GARCEZ. Rodrigo
GARCEZ. Rodrigo
GARCEZ. Rodrigo
ALFABETIZAÇÃO E MÚSICA
UM ENCONTRO NA LINGUAGEM
CHAPECÓ
2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL
This thesis is the result of research work on the relationship between music and
literacy in the field of language from the perspective of Soviet historical-cultural
psychology. The object of study is the possible commonalities between the literacy
process and the music education process in an investigative field that hypothetically
is shared by both: the language category. The goal is to investigate and organize a
foundation that may assist in this understanding and to establish relationships
between literacy concepts and broad musical concepts. The survey covers the
process of literacy and music education as humanization means within the categories
of language, literacy, cognition, music and their relationships. From a methodological
point of view, I opted for a historical-documentary research. At first, the literature
produced in the five years following Law no. 11.769/08, institutionalizing music
education in schools, is analyzed, and the gaps in researches published under this
proposal are noted. In a second step, the possible concept similarities and
differences between the literacy and the music categories are verified, through an
analysis of the historical construction of concepts among the three investigative fields
mentioned. To compose the theoretical framework in the field of music, I dialogue
with the authors Fonterrada (2008) and Wisnik (1989); in the field of literacy, with the
authors Graff (1993), Frago (1993) and Ong (1998); and in the field of language, with
the authors L.S. Vygotsky and A. R. Luria. It can be concluded that, although the
music education and the literacy processes are located in different fields of
knowledge, both share similarities with regard to the development of higher
psychological functions, sometimes approaching the aspects of discrimination and
abstraction and sometimes taking different paths in the meaning processes. In the
case of the meaning processes, new prospects for deepening these relations open
up.
1 INTRODUÇÃO................................................................................................14
1.1 DO PESQUISADOR, UM POUCO DE HISTÓRIA..........................................15
1.2 DA PESQUISA, O NASCIMENTO DE UMA INVESTIGAÇÃO........................18
2 I MOVIMENTO (Allegro) - CONTEXTUALIZANDO O OBJETO NAS
PRODUÇÕES..................................................................................................24
.
14
1 INTRODUÇÃO
1 A Escola Municipal de Belas Artes Osvaldo Engel foi criada em 1960 através de lei municipal. Em
1969, transformou-se em autarquia. Em 30 de novembro de 1991, a escola passou a ser
administrada diretamente pela Prefeitura Municipal de Erechim, extinguindo-se a autarquia.
Atualmente, está sob a gestão da Secretaria Municipal de Educação e é mantida pelo poder
público municipal. A Escola Municipal de Belas Artes Osvaldo Engel oferece cursos em Artes
Visuais, Dança, Música e Teatro.
16
[...] em uma obra musical, por meio do modo e da espécie de como o tema
se desenvolve, um outro se acrescenta e ambos em sua alternância ou em
seu entrelaçamento se impulsionam, se modificam, ora sucumbem, ora
novamente emergem, aqui aparecem derrotados, ali surgem novamente
vitoriosos, um conteúdo pode se explicar em suas relações mais
determinadas, em contrastes, em conflitos, em passagens, em
complicações e em soluções.
PRODUÇÕES
2009 a 2013. Foram um total de 108 trabalhos, entre artigos, pôsteres e trabalhos
encomendados, conforme podemos ver no quadro abaixo, com as estatísticas por
ano.
SCIELO CAPES
2009-2013 2011-2013
CATEGORIAS 1º Mov. 2º Mov. 1º Mov. 2º Mov.
01 Linguagem 324 18 734 34
02 Letramento 40 6 164 17
03 Alfabetização 87 14 318 32
04 Música 66 11 110 17
05 Cognição 67 7 183 9
06 Linguagem e Letramento 6 0 76 7
07 Linguagem e Alfabetização 9 5 113 39
08 Linguagem e Música 20 6 24 5
09 Linguagem e Cognição 13 5 123 3
10 Letramento e Alfabetização 1 0 116 15
11 Letramento e Música 0 0 4* 3
12 Letramento e Cognição 2 0 9 2
13 Alfabetização e Música 1 0 4 1
14 Alfabetização e Cognição 2 0 9 1
15 Música e Cognição 0 0 7 1
- Oralidade
- Música
- Fonoaudiologia e Escrita
- Representação Gráfica
Linguagem da Música
Número Total de Produções
- Percepção Musical
- Musicalização
- Habilidades
Metalinguísticas
- Ontologia musical
- Raciocínio Silogistico
- Musica e construção de
conhecimento
- Letramento e
Alfabetização
0 6 0 0 3 0 0 2 21 0 5 13 0 2 0 52
28
