PF 58
PF 58
PF 58
A FICHA A, disponibilizada pelo JNE, constitui um instrumento criado para o efeito de não penalização
na classificação das provas finais de ciclo do ensino básico, das provas de equivalência à frequência e
dos exames finais nacionais do ensino secundário, realizados pelo/as aluno/as com Dislexia. Esta, com
a respetiva nota explicativa, acompanha a prova ou exame, para informação e orientação ao professor
classificador.
A FICHA A reflete as dificuldades específicas do/a aluno/a, ao nível da Linguagem (escrita e oral) e do
Processamento Numérico.
A maioria das crianças e jovens que recebem uma instrução adequada aquando da aprendizagem da
leitura e da escrita aprende a ler e a escrever sem grandes dificuldades. No entanto, uma percentagem
significativa depara-se com dificuldades específicas impactantes e persistentes na aquisição e
utilização destas habilidades. A dislexia, com uma prevalência estimada de 5,4% a 8,4% em Portugal1,
definida como uma perturbação do neuro-desenvolvimento de origem genética, ilustra este quadro
de dificuldades específicas na leitura com repercussão na escrita. Estas dificuldades, de origem
neurobiológica, não poderão ser atribuídas a um baixo nível de inteligência, nem a fatores como a falta
de motivação, ambiente social pouco estimulante, défices sensoriais, ou instrução inapropriada.
1 Vale, A. P., Sucena, A., & Viana, F. (2011). Prevalência da dislexia entre crianças do 1. º ciclo do ensino básico falantes do português europeu.
Revista Lusófona de Educação, (18), 45-56.
2 Catts, H. W. (1989). Phonological processing deficits and reading disabilities. In A. Kamhi & H. Catts (Eds.), Reading disabilities: A
A identificação das palavras escritas (i.e., reconhecimento das palavras) pode definir-se como o
processo de recuperação das características dessas palavras no léxico mental (“base de dados” relativa
ao conjunto das representações das palavras). A informação lexical (i.e., as representações mentais)
dessas palavras pode ser, por exemplo, ortográfica (escrita), fonológica (som) ou semântica
(significado). A chamada leitura ortográfica pressupõe a constituição de um léxico mental ortográfico,
onde representações de natureza ortográfica (as letras, ou estruturas maiores do que a letra) estarão
armazenadas. É fundamental que, no decurso da aprendizagem, seja atingida automaticidade no
reconhecimento das palavras escritas. O conceito de automaticidade refere-se à habilidade de uma
criança para reconhecer as palavras rapidamente, prestando pouca atenção à palavra em si mesma5
A avaliação da fluência na leitura oral deve considerar as normas relativas à faixa etária e/ou o ano de
escolaridade do leitor.
Os leitores com boas habilidades de decodificação (o que não é o caso dos leitores com dislexia)
apresentam uma prosódia mais apropriada na leitura em voz alta. Assim, o desenvolvimento da
prosódia em leitura parece depender das habilidades de decodificação, o que está de acordo com a
visão consensual de que a leitura com prosódia é um fenómeno que ocorre apenas quando a
habilidade de decodificação é eficiente.8
5
Ehri, L. C. (2005). Learning to read words: Theory, findings, and issues. Scientific Studies of Reading, 9(2), 167-188.
https://doi.org/10.1207/s1532799xssr0902_4
6 Fernandes, S., Querido, L., Verhaeghe, A., Marques, C., & Araújo, L. (2017). Reading development in European Portuguese: relationships
between oral reading fluency, vocabulary and reading comprehension. Reading and Writing, 30, 1987-2007. https://doi.org/10.1007/s11145-
017-9763-z
7 Morais, J., Araújo, L., Leite, I., Carvalho, C., Fernandes, S. & Querido, L. (2012). Criar leitores: O ensino da leitura-para professores e
in European Portuguese? Evidence from grades 2 to 5. Journal of Research in Reading, 41, S102-S129. https://doi.org/10.1111/1467-
9817.12248
9 Pikulski, J. J., & Chard, D. J. (2005). Fluency: Bridge between decoding and reading comprehension. The Reading Teacher, 58(6), 510-519.
https://doi.org/10.1598/RT.58.6.2
A leitura automática e precisa, i.e., com fluência, liberta recursos atencionais que o leitor pode usar
nos níveis superiores dos processos de compreensão (como a codificação de proposições, inferência,
interpretação e integração)10.
Uma boa compreensão em leitura, segundo o mais influente modelo teórico11, resulta do produto
entre uma boa decodificação (e reconhecimento de palavras) e uma boa compreensão oral (muitas
vezes representada pelo vocabulário oral). De facto, a evidência científica mostra que o vocabulário
oral tem um impacto significativo na compreensão em leitura, além da consciência fonémica, do
conhecimento de letras e do reconhecimento de palavras. Quando as crianças e jovens se veem
confrontados com textos linguisticamente mais complexos, a contribuição do vocabulário aumenta e
a contribuição do reconhecimento de palavras diminui.
Crianças e jovens com dislexia apresentam défices na leitura e na escrita, como também em vários
aspetos do processamento numérico (e.g., velocidade de contagem e recuperação de factos
aritméticos – tabuadas da adição e da multiplicação). Os défices no desenvolvimento da aritmética
serão mais marcados num diagnóstico comórbido de dislexia e discalculia, cuja prevalência estimada
é de 20% a 70%13. Nestes casos, mantêm os défices específicos e partilham défices de domínio geral
(e.g., memória de trabalho e velocidade de processamento).
10 LaBerge, D., & Samuels, S. J. (1974). Toward a theory of automatic information processing in reading. Cognitive Psychology, 6, 293–323.
11 Gough, P. B., & Tunmer, W. E. (1986). Decoding, reading, and reading disability. Remedial and Special Education, 7, 6–10.
12 Querido, L., Fernandes, S., Verhaeghe, A., & Marques, C. (2020). Lexical and sublexical orthographic knowledge: Relationships in an
spelling development in five European orthographies. Learning and instruction, 29, 65-77.
https://doi.org/10.1016/j.learninstruc.2013.09.003
Descrição (e exemplificação) das categorias de erros e dificuldades contempladas na FICHA A.
A - LEITURA
B. ESCRITA
A produção oral das crianças e jovens com dislexia e/ou com Perturbação da Linguagem está
frequentemente prejudicada em vários aspetos, sendo este prejuízo mais marcado na Perturbação da
Linguagem. A Ficha A enumera um conjunto de dificuldades e défices habitualmente observados em
vários domínios (e.g., articulatório, fonológico, lexical, semântico e gramatical).
D. Processamento Numérico
Os primeiros permitem a compreensão de quantidades (e.g., conjuntos com mais vs. menos
elementos), de relações quantidade-número; de valores numéricos (número mais pequeno vs. maior),
do valor da posição do número/dígito e a noção de ordem (crescente, decrescente).
Dos segundos, de produção, são exemplos, copiar e dizer números oralmente, escrever números a
partir de ditado e contar.
Dos mecanismos de cálculo fazem parte a recuperação de factos aritméticos (e.g., tabuada da adição
e da multiplicação) e os procedimentos de cálculo (simples – horizontal e complexo/operações –
vertical).
Dificuldades num ou em vários destes processos levam a dificuldades e erros de natureza diferente. O
Ponto D da Ficha A engloba vários tipos de dificuldades e erros frequentemente observados em
crianças e jovens com dislexia (e com perturbação da linguagem), com maior predomínio e gravidade
nos casos de diagnóstico de dislexia em comorbilidade com discalculia.