Classificação e efeitos posse de cada um dos respetivos sujeitos da hipótese: A e
B.
• A hipótese refere o “decurso do tempo”, logo estará em causa a eventual
aquisição originária do direito real de propriedade por usucapião por parte de
A. Menção dos requisitos.
• Responder negativamente à aquisição por usucapião por parte de A.
(5 valores)
I / B)
I / B) 1. António comprou a Bento três jarras de companhia das Índias. Ainda antes da
entrega das jarras, por Bento a António, elas são esbulhadas por Carlos. Quem é neste
caso o possuidor e que tipo de posse tem? Quem é que pode recorrer às ações possessórias
contra Carlos? António, Bento ou ambos?
• Classificação e efeitos posse de cada um dos respetivos sujeitos da hipótese: A, B
e C.
• Em especial, mencionar aquisição da posse de A: requisitos e querela doutrinária
neste ponto, mencionado a posição da Regência, que defende que a posse se
transmite solo consenso por constituto possessório (artigos 1263.º, c) e 1264.º),
nos mesmos termos que se dá a transmissão dos direitos reais (artigo 408.º); A é,
com efeito, possuidor das três jarras, mesmo não tendo o controlo material sobre
as coisas corpóreas (fenómeno de desmaterialização do corpus possessório, que
nos indica, claramente, que a posse é uma questão de direito).
• Em especial, referir que C adquiriu a posse por apossamento (artigo 1263.º/ a)),
referindo os respetivos requisitos, e que, sendo contra a vontade do atual
possuidor, constitui um esbulho material; havendo um esbulho, a posse do
esbulhado mantem-se por um ano (artigo 1267.º/ n.º 1, d)) (mais um caso de
desmaterialização do corpus possessório), podendo este intentar uma ação de
restituição da posse (artigo 1278.º, n.º 1).
• A pode, igualmente, intentar ação de reivindicação (artigo 1311.º), uma vez que
o direito real de propriedade se transmitiu por mero efeito do contrato (artigos
408.º, 874.º e 879.º).
• No que diz respeito a B, a admitir-se a transmissão da posse pelo constituto
possessório, este será detentor nos termos do direito de propriedade (artigo
1253.º, a)), só podendo reagir contra um ato de esbulho se for admitida a
presença de uma posse nos termos de um direito pessoal de gozo típico (como o
depósito) ou atípico, pois a sua posse interdital permitir-lhe-á intentar uma ação
de restituição da posse.
I / B) 2. Francisco doa a Nuno um telemóvel, o qual é furtado por Gonçalo, escassos
momentos antes da entrega a Nuno. Quem tem posse, quais as caraterísticas da posse e
quem pode utilizar ações para defesa da posse?
• Classificação e efeitos posse de cada um dos respetivos sujeitos da hipótese: F,
N e F.
• Em especial, mencionar aquisição da posse de N: requisitos e querela doutrinária
neste ponto, mencionado a posição da Regência, que defende que a posse se
transmite solo consenso por constituto possessório (artigos 1263.º, c) e 1264.º),
nos mesmos termos que se dá a transmissão dos direitos reais (artigo 408.º); A é,
com efeito, possuidor das três jarras, mesmo não tendo o controlo material sobre
as coisas corpóreas (fenómeno de desmaterialização do corpus possessório, que
nos indica, claramente, que a posse é uma questão de direito).
• Em especial, referir que G adquiriu a posse por apossamento (artigo 1263.º/ a)),
referindo os respetivos requisitos, e que, sendo contra a vontade do atual
possuidor, constitui um esbulho material; havendo um esbulho, a posse do
esbulhado mantem-se por um ano (artigo 1267.º/ n.º 1, d)) (mais um caso de
desmaterialização do corpus possessório), podendo este intentar uma ação de
restituição da posse (artigo 1278.º, n.º 1).
• N pode, igualmente, intentar ação de reivindicação (artigo 1311.º), uma vez que
o direito real de propriedade se transmitiu por mero efeito do contrato (artigos
408.º, 874.º e 879.º).
• No que diz respeito a F, a admitir-se a transmissão da posse pelo constituto
possessório, este será detentor nos termos do direito de propriedade (artigo
1253.º, a)), só podendo reagir contra um ato de esbulho se for admitida a
presença de uma posse nos termos de um direito pessoal de gozo típico (como o
depósito) ou atípico, pois a sua posse interdital permitir-lhe-á intentar uma ação
de restituição da posse.
I / B) 5. Aníbal comprou a Bruno dois quadros de Monet. Ainda antes da entrega dos
quadros, por Bruno a Aníbal, elas são esbulhadas por Carmen. Tendo em conta a
factualidade do caso, responda ao seguinte: i) quem é o possuidor; ii) qual o tipo de posse;
e iii) quem é que pode recorrer às ações possessórias contra Carmen?
• Classificação e efeitos da posse de cada um dos respetivos sujeitos da hipótese:
A, B e C.
• Em especial, mencionar aquisição da posse de A: requisitos e querela doutrinária
neste ponto, mencionado a posição da Regência, que defende que a posse se
transmite solo consensus por constituto possessório (artigos 1263.º, c) e 1264.º),
nos mesmos termos que se dá a transmissão dos direitos reais (v. artigo 408.º); A
é, com efeito, possuidor das três jarras, mesmo não tendo o controlo material
sobre as coisas corpóreas (fenómeno de desmaterialização do corpus
possessório, que nos indica, claramente, que a posse é uma questão de direito).
• Em especial, referir que C adquiriu a posse por apossamento (artigo 1263.º/ a)),
referindo os respetivos requisitos, e que, sendo contra a vontade do atual
possuidor, constitui um esbulho material; havendo um esbulho, a posse do
esbulhado mantem-se por um ano (artigo 1267.º/ n.º 1, d)) (mais um caso de
desmaterialização do corpus possessório), podendo este intentar uma ação de
restituição da posse (artigo 1278.º, n.º 1).
• A pode, igualmente, intentar ação de reivindicação (artigo 1311.º), uma vez que
o direito real de propriedade se transmitiu por mero efeito do contrato (artigos
408.º, 874.º e 879.º).
• No que diz respeito a B, a admitir-se a transmissão da posse por constituto
possessório, este será detentor nos termos do direito de propriedade (artigo
1253.º, a)), só podendo reagir contra um ato de esbulho se for admitida a
presença de uma posse nos termos de um direito pessoal de gozo típico (como o
depósito) ou atípico, pois a sua posse interdital permitir-lhe-á intentar uma ação
de restituição da posse.
(4 valores)
II
II 1. António, vendedor, celebrou um contrato de compra e venda de um terreno, que era
seu e que estava registado a seu favor, com Bento, comprador. Bento, por sua vez, vende-
o, dois anos mais tarde, a Carlos que regista a sua aquisição. Algum tempo depois vem-
se a apurar que o negócio entre António e Bento sofre de uma invalidade substancial.
António pretende recuperar o terreno e para isso interpõe uma ação destinada a obter a
declaração de invalidade da venda por ele efetuada e obtém ganho de causa. Mas Carlos
opõe-se dizendo nada ter de devolver uma vez que se deu uma aquisição tabular a seu
favor. Tem razão?
II 3. Aníbal, sob coação moral, vendeu uma moradia a Bernardo, que não registou a
aquisição. Dois anos depois, Bernardo vendeu a moradia a Carlota, que registou o
negócio. Anos mais tarde, Aníbal intenta com sucesso uma ação de declaração de
invalidade do negócio de compra e venda celebrado com Bernardo. Agora, Aníbal
pretende que Carlota lhe entregue a moradia, mas Carlota recusa-se, afirmando que a
Conservadora do Registo Predial lhe disse, aquando do registo da sua aquisição, que após
o registo a sua posição estava completamente salvaguardada para sempre. Terá razão?
III
III 1. António é tutor na FDL. No âmbito das suas atividades de tutoria António auxilia
o seu condiscípulo Bento que tem particulares dificuldades de aprendizagem em Direitos
Reais. Um dos aspetos em que Bento sente dificuldades prende-se com a noção e conceito
de direito real. Pede, por isso, a ajuda a António para que este explique o que se deve
entender por direito subjetivo real. Em especial, mas não só, Bento tem dificuldades em
perceber se ao direito real corresponde uma obrigação passiva universal, ou não, e o que
isso significa. Bento, também não percebe se o direito real é, ou não, um direito absoluto.
Se fosse o tutor o que diria?
III 2. Joaquim, estudante do dia de Direitos reais, segundo semestre, no ano letivo
2019/2020, é conhecido por todos os seus colegas da FDL como sendo uma pessoa
permanentemente disposta a aceitar desafios. Uma das coisas de que se gaba é de ter uma
memória de elefante. Depois de uma aula de Direitos reais em que é explicado o conceito
de direito subjetivo real, a ideia de obrigação passiva universal e a questão de saber se os
direitos reais são, ou não, absolutos Prudêncio, seu colega, decide desafiá-lo a dizer tudo
o que foi dito nessa aula. O que pensa deverá Joaquim dizer para superar o desafio?
III 3. Bernardino na noite anterior ao exame de Direitos Reais teve um sonho em que ele
aparecia numa oral a explicar aos examinadores o que se devia entender por obrigação
passiva universal no quadro dos direitos subjetivos reais e em que discorria ainda sobre a
própria ideia de direito subjetivo real. Nesse sonho, um dos examinadores enunciou a
Bernardino as caraterísticas dos direitos reais, mas não incluiu a absolutidade. Terá razão?
III 4. Albino está a escrever uns apontamentos destinados a servir de sebenta aos alunos
de Direitos reais. Está neste momento a escrever sobre o conceito de direito real. O que
pensa devia Albino escrever, de forma sucinta, sobre o direito subjetivo real, sobre se a
este corresponde uma obrigação passiva universal, ou não, sobre o que tal significa e no
que concerne à absolutidade dos direitos reais?
III 5. Ana é licenciada em Direito. Ana tem um primo, Norberto, que estuda Direito e
está de momento a preparar-se para o exame de Direitos reais. Em conversa, num almoço
de desconfinamento, começam a debater várias matérias que Norberto tem estudado.
Abordam questões como o que é um direito subjetivo real se lhe corresponde, ou não,
uma obrigação passiva universal e o que isso significa. Bruno, não entende, igualmente,
se o direito real é, ou não, um direito absoluto. O que pensa que Ana e Norberto terão
discutido?
III 6. Alexandre é aluno de Direito na Faculdade de Direito de Coimbra. Bernardo estuda
na Faculdade de Direito de Lisboa. Estando os dois juntos na Festa de aniversário de
Constança começam ambos a gabar a qualidade do ensino da respetivas Faculdades.
Perante os elogios que cada um fazia à sua instituição de ensino David lança-lhes um
desafio: cada um deles devia escrever o que sabia sobre o direito subjetivo real, sobre se
ele corresponde a uma obrigação passiva universal, e se ele é, ou não, um direito
absoluto”. No final ver-se-ia quem está melhor preparado. O que deverá escrever cada
um deles para superar o desafio?
(5 valores)
Alberto, em janeiro de 2002, dado não ter terreno para os seus cavalos, combinou com Bento a
utilização do terreno deste para apascentar os seus animais. O acordo entre Alberto e Bento foi selado
através de um contrato revisto por um advogado amigo de ambos. Em março de 2020, Bento chega
a acordo com Carlos, para a permuta deste seu terreno por um pequeno prédio T1 em Lisboa, tendo
o contrato sido celebrado por documento particular autenticado. Imediatamente após o acordo, Carlos
envia uma carta a Alberto, exigindo que o mesmo retire os cavalos do terreno. Alberto rejeita,
opondo o contrato celebrado com Bento.
Refira os problemas jurídico-reais envolvidos na hipótese, fundamentando a sua resposta. (5 v.)
- Referência ao acordo entre Alberto e Bento, como não tendo eficácia real (princípio da tipicidade,
absolutidade e causalidade e respetivos efeitos).
- Em especial, excluir aplicação do regime jurídico da servidão predial, que, apesar de constituir um
tipo aberto, tem como objeto o prédio serviente, e não qualquer tipo de aproveitamento
exclusivamente pessoal (rejeição da existência de servidões pessoais).
- Referência ao acordo entre Bento e Carlos como tendo eficácia real, para a constituição do direito
real de propriedade, apesar de o negócio ser atípico, pois não existe uma tipicidade de factos jurídicos
com eficácia real e não se aplicando a limitação prevista no art. 1378.º (aplicabilidade as normas
relativas à compra e venda (art 939.º). Mencionar princípio da consensualidade (art. 408.º, n.º 1) e
referência ainda à forma que foi respeitada (art. 875.º e art. 22.º, a), do Decreto-Lei n.º 116/2008, de
4 de julho).
- O contrato, com eficácia obrigacional, celebrado entre Alberto e Bento, com aquisição do terreno
por Carlos, extingue-se por impossibilidade absoluta superveniente, podendo Carlos opor o seu
direito a Alberto.