Fonte: Base de dados da ANPED de 2009 a 2013, CAPES de 2011 a 2013 e SCIELO de 2009 a 2013
Quadro 04 – Análise da categoria Alfabetização por eixo das publicações encontradas nas bases da ANPED, SCIELO e CAPES por ano, no período 2009-2013
- Capital Cultural
- Caminhos de
apropriação da escrita
- Olhar do aprendiz
Alfabetiza-
ção - Papel do professor
Número Total de Produções
- Do Desenho à escrita
- Habilidades
Metalinguísticas
- Oralidade
- Processos Metacognitivos
- Produção de Sentido
2 4 0 1 3 0 3 2 19 1 2 13 1 3 0 54
29
Fonte: Base de dados da ANPED de 2009 a 2013, CAPES de 2011 a 2013 e SCIELO de 2009 a 2013
Quadro 05 – Análise das categorias Letramento, Música, Cognição e das categorias concatenadas Linguagem e Letramento por eixo das publicações encontradas
nas bases da ANPED, SCIELO e CAPES por ano, no período 2009-2013
2009 2010 2011 2012 2013
Categorias Anped* Anped* Anped* Anped* Anped*
Scielo Capes Scielo Capes Scielo Capes Scielo Capes Scielo Capes
GT 10 GT 10 GT 10 GT 10 GT 10
- Contribui- -Contribuições da - Literatura Infantil -Fronteiras - Papel do - Prática
ção da Educação Infantil Conceituais Professor pedagó-
literatura -Letramento Profissional gica
- Hipertexto - Competências - Didática
- Produção de Sentido Digitais
- Informacional -Uso das
- Apropriação da escrita Tecnologias de
- Jogo e Informação e
Letramento - Práticas Comunicação
Número Total de Produções
- Sentidos e significados
- Uso de suportes da
escrita
1 0 0 0 2 0 0 2 10 0 2 7 0 0 0 24
- Física - Função da - Transformação - Concepções das - Filosofia - Ludicidade - Ouvir e Pensar
Linguagem Social Crianças -- Professor
- Escala Musical - Matemática Criador
Multidimensio- - Ensino Desenvolvimental
nal - Humanização - Ontologia - Educomunicação
-Matemática Musical
- Musica e - Filosofia e
educação - Apreciação matemática na
música
- Repertórios e práticas
Música
- E.M. e E.I
- Representação Gráfica
Número Total de Produções
-
- Identidade Social
- Educação Musical e
Estética
0 2 0 0 3 0 0 1 12 0 2 4 0 3 0 27
-Programa de -Mapas -Afeto e Cultura - Uso de suportes da - Sensibilidade -Ouvido Absoluto
Desenvolvimen- Conceituais escrita
to Cognitivo - Interações na - Aprendizagem da
- Afetividade e -Neurociência sala de Aula atenção
Cognição
Cognição - Percepção Musical
- Cognição Social
Número Total de Produções
0 1 0 0 3 0 0 1 6 0 0 3 0 2 0 16
30
Fonte: Base de dados da ANPED de 2009 a 2013, CAPES de 2011 a 2013 e SCIELO de 2009 a 2013
Quadro 06 – Análise das categorias concatenadas Linguagem e Alfabetização, Linguagem e Música, Linguagem e Cognição, Letramento e Alfabetização por eixo
das publicações encontradas nas bases da ANPED, SCIELO e CAPES por ano, no período 2009-2013
escrita
0 0 0 0 0 0 0 0 3 0 0 4 0 0 0 7
-Produção -Habilidades -Transtornos de -Linguagem e apropriação -Visão dos - Olhar das
Textual Linguísticas e Escrita da leitura professores Crianças
metalinguísticas
-Capital Cultural -Imagem ao
- Consciência Simbolo
fonológica -Desenho à Escrita
-Oralidade
-Concepções
- Visão do
-Papel do Professor Aluno
representação gráfica na
Música
-Habilidades
Metalinguísticas
-Oralidade
0 1 0 0 2 0 0 1 12 0 0 20 0 1 0 37
-Função Didático - Repertórios e praticas Desenvolvimen- -Produção de -- Professor
Pedagógica to cognitivo, Sentido em Criador
- Ontologia musical linguístico e música
auditivo
- Representação Gráfica
Linguagem
e Música - Percepção Musical
Número Total de Produções
0 0 0 0 1 0 0 0 4 0 1 1 0 1 0 8
31
Fonte: Base de dados da ANPED de 2009 a 2013, CAPES de 2011 a 2013 e SCIELO de 2009 a 2013
Quadro 07 – Análise das categorias concatenadas Letramento e Música, Letramento e Cognição, Alfabetização e Música, Alfabetização e Cognição, Música e
Cognição por eixo das publicações encontradas nas bases da ANPED, SCIELO e CAPES por ano, no período 2009-2013
-Modelo
Tomassello
0 3 0 0 0 0 0 2 1 0 0 2 0 0 0 8
- Métodos -Letramento Profissional -Linguagem e
Infância
- Caminhos de
apropriação da escrita - Concepções
Docentes
Letramento - Sentidos e significados
e alfabetiza-
ção -Oralidade Poética
-- Ludicidade
Número Total de Produções
- Métodos e Práticas
1 0 0 0 0 0 0 0 10 0 0 5 0 0 0 16
- Apreciação Musical - Oralidade
Letramento Letramento
e Música
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 2 0 0 0 3
- Influência dos suportes
Letramento a escrita
e Cognição
0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1
Fonte: Base de dados da ANPED de 2009 a 2013, CAPES de 2011 a 2013 e SCIELO de 2009 a 2013
34
a prática, no contexto social em que tal produção vem a ocorrer sob a ação do
professor.
