Apostila Completa Gravura

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GRAVURA

INTRODUÇÃO

Prezado aluno,

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de


aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar,
interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida
uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para
todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em
perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão
respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é
preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A
vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos
definidos para as atividades.

Bons estudos!
GRAVURA – HISTÓRIA, TÉCNICAS E RELAÇÕES COM A IMPRESSÃO DE
PAPEL MOEDA

A GRAVURA1 – Das Inscrições Sobre Pedras e Grutas Até as Impressões


Como São Hoje Conhecidas
As formas de animais foram, sem dúvida, as primeiras imagens que interessaram
aos homens pré-históricos, não apenas por sua importância como ameaça, mas,
talvez, por suas possibilidades como recursos alimentares. Cultos eram
reservados a eles, que muitas vezes eram usados como totens, ou seja, imagens

sagradas2. Por um lado, as primeiras inscrições gravadas pelo homem consistiram


nas marcas deixadas sobre pedras que formavam as paredes de seus abrigos
(cavernas) e, por outro, derivavam das marcas impressas sobre as mesmas
paredes com suas mãos, muitas vezes pintadas com sangue dos animais que
caçavam. Assim, esses dois modos de imprimir determinaram as bases de
algumas técnicas de gravação usadas até os dias atuais – as gravuras de incisão,
as de blocos secionados e outras, como as monotipias e os decalques, por
exemplo.
Grande parte dessas primeiras imagens foi encontrada na Europa, mais
precisamente na Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Áustria e União
Soviética. É possível encontra-las, também, em alguns locais arqueológicos na
África, Austrália, América e Ásia. Locais como Altamira, na Espanha, Lescaux, na
França e Papardallo, na Sicília foram dos mais importantes no sentido das
descobertas encontradas. As imagens colocadas a seguir retratam algumas
inscrições feitas pelo homem do Período Paleolítico e localizam-se na França e na
Itália.

1
Gravura é a denominação genérica das técnicas que permitem obter imagens (impressões) por
meio de matrizes.
2
Nas sociedades “primitivas”, os totens eram representados por plantas, imagens, pelos, penas
ou demais objetos que fossem associados a animais com os quais algumas dessas sociedades
se identificassem, transformando-os em objeto de adoração. N. da A..

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 1


Figura 1 – Veados e Salmão, encontrada na região dos Altos Pirineus,
Magdalenian, França, 9 5/8 ", Coleção do Musée des Antiquités, Saint-Germain-en-
Laye, França3.

Figura 2- Figuras Humanas, encontradas na Caverna de Addaura, Monte


Pellegrino, Sicília. Período Paleolítico, gravura sobre rocha, 6 x 10/8 “.

3
EICHENBERG, Fritz. The Art of the Print – Masterpieces, History and Techniques. Harry N.
Abrams, Inc. Publishers, New York. 1976. p. 20.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 2


Muitas dessas inscrições eram preenchidas com pigmentos naturais como carvão,
obtido pela queima de madeiras, e fuligem. O vermelho era obtido com o óxido de
zinco, o amarelo com o ocre, o branco por meio da pulverização de giz. O sangue,
o leite e a gordura eram usados como aglutinantes. Os pincéis consistiam em
penas, tufos de cabelo, asas e pelos de um modo geral. As cores terra eram
aplicadas por meio de bastões e as tintas líquidas por meio dos pincéis ou
sopradas sobre as superfícies a serem coloridas4.
Com a invenção do ferro, as gravações ficaram mais acessíveis - antes disso, as
pedras eram usadas como instrumentos; depois, eles começaram a produzir
ciséis, agulhas e outros artefatos perfurantes.
O aprimoramento dessas ferramentas permitiu, às civilizações posteriores, maior
precisão e um número crescente de detalhes nos processos de gravação e
impressão. Assim, na Mesopotâmia e no Vale do Tigre e Eufrates, no quarto
milênio a. C., os textos eram muito elaborados e gravados sobre placas de barro e
bronze, chegando-se muito próximo aos sistemas de impressão como são
conhecidos hoje. Símbolos religiosos já eram gravados, criando-se os relevos,
muitos dos quais em miniaturas com medidas aproximadas de duas ou três
polegadas.
As inscrições sobre superfícies planas e circulares eram muito comuns, mas elas
apareciam, também, sobre esculturas, como nos exemplos seguintes. Como é
possível observar, essas peças apresentavam imagens bem próximas ao realismo,
evidenciando traços fisionômicos até hoje encontrados em indivíduos originários
daquelas regiões.

4
EICHENBERG, Fritz. The Art of the Print – Masterpieces, History and Techniques. Harry N.
Abrams, Inc. Publishers, New York. 1976. p. 21.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 3


Figura 3 – Devoto sumeriano, encontrado no Templo Abu, no Iraque. Começo do
Segundo Período Dinástico, 2600 a. C.. Gesso aplicado sobre pedra calcaria e
concha branca, 11 ¾ “. The Metropolitan Museum of Art, New York, USA5.

Figura 4 -Cilindro gravado e impressão correspondente, Nippur, Período Ur,


sudeste do Iraque, 2100 a. C.6.

5 HIBBARD, Howard. The Metropolitan Museum of Art. Harrison House, New York, USA. 1980. p.

54.
6
Os selos eram usados como assinaturas antes da invenção da escrita e continuaram, a partir
de então, apenas como assinaturas. Ibid.. p. 53.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 4


No Egito os selos também serviam para substituir assinaturas e eram usados
pelos sacerdotes e estudiosos com o objetivo de conhecer e retratar detalhes de
anatomia. Havia vários ateliês para a confecção dessas peças. Com a invenção da
escrita, os pergaminhos e papiros passaram a substituir as pedras e outras
superfícies usadas para inscrições. Como se pode imaginar, isso adicionou um
grande impulso ao progresso da humanidade. É certo que a princípio os escritos
assim produzidos não eram acessíveis a todas as pessoas, mas já faziam muita
diferença com relação ao desenvolvimento das potencialidades da escrita.
Com o desenvolvimento da escrita, foram introduzidos os rolos de papiro, sobre os
quais eram colocados os textos escritos à mão. Os romanos produziram grande
quantidade desses rolos, que eram copiados por escravos, os quais, por sua vez,
faziam tráfico desses exemplares. No entanto, as bibliotecas pessoais não eram
muito comuns na Roma de então, havendo apenas trinta bibliotecas públicas.
Tyrannio, amigo de Cícero, possuía uma biblioteca com 30.000 volumes desses
papiros, mas era uma coleção pequena, se comparada com algumas bibliotecas
públicas daquela época7.
No Sc. VI, no Império Romano, era comum o uso de estêncil, aplicado com folhas
de ouro sobre documentos oficiais. O esgrafito era utilizado no Império Romano
para escrever sobre as paredes a opinião de algumas pessoas sobre
determinados assuntos, sendo também comum sua utilização como base de
desenhos de afrescos.
Os etruscos eram excelentes gravadores, desenvolvendo, entre outras
habilidades, a arte de gravar sobre o verso de espelhos, com efeitos decorativos
que retratavam cenas mitológicas. Um exemplar dessas peças é a gravação em
bronze ilustrada a seguir.

7
EICHENBERG, Fritz. The Art of the Print – Masterpieces, History and Techniques. Harry N.
Abrams, Inc. Publishers, New York. 1976. p. 27.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 5


Figura 5 - Orpheu tocando sua lira, espelho etrusco, gravado em bronze, Sc. IV a.
C.. Coleção Museum of Fine Arts, Boston, USA 8.

Os chineses, no Período Shang, 1200 – 1100 a. C., incrustavam seus caracteres


sobre conchas, ossos e cascos de tartarugas, muitos dos quais eram destinados à
prática de adivinhações. Só a partir do Período Han, entre os anos 206 – 220,
foram criados os caracteres de escrita mantidos quase que sem modificações até

8
EICHENBERG, Fritz. The Art of the Print – Masterpieces, History and Techniques. Harry N.
Abrams, Inc. Publishers, New York. 1976. p. 29.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 6


os dias atuais. Ainda na China, na época de Confúcio (551 a. C.) e Lao-tsu (604 a.
C.), os ensinamentos eram gravados sobre pedras e impressos sobre tiras de
bambu9.
A civilização que se desenvolveu no Vale do Hindus, entre os séculos 2500 e 1500
a. C. também criou impressos a partir de cilindros, como aqueles que eram
característicos da Região Sumeriana e do território compreendido entre os rios
Tigre e Eufrates. Suas impressões apresentavam detalhes minuciosos, como pode
ser visto na ilustração seguinte.

