Pensamento Politico Brasileiro
Pensamento Politico Brasileiro
Pensamento Politico Brasileiro
Brasileiro
Autora: Profa. Angélica Lúcia Carlini
Colaboradoras: Profa. Josefa Alexandrina da Silva
Profa. Ivy Judensnaider
Professora conteudista: Angélica Lúcia Carlini
Graduada em Direito pela Faculdade Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica – PUC de São Paulo
(1982). Possui mestrado em História Contemporânea pelo Programa de Pós‑Graduação do curso de História da PUC
de São Paulo. Mestre em Direito Civil pelo Programa de Pós‑Graduação do curso de Direito da Universidade Paulista
– UNIP (2002). Doutora em Educação pela PUC de São Paulo (2006). Também possui doutorado em Direito Político e
Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2012).
Atualmente, leciona a disciplina de Pensamento Político Brasileiro no curso de Licenciatura em Ciências Sociais da
Universidade Paulista – UNIP.
Atua na UNIP como professora da graduação em Direito desde 1998. Nesse período, já ministrou aulas das seguintes
disciplinas: Filosofia do Direito, História do Direito, Hermenêutica, Direito Empresarial e Direito do Consumidor.
Também é professora‑convidada de cursos de pós‑graduação em Direito em vários locais do Brasil, como Minas
Gerais, Rio Grande do Sul e o interior do Estado de São Paulo.
140 p. il.
CDU 32
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Vitor Andrade
Juliana Mendes
Sumário
Pensamento Político Brasileiro
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8
Unidade I
1 PRIMEIRAS REFLEXÕES.....................................................................................................................................9
2 HISTÓRIA DO PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO........................................................................... 13
2.1 A expansão portuguesa e o descobrimento............................................................................... 15
2.2 Os índios e os negros na formação da sociedade brasileira................................................ 17
2.3 Organização política colonial – Igreja e Coroa......................................................................... 26
2.4 Organização econômica colonial: a propriedade da terra e a produção........................ 35
3 PRINCIPAIS AUTORES E TEORIAS............................................................................................................... 40
3.1 Características do pensamento político brasileiro................................................................... 63
4 PANORAMA POLÍTICO BRASILEIRO NO IMPÉRIO E NA PRIMEIRA REPÚBLICA....................... 65
4.1 O patrimonialismo................................................................................................................................ 68
4.2 Nacionalismo.......................................................................................................................................... 72
4.3 O pensamento liberal conservador................................................................................................ 76
Unidade II
5 O BRASIL: AUTORITARISMO E MASSAS................................................................................................... 84
5.1 O coronelismo......................................................................................................................................... 84
6 O AUTORITARISMO E O PENSAMENTO POLÍTICO................................................................................ 91
7 O POPULISMO NA POLÍTICA BRASILEIRA............................................................................................... 97
8 TEÓRICOS DO PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO........................................................................103
8.1 Joaquim Nabuco..................................................................................................................................103
8.2 Oliveira Viana........................................................................................................................................106
8.3 Sérgio Buarque de Holanda............................................................................................................110
8.4 Raimundo Faoro..................................................................................................................................114
8.5 Caio Prado Júnior................................................................................................................................117
8.6 Francisco Weffort................................................................................................................................121
APRESENTAÇÃO
Estudar ciência política é muito importante na sociedade contemporânea, tanto no Brasil como em
todo o mundo.
Atualmente, vivenciamos um momento histórico, marcado por sucessivas e rápidas mudanças sociais
e econômicas, e, para entender por que essas transformações ocorrem e o que elas impactam na vida
das pessoas, é necessário ter bom conhecimento de política.
No plano interno da sociedade brasileira também vivemos inúmeros acontecimentos que para serem
compreendidos com maior amplitude dependem de conhecimento sobre política. Alguns bons exemplos
são: a violência urbana e na área rural; os movimentos sociais como o MST; a escassez de políticas
públicas para as áreas de saúde e educação, que ainda são bem precárias no Brasil; a discussão sobre a
viabilidade e a eficiência de políticas públicas como o Bolsa Família, a inclusão por meio de cotas raciais
ou cotas sociais; todas essas são questões sociais e econômicas que precisam ser estudadas para serem
compreendidas de forma mais ampla.
Os debates da última eleição nacional foram marcados por um tom bastante agressivo, em especial
nas redes sociais. Muitas pessoas se desentenderam com amigos e familiares em razão das diferentes
opções de voto, em especial no segundo turno, quando a disputa é restrita a apenas dois candidatos.
De fato, eleições presidenciais diretas ocorrem no Brasil desde 15 de novembro de 1989. Antes disso,
ficamos por 25 anos (desde 1964 até 1989) sem tal privilégio.
Entre 1964 e 1985 vivemos o tenebroso período da Ditadura Militar, que suprimiu o direito de livre
escolha de governantes, além de proibir todas as formas de manifestação do pensamento, fosse esta da
imprensa, do povo, de estudantes etc.
Essa época deixou marcas profundas na sociedade brasileira, que ainda tenta superá‑las. Um dos
sinais pode ser a tradicional aversão ou pouca importância que a população brasileira dedica às questões
políticas. Isso não é um defeito! É consequência do fato de termos vivido muitos momentos políticos
conturbados, autoritários, em que o povo foi deliberadamente afastado das decisões políticas por setores
sociais organizados que desejavam ocupar o poder sem interferências.
Tais ocorrências não são características somente no Brasil, pois muitos países do mundo ainda
apresentam resquícios da herança autoritária e ditatorial e hoje tentam encontrar melhores caminhos
para sua organização política, social e econômica.
Esta obra destaca os períodos ditatoriais de alguns países na América Latina, por exemplo, Uruguai,
Paraguai, Argentina, Chile, que sofreram torturas e violação de direitos humanos nas décadas de 1960 e
1970, e até hoje esses fatos repercutem nas questões políticas contemporâneas dessas nações.
Pensar sobre política é muito mais do que saber decidir adequadamente nas urnas. Essa é uma parte
importante do processo político, mas não é tudo! O livro‑texto destaca que é preciso entender: por que a
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sociedade se organiza de uma forma, e não de outra; qual a razão de nossas instituições apresentarem problemas
de eficiência e por vezes até de credibilidade, como acontece com o Poder Legislativo e com o Executivo.
O objetivo desta disciplina é permitir aos alunos de Licenciatura em Ciências Sociais que adquiram
amplo conhecimento sobre os principais aspectos da formação histórica do pensamento político
no Brasil, seus protagonistas centrais e as ideias que difundiram. Sua meta é estudar a formação do
pensamento político brasileiro.
Com as reflexões das ideias apresentadas neste livro‑texto, exige‑se que o aluno analise de forma crítica
a realidade social e política em que vive e, na sua atividade profissional como professor, pesquisador ou
agente público, desenvolva estratégias de ação fundamentadas em seus conhecimentos, a fim de garantir
que a atuação seja ética, comprometida com a história brasileira e suas lições e, em especial, condizente
com o ideal republicano e constitucional de formação de uma sociedade mais solidária e mais justa.
Para todo aluno que se licenciar em Ciências Sociais, é fundamental possuir conhecimento
da formação histórica, política, social e econômica do Brasil, e, para isso, o estudo do pensamento
político brasileiro adquire especial importância e funcionalidade, pois permitirá ao futuro profissional
compreender as razões que nos trouxeram até este momento histórico e o potencial que esta sociedade
tem para determinar como será o seu futuro.
Ao trabalho!
INTRODUÇÃO
Alguns aspectos vão merecer estudo mais aprofundado em razão de sua relevância, como o
patrimonialismo, o nacionalismo e o pensamento liberal conservador.
A apresentação desse conteúdo será ampliada com as sugestões de leituras e filmes que este trabalho
vai contemplar, de modo que o aluno possa participar intensamente da construção do conhecimento,
tornando‑se protagonista de sua formação profissional e intelectual.
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Unidade I
INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
1 PRIMEIRAS REFLEXÕES
Há ainda quem diga que a política tem uma conotação pejorativa, de algo que se faz não exatamente
às claras, ou que representa estratégias e mecanismos de favorecimento de interesses escusos, como
suborno, corrupção. É nesse sentido que parte da população utiliza a expressão “politicagem”, ou seja,
aquilo que não é limpo, honesto, que não se destina a garantir o bem comum, mas apenas interesses
privados e desonestos.
Qual é, então, o sentido que devemos atribuir à política neste trabalho, o qual se dispõe a estudar a
formação do pensamento político brasileiro?
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Unidade I
Bobbio (2000) reflete ainda sobre as ligações estreitas entre política e moral e entre política e ética.
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Figura 2 – Aristóteles
Quando tratamos de política, Aristóteles é um dos primeiros pensadores a que se recorre para
estudar, porque foi um dos precursores das reflexões sobre o papel da política na sociedade organizada
pelos homens.
Aristóteles nasceu em Estagira, na Grécia, em 384 a.C. e faleceu em Cálcis, Eubeia, Grécia, em 322 a.C.
Foi discípulo de Platão e tutor de Alexandre, o Grande. É considerado o pai da ciência política ocidental. Foi
o fundador do Liceu, em Atenas, uma escola que desenvolveu pesquisas em várias áreas do conhecimento.
Contudo, o grande destaque dessa personagem foram os estudos de política e de filosofia.
Em seu livro A política, o filósofo faz uma interessante reflexão para nos auxiliar na compreensão da
sociedade em que vivemos.
Para Aristóteles, a sociedade é o eixo do indivíduo. Destaca que só seria o contrário salvo este fosse
um deus, ou seja, uma figura mítica capaz de solucionar todos os seus problemas e ter total domínio
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Unidade I
sobre seus destinos, o que sabemos ser surreal. Dessa forma, o homem só desenvolverá plenamente seu
potencial se inserido em uma sociedade.
O Estado surge na história da humanidade para estabelecer direitos e deveres de cada membro do
grupo social, para que essa organização permita o bem‑estar da população.
O envolvimento político é inerente a cada um que vive em um determinado grupo social. Participar
de escolhas, de decisões, opinar e contrapor‑se às opiniões, propor ideias e soluções, votar e ser votado,
expressar o pensamento com liberdade e independência, tudo isso se constitui em modalidades de
práticas políticas que podem ser exercidas pelas pessoas nas sociedades contemporâneas.
Ressalta‑se, entretanto, que existem atualmente pessoas que associam política com partidos
políticos. Esses conceitos são diferentes e não devem ser confundidos. Partidos políticos são grupos
específicos de pessoas que se unem por possuírem ideias e projetos semelhantes, que se organizam para
tentar chegar ao poder pelo voto e para instaurar uma ordem legal e legítima, que propicie a efetivação
das concepções que as unem.
No Brasil, existem partidos políticos que defendem ideias trabalhistas, socialistas, ambientalistas,
republicanas, dentre outras. Hoje totalizam 32, e estes podem ser conhecidos acessando o site do
Tribunal Superior Eleitoral.
Pesquisando essa página, será possível obter um panorama da pluralidade política brasileira, o
que será importante para as reflexões sobre a formação do pensamento político nacional. A primeira
pergunta a ser respondida é: por que há uma diversidade tão grande de partidos políticos se boa parte
da população brasileira sequer deseja se vincular a um partido?
Cabe ainda uma rápida reflexão sobre o aparente desinteresse do povo brasileiro na atualidade sobre
as questões políticas do país. A falta de entusiasmo realmente existe ou o cidadão comum não encontra
formas de se manifestar sobre política?
O debate é interessante e atual. As redes sociais têm recebido intensa participação política de seus
usuários, em especial nas últimas eleições presidenciais, como já nos referimos anteriormente.
Será que falta vontade de opinar na política ou não há espaço suficiente para a população se
manifestar?
De todo modo, vamos lembrar o que Bertold Brecht escreveu sobre aqueles que afirmam que não é
preciso se interessar sobre política.
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do
sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a
política.
Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor
abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e
lacaio das empresas nacionais e multinacionais.
Eugen Berthold Friedrich Brecht foi um importante dramaturgo e poeta alemão do século XX.
Viveu o período das duas grandes guerras mundiais e, devido ao nazismo, teve de abandonar seu
país natal para viver em outros lugares da Europa. Esse poema, com certeza, é uma excelente
forma de começar uma reflexão sobre política e sua importância na nossa formação profissional
e cidadã.
Lembrete
Essa visão não é um dado, ao contrário, é algo construído ano após ano, por períodos históricos
sucessivos e que ainda não se concluíram, o que nos permite expressar desde logo uma indagação:
podemos falar de uma concepção política brasileira ou temos de considerar que existem diversos
pensamentos políticos, variáveis conforme os diferentes períodos históricos?
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Unidade I
É com essa perspectiva, ou seja, de multiplicidade de vivências históricas e sociais que influenciaram
as práticas políticas e as diferentes decisões tomadas pelo poder político, que vamos rever aspectos
fundamentais da história brasileira – do descobrimento aos dias atuais.
Quando Cabral aportou suas naus aqui, conforme o próprio relato do seu
escrivão, encontrou índios, florestas, animais selvagens.... Já então isso era Brasil?
Ora, Brasil como nós o sentimos e pensamos hoje, é produto do trabalho, do
esforço, da dor e da alegria; das festas, das comidas, das danças; do português
falado com diferentes acentos e cantado na bossa nova, no samba e no axé; do
feijão com arroz, do vatapá, do tucupi, da carne de sol, do acarajé, do tacacá,
do churrasco; do branco, do negro, do índio; mais ainda, do mestiço, do cafuzo,
do cariboca, do mameluco, do mulato, do pardo e do retinto; do romance
regional, da poesia concreta e do cordel; das cidades futuristas planejadas, do
barroco e do utilitário; das praias ensolaradas, das serras com geadas e da garoa
enfumaçada... Bem, Brasil é uma soma de tudo isso, uma soma que não resulta
num produto só; uma soma de diversos que permanecem vários e, no entanto,
nós reconhecemos como único, o Brasil (apud LINHARES, 1990, p. 33).
Assim, ao falarmos que Cabral descobriu o Brasil – uma lição ensinada desde que sentamos pela
primeira vez num banco de escola – não podemos estar dizendo que o país que vive e palpita em nós já
lá estivesse, naquela manhã enevoada de abril de 1500, a esperar pelas naus portuguesas, pronto para
ser descoberto.
O Brasil ainda precisava, para ser e existir, de muito para acontecer: duras lutas, algumas guerras,
algumas traições; derrotas, epopeias e façanhas; invenção, criatividade e trabalho, muito trabalho. Nada
disso estava lá, em abril de 1500.
Um olhar investigativo é que nos permitirá responder à pergunta que Raimundo Faoro formulou em
um ensaio publicado em 1987, denominado Existe um pensamento político brasileiro?
Nesse texto, ele nos fornece elementos sólidos para efetivarmos uma trajetória de investigação
científica sobre o pensamento político brasileiro, quando afirma:
[...] O pensamento político, porque atividade, contém carga crítica, que não se
confunde com a escolástica, nem participa da visão teórico‑contemplativa.
Como valor e como o ser que virá a ser, corrosivo da ideologia e do imobilismo
da filosofia prática. Acompanha e potencializa a dialética social, à qual se
vincula, sem ser mero reflexo, por meio de manifestações múltiplas, que
não estão necessariamente submersas no saber formulado, com o rótulo
político. Em certos momentos, o pensamento político se expressa melhor
na novela do que no discurso político, mais na poesia do que no panfleto
de circunstâncias. Repele as especializações, expandindo‑se em todas as
manifestações culturais, ainda que se afirme o congelamento ideológico e o
enciclopedismo filosófico (FAORO, 1987, p. 14‑5, grifo do autor).
O texto de Faoro nos oferece excelentes pistas de como pesquisar o pensamento político brasileiro.
Principalmente na atividade social, na diversidade da organização política ao longo da história brasileira,
nas idas e vindas das escolhas do poder, nas aparentes contradições da trajetória histórica, entre outros
aspectos vivos e dinâmicos. Dessa forma é que vamos encontrar a formação de um pensamento político
que se pode chamar de brasileiro.
A reconstrução dos principais fatos históricos do Brasil que será feita a seguir servirá,
fundamentalmente, para que possamos perceber que muito da nossa organização política e social
contemporânea é resultado do processo histórico vivido pela sociedade brasileira, e que o pensamento
político do país igualmente resulta dessa trajetória histórica.
Entretanto, isso não foi tudo. Os portugueses haviam acumulado experiência no comércio marítimo
nos séculos XIII e XIV e, amparados por um consenso de interesses da monarquia, dos nobres e dos
membros da Igreja, a expansão marítima tornou‑se um projeto nacional. De fato, ela interessava tanto
como oportunidade de novas riquezas sempre necessárias para os gastos da monarquia; era cobiçada
pelos nobres, que cultivavam o imaginário de servir ao rei e a Deus com tal atividade, ou seja, ter uma
ação realmente motivadora e à altura da nobreza; estava nos planos da Igreja, que praticaria o trabalho
de evangelização em novas terras com um desafio novo; e, ainda, interessava ao povo, para quem a
oportunidade de trabalho nas embarcações era uma possibilidade real de melhoria de vida.
Isso contribuiu de forma decisiva para que os portugueses tivessem na expansão marítima um projeto
de longa duração, que atravessou vários séculos. A proposta era permeada pelo objetivo de evangelizar em
novas terras. Não havia, no entanto, uma iniciativa política de como agir em relação às terras que viessem
a ser conquistadas e quais os objetivos a serem alcançados em termos de atuação social e política após
o descobrimento. Isso explica, em parte, que a alternativa tenha sido pela prática do extrativismo, que
dominou as relações com a terra brasileira nos primeiros anos que se seguiram ao descobrimento.
Quando se trata de analisar os primeiros anos dos portugueses nas terras que mais tarde todos
chamamos de Brasil, é imperioso fazer a seguinte reflexão: não houve descobrimento! Essa é uma forma
de pensar parcial e que não dá conta da realidade, embora tenha sido aquilo que todos nós aprendemos
nas primeiras lições de História do Brasil que tivemos nos primeiros anos de estudo.
Francisco Carlos Teixeira da Silva nos propõe um novo olhar sobre a chegada dos portugueses:
Cabral descobriu o Brasil? Não, claro que não. Cabral e seus homens, com
a bandeira de Portugal, a cruz da Ordem de Cristo e seus mercadores,
chegaram a uma terra nova, um mundo que era desconhecido para eles,
portugueses, e só para eles (os portugueses, e por extensão, os europeus)
descobriram algo novo.
É, sem dúvida, uma perspectiva bastante interessante para pensarmos a chegada dos portugueses
ao Brasil, ou seja, não mais com uma visão unilateral de “descoberta”, mas de um encontro dos mais
significativos entre povos diferentes, com culturas e valores distintos, que, a partir daquele momento,
dividiram o mesmo espaço físico e legaram para as futuras gerações aspectos econômicos, sociais e
políticos, que temos de repensar continuamente para ampliar nosso aprendizado.
Observação
Na chegada ao Brasil os portugueses conheceram os indígenas, e isso causou forte impressão aos
futuros colonizadores. De outro lado, o fato foi marcante para os índios pelos vários aspectos negativos
que dele resultaram.
Existe nesses relatos uma diferenciação entre índios com qualidades positivas
e negativas, de acordo com o maior ou menor grau de resistência oposto aos
portugueses. Por exemplo, os aimorés, que se destacaram pela eficiência
militar e pela rebeldia, foram sempre apresentados de forma desfavorável.
Segundo as descrições, os índios viviam em geral em casas, como homens;
os aimorés, como animais na floresta. Os tupinambás comiam os inimigos
por vingança; os aimorés, porque apreciavam carne humana. Quando a
Coroa publicou a primeira lei proibindo a escravidão dos índios (1570), só os
aimorés foram especificamente excluídos da proibição.
E, ao avaliar o impacto da chegada dos portugueses para as diversas tribos indígenas existentes no
Brasil, Boris Fausto destaca:
Por outro lado, por não existir uma nação indígena e grupos dispersos
muitas vezes em conflito, foi possível aos portugueses encontrar aliados
indígenas na luta contra os grupos que lhes resistiam. Em seus primeiros
anos de existência, sem o auxílio dos tupis de São Paulo, a vila de São Paulo
de Piratininga muito provavelmente teria sido conquistada pelos tamoios.
Tudo isso não quer dizer que os índios não tenham resistido fortemente
aos colonizadores, sobretudo quando se tratou de escravizá‑los. Uma forma
excepcional de resistência consistiu no isolamento, alcançado através de
contínuos deslocamentos para regiões cada vez mais pobres. Em limites
muito estreitos, esse recurso permitiu a preservação de uma herança
biológica, social e cultural.
18
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
A primeira delas se relaciona com o preconceito que de alguma maneira a sociedade brasileira
cultivou a respeito dos índios, principalmente por atribuir a eles uma suposta indolência e falta de
disposição para o trabalho. Isso não é verdade, embora seja uma convicção de muitos brasileiros até nos
dias de hoje. De fato, derrubavam árvores e faziam queimadas para plantar e colher; não podiam ser
classificados apenas como extratores da natureza que sobreviviam apenas da caça e da pesca. Só por
esse fato a ideia de que não viviam do próprio trabalho já fica afastada.