A aprendizagem, segundo Maturana (1998 apud BRANDT, 2011), não ocorre
apenas pelo agir intelectual guiado pela razão, mas, sobretudo, pela emoção que
inaugura a ação do aprender. Partindo da premissa de que só conseguimos pensar
com as coisas que fazem sentido, percebemos que a produção de sentidos está
intimamente ligada às experiências vividas. O produzir sentido exige do professor
um conhecimento do outro, mesmo que esse conhecimento seja uma concepção
hipotética do aluno à sua frente, do entorno real ou imaginado que compõe a sua
sala de aula, dos condicionantes curriculares e das estratégias avaliativas impostas
hierarquicamente, segundo Azevedo (2011).
Baseando sua tese nas categorias do Círculo de Bakhtin, Azevedo (2011) traz
esclarecimento sobre o processo de construção de sentido, fornecendo, ao mesmo
tempo, uma introdução à prática do letramento. A autora traz os conceitos de
“significados agregados” e de “significados de partida”, que se estruturam na
tradição do ensinado e na inovação.
Outra dimensão abordada nas pesquisas é que não existe um nível zero de
letramento. Toda criança e/ou adulto analfabeto traz consigo um grau de letramento
variável, influenciado pelo seu nível social e cultural. Com essa perspectiva em
mente, encadeamos a dificuldade de pôr em prática a teoria na formulação de
sentidos relacionados na perspectiva de alfabetização e letramento nos níveis
díspares que encontramos na sala de aula. Nessa direção, o processo de
38
5 De acordo com Semeghini-Siqueira (2006, p. 172 apud BARBOSA, 2012, p. 28): “[...] muito além
de um ‘método’ de alfabetização, seja global ou fônico ou misto/eclético, é preciso considerar o
grau de letramento emergente com que a criança de idade X chega à escola. Dessa forma, para
as crianças que, em função da família, tiveram menor imersão no mundo letrado, há que se
estabelecer um tempo-extra significativo (ao menos um ano), anterior ao processo
deliberado/intencional de alfabetização, com a finalidade de viabilizar uma recuperação lúdica do
processo de letramento emergente”. Entendemos que esse “tempo-extra significativo” é
justamente o primeiro ano do ensino fundamental de nove anos, o qual precisa ser aproveitado ao
máximo pelo professor, na busca pela viabilização de uma recuperação lúdica – efetiva – nesse
período.
39
Segundo a autora, ela não está defendendo uma postura prescritiva, mas
fornecendo subsídios para que o pensar sobre a ação possa contribuir para que o
docente atue com mais segurança. Pois, quando “[..] o aluno consegue perceber a
organização da língua, ele descobre as várias possibilidades de discurso e se torna
apto para absorver, ampliar e usar o conhecimento a respeito de si e do mundo que
o cerca” (SOUZA, 2010, p. 24).
Em decorrência, principalmente do campo da pragmática, a redação
tradicional começa a ser questionada, abrindo um caminho favorável ao ensino dos
gêneros do discurso, que deixam de ser vistos como uma estrutura tipológica.
Assim, priorizam-se as interações discursivas entre sujeitos e aproximam-se as
práticas de escrita do aluno à realidade.
Nessa perspectiva, Antunes (2009 apud SOUZA, 2010) elenca as seguintes
implicações pedagógicas do trabalho com gêneros textuais:
Os textos, tanto orais como escritos, com suas normas, passariam a ser
objeto de estudo, mesmo nos primeiros anos do ensino fundamental.
Poderiam ter fim o monopólio da gramática e a velha prática de usar o texto
como pretexto para encontrar classes de palavras que os alunos precisam
aprender a reconhecer e classificar.
[...] uma ideia de que é impossível pensar o ser humano fora das relações
com o outro. Em consequência, vai pondo em xeque a precedência do
indivíduo e asserções de que a linguagem antes de ser para a comunicação
é para a elaboração. Na perspectiva da intersubjetividade, a elaboração só
se torna possível mediada pela comunicação. (FARACO, 2001, p. 6 apud
RÉ, 2012, p. 62)
Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser usada; eles penetram
na corrente da comunicação verbal; ou melhor, somente quando mergulham
nessa corrente é que sua consciência desperta e começa a operar. É
apenas no processo de aquisição de uma língua estrangeira que a
consciência já constituída – graças à língua materna – se confronta com
uma língua toda pronta, que só lhe resta assimilar. Os sujeitos não
“adquirem” sua língua materna; é nela e por meio dela que ocorre o primeiro
despertar da consciência. (BAKHTIN, 1997, p. 110)
Fazendo uma retomada histórica e citando Levy (1990, p. 118), Glória (2011,
p. 26) diferencia culturas letradas e culturas orais no sentido das diferentes
percepções que ambas podem apresentar na forma como racionalizam seus
objetos. A autora justifica o uso do suporte digital no período da aquisição da escrita
como não sendo nem melhor nem pior, apenas que o pressuposto de letrar
digitalmente deixará indivíduos diferentes.
Entre os seis e oito anos, a criança passa a ter consciência do seu ponto de
vista e a integrar suas representações a funções cada vez mais complexas para
atender a objetivos intelectuais mais elaborados. Além disso, estabelece relação
entre imagens e seus significados, conforme busca a construção de seus
significantes.
