Dissertação Renata Camarotti

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA


Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais

RENATA CAMAROTTI

A TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO LGBT: A LUTA POR


RECONHECIMENTO E CIDADANIA NO CONTEXTO BRASILEIRO E
BAIANO

Salvador
2009
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RENATA CAMAROTTI

A TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO LGBT: A LUTA POR


RECONHECIMENTO E CIDADANIA NO CONTEXTO BRASILEIRO E
BAIANO

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós – Graduação do Departamento de
Ciências Sociais da Universidade Federal da
Bahia, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre em Ciências
Sociais.

Área de Concentração: Democracia,


Cultura e Movimentos Sociais

Orientadora: Profª Drª Ruthy Nadia


Laniado

Salvador
2009
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Termo de Aprovação

Renata Camarotti

Título: A Trajetória do Movimento LGBT: A Luta por Reconhecimento e Cidadania no


Contexto Brasileiro e Baiano.

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de mestre em


Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:

_____________________________________
Profª Dra. Ruthy Nadia Laniado
(Orientadora)

_____________________________________
Profª Dra. Anete Brito Leal Ivo
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS – UFBA)
Universidade Católica do Salvador

_____________________________________
Profª Dra. Maria Victória Espiñeira González
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS – UFBA)

Salvador, 14 de agosto de 2009.


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Dedicatória

A Tito,

Que sem saber fez de mim,


ainda na infância,
uma pessoa sensível à causa LGBT.
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Agradecimentos

No âmbito institucional, gostaria de agradecer ao Programa de Pós-Graduação em


Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia, por viabilizar um meio de expressar
o meu interesse em contribuir para a compreensão das mudanças que têm ocorrido em
nossa sociedade, no que diz respeito aos hábitos, costumes, modos de viver e ao direito
de ser diferente.

Aos professores e colegas de Curso, pelos ricos debates em sala de aula que
colaboraram para um avanço na minha formação profissional e intelectual.

Sou muito grata à minha orientadora, Profa. Dra. Ruthy Nadia Laniado, pela atenção
minuciosa, pelos conselhos preciosos e, principalmente, por ter aceitado caminhar
comigo neste projeto.

Ao Grupo Gay da Bahia, pela receptividade e disponibilização de seu arquivo a respeito


da temática LGBT e de sua história no contexto baiano. Ao Professor Dr. Luiz Mott
pela atenção e conversa estimulante que me permitiram um novo olhar sobre os dados e
as informações coletados para esta pesquisa.

À Teresinha Fróes Burnham e Paul Burnham, pela tradução do resumo para o inglês.

À Camila Freitas, Larissa Alves e Rodrigo Márcio, bolsistas do Grupo de Pesquisa em


Desenvolvimento Social e Saúde (GDSS), da Universidade Salvador (UNIFACS), pelas
trocas estimulantes e pelo apoio na coleta de dados.

A meus pais, Walkyria e Ricardo, e aos meus irmãos Daniela e Paulo pelo acolhimento
e carinho de todos os dias, sem os quais fazer este trabalho seria impossível.

À Guida Almeida, grande parceira, pelo incentivo e torcida, fundamentais.

Aos amigos e colegas de trabalho que acompanharam de perto e de longe esta


empreitada, em especial às “meninas (e meninos) do Santo Antônio”, vizinhas queridas,
apoio logístico e afetivo fundamental no dia-a-dia para a conclusão deste trabalho.

Por fim, agradeço a toda sociedade brasileira por manter o ensino público e gratuito que
me permitiu concluir um curso de qualidade, infelizmente, ainda um privilégio de
poucos.
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“Qualquer maneira de amor vale a pena,


qualquer maneira de amor vale amar.”
(Milton Nascimento e Caetano Veloso)
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RESUMO

Desde a reabertura política constituíram-se no Brasil diversos movimentos sociais, os


quais, em sua maioria, têm reivindicações por redistribuição. O contexto brasileiro,
entretanto, compõe-se, também, de movimentos que reivindicam “novos direitos”,
concernentes a uma “nova cidadania”. Dentre esses, o Movimento de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) que, apenas recentemente, alcançou
visibilidade e passou a compor o cenário das lutas políticas. Considerando a trajetória
do movimento e o lançamento, em âmbito federal, do Programa Brasil Sem Homofobia
no ano de 2004, o presente trabalho analisa as relações estabelecidas entre o Estado e o
movimento LGBT. O objeto empírico é a atuação do movimento baiano, no período
compreendido entre 2004 e 2008, tendo como pano de fundo os cenários sociopolíticos
nacional e internacional. Considerou-se, para a análise, as transformações na relação
entre Estado e sociedade civil e a consolidação dos movimentos que demandam por
reconhecimento, a partir do paradigma dos Novos Movimentos Sociais, da teoria crítica
do Reconhecimento, e das novas noções de direitos e cidadania. A pesquisa é um estudo
de caso que privilegiou dados produzidos por meio da comunicação informal e formal.
A partir dos dois eixos de análise estabelecidos – internacionalização / interiorização e
sociedade civil / Estado – identificou-se quatro tipos de repertórios de ação: de
visibilidade; de denúncia; de presença no campo político formal; e de articulação. Os
dados evidenciaram dois processos distintos: de estagnação, no que se refere à
aprovação de leis federais; e de ganhos parciais, no que se refere à implementação de
políticas públicas. Apesar da “disposição favorável” do Estado para programar tais
políticas, os dados sugerem que foi somente em 2006 que os objetivos do Programa
tornaram-se mais palpáveis, sobretudo nos campos da educação, cultura e direito
humanos. A despeito das dificuldades encontradas pelo movimento, pode-se dizer que
tem havido uma maior legitimação de suas demandas, e que a idéia de reconhecimento
tem, progressivamente, adentrado a esfera pública estatal. As estratégias adotadas têm
representado um avanço, e buscam, simultaneamente, a afirmação (em curto prazo), e a
transformação (em longo prazo). Conclui-se, entretanto, que há, ainda, um longo
caminho a ser percorrido para a efetivação do Programa Brasil Sem Homofobia, tanto
em nível federal quanto estadual.

Palavras Chave: Movimento LGBT; Programa Brasil Sem Homofobia;


Reconhecimento.
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ABSTRACT

Ever since the reopening up of politics in Brazil in the 1980‟s, a number of social
movements have been campaigning in their majority for a realignment of income
distribution. Within the Brazilian context, however, there are also movements claiming
"new rights", relating to a "new citizenship". Among them is the Lesbian, Gay,
Bisexual, Transvestite and Transgender (LGBT) Movement, which only recently has
come to the fore and become part of the setting of political struggle in Brazil.
Considering the path this movement has taken, and the launch within the federal ambit
of the Brazil Without Homophobia Program in 2004, this work examines the
relationship between the State and the LGBT movement. The object of study is the
performance of the movement in Bahia, in the period between 2004 and 2008, against
the backdrop of the national and international sociopolitical scenarios. Changes in the
relationship between state and civil society and the consolidation of movements that
demand recognition are analyzed for, from the standpoint of the paradigm of the New
Social Movements, the critical theory of Recognition, and new notions of rights and
citizenship. The research is a case study that focuses on data generated through formal
and informal communication. From the focal points of two established forms of analysis
- internationalization / internalization and civil society / State - four types of action
repertoires are identified: visibility, denunciation, presence in the field of formal policy,
and articulation. The data show two distinct processes: stagnation in regard to the
approval of federal laws, and partial gains regarding the implementation of public
policies. Despite the State looking on favorably to the setting up of such policies, the
data suggest that only in 2006 did the objectives of the Program become more evident,
especially in the fields of education, culture and human rights. In the face of the
difficulties encountered by the movement, it can be said that there has been a greater
legitimization of their demands, and that the idea of recognition has gradually gained
ground in the sphere of the public state. The strategies adopted have represented a step
forward and aim at, simultaneously, an assertion (in the short term) and a transformation
(in the long term). It can be concluded, however, that there is still a long way to go to
the putting into effect of the Brazil Without Homophobia Program, both at the federal
and state levels.

Keywords: LGBT movement; Brazil Without Homophobia Program; Recognition.


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LISTA DE QUADROS

Quadro 01 Repertórios de ação coletiva do Movimento LGBT....................................83


Quadro 02 Organizações participantes do Projeto Somos, 1999 – 2003.......................88
Quadro 03 Entidades baianas, cidade, ano de fundação e ano de filiação à
ABGLT............................................................................................................................89
Quadro 04 Temas internacionais adotados pela Interpride, 1984 – 2008......................92
Quadro 05 Realização de paradas LGBT na Bahia, 2002 – 2008..................................93
Quadro 06 Paradas realizadas em Salvador e Camaçari, 2006-2008.............................94
Quadro 07 Produção legislativa LGBT........................................................................107
Quadro 08 Total nacional de candidatos às eleições, 2000 – 2008..............................112
Quadro 09 Candidatura de LGBTs e aliados em 2008 – eleições municipais baianas,
.......................................................................................................................................113
10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................12

1 A TRANSFORMAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE ESTADO E SOCIEDADE


CIVIL: O PAPEL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS..................................................17

1.1 A relação entre a sociedade civil e o Estado no contexto contemporâneo: o dentro, o


fora e os seus interstícios.................................................................................................17

1.2 As especificidades da relação entre Estado e sociedade civil na América Latina.....22

1.3 O caso brasileiro........................................................................................................28

2 OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS E A TEORIA DO


RECONHECIMENTO – REFERÊNCIAS PARA ENTENDER O MOVIMENTO
LGBT..............................................................................................................................34

2.1 A defesa da identidade e o direito à diferença como bandeiras de luta.....................34

2.2 Sob o signo da cidadania e dos direitos humanos - em busca da justiça social.........47

3 O CASO DO MOVIMENTO LGBT: UM TEMA A ESTUDAR E UMA


PROPOSTA DE PESQUISA........................................................................................53

3.1 A trajetória do movimento LGBT no contexto brasileiro.........................................53

3.2 A pesquisa do tema na Bahia: diretrizes teóricas e organização da pesquisa para


conhecer o objeto.............................................................................................................69
11

4 O MOVIMENTO LGBT BAIANO E O ESTADO PÓS “BRASIL SEM


HOMOFOBIA”: A GRAMÁTICA DO RECONHECIMENTO E SUAS MÚLTIPLAS
CONJUGAÇÕES.................................................................................................................77

4.1 Dos valores às demandas: o que deseja o movimento LGBT na


contemporaneidade..........................................................................................................77

4.2 Para olhar o movimento LGBT baiano por dentro....................................................84

4.3 O movimento LGBT olhando para fora..................................................................103

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................128

REFERÊNCIAS...........................................................................................................134

ANEXO.........................................................................................................................140
12

INTRODUÇÃO

Desde a reabertura política, tem sido possível observar o surgimento de uma


grande diversidade de movimentos sociais no contexto brasileiro. A maior parte, sem
dúvida, refere-se ao que Gohn (1997) denomina de movimentos sociais populares, que
buscam reivindicar direitos pertinentes ao campo da redistribuição. Mas, o contexto
brasileiro também tem assistido, e de forma bastante significativa, há mais de trinta
anos, ao surgimento de movimentos que, mesmo levando em consideração a
importância das questões distributivas, demandam um outro tipo de “coisa”. Pautados
no direito à diferença, tais movimentos se articulam em torno da construção de
identidades específicas e, por conseguinte, da reivindicação de “novos direitos”
concernentes a uma “nova cidadania” (DAGNINO, 2000). Dentre os movimentos que
podem ser assim caracterizados, destacam-se, na história das lutas sociais brasileiras, o
movimento feminista e o movimento negro, os quais têm logrado conquistas
significativas referentes aos direitos, ainda que, muitos deles, apesar do reconhecimento
por parte do Estado, não tenham se efetivado de forma mais substantiva na vida desses
grupos.

Considerado um movimento contemporâneo aos dos negros e das mulheres,


surgido pouco tempo depois destes últimos e por eles inspirado nas modalidades de
discursos adotados e nas estratégias de ação, o Movimento de Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT)1, apenas recentemente, alcançou uma
visibilidade incontestável e passou a compor o cenário das lutas políticas no Brasil. Sua
presença se nota em eventos episódicos, como as gigantescas “Paradas do Orgulho
GLBT”, e na atuação política constante a partir da incansável luta de seus militantes
junto à sociedade civil e ao Estado. O movimento busca a aprovação de leis e a

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A análise da trajetória do movimento, conforme sugere Facchini (2005), aponta para a transformação da
forma utilizada pelo movimento para referir a si mesmo como reflexo de discussões internas acerca da
questão da pluralidade identitária contida pelo movimento. Genericamente referido como Movimento
Homossexual Brasileiro – MHB, em um primeiro momento, torna-se, posteriormente, mais específico. É
o caso das denominações MGL - Movimento de Gays e Lésbicas, GLT – Gays, Lésbicas e Travestis e
GLBT – Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros. Mais recentemente, uma nova mudança alterou a
sigla para LGBT, visando dar maior visibilidade à presença lésbica no movimento. Ainda que não haja
um consenso por parte do movimento quanto ao uso de uma única sigla, optou-se, no caso deste trabalho,
pela utilização da sigla LGBT, por ser esta aquela que representa o posicionamento mais recente do
movimento em nível nacional.
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implementação de políticas públicas, para a adoção de novas posturas ao lidar com a


questão da sexualidade e da expressão da homoafetividade. Sua presença é cada vez
maior nos meios de comunicação - tanto nos noticiários quanto na produção cultural.
Discussões até pouco tempo atrás inimagináveis acerca do direito dos homossexuais à
conjugalidade e à parentalidade encontram-se na ordem do dia, gerando debates
acalorados entre os setores conservadores da sociedade e os grupos de postura
marcadamente progressista.

Para o movimento LGBT, esta é uma luta dirigida tanto ao Estado quanto à
sociedade civil, na medida em que a articulação entre esses dois atores tem sido a base
para transformações que sempre geram efeitos para ambos. Mas, pode-se dizer que a
batalha mais dura é aquela dirigida ao Estado que, principalmente após o advento da
Aids, passou a estabelecer uma interlocução mais freqüente com o movimento.

Ao longo de sua história, o movimento enfrentou muitos desafios e passou por


grandes transformações. Inicialmente pautado na defesa da identidade homossexual e na
importância política do assumir-se enquanto homossexual, com uma relação quase
inexistente com o Estado, com o surgimento da Aids, passou a se estabelecer como um
parceiro do Estado no combate à epidemia. Isso permitiu ao movimento a construção de
um contexto propício para a introdução de outras demandas LGBT, ocupando, por fim,
mais recentemente, o espaço político, no sentido de pressionar pela aprovação de leis e
implementação de políticas públicas pertinentes. Essas mudanças teriam correspondido,
de acordo com Santos (2007), à substituição do caráter libertário e contracultural do
movimento por uma postura mais pragmática; o que pode ser constatado pela interação
progressiva com atores importantes do status quo, como o Estado e o mercado.

A trajetória de lutas do movimento deu origem, no ano de 2004, ao “Programa


Brasil Sem Homofobia – Combate à Violência e à Discriminação contra GLBT e
Promoção da Cidadania Homossexual”, fruto da atuação de uma comissão formada por
representantes do Governo e da sociedade; esta foi a primeira ação desencadeada pelo
poder executivo federal especificamente dirigida aos homossexuais. O Programa
contém 11 ações, divididas em 53 propostas de combate à discriminação e à violência
contra gays, lésbicas e trangêneros, envolvendo as Secretarias Especiais de Direitos
Humanos, de Políticas para as Mulheres e de Promoção da Igualdade Racial, além dos
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Ministérios da Saúde, do Trabalho, da Educação, da Cultura, dos Esportes, da Justiça e


das Relações Exteriores (MELLO, 2005).

O Programa Brasil Sem Homofobia traduz as principais bandeiras de luta do


movimento LGBT que, ainda hoje, carecem de reconhecimento por parte do Estado,
tanto pela não aprovação de leis específicas, quanto pela não implementação de
políticas públicas suficientes que assegurem, de forma decisiva, a garantia dos direitos
dos homossexuais em sua plenitude.

A partir do reconhecimento da importância do Programa Brasil Sem Homofobia


enquanto um potencial salto qualitativo para a garantia dos direitos dos homossexuais, o
presente trabalho busca analisar as relações estabelecidas entre o Estado e o movimento
LGBT antes e depois do lançamento do Programa, relacionando-o à conquista (ou não)
de direitos para os homossexuais, em termos de legislação e políticas públicas. O
presente estudo visa, portanto, a contribuir com a análise das relações entre o Estado e
os movimentos que demandam por reconhecimento, bem como busca evidenciar de que
forma o Estado reage às demandas, levando em consideração as peculiaridades do
movimento LGBT, sobretudo a sua necessidade, ainda hoje, de estabelecer sua luta
como geradora da condição de “direito a ter direitos” (DAGNINO, 2000).

O objeto empírico do trabalho diz respeito à relação entre o movimento LGBT


baiano e o Governo do Estado da Bahia, para analisar a sua trajetória e verificar a
existência de possíveis desdobramentos resultantes do Programa Brasil Sem Homofobia
no nível local, durante o período de 2004 (ano de lançamento do Programa) e 2008. Os
dados identificados são analisados, ainda, tendo como pano de fundo os impactos
resultantes do Programa em nível federal, no que se refere à legislação e políticas
públicas de alcance nacional e à interação do movimento com a sociedade civil
brasileira para consolidar a democracia.

Os eixos temáticos que orientaram a pesquisa correspondem aos conteúdos


presentes no Programa Brasil Sem Homofobia, a saber: a) Articulação da Política de
Promoção dos Direitos de Homossexuais; b) Legislação e Justiça; c) Cooperação
Internacional; d) Direito à Segurança: combate à violência e à impunidade; e) Direito à
Educação: promovendo valores de respeito à paz e a não discriminação por orientação
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sexual; f) Direito à Saúde: consolidando um atendimento e tratamentos igualitários; g)


Direito ao Trabalho: garantindo uma política de acesso e de promoção da não-
discriminação por orientação sexual; h) Direito à Cultura: construindo uma política de
cultura de paz e valores de promoção da diversidade humana; i) Política para a
Juventude; j) Política para as Mulheres; e k) Política contra o Racismo e a Homofobia.

Para atingir seu propósito, o presente trabalho está estruturado em cinco


capítulos, assim organizados:

O primeiro capítulo analisa a redefinição da política e as transformações


observadas nas relações entre Estado e sociedade civil no Brasil, considerando a
importância da ação dos movimentos sociais nessas mudanças, com ênfase no
surgimento de movimentos sociais que demandam por reconhecimento, como algo
distinto dos movimentos de base classista ou reivindicatória. O foco assumido aqui leva
em consideração a especificidade de relações no contexto latino-americano e brasileiro,
ao descrever uma redefinição do próprio campo da política na luta em rede, para a ação
coletiva.

O segundo capítulo analisa o paradigma dos Novos Movimentos Sociais e sua


ênfase nos aspectos políticos e culturais, em que a dignidade ou a auto-estima são bases
para a teoria crítica do Reconhecimento, bem como aportes analíticos significativos para
entender o movimento LGBT e sua relação com o Estado hoje. Trata, também, da nova
noção de direitos e cidadania introduzida pelas lutas da ação coletiva dos movimentos
sociais.

O terceiro capítulo descreve a trajetória do movimento LGBT, com destaque


para o contexto brasileiro na luta pela garantia dos direitos dos homossexuais, e tece
considerações teórico-metodológicas acerca da complexidade dos movimentos sociais
como objeto de estudo, apresentando e justificando as escolhas adotadas para a
realização da presente pesquisa.

O quarto capítulo aborda, especificamente, a atuação do movimento LGBT


baiano e sua relação com o Estado, no período compreendido entre 2004 e 2008. Os
dados apresentados são analisados levando em consideração o histórico do movimento,
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a sua dinâmica interna e as relações estabelecidas com outros atores sociais da


sociedade civil, com o Governo do Estado da Bahia e com as prefeituras dos municípios
onde o movimento atua.

O quinto capítulo apresenta as considerações finais, a partir dos principais


achados da pesquisa, das limitações do estudo e das recomendações.
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1 A TRANSFORMAÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE ESTADO E SOCIEDADE


CIVIL: O PAPEL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

1.1 A relação entre a sociedade civil e o Estado no contexto contemporâneo: o dentro, o


fora e os seus interstícios.

Como se pode constatar, com relativa facilidade, na vasta literatura sobre o tema
(BOBBIO, 1987, 1992; DOMINGUES, 2002; NOGUEIRA, 2005; DALLARI, 2007;
SANTOS, 1999a, 1999b, GOHN, 1997; TEIXEIRA, 2001), as relações existentes entre
Estado e sociedade civil sofreram transformações significativas ao longo das últimas
décadas. Essas mudanças refletiram-se em novas “formas de pensar, informar, produzir,
consumir, gerir, fazer política” (TEIXEIRA, 2001, p. 56).

A incapacidade do Estado em dar respostas às demandas sociais teve como


resultado o nascimento de um processo de reivindicação caracterizado por uma nova
maneira de conceber o Estado. Constituíram-se, então, novos atores sociais e políticos
que lutavam por políticas públicas, pelo seu reconhecimento como sujeitos, pela
efetivação de direitos e pelo estabelecimento de uma cultura política de respeito às
liberdades, à equidade social, à transparência das ações do Estado (TEIXEIRA, 2001).
Esses atores – movimentos sociais, ONGs, associações, redes – assumiram papéis
diferenciados, em arranjos institucionais descentralizados, e ocuparam novos espaços de
participação social e política.

O desprestígio e a burocratização do sistema partidário, os conflitos sociais e a


conscientização de vários segmentos da sociedade deram origem a novas formas de
participação, novas esferas de relação, incorporando-se temas antes considerados
estranhos à problemática política tradicional. Exercitou-se, portanto, uma outra lógica,
solidária, que se comprometeu com a “busca de um consenso normativo em relação a
questões básicas” (TEIXEIRA, 2001, p.28), possibilitando um novo tipo de
participação, mais ampla e de conteúdo mais crítico, fundamentos de uma cultura
política em que se valorizou a ação coletiva, a legitimação de direitos e a busca de
soluções para os problemas cotidianos.
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Tais transformações puseram em cheque a idéia de política caracterizada por


delimitações muito estreitas e assim concebida desde muito tempo: de um lado – o de
dentro – tinha-se o Estado como o lócus da política por excelência; de outro – o de fora
– tinha-se a sociedade civil. Hoje, pode-se observar o deslocamento do Estado enquanto
ator principal do campo político, ocasionado tanto pela globalização quanto por outros
processos referentes ao aumento da importância e da influência da sociedade civil no
campo político. Esse fenômeno não deveria ser compreendido, conforme aponta Held
(2000), como um declínio do poder do Estado, mas, sim, como a reconfiguração do seu
poder político em face da globalização.

Paralelamente à ausência de centralidade do Estado na política, tem sido


observada, em contrapartida, uma multiplicação e difusão de instâncias políticas que
passam a englobar diferentes esferas da vida social, instituições e organizações de
vários tipos, bem como a introdução de novos sistemas de troca e procedimentos de
negociação. Melucci (1989) ressalta a importância da conflitualidade na redefinição “do
político” a qual ora assistimos, com a ampliação dos elementos que passam a ser
considerados como concernentes à política. Tais transformações parecem dizer respeito,
em especial, ao papel desempenhado pelos movimentos sociais e sua relação com a
fragmentação do poder, o que pode ser percebido pelo aumento significativo do número
de grupos capazes de se organizar, representando seus interesses e extraindo vantagens
dos processos de troca política (MELUCCI, 1989). Essas mudanças e rupturas seriam,
em última instância, resultado da existência de interesses e visões conflitantes os quais
impedem que o sistema se torne impermeável e obrigam à inovação/abertura, com a
inclusão de elementos anteriormente excluídos da arena de decisões.

A redefinição da política aqui referida apresenta-se como a redefinição da


democracia, tal como concebida no início da modernidade, em correspondência a um
sistema capitalista fundado na separação entre o Estado e a sociedade civil. Trata-se,
portanto, não apenas da entrada de novos atores na arena política, mas da alteração das
características que distinguiam um ator do outro. Como sugere Melucci (1989), a
contemporaneidade assiste a uma certa indistinção entre Estado e sociedade civil, com a
dissolução do primeiro enquanto agente único de intervenção e ação. Para Bobbio
(1987), seria possível falar, nesse contexto, de um processo de socialização do Estado,
19

... através do desenvolvimento de várias formas de participação nas opções políticas, do


crescimento das organizações de massa que exercem direta ou indiretamente algum
poder político, donde a expressão „Estado social‟ pode ser entendida não só no sentido
de Estado que permeou a sociedade, mas também no sentido de Estado permeado pela
sociedade. (BOBBIO, 1987, p.51)

A dificuldade de distinção entre essas duas instâncias, entretanto, conforme


sinaliza o autor, não pode ser compreendida como uma relação marcada pelo consenso.
É impossível ignorar a contraposição entre Estado e sociedade civil que figura como
elemento conflituoso, mas, ao mesmo tempo, contíguo e interdependente, igualmente
necessário à articulação do sistema social. Os novos padrões de relacionamento entre
essas duas esferas são traduzidas nas discussões que se referem ao processo de
alargamento da democracia na sociedade contemporânea, por meio da integração entre
democracia representativa e participativa, e da existência de procedimentos que
permitem a participação em deliberações coletivas, por parte de sujeitos não
propriamente políticos, mas politizados.

Nesse contexto, cabe a ressalva de que a criação de mecanismos de participação e


descentralização na elaboração e gestão de políticas sociais, fenômeno que pode ser
percebido tanto na esfera nacional quanto local, corresponde, ainda, enquanto suposta
renovação da gestão pública, ao enxugamento do Estado. Tais mecanismos atendem,
talvez, mais aos interesses do próprio Estado do que aos anseios da sociedade civil, na
medida em que figura mais como uma necessidade administrativa do que como
resultante de transformações de natureza ético-política.

A compreensão do desenvolvimento das relações entre Estado e sociedade civil e


de seu impacto no campo legislativo e nas políticas públicas pode ser alcançada a partir
de uma análise que contemple tanto as transformações ocorridas na definição do que é
sociedade civil e Estado, quanto os eventos que ao longo da história mundial, e
sobretudo da brasileira, deram origem à novas análises teóricas. É o que se pretende
fazer a seguir.

De acordo com Avritzer (1994), o conceito de sociedade civil encontra-se


fundamentado em três características associadas à modernidade ocidental: no processo
de diferenciação entre mercado e Estado; na associação com as potencialidades do
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sistema legal moderno, com a possibilidade de controle do exercício do poder; e no


reconhecimento de instituições intermediárias entre indivíduo, mercado e Estado.

A concepção de sociedade civil adotada no presente trabalho aproxima-se da


vertente interpretativa denominada por Teixeira (2001) de enfática, por entender a
sociedade civil como uma rede de associações autônomas, que se utiliza tanto de meios
institucionais quanto de meios não convencionais, com vistas ao exercício de um
controle sobre o Estado. Nesse sentido, a sociedade civil pode ser considerada como
sendo constituída, em circunstâncias ideais, “de movimentos, organizações e
associações, os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas
privadas, condensando-os e transmitindo-os, a seguir, para a esfera pública política”
(HABERMAS apud TEIXEIRA, 2001, p.43). Ou ainda, conforme expõe Arato (2002),
como o substrato organizacional dos grupos, associações e movimentos que, tal qual a
esfera pública, atuam como mediadores entre representados e representantes, reduzindo
a distância/tensão entre eles, e devolvendo à democracia uma parcela do seu caráter
participativo.

Considerado como importante instrumento analítico para a compreensão do


surgimento de novos atores na cena política, o conceito de sociedade civil traz como um
de seus elementos a autolimitação. As possibilidades de ação estariam relacionadas não
à decisão, mas à tematização e à proposição de alternativas e, portanto, à influência no
processo de tomada de decisões. Para Teixeira (2001, p.44) “... o uso do conceito
permite equacionar um problema clássico da teoria política, que é o de tratar o conflito
entre representação e participação, no sentido de fortalecer e legitimar a primeira
através de mecanismos de responsabilização e controle dos agentes políticos”.

No que tange às formas de relação entre as organizações da sociedade civil e os


governos locais, Teixeira (2001) sugere a existência de três categorias: a) total
isolamento, decorrente da ausência de confiança nos detentores do poder pela
inexistência de “vontade política” ou de recursos para atender às necessidades básicas
da população, ocasionando uma atitude política de fechamento das entidades, com a
realização apenas de ações alternativas; b) relação de parceria com os governos, que
permite alguma influência no desenho dos projetos, mas utiliza recursos voluntários da
comunidade, legitimando políticas de desoneração do Estado, sem construção de
21

instâncias de discussão; c) relação crítica e propositiva, cujos exemplos são mais


escassos, e referem-se às organizações que fazem parceria em projetos com os
governos, com manutenção de uma posição independente e crítica, propondo
alternativas, sem que isso signifique isentar o Estado de suas responsabilidades.

O fenômeno da participação pode ser situado entre várias dicotomias: direta ou


indireta, institucionalizada ou “movimentalista”, orientada para a decisão ou para a
expressão, estando as várias formas presentes no processo político, conforme a
conjuntura e os atores envolvidos. Teixeira (2001) distingue a participação orientada
para a decisão, caracterizada pela intervenção organizada, não episódica, de atores da
sociedade civil no processo decisório, da participação orientada para a expressão de
cunho mais simbólico, caracterizada por marcar presença na cena política com
possibilidade de impacto ou influência no processo decisório. A participação mantém-se
associada, pois, não só às regras que podem caracterizar uma democracia de tipo
“procedimental”, mas a mecanismos próprios, mais flexíveis e menos formais, e que
têm sido criados, ao longo do tempo, pelos movimentos e organizações sociais.

O conceito de participação cidadã se apresenta como um possível caminho de


análise com vistas a um maior entendimento das novas relações entre Estado e
sociedade civil. Seus objetivos seriam mais amplos e “... embora essencialmente
política, constituindo-se numa atividade pública e de interação com o Estado, distingue-
se da atividade política strictu senso, uma vez que se sustenta na sociedade e não se
reduz nos mecanismos institucionais, nem busca o exercício do poder” (TEIXEIRA,
2001, p.31). A base social para a existência da participação cidadã é a sociedade civil, a
partir das interfaces que estabelece, buscando intervir em processos que envolvem o
Estado, o mercado e a própria sociedade de forma generalizada. Apresenta-se como um
processo complexo e contraditório, em que os papéis são redefinidos a partir da atuação
organizada de indivíduos e grupos, sendo caracterizada, principalmente, pelo
fortalecimento da sociedade civil. O conceito corresponde ao exercício de direitos,
deveres e responsabilidades políticas específicas, donde se incluem ações referentes ao
controle social do Estado e do mercado, segundo parâmetros negociados nos espaços
públicos pelos diversos atores sociais e políticos.
22

Desse modo, os movimentos sociais e as organizações, enquanto atores da


sociedade civil, têm evidenciada uma dupla função: em relação ao Estado, de lutar para
ver atendidas as suas reivindicações, geralmente por meio do estabelecimento de
políticas específicas e da reflexão sobre os princípios governadores existentes; e em
relação à sociedade em geral, de promover a re-significação de elementos que permitam
uma mudança nas posturas assumidas pela sociedade, que podem, igualmente, fortalecer
as demandas feitas pelos movimentos e forçar o Estado a atuar de acordo com princípios
governadores cada vez mais sofisticados.

... movimentos sociais são ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos
pertencentes a diferentes classes e camadas sociais, articuladas em certos cenários da
conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força
social na sociedade civil. As ações se estruturam a partir de repertórios criados sobre
temas e problemas em conflitos, litígios e disputas vivenciados pelo grupo na
sociedade. As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma
identidade coletiva para o movimento, a partir dos interesses em comum. Esta
identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade e construída a partir
da base referencial de valores culturais e políticos compartilhados pelo grupo, em
espaços coletivos não institucionalizados. Os movimentos geram uma série de
inovações nas esferas pública (estatal e não-estatal) e privada; participam direta ou
indiretamente da luta política de um país, e contribuem para o desenvolvimento e a
transformação da sociedade civil e política. (...) Eles têm como base de suporte
entidades e organizações da sociedade civil e política, com agendas de atuação
construídas ao redor de demandas socioeconômicas ou político-culturais que abrangem
as problemáticas conflituosas da sociedade onde atuam. (GOHN, 1997, p. 251-252)

1.2 As especificidades da relação entre Estado e sociedade civil na América Latina

A importância da atuação dos movimentos sociais na contemporaneidade, de


acordo com autores como Melucci (2004) e Dagnino (2000), diz respeito à sua
capacidade de gerar o novo, no sentido da adoção de uma postura propositiva que
coloca novas questões e aponta novas direções. Trata-se, antes mesmo de qualquer
menção a alguma conjuntura nacional específica, da possibilidade de uma teorização
que dê conta de como se desenrola o processo de desenvolvimento social, por meio da
interação dos atores no campo sócio-político. Tanto autores brasileiros como
estrangeiros, de acordo com Gohn (1997), têm feito convergir, portanto, o foco de suas
análises no sentido da valorização da relação entre Estado e movimentos a partir da
idéia de construção de uma nova cultura política, em que a ênfase na transformação por
23

meio de valores de cultura política é o elemento estratégico dos movimentos sociais da


nova institucionalidade do político (DAGNINO, 2000).

Nesse sentido, a nova percepção do significado político da cultura, de sua imbricação


constitutiva com a política, foi, em larga medida, uma conseqüência de mudanças na
percepção geral sobre o significado da própria política: onde, como, por quem e sobre o que
a política deve ser feita. (...) Quando o terreno da cultura é reconhecido como político e
como lócus da constituição de diferentes sujeitos políticos, quando as transformações
culturais são vistas como alvos da luta política e a luta cultural como instrumento para a
mudança política, está em marcha uma nova definição da relação entre cultura e política.
(DAGNINO, 2000, p.78)

Apesar das considerações mais genéricas referentes às relações entre Estado e


sociedade civil serem extremamente pertinentes e necessárias na compreensão da
redefinição “do político” e “da política” no contexto mundial, são nítidas e
significativas as diferenças entre as realidades latino-americanas e a européia quando se
quer analisar o fenômeno em relação à realidade brasileira. Tais distinções tornam
compreensíveis os modos e as formas diferenciadas das lutas travadas pela sociedade
civil, por meio da atuação dos movimentos sociais, e evidenciam as especificidades a
serem consideradas no presente caso, o que aponta para a necessidade de uma nova
análise das categorias existentes à luz dessas particularidades. É o que busca fazer Gohn
(1997) em “Teoria dos Movimentos Sociais: paradigmas clássicos e contemporâneos”,
no seu esforço de construção de uma proposta teórico-metodológica para os
movimentos sociais na América Latina.

Segundo Gohn (1997), tais elementos seriam: o passado colonial; o tipo de Estado
nacional, cujas elites políticas sempre foram representantes dos interesses econômicos
do capital internacional; a constituição de uma república de coronéis e, posteriormente,
de líderes populistas, em uma cultura política caracterizada por relações de clientelismo
e paternalismo; a dificuldade de criação de espaços democráticos ou a consolidação e o
aprofundamento de períodos de democratização; o surgimento e permanência dos
regimes militares autoritários nos anos 60; a existência de uma fase de redemocratização
em fins dos anos 70 e durante os anos 80, com forte mobilização e pressão da sociedade
civil e política, o que deu maior visibilidade aos movimentos sociais que lutavam pela
redemocratização ou por causas específicas; a transformação da cultura política latino-
americana, que passa a reivindicar direitos sociais coletivos e cidadania para os grupos
sociais oprimidos; e, finalmente, nos anos 90, a globalização, que altera o panorama do
24

capitalismo ocidental, com uma nova divisão internacional do trabalho. A partir das
diferenças históricas identificadas, Gohn (1997) assinala os principais pontos a serem
considerados na formulação de um paradigma pertinente à análise dos movimentos
sociais latino-americanos; aqui, se destacam aqueles que, efetivamente, explicam as
questões propostas no presente trabalho, as quais se referem à análise da relação entre
sociedade civil e Estado a partir da atuação do movimento de Lésbicas, Gays,
Bissexuais e Transgêneros (LGBT) 2, majoritariamente caracterizado por uma demanda
de reconhecimento.

Um primeiro aspecto significativo diz respeito à diversidade de movimentos


sociais existentes. Para Gohn (1997), a principal diferença entre esses movimentos não
se refere àquela que distingue “novos movimentos sociais” (relacionados a questões
como gênero, raça e sexo) e antigos (movimento operário clássico), como na Europa. A
diferença estaria entre “novos” (referentes às lutas pela moradia e equipamentos
coletivos em geral) e antigos movimentos populares (como as associações de bairro),
nos quais imperavam práticas de cunho populista e clientelista. Talvez, seja interessante,
na análise de tais categorias, a consideração de que estas parecem dizer respeito a dois
diferentes eixos de análise: o eixo do conteúdo, cuja novidade estaria relacionada à
natureza daquilo que se reivindica, contrapondo os chamados “novos movimentos
sociais” e os movimentos sociais clássicos; e o eixo da forma, em que a novidade estaria
relacionada ao modo como as relações estabelecidas pelos movimentos sociais vêm se
transformando, com o abandono do populismo e do clientelismo. Apesar da
predominância dos movimentos populares que lutam por direitos sociais básicos
elementares à sobrevivência, tanto no caso latino-americano quanto no caso brasileiro, é
inegável que se observa, também, um aumento do número de movimentos que
apresentam demandas de defesa da identidade; alguns deles já lograram conquistas
significativas, a exemplo do movimento negro e do movimento de mulheres, o que

2
Em lugar da sigla GLBT, a sigla LGBT – referente a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais – foi estabelecida como nomenclatura padrão a ser utilizada pelos movimentos sociais e pelo
governo brasileiros, em consonância com a nomenclatura utilizada internacionalmente, por ocasião da 1ª
Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, realizada no dia 7 de junho
de 2008. A mudança correspondeu a uma antiga demanda relacionada à necessidade de promover a
visibilidade lésbica. <http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/06/07/materia.2008 -06-
07.2850057054/view>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2009.
25

expressa a grande diversidade de interesses e a crescente heterogeneidade e


complexidade da ação coletiva nas sociedades latino-americanas (DAGNINO, 2000).

No Brasil, a questão dos direitos humanos tem criado redes de solidariedade entre
os movimentos, mas mobiliza apenas pequenas parcelas das camadas médias da
população. A luta do movimento LGBT brasileiro encontra-se aqui situada como um
movimento cujas demandas são por reconhecimento, com pouca relação com demandas
econômicas, cujo nascimento deu-se pela mobilização de uma classe média
intelectualizada proveniente, em princípio, do eixo Rio de Janeiro/ São Paulo. A
exceção são os transgêneros3 que, geralmente, se encontram em situação difícil de
inserção social.

No que se refere à questão da luta pela garantia dos direitos humanos, pode-se
dizer que os “novos movimentos sociais” presentes no contexto latino-americano
apresentaram grandes diferenças em relação aos europeus e aos norte-americanos. Para
os últimos, a bandeira dos direitos humanos focalizou, essencialmente, os direitos
sociais e culturais, enquanto na América Latina continuaram a ter relevância os direitos
econômicos elementares para a sobrevivência.

Um aspecto particularmente interessante a ser introduzido aqui, e que será tratado


de forma mais detalhada posteriormente, refere-se ao apoio prestado pela ala
progressista da Igreja Católica aos movimentos sociais populares. Tal apoio, que pode
ser identificado desde pelo menos a década de 60, quando das ditaduras latino-
americanas, não ocorre com o mesmo entusiasmo em relação aos “novos movimentos
sociais”, especialmente o movimento LGBT. Este, por razões óbvias (a rejeição de tudo
que é considerado pecado frente aos dogmas religiosos), não apenas deixa de receber
qualquer tipo de apoio, como se torna um alvo de ataque pela Igreja, talvez, a pior
“inimiga” do movimento, pois é capaz de promover prejuízos à luta pelos direitos dos

3
Além da alta vulnerabilidade a situações de violência, as transexuais e travestis encontram dificuldades
em permanecer freqüentando a escola em função dos comportamentos hostis e discriminatórios que lhes
são dirigidos. Posteriormente, não só em função de sua baixa escolaridade mas, sobretudo, em função de
uma aparência ambivalente que contraria o que se estabelece como “normal” com relação à orientação de
gênero, são excluídas do mercado de trabalho, restando como opções de sobrevivência, quase que
exclusivamente, a prostituição, a inserção no mercado de trabalho informal, por meio de serviços ligados
à beleza (manicures, cabeleireiras etc) e, em casos mais raros, serviços domésticos, conforme percebido
na pesquisa “Violações de Direitos Humanos de Grupos Minoritários” (CAMAROTTI, 2004), realizada
pela autora em parceria com o Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS - GAPA/BA.
26

homossexuais, inclusive no campo político tradicional. Mas, o movimento LGBT,


certamente, não é o único, dentre os “novos”, que deixa de receber suporte dessa
instituição. O movimento feminista, ao defrontar-se com valores defendidos pela Igreja
na questão do direito à vida e ao aborto, também, vivencia o mesmo tipo de conflito.
Ademais, é interessante destacar, inclusive pela implicação que isso traz à política
parlamentar e dos partidos políticos, o crescimento do poder das religiões evangélicas
na sociedade brasileira, o que, também, tem se constituído como um sério obstáculo às
conquistas dos homossexuais.

Cabe ressaltar, ainda, como sendo uma particularidade latino-americana, as


variações sofridas na relação entre os movimentos sociais e o Estado em função de
objetivos estratégicos e das articulações dos próprios movimentos sociais. Inicialmente
contra o Estado, quando dos regimes militares, como luta para a democratização, os
movimentos sociais passaram, posteriormente, a dividir-se entre aqueles que assumiram
uma postura de apoio ao governo e aqueles que permaneceram lutando contra o governo
já democrático, caracterizando a dissolução do que seria uma homogeneidade
circunstancial e estratégica (GOHN, 1997; DAGNINO, 2000). Ainda com relação à
postura frente ao Estado, diferentemente da perspectiva da integração discutida pelos
paradigmas americanos e europeus, observa-se na realidade latino-americana uma ação
estatal por meio de políticas sociais que têm consolidado a fragmentação social: são
ações apenas de natureza compensatória que não buscam solucionar problemas de
ordem estrutural. No contexto latino, de acordo com Gohn (1997), os novos
movimentos sociais, hoje, representam lutas pela inclusão e não pela integração social,
dois fenômenos sociais distintos.

