Anarquia-e-Alcool Print Black and White A4
Anarquia-e-Alcool Print Black and White A4
Anarquia-e-Alcool Print Black and White A4
Extremo Sul
crimepensar.noblogs.org
Anarquia & Álcool
VERDADEIRAMENTE PERDIDO A DOMESTICAÇÃO DO HOMEM
CULTURA DO VÍCIO · ESTRATÉGIAS PARA SOBRIEDADE · CIVILIZAÇÃO E BEBIDA
CrimethInc.
Este e outros materiais relacionados, podem ser obtidos através de:
crimepensar.noblogs.org (materiais em português)
www.crimethinc.com (materiais em inglês)
Né!
Os editores, o famoso Coletivo de Ex-Trabalhadores CrimethInc., humildemente
colocam este livro e todo o seu conteúdo à disposição daqueles que, de boa fé, possam
ler, circular, plagiar, revisar e fazer outros usos dele enquanto fazem do mundo um lugar
melhor. A posse, reprodução, transmissão, citação, uso como evidência em um tribunal, e
todos os outros usos por qualquer corporação, órgão do governo, organização de
segurança ou partido semelhantemente mal intencionado são estritamente proibidas e
serão punidas pelas leis naturais.
O Coletivo de Ex-Trabalhadores CrimethInc. é uma organização obscura,
sem membros, comprometida com a transformação total da civilização
ocidental e da vida em si.
Crimethinc. nós somos o cimento nos tornozelos dos magnatas da bebida.
e seus estimados escravos de escravos podem acusar esta explanação de ser subjeti-
va ou parcial, mas então – qual de suas histórias não o é? Não somos nós cujos sa-
lários dependem de apoio e patrocínio de corporações!
Mesmo que você decida que esta história do alcoolismo seja “a” verdade, por
favor não gaste seu tempo procurando no passado por algum estado de sobrie-
dade primitiva há muito tempo perdido que – como qualquer um de nós sabe –
talvez nunca tenha existido. O que importa é o que fazemos no tempo presente,
que histórias nossas ações criam hoje. A História é o resíduo – não, melhor, o
excremento – de tal atividade; permita que não nos afoguemos nela como leve-
dura, mas aprendamos o que precisamos e então a deixemos para trás. Não deixe
nada nos parar, nem mesmo o álcool, tão arraigado em nossa cultura como está!
Estes déspotas bêbados e fanáticos com barriga de cerveja podem destruir seu
mundo e sufocar sob a história, mas nós carregamos um novo futuro em nossos
corações – e o poder de colocá-lo em prática em nossos saudáveis fígados.
Verdadeiramente perdido · parte um
ANARQUIA & ÁLCOOL
Como a Civilização Se Tornou Viciada
COMO O VICIADO SE TORNOU CIVILIZADO ·
parte dois
ou
NOSSA HERANÇA ANTI-AUTORITÁRIA:
ABSTÊMIOS LUTANDO CONTRA O TOTALITARISMO
Não é amplamente lembrado que vegetarianismo estrito e abstinência de álcool
são comuns em círculos radicais por muitos séculos. Basta apenas folhear os li-
vros de história para reunir uma longa lista de hereges, utópicos, reformadores,
revolucionários, coletivistas e individualistas que adotaram essas escolhas de es-
tilo de vida como elementos essenciais de suas plataformas. Deixaremos a con-
fecção desta lista para o leitor entusiasta ou o crítico obsessivo – é suficiente
dizer que exemplos abrangem de velhos homens brancos como Friedrich Ni-
etzsche, que abstinha-se até de cafeína enquanto enaltecia o tipo de embriaguez
extática aqui descrito, N. Vachel Lindsay, o visionário vagabundo de Springfield,
Illinois, que atravessou o antigo EUA para dividir seu apelo poético por absti-
nência e desemprego deliberado e Jules Bonnot e seus camaradas ladrões de ban-
co anarquistas, que inventaram juntamente o carro de fuga, até Malcolm X
(claro) e o EZLN – que proibiu o álcool de acordo com o conselho de mulheres
zapatistas que se “encheram o saco” das besteiras dos homens. (O governo capi-
talista do México tentou minar a atividade revolucionária importando cerveja
para as aldeias como Ocosingo; nesta cidade e em outras, Zapatistas responde-
ram levantando barricadas e combatendo os soldados que iriam forçar este “livre
comércio” sobre eles). Uma das melhores músicas do banda de rap Public
Enemy atacou o papel do álcool na exploração e opressão da comunidade afro-
americana. Você pode apostar que o anarquista Leon Czolgosz estava totalmente
sóbrio quando atirou no presidente dos EUA William McKinley e o matou. Oh,
e – podemos esquecer? – sempre há Ian McKaye, membro da banda Minor
Threat, que cunhou o termo straight-edge e manifestou as idéias desta posição,
principalmente a oposição ao uso de álcool e drogas como forma de protesto.