Também é de se destacar um aspecto pouco explorado na história brasileira, de que parte dos índios
resistiu ao domínio português travando batalhas que custaram muitas vidas de ambos os lados. A
imagem comumente difundida de índios ingênuos que se deixaram dominar docilmente, que trocavam
ouro por espelhos e com isso foram mais facilmente subjugados pelo homem branco não se sustenta
diante de análise mais rigorosa.
Parte dos índios temia e odiava os portugueses, associava a presença deles com destruição, domínio
e morte e, por essa razão, resistiu pela luta ou pela fuga para áreas mais distantes em que os portugueses
tivessem dificuldade para empreender perseguição.
Por fim, a presença de uma população mestiça existente até hoje na sociedade brasileira é um dado
histórico bastante relevante.
Figura 3 – Indígenas
Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Censo de
2010, o número de índios no Brasil é de 896,9 mil, com 305 etnias que falam 274 línguas indígenas.
Cerca de 63,8% dos indígenas vivem em área rural, e 42,3% em áreas não reconhecidas como terras
indígenas.
Existem 120 mil índios que não falam português, e o censo ficou limitado aos que não vivem isolados,
porque os demais não foram contatados a fim de preservá‑los.
19
Unidade I
Segundo os dados, essa comunidade representa 0,4% da população brasileira. Nessa pesquisa, foram
considerados apenas aqueles que se declararam como indígenas, que se identificaram como tal, o que
significa que pode haver um número representativo de pessoas que não se declararam como indígenas,
embora efetivamente sejam descendentes.
Saiba mais
Se a presença dos indígenas na formação brasileira é relevante e significativa atualmente, não menos
importante é a dos negros escravos trazidos da África para o trabalho na lavoura, nas casas e no comércio.
A forma como foram trazidos por si só já nos dá a dimensão da total ausência de respeito por essa
raça, e é inegável que até hoje esse traço de desrespeito em relação aos negros ainda não foi banido por
completo da sociedade brasileira contemporânea.
Sem nenhuma dúvida, a forma pela qual índios e negros foram tratados no Brasil é fator de grande
importância para entendermos a sociedade atual e a formação do pensamento político brasileiro.
Castro Alves, importante poeta brasileiro do Romantismo, descreveu com emoção e revolta em seu
famoso poema Navio negreiro, de 1869, a forma pela qual os negros eram arrancados de suas tribos na
África e trazidos para o continente recém‑descoberto. Acompanhe esse trecho do poema:
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
VI
21
Unidade I
O poema e a pintura ilustram muito bem o sofrimento e as precárias condições que os negros
tiveram de suportar para chegar ao Brasil.
Francisco Carlos Teixeira da Silva afirma que cálculos mais atuais apontam que cerca de 12 milhões
de africanos foram vítimas de imigração forçada, ou seja, retirados violentamente da África e trazidos
para o Novo Mundo.
A grandeza do território brasileiro impunha aos portugueses que tivessem grande número de pessoas
para a ocupação e a produção, em especial para a sobrevivência. Se a experiência com os indígenas
não tinha sido bem‑sucedida, entenderam por incrementar a escravidão de africanos para a ocupação
produtiva do território, mesmo que isso custasse tanto em termos de diferenças sociais e culturais,
impactos que até hoje sentimos na sociedade brasileira.
É importante destacar que os portugueses já utilizavam os escravos negros antes da colonização do Brasil.
De fato, eles foram amplamente utilizados na colonização da Ilha da Madeira, dos Açores e de Cabo Verde,
bem como das ilhas do Atlântico, que pertenceram a Portugal. Muito provavelmente tenham aprendido a
escravidão de negros com os árabes, que já tinham esse costume, ou também tenham adotado o próprio
costume de escravizar aqueles que eram derrotados nas guerras, hábito muito antigo na humanidade,
inclusive com relatos na Grécia antiga.
Além dos pontos destacados, os negros também foram escolhidos por suas habilidades produtivas,
tanto na agricultura como na indústria de objetos de ferro e na pecuária, características extremamente
úteis naquele período histórico de consolidação da Colônia.
Os principais portos brasileiros que receberam escravos foram a Bahia, o Rio de Janeiro e Pernambuco.
Desses locais, os cativos seguiam viagem para outras regiões do Brasil.
Se o transporte dos negros para o Brasil era feito de forma vil e desumana, não menos cruel era a vida
que levavam na Colônia. Souto Maior (1976) relata que o trabalho deles nos engenhos e nas fazendas
era árduo, extenuante e que durante todo o tempo sofriam agressões físicas dos feitores, indivíduos que
auxiliavam na administração da fazenda ou do engenho e que tinham a função de garantir, de qualquer
jeito, inclusive com a violência, que os negros produzissem e não fugissem. Não foram poucos os cafuzos
que morreram em decorrência dos castigos físicos sofridos, ou dos maus tratos durante os extensos turnos
de trabalho. Também relata o historiador que eles tinham péssima alimentação, acomodavam‑se em locais
insalubres e, com a diminuição de seu sistema imunológico, morriam por contraírem algumas doenças.
Os escravos negros reagiram inúmeras vezes contra tanta violência no tratamento que recebiam.
Quase sempre fugiam e se organizavam em quilombos, onde, além de obterem o refrigério de que
precisavam, também podiam voltar a praticar sua língua, seus costumes e sua cultura, como danças,
música, hábitos alimentares e religião.
O quilombo mais famoso foi o de Palmares, liderado por Zumbi, localizado na região em que hoje se
encontra o Estado de Alagoas. Há registros históricos de que mais de 10 mil pessoas tenham morado lá, e não
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Unidade I
apenas negros, mas também diversos brancos que haviam fugido por diversas razões. Palmares foi, na verdade,
um grupo de vários quilombos da região bem sólidos e organizados como eram as tribos africanas. A resistência
dessa comunidade se alongou por mais de cem anos e enfrentou tanto portugueses como holandeses.
Zumbi se tornou uma figura importante para os movimentos contemporâneos. Há muito que se
trabalhar pela igualdade de tratamento e de oportunidades econômicas e sociais entre negros e brancos.
Visite o site da Faculdade Zumbi dos Palmares, ou UniPalmares. O site explica que:
[...] A Zumbi dos Palmares vem mudando a vida de jovens negros, que estão
progredindo e alterando a realidade de si próprios, de suas famílias, do entorno
de onde vivem e da sociedade de forma geral. Prova disto é que constantemente
a Zumbi é pauta para os veículos de comunicação e que o campus da faculdade
foi escolhido pela Embaixada dos Estados Unidos e pela secretária de estado
norte‑americana Hillary Clinton, em 2010, quando esteve no Brasil.
A resistência dos negros, que teve início no processo de escravidão, ainda está presente entre nós
e, certamente, deriva do fato de que na sociedade brasileira contemporânea ainda existem formas
evidentes e camufladas de preconceito contra eles. O debate em torno das cotas para negros em
universidades públicas e no serviço público, dentre outros temas, dá uma noção real sobre as múltiplas
formas de preconceito que ainda cultivamos no Brasil.
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Exemplo de aplicação
A resistência contra a opressão é, portanto, um traço muito forte dos afrodescendentes. Vejamos a
ponderada consideração:
Admitidas as várias formas de resistência, pelo menos até as últimas décadas do século XIX, os escravos
africanos ou afro‑brasileiros não tiveram condições de desorganizar o trabalho compulsório. Bem ou
mal, viram‑se obrigados a se adaptar a ele. Dentre os vários fatores que limitaram as possibilidades de
rebeldia coletiva, lembremos que, ao contrário dos índios, os negros eram desenraizados de seu meio,
separados arbitrariamente, lançados em levas sucessivas em território estranho.
Por outro lado, nem a Igreja nem a Coroa se opuseram à escravidão do negro. Ordens religiosas como
a dos beneditinos estiveram mesmo entre os grandes proprietários de cativos. Vários argumentos foram
utilizados para justificar a escravidão africana. Dizia‑se que se tratava de uma instituição já existente
na África, e assim apenas transportavam cativos para o mundo cristão, onde seriam civilizados e salvos
pelo conhecimento da verdadeira religião. Além disso, o negro era considerado um ser racialmente
inferior. No decorrer do século XIX, “teorias científicas” reforçaram o preconceito: o tamanho e a forma
do crânio dos negros, o peso de seu cérebro, etc., “demonstravam” que se estava diante de uma raça de
baixa inteligência e emocionalmente instável, destinada biologicamente à sujeição.
Hoje a realidade de negros e índios é outra na legislação brasileira, mas sem dúvida falta
efetividade na aplicação das leis tanto quanto nos ressentimos de políticas públicas que garantam,
com efetividade, que índios e negros sejam respeitados e tenham sua importância reconhecida na
sociedade.
A partir dessas reflexões, como você avalia as cotas para negros e índios nas universidades
públicas e no serviço público? Antes de responder se você é contra ou a favor, como você considera
a efetividade dessas propostas políticas para diminuir a discriminação e a falta de igualdade de
oportunidades no Brasil?
Saiba mais
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Unidade I
TERRA dos índios. Direção: Zelito Viana. Brasil: Edição Embrafilme, 1979.
105 min.
XINGU. Direção: Cao Hamburger. Brasil: Downtown Filmes, 2012. 102 min.
Outros filmes bem relevantes para reflexões sobre os negros e o Brasil são:
Gilberto Freyre, em sua consagrada obra Casa Grande & Senzala, traça um retrato importante do
Brasil Colônia:
Com essa importante reflexão de Gilberto Freyre, vamos iniciar nossa análise sobre o poder político
da coroa portuguesa e da Igreja no Brasil recém‑descoberto, bem como buscar entender como esse
período histórico influenciou a organização que temos na sociedade contemporânea e, principalmente,
a formação do pensamento político brasileiro.
A principal ideia do governo em relação à nova terra era de ordem econômica, ou ainda melhor,
de caráter comercial. Portugal não tinha planos para formar aqui um país independente, o que seria
extremamente contrário aos seus interesses enquanto nação, tampouco um projeto para a formação de
26
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
qualquer outro modo de organização política. O objetivo era apenas de explorar comercialmente tudo
o que pudesse ser útil à Coroa.
Mesmo que Portugal tivesse cultivado planos de povoamento e ocupação organizada e perene do
novo território, não teria condições físicas para isso, porque a população lusitana naquele momento
histórico não era tão grande para permitir dividir o número de habitantes com o Brasil.
Parte do território português no século XVI ainda se encontrava abandonado por falta de mão de obra
para ocupá‑lo e, naquele momento, já eram utilizados escravos mouros resultantes do aprisionamento
das guerras que Portugal havia participado no século XV no norte da África, assim como negros africanos.
É preciso considerar, também, que as condições climáticas dos trópicos eram muito diferentes daquelas
vividas pela população portuguesa, o que tornava a disposição para a fixação no Brasil ainda mais restrita.
O emigrante europeu tinha em mente as riquezas que poderia angariar com a venda de produtos que eram
raros e caros na Europa, como o açúcar, a pimenta, a madeira de qualidade, entre tantos outros.
O que animava o português a tentar a vida nos trópicos era a possibilidade de realizar lucrativos
negócios, mas não de trabalhar aqui para a formação de uma futura sociedade organizada. O projeto
era totalmente comercial.
Essa forma de colonização teria sido um prejuízo para o futuro país? Em outras palavras, os problemas
que enfrentamos até hoje na sociedade brasileira, cuja distribuição de renda, oportunidades de acesso
a trabalho, emprego, saúde, educação e moradia, por exemplo, ainda se encontra tão malfeita entre
toda a população, podem ser creditados a nossa primeira fase de existência? Certamente que sim, mas
apenas em parte, pois não podemos responsabilizar a colonização pelas imperfeições que constatamos
em nosso cotidiano.
O objetivo mercantilista que predominou entre os primeiros europeus que vieram para o Brasil, assim
como a forte presença de uma cultura de dominação para extrair o que pudesse ter valor comercial para
a Coroa, evidentemente, atrasaram o desenvolvimento da sociedade e, principalmente, o nascimento de
um projeto político e social para o país.
Ao contrário de outras nações da América, em especial dos Estados Unidos da América do Norte,
no Brasil demoramos muito para começar a refletir e efetivar esforços para a formação de um país
independente, que valorizasse seus habitantes e os respeitasse como sujeitos de direito.
A excessiva preocupação com os aspectos mercantis e o uso da mão de obra escrava para a consecução
dos resultados econômicos tornaram a falta de igualdade social uma prática comum, socialmente
aceitável e cujas raízes ainda estão presentes atualmente.
Outro aspecto relevante para a compreensão da organização social e política brasileira no período
da colonização é que Portugal, à época do descobrimento, era um estado absolutista, ou seja, todos
os poderes se concentravam no rei, que era o ungido de Deus. Era um escolhido divino como todos os
demais reis!
Tudo pertencia ao soberano: as terras, os súditos e todos os bens. Para os absolutistas, não havia
divisão entre público e privado, porque o líder possuía o domínio total sobre todas as coisas, o que
incluía o poder de vida e morte sobre as pessoas.
Contudo, o absolutismo não foi o mesmo para todos os povos e em todos os tempos. Teve
nuances mais rígidas e mais flexíveis em alguns locais, dependendo da situação de cada reino –
principalmente pelo fator de acesso da população a recursos que evitassem a fome e a miséria.
Populações famintas sempre foram um “barril de pólvora” para todos os governantes em todos os
tempos. Não há violência institucional que dê conta de massas miseráveis enfurecidas pela fome e
pelo sentimento de que não há mais nada a perder. Todos os governantes, em todos os tempos, e
isso inclui os reis, nunca foram déspotas ao ponto de desafiarem a capacidade de reação humana
diante da ameaça da inanição. Aqueles que não atentaram para isso não terminaram muito bem,
como relata a História.
Se a palavra decisiva cabia ao rei, tinha muito peso na decisão uma burocracia
por ele escolhida, formando um corpo de governo. Mesmo a indefinição
do público e do privado foi limitada por uma série de medidas, tomadas
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Imprescindível recordar também que o território brasileiro passou a ser cobiçado por franceses e
holandeses, o que também impunha à Metrópole portuguesa adotar medidas enérgicas para impedir as
invasões.
Por tudo isso, e também pelo relativo fracasso do projeto de capitanias hereditárias – do qual trataremos
mais adiante–, a coroa portuguesa decidiu criar um Governo‑Geral e organizar administrativamente a
Colônia.
O primeiro governador‑geral nomeado pelo rei foi Tomé de Souza, em 1548, que assumiu o cargo
em Salvador, então instituída como sede do governo central do Brasil. Sua tarefa era árdua! Tinha
de enfrentar os mais variados problemas, desde os riscos das invasões, como os ataques de índios
revoltados, até as disputas entre colonos. Além disso, ainda era papel do governador‑geral garantir que
houvesse produção econômica significativa, de modo que a Coroa portuguesa recebesse sua parte e
ficasse satisfeita. Uma enorme variedade de adversidades, não há dúvida.
Para sanar todos os entraves, criou‑se uma estrutura bastante complexa e burocrática. Havia a
divisão de poderes entre muitas pessoas, todas elas funcionárias do poder público. Essa característica da
organização política está presente na sociedade brasileira até hoje.
E não ficava apenas nisso: às câmaras cabia também uma parte da regulação da vida econômica,
social e política da Colônia, pois era ela quem exercia o papel de administração municipal, com a
regulamentação de feiras e mercados; a gestão do “concelho” e das receitas de que ele necessitava; a
determinação das obras públicas e a conservação das ruas; a construção de edifícios; a regulação de
ofícios (atividades profissionais) e do comércio; e o abastecimento de alimentos.
As câmaras arrendavam pastos e alugavam prédios para poderem ter renda suficiente para seus
gastos, mas viviam principalmente dos impostos que arrecadavam e das multas que aplicavam em
razão de infrações praticadas contra as regras do código de posturas municipais, que era a lei que
regulamentava a vida urbana da época.
Como podemos perceber a arrecadação para manutenção do poder público não se modificou até
hoje, porque nos municípios brasileiros a manutenção do Poder Executivo e do Legislativo ainda se faz
por meio de arrecadação de tributos e taxas municipais, bem como pela aplicação de multas contra
aqueles que descumprem a legislação municipal.
As câmaras tiveram grande importância no Brasil colonial, foram a base da administração naquele
período. Também desempenharam papel importante na organização política e administrativa do período
colonial os juízes do povo, que eram eleitos pelas associações de mestres ou ofícios (entidades que
reuniam os profissionais do período), e tinham como objetivo representar perante o Senado da Câmara
os casos que envolvessem aspectos referentes ao bem comum, assim como garantir o cumprimento das
leis e impedir abusos de funcionários.
Ao governador‑geral cabia, principalmente, velar pela ordem e pela obediência às leis do Reino;
comandar as operações de defesa, em especial contra piratas e invasores; prover cargos públicos e
distribuir sesmarias.
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
O provedor‑mor tinha por funções promover uma nova organização na forma como estavam sendo
arrecadadas as rendas da Colônia; organizar o fisco e o sistema de alfândega; solucionar os litígios sobre
questões econômicas e fiscais e, ainda, auxiliar o governador‑geral em tudo o que fosse referente a
rendimentos e despesas do governo.
O ouvidor‑geral cuidava dos casos referentes à justiça, principalmente, os crimes de morte, que não
eram incomuns naquele período. Ele podia inclusive aplicar a pena de “morte natural”, mas, para isso, era
preciso que o governador‑geral concordasse previamente. Haddock Lobo, no entanto, destaca que “[...] tão
extensos poderes não se aplicavam, entretanto, a casos que envolvessem pessoas de qualidade, relativamente
às quais o ouvidor‑geral não podia aplicar penas além de cinco anos de degredo” (1977, p. 29).
Por fim, o capitão‑mor da costa era o responsável pelo funcionamento das esquadras, que tinham
por objetivo vigiar o litoral para mantê‑lo livre dos piratas, corsários, traficantes e todos aqueles que
pretendessem invadir as terras brasileiras que então pertenciam à Coroa portuguesa.
Como podemos perceber, a divisão das tarefas administrativas e econômicas era, em parte, parecida
com aquelas que conhecemos hoje. O que nos leva a refletir se ainda são semelhantes porque são muito
perfeitas, ou se o sistema burocrático e complexo é o que melhor se adequa à atividade que não prima
pela eficiência nem pela busca do bem‑estar de todos.
É uma excelente questão para uma reflexão mais profunda por todos nós brasileiros.
Por fim, cabe uma última análise neste item: o papel da Igreja no processo de colonização brasileiro
e o que podemos destacar para a formação do pensamento político brasileiro, nosso principal objeto de
investigação científica.
Igreja e Estado tiveram formas de relacionamento variadas em cada país do mundo nos diversos
períodos históricos. Em Portugal, os estudiosos apontam que havia certa subordinação da Igreja à Coroa,
principalmente em razão de um mecanismo conhecido como “padroado real”. Este garantia à Igreja o
direito de se organizar nas terras que fossem descobertas por Portugal e, em troca, a Coroa poderia
recolher tributos, o dízimo, que correspondia a um décimo dos valores arrecadados em quaisquer
atividades econômicas desenvolvidas pelos fiéis.
O governo também tinha a obrigação de remunerar o clero e construir e manter os edifícios religiosos,
o que motivou até a constituição de um departamento religioso do Estado para realizar essas tarefas. Tal
repartição tinha o nome de Mesa da Consciência e Ordens.
A ordem religiosa mais influente foi a Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola e outros
em 1534, em Paris, e aprovada pelo Papa em 1538.
Os jesuítas exerceram forte influência sobre a Coroa portuguesa no período da colonização brasileira,
até que o Marquês de Pombal os expulsasse do país em 1760. Fundaram escolas, igrejas e lutaram contra
a escravidão dos indígenas, implantando missões que se tornaram importantes, como a Missão de São
Miguel, localizada hoje no Rio Grande do Sul.
31
Unidade I
Também existiram outras ordens religiosas no período colonial no Brasil e todas tinham autonomia
de propósitos, bem como políticas diferentes em relação ao tratamento das questões sociais da Colônia.
Algumas delas, por exemplo, tornaram‑se proprietárias de grandes extensões de terra, onde produziam
e comercializavam produtos agrícolas, o que lhes dava independência econômica em relação ao Reino.
Muitas das rebeliões ocorridas durante o período colonial tiveram padres na liderança; isso,
obviamente, aborrecia os portugueses. Outro problema foi o fato de eles não aprovarem a escravidão
dos indígenas.
O que é certo é que os religiosos pretendiam catequizar indígenas e negros escravos, para que todos
se submetessem aos preceitos religiosos, em especial, no temor e na obediência a Deus e ao clero.
Como podemos perceber, não eram poucos os papéis da Igreja, e foi muito relevante sua influência
política e social naquele momento histórico.
Por tudo isso é que quase sempre o relacionamento entre Igreja e Coroa no Brasil colonial ocorreu em
forma de colaboração recíproca, com o objetivo de conter e administrar os problemas e, principalmente,
para garantir que cada parte alcançasse os fins que almejavam naquele momento histórico.
A presença da Igreja Católica na educação e na validação dos costumes sociais se estendeu por toda
a história brasileira e, ainda hoje, permanece viva em nossas principais práticas, como o casamento,
por exemplo; ou na presença de crucifixos nas salas de audiências dos fóruns brasileiros. O casamento
é realizado nas igrejas católicas mesmo quando os noivos e suas famílias não são praticantes dessa
religião, mas é considerado um marco importante e, não raro, o primeiro ato da festa que virá em
seguida. E os crucifixos nos fóruns, que já foram objeto de discussão acirrada entre católicos e membros
das igrejas evangélicas existentes em grande número e diversidade no Brasil, permanecem nas salas de
cada juiz, mesmo daqueles que não são católicos.