II
Em julho de 2020, quando se preparava para iniciar as suas férias na praia da rocha, ao passar junto
de um bar, Daniel identifica a sua mota Harley Davidson, que tinha sido furtada em outubro de 2019,
na zona de Santos, em Lisboa. A mota estava a ser utilizada por Ernesto, que se recusa a entregar a
mesma, referindo tê-la adquirido num stand em Setúbal.
Explique todas as questões jurídico-possessórias da hipótese. (4 v.)
- O furto corresponde a um esbulho material da coisa, tendo a posse sido adquirida através de
apossamento (art. 1263.º, a)).
- Referir que Daniel não perde o direito de propriedade e só perderá a posse se nova posse houver
durado por mais de um ano. In casu, tal não sucedeu, uma vez que só passaram 8 meses. Classificar
posse de Daniel.
- Quanto à possível ação de restituição (art. 1278.º, n.º 1), existe um problema de legitimidade passiva,
uma vez que Ernesto parece desconhecer o esbulho (art. 1281.º, n.º 2). Classificar posse de Ernesto.
- Daniel só poderia recorrer, assim, à ação de reivindicação (art. 1311.º), aplicando-se, contudo o art.
1301.º, i.e., seria obrigado a restituir o preço que o Ernesto tiver dado pela coisa, gozando, contudo,
do direito de regresso contra aquele que culposamente deu causa ao prejuízo.
III
Em julho de 1988, Francisca vendeu, por documento escrito, uma moradia sita em Oeiras a
Guilherme, que passou a habitá-la de imediato, sem que se tenha procedido ao registo predial do
negócio. Em 1994, Francisca doou o mesmo imóvel à sua sobrinha, Hélia, residente no Brasil, tendo
procedido ao respetivo registo. Em 2010, Guilherme vendeu a referida moradia a Igor por €200.000,
mediante documento particular autenticado. Na semana passada, Hélia retornou a Portugal e pretende
habitar a moradia, onde atualmente reside Igor, o qual recusa a entrega do imóvel, pois afirma “ter
tratado de todos os papéis do registo predial aquando da compra a Guilherme e não haver dúvidas
quanto a ser o proprietário”.
Poderá Igor ter razão? (5 v.)
- Venda de Francisca a Guilherme nula por não respeitar forma legalmente exigida (à data,
escritura pública, nos termos do art.º 875.º CC). Logo, não se deu o efeito transmissivo da propriedade.
- Aquisição da posse por Guilherme mediante tradição material do imóvel e concomitante
perda da posse por cedência de Francisca, nos termos dos artigos 1263.º, b) e 1267.º/1, c) CC
respetivamente.
- Classificação da posse de Guilherme: efetiva, formal, civil, pacífica (1261.º/1 CC), pública
(1262.º CC), não titulada (1259.º/1, parte final CC) e presumindo-se de má fé (1260.º/2 CC; tratando-
se de presunção ilidível, no caso, poderia considerar-se de boa fé).
- Transmissão do direito de propriedade a Hélia por doação, a qual deverá ter sido realizada
mediante escritura pública nos termos do art.º 947.º (redação vigente à data).
- Venda a Igor: o negócio respeita a forma legalmente exigida prevista no art.º 875.º CC desde
a entrada em vigor do DL 116/2008 (art.º 22.º, a) em conjugação com o art.º 36.º/3 do referido DL);
trata-se, porém, de uma venda de bem alheio, a qual padece de nulidade nos termos do art.º 892.º CC,
salvo se Guilherme tivesse invocada a usucapião, nos termos do art.º 303.º CC ex vi art.º 1292.º CC
o que poderia fazer desde julho de 2003, aquando da completude do prazo de 15 anos previsto no art.º
1296.º CC. Tendo em conta a afirmação de Igor de que “tratou de todos os papéis aquando da compra
a Guilherme” parece que terá sido realizado o processo de justificação, nos termos dos artigos 116.º
e ss. CRPr, tendo a usucapião sido assim invocada e o bem inscrito a favor de Igor enquanto
comprador do adquirente por usucapião Guilherme. Considerando que o efeito do registo no caso da
aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre um imóvel consiste num efeito (meramente)
enunciativo, esse facto aquisitivo é oponível erga omnes, afastando-se a eventual proteção de um
terceiro (usucapio contra tabulas). No caso, Hélia não alienou a nenhum terceiro, pelo que a questão
é de ainda mais fácil resolução, prevalecendo a aquisição por usucapião de Guilherme e posterior
venda a Igor sobre a posição de Hélia. Valorização à eventual referência à discussão quanto à natureza
da posição de Hélia: extinção do seu direito (Oliveira Ascensão) ou (mera) não oponibilidade perante
a usucapião de Guilherme (Menezes Cordeiro).
IV
“A lei portuguesa inspirou-se na doutrina subjetivista de Savigni, defendendo a maioria da Doutrina
e a Jurisprudência essa solução. Na verdade, o art. 1253º, al. a) e c) introduzem no âmbito
da detenção o exercício do poder de facto sem intenção de agir como beneficiário do direito, e
o exercício da posse em nome alheio, o que corresponde à exigência do animus domini para
caracterizar a posse, qualificando como detenção os casos em que não se tem intenção de possuir a
coisa, designadamente quando a intenção é de a possuir para outrem (nomine alieno) o que
corresponde à formulação subjectivista. A lei, ao distinguir-se posse de mera detenção envereda pela
conceção subjetivista de posse, embora se apresente, contudo, a estender a tutela possessória a
alguns casos de posse precária, ou seja, em que não há animus possidendi (...)” (Ac. Trib. Rel.
Guimarães de 16.11.2017, proc.º n.º 1759/14.3T8CHV.G1, negritos no original).
Concorda com o Tribunal da Relação de Guimarães? Responda fundadamente. (5 v.)
I
António, proprietário de um imóvel em Lisboa, celebra, no dia 08.08.2019, um
contrato com Bento, através do qual o primeiro transmitia ao segundo o direito
de propriedade sobre o imóvel e Bento transmitia a António um usufruto sobre
um apartamento. Bento, por incúria do notário onde a escritura pública havia sido
lavrado, não vê registado o seu facto aquisitivo.
Entretanto, António é penhorado, sendo o seu direito de propriedade vendido em
venda executiva a Carlos. Carlos registou o seu facto aquisitivo no dia
09.08.2020.
Bento, no dia 01.09.2020, dirige-se à Conservatória do Registo Predial de
Lisboa, para pedir uma certidão predial do imóvel de Lisboa, deparando-se com
a inscrição do direito a favor de Carlos.
Vendo o sucedido, Bento pretende reagir, uma vez que havia celebrado negócio
válido com António.
Quid iuris?
Tópicos de correção
Celebração entre A e B de um contrato de permuta, enquanto contrato oneroso
translativo de direitos reais. Cumprimento da forma legalmente prevista para o
negócio jurídico em causa (artigo 875.º do CC). Referência à transmissão do
direito real de propriedade a favor de B, por mero efeito do contrato (artigos
408.º/1 e 879.º a) inerente ao nosso sistema do título e consequentes princípios
da consensualidade e da causalidade.
Facto aquisitivo de B sujeito a registo de acordo com o artigo 2.º/1 a), do CRP,
no prazo de 60 dias (artigos 8.ºA/1, al. a) e artigo 8.ºC/1.
Violação pelo notário da obrigação de promover o registo (artigo 8.ºB/1 e
subsequente responsabilidade civil e disciplinar sua).
Discussão sobre a eventual aquisição tabular de C, atendendo à letra do artigo
5.º/4 do CRP, e dependendo da doutrina que se defenda a propósito da natureza
jurídica da venda executiva. Tomada de posição fundamentada sobre as
posições de B e C, de acordo com a posição seguida.
II
Abel, proprietário de um prédio rústico, pretende intentar ação de reivindicação
contra Bento, exigindo a entrega de um terreno em Serpa.
Abel pede ainda ao seu advogado que em tal ação real seja cumulado um pedido
de demarcação de tal terreno.
Entretanto, Abel constitui a favor de Camilo um usufruto vitalício, sendo previsto
no título constitutivo que Abel poderia continuar a gozar o imóvel conjuntamente
com Camilo e apenas Abel o poderia arrendar a terceiros. Camilo aliena o seu
direito real menor a Dário, que toma posse do imóvel, exigindo a retirada
imediata de Abel do mesmo, que recusa.
Quid iuris?
Tópicos de correção
III.
Em março de 2000, Francisco acordou com Guilherme arrendar-lhe um
apartamento em Faro por 30 anos, por uma renda mensal de 3000 €. Em abril
de 2010, a braços com dificuldades financeiras, Guilherme deixa de pagar as
rendas. Por amizade, Francisco foi tolerando a situação, não exigindo quaisquer
montantes em falta. Em maio de 2020, Francisco recebe uma carta de
Guilherme, que reclama ter adquiridos direitos pelo facto de Francisco ter
abandonado o prédio.
Refira os problemas jurídico-possessórios envolvidos na hipótese,
fundamentando a sua resposta.
Tópicos de correção
IV
Ana era proprietária de uma quinta em Fafe, onde tinha um pequeno pomar.
Como só conseguia ir à quinta de 2 em 2 meses, Ana decidiu constituir um
usufruto com duração de 15 anos, em maio de 2010, a favor de Bento, tendo o
negócio sido celebrado por documento particular autenticado. Bento
transformou, de imediato, o pomar num pessegal, comprometendo-se, porém,
com a sua restituição à forma anterior, quando o seu direito terminasse. Em
2019, Bento vem a falecer num acidente. Carlos, seu filho, já veio dizer que lhe
irá suceder na exploração do pessegal. Explique todas as questões jurídico-reais
da hipótese.
Tópicos de correção
i. Caracterização do contrato de usufruto celebrado entre A e B (artigos 1439.º e
ss., do CC), em especial, os direitos do nu proprietário e do usufrutuário; referir
que foi cumprida a forma legalmente exigida (artigos 875.º e 939.º, do CC e artigo
22.º, a), do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04 de julho).
ii. No que diz respeito à transformação levada a cabo por B, discutir a sua
admissibilidade tendo em conta os limites negativos do usufruto (artigos 1439.º,
1446.º e 1306.º, do CC), expondo as diversas posições doutrinárias a este
respeito, bem com a discussão sobre a eventual supletividade deste regime
(artigo 1445.º, do CC). Em especial, discutir se a circunstância de o usufrutuário
se comprometer a restituir a coisa à sua forma anterior, tem relevância para a
resposta a esta questão.
iii. Quanto à posição jurídica de C, sendo um usufruto constituído por um
determinado prazo, C sucede na posição jurídica de B.
I.
a) A, nu proprietário, assumiu perante M, dono do prédio vizinho, a obrigação de
não serem feitas construções no prédio sobre o qual recai o usufruto, compromisso esse
que à primeira vista não seria possível, tendo em conta o artigo 1460º nº 2 parte final
que diz que “o proprietário não pode constituir servidões sem consentimento do
usufrutuário, desde que delas resulte diminuição do valor do usufruto”.
Porém, há que ter presente que no caso em análise o prédio objeto do usufruto é um
terreno de cultivo, não parecendo haver fundamento para os usufrutuários se poderem
arrogar, hipoteticamente, o direito de construir no terreno, tendo em conta o disposto
nos artigos 1439º, 1446º e 1450 nº 1, segundo os quais os usufrutuários não podem
alterar a forma e a substância da coisa, nem alterar o seu destino económico.
Assim sendo, se se entender que no presente caso aquele concreto direito de usufruto
não confere aos seus titulares o direito de construir no terreno, então uma servidão de
não edificação nunca iria implicar diminuição do valor do usufruto.
b) Essa servidão de não edificação é uma servidão voluntária (porque M não tinha
o direito potestativo de a constituir contra a vontade dos titulares do prédio serviente),
passiva (porque onera o prédio sobre o qual recai o usufruto), negativa (porque impõe
uma obrigação de non facere aos titulares do prédio serviente) e não aparente (porque
não se revela por sinais visíveis e permanentes).
c) B podia doar livremente a sua quota de usufruto a E, nos termos do artigo 1444º
nº 1.
Resulta dos princípios gerais e é entendimento unânime da doutrina que, salvo
disposição da lei em contrário, os contratos celebrados pelo usufrutuário só persistem
enquanto o usufruto durar e que a transmissão deste não liberta o usufruto do termo
final ditado pela morte do trespassante.
Assim sendo, se B morrer antes de E, o direito deste último extingue-se, revertendo a
sua quota no usufruto para os demais usufrutuários (C e D), por força do direito de
acrescer previsto no artigo 1442º.
Caso seja E (cessionário) a morrer antes de B (cedente), a doutrina está dividida.
O entendimento largamente dominante é que a quota desse usufrutuário adquirente
falecido não irá acrescer às quotas de C e D, entrando na sucessão de E e transmitindo-
se aos herdeiros deste, não se aplicando pois, atendendo ao facto de o usufrutuário
1
originário (B) continuar vivo, os artigos 1443º e 1476º nº 1 alínea a) que dizem que o
usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário e que se extingue com a morte deste.