Do outro lado da moeda – pode imaginar quanto mais progresso já teríamos
feito nesta luta se anti-autoritários como Nestor Makhno, Guy Debord, Janis
Joplin e incontáveis anarcopunks tivessem focado mais energia na criação e des-
truição que eles amavam tão encarecidamente e menos em beber até a morte?
GLOBALIZE O ALCOOLISMO
De fato, se foi o desígnio da Providência escavar esses selvagens para fazer
espaço para os cultivadores da Terra, não parece improvável que o Rum pos-
sa ser o método designado. Ele já aniquilou todas as tribos que anteriormente
habitavam a costa marítima.
— Benjamim Franklin, que foi, primitivistas tomem nota, o “descobridor” da eletrici-
dade, entre outras coisas – ainda que cientistas tradicionais protestem que ele inventou a
eletricidade não mais do que Colombo descobriu a América. Talvez “domesticador” se-
ja um termo mais acurado? De qualquer forma, voltemos para nossa história.
Enquanto a civilização imperialista européia começava sua dispersão cancerosa
pelo mundo, a cerveja lealmente liderava o ataque. Os primeiros comerciantes,
os Hansa, exportavam cerveja tão longinquamente como para a Índia. A coloni-
zação dos Estados Unidos da América começou quando os peregrinos se fixa-
ram em Plymouth Rock, ao invés do longínquo Sul como planejado, porque eles
ficaram sem suprimentos: “especialmente nossa cerveja”. Os pais fundadores,
incluindo Washington e Jefferson, além de serem aristocratas donos de escravos,
eram todos produtores de cerveja. Coincidência?
As fundações do genocídio colonial pariram o fedor de um longo e prolongado
pesadelo induzido por álcool – quase todas as culturas indígenas que os europeus
encontraram foi destruída pelo álcool e doenças européias. A difusão da aguarden-
te entre as populações indígenas da América do Norte caminhava juntamente com
a distribuição de travesseiros letais infectados com varíola. Muitas destas culturas,
sem a experiência de milhares de anos de alcoolismo civilizado, foram ainda mais
subjugadas que os europeus nas destruições da “produção de cerveja civilizada”.
Entre álcool, doença, comércio e armas, a maioria delas foi rapidamente e comple-
tamente destruída. Esse processo não fui único da América do Norte – ele foi re-
petido em todo o mundo em cada esforço colonial europeu. Enquanto a opção de
droga variava (às vezes era ópio, por exemplo, como nas “Guerras do Ópio” que a
Grã-Bretanha travou para controlar a China), álcool foi julgado em muitos países
como a mais socialmente aceitável ferramenta de pacificação.
A HISTÓRIA NÃO-PATRIARCAL
E A HISTÓRIA DO LÚPULO
Com isto os produtores de cerveja e outros devem utilizar nada mais que
malte, lúpulo e água. Esses mesmos produtores também não devem adicionar
nada quando servindo ou, de outra forma, manuseando a cerveja, sob pena
de morte.