Uma outra particularidade refere-se à institucionalização dos conflitos sociais


como principal estratégia da sociedade política, para responder à pressão exercida pelos
movimentos sociais, o que corresponderia à criação de uma série de leis e novos órgãos
públicos para atender a essas demandas. Ainda que a institucionalização jurídica não
tenha sido capaz de resolver os problemas, aumentando a descrença popular no poder do
Estado para promover o bem-comum, observa-se, paralelamente, uma atuação
significativa dos partidos políticos junto aos movimentos sociais em geral. Apesar de tal
relação sempre ter existido, sua natureza foi alterada, na medida em que os partidos de
27

esquerda deixaram de conceber os outros movimentos sociais como coadjuvantes do


movimento operário e passaram a tratá-los como interlocutores com estatuto próprio.

Quanto à constituição dos movimentos, torna-se importante ressaltar a importância


das ideologias como elementos fundantes da própria idéia de movimento social na
América Latina. Todo movimento encontra-se articulado a um conjunto de crenças e
representações e são estas que dão suporte às suas estratégias e desenham seus projetos
político-ideológicos. Aqui, se inclui a importância da categoria dos intelectuais para a
compreensão da problemática dos movimentos sociais na América Latina, já que estes
têm se constituído em interlocutores dos movimentos junto a agências governamentais e
à mídia em geral, ainda que no contexto latino-americano, ao contrário da Europa, os
estratos populares sejam aqueles que mais estão presentes na composição dos
movimentos sociais. Esse aspecto mostra-se particularmente importante para a
compreensão de como surgiu e se desenvolveu o movimento homossexual no contexto
brasileiro, o que será analisado mais adiante.

No que diz respeito às demandas dos movimentos no contexto latino-americano,


destaca-se, ainda, a constante articulação entre questões socioeconômicas, geradoras de
processos de exclusão social, e as demandas socioculturais. Os conflitos sociais em cena
são tanto de ordem econômica, como de ordem cultural, o que parece, de algum modo,
ter favorecido, a partir dos anos 1980, a articulação entre diferentes lutas e movimentos
sociais, algo que até o início dos anos 1980 só ocorria em situações excepcionais. Ainda
que o movimento LGBT pareça distinguir-se de todos os outros, ao centrar suas
reivindicações em demandas por reconhecimento, tais aproximações, também, vêm
sendo observadas, na medida em que todas as lutas têm sido travadas em defesa dos
excluídos e dos oprimidos, “sob o signo dos direitos humanos”. Os contrastes existentes
nos movimentos sociais latino-americanos referem-se, ainda, às estratégias e táticas por
eles utilizadas, as quais variam de ações violentas a formas de ação modernas, com o
uso dos meios avançados de comunicação disponíveis hoje.

Diante do exposto, em relação à diversidade e especificidades existentes entre os


movimentos, no que se refere às variações de forma e conteúdo, é previsível que estes
venham a encontrar diferentes oportunidades de verem atendidas as suas reivindicações
por parte dos governos, as quais correspondem, em última instância, à vitória de uma
determinada ala das forças políticas. Trata-se, aqui, de circunstâncias particulares a cada
28

lugar e conjuntura, influenciadas, inclusive, pela própria ação dos movimentos sociais
em tornar relevantes questões que anteriormente não eram concebidas como tal e que,
agora, são motivadoras de algum tipo de intervenção por parte do Estado. Trata-se,
portanto, da luta por significados e por quem tem o direito de atribuí-los, não somente
como uma luta política em si mesma, mas, também, “como inerente e constitutiva de
toda política” (DAGNINO, 2000, p.75).

Um último aspecto a ser destacado refere-se à consideração de que, durante os


anos 90, as agendas dos movimentos se alteraram em relação às décadas anteriores, por
meio de uma maior interação com os movimentos internacionais na organização de
grupos de contestação e demandas por mais direitos e espaço na política, no contexto
daquela década, e do aumento da importância das ONGs. Foi nos anos 90 que chegou
ao Brasil, por intermédio de ONGs internacionais, o modelo norte-americano de
“movimento-organização”, com ênfase na auto-estruturação a partir de uma política
interna de captação de recursos, da constituição de uma base de adeptos e militantes, da
articulação com a sociedade civil e política por meio de políticas de parceria, do
envolvimento em projetos sociais operacionais, bem como da política de formação e
qualificação de quadros (GOHN, 1997).

1.3 O caso brasileiro

O que se observa, atualmente, tanto no contexto brasileiro quanto no contexto


internacional da América Latina é, de acordo com Dagnino (2000), a configuração de
lutas políticas travadas em torno de projetos alternativos de democracia. “O que está
fundamentalmente em disputa são os parâmetros da democracia, as próprias fronteiras
do que deve ser definido como a arena política: seus participantes, instituições,
processos, agenda e campo de ação” (DAGNINO, 2000, p.15). Pode-se dizer que tal
quadro começa a se esboçar a partir da atuação dos movimentos sociais desde o começo
da resistência ao regime autoritário, no início da década de 1970.

No final dos anos 70, no contexto brasileiro, eram considerados novos os


movimentos sociais que, diferentemente dos modelos clássicos característicos de
associações de moradores e entidades afins, constituíam-se enquanto movimentos
29

sociais populares urbanos, muitas vezes vinculados à ala da Teologia da Libertação da


Igreja Católica. O cerne da diferenciação entre o novo e o velho, nesse caso, referia-se
às novas práticas sociais e a uma nova forma de organizar a comunidade local. Tais
movimentos, que à época assumiram um papel de destaque como fontes de poder social,
estabeleciam uma relação com o Estado marcada pelo antagonismo e pela oposição,
preservando, ainda, uma posição autônoma em relação aos partidos políticos, aos
aparelhos de Estado e, até mesmo, em relação à Igreja, tratada apenas como uma
apoiadora/formadora das novas forças emergentes (SANTOS, 2007; GOHN, 1997).

As mudanças ocorridas na conjuntura política, no início dos anos 80, lançaram o


questionamento acerca do efetivo poder inovador desses “novos” movimentos
populares. Paralelamente à existência dos movimentos populares, surgiram outros
movimentos não exclusivamente populares, e que ganharam uma visibilidade cada vez
maior ao longo da década, a exemplo do movimento de mulheres e da questão
ambiental. Embora não fossem essas bandeiras exatamente novas, a sua existência e o
crescimento do interesse em tais causas deram origem a uma nova compreensão do que
seria o “novo” na ação coletiva, passando a denominar os movimentos cujas
reivindicações não estavam restritas às demandas materiais de sobrevivência. A
caracterização “novo” veio a corresponder, portanto, aos movimentos que apresentavam
um outro tipo de demanda, referente aos direitos sociais modernos e pautados nos
princípios de igualdade e liberdade em relação a raça, gênero e sexualidade (GOHN,
1997).

Tais percepções convergiram para o que se denominou a corrente européia dos


Novos Movimentos Sociais, a qual se debruçou sobre movimentos não relacionados à
miséria e que se contrapunham à hegemonia do movimento operário clássico como
sendo o principal representante da contestação dos oprimidos; isso inaugurou uma nova
esfera de conflitos sociais (MELUCCI, 1989). Houve, então, uma divisão entre a
abordagem marxista, mais presente nas reflexões sobre os movimentos populares, e a
abordagem culturalista, que buscava analisar os movimentos por demandas não
necessariamente econômicas ou de sobrevivência básica, mas com maior ênfase na
identidade dos atores políticos envolvidos.

Os anos 80 se caracterizaram, ainda, pela emergência e expansão das


organizações não governamentais como um fenômeno social que, mais tarde, na década
30

de 90, passou a ocupar a cena pública quase como um substituto dos movimentos
sociais (GOHN, 1997). O período, também, foi marcado pela construção de novos
espaços de cidadania e o estabelecimento de novas leis, como no capítulo sobre novos
direitos sociais da constituição brasileira de 19884. Ademais, de acordo com Gohn
(1997), é também nesse período que novas categorias de referência foram introduzidas
na agenda dos analistas sobre os movimentos sociais: a questão do cotidiano; a
problemática da relação entre a democracia direta e a democracia representativa; a
questão das esferas públicas e privadas enquanto espaço de participação social para a
construção da democracia; a questão da cidadania; e, além disso, a cultura política
presente nos espaços associativos.

Com as mudanças políticas características do início da década de 1980, a


questão da autonomia, tão valorizada pelos movimentos na década de 1970, foi
redefinida em termos de autodeterminação, uma vez que a postura de oposição ao
Estado foi substituída por uma certa colaboração e parceria com o governo; com a
constituição de 1988 os movimentos foram sendo inseridos na participação formal, em
diversas instâncias governamentais e públicas. O Estado passou, portanto, de principal
opositor à principal interlocutor e mesmo parceiro dos movimentos. Esse novo papel do
Estado foi uma das mudanças mais significativas ocorridas na década de 1980: de
grande “inimigo comum”, o Estado passou a ser um importante interlocutor, muitas
vezes aliado na viabilização das reivindicações de diversos movimentos (CARDOSO,
2004). Como ressalta Santos (2007), o contato entre movimentos sociais e Estado já
existia durante o regime militar; com a redemocratização e os governos comprometidos
com a participação da sociedade civil na vida política, entretanto, abriu-se espaço para
uma atuação conjunta de co-gestão das políticas públicas em alguma escala.

No Brasil dos anos 90, observam-se profundas alterações no modo do Estado


operar na economia e nas políticas públicas, com uma ampla inserção do Brasil na
globalização e nas regras que regem o mercado em nível mundial. Concomitantemente à
consolidação da ação participativa de ONGs no cenário político, deu-se início a um
período em que, além das reivindicações e das demandas, desenvolveu-se uma
participação qualificada, responsável não em propor, mas, também, em realizar ações
em prol dos direitos sociais. A referência são os novos atores sociais, pobres ou não,
4
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 20 de fevereiro de
2009.
31

apartados socialmente pela nova estruturação do mercado de trabalho. A ação dos


movimentos se altera em função dos novos meios de comunicação, em que a mídia se
torna um grande agente de pressão social, funcionando “como termômetro do poder de
pressão dos grupos que têm acesso àqueles meios” (GOHN, 1997, p.296). As
organizações não-governamentais ganham credibilidade no que se refere à
confiabilidade dos diagnósticos que realizam sobre os temas que dominam e da gerência
de recursos públicos. Os movimentos sociais populares perdem sua força e, em paralelo,
as ONGs assumem um lugar estratégico por meio da realização de parcerias com o
poder público e mesmo entidades privadas; permanece, assim, o Estado com o controle
das ações no seu papel de agente financiador. Assiste-se, portanto, naquele período, à
recriação da esfera pública (GOHN, 1997).

Em síntese, os novos atores sociais que emergiram na sociedade civil brasileira, após 1970,
à revelia do Estado, e contra ele num primeiro momento, configuraram novos espaços e
formatos de participação e de relações sociais. Estes novos espaços foram construídos
basicamente pelos movimentos sociais, populares ou não, nos anos 70-80; e nos anos 90
por um tipo especial de ONGs que denominamos anteriormente de cidadãs, ou seja,
entidades sem fins lucrativos que se orientam para a promoção e para o desenvolvimento de
comunidades carentes a partir de relações baseadas em direitos e deveres da cidadania.
(GOHN, 1997, p.303)

Duas outras características marcam as ações coletivas nos anos 90: primeiramente,
o fortalecimento de redes e estruturas nacionais de movimentos sociais e a criação de
estruturas centralizadoras de vários movimentos sociais; e, em segundo lugar, o
surgimento de movimentos internacionais e de caráter transnacional. Além disso, outro
destaque é que as políticas públicas da década de 90 passaram a ser formuladas visando
a segmentos sociais focados, numa perspectiva que privilegia áreas temáticas-problema
e não mais atores sociais organizados em movimentos ou interesses das classes
organizadas.

A questão financeira tem sido problemática na complexa relação entre os


movimentos e o Estado. Apesar dos movimentos defenderem a sua autonomia e
independência diante do Estado, é quase impossível que o atendimento das demandas se
efetive sem o apoio de recursos públicos. O Estado tem influenciado as linhas de
atuação dos movimentos à medida que ele cria programas sociais e subvenções. Até
meados dos anos 80, havia um certo consenso acerca da necessidade de construção, por
parte dos movimentos e assessorias, de um contrapoder popular independente do
32

Estado. Na transição democrática dos anos 80, os movimentos se tornaram


interlocutores privilegiados do Estado; nos anos 90, o cenário se altera, já que o Estado,
segundo Gohn (1997), não precisa dos movimentos para a afirmação do seu caráter
democrático, ao passo que os movimentos sociais progressistas querem participar das
políticas públicas, o que dá origem a uma nova forma democrática, a pública não-
estatal. Isto altera, radicalmente, o paradigma da ação coletiva na medida em que as
ações deixam de se estruturar como movimentos sociais e passam a ser articuladas em
grupos organizados, com certo grau de institucionalidade. Tais grupos têm como
referência elaborar projetos, propostas e sugestões, planos e estratégias de ações
demandadas. O poder público se transformou em agente repassador de recursos, sendo a
operação intermediada pelas ONGs.

A questão do saber acumulado se faz presente e a dependência das organizações populares


dos técnicos das ONGs é bastante visível. Ou seja, as ONGs saíram da sombra, deixaram de
ser meros suportes técnicos em orientações tidas como „pedagógicas‟ e financeiras às
lideranças populares, e passaram, elas próprias, a desempenhar os papéis centrais nas ações
coletivas. (GOHN, 1997, p.314-315)

Nos anos 90, há, também, a participação da população nas estruturas de conselhos
e colegiados criados por exigências da Carta Magna de 1988, ou como fruto de políticas
específicas, nas suas mais variadas instâncias: federais, estaduais, municipais, tutelares,
populares etc.; uma demanda dos movimentos sociais brasileiros dos anos 80. A
estratégia política da participação popular em conselhos foi absorvida pela maioria dos
planos e projetos governamentais, de modo a contemplar a questão da participação nos
órgãos e políticas estatais. Cabe ressaltar que o papel mais significativo desempenhado
pelos movimentos sociais não se restringe à presença em estruturas organizacionais,
mas, sim, à sua capacidade de promover uma nova mentalidade sobre a coisa pública e
gerar uma nova cultura política (GOHN, 1997). Em síntese:

...a relação da sociedade civil organizada com o Estado é de outra natureza nos anos 90 (...)
as arenas de negociação estão normatizadas e a institucionalidade da relação sociedade
organizada – poder público é um fato. As agendas dos órgãos públicos necessariamente
contemplam a interação com a sociedade civil, mas esta interação ainda ocorre segundo os
interesses e regras estabelecidos pelas elites ou grupos que estão no poder. Os movimentos
sociais criaram, nos anos 80, um paradigma da ação social, conferindo legitimidade a si
próprios enquanto portadores de direitos legítimos e deslegitimando as políticas que os
ignoram, mas não conseguiram manter estas posições nos anos 90 diante da voracidade das
políticas neoliberais. (GOHN, 1997, p.318)
33

Os “novos movimentos sociais” – que lutam por questões de direitos no plano da


identidade ou igualdade – embora tenham, de acordo com Gohn (1997), declinado nos
anos 90, no cenário internacional, e assumido um papel mais institucional através de
ONGs, permaneceram na cena política brasileira e, até, cresceram, como é o caso do
movimento LGBT – identificado como um “grupo de minorias”.
34

2 OS NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS E A TEORIA DO


RECONHECIMENTO – REFERÊNCIAS PARA ENTENDER O
MOVIMENTO LGBT

2.1 A defesa da identidade e o direito à diferença como bandeiras de luta

Em todo o mundo, o movimento homossexual encontra-se, fundamentalmente,


estruturado em torno da necessidade de defesa de uma identidade (CASTELLS, 1999;
FRASER, 2000, 2001). Conforme adverte Conde (2004), embora se possa questionar a
conveniência da adoção de uma identidade homossexual como bandeira – inclusive pela
constatação de uma pluralidade identitária naquilo que se apresenta, superficialmente,
como um movimento homossexual caracterizado pela homogeneidade de seus
participantes –, é inegável que a questão da identidade foi, e até hoje é, uma parte
constitutiva do movimento LGBT, bem como um elemento subjacente às reivindicações
mais contemporâneas do movimento, a exemplo da luta pelos direitos à conjugalidade e
à parentalidade.

São essas características que fazem com que o presente trabalho tenha como
aportes teóricos o paradigma europeu dos Novos Movimentos Sociais e a Teoria do
Reconhecimento, para uma análise das relações entre o movimento homossexual no
contexto brasileiro/baiano e o Estado. Ambas as perspectivas enfatizam aspectos
políticos e culturais e não causas constituídas em torno de reivindicações
predominantemente econômicas, de classe. A discussão sobre o perfil e a dinâmica dos
movimentos sociais é um viés de análise que não se baseia na convicção de que possa
dar conta dos movimentos sociais, no contexto brasileiro, de forma generalizada, ainda
que esta perspectiva possa lançar luzes muito interessantes para a análise de tais
aglutinações e tornar visíveis especificidades que perpassam movimentos aparentemente
homogêneos, como gênero, raça, sexualidade etc.

Pode-se supor que, talvez, ainda mais relevantes do que as mudanças nos
padrões de relacionamento entre Estado e movimentos sociais e seus novos formatos e
estruturas organizacionais em ONGs e redes, seja o surgimento dos novos conteúdos
das reivindicações da sociedade civil que alcançam a esfera pública e o Estado. Assiste-
35

se, de algumas décadas para cá, paralela à existência de demandas relacionadas à classe,
a emergência e consolidação de reivindicações referentes ao status, nas quais, muitas
vezes, as questões econômicas estão em posição secundária, e o foco do discurso dirige-
se às questões identitárias. É importante que fique claro, sobretudo no contexto de
países com desigualdades distributivas gravíssimas, que tal posição não significa o
abandono do discurso da necessidade de redistribuição; mais pertinente seria falar do
acréscimo de um outro tipo de demanda, ligada à questão do reconhecimento social, que
tanto pode aparecer sozinha como articulada às questões distributivas. Esse movimento
pode, certamente, ser compreendido como uma sofisticação do discurso da sociedade
civil na luta por direitos, ainda que haja críticas no sentido de que as demandas ligadas à
identidade possam obscurecer a luta contra a desigualdade.

A emergência de demanda por status e identidade deixa transparecer novos tipos


de problemas e conflitos, concernentes tanto ao campo social quanto ao campo cultural,
o que vem a reforçar questões de cunho moral, bem como a implicar a inclusão de
esferas até então consideradas excluídas do político, a exemplo do mundo privado como
gerador de subjetivação (TOURAINE, 1995).

É a partir dessa mudança de conteúdo que se constitui o paradigma dos Novos


Movimentos Sociais, assinalando o surgimento da idéia do sujeito contestador na
política (TOURAINE, 1995). Tal perspectiva enfatiza a cultura, a ideologia, as lutas
sociais cotidianas, a solidariedade entre pessoas de um grupo ou movimento social e o
processo de identidade que se produz.

Para Gohn (1997), ainda que se possa observar no paradigma europeu uma
multiplicidade de correntes diferenciadas entre si, agrupadas como Novos Movimentos
Sociais, é possível a identificação de algumas características básicas: a construção de
um modelo teórico baseado na cultura, que deixa de lado a questão da ideologia como
falsa representação do real; a negação da corrente clássica do marxismo como campo
teórico capaz de explicar a ação do indivíduo e a ação coletiva da sociedade
contemporânea; a redefinição da política, que deixa de ser uma escala com hierarquias e
determinações e passa a ser considerada como uma dimensão da vida social, a qual
abarca todas as práticas, abrindo a possibilidade de se pensar o poder na esfera pública
da sociedade civil; e, por fim, a construção de análises acerca dos atores sociais com
36

foco nas ações coletivas e na identidade coletiva criada no processo. São esses
elementos que assumem certa centralidade nas explicações do novo paradigma.

Para o paradigma dos Novos Movimentos Sociais, a identidade é parte


constitutiva da formação dos movimentos, que crescem em função da defesa dessa
mesma identidade. A novidade está no fato, como já dito, de não se constituírem a partir
de uma base classista (a exemplo do que ocorreu com o movimento operário) o que, por
sua vez, deu origem a uma nova política e à politização de novos temas. De acordo com
Cohen (1985 apud GOHN, 1997), a novidade estaria, ainda, no fato de que os “atores
podem tomar consciência de sua capacidade para criar identidades e relações de poder
envolvidas nesta construção social” (COHEN, 1985 apud GOHN, 1997, p.125).

Os novos movimentos sociais procuram mobilizar a opinião pública a seu favor


através da mídia e do protesto como mecanismo de pressão sobre os órgãos e políticas
estatais; atuam de forma descentralizada, aberta e fluida, constituindo-se como redes de
troca de informação e cooperação. Representam uma verdadeira transformação na
forma de fazer política, a partir da sociedade civil, e não apenas por meio da política
oficial, de luta pelo poder nas estruturas do Estado. Com a atuação dos novos
movimentos sociais, passam a ser valorizados, em detrimento das determinações
macroestruturais, os fatos conjunturais do cotidiano. A força da mudança encontra-se,
portanto, nos próprios atores e não no entre-choque das contradições estruturais
(MILANI e LANIADO, 2006).

Levando em consideração os objetivos do presente trabalho serão abordadas,


sobretudo, as contribuições trazidas por Touraine (1995, 1996, 1999a, 1999b), Melucci
(1989, 2001, 2004) e Castells (1999), este último por ter incluído, em suas discussões
mais recentes, considerações sobre as novas dimensões culturais e políticas,
relacionando-as à questão da identidade. Touraine (1999a) assinala:

A noção de movimento social só é útil se permitir por em evidência a existência dum tipo
muito particular de ação coletiva, aquele tipo pelo qual uma categoria social, sempre
particular, questiona uma forma de dominação social, simultaneamente particular e geral,
invocando contra ela valores e orientações gerais da sociedade, que ela partilha com seu
adversário, para privar este de legitimidade. (TOURAINE, 1999a, p. 113)

Ao abordar a mudança de enfoque e de objetivos dos novos movimentos sociais,


Touraine (1999a) defende que as suas ações estão muito mais voltadas à “afirmação e à
37

defesa dos direitos do sujeito, da sua liberdade e da igualdade” do que à construção de um


modelo de sociedade perfeita ou de um partido político. O autor enfatiza a importância do
ator, ao afirmar que:

... os novos movimentos sociais rejeitam toda identificação a uma categoria social; apelam
para o próprio sujeito, para sua dignidade ou sua auto-estima como força de combinação de
papéis instrumentais e de individualidade. Isto supõe o reconhecimento da especificidade
psicológica e cultural de cada um. (TOURAINE, 1999a, p. 129)

A abordagem de Alain Touraine confere aos atores importância como agentes


dinâmicos, produtores de reivindicações e demandas. O dinamismo é analisado em
termos culturais, a partir da existência do confronto de valores, seja na sua afirmação ou
reivindicação.

Partindo das considerações do autor, pode-se afirmar que o movimento


homossexual é tanto cultural quanto um movimento em busca de uma nova moral
social, já que, além de afirmar e defender os direitos e liberdades do sujeito, apresenta
caráter mais afirmativo que contestatório, privilegiando a liberdade do sujeito e a defesa
de sua identidade (CONDE, 2004). Os movimentos sociais são fruto de uma vontade
coletiva, são parte do sistema de forças sociais de uma determinada sociedade,
disputando a direção de seu campo cultural, portanto, constituem-se como forças
centrais da sociedade por serem sua trama, seu coração (GOHN, 1997).

A abordagem de Touraine alicerça-se na teoria da ação social; constrói-se ao


redor das ações coletivas, das lutas dos atores vistas sob a perspectiva de uma teoria
mais geral, a teoria dos conflitos, que pressupõe seis categorias básicas de conflito: os
que perseguem interesses coletivos; os que se desenrolam ao redor da reconstrução da
identidade social, cultural ou política de um grupo; os que são forças políticas que
buscam a mudança das regras do jogo; os que defendem o status quo e os privilégios; e
os conflitos que visam a construção de uma nova ordem social. Os movimentos sociais
derivam, fundamentalmente, dos conflitos ao redor do controle dos modelos culturais, e
ocupam os lugares na sociedade onde tendem a se delinear os conflitos mais centrais,
levando à formação de atores sociais (GOHN, 1997).

Os novos movimentos sociais, porque não se dirigem, de maneira geral, contra o


Estado, representam, ao mesmo tempo, um conflito social e um projeto cultural. O
38

Estado não seria o cerne do monopólio da violência, mas, principalmente, um agente de


transformação histórica, por dirigir as mudanças organizacionais que são, também,
mudanças institucionais. Seria, portanto, um agente de reação e transformação que
abarca a força social de mudança histórica. À medida que responde às reivindicações do
movimento social, o Estado repõe a ordem e abre caminhos para a institucionalização de
novas formas de relações sociais.

Nos anos 90, Touraine reviu sua teoria sobre os novos movimentos sociais em
função das transformações ocorridas nos movimentos e no sistema capitalista. O autor
identificou uma crise na noção de movimento social, advinda de mudanças na natureza
do conflito social, em relação ao século XIX e boa parte do século XX, quando o
conflito esteve marcado, sobretudo, pelos interesses antagônicos entre a burguesia e os
trabalhadores. Agora, não se trata mais de lutar pelo controle dos meios de produção,
mas, sim, pelas finalidades das produções simbólicas e culturais, com o objetivo de
transformar a vida com relação à defesa dos direitos do homem, sejam estes referentes
ao direito à vida ou à livre expressão (TOURAINE, 1995).

Outro autor representante da corrente de estudos dos Novos Movimento Sociais


é Melucci, considerado, conforme aponta Gohn (1997), como um dos fundadores do
paradigma da identidade coletiva. Sua produção, diferentemente da de Touraine, que
enfatiza sistemas macrossocietais, está mais dirigida às analises no plano micro, a partir
de um enfoque psicossocial. Melucci (1989) buscou combinar a análise da subjetividade
com a observação das condições político-ideológicas em um dado contexto histórico,
estabelecendo relações entre os movimentos sociais e as necessidades individuais. O
autor apoiou-se na noção de sistema, concebido como um complexo de relacionamentos
entre elementos, que estariam agrupados em quatro grandes sistemas: o sistema de
produção e apropriação dos recursos da sociedade; o sistema político, que toma decisões
sobre a distribuição desses recursos; o sistema organizacional; e o sistema “mundo da
vida”, no âmbito da reprodução das relações sociais (GOHN, 1997).

Para Melucci (1996 apud GOHN, 1997), a análise da ação coletiva pode se dar em
cinco níveis, concernentes a: sua definição, sua formação na estrutura social, seus
componentes, as formas assumidas e os campos onde a ação ocorre. A idéia de
movimento social seria uma construção analítica referente a formas de ação coletiva que,
ao mesmo tempo, invoca solidariedade, manifesta um conflito, e se estrutura na forma de
39

redes complexas. A existência de um conflito estaria definida na luta entre dois atores
por uma mesma coisa, podendo ser o campo conflitual dividido entre tensões baseadas
na ação organizacional e aquelas baseadas na ação política. Portanto, o sistema político
e a organização social de uma sociedade seriam as mediações através das quais
emergem os comportamentos coletivos (GOHN, 1997), podendo os movimentos sociais
ser compreendidos “como fenômenos simultaneamente discursivos e políticos,
localizados na fronteira entre as referências da vida pessoal e a política” (MELUCCI,
2004, p.185). Ademais, Melucci (1996, apud GOHN, 1997) refere-se aos movimentos
sociais como sinais antecipados de processos de transformação prestes a entrar em
curso, próprios dos processos de transformação social:

Movimentos são um sinal; eles não são meramente o resultado de uma crise. Assinalam
uma profunda transformação na lógica e no processo que guiam as sociedades complexas.
Como os profetas, eles falam antes: anunciam o que está tomando forma mesmo antes de
sua direção e conteúdo tornarem-se claros. Os movimentos contemporâneos são os profetas
do presente. (MELUCCI, 1996, apud GOHN, 1997, p.157)

Assim como Touraine (1995, 1996, 1999a, 1999b), Melucci (1989, 2001, 2004) vê
os movimentos sociais como uma lente por meio da qual problemas mais gerais podem
ser abordados. Tais movimentos produzem modelos organizacionais, influenciam
instituições e atores sociais públicos e privados, produzem novas elites políticas,
institucionalizam práticas sociais e mudam a linguagem cultural de uma época. Para o
autor, a identidade coletiva é a definição interativa e compartilhada, produzida por
indivíduos ou grupos no que se refere à orientação de suas ações e ao campo de
oportunidades e constrangimentos no qual essas ações têm lugar. A identidade coletiva
é construída e negociada por meio de relacionamentos sociais que conectam os
membros de um grupo ou movimento, provida de referenciais cognitivos
compartilhados e, também, de trocas emocionais e afetivas (MELUCCI, 1996 apud
GOHN, 1997).

O processo de construção de uma identidade coletiva é reconhecido quando se


observam três mecanismos referentes à sua constituição:

... a definição cognitiva concernente a fins, meios e campo da ação; a rede de


relacionamentos ativos entre os atores que interagem, comunicam-se e influenciam uns aos
outros, negociam e tomam decisões; e, finalmente, a identidade coletiva requer um certo
grau de investimento emocional, no qual os indivíduos sintam-se, eles próprios, parte de
uma unidade em comum. (MELUCCI, 1995, p.44-45 apud GOHN, 1997, p.159)
40

A identidade coletiva é, em última instância, um processo de aprendizagem, com


auto-reflexão sobre o significado das ações, a qual é incorporada à práxis do grupo.
Desse modo, o processo de construção de uma identidade coletiva produz novas
definições ao integrar elementos do passado e do presente na unidade do ator coletivo
(MELUCCI, 1996 apud GOHN, 1997, p.160).

Numa abordagem que se distingue da conceituação de ideologia proposta pelas


análises marxistas, tanto Melucci quanto Touraine enfatizam um outro sentido de
ideologia, na medida em que esta fornece marcos para que os atores representem suas
próprias ações ao integrar e consolidar a identidade do grupo. Para esses autores, tal
abordagem incluiria a definição do próprio ator, a identificação do adversário e a
indicação de finalidades, objetivos e metas pelos quais se luta. A ideologia cumpriria,
ainda, o papel de controladora dos comportamentos desviantes dentro dos movimentos.

A importante contribuição de Castells (1999) com relação aos aspectos aqui já


abordados refere-se à análise que estabelece acerca da relação entre a identidade – o
poder da identidade – e a idéia de sociedade em rede. Na prática, os movimentos sociais
caracterizam-se como “ações coletivas com um determinado propósito cujo resultado,
tanto em caso de sucesso como de fracasso, transforma os valores e as instituições da
sociedade” (CASTELLS, 1999, p. 20). A construção da identidade, tão fundamental na
composição de movimentos como o LGBT, para Castells (1999), sempre se dá em um
contexto caracterizado por relações de poder; o significado da identidade é tanto fruto
da internalização de noções advindas de instituições dominantes, quanto fonte de
significados para os próprios atores. Castells (1999) sugere três formas originárias de
construção de identidade: a legitimadora, introduzida pelas instituições dominantes da
sociedade; a de resistência, que se constitui como estratégia contra a opressão; e a de
projeto, que visa a mudança da posição dos atores na sociedade.

Para o tema aqui em estudo, conforme aponta Conde (2004), é possível afirmar
que a identidade construída pelo movimento LGBT pode ser caracterizada como
correspondente às duas últimas formas: a de resistência e a de projeto. No que diz
respeito à resistência, no caso específico do movimento LGBT, tem-se a inversão dos
termos do discurso opressivo, construída a partir de um sentimento de orgulho e
explicitação daquilo que é desqualificado pela norma dominante – o heterosexismo -, o
que pode ser observado nas práticas de parte do movimento LGBT, como a cultura “das
41

bichas loucas”, que assume uma postura de confronto em relação aos significados
instituídos. A identidade de projeto, por sua vez, caracteriza-se por uma intenção de
desconstrução, a partir do questionamento, e “desnaturalização” de “algumas das
estruturas milenares sobre as quais as sociedades foram historicamente construídas:
repressão sexual e heterossexualidade compulsória” (CASTELLS, 1999, p.256). O
movimento homossexual, para Castells (1999), extrapola a defesa dos direitos humanos,
ou o direito básico de “escolher a quem e como amar” (p. 256), traduzindo-se como
uma poderosa expressão de identidade sexual e de liberação sexual, já que a “política da
identidade começa a partir de nossos corpos” (p. 423).

Em síntese, as idéias até agora apresentadas apontam para uma mudança


considerável nos movimentos sociais e na sua localização no campo político, o que
pode ser exemplarmente ilustrado pela contribuição de Touraine (1995, 1999a) sobre o
retorno da subjetivação como marca dos movimentos sociais contemporâneos,
simultaneamente a outros elementos geradores de identificação, que podem adquirir
maior ou menor centralidade conforme a característica da luta.

É isso o que, também, parece postular, em linhas mais gerais, a teoria do


reconhecimento, uma vez que seus estudiosos mais proeminentes – Axel Honneth,
Nancy Fraser e Charles Taylor – consideram, de acordo com Mattos (2004, 2006), que o
tema é central para uma teoria crítica da sociedade e da ação do sujeito na modernidade
avançada. Um dos principais pontos de embate é em torno de como a redistribuição e o
reconhecimento podem ser pensados na sua relação com o nascimento e a ação de
distintos movimentos sociais. Dentre os argumentos a serem aqui apresentados como
base para uma análise do movimento LGBT e da sua relação com o Estado, estão as
diferenças de perspectivas delineadas por Fraser (2000, 2001) e Honneth (2003) sobre o
reconhecimento e sua repercussão no campo da justiça e dos direitos que afetam
diretamente a luta das minorias hoje.

Em “Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça na era pós-


socialista”, Fraser (2001) destaca o impacto das questões de reconhecimento sobre a
dinâmica de movimentos sociais de minorias discriminadas ou excluídas. Para a autora,
é necessário problematizar a articulação das questões de reconhecimento e
redistribuição, respectivamente, com a cultura e a economia política. Apesar de mais
42

recentes no campo de conflitualidade da ação política, as demandas por reconhecimento


têm reordenado a luta que era por redistribuição, corroborando a tese de Touraine
(1995, 1999a) de que os conflitos associados à classe vêm dando lugar àqueles
relacionados ao status social do indivíduo.

A preocupação de Fraser (2000, 2001) refere-se à desconexão entre as


dimensões econômica e cultural. Aqui, já é possível antever um dos pontos de
discordância entre a autora e Honneth (2003). Fraser (2000, 2001) visualiza a
possibilidade de que um conflito esteja relacionado a apenas uma das dimensões, e, por
isso, considera-as como dimensões distintas, apesar de inter-relacionadas. Contudo,
defende que não há separação entre as dimensões, sendo necessário conceitualizar
reconhecimento cultural e igualdade social de maneira que uma demanda não
enfraqueça a outra. Para Mattos (2004, 2006), esta seria uma perspectiva dualista de
análise dos conflitos sociais, cujas dimensões, juntas, corresponderiam à estruturação da
justiça social.

Ao abordar dilemas desse tipo, Fraser (2000, 2001) distingue as estratégias as


quais denomina de afirmação ou de transformação. As primeiras corrigiriam resultados
indesejados, sem alterar a estrutura que os origina; as segundas corrigiriam os resultados
indesejados, justamente, por meio de alterações nas estruturas que os produziram.

Enquanto Fraser (2000, 2001) busca entender melhor a relação entre


redistribuição e reconhecimento, Honneth (2003) formula uma posição divergente já
que considera todos os conflitos sociais como originários da luta pelo reconhecimento.
Pode-se dizer que a divergência entre os dois autores refere-se, em última instância, aos
distintos pontos de partida assumidos por cada um, ao refletir sobre a fonte da
moralidade em relação à dignidade do ser e à justiça em sociedade. O argumento central
de Honneth (2003), influenciado por Hegel (MATTOS, 2004), considera que o
reconhecimento é intersubjetivo (a relação do eu com o outro) é condição para o
desenvolvimento de uma identidade positiva que permita a participação na esfera
pública, existindo sempre uma concepção de boa vida subjacente às lutas por
reconhecimento. Fraser (2000, 2001), por outro lado, considera o reconhecimento como
uma questão de justiça e de sua relação com a estrutura de poder na sociedade. A autora,
seguindo a tradição kantiana – em que a fonte da moralidade é o próprio sujeito –
43

acredita que a categoria do reconhecimento é melhor explicada por um padrão universal


de justiça, que pressupõe igual valor do ser humano, detendo-se, sobretudo, na análise
de práticas discriminatórias institucionalizadas – agentes que têm o poder de agir
discriminatoriamente (MATTOS, 2004).

A proposta de Fraser (2000, 2001) é o recurso a um dualismo de perspectiva que


permita avaliar, analiticamente, as demandas por reconhecimento e por redistribuição,
para que os elementos de dignidade e justiça possam estar, constantemente, entrelaçados
nas conquistas e mudanças sociais. Para Mattos (2004), tal dualismo:

...não resolve o problema de como conectar esses domínios, sua vantagem, no entanto, seria
deixar evidente o sintoma do problema, permitindo a distinção entre as demandas, é
possível analisar a relação entre os diferentes domínios. Além disso, o dualismo de
perspectiva evita a redução de um domínio no outro, evitando a dicotomia entre cultura e
economia que obscurece a visualização da inter-relação entre elas. (MATTOS, 2004, p.155)

Um terceiro autor que contribuiu para o debate sobre o tema, e cuja obra é
relevante para o estudo do movimento LGBT é Taylor. Taylor (1994) está preocupado
tanto com a dimensão institucional quanto com as relações da vida cotidiana (SOUZA,
2003). Para além de qualquer outro pensador moderno, esse autor possibilita um
aprofundamento da temática do reconhecimento a partir de uma genealogia da
hierarquia valorativa, dando sentido e relevância moral a elementos naturalizados da
realidade, cuja eficácia apóia-se, justamente, na sua aparente naturalidade e
neutralidade. Mais do que isso, Taylor (1994) aponta para a necessidade de compartilhar
e disseminar a idéia de dignidade no sentido não jurídico, mas, sim, como um respeito
atitudinal, ou seja, condição para que uma sociedade garanta, como a lei prescreve, a
cidadania e a igualdade.

Taylor (1994) distingue uma forma de reconhecimento universalizante, que é


relacionada ao princípio da dignidade, de outra particularizante, relacionada ao princípio
da autenticidade (aquilo que é autoreferido e original em cada um de nós, vinculado ou
não a raízes). Ambas estariam relacionadas tanto à formação da identidade individual,
quanto coletiva. Seriam, portanto, duas as fontes modernas de reconhecimento: o ideal
de dignidade e o ideal de autenticidade. A primeira referir-se-ia ao igualitário e
universal, que atribui dignidade humana específica a todo ser social; a última diria
44

respeito à negação da definição da identidade a partir de papéis sociais já estabelecidos,


denotando uma reação tanto à conformidade social, quanto a uma atitude instrumental
em relação a si mesmo.

Ao analisar as sociedades industriais avançadas, Taylor (1994) aproximou-se dos


pressupostos do paradigma dos Novos Movimentos Sociais, na medida em que
privilegia o ideal de autenticidade, atribuindo à dignidade uma importância secundária.
Souza (2003) parece concordar com Taylor (1994), quando afirma que a contradição
central para as sociedades avançadas – tanto em seu aspecto existencial quanto coletivo
– está relacionada ao ideal de autenticidade, embora faça a ressalva de que não
considera o ideal da dignidade uma condição estabelecida ou consagrada nas sociedades
contemporâneas, dado o abismo existente, ainda hoje, entre a institucionalização e o
princípio nas sociedades centrais e periféricas. Esse ponto levantado por Souza (2003)
parece bastante pertinente para a análise das demandas dos movimentos sociais no
contexto periférico, as quais muitas vezes tentam articular, de forma “mista”, os dois
ideais. Embora a questão da autenticidade, também, se faça presente nas sociedades
periféricas, as temáticas associadas à dignidade, de acordo com Souza (2003),
continuam a ocupar uma posição central nesses casos.

Nesse contexto, nos interessa, antes de tudo, as repercussões da discussão acerca dos
princípios que regulam a nossa atribuição de respeito, deferência ou, em uma palavra, a
atribuição de „reconhecimento social‟ como base na noção moderna de cidadania jurídica e
política. Essa temática pode nos esclarecer acerca das razões pelas quais em algumas
sociedades periféricas, como a brasileira, (...) torna-se possível, num contexto formalmente
democrático, aberto e pluralista, a constituição de cidadãos de primeira e de segunda classe.
Nos interessa especialmente construir uma gramática que torne visível aquilo que Taylor
pressupõe quando tenta separar o respeito no sentido jurídico (...) do tipo de respeito que
ele chama de atitudinal. (SOUZA, 2003, p.38)

Diante dos argumentos aqui apresentados e da proposta do presente estudo, um


dos primeiros posicionamentos necessários ao aprofundamento da discussão consistiria
em definir se: (i) as lutas por justiça social poderiam ser distinguidas entre a busca por
redistribuição e por reconhecimento, conforme sugere Fraser (2000, 20001) – ainda que
as dimensões econômica e cultural se encontrem quase sempre associadas; ou (ii) se
trata-se, sempre, em última instância, de lutas por reconhecimento, perspectiva
assumida por Honneth (2003).
45

A posição assumida para os fins desta pesquisa é a de que a necessidade de


redistribuição ocorre sempre como o desdobramento de uma circunstância específica, na
qual foi, anteriormente, negado o reconhecimento, a exemplo das questões de raça e
gênero. Isto porque é a existência de uma visão preconceituosa sobre tais grupos,
construída historicamente, que determina o seu acesso restrito aos bens e aos direitos
fundamentais, e não o contrário. Essa perspectiva corresponde ao que propõe Honneth
(2003). No caso dos homossexuais, mais especificamente, cuja questão do
reconhecimento constitui-se, claramente, como principal eixo mobilizador, ficando a
questão redistributiva em segundo plano, tal discussão torna-se menos fundamental no
que se refere à atuação do movimentos, mas volta a ganhar peso quando se reflete sobre
como o Estado tem respondido aos movimentos sociais de forma mais geral. Ainda
assim, é pertinente pensar se, por exemplo, no caso dos homossexuais, a possibilidade
de ocultação da própria condição homossexual – de forma intencional ou não –
impossível para outras “minorias”, é um dos elementos responsáveis pela não
visibilidade da questão redistributiva. Vale aqui a ressalva de que, pensando que a
rejeição ao homossexual pode assumir gradações no que se refere ao tratamento
dispensado ao homossexual “invisível” em um pólo, e ao travesti e ao transexual em
outro, questões redistributivas, também, tomam lugar. No caso destes últimos, que têm
visibilidade, a dificuldade de acesso ao mercado de trabalho e a baixa escolaridade,
dentre outros fatores, denotam de forma clara, também, a força do aspecto distributivo
no panorama dos seus direitos fundamentais.