Figura 6 – Cultura do Vale do Hindus, selo com imagem de um búfalo, gravado


sobre esteatita, 2500 – 1500 a. C. A imagem foi obtida por intermédio de uma
impressão a partir de uma xilogravura10.

Um fato de extrema importância, tanto para a Civilização Oriental, como para a


Civilização Ocidental, foi a descoberta do papel pelos chineses, em 105. Depois
disso, foi muito mais fácil fazer crescerem os níveis de desenvolvimento científico e
tecnológico, chegando-se ao patamar em que se encontram as culturas nos dias
atuais. Foi possível, a partir de então, obter impressões em escalas cada vez
maiores. Os impressos de então eram estreitamente relacionados a assuntos
religiosos e cada vez se tornavam mais sofisticados e freqüentes. A imagem a

9
EICHENBERG, Fritz. The Art of the Print – Masterpieces, History and Techniques. Harry N.
Abrams, Inc. Publishers, New York. 1976. p. 34.

10
Ibid. p. 29.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 7


seguir representa um desses exemplares, datado do Sc. VIII, que foi extraído do
impresso Buda Sentado, da Gruta dos Mil Budas, Tun-huang, China.

Figura 7 – Buda Sentado, da Gruta dos Mil Budas, Tun-huang, xilogravura, Sc. VII,
9 ¼ x 13". Collection Spencer, New York Public Library, Astor, Lenox e Tilden
Foundation11.

O primeiro exemplar de impressão a partir de blocos de madeira (xilogravura) foi


elaborado em 770. Seu título original é “Os milhões de charmes do Imperador
Shotoku”. Seu título pode também aparecer como Hyakumanto Darni. A peça
mostra os muitos “encantamentos”budistas e apresenta-se sob a forma de texto.
A primeira xilogravura apresentando ilustrações intitula-se Senmen Koshakio,
apresenta ilustrações religiosas e é datada do Sc. XI. Mais tarde, em 1633,

11
EICHENBERG, Fritz. The Art of the Print – Masterpieces, History and Techniques. Harry N.
Abrams, Inc. Publishers, New York. 1976. p. 35.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 8


surgem as xilogravuras do estilo uyko-e, com cenas da vida cotidiana. Elas eram
executadas em preto e branco e, muitas vezes, eram coloridas à mão12.

FIGURA 8 – Chõbunsai Eishi, Füryü Nana Komachi, xilogravura no estilo uyko-e,


Período Edo, Sc. XVIII. Coleção Seikadö, Japão 13.

A Gravura na Europa – A Xilogravura


As xilogravuras foram introduzidas na Europa na Idade Média, aproximadamente
em 1418. Naquela época elas eram usadas para a impressão de cartas de baralho
e, também, na confecção de mementos religiosos14. Sua introdução na Europa só
foi possível depois que o continente passou a conhecer e a produzir o papel. As
gravuras então criadas misturavam caracteres de escrita e imagens.

12
PETIT, Gaston e ARBORELA, Amadio. Evolving Techniques in Japanese Woodblock
Printing. Kodansha International Ltd. Tokyo, New York e San Francisco.1977. p. 11.
13
BUNKO, Seikadõ. 100 Seikado Masterpieces. The Mitsubishi Corporation, Dentsu
Incorporated e Benrido Co., Ltda.1984. p. 41.
14
Cada uma das duas preces do cânon da missa. (Memento dos Vivos e Memento dos Mortos).
TREVISAN, Rosana (coordenadora). Dicionário Michaelis – Moderno Dicionário da Língua
Portuguesa. Editora Melhoramentos, S. Paulo. p. 1352.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 9


Lygia Saboia

Para tanto, elas eram impressas juntamente com os tipos móveis. Logo após sua
introdução, além de motivos religiosos e aqueles usados nas cartas de baralho, as
xilogravuras eram utilizadas para a criação de estampas e ilustração de livros. Sua
introdução ocorreu na Alemanha, mas logo depois ela se espalhou pela França,
Itália e Holanda. Esses exemplares, na maioria das vezes, eram repletos de
detalhes, cortados na madeira com goivas e facas de diversos formatos. Os
alemães eram exímios nesta técnica, como também o foram os italianos15.
Aos poucos, as imagens foram se tornando cada vez mais sofisticadas e os
ilustradores e artistas passaram a acrescentar grande variedade de traços,
sombreados e texturas.
Diversos movimentos artísticos a partir de então tiveram representantes que
praticaram a xilogravura, sendo importante destacar o pintor, desenhista e gravador
alemão Albert Dürer. As primeiras xilogravuras européias apresentavam conteúdos
mais direcionados à ilustração, mas no Renascimento foram notáveis algumas
obras artísticas criadas a partir dessa técnica.
Mais tarde, os artistas ligados ao Impressionismo foram muito influenciados pelas
estampas produzidas no Japão, depois que tiveram contato com as criações dos
artistas gravadores japoneses, por intermédio de uma exposição apresentada na
Europa no Sc. XIX.
Os artistas ligados ao Movimento Expressionista, já no Sc. XX, usaram a
xilogravura para expressar sua arte, em virtude das possibilidades oferecidas pela
técnica, que permite criar imagens em que a dramaticidade e a expressão gráfica
podem se fazer presentes. Os artistas de vários países continuam a praticar a
xilogravura, bem como as demais técnicas de gravura, apesar das dificuldades que
as técnicas apresentam e mesmo depois da introdução e circulação crescente das
imagens digitais e do ferramental tecnológico hoje disponível.
Algumas imagens colocadas a seguir permitem constatar o uso disseminado da
xilogravura nos séculos que sucederam sua introdução na Europa. As duas
primeiras são xilogravuras de artistas desconhecidos, enquanto a segunda é um

15
BUCKLAND-WRIGHT, John. Etching and Engraving – Techniques and the Modern Trend.
DOVER Publications, Inc. New York. 1973. p. 172.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 10


exemplar da série produzida por Albert Dürer, intitulada Apocalipse. Dürer criou
inúmeras gravuras, sendo que suas xilogravuras são muito apreciadas, não só
pela riqueza de detalhes, como pela expressividade e variedade de traços
apresentados.

Figura 9 – Xilogravuras de artistas italianos anônimos. O Monge (acima) e Aesop,


ilustração colocada embaixo16.

16
BUCKLAND-WRIGHT, John. Etching and Engraving – Techniques and the Modern Trend.
DOVER Publications, Inc. New York. 1973. p. 177.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 11


Lygia Saboia

17
Figura 10 – Albert Dürer, Apocalipse XVI, xilogravura, 15 x 10 ¾ “ .

O artista alemão Edward Münch, ligado ao Expressionismo, movimento artístico


desenvolvido no Sc. XX, também usou a xilogravura para criar sua arte com
imagens ricas e capazes de evidenciar sua ligação com este movimento artístico.
Não só Münch, mas diversos outros artistas ligados ao Expressionismo produziram
xilogravuras.

17
BUCKLAND-WRIGHT, John. Etching and Engraving – Techniques and the Modern Trend.
DOVER Publications, Inc. New York. 1973. p. 178.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 12


Figura 11 – Edward Münch, Male Bather, xilogravura a cores. Coleção do Münch
Museum, Oslo18.