— Leis de pureza e eugenia de Bayers-Landshut
Enquanto os monastérios estavam comercializando cerveja e o Estado-Nação
prosperando fora deles, uma secreta irmandade feminina de produtoras de fer-
mentados permaneceu nas vilas camponesas, fermentando estranhas e miraculo-
sas bebidas para os pobres e excluídos da sociedade medieval. Essas “bruxas”
fermentavam grãos de zimbro, samouco-de-brabante, abrunheiro, anis, aquiléa,
alecrim, absinto, raízes de pinhos, meimendro – cada qual com efeitos únicos e
potentes. Por exemplo, enquanto bebidas baseadas na “erva maldita”, lúpulo,
eram sedativos, muitas outras bebidas fermentadas podiam curar os doentes,
acalmar a raiva, e dar esperança aos desesperançosos. Camponeses podiam se re-
colher em suas aldeias e beber a bebida sagrada produzida com o fermento que
suas avós tinham transmitido através de gerações. À medida que consorciavam e
consumiam essas bebidas selvagens e variadas, toda a degradação que os padres e
reis amontoaram sobre eles vinha às suas consciências, e eles podiam levantar-se
em revolta contra seus governantes. Como estas revoltas eram especialmente
freqüentes e ferozes no Sagrado Império Romano, diversos nobres germânicos
conspiraram para destruir as culturas que as nutriam. O duque da Bavária, Wilheim
IV, aprovou a lei de pureza para reprimir toda diversidade subversiva de fermenta-
ção. De 1516 para diante, a cerveja devia ser fermentada apenas com o lúpulo seda-
tivo: desde então todo álcool foi homogeneizado e qualquer tecnologia medicinal
ou de fermentação restaurativa que já existiu foi perdida. Fermentados baseados
em lúpulo causam uma perda de coordenação, uma inabilidade para pensar clara-
mente, e, finalmente, uma morte lenta – todas as qualidades necessárias para fazer
tanto os camponeses germâni-
cos quanto os trabalhadores
dos tempos modernos incapa-
zes de revolta.
As mulheres, que foram an-
teriormente as respeitadas fer-
mentadoras das aldeias
camponesas, foram caçadas e
queimadas em estacas como
“bruxas fermentadoras”. Até
Verdadeiramente
ANARQUIA & ÁLCOOL
perdido
ÊxtasePORv UMIntoxicação:
MUNDO DE ENCANTAMENTO OU anarcoolismo?
FABRICAÇÃO DE CERVEJA E ESTADO
Em vida, me chamarão de Gambrinus, Rei de Flanders e Brabant, aquele
que pela primeira vez fez malte da cevada e assim concebeu a fermentação
da cerveja. Portanto, os fabricadores de cerveja podem dizer que possuem um
rei como o primeiro mestre cervejeiro.
— O patrão da santa cerveja era um monarca , claro.
Pare aí mesmo – eu posso ver o sorriso desdenhoso em sua face: Esses anar-
quistas são tão chatos que reclamariam até do único aspecto divertido do anarquismo
– a cerveja após as badernas, a bebida alcoólica no bar onde todas aquelas teorias
impossíveis são anunciadas? O que eles fazem para se divertir, então – divulgam ca-
lúnias sobre a pouca diversão que nós temos? Nós não podemos relaxar e ter um bom
momento em nenhuma parte de nossas vidas?
Não nos entendam mal: não estamos argumentando contra a satisfação, mas a
favor disto. Ambrose Bierce definiu um asceta como “uma pessoa fraca que su-
cumbe à tentação de negar prazer a si mesmo” e nós concordamos. Assim como
Chuck Baudelaire escreveu, você deve sempre estar curtindo – tudo depende disso .
Portanto, não somos contra a embriaguez, mas, de fato, contra beber! Aqueles
que abraçam a bebida como caminho para a embriaguez enganam a si mesmos
para uma vida de total encantamento.