Isso tudo confirma que a presença dessa instituição na organização política e social brasileira ainda
é muito grande. Você já reparou que a disposição das salas de aula em geral é muito semelhante à de
uma igreja? E que muitos professores, infelizmente, ainda se comportam como se estivessem dizendo
verdades absolutas e inquestionáveis, como os padres fazem em seus sermões?
A formação do pensamento político no Brasil ainda atende a aspectos ditados pela Igreja Católica,
que permanece com importante influência, embora consideravelmente mitigada após a República.
Recentemente, já no século XXI, aspectos científicos como o uso de células‑tronco embrionárias em
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Unidade I
tratamentos médicos foi criticado pela Igreja, que, inclusive, atuou junto ao Poder Judiciário para
impedir que essa modalidade de célula fosse utilizada. No entender dessa religião, as células são seres
vivos e não podem ser utilizadas para nada mais que não seja a procriação.
Entretanto, por força da tradição histórica, as manifestações da Igreja Católica extrapolam o círculo
de seus seguidores, com o objetivo de manifestar a todos e principalmente ao Estado aquilo que entende
como correto para toda a sociedade.
A influência da Igreja na orientação política e social brasileira ainda é muito grande e merece estudos
mais aprofundados. As reflexões aqui construídas não são críticas ferrenhas à instituição ou aos seus
adeptos, ao contrário, todas as religiões e seus praticantes merecem total respeito, inclusive porque são
protegidos por lei. Ressalta‑se, contudo, que é parte da construção do pensamento crítico reconhecer
que algumas religiões influenciaram mais do que outras, e em que momentos ela foi excessiva e reiterada,
bem como em sua repercussão para a formação da sociedade brasileira contemporânea. Esse papel é dos
estudiosos e dos pesquisadores, como nós.
Lembrete
Saiba mais
34
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Dois aspectos importantes serão tratados neste tópico: a maneira como a Coroa portuguesa distribuiu
as terras no Brasil, e quais as formas de produção econômica que foram privilegiadas pelos primeiros
habitantes do país.
O primeiro projeto econômico viabilizado pela Coroa foi a instituição de feitorias, que eram depósitos
dos materiais obtidos na Colônia e que seriam enviados ao governo, em especial a madeira pau‑brasil,
que foi a primeira riqueza encontrada pelos portugueses.
Esse trabalho foi entregue a uma empresa comercial dirigida por Fernando de Loronha, que mais tarde ficaria
conhecido entre nós como Fernando de Noronha. Ele arregimentou homens para a empreitada e, em troca da
concessão, a Coroa teria de pagar ao rei a quinta parte de tudo o que arrecadasse com a venda da madeira
pau‑brasil. Também se obrigou Noronha a construir fortificações que impedissem ataques de piratas, que
pretendiam roubar a madeira armazenada, bem como se comprometeu a dar início ao processo de colonização.
Nenhuma dessas tarefas se mostrou de fácil execução. Erguer fortificações no território brasileiro
era quase impossível, em razão da grande extensão do litoral. E obter o pau‑brasil também não era uma
atividade das mais fáceis, porque essa madeira não se encontrava plantada em bosques ou florestas
exclusivas. Ao contrário, estava situada na mata fechada, distante por vezes uma da outra, exigindo
grandes esforços físicos para sua localização. Sem contar o tombamento, pois o território era hostil aos
europeus e muito conhecido dos índios locais.
Os índios traziam as toras de pau‑brasil e as depositavam nas praias para que as feitorias as
guardassem até a chegada dos navios portugueses, para então serem transportadas para a Coroa. No
entanto, as feitorias eram alvo de ataques de navios franceses, que pretendiam se apropriar da madeira,
o que provocava perda do material.
Com esse quadro, Fernando de Noronha e seus homens tiveram muitos problemas para enfrentar e,
em consequência, não se interessaram muito em estabelecer um projeto de colonização.
Eclodiram as primeiras pressões junto ao rei de Portugal para que fossem efetivados esforços no
sentido de colonizar a terra recém‑descoberta. Cristóvão Jacques e Diogo de Gouveia foram dois
importantes conselheiros do rei: ambos implantaram um projeto eficiente de colonização. Dom João III
decidiu então adotar no Brasil o sistema que já fora experimentado na colonização das ilhas da Madeira,
Açores, Cabo Verde e São Tomé: as capitanias hereditárias.
As terras brasileiras foram divididas em lotes, que foram distribuídos a pessoas determinadas pelo
rei. Esses indivíduos receberam o nome de donatários e passaram a ter a posse das terras, bem como o
direito de exploração com seus próprios recursos financeiros.
Os donatários podiam transmitir a posse e todos os direitos advindos das terras para seus herdeiros,
razão pela qual ficaram conhecidas como capitanias hereditárias. Contudo, não podiam vendê‑las. Eles
também receberam o título de capitães‑mor, para que ficasse claro que eles eram o maior poder
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Unidade I
político, econômico e social nas terras que lhes foram entregues. Em cada vila que se formava, eles
também seriam os alcaides‑mor, ou seja, tinham enorme poder em todo o seu território.
Regra geral era a destinação, ao governo real, de parte de tudo o que era produzido ou explorado
na capitania, por meio do recolhimento de tributos ou de pagamento de direitos que estavam previstos
nos contratos assinados.
• conceder sesmarias, que eram lotes de terra destinados àqueles que quisessem explorar a agricultura;
• cobrar tributos de todas as atividades econômicas exercidas em suas terras, inclusive a simples
navegação nos rios;
• receber parte dos valores pagos à Coroa pela exploração de metais e pedras preciosas;
• exercer o papel de juiz civil e criminal nas terras sob seu domínio, inclusive para condenar à morte
escravos e homens livres.
Não há dúvida de que a ideia de poder a partir das capitanias é a de poder ilimitado! O donatário era
uma nova modalidade de rei, em um local geograficamente distante da Metrópole, afastado igualmente
dos governos centrais que aqui foram instalados. Ele não obedecia a nenhuma outra lei a não ser a
que ele próprio impusesse, não dava satisfações à Coroa de suas práticas de violência contra índios e
escravos, desde que continuasse cumprindo seus deveres econômicos para com a Coroa portuguesa.
Qualquer semelhança com o poder feudal não será mera coincidência, embora não se possa afirmar que
eram sociedades rigorosamente iguais em sua organização. Mas existem semelhanças, não há dúvida,
e elas passam principalmente pelo grande poder que foi atribuído aos donatários, poder ilimitado que
deixaria marcas profundas na disposição política e social brasileira.
A respeito da experiência das capitanias hereditárias no Brasil, Boris Fausto ensina que
A experiência das capitanias hereditárias não foi bem‑sucedida no Brasil. Com exceção
de São Vicente e Pernambuco, as demais não prosperaram por várias razões, dentre as mais
frequentes os ataques indígenas, a inexperiência com relação ao solo e ao clima, o isolamento
dos habitantes e as longas extensões de terra que precisavam ser utilizadas na produção
agrícola ou pecuária.
Saiba mais
CASA grande e senzala. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Brasil: Bretz
Filmes, 2001. (101 min).
MENINO de engenho. Direção: Walter Lima Jr. Brasil: Mapa Filmes, 1965.
(110 min).
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Unidade I
Possuir a terra no Brasil colonial não chegava a ser um problema maior, embora a Coroa não tivesse
feito uma distribuição discriminada, ou seja, foram escolhidos apenas aqueles que tivessem posses
para dar início a um empreendimento de sucesso, que permitisse a Portugal continuar dominando o
comércio de açúcar na Europa, o que já havia iniciado com as ilhas do Atlântico.
O êxito da empreitada econômica e política do engenho não estava, portanto, relacionado à terra ou ao
valor imobiliário que ela pudesse possuir, pois, como vimos, ela fora dada pela Coroa em condições especiais.
O marco decisivo para o sucesso do engenho de açúcar era possuir um grande número de escravos.
E ressalta,
A Coroa não doava Capitanias a todos nem, na prática, isto teria sido possível.
O Capitão‑mor não doava sesmarias a todos, ainda que a legislação inicial
permita concluir pela generalidade das concessões. Com a execução, surgiu
a inevitável exigência: a doação era feita a “quem pudesse cultivar”. Para
poder cultivar era imprescindível, entretanto, possuir escravos. Passou isto a
constituir um privilégio inicial, discriminatório. Fundiu‑se na discriminação
básica do investimento inicial, isto é, da posse dos recursos necessários à
empresa difícil da colonização.
E conclui Werneck:
[...] desde logo surgia a diferença entre os que se mantinham apenas como
agricultores e os que a esta condição juntavam a de senhores de engenho.
A crônica não se atentou para a desigualdade fundamental porque ela
desapareceu cedo, absorvidos os primeiros pelos segundos. Houve, de
início, colonizadores que se dedicaram apenas à agricultura e cuja tarefa
terminava praticamente com a colheita, e senhores de engenho. Os primeiros
entregavam a cana aos segundos, para ser transformada em açúcar, pagando
em espécie o serviço. Do ponto de vista social eram iguais; do ponto de vista
econômico, não o eram. Pouco a pouco, os simples plantadores passaram
a subordinar‑se aos senhores de engenho. Depois de lhe entregar a safra
acabaram por entregar a terra. Subsistiu, finalmente, apenas aquele que
dominava a unidade produtora de forma integral, que possuía os canaviais
e o engenho. Isto levou à concentração de propriedade, à aristocratização,
ao desaparecimento de plantadores independentes. De uma sociedade
hierarquizada em senhores de engenho, lavradores e escravos foi eliminado
o segundo termo. A estrutura da produção definiria logo as suas linhas
como: grande propriedade; modo escravista de produção; regime colonial
(Ibidem, p. 75, grifo do autor).
As afirmações de Werneck nos permitem profundas reflexões sobre o modelo sociopolítico brasileiro
contemporâneo, em que as exclusões sociais, a discriminação e a propriedade da terra entre poucos
donos ainda é encontrada.
Há vários temas recorrentes: a discussão em torno das cotas para negros nas universidades e no
serviço público; o papel do Movimento dos Sem‑Terra no debate sobre a reforma agrária; as franjas das
grandes cidades habitadas por aquilo que se convencionou chamar de “periferia”, ou mais recentemente
uma denominação com suposta menor carga pejorativa, que é a palavra “comunidade”, que, no entanto,
tem o mesmo significado, ou seja, a população favelada ou moradora dos morros, ou dos lugares
inabitáveis, os únicos que sobraram para a que a massa de carentes pudesse ter um local para viver sem
custos, mas sem recursos do Estado como saúde, educação, segurança ou qualquer outro. Todos esses
aspectos presentes na vida cotidiana brasileira são decorrentes de um processo histórico que ainda não
rompeu com a aristocracia, com os privilégios e com a discriminação.
Em outras palavras, o projeto sociopolítico e econômico brasileiro ainda não superou as divisões que
foram estabelecidas no período colonial, mesmo com os esforços de alguns pensadores, políticos, líderes
populares, movimentos sociais e mais recentemente de organizações não governamentais de defesa da
cidadania, que trabalharam muito e ainda atuam em prol da implantação de uma sociedade mais justa
e solidária.
39
Unidade I
Observação
Essa releitura do período do descobrimento e do período colonial são bases históricas essenciais
para que possamos reconstruir a formação do pensamento político brasileiro e, em especial, associar o
passado com sua influência no presente e nos problemas sociais, políticos e econômicos que temos de
solucionar.
Nas próximas páginas vamos conhecer as principais ideias de alguns pensadores que são
considerados paradigmáticos na história do pensamento político brasileiro. Eles contribuíram muito
para consolidarmos aspectos fundamentais para compreender o desenvolvimento da história política
brasileira e as consequências dessa trajetória para a situação que vivemos hoje.
Com essa análise mais aprofundada, será possível compreender historicamente os pormenores de
nossa nação, bem como refletir sobre os projetos que indicam possíveis soluções para problemas sociais
e políticos atualmente, de modo que se analisem de forma crítica a pertinência e a viabilidade dos
recursos propostos na prática metodológica do conhecimento do passado para iluminar as perspectivas
para o futuro.
Além disso, o desenho urbanístico de uma cidade que afasta seus moradores de baixa renda é a
continuidade da estrurura de “casa‑grande e senzala”, tão conhecida de todos nós no período colonial
brasileiro e com marcas ainda tão presentes na estrutura da sociedade nacional. Assim, conhecer o
raciocínio de pensadores políticos é fundamental para traçarmos as estratégias e as propostas para a
identificação e o enfrentamento dos problemas que temos de solucionar.
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Neste trabalho vamos aprofundar o conhecimento sobre o pensamento de José Bonifácio de Andrade
e Silva, Visconde do Uruguai, Silva Jardim, Rui Barbosa, Silveira Martins, Tavares Bastos, Silvio Romero,
Euclydes da Cunha, Alberto Torres e Gilberto Freyre.
José Bonifácio de Andrada e Silva nasceu em Santos, em 1763; era filho de pai comerciante de
grande poder econômico. Estudou Direito em Portugal, na Universidade de Coimbra, onde também
cursou Filosofia e Matemática. Em Paris, estudou Mineralogia e Química. Viveu e conheceu vários países
europeus e iniciou sua carreira política no Brasil em 1821, como presidente da junta provisória da
província da São Paulo.
Após se desentender com D. Pedro I, retornou para a Europa e somente voltaria ao Brasil em 1829.
Em 1831, foi indicado tutor de D. Pedro II e destituído no ano seguinte. Morreu em 1838.
O pensamento de Bonifácio foi influenciado por seus estudos de Direito em Coimbra e, nessa
medida, tem traços de jusnaturalismo, individualismo e liberalismo. Era contrário à escravidão, porque a
considerava antinatural, ou, em outras palavras, porque não era um direito natural. Chegou a representar
a Assembleia Nacional Constituinte em 1823 para que a escravidão fosse abolida, pois era contrária às
leis da justiça e da religião.
41
Unidade I
Os índios são um rico tesouro para o Brasil se tivermos juízo e manha para
aproveitá‑los. Cumpre ganhar‑lhes a vontade tratando‑os com bom modo,
e depois pouco a pouco inclinar sua vontade ao trabalho e instrução moral,
fazendo‑os ver que tal é o seu verdadeiro interesse, e que devem adotar
nossos costumes, e sociedade. Eles aprenderão a nossa língua, e se mesclarão
conosco por casamento e comércio.
Não deve nos impressionar que José Bonifácio de Andrada e Silva pensasse dessa forma, porque os
índios compunham uma cultura muito diferente daquela a que estavam habituados os portugueses e os
primeiros brasileiros nascidos aqui. O que chamava a atenção, verdadeiramente, é que muitos brasileiros
ainda pensem de forma assemelhada e que por isso a questão da preservação das terras indígenas no
Brasil, recentemente discutida na decisão do Supremo Tribunal Federal de 2013, que fixou parâmetros
42
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
para a demarcação dessas terras indígenas, ainda seja tratada de forma preconceituosa e sem respeito
à cultura da população indígena brasileira.
O autor também destaca que a economia devia valorizar a agricultura e a propriedade. Afirmava que
O debate sobre políticas para a agricultura brasileira ainda permanece em aberto. De um lado,
críticas dos agricultores à falta de políticas mais claras por parte do governo; de outro, críticas dos
ambientalistas às pretensões dos empresários do agronegócio. A discussão em torno do Código
florestal, Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, o qual trouxe restrições para a agricultura em razão
da necessidade da manutenção de áreas de preservação ambiental mesmo em propriedades privadas,
é bastante simbólica e evidencia o quanto a questão agrícola no país ainda depende de um debate
mais amplo e menos patrimonialista.
José Bonifácio atuou na Assembleia Constituinte de 1823, que foi dissolvida por Dom Pedro I, e
sua proposta era a de uma constituição cuja eficácia fosse comprovada pelo apoio popular, ou seja,
que não fosse apenas uma norma de papel e sem repercussão e legitimidade no seio da sociedade da
época. Contudo, ele excluía negros e índios desse apoio popular, em uma ambiguidade que não era
incomum naquele momento histórico, no qual já se constatava a dificuldade de adaptar ideias europeias
à realidade nacional, mais complexa de ser solucionada e que não se adequava à simples importação de
ideias de outros povos e nações.
Por fim, José Bonifácio defendia a implantação de ideias do liberalismo clássico, ou seja, do sistema
sociopolítico e econômico, que defendia a liberdade do indivíduo em todos os aspectos, em especial na
defesa da propriedade privada, do livre‑mercado, da mínima intervenção do Estado na vida dos cidadãos
e da igualdade entre eles.
Os pensadores liberais acreditavam que todo homem nasce livre para trabalhar onde, como e com o
que quiser. Da mesma forma afirmavam que poderiam escolher o governo e a religião.
Para José Bonifácio, o liberalismo estava presente também na arrecadação de impostos pelo
Estado, que deveria ser mínima e racional, de forma que não impedisse que os negócios comerciais
43
Unidade I
fluíssem livremente. Era, ainda, um homem que defendia a educação e as ciências nos moldes do que
era feito pelos europeus.
Paulino José Soares de Souza, mais tarde Visconde do Uruguai, nasceu em 4 de outubro de 1807,
em Paris, filho de José Antonio Soares de Souza e Antoinette Gabrielle Madeline Gibert. Seu nome de
registro foi Paulin Joseph.
Seu pai era brasileiro e havia viajado para a França com o objetivo de estudar medicina. Era de uma
família de poucas posses e trabalhou ministrando aulas de latim.
Somente em 1818 Paulino José Soares de Souza conheceu o Brasil, quando seu pai resolveu
estabelecer‑se como médico no Maranhão. Em 1823, retornou à Europa para estudar Direito na Faculdade
de Coimbra. Já em 1829 retornou ao Brasil sem concluir seus estudos em Coimbra, porque a agitação
da vida política local havia interrompido as aulas. No mesmo ano foi para São Paulo para estudar na
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Depois de formado trabalhou como juiz do foro em São
Paulo, mas os acontecimentos políticos decorrentes da renúncia de Dom Pedro I mobilizavam o interesse
do jovem bacharel e magistrado.
Em 1833, Paulino José Soares de Souza casou‑se com uma herdeira da elite agrícola, e isso ocorreu
porque seu sogro era fazendeiro. O fato propiciou ao ainda magistrado ter contato com problemas e
anseios que ele até então não conhecia em profundidade. A propriedade de seu sogro produzia café
e era fundada basicamente no trabalho escravo.
Em 1836, com 28 anos, foi nomeado presidente da província do Rio de Janeiro. Essa experiência foi
fundamental para que ele compreendesse com maior amplitude os problemas cotidianos e complexos
da administração pública. Como gestor público, Paulino José Soares de Souza acreditava que fosse
fundamental a participação dos particulares na gestão, inclusive na realização de obras como estradas,
por exemplo, essenciais para o escoamento da produção agrícola.
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Paulino também foi ministro da justiça, parlamentar e ministro dos negócios exteriores em uma
época bastante conturbada da política nacional, tendo enfrentado situações de instabilidade em todos
os cargos que ocupou. Atuou ainda como senador do Império na bancada do Partido Conservador, em
1849, e Conselheiro do Estado, em 1853. No ano seguinte recebeu o título de Visconde do Uruguai.
Batalhou muito pelo fim da escravidão e destacou‑se no plano internacional na defesa do Estado do
Amazonas como parte do território brasileiro, no episódio que envolvia os limites da região com a
Guiana Francesa.
Tal foi o caso quando se bateu pela abolição do tráfico negreiro, ocasião
em que entre seus parentes, amigos e correligionários se encontravam
grandes proprietários de terra e de escravos, produtores de açúcar e de café.
Ainda que a lei da abolição do tráfico tenha sido apresentada e assinada
por Eusébio de Queiroz, e por este motivo leve o nome do então Ministro
da Justiça, foi de Paulino a iniciativa, a elaboração e a ferrenha defesa que
culminou com a aprovação final da lei (RODRIGUES, 2011, p. 142).
Paulino José Soares de Souza foi durante muitos anos chefe do Partido Conservador, que defendia
a ideia de que o progresso não é melhor simplesmente por ser o novo, e que nem tudo o que é novo
deve substituir de imediato o que está em vigor. As lutas políticas haviam marcado profundamente o
seu pensamento, que permanecia a favor da liberdade, mas que entendia que as mudanças deveriam
ser precedidas de análise mais judiciosa antes de serem implementadas. Ele temia que a anarquia, a
impunidade e a insubordinação pudessem causar males insanáveis para o país.
[...] argumentava que, no Brasil, era necessário ter uma forte centralização,
para que a política do governo atingisse todo o território. Havia que separar
o poder judiciário da administração, para que os direitos individuais
e a justiça não fossem atropelados por julgamentos marcados pelos
sectarismos resultantes de juízes eleitos por designação dos partidos.
Finalmente, era necessário que as províncias gozassem da autonomia
45
Unidade I
E conclui a autora:
Como podemos perceber, o pensamento político não é linear. Ao contrário, construído por homens
e mulheres a partir de suas peculiares análises da vida e da preservação de seus valores, o pensamento
político de um povo é datado em um determinado momento histórico, influenciado por tudo aquilo que
é relevante para os seres sociais e, não raro, como ocorreu, entre outros, com o Visconde do Uruguai, é
46
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
contraditório e contraposto. Supor coerência e linearidade na construção histórica e social é negar que
as contradições sejam, igualmente, parte da trajetória política e social de uma nação.