18
EICHENBERG, Fritz. The Art of the Print – Masterpieces, History and Techniques. Harry N.
Abrams, Inc. Publishers, New York. 1976. p. 118.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 13


Alguns Artistas Brasileiros e a Xilogravura
No Brasil, o uso da xilogravura apresenta três vertentes importantes, a xilogravura
de Cordel, a xilogravura comercial e a xilogravura artística. Assim, além dos vários
artistas brasileiros que se expressaram por meio da gravura em madeira, devem
ser citados os artistas populares e a Literatura de Cordel, que vem utilizando a
técnica de modo muito criativo na ilustração de hábitos, poesia popular e tradição
da cultura brasileira. Muitas dessas obras estão ligadas à crítica social e política, o
que lhes confere valor histórico e status de documentação regional. Essas peças
são produzidas principalmente na Região Nordeste do Brasil. Além disso, diversos
artistas populares têm encontrado na xilogravura um meio profícuo para sua
expressão plástica. Introduzida no Brasil por padres missionários no final

18
EICHENBERG, Fritz. The Art of the Print – Masterpieces, History and Techniques. Harry N.
Abrams, Inc. Publishers, New York. 1976. p. 118.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 13


do Sc. XIX, a xilogravura de Cordel é feita com o uso da madeira denominada
cajazeira e os gravadores usam apenas canivetes e facas amoladas para talhar a
madeira. Destacam-se os artistas J. Borges, Enéas Tavares Santos, Zé Caboclo,
Mestre Noza e outros. Há também artistas que ilustram seus próprios poemas,
como Dila, Damásio Paulo Valdero, Cirilo e outros. A xilogravura comercial no
Brasil esteve grandemente associada à criação de rótulos para diversos tipos de
produtos, bem como associada à tipografia para impressões de ilustrações de
livros, ex-libris e demais objetos impressos.

Figura 12 – Stênio, gravura de Cordel19

A xilogravura no Brasil teve impulso na área artística com a vinda de Modesto


Brocos y Gomes para a Escola de Belas Artes, no final do Sc. XIX. Ele veio para
coordenar a área de xilogravura da Escola de Belas Artes. Ele teve sua formação
na Itália e, além de artista, foi ilustrador. Ao que parece, foi ele que deu início ao
uso da xilogravura pelos artistas com formação em escolas de arte no Brasil.
O desenvolvimento da xilogravura artística no Brasil se intensificou nas primeiras
décadas do Sc. XX, com a ida para o Rio de Janeiro do gravador brasileiro

19
Xilogravura de Cordel de autoria de Stênio, encontrada na Internet. N. da A.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 14


Osvaldo Goeldi. Ele foi um mestre para vários dos mais importantes gravadores
brasileiros, dentre os quais Fayga Ostrower e Edith Bhering. Com ele, Lazar Segall
e Lívio Abramo inicia-se um dos mais expressivos momentos da arte brasileira que
foi a moderna gravura brasileira20.
O Banco Central possui em seu acervo algumas obras de artistas representativos
da xilogravura no Brasil. Dentre esses artistas, destacam-se Maria Bonomi e
Emiliano Di Cavalcanti.
Di Cavalcanti viveu entre os anos 1897 e 1976, tendo nascido no Rio de Janeiro.
Ele foi ligado ao Modernismo e sua obra apresenta ligação estreita com as cores e
a Cultura Brasileira. Um de seus temas prediletos, seja na pintura, na gravura ou
no desenho, são as mulheres brasileiras.

Figura 13 – Emiliano Di Cavalcanti, xilogravura a cores, 70 x 51 cm. Acervo do


Banco Central do Brasil.

Maria Bonomi nasceu na Itália em 1935, vindo para o Brasil ainda jovem. Ela fez
estudos no Ateliê de Gravura do MAM (Museu de Are Moderna do Rio de Janeiro) e
montou, juntamente com Lívio Abramo, o Estúdio de Gravura em São Paulo, em
1960. Ela inaugurou um novo estilo na xilogravura brasileira, utilizando

20 MARTINS, Itajahy. Gravura – Arte e Técnica.Fundação Nestlé da Cultura e Laserprint Editorial,

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 15


impressões a cores com várias placas de madeira, cujas dimensões eram bastante
avantajadas quando comparadas com aquelas encontradas nas gravuras de um
modo geral. Ela criou gravuras com cerca de 80 a 100 cm de altura ou
comprimento e, atualmente, cria painéis de grandes dimensões em madeira e
demais materiais, que cobrem paredes e demais superfícies.

Figura 14 – Maria Bonomi, Parede em Construção, xilogravura, 50 x 80 cm.


Acervo do Banco do Brasil 21.

A Xilogravura – Técnicas
Existem duas formas básicas de preparar matrizes para impressões em
xilogravura22. Uma delas é pela utilização da madeira cortada no sentido
longitudinal em relação ao tronco, ou seja, na direção de seu comprimento. A outra
forma é por meio de cortes e incisões sobre fatias da madeira, ou seja,

S. Paulo. 1987.p. 188.


21
Banco do Brasil – Relatório Anual 1972. p. 25.
22
Há variantes desses processos, em que são incluídos relevos, cortes nas matrizes, dentre
outros. N. da A.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 16


pedaços cortados transversalmente, no sentido vertical do tronco da árvore da
qual ela é extraída.
De acordo com o corte da madeira, as ferramentas utilizadas para as incisões são
diferentes. No primeiro caso, são usadas goivas, formões e facas. No segundo, as
ferramentas utilizadas são os buris de pontas diferenciadas. A ilustração a seguir
permite comparar os modos diferentes de corte da madeira e os tipos de
ferramentas utilizadas.

Figura 15 – Modos diferentes de corte da madeira para xilogravura23.

23
MARTINS, Itajahy, Gravura – Arte e Técnica.Fundação Nestlé da Cultura e Laserprint
Editorial, S. Paulo. 1987.p. 37.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 17


Vários são os tipos de madeira próprios para esta técnica de gravura, destacando-
se a cerejeira, o mogno, cedro e outras madeiras mais moles. A imbuia é também
bastante adequada, pois embora mais rígida, é dócil ao corte. Outras madeiras
são também adequadas para o corte a fio, ou seja, no sentido longitudinal da peça,
quais sejam, alguns tipos de jacarandá, canela, jequitibá, dentre outras.
Dependendo da madeira que se usa, os resultados obtidos serão diferentes, não
só em temos de corte, como na textura das impressões. As imagens a seguir
apresentam diferentes cortes, madeiras e ferramentas utilizadas no processo de
corte a fio em xilogravura.

Figura 16 – Cortes com goivas e diferentes texturas segundo a madeira utilizada24.

24
MARTINS, Itajahy. Gravura – Arte e Técnica.Fundação Nestlé da Cultura e Laserprint
Editorial, S. Paulo. 1987. p. 39.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 18


Com relação à gravação em topo, ou seja, com as madeiras cortadas
transversalmente em relação ao crescimento do tronco, a madeira mais adequada
denomina-se buxo e é mais rara no Brasil do que na Europa. Ela é utilizada,
também, para a fabricação de instrumentos musicais e marchetaria. Este tipo de
madeira tem cor amarelada, apresentando, algumas vezes, manchas escuras.
As imagens seguintes evidenciam diferentes possibilidades de uso do buril na
xilogravura de topo, podendo ser apreciados detalhes que se pode conseguir com
seus cortes sobre madeira. Vê-se, também, uma gravura executada pelo burilista
do Sc. XIX, considerado um dos melhores da época, que foi Henri Thitiat.

Figura 17 – Cortes com buril sobre madeira de topo. Henri Thitiat, Retrato de M.
25
Victorien Sardou .

A imagem acima mostra detalhes de cortes da madeira de topo, usando o buril.


Note-se que há diversos tipos deste instrumento. Enquanto a seqüência de
imagens a seguir mostra a série de passos necessários à impressão de uma

25
PETIT, Gaston. Evolving Techniques in Japanese Woodblock Prints. Kodansha, International
Ltda. Tóquio. 1977. p. 59 e MARTINS, Itajahy. Gravura – Arte e Técnica.Fundação Nestlé da
Cultura e Laserprint Editorial, S. Paulo. 1987. p . 63.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 19


xilogravura de topo. O processo de impressão, no entanto, é o mesmo quando se
trata de impressão de xilogravuras a fio.

Figura 18 – Seqüência de passos para a impressão de uma xilogravura de topo26.

As impressões seguem, quase sempre, os mesmos passos, sendo alteradas em


casos específicos ou pelo gosto do impressor. Antes do corte, as madeiras devem
ser necessariamente preparadas e lixadas. Depois, executam-se os cortes, entinta-
se a madeira e pressiona-se o papel sobre a peça entintada. A impressão pode ser
feita com a parte posterior de uma colher de madeira ou metal, com uma prensa ou
com um instrumento desenvolvido pelos japoneses, intitulado baren. A tinta pode
ser aplicada com rolos sobre a madeira ou com pincel. Pode ser

26
PETIT, Gaston. Evolving Techniques in Japanese Woodblock Prints. Kodansha, International
Ltda. Tóquio. 1977. p. 59, 60 e 61.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 20


dissolvida em água ou com querosene. Isso permite concluir que os processos de
impressão em xilogravura, embora guardem elementos em comum, permitem
alguma flexibilidade. A série de figuras colocadas a seguir apresenta a seqüência
dos passos necessários para uma impressão em xilogravura colorida.