O álcool, assim como cafeína ou açúcar no corpo, apenas desempenha um
papel na vida que a vida ela mesma providenciaria de outra maneira. A mulher
que nunca bebe café não precisa dele de manhã quando acorda: seu corpo produz
energia e foco por si mesmo, como milhares de gerações de evolução o prepara-
ram para fazer. Se ela bebe café regularmente, logo seu corpo deixa o café tomar
conta deste papel, e ela vira dependente dele. Da mesma maneira, o álcool provê
artificialmente momentos temporários de relaxamento e libertação enquanto
empobrece a vida de tudo o que é genuinamente relaxante e libertador.
Se algumas pessoas sóbrias nessa sociedade não parecem tão despreocupadas
e livres como suas contrapartes bêbadas, isso é um mero acidente cultural, mera
evidência circunstancial. Esses puritanos existiriam da mesma forma no mundo
esvaziado de toda mágica e genialidade pelo alcoolismo de seus colegas (e pelo
capitalismo, hierarquias e miséria que ele ajuda a manter) – a única diferença é que
eles são tão abnegados a ponto de recusar até a falsa mágica, o gênio na garrafa.
Mas outras pessoas “sóbrias”, cuja orientação de vida seria mais bem descrita co-
mo encantada ou extática, são abundantes, se você olhar bem o suficiente. Para
estes indivíduos – para nós – a vida é uma constante celebração que não precisa
de acréscimo, da qual não necessitamos de repouso.
Álcool, como o Prozac e todos os outros medicamentos controladores da mente
que hoje estão gerando muito dinheiro para o “grande irmão”, substitui a cura pelo
tratamento de sintomas. Ele tira a dor de uma existência maçante e monótona por
algumas horas, no melhor dos casos, e então a devolve em dobro. Ele não apenas
substitui ações positivas que poderiam localizar as causas de nosso desânimo – ele as
previne, uma vez que mais energia é direcionada para atingir obter e se recuperar do
estado alcoolizado. Como o turismo do trabalhador, beber é a válvula de escape que
libera tensões enquanto mantém o sistema que as criou. Nessa cultura de “apertar
botão”, nós nos acostumamos a nos vermos como simples máquinas a serem opera-
das: adicione o químico apropriado à equação para obter o resultado desejado. Em
nossa busca por saúde, alegria, sentido da vida, fugimos de uma panacéia para a
próxima – Viagra, vitamina C, vodka – ao invés de abordar nossas vidas holistica-
mente e localizar nossos problemas em suas raízes sociais e econômicas. Essa atitude
orientada por produtos é o fundamento de nossa alienada sociedade consumista:
sem consumir produtos não podemos viver! Tentamos comprar relaxamento, co-
munidade, autoconfiança – agora até o êxtase vem em uma pílula!
Nós queremos êxtase como um modo de vida, não uma folga alcoólica enve-
nenadora de fígado. “A vida é um saco – fique bêbado” é a essência do argumen-
to que entra em nossos ouvidos vindo da língua de nossos senhores e então sai
de nossas próprias bocas, perpetuando quaisquer que sejam as verdades inciden-
tais e desnecessárias a que possa se referir – mas nós não vamos mais cair nessa!
Contra a enebriação – e pela embriaguez! Acabem com todas as lojas de bebida e
as substituam por parques de diversão!
A TIRANIA DA APATIA
“Todo maldito projeto anarquista em que me engajo é arruinado ou quase
arruinado pelo álcool. Você monta uma situação de vida coletiva e todos es-
tão muito bêbados ou chapados para fazer as tarefas básicas, sem falar em
manter uma atitude respeitosa. Você quer criar comunidade, mas após o
show todos apenas voltam para seus quartos e bebem até a morte. Se não se
abusa de uma substância, se abusa de alguma outra. Eu entendo que tentar
apagar sua consciência é uma reação natural a ter nascido no alienante in-
ferno capitalista, mas eu quero que as pessoas olhem para o que nós anar-
quistas estamos fazendo e digam “sim, isso é melhor que o capitalismo!”. . . o
que é difícil de dizer se você não consegue andar sem pisar sobre garrafas
quebradas. Eu nunca me considerei um straight-edge, mas foda-se, eu não
vou mais continuar com isto!”