Apesar de concordar com a perspectiva de Honneth (2003) de que toda luta é,


antes de tudo, por reconhecimento, é possível considerar a divisão analítica proposta por
Fraser (2000, 2001) como útil para entender a práxis multifacetada dos movimentos
sociais, na medida em que, ainda que se conceba todas as lutas como voltadas para o
reconhecimento, nem sempre estas se apresentam como tal. Uma questão que nasce em
função de um reconhecimento anteriormente negado pode, no seu desdobramento, “se
descolar de suas origens” e passar a ser percebida, tanto pelos grupos em desvantagem
como pela sociedade em geral, como uma questão apenas distributiva. Mesmo correndo
o risco de uma ousadia analítica, no que se refere à tentativa de articular as perspectivas
dos dois autores que têm diferenças delimitadas entre si, é possível crer que, mesmo a
questão operária, colocada sempre como a antítese do que caracteriza os movimentos
que lutam por reconhecimento, poderia ser analisada sob esta perspectiva, na medida em
46

que aqueles que um dia passaram a compartilhar uma mesma situação de exploração
econômica, formando o que se denominou classe social, só ocuparam esse lugar em
função de características que, de algum modo, os colocaram em situação de
desvantagem na escala dos valores correspondentes à ordem das sociedades burguesas.

Para concluir, é importante destacar que, ainda que sejam todas, em princípio,
lutas por reconhecimento, é possível supor que, na dimensão concreta dos movimentos,
seja possível perceber distinções entre: movimentos focados exclusivamente nas
questões de reconhecimento; movimentos focados exclusivamente nas questões de
redistribuição; e outros tantos que trazem esses dois elementos em arranjos variados.
Perceber tais variações é fundamental para analisar os novos movimentos sociais, na
medida em que esses parâmetros denunciam a sua heterogeneidade, permitindo crer
que, na medida em que apresentam perfis diferenciados, os atores da ação coletiva
adotam estratégias específicas que os fazem participar do campo político de uma
determinada forma. Isto permite supor que também a influência da dualidade pode
determinar as estratégias usadas pelos movimentos, o impacto de sua ação junto ao
Estado e, conseqüentemente, a institucionalização das lutas (legislação, políticas
públicas e justiça).

Não é demais lembrar que a importância atribuída à questão distributiva nos


contextos periféricos – devido à baixa institucionalização do princípio da dignidade –,
faz com que a afirmação de, hoje, haver um aumento das lutas pelo reconhecimento e
uma diminuição de demandas relacionadas à distribuição, seja vista com mais cautela,
principalmente no Brasil, um país de históricas desigualdades sociais (pobreza e justiça)
e assimetrias de status.

As categorias de redistribuição e reconhecimento, também, podem ser ricas para


analisar a atuação do Estado, buscando identificar se o princípio do reconhecimento tem
influenciado o discurso dos governos e respostas específicas, ou se é possível visualizar
quais segmentos da sociedade têm sido contemplados. A relação do Estado com os
movimentos sociais, no caso do movimento LGBT, pode ainda ser melhor
compreendida – ação, demandas, soluções, legislação, políticas e justiça – a partir das
noções de afirmação e transformação trazidas por Fraser (2000, 2001): as respostas do
Estado, caso existam, têm buscado corrigir somente os efeitos indesejáveis ou têm
procurado, de fato, transformar as estruturas que os originaram?
47

2.2 Sob o signo da cidadania e dos direitos humanos – em busca da justiça social

A discussão acerca do surgimento e consolidação do movimento LGBT, tanto no


contexto internacional como especificamente brasileiro, refere-se, principalmente, ao
exercício, por parte do movimento e das organizações que o compõem, da re-
significação da homossexualidade, de modo a torná-la socialmente legítima. Conforme
aponta Anjos (2002), tal redefinição ocorreu a partir da afirmação da homossexualidade
como um direito humano e, portanto, da ênfase no homossexual enquanto um cidadão
cujos direitos são desrespeitados.

Tal definição trouxe para o movimento LGBT um dos principais norteadores de


suas práticas: a necessidade de promover uma transformação cultural para desconstruir
as concepções usuais acerca da homossexualidade, marcadas pelas idéias de pecado,
doença, crime e promiscuidade, e que serviram como pano de fundo para a
desconsideração do homossexual enquanto um sujeito portador de direitos. É a partir
dessa mudança de percepção que o movimento luta para participar no espaço público.
Conforme sinaliza Anjos (2002), ao analisar uma organização específica de defesa dos
direitos dos homossexuais, é possível considerar o nexo entre homossexualidade e
direitos humanos como uma construção mais seletiva, porque relacionada à alta
escolarização de seus membros; esta análise pode se estender ao movimento como um
todo se for levado em conta o seu nascimento entre as camadas médias.

Pode-se dizer que a “condição homossexual” tem sido objeto de concorrência por
definições legítimas, na qual defrontam-se e aliam-se estudiosos, religiosos, agentes do
espaço político - legisladores, partidos, Estado e, nas últimas décadas (...) as associações e
organizações que fazem parte da "sociedade civil", as quais, de forma explícita ou tácita,
estão identificados a diferentes subgrupos no interior da categoria homossexual, atuando a
partir de formas que não dizem respeito apenas à representação política. (ANJOS, 2002,
p.3)

A construção dessa mudança de concepção acerca de um grupo socialmente


estigmatizado refere-se, inevitavelmente, ao questionamento das percepções e
argumentos que têm justificado a sua inferiorização. Tal transformação tornou possível
que experiências vividas anteriormente de forma tácita, manipuladas em decorrência do
estigma (GOFFMAN, 1988), ganhassem visibilidade e passassem, a partir de sua
48

enunciação pública, a se constituir em signos de pertencimento a um grupo social, uma


identidade reivindicada e que agora busca tornar-se uma identidade aceita socialmente.

Ainda conforme Anjos (2002), a redefinição da homossexualidade implicou tanto


no rompimento com as categorias que fundamentaram a sua submissão, quanto na
generalização da experiência homossexual, que aproximou os homossexuais de outros
grupos discriminados, dominados, ou excluídos, suspendendo, temporariamente, as
especificidades relacionadas à identidade homossexual. É nesse sentido que a
homossexualidade passou a integrar a categoria de sujeito portador de direitos humanos,
o que permitiu enunciar o preconceito como um problema social.

Assim, a construção da "causa" envolveu sua redefinição: de causa "baixa", quer dizer, dos
homossexuais, ou, "coisa de veado", "bichice", e mesmo "sem-vergonhice", entre outras
designações que desqualificam, impedindo de mobilizar e de tornar a organização presente
politicamente, para uma "causa" defensável, nobre, boa: os "direitos humanos". (ANJOS,
2002, p.7)

Visando a compreender como tal transmutação se tornou possível, é necessário


incorporar à análise teórica, juntamente com as bandeiras políticas por participação e
democratização da sociedade brasileira, as idéias de cidadania e direitos humanos,
conceitos por meio dos quais os movimentos sociais têm conseguido erigir os seus
discursos e legitimar as suas bandeiras de luta.

As questões relacionadas à ampliação da participação democrática se apóiam na


formação e efetivação de direitos; eles são articulados, sobretudo, em torno dos eixos de
liberdade e igualdade na sociedade e em relação ao Estado, em especial no campo da
cidadania. Segundo Domingues (2002, p.94), “todos os direitos básicos que permitem
tanto a liberdade quanto a igualdade são definidos no contexto da cidadania, que é a
categoria central da modernidade, tanto imaginária quanto institucionalmente”. Fazendo
referência a Cohen (1999 apud DOMINGUES, 2002), o autor vê o conceito de
cidadania conformado por três elementos:

... “um princípio político da democracia”, “envolvendo a participação na deliberação e na


tomada de decisões por (sujeitos) politicamente iguais” (...); um “status jurídico pessoal”,
incluindo um “conjunto de direitos legalmente definidos” (...); e uma forma de participação
(membership)” que subjaz a um “laço especial” e “..permite um status social e um pólo de
identificação que pode ele próprio tornar-se uma identidade bastante densa e importante”,
que gera “solidariedade, virtude cívica e engajamento”... (COHEN, 1999, p.248 apud
DOMINGUES, 2002, p.98)
49

A cidadania, assim como os direitos humanos, constituem-se em um grande ideal


próprio da sociedade capitalista ocidental e, conseqüentemente, do Estado moderno. Os
direitos que dão fundamento à cidadania não são direitos naturais; são direitos
negociados perante o Estado, podendo, a qualquer tempo, ser ampliados ou subtraídos.
É isso o que afirma Bobbio (1992) ao reconstruir a trajetória histórica dos direitos que
se encontram relacionados à cidadania; o autor nega a concepção de direitos humanos
como inatos e parte da assunção de uma perspectiva histórica de direitos conquistados.
Os direitos seriam, portanto, históricos, nascidos no início da era moderna, juntamente
com a concepção individualista do sujeito político emancipado e determinado pelas
conjunturas específicas de cada época.

Bobbio (1992) observou que os direitos não foram todos concebidos de uma só
vez, sendo os direitos civis os primeiros a surgir, como resultado da luta contra o
absolutismo, seguidos dos direitos políticos e sociais, frutos das lutas travadas pelos
movimentos populares. Portanto, o autor refuta a crença de um fundamento absoluto
para os direitos, e afirma a importância da tarefa de tornar concretos os direitos
humanos fundamentais. Bobbio (1992) considera três momentos da trajetória percorrida
pelos direitos humanos: a sua conversão em direito positivo; a sua posterior
generalização e internacionalização; e, por fim, a sua mais recente tendência de
especificação. É a esta última tendência que corresponde a emergência dos movimentos
de minorias de negros, de mulheres e de homossexuais, os quais percebem nas
mudanças culturais um elemento essencial para a democratização, em que grande parte
da sua luta é travada no sentido de confrontar a cultura autoritária hegemônica.

Nesse sentido, a luta por direitos – pelo direito a ter direitos – revelou o que, de
fato, tinha que ser uma luta política contra uma cultura do autoritarismo social. Isso
permitiu o estabelecimento de um campo comum de articulação entre diversos
movimentos sociais de orientação mais culturalista, como os movimentos de mulheres,
de homossexuais, ecológicos etc., e os movimentos populares urbanos, na busca de
relações mais igualitárias em todos os níveis, o que ajudou a demarcar uma visão
distintiva, ampliada, de democracia. No caso dos homossexuais e de outros grupos que
articulam demandas por reconhecimento, mais especificamente, a luta pelo direito à
50

igualdade e à diferença encontrou claro apoio na noção redefinida de cidadania, que


incluiu a elaboração de novas identidades a sujeitos portadores de direitos, a cidadãos
iguais (DAGNINO, 2000).

A nova cidadania assume uma redefinição da idéia de direitos, cujo ponto de partida é a
concepção de um direito a ter direitos. Essa concepção não se limita a provisões legais, ao
acesso a direitos definidos previamente ou à efetiva implementação de direitos formais
abstratos. Ela inclui a invenção/criação de novos direitos, que surgem de lutas específicas e
de suas práticas concretas. Nesse sentido, a própria determinação do significado de
“direito”, e a afirmação de algum valor ou ideal como um direito, são, em si mesmas,
objetos de luta política. O direito à autonomia sobre o próprio corpo, o direito à proteção ao
meio ambiente, o direito à moradia, são exemplos (intencionalmente muito diferentes) dessa
criação de direitos novos. Além disso, essa redefinição inclui não somente o direito à
igualdade, como também o direito à diferença, que especifica, aprofunda e amplia o direito
à igualdade. (DAGNINO, 2000, p. 86)

Essa idéia de nova cidadania, portanto, para além de reivindicar o acesso e


pertencimento a um sistema político já dado, supõe, necessariamente, o direito de
participar de tal sistema na condição de diferente, em última instância, na criação de
uma nova sociedade. A adoção de uma concepção ampliada de cidadania implicaria,
ainda, de acordo com Dagnino (2000), ao contrário do que pressupunha a visão liberal
universalista abstrata, no fato de a cidadania não estar mais confinada aos limites das
relações com o Estado, ou entre Estado e indivíduo, sendo estabelecida, também, no
interior da própria sociedade civil organizada.

O primeiro elemento crucial e distintivo nessa noção (de “nova cidadania”) provém da
própria concepção de democracia que tenta por em ação: a nova cidadania busca
implementar uma estratégia de construção democrática, de transformação social, que impõe
um laço constitutivo entre cultura e política. Incorporando características de sociedades
contemporâneas, tais como o papel das subjetividades, o surgimento de sujeitos sociais de
um novo tipo e de direitos também de um novo tipo, bem como a ampliação do espaço da
política, essa estratégia reconhece e enfatiza o caráter intrínseco da transformação cultural
com respeito à construção da democracia. Nesse sentido, a nova cidadania identifica
construções culturais, como as subjacentes ao autoritarismo social, como alvos políticos
fundamentais da democratização. Acredito que a redefinição da noção de cidadania,
formulada pelos movimentos sociais, expressa não somente uma estratégia política, mas
também uma política cultural. (DAGNINO, 2000, p. 85)

A afirmação da cidadania como estratégia política enfatiza o seu caráter histórico,


expresso através de interesses e práticas concretas não definidas por uma essência
universal pré-dada. Nesse sentido, seus conteúdos e significados surgem como resposta
aos conflitos reais e à luta política travada em um dado momento histórico. No caso dos
51

homossexuais, a afirmação de seu direito a ter direitos correspondeu à estratégia de


construção de uma identidade fundada na especificidade de orientação sexual.

Duas modalidades de discursos contribuíram de forma mais contundente para a


visibilidade da homossexualidade: o discurso “médico-psiquiátrico, da passagem do
século XIX para o século XX, particularmente no contexto europeu; e o ativista
militante, da última metade do século XX, oriundo dos Estados Unidos e Europa”
(MELLO, 2005, p.195).

O primeiro momento, de patologização da homossexualidade, surpreendentemente


– se considerarmos as grandes divergências entre a militância homossexual e o discurso
médico ao longo de toda a história –, significou um avanço político, uma vez que, em
última instância, acabava por proteger, parcialmente, os homossexuais da perseguição
religiosa e policial de que eram vítimas. Esta é uma questão controversa. De acordo com
Mello (2005), nesse primeiro momento, os homossexuais assumem sua condição
supostamente patológica como estratégia política, visando assegurar apenas a
descriminalização de suas vivências afetivo-sexuais. Mas é o alargamento crescente do
campo semântico da própria homossexualidade ao longo do século XX, provavelmente,
o principal fator responsável pela consolidação de uma nova identidade homossexual,
que passou a “representar tanto a atividade quanto a passividade nas relações afetivo-
sexuais entre iguais biológicos, deixando de circunscrever a identidade homossexual aos
estereótipos da mulher masculinizada e do homem afeminado” (MELLO, 2005, p.197).

Uma série de outros fatores conjugados veio, portanto, a contribuir para a


consolidação da identidade homossexual como fonte de reivindicação de novos direitos:

... a atuação do movimento homossexual organizado na defesa de uma política identitária


em que tanto a atividade quanto a passividade sexual são valorizadas como esferas
constitutivas do campo semântico da homossexualidade; o advento da AIDS e suas nefastas
conseqüências, ao revelar a existência de muitas vivências homossexuais camufladas sobre
o manto de uma heterossexualidade doméstica; e a afirmação crescente de uma estereotipia
homossexual centrada na virilidade e na força física extremadas e ostensivas, rompendo
com o predomínio da fragilidade e da delicadeza como indicativos de desejos e práticas
homossexuais. (MELLO, 2005, p.197-198)
52

Apesar da crescente desmedicalização e descriminalização do amor e da


sexualidade entre iguais biológicos nas últimas décadas, ainda não se pode afirmar que
os homossexuais tenham estatuto plenamente assegurado, haja vista as idéias ainda
recorrentes de que gays e lésbicas subvertem as leis de Deus, da natureza e dos homens.
Diferentemente de outros movimentos de minorias por reconhecimento, a dificuldade de
conquista dos direitos dos homossexuais está justamente em consolidar a legitimidade
de sua demanda, já que o direito à livre expressão sexual, ao invés de se constituir em
consenso, corresponde a um campo de disputa entre significados atribuídos por
diferentes grupos sociais. Tal embate é travado por parte de setores conservadores da
sociedade, sobretudo através da idéia de que a homossexualidade é ou uma doença a ser
controlada, ou uma escolha, um ato voluntário, que agride os princípios que estariam na
base da construção da vida e reprodução em sociedade.
53

3 O CASO DO MOVIMENTO LGBT: UM TEMA A ESTUDAR E UMA


PROPOSTA DE PESQUISA

3.1 A trajetória do movimento LGBT no contexto brasileiro

É a partir da década de 1960 que tem início, mais claramente, a reinvenção da


homossexualidade, sendo os homossexuais os principais responsáveis pela
reivindicação dessa nova identidade, dissociada da idéia de doença ou crime, e definida
a partir da perspectiva do desejo (MELLO, 2005).

O marco inicial do “orgulho gay” – quando o ser homossexual deixa de ser


vergonhoso para tornar-se um aspecto de afirmação da identidade – aconteceu em Nova
York (EUA), em um incidente ocorrido no bar Stonewall Inn. O episódio ocorreu em
uma noite de sexta-feira, 28 de junho de 1969, como resposta aos constrangimentos a
que eram submetidos os homossexuais por parte da polícia, quando da realização de
inspeções constantes em ambientes freqüentados por homossexuais, sob a justificativa
de constatação de irregularidades no funcionamento dos estabelecimentos “tolerantes ou
favoráveis à freqüência de homossexuais”. A inspeção corriqueira transformou-se em
uma rebelião. Foi nesse contexto que surgiram palavras de ordem que faziam apologia à
homossexualidade, permitindo que esta deixasse de ser vista como algo vergonhoso e
passasse a se constituir em motivo de orgulho (FRY; MAC RAE, 1991).

O termo gay, que designa o homossexual masculino, tem uma forte conotação
política; surgiu como uma bandeira na luta pelo reconhecimento da homossexualidade
no ambiente contestador dos Estados Unidos dos anos 60, quando do florescimento dos
movimentos pelos direitos civis. Aproximando-se dos movimentos negro e feminista, o
movimento homossexual, desde o seu início, buscou subverter a ótica dominante no que
se refere, especificamente, à heteronormatividade, a partir da adoção de uma postura
que considerou a luta em defesa dos direitos dos homossexuais uma luta travada tanto
através da afirmação de sua igualdade formal na esfera pública, quanto por meio da luta
pelo reconhecimento de sua diferença, decorrente da escolha de iguais biológicos como
parceiros afetivos e sexuais (MELLO, 2005). Assim como o movimento de mulheres, o
movimento homossexual questionou a naturalização dos papéis sexuais e trouxe à
54

público debates acerca da sexualidade, seguindo a máxima feminista de que “o privado


é político”.

Hoje, vários são os personagens desse movimento e diversas são as identidades e


demandas. A denominação movimento homossexual abarca, além dos gays e das
lésbicas, os travestis, transexuais masculinos e femininos e os bissexuais. Conforme
sinaliza Conde (2004), apesar de aparentemente os participantes do movimento
apresentarem demandas semelhantes, é possível estabelecer uma série de
diferenciações. Se para uma parte do movimento – homossexuais masculinos e
femininos –, por exemplo, o respaldo da comunidade científica na afirmação de que a
homossexualidade não é doença constituiu-se como uma grande conquista, para os
travestis e transexuais, a conquista residiria justamente na possibilidade de provarem
que são portadores de um distúrbio, conquistando, assim, o direito de serem tratados
pelas unidades de saúde pública.

Há um consenso de que o início do movimento homossexual brasileiro


aconteceu com o lançamento do jornal “Lampião de Esquina”, publicado no período
compreendido entre abril de 1978 e julho de 1981, na cidade do Rio de Janeiro. A
produção do jornal envolveu homossexuais intelectuais, acadêmicos, jornalistas e
artistas; foi o primeiro do gênero a contar com grande tiragem e, também, o primeiro a
se apresentar como uma publicação de referência para o movimento (FRY; MAC RAE,
1991; MAC RAE, 1990; MELLO, 2005; TREVISAN, 2000; GREEN, 2000). Foi esse o
período em que temas até então considerados como pertinentes à esfera privada – a
exemplo da sexualidade – emergiram na arena pública e na política. As identidades
hegemônicas foram questionadas, colocando em evidência a pluralidade do social que
antes se encontrava obscurecida pela centralidade das questões de classe, conforme já
mencionado, permitindo, assim, a emergência das demandas e insatisfações de
mulheres, índios, negros e homossexuais, os quais passaram a exigir o reconhecimento
de sua especificidade no campo da cidadania universalizante.

O editorial do número zero do “Lampião de Esquina”, divulgado em abril de


1978, Saindo do gueto, reproduzido por Mac Rae (1990), conforme análise de Conde
(2004), já endossava claramente a tendência dos primeiros passos do movimento
homossexual no mundo, na medida em que incentivava os gays a assumirem sua
55

identidade homossexual como um gesto político, e buscava a defesa do direito do


sujeito (CASTELLS, 1999). Segundo Castells (1999, p.249), “o ato fundamental de
liberação para os gays foi, e é, „aparecer‟ expressar publicamente sua identidade e
sexualidade para em seguida ressocializarem-se”.

Já o primeiro grupo homossexual brasileiro organizado surgiu em São Paulo, em


1978. Como grupo, buscava contrapor-se ao modelo característico da militância de
esquerda, ao evidenciar uma identidade específica relacionada à condição da
sexualidade e não de contradições de classe. O grupo, posteriormente chamado de
“Somos: Grupo de Afirmação Homossexual”, tinha uma atuação direcionada ao
trabalho de conscientização de homossexuais e de setores progressistas da sociedade,
haja vista o fechamento dos canais convencionais de interlocução com o Estado (FRY;
MAC RAE, 1991; SANTOS, 2007). De acordo com Conde (2004) o jornal “Lampião
de Esquina” e a formação do grupo “Somos”, juntos, representam, ainda hoje, o mito de
origem do movimento homossexual brasileiro.

A reivindicação de uma identidade social homossexual converte-se, nessa


primeira fase do movimento LGBT brasileiro, em um dos seus grandes dilemas, que é
como “os antigos” e “os novos” movimentos sociais passaram a se relacionar no
contexto brasileiro: de um lado, os homossexuais denunciaram a homofobia da esquerda
tradicional; de outro, representantes da esquerda ortodoxa consideravam que os
movimentos sociais de minorias enfraqueciam as lutas de classe e a luta contra a
ditadura militar, os quais, até então, tinham centralidade nos discursos contestatórios.

Não se pode dizer que o dilema entre movimentos que demandam redistribuição
e movimentos que demandam reconhecimento encontra-se plenamente resolvido, já que
se percebem, ainda hoje, complexas relações entre os partidos políticos e os
movimentos sociais, mesmo aqueles que não são formados por minorias. Deve-se levar
em consideração, também, o próprio enfraquecimento e a descrença nos partidos
enquanto atores legítimos do campo político.

A idéia de afirmação de uma identidade homossexual através da adoção de uma


postura marcada pela irreverência e pela crítica ácida à heteronormatividade pode ser
claramente percebida na estratégia das passeatas, posteriormente convertidas em
56

“paradas”, que têm acontecido ao redor de todo o mundo e no Brasil, de norte a sul do
país. A primeira manifestação pública de homossexuais em forma de passeata, com
grande repercussão, ocorreu em meados de 1980 em São Paulo-SP; foi um protesto
contra a violência policial. Em 1981, por iniciativa do grupo Grupo Gay da Bahia
(GGB), houve também uma celebração do orgulho gay em Salvador-BA. Entretanto, foi
somente quando a International Lesbian and Gay Association (ILGA) realizou a sua 17ª
Conferência Internacional no Brasil, em junho de 1995, que aconteceu a primeira parada
gay brasileira na cidade do Rio de Janeiro-RJ. Em 1996, houve uma nova concentração
na Praça Roosevelt de São Paulo, que reuniu cerca de quatrocentos manifestantes,
número bastante modesto se considerados os dados mais recentes divulgados pela
imprensa, em que o número de participantes, facilmente, ultrapassa centenas de
milhares de pessoas5.

A partir de 1997, o movimento homossexual de São Paulo passou a organizar


paradas anuais, imprimindo-lhes uma conotação mais política; ao mesmo tempo,
aproveita estrategicamente o caráter festivo do evento para aglutinar um grande número
de homossexuais não-militantes, heterossexuais simpatizantes (CONDE, 2004) e, mais
recentemente, até mesmo “curiosos”, que acabam por conferir legitimidade à bandeira
de luta LGBT. A maior visibilidade desses eventos tem aberto espaços na mídia e na
sociedade para as bandeiras homossexuais. Entretanto, muitas vezes, o processo de
organização das paradas envolve discordâncias que dão origem a dissidências no
movimento, ainda que temporárias, principalmente pelo caráter excessivamente festivo
e pouco politizado do evento, segundo parte da militância, e à acusação de que falta
transparência na destinação dos recursos advindos de patrocinadores.

A despeito disso, é inegável que as paradas de orgulho LGBT têm se


consolidado como uma ocasião em que se reúnem milhões de pessoas –
independentemente de sua orientação sexual – o que pode significar, de fato, que há

5
A título de exemplo, pode-se citar a mais recente parada gay, em São Paulo-SP, ocorrida em 2008, que
reuniu, segundo estimativas feitas pela Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo, cerca de
3,4 milhões de participantes. Com número menor, mas igualmente expressivo, a parada gay realizada em
2008, em Salvador-BA, reuniu aproximadamente 400 mil pessoas, de acordo com estimativas da Polícia
Militar. < www.acapa.com.br/site/noticia.asp?codigo=5705>. Acesso em: 20 de janeiro de 2009.
57

uma sensibilização de pessoas até então indiferentes à causa dos direitos dos
homossexuais. As paradas acabam por provocar “... uma explosão da temática
homossexual que se reflete na abordagem da mídia, nos interesses eleitorais de políticos
e nas sentenças judiciais” (CONDE, 2004, p.133-134). Os “beijaços”, inspirados nos
Kiss-in norte-americanos, também, representaram uma inovação no que se refere aos
repertórios da ação coletiva no contexto brasileiro estudado (SANTOS, 2007).

Após a fundação do grupo “Somos”, novos grupos de defesa dos direitos dos
homossexuais surgiram, de modo que, em dezembro de 1979, foi promovido o “1º
Encontro Nacional do Povo Gay”, na cidade do Rio de Janeiro; participaram grupos
homossexuais de São Paulo, Sorocaba (SP), Rio de Janeiro, Caxias (RJ) e de Brasília,
além de observadores de Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza e Recife (CONDE, 2004).
O encontro decidiu pela realização do “Primeiro Encontro Nacional de Grupos
Homossexuais Organizados”, que aconteceu em São Paulo, em abril de 1980 (MAC
RAE, 1990).

Além das questões referentes à contraposição ao modelo de luta fundado na


perspectiva das classes sociais, surgiu nova questão a se considerar, a demanda das
lésbicas, cuja especificidade não era abarcada ainda pelo movimento LGBT,
predominantemente gay (masculino). Para as militantes, as desigualdades de gênero
presentes na sociedade eram reproduzidas no interior do movimento. Tais divergências
provocaram algumas cisões: ex-integrantes do grupo “Somos” fundaram o “Grupo de
Ação Lésbico-Feminista” (GALF), e integrantes insatisfeitos com a vinculação do
“Somos” à política partidária tradicional deram origem ao grupo “Outra Coisa” (FRY;
MAC RAE, 1991). Apesar das divisões, aquele foi um período de expansão do
movimento. Em 1980, de acordo com Mello (2005), já se tinha conhecimento da
existência de 17 grupos homossexuais no Brasil, número bastante significativo quando
se leva em conta que o grupo “Somos”, considerado a primeira organização LGBT
brasileira, surgiu em meados de 1979.

Em síntese, pode-se dizer que a formação de uma identidade homossexual


homogênea guardava problemas que ainda hoje persistem. As diferenças identitárias
entre gays e lésbicas podem ser atribuídas a vários fatores. Para Mello (2005) existiriam
duas razões principais. A primeira delas é o fato das mulheres terem sido excluídas da
58

identidade homossexual medicalizada do século XIX; e a segunda, diz respeito às


especificidades de gênero mesmo para o universo homossexual (ALMEIDA NETTO,
1999, p.35 apud CONDE, 2004, p. 92-93), “seja por influência das singularidades de
seu sexo, seja em decorrência da internalização dos atributos de gênero socialmente
definidos para o feminino – à parte quaisquer essencialismos ou construtivos
absolutos”. Outros indicadores da invisibilidade lésbica são os dados apresentados pelo
relatório “Quebrando o silêncio”, produzido pela Anistia Internacional em 1998, que
identifica a proibição à homossexualidade masculina em 83 países e do lesbianismo em
44 países (MELLO, 2005). Embora as lésbicas participem das paradas gays em número
que cresce a cada ano, há grupos que se mobilizam para a promoção de caminhadas ou
manifestações exclusivamente de lésbicas, a exemplo da primeira delas ocorrida em 21
de junho de 2003, na cidade de São Paulo (CONDE, 2004).

Sempre houve dificuldade das lésbicas militarem em conjunto, não só com os


gays, mas, também, com as feministas. As lésbicas militantes consideram que o
movimento feminista nunca assumiu, de fato, as demandas das lésbicas, seja por receio
de serem taxadas de lésbicas, como forma de difamação do movimento feminista, ou
por não assumirem como questões centrais aquelas relacionadas à vivência da
sexualidade (FRY; MAC RAE, 1991; CONDE, 2004). A questão racial, ainda, tem
dado origem a outros subgrupos no movimento LGBT. Os negros sentem-se
discriminados no interior do movimento homossexual, por compreenderem que a
opressão que os atinge, também, pode ser observada no interior do movimento. Uma
última divisão a ser mencionada, igualmente importante, refere-se à questão dos
transgêneros. Apesar de esse grupo ter progressivamente se incorporado à causa LGBT,
é um subgrupo, por vezes, ainda discriminado no interior do movimento, o que também
acabou por demandar a criação de espaços para a discussão de sua especificidade.

Apesar disso, não se pode afirmar que a busca por uma melhor representação das
especificidades dos grupos seja uma cisão entre lésbicas, gays e transgêneros no
movimento. Os três subgrupos têm buscado desenvolver estratégias que promovam a
visibilidade homossexual em geral e a conquista de direitos comuns. “Tanto lésbicas
quanto gays têm em comum a luta pela expansão dos direitos dos homossexuais e pela
transformação de mentalidades e ampliação da tolerância na sociedade brasileira”
(CONDE, 2004, p. 95). É nessa perspectiva que o movimento LGBT é abordado ao
59

longo do presente trabalho. Apesar da importância de considerar as especificidades dos


subgrupos que o compõem, o foco nas demandas dirigidas à esfera pública e ao Estado
privilegiará aquilo que o movimento apresenta como um discurso externalizado, que
contempla as diferenças de perspectiva dos distintos subgrupos e os possíveis
consensos. Afinal, de um modo geral, gays, lésbicas e transgêneros são alvos da mesma
discriminação e intolerância, o que faz com que reivindiquem juntos, na arena política, a
sua cidadania e condição humana (MELLO, 2005). Processo semelhante ocorre com
outros movimentos sociais, conforme sinaliza Gohn (1997):

Internamente, o princípio da solidariedade é o núcleo da articulação central entre os


diferentes atores envolvidos, a partir de uma base referencial comum de valores e
ideologias construídos na trajetória do grupo, ou advindos dos usos e tradições e
compartilhados pelo conjunto. É necessário destacar que quando se fala em solidariedade
não se quer dizer que os movimentos sejam internamente espaços harmoniosos ou
homogêneos. (...) Mas a forma como se apresentam no espaço público, o discurso que
elaboram, as práticas que articulam nos eventos externos, criam um imaginário social de
unicidade, uma visão de totalidade. (GOHN, 1997, p.253)

Em meados da década de 1980, o movimento LGBT já não apresentava o


mesmo vigor dos primeiros anos. As divergências sobre as estratégias de ação e alianças
com partidos de esquerda arrefeceram os ânimos da militância, assim como as
dificuldades financeiras enfrentadas. Em decorrência da aproximação entre militantes
do movimento e partidos progressistas (sobretudo, o Partido dos Trabalhadores - PT), e
o ingresso de alguns nos quadros partidários, formaram-se núcleos específicos dentro de
partidos de esquerda (TREVISAN, 2000).

Provavelmente, em função dessa aparente desarticulação do movimento, o


segundo encontro nacional só veio a ocorrer em 1984, seguido do terceiro em 1989,
quarto em 1990, quinto em 1991 e sexto em 19926. O sétimo encontro nacional, de
1993, reacendeu as reivindicações das militantes lésbicas que se consideravam
discriminadas e minoria dentro do próprio movimento: elas queriam que constasse no
nome do encontro o termo lésbica. Em 2008, por ocasião da 1ª Conferência Nacional
GLBT, a sigla do movimento passou para LGBT.

6
Datas e locais de encontros disponíveis em: http://www.estoufelizassim.hpg.ig.com.br/cronologia2.html.
Acesso em: 25 de fevereiro de 2009.
60

Em 1993, ocorreu, ainda, o primeiro encontro de travestis, corroborando a


percepção de que, em sua heterogeneidade, o movimento, além das lésbicas, contempla
outros subgrupos que reivindicavam espaços autônomos de articulação em relação ao
movimento homossexual, que tinha então uma forma mais genérica.

A rearticulação do movimento LGBT só ocorreu de forma significativa, ainda


nos anos 80, em função do advento da AIDS, que mesclava uma dimensão identitária e
uma condição de risco. A descoberta da doença imputou aos homossexuais mais um
elemento de estigma, o da “peste gay”, mas, também, colocou uma questão de
sobrevivência, já que foi este o primeiro grupo em que casos da doença foram
diagnosticados de forma bem letal. A AIDS propiciou a primeira forma organizada do
movimento homossexual de, judicialmente, assegurar direitos sobre saúde e assistência,
além de disputas familiares (família x parceiro; bens x direito a herança, pensão etc.).
Com isso, a “... homossexualidade deixou de ser apenas caso de polícia, para passar a
ser também caso de saúde e caso de justiça” (CONDE, 2004, p.99).

No Brasil e em todo o mundo, a AIDS foi um divisor de águas na trajetória do


movimento homossexual. A postura dos militantes variou do silêncio, em função do
preconceito que cercava a doença, a uma nova força para a militância, diante das
autoridades públicas de saúde de modo a impedir discriminação na prevenção e
tratamento, e garantir uma ação conjunta com agentes de saúde de prevenção. A
situação grave de Aids e esse tipo de iniciativa deram origem à organização do I
Programa de Combate à Aids no país.

A aproximação entre Estado e movimento mostrou-se extremamente útil ao


Estado, pois viabilizava o acesso à comunidade gay (locais, indivíduos e grupos) que,
dificilmente, teria abertura para lidar com um agente de saúde convencional. A atuação
de grupos gays organizados nas ações de prevenção da Aids pode ser confirmada pelo
apoio sistemático dado pelo Estado, via Programa Nacional de DST-Aids, e por
organizações de cooperação internacional para enfrentar a questão. São parcerias que
possibilitaram a realização de eventos regionais, nacionais e internacionais, e que
favoreceram uma melhor articulação do movimento, em diferentes escalas, não somente
para o combate à Aids, mas, também, para lidar com outros temas de interesse da
61

comunidade homossexual, como registrado em relatório do próprio Ministério da


Saúde:

A sustentação de projetos dessa natureza [apoio à realização de encontros] tem contribuído


para o fortalecimento de diversos movimentos sociais, intensificando as ações de prevenção
e assistência na mesma proporção em que permite a identificação de pontos de
convergência que caracterizam o perfil de segmentos sociais a ser trabalhado
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1998, p. 62)7.

A aliança com órgãos estatais, portanto, se mostrou proveitosa para o próprio


movimento, já que diversos projetos de prevenção à AIDS passaram a ser subsidiados
pelo Estado, fomentando o surgimento de organizações não governamentais que tratam
da temática. Os recursos públicos permitiram a realização de ações de combate à
epidemia e a sustentação financeira de grupos de militância homossexual que, antes,
encontravam grandes dificuldades de auto-sustentação (SANTOS, 2007).

No balanço geral, a relação AIDS-movimento homossexual trouxe ganhos e


perdas. Ganhos porque trouxe a público a discussão sobre a sexualidade de forma mais
aberta, deu visibilidade à sexualidade e liberdade individual, e desvelou o preconceito
que vitima os homossexuais. Em decorrência, fortaleceu a existência dos grupos
homossexuais no âmbito organizacional e financeiro. Porém, paralelamente a essas
conquistas, ocorreram milhares de mortes de homossexuais, o que favoreceu na opinião
pública a associação errônea entre ser homossexual e ser portador do vírus da AIDS.
Nesse período, colocaram-se em segundo plano, também, as bandeiras de luta pela
cidadania dos homossexuais. O foco na execução de ações ligadas à doença trouxe
como efeito colateral um período de esquecimento em relação às demandas existentes
desde a constituição do movimento, e que só mais recentemente foram retomadas
(SANTOS, 2007).

Apesar disso, alguns grupos mantiveram atividades relacionadas à questão da


homossexualidade. O principal deles foi o Grupo Gay da Bahia (GGB), que manteve
campanhas que não se restringiam ao combate à Aids (MAC RAE, 1990), a exemplo da
campanha pela mudança do Código de Ética dos Jornalistas, organizada pelos grupos

7
Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST e Aids. Aids no Brasil: um esforço conjunto
governo - sociedade. Brasília, 1998.
62

Triângulo Rosa / RJ, GGB / BA e Lambda / SP, que buscava minimizar os preconceitos
comumente veiculados em relação aos homossexuais (SANTOS, 2007).

Conforme sinaliza Trevisan (2002), a aliança entre o Estado e o movimento trazia


o risco de que os grupos se tornassem braços operantes dos órgãos públicos de saúde
(federal, estadual e municipal), na medida em que poderiam ficar dependentes dos
repasses de verba. Apesar desse desvio de rota trazido pelo surgimento da Aids, não se
pode dizer que a década de 1980 foi perdida para o movimento LGBT no contexto
brasileiro. A militância protagonizou dois momentos significativos, envolvendo a
liberdade de orientação sexual no Brasil: a campanha pela alteração do Código 302.0 da
Classificação Internacional de Doenças (CID), capitaneada pelo Grupo Gay da Bahia
(GGB), que resultou no reconhecimento, pelo Conselho Federal de Medicina, em 1985,
de que a homossexualidade não é doença; e a participação na mobilização da
constituinte (1986-1988), no sentido de incluir uma proibição expressa de discriminação
por orientação sexual no texto da nova Constituição Federal (MELLO, 2005).

Esse caráter da mobilização do movimento homossexual para influenciar a


Assembléia Nacional Constituinte foi protagonizada, de acordo com Conde (2004),
sobretudo, pelo grupo carioca “Triângulo Rosa”, fundado em 1985; sua estratégia
voltava-se à obtenção de reconhecimento jurídico e político dos homossexuais. Esse
grupo marcou uma nova abordagem e um novo momento do movimento homossexual
no Brasil, para além da luta por uma identidade homossexual e pelo combate à Aids. O
segundo momento, liderado pelo grupo “Triângulo Rosa”, foi marcado pelo diálogo
com a sociedade e com instâncias políticas e jurídicas. A mobilização durante os
trabalhos da Constituinte visou à inserção do termo orientação sexual entre os
instrumentos impeditivos de discriminação. No entanto, não houve êxito, tendo
prevalecido no artigo 3º, inciso IV da Constituição Federal apenas a expressão “sem
preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”. Mesmo não alcançando exatamente seus objetivos, o movimento
homossexual conseguiu situar suas demandas na esfera pública e nos trabalhos da
Constituinte, no rol das minorias. Conquistou o legítimo direito de reivindicar acesso à
cidadania e estabeleceu contatos diretos com parlamentares que se sensibilizaram com a
causa e tornaram-se, posteriormente, importantes interlocutores do movimento
homossexual no Congresso Nacional (SANTOS, 2007).
63

Em decorrência, documentos sobre políticas públicas e direitos de minorias


passaram a citar, especificamente, os homossexuais e travestis, sem deixá-los diluídos
em categorias genéricas como outras minorias ou outras condições. A repercussão da
mobilização pela inclusão do termo orientação sexual na Constituição foi, também,
observada por ocasião da elaboração das constituições estaduais e das leis orgânicas
municipais. Três estados (Mato Grosso, Sergipe e Pará), o Distrito Federal e setenta e
quatro municípios inseriram a expressão orientação sexual entre as causas proibitivas
de discriminação. Apesar dessa expressão passar a constar de uma série de documentos,
a sua inclusão nos textos legais, inicialmente, não previa nenhum tipo de penalidade
específica nos casos de desrespeito às leis. A mobilização resultou, ainda,
posteriormente, na aprovação de leis e atos normativos referentes à proibição de
discriminação por orientação sexual com a previsão de penalidades. Isso proveu os
homossexuais – pelo menos em tese – de um importante instrumento de combate à
discriminação e ao cerceamento de seus direitos e liberdade para a cidadania (CONDE,
2004).

Dados apresentados por Mello (2005), referentes ao ano de 2005, já indicavam a


existência, no Brasil, de mais de cem grupos homossexuais organizados; muitos deles
são afiliados à Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT) fundada
em 1995, e também à Internacional Lesbian and Gay Association – ILGA8, fundada em
1978. A atuação desses grupos permite visualizar a co-existência de características
correspondentes aos três momentos, apontados como as fases da luta homossexual: a
afirmação da identidade, a luta contra a Aids e a luta nos campos jurídico e político; ou
seja, eles realizam ações relacionadas à auto-estima homossexual, à prevenção da Aids e
das doenças sexualmente transmissíveis, ao fomento do debate público sobre a
homossexualidade, assim como ao trabalho de advocacy junto aos poderes executivo e
legislativo, nas esferas federal, estadual e municipal.

A apresentação do projeto de lei referente à união civil entre homossexuais,


proposto pela então deputada federal Marta Suplicy (PT-SP), no ano de 1995, permitiu
que a relação entre o movimento homossexual e a Câmara Federal ganhasse destaque.
Foi em um dos auditórios da Câmara Federal que se realizou, ainda em 1999, o

8
A ILGA e a ABGLT são consideradas, tanto pelo movimento homossexual quanto pelos estudiosos do
tema, como as associações mais representativas em âmbito internacional e nacional, respectivamente.
64

“Seminário Nacional de Direito Homossexual”, que deu origem ao lançamento, em 18


de setembro de 2002, da “Plataforma Brasileira de Gays, Lésbicas, Transexuais e
Bissexuais para as Eleições de 2002”, com assinaturas de 54 entidades do movimento.