6 Para identificar essa característica é que são realizados os testes de conservação, por exemplo:
do líquido transvazado de um recipiente a outro com formato diferente ou das massinhas de
modelar que são apresentadas à criança em diferentes formatos – a ela é indagado se as
quantidades foram alteradas ou se continuam as mesmas. Por meio da explicação dada pela
criança, é possível identificar se ela tem a noção de conservação das quantidades.
56
Outro ponto que vale salientar é que, na revisão bibliográfica feita pela autora,
ela encontrou apenas um artigo canadense, dentro do universo pesquisado, que
relaciona a habilidade de leitura com habilidades musicais como o ritmo. Esse
estudo pesquisou crianças que não possuíam experiência musical comprovada do
primeiro ao quarto ano, segundo a classificação americana. O autor de tal estudo
verificou que
acadêmicos. Nessa perspectiva, França (2007), autora que procura sugerir modelos
de avaliação para que possam comprovar que a música tem conteúdos próprios, diz:
[…] representa uma visão filosófica, uma hierarquia de valores sobre o fazer
musical. Composição, apreciação e performance são os pilares do fazer
musical ativo, e por isso estão distribuídos simetricamente na sigla
C(L)A(S)P. Essa disposição nos lembra que essas modalidades devem ser
equilibradas e bem distribuídas nos programas de educação musical. A
disposição resultante na tradução (T)EC(L)A, portanto, compromete esse
equilíbrio. (FRANÇA, 2002, p. 18 apud SOBREIRA, 2012, p. 160).
Figura 03 – Mapa conceitual parcial dos eixos de categorias abordados na revisão bibliográfica
Figura 04 – Mapa conceitual completo dos eixos de categorias abordados na revisão bibliográfica
uma aproximação coerente com uma realidade mais abrangente. Porém, com esses
apontamentos, remete a uma percepção mais sistêmica e científica da alfabetização.
A primeira dessas três visões particulares, a da imaginação popular ou
percepção empírica, aparece no trabalho de muitos estudiosos. Segundo ela, a
alfabetização é a característica distintiva mais importante do homem civilizado, e, em
contraponto, o analfabetismo é um problema de consequências sociais. Graff (1994)
afirma que essa compreensão, à medida que é analisada sob a ótica da
alfabetização popular, não se sustenta. Isso porque a alfabetização popular envolve
muito mais do que a identificação do alfabeto. Ela envolve também a “[...]
compreensão do alfabeto no nível elementar do desenvolvimento da criança, e [...]
esse é um fator político que varia de país para país [...]”; logo, “[…] as culturas
alfabetizadas não são todas socialmente alfabetizadas” (GRAFF, 1994, p. 25).
Na segunda das três visões particulares, segundo Graff (1994), os
historiadores abordam a alfabetização como um fenômeno histórico e mensuram
seu progresso a partir do desenvolvimento da história da escrita. Para o autor, essa
percepção de alfabetização também não é abrangente o suficiente para a
compreensão do fenômeno da alfabetização. Isso se dá porque “[...] as reais
condições de alfabetização dependem não apenas da história escrita, mas da
história da leitura” (GRAFF, 1994, p. 25). Ainda conforme o autor, é compreensível
que os historiadores se debrucem sobre a escrita, uma vez que a pesquisa sobre a
prática da leitura é muito difícil, pois essa prática não deixa artefatos passíveis de
análise.
Na terceira perspectiva, referente à antropologia, os pesquisadores tendem
também a equacionar as civilizações de acordo com o grau de alfabetização que
desenvolveram. Eles atribuem à escrita a tendência de ser “[...] uma técnica de
armazenamento de dados quando um dado nível de complexidade é alcançado”
(GRAFF,1994, p. 26). Contudo, evidências na África e nas Américas revelaram “[...]
sociedades complexas que necessariamente não tinham sistemas de escrita
plenamente desenvolvidos (inicialmente logossilábicos) e que aquelas civilizações
iniciais que não tinham escrita eram de complexidade comparável às que tinham
[...]” (GRAFF, 1994, p. 26).
69
humano. Discorrendo sobre esse tema, Frago (1993) aborda três momentos
distintos com diferentes concepções de analfabetismo nas pesquisas, inicialmente,
na Espanha e, posteriormente, em uma perspectiva mais universal, sobre a história
da alfabetização. Essa abordagem nos remete à evolução em três momentos da
percepção dos contextos materiais, culturais e históricos salientada por Graff (1994)
e sintetizada na Figura 07.
O primeiro momento focou a abordagem tradicional do fenômeno que se
constitui em uma “descrição mais ou menos boa da distribuição e evolução do
analfabetismo por sexo, idade, localização [...] acompanhada de uma tentativa de
determinar suas causas” (FRAGO, 1993, p. 29-30). Por conclusão, atribuiu a
alfabetização somente a um modo possível: “aquele desenvolvido através do
sistema escolar formal tal qual hoje o conhecemos” (FRAGO, 1993, p. 29-30).
Segundo esse primeiro momento, o analfabetismo era resultado de “[...] uma
escolarização e assistência escolar deficientes” (FRAGO, 1993, p. 29-30).