Há no entanto uma posição muito minoritária, defendida por Luís Carvalho Fernandes,
que considera que também neste caso serão aplicáveis os artigos 1443º e 1476º nº 1
alínea a), revertendo imediatamente a quota de E no usufruto, por ocasião da morte
deste, para os demais usufrutuários (C e D), por força do direito de acrescer previsto no
artigo 1442º.
II.
A tinha uma posse causal do quadro e celebrou em 2010 um contrato de comodato com
B. A continuou a ter posse nos termos de propriedade, exercendo a sua posse através
de B, o qual se tornou detentor nos termos de propriedade, tendo também B uma posse
interdital em termos de comodato (vide artigos 1252º nº 1, 1253º alínea c) e 1133º nº 2).
Posteriormente, mantendo-se o quadro em poder de B, A vendeu-o a C em 2011, o qual
adquiriu a propriedade por compra e a posse por constituto possessório, nos termos do
artigo 1264º nº 2.
Em Novembro de 2012, ao furtar o quadro, D procedeu a um esbulho, tendo adquirido
posse nos termos do artigo 1263º alínea a), sendo a sua posse oculta nos termos do
artigo 1262º a contrario sensu, visto ele ter mantido o quadro escondido em sua casa.
Em Março de 2016, D vendeu o quadro a H, sendo tal venda nula nos termos do artigo
892º, não tendo H adquirido a propriedade.
Todavia, H adquiriu a posse por tradição, nos termos do artigo 1263º alínea b). Não
sabemos se a posse de H é de boa ou má fé (vide artigo 1260º nº 1), apesar de se
presumir de boa fé visto ser titulada (vide artigos 1259º e 1260º nº 2), mas em qualquer
dos casos H não adquiriu a propriedade do quadro por usucapião.
3
Com efeito, se H tiver uma posse de má fé, o prazo para a aquisição por usucapião seria
de 6 anos, nos termos do artigo 1299º parte final, sendo certo que H só adquiriu a sua
posse em Março de 2016, ou seja, há pouco mais de 3 anos.
Saliente-se que, no presente caso, H nunca poderia invocar o artigo 1256º sobre
acessão da posse e juntar a sua posse de 3 anos e 3 meses à posse de 3 anos e 4
meses de D, visto a posse deste ser uma posse oculta que, por força do artigo 1300º,
não é boa para usucapião.
Mesmo que H tenha eventualmente uma posse de boa fé, também não poderá invocar
a usucapião, visto que nessa eventualidade não seria aplicável o prazo regra de 3 anos
previsto no artigo 1299º parte inicial, mas sim o prazo excecional de 4 anos previsto no
artigo 1300º nº 2.
Com efeito, a posse foi transmitida a H por alguém (D) que possuía o quadro
ocultamente, não tendo ainda decorrido 4 anos desde Março de 2016, data da aquisição
da posse titulada por parte de H.
Quanto ao argumento de H de que teria sempre direito a reter o quadro até ser
indemnizado pelo preço que pagou, tal só será verdade se H tiver comprado o quadro
de boa fé, visto que nessa eventualidade se aplicaria o artigo 1301º, em virtude de o
vendedor (D) ser dono de uma galeria de arte, ou seja, um comerciante que negoceia
em coisa do mesmo ou semelhante género.
Resulta do exposto que C ainda é na presente data (Junho de 2019) o legítimo
proprietário do quadro, podendo intentar uma ação de reivindicação contra H, nos
termos do artigo 1311º, sem prejuízo do que ficou dito acerca da eventual aplicabilidade
do artigo 1301º.
Tendo em conta que a posse de D se constituiu ocultamente em 2012 e se manteve
oculta, tendo depois sido transmitida a H também sem conhecimento de C, é de
entender que não se aplica a alínea d) do nº 1 do artigo 1267º, mas sim o seu nº 2, ainda
tendo C posse em Junho de 2019, o que lhe permite também intentar contra H uma
ação de restituição da posse, nos termos dos artigos 1278º e 1281º, exceto se a posse
de H for de boa fé (vide artigo 1281º nº 2).
Quanto ao conflito entre C e B, mesmo que se entenda que o direito do comodatário (B)
não se extinguiu por impossibilidade de cumprimento aquando da venda feita por A a C
(Menezes Cordeiro entende que sim), o direito real de gozo de C prevaleceria sempre
sobre o direito pessoal de gozo de B, o qual tem natureza obrigacional, não sendo o
contrato de comodato celebrado entre A e B oponível ao novo proprietário C.
4
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2018/2019
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A-Dia
Exame escrito – Coincidências (duração: 120 minutos)
1 de julho de 2019/Professor Doutor Pedro de Albuquerque
TÓPICOS DE CORREÇÃO1
II
Constituição de usufruto vitalício (arts. 1433.º e ss., em especial, art. 1443.º); Estava em
causa os limites negativos do usufruto, nomeadamente, a alteração da forma ou
substância (art. 1439.º) e o destino económico da coisa. In casu, estava em causa a
alteração do destino económico da coisa (art. 1446.º), que deveria ser aferido à data da
constituição do usufruto. Referir discussão sobre a natureza imperativa ou supletiva das
normas em causa, bem como do critério subjetivo ou objetivo quanto à aferição destes
limites. Fundamentar quais seriam as consequências da conduta levada a cabo por
Bruno, em especial, se poderia configurar uma hipótese de mau uso nos termos do art.
1482.º.
1
Poderão ser considerados outros elementos que se revelem pertinentes para a correcta resolução das
questões colocadas.
III
1. Ana não poderá fazê-lo. Uma vez que a colocação do canteiro de flores será na parte
exterior do prédio, esta conduta cai, assim, na proibição do art. 1422.º, n.º 3. Teria, para
o efeito, de obter prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por
maioria de dois terços do valor total do prédio.
2. De referir que nos termos do art. 1421.º, n.º 1, c), as escadas são partes comuns do
edifício. No que respeita aos elevadores, estes presumem-se comuns (art. 1421.º, n.º 2,
b)). Desta feita, não havendo quaisquer outros elementos que descaracterizem a
situação, ambas as partes referidas são ou presumem-se comuns. Nos termos do art.
1424.º, n.º 1, salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e
fruição das partes comuns do edifício são pagas pelos condóminos em proporção do
valor das suas frações. Contudo, no presente caso Ana poderá ter razão, com relação
aos encargos das duas partes referidas, nomeadamente, pela não aplicação do princípio
da proporcionalidade presente no n.º 1, do art. 1424.º. Desde logo, nos termos do art.
1424.º, n.º 3, as despesas relativas aos diversos lanços de escada ou às partes comuns do
prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo daqueles que
delas se servem, excluindo assim Ana do encargo com a despesa desta parte do edifício.
Adicionalmente, nos termos do art. 1424.º, n.º 4, nas despesas com os elevadores só
deverão participar os condóminos cujas frações possam por eles ser servidos. Contudo,
deverá ser problematizada a questão, pelo facto de a hipótese se referir apenas ao facto
de a Ana, eventualmente, não usar, mas poder fazê-lo. Ou seja, se tiver acesso aquelas
escadas ou elevadores, Ana deverá pagar os encargos respetivos, pois o que releva é a
possibilidade de utilização e não o seu uso efetivo.
Ana poderá reagir contra as decisões da Assembleia de Condóminos. De acordo com
art. 1433.º, n.º 1, as deliberações contrárias à lei, título constitutivo ou regulamento
aprovado são anuláveis. Contudo, este artigo aplica-se apenas às deliberações onde a
Assembleia tem competência. Nas matérias onde a Assembleia não tem competência,
v.g., deliberação sobre a fração autónoma, a deliberação é nula. Referir a forma de
impugnação das deliberações anuláveis (art. 1433.º, 2 a 6), nomeadamente, a questão da
legitimidade - que estava preenchida no presente caso; menção à tripla alternativa do
condómino que se ache prejudicado com a deliberação, i.e., pedir ao administrador para,
no prazo de 10 dias contados da deliberação, ou contados da sua comunicação caso o
condómino esteja ausente, a convocação da assembleia extraordinária com o objetivo de
deliberar a revogação da deliberação (art. 1433.º, n.º 2); sujeitar a deliberação a um
centro de arbitragem, no prazo de 30 dias a contar da deliberação (art. 1433.º, n.º 3);
propor ação de anulação no prazo de 20 dias contados da deliberação da assembleia
extraordinária se ela teve lugar ou, se ela não tiver sido solicitada, no prazo de 60 dias
(art. 1433.º, n.º 4). Para além da anulação, poderá ainda ser requerida a suspensão da
deliberação (art. 1433.º, n.º 5).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2018/2019
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame Escrito - Recurso (duração: 120 minutos)
23 de julho de 2019/Professor Doutor Pedro de Albuquerque
Grupo I
1.
Arlete:
Titular do direito real de propriedade, possuidora nos termos da propriedade, causal, civil, efetiva,
titulada, de boa fé e pacífica.
Transmite o seu direito a Bjorg, através de contrato de compra e venda. Opera uma transmissão
da posse por constituto possessório, devendo ser abordada a questão dos seus requisitos. Arlete
passa assim a detentora nos termos do 1253, al. a.
Com a constituição do usufruto a favor de Carlota opera uma inversão do título da posse, passando
Arlete a exteriorizar posse, nos termos do direito de propriedade. A posse é formal, civil, efetiva,
não titulada e de má-fé.
Bjorg:
Adquire o direito de propriedade por um contrato de compra/venda; adquire a posse nos termos
da propriedade através de constituto possessório. A sua posse é causa, civil, não efetiva, titulada,
de boa fé e pacífica.
Não regista, violação do princípio da obrigatoriedade art. 8.º-B do CRP, sendo valorizado a
referência a quem são os seus destinatários e quais as consequências associadas à sua violação.
Em especial, não beneficiar do efeito consolidativo do registo.
Beneficia da tutela conferida pelas ações possessórias (1278.º) e pela ação de reivindicação
(1311.º)
Carlota
Não adquire o usufruto por força do contrato uma vez que Arlete não era titular do direito de
propriedade, art. 892.º do CC ex vi 839.º do CC.
Adquire a posse através de traditio simbólica, nos termos do direito de usufruto. A posse é formal,
civil, efetiva, não titulada e de má-fé (face a informação constante do último parágrafo).
Deve ser levantada a questão do prazo supletivo do usufruto, aplicação analógica do prazo de 30
anos, ou do usufruto vitalício, art. 1443.º, consoante a posição adotada.
Quanto ao registo, identificar um caso de incompatibilidade relativa entre o direito de propriedade
de Bjorg e o putativo direito de usufruto de Carlota. Identificar um caso de dupla disposição, nos
termos do art. 5.º do CRP, sendo Carlota, terceira nos termos do art. 5.º, n.º 4 do CRP.
Distinguir as situações de incompatibilidade absoluta, de incompatibilidade relativa (oneração),
qualificando o caso como uma situação de incompatibilidade relativa.
Verificar os requisitos da aquisição tabular constantes do preceito, incluindo a boa fé do terceiro
e a onerosidade por interpretação sistemática dos demais casos de aquisição tabular. Discutir esta
questão. Concluir pela não aplicação por Carlota estar de má fé.
Quanto às festas, identificar uma questão de relações de vizinhança, aplicação analógica do art.
1346.º aos outros direitos reais de gozo. Identificar os requisitos e concluir pela sua aplicação.
Abordando as questões interpretativas suscitadas por este preceito: o carácter cumulativo, ou não
dos seus requisitos; o que se entende por prédio vizinho
Em adição, será valorizado uma referência à questão dos limites negativos do usufruto,
nomeadamente a interpretação dos conceitos de: forma; substancia e destino económico (arts.
1439 e 1446). Concluir pela sua violação, e referir as consequências que advêm, em abstrato, da
sua violação
Quantos às dívidas ao condomínio, identificar a obrigação como uma obrigação proter rem, a ser
suportada pelo usufrutuário. No entanto, uma vez que Carlota não chegou a adquirir o direito de
usufruto não teria de as suportar. Como tal, deve ser abordada a questão da sua ambulatoriedade,
referindo as diversas opiniões sobre o assunto, devendo concluir, de acordo com a posição
assumida, quem as suportaria, Arlete ou Bjorg, e em que medida.
2.
Enquadramento: Constituição de um direito de superfície nos termos do art. 1524.º e ss, sobre
metade de um prédio rural (derrogação do princípio da especialidade). Referir também a ratio do
regime do direito de superfície, o afastamento do regime da acessão, (1325.º e ss). Prazo de 30
anos, não tendo sido estabelecido qualquer preço, art. 1530.º e 1531º.
Com a passagem do prazo identificar a causa de extinção do direito de superfície, art. 1536.º, n.º
1, c); art. 1538.º
Quanto à indemnização: suscitar a aplicação do regime supletivo do art. 1538.º, n.º 2, fazendo
remissão para o regime do enriquecimento sem causa, arts. 473 e ss.
