Exegese
Exegese
Exegese
2
INTRODUÇÃO ............................................................... 4
I - O QUE É A BÍBLIA? ................................................... 6
3. A Tradição Oral e a Tradição Escrita ........................ 8
4. Os Intérpretes - Profetas e Sábios .......................... 11
5. A Nova Tradição da Era Cristã ................................ 12
6. Entendendo Algumas Dificuldades Concretas ........ 14
7. A Fonte Comum ...................................................... 16
8. As Cartas ................................................................. 17
9. O Cânon Sagrado .................................................... 19
II - HERMENÊUTICA - INTERPRETAÇÃO DA BIBLIA 19
III - HISTÓRIA DAS FORMAS - GÊNEROS
LITERÁRIOS ................................................................ 26
3. Narrativo-Histórico ................................................... 33
IV - PRINCIPAIS ETAPAS DA HISTÓRIA DE ISRAEL 37
1. Curiosidades a Respeito da Bíblia .......................... 38
V - UM EXAME DA EXEGESE .................................... 52
VI - A INTERPRETAÇÃO BÍBLICA – ONTEM E HOJE65
VII - EXEGESE – APLICAÇÃO – HERMENÊUTICA . 110
VIII - O CARÁTER ESTRANHO DO TEXTO.............. 130
BIBLIOGRAFIA .......................................................... 157
3
INTRODUÇÃO
4
ministerial. Deixando de lado tais formalidades, foram
justamente os trabalhadores leigos os mais usados nos
avivamentos. Haja vista o que aconteceu noPaís
de Gales, Estes arrogam para si
o direito de interpretar o texto bíblico com propriedade,
sem, contudo, ter o conhecimento das técnicas que se
aplicam ao que executa tal tarefa, a de interpretador do
texto sagrado.
5
I - O QUE É A BÍBLIA?
7
uns poemas semelhantes aos salmos, datando dos
séculos XIV ou XV a. C.
8
transmitida aos novos pelos mais velhos nas reuniões
que havia nos santuários.
9
A tradição oral existiu até os tempos de Davi, quando foi
escrita a tradição javista; meio século depois, foi escrita
também a eloísta. Por volta de 721 a.C., na época, da
divisão dos reinos, quando Samaria foi destruída pelos
assírios, muitos sacerdotes do norte fugiram para o sul e
levaram consigo a sua tradição.
10
398 a.C. e compreendia a primeira parte da Bíblia
judaica.
A partir de Josué, a tradição continuou oral, para ser
escrita somente por volta de 550 a.C. E foram escritas do
modo como o povo contava. Por isso não se podedar
a mesma importância histórica aos fatos descritos nestes
livros em relação a outros posteriores, pois alguns fatos
narrados foram baseados na tradição popular, enquanto
que outros foram baseados em documentos de arquivos
(anais do Reino). Este é um grande desafio para os
estudiosos e também uma fonte de divergências.
11
posterior ao exílio. São umas reflexões humanistico-
religiosas.
Passados os profetas, surgiram os sábios que
raciocinavam sobre as coisas da natureza, tirando delas
ensinamentos para a vida. Foram acrescentados aos
livros sagrados nos últimos séculos a.C., sendo os mais
recentes livros do Antigo Testamento.
12
precisou ser traduzida e adaptada. Além disso, o próprio
povo necessitava de uma escrita (doutrina escrita) para
se conservar una, após a morte dos Apóstolos. Esta
redação, no início, era apenas de alguns escritos
esparsos, que só depois de algum tempo foram juntos em
livros. Exemplo disso está em Marcos 2, uma série de
disputas de
13
Mas a crítica histórica mostra que o de Marcos foi
anterior. Aliás, a respeito deste evangelho de Mateus,
não se sabe ao certo quem é o seu autor. Foi atribuído a
Mateus, apenas por uma tradição e também por uma
praxe da época de se atribuir um escrito a alguém mais
conhecido e famoso, para que a obra tivesse mais
autoridade.
14
Sermão da Montanha, em Lucas fala "bem aventurados
os pobres"; e em Mateus, "bem aventurados os pobres
de espírito".
A diferença consiste no seguinte: Lucas deu um sentido
social, mais importante para as comunidades gregas,
para as quais escrevia. Mas o de Mateus destinava-se às
15
O seu interesse é a apresentação da mensagem
(evangélion = boa nova).
7. A Fonte Comum
16
que tenha sido escrito por discípulos de Mateus e
atribuído ao Mestre. Aliás, a respeito de "Evangelho", o
primeiro a usar esta palavra para indicar as
8. As Cartas
17
quando os Evangelhos e elas foram acoplados, mas já no
fim do I século estavam reunidos num só livro.
18
9. O Cânon Sagrado
II - HERMENÊUTICA - INTERPRETAÇÃO
DA BIBLIA
1. Conceito
19
A palavra 'hermenêutica' vem do verbo 'hermenêuein'
(interpretar). E esta interpretação foi entendida
diversamente através dos tempos. Por isso, temos três
tipos de exegese: l. rabínica; 2. protestante; 3. católica.
2. Exegese Rabínica
20
Bíblia (caso de Galileu). Assim era a exegese antiga. No
século XVIII, o racionalismo fez o extremo oposto desta
doutrina: negaram tudo que tinha algum aspecto de
sobrenatural e mistério, e procuravam explicações
naturais para os fatos incompreensíveis, assim por
exemplo, dizendo que Cristo hipnotizava os ouvintes e os
iludia dizendo que era milagre. JC não ressuscitou, mas
ele apenas havia desmaiado na cruz, e quando tornou a
si saiu do sepulcro... Talvez não o fizessem pormaldade.
Era por princípio filosófico.
21
que combina com as palavras. É a Bíblia aplicada à
realidade apenas pela coincidência dos textos.
Por exemplo, em Mateus se lê "do Egito chamei meu
filho"... para que se cumprisse a Escritura. Mas o sentido,
ou seja, a aplicação original deste trecho não sereferia à
volta da Sagrada Família, mas sim à saída do Povo do
Egito. Esta acomodação foi explorada demasiadamente
pelos pregadores, que até abusaram disto. Outro
exemplo de acomodação é a aplicação a Maria dos textos
do livro da Sabedoria. Estes são mais literatura que
Escritura. Todavia, crendo-se na inspiração, aceita-se
que as palavras do autor podemter uma significação
mais profunda que a original.
3. Exegese Protestante
22
contribuiu para um desastre hermenêutico, pois ele
mesmo disse que cada um interpretasse a Bíblia como
entendesse, isto é, como o Espírito Santo o iluminasse.
23
Outros ainda interpretavam o Cristianismo dentro da
lógica hegeliana: São Paulo, entusiasmado, teria feito
uma doutrina, que atribuiu a JC (tese); depois São João,
com seu Evangelho constituiu a antítese; finalmente São
Marcos fez a síntese. Hoje, porém, se sabe que Marcos
é o mais antigo. Estes intérpretes se contradizem entre
si, o que provocou uma certa desconfiança. Por fim, a
própria arqueologia, em auxílio do Cristianismo, veio
provar com a descoberta de vários documentos históricos
que a Bíblia tinha razão: aqueles costumes, aquele
vocabulário era realmente daquela época, inclusive o uso
dos nomes Abraão, Isaac também eram comuns no
tempo. Isto e outras coisas serviram para desmentir tais
ideias iluministas.
4. Exegese Católica
24
comentar o AT com base na crítica histórica. Mas foi
alvo tantos protestos que não teve coragem de
continuar. Em seguida, comentou o NT, e
ainda hojeé autoridade no assunto. A Igreja
Católica custou muito a perceber o seu atraso no estudo
bíblico, e até bempouco tempo ainda afirmava ser
Moisés o autor do Pentateuco, quando os
protestantes hão mais de um século já descobriram que
não.
25
III - HISTÓRIA DAS FORMAS - GÊNEROS
LITERÁRIOS
26
do Mar Morto vários manuscritos datando do II século
a.C. e há alguns, como o livro de Isaías, cujo texto é
quase completamente igual ao que temos. A Bíblia
original (copiada) data do século II d.C.
27
E como o manuscrito chegou a esta fonte? Deste estudo
se deduz a 'sitz in leben' (situação na vida) deste
manuscrito no gênero literário. A 'sitz in leben' que este
gênero literário tem na comunidade; a 'sitz in leben'desta
comunidade na história.
28
g) Mito - conto que se passa com deuses, ou cujos
personagens são os deuses. Têm tonalidade solene e
são originários de círculos politeístas. A mitologia
babilônica, por exemplo, muito influenciou no povo de
Israel, que sempre foi monoteísta. Isto se vê nos Salmos
103.6-9; 17.8-16; 88.11 e nos proféticos: Jo. 26.l2. Nos
livros históricos, a influência é mais velada. Mas a árvore
da vida do Gênesis já existe num poema deGilgames (de
origem Babilônica): um herói perguntou a um seu
antepassado que era deus, onde ficava a árvoreda vida.
Ele a encontrou no fundo do mar, e levou um ramo para
plantar. Tendo sede, foi beber num poço e uma serpente
levou o seu ramo. A história do dilúviotem uma similar
na cultura babilônica. É o caso de uma deusa que era
amada ao mesmo tempo por um deus e por um homem.
Então para matar o homem, o deus mandou o dilúvio.
29
não morrer. Na sabedoria babilônica, explicam que o
mundo nasceu de uma briga dos deuses.
30
enxofre... A origem de várias estátuas de pedra,
formadas pela erosão é explicada pela história da mulher
de Ló, que foi transformada em estátua. A narrativa de
Caim e Abel é outra, para explicar a origem de uma tribo
cujos integrantes tinham um sinal na testa. Explicavam
que Deus colocara um sinal em Caim para que ninguém
o matasse, e daí este sinal ficou para a descendência. O
próprio nome de Caim é inventado, porque a tribo
tinha o nome de cainitas e eles deduziram que seu
fundador devia chamar-se Caim.
