Era de Bronze
Era de Bronze
Era de Bronze
ERA DE BRONZE
Continuando com Breve passeio pelas HQs, uma série de artigos em que pretendo comentar as quatro
principais eras da história das revistas em quadrinhos: a Era de Ouro (1938-1956), a Era de Prata (1956-
1970), a Era de Bronze (1970-1984) e a Era Moderna (1985- atualmente). E no artigo desta quinzena
falaremos sobre a Era de Bronze!
Só recapitulando: as revistas em quadrinhos surgiram como uma evolução das tirinhas de jornal, inicialmente
compilando essas mesmas tirinhas e mais tarde publicando conteúdo inédito e continuado; Action Comics
#1 (1938) marca o nascimento do Superman e da Era de Ouro, além de ser considerada a precursora do
“gênero super-herói”, que viria a ser o mais explorado e lucrativo do formato. Esse período, recheado de
novidades e novas propostas, levando em conta a Segunda Guerra Mundial e suas consequências, teve um
término abrupto em 1956, quando o Comics Code Authority estava no auge, censurado e desfigurando
diversos conteúdos.
O renascimento do “gênero de super-herói” em 1956, liderado pela repaginação do Flash e de tantos outros
personagens que vieram em seguida, marcam o início de uma nova fase para os quadrinhos, protagonizada
também pela ascensão de heróis da Marvel, mais humanos e com problemas mais realistas, como os X-
Men e o Quarteto Fantástico. Claro que há um infindável mundo de outros gêneros, personagens e editoras
além da Marvel e DC, mas é inegável que o “gênero de super-herói” foi e continua sendo o foco tanto do
mercado, com as duas editoras responsáveis por cerca de 70% de todas as vendas no cenário norte-
americano (em termos comparativos, nenhuma outra editora chega a 10%), quanto é o foco de boa parte
dos debates de fãs e de críticos especialistas.
É nesse caminho que chegamos à Era de Bronze, período em que começou a amadurecer o “gênero de
super-herói”, trazendo temas sociais mais relevantes à época, assim como abordagens mais realistas, como
a morte, o preconceito, a presença feminina, entre outros. Apesar de não possuir nenhum evento que
marque o início desse período, houve um conjunto de aspectos por volta de 1970 que moldou as histórias
que viriam a ser escritas até 1985, como a saída ou morte de editoras, escritores e desenhistas clássicos,
como a saída de Jack Kirby da Marvel rumo à DC.
Outro acontecimento interessante é a mudança de preços e público-alvo do mercado, já que os quadrinhos
eram um produto muito barato desde seus primórdios, feitos quase de maneira descartável. O
amadurecimento e aperfeiçoamento do formato fizeram com que o valor de capa sofresse uma inflação,
assim como a distribuição em lojas especializadas: as comic book shops. Isso permitiu que novas editoras
surgissem, assim como novos nichos. E é interessante dizer que o formato dessas lojas funcionam até hoje,
com o mercado norte-americano publicando às quartas-feiras nessas lojas, utilizando uma grande e principal
distribuidora, a Diamond, mas que sofreu um grande baque durante esta epidemia, com a interrupção das
publicações durante alguns meses e fazendo o mercado repensar seu modelo de distribuição.
Bom, chega de conversa e vamos listar um pouco o que marcou esse período.
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Heróis lidando com vícios
O Comics Code Authority ainda ditava muitas regras durante esse período, uma delas era a proibição da
presença de álcool e drogas nas HQs. Apesar disso, tanto os autores quanto as editoras passaram a burlar
ou simplesmente ignorar o código. Vale lembrar que, oficialmente, essa censura sobreviveu até meados de
2000, mas na prática já não era mais utilizada.
Em 1971, por exemplo, a Marvel pediu que Stan Lee desenvolvesse uma história abordando o abuso de
drogas, com uma mensagem contrária ao uso delas, na revista do Homem-Aranha. E, apesar da
desaprovação do código, Stan Lee a escreveu. “A Volta do Duende Verde” foi publicada em The amazing
Spider-Man #96–98 e mostrava o Homem-Aranha salvando Harry Osborn, o filho do vilão Duende Verde,
da morte por overdose. O tom panfletário da história, do tipo “não use drogas, você vai morrer!”, assim como
seu sucesso, fez com que o Comics Code Authority repensasse suas normas.
Nessa mesma esteira, a DC publicava ainda em 1971 a história “Snowbirds Não Voam” em Green
Lantern/Green Arrow #85-86, escrita por Dennis O’Neil e revelando que Ricardito, o parceiro mirim do
Arqueiro Verde, era viciado em heroína. A capa, inclusive, é bastante impactante até mesmo para os padrões
de hoje, mostrando o Ricardito sendo pego de surpresa usando a droga, além de estampar a chamada “A
DC ataca o maior problema da juventude … drogas!”. Ah!, o termo snowbird se refere, em inglês, aos
usuários de heroína.