Quanto à utilização do terreno: aplicar o art. 1532.º. Arlindo mantém o gozo do todo o seu
terreno enquanto Benedito não iniciar as obras. Como tal, não haveria qualquer título
indemnizatório, uma vez que não são indicados factos que levem à conclusão de que o gozo de
Arlindo dificultou a construção.
Também, afastar a possibilidade de extinção por não uso, art. 1536.º, n.º 1, a), por não ter
decorrido o prazo de 10 anos
Quanto à construção do restaurante: identificar um caso de superfície de sobrelevação, art.
1526.º do CC.
Explicar a interpretação feita pela doutrina do artigo., nomeadamente, nos casos em que o prédio
não está sujeito ao regime da propriedade horizontal. Neste sentido, a figura da superfície de
sobrelevação é aplicável independentemente dessa circunstância e podendo o prédio ficar sujeito
ao regime de compropriedade ou de propriedade singular, se as construções foram independentes,
correspondendo este caso à segunda hipótese.
Consequentemente, identificar a constituição de um novo direito de superfície a favor de Castro,
independente do constituído entre Arlindo e Benedito, sujeito ao limite do art. 1539.º
No entanto, a falta de autorização por parte de Arlindo, uma vez que o título apenas permitiria a
construção de balneários, torna este acordo ilícito, gerando a nulidade do mesmo. O que teria
como consequência a sujeição da construção ao regime da acessão industrial imobiliária, de boa
fé, art. 1340.º
Quanto à estrada: identificar uma servidão de passagem aparente. Ponderar a possibilidade de
ser um prédio encravado, art. 1550.º, caracterizando-a como uma servidão legal, com previsão,
no âmbito do regime do direito de superfície, art. 1529.º (n.º 2 no caso concreto). No entanto, não
havia informações que permitissem concluir pelo preenchimento da previsão destes preceitos.
Em adição, dever ser tido em conta o limite nemini res sua servit, as servidões impõem que os
proprietários dos prédios sejam diferentes, e a sua conjugação com o caso concreto.
Neste sentido, seriam valorizadas duas linhas de raciocínio, por um lado a aquisição de uma
servidão de passagem, do prédio de A sobre o de B, por usucapião, face ao tempo já passado. Por
outro, uma aplicação analógica do regime da constituição por destinação do pai de família.
Assim:
1. Recorrendo ao regime da usucapião, Benedito, ao contruir uma estrada pelo seu terreno que
liga o campo à via público, passa a possuidor nos termos de uma servidão de passagem a favor
do prédio de Arlindo, que exerce durante 28 anos. No entanto, esta solução encontra um
obstáculo, a necessidade de haver uma acessão da posse, art. 1256.º, permitindo a Arlindo invocar
a usucapião, que operará contra quem na posse se acedeu, o que não é possível. Como tal, esta
solução não deveria ser seguida.
2. Solucionar o caso através da aplicação analógica da destinação do Pai de Família, art. 1549.º,
De facto, Benedito não era proprietário do prédio de Arlindo, mas gozava de uma situação em
tudo análoga, para efeitos deste regime. Como tal, na ausência de estipulação a servidão dever-
se-ia manter a servidão não podendo este murar o seu terreno bloqueando a estrada.
Grupo II
I
Identificar ambos os regimes, referindo a desconformidade registal subjacente a ambos. No
primeiro caso uma nulidade registal, nos termos do art. 16.º do CRP, no segundo uma nulidade
substantiva.
Em adição, identificar a diferença de regime, quanto ao prazo constante do art, 291 do CC de três
anos, prazo este que é aplicado analogicamente por parte da doutrina aos casos do art. 17.º, n.º 2,
incluindo a Regência. Demonstrar espírito crítico quanto à solução legal, referindo se se justifica
a diferença de tratamento (sendo valorizado a referência à interpretação feita pelo Professor
Menezes Cordeiro do artigo 291.º do CC, que difere da maior parte da doutrina)
Em adição, referir a possibilidade de sobreposição de ambas as figuras, definindo um critério de
resolução de conflitos.
II
Identificar a posse interdital como a posse referente aos direitos pessoais de gozo e alguns direitos
reais de garantia. Referir quais os direitos reias de garantia que conferem posse interdital,
justificando o critério utilizado.
Identificar quais as consequências da posse interdital., aquilo que o Professor Oliveira Ascensão
define como o núcleo da posse. Principalmente, a tutela através do recurso às ações possessórias,
presunção de titularidade, direito a indemnização por violação da posse, mas, a exclusão do direito
à usucapião.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2018/2019
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame Escrito – Recurso - Coincidências (duração: 2h)
29 de julho de 2019/Professor Doutor Pedro de Albuquerque
Tópicos de Correção1
I (8 valores)
a) António: Qualificação como proprietário, tendo adquirido o direito real através de
sucessão por morte (art. 1316.º e 1317.º, b), do CC); qualificação da posse de António,
adquirida nos termos do art. 1255.º (em princípio, posse causal, titulada, de boa-fé,
efetiva, civil, pacífica e pública); pelo facto de a propriedade estar onerada com um
usufruto, António é nu proprietário, estando, por isso, impedido de gozar a coisa,
restando-lhe apenas o poder de disposição e algum aproveitamento residual não atribuído
ao usufruto.
A comunicação de António à Câmara Municipal demonstra uma vontade de renúncia
abdicativa (tácita) de António relativamente ao direito real de propriedade; discussão
sobre a sua admissibilidade, uma vez que a renúncia não se encontra prevista
relativamente a todos os direitos reais, mas apenas em relação a alguns direitos reais de
gozo - o direito de usufruto, a servidão ou o uso e habitação e de superfície - e de garantia;
ainda que se partilhe a tese da admissibilidade da renúncia ao direito de propriedade, in
casu, a mesma não seria eficaz, pois não foi respeitada a forma ditada pela alínea a) do
artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho: escritura pública ou documento
particular autenticado; adicionalmente, sendo a renúncia eventualmente admitida, esta
não implicaria a extinção do usufruto e da servidão predial, sendo que, quem passasse a
ser o titular do direito de propriedade sobre a coisa – no caso, por se tratar de coisa imóvel,
o Estado (art. 1345.º, do CC) - ficaria onerado com estes mesmos direitos reais;
finalmente, independentemente da resposta à questão anterior, o comportamento de
António implicaria, pelo menos, a extinção da posse por abandono (art. 1267.º, n.º 1, a),
do CC).
b) Bela: Qualificação do direito real de usufruto (artigos 1439.º e ss., do CC), que foi
adquirido por contrato (art. 1440.º); o usufruto é vitalício, isto é, foi constituído pelo
tempo de vida do usufrutuário (art. 1443.º)
A atuação de António, o proprietário, relativamente a Bela, a usufrutuária, traduziu-se
numa oposição ao gozo da coisa objeto do usufruto, concretizada num desapossamento
através da substituição das fechaduras que dão acesso ao controlo da quinta. Questionar,
assim, se estamos perante um caso usucapio libertatis artigo 1574.º, do CC. Ou seja, a
oposição do proprietário do prédio serviente ao exercício da servidão pelo proprietário do
prédio dominante, mantida por certo período de tempo – calculado nos termos da duração
da posse para efeitos de usucapião (artigo 1574.º, n.º 2, do CC) -, pode conduzir à extinção
do direito real menor onerador, sendo que, apesar de ser uma causa de extinção prevista
1
Poderão ser considerados outros elementos que se revelem pertinentes para a correta resolução das
questões colocadas.
apenas para a servidão predial, poder-se-á aplicar o facto extintivo para os restantes
direitos reais de gozo menores; os requisitos seriam os seguintes: oposição do titular do
direito real maior, decurso do prazo e invocação pelo beneficiário; in casu, apesar de
existir uma oposição de António ao gozo de Bela, não estaria preenchido o decurso do
prazo legal necessário para a usucapio libertatis ser eficaz (arts. 1594.º, n.º 2, e 1294.º,
al. b), do CC), nem existiu invocação pelo respetivo beneficiário (arts. 303.º conjugado
com o artigo 1292.º, ambos CC); com efeito, o direito de usufruto não se encontrava
extinto, podendo Bela intentar uma ação de reivindicação (art. 1311.º conjugado com o
art. 1315.º, ambos do CC).
c) Carlos: Qualificação do direito real de servidão predial (arts. 1543.º e ss. do CC), que
consiste numa servidão de passagem; discutir se estaria em causa a extinção da servidão
predial por não uso (art. 1569.º, n.º 1, b), do CC), pois, uma vez que a servidão deixou de
ser utilizada por Carlos antes de 1999, confirmando-se, em 2019, que a servidão não foi
utilizada durante 20 anos - contados a partir do momento em que a mesma deixou de ser
utilizada, qualquer que seja o motivo para o seu não uso (arts. 1569.º, n.º 1, al. b), e 1570.º,
n.º 1, ambos do CC) -, poderíamos estar perante uma causa de extinção da servidão;
poder-se-ia dar ainda a hipótese de extinção da servidão predial por desnecessidade, no
caso de estarmos perante uma servidão coativa (arts. 1547.º, n.º 2 e 1550.º, ambos do CC),
uma vez que só estas se poderão extinguir por desnecessidade (art. 1569.º, n.º 3, 1.ª parte,
do CC), em virtude da construção de uma comunicação com a via pública pelo prédio
dominante, de que resultou a perda de qualquer utilidade para a sua subsistência.
II (6 valores)
Admissibilidade do trespasse de usufruto (art. 1444.º, n.º 1, do CC); fundamentar
aplicação do art. 1346.º, do CC, devido ao ruído e ao cheiro; apesar de mencionar
proprietário, aplica-se igualmente ao usufrutuário; menção dos requisitos exigidos –
prejuízo substancial para o uso do imóvel e que não resultem da utilização normal do
prédio de que emanam - que não são cumulativos; indicar que a proibição de emissões
abrange não apenas os prédios contíguos, mas sim os prédios com proximidade física
suficiente para que possam ser afetados; referir que a proibição de emissões abrange,
igualmente, os imóveis licenciados por autoridade administrativa, especialmente se se
verificar o requisito do “prejuízo substancial”.
2. Explicitar o que são situações jurídicas propter rem, em especial, explicando em que
consistem as obrigações reais e os ónus reais, indicando a respetiva natureza jurídica;
referir o respetivo regime jurídico, explicando como estas duas figuras poderão ser
distinguidas.
Tópicos de correção1
I (10 valores)
1. O contrato de compra e venda celebrado entre António e Carlos é nulo por falta de
forma (art. 875.º). Quando se deu o negócio, em 2005, a forma exigida era a escritura
pública, tendo o documento particular autenticado sido aceite como título suficiente
apenas com o Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04 de Julho.
3. Quanto às despesas de conversação dos elevadores, a regra do art. 1424.º, n.º 1, que é
um regra supletiva, diz-nos que estas são pagas pelos condóminos na proporção do valor
das frações, sendo que esta regra poderá ser afastada pelo n.º 2, mediante disposição do
regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois
terços do valor total do prédio, podendo as despesas ficar a cargo dos condóminos em
termos iguais ou em proporção da respetiva fruição. Por fim, no que diz respeito,
particularmente, aos elevadores, temos a regra do n.º 4, estipulando a mesma que nas
despesas dos elevadores só participam os condóminos cujas frações por eles possam ser
servidos. Habitando António no 6.º andar, este não poderá eximir-se das despesas com
os elevadores, sendo que, adicionalmente, não nos é referida a existência de qualquer
disposição que estipule o pagamento das despesas de forma diferenciada. Desta feita,
deverá aplicar-se a regra supletiva do n.º 1, devendo António proceder ao pagamento das
despesas com o elevador na proporção do valor da sua fração, tendo, contudo, o direito
de regresso contra o titular da fração do 7.º D, que foi o responsável pelo dano.
4. Quanto às festas diárias que têm prejudicado António, este poderá reagir através do
art. 1346.º, no que diz respeito às relações de vizinhança (referir requisitos e modo de
aplicação).
6. Nos termos do art. 1418.º, n.º 2, a), a menção do fim a que se destina cada fração ou
parte comum é uma matéria eventual do título constitutivo. Esta pode estar contida no
título executivo, mas a sua não inclusão não determina a nulidade do título constitutivo
da propriedade horizontal. A inclusão do tipo de uso poderá ser incluída no título
constitutivo através da modificação do mesmo. Contudo, nos termos do art. 1419.º, a
modificação do título constitutivo terá de ser realizada por escritura pública ou por
documento particular autenticado, tendo de existir ainda acordo de todos os condóminos.
Adicionalmente, de acordo com o art. 1422.º, n.º 4, sempre que o título constitutivo não
disponha sobre o fim de cada fração autónoma, a alteração ao seu uso carecerá da
autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois
terços do valor total do prédio. No presente caso, teria de ser diferenciada duas situações:
ou o Regulamento de Condomínio fazia parte do título constitutivo (art. 1418.º, n.º 2, b)),
podendo, assim, disciplinar o uso das frações autónomas, ou o mesmo não fazia parte do
título constitutivo, tendo o mesmo sido elaborado pela Assembleia de Condóminos ou
Administrador, podendo apenas disciplinar o uso e a conservação das partes comuns (art.