31
dos heróis do passado. O valor da saga está na riqueza
popular (folclórica) que ela traz. Nem sempre há lição em
cada uma. Mas a fartura de detalhes que ela traz mostra
a mentalidade do povo. Seu valor é maior para acritica
literária.
32
circuncisão de todos os meninos no oitavo dia. Js. 5.9 e
Ex.12 e 13 falam da origem da Páscoa.
3. Narrativo-Histórico
33
considerada autêntica. O exemplo mais típico deste
gênero é a narração epopéica da passagem do mar
vermelho (14). A fuga de Israel do Egito está ligada a
um fato acontecido no tempo de Ramsés II.
Ele foi um faraó que empreendeu grandes conquistas,
principalmente à procura de escravos para trabalhar.
Entre os povos submetidos havia um grupo de judeus.
Mais tarde, fraquejou a vigilância, e muitos fugiram,
inclusive muitos judeus. Então eles empreenderam afuga
pelo deserto e se aproveitaram de uma região ondehavia
um braço de mar que secava durante a marébaixa para
sair do território egípcio.
34
passaram na maré baixa. Quando os soldados
chegaram, a maré já subira e não dava passagem.
Enquanto isso, eles se adiantaram
a) Historiográfico
É o trabalho dos escribas encarregados de escrever as
crônicas dos anais dos reis. A partir destas crônicas
vários livros foram escritos. I Reis 11.41 cita os anais de
Salomão; em 14.19 afirma que o restante está nos livros
das crônicas dos Reis de Israel. São documentos de
maior credibilidade, porque são mais históricos. Somente
a partir do livro dos Reis, é que são usados documentos
escritos na época. Antes era apenas história popular.
b) Legislativo
É representado na Bíblia principalmente no Pentateuco.
Tem muito em comum com os outros povos vizinhos e
herdou muito deles. Há passagens na Bíblia que são
repetições do código de Hamurábi. Os povos orientais
35
são muito ricos neste tipo de literatura. Quanto aos tipos
de leis, há três: 1. leis causídicas: pormenorizadas
conforme as situações; 2. leis apodíticas: universais; 3.
leis rituais.
c) Sapiencial
Originou-se também dos povos vizinhos, principalmente
a partir do Exílio. São de origem profana e não religiosa,
pois as suas fontes também não eram religiosas. O povo
oriental é pensador por natureza e a sabedoria é uma
virtude muito difundida e apreciada. A sabedoria bíblica
não difere muito da sabedoria oriental em geral.
d) Profético
Também tem origem fora de Israel. Os povos da época
tinham seus profetas. Eles moravam nos palácios dos
reis e eram os que dialogavam com os deuses. É preciso
notar que naquela época profeta não era sinônimo de
adivinho, como
36
e) Salmos
Também tem influência externa (fora de Israel). Não são
todos de Davi. Apareceram conforme as necessidades.
Foram compostos sem sequência ou cronologia. São
cantos de louvor, de súplica.
37
exílio ficou muito tempo em contado com vários povos
estrangeiros e adquiriu com isto um sincretismo religioso
que levaram para a Pátria. Ao retornarem à pátria, logo
eles empreenderam a reconstrução de Jerusalém (casas,
templo...), mas não se livraram completamente das
influências politeístas, causando assim várias
brigas internas. O Sinédrio era a cúpula religiosa da
nação, composta de 70 membros sob a presidência do
Sumo Sacerdote, que tinha autoridade suprema. Os
fariseus e saduceus eram partidos políticos, mas com
inspiração religiosa. Os primeiros eram da oposição e os
outros, da situação. No ano 63 a.C, a Palestina
38
Passados vinte anos, o príncipe faleceu. Examinada a
prisão, foi encontrada na parede uma escrita, feita coma
ponta de um prego, onde se lia: "A palavra Senhor é
encontrada na Bíblia 1.853 vezes; Jeová, 6.855; o
segundo verso do Salmo 117, marca a metade da Bíblia;
o verso maior dela é Ester 8.9; o menor é João 11.35; no
Salmo 107, há quatro versos iguais: 8, 15, 21
e 31.
39
Aqui se encontram dez princípios que devem ser
seguidos na interpretação bíblica.
Denomina-se princípio da unidade “escriturística”. Sob a
inspiração divina a Bíblia ensina apenas uma teologia.
Não pode haver diferença doutrinária entre um livro e
outro da Bíblia.
40
tradição ocidental que se concretizou na igreja Católica
Romana.
5. Além da Exegese
41
Deixe a Bíblia interpretar a própria Bíblia. Este princípio
vem da Reforma Protestante.
O sentido mais claro e mais fácil de uma passagem
explica outra com sentido mais difícil e mais obscuro.
Este princípio é uma ilaçãodo
anterior. Jamais esquecer a
Regra Áurea da Interpretação, chamada
por Orígenes de Analogia da Fé. O texto deve ser
interpretado através do conjunto das
Escrituras e nunca
através de textos isolados.
Sempre ter em vista o contexto. Ler o que está antes e o
que vem depois para concluir aquilo que o autor tinha
em mente.
Primeiro procura-se o sentido literal, a menos que as
evidências demonstrem que este é figurado.
Ler o texto em todas as traduções possíveis - antigas e
modernas.
Muitas vezes uma destas traduções nos traz luz sobre o
que o autor queria dizer. Apenas um sentido deve
ser procurado em cada texto.
O trabalho de interpretação é científico, por isso deve
ser feito com isenção de ânimo e desprendido de
42
qualquer preconceito. (o que poderíamos chamar de
"achismos").
Fazer algumas perguntas relacionadas com a passagem
para chegar a conclusões circunstanciais. Por exemplo:
a) - Quem escreveu?
b) - Qual o tempo e o lugar em que escreveu?
c) - Por que escreveu?
d) - A quem se dirigia o escritor?
e) - O que o autor queria dizer?
Feita a exegese, se o resultado obtido contrariar os
princípios fundamentais da Bíblia, ele deve ser colocado
de lado e o trabalho exegético recomeçado novamente.
43
Para o Velho Testamento o melhor em inglês é: Um
Conciso Léxico Hebraico e Aramaico do Velho
Testamento de William Holaday.
Para o Novo Testamento o melhor é: Léxico Grego-Inglês
do Velho Testamento de Walter Bauer(Universidade de
Chicago), traduzido e adaptado para o inglês por Arndt
Gingricd.
Em português não há nem um dicionário para o grego
bíblico. Para o grego clássico o melhor que temos é:
Dicionário Grego-Português e Português-Grego de Isidro
Pereira, Edição do Porto, Portugal.
b) Gramáticas
44
Em português continuamos numa pobreza mais do que
franciscana neste aspecto. O próximo passo é
uma pesquisa conscienciosa do contexto
para que não haja afirmações que se oponham ao que o
autor queria dizer ou distorções daquilo que ele disse.
45
Dicionários da Bíblia são muito úteis para rápidas
informações sobre um assunto, identificação de nomes
de pessoas, lugares ou coisas. O melhor dicionário da
Bíblia é: The Interpreter´s Dictionary of the Bible, quatro
volumes.
46
informação pode ser conseguida com a ajuda de bons
dicionários. No uso dos dicionários, deve notar-se
cuidadosamente o significar-se da palavra sob
consideração nos diferentes períodos da língua grega e
nos diferentes autores do período.
47
estudada. A divisão em versículos e capítulos facilita a
procura e a leitura, mas não deve ser utilizada como
guia para delimitação do pensamento do autor. Muito mal
tem sido feita esta forma de divisão a uma honesta
interpretação da Bíblia, pois dá a impressão de quecada
versículo é uma entidade de pensamento separados dos
versículos anteriores e posteriores.
Interpretar historicamente: o interprete deve descobrir as
circunstâncias para um determinado escrito vir à
existência. É necessário conhecer as maneiras,
costumes, e psicologia do povo no meio do qual o escrito
é produzido. A psicologia de uma pessoa incluí suas
ideias de cronologia, seus métodos de registrar a história,
seus usos de figura de linguagem e os tipos de literatura
que usa para expressar seus pensamentos.
Interpretar de acordo com a analogia da Escritura. A
Bíblia é sua própria intérprete. Diz o princípio
hermenêutico. A bíblia deve ser usada como recurso para
entender ela mesma. Uma interpretação bizarra que
entra em choque com o ensino total da Bíblia está
praticamente certa de estar no erro. Um conhecimento
acurado do ponto de vista bíblico é a melhor ajuda.
48
9. O Procedimento Exegético
49
Depois de usar bons dicionários, umaou mais
gramáticas devem ser consultadas para
entender a construção gramatical. No verbo, a voz, o
modo e o tempo devem ser observado por causa da
contribuição à ideia total.
50
O interprete deve manter em mente o clima teológico
em que foram produzidos, porque isso afeta de maneira
direta a interpretação das Escrituras. Um comentarista
pode ser capaz, em certa media, de evitar "bias"
(tendências) e permitir que o documento fale por si
mesmo, mas sua ênfase nos vários pensamentos na
passagem será afetada pela corrente de pensamento de
seus dias. Os comentários principalmente os
devocionais, tem a marca da desatualização.
51
V - UM EXAME DA EXEGESE
1. Intenção e Intencionalidade
52
O teórico, aquele que busca o fundamento das coisas,
que questiona, nem sempre é visto como sendo útil para
a sociedade, mas ele tem utilidade. Um aperfeiçoamento,
novo invento ou rejeição de algo vem pelo perguntar e aí
se evidencia a utilidade do teórico.Às vezes, a única
utilidade de um teórico é explicitar ou explicar e
sistematizar uma prática, um saber que fazemos apenas
por intuição.