Essa Plataforma é um excelente indicador das principais demandas do


movimento no início do século XXI; o documento consiste tanto da reafirmação de
reivindicações históricas do movimento, quanto da apresentação de novas propostas
condizentes com o avanço das discussões travadas mais recentemente pelo movimento
LGBT e seus apoiadores. A Plataforma contém dezenove propostas, divididas em dois
grupos principais:

...políticas de combate à discriminação e medidas de afirmação da igualdade. Praticamente


todas as propostas, se implementadas, contribuiriam, de forma direta ou indireta, para a
redução da violência que atinge homossexuais e transgêneros. Entre tais propostas,
destacam-se: aprovação de projetos de lei que proíbam e punam qualquer tipo de
discriminação baseada em orientação sexual; aprovação do projeto de lei que dispõe sobre a
união civil entre pessoas do mesmo sexo; apoio à apuração e punição efetiva e rigorosa de
crimes homofóbicos; criação de serviços de Disque-Cidadania e Defesa Homossexual e de
delegacias especiais de atendimento e combate à violência contra homossexuais; criação,
revitalização e fortalecimento de órgãos públicos que trabalham com o binômio cidadania e
direitos humanos dos GLTB; criação de programas de saúde que atendam às demandas dos
segmentos homossexual e transgênero; implementação, pelo governo federal, das metas
propostas no Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) em prol da cidadania
homossexual9. (MELLO, 2005, p.211-212)

A segunda versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), cuja


necessidade de implementação, pela sua não efetividade, precisou constar como
reivindicação na Plataforma Brasileira de Gays, Lésbicas, Transexuais e Bissexuais para
as Eleições de 2002, contemplava as seguintes propostas com relação aos direitos
LGBT:

... propor emenda à Constituição Federal para incluir a garantia do direito à livre orientação
sexual e a proibição da discriminação por orientação sexual; apoiar a regulamentação da
parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo e a regulamentação da lei de
redesignação de sexo e mudança de registro civil para transexuais; propor o
aperfeiçoamento da legislação penal no que se refere à discriminação e à violência
motivadas por orientação sexual; excluir o termo “pederastia” do Código Penal Militar;
incluir nos censos demográficos e pesquisas oficiais dados relativos à orientação sexual;

9
O PNDH lançado em 1996 não contemplou, na sua primeira versão, nenhuma ação governamental
específica destinada a combater a violação dos direitos humanos dos homossexuais. Foi apenas em sua
segunda versão, divulgada em 2002 que o PNDH, pela pressão da militância, passou a contemplar
propostas em relação a esses segmentos específicos (MELLO, 2005).
65

promover a coleta e a divulgação de informações estatísticas sobre a situação sócio-


demográfica dos GLTB, assim como pesquisas que tenham como objeto as situações de
violência e discriminação praticadas em razão da orientação sexual; implementar
programas de prevenção e combate à violência contra os GLTB, incluindo campanhas de
esclarecimento e divulgação de informações relativas à legislação que garante seus direitos;
apoiar programas de capacitação de profissionais de educação, policiais, juízes e operadores
do direito em geral, para promover a compreensão e a consciência ética sobre as diferenças
individuais e a eliminação dos estereótipos depreciativos com relação aos GLTB; inserir,
nos programas de formação de agentes de segurança pública e operadores de direito, o tema
da livre orientação sexual; apoiar a criação de instâncias especializadas de atendimento a
casos de discriminação e violência contra GLTB no Poder Judiciário, no Ministério Público
e no sistema de segurança pública; estimular a formulação, implementação e avaliação de
políticas públicas para a promoção social e econômica da comunidade GLTB; incentivar
programas de orientação familiar e escolar para a resolução de conflitos relacionados à livre
orientação sexual, com o objetivo de prevenir atitudes hostis e violentas; estimular a
inclusão, em programas de direitos humanos estaduais e municipais, da defesa da livre
orientação sexual e da cidadania dos GLTB; promover campanha junto aos profissionais da
saúde e do direito para o esclarecimento de conceitos científicos e éticos relacionados à
comunidade GLTB; promover a sensibilização dos profissionais de comunicação para a
questão dos direitos dos GLTB. (MELLO, 2005, p. 212-213)

Quase um ano depois do lançamento da Plataforma, em 18 de junho de 2003, a


Ouvidoria Parlamentar da Câmara Federal promoveu o “Seminário Nacional de
Políticas Afirmativas e Direitos da Comunidade de Gays, Lésbicas, Bissexuais,
Travestis e Transexuais (GLBTT)”. Esse seminário foi significativo para o movimento
já que dele surgiu o compromisso de criação da “Frente Parlamentar pela Livre
10
Expressão Sexual” , visando encaminhar as propostas de interesse da comunidade
LGBT, em especial três proposições: 1) o Projeto de Lei nº 1.151/95, de autoria de
Marta Suplicy, que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo; 2) o Projeto
de Lei nº 5.003/01, de autoria da deputada Iara Bernardi, que determina sanções às
práticas discriminatórias em razão de orientação sexual; e 3) o Projeto de Lei nº 70/95,
de autoria do deputado José Coimbra, que dispõe sobre intervenções cirúrgicas de
redesignação sexual (CONDE, 2004, p.117; MELLO, 2005, p.208). Vale salientar que,
conforme apontam Mello (2005) e Conde (2004), das quase vinte proposições de
legislação referentes aos direitos dos homossexuais que ainda tramitavam na Câmara,
não existia nenhuma que buscasse assegurar os direitos à parentalidade de gays e
lésbicas.

10
De acordo com a atualização referente a 11 de junho de 2007, realizada pelo Projeto Aliadas, a Frente
Parlamentar é integrada atualmente por 216 parlamentares. Informações sobre a Frente Parlamentar pela
Livre Expressão Sexual estão disponíveis em: http://aliadas.org.br/site/arquivos/ALIADAS-adesao.pdf.
Acesso em: 26 de fevereiro de 2009.
66

A articulação do movimento com o legislativo nas esferas estadual e municipal


tem gerado a aprovação de leis favoráveis aos homossexuais11, embora, até o momento,
nenhuma proposta de emenda constitucional ou lei federal proposta tenha sido ainda
aprovada, haja vista a forte oposição existente aos interesses de homossexuais na
Câmara Federal.

As decisões do Poder Judiciário, por sua vez, têm favorecido, junto à sociedade
brasileira, a impossibilidade de negação da homossexualidade e das uniões
homossexuais. A relação entre a causa homossexual e o Judiciário após o advento da
Aids, conforme aponta Conde (2004), estreitou-se em virtude dos conflitos entre
companheiros e família de vítimas contaminadas pelo vírus HIV, com várias sentenças
favoráveis à partilha de bens entre homossexuais. Mas isto não representa um consenso
sobre a legitimidade das relações entre pessoas do mesmo sexo. Ainda assim, o
Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência a respeito quando a 4ª Turma
reconheceu, por unanimidade, o direito à herança em relacionamento homossexual, no
ano de 1999.

Porém, mesmo nos julgamentos favoráveis a homossexuais, percebe-se, ainda,


uma certa recusa na aceitação da união de pessoas do mesmo sexo como equivalente a
um casamento, instituição marcada pelas relações afetivas e compartilhamento de
interesses. Os julgadores costumam tratar as questões relacionadas à parceria
homossexual como meramente obrigacionais, geralmente referentes à situações ligadas
à disputa ou garantia de patrimônio. É comum que processos relativos a essa questão
tramitem nas varas cíveis e não nas varas de família, o que denota o não reconhecimento
integral, ainda, das uniões homoafetivas. Como exceção, pode ser citado o caso da
abordagem das relações homossexuais por parte do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul; este decidiu, por votação unânime, ser de competência das varas de família o
julgamento de questões decorrentes de união entre homossexuais (CONDE, 2004).

11
No âmbito legislativo local existem leis que disciplinam sanções civis para a discriminação por
orientação sexual nos municípios de Alfenas, Belo Horizonte, Campinas, Curitiba, Fortaleza, Foz do
Iguaçu, Guarulhos, Juiz de Fora, Natal, Nova Iguaçu, Olinda, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador, São
José do Rio Preto, e nos estados de Alagoas, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul,
Santa Catarina, São Paulo e Distrito Federal (MELLO, 2005, p.209).
67

Decisões como estas extrapolam a questão dos limites de distribuição processual;


são, de fato, um importante sinal de uma progressiva mudança no conceito de família
adotado pela justiça brasileira, que traz mudanças, também, nas questões relacionadas à
adoção e à guarda de menores, ainda que sobre este tema pese uma resistência
infinitamente maior do que sobre as uniões homossexuais propriamente. Este é
inclusive um argumento corrente acerca da proibição do “casamento gay”, na medida
em que abriria precedentes para o direito à parentalidade, considerada como nociva para
a criança, ainda que não haja nenhum tipo de estudo que comprove tal prejuízo. Muitas
das decisões mais recentes no âmbito do Judiciário referem-se, justamente, aos direitos
civis de gays, lésbicas e transgêneros no âmbito da conjugalidade e da parentalidade.
Apesar da realização de algumas conquistas no âmbito do judiciário, muitas decisões
contrárias à homoparentalidade continuam, ainda hoje, sendo proferidas.

Cabe destacar que o Poder Judiciário tem desempenhado um papel muito


importante ao suprir lacunas decorrentes da inexistência de uma legislação sobre a
parceria civil entre pessoas do mesmo sexo. Conde (2004) cita como exemplo o parecer
dado pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, publicado em
março de 2004, que autoriza os cartórios dos municípios gaúchos a aceitarem os
registros de pedidos feitos por casais homossexuais que queiram comprovar sua união.

No campo do reconhecimento jurídico da causa homossexual e dos direitos


humanos e de cidadania dos sujeitos envolvidos, pode-se dizer que há decisões judiciais
favoráveis aos homossexuais em quase todos os campos do direito. Os direitos
previdenciários têm sido influenciados pelos esforços empreendidos pela militância
LGBT. Como exemplo é possível destacar a resposta à ação civil pública movida pelo
grupo “Nuances”, de Porto Alegre-RS, contra o INSS (Instituto Nacional de Seguridade
Social), em que o Supremo Tribunal Federal deferiu medida liminar favorável, de
abrangência nacional, determinando que um companheiro ou companheira homossexual
seja considerado como dependente preferencial, assegurando todos os direitos daí
decorrentes (MELLO, 2005). Atualmente, já são mais comuns as decisões que atestam o
direito de homossexuais receberem pensão de companheiros.

Um tema, também, freqüentemente decidido pela justiça brasileira refere-se aos


casos dos transexuais que, mesmo após cirurgia de redesignação sexual referendada
68

pelo próprio Conselho Federal de Medicina, encontram problemas para alterar o seu
nome de nascimento. Muitas decisões têm sido proferidas para permitir a alteração de
documentação, e outras tantas têm permissão negada.

Para Mello (2005), decisões jurídicas concernentes aos direitos homossexuais


ainda carecem de efetivo amparo legal:

... também é possível encontrar decisões judiciais que asseguram direitos a gays, lésbicas e
transgêneros, principalmente nas seguintes situações: inclusão de parceiro do mesmo sexo
como dependente em plano de saúde; direito à pensão em caso de falecimento de
companheiro; garantia de visto de permanência a parceiro estrangeiro; registro de mudança
de nome e de sexo de transexual; indenização por danos morais, em casos de homofobia;
guarda e adoção de crianças por homossexuais e transgêneros. No entanto, essas decisões
judiciais ainda fazem parte do campo do extraordinário e estão na dependência da boa
vontade e da liberalidade dos juízes, já que não existe amparo legal explícito para parte
significativa dessas demandas. (MELLO, 2005, p. 210)

Não restam dúvidas, entretanto, de que um número cada vez maior de causas
julgadas em favor dos homossexuais aponta para uma tendência do Judiciário em
garantir direitos conjugais e, em menor escala, parentais, a lésbicas, gays e transgêneros,
em um processo social e semelhante ao da trajetória das lutas a favor das relações
concubinárias heterossexuais ocorridas nas décadas de 1970 e 1980, condição que
passou a ser definitivamente protegida pela lei a partir da Constituição Federal de 1988
(MELLO, 2005).

Todas essas transformações implicam em mudanças culturais que pouco a pouco


têm adentrado o campo político tradicional, mas, ainda, encontram fortíssimas
resistências em setores expressivos da sociedade brasileira, sobretudo das Igrejas
Católica e Evangélica, de uma parcela significativa de partidos políticos e, segundo
Mello (2005), das próprias entidades de defesa dos direitos humanos. Apesar dos
obstáculos ainda existentes, é possível dizer que a trajetória de lutas do movimento
LGBT teve avanços; culminou, em fins de 2003, na criação de uma comissão formada
por representantes do Governo e da sociedade civil para elaborar o “Programa Brasil
Sem Homofobia – Combate à Violência e à Discriminação contra GLBT e Promoção da
12
Cidadania Homossexual” , lançado em 25 de maio de 2004. É a primeira ação
desencadeada pelo Poder Executivo Federal especificamente dirigida aos homossexuais.
12
O conteúdo do Programa Brasil Sem Homofobia encontra-se disponível em:
http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/brasilsem/. Acesso em: 15 de janeiro de 2009.
69

O programa contém 11 ações divididas em 53 propostas de combate à discriminação e à


violência contra gays, lésbicas e trangêneros, e envolve as Secretarias Especiais de
Direitos Humanos, de Políticas para as Mulheres e de Promoção da Igualdade Racial,
além dos Ministérios da Saúde, do Trabalho, da Educação, da Cultura, dos Esportes, da
Justiça e das Relações Exteriores (MELLO, 2005, p.213). São elas:

a) articulação e fomento da política de promoção dos direitos de homossexuais;


b) legislação e justiça;
c) cooperação internacional;
d) direito à segurança: combate à violência e à impunidade;
e) direito à educação, promovendo valores de respeito à paz e a não-discriminação
por orientação sexual;
f) direito à saúde, consolidando atendimento e tratamentos igualitários;
g) direito ao trabalho, garantindo uma política de acesso e de promoção da não
discriminação por orientação sexual;
h) direito à cultura, construindo uma política de cultura de paz e de valores de
promoção da diversidade humana;
i) política para a juventude;
j) política para as mulheres;
m) política contra o racismo e a homofobia.

O Programa Brasil Sem Homofobia, juntamente com as propostas apresentadas na


2ª versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), traduzem as principais
bandeiras de luta do movimento LGBT que, ainda hoje, carecem de legitimação integral
por parte do Estado, tanto na produção de leis pertinentes quanto na implementação de
políticas públicas que assegurem, de forma decisiva, a garantia dos direitos dos
homossexuais em sua plenitude.

3.2 A pesquisa do tema na Bahia: diretrizes teóricas e organização da pesquisa para


conhecer o objeto

O principal desafio na definição de uma metodologia adequada ao estudo dos


movimentos sociais refere-se à sua complexidade. Ainda que se possa afirmar que todo
70

fenômeno social é complexo, as transformações sofridas pelos movimentos sociais – de


forma e conteúdo – são emblemáticas dos deslocamentos produzidos no campo político,
que forçam o constante reposicionamento dos atores.

Conforme ressaltado anteriormente, a novidade trazida pelos movimentos que


demandam por reconhecimento inaugura uma série de novas questões: os argumentos
deixam de ser pautados pela possibilidade/impossibilidade de implementação de leis e
políticas públicas consideradas justas, mas que supostamente carecem de recursos para a
sua efetivação; os argumentos passam a girar em torno da avaliação acerca da
legitimidade de reivindicações que, muitas vezes, dependem de pouco ou nenhum
recurso econômico. Assim, trata-se, antes de tudo, da explicitação de como valores e
crenças figuram no processo de formação de demandas e de tomada de decisões no
campo político. A atuação de movimentos como o LGBT consiste, portanto, na luta por
uma transformação de forte cunho cultural dirigida tanto ao Estado quanto à sociedade
civil, na medida em que alterações processadas nesta última tendem, em uma ordem
democrática, a influenciar de algum modo as decisões tomadas pelo Estado.

A compreensão da interação entre esses atores implica, portanto, na


consideração de distintos níveis de análise: a concepção de movimento social adotada;
os elementos considerados e as categorias a que dão origem; a identificação de fases de
desenvolvimento do movimento e de etapas necessárias à investigação; e a identificação
das principais formas de manifestações coletivas e de expressão, com a definição de
categorias e tipos (GOHN, 1997).

Apesar da não-institucionalização figurar como característica definidora dos


movimentos sociais em autores clássicos como Giddens (1993), a presente pesquisa
apoiou-se na idéia de que um movimento social não necessariamente deixa de ser
movimento ao institucionalizar-se (FACCHINI, 2005). Ao contrário, a
institucionalização, como exemplarmente ilustrada pelo movimento LGBT, pode
representar uma das mais eficazes estratégias de consolidação e de pressão de um
movimento em relação ao campo político.

O conceito de movimento social é o fio condutor desta pesquisa e,


conseqüentemente, condicionou as diretrizes adotadas para a coleta de dados sobre o
papel social assumido pelos movimentos. Considera-se, aqui, que há diversas
71

modalidades de interação, que vão das mais informais, como os “coletivos”, grupos que
defendem a não institucionalização13, até os grupos formalizados, que mantêm estreitas
relações com os governos. A diferenciação entre ser ou não movimento considera,
portanto, as distinções feitas por Teixeira (2001) acerca da natureza das relações
estabelecidas entre os atores, que variam da total ausência de interação até o
estabelecimento de uma relação de cooptação em que militantes se convertem em
eficazes prestadores de serviço do Estado.

Devido a esse leque de possibilidades, a institucionalização não é condição


suficiente para o abandono da caracterização de um movimento social; isto é, seria a
renúncia ao papel social de crítica e combate, característico dos movimentos sociais, o
que o destituiria da sua condição de movimento social. Uma ONG, por exemplo, pode
continuar a fazer parte de um movimento mais amplo, dotando-o, inclusive, de maior
força social em função das articulações em rede que é capaz de estabelecer.

A presente pesquisa, ao analisar a ação do movimento LGBT, incorpora


considerações tecidas por Gohn (1997) acerca da necessidade de uma análise que tome
como ponto de partida dois ângulos básicos: o interno e o externo. O interno diz
respeito à construção de repertórios de demandas, que surgem a partir de valores,
crenças e ideologias, e à organização de estratégias de ação que promovam a projeção
do movimento para o exterior, de modo a alcançar tanto a sociedade quanto o Estado. O
externo, por sua vez, refere-se ao contexto sociopolítico e cultural em que o movimento
se insere, aos possíveis opositores existentes, às articulações e redes estabelecidas com
outros movimentos e lutas sociais, e às relações com órgãos estatais e demais agências
da sociedade política, além de outras instituições e atores da sociedade civil. A análise
das dimensões interna e externa implica, ainda, a compreensão da representação que o
movimento tem acerca de si próprio e dos outros atores, a identificação das conquistas
alcançadas e das derrotas sofridas, assim como a compreensão da cultura política
construída ao longo de sua trajetória. Portanto, o esforço de análise dessas dimensões

13
Um exemplo deste tipo de posicionamento é o assumido pelo Coletivo Kiu!, grupo baiano constituído
em 2004 por estudantes da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Católica do Salvador que, de
acordo com relato elaborado por um de seus membros, busca “a construção de novas formas de ativismo,
distantes do pensamento unitário típico das estruturas partidárias da velha esquerda, da abordagem
essencialista da sexualidade e do gênero e, principalmente, crítica em relação à institucionalização,
hierarquização e „ongueirização‟ que dominava qualquer tipo de iniciativa civil desde a década de 80”.
<http://br.groups.yahoo.com/group/coletivokiu/message/3974>. Acesso em: 20 de maio de 2009.
72

será realizado por meio da utilização das seguintes categorias, também sugeridas por
Gohn (1997):

a) Demandas e repertórios da ação coletiva – as demandas decorrentes de uma


carência podem referir-se tanto a bens materiais quanto simbólicos, e objetivam
leis e políticas públicas que redefinam as relações sociais existentes. Os
repertórios, por sua vez, são o resultado da agregação de demandas. Elaborados
a partir da ação coletiva, transformam as demandas em reivindicações
permeadas pelo conteúdo político-ideológico do movimento.
b) Composição – refere-se tanto à origem social dos participantes de um
movimento, quanto ao princípio articulatório que os aglutina. Um aspecto a ser
ressaltado para a análise pretendida é o reconhecimento da localização
geográfico-espacial como um aspecto significativo de composição dos
movimentos, mesmo quando se trata de um movimento transnacional como o
LGBT.
c) Princípios articulatórios internos – de acordo com Gohn (1997), resultam da
relação de três elementos fundamentais: as bases demandatárias, as lideranças e
as assessorias. Sua configuração encontra-se diretamente relacionada aos
princípios articulatórios externos, que tanto dizem respeito às relações
estabelecidas com os governos quanto com outros movimentos, dando origem às
redes.
d) Força social – resulta da análise do cenário em que o movimento se desenvolve,
a partir da consideração das redes e articulações existentes – princípios
articulatórios interno e externo.
e) Ideologia – essa instância de análise corresponde ao conjunto de crenças,
valores e ideais que fundamentam as reivindicações de um movimento. É o
marco referencial gerador de sua identidade, observável tanto na produção
material quanto simbólica dos movimentos.
f) Cultura política – constitui-se a partir da experiência cotidiana e corresponde a
uma determinada trajetória social e historicamente situada. “O conjunto das
práticas sociais, informadas pelas ideologias e representações, configuradas pelo
projeto do movimento, gera uma cultura política” (GOHN, 1997, p.259).
g) Organização – refere-se à formalização ou não do movimento, observando-se o
modo como são estabelecidas e distribuídas funções, tarefas, cargos etc. A idéia
73

de organização encontra-se articulada à idéia de institucionalização, já que esta


última, geralmente, corresponde à consolidação das organizações criadas.
h) Práticas – se compõem de ações diretas e discursos, podendo ser mais ou menos
organizadas.
i) Projeto sociopolítico ou cultural – corresponde à constituição de uma visão de
mundo que dá sentido e direção a um movimento, geralmente, engendrado pelas
lideranças e organizações.
j) Identidade – decorre do projeto do movimento, sendo uma resultante tanto das
representações que ele gera para si mesmo e para os outros, quanto uma
somatória de práticas referentes à dimensão simbólica/cultural e à interação
concreta.
k) Cenário sociopolítico – corresponde a elementos conjunturais que explicam o
processo interativo e a correlação de forças existentes, determinando as maiores
ou menores chances de sucesso das ações empreendidas por um movimento.
Tais oportunidades podem ser criadas tanto pelo movimento quanto pelo Estado
ou mercado.
l) Opositores – aqueles que detêm o poder sobre o bem demandado, não
necessariamente através do estabelecimento de uma relação de antagonismo; por
isso, as relações instituídas incluem a negociação e a troca.
m) Conquistas e derrotas – resultados da ação de um movimento, constituem-se
como indicadores da sua dinâmica em relação aos demais atores sociais.

De acordo com Bauer e Gaskell (2002), a escolha entre a natureza quantitativa ou


qualitativa para uma pesquisa é, antes de tudo, uma decisão sobre a geração de dados e
os métodos de análise que, posteriormente, resultarão na definição de um delineamento
de pesquisa. Levando em consideração os elementos anteriormente citados, que
reiteram a complexidade do objeto de estudo, a pesquisa aqui apresentada assume uma
abordagem qualitativa. Privilegia-se a interpretação da compreensão que os atores
sociais expressam do mundo, e que resulta na adoção de comportamentos e na criação
do próprio mundo social. Um objetivo primordial na pesquisa qualitativa é, portanto,
tornar-se capaz de ver “através dos olhos daqueles que estão sendo pesquisados”
(BRYMAN, 1988, p.61).
74

Uma vez que a disputa pela transformação ou conservação dos valores vigentes na
sociedade atinge a sua concretude na esfera pública, é pertinente supor que a
possibilidade de compreender como se dá esse processo encontra-se relacionada,
principalmente, à captura do sentido daquilo que é assumido publicamente pelos
diversos atores, ao posicionarem-se com relação às questões em pauta, através de
discursos organizados, porém suscetíveis a tensões e contradições. Por isso, dentre os
métodos possíveis para a coleta dos dados, optou-se pela seleção e análise de “vestígios
materiais (...) deixados pelos atores e expectadores” (BAUER; GASKELL, 2002, p.19),
ainda que neste caso a adoção de uma pluralidade de métodos pudesse se mostrar
bastante pertinente aos objetivos da pesquisa. A necessidade de escolha de um único
método deve-se tão somente às limitações impostas pelo tempo em relação à natureza
do trabalho aqui pretendido, que acabou por privilegiar uma menor quantidade de
informações na tentativa de analisá-las com maior profundidade.

O delineamento da pesquisa é o de um estudo de caso, já que este privilegia o


fenômeno dentro de seu contexto, especialmente nos casos em que os limites entre o
fenômeno e o contexto não estão claros (BORGES, 2007). Com a escolha do estudo de
caso, abre-se a possibilidade de compreender melhor as condições contextuais que
tecem o movimento e de tratá-las como pertinentes à análise do próprio fenômeno em
estudo, por meio de uma abordagem que é, ao mesmo tempo, detalhada e holística. Este
estudo privilegiou a coleta, a seleção e a análise de dados relacionados à atuação do
movimento LGBT baiano na sua relação com o Estado, no âmbito municipal e estadual,
tendo como pano de fundo os cenários sociopolíticos nacional e internacional, haja vista
o caráter transnacional da causa do movimento e de sua interação em redes múltiplas e
de várias escalas (local, nacional e transnacional).

Considerando que uma pesquisa social apóia-se em dados construídos nos processos
de elaboração de conteúdos comunicados, serão analisados, aqui, dois tipos de dados
sociais: os conteúdos produzidos por meio de comunicação informal, referentes à
produção textual do movimento, e os conteúdos de comunicação formal, que também
correspondem à ação do movimento, mas referem-se, principalmente, aos documentos
produzidos pelo Estado no nível municipal, estadual, nacional e internacional. A opção
por trabalhar com os conteúdos de comunicação formal e informal encontra-se
estreitamente relacionada às características evidenciadas pelo movimento LGBT que,
75

paralelamente à relação formal estabelecida com os governos, tem uma infinidade de


instâncias de articulação com troca de informações, divulgação de notícias pertinentes à
causa e aos interesses do público LGBT, debates, relatórios de pesquisas e projetos,
dentre outras modalidades de ação e interação comunicativa.

Dados de fontes de comunicação informais são produzidos de maneira menos presa


às regras de competência, sendo mais abertos e produzidos de forma mais democrática;
são mais suscetíveis ao impulso do momento. Ao passo que as ações voltadas para
conteúdos comunicativos formais registram dados que se encontram determinados por
um conhecimento especializado que pressupõe o desenvolvimento de competências
particulares. Os dados formais reconstroem as maneiras pelas quais a realidade social é
representada por um grupo social. Um jornal, por exemplo, representa, até certo ponto,
o mundo para um grupo de pessoas; nesse sentido, torna-se um indicador significativo
de distintas visões de mundo.

Os textos analisados referem-se tanto a materiais impressos – notícias produzidas


pelos meios de comunicação convencionais, documentos administrativos, documentos
normativos, projetos de lei, relatórios governamentais etc. – quanto a materiais não-
impressos – cartas, textos publicados em sites e listas de discussão, notícias veiculadas
on line por grupos não especializados etc. Com relação à identificação e seleção dos
textos coletados, foram percorridos, simultaneamente, dois caminhos: a busca de
documentos oficiais produzidos pelos governos – federal, estadual (BA) e municipais,
localidades onde atuam grupos LGBT); e documentos produzidos pelo movimento
LGBT em geral (Brasil e mundo) – no caso destes últimos, foram considerados tanto os
materiais oficiais produzidos por entidades, quanto materiais não-oficiais.

O ponto de partida para o levantamento dos dados referentes à atuação do Estado


em relação ao movimento LGBT foram os Planos Plurianuais; são documentos que
estabelecem as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública em geral. Na
análise desses documentos, foram identificados os Programas que, pela sua temática,
ainda que de forma menos direta, pudessem estar relacionados com a causa ou envolver
representantes do movimento LGBT. A partir das questões identificadas, foram
analisados os relatórios anuais de atividades do governo do Estado da Bahia referentes
ao período compreendido entre 2003 – ano anterior ao lançamento do Programa Brasil
Sem Homofobia – e 2008, com o objetivo de encontrar possíveis desdobramentos
76

favoráveis à causa LGBT. Em paralelo, buscou-se levantar, por meio dos materiais
produzidos pelo próprio movimento, episódios marcantes de sua trajetória na relação
com os governos (parcerias, projetos de lei, políticas específicas etc.) e com a sociedade
civil (paradas, protestos, ações educativas etc.) A partir desses acontecimentos referidos
pelo movimento, foram identificados e analisados documentos relativos à atuação dos
municípios baianos em relação à causa LGBT.

Por fim, buscou-se ainda, conhecer a participação dos grupos LGBT no campo
político tradicional, ou seja, em conselhos e comissões, lançamento de candidaturas, na
Frente Parlamentar pela Cidadania GLBT do Congresso Nacional, e na Frente
Parlamentar pela Cidadania GLBT de Salvador/Bahia. No âmbito da articulação interna
e externa do movimento foi analisada a sua atuação em fóruns relacionados diretamente
à causa ou temáticas afins.

A vinculação desses dados para uma compreensão plena da questão LGBT,


permitiu analisar em que medida as bandeiras e práticas do movimento têm conseguido
repercutir no campo político, verificar os resultados alcançados pelo processo de
mobilização, bem como as correlações que podem ser estabelecidas entre a evolução
desse movimento social e o Programa Brasil Sem Homofobia.
77

4 O MOVIMENTO LGBT BAIANO E O ESTADO PÓS “BRASIL SEM


HOMOFOBIA”: A GRAMÁTICA DO RECONHECIMENTO E SUAS MÚLTIPLAS
CONJUGAÇÕES

4.1 Dos valores às demandas: o que deseja o movimento LGBT na contemporaneidade

Um aspecto particularmente relevante no caso da formulação de demandas do


movimento LGBT é o seu caráter transnacional, intensificado pelas possibilidades de
intercâmbio abertas com a popularização das novas tecnologias da informação. Se,
antes, o compartilhamento de informações obedecia a um ritmo mais lento, o das
conferências e encontros realizados periodicamente, atualmente, a troca de experiências
e a construção dos discursos do movimento se dão de forma contínua, por meio de
articulações locais, nacionais e transnacionais. Abordar as demandas do movimento
LGBT baiano, significa, portanto, tratar de demandas que foram influenciadas, ecoam
transnacionalmente, e são re-trabalhadas localmente.

A análise de documentos divulgados pela International Lesbian and Gay


Association (ILGA) permitem entender as principais demandas do movimento no
âmbito transnacional. Como exemplo, pode ser citado o conteúdo da primeira
declaração que incluiu a orientação sexual e a identidade de gênero como aspectos
pertinentes à proteção dos direitos humanos, apresentada na Assembléia Geral das
Nações Unidas, em 18 de dezembro de 2008, e que recebeu o apoio de 66 nações14, com
assento na referida Assembléia. Além de reafirmar o princípio da não discriminação em
razão de orientação sexual ou identidade de gênero, o documento destaca a preocupação
do movimento LGBT em relação à violação dos direitos humanos e liberdades
fundamentais, percebidas nos atos de “violência, perseguição, discriminação, exclusão,
estigmatização e preconceito que se dirigem contra pessoas de todos os países do
mundo por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero, e porque estas

14
A declaração foi apoiada por países dos cinco continentes, sendo os signatários da declaração: Albânia,
Alemanha, Andorra, a Antiga República Iugoslava da Macedônia, Argentina, Armênia, Austrália,
Áustria, Bélgica, Bolívia, Bósnia Herzegovina, Brasil, Bulgária, Cabo Verde, Canadá, Chile, Chipre,
Colômbia, Croácia, Cuba, República Tcheca, Dinamarca, Equador, Eslováquia, Eslovênia, Espanha,
Estônia, Finlândia, França, Gabão, Geórgia, Grécia, Guiné-Bissau, Hungria, Irlanda, Islândia, Israel,
Itália, Japão, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Maurícias, México, Montenegro,
Nepal, Nicarágua, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Paraguai, Polônia, Portugal, Reino Unido,
República Centro-Africana, Romênia, São Marino, São Tomé e Príncipe, Sérvia, Suíça, Timor-Leste,
Uruguai, e Venezuela.
78

práticas solapam a integridade e dignidade daqueles submetidos a tais abusos” 15.


Considerando o panorama mundial em relação ao tema, em que a homossexualidade é
considerada ainda como crime em diversos países16, o conteúdo do documento prioriza
a condenação da violência física dirigida aos homossexuais e a punição dos
responsáveis pelas violações perante a justiça: a pena de morte, as execuções
extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, a prática da tortura e outros tratos ou penas
cruéis, inumanos ou degradantes, a detenção provisória ou detenção arbitrária. Com
menor destaque, o documento considera como violação a recusa de direitos econômicos,
sociais e culturais, incluindo o direito a saúde.

A mesma demanda é destacada na Resolução AG/RES-2345 (XXXVIII-O/08)


Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero, aprovada na 38ª
Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos. A resolução, apresentada
pela delegação do Brasil em três de junho de 2008, foi o primeiro documento do
hemisfério, consensuado pelos 34 países das Américas, em que constam as expressões
orientação sexual e identidade de gênero. A resolução enfatiza a preocupação com os
atos de violência e as violações de direitos humanos motivados pela orientação sexual e
pela identidade de gênero, e apresenta desdobramentos concretos: o compromisso de
encarregar a Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos (CAJP) de incluir em sua
agenda, antes do Trigésimo Nono Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral, o
tema “Direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero”; e o compromisso
de solicitar ao Conselho Permanente da ONU que informe à Assembléia Geral, em seu
Trigésimo Nono Período Ordinário de Sessões, sobre o cumprimento da resolução e sua
execução de acordo com os recursos alocados no orçamento-programa da Organização.

Tal resolução responde às reivindicações feitas na Declaracíon de Medellin de la


Coalicíon de Lesbianas, Gays, Bisexuales, Travestis, Transexuales, Transgenero e
Intersex de las Américas17, que buscou evidenciar a violação do direito à vida, à saúde,
à educação, à identidade, ao trabalho e à participação para esses grupos, recomendando
aos Estados que: reconhecessem a existência de diversas orientações sexuais,

15
<http://www.abglt.org.br/port/declaracao_conjunta_63_635.html>. Acesso em: 30 de janeiro de 2009.
16
De acordo com a Carta de Belém, o relatório anual denominado “Homofobia Estatal”, produzido pela
Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Pessoas Trans e Intersexo (ILGA), aponta que
86 países criminalizam a homossexualidade, sendo que, em sete, com a pena de morte. Carta de Belém
disponível em: http://www.abglt.org.br/port/IIIcongresso.php. Acesso em: 30 de maio de 2009.
17
<http://www.convencion.org.uy/menu1-39.htm>. Acesso em: 10 de junho de 2009.
79

identidades e expressões de gênero; incluíssem a mudança de nome e sexo na


documentação (no caso dos transgêneros) sem que fossem exigidas mutilações genitais;
promovessem sistemas educativos e de comunicação que garantissem a construção de
uma sociedade justa, eqüitativa e respeitosa; que assegurassem o acesso pleno à
educação, à saúde e ao trabalho em condições de não discriminação; que promovessem
serviços adequados de acolhimento nos casos de violação desses direitos; que
revogassem a legislação criminalizadora e discriminatória; e que promovessem
mudanças culturais, sociais e institucionais de modo a prevenir a discriminação e a
violência. Tanto a declaração apresentada na Assembléia Geral da ONU quanto a
resolução aprovada na Assembléia Geral da OEA apontam para a promoção e o
fortalecimento da participação da sociedade civil no plano transnacional, no que se
refere à causa LGBT.

Demandas pela condenação da discriminação e violência dirigida aos


homossexuais e a punição dos responsáveis pelas violações perante a justiça, também,
podem ser percebidas nos âmbitos nacional e local. Nacionalmente, a demanda tem se
traduzido na construção do conceito de homofobia e em mobilizações pela sua
criminalização. A análise do Projeto de Lei da Câmara nº 122 de 2006 18 permite uma
compreensão mais específica dos sentidos construídos pelo movimento e das ações
consideradas necessárias para a erradicação da homofobia, na medida em que propõe
alterações na Lei nº 7.716 (de 5 de janeiro de 1989), que define os crimes resultantes de
preconceito de raça ou de cor, no Decreto-Lei nº 2.848 (de 7 de dezembro de 1940) e
na Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de
maio de 1943, visando incluir, além da criminalização da discriminação e do
preconceito em razão de raça ou cor, a criminalização da discriminação em função de
gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero19.

18
<http://www.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/getPDF.asp?t=45607>. Acesso em: 20 de janeiro de
2009.
19
O mesmo ocorre em nível local com a luta pela aprovação de leis nos estados e municípios, com alguns
resultados positivos. Nesses casos, verifica-se uma visão compartilhada de homofobia, que pode ser
observada na proximidade dos conteúdos das respectivas leis. A análise das leis relacionadas à causa
LGBT e sua relação com o Estado, apesar de extremamente relacionadas à análise das demandas e
repertórios de ação do movimento, tratadas nesta seção, serão abordadas posteriormente, no tópico
referente às relações com órgãos estatais e demais agentes da sociedade política.
80

A análise da Carta de Belém, produzida por ocasião do III Congresso da


ABGLT realizado em Belém do Pará neste ano de 200920 evidencia, ainda, outras
demandas consideradas prioritárias pelo movimento e que foram apresentadas como
projetos de lei no Congresso Nacional. O direito à união civil, que continua a
apresentar-se como uma das demandas mais urgentes do movimento, foi contemplado
no Projeto de Lei nº 4.914 de 200921, que visa estender às uniões entre pessoas do
mesmo sexo os mesmos direitos da união estável. Aqui se observa um sentido
construído acerca da legitimidade de uniões homoafetivas considerada apenas enquanto
uma parceria civil. O movimento, estrategicamente, abre mão, em um primeiro
momento, da similaridade com o casamento para diminuir as resistências à aprovação
da lei. Apesar do direito à homoparentalidade se constituir como outra forte demanda do
movimento, a questão tem sido conduzida no campo da justiça e não da legislação, o
que denota a construção de estratégias no âmbito nacional, para a introdução
progressiva de demandas, o que vem a evidenciar a postura pragmática que tem
predominado na ação contemporânea do movimento.

Além do direito à união civil, demandas relacionadas às situações específicas


vivenciadas por travestis e transgêneros continuam reivindicações atuais, na medida em
que algumas delas dependem, exclusivamente, da aprovação de leis, ainda em
tramitação no Congresso. Nesse sentido, pode ser citada a demanda comum a travestis e
transexuais em serem reconhecidos pela sua orientação de gênero, e não pelo seu sexo
biológico, traduzidas em dois projetos de lei: o Projeto de Lei da Câmara nº 072 de
2007, que retifica o registro civil das/os transexuais e o Projeto de Lei nº 2.976 de 2008,
que garante a inclusão do nome social das travestis.

20
Como documento mais atual, apesar de não pertencente ao período delimitado para esta
pesquisa, a análise da Carta de Belém, produzida por ocasião do III Congresso da ABGLT
realizado em Belém neste ano de 2009, reafirma demandas do movimento já presentes em 2004,
principalmente: a criminalização da homofobia; a instituição da uniã o estável entre pessoas do
mesmo sexo; a permissão para que pessoas transexuais e travestis alterem seu pré -nome e usem
seu nome social (demandas dirigidas ao poder legislativo); a participação integral de travestis e
transexuais na sociedade, por meio de políticas que lhes assegurem acesso à educação,
segurança, saúde, trabalho e previdência; o fortalecimento e participação política das mulheres
lésbicas e bissexuais, consideradas vítimas da naturalização da discriminação e da violência; a
atenção às especificidades do preconceito e discriminação dirigidos aos LGBT jovens, idosos,
negros, indígenas, com deficiência e vivendo com HIV/Aids. <http://www.abglt.org.br/port/IIIcongresso.php>.
Acesso em: 30 de maio de 2009.
21
<http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=427692>. Acesso em: 30 de maio de 2009.
81

A análise das Resoluções dos Congresso da ABGLT de 2005 22, dos Anais do II
Congresso da ABGLT de 200623 e da Carta de Brasília, resultado da Conferência
Nacional GLBT realizada em 200824, evidencia, de forma mais detalhada, as demandas
atuais do movimento. A utilização desses documentos permite analisar se, no caso do
movimento LGBT brasileiro, houve uma progressão das demandas, no sentido de
algumas delas não mais fazerem sentido por terem sido atendidas, ou de novas
demandas terem surgido a partir dos debates internos promovidos pelo movimento e
pela interação com outros movimentos sociais. O que se percebe na leitura destes
documentos, que evidenciam a perspectiva da principal entidade de articulação nacional
do movimento LGBT acerca de suas conquistas e derrotas, é a constatação de dois
processos distintos na relação com o Estado: o de estagnação no que se refere à
aprovação de leis favoráveis aos LGBTs, e o de ganhos parciais no que se refere à
implementação de políticas públicas, sobretudo em função da implantação do Programa
Brasil Sem Homofobia.

Um aspecto particularmente interessante no tocante à construção de demandas


refere-se à forma como a homogeneidade e a heterogeneidade têm sido trabalhadas
dentro da causa LGBT. No Programa de Ações do Brasil Sem Homofobia, além das
ações com foco na orientação sexual e de gênero, são apresentadas demandas
específicas de subgrupos que, historicamente, atuam no movimento, promovendo o
cruzamento entre as identidades de orientação sexual e de gênero e outras identidades
ligadas a questões de faixa etária e raça/cor. Nesse sentido, é possível perceber que as
demandas produzidas pelo movimento têm apontado para o reconhecimento, cada vez
maior, de especificidades consideradas como agravantes dos processos de exclusão, que
ocasionariam uma “dupla vitimização”. Os congressos realizados pela ABGLT nos anos
de 2005 e 2006 mostram uma tendência à especificação, ao preocupar-se não somente
com as identidades transversais já consolidadas na atuação do movimento, mas,
também, com outras diferenças até então invisibilizadas, ao menos no que se refere à
apresentação de demandas na esfera pública.