1429.º-A).
II (6 valores)
(i) Um 1º negócio, que é o testamento feito pelo primitivo proprietário a favor de Inês;
(ii) Um segundo negócio, que é a venda feita por Inês a Gisela;
(iii) Um 3º negócio que é a doação feita por Gisela a Helena
Há, no entanto, que ponderar se se verificou no presente caso alguma aquisição tabular,
ou seja, se os registos de Gisela e/ou de Helena eram atributivos, sendo certo que qualquer
desses registos só o seria se preenchesse todos os requisitos cumulativos do artigo 291º do
Código Civil.
Quanto ao registo de Helena, tal registo nunca poderia ter carácter atributivo, mesmo que
ela tivesse adquirido de boa fé, em virtude de ter adquirido por doação, ou seja, a título
gratuito.
Quanto ao registo de Gisela, sabemos que a sua compra e o correspondente registo foram
efetuados em 06/06/2007, tendo a sentença do STJ que declarou o testamento nulo só sido
proferida em 10/05/2016, ou seja, quase 9 anos depois do registo da aquisição por Gisela
(e não sabemos quantos anos depois de o testamento ter sido aberto…).
Isso significa que, se por acaso Gisela tiver comprado o imóvel a Inês de boa fé, estariam
reunidos a favor de Gisela todos os requisitos do artigo 291º do Código Civil: bem
registável, aquisição onerosa, boa fé, registo da compra antes do registo da ação de
nulidade do testamento e já ter entretanto decorrido mais de 3 anos.
Assim sendo, caso Gisela tivesse comprado o imóvel de boa fé, teria adquirido este por
força do registo e ter-se-ia tornado dona dele, podendo, por conseguinte, doar
posteriormente o imóvel a Helena, sendo tal doação válida, visto ter sido feita por quem
tinha legitimidade para tal, não se aplicando pois o artigo 956º do Código Civil.
Nos termos desta construção jurídica – subscrita pela grande maioria da doutrina
portuguesa – Helena terá adquirido validamente o imóvel por doação, caso estivessem
preenchidos quanto a Gisela os requisitos do artigo 291º do Código Civil, sendo nessa
eventualidade irrelevante o facto de Helena ter adquirido gratuitamente e sendo também
irrelevante determinar se, quando foi feita a doação a Helena, esta estava ou não de boa
fé, ou seja, ela se sabia ou não que tinha havido previamente um testamento nulo.
Existe no entanto uma posição minoritária, defendida por Menezes Cordeiro, segundo a
qual o direito do titular substantivo – neste caso o João – não se extinguiria
automaticamente em consequência da ocorrência de um registo atributivo a favor de
terceiro, ficando apenas tal direito numa situação de inoponibilidade e retomando ele a
sua plena oponibilidade se o direito do beneficiário do registo atributivo fosse entretanto
transmitido a um terceiro de má fé ou que tivesse adquirido gratuitamente.
A aceitar-se esta última tese – repetimos, muito minoritária – então João poderia
reivindicar o imóvel a Helena e esta só poderia opor-se se conseguisse demonstrar que
tinha adquirido o imóvel por usucapião.
Ora, tendo Helena posse apenas desde 04/07/2015, ela só poderia adquirir por usucapião
invocando a acessão de posses prevista no artigo 1256º do Código Civil, mas os dados da
hipótese, no que respeita aos caracteres das sucessivas posses, não nos permitem concluir
se, juntando Helena a sua posse à de Gisela e, eventualmente, à de Inês, já terá decorrido
ou não o prazo suficiente para tal.
III (4 valores)
1. Na resposta a esta pergunta há que citar o disposto nos artigos 1439º, 1446º e 1450º nº 1
in fine do Código civil e fazer referência às várias posições doutrinais.
Menezes Cordeiro defende uma tese quase antagónica, dizendo que o artigo 1439º apenas é
imperativo na sua parte inicial, podendo ser alterada a forma e substância da coisa usufruída
desde que não se ponha em causa o destino económico, ou seja, desde que se possa voltar
ao estado anterior uma vez findo o usufruto.
Por sua vez, José Alberto Vieira entende que a forma e substância e o destino económico
são ambos limites negativos do usufruto, devendo ambos ser imperativamente respeitados.
2. Na resposta a esta pergunta há que citar o disposto nos artigos 1333º a 1343º do Código
Civil, bem como o artigo 1317º alínea d), e fazer referência às várias posições doutrinais.
No sentido da aquisição automática, com base numa interpretação discutível do artigo 1317º
alínea d), vide Pires de Lima e Antunes e Antunes Varela.
Duração: 2 horas
I
António é proprietário e possuidor do prédio X desde 5 de Agosto de 2008,
por compra a Ricardo. Este contrato foi registado três dias depois.
Em 17 de Abril de 2018, Bento, funcionário do Cartório Notarial de S.
Cristóvão, e inimigo de António, forjou uma escritura de doação do prédio X a
seu favor e registou a mesma. Em 5 de Maio de 2018, Bento celebrou uma
compra e venda com Carlos, que desconhecia tudo o que se passara. O contrato
foi registado no próprio dia, mas Bento esquivou-se a entregar a coisa, dizendo
estar livre para Carlos a ocupar e usar.
Quando Carlos pretendeu iniciar o seu gozo do prédio X deparou com a
oposição de António, com a qual não se conforma.
a) Quid iuris? 7 val.
- Caracterizar sumariamente a posição de proprietário e possuidor de
António
- Registo consolidativo a favor de António
- Título falso de compra e venda; não há qualquer eficácia real
- O registo a favor de Bento é nulo (art. 16.º, alínea a) do CregPred)
- Contrato entre B e C é nulo (art. 892.º do CC), não afectando nem a
propriedade nem a posse de António
- Havendo registo a favor de C importa ponderar a aplicação do art.
17.º, n.º 2 do CregPred. C é terceiro para efeito de aplicação deste
artigo
- Confronto entre registo consolidativo e efeito atributivo do Registo
Predial. C não fica protegido contra António, não havendo lugar a efeito
atributivo do registo predial
- António permanece proprietário e possuidor do prédio X.
II
No dia 3 de janeiro de 2007, Daniel, proprietário do prédio Y, constituiu
um direito de superfície a favor de Ermelinda, pelo prazo de 30 anos. Nos termos
do contrato, a superficiária ficou autorizada a construir qualquer edificação que
pretenda.
Ermelinda nunca iniciou o exercício do seu direito e em 5 de Fevereiro de
2017, Francisco, autorizado pelo proprietário do prédio vizinho, construiu no
prédio Y uma torre de telecomunicações, com uma fundação superior a 10
metros de profundidade, inseparável do solo sem a sua destruição.
Com a construção, o prédio Y, que valia € 500.000,00, passou a valer €
1.000.000,00. Por essa razão, Francisco recusa abandonar o prédio e impede
Daniel de praticar qualquer acto de gozo do prédio.
Quid iuris? 6 val.
III
Ilídio, proprietário do prédio Z, um prédio rústico afecto à cultura de
cevada, constituiu a favor de J um usufruto pelo prazo de 20 anos.
No contrato, celebrado na forma legal e registado, as partes
convencionaram que J pode construir um edifício para turismo rural, contando
que o destrua a devolva o prédio à primitiva forma no termo do usufruto.
Quid juris? 4 val.
Duração: 2 horas
I
Em 10 de Janeiro de 2013, António instalou-se para viver no prédio X,
propriedade de Bento, que se encontrava a morar e trabalhar na Nova Zelândia
fazia dois anos e não se deslocava ao seu prédio fazia mais de um ano.
Em 15 de Janeiro de 2015, António, que entretanto convencera os seus
vizinhos de que era o proprietário do prédio X, vendeu o mesmo a Carlos. O
contrato foi celebrado verbalmente, na boa tradição da terra, tendo António
deixado o prédio devoluto nesse mesmo dia para Carlos iniciar o gozo do
mesmo, o que este fez no dia seguinte.
O prédio X encontra-se omisso no Registo Predial.
A) Diga a quem pertence o prédio X e a quem possui o mesmo,
fundamentando sempre (3,5 val).
II
Daniel adquiriu a propriedade do prédio Y por sucessão de seu pai, Paulo,
falecido a 12 de Fevereiro de 1990 e proprietário e possuidor do prédio desde
1980.
Sobre o prédio Y incidiam ao tempo da morte de Paulo, um usufruto
vitalício na parte norte do prédio, na titularidade de Ernesto, e uma servidão de
pasto a favor do prédio Z, imediatamente contíguo, propriedade de Francisco.
Daniel, que nunca gostou de Ernesto, impediu-o de gozar a coisa desde
o final de 1999, até hoje.
Com Francisco, as coisas passaram-se de modo diferente, pois, este
nunca levou o seu gado a pastar no prédio Y, mas começo a usar a parte sul do
prédio para chegar a estrada mais rapidamente com o seu carro e com o carro
de bois.
Quid juris? (6 val)
- Servidão de pasto. O que é uma servidão e que conteúdo tem este direito real;
- Equacionar o não uso da servidão, que ocorre no caso (extinção do direito);
- Exercício da posse nos termos de uma servidão de passagem. Caracterizar a
posse (formal, não titulada, de má-fé, pública e pacífica);
- Equacionar a usucapião da servidão de passagem, que não ocorre, por falta de
decurso do prazo (20 anos – art. 1296.º do CC, por haver má-fé de Francisco);
- Meios de defesa de Daniel contra Francisco:
- Acção de reivindicação;
- Acção de restituição;
- Acção negatória.
III
Em 4 de Julho de 2014, Gisela doou a Helena um andar de férias que
comprara a Ildefonso em 6 de Junho de 2006 e que usara desde então nas suas
férias algarvias. Quer a venda quer a doação foram devidamente registadas na
Conservatória do Registo Predial de Portimão.
Porém, em 10 de Maio de 2015, o Supremo Tribunal de Justiça decide
que o testamento que atribuíra a propriedade do andar a Ildefonso é nulo e que
a propriedade do mesmo cabe ao seu irmão João, que comunica a Helena que
lhe deve restituir a coisa.
Quid juris? (6 val)
- Ponderação da protecção registal de Helena contra João;
- Trata-se de uma hipótese do art. 291.º do Código Civil;
- A protecção de helena não ocorre, porquanto ela adquire a título gratuito;
- Equacionar a usucapião de Helena a partir da acessão de posses (a hipótese
não permite uma conclusão definotiva).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
DIREITOS REAIS (TURMA A)
EXAME FINAL
22.06.2017
Duração: 2 horas
I
António declarou em testamento que, quando falecesse, o prédio X, de
que era proprietário registado e possuidor desde 3 de Agosto de 1980, ficaria
em propriedade para Bento e em usufruto simultâneo para Carlos e Daniel, por
um período de 4 anos, findo o qual seria Ermelinda usufrutuária vitalícia.
António faleceu em 31 de Dezembro de 2013. Dias depois, já aberto o
testamento, Bento deu de arrendamento a Francisco a parte norte do prédio X
e Daniel instalou-se com a sua família na parte sul, alegando que a mesma
correspondia à sua parte do usufruto.
Carlos vê-se, assim, impedido de exercer o seu direito e vende o mesmo
a Gisela, que pretende iniciar de imediato esse exercício.
Esclareça as situações jurídico-reais e diga o que pode fazer Gisela para
exercer o seu direito. 10 val.
II
Farta do barulho proveniente do seu vizinho do lado do 3.ª andar direito
do edifício, Helena, condómina da fracção do 3.ª andar esquerdo, solicitou ao
administrador do condomínio que convocasse assembleia geral com o fim de
deliberar a proibição do condómino vizinho de ouvir música e televisão a partir
das 22 horas.
O administrador acedeu ao pedido de Helena e convocou os
condóminos em dia, hora e local designado para deliberarem exclusivamente
sobre a proibição do condómino do 3.ª andar direito de ouvir música e televisão
a partir das 22 horas.
A assembleia reuniu com um terço dos condóminos e votou por
unanimidade a proibição. O condómino visado faltou à reunião.
Nessa mesma reunião, e por iniciativa do condómino do 1.º andar
direito, foi ainda discutida e votada favoravelmente a proibição de cães no
edifício, com o voto contra de um condómino.
Quid iuris? 5 val.