Intencionalidade
A exegese como todo saber tem práticas implícitas e
intuitivas. Neste texto quero abordar uma prática
escondida que está por trás do procedimento
interpretativo. Esta prática escondida talvez fosse melhor
dita como prática não consciente, e que consiste no
desconsiderar o momento originário do chamado
"contexto original".
53
narra, prescreve ou descreve, pouco importa, elesempre
leva em consideração uma utilidade que terá o seu
escrito para alguém.
O alvo de toda interpretação é saber o lá e então em
primeiro lugar. Isso é uma regra implícita e explícita em
nossa hermenêutica atual. É a regra básica de todo
procedimento hermenêutico. Saber como funcionou o
texto para os leitores em suas necessidades em primeiro
lugar, para depois descobrir como pode funcionar no
contexto temporal do ouvinte hoje, é a tarefa que se
coloca como primordial. Mas há, nessa tarefa, alguns
elementos a serem considerados.
3. O Lugar do Intérprete
Essa busca do lá e então, é, na verdade, um segundo
momento A hermenêutica desiste de ser uma ortopraxia
para percorrer um itinerário errante. A errância é o fazer
da hermenêutica. Sendo assim, ela já não trabalha com
e para a ortodoxia, sua função é a semioclastia. Ele (o
intérprete) deve reconhecer que o erro será praticamente
inevitável. Ele só poderá ser checado, diminuído, nunca
eliminado.
Essa busca do lá e então, é, na verdade, um segundo
momento interpretativo. Há algo que precede, no tempo
e no texto, o escrito do texto. Portanto, o descobrimento
54
desse "lá" em primeiro lugar, é, em outras palavras, um
cortar de caminho. Existe uma distância temporal entre
o escrito e o acontecido; primeiro vem o acontecido,
depois o escrito. Quando se interpreta, não se busca o
acontecido, mas o escrito. Mas não teria importância
hermenêutica prestar atenção ao acontecido? Acredito
que sim. Falar uma coisa dessas é tão óbvio que parece
ridículo, mas essa fraqueza é apenas aparente. Os
hermeneutas, não precavidos disso,
55
chaves para se descobrir porque, mesmo nos
evangelhos sinóticos, um mesmo acontecido na vida de
Jesus pode ter contextos, lugares, lições e personagens
diferentes em cada autor.
Mas, se minha leitura começa com o "lá", meu começo
não é originário, isto é, não começo onde deveria
começar, pois aí, estou desconsiderando o acontecido.
Todo acontecimento originador de um texto tem uma
anterioridade e originalidade ao próprio texto. O queestou
dizendo é que o fato é anterior ao texto, e não temrelação
direta com este. Tem algo antes do "lá", dotexto, que é
anterior a ele e à comunidade leitora.
Agora, todo texto precisa ser lido em três contextos
distintos: o meu, o da igreja leitora e o contexto deJesus.
Eu preciso levar em consideração isso também. Quem
nos ajuda a ver a interpretação desse modo são os
estudiosos intérpretes das parábolas. Eles,
principalmente Dodd, Jeremias e Weissmann, chamam
a atenção que as parábolas tiveram, inicialmente, um
objetivo na fala de Jesus, e, entre a fala de Jesus e a
leitura da comunidade, o autor deu uma nova
interpretação ao fato. Algumas parábolas foram ditas em
um determinado contexto e os autores colocaram as
56
parábolas em outro contexto, de acordo com a
comunidade leitora.
57
O que era mais comum na vida de Jesus era que as
coisas aconteciam, independentemente de sua vontade,
e, a partir desse acontecido alheio à sua vontade,
aplicava um princípio ou ensino espiritual. Considere, só
a título de exemplo, a cura do paralítico em Cafarnaum
que foi baixado do teto pelos amigos (Mc. 2). Até aquele
momento, Jesus estava ensinando - e o texto fala isso -
qualquer coisa que nada tinha a ver com o que sesegue.
O novo evento lhe rouba a importância do “assunto
ensino” que ele está ministrando até àquela hora.
58
seu ministério, por exemplo, no caso do sermão inicial
do seu ministério em Mateus, ou o sermão aos
discípulos acerca da parusia, no final de sua vida com
os mesmos. Nesses momentos Jesus simplesmente
começa a falar algo para seus discípulos não tendocomo
alavanca um acontecimento originador, é um ensino que
não tem uma origem a não ser no desejo do próprio
mestre.
59
a necessidade da comunidade leitora e o fato na vida de
Jesus. O escrito, portanto, é uma reinterpretação do
fenômeno e essa interpretação é arbitrária - da própria
vontade do autor - e condicionada, pois que um mesmo
fato, que originalmente é único e “desintencional” é
interpretado de várias formas por autores diferentes.
Toda interpretação já é uma mudança e um
“ultrapassamento” da situação originadora. A falta de
intenção do fato, por exemplo, quando Jesus, ao dormir
no barquinho enquanto atravessavam o lago, houve a
tempestade, ao ser interpretado, o autor coloca uma
intencionalidade. Essa intencionalidade é o significado
que é dado ao fenômeno, é a leitura de algo que
originalmente não tinha significado.
É nesse sentido que o escrito é uma pregação escrita de
uma pregação oral, mas que essa pregação também foi,
em algum tempo, dramatizada pelo momento.
Quando interpreto o
60
intérprete e das comunidades ouvintes do intérprete,mas
ao se fazer a interpretação de um texto, não seestá
preocupado com o contexto de Jesus inicialmente, mas
com o do autor e dos leitores originais. O contexto de
Jesus é anterior ao "lá", é originário. Esse "lá" diz respeito
aos leitores originais e não ao de Jesus. Jesus sendo o
personagem mais importante fica em posição secundária
quando se começa pelo "lá" dos leitores, e não pelo de
Jesus. Isso passa bem despercebido dos leitores de hoje
e dos intérpretes. É uma prova de como as regras que
nos impomos e que acatamos, nem sempre nos
agradariam se pensássemos o que está por trás das
mesmas.
4. Hermenêutica Como “Metainterpretação”
61
Quando interpreto ou prego, é a intencionalidade do
escritor e não a intenção de Jesus. Meu trabalho está
baseado na intencionalidade do autor, e não nofenômeno
em si.
62
exercício exegético das parábolas, qualquer texto,sendo
uma narração, precisa levar em conta o contexto de
Jesus, depois, o contexto dos leitores originais. Assim, se
volta ao início do caminho.
Semelhantemente, da mesma forma que o autor nem
sempre respeita a intenção e o contexto de Jesus e dos
discípulos na escrita do texto, da mesma forma há como
que uma independentização do texto em relação aoautor
depois que este se fixa como texto literário. Vejamos
outros autores falando sobre essa textualidade e
independentização.
63
aberto para que todo intérprete possa “dizer” qualquer
coisa de qualquer texto.
Egger mesmo enfatiza que o texto não encerra um só
sentido: “... os textos bíblicos não têm um significado fixo
e acabado, mas escondem uma plenitude de
potencialidades” (210). Dessa forma, o autor já não
“pretende” algo com seu texto, a pretensão existe no
intérprete, da mesma forma como o acontecimento
originário não pretendia algo, simplesmente
64
VI - A INTERPRETAÇÃO BÍBLICA –
ONTEM E HOJE
65
se repitam. Nas palavras de Mickelsen: “A história mostra
que a utilização de princípios errados prejudicou o
trabalho exegético de grandes homens, alguns dos quais
foram santos extraordinários. Este fato deve servir de
alerta para nós contra a interpretação descuidada. Temos
ainda menos desculpas pelo fato de podermos aprender
com as lições do passado”.
66
1. Esdras e os Escribas
67
“assim como o martelo que trabalha ao fogo provoca
muitas fagulhas, cada versículo das Escrituras possui
muitas explicações”. Ele asseverava que cada
monossílabo do texto bíblico tinha vários significados.
Havendo um “e” ou um “tambem” a mais, ou ainda uma
flexão,sempre devem merecer interpretação especial.Se
2 Reis 2.14 diz que Eliseu “Também […] bateu nas
águas” [PIB], é sinal que Eliseu fez mais milagres no
Jordão do que Elias. Quando Davi afirma “o teu servo
matou também o leão, também o urso”, o significado
(pela regra de inclusão sobre inclusão) é que ele tinha
matado pelo menos três animais.
2. Hillel e Shammai
68
que se desenvolveram entre os judeus acerca dos 613
mandamentos da lei mosaica.
Shammai, da mesma época que Hillel, diferia dele tanto
no que se refere à personalidade quanto à hermenêutica.
Indivíduo de temperamento violento, interpretava a lei
com rigor. Os ensinamentos desses dois rabinos quase
sempre se contrapunham. Após a queda de Jerusalém
em 70 d.C., a escola de Hillel ganhou fama, ao passo que
a de Shammai foi perdendoimportância e influência.
3. A Alegorização Judaica
69
Homero (século IX a.C.) e de Hesíodo (século VIII a.C.),
ficavam constrangidos com o comportamento imoral e
com os antropomorfismos dos
70
mesmo tempo em que se proclamavam fiéis aos escritos
antigos. Eles podiam divulgar seus próprios
ensinamentos sob o pretexto de alegorizar a mitologia
de Homero e de Hesíodo. Assim sendo, os escritores
gregos valiam-se de alegorias com fins explicativos, para
que os poetas gregos não fossem ridicularizados.