Figura 20 – Etapas de impressão de uma xilogravura colorida em sete estágios27.

27
PETIT, Gaston. Evolving Techniques in Japanese Woodblock Prints. Kodansha, International
Ltda. Tóquio. 1977.Ibid. p. 26 e 27.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 21


O Papel Moeda e a Xilogravura
Levou algum tempo até que o papel moeda, ou seja, as notas impressas em papel
fossem aceitas universalmente como dinheiro. A princípio, objetos ou metais eram
considerados elementos de reserva de valor. A circulação de papéis substituindo
valores aconteceu quando se percebeu que haveria a possibilidade de deixar
valores em depósito, emitindo recibos que lhe conferissem valor. Na verdade, foi

a invenção do papel, no ano de 105, por Tsai Lun, ministro da agricultura da


Dinastia Han na China, que possibilitou a disseminação do papel moeda.
Muitos desses papéis eram preenchidos à mão, sendo que o couro e o papiro
foram usados como papel moeda antes mesmo que o papel tivesse sido
inventado. No entanto, no mundo ocidental, as primeiras notas de banco aceitas
sem prazo de duração, destinadas a circular entre o grande público, só
apareceram em 1656, em Estocolmo, Suécia.
No Oriente isso aconteceu alguns séculos antes. No Sc. XIV, quando Marco Polo
esteve na China, encontrou e relatou o uso disseminado do papel moeda28. A
imagem a seguir apresenta uma dessas notas. O dinheiro de então era
denominado Kwan e era o tempo da Dinastia Ming. No entanto, desde o Sc. VII,
eram feitas oferendas aos mortos com papel moeda.
Figura 21 – Bilhete chinês com a assinatura do Imperador e seus tesoureiros. As
notas eram impressas em xilogravura29.

28
MONESTIER, Martin. L’Art du Papier Monnaie. Editions Point Neuf Paris. 1982. p. 18
29
Ibid.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 22


No Ocidente, com o desenvolvimento de outras técnicas de impressão, dentre as
quais a gravura em metal, a xilogravura foi perdendo espaço no que concerne à
impressão de papel moeda, embora também tenha sido usada para essa
finalidade.

A Gravura na Europa - A Gravura em Metal


O uso de objetos pontiagudos para fazer incisões já foi abordado neste texto
anteriormente, mas é importante reforçar que essas incisões são também as
origens da gravura em metal. Os povos da Mesopotâmia, os egípcios e os gregos
executavam gravações em metais, vidros, gemas preciosas e semipreciosas e
sobre a parte posterior dos espelhos. Não se sabe exatamente quem teve a idéia
de fazer uma impressão a partir dessas gravações pela primeira vez na História.
No entanto, a primeira gravura em metal de que se tem notícia é datada de 1446,
intitulada Christ Crowned with Thorns e apenas uma dessas cópias sobrevive nos
dias atuais30. Alguns autores consideravam que o inventor da gravura em metal foi
o Mestre das Cartas de Baralho, um joalheiro suíço, cujo estilo era semelhante ao
do pintor Stephan Lochner. No entanto, no começo do Sc. XX, ele foi identificado
como o famoso pintor de Bassel, Konrad Witz31.
As discussões a respeito das primeiras gravuras em metal em relação a seus
criadores são muito extensas, uma vez que os nomes dos autores dessas
gravuras não apareciam nas obras impressas e estas eram apenas conhecidas
como tendo sido criadas pelo Mestre da Paixão, Mestre do Altar Erfut Regler e
assim sucessivamente. No entanto, sem dúvida, essas gravuras foram iniciadas na
Alemanha.
Abaixo está apresentada a gravura intitulada The Crowning with Thorns.

30
EINCHENBERG, Fritz. The Art of the Print – Masterpieces, History and Techniques. Harry N.
Abrams, Inc. Publishers, New York. 1976. p. 180.
31
SHESTACK, Alan. Fifteenth Century Engravings of Northern Europe From the National Gallery
of Art, Washington D. C.. National Gallery of Art, Washington D. C. , 1967/1968. p. 1

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 23


Figura 22 – The Crowing with Thorns, 1440-50, 87 x 60 mm, proveniente de
Gilhofer e Ranschenburg, Lucern Suiça32.

Na Itália a gravura em metal se originou das gravações feitas pelo processo


conhecido como nielo. Tais gravações eram feitas sobre objetos do dia a dia e
peças de joalheria, sobretudo em Florença. Era uso a criação de medalhas com
relevos esmaltados com uma mistura de prata, chumbo, bórax e enxofre misturado
ao sal de amoníaco. Quando essas peças eram colocadas no forno, produziam
relevos. Mazzo Finiguerra teve a idéia de tirar provas de papel a partir dessas
imagens, usando para isso uma prensa antes que fosse executada a esmaltação.
Embora haja discordância sobre a primeira gravura produzida, as gravuras
mencionadas nos parágrafos anteriores, editadas na Alemanha foram, de fato, os

primeiros exemplares de gravuras em metal33.

32
SHESTACK, Alan. Fifteenth Century Engravings of Northern Europe From the National
Gallery of Art, Washington D. C.. National Gallery of Art, Washington D. C. p. 263.
33
MARTINS, Itajahy. Gravura – Arte e Técnica.Fundação Nestlé da Cultura e Laserprint
Editorial, S. Paulo. 1987. p. 102.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 24


Gravura em Metal – Técnicas
Várias são as técnicas utilizadas para as impressões a partir de chapas de metal.
No entanto, aqui são abordadas aquelas mais utilizadas pelos artistas de um modo
geral e para a fabricação de moedas e notas.
A gravura a buril, também conhecida como talho doce, consiste em incisões sobre
chapas metálicas (cobre, preferencialmente) por intermédio do buril. Essa
ferramenta pode ter formatos, tamanhos e espessuras variadas, permitindo
diversos tipos de corte, desde os mais profundos até aqueles mais suaves e
superficiais. Essa variedade de ferramentas e traços, aliada aos estilos dos artistas
e à pressão que estes exercem na ferramenta quando executam as incisões,
permite resultados muito delicados e expressivos, proporcionando texturas e
sombreados diferenciados. Foram e são muitos os artistas, desde a criação da
técnica até os dias atuais, que elaboraram gravuras com riqueza de detalhes.
Dentre eles podem ser destacados os pintores Albert Dürer e Andréa Mantegna.

As imagens a seguir são exemplares de obras desses dois artistas.

Figura 23 - Andréa Mantegna, Bacchanale, detalhe, gravura em buril sobre metal,


13 x 17 ¾”, tamanho da gravura total. Coleção British Museum34.

34
GROSS, Anthony. Engraving, & Intaglio Printing. London Oxford University Press, New York,
1970. p 31.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 25


35
Figura 24 – Albert Dürer, Melancolia, gravura a buril sobre metal, 9 ½ x 7 ½” .

A gravação a buril é muito delicada e demanda habilidade do gravador. Geralmente


os traços devem ser executados em uma mesma direção. O buril deve ser retirado
da chapa quando se quer mudar a direção dos mesmos e, para traçar linhas
curvas, é necessário que a placa seja colocada sobre um pedaço de tecido ou
couro, de modo a ser possível mudar a direção da chapa, mantendo o buril sobre
ela. Caso contrário, dificilmente o gravador tem controle das linhas curvas,
perdendo a direção iniciada pelo primeiro corte.
A gravura intitulada “Sudariun de Santa Verônica”, de autoria do artista Claude
Mellan, é um exemplo do controle preciso que o burilista teve sobre o desenho e a
ferramenta utilizada.

35
GROSS, Anthony. Engraving, & Intaglio Printing. London Oxford University Press, New York,
1970. p. 32.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 26


Figura 25 – Claude Mellan, “Sudariun de Santa Verônica“, detalhe, buril sobre
metal, 16 3/4 x 12 ½, medida da gravura completa. Coleção University College
London36.