1. O conteúdo negativo da propriedade. A proibição de emissões (art. 1346.º do
CC)
2. As emissões entre condóminos de edifício constituído em propriedade
horizontal
3. Propriedade horizontal. Breve caracterização e efeitos jurídicos
4. Os órgãos do condomínio
5. Competência da assembleia geral (art. 1430.º do CC). Esta não tem
competência para deliberar sobre a matéria da convocatória. A deliberação é,
pois, nula (e não anulável)
6. Análise dos requisitos formais da deliberação de assembleia de condóminos.
Convocatória (requisitos legais) e maioria de deliberação (em primeira e
segunda convocatórias)
7. Preterição dos requisitos formais de deliberação quanto à deliberação
relativa à proibição de cães no edifício. A deliberação é anulável (art. 1433.º,
n.º 1 do CC). Legitimidade para a arguir e prazo para o efeito (regime jurídico
do art. 1433.º do CC)
8. A deliberação é nula igualmente, por falta de competência da assembleia
para a tomar (art. 1430.º do CC)
III
Ilda furtou uma mota propriedade de João e vendeu-a a Luís,
entregando-a imediatamente a este. Dois meses depois, João encontra a mota
em Faro, estacionada na rua, e leva-a consigo.
Luís demanda João alegando ser possuidor da mota e que o réu violou a
sua posse; pede ao tribunal que o condene na entrega da mota a si.
João defende-se alegando ser o proprietário, juntando o contrato de
compra e venda e o registo.
Qualifique a acção, caracterize a defesa de João e diga qual deveria ser
a decisão do tribunal. 5 val.
1. O furto corresponde a um apossamento da coisa. Ilda torna-se
possuidora da mota. A sua posse é formal, não titulada, de má-fé, oculta e
pacífica
2. João não perde a propriedade nem a posse. Esta última permanece
enquanto a posse do novo possuidor for oculta (art. 1267.º, n.º 2 do CC).
Quando se tornar pública a nova posse, a posse do esbulhado caduca
decorrido um ano (art. 1267.º, alínea c) do CC)
3. Exercício da acção directa pelo possuidor. Admissibilidade (resposta
afirmativa)
4. Acção de restituição intentada pelo possuidor esbulhado. Legitimidade
das partes e pressupostos de procedência da acção
5. Invocação da exceptio dominii na acção de restituição.
Admissibilidade e efeitos na análise da procedência da acção de restituição
6. A acção seria improcedente. João permaneceria com a sua mota, por
ser proprietário e Luís não ter qualquer direito à coisa
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2016/2017
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A-Dia
Exame escrito – Recurso (Época Recurso) (duração: 120 minutos)
20 de Julho de 2017/Professor Doutor José Alberto Vieira
II
III.
Distinga sucintamente, reportando-se apenas aos elementos de oposição entre as figuras,
entre
(i) Prevalência nos direitos reais de gozo e prevalência nos direitos pessoais de
gozo; (3 valores)
II
5. Contrato de locação nulo. Ainda que existisse contrato de locação, a posse de Filipe
seria interdictal, que não dá lugar a usucapião (explicação dos seus requisitos), sendo
que o mesmo não tinha, em nenhum momento, invertido o título da posse.
1
Poderão ser considerados outros elementos que se revelem pertinentes para a correta resolução das
questões colocadas.
III
(i)
5. Prevalência entre direitos reais de gozo; entre direitos reais de gozo e direitos
pessoais de gozo; e entre direitos pessoais de gozo.
(ii)
1. Definição de obrigações propter rem e ónus reais e exemplos concretos; ónus reais
distinguindo-se das obrigações propter rem como não fazendo parte do conteúdo dos
direitos reais; atribuição nos ónus reais da preferência no pagamento sobre a coisa.
Duração: 2 horas
I
António, proprietário do prédio X e possuidor do mesmo, desde 5 de
Agosto de 2000, com registo a seu favor realizado na mesma data, vendeu a B
o direito de usufruto. O contrato, celebrado na forma legal, não foi registado,
mas B recebeu as chaves do prédio e iniciou, de imediato, o exercício do seu
direito.
Em 3 de Janeiro de 2016, António constituiu, na forma legal, a favor de
C um direito de superfície para construção de um parque de estacionamento. O
contrato foi registado nessa data pelo notário que outorgou a escritura.
Quid juris? 9 val.
II
Em 8 de Janeiro de 2016, Daniel furtou o carro Y, possuído por F nos
termos da propriedade, e propriedade de G, e vendeu-o posteriormente a H,
que desconhecia o furto.
Uma semana depois do furto, F vem a saber que o veículo se encontra
com H e pretende recuperá-lo, dado que este último recusa entregá-lo de livre
vontade.
a) O que pode fazer F para recuperar a coisa?
- F só tem a posse formal e esta não pode ser oposta a terceiro de
boa fé (H) em acção possessória de restituição;
- Não podendo reivindicar a coisa, por não ser proprietário, F não
consegue recuperar a coisa de H.
III
Ilídio, proprietário do prédio Z, um prédio rústico afecto à cultura de
cevada, constituiu a favor de J um usufruto pelo prazo de 20 anos.
No contrato, celebrado na forma legal e registado, as partes
convencionaram que J pode construir um edifício para turismo rural, contando
que o destrua a devolva o prédio à primitiva forma no termo do usufruto.
Quid juris? 5 val.
TÓPICOS DE CORREÇÃO
GRUPO I (7 valores)
António é possuidor e proprietário de um terreno desde 1995. Em 2010,
António vendeu o terreno à sociedade Uvas, Lda., por € 50.000,00. O negócio foi
firmado por documento escrito e assinado por António e Bento, gerente da Uvas,
Lda.. Combinaram pedir a autenticação do documento, o que até hoje não aconteceu.
Bento construiu uma vedação no terreno e ordenou aos seus trabalhadores
que começassem a plantação da uva, o que valorizou o terreno em € 30.000,00.
Em junho de 2016, Carlota, única herdeira de António, recentemente falecido,
exigiu a entrega imediata do terreno, bem como uma indemnização pela ocupação
ilegal do mesmo, no montante de € 25.000,00.
a) Assiste a Carlota razão no pedido de restituição do terreno?
b) Como pode a Uvas, Lda. defender-se em relação a este pedido?
- Compra e venda entre A e Uvas, Lda.: invalidade formal (artigos 874.º e 875.º
do CC e artigo 22.º, alínea a), do DL 116/2008, de 4/7; princípio da causalidade
(explicitação);
- À data, o registo era obrigatório: explicitação dos artigos 5.º, n.º 1 e 8.º-A e
8.º-B do CRPredial; conformidade entre situação registal e substantiva, devido à
nulidade da venda;
- Análise da situação possessória: elementos da posse (teorias subjetivista e
objetivista); aquisição da posse pela sociedade compradora (artigo 1252.º, n.º 1, do
CC); ausência de dados quanto à forma de aquisição da posse: sub-hipótese – artigo
1263.º, alínea b), do CC; posse não titulada, presumida de má fé (elidível), pacífica,
pública, civil, formal e efetiva (artigos 1258.º a 1262.º do CC); realização de
benfeitorias úteis e frutos (artigos 1271.º e 1273.º do CC);
- O pedido de C tem fundamento no artigo 1311.º do CC; requisitos da ação de
reivindicação; C não tem posse (transmitida em 2010); não há em princípio direito à
indemnização, uma vez que a utilização do terreno tinha por base a posse;
- Meios de reação da compradora:
- Afastamento da usucapião: mesmo que possa juntar à sua a posse do
seu antecessor (caso haja adquirido por tradição – artigo 1256.º do CC), não permite a
invocação contra o próprio, nem contra os seus herdeiros;
- Diferenciação da realização de benfeitorias face à acessão
(enunciação dos critérios da doutrina; eventual aplicação do artigo 1340.º, n.º 3 (caso
seja afastada a má fé) ou do artigo 1341.º do CC.
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – Ano letivo 2015/2016
EXAME ESCRITO DE DIREITOS REAIS
Turma A – Dia – 30 de junho de 2016
GRUPO II (7 valores)
Em janeiro de 2014 Dário doou a Eliseu, seu filho, o prédio X. A escritura
pública não foi levada ao registo pelo notário. No dia seguinte, Eliseu vendeu o prédio
X a Fábio, por € 150.000,00. O advogado que autenticou o contrato providenciou pelo
registo da aquisição, o que efetivamente se verificou após alguns dias.
Em maio de 2016, o Banco Z, credor de Dário, registou uma ação em que
pede a nulidade da venda a Eliseu. Considerando que a ação é julgada procedente,
indique:
a) Que direitos reais existem sobre o prédio X?
b) Como podem Eliseu e Fábio defender-se perante o Banco Z?
- Contrato real quod effectum (artigo 408º, n. º 1). Sistema do título. Princípios da
causalidade e consensualidade.
- Transmissão da posse mediante constituto possessório (artigo 1264º, n. º 1).
Demonstração dos respectivos requisitos:
1) Contrato transmissivo de direito real;
2) O transmitente é possuidor;
3) Há uma causa jurídica (empreitada) para a detenção pelo transmitente.
- A posse de Bento é titulada, de boa-fé, pacífica, pública, causal, civil e efectiva.
Demonstração destes caracteres.
- Enquanto não se realizar o registo da sua aquisição, não se produz o efeito
consolidativo (artigo 5º, n. º 1, CRP), pelo que o direito de Bento não será oponível aos
terceiros que adquiram de António direito incompatível com o seu (artigo 5º, n. º 4,
CRP).
2) O contrato entre António e Bento também abrangia as alfaias agrícolas que
porventura existissem na propriedade? 2 Valores
- As alfaias agrícolas são coisas acessórias do prédio rústico, uma vez que se encontram
afectadas de forma duradoura ao seu serviço (artigo 210º, n. º 1). Logo, em face do
disposto no artigo 210º, n. º 2, as alfaias deviam manter-se na esfera do vendedor, dado
não ter havido estipulação negocial em contrário. De todo o modo, discute-se na
doutrina se essa é a solução mais adequada, tendo nomeadamente em consideração o
sentido normal da declaração negocial.
3) Quem tem razão no conflito entre Bento e Carlos sobre o direito de ocupar o prédio?
(6 valores)
1
Poderão ser considerados outros tópicos que se revelem pertinentes para a correcta resolução das
questões colocadas.
A razão está do lado de Carlos, com base nos seguintes fundamentos:
- O contrato oneroso de constituição do usufruto celebrado entre António e Carlos é
nulo, em virtude de faltar legitimidade a António para onerar um direito alheio (de
Bento), nos termos do artigo 892º, aplicável ex vi artigo 939º.
- Todavia, verificam-se os pressupostos da hipótese de aquisição tabular prevista no
artigo 5º, n. º 4, CRP), uma vez que Carlos adquiriu a título oneroso e de autor comum
um direito relativamente incompatível com o de Bento, estando de boa-fé e tendo
procedido à prévia inscrição no registo do respectivo facto aquisitivo. A aplicação dos
requisitos da boa-fé e da onerosidade da aquisição deve ser explicada, dado o artigo 5º,
n. º 4, não os mencionar.
- Como a incompatibilidade entre os direitos é meramente parcial, a propriedade de
Bento vai subsistir, embora onerada pelo usufruto de que Carlos é titular.
- António, que era detentor desde que transmitira a posse por constituto possessório a
Bento, torna-se novamente possuidor por inversão de título (artigo 1265º), mediante
oposição implícita2, embora a colocação da herdade à disposição de Carlos signifique
que lhe transmitiu a posse agora por tradição, tendo-a perdido por cedência (artigos
1263º, alínea b) e 1267º, n. º 1, alínea c).
- A posse de Carlos é titulada, de boa-fé, pacífica, pública, causal, civil e efectiva.
Demonstração destes caracteres.
- Todavia, nos termos do artigo1267º, n. º 2, o prazo de um ano para a perda da posse de
Bento só corre a partir do momento em que a posse de Carlos se torna conhecida dele,
ou seja, desde Dezembro de 2005.
- Bento não tem quaisquer meios de tutela do seu direito em relação a Carlos, que pode
recusar a restituição da coisa quer em sede de acção de reivindicação (artigo 1311º, n. º
2), quer em sede de acção de restituição da posse, nos termos do artigo 1281º, n. º 2,
parte final, a contrario sensu, visto não ter conhecimento do esbulho sofrido por Bento.
4) Findo o usufruto, Carlos tem o direito de ficar com os móveis que fez ou terá de os
entregar ao proprietário da madeira? (2 Valores)
- A transformação da madeira em móveis rústicos preenche o conceito de especificação
regulado nos artigos 1336º e seguintes. Carlos aplicou o seu próprio trabalho a matéria
2
A oposição implícita é admitida na doutrina, nomeadamente, por ORLANDO DE CARVALHO, Direito
das Coisas, Coimbra Editora, 2012, p. 302, considerando nada ter de absurdo o facto de a posse ser
instantânea.
alheia, confundindo-se o resultado desse trabalho com a propriedade de outrem (artigos
1326º, n. º 1 e 1336º, n. º 1).