22
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros – ABGLT. Resoluções do I Congresso da
ABGLT : avanços e perspectivas. Curitiba: Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros,
2006.
23
<http://www.abglt.org.br/port/publicacoes.php>. Acesso em: 20 de dezembro de 2008.
24
<http://www.abglt.org.br/port/carta_brasilia.html>. Acesso em: 20 de dezembro de 2008.
82

As resoluções do documento do I Congresso da ABGLT de 2005 demonstram


isso na medida em que trazem um item nomeado “Unidade na Diversidade, Aprendendo
e Respeitando as Diferenças”. Nele, há questões relacionadas às desigualdades de
gênero (enfatizadas pelas lésbicas), às desigualdades raciais (enfatizadas pelos
afrodescendentes), às dificuldades enfrentadas pelos jovens LGBT, além da questão dos
travestis e transexuais; são destacados, também, como temas relevantes a
soropositividade, a terceira idade LGBT, a situação dos LGBTs portadores de
deficiência e/ou deficientes e a bissexualidade, esta considerada alvo de discriminação
dentro do próprio movimento. A especificação das demandas apresenta-se como
particularmente interessante, na medida em que favorece a aproximação de movimentos
articulados em torno de outras especificidades geradoras de identidade, mostrando que
para o movimento LGBT a luta é concebida como geral. Dito de outro modo, de forma
geral, são todos grupos cujas identidades são desvalorizadas socialmente e, de forma
particular, a orientação sexual e de gênero são especificidades comparáveis a todas as
outras diferenças às quais podem se encontrar articuladas. A mesma concepção é
reiterada nos Anais do II Congresso da ABGLT, de 2006, e na Carta de Brasília, de
2008, que se tornou o segundo grande momento de interlocução com o Governo Federal
desde o ano de 2003, período em que foi iniciada a elaboração do Programa Brasil Sem
Homofobia.

Ao se observar a atuação do movimento LGBT nos âmbitos transnacional,


nacional e local é possível identificar dois pares conceituais relevantes para a
compreensão de como as demandas construídas pelo movimento são externalizadas por
meio dos repertórios de ação coletiva adotados: o primeiro par refere-se à consolidação
e expansão do movimento, no binômio internacionalização / interiorização; o segundo
refere-se a qual ator deve ser alcançado com as ações desenvolvidas, sociedade civil /
Estado. A análise dos dados coletados na pesquisa a partir desses eixos conceituais
permite a identificação de quatro tipos de repertórios de ação coletiva, com suas
respectivas subcategorias:
83

Quadro 01: Repertórios de ação coletiva do Movimento LGBT

1. De visibilidade 1.1 A realização de paradas

1.2 A realização de eventos culturais de


estímulo ao respeito à diversidade e
valorização da identidade LGBT
1.3 A realização de manifestações e protestos
2. De denúncia 2.1 A documentação e acompanhamento de
casos de violência contra LGBTs
2.2 O acompanhamento da mídia e tomada de
providências nos casos considerados de
discriminação aos LGBTs
3. De presença no campo político formal 3.1 A proposição e pressão para a aprovação
de leis
3.2 A proposição, execução e monitoramento
de políticas públicas
3.3 A candidatura a cargos legislativos e
executivos e o estabelecimento de alianças
com políticos favoráveis à causa LGBT
3.4 A atuação junto ao Poder Judiciário
visando assegurar direitos dos LGBTs
4. De articulação 4.1 A criação de redes LGBT transnacionais,
nacionais e locais
4.2 O incentivo ao surgimento de novas
organizações LGBT
4.3 O estabelecimento de redes com outros
movimentos sociais
Fonte: elaboração própria.

Visando apresentar os dados de forma mais clara, haja vista o fato de todos esses
elementos encontrarem-se profundamente imbricados, os resultados a serem discutidos
a seguir serão organizados em duas seções: “Para olhar o movimento LGBT baiano por
dentro”, em que se aborda as demandas e repertórios da ação coletiva relacionados à
articulação, à visibilidade e à denúncia; e “O movimento LGBT olhando para fora”, em
que se analisa o contexto sociopolítico e cultural, as relações com órgãos estatais e
demais agências da sociedade política, e as articulações e redes externas com outros
movimentos, instituições e lutas sociais.
84

4.2 Para olhar o movimento LGBT baiano por dentro

Levando em consideração os tipos de repertórios de ação coletiva identificados,


pode-se dizer que o mais relevante deles refere-se à articulação interna do movimento
para a sua expressão nos âmbitos transnacional, nacional e local, o que veio a resultar
tanto na interiorização do movimento (número crescente de cidades do interior onde há
grupos LGBT atuantes), quanto na sua internacionalização (aumento da articulação
entre as organizações LGBT de diferentes países e surgimento de novas organizações
em todo o mundo). As redes são as responsáveis pela difusão de um discurso LGBT
transnacional, bem como pela adoção de outros repertórios relativamente homogêneos
ao redor do mundo. Essa estrutura difusa de articulação no movimento LGBT aparece
relacionada à criação de organizações-rede e ao estímulo ao surgimento de novos
grupos locais, produzindo um entrosamento de diversas escalas (MILANI E
LANIADO, 2006).

No nível transnacional, o principal fruto desse esforço refere-se à criação da


International Lesbian and Gay Association (ILGA), fundada em 1978, também o ano de
fundação do primeiro grupo LGBT organizado no Brasil, o “Somos”. A ILGA congrega
mais de 670 organizações locais e nacionais de 110 países distintos; são redes dedicadas
à luta pelos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersex25, em todo o
mundo. Das 34 organizações brasileiras participantes da ILGA 26, 10 estão sediadas no
Nordeste, 3 delas na Bahia: a Associação das Travestis e Transexuais de Salvador, o
Grupo Gay da Bahia e o Grupo Lésbico da Bahia.

Além do modelo de “organização-rede” a que corresponde a ILGA, a atuação


transnacional, também, tem ocorrido através de organizações internacionais que não são
fruto de uma rede, mas que figuram como pontos fundamentais da rede transnacional
construída pelo movimento LGBT, na medida em que tais organizações têm como
objetivo agir internacionalmente. É o caso da The International Gay and Lesbian
Human Rights Commission (IGLHRC) – Comissão Internacional de Direitos Humanos
de Gays e Lésbicas –, fundada em 1990, que se dedica ao trabalho de advocacy em

25
<http://www.ilga.org/>. Acesso em: 20 de janeiro de 2009.
26
<http://america_latina_caribe.ilga.org/lac/bienvenid_en_el_sitio_web_de_ilga_lac/miembros/ilga_lac_miemb
ros_membros_members>. Acesso em: 20 de janeiro de 2009.
85

favor de pessoas vítimas de discriminação ou violência em função da orientação sexual


e de gênero. O trabalho da organização tanto busca fortalecer a atuação de ativistas
locais no combate à violação de direitos humanos, quanto estabelecer interlocução com
organizações de nível global, a exemplo das Nações Unidas; objetiva, ainda, dar
visibilidade à questão das violações de direitos humanos, monitorar e documentar
abusos e intervir em situações de emergência relacionadas à temática.

As redes transnacionais têm se estabelecido como pólo irradiador da ideologia e


das estratégias a serem adotadas pelo movimento e, também, como estruturas capazes
de ocupar o cenário político internacional por meio da interação com organismos
multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos
Estados Americanos (OEA), capazes de pressionar os países que as compõem a assumir
uma postura de defesa dos direitos da população LGBT. Um exemplo desse tipo de
atuação é a já citada Declaração apresentada na Assembléia Geral das Nações Unidas
em dezembro de 2008, que incluiu a orientação sexual e a identidade de gênero como
aspectos pertinentes à proteção dos direitos humanos.

Ainda no âmbito transnacional, pode ser destacada a Resolução AG/RES-2345


(XXXVIII-O/08) Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero,
aprovada na 38ª Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos. A
Resolução, apresentada pela delegação do Brasil, em 3 de junho de 2008, foi o primeiro
documento do hemisfério consensuado pelos 34 países das Américas, em que constam
as expressões orientação sexual e identidade de gênero, e que prevê desdobramentos
concretos, como a inclusão do tema “Direitos humanos, orientação sexual e identidade
de gênero” na agenda da Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos (CAJP) da
Organização e o compromisso de solicitar ao Conselho Permanente que informe à
Assembléia Geral no 39º Período Ordinário de Sessões sobre o cumprimento da
resolução e sua execução de acordo com os recursos alocados no orçamento-programa
da Organização. Tanto a Declaração apresentada na Assembléia Geral da ONU, quanto
a resolução aprovada na Assembléia Geral da OEA apontam para um aumento da
presença e interação da sociedade civil organizada transnacionalmente, com instituições
internacionais, visando à garantia dos direitos à orientação sexual e de gênero, com
resultados favoráveis.
86

No caso brasileiro, a principal organização relacionada à estratégia de criar


entidades para a articulação nacional de grupos é a ABGLT, criada em 1995. Quando de
sua fundação teve sua carta de princípios assinada por 31 grupos de Gays, Lésbicas e
Travestis, dentre os quais o Grupo Gay da Bahia e o Grupo Lésbico da Bahia27. Os
objetivos pretendidos pela organização reiteram a existência da estratégia da construção
de redes, por meio do fomento à criação de novas entidades e fortalecimento das já
existentes, além da promoção do intercâmbio e da solidariedade entre grupos.

Apesar de ser a ABGLT a organização de maior projeção nacional, a relevância das


discussões identitárias no movimento – que tanto se assume como heterogêneo, quanto
defende a idéia da atuação conjunta dos subgrupos LGBT em relação à sociedade civil e
o Estado – sustenta a existência de outras articulações nacionais de segmentos LGBT
específicos, que se relacionam com a ABGLT, mas, ao mesmo tempo, constituem-se
como articulações autônomas; são eles: Articulação Nacional de Travestis, Transexuais
e Transgêneros (ANTRA), fundada em 2000, a Articulação Brasileira de Lésbicas
(ABL), fundada em 2004 e a Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), criada em 2003.

Uma das formas encontradas pelo movimento para o apoio ao surgimento de novos
grupos refere-se à execução de projetos. É o caso do Projeto Somos, idealizado pela
Associação para a Saúde e Cidadania Integral na América Latina e Caribe (ASICAL) e
viabilizado por meio da parceria entre a ABGLT e o Programa Nacional de DST e Aids
do Ministério da Saúde do Brasil, que envolveu na sua execução organizações locais
afiliadas e parceiras da ABGLT 28. De acordo com dados disponíveis no manual “Projeto
Somos Desenvolvimento Organizacional, Advocacy e Intervenção para ONGs que
trabalham com GAYS e outros HSH29”, a ação teve início em 1999, envolvendo 24
grupos; em 2005, estava presente em todos os estados brasileiros, com a participação de
322 lideranças de 132 cidades.

O projeto está voltado para pessoas que estão se mobilizando para formar organizações
de gays e outros HSH, bem como organizações que já estão se estruturando. O Somos
tem dois momentos principais, o primeiro sendo de treinamentos regionais periódicos
promovidos por Centros de Capacitação e Assessoria (CCA), que são grupos de gays e

27
<http://www.abglt.org.br/port/cartaprinc.php>. Acesso em: 15 de janeiro de 2009
28
Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde; Programa Nacional de DST e Aids. Projeto
Somos Desenvolvimento Organizacional, Advocacy e Intervenção para ONGs que trabalham com GAYS
e outros HSH. Brasília: Ministério da Saúde. 2005.
29
Homens que fazem sexo com homens.
87

outros HSH com capacidade técnica e infra-estrutura necessárias para repassar seus
conhecimentos para os novos grupos. O segundo momento é quando um técnico do
CCA acompanha e assessora os novos grupos nas suas próprias cidades, dando suporte
na implementação dos conteúdos dos treinamentos. Os treinamentos têm 3 conteúdos
principais: Desenvolvimento Organizacional; Advocacy e Intervenção. No primeiro
treinamento, que normalmente está mais voltado para a questão de desenvolvimento
organizacional, os grupos elaboram planos de ação para seu desenvolvimento imediato
e projetos para a realização de ações de prevenção de DST/HIV/Aids com gays e outros
HSH em suas cidades.
À medida que realizam-se outros treinamentos, os grupos vão se aprofundando nos 3
temas: Desenvolvimento Organizacional, Advocacy e Intervenção. Desta forma,
gradativamente, os grupos se tornam capazes de realizar ações de advocacy, contribuir
para mudanças sociais favoráveis aos gays e outros HSH e também se tornam aptos a
intervir na comunidade local, promovendo a prevenção e a cidadania (MINISTÉRIO
DA SAÚDE, 2005).

Ainda que o principal argumento para a realização do projeto tenha sido o


enfrentamento da epidemia de Aids, a análise dos materiais produzidos pela ação
permite a identificação de uma intenção explícita de capacitar as entidades LGBT e seus
membros não só para a ações de combate à Aids, mas, também, de consolidar e
expandir o movimento LGBT. A título de exemplo, é possível mencionar a abordagem
dos temas relacionados ao projeto em um de seus manuais30: excluídos os anexos do
material, das 72 páginas que compõem o documento, apenas 6 páginas referem-se,
especificamente, ao item “Intervenção”, no qual a realização de ações de prevenção à
Aids é abordada. Os outros itens referem-se a orientações para a formalização dos
grupos, planejamento estratégico e operacional, sustentabilidade, administração de
pessoas, organização interna e advocacy.

O Projeto SOMOS, por meio de seus Centros de Capacitação e Assessoria distribuídos


em 5 regiões do país (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul), além de difundir
ações de prevenção por todo o Brasil, tem se constituído, sobretudo, para grupos recém
criados no interior do país, como uma rede de apoio na luta contra a homofobia, uma
das causas fundamentais das respostas sociais de preconceito e de discriminação, que
afetam de forma contundente o acesso da população GLT brasileira à informação, à
educação, à saúde e aos direitos de cidadania. Nesse sentido, as estratégias do SOMOS
têm reforçado, entre os grupos por ele assessorado, a consolidação de parcerias
importantes com organizações governamentais que lidam com a educação, saúde e
direitos humanos, bem como os meios de comunicação; têm intensificado o diálogo
com parlamentares, em nível local e nacional; e têm difundido informações
fundamentais para a prevenção das DST/Aids por todo o país (MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2005).

30
Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde; Programa Nacional de DST e Aids. Projeto
Somos Desenvolvimento Organizacional, Advocacy e Intervenção para ONGs que trabalham com GAYS
e outros HSH. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.
88

A proposta de execução descentralizada do referido projeto resultou na criação de


11 “Centros Regionais de Capacitação e Assessoria”, sendo 5 deles localizados na
Região Nordeste (Bahia, Pernambuco, Alagoas, Ceará e Maranhão). Na Bahia, a
entidade responsável pelo “Centro Regional de Capacitação e Assessoria Paulo César
Bonfim” foi o Grupo Gay da Bahia. De acordo com dados da publicação “Juntos Somos
Mais Fortes” 31, produzido pela ABGLT, participaram do projeto as seguintes entidades
baianas:

Quadro 02: Organizações participantes do Projeto Somos, 1999 – 2003

Período Organização Município


Fase 1 Grupo de Ação e Interação Homossexual Feira de Santana
1999/2000 Grupo Gay Aquarela Feira de Santana
Associação de Travestis de Salvador Salvador
Núcleo Homossexual do GAPA Itabuna Itabuna
Grupo Vida Feliz Salvador
Fase 2 Grupo Eros Ilhéus
2001/2002 Sem Fronteiras.Com.Você Maragogipe
Grupo Gay de Itororó Itororó
ATRÁS Salvador
Grupo Homossexual do Calafate Salvador
Quimbanda Dudu Salvador
Centro de Apoio ao Menor e ao Adolescente Carente Salvador
Associação Rural do Saco do Capim Salvador
Grupo de Ação e Integração Homossexual (GAIH) Feira de Santana
Centro Anti-Aids GAIH – Vida Feira de Santana
Assoc. de Moradores Unidos de Cosme de Farias Salvador
Grupo Gay de Camaçari Camaçari
Grupo Humanus Itabuna
Fonte: Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis – ABGLT. Juntos Somos Mais Fortes.
Curitiba: Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis – ABGLT, 2003.

Ainda que não se possa afirmar que a realização do Projeto Somos foi o elemento
preponderante na interiorização do movimento no contexto baiano, as notícias coletadas
a respeito dos diversos grupos fundados na Bahia apontam para uma intensificação das
ações LGBT no interior do estado, a partir do ano 2000, e sua relação com a atuação de
grupos localizados na capital, especialmente o Grupo Gay da Bahia (GGB). Tal
hipótese é confirmada pelo depoimento do Prof. Dr. Luiz Mott, antropólogo, um dos

31
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis – ABGLT. Juntos Somos Mais Fortes. Curitiba:
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis – ABGLT, 2003.
89

fundadores do movimento LGBT na Bahia, ao discorrer sobre as relações estabelecidas


entre o GGB e grupos de Salvador e do interior do estado:

Nós sempre fomos um grupo guarda-chuva, pelo fato de ter como fundador e
mantenedor um professor universitário, no caso eu, com um salário fixo, sem
depender do meu sustento de qualquer financiamento para o grupo, e o fato de eu
ter uma visão da importância da divulgação, da fundação de mais grupos. Então,
nós participamos diretamente da fundação do Grupo Lésbico da Bahia, da
Associação de Travestis de Salvador, do Grupo Vida Feliz de portadores de
HIV/Aids e do grupo Quimbanda Dudu de negros homossexuais, também tentando
fazer essa ligação com orientação sexual, raça e etnia. Quanto ao interior, nós
tivemos participação, mesmo antes das paradas, de grupos como em Camaçari,
ajudamos o de Feira de Santana. O primeiro grupo teve problemas administrativos,
colaboramos na fundação do atual GLICH. E o de Lauro de Freitas, o de Simões
filho, e mais tarde o de Ilhéus e Canavieiras, mandando material, indo pessoalmente
alguns de nós lá pra ajudar, mandando estatuto para que eles se registrassem [...].
(sic) (Entrevista concedida à pesquisadora em 01/05/2009.)

Como resultado das estratégias de fomento a novos grupos e de constituição de


redes, nota-se um aumento do número de entidades baianas.

Quadro 03: Entidades baianas, cidade, ano de fundação e ano de filiação à ABGLT

Entidade Cidade Ano de Ano de filiação


fundação à ABGLT
Associação das Travestis de Salvador – ATRAS Salvador 1995 19/02/1997
Eros – Grupo de Apoio e Luta pela Livre Orientação Sexual do Sul Ilhéus 2002 07/12/2002
da Bahia
Fund e Assoc de Ação Social e DH GLBT de Canavieiras e Região Canavieiras - 24/01/2005
Grupo Gay da Bahia Salvador 1980 31/01/1995
Grupo Gay de Camaçari Camaçari 2000 07/12/2002
Grupo Gay de Dias D'Ávila Dias D'Ávila - 09/11/2003
Grupo Gay de Lauro de Freitas Lauro de Freitas 2005 18/11/2006
Grupo Homossexual da Periferia Salvador - 18/11/2006
Grupo Humanus Itabuna - 18/11/2006
Grupo Liberdade, Igualdade e Cidadania Homossexual – GLICH Feira de Santana - 24/01/2005
Grupo Licoria Ilione Salvador 2001 09/11/2003
Movimento de Articulação Homossexual de Paulo Afonso Paulo Afonso - 09/11/2003
Quimbanda Dudu - Grupo Gay Negro da Bahia Salvador 1995 19/02/1997
Transfêmea Feira de Santana 2002 24/01/2005
GAIH - Grupo de Ação e Integração Homossexual Feira de Santana 1997 -
BAGGI - Grupo Gay de Itororó Itororó - -
Grupo Lésbico da Bahia Salvador - -
GRUPO ADAMOR - Associação em Defesa do Amor entre iguais São Sebastião do Passé 2006 -
PRO HOMO - Associação de Defesa e Proteção dos Direitos dos Salvador - -
Homossexuais
Palavra de Mulher Lésbica Salvador - -
Kiu! Coletivo Universitário pela Diversidade Sexual Salvador 2004 -
Rede Afro LGBT - - -
Fonte: www.abglt.org.br; www.ggb.org.br32

32
As lacunas no quadro referem-se a entidades sobre as quais não foram encontradas informações de data
de fundação e que não se encontram afiliadas à ABGLT, apesar de citadas pelas fontes consultadas.
90

A proliferação de grupos no contexto baiano, entretanto, não representa,


necessariamente, uma atuação mais efetiva do movimento no estado da Bahia. Um
aspecto a ser ressaltado nesse sentido é a não-identificação de dados suficientes para
afirmar que todos os grupos fundados permanecem atuantes. Pouco material é
produzido, sistematizado ou divulgado pelas entidades acerca de sua atuação. A única
exceção a esse respeito parece ser o Grupo Gay da Bahia que, sistematicamente, ocupa
os noticiários e produz informações acerca de suas atividades, divulgando-as por meio
da internet; por isso, é necessário inferir a continuidade dos demais grupos LGBT
baianos a partir da informação produzida por atores externos às entidades, como os
meios de comunicação e órgãos governamentais. A questão da continuidade dos grupos
de ação coletiva nesse setor, talvez, esteja relacionada ao que o Prof. Luiz Mott, em seu
depoimento, concebe como a dificuldade de formação de lideranças no contexto baiano,
o que, a seu ver, seria explicada pela inexpressiva presença do movimento, e do GGB
em especial, no meio universitário. De acordo com Mott, diferentemente do que ocorre
nas organizações do sul e sudeste, onde a participação ativa de intelectuais e pessoas
com grau de instrução mais elevado é expressiva, poucos são os homossexuais com
ensino superior que se dispõem a realizar um trabalho contínuo no movimento LGBT
baiano, o que dificultaria a elaboração de projetos, a prestação de contas, a realização de
palestras, dentre outras atividades. Esta seria, na sua visão, a origem do que identifica
como uma crise institucional vivenciada pelo Grupo Gay da Bahia, por exemplo.

Ainda no campo dos repertórios de ação voltados para a articulação do


movimento, destaca-se o Fórum Baiano de ONGs Homossexuais (FOBONGHO),
fundado em oito de outubro de 2004 e que funcionou até o ano de 2006; reuniu, à época,
treze grupos LGBT do estado33. Apesar das notícias encontradas relatando o início do
Fórum, não foram encontradas informações que pudessem contemplar os
encaminhamentos realizados pelo mesmo, talvez por ter havido, conforme Mott, uma
frágil articulação.

Apesar da avaliação de Mott acerca da pouca efetividade do mecanismo do


Fórum àquela época, os dados apontam para a continuidade da iniciativa, ainda que

33
<www.mixbrasil.com.br> (08/10/2004). Acesso em:15 de novembro de 2008.
91

reformulada, na medida em que outras entidades baianas voltaram a se articular através


do Fórum de Grupos GLBTT da Bahia. Essa nova rede aprovou, em 2008, um novo
Regimento e definiu calendário para a eleição do Colegiado Biênio 2008/2010 que, de
acordo com a notícia analisada34, contou com a participação de 26 grupos LGBT da
capital e do interior do estado, a exemplo do Grupo Gay de Camaçari, da Associação de
Travestis de Camaçari, PRO HOMO, Rede AFRO LGBT, Coletivo KIU!, GLICH,
OHGA e Cavaleiros de Shangri-lá. Na ocasião, foi eleito um Colegiado Provisório, que
representou os grupos filiados ao Fórum na interlocução com a Secretaria de Justiça,
Cidadania e Direitos Humanos do Estado da Bahia, visando tratar da I Conferência
Nacional LGBT. A atuação do Fórum para viabilizar a I Conferência Nacional
funcionou como elemento motivador da rearticulação dos grupos baianos e permitiu a
convivência entre novas e antigas formas da militância LGBT, tal como grupos não
filiados à ABGLT, com menor grau de institucionalização ou não-institucionalizados, a
exemplo do Coletivo KIU!

Em algumas situações, um repertório de ação coletiva específico pode dar


origem a redes que visem fortalecê-lo e aumentar o seu impacto na esfera pública. É o
caso da realização das paradas gays, que motivou o surgimento da International
Association of Lesbian, Gay, Bisexual, Transgender and Intersex Pride Coordinators -
InterPride, com o objetivo de criar redes de contato e comunicação entre organizações
que realizam “os eventos do orgulho gay”35, potencializando a sua realização no âmbito
mundial, com a finalidade última de favorecer o desenvolvimento de um sentimento de
orgulho em relação à condição LGBT. A partir de 1984, a organização passou a eleger,
anualmente, um tema internacional do orgulho LGBT, muitas vezes adotados pelos
organizadores locais das paradas gays:

34
<http://www.sjcdh.ba.gov.br/noticias/noticia01_230408.html>. Acesso em: 15 de dezembro de 2008.
35
A associação considera como “eventos do orgulho” paradas, marchas, comícios, feiras, eventos
artísticos, culturais e qualquer atividade: dirigida ao público LGBTI; que aumente a visibilidade e a
valorização desse grupo social; que celebre acontecimentos históricos relevantes à causa; ou que seja
realizada, periodicamente, por uma “entidade do orgulho” (organizações sem fins lucrativos que tenham
entre seus objetivos ou atividades principais a produção de Eventos do Orgulho).
<http://www.interpride.org/171/Missão.htm>. Acesso em: 20 de dezembro de 2008.
92

Quadro 04: Temas internacionais adotados pela Interpride, 1984 - 2008

Ano Tema
1984 Unidade e Tudo Mais em 84
1985 Com Vida e Orgulho em 85
1986 Juntos Adiante
1987 Com Orgulho, Força e União
1988 Legitimamente com Orgulho
1989 Stonewall 20 – Uma Geração de Orgulho
1990 Olhe para o Futuro
1991 Unidos e Unidas no Orgulho
1992 Orgulho = Poder
1993 Uma Família de Orgulho
1994 Stonewall 25 – Uma Comemoração Mundial do Orgulho e do Protesto de Lésbicas e Gays
1995 Orgulho – Do Silêncio à Comemoração
1996 Orgulho sem Fronteiras
1997 Igualdade pela Visibilidade
1998 Unidade em Toda a Diversidade
1999 Passado de Orgulho, Futuro de Poder
2000 Orgulhe-se, Alegre-se, Aja
2001 Abrace a Diversidade
2002 Orgulho em Todo o Mundo
2003 Paz pelo Orgulho
2004 Vive La Différence
2005 Direitos Iguais: Nem Mais, Nem Menos
2006 Orgulho Sim, Preconceito Não
2007 Unidos e Unidas pela Igualdade
2008 Viva, Ame e Seja
Fonte: http://www.interpride.org/158/Portugese_Home.htm. Acesso em: 20/01/2009

A realização de paradas com repertório dirigido, principalmente, à sociedade civil, é


uma das mais fortes estratégias do movimento em busca de visibilidade, inclusive no
contexto baiano. De acordo com cartilha organizada por Mott, em 2004, promover
paradas diz respeito a sete objetivos principais: dar visibilidade massiva a esse
segmento da sociedade enquanto cidadãos, eleitores e consumidores; reforçar a auto-
estima dos participantes enquanto homossexuais que devem ter os seus direitos
respeitados; funcionar como um ritual de iniciação para que cada vez mais
homossexuais possam se assumir; mostrar à sociedade global a existência da
diversidade sexual e estimular o respeito à livre orientação sexual, de gênero e estilo de
vida; fomentar a solidariedade entre o movimento LGBT, outras minorias sociais,
entidades de classe e representantes de diferentes setores sociais, com vistas à eleição de
candidatos LGBTs e/ou aliados comprometidos com as suas demandas; ampliar o
movimento homossexual organizado por meio da arregimentação de novos militantes;
93

denunciar à sociedade e à mídia as diferentes manifestações de homofobia dirigidas aos


LGBTs e orientar estes últimos no sentido de como se defenderem; e, por fim,
transmitir informações acerca da prevenção às DSTs/Aids.

Além do crescimento do número de eventos ocorridos pelo país, observa-se, no caso


baiano, um aumento significativo do número de paradas realizadas no interior do estado,
o que representa uma tendência de interiorização do movimento. Tal aumento se deu,
principalmente, entre os anos de 2004 (ano de lançamento do Programa Brasil sem
Homofobia), 2005 e 2006.

Quadro 05: Realização de paradas LGBT na Bahia, 2002 – 2008

Ano de Município Total de


realização municípios /
ano
2002 Salvador, Feira de Santana, Camaçari 3
2003 Salvador, Feira de Santana, Camaçari 3
2004 Salvador, Feira de Santana, Camaçari, Itabuna 4
2005 Salvador, Feira de Santana, Camaçari, Itabuna, Dias D‟Ávila, Ilhéus, 8
Nazaré da Farinhas, Valença
2006 Salvador, Feira de Santana, Camaçari, Itabuna, Dias D‟Ávila, Ilhéus, 15
Nazaré da Farinhas, Valença, Ilhéus, Simões Filho, São Sebastião do
Passé, Vera Cruz, Lauro de Freitas, Mata de São João, Jequié
2007 Salvador, Feira de Santana, Camaçari, Itabuna, Dias D'Ávila, Ilhéus, 16
Nazaré das Farinhas, Valença, Simões Filho, São Sebastião do Passé,
Vera Cruz, Lauro de Freitas, Mata de São João, Jequié, Alagoinhas, Luís
Eduardo Magalhães
2008 Salvador, Feira de Santana, Camaçari, Itabuna, Dias D'Ávila, Ilhéus, 16
Simões Filho, São Sebastião do Passé, Lauro de Freitas, Mata de São
João, Camaçari (Arembepe), Alagoinhas, Castro Alves, Cruz das Almas,
Pojuca, São Francisco do Conde, Santo Amaro da Purificação
Fonte: http://www.abglt.org.br/port/paradas2006.php; http://www.abglt.org.br/port/paradas2007.php;
http://www.abglt.org.br/port/paradas2008.php; http://www.abglt.org.br/port/paradas2009.php. Acesso em: 20
de janeiro de 2009.

A preocupação do movimento LGBT baiano em estimular a realização de


paradas nos municípios do interior do estado pode ser constatada pela divulgação de
materiais como “ABC DAS PARADAS GAYS - Cartilha com informações úteis de
como potencializar as Paradas GLTBS”, organizada por Luiz Mott, em 200436. A
Cartilha informa sobre os objetivos das paradas e a importância da participação nesse
tipo de evento; fornece orientações práticas para paradas bem sucedidas, estratégias para

36
<http://www.abglt.org.br/port/paradasabc.php>. Acesso em: 20 de janeiro de 2009.
94

“politizar” o evento, sugestões de palavras de ordem, orientações para a organização de


tarefas e, por fim, sugestões para dar “maior brilho” às paradas.

O aumento do número de paradas LGBT também pode ser observado, de acordo


com dados da ABGLT, dentro de um mesmo município. Em Salvador e Camaçari,
outras paradas de menor porte foram realizadas entre os anos de 2006 e 2008, ainda que
de forma intermitente.

Quadro 06: Paradas realizadas em Salvador e Camaçari 2006-2008

Ano de realização Município / Bairro / Localidade


2006 Salvador / Paripe
Salvador / Periperi
Salvador / Rua das Vassouras
Camaçari / Arembepe
2007 Salvador / Paripe
Salvador / Nordeste de Amaralina
Camaçari / Arembepe
2008 Salvador / Subúrbio Ferroviário
Salvador / Cidade Baixa
Salvador / Brotas, Cosme de Farias e Luis Anselmo
Salvador / Nordeste de Amaralina
Salvador / Vale das Pedrinhas
Fonte: http://www.abglt.org.br/port/paradas2006.php; http://www.abglt.org.br/port/paradas2007.php;
http://www.abglt.org.br/port/paradas2008.php; http://www.abglt.org.br/port/paradas2009.php Acesso em: 20
de janeiro de 2009.

Um aspecto relevante a respeito da organização das paradas é a existência de


apoio governamental através dos órgãos de saúde, o que de certo modo pode ser um
indício da dificuldade do movimento em conferir legitimidade à sua causa, diante do
Estado, para além da parceira já existente no campo do combate à Aids. Mais
recentemente, é possível constatar o apoio de algumas secretarias de cultura, bem como
de alguns prefeitos, como é o caso do apoio da prefeita de Lauro de Freitas, Moema
Gramacho (PT) às paradas organizadas pelo Grupo Gay de Lauro de Freitas (GGLF),
entre 2006 e 2008. Na Bahia, constata-se a presença marcante de entidades em paradas
realizadas fora dos seus municípios de origem, o que denota a existência de um outro
tipo de apoio não vinculado a recursos materiais, mas, sim, relacionado à troca de
experiências e à solidariedade para o fortalecimento das entidades dos municípios do
interior do estado, haja vista a maior dificuldade que elas encontram para a afirmação da
identidade LGBT e visibilidade na esfera da ação pública.
95

Há, também, a realização de protestos em ocasiões específicas, ainda que estes


tenham um potencial menor de mobilização. No caso dos protestos na Bahia, é possível
notar que ocorrem devido a acontecimentos de alcance local e nacional ou mesmo
global. É o que mostram as notícias sobre manifestações realizadas pelos grupos LGBT
baianos analisados: as notícias locais referem-se, principalmente, à reivindicação do
direito de expressar afeto em público e de freqüentar espaços públicos. Eis alguns
exertos de notícias que ilustram a questão:

Ação de combate ao preconceito na frente do Bar Toca do Caranguejo

O GGB estará na sexta-feira, dia 3 de fevereiro às 17hs, fazendo um ato público de


protesto à frente do Bar no Rio Vermelho que fica a Rua Brigadeiro Faria Rocha, em
frente à Rua Fonte do Boi. A entidade levará cartazes e faixas de protesto contra
atitude discriminatória promovida pelo Bar. “Nós vamos fechar este bar com fitas,
amarelas e pretas, não vamos mais permitir que situações como estas aconteçam
novamente em Salvador”. Disse, “Se os dois rapazes estivessem fazendo ato de
atentado ao pudor, eles não teriam auto-estima para denunciar ao GGB e nem à
Policia local. Que o ato deles sirva de exemplo a todos os homossexuais”, conclui.

Disponível em: http://www.farofadigital.com.br/direito_beijaco.htm. (2 de fevereiro


de 2006). Acesso em: 10 de janeiro de 2009

Beijaço mobiliza noite no Quixabeira

Tudo estava tranqüilo como de costume na noite de sábado, 14/09, no Bar e


Restaurante Quixabeira, nos Barris, quando um grupo de garotas chegou com a
notícia de que, às 12hs, iria acontecer um beijaço: diversos casais se beijando ao
mesmo tempo em forma de protesto. O ato foi organizado pelas garotas, em
solidariedade a um casal de amigas que teriam sido abordadas por uma funcionária
do bar, sob alegação de que o ambiente não permite beijo e nem outra demonstração
de carinho dessa natureza entre pessoas do mesmo sexo.

Os casais de gays e lésbicas se posicionaram no pátio e no primeiro andar do bar. Às


12hs, um apito dava o sinal de que era o momento do beijaço. Cerca de 10 casais
homossexuais começaram a se beijar por alguns segundos, sob aplausos dos demais
clientes que estavam no recinto e assistiam a tudo com muita atenção e curiosidade.
“Este é um ato contra a opressão e em favor do beijo livre entre todos as pessoas,
gays, lésbicas e heterossexuais. O beijo não pode ser limitado, é um direito”,
exclamou aos gritos a médica baiana Jamile Castro, uma das organizadoras do
manifesto.

“A sociedade ainda não está preparada para isso”, declarou Ana Jaleco, gerente do
estabelecimento. “Por que é que se necessita de um espaço para beijar, porque não
nos pontos de ônibus, em casa, no shopping, por que tem de ser só no bar?”,
argumentava indignada aos participantes. A situação criou um clima de estresse entre
os funcionários e os organizadores do movimento, que logo foi sanado. Mas a
proibição, ao que parece, deve continuar.

Disponível em: http://www.ggb.org.br/moviment_glbt4.html. (s.d.) Acesso em: 10 de


janeiro de 2009
96

Gays querem direito de freqüentar praia nudista na Bahia

Um grupo de homossexuais invadiu na manhã de 5 de janeiro a reserva naturalista da


Vila de Massarandupió, no município de Entre Rios na Bahia. A caravana composta
por militantes homossexuais ligados ao Grupo Gay da Bahia (GGB) reivindicou o
direito que os demais praticantes do naturalismo têm de ficarem nus na reserva. Esta
decisão foi tomada por parte dos militantes a partir de uma série de denúncias feitas
por homossexuais ao GGB, relatando que foram impedidos de permanecer na praia
por parte do Sr. Miguel Gama, presidente da Associação Baiana de Naturismo e,
segundo os mesmos, a negativa tinha como base a sua orientação sexual. O protesto
começou por volta das 10hs da manhã e se estendeu até às 14hs, concentrando-se em
frente à barraca de Miguel Gama, que não quer a presença de homossexuais no local
e é categórico em afirmar que não aceita homossexuais e, sim, casais e famílias. "Os
gays que freqüentaram a praia faziam coisas imorais na área", declamou, alertando
que tinha fotos impublicáveis de gays em cenas de sexo, começando o bate-boca.
"Isso é apelação baixa, a praia é um espaço público e se existe normas éticas, elas
devem ser aplicadas a todos, independente de orientação sexual”, disse Marcelo
Cerqueira, presidente do Grupo Gay da Bahia e Secretário de Comunicação da
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis (ABGLT).

Disponível em: http://www.ggb.org.br/gays_querem_direitodefrequentar_praianudista.html


(s.d.). Acesso em: 10 de janeiro de 2009

Além das questões locais, questões de repercussão nacional têm sido


motivadoras da atuação dos grupos baianos, o que aponta para a existência de uma rede
de troca de informações consolidada entre entidades de diferentes estados, haja vista
muitas dessas mobilizações ocorrerem em diferentes estados do Brasil de forma
concomitante. Como exemplos dessa rede em nível nacional podem ser citados os
grupos de discussão sobre a temática LGBT na rede mundial de computadores
Gaylawyers e ListaGLS. Por meio dessas redes, são veiculadas tanto notícias já
amplamente divulgadas nos meios de comunicação oficiais, quanto notícias com menor
repercussão, mas que podem se tornar relevantes para os meios de comunicação, a partir
da realização estratégica de protestos por parte do movimento. Alguns exemplos a
seguir:

Gays protestam contra a homofobia em Salvador

Integrantes do Grupo Gay da Bahia (GGB) promoveram na praça da Piedade, no


Centro de Salvador, ato público para assinalar o dia 17 de maio como dia nacional de
combate a homofobia, que quer dizer ódio aos homossexuais ou a coisas relativas aos
mesmos, portando faixas com os dizeres, “viver sem violência é um direito dos
homossexuais de todas as raças” e “uma vida inteira sem violência, 17 de maio pela
erradicação da homofobia”.

Além das faixas, os gays fizeram um grande varal onde estenderam recortes de jornais
e flanelas com nomes de homossexuais que foram assassinados nos últimos 20 anos.
97

Duas camisetas que pertenceram a Joel Lobo, assassinado em 2003 em Salvador, foram
estendidas no Varal da Vergonha e da Impunidade. “Nossa ação é para chamar atenção
das pessoas para o combate e erradicação da homofobia em nossa sociedade”, disse
Marcelo Cerqueira, presidente do GGB.

A Manifestação teve início às 15hs e seguiu até as 18hs, na Praça Municipal. Após o
término, os homossexuais seguiram em grupo para a sede do GGB que fica no
Pelourinho, Centro Histórico de Salvador. Grupos homossexuais de todo o Brasil foram
hoje às ruas protestar. Os relatos das ações serão enviados para uma Central Gay em
Paris que deverá proceder um relatório mundial. Confira galeria de fotos no portal -
http://portal.marccelus.com/ - Salvador, 17 de maio de 2006 – Da equipe local. (MC).

Disponível em: http://www.ggb.org.br/homofobia_ato_piedade.html. (17 de maio de


2006). Acesso em: 10 de janeiro de 2009

Gays protestam contra homofobia do Exército

Grupo de homossexuais na Bahia protestaram pacificamente na tarde de hoje, à frente do


9º Quartel do Exército Brasileiro na Praça da Mouraria, em Salvador, para chamar
atenção do Exército contra a prisão dos dois sargentos que foram detidos após declaração
à imprensa nacional sobre a sua orientação sexual e a relação que ambos viviam na vida
privada e social.

A situação dos sargentos tem causado a solidariedade de muitos grupos homossexuais.


Para Luiz Mott, que esteve presente ao protesto, o exército tem de evoluir nessas questões
de sexualidade. “Tem de distingir vida privada, civil e vida militar. Quando eles tiram a
farda e vestem a calça jeans são civis e devem ter vida de civil, no Quartel é outra coisa e
a disciplina deve ser para todos”, alerta o ativista, que ainda tem outra posição em relação
ao caso. “O Exército tem de entender que existe uma mudança cultural em curso na
sociedade Brasileira e ninguém deve ser punido por ser homossexual”, conclui.

O ato de protesto promovido em Salvador pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) aconteceu
paralelamente no mesmo horário no Rio de Janeiro e Goiânia. Em Salvador, cerca de
trinta pessoas participaram da manifestação.

Compareceram os grupos Palavra de Mulher Lésbica, Associação de Travestis de


Salvador, Núcleo de GLBT do Partido dos Trabalhadores, Diadorim da Universidade
Estadual da Bahia (UNEB) e Associação Pro Homo.

Disponível em: http://www.ggb.org.br/sargentos_exercitoato_no%20quatel.html (20 de


junho de 2008). Acesso: 10 de janeiro de 2009.

GGB protesta no HEMOBA contra discriminação a sangue gay

O Grupo Gay da Bahia realiza protesto nesta 4ª feira, às 10hs, no HEMOBA, para
denunciar o preconceito da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que
através da resolução 153/2004 considera inabilitados para a doação de sangue "homens
que tiveram relações sexuais com outros homens em um prazo de 12 meses antes da
coleta”.

Para o Prof. Luiz Mott, Fundador do GGB, e que desde 1996 protesta junto ao Ministério
da Saúde contra esta resolução, “o política e cientificamente correto é perguntar e excluir
doadores que tenham mantido relações de risco sem camisinha, com parceiros
98

desconhecidos, pois o simples fato de ser homossexual ou manter relações homoeróticas


não implica obrigatoriamente maior risco de infecção pelo HIV.” E completa: “a pergunta
certa deve ser: você teve relações de risco? E não “você pertence a um grupo de risco?”
Hoje a Aids atinge indistintamente mulheres, heterossexuais, idosos.
Segundo o Presidente do GGB, Marcelo Cerqueira, "com este protesto, o Grupo Gay da
Bahia e o Centro Baiano Anti-Aids pretendem chamar a atenção do Ministério da Saúde
para que seja revogada tal proibição, pois ela reforça o preconceito e discriminação anti-
homossexual. A cada dois dias, um gay ou travesti é barbaramente assassinado no Brasil,
vítima da homofobia”.