Os judeus de Alexandria, no Egito, foram influenciados
pela filosofia grega. Mas também tinham um problema a
resolver: como podiam aceitar o Antigo Testamento e
também a filosofia grega, especialmente a de Platão? A
solução foi a mesma encontrada pelos filósofos gregos:
alegorizar o Antigo Testamento. Os judeus alexandrinos
preocupavam-se com os antropomorfismos e as
imoralidades do Antigo Testamento, da mesma forma
que os filósofos gregos ficavam constrangidos com esses
elementos em Homero e em Hesíodo. Como havia
muitos gregos em Alexandria, os judeus foram logo
influenciados e prontamente adotaram a alegorização do
Antigo Testamento. Assim, poderiamconviver tanto com
este quanto com a filosofia grega. Eles também viam a
questão como uma forma de justificativa, uma maneira de
defender o Antigo Testamento perante os gregos.
71
A versão dos Septuaginta – tradução grega do Antigo
Testamento feita em Alexandria cerca de 200 anos antes
de Cristo – procurou remover deliberadamente os
antropomorfismos de Deus. Por exemplo, ela traduz “O
Senhor é o homem de guerra”, de Êxodo 15.3, em
hebraico, por “o Senhor esmaga as guerras”. “A forma
do Senhor”, em Números 12.8, é traduzida do hebraico
por “a glória do Senhor”. A Septuaginta traduz Êxodo
32.14, “Então se arrependeu o Senhor do mal…” por
“então o Senhor se compadeceu”.
72
Filo (c. 20 a.C.-c. 54 d.C.) é o alegorista judeu-
alexandrino mais famoso. Ele também sofreu influência
da filosofia grega, mas, como era um judeu devoto,
procurou defender o Antigo Testamento contra os gregos
e, muito mais ainda, contra seus companheiros judeus.
Seu desejo de evitar contradições e blasfêmias levou-o a
alegorizar o Antigo Testamento, em vez de seguir sempre
um método literal de interpretação. Filo disse que a
alegorizarão é necessária para evitar as declarações
aparentemente impróprias de Deus ou as afirmações
aparentemente contraditórias do Antigo Testamento.
Disse também que a alegorizarão faz-se necessária
quando a própria passagem indica que se trata de uma
alegoria.
73
correspondia ao nível mais imaturo de entendimento,
correspondente ao corpo, ao passo que o significado
alegórico era para o maduro, correspondente à alma.
Alguns judeus tornaram-se ascéticos e formaram
comunidades fechadas, como a dos assênios deQumran,
perto do Mar Morto. Eles copiavam as Escrituras e
escreviam comentários sobre alguns livros do Antigo
Testamento. Eles também sofreram influência da
alegorização. No comentário redigido em Qumransobre
Habacuque 2.17, lê-se: “Líbano aqui representa o
Conselho Comunitário, e ‘animais ferozes’, os judeus
simples de espírito que cumprem a lei”.
74
Citava também o Novo Testamento com freqüência,
visando a reforçar suas próprias exortações.
75
As outras interpretações de barnabé são um pouco
forçadas. Por exemplo, ele disse que aquela frase de
Salmos 1.3, “Ele é como árvore plantada junto a corrente
de águas”, fala do batismo e da cruz. O fato de a
folhagem não murchar indica que o justo haverá de trazer
provisões e esperança para muitas pessoas.
76
Em seu Diálogo com Trífon, ele contestou Marcião,
escritor da época da igreja primitiva que não aceita o
Antigo Testamento e acreditava que este não tinha a
menor
77
dois erros. Primeiro, eles deixaram de lado a ordem e o
contexto das passagens bíblicas, tomando passagens e
palavras isoladas e interpretando-as tendo em mente
suas próprias teorias. Segundo, acusou os valentinianos
de interpretarem passagens claras, evidentes, pelo
prisma da obscuridade. Ireneu assinalou que uma
afirmação ambígua nas Escrituras não deve ser
explicada a partir de outra afirmação ambígua.
78
foram enunciadas ou escritas. Contudo, à semelhança do
que ocorreu com Ireneu, sua tipologia beirou a
alegorização. O quadro de Gênesis 1.2, do Espírito
pairando sobre as águas, simboliza o batismo, e Cristo
estava ensinando por meio de símbolos quando disse a
Pedro que embainhasse a espada.
79
apologistas acabaram abrindo caminho para que a
tradição da igreja ganhasse maior autoridade, e essa
perspectiva predominou durante séculos na IdadeMédia.
6. Os Pais Alexandrinos
80
motivos disso é que servia para despertar a curiosidade
dos leitores, e outro erra que as Escrituras não deviam
ser entendidas por todos.
Clemente afirmou que qualquer passagem da Bíblia pode
ter cinco significados: a) histórico (as histórias bíblicas);
b) doutrinário, com ensinamentos morais e teológicos;
c) profético, que inclui tipos e profecias; d) filosófico
(alegorias com personagens históricas, como Sara, que
simbolizava a verdadeira sabedoria, e Hagar, que
representava a filosofia e pagã); e) místico (verdades
morais e espirituais).
Em sua excessiva alegorização, Clemente ensinava que
as proibições mosaicas de comer porco, falcão, águia e
corvo (Lv. 11.7, 13-19) representavam respectivamente
a ânsia impura pela comida, a injustiça, o roubo e a
cobiça. No episódio em que 5 000 pessoas foram
alimentadas (Lc. 9.10- 17), os dois peixes simbolizam a
filosofia grega (As Miscelâneas, 6.11).
Orígenes (c. 185-254) era homem muito culto e de
grande magnetismo. Abordar das Escrituras, elaborou
os Hexapla – obra em que o texto hebraico e mais cinco
versões gregas do Antigo Testamento ficavam dispostos
em seis colunas paralelas. Esse trabalho imensurável
81
consumiu cerca de 28 anos. Ele escreveu uma série de
comentários e homilias sobre grande parte da Bíblia, e
também redigiu vários trabalhos apologéticos, entre eles
Contra Celso e De Principiis. Neste último, ressaltouque,
como a Bíblia está de enigmas, parábolas,afirmações de
sentido obscuro e problemas morais, o sentido só pode
ser encontrado num nível mais profundo. Esses
problemas incluem a existência de dias em Gênesis 1
antes de o Sol e a Lua terem sido criados,o fato de Deus
caminhar pelo jardim do Éden, outros antropomorfismos
como a face de Deus e problemas morais como a incesto
de Ló, a poligamia de Jacó e a sedução de
82
que possas responder com palavras de verdade”. Esse
sentido triplo também é sugerido em 1 Tessalonicenses
5.23 pelo corpo (literal), pela alma (mortal) e pelo espírito
(alegórico). Na realidade ele costumava enfatizar só dois
sentidos: o literal e o espiritual (a “letra” e o “espírito”).
Todos os textos bíblicos tem significado espiritual,
afirmava, mas nem todos possuem significadoliteral.
83
7. Os Pais Antioquinos
84
metáforas quanto afirmações explícitas. Foi ele o mestre
de dois outros pais antioquinos famosos: Teodoro da
Mopsuéstia e João Crisóstomo. Conta-se que Teodoro da
Mopsuéstia foi o maior intérprete da Escola de Antioquia.
No último de seus cinco livros, Da Alegoria e História
Contra Orígenes, ele pergunta: “Se Adão não era de fato
Adão, como a morte foi introduzida na raça humana?”.
Apesar de Teodoro contestar a canonicidade de vários
livros da Bíblia, é conhecido como o príncipe da exegese
primitiva. Gilbert escreveu: “O comentário de Teodoro
[de Mapsuéstia] sobre as epístolas menoresde Paulo é o
primeiro e praticamente o último trabalho exegético
elaborado na igreja primitiva a ter qualquer semelhança
com os comentários modernos”.
85
Teodoreto (386-458) escreveu comentários sobre a
maioria dos livros do Antigo Testamento e sobre as
epístolas
86
não era nada edificante, ele o descartava. Foi por isso
que alegorizou a história de Judá e Tamar (Gn. 38).
Depois de muito viajar, fixou-se em Belém, em 386 d.C.
Em clausura, escreveu comentários sobre a maioria dos
livros da Bíblia e traduziu-a para o latim. Essa tradução
– a Vulgata
– foi sem sombra de dúvida sua maior obra.
Como já foi dito, Tertuliano ajudou a abrir o caminho para
a autoridade e para a tradição da igreja. Vicente, que
faleceu antes de 450, adotou esse destaque e conferiu-
lhe uma clareza ainda maior. Em seu Commonitorium
(4343 d.C.), ele diz que as Escrituras conheceram sua
exposição definitiva na igreja primitiva. “A linha de
interpretação dos profetas e apóstolos precisa seguir a
norma dos sentidos eclesiásticos e católico”. A referida
“norma” incluía as decisões dosconselhos eclesiásticos e
as interpretações dos pais. Sua autoridade hermenêutica
era: “O que sempre foi crido por todos, em toda a parte”.
Assim sendo, os três testes para verificar o sentido de
uma passagem baseavam-se na universalidade, na
idade do texto e no bom senso.
87
Agostinho (354-430) foi um teólogo proeminente que
exerceu grande influência na igreja durante séculos. No
início era maniqueísta. O movimento maniqueísta, que
começou no século III d.C., desmerecia o cristianismo
ressaltando os antropomorfismos absurdos do Antigo
Testamento. Essa perspectiva dificultava seu
entendimento do Antigo Testamento. A tensão foi
resolvida, no entanto, quando ele ouviu Ambrósio na
catedral de Milão, na Itália. Ambrósio tinha o hábito de
citar 2 Coríntios 3.6: “…a letra mata, mas o Espírito
vivifica”. Foi assim que Agostinho adotou o estilo
alegórico como forma de solucionar os problemas do
Antigo Testamento.
88
mediante as quais procura criar um fundamento racional
para a alegorização. São elas:
“O Senhor e seu corpo”. As referências a Cristo quase
sempre também se aplicam a seu corpo, a igreja.
“A divisão em dois feita pelo Senhor ou mistura que
existe na igreja”. A igreja pode conter tanto hipócritas
quanto cristãos genuínos, representados pelos peixes
bons e maus apanhados na rede (Mt. 13.47,48).