O segundo momento, iniciado na década de 1960, deslocou o centro de
atenção do analfabetismo para os processos de alfabetização: “partiu-se de uma
observação simples, mas crucial: o analfabetismo é a consequência da ausência de
um processo de alfabetização. O que deve ser estudado, portanto, são as causas,
agentes e modos de realização deste último” (FRAGO, 1993, p. 30). Ainda, segundo
o autor, essa
[…] qual é seu grau e tipo de relação com a cultura escrita e que ideias ou
conhecimentos possui a respeito, a fim de assentar sobre eles outros
ulteriores. […] negamos a possibilidade de que esta pessoa ou pessoas
possuam modos específicos de pensar e se expressar... Formularei, em
consequência, sua alfabetização não como uma prática dialógica e crítica –
de afirmação e revisão, ao mesmo tempo, graças a este novo modo de
analisar a realidade e de comunicar-se com os demais e consigo mesmo –,
mas como uma imposição cultural na qual eu – o alfabetizado – a partir da
minha posição superior imponho uma determinada maneira de ver a
realidade – a única, a correta – através da aprendizagem mecânica de
textos pré-elaborados. (FRAGO, 1993, p. 18).
Diante dessa definição, podemos compreender que uma cultura oral primária
pura, no sentido restrito, praticamente não existe hoje, salvo exceções, uma vez que
todas as culturas têm conhecimento da escrita ou sofreram alguns de seus efeitos.
Contudo, o pesquisador, ao diferenciar a oralidade primária da secundária, faz
uma ressalva muito pertinente, ao observar que “[...] em diferentes graus, muitas
culturas e subculturas, até mesmo num meio de alta tecnologia, preservam muito da
estrutura mental da oralidade primária” (ONG, 1998, p. 19). Remetendo a Ong
(1998), Frago (1993) mostra que essa nova oralidade preserva aspectos comuns à
oralidade primária, como, por exemplo,
Fischer (1959) indica que, se fosse da natureza do homem não ser mais do
que um indivíduo, ele seria tudo que era capaz de ser. O simples desejo do ser
humano de se desenvolver e se completar indica que ele é mais do que um
indivíduo, e tudo aquilo que ele pensa ou sente potencialmente pode incluir “tudo
aquilo que a humanidade, como um todo, é capaz” (FISCHER, 1959, p. 11).
Nesse sentido, a arte vem a ser uma forma indispensável para a união do
indivíduo com o todo, pois ela reflete a infinita capacidade para a associação, para
compartilhar experiências e ideias. A arte pode desempenhar esse papel porque,
segundo o autor, o trabalho, para um artista, “é um processo extremamente
consciente e racional, no final do qual a obra de arte surge como uma realidade
dominada e nunca como um estado de embriagante inspiração” (FISCHER, 1959, p.
12).
Pode-se estabelecer uma ligação da arte com a sociedade a partir de Marx
(2008). Este descreveu a epopeia como a forma de arte típica de uma sociedade
subdesenvolvida e afirmou que:
Quando a Grécia foi conquistada por Roma, sua música passou a receber
elementos heterogêneos da nação conquistadora, produzindo um misto de
elementos greco-romanos. Aos poucos, a inclinação ao grandioso e ao virtuosismo
se impôs, e a música se afastou da prática musical grega. A vida musical era
movimentada, e escolas de músicas foram criadas para os filhos dos patriarcas.
Com um número crescente de pessoas que buscavam o prazer e o capricho
pessoal, a música transformou-se completamente dos princípios gregos que a
regiam.
Na Idade Média, a música passou a ser considerada a mais alta divisão das
sete artes liberais, compartilhando o seu espaço com a aritmética, a astronomia e a
geometria. Tal organização também revela a influência das escolas gregas de
pensamento. Por influência dos neoplatônicos 10 e dos neopitagóricos, a aceitação da
música como parte de uma estrutura cognitiva de base numérica, e não verbal, fez
com que sua função se ampliasse, indo além de servir à moral e aos bons
propósitos (referindo-se ao aspecto teórico da música, e não a sua prática). O
exame filosófico e a compreensão de vários domínios do conhecimento eram
entendidos como arte na época.
Santo Agostinho11, no século XV, escreveu tratados sobre a relação da música
com a poesia. Nesses tratados, classificava a música como ciência, por relacioná-la
com a matemática. Para ele, a música estabelecia ordem à sociedade e obedecia a
lei da vida. Porém, diferentemente dos gregos, atribuía à arte esse papel
organizador e de submissão à lei da vida devido à agilidade mental que
proporcionava. Tal agilidade mental, em tempos atuais, chamaríamos de habilidades
cognitivas desenvolvidas pelo estímulo a múltiplas habilidades, exigida pela música
13 O ritmo musical envolve tudo que está relacionado com o tempo e o movimento. É a organização
temporal dos elementos musicais sem se importar quão flexível seja a forma de medir o tempo
em relação à irregularidade dos acentos e da duração dos sons (KENNEDY, 1994).
14 Resultado da interação entre a altura dos sons (graves/agudos) com o ritmo. As funções que
definem a melodia e a linguagem falada podem ser consideradas capacidades fundamentais
humanas, pois a linguagem falada é uma forma de comunicação. A melodia tem servido em todas
as culturas como uma forma de expressão emocional (KENNEDY, 1994).