Outra história que merece comentário é “Demônio na garrafa”, escrita por David Michelinie e Bob Layton,
publicada na revista The invincible Iron Man #120-128 em 1979. Um arco longo, se comparado com as
histórias curtas envolvendo Harry Osborn ou Ricardito, que explorou o alcoolismo do Homem de Ferro, como
o herói lidou com o vício, do fundo do poço ao auge. Foi um raro momento em que um herói de certa
importância enfrentava uma crise dessa proporção, que poderia maculá-lo pra sempre. Felizmente, a história
foi um sucesso e permanece como uma das leituras obrigatórias do Homem de Ferro.
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De 1938 até 1970 a figura do herói era majoritariamente a do homem branco, norte-americano e hétero.
Claro que tínhamos a Mulher-Maravilha, porém era a exceção. Na década de 1960 o cenário começou a
mudar, com heroínas como a Jean Grey e a Mulher Invisível, além dos heróis negros Pantera Negra e
Falcão, todos da Marvel, abrindo o caminho para o que viria a ganhar mais força na década seguinte.
Aliás, a Marvel sempre abordou de maneira mais eficiente, em relação à DC, essa questão da diversidade.
Em 1972, por exemplo, Luke Cage era o primeiro herói negro a ter sua própria revista. Já em 1975, ela
publicava Giant size X-Men, composta por uma equipe extremamente internacional, que viria ser a segunda
formação dos mutantes: Wolverine (canadense), Pássaro Trovejante (índio norte-americano), Tempestade
(ascendência queniana), Colossus (russo), Noturno (alemão), Solaris (japonês) e Banshee (irlandês). Os X-
Men já eram o grupo que mais debatia e apresentava personagens de diversas etnias e nacionalidades. Em
1992, por exemplo, o mutante Estrela Polar seria um dos primeiros heróis a se assumir gay.
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Entre outras estreias da Marvel durante esse período se destacam a Ms. Marvel, em 1977, e Mulher-Hulk,
em 1980, ambas em revista própria. No quesito religiosidade, Lince Negra dos X-Men e o Cavaleiro da Lua
se destacavam por serem judeus. A DC, por outro lado, sempre teve os heróis mais tradicionais, mas ainda
criou e desenvolveu alguns personagens importantes fora do modelo “homem branco”: o Lanterna Verde
John Stewart estreava em 1971; Cyborgue, que se tornaria líder dos Novos Titãs, estreava em 1980; e a
Vixen, primeira heroína africana da DC, chegava em 1981.
• O apelo jovem e a diversidade étnica dos X-Men da Marvel fizeram com que a DC reformulasse
seus Novos Titãs (ou Jovens Titãns) em 1980 pelas mãos do escritor Marv Wolfman e
desenhista George Pérez, que introduziu personagens como o Cyborgue, Mutano, Ravena e
Estelar.
• A explosão e a implosão da DC: seguindo o rastro de alguns sucessos e inovações em meados
dos anos 1970, a DC chegou a aumentar o número de páginas de suas revistas, assim como o
valor de capa, apostando alto nesse novo formato. O público, entretanto, não comprou a ideia e
fez com que a editora quase falisse em 1978, gerando o cancelamento de dezenas de revistas e
a migração de parte do público para a Marvel, que teve seus ganhos aumentados.
• Alguns gêneros tiveram seu fim durante a Era de Bronze, como as histórias de velho oeste,
temáticas de guerra ou românticas, que até hoje pertencem a um nicho bem pequeno.
• Histórias infantis no Brasil: as tiras do Maurício de Souza evoluíram para o formato de história
em quadrinhos no início dos anos 1970, com a Turma da Mônica, publicada até hoje. Além da
Turma, seus protagonistas também receberam séries próprias: Cebolinha, Cascão, Mônica e
Magali, somando milhares de edições. A editora responsável nesse período era, principalmente,
a editora Abril. Além desses títulos e de personagens Disney, como Mickey e Zé Carioca, a Abril
publicava séries, como Bolinha e Luluzinha, Pantera Cor de Rosa, personagens Hanna-Barbera,
como Jetsons e Flinstones
• O boom dos heróis no Brasil: os heróis Marvel e DC começaram a sair no Brasil com maior
frequência e fidelidade, além de maior número, no começo dos anos 1980 também pela editora
Abril, que foi a maior editora de quadrinhos no país até meados dos anos 2000, quando perdeu
os direitos da Marvel e DC para a Panini Comics.
• Os precursores das graphic novels: em 1978 o autor Will Eisner publicava uma de suas obras
de arte, a HQ Contrato com Deus, sua tentativa bem sucedida de criar uma história em
quadrinhos que fugisse dos clichês do gênero, com um apelo emocional mais forte e formato
maior, se sobressaindo sobre os demais títulos. Seu nome seria dado à maior premiação de
quadrinhos dos EUA em 1988, o Eisner Awards. O escritor Art Spiegelman também começaria
a publicar sua série Maus em 1980, uma história biográfica sobre a origem judaica e a
sobrevivência de seu pai durante o Holocausto, retratando os judeus como ratos, os alemães
como gatos e os poloneses como porcos. Em 1992, um ano após finalizar a história, Maus foi a
primeira e única história em quadrinhos a ganhar o Prêmio Pulitzer. Essas novas abordagens dos
quadrinhos viriam a originar o sucesso do formato graphic novel, que protagonizaram grande
parte da Era Moderna, próxima e atual era dos quadrinhos