Em princípio, estando Carlos de má-fé, em virtude de saber que se tratava de coisa
alheia (aplica-se o conceito de boa-fé subjectiva possessória do artigo 1260º, n. º 1),
aplica-se o artigo 1337º, parte final, dado que o aumento de valor terá sido seguramente
superior a um terço do valor da coisa. De todo o modo, não se afigura indefensável a
boa-fé de Carlos, dado a madeira estar a estragar-se, pelo que poderá ter pensado que
era indiferente ao proprietário o destino que a coisa pudesse ter. Nesse caso, Carlos
poderá fazer sua a coisa transformada, indemnizando o proprietário pelo valor da
madeira (artigo 1336º, n. º 2).
5) Em Agosto de 2006, Bento quis saber se teria adquirido direitos sobre o prédio pela
soma do tempo em que ele próprio e António conservaram a coisa em seu poder. Qual o
aconselhamento jurídico que lhe teria dado, caso tivesse sido consultado? (5,5 valores)
- Apesar de a sua titularidade sobre o prédio rústico ter sido adquirida nos termos do
artigo 408º, n. º 1, Bento quer saber se também pode invocar a aquisição do direito por
usucapião, somando a sua posse à de António através do mecanismo da acessão na
posse. A supressão de uma aquisição tabular é justamente um dos casos em que o
possuidor causal tem interesse na demonstração da usucapião.
- Como Bento adquiriu a sua posse por constituto possessório, pode beneficiar de
acessão nos termos do artigo 1256º, n. º 1, somando a sua posse à de António.
- Contudo, as duas posses não são totalmente homogéneas, uma vez que o título da
posse de Bento não esteve registado entre Agosto e Dezembro de 2005.
Consequentemente, tem que se aplicar o disposto no artigo 1256º, n. º 2, pelo que a
acessão na posse a favor de Bento vai operar nos limites da que tiver menor âmbito, que
é a sua. Logo, não havendo registo, a usucapião só pode dar-se ao fim de quinze anos,
tendo em consideração que Bento está de boa-fé (artigo 1296º).
- Deste modo, tendo a posse de António começado em Julho de 1991, os quinze anos
perfazem-se em Julho de 2006.
- Todavia, como Bento sofreu em Novembro de 2005 a inversão de título, a sua posse
em Julho de 2006 é uma posse não efectiva, pelo que se discute na doutrina se neste
caso o possuidor pode invocar a usucapião. Em sentido afirmativo, pronuncia-se JOSÉ
ALBERTO VIEIRA, Direitos Reais, p. 409 e em sentido negativo, OLIVEIRA
ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, p. 298, por paralelismo com a extinção de alguns
direitos reais por não uso, sob pena de se tratar melhor um possuidor formal do que o
titular verdadeiro. A argumentação de OLIVEIRA ASCENSÃO não parece contudo
aplicar-se a este caso, visto se tratar de uma hipótese em que a usucapião funciona a
favor de um possuidor causal.
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
DIREITOS REAIS
EXAME FINAL FINALISTAS
13.09.2016
Tópicos de correção
GRUPO I
A)
- Apreciação da situação jurídico-real do prédio X: irrelevância da ausência do
proprietário; manutenção do direito de propriedade em B.
- Apreciação da situação jurídico-possessória do prédio X: conceito e
elementos da posse; teorias subjetivista e objetivista e seu enquadramento no
Direito Português; identificação do apossamento por parte de A (análise dos
requisitos previstos na alínea a) do artigo 1263.º do CC); caracterização da
posse de A (civil, efetiva, formal, não titulada, presumida de má fé, pública e
pacífica; artigos 1258.º a 1262.º; explicitação; artigo 1267.º, n.º 1, alínea d) e
n.º 2; artigo 1268.º).
- Apreciação da situação jurídico-registal do prédio X: obrigatoriedade do
registo apenas a partir de 21.07.2008 (Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho);
não aplicação do artigo 7.º CRPredial.
- Caracterização do negócio jurídico celebrado entre A e C: compra e venda de
bens alheios (artigo 892.º; nulidade; princípio da causalidade; explicitação;
manutenção do direito de propriedade em B).
B)
- Ação real: ação de reivindicação (artigos 1311.º e 1315.º; identidficação e
explicitação dos seus requisitos).
- Problema da ação possessória: identificação e explicitação, à luz do n.º 2 do
artigo 1267.º.
C)
- Ação de restituição da posse (artigo 1278.º; explicitação dos requisitos).
1
- Caracterização da posse de B: problema da violência (coação física ou
também coação moral? Apreciação do problema à luz do disposto no artigo
1261.º; relevância para efeitos do meio de reação – artigo 1279.º).
- Prevalência do direito real de propriedade de B (discussão sobre a titularidade
do direito no âmbito da ação possessória).
GRUPO II
2
GRUPO III
3
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
DIREITOS REAIS (TURMA A)
EXAME FINAL
15.06.2015
Duração: 2 horas
I
Em 10 de Janeiro de 2013, António instalou-se para viver no prédio X,
propriedade de Bento, que se encontrava a morar e trabalhar na Nova Zelândia
fazia dois anos e não se deslocava ao seu prédio fazia mais de um ano.
Em 15 de Janeiro de 2015, António, que entretanto convencera os seus
vizinhos de que era o proprietário do prédio X, vendeu o mesmo a Carlos. O
contrato foi celebrado verbalmente, na boa tradição da terra, tendo António
deixado o prédio devoluto nesse mesmo dia para Carlos iniciar o gozo do
mesmo, o que este fez no dia seguinte.
O prédio X encontra-se omisso no Registo Predial.
A) Diga a quem pertence o prédio X e a quem possui o mesmo,
fundamentando sempre (3,5 val).
II
Daniel adquiriu a propriedade do prédio Y por sucessão de seu pai,
Paulo, falecido a 12 de Fevereiro de 1990 e proprietário e possuidor do prédio
desde 1980.
Sobre o prédio Y incidiam ao tempo da morte de Paulo, um usufruto
vitalício na parte norte do prédio, na titularidade de Ernesto, e uma servidão de
pasto a favor do prédio Z, imediatamente contíguo, propriedade de Francisco.
Daniel, que nunca gostou de Ernesto, impediu-o de gozar a coisa desde
o final de 1999, até hoje.
Com Francisco, as coisas passaram-se de modo diferente, pois, este
nunca levou o seu gado a pastar no prédio Y, mas começo a usar a parte sul
do prédio para chegar a estrada mais rapidamente com o seu carro e com o
carro de bois.
Quid juris? (6 val)
- Servidão de pasto. O que é uma servidão e que conteúdo tem este direito
real;
- Equacionar o não uso da servidão, que ocorre no caso (extinção do direito);
- Exercício da posse nos termos de uma servidão de passagem. Caracterizar a
posse (formal, não titulada, de má-fé, pública e pacífica);
- Equacionar a usucapião da servidão de passagem, que não ocorre, por falta
de decurso do prazo (20 anos – art. 1296.º do CC, por haver má-fé de
Francisco);
- Meios de defesa de Daniel contra Francisco:
- Acção de reivindicação;
- Acção de restituição;
- Acção negatória.
III
Em 4 de Julho de 2014, Gisela doou a Helena um andar de férias que
comprara a Ildefonso em 6 de Junho de 2006 e que usara desde então nas
suas férias algarvias. Quer a venda quer a doação foram devidamente
registadas na Conservatória do Registo Predial de Portimão.
Porém, em 10 de Maio de 2015, o Supremo Tribunal de Justiça decide
que o testamento que atribuíra a propriedade do andar a Ildefonso é nulo e que
a propriedade do mesmo cabe ao seu irmão João, que comunica a Helena que
lhe deve restituir a coisa.
Quid juris? (6 val)
- Ponderação da protecção registal de Helena contra João;
- Trata-se de uma hipótese do art. 291.º do Código Civil;
- A protecção de helena não ocorre, porquanto ela adquire a título gratuito;
- Equacionar a usucapião de Helena a partir da acessão de posses (a hipótese
não permite uma conclusão definotiva).
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
DIREITOS REAIS (TURMA A)
EXAME FINAL - COINCIDÊNCIA
22.06.2015
Duração: 2 horas
I
II
Filipe, proprietário do terreno x, em janeiro de 2008, constitui mediante contrato
celebrado por escritura pública, direito de superfície a favor de Guilherme por
10 anos, mediante o pagamento de um cânon superficiário de 20.000 euros,
permitindo que Guilherme construísse um conjunto de moradias destinadas a
turismo rural. Guilherme constrói as referidas moradias e em janeiro de 2015
transmite o direito de superfície a Helder que, em junho de 2015, deixa de
pagar o cânon superficiário a Filipe. Filipe, aborrecido, declara perante Helder
que o direito de superfície se encontra extinto na medida em Helder faltou com
o pagamento do cânon e que, aliás, não tinha autorizado a transmissão do
direito de superfície por Guilherme e impede Helder de aceder ao terreno.
Quid juris? (6 valores)
III
Em janeiro de 2010, Inês emprestou um seu valioso anel a Joana, sua amiga.
Joana diz a Inês que lamentavelmente perdeu o anel, o que Inês vem a
perdoar em razão da amizade. No entanto, Joana vendeu o anel a Luis, dono
de uma ourivesaria, que, sabendo da origem do anel, oferece a Joana 500
euros, metade do valor de mercado do anel, e coloca-o à venda na montra da
ourivesaria por 1.000 euros. Em janeiro de 2015, Madalena compra o anel na
ourivesaria de Luis. Hoje, Inês, que reconhece o seu anel no dedo de
Madalena, sua colega de trabalho, intenta contra esta ação e exige a
restituição do anel.
Quid juris? (4 valores)
Duração: 2 horas
I
António e Bruno são titulares, desde 2000 e com registo a seu favor, do direito
de propriedade sobre o prédio x. Em janeiro de 2007 celebram, mediante
escritura pública, contrato de compra e venda a favor de Carlos, que não
regista a sua aquisição e passa desde a data da celebração do contrato a
explorar o terreno.
Em janeiro de 2015, Duarte, credor de António e Bruno, atento o contrato de
mútuo com estes celebrados com hipoteca sobre o prédio x, e em razão do
incumprimento de António e Bruno, intenta ação executiva e o prédio é vendido
judicialmente para ressarcimento da dívida de António e Bruno. Eduardo, que
adquiriu o prédio x na venda judicial, regista a sua aquisição, em maio de 2015,
e em junho de 2015 constitui direito de superfície, mediante escritura pública, a
favor de Filipe, que regista a sua aquisição. No título de constituição do direito
de superfície ficou estipulado que Filipe pagaria mensalmente a Eduardo uma
prestação de 1000 euros.
Hoje, Carlos, que pretendia celebrar contrato de compra e venda com
Guilherme, ao dirigir-se à Conservatória do Registo Predial para registar o seu
direito antes da venda a Guilherme, conhece dos registos a favor de Eduardo e
Filipe e pretende defender o seu direito.
1
Ao não registar, Carlos não beneficia do efeito consolidativo do registo,
nos termos do artigo 5.º, n.º 1, do Código de Registo Predial (de ora em
diante, CRPr);
Carlos adquire igualmente a posse nos termos do direito de propriedade
por tradição da coisa, ao abrigo do artigo 1263.º, alínea b), do CC, e
António e Bruno perdem a posse por cedência, nos termos do artigo
1267.º, n.º 1, alínea c), do CC.
Discutir do conceito de terceiro para efeitos do artigo 5.º, n.º 4, CRPr e
da adoção da conceção ampla ou da conceção restrita de terceiros para
efeitos do referido preceito e, em consonância, aferir da condição de
terceiro de Eduardo e do efeito substantivo do registo de Eduardo; em
coerência com a opção fundada aí adotada, aferir do efeito do registo do
direito de superfície a favor de Filipe, se consolidativo por se considerar
que Eduardo beneficiou do efeito atributivo por força do artigo 5.º, n.º 4,
do CRPr, e quando Eduardo constitui direito de superfície, por contrato
celebrado mediante escritura pública, Filipe adquire por força do contrato
(princípios da causalidade e da consensualidade; artigos 408.º, 1528.º, e
artigo 22.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho, com a
redação atualmente vigente, que exige forma de escritura pública ou
documento particular autenticado, exigência de forma que, no caso em
presença, foi observada), ou efeito atributivo, por efeito e verificados os
requisitos e condições de aplicação do artigo 291.º do CC (explicitar
âmbito de aplicação material do artigo 291.º do CC e enunciar, de forma
completa e clara, os requisitos de aquisição tabular ao abrigo desta
norma legal) ou, não se verificando integralmente esses requisitos (o
negócio foi oneroso, considerando o pagamento do cânon superficiário,
nos termos do artigo 1530.º do CC; no entanto, não decorreu o prazo de
três anos que exige o artigo 291.º do CC), meramente presuntivo sendo
essa presunção ilidível – o negócio é nulo por falta de legitimidade de
Eduardo, consubstancia uma oneração de coisa alheia e não produz
quaisquer efeitos, nos termos dos artigos 286.º e 289.º do CC, e o
registo não tem efeito atributivo pois não estão verificados todos os
requisitos para efeitos de aquisição tabular à luz do artigo 291.º do CC.