Antônio da Silva Jardim nasceu na Vila de Capivari em 1860, hoje município de Silva Jardim, no
Estado do Rio de Janeiro, e faleceu em um acidente no vulcão Vesúvio, em Nápoles, na Itália, em 1891.
Silva Jardim era mais radical que muitos dos pensadores políticos de sua época. Ele queria uma
revolução que terminasse com a Monarquia, que ele criticava de forma implacável juntamente com o
Império, porque em seu entender não havia espaço para soluções negociadas, a saída era o domínio da
verdadeira liberdade, e isso deveria ocorrer com a queda da Monarquia e a proclamação da República
no Brasil.
Silva Jardim estava empolgado deveras pela mística republicana. A luta pela
instauração da República afigurava‑se‑lhe como algo sagrado.
[...] A Revolução que devia instaurar a República não só era digna e justa,
mas também santa. E este dever religioso não se opunha à visão cientificista
que empolgava ao ardente propagandista. Eis as suas palavras a respeito: “E
a Revolução é um dever excepcional, e uma garantia suprema, impossível de
ser de todo banida do organismo social, bem como a moléstia do organismo
físico. A ciência não a exclui, porque paz não quer dizer indiferença, ordem
não quer dizer apatia, fraternidade não quer dizer impudor perante as
afrontas: a violência é digna, a violência é justa, a violência é santa: só os
fracos não se indignam, só os nulos não se revoltam, só os covardes não
respondem à violência, que é um insulto, com a violência, que é um castigo”
(RODRIGUEZ apud PAIM; BARRETO, 1989, p. 160, grifo do autor).
47
Unidade I
Conhecido por seus discursos inflamados, os quais eram proferidos numa época em que a repressão às
ideias republicanas e abolicionistas não raro era feita de forma violenta pelo Império, Silva Jardim acreditava
na incondicionalidade da ética, na honra como um valor sagrado e da defesa da pátria como um dever. Para
ele, o comportamento deveria ser pautado por uma única norma: viver e morrer exclusivamente pelo país.
O jovem tribuno deixou claro que a sua admiração pelos Estados Unidos
estava polarizada sob o ângulo modernizador, no contexto do ideário
pombalino. Cuidadosamente excluiu a prática da democracia representativa.
Considerado um dos pensadores mais radicais daquele período, Silva Jardim se notabilizou pelas
ideias e, infelizmente, pela forma trágica de sua morte.
Rui Barbosa de Oliveira, ou simplesmente Rui Barbosa, como ficou mais conhecido na história
brasileira, nasceu em 5 de novembro de 1849, em Salvador, Bahia, e morreu em Petrópolis, Rio de
Janeiro, em 10 de março de 1923.
48
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Estudou Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo. Lá, junto a Castro Alves, o
poeta dos escravos, e com Joaquim Nabuco, o abolicionista, foi participante de um grupo que ficou
conhecido como o Ateneu Paulistano, dedicado a encontros culturais.
Depois de formado, mudou‑se para o Rio de Janeiro, onde se dedicou à advocacia e ao jornalismo.
Seu trabalho na época era centralizado na abolição da escravidão. Tornou‑se deputado provincial e
mais tarde deputado‑geral, ocasião em que defendeu o sistema federativo no Brasil ao lado de Joaquim
Nabuco. Era um homem coerente, a ponto de haver recusado um cargo de ministro antes da Proclamação
da República, porque considerava incompatível com suas ideias federativas.
Após a instauração da República, foi escolhido como ministro da Fazenda do governo provisório.
Exerceu também o cargo de ministro da Justiça. Teve grande participação na Assembleia Constituinte
que formulou a Constituição Federal de 1891, a primeira carta magna brasileira.
Desentendeu‑se com os adeptos do golpe que levou Floriano Peixoto ao poder e, na qualidade de
redator‑chefe do Jornal do Brasil, foi veemente crítico dessa situação, tanto que precisou se exilar. Ficou
em Buenos Aires, depois em Lisboa, e mais tarde em Londres. Regressou do exílio em 1895, retomando
sua condição política no Senado, onde foi sucessivamente reeleito até sua morte.
Em 1907 foi chefe da delegação brasileira que participou da Segunda Conferência de Paz, em Haia, na
Holanda. Lá defendeu o princípio da igualdade jurídica das nações soberanas, enfrentando o preconceito
das grandes potências, para as quais essa ideia era inaceitável. Devido a sua atuação, foi nomeado para
presidente de honra da Primeira Comissão, e seu nome foi destacado entre os “sete sábios de Haia”.
De volta ao Brasil, foi contra a eleição do Marechal Hermes da Fonseca, e em 1931 fundou o Partido
Liberal.
Rui Barbosa teve intensa participação na vida política brasileira, mas contra ele pesa o seguinte: em
1889, quando era ministro da Fazenda, ordenou que fossem queimados livros que continham matrículas
de escravos em todas as comarcas jurídicas que podiam realizar esses registros. Para alguns historiadores,
ele teria procedido dessa forma para tentar apagar a mancha da escravidão da história brasileira.
Outros pesquisadores, no entanto, ponderam que a atitude pode ter sido uma forma de inviabilizar que
proprietários de escravos tivessem documentos para requerer ao governo indenização pela perda da
propriedade em decorrência da abolição, que havia ocorrido em 1888.
com a vida, com as lutas que os homens estavam travando para que
mudanças infra e superestruturais acontecessem no Brasil no final do século
XIX. Rui Barbosa se insere totalmente nas lutas e toma partido frente às
transformações que se operavam no país, como a mudança do trabalho
escravo para o livre, mudança do regime monárquico para o republicano,
mudança de uma economia hegemonicamente agrária para a organização
de uma indústria embrionária. Período este de modernização da vida do
brasileiro, e em que se caminha para inserir o Brasil no processo civilizatório.
A primeira reforma que Rui Barbosa defendeu foi a da eleição direta. Esta
foi levada à Câmara pelo ministro do Império, barão Homem de Melo. A
redação final foi elaborada por Rui a pedido de José Antônio Saraiva, que
estabelecera as bases do projeto. Ela era uma antiga aspiração do Partido
Liberal, que buscou realizá‑la logo que retomou o poder, após 10 anos de
ostracismo político. O Partido Liberal organizou um ministério em março de
1880 e realizou a reforma através de Lei Ordinária, Lei Saraiva, sob o Decreto
nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881.
Rui Barbosa criticou o sistema eleitoral vigente por ser fraudulento, pois
tinha como principal problema a questão da qualificação. O título de
votante dependia de uma decisão administrativa ou judiciária, e isto levava
a um jogo de interesses administrativos, excluindo os eleitores que fossem
da oposição.
Para Rui Barbosa, o sufrágio universal deveria ser acatado, porém pedia uma
era de inteligência e educação popular para que o país pudesse alcançar esse
ideal da democracia representativa. Para ele, ainda não era possível realizar
o sufrágio universal, assim era preciso verificar quem constitucionalmente
podia votar quanto ao censo.
50
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
No aspecto político de Rui Barbosa prevaleceu a dimensão liberal, em especial pela preocupação
de limitar o poder do Estado em relação à sociedade e garantir que o governo estivesse a serviço da
sociedade, e nunca o inverso. Entretanto, suas ideias liberais foram consideradas por demais abstratas
e, nessa medida, impraticáveis.
Aí radica, ao nosso ver, outra das limitações do estadista baiano: não soube
enquadrar a experiência do sistema representativo do Império no contexto
histórico em que emergiram as instituições consagradas na Carta de 1824.
Era evidente a sua preocupação por pautar a nossa experiência de governo
representativo pelo parâmetro da experiência britânica.
Rui Barbosa acreditava que era preciso desmontar o Império para instalar a República, e esta deveria
ocorrer em regime de federação, que ele compreendia como elemento que garantiria o governo do povo
pelo povo. Sem o Império seria possível se afastar do traço centralizador e permitir a expressão maior
da vontade popular.
Ele era presidencialista e entendia o presidencialismo como uma decorrência natural da República.
Não cogitou a ideia de parlamentarismo por considerar a experiência norte‑americana como um bom
modelo para ser seguido. Não foi, no entanto, o que ocorreu no Brasil, pois a passagem do Império para
o sistema republicano e federalista foi, de início, motivo para o excessivo aumento do poder do Estado,
centralizado no Poder Executivo e sem equilíbrio entre os poderes, como seria desejável.
Rui Barbosa é criticado por ter contribuído pouco para a instauração da democracia representativa no
Brasil republicano, seja por sua ideia vaga de regime de opinião, seja por ter desprezado a contribuição
da experiência parlamentar do Império. Nesse sentido, afirma Vasquez:
Se bem é certo que o idealismo de Rui não transigiu nunca com o despotismo,
também é verdade que não conseguiu elaborar meios constitucionais
eficazes que freassem a corrida estatizante por que enveredou a República
desde os primeiros anos. Porque o único meio possível de garantir um Estado
controlado pela Nação teria sido o amadurecimento, no arcabouço das
instituições republicanas, da prática da representação. E isso Rui não logrou.
As críticas ao pensamento de Rui Barbosa não diminuem sua relevância política, principalmente por
ter sido um defensor de três ideias fundamentais para a história brasileira: o abolicionismo, a federação
e a República.
Seu descontentamento com os rumos da política e do Estado brasileiro, já ao final de sua extensa
e profícua trajetória de homem público, podem parecer escritos em nossos dias, haja vista a atualidade
que reproduzem. Vejamos o texto a seguir:
52
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
É um país reduzido a pastos dos seus governantes, é anima vilis dos seus
charlatães, é um país vaca de leite, um país gado de açougue, um país
carniça de hospital. Sua administração, sua política e seu governo, fundados
na incompetência, regidos pelo nepotismo, arruinados pelo desbarato
financeiro, resume[m]‑se numa só palavra: dilapidação.
Esses pensamentos de Rui Barbosa se aplicam à política brasileira contemporânea, que, em larga
maioria, perdeu o referencial da ética e da moralidade como bem demonstram os recentes escândalos
de corrupção em todos os níveis de poder político.
Gaspar Silveira Martins nasceu no Departamento de Cerro Largo, no Uruguai, em 1835. Seus pais
possuíam propriedades no Uruguai e no Brasil. O sobrenome Martins é de sua mãe, e o sobrenome
Silveira, de seu pai. Registrado na tradição espanhola, tinha como último sobrenome o materno.
Estudou Direito na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, e concluiu o curso
em 1856. Em sua trajetória política, ocupou os cargos de juiz municipal, no Rio de Janeiro, deputado
provincial (1862‑1889), deputado‑geral (1872‑1879), ministro da Fazenda (de 13/2/1878 a 8/2/1879),
senador do Império (1880‑1889), presidente da província do Rio Grande do Sul (1889) e foi nomeado
conselheiro de Estado extraordinário pelo Imperador (1889). Também foi presidente do Partido Liberal,
um dos fundadores do Partido Federalista e um dos líderes da Revolução Federalista (1893‑1895).
Com a Proclamação da República, em 1889, ficou exilado com sua família na Europa. E, no período
final da Revolução Federalista, em 1895, foi para a Argentina. Liderou a oposição a Júlio de Castilhos,
Presidente da Província do Rio Grande do Sul. Pouco antes de falecer, deixou seu testamento político,
texto em que estão expressas suas principais ideias políticas. A obra apresenta uma proposta de
organização de Estado alternativo ao projeto republicano castilhista. Faleceu em 1901, em Montevidéu,
Uruguai.
Silveira Martins foi até acusado de monarquista e de defensor dos direitos dos proprietários de terra
e de escravos, que eram, a rigor, sua condição pessoal como filho de proprietários de terras no Brasil e no
Uruguai, os chamados “estancieiros”, ou seja, proprietários de estâncias. Na verdade, ele era um liberal,
não se importando com qualquer forma de governo, Monarquia ou República, desde que preservasse a
liberdade do cidadão. Para ele, o ideário político deveria ser o da liberdade individual, ou seja, o regime
de governo não era relevante.
Silveira Martins entendia que a concentração de poder era um mal para a sociedade e, nessa medida,
defendia eleições livres, em que todos pudessem manifestar sua vontade.
53
Unidade I
Além disso, ele era parlamentarista e defendia maior autonomia das províncias, que hoje denominamos
estados federativos. Lutou por uma república federativa de caráter presidencial representativo e
parlamentar, por entender que isso era o que melhor se adequava às suas concepções liberais de governo.
O Poder Executivo deveria se submeter ao Legislativo, e o Poder Judiciário deveria ter garantia de livre
funcionamento, a fim de poder assegurar o bem‑estar dos cidadãos.
Silveira Martins também era a favor da colonização em substituição ao trabalho escravo, e considerava
que isso seria especialmente proveitoso para a Província do Rio Grande do Sul, pela qual sempre lutou.
Em poucas palavras, o pensamento que guiou Silveira Martins em sua trajetória política era
essencialmente liberal, inspirado nos ideais que haviam mobilizado a Inglaterra, os Estados Unidos e a
França no rumo da liberdade civil, com garantias constitucionais e poderes independentes.
Aureliano Cândido Tavares Bastos nasceu na cidade de Alagoas, em 20 de abril de 1839 e faleceu
em Nice, França, em 3 de dezembro de 1875.
Foi político, escritor e jornalista. Seu pensamento político é marcado pelo pioneirismo das ideias do
federalismo e contrário à centralização administrativa no Brasil ainda durante o período do Segundo
Reinado.
54
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Estudou Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, em São Paulo, onde iniciou sua carreira
política. Formou‑se em 1859, com apenas 19 anos de idade. Foi deputado federal por Alagoas em três
legislaturas, mas viveu parte de sua vida no Rio de Janeiro.
Era defensor das ideias do liberalismo, e entendia que a liberdade de mercado e da livre‑iniciativa era
fundamental para a sociedade. Por essa razão, era contrário ao fato de o Estado exceder sua atuação e
substituir o particular na economia produtiva. Defendia, ainda, a separação do Estado e da Igreja, bem
como a liberdade religiosa, inclusive, com a imigração de protestantes.
Seus conceitos eram muito influenciados por John Stuart Mill, Alexander Hamilton e Alexis de
Tocqueville.
Tavares Bastos acreditava que as raízes de todos os males que o Brasil vivia estavam nos erros da
Metrópole absolutista e do regime colonial. Para construir um futuro melhor para o país, destacava que
seria preciso desconstruir o arcabouço colonial e livrar‑se de seus vícios.
Ele acreditava na importância de dados estatísticos para nortearem o planejamento das mudanças
necessárias, a fim de tornar o país mais progressista. Nesse sentido, pode ser definido como pragmático
e realista, e nada utópico. Suas esperanças de melhoria não eram vãs, ao contrário, eram pensadas com
base em planejamento prévio, em dados concretos.
Tavares Bastos acreditava que a província deveria ocupar um papel central no federalismo monárquico.
Para tal, destacava que eram fundamentais eleições livres para a escolha dos presidentes de província
e a ampliação de atribuições de recursos financeiros, para que esses entes políticos se organizassem
adequadamente e tivessem força de representação.
O pensamento liberal de Tavares Bastos foi dedicado, ainda, às questões da expansão da instrução
pública, à gradual libertação dos escravos e à política de imigração para viabilizar a entrada de mão
de obra estrangeira, principalmente para substituir o trabalho escravo. Para ele, a modernização do
Estado brasileiro só ocorreria com o fortalecimento das províncias e com a liberdade de escolha de
representantes políticos pelos cidadãos. Em plena Monarquia, não era pouco ser defensor de eleições
diretas!
Seu modelo de organização política e social era francamente baseado na experiência norte‑americana.
Em razão da grande convicção sobre os benefícios dessa estrutura, cometeu alguns excessos.
Acreditava, ainda, que o tipo de governo fosse secundário. Essencial era haver a reforma das
instituições políticas para promover um programa de modernização política e econômica. Relatava que
isso seria obtido se o regime de poder fosse descentralizado e com ampla participação da sociedade.
Formou‑se em Direito pela Faculdade do Recife em 1873, e atuou como crítico literário e jornalista
em vários periódicos de Pernambuco e do Rio de Janeiro. Foi deputado provincial em 1875 e deputado
federal pelo Partido Republicano em 1900.
Transferiu‑se para o Rio de Janeiro, onde foi professor concursado do Colégio Pedro II, no qual
lecionou Filosofia. Foi escritor e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.
Silvio Romero também se notabilizou por ser um polemista, ou seja, defensor de ideias que se
contrapunham às de outros pensadores e que, não raro, eram debatidas durante muito tempo por meio
de artigos publicados em jornais, ou até em livros. Credita‑se essa facilidade de polemizar ao fato de
ser descendente de uma classe social menos abastada, rural e em plena decadência econômica, o que
teria desenvolvido em Silvio Romero certo desprezo pela vida na Corte. Era um defensor dos valores
e do modo de vida da província e, na mesma medida, um crítico da vida e dos valores praticados pelo
poder dominante.
Em decorrência disso ele se define como um nacionalista, que então deveria combater os modismos
da vida na Corte e valorizar a província, focar o debate nos problemas nacionais e resgatar a cultura
brasileira. Com isso, pretendia defender a integridade e a pureza de ideias contra a imitação ou o espírito
de importação do ideário de outras nações.
Adepto das ideias positivistas de Augusto Comte, Silvio Romero produziu extensa obra literária,
sempre valorizando o método científico e criticando ferozmente até as ideias importadas, rasas em
56
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
fundamentação, repletas de palavreado rebuscado e sem consistência. Acreditava que todo estudo só
seria científico se estivesse em conformidade com leis fundamentais, que deveriam ser as mesmas, tanto
para o mundo físico como para a cultura.
Para o autor, a literatura era uma forma de compreensão do caráter nacional; dizia que o escritor
deveria ser analisado a partir de seu contexto sociocultural e histórico.
Influenciado por Darwin e Spencer, acreditava no evolucionismo e que o povo brasileiro, formado
pela miscigenação de índios, negros e brancos europeus, ainda teria um grande destino histórico e
cultural no mundo.
Não sem razão que o bacharel empreende pela busca dos fatores
condicionantes à formação do gênio, do espírito do povo brasileiro, herdeiro
da fusão das três raças: branco, índio e negro. Partindo da concepção
germânica de literatura na qual incluem “todas as manifestações da
inteligência de um povo”, Romero insurge‑se contra a ideia de restringir
as manifestações culturais do povo brasileiro à poesia. O crítico literário
acreditava nos fatores condicionantes da literatura brasileira, tais como:
“o português, o negro, o índio, o meio físico e a imitação estrangeira”.
Analisando a literatura que para este representaria o “caráter nacional do
brasileiro”, Romero formulava sua teoria no Brasil, a teoria da mestiçagem,
visto que esta era reflexo destes elementos condicionantes (COSTA FILHO,
2009, p. 25, grifo do autor).
E conclui:
Como vimos, a contribuição de Silvio Romero para o pensamento político brasileiro é importante
e complexa, e merece um estudo mais amplo, algo que este trabalho não tem a pretensão de realizar.
58
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
É fundamental perceber que muitas das questões que ele estudou e discutiu com vigor ainda
estão presentes no cotidiano brasileiro, por exemplo, o debate sobre a existência de uma identidade
nacional brasileira, ou ainda sobre as tendências de importação de ideias e soluções para os
problemas nacionais.
Alberto de Seixas Martins Torres nasceu em Itaboraí, no Rio de Janeiro, em 1865, e faleceu em
1917.
Formou‑se em Direito, tendo estudado em São Paulo e no Recife. Foi deputado estadual e federal
pelo Rio de Janeiro, ministro da Justiça a convite do presidente Prudente de Morais e ministro do
Supremo Tribunal Federal.
Foi abolicionista, republicano, expoente do pensamento ruralista brasileiro, e suas ideias influenciaram
o movimento integralista brasileiro. O integralismo foi um movimento de origem portuguesa que
chegou ao Brasil na metade do século XX e que se baseava na ideia de hierarquia e harmonia social, com
fundamento na doutrina social da Igreja, ultraconservador e com influências do fascismo.
A nação brasileira deveria ser criada pelo Estado. Não caberia a este atuar
apenas de forma reguladora, como compete ao Estado em uma nação já
desenvolvida, já que o Brasil não criou, ainda, os vínculos orgânicos capazes
de consolidarem‑no como nação. Não podemos, segundo Torres, darmo‑nos
ao luxo de sermos liberais.
E critica o liberalismo, ainda, por ele ter limitado o âmbito da ação estatal,
quando deve caber ao Estado – e a um Estado forte – atuar como órgão
central de todas as funções sociais, destinado a coordená‑las e harmonizá‑las
– a regê‑las – estendendo a sua ação sobre todas as esferas da atividade,
como instrumento de proteção, de apoio, de equilíbrio, de cultura (TORRES,
1982a, p. 173). A relação da sociedade para com o Estado, portanto, é
de dependência: ela depende da ação estatal para organizar‑se, superar
seus conflitos e deficiências, enquanto o Estado, para Torres, é um espaço
desvinculado de interesses e conflitos de poder.