Já foi dito que quando o famoso anarquista Oscar Wilde ouviu pela primeira
vez o velho slogan se é humilhante ser governado, quão mais humilhante é escolher
seu governante , respondeu: “se é humilhante escolher o controlador de alguém,
quão mais humilhante é ser o seu próprio controlador!”. Ele pretendia que isso
fosse uma crítica às hierarquias dentro de si próprio assim como no estado de-
mocrático, com certeza – mas, tristemente, seu sarcasmo pode ser aplicado lite-
ralmente ao modo como alguns de nossos esforços em criar ambientes
anarquistas são concluídos na prática. Isso é especialmente verdade quando eles
são executados por pessoas bêbadas.
Em certos círculos, especialmente naqueles em que a própria palavra “anarquia”
está mais na moda do que qualquer de seus vários significados, a liberdade é com-
preendida em termos negativos: “não me diga o que fazer!”. Na prática, isso fre-
quentemente significa nada mais do que uma declaração do direito individual de ser
preguiçoso, egoísta, irresponsável por seus atos. Nestes contextos, quando um grupo
Em toda era e área intocada pela
A história da civilização é a história da cerveja.
civilização, não houve cerveja; de modo oposto, virtualmente em todo lugar em
que a civilização bateu, a cerveja chegou com ela. Civilização – que é sinônimo
de estruturas sociais hierárquicas e conseqüentes relações de competição, desen-
volvimento tecnológico desenfreado e alienação universal – parece estar insepa-
ravelmente ligada ao álcool. Nossos sábios, que olham para trás e para frente no
tempo para ver além dos limites desta cultura nefasta, contam uma parábola so-
bre nosso passado para explicar esta ligação:
A maioria dos antropólogos considera o início da agricultura como o começo
da civilização. Foi o primeiro ato de controle sobre a terra que levou os seres hu-
manos a pensarem em si mesmos como distintos da natureza, que os forçou a
virar sedentários e possessivos, que levou ao eventual desenvolvimento da pro-
priedade privada e do capitalismo. Mas, por quê caçadores-coletores, aqueles cu-
jo ambiente já provia toda a comida que necessitavam, iriam trancar a si mesmos
em um lugar e abandonar a existência nômade de procura de alimentos que havi-
am praticado desde o início dos tempos por algo que eles já possuíam? Parece
mais provável – e aqui, há antropólogos que concordam – que os primeiros a do-
mesticarem a si mesmos fizeram isso para preparar cerveja.
Esta reorganização drástica por causa da intoxicação deve ter chacoalhado até
a raiz a estrutura e modos de vida tribais. Onde estes “primitivos” haviam uma
vez vivido em uma relação relaxada e atenciosa para com a Terra provedora –
uma relação que os supria tanto em autonomia pessoal e provisões para a comu-
nidade quanto com uma grande quantidade de tempo de lazer para gastar com a
admiração do mundo encantado ao redor – eles agora alternavam períodos de
submisso trabalho duro com períodos de incompetência bêbada e indiferença.
Não é difícil imaginar que esta situação apressou, se não necessitou, a ascensão
ao poder de governantes, administradores que tomavam conta das tarefas cansa-
tivas da vida sedentária executadas pelas pessoas frequentemente inebriadas e in-
capazes. Sem estes chefes e o primitivo sistema judicial que eles instituíram, deve
ter parecido que a vida ela mesma seria impossível: e assim, sob os abomináveis
auspícios do alcoolismo, o Estado embrionário foi concebido.