Como se pode ser observar, a precisão do traço é básica nesse processo de


gravação, daí seu uso na fabricação de notas e documentos bancários. A imagem a
seguir mostra a aplicação da técnica em papel moeda.

36
GROSS, Anthony. Engraving, & Intaglio Printing. London Oxford University Press, New York,
1970. p. 38.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 27


Figura 26 – Gravura a buril sobre placa de metal para impressão de papel
moeda37.

Nos processos de gravação em metal, a primeira tarefa que deve ser levada a
efeito é a limpeza da chapa, removendo oxidações e demais imperfeições da
mesma. As ferramentas devem estar perfeitamente polidas e com bom corte. Pode-
se fazer o esboço do desenho a ser gravado com papel carbono ou por outro
método qualquer. Depois de feita a incisão na peça, a rebarba deixada por cada
traço deve ser removida. Para isso se usa um raspador. Quando toda a gravação
está completa, a chapa pode ser entintada e impressa. As imagens abaixo
apresentam o preparo do buril e a gravação de uma chapa de metal por meio desse
instrumento.

37
MONESTIER, Martin. L’Art du Papier Monnaie. Editions Point Neuf Paris. 1982. p. 29.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 28


Figura 26 – 2 imagens de Abrahan Bosse mostrando o uso do buril, conforme o
tratado de Abrahan Boose38.

Uma outra técnica bastante usada para gravações em placas de metal é a água-
forte, que consiste na aplicação de uma cera sobre a chapa, na qual são feitos
traços ou desenhos, removendo-se partes da película aplicada por meio de
agulhas. Depois disso, a peça é imersa em uma vasilha contendo água e ácido
(geralmente ácido nítrico), que se encarrega de gravar ou corroer a chapa. Na
medida em que os traços são devidamente gravados, o artista repõe a cera,

38
GROSS, Anthony. Etching, Engraving, & Intaglio Printing. London Oxford University Press,
New York, 1970. p. 46 e 47.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 29


abrindo novos sulcos e mergulhando de novo a chapa na solução de ácido e água.
O processo se repete tantas vezes quantas forem necessárias até que o desenho
fique completo. Como é possível perceber, a técnica é mais flexível do que a
anterior, possibilitando ao gravador obter resultados sem as dificuldades
encontradas na técnica descrita anteriormente. Por essa razão, a água-forte
facilitou o desenvolvimento da gravura em metal, sendo mais comum, nos dias
atuais, encontrar gravuras executadas por esse processo do que pelo uso do buril.
A imagem seguinte retrata os passos acima descritos, mostrando o processo
utilizado para gravação de uma chapa de metal pelo método da água-forte.

Figura 27- Etapas para a gravação de uma chapa de metal pelo processo
conhecido como água-forte39.

39
MARTINS, Itajahy. Gravura – Arte e Técnica.Fundação Nestlé da Cultura e Laserprint
Editorial, S. Paulo. 1987. p. 104.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 30


As primeiras gravuras em água-forte de que se tem notícia no Ocidente foram
feitas por Albert Dürer e Urs Graf no Sc. XV e foram gravadas sobre ferro, metal
mais utilizado no começo das gravações por meio desse processo. Apesar de ser
mais prática a utilização da água-forte, as gravuras em buril e nas demais técnicas
de incisão direta sobre a chapa eram mais comuns nos séculos XV e XVI. Só no
Sc. XVII é que as águas-fortes começaram a ser mais populares e isso se deve
aos gravadores holandeses. Destes, destaca-se Rembrandt Van Rijn, que foi
exímio na técnica e cujas gravuras são exemplos de maestria no que concerne ao
uso de claro-escuros.
A imagem seguinte apresenta um detalhe da gravura de autoria de Rembrandt,
intitulada Cristo com o Doente. Note-se a perfeição dos sombreados obtidos pelo
artista.

Figura 28 – Rembrandt Van Rijn, Cristo com o Doente, 11 1/16 x 15 ½ “, 1649.


National Gallery, Washington D. C. 40

40
EICHENBERG, Fritz.. The Art of the Print – Masterpieces, History and Techniques. Harry N.
Abrams, Inc. Publishers, New York. 1976. p. 200.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 31


Um outro processo de gravação em chapas de metal é a água-tinta. Esta técnica
permite impressões em que diversas zonas de claro-escuro são obtidas. A técnica
possibilita a impressão de degradês e sombreados diversos. A técnica consiste na
aplicação de pó de breu sobre a chapa, que é levada ao calor para que o breu se
derrete e adira ao suporte, Com isso, quando a chapa é entintada, a tinta penetra
nos espaços gravados, evidenciando texturas diminutas correspondentes aos
diferentes tons. Estes tons podem ir do cinza claro até o negro profundo.
As imagens seguintes ilustram, respectivamente, as diversas texturas obtidas com
a água-tinta, a caixa de breu usada para a obtenção de uma retícula regular e a
“queima”da chapa feita com o propósito de fixar o breu sobre a mesma.
Depois, tem-se uma gravura de Goya, da série Caprichos, em que se pode
observar uma gravura em que foram usados os processos de água-tinta e água-
forte.

Figura 29 – Processo de gravação de uma chapa em água-tinta41.

41
GROSS, Anthony. Etching, Engraving, & Intaglio Printing. London Oxford University Press,
New York, 1970. p. 85 e 86 e 87.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 32


Figura 30 – Francisco Goya, Que se la Llevaran !, água-tinta e água-forte, 13,5 x
18,5 cm. Coleção Britsh Museum42.

O processo de impressão das gravuras em metal apresenta fases distintas – em


primeiro lugar há que se entintar a chapa. Esta fase consiste na aplicação da tinta
sobre a chapa, forçando a mesma a aderir a todos os sulcos, marcas ou texturas
gravadas na placa. Em seguida, o excesso de tinta deve ser removido; depois, uma
limpeza final é feita com a palma da mão (não é obrigatório), depois de passar um
pouco de talco na mesma. À esta limpeza com a mão dá-se o nome de “a palmo”.
Finalmente, coloca-se a placa sobre o berço da prensa, acrescenta-se

42
GROSS, Anthony. Etching, Engraving, & Intaglio Printing. London Oxford University Press,
New York, 1970. p. 63.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 33


o papel de impressão, cobre-se o mesmo com uma folha de papel mata-borrão,
coloca-se um feltro por cima e roda-se a prensa - está pronta a gravura. As
imagens seguintes ilustram o processo de impressão de uma gravura em metal em
seus vários detalhes.

Figura 31 – Colocação da tinta sobre a placa de metal com a retirada do excesso


43
de tinta e processo de limpeza da chapa denominado “a palmo” .

43
MARTINS, Itajahy. Gravura – Arte e Técnica.Fundação Nestlé da Cultura e Laserprint
Editorial, S. Paulo. 1987.p. 129 e 131.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 34


Figura 33 – Etapa final da impressão de uma gravura em metal44.

44
MARTINS, Itajahy. Gravura – Arte e Técnica.Fundação Nestlé da Cultura e Laserprint
Editorial, S. Paulo. 1987. p. 133.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 35


A Gravura em Metal e Alguns Artistas Brasileiros
A primeira gravura em metal impressa no Brasil é de autoria do presbítero José
Joaquim V. de Menezes, que viveu entre 1778 e 1841. Ele estudou em Portugal,
onde aprendeu a técnica. Trata-se de uma ilustração sobre um texto em
homenagem ao governador da Capitania de Minas Gerais, Pedro Maria Xavier de
Athayde e Melo. O poema foi escrito por Diogo Pereira de Vasconcelos. É
importante citar que José Joaquim de Menezes traduziu e fez imprimir em Portugal

44
MARTINS, Itajahy. Gravura – Arte e Técnica.Fundação Nestlé da Cultura e Laserprint
Editorial, S. Paulo. 1987. p. 133.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 35


o tratado de gravura de Abrahan Boose, escrito em francês e que é considerado um
dos mais importantes e pioneiros textos sobre técnicas de gravação em metal. As
imagens seguintes correspondem respectivamente à primeira página do opúsculo
calcográfico do padre Viegas de Menezes, de 1807, em Vila Rica, e um detalhe do
catálogo da mostra Gravura Brasileira – Bienal de São Paulo, 1975, do mesmo
autor, extraído de uma de suas gravuras.