“Promessas e a lei”. Algumas passagens estão
relacionadas com a graça e outras com a lei; algumas
ao Espírito, outras à letra; algumas às obras, outras à fé.
“Espécie e gênero”. Certas passagens dizem respeito às
partes (espécie), enquanto outras referem-se ao todo
(gênero). Os cristãos israelitas, por exemplo, são uma
espécie uma espécie (uma parte) dentro de um gênero,
a igreja, que é o Israel espiritual.
89
números quase nunca é o matemático exato, mas sim o
de ordem de grandeza.
“Recapitulação”. Algumas passagens difíceis podem ser
explicadas quando vistas como referindo-se a um relato
anterior. O segundo relato sobre a Criação, e Gênesis 2,
é entendido como uma recapitulação do primeiro relato,
em Gênesis 1, não como uma contradição a ele.
“O diabo e seu corpo”. Algumas passagens que falam
do diabo, como Isaías 14, estão mais relacionadas a
seu corpo, isto é, a seus seguidores.
90
mortalidade (3.7, 21). A embriaguez de Noé (Gn. 9.20-
23) simbolizava o sofrimento e a morte de Cristo. Os
dentes da sulamita, em Cantares 4.2, simbolizavam a
igreja “arrancando os homens da heresia”.
João Cassiano (c. 360-435) era um monge da Cítia (a
atual Romênia). Ele pregava que a Bíblia tinha um
sentido quádruplo: histórico, alegórico, tropológico e
anagógico. Com “tropológico”, ele se referia ao sentido
moral. O termo grego tropē, que significa “desvio”, indica
que uma palavra adquire sentido moral. Com“anagógico”,
referia-se a um significado
91
a presença de linguagem simbólica nas Escrituras. Ele
defendia seu modo de ver argumentando que, da mesma
forma que não se jogam pérolas aos porcos, as verdades
bíblicas são verdades às pessoas não- espirituais.
Portanto, os antropomorfismos auxiliam os leigos, mas
existem outros indivíduos que consegue enxergar além,
percebendo os significados mais profundos das
Escrituras. Mas além, percebendo os significados mais
profundos das Escrituras. Mas Euquério também
percebia nas Escrituras uma“discussão histórica”, isto é,
um sentido literal.
92
afirmou que a fé e a razão não são pólos opostos. À
semelhança de Adriano, declarou que a interpretação da
Bíblia deve partir da análise gramatical, mas não pode
limitar-se a ela.
Ele via quatro espécies de tipos nas Escrituras, as quais
podem ser ilustradas com os seguintes exemplos: a
9. A Idade Média
93
“A Idade Média foi um deserto vasto tocante à
interpretação bíblica”. “Não houve concepções novas e
criativas acerca das Escrituras”. A tradição da igreja
ocupava lugar de relevo, juntamente com a alegorização
das Escrituras.
94
apóstolos, as 7000 ovelhas são pensamentos inocentes,
os 3 000 camelos são as
95
Rashi (1040-1105) foi um literalista judeu da Idade Média
que exerceu grande influência sobre as interpretações
judaica e cristã, dada a ênfase que colocava na gramática
e na sintaxe do hebraico. Ele elaborou comentários sobre
o Antigo Testamento inteiro,à exceção de Jó e Crônicas.
Afirmou que “o sentido literal precisa ser conservado, a
despeito de como passa afetar o sentido tradicional”. A
denominação “Rashi” foi tirada das primeiras letras de
seu nome: Rabino Shilomo [Salomão] bar [filho de]
Isaque.
Três autores da Abadia de São Vitor, em Paris,
adquiriram o mesmo interesse de Rashi pelo aspecto
histórico e literal das Escrituras foi uma luz brilhante na
Idade Média. André discordava de Jerônimo, que
afirmava que a primeira parte de Jeremias 1.5 falava de
Jeremias, mas a última parte do versículo falava dePaulo.
André disse: “Que tem isso que ver co Paulo?”. Ricardo,
por sua vez,
96
quais figuram 86 sermões apenas sobre os doisprimeiros
capítulos de Cantares! Sua forma de interpretar a Bíblia
caracterizava-se por uma alegorização e um misticismo
exagerados. Um exemplo disso é que as virgens de
Cantares
97
são os mestres. Foi langton quem dividiu a Vulgata em
capítulos.
Tomás de Aquino (1225-1274) foi o teólogo mais famoso
da Igreja Católica Romana da Idade Média. Ele
acreditava que o sentido literal das Escrituras era
fundamental, ma que os outros sentidos apoiavam-se
sobre este. Como a Bíblia tem um Autor divino (bem
como autores humanos), ela tem um lado espiritual. “O
sentido literal é o que o autor pretende transmitir, mas,
como o Autor é Deus, podemos esperar encontrar na
Bíblia um manancial de significados. […] O Autor das
Sagras Escrituras é Deus, que tem o poder deexpressar
o que quer dizer não apenas por meio de palavras (como
também o homem pode fazer), mas também por meio de
elementos. […] Esse significado, que confere sentido aos
próprios elementos representados pelas palavras, é
chamado
98
Nicolau de Lira (1279-1340) foi figura de relevo na Idade
Média por ter sido o elo entre as trevas daquela era a
luz da Reforma. Em seus comentários sobre o Antigo
Testamento, ele rejeitou a Vulgata e retornou para o
hebraico, mas não conhecia grego. Lutero sofreu forte
influência de Nicolau.
Apesar de Nicolau aceitar o sentido quádruplo das
Escrituras, tão comum na Idade Média, pouca
importância lhe dava, enfatizando o aspecto literal. Neste
sentido, foi intensamente influenciado por Rashi.
João Wycliffe (c. 1330-1384) foi um extraordinário
reformador e teólogo, que acentuava fortemente a
legitimidade das Escrituras como fonte de doutrinas e de
vida cristã. Portanto, contestava a posição tradicional da
Igreja Católica. Ele propôs várias regras de interpretação
bíblica: a) consiga um texto confiável; b) entenda a lógica
da Escrituras;
c) compare os trechos da Bíblia entre si; d) mantenha
uma atitude humilde, de busca, para que o Espírito Santo
possa ensiná-lo. Sublinhando a interpretaçao gramatical
e histórica das Escrituras, Wycliffe escreveu que “tudo o
que é necessário na Bíblia está contido em seus devidos
sentidos literal e histórico”. Ele foi o
99
primeiro tradutor inglês da Bíblia. É chamado de “a
estrela-d’alva da Reforma”.
10. A Reforma
100
Testamento, com exceção de Apocalipse. “Essas
publicações inauguraram uma nova era de aprendizado
bíblico e muito contribuíram para suplantar o
escolasticismo das eras anteriores com melhores
métodos de estudo teológico”.
Martinho Lutero (1438-1546) escreveu: “Quando monge,
eu era perito em alegorias. Eu alegorizava tudo, depois
de fazer preleções sobre a Epístola aos Romanos, passei
a conhecer a Cristo. Foi assim que percebi que ele não é
nenhuma alegoria e aprendi a saber o que Cristo
realmente é”.
Lutero denunciou energicamente o método alegórico de
interpretaçao das Escrituras. “Alegorias são
especulações vãs, são como que a escória das Escrituras
Sagradas”.Até a imundícia vale mais que as alegorias de
Orígenes”. “Alegorizar é manipular o texto bíblico”.
“Alegorização pode degenerar em mera fraude”. “As
alegorias são coisas estranhas, absurdas, fantasiosas e
obsoletas que não valem um centavo”.
Lutero rejeitou o sentido quádruplo das Escrituras, que
predominam na Idade Média, e ressaltou o sentido literal
(sensus literalis) da Bíblia . Ele disse que as escrituras
“devem ser mantidas em seu significado mais simples
possível e entendidas de acordo com seu sentido
101
gramatical e literal, a menos que o contexto claramente
o impeça”. A importância que dava ao aspecto literal
levou-o a elevar os idiomas originais das Escrituras.“Sem
os idiomas, não
102
dependência que as pessoas comuns tinham da Igreja
Católica Romana.
Embora Lutero fosse inimigo ferrenho da alegorização
das Escrituras, vez por outra ele também empregava
esse estilo. Ele afirmou, por exemplo, que a arca de Noé
era uma alegoria da igreja.
Para ele, a interpretação bíblica deve estar centrada em
Cristo. Em vez de alegorizar o Antigo Testamento, com
freqüência Lutero via nele a figura de Cristo, muitasvezes
além do que legitimamente permite uma interpretação
correta.
O fato de Lutero ter rejeitado a alegorização das
Escrituras causou uma revolução. O estilo alegórico
estivera arraigado na igreja havia séculos. Embora
tivesse sido fruto da tentativa de solucionar a questão dos
antropomorfismos e supostas imoralidades da Bíblia,
esse estilo continha inúmeros problemas. A alegorização
passa a ser arbitrária. É um processo que carece de
objetividade e que não refreia a imaginação. Ela encobre
o verdadeiro sentido dos textos bíblicos.
Sua mensagem não se impõe, pois alguém pode
103
capaz de enxergar um significado completamente
diferente. É uma forma de despojar as Escrituras de
qualquer autoridade. “A Bíblia analisa pelo prisma
alegórico torna-se massa de modelar nas mãos do
exegeta”. A alegorização também pode provocar orgulho
quando alguns procuram enxergar nasEscrituras o que
pensam ser um sentido espiritual, místico, mais
“profundo” do que aquele visto pelos outros.