Tal estilo de vida patético não poderia ter sido atrativo para as pessoas que
avizinhavam os agricultores alcoólatras originais; mas, como todo historiador
sabe, a difusão da civilização foi tudo menos voluntária. Desprovidos da educa-
ção e gentileza de seus antigos companheiros na floresta, esses bárbaros, em suas
transgressões e excessos bêbados, devem ter provocado uma série de guerras –
guerras nas quais, tristemente, os bêbados foram capazes de ganhar, graças à efi-
ciência militar de seus exércitos despóticos e o sólido estoque de comida que su-
as subjugadas terras cultivadas provinham. Até estas vantagens não teriam sido
suficientes se os brutos não tivessem a posse de uma arma secreta: o álcool. Ad-
versários que teriam, de outra forma, se segurado no campo de batalha indefini-
damente sentiram antes o assalto cultural da bêbada boemia e do vício, quando o
O Argumento Anarcoprimitivista a Favor do Straight-Edge:
Contra a História Patriarcal, Contra o Alcoolocausto!
concorda sobre um projeto, frequentemente acaba sendo uma pequena minoria res-
ponsável que precisa fazer todo o trabalho para que ele aconteça. Estes poucos consci-
enciosos frequentemente parecem despóticos – quando, invisivelmente, são a apatia e a
hostilidade de seus camaradas que os forçam a adotar esse papel. Ser bêbado e desor-
deiro todo o tempo é coercitivo – força os outros a clarear as coisas por você, a pensar
claramente quando você não o fará, a absorver o estresse gerado pelo seu comporta-
mento quando você está muito detonado para um diálogo. Essas dinâmicas vão em
duas direções, com certeza – aqueles que assumem toda a responsabilidade em seus
ombros perpetuam o padrão em que todos os outros não assumem nenhuma – mas
todos são responsáveis por sua própria parte em tal padrão, e em transcendê-lo.
Pense no poder que podemos ter se toda a energia e esforço no mundo – ou
talvez apenas sua energia e esforço – que são usadas para beber fossem colocadas
na resistência, na construção, na criação. Tente adicionar a isso todo o dinheiro
que os anarquistas de sua comunidade gastaram em beber coletivamente e imagi-
ne quanto equipamento musical, dinheiro para fianças ou co-
mida-não-bombas (Food Not Bombs…ou, foda-se, bombas!)
poderiam ter pago – ao invés de financiar suas guerras contra
todos nós. Melhor: imagine viver em um mundo onde pre-
sidentes viciados em cocaína morrem de overdose en-
quanto músicos radicais e rebeldes vivem até uma
velha e madura idade!
SOBRIEDADE E SOLIDARIEDADE
Como em qualquer escolha de estilo de vida, seja vagabundagem ou sindicato, abs-
tenção de álcool pode às vezes ser confundida com um fim, ao invés de um meio.
Acima de tudo, é importante que nossas próprias escolhas não sejam um pre-
texto para nos acharmos superiores aos que fazem escolhas diferentes. A única
estratégia para compartilhar boas idéias que infalivelmente obtém sucesso (e isto
se aplica aos panfletos cabeça-quente como este também!) é o poder do exemplo
– se você colocar a “sobriedade extática” em ação em sua vida, e isso funcionar,
aqueles que sinceramente querem coisas similares irão se unir. Julgar as outras
pessoas por decisões que afetam apenas a eles mesmos é absolutamente nocivo a
qualquer anarquista – sem mencionar que isso faz com que seja menos provável
que elas experimentem as opções que você oferece.