60
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Alberto Torres também sofre influência do positivismo e do evolucionismo. Ele acredita no Estado
forte, autoritário, como condutor de todo projeto político social, até porque estaria embasado em uma
racionalidade incontestável. Em sua concepção, o Estado deve sobrepor‑se à sociedade civil porque sabe
o que é melhor para ela.
Souza (2005) destaca ainda o pensamento de Torres sobre a cidade e o campo, e sua crença na força
da sociedade agrária:
A cidade e o campo são vistos por Torres a partir de uma rígida dualidade.
No campo, impera o trabalho produtivo e organizado, herança da escravidão,
o que o leva a fazer o elogio das consequências do sistema escravista.
Segundo ele, “social e economicamente, a escravidão deu‑nos, por longos
anos, todo o esforço e toda a ordem que então possuímos, e fundou toda
a produção material que ainda temos (TORRES, 1982a, p. 32)”. Ela foi o
alicerce da formação nacional, e é sua herança que permanece servindo de
base para o que o Brasil possui de organização nacional, em contraponto
à desestruturação provocada pela influência urbana. Torres faz, portanto,
o elogio, senão da escravidão, pelo menos de seus efeitos – a criação das
bases da organização nacional. Já a abolição é criticada por seu caráter
exclusivamente humanitário e sentimental e pelas suas consequências, já
que “a abolição fez‑se e a lavoura ficou desorganizada (TORRES, 1982, p.
58)”. Os abolicionistas foram impulsionados pelo interesse sentimental pelo
negro, mas a abolição não foi seguida pela preocupação em integrar o negro
à sociedade, deixando‑o à margem e preferindo a importação de imigrantes
(TORRES, 1982, p. 161).
Como já afirmamos nesta obra, embora seja construído na atualidade com outras dimensões
e preocupações, esse debate é contemporâneo. O agronegócio é uma atividade econômica
fundamental para muitos países, inclusive para o Brasil, que pode exportar alimentos para o
mundo todo e em condições excepcionais de produtividade, haja vista o grande espaço de terra e a
quantidade de mão de obra que possui. Contudo, existe tensão entre essa ocupação e os defensores
ambientais e do trabalho, visto que a atividade agropecuária no Brasil ainda traz problemas para
a preservação do meio ambiente e, infelizmente, nem sempre respeita a legislação trabalhista em
sua integralidade.
61
Unidade I
A agricultura era vista por Alberto Torres não apenas como uma importante ação econômica, mas
também como capaz de garantir a agregação social, ao contrário da indústria, a qual provocava o
abandono do campo e a desagregação dos valores que eram essenciais para a sociedade brasileira e que,
para ele, eram os valores decorrentes do modo de vida rural.
Alberto Torres era conservador, agrário, anticapitalista. Defendia a ideia de que as empresas
estrangeiras deveriam ser mantidas fora da economia brasileira porque não produziam nada relevante,
apenas mercadorias supérfluas. Para ele, a política nacionalista era essencial, a única forma de defesa
nacional contra a força estrangeira que poderia prejudicar a economia e a sociedade brasileira. A
argumentação das riquezas nacionais se dá pelo fato da possível criação de uma nação soberana, e é
nesse sentido que caminham a reflexão e a ação política de Alberto Torres.
Como pudemos perceber, grande parte dos pensadores estudados e que foram fundamentais entre
o fim do Império e o início da Primeira República eram bacharéis em Direito, curso em que fervilhavam
as principais ideias políticas de todos os matizes.
A corrente do pensamento liberal advinha das ideias dominantes na Europa e nos Estados Unidos
desde a Revolução Inglesa, também denominada Revolução Gloriosa; da Independência das Treze
Colônias norte‑americanas; e, em 1789, da Revolução Francesa.
A primeira delas foi a revolução ocorrida na Inglaterra entre 1640 e 1688. Tal ocorrência foi marcada
pelo fato de o poder estatal ser transferido a uma nova classe social, que se enxergava como sujeito
de sua própria história. O intuito era de construir uma nova sociedade inglesa, tanto no aspecto
socioeconômico como no político‑cultural.
A segunda importante revolução liberal é a de Independência dos Estados Unidos, que ocorreu
entre 1775 e 1783. Esse movimento advém de muitos fatores, mas em especial da mudança nas
relações entre a coroa inglesa e a norte‑americana, com notória deterioração das relações políticas
e econômicas.
A Inglaterra, naquele momento, possuía sérios problemas financeiros decorrentes dos gastos e
das dívidas que havia contraído na Guerra dos Sete Anos, ocorrida em 1756 e 1763 contra a França.
Ao mesmo tempo, a Revolução Industrial implicava novas necessidades, sobretudo pelo acúmulo de
pessoas nas cidades, porque era nessas metrópoles que se encontravam as fábricas que atraíam milhares
de trabalhadores. Era preciso agir na organização das cidades para impedir conflitos e descontrole social,
e isso, evidentemente, tinha custos.
A colônia norte‑americana passou a sofrer com a aplicação de novas leis criadas pela Inglaterra e
que, fundamentalmente, restringiam o comércio e aumentavam os impostos cobrados, e não tardaram
os conflitos entre os colonizadores e os colonizados. Em razão disso, em 1776, os colonos se reuniram em
um congresso com o objetivo de declarar as razões que os levavam à independência. Durante o congresso,
Thomas Jefferson redigiu a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. Evidentemente,
a Inglaterra não aceitou essa emancipação de suas colônias e declarou guerra. A Guerra de Independência,
que ocorreu entre 1776 e 1783, foi vencida pelos Estados Unidos com forte apoio da França.
63
Unidade I
A liberdade foi um fator não apenas de integração dos Estados Unidos da América do Norte, como
também essencial para a criação do novo país. Um valor primordial que os norte‑americanos preservam
até hoje como um dos objetivos de criação do país.
A influência protestante, muito forte nessa época nos Estados Unidos, enfatizava a participação dos
indivíduos na vida da sociedade. No âmbito filosófico, a grande inspiração da libertação norte‑americana
foi Locke (1632‑1704) e a ideia de defesa da propriedade como um direito natural.
A última grande revolução liberal foi a francesa (1789). O século XVIII foi o século do Iluminismo. O
período marca a transformação do pensamento da humanidade na busca da razão e da comprovação
(experimentação); delimita o uso da Matemática para o estudo dos fenômenos, sempre na busca de uma
explicação racional e lógica, que pudesse ser devidamente comprovada.
O rei era o único detentor do poder, ele era o Estado. Aliás, Luís XIV, conhecido como Rei‑Sol, que
governou de 1643 a 1715. O monarca pronunciou a célebre frase: L’État c’est moi! (O Estado sou eu!).
O que significa ser o Estado? Ora, significa que o rei era o único detentor do poder e que, de forma
irresponsável, podia fazer tudo sem precisar responder por seus atos, seja perante a corte, seja perante
a sociedade.
Não havia nenhum limite para suas vontades, nem a própria lei. Aumentar impostos
indiscriminadamente, mandar prender, matar ou tomar toda a propriedade de alguém eram práticas
corriqueiras dos reis de França.
Outro fato que aumentou o desejo de mudança foi porque os reis governavam de forma
desorganizada, excessivamente burocrática e injusta. A burguesia francesa que controlava o comércio,
a indústria e a atividade bancária desejava um governo melhor, justo, que permitisse que seus negócios
se desenvolvessem normalmente. Para isso, decidiram que era preciso participar não apenas da vida
econômica, mas também da organização política do país.
Os principais valores dessa declaração de direitos são: liberdade é o direito de fazer tudo o que não
prejudique os outros; todos têm direito à propriedade, à segurança e à resistência contra a opresssão.
Fundamentalmente, tal documento colocou a lei acima de tudo, pois esta passava a ser a expressão
da vontade geral. Com isso, assegurou que o Estado se tornasse não um fim em si mesmo, mas uma
organização com o objetivo de garantir que todos os cidadãos pudessem usufruir livremente de seus
direitos.
Um dos aspectos mais interessantes da declaração de direitos dos franceses foi determinar que cabe
aos cidadãos, por si ou por seus representantes, o controle das finanças e da administração pública.
Contudo, nem todos os franceses foram tratados como iguais a partir daquele momento. Na ânsia
do desenvolvimento econômico e do acúmulo de bens, os burgueses não conseguiram ser justos e, por
isso, as classes menos favorecidas apenas trocaram de algoz: dos reis absolutistas para os comerciantes
inescrupulosos.
Vamos compreender agora como o panorama político brasileiro no Império e na Primeira República
pode ser influenciado por três linhas de pensamento muito marcantes: patrimonialismo, nacionalismo
e pensamento liberal conservador.
O panorama político agitado na Europa trouxe a família real ao Brasil em 1808, onde permaneceu
até 1821. Ao retornar a Portugal, D. João VI deixou seu filho D. Pedro I como regente e o fim do período
colonial já bastante delineado.
De fato, o clima de agitação persistiu até a retirada da família real portuguesa, em 7 de setembro
de 1822. Havia grande pressão da Metrópole. Foram elaborados decretos, e estes eram acompanhados
de cartas de José Bonifácio e de Dona Leopoldina, esposa de D. Pedro, ambas estimulando o príncipe
para a tomada da decisão que seria a única capaz de aglutinar forças políticas e militares naquele
momento. A Independência de Portugal foi declarada no mesmo local em que D. Pedro recebeu os
decretos portugueses, os quais jamais seriam cumpridos.
D. Pedro retorna ao Rio de Janeiro e, ao lado de José Bonifácio, organizou o funcionamento do novo
reino, que passou a ser denominado Império.
65
Unidade I
O Primeiro Reinado teve início com a criação de uma corte nos moldes da portuguesa, com duques,
marqueses, condes, viscondes e barões. Também foram formuladas duas ordens, a do Cruzeiro e a da
Rosa, com as quais eram agraciados os fiéis servidores do Imperador.
Não foi criada nenhuma universidade, embora cursos de Direito tenham sido iniciados a partir de
1827. No ensino básico e nos estudos científicos também não houve mudanças expressivas.
A rigor, o Primeiro Reinado não mudou quase nada na ordem econômica e social. O poder econômico
permaneceu nas mãos dos senhores de terras, a escravidão continuou em vigor e, embora tenha havido
o surgimento de uma nova classe social, que era empregada na administração pública e que dava
início a um esboço de classe média para consumir no comércio local, é imperativo reconhecer que as
mudanças ainda eram muito tímidas.
Após a Independência,
Pressionado e já com os ecos dos republicanos e abolicionistas batendo às portas do palácio, D. Pedro
abdicou em favor de seu filho D. Pedro II e deixou o Brasil em 13 de abril de 1831.
O Período Regencial começou com D. Pedro II dormindo, que tinha apenas cinco anos e quatro
meses de idade quando seu pai deixou o Brasil. Quatro regências foram estruturadas para se exercer o
poder político até que D. Pedro II fosse declarado maior de idade, o que ocorreu em 23 de julho de 1840.
66
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
O período do Segundo Reinado também não foi tranquilo. Várias manifestações, revoluções, motins
e levantes ocuparam a cena política nacional, entre eles a Cabanagem, no Pará, entre 1835 e 1840, e a
Revolução Farroupilha, de 1835 a 1845.
Nesse governo, o regime parlamentarista foi implementado e vigorou até a Proclamação da República,
em 1889. O monarca, no entanto, continuava tendo a seu favor o exercício do Poder Moderador, previsto
na Constituição de 1824.
Em 1888, um decreto de dois artigos extingue a escravidão no Brasil e, em seguida, elimina o apoio
dos grandes proprietários de terra e de escravos à monarquia. Isso fortalece os republicanos e os militares,
que já estavam sensíveis às ideias republicanas desde a Guerra do Paraguai, que marca o ingresso dos
militares na vida política e no “estamento” de classe média.
O terceiro elemento social a exercer pressão em prol da república foi da Igreja. A instituição,
descontente com as atitudes de D. Pedro II, inclusive no encarceramento de bispos na chamada questão
religiosa, fortaleceu o apoio ao movimento republicano.
Em 15 de novembro de 1889, um militar ligado a D. Pedro II e a toda a família real por laços de
respeito e estima, sem nenhuma pretensão que não fosse conter as manifestações populares pela troca
do gabinete do Visconde de Ouro Preto, acabou por proclamar a República no Brasil, muito mais em
razão da forte pressão organizada por vários segmentos sociais e apoiada pelos setores econômicos mais
fortes.
Foi organizado um governo provisório chefiado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, que passou a
dirigir o país, mas os conflitos não cessaram. Por um lado, se a República era sonho de vários grupos
descontentes com o rumo da política no Segundo Império, por outro não havia consenso entre essas
classes sobre o modelo a ser adotado para a República.
Em 17 de novembro de 1889, a família real deixou o Rio de Janeiro. Encerravam‑se, então, o Segundo
Reinado e a experiência monárquica no país.
Podemos identificar pelo menos três grupos políticos que participaram ativamente do debate de
ideias e por vezes das manifestações públicas em prol de um novo modelo de país, agora republicano:
os militares que apoiavam Deodoro da Fonseca e que pensavam o modelo de governo como autoritário,
comparado ao modelo do exército; os militares positivistas, que adotavam esse ideal muito famoso na
Europa, e trazido para cá pelos estudantes brasileiros que cursavam faculdade em Portugal ou na França;
e os liberais, representados pela classe dominante, em especial, os proprietários de terra produtores de
café e leite, e os proprietários dos negócios de comércio urbano, profundamente interessados em regras
livres para a economia.
67
Unidade I
A Constituição de 1891 tomou por modelo a americana, que adotara o sistema republicano,
federalista e presidencialista. Os três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) seriam independentes;
haveria autoridade suprema do presidente, que seria eleito diretamente pelo povo para um mandato de
quatro anos; ocorreria a livre escolha dos ministros por parte do presidente; e, finalmente, senadores e
deputados também seriam eleitos pelo povo.
Algumas ideias que influenciaram esse período político merecem um estudo mais detalhado. São
os conceitos sobre patrimonialismo, nacionalismo e sobre o pensamento liberal conservador. Vamos
analisá‑los em pormenores.
4.1 O patrimonialismo
Essa não é uma concepção brasileira, ao contrário, norteia as discussões políticas há muito tempo,
em especial na Europa, que teve Max Weber (1864‑1920) como um estudioso do tema. Para o filósofo
alemão, o patrimonialismo é uma das formas de exercício da dominação por autoridade, ou seja, de
soberania, algo muito recorrente nas pesquisas dele.
Na dominação por autoridade, há uma crença de que aquele que exerce o poder tem legitimidade
para fazê‑lo, e que isso quase sempre decorre de uma longa tradição de poder, que é aceita e reconhecida
pelos grupos sociais.
No patrimonialismo, a administração política é realizada sem que haja clara separação entre o que é
público e o que é privado, ou seja, aquele que tem o poder o exerce sem distinção entre os bens públicos
obtidos a partir da arrecadação de tributos, por exemplo, e os bens particulares que são de propriedade
do administrador político.
É o caso típico da monarquia. Esta, acreditando que tudo lhe pertence, ainda que muitos
bens sejam fruto do esforço e do trabalho dos particulares, dirige o reino conforme suas
conveniências, as do próprio rei, independentemente da vontade dos particulares e de seus
interesses coletivos.
A descrição feita por Bendix sobre o trabalho dos funcionários escolhidos pelo governante indica que
eles atuavam no interesse do mandatário como se agissem em um serviço pessoal, ou seja, sem levar
em conta a opinião pública, o bem comum. Tal concepção se aproxima muito de uma velha tradição
brasileira, em que os administradores públicos possuem sempre assessores remunerados pelos cofres do
Estado, mas a destinação exata ninguém conhece.
São muitos os exemplos que temos no Brasil, até hoje, de governantes, deputados, senadores e
vereadores que contratam os tais assessores para tarefas que ninguém ao certo consegue especificar
quais são, e que, no entanto, são remunerados com dinheiro do Estado derivado dos tributos pagos por
toda a população, inclusive a de baixa renda.
Esse é um exemplo, dentre muitos outros, das consequências negativas do patrimonialismo. Outro
caso, infelizmente bastante comum, é a prática do nepotismo, ou seja, a contratação de parentes ou
amigos próximos (também chamados de “apadrinhados”) para exercer cargos públicos, em detrimento
de pessoas mais qualificadas ou concursadas. A isonomia não tem vez.
O nepotismo é uma prática que tem sido combatida no Brasil contemporâneo, mas infelizmente
ainda se encontra bastante arraigada em todos os poderes da República, ou seja, tanto no
Executivo (federal, estadual e municipal) como no Legislativo (federal, estadual e municipal) e
no Judiciário (federal e estadual – não há a esfera municipal). Em que pesem os esforços para
suprimir essa prática da vida pública nacional, ela subsiste e se apresenta de formas diferentes
para disfarçar as reais intenções, como acontece com o nepotismo cruzado, que ocorre quando
dois deputados contratam parentes um do outro. Dessa forma, inicialmente não se percebe que
o cargo está sendo ocupado por alguém ligado ao poder e que foi contratado sem possuir as
qualificações técnicas necessárias.
O nepotismo é uma ramificação das práticas patrimonialistas, que foram marcantes no Brasil no
período do Império e no início da República.
Entretanto, é preciso lembrar que essa prática não é a única consequência do patrimonialismo. A
corrupção é outra vertente direta dessa ação, porque a utilização do dinheiro público em benefício dos
interesses particulares se estende de forma incontrolável em todas as instâncias sociais no Brasil. Não
se pode deixar de lado a corrupção praticada por muitos cidadãos, por exemplo, que não querem ser
multados pelo guarda ou que cometem sonegação fiscal.
69
Unidade I
No Brasil, Raimundo Faoro foi um dos intelectuais que mais se dedicaram a estudar o patrimonialismo
e suas consequências. Analisaremos sua obra mais famosa, Os donos do poder, na Unidade II deste livro.
Para o autor, esse regime é consequência da mesma experiência vivida por Portugal, cujas instituições
políticas sofreram igualmente com a intencional confusão entre o setor público e o privado.
A abolição teve como consequência a subtração do apoio do poder econômico ao poder político, o
que motivou a República, que viria no ano seguinte.
Assim, é forçoso perceber que o Estado patrimonialista não tinha um modelo que interessava somente
à Monarquia. As elites econômicas também tinham enorme interesse nessas ideias, que, como podemos
perceber, ainda existem no pensamento político contemporâneo no Brasil e não raro se manifestam com
vigor.
Há diversos estudos sobre o patrimonialismo no Brasil, inclusive alguns que o destacam como uma
forma de desenvolvimento para algumas regiões do país, como no Rio de Janeiro, por exemplo.
De fato, Simon Schwartzman (1975) aponta que em cidades, por exemplo, o Rio de Janeiro, os
governantes e seu corpo administrativo fixaram residência e sede de governo. Eles se valeram dessa
circunstância para alcançar relativo desenvolvimento e progresso, ao passo que as cidades que resultaram
do desenvolvimento industrial acabaram por se tornar mais isoladas e independentes, como foi o caso
de São Paulo.
70
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Mesmo após a mudança da capital da República para Brasília, o Rio de Janeiro ainda se beneficia
da existência de uma máquina governamental que permite, dentre outras coisas, a forte presença do
funcionalismo público na cidade, com seus salários permanentemente pagos em dia e com força de
compra.
Em algumas regiões do Nordeste, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, o autor destaca que
a presença da burocracia estatal e dos militares propiciou a formação de ilhas de modernidade em
meio a uma tradição de liderança dos grandes proprietários rurais, adeptos de uma tradição que não
propiciou autonomia e evolução intelectual à população.
Para Schwartzman (1975), em algumas situações a população pode ter se beneficiado da influência
patrimonialista, embora Faoro (1987) defenda que ela foi negativa para o desenvolvimento das
instituições políticas brasileiras.
Rodriguez (2011) aponta que existem outras análises contemporâneas do patrimonialismo, inclusive
dele próprio, o que tem contribuído para que os estudos sejam cada vez mais críticos e aprofundados.
4.2 Nacionalismo
Porém, juntamente com esta significação, outra existe, mais restrita, que
evidencia uma radicalização das ideias de unidade e independência da
nação e é aplicada a um movimento político, o movimento nacionalista,
que se julga o único e fiel intérprete do princípio nacional e o defensor
exclusivo dos interesses nacionais (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO,
2000, p. 799).
Em outras palavras, nacionalismo é uma forma de pensamento político que se alicerça no conceito
de nação ou na consciência de nação.
No âmbito político, nação é definida como o grupamento de pessoas que vivem num mesmo lugar,
partilham das mesmas tradições, valores e história e também de uma mesma língua.
O pensador alemão Johann Gottfried Herder (1744‑1803) afirmava que as pessoas dependem de um
grupo nacional para alcançarem a felicidade, pois, caso sejam arrancadas de seu eixo natural, perdem as
referências e não conseguem ser felizes.
72
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Pouco tempo atrás o Brasil havia vivenciado a Guerra dos Farrapos ou Revolução Farroupilha
(1835‑1845). O movimento, com caráter separatista, além de colocar a província de São Pedro do Rio
Grande do Sul contra a Monarquia, tinha traços de luta pela República e pela abolição da escravidão.
O desejo de República era tão grande entre os revoltosos que chegaram a proclamar a República
Rio‑Grandense, da qual Bento Gonçalves foi presidente. Em Santa Catarina foi proclamada a República
Juliana. Ambas não tiveram vida longa.