Figura 34 – padre José Joaquim V. de Menezes, Primeira Página do Opúsculo,


1807. Coleção Carlos Rizini e detalhe do catálogo da mostra Gravura Brasileira –
Bienal de São Paulo – 1975 45.

A gravura em metal no Brasil esteve durante muito tempo ligada a impressões de


caráter comercial. Sua prática neste país se tornou mais intensa com a vinda de D.
João VI, que trouxe a Imprensa Régia de Portugal e impulsionou as atividades da
Casa da Moeda. Ao mesmo tempo, para o Brasil foram trazidos artistas com a
Missão Francesa, alguns dos quais como Zeferin Ferrez e Simon Pradier eram

45
MARTINS Itajahy. Gravura – Arte e Técnica.Fundação Nestlé da Cultura e Laserprint Editorial,
S. Paulo. 1987. p. 185.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 36


gravadores e iniciaram a prática da gravura em metal na Escola Real de Belas
Artes, fundada por D. João VI.
Alguns artistas no Sc. XIX e começo do Sc. XX elaboraram obras utilizando as
técnicas de gravura em metal. No entanto, o apogeu da gravura no Brasil se deu
após o Movimento Modernista de 1922. Este movimento foi um marco para a arte
brasileira não só para a gravura, como para todas as formas de expressão plástica.

O Acervo de Obras de Arte do Banco Central é formado por obras de artistas


brasileiros dos mais importantes. Algumas dessas obras são compostas por
gravuras em metal. Os artistas Marcelo Grassmann, Maciej Babinski Adelmir
Martins e Clóvis Gaciano, dentre outros, criaram obras em que utilizaram técnicas
de gravura em metal. As imagens apresentadas a seguir, selecionadas do acervo
mencionado, são alguns desses exemplos. A primeira gravura apresentada é do
artista Clóvis Graciano. Note-se que é uma água-forte. Como pode ser constatado,
esta técnica permite desenhar curvas e linhas mais livres sobre o verniz, que é
aplicado sobre o metal, o que não é possível executar quando se usa o buril. Clóvis
Gaciano nasceu em S. Paulo em 1907, integrando o grupo conhecido como Família

Artística Paulista 46.

46
BOZANO, SIMONSEN Vol. 1. SPALA Editora Ltda., Rio de Janeiro, RJ, 1981. p. 95.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 37


Figura 35 – Clóvis Graciano, Mulher Sentada, água-forte, 24 x 18 cm, 1981.
Acervo Banco Central do Brasil.

Marcello Grassmann foi um dos expoentes da gravura no Brasil. Criou várias obras
nas técnicas de água-forte e água tinta. Ele utilizou com maestria os contrastes
entre claro e escuro, muitas texturas e áreas de zonas de preto “aveludadas”. O
artista nasceu em São Simão, S. Paulo, em 1925 e é um dos artistas mais
expressivos no panorama da arte brasileira como desenhista e gravador 47.

47
http://br.news.yahoo.com/02/0607/11/6ho4.html/.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 38


A imagem apresentada a seguir é uma gravura em que se pode ver o uso da
água-forte, evidenciada por meio de texturas e traços, além da técnica conhecida
como água-tinta, correspondentes às zonas escuras.

Figura 36 – Marcello Grasmann, sem título, água forte e água tinta. Coleção Acervo
do Banco do Brasil 48.

O artista brasileiro Adelmir Martins trabalhou com gravuras, desenho e pintura . Ele
nasceu no Ceará, em 1922 e ligou-se à Sociedade Cearense de Artes Plásticas.
Adelmir Martins participou de exposições em São Paulo e no Rio de

48
Banco do Brasil – Relatório Anual 1972. p. 15.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 39


Janeiro, estando associado ao Modernismo. Sua obra é figurativa, com tendências
à síntese e à geometrização da forma. Além de utilizar o desenho, a pintura e a
gravura para expressar sua obra, o artista criou ilustrações. Ele utiliza grafismos
para sua expressão plástica, o que fez da gravura em metal um excelente veículo
para a expressão do artista. A imagem seguinte é uma água-forte de sua autoria.

Figura 37 – Adelmir Martins, Galo, água-forte e água-tinta, 24 x 24 cm. Acervo do


Banco Central do Brasil.

O artista Maciej Babinsiki nasceu na Polônia, em 1931, e teve sua formação como
artista no Canadá. Ele conheceu o gravador Osvaldo Goeldi no Rio de Janeiro, de
quem se tornou amigo. Ele é ligado ao Expressionismo como o era Osvaldo Goeldi
e além de intensa atividade como gravador, expressa sua arte por meio da pintura.
Ele foi professor do Departamento de Artes Visuais da UnB e atualmente vive na
cidade de Crato, no Ceará. A imagem seguinte mostra uma das obras de Babinski
em gravura em metal, sendo possível apreciar o uso da água-forte e água-tinta.
Note-se as variadas tonalidades de cinza, obtidas pelas diversas imersões da
chapa em ácido e água, além das linhas, obtidas por meio de riscos

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 40


no verniz aplicado sobre a chapa e gravadas também por meio de banhos da
placa em ácido (água-forte).

Figura 38 – Maciej Babinski, Figura Cavalgando Animal, 1988, 15 x 20,5 cm.


Coleção Acervo do Banco Central do Brasil.

O Papel Moeda e a Gravura em Metal


O uso da gravura em metal para a impressão de papel moeda é muito intenso,
sendo preservado até os dias atuais, em virtude das possibilidades que esta técnica
apresenta em termos de sutilezas de traços e, sobretudo, de segurança. Os
burilistas que gravam as placas a serem utilizadas na impressão de papel moeda
são, geralmente, profissionais muito hábeis, pois não podem se enganar no traçado
de detalhes muitas vezes diminutos.

A fundação da Casa da Moeda do Brasil foi permitida por meio do Alvará de 1 o de


fevereiro de 1644 com o propósito de cunhar moedas de prata. As pessoas que

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 41


possuíssem ouro e quisessem fundir moedas poderiam fazê-lo e o padrão
monetário deveria acompanhar o de Portugal. A licença foi dada para que se
fundissem moedas de três mil réis. Só em 1694 é que se estabeleceram,
definitivamente, as Casas da Moeda no Brasil, que eram localizadas em quatro
cidades brasileiras – Recife, Salvador, Vila Rica e Rio de Janeiro. As atividades
dessas Casas da Moeda não eram simultâneas, mas alternadas49.
No entanto esse projeto não seguiu adiante, sendo que a primeira emissão de
papéis de valor no Brasil ocorreu em 1843, com a famosa série de selos
denominada “Olho d Boi”. Estes selos foram impressos em superfícies de aço, por
meio de buril. O resultado foi uma verdadeira obra de arte e foram feitas tiragens
de 30, 60 e 90 réis. Mais tarde foram impressos selos “olho de boi”de valores
diferentes, apresentados unidos, provenientes de uma chapa única. O Brasil foi,
então, o terceiro país a produzir e usar selos postais, precedido apenas pela

Inglaterra e Suíça 50.

Figura 30 - Selo “Olho de Boi”51.

49
GASPARINI FILHO, Ítalo Sydney (Coordenador). Mvbcb – Museu de Valores do Banco
Central do Brasil. Banco Safra Editora Melhoramentos – São Paulo, S. Paulo.1988. p. 136.
50
Iconografia de Valores Impressos no Brasil. Banco Central do Brasil. 1979. p. 278.
51
Ibid. 282.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 42


O primeiro papel de banco a circular no Brasil é datado de 1810 e foi emitido pelo
Banco do Brasil, fundado em 1808. O bilhete era preenchido à mão e sua
autenticidade era medida pelos furos encontrados na nota, em comparação com
aqueles do canhoto correspondente. Um exemplo destes bilhetes é ilustrado a
seguir.

Figura 41 – Primeiro bilhete de banco emitido no Brasil 52.