Disponível em: http://www.ggb.org.br/protest_sangue_ggb.html (s.d.). Acesso em: 10 de


janeiro de 2009.

Os protestos locais motivados por questões internacionais, por sua vez, se


referem, principalmente, à crítica aos governos nacionais considerados coniventes ou
violadores dos direitos fundamentais de LGBTs e às instituições religiosas que
condenam a homossexualidade.

GGB protesta contra homofobia na África

Antes da abertura da 2ª Ciad (Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora),


cerca de 50 integrantes do GGB (Grupo Gay da Bahia) fizeram uma manifestação
contra 24 países africanos que criminalizam o homossexualismo. Com faixas e
cartazes, os integrantes do GGB pediram para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
romper as relações diplomáticas com os "países homofóbicos" e compararam as leis
que combatem o homossexualismo à escravidão. "Na África, os gays são tratados
como escravos", dizia um cartaz.

Disponível em: http://www.ggb.org.br/ciad_ggb_protesta.htm (12 de julho de 2006).


Acesso em: 10 de janeiro de 2009

Gays comemoram saída de Fidel, mas exigem reparação por perseguição em


Cuba

A aposentadoria de Fidel Castro como comandante supremo de Cuba é um alívio


para os homossexuais, cuja principal organização de defesa no Brasil, o Grupo Gay
da Bahia (GGB), divulgou nota ontem “exigindo” que “o ditador, antes de morrer,
reconheça e peça perdão, pelos graves erros da revolução cubana, responsável pela
desmoralização, perseguição, prisão em campos de concentração com trabalho
forçado, tortura, expulsão e morte de milhares de gays, travestis e lésbicas”.

Conforme o presidente do GGB, Marcelo Cerqueira, “Fidel Castro tem uma dívida
histórica a ser resgatada com a humanidade: deve assumir que errou gravemente em
tornar Cuba um inferno para os homossexuais e transexuais, causando muita dor,
sofrimento, estigmatização e morte de milhares de amantes do mesmo sexo”.

Endossando as inúmeras denúncias sobre a perseguição aos homossexuais na Ilha, o


Grupo Gay da Bahia vai realizar em março, na capital baiana, uma exposição de fotos
e depoimentos, documentando a homofobia em Cuba.
99

Disponível em: http://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=842186 (22 de


fevereiro de 2008). Acesso em: 10 de janeiro de 2009.

GGB denuncia morte de gays durante cúpula internacional

Aproveitando a realização das Cúpulas de Integração e Desenvolvimento da América


Latina e Caribe e da União de Nações Sul-Americanas, o Grupo Gay da Bahia
(GGB) divulgou nesta segunda-feira (15) uma nota pública denunciando assassinatos
de homossexuais no continente.

Conforme a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS) “a América Latina e


Caribe formam a região onde se comete o maior número de crimes homofóbicos no
mundo: mais de 2700 assassinatos no Brasil entre 1980 e 2005; mais de mil no
México nos últimos nove anos, e 50 na Argentina entre 1989 e 2004”.

De acordo com Marcelo Cerqueira, presidente do GGB, os únicos chefes de estado


latino-americanos a defenderem publicamente os direitos dos homossexuais são o
Presidente Lula, a Presidenta do Chile Michelle Bachelet e o do Equador, Rafael
Correa, que ao defender a união civil homossexual disse “temos de reconhecer a
dignidade de todas as pessoas, sem discriminação baseada em raça, sexo e orientação
sexual”. O Presidente Lula, ao abrir a 1ª Conferencia LGBT do Brasil, em junho
passado em Brasilia, declarou: “Precisa criar no Brasil o Dia Nacional da Hipocrisia
para vencer o preconceito, a doença mais impregnada na cabeça do ser humano”.

O Grupo Gay da Bahia, a Associação de Travestis de Salvador, o Grupo Palavra de


Mulher Lésbica e a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis)
exigem através da nota (...) medidas imediatas por parte dos presidentes e
chanceleres de todos os países presentes na Cúpula de Integração e Desenvolvimento
da América Latina e Caribe e da União de NaçõesSul-Americanas (...)

Disponível em: http://correio24horas.globo.com/noticias/noticia.asp?codigo=12405&mdl=50.


(15 de dezembro de 2008). Acesso em 10 de janeiro de 2009.

Gays da Bahia queimam documento do Vaticano na Sé

Em protesto contra a Igreja Católica, que condena a união homossexual, o Grupo


Gay da Bahia realizou ato público em frente à Catedral Basílica de Salvador. O
Grupo queimou o documento papal e distribuiu manifesto condenando o documento
divulgado pelo Vaticano aos fiéis católicos. O documento divulgado no mês de
agosto pelo Vaticano, com assinatura do Papa João Paulo II e do Cardeal Ratzinger,
vem provocando manifestações de protesto em todo o mundo: não só os grupos gays,
mas também políticos, teólogos da libertação e intelectuais denunciam a interferência
da Igreja em assuntos internos dos paises, já que o Vaticano estimula aos
parlamentares a não aprovarem leis que garantam a união civil entre pessoas do
mesmo sexo. No Brasil, até agora, já manifestaram apoio aos homossexuais o
presidente do PPS, deputado Roberto Freire, e Leonardo Boff, este último,
declarando que "se a relação de dois homens ou de duas mulheres for de amor, é algo
tão profundo que tem a ver com Deus”.

Em Salvador, o GGB realizou ato público em frente à Catedral Basílica, com


diversos pronunciamentos de militantes gays contra a intolerância da hierarquia
católica, seguida da queima de um exemplar do documento papal, intitulado
“Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas
homossexuais”. Paralelamente à queima, os homossexuais distribuíram uma carta
100

aberta aos moradores de Salvador e indicavam que quem quisesse o documento


“Modelo de Apostasia a ser enviado ao Bispo da Diocese onde foi batizado”,
procurasse a sede da entidade localizada no Pelourinho. Através do documento, o
GGB estimula os católicos que se opõem a esta cruzada de intolerância homofóbica a
ter a coragem de se afastar oficialmente do Catolicismo.

Disponível em: http://www.ggb.org.br/moviment_glbt4.html (s.d.). Acesso em: 10 de


janeiro de 2009

Esta será a terceira vez que o Grupo Gay da Bahia, o mais antigo da América Latina,
faz protestos contra a homofobia católica: quando das duas visitas de João Paulo II ao
Brasil e nesta primeira visita de Bento XVI. “Não tememos a antipatia dos católicos
mais fervorosos, pois grande parte dos cristãos, inclusive o Presidente Lula,
discordam do Papa e dos Bispos quanto ao uso da camisinha. E a nossa Constituição
proíbe qualquer tipo de preconceito, inclusive contra os homossexuais! Esperamos
que Bento XVI, que teve de pedir desculpas aos muçulmanos por sua crítica a
Maomé, peça perdão de joelhos aos homossexuais, pois tem as mãos sujas de sangue
de todos os gays e travesti assassinados!”, completa o fundador do Grupo Gay da
Bahia. Manifestação: 9 de maio, 4ª feira, 16hs, Terreiro de Jesus em frente à Catedral
de Salvador.

Disponível em: http://www.ggb.org.br/visita_do_papa_aobrasil_protesto_ggb.html (6


de maio de 2007). Acesso em: 11 de janeiro de 2009.

Um repertório recente, e assumido como um dos mais relevantes para o


movimento, é a realização de eventos culturais com o objetivo de promover o respeito
às diferenças e a valorização da “cultura LGBT”. Além do Concurso de Fantasia Gay da
Bahia, realizado desde 1997, ações como debates, palestras, premiações, semanas do
orgulho, caravanas culturais, mostras artísticas, mostras de cinema e caminhadas são
organizadas por grupos LGBT. A presença cada vez mais constante desse tipo de
repertório nas práticas do movimento mostra a preocupação com a relevância de haver
uma transformação cultural para eliminar a discriminação e o preconceito em relação
aos LGBTs. A visibilidade da cultura LGBT é também associada à busca de legitimação
e preservação de espaços de “socialização LGBT”, por meio, inclusive, de um esforço
de interação com o poder público.

Para comemorar 25 anos de sua fundação, o Grupo Gay da Bahia inaugura neste
próximo domingo, 4 de setembro, durante a 4ª Parada Gay da Bahia, a ESQUINA
DO ARCO ÍRIS, que pretende ser um marco simbólico na defesa do respeito à
diversidade sexual. Decora a nova praça um painel de 6 metros com duas serpentes
entrelaçadas, com as seis cores do arco-íris, simbolizando Oxumaré, divindade
andrógina do Candomblé. Aproveitando a abertura de pequena via ainda sem nome
que faz a ligação entre Rua Carlos Gomes e o Largo Dois de Julho, no Centro de
Salvador, o GGB solicitou há três meses ao Presidente da Câmara dos Vereadores
que tal artéria recém-aberta fosse batizada com o nome Esquina do Arco Íris. Na
ocasião, entregou dossiê onde comprova que se trata de uma área tradicionalmente
101

habitada e procurada pela população GLTB, onde funcionou o pioneiro e mais


famoso espaço GLS de Salvador, o Bar Anjo Azul, freqüentado por Jorge Amado e
visitado por Jean Paul Sartre quando esteve nesta cidade. Como a Câmara não
respondeu à demanda dos homossexuais, o GGB deliberou realizar o que chamou de
“pirataria urbana gay”, pintando um painel de seis metros quadrados com duas cobras
entrelaçadas pintadas com as seis cores do arco-íris e afixando a placa batizando o
local como ESQUINA DO ARCO-ÍRIS. Coube a uma dupla de destacados
grafiteiros de Salvador a execução desta obra de arte.

Disponível em: http://www.gaybrasil.com.br/esq.arco-iris-ba.asp?Categoria=Pride&Codigo=2378 (8


de setembro de 2005). Acesso em: 11 de janeiro de 2009.

A atuação do movimento tem ocorrido, ainda, no sentido de denunciar casos de


violência (muitas vezes com morte) contra homossexuais e de acompanhar o
desdobramento dos casos identificados, visando assegurar a punição dos responsáveis
pelos crimes. O Grupo Gay da Bahia mantém um arquivo que documenta as situações
de violência sofridas pelos LGBTs e lança, periodicamente, um relatório que tem por
objetivo dar um panorama local e nacional acerca das violações de direitos de
homossexuais. Os grupos do interior do estado, também, têm denunciado e
acompanhado casos de violência, por vezes buscando os caminhos jurídicos cabíveis
para a responsabilização dos culpados, o que será aprofundado mais adiante na análise
das relações do movimento com o Poder Judiciário. Um dos exemplos deste tipo de
acompanhamento é o assassinato de Israel de Almeida Carlos, ocorrido em 2002 37, e
acompanhado pelo Grupo Liberdade, Igualdade e Cidadania Homossexual (GLICH), de
Feira de Santana. Trechos da carta dirigida a integrantes do movimento LGBT
descrevem o acompanhamento dado pelo grupo ao caso, no período compreendido entre
os anos de 2002 e 2007.

Enfim, depois de seis anos de buscas, incertezas, sofrimentos, inúmeros protestos,


incansáveis idas a delegacias, necrotério, matagais e a passagem de 6 delegados de
polícia no caso, chega ao fim, em parte, a história trágica da morte do homossexual
Israel de Almeida Carlos, raptado, assassinado, esquartejado e (que) teve seu corpo
ocultado. Segundo relato de "Porco Russo" (assassinado em 2007) único réu confesso

37
Segundo arquivo do Grupo Gay da Bahia (Fonte: Grupo Liberdade Igualdade e Cidadania
Homossexual, Folha do Estado e Tribuna Feirense/BA em 24/5/2003) ISRAEL DE ALMEIDA
CARLOS, 31, negro, homossexual, técnico em contabilidade, foi morto em 08/09/2002 a golpes de
enxadada e picareta na cabeça, na cidade de Santo Estevão. Após seis meses de desaparecimento foram
presos os assassinos Gilmar Coelho de Araújo, “Bob”, companheiro da vítima, Alex Fabiano Freitas
Lima, “Porco Russo”, Marcos Geovane Araújo e Valdir Ferreira da Silva, pai de santo; Alex Fabiano
disse que foi contratado por “Bob” para matar Israel, pois este tinha muito ciúme da noiva de Alex que
estava grávida. O delegado José Carlos das Neves, 1º DP, contou que, no depoimento do assassino, Alex
Fabiano molhou a flanela com éter e colocou no rosto da vítima, que desmaiou, sendo levada para um
local onde os outros já estavam esperando. O corpo foi levado depois para um matagal na BR 116 Sul.
102

do crime, a morte de Israel teria sido planejada pelo seu amante há quatro anos,
sujeito de pré-nome "Bob", juntamente com Keila (namorada de Bob). (...) Após
cinco dias ao desaparecimento de Israel, o grupo, a família e os amigos fizeram uma
varredura em terrenos baldios próximo às casas de shows que Israel costumava
freqüentar. Fotos em jornais e aparição em programas de televisão procurando por
Israel foram feitos durante meses.
Em 2003, a polícia (...) chegou até Porco Russo que, preso, confessou o crime e
delatou todos os envolvidos (...). Um mês depois todos os suspeitos foram soltos por
força de um Habeas Corpus apresentado pelo advogado dos réus, alegando a não
materialização do crime. Ainda em 2003 um saco de ossos humanos foi encontrado
na casa de show "Mega Fest" local onde Bob trabalhava e onde Israel foi visto pelo
última vez.
Em 2005 a ossada foi remetida para Salvador para realização de exames de DNA, o
teste deu negativo. Novas angústias, sofrimento, manifestações, troca de delegados,
coordenadores de polícia, envolvimento político (o dono da casa de show é amigo de
um grande deputado), e assim tudo voltou à estaca zero, ou seja, faltava a
materialização do crime.
(...) Em 2007, restando apenas 5 ossos, um novo exame de DNA foi solicitado pela
policia técnica (...), o exame de DNA comprova como sendo de Israel a ossada
encontrada na casa de show em 2003.
(...) Seus ossos serão cremados dentro em breve, assim que sair a autorização dos
médicos legistas; um grande ato político estaremos organizando neste dia. (...)

Disponível em: http://br.groups.yahoo.com/group/gaylawyers/message/42761 (14 de


fevereiro de 2008). Acesso em: 20 de janeiro de 2009.

Além da denúncia e acompanhamento de casos de violência, principalmente

física contra homossexuais, o movimento nos âmbitos transnacional, nacional e local,

também, tem se manifestado publicamente em relação a casos considerados pelo


movimento como de preconceito e discriminação nas relações interpessoais, na relação
com o poder público, nos meios de comunicação e em produções culturais diversas. O
direito à expressão pública do afeto e a estereotipia do homossexual aparecem como
temas recorrentes nas manifestações dirigidas aos meios de comunicação:

Band veta beijo lésbico no Carnaval de Salvador

Um repórter da Band foi acusado de censurar um beijo lésbico durante a cobertura do


Carnaval em Salvador (BA). A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais,
Travestis e Transexuais flagrou a cena e pediu "providências" à emissora, que ainda
não se manifestou sobre o caso.
A carta de Toni Reis, presidente da ABGLT, foi enviada a três diretores do canal
(Elisabetta Zenatti, direção geral de programação e artístico, Fernando Mitre, direção
nacional de jornalismo e Marcelo Mainardi, direção executiva comercial).
A Associação relata que, na última segunda-feira, por volta das 17h45, o repórter
Érico Aires impediu duas mulheres de se beijarem, diante das câmeras, em
transmissão ao vivo.
Era uma ação de merchandising da marca de creme dental Close-Up. Casais
deveriam se beijar para ganhar kits promocionais. Dois casais heterossexuais já
estavam se beijando quando as duas mulheres começaram a se aproximar.
103

"O repórter, então, apresentou descontrole e gritou: 'Duas mulheres, não. Mulher com
mulher, não. Beijar mulher e mulher, não'. Com o desconforto da situação, surgiu
uma voz em off, encerrando o quadro, mas ainda foi possível ouvir o rapaz dizer 'vou
arrumar dois homens para vocês' ", relata Reis, em sua carta enviada à Band.
Na opinião do militante, é "inadmissível que uma emissora do porte da Bandeirantes
apresente tal atitude discriminatória", principalmente no ano em que o Brasil realiza
sua 1ª Conferência Nacional GLBT, convocada pelo presidente da República.
A Folha Online procurou a assessoria da Band e pediu um comentário sobre a carta
da ABGLT, mas ainda não recebeu uma resposta.

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/colunas/destaquesgls/ult10009u370115.shtml (6


de fevereiro de 2008). Acesso em: 18/12/2008

Apesar de tais manifestações do movimento, não se pode afirmar que estas


sejam estratégias sempre bem sucedidas. Para Luiz Mott, os casos com desfecho
favorável, ainda hoje, têm sido mais uma exceção do que uma regra:

Agora, felizmente, teve esse caso da condenação do Bradesco, desse funcionário


bancário que foi durante anos discriminado, e conseguiu, vai conseguir, uma
indenização bastante significativa e que o GGB desde o começo participou, como
ele próprio declarou em recente entrevista no site “A Capa”. Na penúltima parada,
ele chegou a mandar fazer diversos cartazes com o nome do Bradesco e a suástica
nazista. De modo que nós tivemos algumas vitórias logo na fundação do GGB,
junto ao CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, em
que uma propaganda, se eu não me engano das Casas Bezerra, mostrava um
homossexual ultra estereotipado sendo ameaçado com revólver, com muito
deboche. Nós conseguimos a retirada do ar desse anúncio, mas em termos de
legislação (...) Eu tenho aqui quase, talvez, quase dez processos que eu como autor,
denunciei, sejam jornalistas, sejam órgãos como praticantes de homofobia, e
nenhum desses processos foi concluído, ou caducou, ou foi negado, o que mostra,
de fato, uma forte homofobia por parte do Judiciário na Bahia. (sic) (Entrevista
concedida à pesquisadora em 01/05/2009).

4.3 O movimento LGBT olhando para fora

Um dos aspectos mais marcantes na relação entre o movimento LGBT e o


Estado brasileiro continua sendo a luta pela aprovação de leis. Apesar dos documentos
analisados demonstrarem um esforço cada vez maior por parte do movimento no
sentido de pressionar e lutar pela aprovação de leis em âmbito nacional, nenhum
resultado concreto foi alcançado. A dificuldade para a legitimação das demandas do
movimento, no Congresso Nacional, pode ser percebida observando o percurso dos
projetos que contemplam três das principais demandas, de acordo com a Carta de
104

Belém38. Os projetos registram a existência de avanços em nos âmbitos estadual e


municipal, no que se refere tanto à criação de legislações anti-discriminatórias quanto à
implementação de políticas públicas voltadas para os grupos LGBTs 39. Porém, apontam
para a existência de uma situação inversa no âmbito nacional, caracterizada pelo
documento como uma situação de interdição da agenda LGBT no Congresso Nacional.

Os projetos de lei prioritários para o movimento, de acordo com a Carta de


Belém, são o PLC nº 122, de 2006, que criminaliza a discriminação contra pessoas
LGBT; o PLC nº 072, de 2007, que retifica o registro civil das/os transexuais; o PL nº
2.976, de 2008, que garante a inclusão do nome social das travestis; e o PL nº 4.914, de
2009, que estende às uniões entre pessoas do mesmo sexo os mesmos direitos da união
estável heterossexual.

O âmbito das lutas no campo legislativo é aquele que melhor traduz a disputa de
significados em torno da legitimidade da condição homossexual. Paralelos aos projetos
que contemplam as demandas do movimento, muitas críticas são construídas, dando por
vezes origem a outras proposições que buscam legitimar posições diametralmente
opostas às do movimento LGBT. Tais estratégias têm resultado no adiamento de
votações ou no abandono dos projetos de lei considerados mais polêmicos, relativos não
só à temática LGBT, mas a outros temas cruciais, a exemplo do projeto que propõe a
redução da maioridade penal.

O PL nº 4.91440, de 2009, por exemplo, é um projeto substitutivo ao da ex-


deputada Marta Suplicy (PT – SP) que reitera a demanda já contemplada pelo Projeto de
Lei nº 1.15141 por ela apresentado em 1995, visando à regulamentação da união civil
entre homossexuais. O projeto foi apresentado em outubro de 1995 e, desde então, teve
a sua votação em plenário adiada até ser, finalmente, retirado da pauta. Denominado

38
Disponível em: http://www.abglt.org.br/port/IIIcongresso.php. Acesso em: 20 de maio de 2009.

39
Como exemplo de políticas públicas o documento faz referência à criação de órgãos públicos voltados à
garantia dos direitos da população LGBT. Tanto no caso das políticas públicas quanto no caso das leis já
aprovadas, o documento destaca, entretanto, a ausência de instrumentos eficazes para a sua aplicação.

40
Disponível em: http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/grupos-de-trabalho/dir-sexuais-reprodutivos/proposicoes
legislativas/noticia_pl_4914.09_uniao_estavel.pdf. Acesso em: 10 maio de 2009.
41
Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/dc_20.asp?selCodColecaoCsv= D&Datain=21/11/1995&
pagina=5827&altura=700&largura=800. Acesso em: 20 de outubro de 2008.
105

inicialmente de “união civil”, o projeto teve o nome alterado no substitutivo para


“parceria civil registrada” – para afastar semelhança com o termo “união estável”.

Com relação ao PLC nº 122, já aprovado pela Câmara dos Deputados, a


construção dos argumentos tanto contrários quanto favoráveis à aprovação da lei
fundamenta-se, sobretudo, no direito à liberdade de expressão: para os LGBT, é o
direito de expressarem a sua orientação sexual sem que isto resulte na ocorrência de
qualquer tipo de discriminação; para seus opositores, é o direito de expressarem um
posicionamento contrário à homossexualidade. Para estes últimos, a lei que criminaliza
a discriminação representa uma postura ditatorial que tem o objetivo de calar aqueles
que “consideram a homossexualidade um pecado diante de Deus” 42 e aqueles contrários
por razões não religiosas, com implicações judiciais para qualquer objeção à relação
sexual entre pessoas do mesmo sexo. Os argumentos baseiam-se na
inconstitucionalidade da lei, na medida em que a mesma entraria em conflito com os
direitos à liberdade de pensamento, consciência, crença, religião ou convicção filosófica
dos opositores expressos na Constituição Federal, além da distinção entre outras
demandas relacionadas ao reconhecimento, como aquelas relacionadas à raça, e a
demanda dos homossexuais pela não-discriminação.

Tenho a nítida impressão de que querem criminalizar o cristianismo e calar os cristãos


na manifestação de sua fé e valores sustentados pela Bíblia. Isso é uma violação
expressa ao princípio constitucional, visto que todos têm o direito de ter a sua fé e
expressá-la livremente, pois isso é inerente à existência humana.

Disponível em: http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=75&materia=863


(outubro de 2007). Acesso em: 10 de janeiro de 2009.

Apesar da não aprovação, até o momento, dos referidos projetos de lei há, em
âmbito nacional, uma única lei aprovada, a Lei nº 11.340/2006 ( Lei Maria da Penha ).
Apesar de não se referir especificamente aos LGBT, essa lei ressalta a orientação sexual
como uma das condições a ser considerada de modo igualitário nas situações
relacionadas à violência doméstica.

42
Disponível em: http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=75&materia=863. Acesso em: 10
de janeiro de 2009.
106

Em sentido contrário às leis que buscam legitimar os direitos dos homossexuais,


outros projetos, fundados na patologização da homossexualidade têm sido apresentados
no Congresso Nacional. Como exemplo, o Projeto de Lei nº 5.816/2005 43 que busca
alterar a Lei 4.119/6244, com o acréscimo de um artigo que permite o auxílio e o suporte
psicológico às pessoas que desejem abandonar o “homossexualismo”45, desde que
realizado por psicólogos habilitados junto aos seus respectivos conselhos profissionais.
A justificativa para tal apóia-se na inexistência de consenso acerca de como devem ser
classificadas as práticas homoeróticas, na necessidade de respeitar os posicionamentos
de cunho religioso dos distintos grupos sociais, bem como na consideração de que
indivíduos que adotam práticas homossexuais podem, posteriormente, desejar mudar a
sua orientação sexual, devendo ter este direito assegurado. O tratamento e a cura da
homossexualidade aparecem, portanto, como um elemento referente ao direito à saúde
que entraria em contradição com os princípios do exercício da profissão de psicólogo,
na medida em que estes incluem a promoção do bem-estar do indivíduo46.

Yanagui (2005), ao realizar um levantamento da produção legislativa a respeito


da temática na Câmara dos Deputados até o ano de 2005, identificou a existência de
trinta proposições que contemplam indicações, requerimentos, projetos de lei e duas
propostas de emenda à Constituição. No Senado, encontrou dois requerimentos. O
Quadro 07, a seguir, aponta as principais produções elencadas por Yanagui (2005):

43
Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/335867.pdf. Acesso em: 20 de novembro de
2008.
44
Disponível em: http://portalsaude.vilabol.uol.com.br/4119_1962.htm. Acesso em: 20 de novembro de
2008.
45
O termo homossexualismo vem sendo cada vez menos utilizado, já que corresponde a uma
postura de patologização da prática homossexual. A sua utilização no projeto de lei permite
entrever uma produção de sentido em que, por ser uma doença, a mesma poderia ser alvo de
tratamento a ser realizado por profissionais habilitados. Tal concepção contraria o próprio
posicionamento do Conselho Federal de Psicologia que na Resolução CFP n.º01/99
(<http://www.pol.org.br/pol/export/sites/default/pol/legislacao/legislacaoDocumentos/resolucao1999_1.p
df>. Acesso em: 20 de novembro de 2008) impede os psicólogos de realizar qualquer tipo de tratamento
visando à cura da homossexualidade.
46
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/335867.pdf>. Acesso em: 20 de novembro de 2008.
107

Quadro 07: Produção legislativa LGBT

Instância Proposição Autor Conteúdo


Senado Requerimento Arthur Virgílio
Pedido ao Secretário Nacional de Direitos Humanos de informações
1.054/2003 (PSDB - AM)
acerca das investigações policiais em curso e versando sobre o
crescimento do número de assassinatos de homossexuais no país.
Requerimento Ideli Salvatti
Pedido de voto de censura do Senado Federal à iniciativa do Prefeito
1.575/2003 (PT - SC)
de Bocaiúva do Sul, Paraná, Sr. Élcio Berti, ao proibir, através de
decreto municipal, a concessão de moradia e a permanência fixa de
qualquer elemento ligado à classe dos chamados homossexuais.
Câmara Projeto de Lei Marta Suplicy Regula a união entre pessoas do mesmo sexo.
Federal 1.151/95 (PT - SP)
Projeto de Lei Iara Bernardi Estabelece sanções para as empresas que discriminarem as pessoas por
5.003/2001 (PT - SP) motivo de orientação sexual.
Indicação Nair Xavier Sugere ao Poder Executivo a criação do Conselho Nacional dos
3.306/2002 Lobo (PMDB - Direitos dos Homossexuais.
GO)
Projeto de Lei Iara Bernardi Torna crime o preconceito ou discriminação em razão de orientação
5/2003 (PT - SP) sexual.
Projeto de Lei Laura Carneiro Institui o Dia Nacional do Orgulho Gay e da Consciência
379/2003 (PFL - RJ) Homossexual.
Projeto de Lei Elimar Máximo Torna contravenção penal o beijo lascivo entre pessoas do mesmo sexo
2.279/2003 Damasceno em público.
(PRONA - SP)
Projeto de Lei Maninha
Estabelece como crime hediondo o cometido contra homossexuais em
3.817/2004 (PT - DF)
razão de sua orientação sexual.
Projeto de Lei Edson Duarte Torna crime o preconceito ou discriminação em razão de orientação
4.243/2004, (PV - BA) sexual.
Projeto de Lei Eduardo Dispõe sobre a promoção e reconhecimento da liberdade de orientação,
3.770/2004) Valverde (PT - prática, manifestação, identidade e preferência sexual.
RO)
Indicação Milton Cardias Sugere que o Ministério das Relações Exteriores parabenize e apóie o
2.478/2004 (PTB - RS) presidente dos Estados Unidos, George Bush, quanto à sua
manifestação contrária ao casamento entre pessoas do mesmo sexo
Requerimento Iriny Lopes
Realização de audiência pública com objetivo de avaliar a
36/2005 (PT - ES)
implementação do Programa Brasil sem Homofobia e as proposições
referentes à promoção dos direitos e da cidadania de gays, lésbicas,
transgêneros e bissexuais.
Indicação Comissão de Sugestão ao Ministério da Justiça de criação de Delegacias
4.823/2005 Legislação especializadas em crimes e discriminação contra homossexuais
Participativa
Proposta de Paulo Pimenta
Dá nova redação ao inciso IV do art. 3º e ao inciso XXX do art. 7º da
emenda à (PT - RS)
Constituição Federal, estabelecendo entre os objetivos fundamentais da
Constituição
República a inexistência de preconceito em relação ao estado civil,
392/2005)
orientação sexual, crença religiosa e deficiência; proibindo, também, a
diferença salarial e a utilização desses critérios para admissão no
emprego.
Projeto de Lei Elimar Máximo Prevê apoio psicológico às pessoas que desejarem deixar a
5.816/2005) Damasceno homossexualidade
(PRONA - SP)
Fonte: Yanagui (2005). Disponível em: http://www.senado.gov.br/sf/senado/unilegis/pdf/UL_TF_DL_2005_Viviane_Brito.pdf.
Acesso em: 20 de dezembro de 2009.
108

No âmbito estadual, a importância atribuída à interação com o Poder Legislativo


pode ser notada desde os primeiros momentos de atuação do movimento LGBT baiano
que, inicialmente, restringia sua atuação local à cidade de Salvador. O primeiro grupo
organizado do estado, o Grupo Gay da Bahia47 (GGB), fundado em 1980, foi o primeiro
grupo a registrar-se como sociedade civil sem fins lucrativos em 1983 e o primeiro a ser
considerado de utilidade pública pela Câmara Municipal de Salvador-BA, em 1987. A
concentração das ações do movimento em Salvador e a maior facilidade de acesso aos
representantes políticos nesse município resultaram na consagração de algumas
demandas significativas para o movimento. Isto pode ser percebido ao se acompanhar a
sua atuação junto à Câmara Municipal de Salvador, em diversas ocasiões das décadas de
80 e 90: em 1983, com a mobilização de 23 vereadores para a assinatura de um Abaixo
Assinado pela retirada do “homossexualismo” da Classificação Internacional de
Doenças48; em 1984, com a realização da primeira Sessão Solene em comemoração ao
Dia do Orgulho Gay, no município (projeto apresentado pelo então vereador Raimundo
Jorge - PTB); em 1990, com a aprovação da primeira Lei Orgânica Municipal da
América Latina que proibiu a discriminação por orientação sexual, por iniciativa da
então vereadora Beth Wagner (PT) e do vereador Gilberto Gil (PV); e, em 1997, com a
aprovação da Lei Municipal nº 5275/97, de autoria do vereador Maurício Trindade, que
penalizou a homofobia em Salvador.

47
Dentre os grupos baianos existentes, o GGB é o de maior projeção nacional e internacional. Conforme
aponta Conde (2004), sua visibilidade pode ser em boa parte atribuída ao perfil de seus fundadores,
militantes intelectuais, que como outros militantes de movimentos de minorias, posicionaram-se de forma
estratégica nas relações com a academia científica, com os meios de comunicação, com as organizações
de defesa dos direitos humanos, e com o Estado. Um exemplo deste último caso foi a nomeação, por meio
do Decreto nº 3.952/2001, de Luiz Mott, liderança mais conhecida da entidade, como membro titular do
Conselho Nacional de Combate à Discriminação, do Ministério da Justiça.
48
A ação foi parte de uma campanha pela exclusão da homossexualidade do rol de doenças, no qual era
identificada precisamente como desvio e transtorno sexual, conforme o código 302.0 da Classificação
Internacional de Doenças (CID). O Prof. Dr. Luiz Mott liderou essa campanha em várias frentes e acabou
por receber o apoio de entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a
Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências
Sociais (Anpocs), bem como de várias personalidades e de inúmeros parlamentares. Um abaixo-assinado
com dezesseis mil assinaturas apoiava a reivindicação do movimento. O fruto dessa intensa campanha foi
uma resolução baixada pelo Conselho Federal de Medicina, em fevereiro de 1985, pela qual a
homossexualidade deixou de ser considerada uma doença, e passou a integrar uma das outras
circunstâncias psicossociais, como o desemprego, o desajustamento social e as tensões psicológicas
(CFM, 1985). À decisão do CFM, seguiu-se a Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP, 1999),
que instrui os psicólogos a se posicionarem de modo a contribuir para o desaparecimento de
discriminações e estigmatizações e que também não colaborem com eventos e serviços que proponham o
tratamento das homossexualidades.
109

A Lei Municipal nº 5275/97 institui penalidade à prática de discriminação em


razão de “opção”49 sexual em estabelecimentos comerciais, industriais, culturais e
repartições públicas municipais; entende como discriminação o constrangimento, a
proibição de ingresso e permanência, o atendimento selecionado, e o preterimento em
situações como aluguel ou aquisição de imóveis. É interessante observar que, nessa lei,
não estão explicitadas, por exemplo, questões ligadas ao direito ao trabalho, à saúde e à
segurança, o que denota um alcance restrito da mesma no que se refere à garantia dos
direitos humanos dessa categoria social.

Com relação às sanções aos estabelecimentos de atendimento público estão


previstas advertência, multa, suspensão de funcionamento e, como última medida, a
cassação do alvará de licença e funcionamento. Apesar da aprovação da lei, não foi
encontrado nenhum caso em que tenha ocorrido a condenação de algum
estabelecimento. Esse dado, se confrontado com as manifestações do movimento LGBT
baiano contra a discriminação em locais de entretenimento já mencionadas na seção
anterior, indica a não aplicação da lei, de fato.

Além de Salvador, outros municípios baianos têm, mais recentemente, aprovado


leis que incluem em seu texto a discriminação por “orientação sexual” como conduta
passível de penalidade, quais sejam: América Dourada, Araci, Caravelas, Cordeiros,
Cruz das Almas, Igaporá, Ilhéus50, Itapicuru, Rio do Antônio, Rodelas, São José da
Vitória, Sátiro Dias e Wagner51.

A análise da atuação do movimento no campo legislativo demonstra que a


dificuldade para aprovar leis favoráveis aos homossexuais é diretamente proporcional
ao maior alcance da lei. No caso do Governo do Estado da Bahia, nenhuma lei
específica foi aprovada até o momento. Uma tentativa identificada nesse sentido é o
projeto de lei52 apresentado, em 1999, pela então deputada Moema Gramacho (PT), que

49
O termo constante na lei é opção e não orientação sexual. Este último, atualmente considerado pelo
movimento como o mais adequado, só foi adotado de modo consensual posteriormente.
50
Ilhéus aprovou no dia 12 de Dezembro de 2007 o Projeto de Lei 043/2007, que institui penalidades à
Prática de Discriminação em Razão da Orientação Sexual.
51
Não é possível afirmar que estes sejam os únicos municípios baianos que tenham aprovado leis que
garantem os direitos dos LGBT. Os municípios citados foram aqueles referidos nos documentos
analisados pela presente pesquisa sem que tenha sido feito um levantamento exaustivo de todos os
municípios baianos sobre esta questão, já que isto extrapolaria os objetivos do presente trabalho.
52
<http://www.ggb.org.br/proposta_projleiestado.html>. Acesso em: 10 de dezembro de 2008.
110

institui penalidade à prática de discriminação em razão de orientação sexual, e é mais


abrangente do que a lei aprovada pela Câmara Municipal de Salvador. Inclui a
imposição de penalidade tanto a pessoas jurídicas quanto a pessoas físicas; considera
que a discriminação abarca a utilização de termos, expressões ou gestos
preconceituosos. Ao mesmo tempo, o projeto de lei enfatiza não apenas o acesso a
estabelecimentos comerciais, mas também busca assegurar igualdade no tratamento
recebido no ambiente de trabalho, como para contratação ou promoção a postos
superiores, e no acesso à segurança e saúde, na medida em que prevê punição para
funcionários públicos que atuam em delegacias e hospitais. Nesse sentido, pode ser
citado, ainda, o projeto de emenda à Constituição do Estado da Bahia, apresentado em
1999 pela então deputada Rosa Rodrigues (PPB), que propõe a proibição da
discriminação com base na orientação sexual. Há também o projeto de lei, apresentado
no mesmo ano, que dispõe sobre a implementação de um sistema de atendimento
telefônico para recebimento e encaminhamento de denúncias de crimes contra
homossexuais.

O esforço para aprovar leis estaduais que protejam os homossexuais continua,


haja vista a apresentação de novos projetos de lei com conteúdo semelhante, como o
recente de 200753, que se distingue dos anteriores por especificar os diferentes
subgrupos reunidos na categoria homossexual, seguindo a tendência atual do
movimento de especificação da condição diferenciada de bissexual, travesti e
transexual.

Uma faceta relativamente recente da ação coletiva do movimento LGBT é o


esforço por conseguir eleger membros para os poderes Executivo e Legislativo, já que o
movimento entende a necessidade de não somente estabelecer relações críticas e
propositivas de parceria com os governos, mas, também, de ampliar o tipo de
participação e ação existente. Além de influenciar o processo decisório, busca-se
também participar da decisão, uma forma organizada de intervenção não episódica
(Teixeira, 2001). Observa-se, mais uma vez, a necessidade de institucionalização como
uma estratégia para dar consistência às demandas do movimento e garantir a
implementação de leis e políticas públicas pertinentes. Tal estratégia parece estar

53
<http://www.ggb.org.br/proposta_de_legislacaonabahia.html>. Acesso em: 10 de outubro de 2008.
111

fortalecida ao longo do tempo por duas razões: a consolidação do que Conde (2004)
descreve como a fase mais recente do movimento, fortemente voltada para a questão
legislativa; e a consequente percepção de que existe uma enorme resistência para a
aprovação de leis que contemplem os homossexuais, motivada, sobretudo, por posturas
baseadas na religião. Em decorrência, o movimento denuncia a posição contraditória do
Estado, ou seja, o Brasil não vive um Estado laico de fato, vez que, quanto à questão
homossexual, a rejeição das propostas tem, sempre, como argumento, questões morais
de ordem religiosa, as quais relacionam a homossexualidade ao pecado, à doença e à
anomia social (o crime, a violência etc.).

Dessa forma, o esforço para ocupar lugares na política formal tem sido uma
estratégia e parte de um repertório da ação coletiva do movimento. Não se trata, apenas,
da candidatura de gays, lésbicas e apoiadores da causa como uma iniciativa individual
ou mesmo gestada dentro dos partidos políticos; trata-se de uma intervenção do
movimento para estimular o nascimento de candidaturas diretamente ligadas à causa e
motivar os participantes do movimento a votar nesses candidatos, inclusive, como
postura de crítica aos candidatos homofóbicos. Tal estratégia é articulada nacionalmente
e tem desdobramentos locais com o lançamento de candidatos nos âmbitos estadual e
municipal.

A análise dos dados produzidos pelo movimento acerca da busca por um espaço
na política formal demonstra que um investimento crescente tem sido feito neste
sentido. Entre 2000 e 2008, observa-se um aumento expressivo no número de
candidatos de algum modo vinculados à causa. Cabe destacar, aqui, a identificação não
apenas dos candidatos homossexuais ou diretamente ligados ao movimento, mas,
também, daqueles reconhecidos como aliados. O levantamento para as eleições de 2000
e 2004, por exemplo, mostra candidatos que são assumidamente homossexuais e que
advogam mais o seu pertencimento a um grupo identitário reconhecido como minoria
do que a convicções político-partidárias.

Em 2000, dos 25 candidatos homossexuais, 21 foram derrotados.


Paradoxalmente, dos quatro eleitos – um prefeito e três vereadores –, nenhum é ligado
diretamente aos movimentos de direitos humanos para homossexuais ou se elegeu
voltando sua campanha para o público gay. Apesar da campanha lançada pela ABGLT
112

em 2004, para estimular que todas as capitais brasileiras tivessem no mínimo um


candidato abertamente homossexual, o número de candidatos permaneceu baixo e
poucos foram eleitos.

Na eleição de 2008, percebe-se uma mudança de foco. Considerou-se, mais


especificamente, o posicionamento dos políticos com relação às reivindicações do
movimento por meio de duas estratégias: ter candidatos próprios e ter aliados. Entre
estes últimos, é possível perceber uma clara predominância dos partidos de esquerda,
especificamente o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Socialismo e Liberdade
(PSOL) em apoio à causa gay, o que denota a persistência histórica estabelecida entre a
esquerda e a causa LGBT, apesar das divergências significativas entre eles, também
construídas historicamente. Ainda assim, o fato é que a dimensão partidária tem
aparecido com menor importância na postura dos candidatos, o que resulta em encontrar
candidatos filiados tanto a grupos de esquerda considerados como mais radicais, a
exemplo do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), quanto de partidos
de direita, como o então Partido da Frente Liberal (PFL), hoje Democratas. O quadro
abaixo ilustra a questão.

Quadro 08: Total nacional de candidatos às eleições, 2000-2008

Ano Esfera Quantidade


2000 Municipal 25 LGBT
2004 Municipal 34 LGBT
2008 Municipal 157 candidatos
(87 aliados e 70 LGBT)
Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br/paginas/cadernoi/materias/194001-194500/194272/194272_1.html;
http://www.abglt.org.br/port/eleicoes2008.php. Acesso em: 05 de janeiro de 2009.