Carlos, que pretendia registar antes da celebração do contrato de
compra e venda com Guilherme com vista a observar o princípio da
legitimação consagrado no artigo 9.º do CC, deve intentar ação de
reivindicação de modo a ver reconhecido o seu direito de propriedade.
II
Helder, titular do direito de propriedade sobre a “Quinta Nascente”, destinada à
exploração agrícola, constitui servidão para aproveitamento de águas a favor
do prédio de Inês, por contrato, mediante escritura pública, celebrado em 2014.
Em abril de 2015, Helder constitui direito de usufruto a favor de Jaime e Luis,
por vinte anos. O contrato de constituição do direito de usufruto foi celebrado
por escritura pública. Jaime e Luis acordam entre si que Jaime exploraria a
parte Norte e Luis a parte Sul. Em maio de 2015, Jaime e Luis constroem um
muro que veda que a água seja transportada até ao terreno de Inês.
Em junho de 2015, Luis vende a parte Norte a Manuel que a passa explorá-la.
2
Quid juris? (6 valores)
III
Em assembleia de condóminos validamente convocada e com a presença dos
condóminos de todas as frações, os proprietários das frações que integram o
prédio y deliberam que, quer as despesas necessárias à conservação do
prédio, quer as despesas com os serviços de interesse comum são pagas
pelos condóminos em proporções iguais.
4
FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
Ano letivo de 2021/2022
DIREITOS REAIS – 3º Ano/Turma A - Dia
Exame Escrito – Época de Recurso (duração: 90 minutos)
21 de julho de 2022
Professor Doutor António Menezes Cordeiro/Professor Doutor José Luís Ramos
I
Os irmãos Amílcar e Bruno, naturais de Beja, são conhecidos na cidade pelas suas
desavenças. Tudo começou em fevereiro de 2001, aquando da morte do seu pai, que colocou
em testamento que Amílcar e Bruno herdariam um monte no Alentejo, mas com a condição de
jamais o poder dividir. Certo é que os irmãos nunca se entenderam sobre a forma de gozar o
terreno. Em julho de 2002, Amílcar ameaçou mesmo o irmão com uma caçadeira, pedindo a
este que saísse do terreno ou então “não sairia dali vivo”. Bruno abandonou o terreno, dizendo
que iria reagir judicialmente. Em fevereiro de 2003, Amílcar celebra, por escritura pública, um
contrato com Carlos, nos termos do qual este teria a faculdade de cuidar de uma parte do
terreno, onde estava o montado de cortiça, por 18 anos, pagando 6000 € anuais. No contrato
foi aposta a menção expressa que o mesmo teria eficácia real.
A partir de 2008, Carlos deixa de cumprir com o pagamento anual. Como forma de se ver livre
do mesmo, transmite o seu direito a Daniel, em fevereiro de 2015. Daniel recusa-se, porém, a
pagar as prestações anuais em atraso, referindo que as mesmas devem ser exigidas a Carlos,
que era ao tempo titular do direito. Em março de 2022, Bruno consegue invalidar o negócio
jurídico celebrado entre Amílcar e Carlos, exigindo, de imediato, a restituição do terreno. Por
sua vez, Amílcar e Daniel referem ter adquirido direitos “pelo decurso do tempo”. No caso
específico de Daniel, este afirma ter adquirido apenas parte do terreno onde explorava o
montado de cortiça, argumentando para o efeito que pode juntar a posse de Carlos.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
- Atribuição da coisa, por testamento, a dois herdeiros com a condição de não a poder
dividir: referir que não é válida a cláusula que faça depender da verificação de um
acontecimento futuro e incerto a extinção do direito de propriedade (artigos 1307.º, bem
como artigo 1306.º (princípio da tipicidade)); titularidade de dois sujeitos (A e B) sobre a
mesma coisa: compropriedade (artigos 1403.º e ss.).
- Referir e classificar a posse de A, B, C e D; referir e explicar inversão do título da posse
por parte de A (artigos 1263.º, d), 1265.º e 1406.º, n.º 2); posse de A adquirida com
violência (artigo 1261.º: referir critérios); classificar posse de A após esse momento;
referir que, concomitantemente, B é esbulhado, mantendo a posse por um ano (artigos
1267.º, n.º 1, d) e n.º 2 e 1279.º).
- Direito de superfície de A a favor de C (artigos 1524.º e ss.); oneração de coisa alheia
(artigo 1408.º, n.º 1 e 2); o facto de o contrato mencionar que o mesmo tem eficácia real
não tem relevância jurídica, uma vez que a constituição de um direito real de gozo não
depende de uma cláusula atributiva de eficácia real, mas sim de o direito constituído
estar enquadrado num dos tipos legais (princípio da tipicidade ou da taxatividade do
artigo 1306.º).
- Cânon superficiário como uma situação jurídica propter rem (em particular, discutir a
sua natureza jurídica, nomeadamente se estamos perante uma obrigação propter rem ou
um ónus real) (artigo 1530.º); à mora aplica-se o artigo 1531.º, n.º 2; transmissão do
direito de superfície a D, que é possível nos termos do artigo 1534.º; discutir se as
obrigações vencidas continuam a onerar C ou se a “ambulatoriedade” da situação
jurídica propter rem onera D, independentemente de estarem ou não vencidas; referir
direito de preferência do fundeiro que não foi respeitado (artigo 1535.º); referir a falta de
registo do facto jurídico de constituição do direito de superfície (artigos 1.º, 2.º, n.º 1, a)
CRP) ;
- A e D invocação a usucapião: requisitos (artigos 1287.º e ss.); referir que, no caso de A,
a posse violenta inviabiliza a aquisição por usucapião (artigo 1297.º), a não ser que esta
já tivesse cessado, o que não parece ser o caso, uma vez que o critério é a forma com a
posse foi adquirida; no caso de D, explicar e discutir a possibilidade de acessão da
posse (artigo 1256.º), bem como a viabilidade jurídica de usucapir parte do terreno; D
não inverteu o título da posse, pelo que apenas poderia adquirir por usucapião o direito
de superfície.
II
Eduarda é dona de um apartamento que fica situado no último andar de um prédio com 10
frações e aliena este imóvel a Francisco e Gustavo em 2010, sendo que o primeiro pagou de
imediato o valor correspondente 75% do preço, enquanto o segundo convencionou o
pagamento do valor remanescente de 25% apenas em 2015, apesar de ter procedido ao
registo do negócio e ocupado o apartamento imediatamente. Francisco não procedeu ao
registo, por entender que o registo efetuado por Gustavo seria suficiente, assim como permitiu
que este último utilizasse o imóvel em exclusivo até 2015. Sem comunicar a Francisco,
Gustavo decide em 2014 construir mais um andar, para o que obteve autorização do
administrador, o qual conseguiu aprovação verbal de seis proprietários dos apartamentos,
apesar de o assunto não ter sido objeto de deliberação em assembleia. Em 2016, face à
ausência de notícias de Francisco, Gustavo cede o gozo do andar construído a Hugo e a Ivo,
pelo período de 10 anos, mediante o pagamento de uma quantia mensal. Em 2022, Francisco
regressou a Portugal e deparando-se com esta situação exige (i) a devolução imediata do
apartamento afirmando ser o único dono, uma vez que foi ele a liquidar o valor de 25% em falta
a Eduarda, porquanto Gustavo se recusou a fazê-lo, ao que Gustavo contrapõe ser
proprietário exclusivo em virtude do decurso do tempo e da efetivação do registo e (ii) a
demolição do andar construído, ao que Hugo e Ivo contrapõem o registo da sua posse, que no
seu entender lhes confere o direito de uso e fruição nos termos previamente acordados com
Gustavo, sendo que este último exige a Francisco o pagamento do valor correspondente a
50% das obras de construção efetuadas.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
I
Em janeiro de 2000, Ana adquire, a título oneroso e mediante escritura pública, um pequeno
terreno vinícola sito no Cartaxo, tendo o negócio sido devidamente registado. Em 2005, Ana,
por já estar com uma idade avançada e não tendo filhos, doa o terreno ao seu único
sobrinho Bruno, reservando para si o usufruto vitalício. No âmbito do contrato ficou
estabelecido que Ana não poderia trespassar o usufruto a terceiros. Dois anos depois,
cansada da gestão do terreno e tendo-se incompatibilizado com o sobrinho, Ana decide
acabar com a vinha e permitir, por via contratual, que um seu amigo, Carlos, construísse um
empreendimento de turismo rural. O contrato foi celebrado por documento particular
autenticado. Farto desta situação, em maio de 2022, Bruno envia uma carta de interpelação
a Ana referindo que irá pedir a invalidade do usufruto, por dois motivos: por um lado, (i) o
contrato de usufruto referia, expressamente, a não possibilidade de trespasse; por outro, (ii)
o comportamento de Ana e Carlos indiciava um claro mau uso do terreno. Ana argumenta
que tal não correspondia à verdade, pois com a construção do empreendimento de turismo
rural, o terreno tinha valorizado em mais de 75%, sendo também muito mais rentável do que
a vinha. Por sua vez, Carlos refere que além de o seu direito ser oponível a Bruno, o
decurso do tempo assegurava a sua posição perante terceiros. Como se não bastasse, um
proprietário de um prédio vizinho, Duarte, veio queixar-se do comportamento de Carlos, que
desde que construiu o empreendimento, o tem impedido de passar pelo prédio de forma a
aceder à via pública. Carlos refere que a construção do empreendimento implicou elevadas
despesas e que a passagem de camionetas e tratores pelo terreno, para além de deteriorar
a estrada, afeta a reputação do turismo rural. Para além disso, argumenta Carlos, Duarte
tem à sua disposição uma outra estrada que, apesar de tornar o acesso à via pública mais
longínquo, serve o mesmo propósito.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
II
Eduardo é dono de um luxuoso apartamento que cede a Francisca, sua ex-mulher, para
sua residência permanente, em 2005, tendo o negócio sido celebrado por escritura pública.
Em 2010, Francisca, que atravessava graves dificuldades financeiras, transmite o uso e
fruição do apartamento para Gustavo, pelo período de 20 anos, mediante o pagamento de
uma elevada quantia anual, e muda-se para a casa da porteira do prédio, que se encontrava
desocupada, mediante celebração de um contrato com o administrador do condomínio,
através do qual fica estipulado o pagamento de uma quantia mensal, tendo sido
posteriormente dado conhecimento deste negócio aos condóminos através de correio
eletrónico. Em 2020, Eduardo vende o apartamento a Hugo e a Idalina, salvaguardando
verbalmente o direito de Francisca, que de imediato registam este negócio, embora não
tenham ocupado a casa, em virtude de residirem no estrangeiro. Em 2022, pretendendo
mudar-se para Portugal, Hugo e Idalina deparam-se com a presença de Gustavo na casa,
que se recusa a abandoná-la, invocando o registo da posse, bem como o facto de se
encontrar a residir ali há 12 anos. Por seu turno, considerando que 1/3 dos condóminos
discorda do negócio celebrado entre o administrador do condomínio e Francisca, esta
última, para evitar problemas e por não ter outro sítio para morar, pretende reocupar o
apartamento que lhe havia sido cedido por Eduardo, exigindo ademais o reembolso de
todas as obras que realizou no apartamento enquanto o habitava, e que incluíram vários
melhoramentos no interior, para além da colocação de uma piscina no terraço, que aliás os
restantes condóminos pretendem ver demolida, uma vez que não autorizaram esta obra.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
I
Em março de 2010, Ana, farta da “correria” da cidade, decide ir viver para o Alentejo. Para
tal, iniciou negociações com Bartolomeu para a compra de uma moradia em Mértola, no
valor de 100 mil euros. A negociação chegou a bom termo, porém, como Ana não tinha
fundos suficientes, as partes celebraram um contrato de promessa de compra e venda,
tendo Ana pago apenas 30% do preço definido, devendo o restante montante ser liquidado
no momento da escritura pública do contrato definitivo, que teria lugar decorridos 6 meses.
Atendendo às necessidades de Ana, Bartolomeu entregou-lhe as chaves do prédio no
momento da celebração do contrato promessa. A partir desse momento, Ana fez desde
logo diversas obras de remodelação, assumindo, ainda, o pagamento de todos os encargos
relativo ao mesmo.
Entretanto, como Ana não conseguiu os fundos suficientes, o contrato definitivo nunca
chegou a ser celebrado. Como estava consciente das necessidades de Ana, Bartolomeu
nunca a quis acionar judicialmente. Farto desta situação, em janeiro de 2022 e aproveitando
a ausência de Ana, o filho de Bartolomeu, Carlos ocupa a moradia e muda as fechaduras.
Ana pergunta a um amigo jurista como pode resolver a situação. Este responde-lhe que não
existem opções legais, pois a moradia pertence a Bartolomeu e que o contrato de
promessa não lhe confere nem mesmo tutela possessória.
Responda, de forma fundamentada, a todas as questões jurídico-reais suscitadas pela
hipótese. (10 valores)
Tópicos de Correção
Tópicos de Correção