Mas o apóstolo Paulo não fez uso da alegorização? Ele
escreveu, em Gálatas 4.24-26; “Estas cousas alegóricas:
porque estas mulheres são duas alianças: uma, na
verdade, se refere ao monte Sinai, que gera para
escravidão; esta é Hagar é o monte Sinai na Arábia, e
corresponde à Jerusalém atual que está em escravidão
com seus filhos. Mas a Jerusalém lá de cimaé livre, a qual
é nossa mãe…”. Existe, porém, uma diferença entre a
interpretação de alegorias assim chamados na Biblia, e
a alegorização da maior partedas Escrituras. Quando
Paulo utiliza alegorias em Gálatas 4, ele deixa claro o que
está fazendo, como acontece com os outros autores
bíblicos que empregam esse estilo. O apóstolo escreveu
literalmente: “Estas cousas são alegóricas…”. Ele
empregou o verbo
104
allēgorēo, que significa “dar a entender um sentido
diferente do que é expresso pelas palavras”. É um
complemento, não um substituto do sentido claro,
gramatical das palavras. A tabela abaixo assinala as
diferenças entre o método alegórico de interpretação, que
predominou durante séculos na igreja, e a forma como
Paulo utiliza uma alegoria.
O apóstolo utilizou a alegorizarão como forma de
ilustração ou analogia, para destacar que certos fatos
relativos a Hagar estão associados aos não-cristãos e
que certos fatos relativos a Sara estão associados aos
cristãos.
Philip Melanchthon (1497-1560), companheiro de
Lutero, era profundo conhecedor do hebraico e do grego.
Esse conhecimento, aliado a “seu caráter judicioso e à
prudência de seu método de trabalho, possibilitou que
ocupasse uma
105
eram “jogos fúteis” e que Orígenes e muitos outros eram
culpados de “desfigura as Escrituras em todos os
sentidos possíveis, destituindo-as do sentido original”.
Calvino ressaltava a natureza cristológica dos textos
bíblicos, o método gramático e histórico, a exegese em
vez de eisegese (deixar o texto falar por si mesmo, e
não ler o que ele não diz), o ministério esclarecedor do
Espírito Santo e um tratamento equilibrado da tipologia.
Da mesma forma que Lutero, Calvino frisava que “o
texto bíblico interpreta a si mesmo”.
106
deixar o autor dizer o que realmente diz, em vez de
atribui-lhe o que achamos que ele deveria dizer”. Calvino
conhecia profundamente as Escrituras, o que fica
evidente no fato de que suas Institutas continham 1 755
citações do Antigo Testamento e 3 098 do Novo.
Ulrich Zuínglio (1484-1531) foi o cabeça da Reforma em
Zurique, enquanto Calvino o foi em Genebra. Tendo
cortado os laços com o catolicismo romano, pregava
sermões expositivos, muitos dos quais sobre os
evangelhos. Ele repudiava a autoridade da igreja e
escreveu que “todos
107
William Tyndale (c. 1494-1536) é famoso por sua
tradução do Novo Testamento para o inglês, em 1525.
ele também traduziu o Pentateuco e o livro de Jonas.
Tyndale era outro que defendia o sentido literal da Bíblia.
“As Escrituras têm apenas um sentido, que é o literal”.
108
“rebatizadores”. Os primeiros líderes na Suíça
autodenominavam-se “irmãos suíços”. Eles também
ressaltavam a importância de cada um interpretar as
Escrituras com o auxílio do Espírito Santo, a primazia do
Novo Testamento sobre o Antigo, a separação entre a
igreja e o Estado e a disciplina e a disposição fiéis de
sofrer pelo nome de Cristo. Preocupavam-se
intensamente com a necessidade de uma igreja
neotestamentária pura, uma
109
indivíduos. Nele se registraram as seguintes palavras:
“Ninguém, apoiando-se na própria capacidade, poderá,
‘nas questões de fé e de palavras concernentes à
edificação da doutrina cristã, distorcendo as Escrituras
Sagradas para seu próprio sentido, presumir que a
interpretará em conformidade com o que a Santa Madre
Igreja […] sustentou e sustenta; nem mesmo em
contrariedade ao que os pais estabeleceram
unanimente’”.
110
investigar todos os fatores que são importantes para a
aplicação.
Apesar de seu caráter teórico, a hermenêutica (na
presente proposta) não procede de modo dedutivo, mas,
na medida do possível, de modo indutivo e
fenomenológico. Hermenêutica não é a execução da
própria aplicação, mas sua descrição científica
(demonstração da coerência e das fundamentações).
A hermenêutica atribuiu à exegese e à aplicação seus
respectivos lugares.
111
teólogos, por via de regra, não existe possibilidade lógica
para julgar um autor canônico como Paulo capaz de
querer algo diferente do que eles mesmos querem e, não
obstante, ao mesmo tempo preservá-lo como autoridade
bíblica. Pois se seguimos esta
112
simples do texto. Além disso, em favor desse tipo de
exegese interesseira costuma-se apelar
despudoradamente para o “círculo do compreender”,
repetido como uma confissão, o qual não só permitia
como até mesmo exigiria tal engajamento. – Entrementes
esse tipo de mistura de exegese e interesse moral é
praticado muitas vezes também em relação a afirmações
do Novo Testamento sobre Israel, na intenção de
desagravar autores neotestamentários de afirmações
antijudaicas.
113
Aqui, ao contrário, a aplicação e a exegese são
separadas, porque senão uma exegese honesta nãoseria
114
do assunto voltada para o presente e sem a
concretização da “causa” dos textos por meio de
sofrimento e aça, a exegese em nada contribuiu para a
compreensão dos textos por meio de sofrimento e ação,
a exegese em nada contribuiu para a compreensão dos
textos bíblicos (p. 501). – Nesse ponto, Luz se orienta
expressamente por passagens neotestamentárias, como
a menção da razão em Rm 12.1s., para mostrar que esse
conceito de compreensão é bíblico. – Abstraindo do fato
de que nada pode nos obrigar a transformar passagens
bíblicas em que aparece o termo “nous” em medida para
a atual classificação da exegese histórico- crítica pela
teoria da ciência (mesmo que o Novo Testamento tenha
tal conceito de compreensão, ele nãoé normativo para
nós só por causa disso), o ponto propriamente
problemático é a afirmação singela e que se trataria da
mesma “causa”. Posso entender muitobem por que Karl
Barth, prefácio à 2a edição de seu comentário de
Romanos, exige que se fale a respeito da
115
observador que, postado além da história ou a partir de
sua consumação, como cuja identidade de modo algum
é evidente para o espectador. Certo, Karl Barth voltou- se
contra o mero espectador – mas de fato é necessário
querer ver atrás dos bastidores caso não se queira ser
apenas espectador? O sentido da coparticipação não
estaria em assumir e explorar justamente seu ponto do
drama? – Certamente todos os contemporâneos
teológicos experimentaram a esterilidade da exegese
histórico-crítica superficial para os problemas teológicos
da atualidade. No entanto, exigir, por causa disso, um
conceito de compreensão que se subtrai em dois terços,
a qualquer disputabilitas [“possibilidade de discussão”]
(a consumação de minha compreensão por meio de
minha ação e meu sofrimento não é possível de
discussão) não passa de uma fuga na direção errada.
A respeito de Hans Weder: de acordo com a abordagem
de Weder, a hermenêutica neotestamentária não pode
ser deduzida de uma doutrina cognitiva geral, pois aí a
compreensão é empreendida “sob a impressão causada
pelo modo como o Novo Testamento realiza a
compreensão”, todavia, o resultado deveria ser
compreensível de modo geral (entretanto, a rigorsomente
com objetivos missionários; se não fosse o
116
“hóspede interessado” – assim se expresso Weder,
pensando em algo assim como um simpatizante do
cristianismo –, ele não seria necessário). Assim, a
exigência de Weder poderia ser reproduzida por meio
da máxima “razoável, mas decidido”. A razão não é
desprezada por Weder; ela serve para traduzir a
impressão causada (como no antigo fides quaerens
intellectum [“a fé em busca de compreensão”]). Assim, os
métodos seculares estão a serviço da santidade da
palavra divina a ser proclamada. Com isso, para Weder,
o problema da hermenêutica se reduz à
117
razão que não se deixa ensinar pela palavra de Deus é
pecadora. Aqui reside a conseqüência para a exegese.
Diversas coisas chamam a atenção nessa concepção, e
seja permitido acr
escentar de imediato a respectiva contraproposta:
Weder fala exclusivamente da razão. Somente ela tem
de fato algo a ver com a questão da interpretação. Isso
não só tem conseqüências marcantes a nível
antropológico, mas implica também a via de mão única
do “doutrinamento”. – Se aqui, em contrapartida, é
acentuada com muita clareza a função de
emocionalidade, dos sinais e símbolos, então isso não é
somente indicativo ao protótipo do pastor que está
continuamente doutrinado. Pois os dois aspectos estão
interligados: o constante doutrinamento como exigência
e a autoridade pastoral que exige a aceitação do que é
ensinado. Com a percepção do papel da
emocionalidade crescem também a modéstia do pastor
culto e a relevância do leigo inculto. Além disso, não
entendo a religião cristã apenas como exigência, mas
também como oferta de um lar espiritual. A proposta de
Weder, por sua vez, se caracteriza pelas grandezas
“razão” (como grandeza hermenêutica) e “exigência”
(em relação à razão secular, que deve se submeter).
118
O doutrinamento e a limitação da razão por meio da
revelação, exigidos por Weder, na prática não passam de
119
Weder compreende a aplicação apenas como tradução
da verdade inquestionável, que (pela fé) se conhececom
certeza. – O problema é que daí a exegese é apenas
ensejo para falar de coisas conhecidas, faltando assim
qualquer inovação, a qual deveria estar garantida pelo
princípio da Escritura também para a ortodoxia.