O crescimento nacional do número de candidaturas corresponde, no âmbito


local, a uma multiplicação do número de candidatos e do número de municípios com
candidaturas de LGBT ou aliados. Em 2008, o panorama se mostra bastante ampliado
nas eleições municipais no Estado da Bahia, conforme mostra o Quadro 09, a seguir:
113

Quadro 09: Candidatura de LGBTs e aliados em 2008 - eleições municipais baianas

Município Candidato Partido Cargo LGBT/ Eleito


Aliado
1. Alagoinhas Conceição PT Vereadora Aliada Não
2. Cruz das Almas Marisete Andrade PT Vereadora Aliada Não
3. Cruz das Almas Orlandinho PT Prefeito Aliado Sim
4. Entre Rios Odevaldo Ferreira PT Vereador G Não
5. Feira de Santana Helder Ran PT Vereador Aliado Não
6. Ilhéus Valério Bonfim PR Vereador G Não
7. Ilhéus Newton Lima PSB Prefeito Aliado Sim
8. Ilhéus Alcides Kruschewisky PSB Vereador Aliado Sim
9. Ilhéus Marcos Flávio PPS Vereador Aliado Sim
10. Ilhéus André Luis Freitas Fonseca PSOL Prefeito Aliado Não
11. Lauro de Freitas Franklin Silva PT Vereador G Não
12. Porto Seguro Tenente Icaro Ceita PT Vereador G Não
13. Salvador Vania Galvão PT Vereadora Aliada Sim
14. Salvador Léo Kret PR Vereadora T Sim
15. Salvador Antonio Imbassahy PSDB Prefeito Aliado Não
16. Salvador Marcelo Cerqueira PV Vereador G Não
17. Salvador Marta Rodrigues PT Vereadora Aliada Sim
18. Salvador Paulo Mota PT Vereador Aliado Não
19. Salvador Walter Pinheiro PT Prefeito Aliado Não
20. Salvador Valquiria Costa PCdoB Vereadora L Não
21. Salvador Larissa Eller PSOL Vereadora L Não
22. Salvador Renato Braga PSOL Vereador G Não
23. Salvador ACM Neto DEM Prefeito Aliado Não
24. Salvador Hilton Coelho PSOL Prefeito Aliado Não
25. Salvador Anderson Silva PSOL Vereador Aliado Não
26. Salvador Marcos Mendes PSOL Vereador Aliado Não
27. Salvador Raimundo José PT Vereador Aliado Não
28. Santa Bárbara Cátia Cirlene Cunha PT Vereadora L Não
29. Simões Filho Nino Penteado PMDB Vereador G Não
30. Vitória da Conquista Prof Adão Albuquerque PV Vereador G Não
Fonte: http://www.abglt.org.br/port/eleicoes2008.php. Acesso em: 05 de janeiro de 2009.

Como se pode observar, onze municípios apresentaram candidaturas que


consideram a causa LGBT, tanto para a Prefeitura quanto para a Câmara de Vereadores,
o que, de certo modo, representa o sucesso da estratégia adotada nacionalmente pela
ABGLT e, localmente, por suas entidades filiadas. Três municípios tiveram
representantes eleitos – Cruz das Almas, Ilhéus e Salvador – e, entretanto, o número de
candidatos eleitos ainda é pouco expressivo. Das trinta candidaturas lançadas, sete
resultaram em eleição (23% do total de candidaturas), sendo que seis dos eleitos são, na
realidade, aliados. O único caso de um membro da comunidade LGBT eleito, em
Salvador, foi o da vereadora Leo Kret, transgênero, que não tem uma história de
militância em favor da causa.
114

Os dados expõem a dificuldade em eleger representantes e aliados da causa


LGBT e, consequentemente, a diminuição na quantidade de possíveis votos favoráveis
aos projetos de lei apresentados nos âmbitos federal, estadual e municipal. Isso impede
a consolidação de um estado pluralista e de fato laico, bem como revela o dilema acerca
da pouca expressividade da estratégia de ocupação de cargos públicos no executivo e no
legislativo. A pergunta que se faz é: por que os gays não votam em gays?

A resposta a tal questão parece dizer respeito ao grau de adesão dos


homossexuais ao movimento e aos elementos a partir dos quais esta identidade LGBT
se consolida. Nesse sentido, cabe distinguir a sigla LGBT, de cunho marcadamente
político, utilizada pelo movimento na luta por direitos, da sigla GLS (Gays, Lésbicas e
Simpatizantes) que, como enfatizado por Trevisan (2000) e, posteriormente, por
Facchini (2005), refere-se a uma identidade mais associada à delimitação de um
mercado consumidor que inclui a frequência a espaços de socialização específicos, o
consumo de produtos culturais, hábitos, vestimentas etc. Pode-se supor, a partir da
discrepância observada entre a baixa adesão dos homossexuais ao movimento LGBT,
no sentido estritamente político (participação contínua em entidades e/ou nas ações por
elas desenvolvidas), e a alta adesão no sentido mercadológico (hábitos de vida e
consumo), que a articulação de uma “identidade homossexual” tem ocorrido,
predominantemente, a partir deste último sentido, o que não favorece a conquista de
espaços no campo político formal.

No que se refere à proposição, execução e monitoramento de políticas públicas,


é possível concluir, a partir dos dados analisados, que o Programa Brasil Sem
Homofobia, apesar de até o momento ter poucas de suas ações previstas executadas, tem
se consolidado como um marco reivindicatório importante para o movimento LGBT. O
seu lançamento deu origem, ainda no ano de 2004, à publicação no Diário Oficial da
União, de portarias referentes à atuação de alguns dos Ministérios. Podem ser citadas
aquelas do Ministério da Saúde, Ministério da Educação e Ministério da Cultura.

A Portaria Nº 2.227 GM-MS54, de 14 de outubro de 2004, divulgada pelo


Ministério da Saúde, considera a necessidade de implementação de uma política de

54
Diário Oficial da União – Seção 2, Nº 199, sexta-feira, 15 de outubro de 2004, Página 24. Disponível
em: http://www.abglt.org.br/port/minsaude.php. Acesso em: 20 de dezembro de 2008.
115

atenção integral voltada aos LGBT, visando a articulação e o fortalecimento das ações
de saúde dirigidas a esse público; aponta para a necessidade de estratégias intersetoriais
com base no Programa Brasil Sem Homofobia e constata a reduzida sistematização de
conhecimento sobre o tema no país. Tais estratégias, conforme apontadas na Portaria,
devem estar relacionadas a estudos sobre o tema e à educação permanente dos
trabalhadores da saúde para fomentar valores de tolerância e respeito aos direitos
humanos e à escuta dos grupos diretamente envolvidos com a temática. A Portaria prevê
a criação, no Ministério, de um Comitê Técnico de Saúde da População de Gays,
Lésbicas, Transgêneros e Bissexuais (GLTB), tendo como objetivos: sistematizar uma
proposta de política nacional que assegure a equidade na atenção à saúde para os LGBT;
promover a elaboração de propostas de atenção integral à saúde, de participação e de
controle social; incorporar na elaboração da política de saúde subsídios técnico-políticos
provenientes do movimento social e do campo da pesquisa; e participar de iniciativas
intersetoriais relacionadas à saúde dos LGBT. O Comitê Técnico deve incorporar às
suas decisões a consulta ao movimento LGBT e compreender as suas especificidades.
Para isso, a Portaria designa militantes do movimento LGBT para ter representados no
Comitê os diversos segmentos genericamente agrupados como homossexuais; define
dois representantes (titular e suplente) do público gay, dois representantes da população
lésbica, e dois representantes da população transgênero.

A preocupação de incluir representantes do movimento LGBT é, também,


observada na Portaria Nº 219, de 23 julho de 200455, divulgada pelo Ministério da
Cultura. A Portaria cria um Grupo de Trabalho de Promoção da Cidadania de GLBT,
com a finalidade de elaborar um plano para o fomento, incentivo e apoio às produções
artísticas e culturais que promovam a cultura e a não discriminação por orientação
sexual. A composição do Grupo envolve, além de um representante indicado pela
Associação Brasileira dos Gays, Lésbicas e Transgêneros, o professor Luiz Mott na
qualidade de convidado especial de notório saber. Outro aspecto relevante refere-se à
idéia, presente na Portaria, “da preservação de valores culturais e sociais, decorrentes da
participação da população homossexual brasileira, a partir de sua história e cultura”. O
alcance desse objetivo aparece atrelado à necessidade de capacitar atores da política

55
Diário Oficial da União - Seção 1 - Número 145 de 29/07/2004. Disponível em:
http://www.abglt.org.br/port/mincultura.php. Acesso em: 20 de dezembro de 2008.
116

cultural para a valorização dos temas de combate à homofobia e afirmação da


orientação sexual LGBT.

A mesma proposta de fortalecimento da interface entre o movimento LGBT e o


Estado, visando a elaboração e o monitoramento de políticas públicas pertinentes, pode
ser percebida na análise da Portaria nº 4.032 de 24 de novembro de 200556, divulgada
pelo Ministério da Educação. A Portaria propõe um Grupo de Trabalho para
acompanhar a implementação do Programa Brasil Sem Homofobia, no âmbito do
Ministério da Educação. Dentre seus membros, destaca-se a presença de especialistas
de notório saber com estudos relacionados à causa LGBT e representantes dos distintos
subgrupos que compõem o movimento.

Apesar do que se pode chamar de “uma disposição favorável” por parte do


Estado para a implementação de políticas públicas que contemplem as demandas do
movimento LGBT, conforme mostram os documentos anteriormente analisados,
nenhuma informação significativa foi encontrada durante a pesquisa no tocante à
efetivação de políticas diretamente relacionadas ao Programa Brasil Sem Homofobia,
nos anos de 2004 e 2005. Os dados sugerem que é somente a partir do ano de 2006 que
os objetivos do Programa Brasil Sem Homofobia começam a tornar-se mais palpáveis,
conforme explicitado em relatório produzido pela Secretaria Especial de Direitos
Humanos, referente ao ano de 200657. Esse relatório busca destacar ações realizadas em
conjunto com a sociedade civil e com os governos estaduais e municipais, visando a
prevenção e o combate à homofobia. Dentre as atividades relatadas, encontram-se: o
financiamento de eventos nacionais considerados pela Secretaria como estratégicos para
a articulação do movimento LGBT 58; a realização de pesquisas durante Paradas LGBT
(SP, RS, AM, AL), com o objetivo de identificar e conhecer a população LGBT
brasileira; a instalação de 45 Centros de Referência de Prevenção e Combate à

56
Diário Oficial da União – Seção 2 – Número 249 de 28/12/2007. Disponível em:
http://www.abglt.org.br/port/mineducacao.php. Acesso em 20 de dezembro de 2008.
57
<http://www.prsp.mpf.gov.br/prdc/area-de-atuacao/dsexuaisreprod/Relatorio%20Brasil%20Se
m%Homofobia%20SEDH.pdf. Acesso em: 20 de janeiro de 2009.

58
I Seminário Nacional Afro-GLBT (Dezembro de 2006 / RJ); VI SENALE – Seminário Nacional de
Lésbicas (Maio de 2006 / PE); II Congresso Nacional da ABGLT – Associação Brasileira de Gays,
Lésbicas e Transgêneros (Novembro de 2006 / AL).
117

Homofobia (15 instalados em 2005 e 30, em 2006), apontados no relatório como


principal ferramenta de prevenção e combate à homofobia. Há, também, a previsão de
criação de seis novos Centros nos estados da Bahia, Pará, Goiás, Rio Grande do Sul,
Ceará e São Paulo59.

A criação de um Núcleo de Pesquisa e Promoção da Cidadania Homossexual


envolve sete universidades federais (Maranhão, Paraíba, Mato Grosso, Minas Gerais,
Goiás, Brasília, Amapá) e uma universidade estadual (Ilhéus-BA), com previsão de
instalação de Núcleos de Pesquisa em mais sete estados (Rio Grande do Sul, Pará,
Amazonas, Ceará, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná). No campo da educação, o
relatório destaca o repasse de recursos para a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação, visando contribuir para a
realização de um Edital de Capacitação de Professores da rede pública em diversos
estados do país; foram aprovados 15 projetos que, segundo o relatório, seriam
implementados em 2007.

O relatório da Secretaria Especial de Direitos Humanos apresenta, ainda,


projetos financiados com recursos de 2006 com execução prevista para 2007. Dentre
eles, destacam-se: a) o Projeto Somos Lés, de âmbito regional, que tem por objetivo o
fortalecimento de grupos de lésbicas e mistos, por meio da realização de cursos de
capacitação em desenvolvimento organizacional, advocacy e interação da comunidade
lésbica; b) a realização de Seminário Nacional de Segurança Pública que leve em conta
a temática gay; c) a realização do Seminário de Capacitação dos Profissionais dos
Centros de Referência e Núcleos de Pesquisa; d) a realização do Projeto Aliadas, que
tem por objetivo capacitar as lideranças do movimento LGBT e agentes públicos em
ações de advocacy, para apoiar a tramitação e aprovação de proposições legislativas e
de propostas orçamentárias que garantam a consolidação dos direitos dos LGBT; e, por
último, e) a implementação do Monitoramento do Programa Brasil Sem Homofobia,
para fortalecer a democratização das informações sobre o Programa e sobre as políticas
públicas voltadas à população LGBT.

59
Os dados produzidos pelo movimento contradizem a análise otimista da Secretaria em relação à
implantação dos Centros de Referência. As discussões travadas nas listas existentes na rede mundial de
computadores apontam para a dificuldade de manutenção dos Centros e a insatisfação do movimento a
respeito do modo como os mesmos foram implementados.
118

A esse respeito é interessante notar que o monitoramento do Programa surge por


iniciativa da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), em
parceria com outras entidades, a partir da criação do Observatório do Programa Brasil
Sem Homofobia, uma iniciativa motivada pela necessidade de dotar o Programa de mais
recursos e de agilizar a execução de suas políticas. Isso porque, de fato, o Programa foi
criado sem dotação orçamentária, em 2004. No ano de 2006, o movimento buscou no
Congresso a aprovação de um recurso de R$ 6 milhões, valor considerado insuficiente
pelo movimento, entretanto, para a implementação das ações60. A ação do Observatório
prevê, ainda, a promoção de ações em âmbito regional, com a realização de seminários
nos estados, para a sensibilização das comunidades LGBT locais e para estimular a
participação e o controle público de forma permanente. Um desdobramento resultante
das ações de monitoramento é a criação da Câmara Técnica Comunitária para
Acompanhamento e Avaliação do Programa Brasil Sem Homofobia, que envolve tanto
agentes governamentais quanto militantes.

No que diz respeito à efetiva implementação de políticas públicas, os dados


identificados informam a realização de ações referentes à educação, à cultura e aos
direitos humanos. Para a cultura, foi criado em 2007 o Programa de Fomento a Projetos
de Combate à Homofobia, sob a responsabilidade da Secretaria da Identidade e da
Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SID/MinC) 61, que previa a
realização de editais destinados a entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos,
visando a realização de projetos culturais62, Paradas do Orgulho LGBT e outras
manifestações que divulgassem expressões artísticas relacionadas à temática.

60
O programa nasceu sem dotação orçamentária em 2004; recebeu em 2005 cerca de R$ 3 milhões e em
2006, cerca de R$ 7 milhões, oriundos de emendas de comissões da Câmara e de parlamentares . No ano
de 2007 houve uma redução dos recursos previstos para o Programa, que passou a contar com R$4
milhões. De acordo com estimativas realizadas pelo movimento seriam necessários R$ 30 milhões para a
fase inicial de implementação do programa. < http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content
&task=view&id=987&Itemid=2>; <http://mixbrasil.uol.com.br/upload/noticia/11_101_54878.shtml>.
Acesso em: 20 de dezembro de 2008

61
De acordo com informações disponibilizadas pelo Ministério da Cultura, os recursos para a
implantação das ações são provenientes da Lei Orçamentária da União, consignados à SID/MinC
e de parcerias agregadas ao programa. <http://www.aliadas.org.br/site/textos/clipping.php?id=19>.
Acesso em: 20 de janeiro de 2009.

62
A Portaria que define a criação do Programa de Fomento a Projetos de Combate à Homofobia também
restabelece o Edital de Apoio às Paradas do Orgulho GLTB/2005, o 1º Edital de Apoio às
Expressões Culturais GLTB/2006 e o 2º Edital de Divulgação da Cultura GLTB/2007.
119

Em consonância com o Programa de Fomento, a Secretaria da Identidade e da


Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SID/MinC) apresentou o “Prêmio
Cultural LGBT 2008” e a ação “Apoio a Paradas de Orgulho GLBT 2008”. Dentre as
propostas selecionadas destaca-se a IV Parada da Diversidade GLBT do Sul da Bahia,
elaborada pelo Grupo Humanos, de Itabuna63.

A mesma perspectiva é observada em âmbito estadual com o lançamento de


editais pela Secretaria de Cultura, visando o fomento a iniciativas culturais relacionadas
à questão da identidade LGBT. Isto, no entanto, só ocorreu no final de 2008, com o
lançamento do Edital nº 29/200864 que teve o propósito de selecionar pelo menos seis
projetos culturais, para promover o respeito à diversidade sexual e à afirmação das
identidades LGBT na Bahia; foi disponibilizado, para isso, um apoio financeiro total de
R$ 250 mil reais. Um aspecto interessante no que se refere aos critérios adotados pelo
Edital é o estabelecimento de um número máximo de três projetos por Território de
Identidade65, o que favorece a aprovação de projetos culturais elaborados por entidades
que atuam no interior do Estado. A Portaria nº 48, de fevereiro de 2009, divulga os
projetos habilitados a concorrer no Edital (de entidades ou pessoas físicas) de pelo
menos quatro municípios (três do interior e um da capital): a Articulação da Parada Gay
de Feira de Santana, com o projeto “VIII Parada LGBT de Feira de Santana”; O Grupo
Anti-Aids de Camaçari, com a “I Caravana Cultural LGBT – Priscila, Rainha do
Sertão”; Marco Antonio Santos Bonfim, com o “Festival de Cultura Gay – Prado –
Bahia”; e Luiz Mott, com a proposta “Homossexualidade no Brasil: Exposição
Itinerante”.

Para a educação, a primeira ação identificada como integrante do Programa


Brasil Sem Homofobia data de 2005, quando o MEC abriu uma seleção de projetos de
capacitação e formação de profissionais da educação para a cidadania e a diversidade

63
Fonte: Ministério da Cultura, Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural. Edital SID/MINC nº
22 de 18 de julho de 2008. Edital de homologação do resultado final do concurso público de apoio a
iniciativas culturais voltadas para o combate a homofobia e transfobia – Prêmio Cultural GLBT – 2008.
64
<http://www.fundacaocultural.ba.gov.br/editais/2009/01/lgbt/lgbt.html>. Acesso em 18 de março de
2009.
65
“Com o objetivo de identificar oportunidades de investimento e prioridades temáticas definidas a partir
da realidade local de cada Território, possibilitando o desenvolvimento equilibrado e sustentável entre as
regiões, o Governo da Bahia passou a reconhecer, em seu Planejamento Territorial, a existência de 26
Territórios de Identidade, constituídos a partir da especificidade dos arranjos sociais e locais de cada
região”. <http://www.seplan.ba.gov.br/mapa_territorios.html>. Acesso em: 20 de março de 2009.
120

sexual, para serem desenvolvidos por meio de convênios firmados com instituições
públicas e ONGs66. Em 2006, de acordo com os dados consultados, foi implementado o
Curso de Formação de Educadores/as em Gênero, Sexualidades e Relações Étnico-
raciais com parceria entre o MEC, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. O projeto piloto
do curso, previsto para ser ministrado em regime semi-presencial, com carga horária
total de 200 horas, envolveu seis municípios brasileiros – Dourados - MT, Maringá -
PR, Nova Iguaçú e Niterói - RJ, Porto Velho - RO e Salvador - BA – e teve por objetivo
capacitar 1,2 mil profissionais de educação.

Como iniciativa local, destaca-se a assinatura, em março de 2007, de um termo


de cooperação técnico-científica-cultural entre o Instituto Anísio Teixeira / Secretaria de
Educação e o Grupo Gay da Bahia com vistas a inserir a temática dos direitos humanos,
mais especificamente, do respeito à diversidade no que se refere à orientação sexual e à
sexualidade, nas oficinas de formação continuada do Programa de Formação de
Professores da rede estadual de ensino67. De acordo com os dados consultados, a
primeira ação realizada através desse convênio foi o 1º Colóquio Direitos Humanos e
Diversidade Sexual na Educação, realizado pela Secretaria Estadual de Educação em
outubro do mesmo ano, para iniciar o debate sobre preconceito e orientação sexual no
ambiente escolar. Além do GGB, outras entidades foram co-responsáveis pela
realização do evento, como o Grupo de Lésbicas da Bahia “Palavra de Mulher” e o
Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM) da Universidade Federal
da Bahia (UFBA). A ação envolveu, ainda, a Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos
Humanos e a Secretaria da Promoção da Igualdade 68. Outra ação relacionada ao tema
da educação e diversidade sexual foi a realização, em 2008, do Simpósio Direitos
Humanos: Homofobia, Trabalho Docente e Cotidiano Escolar, realizado pela Secretaria
de Educação e pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), com o apoio do PN-
DST/AIDS – Ministério da Saúde. Cabe destacar, no que se refere à comissão
organizadora do evento, além da presença de representantes da SEC e da UNEB, a
participação de uma representante do Fórum Baiano LGBT.

66
<http://gonline.uol.com.br/livre/gnews/html/gnews2557.shtml>;
<http://gonline.uol.com.br/livre/gnews/html/gnews2555.shtml>. Acesso em: 17 de novembro de 2008.
67
<http://www.sec.ba.gov.br/iat/SITE_2007/informes_IAT_1.pdf>. Acesso em: 17 de novembro de 2008.
68
<www.sec.ba.gov.br/iat>; <http://www.sec.ba.gov.br/iat/conteudo_2007/informes_ggb.asp>. Acesso
em: 17 de novembro de 2008.
121

Já na área da saúde, apesar das intenções explicitadas na Portaria Nº 2.227 GM-


MS, não foram identificadas fontes e documentos que apontassem para uma concepção
mais ampla acerca dos cuidados relacionados à saúde LGBT. As notícias sobre a relação
do movimento com o Ministério da Saúde referem-se, basicamente, à realização de
ações de prevenção às DSTs/Aids, a exemplo da distribuição de preservativos em
parceria com entidades LGBT69.

A mesma tendência pode ser observada, no âmbito estadual, nas ações


desenvolvidas pela SESAB, como o Processo de Seleção para Projetos de OSC -200670,
voltado para a execução de ações de prevenção. Além dos projetos apresentados por
entidades diretamente ligadas à causa Aids, como o do GAPA – Bahia e o do GAPA –
Itabuna, propostas de grupos LGBT de Salvador e municípios do interior, também,
foram aprovados: “Trans em Ação na prevenção”, apresentado pela Associação de
Travestis de Salvador (ATRAS) e “A arte multiplicando prevenção às DST e Aids” do
Grupo Liberdade e Cidadania Homossexual (GLICH), de Feira de Santana. O EROS –
Grupo Gay de Ilhéus, também, apresentou dois projetos (que não foram aprovados):
“Nos limites da Prevenção” e “Na Cadeia da Prevenção”. A análise das entidades que
tiveram seus projetos contemplados permite identificar a continuidade da associação
entre a causa LGBT e a Aids. Mesmo as propostas elaboradas por entidades que têm
como principal objetivo a prevenção à Aids, dirigem-se, por vezes, especificamente à
população LGBT, a exemplo do projeto apresentado pelo Grupo Anti-Aids de
Camaçari, voltado aos gays e outros HSH – Homens que fazem sexo com homens. Uma
outra interface recorrente no âmbito das ações de saúde refere-se à articulação com
entidades do movimento de luta pelos direitos de profissionais do sexo, conforme
mostra a aprovação do projeto “Porto Seguro”, apresentado pela Associação de
Prostitutas da Bahia (APROSBA).

69
< http://www.correiodabahia.com.br/aquisalvador/noticia.asp?codigo=146317> (25 de janeiro de 2008).
Acesso em: 20 de novembro de 2008.
70
Seleção Pública para Projetos de OSC – PAM 2006 – Processo de Seleção – 2ª Etapa – Classificação –
Relatório Final - Portaria SESAB nº 2.559. Publicada no Diário Oficial da Bahia, em de 28 de novembro
de 2006
122

No que se refere à segurança em âmbito estadual, a primeira ação diretamente


relacionada à causa LGBT identificada ocorre no ano de 2008, com a intenção do
Governo do Estado da Bahia de adotar o modelo proposto pela Secretaria Nacional de
Segurança Pública de investir na formação humana e técnica dos policiais, a partir do
fortalecimento da noção de direitos humanos71, do respeito às diferenças de gênero, do
combate à homofobia, dos direitos etários (de idosos e menores) e da igualdade racial.

Ainda assim, a dificuldade de incorporação da demanda LGBT na área de


segurança é notória, e pode ser percebida através da tentativa constante, por parte do
movimento, de estender ações que já contemplam outros grupos considerados
minoritários à população LGBT, muitas vezes sem resultados satisfatórios. É o que
demonstra a troca de mensagens entre Luiz Mott, militante do movimento, e a
Secretaria da Reparação (SEMUR), da Prefeitura Municipal de Salvador, responsável
pela implementação do Observatório da Discriminação Racial e da Violência contra a
Mulher.

Sr. João Henrique Carneiro DD. Prefeito de Salvador

"Um governo para todos", como é o lema do atual governo da Bahia, não pode excluir
10% de baianos representados pelos homossexuais. Só em Salvador, os gays, lésbicas e
travestis devem representar mais de 250 mil indivíduos, mais de 1 milhão no Estado. E
não obstante, ao ser instituído o Observatório da Discriminação Racial e da Violência
contra a Mulher pela Secretaria Municipal da Reparação, os homossexuais foram mais
uma vez discriminados, já que não consta neste observatório o atendimento para os
crimes de ódio contra a comunidade GLTB. Que fique registrado nosso veemente
protesto contra esta inaceitável manifestação de homofobia institucional e que em
qualquer outra iniciativa contra a discriminação racial e sexual em Salvador e na Bahia,
os homossexuais sejam incluídos. Atenciosamente, Prof. Dr. Luiz Mott Fundador do
Grupo Gay da Bahia e Professor Titular da UFBa. Salvador, 2-2-2008.

Disponível em: http://br.groups.yahoo.com/group/gaylawyers/message/50218 (2 de


fevereiro de 2008). Acesso em: 15 de novembro de 2008.

A resposta de Antônia Garcia, Secretária da SEMUR, aponta para o interesse da


Secretaria em incluir o grupo LGBT na população contemplada pelas atividades do
Observatório, e convocar os representantes do movimento LGBT para debater a
temática72.

71
Segurança com respeito aos direitos do cidadão (09 de fevereiro de 2008). Fonte: jornal A Tarde.
72
<http://br.groups.yahoo.com/group/gaylawyers/message/42870>. Acesso em: 13 de janeiro de 2009.
123

Prezado Prof. Luiz Mott,

Compreendo e concordo com sua justa reclamação e espero dialogarmos para


resolvermos esta omissão. Na pesquisa que realizamos colocamos questões sobre
homofobia, e, ao tornarmos o Observatório permanente, nos interessa incluir esta
dimensão. Seria interessante uma reunião entre nós para que a inclusão desta
variável esteja dentro da reivindicação do segmento representado pelo professor e
outros.
Cordialmente,
Antonia Garcia
(Secretária SEMUR) 09.02.2008

Disponível em: http://br.groups.yahoo.com/group/gaylawyers/message/42756. (9


de fevereiro de 2009). Acesso em: 15 de novembro de 2008.

A questão dos direitos humanos, na perspectiva do combate à violência dirigida


aos homossexuais, é dificultada pela concepção predominante nas políticas públicas do
Estado Brasileiro de que o desrespeito aos direitos humanos é associado,
principalmente, à situação das pessoas privadas de liberdade. Isto pode ser observado
tanto no âmbito nacional quanto no estadual, e nos relatórios de atividades produzidos
pelo Governo do Estado da Bahia, entre os anos de 2003 e 2007. Considerando que a
garantia dos direitos dos homossexuais depende tanto de uma maior visibilidade da
população LGBT, quanto da ressignificação da homossexualidade, pode-se considerar
uma vitória do movimento LGBT a divulgação, pela primeira vez, em 2007, de dados
oficiais sobre casais homossexuais que vivem juntos 73, pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).

No tocante à relação entre o Poder Judiciário e o movimento LGBT, as


informações indicam que, no período entre 2004 e 2008, houve a intensificação da tática
de recursos ao Poder Judiciário para suprir as lacunas na legislação que impedem a
garantia de direitos aos homossexuais, já descrito por Conde (2004). Ainda que nem
todas as decisões da justiça referentes à causa tenham sido favoráveis, a recorrência de
decisões que confirmam direitos ainda não contemplados pela legislação (nacional,
estadual e municipal) tem estabelecido jurisprudência que favorece a produção de novas
leis. Pode ser citada a decisão da justiça proferida em Tangará da Serra, município do
interior do Mato Grosso, em 2008, que determinou, em decorrência do término de um

73
Um retrato sem retoques da realidade GLBT. (29 de dezembro de 2007). Fonte: Jornal O Tempo.
<http://www.otempo.com.br/otempo/noticias/?IdEdicao=781&IdCanal=4&IdSubCanal=33&IdNoticia=6
5540&IdTipoNoticia=1>. Acesso em: 20 de janeiro de 2009.
124

relacionamento afetivo entre duas mulheres, que uma das companheiras pagasse pensão
alimentícia à outra que necessitava de amparo material74.

A condenação de empresas ao pagamento de indenização a funcionários


demitidos em função de sua orientação sexual também tem crescido. É o caso da
decisão proferida pelos juízes da 6ª Turma do TRT-SP (Tribunal Regional do Trabalho
em São Paulo), em 2005, quando um laboratório clínico foi condenado a pagar uma
indenização de R$ 15 mil a um ex-empregado por danos morais, devido à arbitrariedade
da demissão e à violação de sua intimidade, o que foi entendido pelo relator do processo
como um prejuízo da honra75.

Na Bahia, o exemplo mais emblemático da luta pelo direito a não discriminação


no trabalho é o do bancário Antônio Ferreira dos Santos, brevemente citado na seção
anterior. A 24ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) emitiu sentença inédita
em favor do ex-funcionário que processou um banco por perseguição e humilhação em
razão de sua orientação homossexual, sendo apoiado pelo Grupo Gay da Bahia. O
Banco Bradesco foi condenado a pagar uma indenização de quase R$1 milhão por
danos morais76.

Ao mesmo tempo em que situações de discriminação são observadas no que se


refere ao direito ao trabalho, por outro lado, há, também, mobilizações pela garantia de
direitos promovida pelo movimento LGBT, tanto por meio da sensibilização da opinião
pública, quanto da luta no campo jurídico, recorrendo ao Poder Judiciário. Isso tem
aumentado a visibilidade do tema e gerado mudanças de atitude por parte de empresas
que, frequentemente, passaram a reconhecer a parceria entre pessoas do mesmo sexo
para as políticas internas de benefícios trabalhistas. Por exemplo, a Caixa Econômica
Federal e o Banco do Brasil, em 2005, aprovaram medidas que conferem aos
funcionários homossexuais os direitos dos outros funcionários, tal como ser dependente

74
No direito dos homossexuais, o preconceito ainda prevalece no Brasil. (9 de janeiro de 2008). Fonte:
Globo Online.
<http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2008/01/09/no_direito_dos_homossexuais_preconceito_ainda_pre
valece_no_brasil-327935549.asp. Acesso em: 20 de novembro de 2008>.
75
<http://www.endividado.com/materias_det.php?id=6016>. Acesso em: 10 de janeiro de 2009.
76
GGB ameaça incentivar gays a fechar contas no Bradesco. (30 de julho de 2005). Fonte: jornal A
Tarde. < http://www.trt05.gov.br/sentenca/ssa/J24/S01019200402405008RT.HTM>. Acesso em: 10 de
janeiro de 2009.
125

do plano de saúde, tirar licença para acompanhamento do cônjuge, ou faltar ao trabalho


em razão do falecimento de algum membro da família do parceiro. A Caixa Econômica
Federal, especificamente, atribuiu a essa nova conduta a denominação “Política de
Gestão da Diversidade”, que orienta as questões relacionadas ao Plano de Pensão e
Previdência e aos direitos referentes aos filhos de casais homossexuais, desde que
reconhecida a união estável do casal77. Isso envolve o reconhecimento da não violação
da privacidade, uma questão relevante no caso da condição homossexual, já que a
adoção de iniciativas desse tipo não excluem a possibilidade de discriminação nas
relações cotidianas entre funcionários. Por isso, o encaminhamento de pedidos é
sigiloso e somente pessoas autorizadas têm acesso ao sistema no qual são incluídas as
informações sobre o parceiro do empregado.

No tocante ao reconhecimento em juízo das uniões homoafetivas na Bahia, é de


2006 a primeira decisão favorável aos homossexuais proferida pela 14ª Vara de família
de Salvador78, em uma questão de disputa de patrimônio entre a família e o parceiro de
um homossexual morto em um acidente de carro. Além do processo sobre a herança, foi
aberto um segundo processo para o reconhecimento da condição de relação estável. A
assessoria jurídica ao homossexual foi prestada pelo GAPA – BA, apesar de nenhum
dos envolvidos no processo ser soropositivo; tal evidência aponta, mais uma vez, para
as interfaces estabelecidas entre o movimento LGBT e o movimento da Aids79, que é
muito organizado.

Se por um lado o reconhecimento das relações conjugais homossexuais tem sido


cada vez mais recorrente no âmbito do Poder Judiciário, o mesmo não se pode dizer do
reconhecimento da parentalidade como um direito. Nesse caso, há mais sentenças
negativas proferidas pela justiça. Como exemplo, pode ser mencionada a decisão do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 2008, que determinou a retirada da
guarda provisória de uma criança de uma transexual de 30 anos, moradora de São José

77
Caixa reconhece direitos de casais homossexuais. (11 de outubro de 2005). Fonte: Mix Brasil.
<http://mixbrasil.uol.com.br/mundomix/centralplus/3303.htm>. Acesso em 22 de novembro de 2008.
78
Na Bahia, já havia ocorrido decisões relacionadas à pensão do INSS, mas não o reconhecimento de uma
união homoafetiva nos moldes de relação estável.
79
Justiça baiana reconhece união homoafetiva. (05 de dezembro de 2006). Fonte: jornal A Tarde.
<http://www.ggb.org.br/parceria_justica_baiana_recon.html. Acesso em: 22 de novembro de 2008>.
126

do Rio Preto. A decisão gerou manifestações de militantes LGBT que protestaram em


frente ao Fórum daquela cidade, em ação organizada pelo Centro de Referência em
Direitos GLBT de Rio Preto80, por considerarem que a decisão discriminou os
transexuais, já que o Promotor da Juventude envolvido no caso alegou que a criança não
poderia conviver com um casal “anormal”.

As relações do movimento LGBT com o Poder Judiciário caracterizam a


consolidação de um espaço de disputa de significados entre indivíduos e grupos
favoráveis ou contrários à homossexualidade no que se refere à liberdade de expressão,
mesma luta travada no campo do legislativo. A maior vigilância do movimento e o
encaminhamento de casos considerados de homofobia ao Judiciário têm gerado a
articulação, por parte dos opositores do movimento, de um discurso de perseguição
concebido como uma “onda de processos e ameaças contra os cristãos”:

A onda de processos e ameaças contra os cristãos

Recentemente, o juiz Dorival Moreira dos Santos, de Campo Grande (MS),


determinou a retirada de circulação do livro A Maldição de Deus sobre o
Homossexual, de autoria do pastor evangélico Naurio Martins França. A solicitação
partiu da Defensoria Pública por considerar que o livro estimula o preconceito e incita
a violência. Da mesma forma, os sites Mídia Sem Máscara, Ministério Apologético
CACP e JesusSite foram intimados por terem publicado um texto de Jael Savelli (...)
com citações de falas e escritos simpáticos à pederastia, supostamente atribuídos ao
professor titular do Departamento de Antropologia da UFBa e decano do movimento
homossexual da Bahia, Luiz Mott.

Paulo Zamboni, representante do site Mídia Sem Máscara (...) disse que “ainda não
existe processo, mas um procedimento administrativo, instaurado pela Procuradoria
Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal na Bahia”.

Disponível em: http: www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=75&materia=86


3. Acesso em: 10 de janeiro de 2009.

A análise dos elementos concernentes à luta pelos direitos dos homossexuais em


todos os âmbitos aqui abordados – a busca pela afirmação da legitimidade da causa
LGBT perante a sociedade civil e o Estado, por meio da reivindicação de demandas no

80
MP contesta guarda provisória por transexual. (8 de janeiro de 2008). Fonte: O Estado de São
Paulo. <http://www.tjm.sp.gov.br/Noticias/0108MP.htm>. Acesso em: 8 de janeiro de 2009.
127

campo da legislação, da implementação de políticas públicas e da justiça – demonstra


que há um longo caminho a ser percorrido pelo movimento para a concretização de seus
direitos. No entanto, é possível entrever uma tendência de fortalecimento do movimento
LGBT em nível local e transnacional, delineando talvez, para um futuro próximo, um
panorama otimista em relação à afirmação da condição homossexual como uma
especificidade equivalente a todas as outras que representam, apenas, as infinitas
possibilidades da existência humana. A resistência em reconhecer os direitos dos
homossexuais que ora se observa, portanto, dificilmente conseguirá se sustentar por
muito tempo, haja vista o poder de transformação da vida social exercido pelos diversos
movimentos ao longo da história. É o que parece pensar o movimento LGBT e seus
aliados, ao seguirem, bravamente, na luta.
128

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos movimentos sociais contemporâneos, tanto no contexto


internacional quanto nacional, mostra um panorama no qual transformações e
permanências podem ser observadas. A importância do princípio redistributivo nas lutas
coletivas mantém-se como um elemento norteador das políticas implementadas pelo
Estado, sobretudo, nos países periféricos. Porém, inegavelmente, como bem revela a
trajetória do movimento LGBT, é possível afirmar que a idéia de reconhecimento tem,
progressivamente, adentrado a esfera pública estatal. As transformações que mais se
destacam referem-se à interlocução cada vez mais freqüente entre movimentos sociais,
em geral, e o movimento LGBT, em particular, com o Estado. Isso se dá tanto por
meios institucionais quanto por meios não convencionais, caracterizando aquilo que
Teixeira (2001) afirma como uma concepção de sociedade civil, que deve ser
compreendida pelo ângulo da vertente interpretativa enfática. Foi uma atuação dessa
natureza que permitiu o surgimento do Programa Brasil Sem Homofobia e, mais
recentemente, a continuidade da pressão exercida pelos grupos LGBT espalhados por
todo o país, nas capitais e no interior, visando a sua efetiva implementação.

No caso da luta em defesa dos direitos dos homossexuais, se for estabelecida


uma comparação com os movimentos negro e feminista, a questão do reconhecimento
parece assumir uma particularidade que é a do reconhecimento de uma característica
cuja definição, por si só, constitui-se como um campo de disputas entre significados:
biológico/cultural, normalidade/anormalidade, escolha/determinação. Trata-se de uma
diferença, a princípio, não inscrita nos corpos desde o nascimento. Talvez, seja
justamente esta a especificidade que dificulta a incorporação de tal luta ao campo das
diferenças consensualmente compreendidas como geradoras de direitos particulares. A
despeito da atuação do movimento não vincular uma concepção definida ou fechada de
homossexualidade à necessidade de garantir direitos para a população LGBT e ao
direito à livre expressão sexual como um direito mais amplo, relativo à defesa dos
direitos humanos fundamentais, é inegável que o panorama subjacente às suas
conquistas e derrotas encontra-se vinculado a tais questões. Pode-se dizer que a
ambigüidade apresentada até hoje pelo Estado em relação à temática, haja vista as
contradições observadas entre o funcionamento dos Poderes Legislativo, Executivo e
129

Judiciário, mostra-se como um reflexo de tais disputas, as quais, em alguma medida,


também correspondem ao posicionamento da sociedade civil em relação ao tema,
especialmente devido a valores religiosos.

Apesar das dificuldades encontradas pelo movimento, pode-se afirmar que,


sobretudo a partir da década de 90, assiste-se a um processo de ampliação do campo de
legitimação de suas demandas que se inicia na sociedade civil e adentra cada vez mais o
Estado. Isso reafirma o lugar dos movimentos sociais como aqueles responsáveis por
transmitir à esfera pública os problemas sociais que ressoam nas esferas privadas
(HABERMAS apud TEIXEIRA, 2001, p.43).

O fortalecimento da causa em tela deve-se ainda, sem dúvida, ao sucesso da


estratégia de trabalhar a demanda por reconhecimento como uma questão transnacional
que assume contornos locais, assim como o fizeram o movimento negro e o movimento
feminista. No caso baiano, nota-se uma correspondência entre as bandeiras de luta
internacional e nacionalmente produzidas, favorecidas pelo aumento da interação entre
grupos LGBT, devido à popularização das novas tecnologias. Com relação a essas
bandeiras, é possível afirmar que a preocupação mais recorrente, em todas as escalas do
movimento, refere-se à violação de direitos relacionada à violência física e simbólica a
que estão sujeitos os homossexuais, que se traduzem, tanto em nível local como em
nível nacional, na demanda pela condenação da discriminação e violência e pela
punição dos responsáveis perante a Justiça. Nacionalmente, tal preocupação contribuiu
para a construção do conceito de homofobia e mobilizações pela sua criminalização;
ademais, o direito à união civil figura como uma das principais demandas do
movimento, e vem a ser, talvez, aquela que maior dificuldade encontra para a sua
legitimação, haja vista o longo tempo transcorrido desde a apresentação do primeiro
Projeto de Lei abordando a questão por Marta Suplicy (PT), em 1995.

Um aspecto evidenciado pelo tema da legitimação das relações amorosas entre


pessoas do mesmo sexo é a estratégia assumida pelo movimento de introduzir,
progressivamente, suas demandas junto ao Poder Legislativo nos três níveis. A forma de
introdução de tais demandas pode ser assim caracterizada, conforme apontam os dados
coletados nesta pesquisa, por duas razões: a formulação de propostas que estão aquém
do almejado, mas que abrem precedentes para reivindicações futuras e, ainda, a atuação
130

no nível local para aprovar, em âmbito estadual e municipal, leis de conteúdo similar às
que ainda se encontram em tramitação no Congresso Nacional.

Em relação à proposição de leis, cabe destacar, também, a presença de um


processo de especificação de demandas consideradas como agravadoras da condição de
exclusão social, exemplo observado no caso dos travestis, transexuais, jovens, idosos,
portadores do HIV etc. Tal fenômeno se converteu em um outro mecanismo de
fortalecimento do movimento já que, nesse caso, o reconhecimento de tais
especificidades parece figurar muito mais como um canal de diálogo com outros
movimentos do que como um processo de fragmentação capaz de enfraquecer a sua
luta, evidenciando a construção de um sentido, por parte de sua militância, de que a luta
contra a opressão e a exclusão é uma luta geral.