O movimento gaúcho influenciou a Revolução Liberal de 1842, em São Paulo, e a Sabinada, na Bahia,
em 1837, ambas ancoradas nas ideias do Partido Liberal da época.
Guerras externas e internas contribuíram para que a reflexão em torno do sentimento de nação, da
construção de identidade nacional e, consequentemente, do nacionalismo irrompesse no pensamento
político brasileiro.
Além disso, o início do século XX foi marcado em todo o mundo por acontecimentos socias e políticos
muito significativos, como a Revolução Soviética, em 1917, e a quebra da Bolsa de Valores em Nova
73
Unidade I
Iorque, em 1929. Esses fatos não podem ser interpretados de forma singular, ao contrário, devem ser
analisados no contexto de um mundo que, se não era globalizado da forma como o conhecemos hoje,
também não estava tão isolado a ponto de não permitir que os acontecimentos de maior envergadura
provocassem repercussões significativas.
No Brasil a situação não era muito diferente. A velha política que dominara
desde a proclamação da república já não tinha a ressonância suficiente para
continuar inalterada: o país crescia, urbanizava‑se, e embora as oligarquias
rurais continuassem a ser a força política base econômica do país, novos
grupos – elites urbanas, intelectuais e profissionais, trabalhadores e
operários que aumentavam em número nas grandes cidades – começavam
a questionar a velha política oligárquica baseada na força dos Estados, na
verdade de alguns Estados mais poderosos economicamente (Minas e São
Paulo). O antigo sistema já não dava conta da nova realidade brasileira, e
na verdade a sufocava: a crise do final dos anos vinte viria a ser apenas
a gota d‘água, deixando bem claro que o mundo encontrava‑se em fase
de intensas transformações das quais o Brasil não poderia ficar à parte
(GOUVEA, 2003, p. 3‑4).
Em pouco tempo, o Brasil havia mudado muito e de forma importante. A escravidão havia terminado,
e a divisão das classes sociais incluía agora uma categoria até então malpercebida: os trabalhadores. A
crise econômica mundial havia causado problemas como a precificação do café, o que motivou o êxodo
rural. Dessa forma, as cidades brasileiras receberam muitos emigrantes em pouco tempo, e isso acelerou
o processo de difusão da cultura e do conhecimento.
Por outro lado, o espírito europeu que havia dominado o Império ficava cada vez mais
distante. As ideias de Portugal e França, que haviam inspirado a filosofia, assim como a política
e a economia do Brasil, não faziam mais sentido para os novos estratos sociais, que também
começavam a exigir maior participação política e não se contentavam com arranjos que até
então vigoravam, como o “voto de cabresto”, o poder de “coronéis”, dentre outros. A política
brasileira iniciava uma nova fase.
Algumas manifestações artísticas poderão nos auxiliar a entender melhor esse período. Estudos
sobre a Semana de Arte Moderna de 1922 e sobre Monteiro Lobato e sua famosa personagem Jeca Tatu
são importantes.
Jeca Tatu simbolizava o caipira do interior de São Paulo, que, na opinião do escritor, era preguiçoso
e bêbado. Posteriormente, Monteiro Lobato teve conhecimento de que boa parte da população rural era
vítima de doenças como malária, febre amarela, muita verminose e outras, que, a rigor, eram fruto do
descaso das autoridades públicas com as questões sanitárias do país.
Não havia preguiça, era a carência de saúde e de educação o motivo de a população rural ter
aparência apática e suposta falta de iniciativa.
75
Unidade I
Saiba mais
Como vimos, o pensamento liberal é aquele que está associado com as concepções que predominaram
na Europa e nos Estados Unidos, em especial após a Revolução Gloriosa, ocorrida na Inglaterra, em
1688; a Revolução de Independência Norte‑Americana, de 1776; e a Revolução Francesa, de 1789.
No cerne das ideias liberais estava o pensamento de Adam Smith. Em 1776, escreveu sua célebre
obra A riqueza das nações (2012), em que defende: “o homem, com sua liberdade, rivalidade e desejo de
ganhar, é guiado por uma mão invisível a promover um fim que não fazia parte da sua intenção, ele age
de modo involuntário em nome do interesse maior da sociedade” (SMITH, 2012, p. 54).
Os liberais acreditavam, portanto, que a máxima liberdade conduziria a uma perfeita organização
econômica e social, e, nessa medida, o Estado não deveria interferir, principalmente nas atividades econômicas.
No Brasil, entretanto, as ideias liberais tiveram de ser adaptadas para a realidade política, econômica
e social que estava em vigor. Aqui, tais concepções encontraram ressonância entre os proprietários de
terra e os comerciantes urbanos. Eles eram a favor da república e do sistema federalista, ou seja, que cada
província (designação dos Estados antes da Proclamação da República) fosse autônoma para se governar,
principalmente para estabelecer suas regras econômicas e tributárias, de modo que ficassem garantidos os
interesses dos grandes proprietários. Esse tipo de governo é conhecido como oligarquia, forma de governo
concentrada em poucas pessoas, normalmente da mesma família ou do mesmo grupo econômico.
Em todos os momentos, no entanto, o liberalismo brasileiro foi conservador. Foi comum na história
brasileira os liberais apoiarem ideias conservadoras, como a manutenção da escravidão, e conservadores
apoiarem ideias liberais.
Dessa forma, notamos que os problemas políticos e sociais da atualidade estão profundamente
relacionados com práticas que já foram corriqueiras na história do Brasil.
78
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
O liberalismo foi conservador exatamente por essa razão, ou seja, ao mesmo tempo que adotava as
linhas mestras do pensamento liberal em todo o mundo, prevaleciam os interesses econômicos, sociais
e políticos das elites, sem que a população tivesse condições objetivas para opinar, protestar ou se
organizar com vistas a modificar a situação.
Saiba mais
Resumo
79
Unidade I
Exercícios
Terra Indígena (TI) é uma porção do território nacional, de propriedade da União, habitada por
um ou mais povos indígenas, por ele(s) utilizada(s) para suas atividades produtivas, imprescindível à
preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem‑estar e necessária à sua reprodução física e
cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Trata‑se de um tipo específico de posse, de natureza
originária e coletiva, que não se confunde com o conceito civilista de propriedade privada.
O direito dos povos indígenas às suas terras de ocupação tradicional configura‑se como um
direito originário, e, consequentemente, o procedimento administrativo de demarcação de terras
indígenas se reveste de natureza meramente declaratória. Portanto, a terra indígena não é criada por
ato constitutivo, e sim reconhecida a partir de requisitos técnicos e legais, nos termos da Constituição
Federal de 1988.
Atualmente existem 462 terras indígenas regularizadas, que representam cerca de 12,2% do território
nacional, localizadas em todos os biomas, com concentração na Amazônia Legal. Tal concentração é
resultado do processo de reconhecimento dessas terras indígenas, iniciadas pela Funai, principalmente
durante a década de 1980, no âmbito da política de integração nacional e consolidação da fronteira
econômica do Norte e do Noroeste do país.
I – A demarcação de terras indígenas foi prevista na Constituição Federal de 1988, mas ainda não
foi inteiramente concluída.
II – O processo de demarcação é demorado, pois é preciso que sejam criados espaços para essa
destinação.
81
Unidade I
III – O processo de demarcação das terras indígenas tem caráter meramente declaratório, porque os
índios já ocupavam essas terras antes do colonizador português.
IV – As terras brasileiras devem atender ao princípio da propriedade privada, ou seja, devem pertencer
a quem pode comprá‑las, ou a quem investe nelas.
V – As terras indígenas demarcadas podem ser alienadas pelos índios livremente, porque pertencem
a eles.
A) I, II e V.
B) II, IV e V.
C) I e III.
D) II e V.
E) III, IV e V.
A) Alternativa incorreta.
Justificativa: a afirmativa I está correta porque a demarcação das terras indígenas está prevista
na Constituição Federal de 1988. A afirmativa II está incorreta porque não são criados espaços
para demarcação, mas sim demarcados aqueles em que as populações indígenas já vivem e neles
encontram os recursos necessários para seu bem‑estar, o que inclui suas tradições, valores e
cultura. A afirmativa V está incorreta porque as terras indígenas demarcadas não atendem aos
princípios da propriedade privada conforme regulação do Código Civil, mas sim à caracterização
de terra como suporte da preservação da vida cultural, social, de valores e de tradições dos
indígenas.
B) Alternativa incorreta.
82
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
C) Alternativa correta.
Justificativa: a afirmativa I está correta, conforme explicitado anteriormente; e a afirmativa III está
correta porque os indígenas foram os primeiros habitantes das terras que mais tarde formaram o país
que hoje denominamos Brasil. Nesse sentido, então, não há necessidade de aquisição de terras para
colocar os índios, mas sim de identificar as áreas que estão relacionadas com seu modo de viver, que
tradicionalmente foram ocupadas por populações indígenas, e reconhecer o direito dos índios de ocupar
essas áreas e viver nelas em conformidade com suas tradições, seus valores e sua cultura.
D) Alternativa incorreta.
E) Alternativa incorreta.
Justificativa: a afirmativa III está correta, e as afirmativas IV e V estão incorretas, conforme explicado
anteriormente.
Infelizmente, as denúncias de mau uso do dinheiro público são constantes no Brasil e, histórica e
politicamente, são decorrentes de uma linha de pensamento que chamamos de:
B) Nacionalismo.
C) Conservadorismo.
D) Empreendedorismo.
E) Patrimonialismo.
83
Unidade II
Unidade II
5 O BRASIL: AUTORITARISMO E MASSAS
Três importantes momentos da história do pensamento político brasileiro serão estudados neste
tópico: o coronelismo, o autoritarismo e o populismo.
Todos surgem como decorrência do momento histórico vivido pela sociedade brasileira e ainda hoje
influenciam significativamente.
5.1 O coronelismo
No Brasil, o autoritarismo está presente em vários momentos da vida social, econômica e política.
Basta observarmos com cuidado para perceber que existe uma tradição histórica e cultural que permite
que o autoritarismo esteja presente entre nós. Seja na atuação do Poder Público, seja na relação entre
particulares, os traços de autoritarismo são encontrados no cotidiano nacional.
Vamos entender nesta obra por que ocorrem determinados fatos, assim como nossa herança
histórica e política. Analisar‑se‑ão, ainda, os possíveis mecanismos para o Brasil superar essa tendência
autoritária.
Se a passagem do regime monárquico para a República no Brasil não teve maiores conflitos, o mesmo
não se pode dizer dos anos posteriores, que foram marcados por forte confronto entre os militares e os
liberais, proprietários de terras e de comércio.
Os próprios militares estavam divididos entre aqueles que apoiavam Deodoro da Fonseca e os
partidários de Floriano Peixoto. Entretanto, essa questão não chegava a amedrontar, porque o forte
espírito de dever que marca a vivência e a cultura militar fazia que os oficiais se unissem em torno de
uma ideia: a contraposição às concepções liberais.
Os militares desejavam um governo central federal forte, uma forma de ditadura que se prolongasse
e garantisse estabilidade, segurança e respeito à ordem. Nesse sentido, a autonomia das províncias
era vista como um arranjo político indesejável, porque favorecia a autoridade dos donos do poder
econômico, ou seja, os liberais. Estes, por sua vez, temiam que a força marcial tomasse para si o governo
republicano e permanecesse no poder, com alternância apenas entre eles próprios. Tal questão, além de
desagradar os liberais, também assustava a Europa, e isso era negativo para os interesses dos produtores
84
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
brasileiros, que desejavam obter crédito no exterior. Sem estabilidade política e sem liberdade para o
desenvolvimento econômico, esse crédito não viria para cá.
Na tensão política entre esses interesses opostos, foi eleita uma Assembleia Nacional Constituinte e
aprovada uma nova Constituição Federal, em fevereiro de 1891, que substituiu a de 1824, que havia sido
outorgada por D. Pedro I após a Independência.
Além disso, o Estado assumiu parte das funções que eram da Igreja Católica, que, por sua vez,
deixou de ser a religião oficial do país. O casamento reconhecido passou a ser somente o civil, os
cemitérios foram tornados públicos e administrados pelos municípios, e foi determinada a liberdade de
culto religioso.
Contudo, apesar de todas essas mudanças significativas, o período da Primeira República, também
denominada usualmente de República Velha, ainda não permitia a ampla participação popular. É certo
que o voto passou a ser direto e universal, sem que fosse necessário provar renda, como acontecia
no tempo da Constituição de 1824, quando era preciso comprovar ser dono de valores equivalentes
a quatrocentos a oitocentos mil réis para poder votar a fim de eleger o deputado federal e o senador.
Além disso, esta Carta exigia que o eleitor fosse maior de 25 anos e homem. A Primeira Constituição da
República modificou tudo isso; suprimiu a exigência econômica que era bastante restritiva, porque só
os grandes proprietários de terra podiam exercer o direito de voto.
É certo que essa Constituição não avançou tanto, pois não permitia o voto feminino, mas era mais
democrática que a de 1824. Isso não foi suficiente, no entanto, para que a população efetivamente
participasse da vida política. Em outras palavras, as elites e os militares continuaram decidindo os
principais aspectos políticos e econômicos do país.
Embora a população de ex‑escravos, indígenas, brancos e mulatos pobres fosse a maioria do país, a
política oficial não tinha espaço para a participação desses brasileiros.
São várias as razões, mas sem dúvida uma delas é porque o coronelismo ainda dominava o país. Mas
o que é coronelismo, quem eram esses coronéis?
Esses indivíduos eram civis e proprietários de terras que haviam recebido do Governo o título de
Coronel da Guarda Nacional, por isso exerciam o poder a seu bel‑prazer nas regiões em que estavam
localizados, distribuindo cargos por compadrio e determinando o resultado das eleições a partir da
ampla prática do voto de cabresto.
85
Unidade II
Herança do Período Imperial, a Guarda Nacional deixaria seus traços por muito tempo na história
política do Brasil. Não é difícil identificarmos em nossos dias rastros desse legado, principalmente nos
locais mais isolados e com dificuldade de comunicação e de acesso.
No prefácio da obra Coronelismo, enxada e voto (1976), significativa contribuição de Victor Nunes
Leal para as reflexões sobre esse fenômeno político e social, expõe‑se o seguinte:
86
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Coronelismo pode ser considerado como um termo brasileiro, ou um brasileirismo, como a ele se
refere o Prof. Basílio de Magalhães, mencionado no trabalho de Victor Nunes Leal, e que sua origem
se deve aos coronéis da Guarda Nacional. Com o tempo, o autor ressalta que o termo passou a ser
utilizado não apenas por aqueles que tinham a designação oriunda de sua inserção na Guarda Nacional,
mas também para se referir a todos os que tinham algum papel relevante na política local, ou seja,
os chefes políticos, quase sempre grandes proprietários de terra. Estes se tornavam automaticamente
coronéis na visão dos sertanejos, do povo sofrido, que vivia na cidade ou nas fazendas, mas sempre
em regime de dependência das elites econômicas.
A Guarda Nacional, criada em 18 de agosto de 1831 pelo Padre Diogo Antônio Feijó, foi uma ideia
dos liberais e estava subordinada ao Ministro da Justiça. Todos os coronéis possuíam uniforme com
as insígnias próprias do posto e com este traje marchavam para as ações de guerra, assim como o
utilizavam nas solenidades cívicas e religiosas em suas regiões.
Quase sempre o coronel era o chefe político da região e, dentre outros benefícios que recebia, um
deles é bastante interessante: quando fosse preso ou estivesse sujeito a processo criminal, não poderia
ser recolhido às prisões comuns, devendo ocupar as chamadas “salas livres” das cadeias públicas da
localidade onde residia.
Mesmo depois de extinta durante a República, a ação desses oficiais continuou entranhada nas
práticas políticas nacionais, e a designação continuou a ser aplicada a todos os chefes políticos regionais,
em especial àqueles que também representavam o poder econômico local.
Esses “guarda‑costas” dos militares eram chamados de capangas. A diferença destes para os
verdadeiros guarda‑costas é que eles praticam atos ilícitos a mando de seus chefes e são protegidos por
eles em relação a tais. Muitas vezes atuavam como matadores profissionais e causavam profundo temor
na população local.
Machado de Assis (1961) afirmou que, no Brasil, a ciência política acha um “limite na testa do capanga”.
Infelizmente, hoje não é difícil encontrar no Brasil resquícios dessas práticas. Em 12 de fevereiro
de 2005, morreu assassinada a freira Dorothy Mae Stang, também conhecida como Irmã Dorothy, em
Anapu, no estado do Pará. Ela lutava em defesa da população rural pobre contra o arbítrio dos grandes
proprietários rurais, por isso foi assassinada por capangas.
87
Unidade II
Lembrete
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Victor Nunes Leal ressalta que, por vezes, embora a literatura brasileira não tenha sido condescendente
com a figura dos “coronéis”, sempre tratados de forma caricata e muito crítica, eles foram responsáveis
pelos únicos benefícios sociais obtidos pelos municípios, como escolas, médicos, campos de futebol,
construção de praças, bem como pela instalação de sistema de água e esgoto e de rede elétrica. É o
resultado da pressão política aos governadores e secretários de governo, ou mesmo às autoridades
federais, que viabiliza melhores condições para os municípios ou para as regiões que o coronel tem sob
seu comando.
A frase “Quem não tem padrinho morre pagão.”, até hoje utilizada por muitos de nós corriqueiramente,
segundo alguns pesquisadores, tem origem na proteção da patronagem. Veja a seguinte afirmação:
não teria sido bem‑sucedido por sua própria conta. Essa experiência era
resumida num ditado popular: “Quem não tem padrinho, morre pagão”.
No sistema de clientela e patronagem os políticos não eram vistos como
representantes do povo, mas como padrinhos. O Estado aparecia como
distribuidor de benesses, e os direitos dos cidadãos, como concessões ou
privilégios. O sistema de patronagem, baseada em lealdades pessoais e
troca de favores, implicava a subserviência do eleitorado ao chefão local, a
conivência das Cortes de justiça com as classes dominantes, o sistemático
desrespeito pela lei e a legitimação do privilégio (VIOTTI DA COSTA, 2010,
p. 169, grifo do autor).
Todas essas características da vida política e social nacional favoreceram a formação do autoritarismo,
uma tendência que no Brasil assume diversas dimensões.
Observação
Saiba mais
Para obter uma visão literária do poder dos coronéis na Bahia, leia:
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PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Frequentes crises políticas levaram o governo de Deodoro da Fonseca a ser substituído pelo de
Floriano Peixoto, e, em 1894, a oligarquia fez prevalecer sua opinião e conseguiu eleger um presidente
civil. O temor de que a sucessão de militares no poder gerasse um regime ditatorial obrigou as forças
econômicas oligárquicas a se organizar para eleger um presidente que fosse a favor de seus interesses.
E não foi apenas Prudente de Morais, o primeiro presidente civil da República, que atendeu aos desejos
dos fazendeiros, pois os presidentes subsequentes também agiram da mesma forma.
Tinha início o período que ficou conhecido como política do “café com leite”, concepção criada devido
à alternância, no poder, de presidentes dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, grandes produtores de
café e de leite, respectivamente.
Eram novos tempos, não há dúvida. Com a chegada de indústrias e da maior concentração em áreas
urbanas, a população cresceu e a economia se diversificou. As cidades eram o novo local para a vida
política, econômica e social. Ainda que as oligarquias dominassem a vida política, começavam a aparecer
os movimentos populares, as primeiras manifestações políticas do povo organizado.
A movimentação política popular se deve de alguma forma à chegada dos imigrantes no início do
século XX, em especial os italianos, que vinham de um país cuja política era bem conturbada e estavam
acostumados a manifestações e tensões políticas. A propósito, boa parte desses imigrantes vivia em
situação econômica e social muito precária, praticamente fugidos da fome e da miséria para buscar
trabalho no novo mundo e tentar “fazer a América”, como eles mesmos diziam.
Nesse mesmo período, emigraram para o Brasil espanhóis, japoneses, alemães e sírio‑libaneses, além de
portugueses, que sempre tiveram familiaridade com o Brasil, inclusive pelo idioma praticado nos dois países.
O movimento operário era defensor de ideias socialistas sob inspiração das ideias de Marx e Engels,
em especial na célebre obra O manifesto comunista. Grupos de estudo e difusão do pensamento
socialista já podiam ser encontrados a partir de 1889, e eles realizaram dois importantes congressos no
Rio de Janeiro e em São Paulo.
A repressão a essas ideias foi forte e contínua, inclusive, com a aprovação de leis que causaram
a expulsão de vários imigrantes que eram líderes políticos das massas de trabalhadores. Apesar da
repressão, o Partido Comunista se organizou no Brasil em março de 1922, com o propósito de se tornar
protagonista nas lutas pela conquista dos direitos para os trabalhadores.
O movimento anarquista também foi relevante nesse momento histórico, com a criação da Confederação
Operária Brasileira, em 1906, que adotava uma política anarquista, que tinha por ideia fundamental a
91
Unidade II
Em 1924, os tenentes tentaram novamente derrubar Arthur Bernardes, desta vez se rebelando em
São Paulo, naquela que ficou conhecida como a Revolução de 1924. Desse movimento surgiu a Coluna
Prestes, organizada por Luís Carlos Prestes e João Alberto, que, em 1925, começou a percorrer o país
com o objetivo de difundir as ideias do socialismo e de uma revolução do povo para ocupar o poder
político. Esta chegou a ter 1.500 componentes. O movimento era contínuo; enfrentou destacamentos
militares e até capangas de coronéis, percorrendo 24 mil quilômetros até chegar ao Paraguai e à Bolívia,
sem nunca ter sido derrotada. Seus líderes se exilaram, mas continuarem a conspirar contra o governo.