E então – a questão da solidariedade e comunidade com anarquistas e outros
que usam álcool e drogas. Propomos que isso é de extrema importância. Especi-
almente no caso daqueles que estão lutando para libertar a si mesmos de depen-
dências não desejadas, tal solidariedade é suprema: Alcoólicos Anônimos, por
exemplo, é apenas mais um exemplo de uma organização quase religiosa satisfa-
zendo uma necessidade social que deveria já ser fornecida pela comunidade anar-
quista auto-organizada. Como em todo caso, nós anarquistas devemos nos
questionar: tomamos nossas posições simplesmente para nos sentir superiores às
massas vulgares – ou porque sinceramente desejamos propagar alternativas aces-
síveis? Ainda, muitos de nós que não são dependentes de “substâncias” podemos
agradecer ao nosso privilégio e sorte por isso; isto nos dá ainda mais responsabi-
lidade de sermos bons aliados a quem não possui tal privilégio e sorte – ou seja lá
quais termos eles usem. Deixe a tolerância, humildade, acessibilidade e sensibili-
dade serem as qualidades que alimentamos em nós mesmos, e não o sentimento
de superioridade moral ou orgulho. Não à sobriedade separatista!
REVOLUÇÃO
Então – o que vamos fazer se não formos aos bares, passarmos o tempo em fes-
tas, sentarmos nos degraus ou em frente à televisão com nossas garrafas? Qual-
quer outra coisa!
O impacto social da fixação de nossa sociedade no álcool é ao menos tão im-
portante quanto seus efeitos mentais, médicos, econômicos e emocionais. Beber
padroniza nossas vidas sociais, ocupando algumas das oito horas por dia que ainda
não são colonizadas pelo trabalho. Ele nos localiza espacialmente – salas de estar,
salões de bar, sarjetas – e contextualmente – em comportamentos ritualizados e
previsíveis – das maneiras mais explicitas que o sistema de controle jamais pôde.
Frequentemente, quando alguém consegue escapar do papel de trabalhador/con-
sumidor, a bebida se faz presente lá, um remanescente teimoso de nosso tempo de
lazer colonizado, para preencher o promissor espaço aberto. Livre dessas rotinas,
poderíamos descobrir outras formas de usar o tempo e energia e buscar prazer,
formas que poderiam provocar riscos ao sistema de alienação.
Beber pode ser incidentalmente parte de interações sociais positivas e estimu-
lantes, é claro – o problema é que seu papel central na sociabilidade vigente o
apresenta falsamente como o pré-requisito para tais relacionamentos. Isto obs-
curece o fato de que podemos criar tais interações por nossa vontade, com nada
mais que nossa própria criatividade, honestidade e coragem. De fato, sem elas,
nada de valor é possível – você já foi a uma festa ruim? – e com elas, nenhum ál-
cool é necessário.
Quando uma ou duas pessoas param de beber, isso parece sem sentido, como
se elas estivessem se privando da companhia (ou pelo menos dos hábitos) de
seus companheiros humanos por nada. Mas uma comunidade de tais pessoas po-
de desenvolver uma cultura radical de aventura e engajamento sóbrios, que pode
eventualmente oferecer oportunidades excitantes de atividades sem bebida e ale-
gria para todos. Os geeks e solitários de ontem podem ser os pioneiros do novo
mundo de amanhã: “embriaguez lúcida” é um novo horizonte, uma nova possi-
Como a Civilização Se Tornou Viciada
ou COMO OS VICIADOS SE TORNARAM CIVILIZADOS
bilidade para transgressão e transformação que poderia prover solo fértil para re-
voltas ainda inimagináveis. Como qualquer estilo de vida revolucionário, esse
oferece uma amostra imediata de um outro mundo enquanto ajuda a criar um
contexto para ações que apressam sua realização universal.
RETRATAÇÃO PREVISÍVEL
Assim como no caso de todos os textos do Crimethinc., este representa apenas as
perspectivas de quem concorda com ele neste momento, não a totalidade do Cole-
tivo de ex-Trabalhadores CrimethInc. ou qualquer outra massa abstrata. Alguém
que faz um trabalho importante sob o nome do Crime-
thinc. está provavelmente ficando bêbado no momento
em que estou digitando isto – e está tudo bem!