Na presente proposta, ao contrário, visa-se claramente,
em primeiro lugar, achar essa verdade por meio do
esforço hermenêutica (ou seja: o que cristianismo pode
significar hoje). Nesse processo, o intérprete nãoassume
a função daquele que dá uma forma agradávele racional
ao que já há muito se sabia com certeza, mas presta,
antes, um serviço de parteira, tentando descobrir do que
e como ele e outros vivem e podem viver – na história do
cristianismo em lugar deles e diante da Escrituras. Sua
tarefa é pôr a descoberto relações vitais e construir
pontes onde se oferecem, nas duas margens(Escritura –
situação), pontos adequados para lançar cabeças-de-
ponte.
A seguir trataremos, num primeiro momento, do papel
da exegese. Pois acusação tradicional de que ela seria
inútil,
120
porque não contribuiria em nada para a causa, também
se baseia num sem-número de falsas expectativas e
pretensões.
121
A exegese não pode fazer afirmações compromissivas
para grupos cristãos, pois suas reconstruções históricas
não podem ser, por si mesmas, compromissivas hoje.
Isso também significa: o exegeta na qualidade de
exegeta ainda não é líder da igreja.
122
6. Nenhuma Dominação da Escritura Pela Exegese
123
de realidade das fontes. Entretanto, dessa maneira
Weder evidentemente confunde posições hermenêutico-
teológicas, como a discussão sobre o mito por parte de
David Friedrich Strauss e seu desenvolvimento na
desmitologização por Rudolf Bultmann, com a tarefa
costumeira do método histórico-crítico: criticar essa visão
bíblica de mundo, mas
124
Deus. De maneira nenhuma é sua tarefa tomar decisões
a favor ou contra tais afirmações. Isto é assunto da fé.
Weder imputa à exegese histórco-crítica que ela estaria
procedendo da mesma maneira que ele (só que
negativamente), ou seja, identificando completamente a
ciência e a decisão da fé. Dessa maneira, ele vê a
exegese apenas no espelho de seu próprio conceito
completamente homogêneo de “compreensão”. No
entanto, isso evidentemente é uma distorção das
intenções tradicionais da exegese histórico-crítica.
125
Portanto, a exegese tem a função de, no caso de uma
disputa pelo significado histórico de um texto, discutir
esse significado com os meios da razão. Isso não
significa que aqui a razão seja por principio jogada contra
a autoridade espiritual. A razão tem aqui uma função
totalmente servidora: ela é o caminho para tentar, em
caso de dúvida e quando se quiser, umaaproximação ao
significado histórico de um texto e para evitar uma disputa
que, de outra maneira, seria e foi travada com os meios
irracionais.
126
apenas antiquário. Pois ao interesse na concreticidade no
século I
d.C. corresponde, no sentido estrito do termo, ointeresse
na concretização agora. Isso significa: se o exegeta
insiste em querer saber exatamente como certas
afirmações foram “concebidas”, então ele gostaria de
saber: como as pessoas chegaram a pensarjustamente
assim? Que tipo de experiências (humanas e, portanto,
ao menos em princípio e em parte passiveis de
reconstrução) estão na base das afirmações? Que
consequências resultam de determinadas afirmações,em
cada caso, para a vida cotidiana? Que influência histórica
o texto obteve?
Somente quando o exegeta conseguir dar informações
assim concretas sobre as aplicações e as possíveis e
reais consequências de um texto, então de fato também
as concretizações cotidianas atuais entrarão no horizonte
do
127
questionamentos da história da religião e (também) da
história da sociedade, assim como da fenomenologia
histórica da religião.
128
A alternativa ente o Deus que está aí para todos e ama
a todos e o Deus que teria eleito alguns em especial
(Israel/igreja).
Justamente essas alternativas deram muitíssimo o que
fazer à sistemática e ainda hoje mexem com qualquer
estudante de teologia. É possível apresentar citações
bíblicas em favor de cada uma das respectivas
alternativas, e a tentativa de conciliação por meio de vias
intermediárias muitas vezes fracassou. Mas nãopoderia
ser que os métodos da sistematização posterior,em sua
totalidade e já na qualidade de métodos, não são
adequados aos textos bíblicos? Não poderia ser aquilo
que as pessoas da
129
VIII - O CARÁTER ESTRANHO DO TEXTO
130
recusa de lançar na bocarra de uma cultura mundial
genérica e identidade formada. Assim, a estranheza
neste sentido é uma categoria judaica, pois já havíamos
observado em relação ao Novo Testamento que o recuso
à tradição judaica é o melhor baluarte contra nivelamento
por parte da cultura helenísticauniformizante.
131
casa. O ponto essencial é: a precisão que se consegue
reunir por meio de energia criminosa, o necessário teste
de eficiência – exatamente isso também vale em face
do reino de Deus. Jesus diz: isso é um assunto
importante, que precisa ser previamente bem refletido. O
importante e fascinante não se planeja de passagem.
Jesus não quer assustar, mas chamar a atenção para a
magnitude da responsabilidade. Trata-se, então, de uma
propaganda camuflada, porquanto não é a oferta com
desconto que consegue cativar, mas somente a
exigência radical.
O texto do Evangelho de Tomé produz efeito por seu
caráter estranho e isso em diversos sentidos:
O texto por via de regra é desconhecido.
Trata-se de aspectos da imagem de Jesus que
dificilmente são conhecidos. (Os mais parecidos são a
parábola da construção da torre e a do administrador
fraudulento, a primeira por causa da necessidade de
testar-se, a segunda por causa da comparação com a
energia criminosa). O mesmo efeito produz também o
tema das “parábolas escandalosas” ou dos “traços
injustos na imagem de Deus”.
Possuir energia e atividade criminosas é umaexperiência
de cada um de nós – mas ela parece ser
132
totalmente contrária à experiência religiosa. O efeito
especial do texto do Evangelho de Tomé consiste em que
justamente o mais âmbito da vida fornece a metáfora.
133
A experiência do novo e estranho com tal faz parte da
religião judaico cristã, e da seguinte maneira: a
experiência do novo e da estranheza sempre é
apreendida, também por aquele que a faz, em sentido
religioso. Há diversas razoes para isso.
a) Uma razão a partir da fenomenologia da religião: o
estranho e novo que é experimentado pode, como tal,
apontar para o mistério que a atitude religiosa busca. Ele
reflete algo do caráter fascinante do mistério. Assim,
também a estranheza de um texto pode tornar-se uma
referência direta e seu pano de fundo religioso. Mateus
5.27-30 é tão repulsivamente estranho e impossível de
ser “digerido” em nível ético ou emocional que esse
caráter estranho necessariamente é levado a buscaruma
resposta em categorias como gratidão, propriedade de
Deus e santidade.
b) Uma razão a partir da psicologia da religião: as
pessoas existem no tempo. A religião se fundamenta na
experiência. Por causa da temporalidade hánecessidade
constante de nova experiência que removee revalide a
antiga. Diante de Deus subiste a “suspeita” de que
nenhuma experiência seja suficiente e que mais
experiências sejam necessárias – complementares até
ao ponto de se contraporem.
134
c) Duas razões de ordem teológica:
Devido ao fato de o Deus judaico-cristão reivindicar o
todo da existência humana e da historia, também as
novas
135
excluído e a festa pertence ao âmbito de muitas religiões.
Entretanto, esse estranho, que é concebido antes como
algo estático- rítmico, no âmbito da religião de Israel
torna-se o novo na experiência histórica, o novo na
vontade e no planejamento de Deus, de modo que as
pessoas precisam continuamente repensar e estar
atentas não só em face da realidade cada vez maior, mas
também em face da realidade cada vezdiferente de Deus.
A relevância da experiência do estranho e novo também
tem um reflexo negativo na mania de inovação religiosa.
Está é o desvio de um princípio originalmente correto.
Mania de inovação religiosa, correr atrás de modismos
sempre novos e tudo o que na Idade Média se chamava
de “curiositas” (cobiçar o novo e o especial) não devem
ser considerados originalmente negativos, mas são
primeiramente sintomas de um cristianismo vivo, lutando
por expressão e que não está simplesmente satisfeito
consigo mesmo. Porém a ânsia pelo novo torna-se
sintoma de desorientação quando a Escritura
136
experiência religiosa nova deve ser concebida da
seguinte maneira.
Somente a Escritura que foi de novo descoberta em sua
estranheza pode também transmitir por si mesma a
necessária experiência nova.
Para uma nova experiência religiosa atual a Escritura,
como experiência já articulada (no caso de ela ser vista
dessa forma), proporciona um auxílio de articulação: a
articulação da experiência nova é exitosa quando sua
forma puder fazer frente à antiga. A uma forma somente
pode contrapor-se outra forma. Nesse sentido, o texto
bíblico provoca a tomada de forma da nova experiência.
E esse processo é necessário por causa da vitalidade
da religião bíblica.
Portanto, o problema de como se dá a relação entre a
necessária experiência religiosa nova e o que de toda
revelação foi fixado no cânone será resolvido aqui de
maneira que a experiência presente se exponha à antiga,
novamente tornada estranha, concretizada no texto
bíblico. Porém ali onde “a Escritura” literalmente nada
mais tem a dizer, as experiências marcantes de um novo
tempo terão que se articular de outra maneira.
– Esta articulação muitas vezes se deu, nos dois últimos
séculos, com o auxílio de religiões estranhas
137
(especialmente da Antiguidade e depois das orientais),
porque estas momentaneamente pareciam oferecer o
elemento do novo e estranho necessário para a religião
viva.
138
é um assunto ambivalente). Ambos os aspectos vão
acompanhar nossas reflexões também no que segue.
Pelo visto, o efeito pode ser maior onde se exprime
aquilo que está bem próximo do costumeiro (também no
sentido da oposição) e, ao mesmo tempo, precisamente
aquilo que faltava e se necessitava com urgência (há uma
expectativa pelo inesperado). Do ponto de vista
semântico, também o oposto faz parte do “campo
vocabular”, por isso, “próximo” é entendido aqui de
maneira a abranger também “o oposto afim”, o “outro
afim”. Não é qualquer estranho, mas apenas um desse
tipo consegue produzir efeito.