Não foram encontradas informações sobre o modo como foi impresso, mas eles
eram numerados e a presença de desenhos e estampa decorativa permitem supor
que foi utilizada a gravura em metal.
Havia naquela época, no Brasil, a emissão exagerada de moedas de cobre. Assim,
para minimizar os problemas decorrentes disso, começaram a circular as

52
GASPARINI FILHO, Ítalo Sydney (Coordenador). Mvbcb – Museu de Valores do Banco
Central do Brasil. Banco Safra Editora Melhoramentos – São Paulo, S. Paulo.1988. p. 162.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 43


denominadas cédulas de troco de cobre. As moedas falsificadas ou em excesso
em circulação eram recolhidas e trocadas pelos papéis, que eram emitidos pelo
Tesouro Nacional. Essas cédulas de troco de cobre eram muito falsificadas e
tornou-se difícil controlar as suas emissões, Assim, a partir de 1835, elas foram
substituídas por notas e passaram a ser produzidas na Inglaterra. Os exemplos
ilustrados a seguir foram feitos por meio de impressão em calcogravura (gravura
em cobre – outra denominação da gravura em metal) e neles é possível notar a
riqueza de detalhes.

Figura 42 – Notas de Banco, calcogravura, produzidas na Inglaterra53.

53
GASPARINI FILHO, Ítalo Sydney (Coordenador). Mvbcb – Museu de Valores do Banco
Central do Brasil. Banco Safra Editora Melhoramentos – São Paulo, S. Paulo.1988. p. 186.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 44


Lygia Saboia

As imagens seguintes representam uma nota de 500 mil réis impressa em gravura
em metal, em que se vê uma paisagem panorâmica do Rio Antigo. Depois aparece
um detalhe da mesma nota, em que se pode observar os mínimos traços usados na
gravação para dar maior segurança às notas. Note-se a presença da marca d’água
na frente e no verso da nota.

Figura 43 - Nota de 500 mil réis. Calcogravura54.

Até os dias atuais são utilizados processos de gravura em metal para a impressão
de papel moeda. No Brasil, uma vez escolhidos os temas e desenhos a serem
executados nas notas, estes são gravados pelos burilistas. A seguir, a placa de
metal é enviada para a seção de Galvanoplastia da Casa da Moeda (as notas e
moedas brasileiras são inteiramente fabricadas no Brasil). As linhas raiadas a buril
são transpostas para placas de PVC e transformadas em relevo, utilizando-se
prensas hidráulicas para este fim. Pulveriza-se sobre o PVC uma substância
condutora de corrente, formando-se o alto-relevo. Outros processos são aplicados
na seção de galvanização, de modo que se obtenha uma contra-matriz em baixo

54
GASPARINI FILHO, Ítalo Sydney (Coordenador). Mvbcb – Museu de Valores do Banco
Central do Brasil. Banco Safra Editora Melhoramentos – São Paulo, S. Paulo.1988. p. 224/225,

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 45


relevo. Essa chapa é colocada na máquina impressora. O mesmo acontece com
relação à impressão do verso da nota.
Tira-se um prova final, que é enviada à Seção de Fotografia para que sejam
preparados os fotolitos. Os demais passos para a impressão de notas são
descritos adiante, ao serem apresentados os processos litográficos usados na
impressão de papel moeda.
A imagem seguinte mostra um gravador elaborando detalhes sobre um chapa de
metal, com propósitos de impressão de notas.

Figura 44 - Detalhes de gravação de uma placa de metal para impressão de papel


moeda55.

Emulsões sensíveis à luz são aplicadas sobre chapas de metal para que possam
ser gravadas depois de serem expostas à luz com os fotolitos criados para
reproduzir imagens fotográficas, tais como retratos, paisagens, detalhes da flora,
fauna e outros. A esse processo dá-se o nome de clicheria. É importante
acrescentar que essas emulsões podem também ser aplicadas à litografia, à

55
MONESTIER, Martin. L’Art du Papier Monnaie. Editions Point Neuf Paris. 1982. p. 29.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 46


xilogravura e à serigrafia. A imagem seguinte mostra exemplos de clichês
utilizados na impressão de notas.

Figura 45 – Protótipos em clicheria56.

Atualmente já são utilizadas impressões por meio do computador para criarem


desenhos detalhados e precisos na preparação de notas. O exemplo seguinte é a
aplicação de guilhochês (ornamentos simétricos) desenhados por meio de
máquinas comandadas por computadores. Como se pode ver, cada vez mais estão
se tornando mecanizados e tecnologicamente mais sofisticados os processos de
impressão de papel moeda.

56
MONESTIER, Martin. L’Art du Papier Monnaie. Editions Point Neuf Paris. 1982. p. 31.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 47


Figura 46 – Desenho de guilhochês por meio de uma impressora eletrônica 57.

Por outro lado, todo o processo de fabricação de notas tem se tornado cada vez
mais elaborado e maior número de máquinas cada vez mais precisas tem sido
incorporado aos processos de gravação e impressão de papel moeda. No entanto,
procedimentos manuais ligados à gravura em metal convivem com tais avanços.

57
MONESTIER, Martin. L’Art du Papier Monnaie. Editions Point Neuf Paris, 1982. p. 70.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 48


Litografia
A litografia, como o nome indica (lito – pedra, grafia – desenho), consiste no
desenho de imagens sobre a pedra que serve de matriz, no processamento
químico da mesma e nas posteriores impressões tiradas a partir dela. No entanto,
não é qualquer pedra que se adapta às impressões em litografia. A pedra que é
utilizada para esse tipo de gravura é formada, sobretudo, de calcário (a maior
parte) e silício. Dependendo da relação existente entre esses dois minerais, as

57
MONESTIER, Martin. L’Art du Papier Monnaie. Editions Point Neuf Paris, 1982. p. 70.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 48


pedras adquirem colorações diferentes. Quanto mais claras, maior é a proporção
de calcário nelas existente. Sua coloração vai desde o branco até o cinza,
passando por diversas tonalidades entre esses dois extremos. As pedras mais
claras são mais moles e adequadas a trabalhos em que não se exige grande
precisão de traços. As pedras cinzas, as mais resistentes, são melhores quando
se pretende elaborar trabalhos com traços e detalhes mais precisos. Isso porque,
no decorrer do processo de impressão e mesmo nas gravações sobre a pedra, ela
sofre abrasão, podendo, se for menos resistente, ter os detalhes de desenho
reduzidos ou mesmo apagados.
A litografia baseia-se no princípio segundo o qual água e gordura não se misturam.
O processo consiste em tornar a pedra receptiva à gordura apenas nas
quantidades necessárias para que o desenho aplicado sobre ela não sofra
modificações ao longo dos procedimentos de impressão. Por outro lado, é
necessário que se transforme a parte da pedra que não foi desenhada repelente à
água, de modo que isso reforce a preservação do desenho original.
O processo de impressão denominado litografia foi inventado no final do Sc. XVIII,
por Alois Senefelder, um artista austríaco. O próprio criador da litografia elaborou o
primeiro livro sobre o novo método de impressão e ele afirmava, em seu texto, que
a descoberta se deu por acaso, quando ele estava escrevendo uma lista de roupas
a serem enviadas para lavar. Ele usara um papel que deixou marcas do texto sobre
a pedra e, por acaso, um pouco de ácido nítrico se espalho pela pedra. A reação do
ácido, permitindo que o texto ficasse em relevo e não fosse atingido pelo mesmo,
deu-lhe a idéia de colocar tinta sobre a pedra e retirar cópias a partir da matriz
criada.
Muitas pessoas não deram crédito, de imediato, às palavras de Senefelder, pois
imaginaram que ele já estava tentando utilizar aquelas pedras muito comuns na
região da Bavária, Alemanha, com o propósito de obter impressões a partir delas.
Além disso, várias tentativas já tinham sendo feitas por diversas pessoas ligadas à
área de impressão, mas estas não obtiveram êxito.
Coube a Alois Senefelder a glória da descoberta de um processo de impressão que
permite que hoje tenhamos livros, revistas, jornais, cartazes, enfim, diversos