15 Canto de uma única linha melódica (uma melodia), sem acompanhamento de instrumentos,
usado nas liturgias cristãs, normalmente cantado em mosteiros e em latim (KENNEDY, 1994).
92
corte ou capela” (FONTERRADA, 1998, p. 36). Tais raptos ocorriam, pois esses
meninos se tornavam muito hábeis e talentosos no canto, fazendo com que os
mestres de capelas16 os desejassem em seus coros. O objetivo desse tipo de
educação musical era somente atender às necessidades da corte, da Igreja e de
outras instituições religiosas. Não existia, nesse período, preocupação alguma com
o desenvolvimento educacional e musical da criança.
Segundo Aries17 (1981), no período medieval, não havia um limite entre
criança e adolescente. A longa infância era resultado da falta de percepção da
sociedade dos processos biológicos, a criança pequena era vista como um
animalzinho, fonte de diversão e entretenimento para os pais e habitantes do local.
A notação musical utilizada nesse período pressupunha a tradição oral e era
usada como ajuda mnemônica. Cada monastério cantava o repertório do seu próprio
coro. O problema residia quando se tornava necessária a inserção de um repertório
diferente, oriundo de outro monastério ou capela. Para isso acontecer, era
necessário que alguém fosse fisicamente ao monastério que originou determinado
canto, o aprendesse e ensinasse de memória essa nova música.
Por volta do século XII, Guido D'Arezzo 18, com o objetivo de educar o cantor
da maneira mais rápida possível, abandonou tudo que não estivesse relacionado ao
canto e concentrou seu trabalho em favorecer os resultados práticos da pesquisa
através da notação musical, privilegiando as habilidades práticas de execução
musical vocal. D’Arezzo inverteu a ênfase dada por Boécio, o qual valorizava
tecnologia de escrita e leitura musical. Essa nova forma musical tornou o ouvinte
mais consciente e ativo na audição musical. Seu ouvido estava acostumado a seguir
a música monódica do cantochão; agora, como ouvinte ativo, começava a escolher
que linha melódica gostaria de acompanhar dentro do universo de melodias
simultâneas a que estava sendo exposto. Assim, sua audição passou a tornar-se
mais seletiva e houve um salto qualitativo na relação do desenvolvimento perceptivo
e auditivo do indivíduo da época.
No período da Renascença, era do humanismo, da descoberta do homem e
do mundo, houve um retorno aos clássicos e uma busca constante pela unidade. Na
música, essa tendência pôde ser traduzida pela simultaneidade das vozes (linhas
melódicas) e, nas artes visuais, pela perspectiva. A percepção simultânea das
proporções levou ao conceito de harmonia22, e dela participaram o olho e o ouvido.
A música é uma ciência que deve ter regras definidas; estas regras devem
ser extraídas de um princípio evidente; e este princípio não pode ser,
realmente conhecido, sem a ajuda da matemática […] não é suficiente sentir
os efeitos da ciência ou da arte. É preciso também conceituar estes efeitos,
para torná-los inteligíveis. (RAMEAU, 1971, p. XXXV apud FONTERRADA,
2008, p. 63)
23 Jean-Philippe Rameau (1683-1764) foi um dos maiores compositores da França. É tido como a
maior expressão do Classicismo musical. Filho de organista na catedral de Dijon, seguiu a
carreira do pai, na qual se distinguiu desde cedo, trabalhando em várias catedrais. Influenciou a
teoria musical. Seu estilo de composição lírica pôs fim ao reinado póstumo de Jean-Baptiste Lully,
cujo modelo dominara a França por meio século. Escreveu várias óperas em vários gêneros,
sempre acolhidas com entusiasmo, mesmo desencadeando grandes polêmicas por sua ousadia,
inventividade e pelas novidades que introduziu. Era também professor de cravo, bastante em
moda na Paris de sua época. A técnica do dedilhado dos instrumentos de teclado deve-se muito a
Rameau. Foi "Compositor da Câmara do Rei", sendo agraciado poucos meses antes de morrer
com o título de Cavaleiro. Seu funeral foi cercado de pompa, recebendo também homenagens em
muitas cidades como um compositor excepcional que orgulhava a nação (KENNEDY, 1994).
24 Drama musical no qual o canto tem a função principal. Tipo de entretenimento monumental e
caro, normalmente financiado pelo governo, empresas ou filantropos. É considerada por alguns
como um gênero musical irracional e sem sentido e por outros como a manifestação suprema do
espírito humano (KENNEDY, 1994).
25 Sem significado ou não sendo possível a sua interpretação. (KENNEDY, 1994).
98
26 Wilhelm Richard Wagner (1813-1883) foi um maestro, compositor, diretor de teatro e ensaísta
alemão conhecido por suas óperas. As composições de Wagner são notáveis por suas texturas
complexas, harmonias ricas e orquestração e pelo elaborado uso de temas musicais associados
com caráter individual, lugares, ideias ou outros elementos. Por não gostar da maioria das outras
óperas de compositores, Wagner escreveu simultaneamente a música e o libreto para todos os
seus trabalhos. Foi o pioneiro em avanços da linguagem musical, tais como o cromatismo
extremo e a rápida mudança dos centros tonais, que muito influenciaram o desenvolvimento da
99
música erudita europeia. Sua influência vai além da música, é também sentida na filosofia, na
literatura, nas artes visuais e no teatro. Wagner conquistou tudo isso apesar de viver até suas
últimas décadas em exílio político, com amores turbulentos e na pobreza. O impacto de suas
ideias pode ser sentido em muitas artes ao longo de todo o século XX. (KENNEDY, 1994).