A análise do contexto de implementação e desenvolvimento do Programa Brasil


Sem Homofobia permite afirmar que há uma forte contradição entre a intenção de
reconhecimento que pode ser inferida pelo fato de ter sido lançado o Programa, e a
negação desse mesmo reconhecimento, perceptível através da não aprovação, até o
momento, em nível nacional, de sequer uma lei específica que assegure direitos aos
homossexuais. Tal situação é agravada pela dificuldade encontrada pelo movimento em
eleger representantes oriundos do próprio segmento LGBT ou favoráveis à causa, apesar
dos esforços nesse sentido e do número crescente de candidatos em nível municipal,
estadual e federal, o que corresponde à institucionalização como estratégia para dar
legitimidade às demandas do movimento e forçar a implementação de leis e políticas
públicas. Um último aspecto a ser ressaltado, no que se refere às lutas no campo
jurídico, é o fato de que a aprovação de uma lei, por si só, não garante a sua aplicação.
A inexistência de qualquer condenação por discriminação contra homossexuais no
estado aponta para frouxidão na aplicação da lei.

Apesar dessas contradições, pode-se dizer que as estratégias assumidas pelo


movimento – aqui compreendidas através dos eixos território (internacionalização e
interiorização) e ator (sociedade civil e Estado) – representam um relativo avanço. Com
relação ao eixo território, fica evidente a expansão do movimento tanto em âmbito
nacional quanto estadual. A Bahia tem assistido à proliferação de entidades de defesa
dos direitos dos homossexuais e de eventos com o objetivo de promover a visibilidade
131

LGBT e a sensibilização da sociedade civil para a causa, sobretudo nos municípios do


interior do estado. Os dados revelam que a expansão do movimento tem ocorrido, por
vezes, a partir da implementação de projetos sociais, muitos deles financiados pelos
governos, o que, mais uma vez, aponta para as visões conflitantes entre Executivo e
Legislativo. É o caso, na Bahia, do Projeto Somos que permitiu a formação de
lideranças do interior do estado e deu suporte ao surgimento de organizações LGBT,
ainda que a descontinuidade dos recursos aportados em projetos dessa natureza
confiram às entidades LGBT uma certa fragilidade decorrente das dificuldades por elas
encontradas para a sustentabilidade de suas ações. É, provavelmente, em decorrência de
tais obstáculos que a produção, sistematização e divulgação de informações dirigidas à
sociedade civil sobre a própria entidade e sobre a causa LGBT carecem de um maior
investimento por parte dos grupos, especialmente no interior da Bahia. Essa situação
parece dificultar a interação dos grupos e o estabelecimento de um funcionamento em
rede que potencialize o movimento. Talvez, resida aí a explicação do porquê, no caso
baiano, as conquistas localizam-se, predominantemente, na esfera municipal. As
relações entre organizações de diferentes cidades estabelecem-se de modo esporádico,
por meio da realização de ações como as Paradas Gays e a I Conferência Estadual
GLBT, ocorrida em 2008.

Ainda assim, sem dúvida, as paradas têm sido a estratégia mais consolidada de
interação do movimento com a sociedade civil no cenário público. Mais recentemente,
outros eventos culturais com o objetivo de defender o direito à livre expressão sexual
têm sido realizados na capital e no interior, o que evidencia a importância atribuída pelo
movimento à realização de atividades que combinem reivindicar o respeito às diversas
orientações sexuais existentes e promover uma transformação dos valores sociais
vigentes, a partir da desconstrução das concepções referentes a um padrão de
funcionamento social heteronormativo. Tal postura parece apontar para a utilização,
simultaneamente, de estratégias que buscam, em curto prazo, a afirmação e, em longo
prazo, a transformação – um esforço de conciliação entre as categorias sugeridas por
Fraser (2000, 2001) ao tratar de questões dessa natureza.

A realização de protestos motivados tanto por questões locais quanto globais,


também, tem sido freqüente na Bahia. Localmente, destacam-se as manifestações que
reivindicam o direito de expressar afeto em público e contra a violência. Este último
132

tema predomina nas manifestações locais, motivadas por questões globais, juntamente
com os protestos contra instituições religiosas que condenam a homossexualidade.

A denúncia e o acompanhamento de casos de violência são, ainda, estratégias


constantemente utilizadas; estas dizem respeito ao combate dos casos de discriminação
e preconceito nas relações interpessoais, sob o prisma da necessidade de
reconhecimento intersubjetivo a que se refere Honneth (2003), mas, também, na relação
com o poder público, os meios de comunicação e as produções culturais.

Quanto à implementação de políticas públicas que assegurem direitos aos


homossexuais, especificamente a operacionalização do Programa Brasil Sem
Homofobia, pode-se inferir, a partir desta pesquisa, que há, ainda, um longo caminho a
ser percorrido no sentido de sua implementação efetiva, tanto no âmbito federal quanto
no estadual.

Apesar do que se pode chamar de “uma disposição favorável” por parte do


Estado para a implementação de políticas públicas que contemplem as demandas do
movimento LGBT, conforme analisado, nenhuma informação significativa foi
encontrada na pesquisa no tocante à efetivação de políticas diretamente relacionadas ao
Programa Brasil Sem Homofobia para os anos de 2004 e 2005. Os dados sugerem que é
somente a partir do ano de 2006 que os objetivos do Programa começaram a se tornar
mais palpáveis e que os primeiros sinais referentes à realização de ações no campo da
educação, da cultura e dos direitos humanos puderam ser identificados.

A mesma perspectiva é observada em âmbito estadual, com o lançamento, por


exemplo, de editais visando o fomento de iniciativas culturais relacionadas às
identidades LGBT, o que, entretanto, só ocorre no final de 2008. Na área da saúde, não
foram identificados documentos que apontassem para uma atuação dirigida por uma
concepção mais ampla acerca dos cuidados relacionados à saúde LGBT. Para a
segurança pública, a primeira ação diretamente relacionada à causa LGBT identificada é
referente ao ano de 2008. A questão dos direitos humanos, trabalhada pelo movimento,
sobretudo, a partir da perspectiva do combate à violência dirigida aos homossexuais, é
dificultada pela concepção predominante, no Estado Brasileiro e no Governo do Estado
133

da Bahia, de que a garantia dos direitos humanos encontra-se associada, principalmente,


à situação das pessoas privadas de liberdade.

O período entre 2004 e 2008 representou um crescimento da demanda em


relação ao Poder Judiciário, uma estratégia para suprir as lacunas na legislação. Ainda
que nem todas as decisões referentes à causa tenham sido favoráveis, a recorrência de
decisões que legitimam direitos não contemplados pela legislação nacional, estadual e
municipal tem, de fato, estabelecido jurisprudência que favorece a aprovação de novas
leis sobre a questão.

Cabe, aqui, ressaltar que os resultados obtidos pela pesquisa sofreram a


interferência de algumas limitações enfrentadas durante o trabalho de campo, haja vista
que a intenção de investigar a atuação do movimento no contexto baiano, a partir da
análise dos documentos produzidos para circulação exterior ao próprio movimento,
deparou-se com a pequena quantidade de informações produzidas pelos grupos,
sobretudo aqueles que atuam no interior do estado. Tal constatação estimula a
realização de estudos futuros com a análise de documentos não divulgados pelo
movimento e um estudo com os militantes, visando compreender em que medida a
realidade de violação dos direitos dos homossexuais tem se transformado a partir da
atuação desses grupos.
134

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140

ANEXO – Transcrição de entrevista realizada pela pesquisadora (RC) com o Prof.


Dr. Luiz Mott (LM) no dia 01/05/2009, em Salvador/BA.

RC- O movimento muitas vezes tem sido acusado de ser uma causa superdimensionada.
Discute-se a legitimidade em relação a outras causas sociais que teriam prioridade no
discurso de alguns movimentos sociais e da sociedade civil. Como é que tem se dado a
relação do movimento LGBT ou GLBT (que é a nomenclatura que você prefere) com
esses outros movimentos ligados ao reconhecimento como, por exemplo, o movimento
feminista e o movimento negro, e com os movimentos de demandas mais relacionadas à
redistribuição?

LM- Desde a fundação do MHB, do Movimento Homossexual Brasileiro, sobretudo as


esquerdas questionam a legitimidade e a urgência dos homossexuais se organizarem.
Mais recentemente, são alguns intelectuais de direita, de extrema direita, como Olavo de
Carvalho, que também questionam que a orientação sexual seja motivo suficiente para
reunir, agregar pessoas e agenda. A nossa resposta é: embora existam lutas
extremamente urgentes como a luta contra a fome, pelo trabalho, dos sem terra, dos sem
teto, nós não vamos esperar que se resolvam todos os problemas da sociedade para que
reivindiquemos o elementar – igualdade de direitos –, de modo que o prazer e a vivência
de um estilo de vida diferenciado, como é a proposta do movimento GLBT, é uma
prioridade para nós, enquanto vítimas de homofobia e de discriminações. Também é
uma agenda que colabora com toda a sociedade, com todos os indivíduos, inclusive os
heterossexuais, na medida em que reivindicamos o prazer, a igualdade, o respeito e a
diversidade, que são corolários de qualquer convivência humana, fraterna e moderna.

RC- Você acha que o MHB tem conseguido fazer parcerias com outros movimentos,
nesse sentido?

LM- A primeira vez que o Grupo Gay da Bahia – GGB apareceu em público, assim
como na primeira passeata do grupo SOMOS em São Paulo, foi ao lado do movimento
negro, que também acabava de se constituir no Brasil. O movimento feminista
colaborou inicialmente com o Movimento Homossexual, não só sugerindo pautas, mas
abrindo espaços para discussão, sobretudo com os gays, com um pouquinho mais de
dificuldade em relação às lésbicas e, mais ainda, com as transgêneros – as travestis e
141

transexuais. Eu acho importante essa colaboração, mas é muito mais ideológica e social
do que propriamente estratégica e programática, na medida em que cada movimento
específico tem tantas bandeiras e tantas agendas urgentes que essa união, muitas vezes,
é retórica ou por ocasiões muito importantes, como em festas, em celebrações, em dias
nacionais de cada uma dessas minorias e na participação em debates, palestras e
seminários. Na prática, o importante é que, por exemplo, o movimento feminista
erradique do seu meio a homofobia; que o movimento GLBT erradique o machismo; o
mesmo em relação ao movimento negro e demais movimentos sociais.

RC- Você acha que a natureza das demandas do movimento GLBT pode ser
considerada igual a de movimentos como o de negro e de mulheres, que têm trajetórias
mais ou menos próximas historicamente?

LM- Embora as mulheres representem metade da população mundial, os negros, no


Brasil, por volta de 40% da população e os homossexuais, no mínimo 10 %, observa-se
que os índios não representam nem 1% da população e tem sido atendidos, de uma
forma justa, no que se refere à demarcação do seu território e outras demandas, de modo
que eu considero que os direitos humanos são universais e não há oprimidos de
primeira, segunda ou terceira categoria. Nós queremos direitos iguais – nem menos,
nem mais –, como as demais minorias. Daí a minha posição em relação a cotas também
para homossexuais, para obesos, na medida em que nada justifica, a não ser um
modismo e uma maior esperteza de alianças políticas, que existam cotas raciais e não
cotas por orientação sexual ou, no caso, também para pessoas obesas. Porque se é para
reparar injustiças históricas e discriminações graves, os homossexuais são os mais
discriminados na nossa sociedade.

RC- Mas a questão é que é uma luta simbólica. Porque se diz, por exemplo, que a
mulher não tem como fugir de sua condição. Já no caso da orientação sexual, há a idéia
de que tratar-se-ia de uma escolha. Nesse sentido, você considera que são movimentos
iguais? O movimento de mulheres, por exemplo, e o movimento gay?

LM- Eu não vejo, a não ser raríssimamente, se discutir sobre o fator natural, genético,
essencialista da sexualidade humana e da orientação sexual vis-à-vis confrontando com
uma outra posição, que seria considerar a homossexualidade como uma escolha, ou
142

como opção ou como uma possibilidade ou não a ser realizada. Acho que é um debate
que está num nível muito mais equivocado, fora do debate político, seja no parlamento,
seja no confronto com homofóbicos mais violentos. Enquanto não se define a origem ou
a gênese das diferentes orientações sexuais, não há porque argumentar que seria menos
legítimo e menos urgente pelo fato de ser eventualmente uma opção sexual.

RC- Apesar do embate histórico entre a esquerda e a militância homossexual na década


de 70, hoje em dia os grupos que mais apóiam o movimento são grupos de esquerda. Os
parlamentares que compõem a frente, ou que se anunciam como aliados – na campanha
de 2008, por exemplo, a ABGLT divulgou uma lista com os candidatos gays ou aliados
– são, em sua maioria, de esquerda. Como é que você avalia a relação do movimento
com os políticos de esquerda e de direita?

LM- A minha posição pessoal e do GGB, assim como a do presidente atual, Marcelo
Cerqueira, é a de que o nosso movimento tem que ser suprapartidário e apartidário. Eu
participei do PT logo no começo de sua institucionalização na Bahia, a minha ficha de
inscrição foi assinada pelo atual deputado federal, Zezéu Ribeiro, mas me afastei alguns
anos depois, por discordar de algumas posições do partido em termos de política
nacional. Sempre fui aberto a dialogar e sempre estimulei que o movimento, enquanto
tal, dialogue com todos os partidos, de direita, de centro ou de esquerda, embora
constate que, de fato, a partir do primeiro estatuto do PT, no começo dos anos 80,
quando se inclui o respeito à livre orientação sexual em seu estatuto – apesar de
algumas declarações homofóbicas e infelizes do Lula e de alguns outros petistas,
sobretudo os ligados à movimentos religiosos – os partidos de esquerda ou de centro-
esquerda são mais sensíveis. Isso se patenteou logo no começo do movimento em 1985,
quando nós lutamos para a extinção do parágrafo 302.0 do CID (Código Internacional
de Doenças), que rotulava o homossexualismo como desvio e transtorno sexual, e que
houve partidos como o ARENA, na época, que sequer responderam às nossas questões.
Obtivemos o apoio, sobretudo, de partidos de centro e de esquerda. Quem fez um
excelente trabalho sobre isso, a quem eu considero como o fundador do movimento e
seu primeiro decano, foi o doutor João Antonio Mascarenhas, que tem um livro, se não
me engano chamado “Terceira Margem”, em que fez um levantamento sobre posições
políticas dos nossos deputados amigos e inimigos. Mostra o predomínio da esquerda
mas, também, que importantes vitórias foram obtidas através de políticos nitidamente de
143

centro ou de direita. Em São Paulo, por exemplo, quem fez, propôs e aprovou a lei
pioneira do dia internacional do orgulho gay foi um vereador de direita, que depois foi
até cassado. Outro parlamentar importante, dando apoio a Marta Suplicy, que era da
frente do Collor, o Roberto Jéferson, foi quem fez o substitutivo do projeto de Marta.
Em outros estados se repete a mesma coisa; o governador do Rio de Janeiro, o único
que até agora subiu no carro de uma parada gay é do PMDB, enfim, de um partido que
não é de esquerda.

RC- E a frente parlamentar? Como você tem visto a atuação?

LM- Eu acho uma idéia brilhante mas, infelizmente, com uma atuação zero a esquerda.
Sou extremamente crítico a todas as frentes parlamentares, não só a federal como
também a municipal. Eu considero muito mais uma coisa pra inglês ver, mas não deixa
de ser importante. Eu aplaudo os deputados e vereadores que têm coragem de se afiliar a
essas frentes, porém, elas não se reúnem, seus membros não se fazem presentes no
momento de votações importantes, um ou outro têm um contato com o movimento,
participando de congressos, mantendo diálogos ou apresentando projetos, como
aconteceu com a grande simpatizante e aliada que é a senadora do Acre, Fátima Cleide.
Ela esteve agora no congresso da ABGLT em Belém, inclusive com participação em
uma mesa, recebeu um prêmio etc. Lastimável é a ausência do deputado do PT baiano
que foi candidato à prefeito, Pinheiro, que disse que ia entrar na frente parlamentar
LGBT e até agora nada. Eu acho que foi um mero oportunismo o apoio que ele disse ter
dado também aos homossexuais.

RC- Em termos legislativos parece que as leis aprovadas são aquelas que, com exceção
das leis municipais que criminalizam a homofobia, estão mais relacionadas, por
exemplo, à instituição de um dia de combate a homofobia ou dia do orgulho, mas que
não se revertem em destinação de recursos, compondo apenas conquistas no plano
simbólico. Esta situação é a que parece caracterizar a maior parte das leis até agora
aprovadas, não é isso?

LM- Eu creio que a predominância da aprovação de leis de menor impacto estrutural se


deve mais à falta de mobilidade e de esperteza política dos próprios militantes gays que,
na verdade, ou não sabem, ou se esquecem, ou minimizam a possibilidade desses
144

apoios, de modo que eu não vejo isso como algo que é intencional por parte dos
parlamentares. É uma falta de comunicação entre as bases e os representantes do povo.

RC- Como é que você avalia as estratégias que o movimento tem utilizado, já que você
disse, em alguns momentos, que elas não têm conseguido mobilizar os representantes?
Como você tem avaliado as estratégias? As paradas, a articulação contínua com
representantes do governo, o encaminhamento de denúncias...

LM- A agenda do MHB desde a sua fundação, há 30 anos, definiu as suas prioridades
básicas, ou seja: a luta contra homofobia, a criação de leis que garantam a cidadania
plena, entre elas, a parceria civil, o direito a herança etc. Desde que o movimento se
estruturou mais, sobretudo através da ABGLT, da ascensão do PT ao poder e dos
diversos militantes gays que se filiaram ou já eram filiados há, inegavelmente, uma
maior politização do movimento, sobretudo pelo maior conhecimento das estruturas do
poder em Brasília e dos meandros da burocracia estadual e municipal, tentando
inclusive eleger alguns candidatos LGBT ou aliados. O certo é que há uma política mais
inteligente e de captação de recursos por parte do movimento nesse diálogo com poder,
a exemplo do Programa Nacional de Direitos Humanos, onde eu participei da primeira
comissão dos direitos humanos e reivindiquei que as mesmas ações afirmativas – que
eram mais de vinte – que estavam sendo propostas para a população negra e indígena
também beneficiassem os homossexuais. O primeiro contato oficial do governo
brasileiro com o movimento foi logo no início da AIDS, quando eu vi publicado no
jornal a primeira comissão de AIDS, que tinha entre seus membros o Cardeal Arns, de
São Paulo, Pelé e um representante do recém fundado Grupo de Apoio e Prevenção à
AIDS, que era também lá de São Paulo. Eu escrevi para o presidente na época, não sei
se era o Sarney, dizendo que era fundamental a presença de um homossexual, na medida
em que a AIDS estava sendo chamada de peste gay e estava atingindo, sobretudo, os
homossexuais masculinos. Daí então eu fui nomeado e estive na comissão nacional de
AIDS por mais de uma década. Essa foi a primeira brecha que o movimento conseguiu
dentro das esferas governamentais. Eu considero que depois que Fernando Henrique
Cardoso incluiu (os GLBT), por pressão do GGB, através do subsecretário dos direitos
humanos Paulo Sérgio Pinheiro que era do NEV/USP, no Programa Nacional dos
Direitos Humanos, na primeira versão e na segunda, de eu ter participado das primeiras
reuniões em Brasília de direitos humanos e de, se eu não me engano, em 95, eu ter
145

aberto na sala principal do palácio do planalto uma faixa “Gays pedem justiça”,
exigindo maior inclusão da agenda dos homossexuais na pauta do governo, a partir daí,
então, FHC foi o primeiro presidente a falar publicamente a palavra homossexual. Isso
abriu caminho para o Programa Brasil Sem Homofobia e, depois, para a convocação das
conferências, embora eu, assim como acontece com a frente parlamentar, tenha as
maiores críticas com relação à primeira e à já proposta segunda conferência, na medida
em que eu estou vendo que quase nada sai do papel, que estas conferências têm servido,
sobretudo, para empoderar militantes do PT ligados ao movimento GLBT. Eu considero
uma verdadeira afronta a convocação de uma segunda conferência enquanto nem 10%,
ou 20%, das 550 ações afirmativas propostas, saíram do papel. Considero que temos
que espernear e radicalizar, como sugeriu o doutor Perly Cipriano, da própria Secretaria
de Direitos Humanos, no terceiro congresso da ABGLT agora no mês de abril, em
Belém. Temos que radicalizar nossas reivindicações porque, caso contrário, essas
conferências funcionam como um artifício, uma estratégia do governo para neutralizar a
ação reivindicativa e a indignação do movimento, numa tentativa de domesticação, de
aparelhamento, porque permite que os militantes do PT se destaquem, se empoderem, e
o que a gente percebe é um aumento da homofobia, sobretudo depois da proclamação
do Brasil Sem Homofobia.

RC- Você disse que quase nada foi feito do Brasil Sem Homofobia. Tem alguma coisa
que você destacaria como efeito concreto, um ganho concreto, tanto em nível nacional
como em nível local?

LM- Eu sugiro que você consulte a ABGLT e veja o que no site da ABGLT está
divulgado, e consulte, também, o Welton Trindade, fundador e líder do grupo
Estruturação, de Brasília, que é um dos que mais contesta a conferência, dizendo que a
liderança GLBT “tem que ter vergonha na cara” – foi esse o termo que ele usou – para
não querer uma segunda conferência enquanto não se concretizarem grande parte das
demandas.

RC- Como você vê a relação do movimento com o governo do Estado da Bahia e com
as prefeituras? O Programa Brasil Sem Homofobia mudou alguma coisa nesse sentido?
Houve algum aumento de recursos para o movimento pós Brasil Sem Homofobia? Foi
possível desenvolver mais ações?
146

LM- O Centro de Referência GLBT proposto pela Secretaria Especial de Direitos


Humanos. Esses centros foram abertos em diversos estados, com uma estrutura
extremamente rígida, e que não atendeu absolutamente as necessidades do GGB e de
vários grupos que concorreram e ganharam esse projeto. Ele implicou na contratação de
um advogado, psicólogo, assistente social e seus respectivos estagiários, propondo um
atendimento absolutamente fora da realidade, na medida em que previa uma demanda
exagerada e que nós, com experiência de tantos anos de atendimento da população local
homossexual, já sabíamos, de antemão, que era estatística para inglês ver. O centro
funcionou, prestou contas... funcionou relativamente bem mas, infelizmente, o
financiamento terminou e o GGB continua prestando atendimento para demandas
relacionadas à violação dos direitos humanos e homofobia sem recursos
governamentais, e funcionando dentro desses limites. Eu não vejo, depois da
conferência estadual e da promulgação do Brasil Sem Homofobia, um envolvimento
maior do governo estadual e municipal, sobretudo municipal. Eu não vejo progresso ou
grandes realizações. O governador é uma pessoa de esquerda. A mulher do governador
sempre participou da parada gay antes da governança, nas últimas já não foi. Nós vamos
estimular e insistir para que ambos participem da parada porque é uma forma de
politizar mais as paradas, a presença de políticos, sobretudo de chefes do estado.

RC- Já houve algum caso de condenação por discriminação de homossexuais pela lei
municipal?

LM- Não. Que eu saiba não. Agora, felizmente, teve esse caso da condenação do
Bradesco. Desse funcionário, bancário, que foi durante anos discriminado e conseguiu,
vai conseguir, uma indenização bastante significativa. O GGB desde o começo
participou, como ele próprio declarou em recente entrevista no site do “A Capa”. Na
penúltima parada ele chegou a mandar fazer diversos cartazes com o nome do Bradesco
e a suástica Nazista. Tivemos algumas vitórias logo na fundação do GGB, junto ao
CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), como no caso de
uma propaganda, se eu não me engano, das Casas Bezerra, que mostrava um
homossexual estereotipado sendo ameaçado com um revólver, com muito deboche. Nós
conseguimos a retirada do ar desse anúncio, mas em termos de legislação... tenho aqui,
talvez, quase 10 processos que eu, como autor, denunciei – sejam jornalistas, sejam
147

órgãos –, como praticantes de homofobia. Nenhum desses processos foi concluído – ou


caducaram, ou foram negados – o que mostra, de fato, uma forte homofobia por parte do
Judiciário na Bahia.

RC- Em termos de política pública, houve alguma ação que você considera significativa
implementada entre 2004 e 2008? No contexto baiano especificamente, você percebe
alguma diferença? Alguma ação? Historicamente o movimento é muito mais convocado
para ações na área de saúde, mas parece que, recentemente, a educação também tem
sido uma área em que começam a surgir algumas iniciativas.

LM- O Grupo Gay, através do Marcelo Cerqueira, estabeleceu um convênio com o


Instituto Anísio Teixeira. Chegamos a fazer uma ou duas videoconferências para
professores do interior, com discussões sobre homofobia, direitos humanos e
homossexuais. Parece que esse ano o (Núcleo) Diadorim também participou da
formação de professores, mas eu realmente não me lembro de qualquer outra área em
que tenha ocorrido algum tipo de ação mais continuada.

RC- O GGB apoiou, ou foi diretamente responsável, pelo surgimento de alguns grupos
em Salvador. Mas é a partir do ano 2000 que é possível perceber um aumento da
mobilização no interior do Estado, sobretudo através da realização das paradas. Qual a
participação do GGB nesse processo?

LM- Nós sempre fomos um grupo “guarda chuva”, pelo fato de ter como fundador e
mantenedor um professor universitário – no caso eu – com um salário fixo, sem
depender de qualquer financiamento para o grupo e com uma visão da importância da
organização de mais grupos. Participamos diretamente da fundação do Grupo Lésbico
da Bahia, da Associação de Travestis de Salvador, do Grupo Vida Feliz dos Portadores
de HIV/AIDS e do Grupo Quimbanda Dudu de Negros Homossexuais, também
tentando fazer essa ligação entre orientação sexual e raça e etnia. Aqui em Salvador,
também outros grupos que foram fundados e que tiveram vida efêmera, como o Adé
Dudu. Quanto ao interior, nós também tivemos participação – mesmo antes das paradas
– em grupos como o de Camaçari. Ajudamos o de Feira de Santana, que teve problemas
administrativos, colaboramos para a fundação do atual GLICH, o de Lauro de Freitas, o
de Simões Filho e, mais tarde, os de Ilhéus e Canavieiras mandando material, indo
148

pessoalmente lá pra ajudar, mandando estatutos para que eles se registrassem.


Chegamos a, durante anos, pagar caixa postal para o funcionamento de grupos, como o
Grupo Gay de Aracaju, Dialogay. Agora as paradas, de fato, permitiram uma maior
visibilidade desses grupos locais, e o GGB, seja emprestando a nossa bandeira – que é
um bem caro – seja indo pessoalmente, como no caso da presença de Marcelo e Luiz
Mott em cima do trio, em Feira, onde realizei a celebração de uma união homossexual
há alguns anos atrás, dando maior visibilidade e brilho aos eventos.

RC - Teve também o projeto SOMOS, no qual vocês foram responsáveis por capacitar
lideranças do interior. Você vê relação entre esta ação e a formação dos grupos?

LM- Toda essa parte de interiorização do movimento é Marcelo Cerqueira que foi o
grande artífice, eu tive pouquíssima participação, quando muito nos eventos, fazendo
alguma palestra ou transmitindo algum conhecimento. Mas foi Marcelo que, através do
projeto SOMOS, e tem isso documentado, teve esse papel fundamental, trazendo
inúmeras pessoas do interior, capacitando-as, mas com resultados nem sempre
satisfatórios. O que eu percebo é que, por exemplo, na primeira conferência estadual
foram visitadas, se eu não me engano, 17 regiões, territórios de identidade, contra a
nossa vontade. Marcelo propôs que fossem apenas cinco regiões onde já havia grupos,
para consolidá-los e, a partir daí, irradiar. Então se gastou muito tempo, energia e
dinheiro por conta desse projeto ambicioso, exageradamente ambicioso, e os resultados
são poucos. Eu perguntaria: quantos grupos foram fundados? Quantas das lideranças
escolhidas – a partir de muito desgaste e debate entre grupos, cada um querendo incluir
os seus representados –, quantas dessas pessoas que participaram da conferência
estadual e da nacional, continuam, hoje, militando? Eu acho que foi uma mobilização
efêmera, que talvez não tenha perdurado.

RC- Em uma entrevista que você deu há cerca de dez anos atrás, acho que para um
aluno de mestrado também, você falou da inexistência de lideranças marcantes no GGB
e no movimento baiano. Como você vê o panorama hoje? Você acha que o GGB
conseguiu formar lideranças, os movimentos no interior têm feito despontar lideranças?

LM- Quanto à questão da formação de lideranças, esta é uma das melancolias que eu
tenho, ao avaliar os trinta anos de luta incansável, sem férias e sem trégua, de minha
149

militância. Não que eu tivesse medo, ou afastasse pessoas competentes de ocuparem


postos, de me substituírem, ou ocuparem postos de comando no GGB. Pelo contrário!
Eu sempre procurei acolher as pessoas mais dedicadas, mais disponíveis, mais
inteligentes, mais escolarizadas. Porém, o que eu percebo, é que sempre tivemos muita
dificuldade de penetração no meio universitário. Poucos foram os que se aproximaram
do movimento para participar efetivamente da continuação do GGB que tinham, ou que
têm, nível universitário. Poucos intelectuais e profissionais liberais se dispuseram,
nesses trinta anos, a um trabalho contínuo. Nós tivemos, por exemplo, o atual diretor ou
coordenador da pós-graduação de Belas Artes, o professor Luiz Alberto, que foi
membro do GGB durante vários anos. O professor Ricardo Líper, de filosofia, da UFBA
(Universidade Federal da Bahia), é um dos fundadores do GGB e ainda continua
prestando apoio esporádico. Mas, com relação aos nossos melhores quadros acontece,
por exemplo, de chegar algum “gringo” para nos visitar, se enamorar, e levar embora
pra se casar (risos) – tem um que está na Alemanha, outro que está na Austrália, na
França etc. Depois de trinta anos, além do Marcelo Cerqueira – que foi quem dinamizou
o grupo em termos de instrumentalizar com projetos e de dar uma estrutura mais
moderna e capitalista ao grupo, mas que devido a seu envolvimento com campanhas
eleitorais e trabalho em Lauro de Freitas, não tem o tempo suficiente para manter o
mesmo ritmo – os quatro ou cinco responsáveis, embora há muitos anos trabalhando no
grupo, conhecendo perfeitamente os nossos arquivos e a estrutura de funcionamento,
não desenvolveram a habilidade intelectual para elaborar projetos, prestar contas, ou até
mesmo fazer uma palestra ou atender a uma entrevista mais profunda, de modo que o
GGB atualmente passa por uma grande crise institucional. Essa dificuldade de formar
lideranças é um dos graves problemas do GGB, diferentemente de outro grupos, por
exemplo, do sul, como Curitiba, Rio de Janeiro, ou mesmo São Paulo, em que mais
pessoas intelectuais, mais pessoas com maior escolaridade participam ativamente do
movimento local. Não obstante, uma dessas pessoas que eu capacitei, a Keila Simpson,
se tornou uma grande líder do movimento das travestis, presidente da Associação
Nacional das Travestis – ANTRA – criada pelo GGB a partir do primeiro contato que
eu tive com ela no Pelourinho. Felizmente, alguém que tinha capacidade, inteligência e
que produziu muitos grupos.

RC – Você diria que existe um movimento gay baiano consolidado? Porque o GGB
sempre aparece com mais destaque, talvez por ter uma cultura consolidada de
150

divulgação das ações. Você acha que existe um movimento gay baiano atuando
conjuntamente, considerando que alguns grupos do interior se constituíram e que em
algum momento esses grupos trocam informações, desenvolvem ações conjuntamente?

LM- Nos últimos 12 meses, no movimento da Bahia, sobretudo a partir da convocação


da primeira conferência nacional GLBT, um grupo de universitários, que se reunia sob o
nome de KIU – sobretudo estudantes da Faculdade de Filosofia da UFBA, quase todos
jovens e pertencentes ao Partidos dos Trabalhadores, se mobilizou e praticamente
monopolizou a organização da primeira conferência e a participação na conferência
nacional. Esse grupo não se registrou como sociedade civil por princípio, por ideologia,
e embora eu tenha participado de diversas atividades, seja na Universidade Católica,
seja na UFBA, inclusive sendo homenageado há dois anos passados com uma placa –
deram meu nome a uma praça na UCSAL, Campus Federação – apesar disso, sobretudo
por conta da primeira conferência, e por um desejo muito claro de poder, houve um
posicionamento radical desses jovens baianos em relação ao GGB, à Associação de
Travestis e ao grupo lésbico Palavra de Mulher. Essa divisão se exacerbou a ponto de,
durante a conferência, eles terem tanto boicotado de forma injusta e deselegante a
participação do decano do movimento na Bahia na abertura da conferência, quanto
desejado impedir que eu fizesse a conferência magna. De fato, eu não fui convidado
para fazer parte da mesa de abertura; para mim, orgulho ou vaidade à parte, eu me
considero como um representante da história do movimento. Foi um vacilo, um gesto
que qualifiquei como próprio de “talibãs”. A partir daí, eu rompi o relacionamento e a
palavra com essas pessoas, eu deixei de responder aos e-mails etc. Porque enquanto não
houver uma retratação pública por esse equívoco assim, de um radicalismo,
especialmente do grupo KIU – que agora mudou de nome e passou a se chamar
Associação Beco das Cores (ABC), composto basicamente pelo Wesley, o Ricardo, o
Vinícius e a Andresa, as pessoas que mais têm participado. Desses, o único com quem
eu dialogo é a Andresa porque, apesar de pertencer a esse grupo, sempre reconheceu a
importância histórica do meu trabalho e a injustiça que era eu estar sendo humilhado na
realização da primeira conferência estadual LGBT. Esse novo grupo re-fundou o Fórum
Baiano de Grupos GLBT, fundado por mim e pelo Grupo Gay da Bahia, e que ficou
inativo durante algum tempo. Tem a ata, tem a fundação, não funcionou por falta de
motivação! Porque as coisas quando não funcionam é porque não têm uma função, uma
missão importante. E eles, pra legitimar essa ascensão, essa sede do poder – eu
151

considero isso um verdadeiro golpe de estado – reuniram o Fórum, re-fundaram. O


Fórum passou a ser de indivíduos e não mais de grupos organizados e eles, a partir do
Fórum, se organizaram para a primeira conferência e até hoje ainda dizem que o Fórum
é o órgão mais representativo do movimento na Bahia. Querem tomar a parada gay,
inclusive mudar o nome para parada GLBT, o que nós achamos que, em termos de
propaganda, em termos de política para a grande população, é um equívoco, porque a
maioria das pessoas não sabe o que significa GLBT e identifica “gay” como guarda
chuva que inclui todas as letras do alfabeto.

RC- Isso é um grande dilema dentro do movimento? Como é que no movimento baiano
isso se organiza? Essa relação dos trans, dos gays e das lésbicas? Essa coisa da unidade
como gay ou da necessidade de especificar quem são os públicos. Como é isso aqui na
Bahia? O movimento lésbico têm tido uma presença constante?

LM- Durante os anos 90 o GLB, Grupo Lésbico da Bahia, foi o mais dinâmico do
Brasil, com publicações, cartazes, reuniões, atividades. Mas, infelizmente, estava muito
centrado na figura de Jane Pantel, que não foi fundadora, mas que foi a dinamizadora, e
da Zora Yonara, que era sua companheira. Depois que as duas se separaram e mudaram,
o grupo, infelizmente, teve um retrocesso. Daí o grupo foi re-fundado por uma das
participantes, a Valquíria, que foi candidata a vereadora pelo PC do B. Mas o grupo é
muito inexpressivo, apesar de ter uma pequena sede no centro de Salvador. O
movimento de travestis, também fundado pelo GGB, teve como sua grande estrela a
Michele Marie que, durante muitos anos, com pouca capacidade intelectual mas com
grande penetração entre as travestis, teve muita ousadia para enfrentar a polícia e
delegacia quando as travestis eram presas injustamente. Sempre foram movimentos
muito independentes. Apesar de acusarem o GGB de controlar, e eu de manipular, isso
não corresponde à verdade. Os grupos sempre se reuniram na sede do GGB, mas com
total independência. Eu não participava nas reuniões e não interferia em nada na
dinâmica interna, de modo que, nos últimos anos, nós estimulamos a formação de
grupos específicos porque achamos que era uma forma de nos liberarem, também, de
tanto trabalho, de estar supervisionando reunião de lésbica, de gay, de soropositivo etc.
De modo que nunca nos opusemos. Mas, o que a gente percebeu é que, esses
movimentos, se não fosse o apoio material do GGB, oferecendo a sede, material de
apoio etc., esses grupos não teriam vingado e funcionado durante tantos anos.
152

RC- Você é co-fundador da ABGLT não é? Como é que você avalia a atuação da
associação e a relação da ABGLT com os grupos baianos hoje em dia?

LM- Nos anos 80 eu recebi um telefonema de um gay que vivia na Espanha, dizendo
que era de Curitiba, que estudava letras e que queria voltar para o Brasil e fundar um
grupo. Daí teve, se não me engano, o terceiro encontro nacional do movimento em
Recife. O primeiro foi em São Paulo em 80 depois, se eu não me engano, fizemos em
85 aqui em Salvador. Por causa da crise gerada pela AIDS, ficou vários anos sem
acontecer; o terceiro, se não me engano, foi em Recife. Ele então, o Tony Reis, e o seu
namorado inglês, o David Harad, apareceram nesse encontro em Recife. Discutimos
sobre a fundação do grupo lá de Curitiba, sobre o nome Dignidade, etc. Daí eles
voltaram, fundaram o grupo e sempre mantiveram um bom contato. O Tony sempre foi
uma pessoa muito criativa, cada vez está estudando mais, fez doutorado, etc. Ele
percebeu a importância de se organizar nacionalmente, já que tínhamos participado
juntos, na Áustria, do encontro da Associação Gay Lésbica Internacional, a ILGA, e daí,
foi fundada a ABGLT em 95, em Curitiba. Fizemos uma das primeiras manifestações –
ainda não era parada naquela época – e daí o movimento cresceu, com alguns
presidentes mais ativos, outros menos expressivos, e a ABGLT se tornou essa potência
hegemônica que reuniu mais de 200 grupos e que, felizmente, tem definido áreas
importantes de atuação e conseguido contatos fundamentais com diversos ministérios,
secretarias etc. Eu cheguei a ser Secretário de Direitos Humanos durante mais de um
período; Marcelo foi Secretário de Comunicação, infelizmente, sem grande atuação.
Devido à chegada de novos militantes, sobretudo de São Paulo, muitos deles ligados ao
Partido dos Trabalhadores, com uma política de cooptação e aparelhamento, vários
começaram a disputar cargos etc., e houve um afastamento, sobretudo dos chefes.
Houve dificuldades de relacionamento de Marcelo com Tony Reis e outras lideranças da
ABGLT, de tal modo que o relacionamento da ABGLT é bom comigo mas, com o
GGB, sobretudo devido a Marcelo, há certos problemas, “quizilas”, incompatibilidades
que eu espero que sejam superadas, mas que também implicam numa luta de poder
interna da ABGLT, sobretudo por grupos do sul e sudeste.
153

RC- O GGB tem mantido uma interlocução contínua com grupos de outros estados do
país? Você já falou um pouco disso quando falou da ABGLT, mas com relação a outros
países, como tem sido a situação?

LM- Nos primeiros anos nós tínhamos mais esses contatos porque, como havia poucos
grupos no Brasil, o GGB se tornou assim, o grupo de referência nacional e na América
do Sul. Então nós tivemos convênios com grupos dos Estados Unidos, eu e alguns
membros participamos do encontro da Associação de Negros e Brancos “Black and
White Men Together”. Três ou quatro convenções com membros de diferentes grupos
da Alemanha, Holanda, Estados Unidos e da França vieram participar. No Brasil, o
GGB teve uma participação importante. Participou com duas entradas no livro
Dicionário da Homofobia, publicado em Paris no final dos anos 90 pelo sociólogo Tin,
que foi quem propôs a instituição do dia 17 de maio como dia internacional de combate
à homofobia. Eu fui o representante desse grupo no Brasil, tinha participado da
elaboração de dois artigos sobre homofobia nesse dicionário, e foi a partir dessa minha
interlocução que eu propus nas listas a criação do dia nacional, local, contra homofobia,
17 de maio. Houve certa resistência de alguns grupos, dizendo que já havia o Dia do
Orgulho Gay. Dia mundial por ser o dia em que a ONU revogou o homossexualismo
como transtorno sexual e que, hoje, é um dia cada vez mais nacionalizado, com ações já
próprias, se eu não me engano em 17 estados. Acho que até aqui na Bahia, na Câmara,
como projeto de lei instituindo o dia municipal contra homofobia, esse que é o da
Marta, se não me engano.

RC- Tem mais alguma coisa que você queira dizer? Do que é o movimento gay como
movimento político. É um movimento muito transnacional, não é? Isso me chama muito
a atenção. As demandas, por serem ligadas a esse direito básico de expressão da
afetividade, caminham muito juntas, não é? No mundo todo, apesar das especificidades
locais. Você vê dessa forma?

LM- É. A gente, assim como o movimento negro e o movimento feminista, aprendeu


muito com a experiência, sobretudo dos EUA, um pouco menos da Europa, de modo
que o que acontece lá a gente reproduz, na nossa realidade. O movimento gay na Bahia
teve a chance e a sorte de ter como líder alguém muito corajoso, audaz, persistente.
Pelo fato de eu estar antenado com o que acontecia no exterior, nós erramos muito
154

pouco, diferentemente do movimento da AIDS ou de outros movimentos que tomaram


certos posicionamentos e que, às vezes, tiveram que voltar atrás, talvez por um
radicalismo anti-governamental na época, ou por alguma falta de informação. De modo
que às vésperas de completar 30 anos, que será no carnaval do ano que vem, a avaliação
que eu faço, repetindo as palavras do apóstolo Paulo é: combati o bom combate,
terminei a minha carreira e guardei a fé. A minha fé é numa sociedade mais justa, mais
humanitária e que confira direitos iguais – nem menos nem mais. O GGB, acho,
cumpriu o seu papel. Eu não veria como um fracasso que, ao completar 30 anos, (o
GGB) saísse de cena, deixando que esses novos baianos que eu, infelizmente, acho às
vezes muito tentados pelo radicalismo “talibaiano”, demonstrem a sua capacidade em
continuar no protagonismo do movimento nacional e latino americano. Eu, da minha
parte, vou continuar sempre militando, mesmo que o GGB resolva, institucionalmente,
interromper a sua trajetória. Eu continuarei lutando porque, como paulista, eu carrego
um espírito de bandeirante, que não se arrefece diante das dificuldades, e mantenho o
mesmo lema dos paulistas: “Non Ducor, Duco” – eu não sou conduzido, eu conduzo! E
quem não estiver a fim, que pule pra fora do barco! (risos)

RC- Muito obrigada professor, pela entrevista. Vai me auxiliar bastante na análise dos
dados.

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