Toda essa agitação ou efervescência política e social contribuiu para que as ideias em torno de
um governo forte, centralizador e autoritário começassem a florescer em vários níveis sociais. O fator
determinante, no entanto, foi a divisão das oligarquias de Minas Gerais e São Paulo ocorrida no momento
da sucessão do Presidente Washington Luís, que governou de 1926 a 1930. Em conformidade com os
acordos políticos desses Estados, o próximo presidente deveria ser mineiro. O governador Antonio Carlos
estava pronto para assumir o cargo, mas foi preterido em benefício de Júlio Prestes, outro paulista, o que
provocou a cisão política entre os dois Estados.
92
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Foi o que bastou para que fosse criada a Aliança Liberal, grupo que reuniu o descontente Antonio
Carlos, de Minas Gerais, com Getúlio Vargas, do Rio Grande do Sul, e João Pessoa, da Paraíba. Getúlio se
candidatou a presidente junto com João Pessoa, como vice, e ambos foram derrotados. Aparentemente,
aceitaram a situação, mas houve um episódio trágico, o assassinato de João Pessoa, no Recife. Após uma
discussão, que tinha motivos particulares e públicos, o fato acabou por ser o estopim de uma revolta
que reanimou o movimento dos tenentes. Estes se uniram aos descontentes com o resultado das urnas
e determinaram o início da Revolução de 1930, que conduziu Getúlio Vargas ao poder.
A Revolução de 1930 não foi feita por representantes de uma suposta nova
classe social, fosse ela a classe média ou a burguesia industrial. A classe
média deu lastro à Aliança Liberal, mas era por demais heterogênea e
dependente das forças agrárias para que no plano político se formulasse um
programa em seu nome.
A partir de 1930 ocorreu uma troca da elite do poder sem grandes rupturas.
Caíram os quadros oligárquicos tradicionais; subiram os militares, os técnicos
diplomados, os jovens políticos e, um pouco mais tarde, os industriais.
Getúlio Vargas enfrentaria no início de seu governo a revolta paulista de 1932, conhecida
como Revolução Constitucionalista, da qual saíram como mártires quatro jovens paulistas: Martins,
Miragaia, Dráusio e Camargo. A sigla de seus nomes ficou muito conhecida: MMDC. Os paulistas
pegaram em armas contra o governo de Getúlio Vargas por entender que ele havia adotado o
autoritarismo proposto pelo movimento tenentista, na medida em que evitava convocar uma
Assembleia Nacional Constituinte.
93
Unidade II
Como resultado desse conflito, foi convocada a Constituinte que elaborou a Constituição de 1934,
que, no entanto, teve vida curta.
Getúlio Vargas assumiu o poder como representante de grupos que desejavam participar das decisões
políticas e econômicas, mas sem se constituírem propriamente como um partido organizado ou como
um movimento. Eram descontentes da antiga política oligárquica, acrescidos de novos atores sociais e
econômicos, mas não tinham um projeto de governo planejado ou ao menos esboçado.
Alberto Torres, Azevedo Amaral, Oliveira Viana e Francisco Campos são considerados, na história
do pensamento político brasileiro, como os melhores representantes do pensamento autoritário que
dominou a prática política no Brasil no período de Getúlio Vargas, de 1930 a 1945, com maior destaque
94
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
durante o chamado Estado Novo, que teve início em 1937; e durante o período de 1964 a 1985, período
conhecido como Ditadura ou Golpe Militar de 1964.
Alberto Torres já foi apresentado neste trabalho, e Oliveira Viana será estudado no próximo tópico.
No Brasil, o autoritarismo não precisou de muito para se instalar. A população que não era
proprietária de terras nem de comércio era, verdadeiramente, carente de maior experiência de
mobilização política e social, principalmente porque estava privada de educação de qualidade, em
especial no ensino básico.
Nessa realidade, o autoritarismo teve campo fértil para se proliferar. A situação era herança do grande
período de tempo em que a escravidão vigorou no país, sem que tivesse se constituído um contingente de
trabalhadores assalariados para se organizarem a partir de necessidades comuns, ou seja, para discutir e
reivindicar seus direitos e as melhores políticas governamentais para garantir seus interesses.
Há, de certa forma, uma recorrência brasileira a soluções autoritárias, pois, do contrário, não haveria
explicação para momentos tão próximos em que ela foi considerada a solução mais eficaz. Assim, temos
a República, instaurada e comandada por militares; o governo de Getúlio Vargas, inspirado por ideologia
autoritária; o Estado Novo, de 1937 a 1945, profundamente ditatorial; e, 19 anos depois, em 1964, um
outro golpe militar e mais 19 anos de ditadura comandada por militares e pela elite econômica e social.
95
Unidade II
Sem o mesmo colorido, mas com maior eficácia, ganhou força, no Brasil dos
anos de 1930, a corrente autoritária. O padrão autoritário era e é uma marca da
cultura política do país. A dificuldade de organização das classes, da formação
de associações representativas e de partidos fez das soluções autoritárias uma
atração constante. Isso ocorria não só entre os conservadores convictos como
entre os liberais e a esquerda. Esta tendia a associar liberalismo com o domínio
das oligarquias; a partir daí, não dava muito valor à chamada democracia
formal. Os liberais contribuíam para justificar essa visão. Temiam as reformas
sociais e aceitavam, ou até mesmo incentivavam, a interrupção do jogo
democrático toda vez que ele parecesse ameaçado pelas forças subversivas.
Curiosamente, ainda hoje, quando as reclamações da população ganham força e, como em 2013,
o povo vai às ruas reclamar, surgem vozes defendendo a volta da ditadura militar para reorganizar a
sociedade, garantindo ordem e desenvolvimento (ou seria progresso?). A herança autoritária brasileira
é enorme e só será devidamente compreendida e superada quando a democracia participativa for uma
realidade mais consistente no país.
O autoritarismo vivido pelo Brasil no período de Getúlio Vargas e, mais tarde, na Ditadura Militar de 1964
marcou profundamente a nação brasileira, que até hoje tem dificuldade para se organizar amplamente,
de forma plural, para contemplar todos os segmentos sociais e suas necessidades, principalmente para
conseguir mudanças na organização social, política e econômica que efetivem seus direitos.
Contudo, o governo de Getúlio Vargas não seria conhecido apenas pelo autoritarismo. O populismo
também seria utilizado para garantia da governabilidade do grupo que estava no poder.
Saiba mais
Em 1937, um novo episódio viria tumultuar a vida política brasileira: o golpe de Getúlio Vargas e a
instalação do Estado Novo.
Dois grupos políticos haviam se organizado no Brasil, e ambos causavam preocupação para o
governo, porque se opunham de forma radical e poderiam incitar distúrbios e desavenças na população.
O primeiro era a Ação Integralista Brasileira, criada em 1932, liderada por Plínio Salgado; o segundo era
a Aliança Nacional Libertadora (ANL), que reunia socialistas, comunistas e democratas liderados por Luís
Carlos Prestes.
Este último grupo desejava afastar Getúlio Vargas do poder. Então, o governante aplicou um golpe
na política, proibindo a realização das eleições para presidente. Permaneceu à frente do Poder Executivo
nesse período, conhecido como Estado Novo, e reprimiu violentamente os grupos políticos organizados,
determinando a prisão de muitos participantes, inclusive de Luís Carlos Prestes e de importantes
membros da ANL.
Contribuiu para isso uma tentativa de golpe do Partido Comunista, em novembro de 1935, que não
resultou em nada, mas que ofereceu a Getúlio Vargas os motivos necessários para a transformação do
país em uma ditadura.
E o governo que se forma a partir desse momento é uma ditadura. Prisões arbitrárias são realizadas,
perseguições políticas são constantes, um órgão especial para a repressão e tortura de inimigos políticos
97
Unidade II
é criado e, como se tudo isso não bastasse, uma nova Constituição Federal é outorgada, feita por um
único homem, Francisco Campos, um pensador de linha ideológica autoritária, como mencionamos
anteriormente.
A Constituição Federal de 1937, em suas Disposições Finais e Transitórias, declarou o país em estado
de emergência e, por essa razão, todas as liberdades civis garantidas pela própria Constituição foram
suspensas. Ao mesmo tempo que podia aposentar funcionários civis e militares no interesse do serviço
público ou por conveniência do regime, o presidente tinha poderes constitucionais para governar por
meio de Decretos‑lei em todas as matérias de responsabilidade do Governo Federal.
O estado de emergência não foi revogado durante todo o período do Estado Novo. Os governadores
dos estados federativos foram substituídos por interventores, e não foram realizadas eleições para o
Legislativo. Em resumo, o período do Estado Novo foi marcado pela centralização de poder político,
econômico e social nas mãos do presidente.
Para exercer todo esse poder sem grandes transtornos ou revoltas, Getúlio Vargas tratou de controlar
fortemente a opinião pública. Para tal, censurou os meios de comunicação e tratou de implantar um
órgão de propaganda oficial do governo, com o objetivo de fornecer à população apenas e tão somente
uma visão positiva do governo e de suas realizações.
Outra medida para assegurar o exercício do poder centralizador foi adotar uma política trabalhista
supostamente em benefício das classes trabalhadoras. Nesse aspecto reside um dos principais meios da
prática do populismo. Veja a definição:
Alguém disse que o Populismo não é uma doutrina precisa, mas uma
“síndrome”. O Populismo não conta efetivamente com uma elaboração
teórica orgânica e sistemática. Muitas vezes ele está mais latente do que
teoricamente explícito.
A definição de Ludovico Incisa e a descrição dos momentos históricos em que o populismo tem mais
tendência de se concretizar são bastante adequadas ao Brasil de 1937, embora se possa afirmar que
traços populistas podem ser encontrados em outros momentos de relevância.
De todo modo, Getúlio Vargas tratou de colocar em prática os principais ideais do populismo, dentre
eles o de ampliar os direitos da classe trabalhadora e apresentar‑se como o “doador de direitos”. Não
permitiu que eles fossem interpretados como conquista dos trabalhadores em razão da importância
social e econômica que possuíam. Leia a seguinte informação sobre a época:
A política trabalhista de Getúlio Vargas foi a principal responsável pela imagem de protetor
dos trabalhadores. Criou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foi inspirada na Carta
Del Lavoro, da Itália fascista; criou o salário mínimo para os trabalhadores urbanos com valores
variáveis em cada região do país; estabeleceu a Justiça do Trabalho; e adotou a unidade sindical,
ou seja, cada categoria poderia ter um único sindicato. O governante também tratou de atrelar os
sindicatos cada vez mais ao Estado.
Em outra obra, o autor conclui sua reflexão abordando de forma mais objetiva a construção da
imagem de “pai dos pobres” e protetor dos trabalhadores que Getúlio Vargas efetivou ao longo do
período do Estado Novo:
[...] O guia e pai doava benefícios a sua gente e dela tinha o direito de
esperar fidelidade e apoio. Os benefícios não eram fantasia. Mas sua grande
rentabilidade política se deve a fatores sociais e à eficácia da construção
simbólica da figura de Getúlio Vargas, que ganhou forma e conteúdo no
curso do Estado Novo (FAUSTO, 2013, p. 320).
Ao mesmo tempo que prendia, torturava e matava inimigos do governo, o presidente trabalhava para
cooptar estudiosos, intelectuais, professores, lideranças de todos os matizes – católicos, integralistas,
entre outros –, oferecendo vantagens, cargos, recursos para publicações de interesse do governo e várias
outras formas para angariar apoio dos formadores de opinião.
100
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Em análise sobre o Estado Novo e o papel fundamental de Getúlio Vargas na construção do populismo,
o pesquisador afirma:
Getúlio Vargas foi um grande exemplo de prática do populismo. Mas não foi o único. Em muitos
cantos do país, à frente do Poder Executivo local, ou estadual, encontramos políticos que atuam de
forma semelhante em pleno exercício dos princípios populistas, com maior ou menor sucesso, mas
com a cartilha sempre ensinando as lições de propaganda intensiva de suas ações, figuras associadas
com proteção e bondade, mas com total ausência de pluralidade no debate político.
O Estado Novo terminou em 1945 na esteira dos acontecimentos políticos e econômicos decorrentes
da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, a herança populista faria Vargas presidente novamente em
1950, quando voltou a ocupar o posto central da cena política. Aposentou‑se da vida política apenas
com o suicídio, em 1954.
Lembrete
Saiba mais
GETÚLIO. Direção: João Jardim. Brasil: Copacabana Filmes, 2014. 100 min.
O escritor Jorge Amado foi militante do Partido Comunista. A primeira obra citada traz a biografia de
Luís Carlos Prestes. A outra narra os acontecimentos de 1937, quando foi criado o Estado Novo.
O filme Getúlio, com direção de João Jardim, lançado em 2014, conta o fim da trajetória política de
Getúlio Vargas, mais especificamente os acontecimentos que o levaram ao suicídio.
102
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Alguns estudiosos foram fundamentais para a formação do pensamento político brasileiro em vários
momentos da história do país. Vamos estudá‑los agora destacando os principais aspectos de suas ideologias.
Era filho de político, estudou Direito no Recife e entrou para o serviço diplomático, quando atuou em
Londres e depois em Washington, no período de 1876 a 1879. Voltou ao Brasil e se tornou parlamentar,
ocasião em que se engajou no movimento abolicionista. Criou, com o engenheiro André Rebouças, a
Sociedade Brasileira contra a Escravidão e utilizou sua facilidade de comunicação em comícios para
difundir as ideias de libertação dos escravos.
[...] a escravidão seria uma herança colonial que adquiriu caráter de “sistema
social”, estruturadora de todas as instituições, costumes e práticas. Como
empresa econômica principal, entranhou‑se na ocupação do território e,
em par com a monocultura, esgotou a terra e a concentrou, gerando feudos
isolados. Tolheu as atividades urbanas, impedindo o desenvolvimento de um
operariado assalariado e de classes médias, e condenou os homens livres
pobres à dependência dos grandes proprietários.
103
Unidade II
Nabuco tinha razão, infelizmente. As marcas do longo período de escravidão vivido no Brasil estão
presentes e ainda provocam intenso debate. As cotas raciais em universidades ou no serviço público,
como políticas públicas de Estado, ainda causam muita polêmica; há opiniões contrárias e favoráveis e,
por vezes, até um pouco de preconceito expresso em meio a pontos de vista distintos.
O preconceito racial no Brasil, a propósito, sempre negado e disfarçado em nome de uma “cordialidade”
que seria a marca do brasileiro típico, pode ser sentido por milhões de negros ou descendentes diariamente,
em especial na repressão policial, que, de forma subliminar, considera negros pobres sempre como
suspeitos da prática de atos ilícitos. A discriminação perpassa por toda a vida nacional, embora ainda seja
muito difícil encontrar quem assuma, objetivamente, que agiu ou age impulsionado por ela.
A sociedade brasileira nega a existência da diferença racial, mas um simples olhar já enxerga que a
quantidade de negros ou descendentes nas salas de aula das melhores universidades públicas do país,
nos cargos de direção das grandes empresas, na condição de cientistas e pesquisadores em grandes
institutos científicos em todo o país é muito pequeno ou apenas inexistente.
Isso demonstra claramente que os negros não tiveram, ao longo da história brasileira, as mesmas
oportunidades, e que a abolição da escravatura não foi suficiente para que tivessem as mesmas chances
de ascensão social e econômica.
[...] Pode‑se descrever essa influência, dizendo que a escravidão cercou todo
o espaço ocupado do Amazonas ao Rio Grande do Sul de um ambiente fatal
a todas as qualidades viris e nobres, humanitárias e progressivas, da nossa
espécie; criou um ideal de pátria grosseiro, mercenário, egoísta e retrógrado,
104
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
e nesse molde fundiu durante séculos as três raças heterogêneas que hoje
constituem a nacionalidade brasileira. Em outras palavras ela tornou, na
frase do direito medievo, em nosso território o próprio ar – servil, como o
ar das aldeias da Alemanha que nenhum homem livre podia habitar sem
perder a liberdade. Die Luft leibeigen war é uma frase que, aplicada ao Brasil
todo, melhor que outra qualquer, sintetiza a obra nacional da escravidão:
ela criou uma atmosfera que nos envolve e abafa todos, e isso no mais rico
e admirável dos domínios da terra (NABUCO, 2000, p. 101).
A análise de Nabuco é muito atual. Diversos pesquisadores basearam‑se em sua obra. Leia o trecho
a seguir:
Nabuco é considerado um clássico entre os pensadores do pensamento político brasileiro. Para ele, a
abolição deveria ser o marco de uma verdadeira “refundação” do país, para que o Brasil fosse reconstruído
tendo a liberdade e a igualdade como fundamentos. Ele queria mais que a abolição da escravatura,
pretendia eliminar as consequências desse período histórico de modo que elas não maculassem o novo
país que surgiria.
que alteiam o terreno político em que esta existiu até hoje. O povo
brasileiro necessita de outro ambiente, de desenvolver‑se e crescer em
meio inteiramente diverso (NABUCO, 2000, p. 171).
O eminente revolucionário antecipou muitos problemas que enfrentamos hoje e nos convidou e
ainda nos convida à reflexão sobre o que ele chamava de “a obra da escravidão”. Para isso, ou seja, para
essa grande mudança cultural, ele defendia o caminho da educação como aspecto fundamental para a
refundação de um país de homens e mulheres livres e iguais.
A obra de Joaquim Nabuco é atual e merece ser revisitada sistematicamente por estudiosos de
Sociologia, Direito, História e Política.
Francisco José Oliveira Viana nasceu na cidade de Saquarema, Rio de Janeiro, antiga Província
Fluminense, em 20 de julho de 1883. Faleceu em março de 1951. Era filho de fazendeiro e perdeu o
pai com apenas dois anos de idade. Cursou Direito no Rio de Janeiro e se formou em 1906. Além de
advogado, foi professor de História da Faculdade de Direito de Niterói.
Oliveira Viana foi membro da Academia Brasileira de Letras e ocupou posição destacada no governo
de Getúlio Vargas, período em que contribuiu para a elaboração da nova legislação sindical e trabalhista
adotada à época. Escreveu várias obras sobre esse assunto, em especial, Problemas de Direito Corporativo
(1938), Problemas de Direito Sindical (1943), e Direito do Trabalho e Democracia Social (1951).
A obra dessa grande figura é bastante estudada no Brasil. Muitos trabalhos acadêmicos discutem
suas ideias e vale a pena conhecê‑las com maior profundidade. Entretanto, a história nem sempre foi
assim, porque suas ideias, de Estado autoritário e seu engajamento com o governo de Getúlio Vargas,
por quem era chamado com frequência para trocar ideias sobre política e economia, fizeram que
Oliveira Viana fosse esquecido por longo tempo, pois era considerado reacionário e racista por parte da
intelectualidade brasileira.
Hoje sabemos que essas opiniões eram apenas uma maneira preconceituosa de enxergar seu trabalho,
e os estudos de sua obra e de seu pensamento colocam Oliveira Viana como um clássico do pensamento
político brasileiro.
106
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Os estudiosos apontam que o pensamento de Oliveira Viana teve influência da obra do engenheiro
católico francês que estudava Sociologia, Pierre‑Guillaume‑Fréderic Le Play. Na Psicologia Social, chegou
até Gustave Le Bon, também alcançando a Antropologia Física, com Georges Vacher de Lapouge. Entre
os brasileiros, Sílvio Romero, Euclides da Cunha e Alberto Torres foram as maiores influências intelectuais
de Oliveira Viana.
A objetividade de Weffort na caracterização das ideias de Oliveira Viana não pode servir de justificativa
para o preconceito contra esse pensador. Ao contrário, é fundamental compreender a ideia daqueles que
nos antecederam na análise da sociedade brasileira, de sua formação e de suas opções políticas, sociais
e econômicas, para que possamos discutir a sociedade contemporânea com o necessário conhecimento
dos suportes teóricos que alicerçaram nossa trajetória.
107
Unidade II
É preciso ter presente o período histórico em que viveu Oliveira Viana, suas raízes rurais (filho de
fazendeiro), a grande importância da oligarquia proprietária de terra durante todo o período da Primeira
República e, principalmente, os transtornos políticos que o país havia enfrentado após a Proclamação da
República e a sucessão de presidentes militares e civis, estes vinculados diretamente às elites econômicas
de São Paulo e de Minas Gerais.
O autoritarismo para Oliveira Viana era uma estratégia temporal destinada a desaparecer quando o
povo estivesse educado e organizado para viver a verdadeira democracia. Infelizmente, esse autoritarismo
funcional ou instrumental se perpetuou no pensamento político brasileiro e sustentou ideologicamente
períodos como o da Ditadura Militar (1964 a 1985), além do próprio Estado Novo. Esse autoritarismo está
arraigado na concepção política nacional e nos momentos de crise ou de insatisfação popular. Muitos
brasileiros ainda têm a ideia de propor a volta da ditadura para que a situação no país se reorganize.
Se essa herança política e cultural não pode ser creditada somente a Oliveira Viana, haja vista outros
pensadores políticos que defenderam o autoritarismo ao longo da história, também não há dúvida de
que ele é um legítimo representante dessa vertente do pensamento político nacional.