Todavia também o estar familiarizado com textos
(justamente por não dizerem mais nada de novo) tem sua
função religiosa, assim como não só a inovação, mas
também a repetição regular faz parte da religião, porque
através do texto “estagnado” pode-se ver a situação que
cada vez é diferente. Nesse caso a “preocupação” não
reside mais na compreensão do texto, mas o texto
sempre já apropriado forma, justamente no contraste com
a situação cada vez nova, um fermento invariável que
cada vez novos textos. No entanto, também os
problemas desse tipo de aplicação são evidentes.
Exemplos são a série de textos
139
dominicais da ordem perícopes da Igreja Católica, que
antes do concilio era sempre igual, e alguns fenômenos
no campo da oração (a oração de Jesus na igreja oriental
e a oração do rosário no Ocidente). Nesse caso,
abstraindo do conhecido fenômeno do tédio espiritual,
podia tornar-se problemática especialmente a perda da
potência crítica do discurso bíblico,
140
contraditória de que a experiência nova, que ocorre por
causa da vitalidade da religião, só pode ser obtida em
face do texto mais antigo e familiar. Quase obviamente
é de esperar que, devido a rotinas na recepção o antigo
texto (bíblico) se torne tão batido e inexpressivo que fique
obsoleto.
6. A Função da Exegese
141
desde sempre entendido e acolhido adequadamente.
Nesse caso, ele não é o óbvio, mas em sua estranheza
o provocador. O distanciamento temporal e cosmovisivo
do cânone torna-se sinal de sua função crítica como
revelação. Formulando de outra maneira: o caráter
escandaloso da singularidade bíblica torna-se o veiculo
pelo qual se transmite o caráter escandaloso da
experiência da revelação. Assim, a descrição exegética
da estranheza do texto amplia seu potencial de eficácia
precisamente diante da impressão de que ele “nadamais
tem a dizer”. Se o texto se tornasse familiar demaise sem
aresta, ele ficaria mudo. E um parceiro de diálogomuda
não pode mais desempenhar seu papel, podendo até
mesmo levar à retirada. Isso acontece pelo fato deas
experiências religiosas ficarem sem lar diante de um texto
bíblico mudo.
Neste ponto reside, sem dúvida, o fracasso “histórico”
do método histórico-crítico na pesquisa do Novo
Testamento: enquanto que a rigor poderia e deveria ter
visado descobrir, junto com o caráter estranho do texto
em vista de sua utilização pela igreja, também sua
riqueza, de modo geral permaneceu-se restrito àerudição
filológica e à sutileza correspondente. Devido a
142
isso a exegese não somente tornou-se repulsiva, mas
colocou-se em sua condição atópica, ao lado dos
fenômenos não menos afugentadores da ortodoxia e
prática eclesiais. Ou dito de outra maneira: como
prisioneira da filologia, a exegese não só se tornou
inofensiva no que diz respeito à sua função crítica, mas
também utilizável em muitos aspectos e por isso mesmo
útil para a manutenção do sistema. Até o surgimento da
interpretação existencialista as experiências religiosas
não tinham lar em face da exegese. Tanto na dogmática
quanto na espiritualidade e exegese a Escritura
permanecia igualmente muda. A retirada da “filosofia” do
âmbito da igreja pela mão dos teólogos (Tübinger Stift)
no século XIX e o alheamento parcial da poesia e da
intelectualidade de modo geral em relação à igreja no
século XX também estão relacionados
143
experiências se tornarem mais vivas e, na mesma
medida, a margem de manobra determinada pela própria
igreja se tornar mais estreito, então os que assim
perguntarem e experimentarem de maneira nova não
encontraram mais lar espiritual na igreja e se retirarão.
À interpretação existencialista cabe o mérito
inquestionável de ter acabado com a esterilidade da
exegese tradicional pelo fato de ter vinculado na prática
as experiências humanas básicas com a exegese
histórica. Esse mérito permanece mesmo quando se
reconhece que a antropologia em que ela se baseou foi
aproveitada de modo muito unilateral e que o resultado
foi uma nova forma de esterilidade. No fim das contas a
vinculação da exegese com a filosofia de Heidegger foi
uma nova tentativa impressionante de impedir a retirada
da experiência e da inteligência vivas da igreja.
Portanto, se o que importa é que o cânone seja o lar
religioso dos cristãos não só no sentido da confirmação,
mas também no sentido do parceiro de diálogo
“competente”, “suficiente” e à altura das novas
experiências, então é necessário visualizar
constantemente sua riqueza e seu caráter estranho. Isso
não significa que o próprio cânone precise ou
144
possa ser a fonte de qualquer experiência (experiências
são, antes, dadas). Significa, no entanto, que as
experiências devem se deixar iluminar, criticar e articular
“diante dele”, em face dele. (O “devem” é pensado
literalmente, já que – ou: na medida em que – o cânone
tem função normativa).
145
oprimido e sonegado, seja o sofrimento injusto,
seja a diversidade ou a estranheza oprimidas e não
efetivadas.
146
A essa recepção costumeira é interrompida por meio da
reexploração histórica e especialmente histórico-religiosa
do texto bíblico, de modo que este é libertado da
cooptação por parte daquela. - A comparação histórico-
religiosa é a mais eficaz para recuperar o caráter
estranho do texto porque a
147
Importante é a escolha de metáforas ousadas e até
atrevidas, em especial de uma rede nova ou análoga de
metáforas.
Com base na função religiosa e gnosiológica básica do
caráter estranho, a inteligibilidade não pode ser o critério
último para a produção e aplicação de textos. Embora em
toda parte se trate de experiências humanas que, por
isso, poderiam em princípio ser investigadas
aproximativamente, o possível resultado de tal
aproximação não pode ser simplesmente antecipado de
modo grosseiro. Ao contrário, o respeito pela
particularidade inconfundível de quem produziu o texto
torna necessário, dependendo do caso, para aquele que
faz a aplicação aplicar o texto também de modo apenas
parcial (desconsiderando que a própria situação exige
isso).
Portanto, se estranheza de um texto pode também
simplesmente “ficar aí assim como está”, então isso
representa a renúncia por princípio à exigência de que
um texto se nos torne imediato e contemporâneo. Com
isso renuncia-se a uma parte importante de hermenêutica
filosófica iluminista. O texto pode, antes, ser preservado
também em seu distanciamento e não
148
precisa ser “conectado” diretamente em todos os
pontos. Desse modo,
149
Aceitação tácita do pluralismo é algo diferente do
reconhecimento teológico da necessidade de tolerância
hermenêutica.
Justamente a hermenêutica do Novo Testamento
deveria estar consciente de que a base sociológica da
igreja se alterou desde a virada constantinuana (no
Ocidente por ora de modo irreversível). Ainda costuma-
se transferir implicitamente a estrutura de uma “seita
missionária” para a interpretação.
Só com a percepção do pluralismo e da situação alterada
ainda não se encontra a resposta à perguntaem que
consiste a unidade nessa diversidade. Os limites dessa
pluralidade da igreja oficial certamente devem se orientar
por aquilo que constitui, em cadacaso, a credibilidade do
cristianismo. A mim parece ser especialmente necessário
para a unidade na diversidade que sejam formulados
pontos
150
8. A Discussão Filosófica
151
grandeza antecedente. Gadamer quer superar o
estranhamento “vinculando o mundo que se tornou
disponível cientificamente ‘às ordens fundamentais de
nosso ser, não-arbitrárias, a serem não mais feitas, mas
honradas por nós’. A superação do estranhamento é,
em termos de intenção, o ponto de vista hermenêutico
universal de Gadamer”. Isso se torna possível no marco
do “nós que nós todos somos”. No marco dessa
concordância a compreensão de outros é possível
porque se trata de
152
Dessa maneira, Gadamer pretende excluir qualquer
objetivismo semelhante ao das ciências naturais e
“devolver ao sujeito cognoscente sua participação no
acontecimento da tradição, a qual lhe foi alheada.
Entretanto, neste ponto (…) entra em cena a questão de
como ainda seria possível, nessa concepção de
participação, articular uma crítica ao objeto e ao
‘acontecimento da inserção’ no mesmo”. – Em outro
momento será demonstrado que, tanto em Gadamer
quanto em Heideigger, a superação da divisão sujeito é
paga com a perda da dimensão do sujeito. Sujeito e
estranheza, como categorias hermenêuticas, estão em
estreita ligação um com o outro.
A discussão após-Gadamer tende a conceder ao
estranho um espaço maior e construtivo.Particularmente
Paul Ricoeur – diferentemente de Gadamer – não
considera a estranheza e a distância como uma
desgraça, mas como a dinâmica básica do compreender.
Porquanto este se realiza dialeticamente entre
estranheza e confirmação. Dessa maneira são
produzidas continuamente novas interpretações do
texto, pois cada nova leitura liberta o texto do
distanciamento para uma nova proximidade.
153
Assim, no enfoque de Paul Ricoeur, o caráter estranho
do texto não tem uma função somente negativa. Nomarco
da dialética da autocomunicação (por meio do mundo dos
sinais), que no pensamento do Ricoeur vem à tona em
toda
154
9. Fundamento do Próprio Modelo
155
modo análogo a isso. Com isso, quanto à questão da
relevância hermenêutica da estranheza, confrontam-se
o modelo “evento de linguagem” e o modelo “orientação
pelo contexto”.
Trata-se, antes, decididamente de tentativas de romper
o círculo de compreensão e, assim, de uma questão de
etos. E: alterações na pré-compreensão não devem ser
simplesmente aceitas, mas teriam de ser antecipadas
pelo teólogo.
156
BIBLIOGRAFIA