100
Quando a mãe diz ao filho “isto é uma xícara”, ela está distinguindo este
objeto de todos os outros demais e dirigindo para ele a atenção da criança.
Quando posteriormente a própria criança assimila o discurso (a princípio
exterior, depois interior), acha-se em condição de discriminar sozinha os
objetos nomeados, as qualidades ou ações, tornando sua atenção dirigível,
arbitrária.
[…] quanto mais complexa a ação exigida pela situação e menos direta sua
solução, maior é a importância que a fala adquire na operação como um
todo. Às vezes a fala adquire uma importância tão vital que, se não for
permitido seu uso, as crianças pequenas não são capazes de resolver a
situação. Estas observações me levam a concluir que as crianças resolvem
suas tarefas práticas com a ajuda da fala, assim como dos olhos e das
mãos. Esta unidade de percepção, fala e ação, que, em última instância,
provoca a internalização do campo visual, constitui o objeto central de
qualquer análise da origem das formas caracteristicamente humanas de
comportamento. (VYGOTSKY, 1991, p. 21).
É a partir da fala que a criança adquire a capacidade de ser tanto objeto como
também sujeito de seu próprio comportamento. Em um primeiro momento, a fala
segue a ação, sendo provocada e dominada pela atividade. Posteriormente, surge a
função planejadora da fala, na qual ela dirige, determina e domina a ação.
objetos. Neste nível, ela já superou seu egocentrismo e não confunde mais suas
próprias impressões com as relações entre as coisas. Esse tipo de pensamento
constitui “[…] um pensamento objetivo e coerente, embora não reflita as relações
dos objetos do mesmo modo que o pensamento conceitual” (VYGOTSKY, 2008, p.
76).
Nesse estágio de desenvolvimento, a criança pensa em termos de nomes de
famílias; o universo dos objetos se organiza em agrupamentos de famílias
separadas que guardam relações entre si. As ligações entre os elementos são
concretas. Por esses motivos, as ligações criadas carecem de uma unidade lógica.
Assim, um agrupamento pode ter muitos elementos (objetos) diferentes.
Nessa segunda fase, Vygotsky (2008) observou cinco tipos de complexos. O
primeiro deles é do tipo associativo, no qual a criança pode associar a um objeto
nuclear qualquer objeto que apresente alguma relação com ele e acrescentá-lo
então ao grupo, designando-o como de mesma família.
O segundo tipo é por coleções. Nele, os objetos são agrupados com base em
alguma característica que os diferencie e, como consequência, os tornem
complementares. O pensamento por contraste, e não por semelhança, é o que
orienta a criança. Porém, ao longo do processo, a criança deixa de lado o princípio
que aceitou no início como a base da coleção e passa a considerar uma nova
característica.
Esse tipo de pensamento é considerado pelo autor como a mais pura forma
do pensamento por complexos, pois não há núcleo, apenas relações entre
elementos isolados e mais nada. O autor identificou que essas relações formadas
entre os elos podem mudar quase imperceptivelmente de elo para elo.
Às vezes, os atributos considerados nessas relações não necessariamente
ocorrem em uma semelhança real, “mas devido a uma vaga impressão de que eles
têm algo em comum” (VYGOTSKY, 2008, p. 81). Esse quarto complexo é chamado
de complexo difuso, pois “é caracterizado pela própria fluidez do próprio elemento
que une os seus elementos” (VYGOTSKY, 2008, p. 81).
Como último estágio do pensamento por complexos, ou “a ponte” entre os
complexos e a formação de conceitos, nas palavras de Vygotsky (2008), encontra-se
o chamado pseudoconceito. A generalização formada na mente da criança nesse
estágio, embora nas observações seja semelhante ao conceito nos adultos,
psicologicamente é muito diferente.
Quando se trata dos significados das palavras, o pensamento por complexos
não se desenvolve espontaneamente nas crianças, e sim a partir do contato com os
significados já existentes na linguagem dos adultos.
Logo, a diferença entre o pseudoconceito e o conceito é muito tênue e de
difícil percepção. Essa semelhança externa levou à evolução equivocada dos
processos de desenvolvimento intelectual da criança.
115
Quando passa a dominar a fala exterior, a criança começa por uma palavra,
passando em seguida a relacionar duas ou três palavras entre si; um pouco
mais tarde, progride das frases simples para as mais complexas, e
finalmente chega à fala coerente, constituída por uma série dessas frases;
em outras palavras, vai da parte ao todo. Por outro lado, quanto ao
significado, a primeira palavra da criança é uma frase completa.
Semanticamente, a criança parte do todo, de um complexo significativo, e
só mais tarde começa a dominar as unidades semânticas separadas, os
significados das palavras, e a dividir o seu pensamento, anteriormente
indiferenciado, nessas unidades. Os aspectos semântico e externo da fala
seguem direções opostas em seu desenvolvimento – um vai do particular
para o geral, da palavra para a frase, e o outro vai do geral para o particular,
da frase para a palavra. (VYGOTSKY, 2008, p. 157).