108
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Na atualidade, os estudiosos de nosso cenário creditam a Oliveira Viana alguns aspectos relevantes
e consideram seu autoritarismo e racismo como menos importantes quando comparados com sua
contribuição. Esses aspectos pertinentes estão relacionados com a análise da questão agrária, mais
especificamente do latifúndio, e com a visão real do Brasil.
Oliveira Viana foi precursor dos estudos que passaram a analisar o latifúndio a partir do aspecto
social, e não apenas político e econômico, ou seja, a repercussão dessa realidade das grandes áreas de
terra como um microcosmo de vida independente em relação à nação. Para ele, esse era um traço singular
do Brasil que nos afastava de qualquer outra realidade do mundo, ou seja, de ingleses, norte‑americanos
e franceses, mas também de outros povos da própria América, como os argentinos, que jamais tiveram a
organização latifundiária como um pressuposto de sua vida política e social. O latifúndio como elemento
histórico importante para a compreensão social brasileira foi uma contribuição de Oliveira Viana.
Ele acreditava que era preciso assegurar a unidade nacional com um Estado forte, capaz de organizar
a sociedade e ensiná‑la a se organizar para viver com solidariedade. Nesse aspecto, reforçar o poder
central do Estado para manter a ordem e assegurar as liberdades individuais era essencial.
Em suas obras, Oliveira Viana criticava a elite brasileira por viver distante do Brasil real e dizia que ela
era estimulada por sonhos liberais que nunca se concretizaram e sem uma noção objetiva do país. Com
esse idealismo, as elites se afastaram da realidade social, e os resultados políticos foram inadequados e
conturbados.
A obra de Oliveira Viana é extensa, complexa e merece especial atenção de todos os estudiosos de
sociologia, sempre com o cuidado de não esquecer que ele pensou o Brasil com os recursos intelectuais
de seu tempo, o que não o impede de contribuir, até hoje, para as reflexões contemporâneas.
Sérgio Buarque de Holanda nasceu em São Paulo em 1902, onde viveu até 1921, quando se muda
com a família para o Rio de Janeiro e lá cursou a Faculdade Nacional de Direito. Atuou como promotor
no Espírito Santo, mas retornou ao Rio em 1927, onde permaneceu apenas até 1929, quando vai para
Berlim, Alemanha, para ser correspondente da empresa Diários Associados, que publicava vários jornais.
Na Alemanha, tem contato com a obra de Max Weber e assiste a seminários de Friedrich Meinecke.
Torna‑se colaborador de revistas e retorna ao Brasil em 1931, retomando suas atividades de correspondente
de agências internacionais de notícias.
Em 1936, publica o livro Raízes do Brasil e inicia atividades docentes na Universidade do Distrito
Federal, na cadeira de História Moderna e Contemporânea. Também leciona Literatura Comparada.
110
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Em 1946, Sérgio Buarque volta a morar em São Paulo e no ano seguinte ingressa na Escola de Sociologia
e Política como professor de História Econômica do Brasil, ocupando o lugar de Roberto Simonsen. Em
1952, muda‑se para a Itália. Lá passa dois anos ministrando aulas como professor‑convidado da cadeira
de Estudos Brasileiros da Universidade de Roma.
Em 1958, o pesquisador conquista, por meio de concurso público, a cadeira de História da Civilização
Brasileira da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, com a tese Visão do
paraíso: Os Motivos Edênicos no Descobrimento e na Colonização do Brasil, que seria publicada no ano
seguinte.
Ele inicia sua trajetória intelectual fortemente influenciado pelo Modernismo, porque conviveu no
Rio de Janeiro, a partir de 1921, com nomes importantes, como Prudente de Morais Neto, Graça Aranha,
Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre, Ribeiro Couto, dentre outros.
Colaborou com artigos e ensaios em revistas e foi editor da Estética, revista que sucedeu outra
importante publicação do período, a Klaxon.
A obra Raízes do Brasil tem marcas profundas da experiência modernista que Sérgio Buarque de
Holanda havia vivenciado. Nela, o autor afirma que a principal razão para a colonização brasileira ter
sido possível foi o fato de ter sido realizada por um país ibérico, Portugal, que estava em uma região
indecisa entre a Europa e a África e que, de certa forma, já era mestiço mesmo antes de iniciar o
processo de colonização.
Isso teria dado a Portugal certa plasticidade e flexibilidade, viabilizando o projeto expansionista
colonizador, o que não teria sido possível a outros países mais europeus, como a Holanda.
Sérgio Buarque de Holanda identificou como forte traço brasileiro a cultura da personalidade,
típica dos portugueses, e que estaria presente no sentimento da própria dignidade de cada homem. Em
outras palavras, os valores da aristocracia estavam espalhados pelo povo lusitano e, consequentemente,
tornou‑se característica dos brasileiros.
O sociólogo observa que no Brasil colonial as cidades se subordinam ao campo, porque lá está toda
a riqueza e a base da organização social, que é patriarcal. Como consequência, o traço fundante da
sociedade brasileira seria a proteção da família, do ambiente doméstico e daqueles que nele gravitam,
sem pensamento de formação de um Estado, porque o particular se sobrepõe ao público.
Com essas reflexões, Buarque de Holanda cria a figura do “homem cordial”, que seria essencialmente
a definição do brasileiro. Era o cidadão com fortes traços familiares e que tinha dificuldade em separar
o público do privado, tanto quanto tinha facilidade em tratar de maneira pessoal e informal a todos
quantos com quem se relacionasse, porque impessoalidade e formalidade não são traços próprios do
ambiente familiar.
O “homem cordial”
[...] age a partir dos sentimentos que brotam diretamente do coração sem
um filtro de racionalidade. Nesse sentido, por exemplo, não trata com
isenção amigos e inimigos, favorecendo em qualquer circunstância os
primeiros em detrimento dos outros. Por isso, para o autor, a cordialidade
é inadequada ao funcionamento da democracia e da burocracia, que
exigem normas e leis abstratas que sejam aplicadas a todos da mesma
forma (WAGNER, 2009, p. 217).
Sérgio Buarque de Holanda acreditou que essa característica brasileira estava em processo
de diluição, que a modernização traria a racionalidade necessária para que o homem filtrasse os
sentimentos e agisse no espaço público com a objetividade que ele requer. Contudo, na realidade,
após 79 anos (o livro foi publicado em 1936), ainda podemos perceber traços característicos da
forma pessoal e informal como as questões públicas são tratadas no Brasil, tanto quanto podemos
notar traços do apadrinhamento a que nos referimos anteriormente, e que vicejaram no país
exatamente em razão dessa experiência marcante de predomínio das relações familiares sobre as
relações de Estado.
Em 1959, Buarque de Holanda escreve Visão do Paraíso, trabalho acadêmico com o qual concorre
e ganha a cátedra de professor da Universidade de São Paulo, da qual se aposenta em 1969, como
forma de protesto às perseguições que a Ditadura Militar fazia contra professores daquela universidade.
Muitos docentes se aposentaram compulsoriamente.
113
Unidade II
Observação
Raimundo Faoro nasceu em 1925, no município de Vacaria, Rio Grande do Sul. Era filho de
agricultores de origem italiana e mudou‑se com a família para Caçador, Santa Catarina, onde realizou
estudos primários e secundários. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) fez o curso
superior em Direito. Logo em seguida se muda para o Rio de Janeiro, então capital federal, tornando‑se
procurador do Estado por meio de concurso público.
Faoro foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras em 2000, na cadeira que pertenceu, dentre
outros, a Barbosa Lima Sobrinho. Foi presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no
período de 1977 a 1979, época em que a Ditadura Militar ainda provocava grandes estragos na vida
política nacional, inclusive com a prática de tortura e morte daqueles que a contestavam. À frente
da OAB nacional, o advogado foi líder de uma resistência pacífica contra a Ditadura, sobretudo, pela
denúncia de tortura contra presos políticos e mediante a luta pela anistia ampla, geral e irrestrita.
114
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Em 1958, publicou sua obra de maior repercussão: Os Donos do Poder (2000). O livro deveria se
chamar Formação do Patronato Político Brasileiro, mas outro gaúcho famoso, Érico Veríssimo, teria
sugerido a Faoro que modificasse o título original, certamente para torná‑lo mais impactante. Apesar
de tudo, o exemplar não teve, inicialmente, grande repercussão.
O autor ressalta que Faoro trabalha com a categoria teórica de estamentos que tem origem no
pensamento de Max Weber. Estes são comunidades fechadas, ao contrário das classes, que são grupos
abertos. No estamento social, os grupos se unem conforme a posição social que ocupam e que lhes
confere um status específico. São fechados porque se organizam para não permitir que outros ingressem
na comunidade, para que outros não possam compartilhar o poder que eles possuem.
Com esses desdobramentos, a nação se enfraquece, não se organiza politicamente para se contrapor
ao autoritarismo e, ainda mais grave, cria uma expectativa de que tudo dependerá da atuação do
Estado, inclusive na vida privada.
Nessa perspectiva, Faoro defende que apenas uma sociedade organizada em classes, e não em
estamentos, como a brasileira, terá condições de consolidar um Estado de direito liberal e democrático.
Para o autor, a classe
Para Faoro, as liberdades públicas e os direitos civis estariam mais garantidos para uma sociedade
de classes do que de estamentos. Liberdades públicas estariam diretamente relacionadas com liberdades
econômicas e, em consequência, seria mais viável a organização política com nítida separação entre
público e privado e a consolidação de um verdadeiro Estado liberal‑democrático.
Em contrapartida, numa sociedade elaborada em estamentos, não haveria espaço para vida civil livre
e justiça social, porque o estamento se funda exatamente no oposto, ou seja, na desigualdade social,
que permite a alguns ter o Estado a serviço de seus interesses e a outros nenhum direito garantido.
116
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Faoro combateu todas as formas de autoritarismo, mas não acreditava em mudanças. Ao contrário,
seu diagnóstico da sociedade brasileira era negativo e quase sem perspectivas. Para ele, o estamento
burocrático sobrevive governando para seus próprios interesses e alheio às necessidades do povo. A
nação é dirigida por um organismo que lhe é alheio.
117
Unidade II
Era filho de uma família importante da burguesia cafeeira de São Paulo e teve uma educação
privilegiada. Estudou com professores particulares, com os jesuítas do Colégio São Luís, passou um
período no Colégio Chelmsford Hall, em Eastbourne, Inglaterra, e cursou a Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco, em 1928, mesma instituição em que mais tarde defenderia sua tese de livre‑docência
em Política Econômica.
Participou do Partido Democrático (1928), atuou com entusiasmo pela Revolução de 1930 e depois
se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Conheceu a União Soviética em 1930 e foi vice‑presidente
da Aliança Nacional Libertadora, o que resultou em sua prisão, em 1935, por dois anos.
Teve de se exilar na Europa no período de 1937 a 1939 em razão de perseguições políticas do Estado
Novo de Getúlio Vargas. Quando retorna ao país, lança Formação do Brasil Contemporâneo (1942).
Prado Júnior fundou a Editora Brasiliense com Monteiro Lobato, em 1943, de quem era amigo pessoal.
Em 1947, foi eleito deputado estadual pelo PCB. Em 1964, com o Golpe Militar, teve seus direitos
políticos cassados. Exilou‑se no Chile. Foi preso ao retornar ao país, em 1971, tendo obtido habeas
corpus no ano seguinte.
Publicou ainda algumas outras obras: A Evolução Política do Brasil (1933); História Econômica do
Brasil (1945); Estruturalismo e Marxismo (1971); e História e Desenvolvimento (1972).
Segundo Gilson Schwartz (2000), Caio Prado Júnior colocou o Brasil sob a totalidade
lógico‑histórica, que os marxistas denominam de dialética, embora nem sempre consigam
chegar a um consenso sobre o que esse termo significa. Para o autor: “Na história brasileira
de Caio Prado Júnior, a dialética é antes de mais nada uma relação permanentemente tensa
entre o passado e o futuro. Qual o sentido dessa lógica, em que heranças e projetos vivem em
contradição?” (Ibidem, p. 401).
Prado Júnior teria percebido, e esta talvez seja sua grande contribuição, que o Brasil não vivia em
um regime feudal, apesar de algumas semelhanças com o sistema feudal europeu. Ao contrário, ele
destacava que o feudalismo já estava muito longe quando o país foi descoberto e que a colônia brasileira
já fazia parte de um sistema econômico mundial de capitalismo, embora aqui ainda persistissem práticas
pré‑capitalistas, como a escravidão e o latifúndio.
Caio Prado Júnior desempenhou seu trabalho de historiador a partir da lógica, organizando dados e
informações, pois acreditava em suas convicções marxistas, em que coerência e História são inseparáveis
e permeadas pela Ética e pela Filosofia.
118
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Nessa linha de trabalho e raciocínio, o autor defende que os homens que vieram para o Brasil
recém‑descoberto não pretendiam criar aqui uma colônia de povoamento, mas apenas desenvolver
atividades mercantis que lhes viabilizassem ganhos comerciais. Não tinham intenção de trabalhar
para angariar subsistência e formação de um local para se estabelecerem como membros de uma
comunidade. Ao contrário, formaram um modo original de sociedade, pois, diferentemente das colônias
de povoamento, como aquelas que se formaram nos Estados Unidos da América do Norte, o projeto não
era de permanência, tampouco identificado com as comunidades sociais europeias.
Ou seja, se a história, como reconhece Caio Prado Júnior, é feita de “um cipoal
de incidentes secundários”, que podem até confundir o observador, o “sentido”
revelaria que “todos os momentos e aspectos não são senão partes, por si
incompletas, de um todo que deve ser sempre o objetivo último do historiador
(RICÚPERO, 2009, p. 232, grifo do autor).
Nesse sentido, segundo Ricúpero (2009), Caio Prado Júnior é criticado por não dar importância ou ao
menos relativizar a importância de alguns aspectos de ruptura com o passado, como a industrialização
e a classe trabalhadora organizada que se forma a partir dela.
Essa opção seria, com certeza, resultado da preferência pela análise profunda do período colonial
brasileiro, que foi marcado pelo fato de não atender às necessidades da população que aqui havia se
instalado, mas de priorizar o mercado externo, em especial a Metrópole portuguesa, que era destinatária
primeira de tudo o que aqui se produzia.
Cumpre destacar, ainda, a crítica histórica que Caio Prado Júnior faz em relação à escravidão ocorrida
no Brasil.
O autor, com seus estudos e análise peculiar da história brasileira, lega para todos nós a pergunta
muito bem‑formulada por Bernardo Ricúpero (2009): “Como podemos superar a colônia?”.
A realidade brasileira contemporânea pede mais que uma resposta, exige um projeto político, social e
econômico que proponha um modelo anticolonial e que propicie justiça social e verdadeira democracia.
Francisco Correa Weffort nasceu no município de Quatá, São Paulo, em 17 de maio de 1937. É
sociólogo, cientista político e historiador do pensamento político brasileiro. É graduado em Ciências
Sociais e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.
É professor aposentado de Ciência Política da Universidade de São Paulo. Atuou como docente‑visitante
na Universidade de Essex, na Inglaterra, no fim dos anos 1960, e da Universidade de Notre Dame, nos
Estados Unidos, no início dos anos 1990.
Um tema central nos estudos de Weffort é o descobrimento, por parte do pensamento ou dos
pensadores, da “existência do povo”.
121
Unidade II
O autor define como trauma da origem o ponto em comum de vários países da América ibérica,
como o México, com a chegada de Hernán Cortés e a queda da civilização asteca; o Peru, com relação
aos incas; e vários outros países, em que a chegada do colonizador teve contornos dramáticos que até
hoje se refletem no modelo social, político e econômico.
O autor aponta que a desigualdade foi interiorizada na sociedade brasileira e que o sentido de
igualdade vem ocorrendo fora da sociedade, ora pela Igreja, com a evangelização dos índios; ora pelo
Estado, com a abolição da escravatura e a hegemonia do trabalho livre. Nos dois casos, ainda que
houvesse uma mentalidade favorável da sociedade da época, o Estado agiu como se estivesse fora da
sociedade e introduziu as mudanças para modificar essa mesma sociedade.
122
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
Francisco Weffort nos convida não apenas a prosseguir pensando e estudando o Brasil, mas também,
principalmente a continuarmos tentando encontrar soluções sociais, políticas e econômicas que
promovam mais igualdade e justiça sociais.
Resumo
Exercícios
Irene no Céu
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Tudo de novo
124
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
A) A ideia central que une os dois poemas é o pedido de licença que sinaliza um aspecto subalterno
em uma relação entre pessoas. Esse pensamento está associado com o que Joaquim Nabuco
chamou de “a obra da escravidão”.
D) O pensamento central que une os poemas é a manutenção dos valores familiares, que são uma
forma de estamento, como propõe Raimundo Faoro.
E) Os poemas traduzem a singularidade social brasileira, que é marcada pela alegria e pela festa,
porque na história brasileira não conhecemos guerras nem sofrimentos como outros povos.
A) Alternativa correta.
Justificativa: a Irene do poema de Manuel Bandeira chega aos céus pedindo licença para São Pedro
porque carregou com ela a marca da submissão do negro perante o branco já de outra vida. Em outras
palavras, uma vez escrava, para sempre escrava. A canção de Caetano Veloso propõe que todos devem
pedir licença a todos como forma de respeito, mas nunca devem deixar de entrar, porque todos têm
direito de ir e vir, liberdade de escolha. Joaquim Nabuco, em sua teoria da “obra da escravidão”, apontava
exatamente para esse aspecto nefasto da escravidão: ela poderia ser abolida por lei, mas não sairia de
125
Unidade II
imediato da consciência e da cultura brasileira. Ou seja, ele apontava que o preconceito permaneceria
por muitos anos na civilização brasileira, mesmo que a escravidão já tivesse sido abolida por lei.
B) Alternativa incorreta.
Justificativa: no pensamento de Sérgio Buarque de Holanda vamos encontrar estudos sobre a teoria
do “homem cordial”. Contudo, neste caso específico, a letra da canção de Caetano Veloso não trata de
cordialidade, mas sinaliza até certo enfrentamento, pois ele se manifesta a favor de pedir licença como
forma de respeito, mas que ninguém deve deixar de entrar porque tem direito de escolher aonde quer
ir e onde quer ficar.
C) Alternativa incorreta.
D) Alternativa incorreta.
Justificativa: Raimundo Faoro trabalhou com a construção teórica sobre os estamentos sociais, que
seriam diferentes das classes e impediriam maior mobilidade social. Contudo, ele fundamentalmente
discutiu as raízes do patrimonialismo brasileiro. Assim, a manutenção dos valores da família não é um
aspecto da obra de Raimundo Faoro.
E) Alternativa incorreta.
Questão 2. O poema se chama Pedro João Boa‑Morte, cabra marcado para morrer, e sua autoria é
de Ferreira Gullar. Leia o trecho a seguir:
Sucedeu na Paraíba,
mas é uma história banal
em todo aquele Nordeste.
Podia ser no Sergipe,
Pernambuco ou Maranhão,
que todo cabra da peste
ali se chama João
Boa‑Morte, vida não.
127
Unidade II
[...]
I – O coronelismo no Brasil foi favorecido pelo fato de que as grandes extensões de terra,
os latifúndios, dificultavam o convívio social, a troca de ideias entre trabalhadores rurais e a
presença do Estado, o que tornava o proprietário da terra autônomo e independente para agir
como quisesse.
II – O coronelismo no Brasil ocorreu de forma isolada no Nordeste porque a população rural era
maior que a população urbana.
V – Embora os coronéis sejam mais conhecidos por suas práticas despóticas e de violência, também
contribuíram para o desenvolvimento de algumas regiões do país.
128
PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO
A) II e III.
B) I, III e V.
D) I, IV e V.
E) II, IV e V.
129
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 1
Figura 3
Figura 4
Figura 5
CALIXTO, B. Moagem da cana na Fazenda Cachoeira. [s.d.]. Óleo sobre tela. 105 cm x 136 cm.
Figura 6
Figura 7
Figura 8
Figura 9
130
Figura 10
Figura 11
Figura 12
Figura 13
Figura 14
Figura 15
Figura 16
Figura 17
Figura 18
Figura 20
Figura 21
Figura 22
REFERÊNCIAS
Audiovisuais
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BRÓDER. Direção: Jeferson De. Brasil: Globo Filmes e Glaz Entretenimento, 2011. 90 min.
CASA grande e senzala. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Brasil: Bretz Filmes, 2001. 101 min.
GANGA Zumba. Direção: Carlos Diegues. Brasil: Copacabana Filmes, 1963. 92 min.
GETÚLIO. Dir. João Jardim. Brasil: Copacabana Filmes, 2014. 100 min.
MENINO de engenho. Direção: Walter Lima Jr. Brasil: Mapa Filmes, 1965. 110 min.
O CRIME do padre Amaro. México: Direção: Carlos Carrera. Alameda Films, 2002. 118 min.
O NOME da rosa. Direção: Jean‑Jacques Annaud. Neue Constantin Film, 1986. 131 min.
O TEMPO e o vento. Direção: Jayme Monjardim. Brasil: Downtown Filmes, 2012. 115 min.
QUANTO vale ou é por quilo? Direção: Sergio Bianchi. Brasil: Riofilme, 2005. 104 min.
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