[…] toda a palavra comporta duas faces. Ela é determinada pelo fato de que
precede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela
constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda a
palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra,
defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à
coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os
outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra se apoia
sobre o meu interlocutor. A palavra é território comum do locutor e do
interlocutor. (BAKHTIN, 1997, p. 113).
Cada ser é só, e ninguém pode dispensar os outros, não apenas por sua
utilidade, que não está em questão aqui, mas para sua felicidade. Não há
vida em grupo que nos livre do peso de nós mesmos, que nos dispense de
ter uma opinião; e não existe vida "interior" que não seja como uma primeira
experiência de nossas relações com o outro. Nesta situação ambígua na qual
somos lançados porque temos um corpo e uma história pessoal e coletiva,
não conseguimos encontrar repouso absoluto, precisamos lutar o tempo todo
para reduzir nossas divergências, para explicar nossas palavras mal
compreendidas, para manifestar nossos aspectos ocultos, para perceber o
outro. A razão e o acordo dos espíritos não pertencem ao passado, estão,
presumivelmente, diante de nós, e somos tão incapazes de atingi-los
definitivamente como de renunciar a eles." (Merleau-Ponty, 1948, pg.50).
27 Nikolay Sergeyevich Trubetzkoy (Moscou, 1890 - Viena, 1938) foi um linguista russo cujos
preceitos formaram o núcleo do Círculo de Praga de Linguística Estrutural. Ele é considerado o
fundador da morfofonologia. No seu livro Princípios de Fonologia, publicado após sua morte,
apresenta sua famosa definição de fonema como a menor unidade distintiva na estrutura de uma
língua. Esse trabalho foi crucial para que a fonologia e a fonética passassem a ser vistas como
duas ciências distintas.
127
[…] agora pode-se comparar a mitologia quer com a linguagem, quer com a
música, mas há uma diferença: na mitologia não há fonemas; os elementos
básicos são as palavras. Assim, se se tomar a linguagem como um
paradigma, é constituído por, em primeiro lugar, fonemas; em segundo
lugar, palavras; em terceiro lugar, frases. Na música há o equivalente aos
fonemas e o equivalente às frases, mas falta o equivalente às palavras. No
mito há um equivalente às palavras, um equivalente às frases, mas não há
equivalente para os fonemas. Há, portanto, em ambos casos, um nível que
falta. Se tentarmos entender a relação entre linguagem, mito e música, só o
podemos fazer utilizando a linguagem como ponto de partida, podendo-se
depois demonstrar que a música, por um lado, e a mitologia, por outro, têm
origem na linguagem, mas que ambas as formas se desenvolveram
separadamente e em diferentes direções: a música destaca os aspectos do
som já presentes na linguagem, enquanto a mitologia sublinha o aspecto do
sentido, o aspecto do significado, que também está profundamente presente
na linguagem. (LÉVI-STRAUSS, 1978, p. 48).
A abordagem dada por Lévi-Strauss (1978) nos leva direto ao encontro com
os estudos linguísticos como um campo possível de fornecer subsídios para a
continuação desta investigação. Porém, o que podemos observar é que essa
tentativa de entendimento acaba por fragmentar o objeto de estudo da
musicalização e da alfabetização, privilegiando, assim, uma compreensão dos
elementos individuais que não necessariamente guardam unidades significativas do
todo, aqui, a significação em música. Neste caso em específico, o foco seria a
concreticidade da linguagem como forma, expressão e comunicação.
28 Claude Lévi-Strauss (Bruxelas 1908 - Paris 2009) foi um antropólogo, professor e filósofo francês.
É considerado fundador da Antropologia Estruturalista em meados da década de 1950 e um dos
grandes intelectuais do século XX. Desde seus primeiros trabalhos sobre os povos indígenas do
Brasil, que estudou em campo, no período de 1935 a 1939, e a publicação de sua tese As
estruturas elementares do parentesco, em 1949, publicou uma extensa obra, entre elas uma
tetralogia, as Mitológicas, dedicada ao estudo dos mitos.
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4.3 POSSIBILIDADES...
29 Frederic Paulhan (1856-1931) foi psicólogo francês. Ocupou-se das questões da psicologia dos
processos cognitivos (concretamente, do pensamento, da memória e da linguagem) e da
psicologia dos afetos.
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30 Tônica em música se relaciona ao primeiro grau de uma escala ,ou sequencia de notas. Tem um
caráter de repouso e estabilidade. (KENNEDY, 1994).
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
FRANÇA, Cecília Cavalieri. Por dentro da matriz. Revista da ABEM, Porto Alegre,
v. 16, 83-94, mar. 2007.
GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, Cursos de Estética, volume III. Tradução Marco
Aurélio Werle, Oliver Tolle; consultoria Victor Kmoll. São Paulo: Editora Universidade
de São Paulo, 2002.
LURIA, Alexander R. Curso de psicologia geral. v. I, II, III e IV, Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1979.
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
147
WISNIK, José Miguel. O som e o sentido. São Paulo - Companhia das letras, 1989.