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 49


meios de difusão de textos, imagens e idéias. Isso porque a litografia é a “mãe” do
processo de impressão em off-set, uma vez que este último surgiu a partir dos
métodos e processos de gravação e impressão em litografia. Cabe acrescentar
que o próprio Senefelder já dizia que seria possível reproduzir o processo
litográfico em placas metálicas.
As pedras litográficas necessitam ser preparadas para que possam ser
desenhadas, gravadas e impressas. O primeiro passo é a granitagem da pedra,
que consiste na colocação de abrasivos com diversas gramaturas e, por meio de
uma pedra menor ou outros instrumentos usados para polimento de pedras, faz-se
movimentos circulares, de modo a formar uma substancia pastosa, fruto do
resultado da abrasão das duas pedras, da água e do pó utilizado como abrasivo
(geralmente óxido de alumínio – podem também ser usadas areias de várias
gramaturas, como acontecia no início da criação do processo).
As pedras litográficas são sensíveis à gordura. Assim, os lápis e bastões
litográficos são constituídos de sebo, ceras diversas, pigmento e aglutinantes.
Depois que a pedra é granitada, é desenhada com as tintas ou bastões e lápis
litográficos. Várias texturas podem ser conseguidas com esses desenhos, que dão
resultados semelhantes aos conseguidos com os materiais normais de desenho.
Os resultados alcançados com os desenhos e pinturas sobre a pedra são muito
ricos, permitindo texturas e aguadas diversas, traços livres, sombreados,
procedimentos fotográficos e outros.
A “queima”ou gravação da pedra é feita com goma arábica natural dissolvida em
água, ácido nítrico, fosfórico e, eventualmente, outros ácidos, como o ácido tânico,
por exemplo.
A “queima”da pedra faz com que a parte que não foi desenhada sofra um
rebaixamento quase invisível a olho nu e que a área coberta com o material graxo
prossiga receptiva a gorduras. A parte não desenhada da pedra torna-se
impermeável à gordura e atrativa à água, enquanto a zona gordurosa atrairá
gorduras depositadas por meio de um rolo entintado. Para empreender o processo
de gravação ou “queima”, usam-se misturas de água e goma arábica ou goma de
celulose dissolvidas e misturadas aos ácidos.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 50


O processo de impressão é feito por meio de uma prensa plana, sobre a qual é
colocada a pedra, o papel de impressão e, finalmente, um material resistente que
protege a pedra e o papel da pressão que será exercida pela prensa, a fim de que
se conclua o processo de impressão. É importante acrescentar que embora tenha
facilitado em muito o desenvolvimento da comunicação via imagens, arte,
impressos e demais objetos de comunicação, os processos de impressão em
litografia são muito delicados, demandando muita atenção e cuidado por parte dos
impressores.
Embora a litografia tenha sido usada por vários artistas desde a sua criação, o
emprego desta forma de impressão esteve muito mais ligado ao desenvolvimento
da indústria gráfica e de impressão de um modo geral, inclusive na impressão de
notas e documentos bancários. Vários cartazes criados no Sc. XIX e começo do
Sc. XX, bem como estampas e ilustrações de livros, foram impressos em litografia.
Como exemplo, pode ser apreciada a ilustração a seguir.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 51


Figura 47 – Caffè Puerto Pueblo, 37 x 22”, 1910. Stabilimento Litografico L.
Bulla58.

A imagem seguinte apresenta detalhes do processo de granitagem e preparo da


pedra litográfica e alguns materiais utilizados para o desenho e a impressão. Note-
se uma pedra desenhada, os lápis, pincéis, tintas e bastões usados em litografia,
parte dos rolos de impressão, papéis e esponjas de limpeza utilizados no processo
de tiragem de cópias.

58
KNIGIN, Michael e ZMILES, Murray. The Contemporary Lithographic Workshop Around the World.
Van Nostrand Reinhold Company. New York, Toronto, London, Melbourne. p. 189.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 52


Figura 48 – Preparo da pedra litográfica e materiais usados no desenho e
impressão em litografia59.

A seguir é apresentada uma imagem que mostra uma pedra litográfica, já


desenhada, sendo processada ou “queimada”, conforme o jargão utilizado na
prática da litografia. O processo subentende aplicações de camadas de talco e

59
DAWSON, John (editor), Guia Completo del Grabado. H. Blume Ediociones1982. p. 107.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 53


breu, aplicação de uma mistura de goma arábica e ácidos e limpeza final da pedra,
quando se deixa um filme quase invisível de goma arábica. Os ácidos mais
utilizados na queima ou processamento da pedra litográfica são o nítrico e o
fosfórico, além do ácido tânico.

Figura 49 – Etapas do processamento de uma pedra litográfica60.

60
KNIGIN, Michael e ZMILES, Murray. The Contemporary Lithographic Workshop Around the World.
Van Nostrand Reinhold Company. New York, Toronto, London, Melbourne, 1974. p.49.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 54


As figuras seguintes apresentam, respectivamente, a retirada do material graxo da
superfície da pedra com o propósito de entinta-la, a entintagem da pedra e a
impressão de uma cópia. Note-se o uso dos rolos necessários à colocação de um
filme bem suave de tinta.

Figura 50 – Limpeza da pedra, entintagem e retirada de uma cópia impressa em


litografia61

Na medida em que o processo litográfico foi se desenvolvendo, passou-se a usar


em substituição às pedras, chapas granitadas de zinco e alumínio. Essas chapas
metálicas também eram preparadas antes de serem desenhadas. Para isso eram
usadas máquinas que faziam circular, por meio de agitação, bilhas de metal sobre
as chapas, de modo a produzir os grãos ou texturas sobre as mesmas. O
processamento e a impressão das chapas permaneceu praticamente igual aos

61 DAWSON, John (editor), Guia Completo del Grabado. H. Blume Ediociones1982. p. 111 e 113.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 55


utilizados na litografia em pedra. Com o desenvolvimento do processo, algumas
gráficas passaram a utilizar produtos químicos industrializados. ao invés das
tradicionais gravações com goma e ácido.
Esse avanço tecnológico permitiu que mais tarde, no final do Sc. XIX, essas
chapas fossem colocadas em torno de cilindros, que imprimiam as imagens
gravadas sobre placas de borracha denominadas blanquetas, as quais, por sua
vez, depositavam a tinta sobre as folhas de papel. Este processo é o que se
denomina impressão off-set, descoberta na Inglaterra. Com o advento da
fotografia, as pedras e as chapas passaram, muitas vezes, a ser emulsionadas
com substâncias fotossensíveis, permitindo a utilização de transparências.
Os desenhos ou fotografias colocados nessas transparências eram passados para
as pedras ou chapas por meio de exposições à luz, determinando o que se intitula
fotolitografia ou fac simile. A partir daí, o processo de impressão se disseminou,
possibilitando cada vez mais rapidamente a circulação e veiculação de textos e
imagens de todas as naturezas.
Processos idênticos ocorreram com relação à gravura em metal, derivando no que
se chama de clicheria. A clicheria passou a ser integrada aos processos
litográficos, auxiliando na criação dos fotolitos, e, também, associados à tipografia.
É importante acrescentar que as máquinas para impressão litográfica em pedra
geralmente guardam ainda muitas semelhanças com as prensas originais. No
entanto, hoje já são utilizados, mesmo com a pedra, métodos mais automatizados
de impressão.
As máquinas impressoras em off-set também apresentam graus maiores ou
menores de sofisticação, havendo mesmo prensas movidas a mecanismos
eletrônicos.
A série de imagens a seguir mostra a granitagem de chapas de metal e a
impressão pelo processo denominado off-set.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 56


Figura 51 – Granitagem de chapas metálicas para uso em impressões em prensa
plana ou de off-set62.

Figura 52 – Etapas de entintagem e impressão pelo processo off-set, também


conhecido como processo indireto de impressão63.

62
DAWSON, John (editor), Guia Completo del Grabado. H. Blume Ediociones1982. p.108
63
Ibid. p. 114 e 115.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 57


Ainda hoje existem empreendimentos comerciais ou institucionais que mantêm
ativos seus ateliês de impressão em litografia. Normalmente os trabalhos
executados nesses ateliês são dirigidos a impressões de artistas ou de imagens
comerciais de alta qualidade e por encomenda. Um dos mais famosos ateliês
ativos nos dias atuais é o Tamarind Institute, na cidade de Albuquerque Novo
México, nos USA. O Tamarind Institute é ligado à Universidade de New Mexico e
é um dos responsáveis pela disseminação da litografia no território norte-
americano, sobretudo nas escolas de arte e universidades. Lá são formados
diversos profissionais de alto padrão. Na Europa existem também diversos ateliês
de litografia, alguns dos quais em funcionamento desde a invenção e utilização
deste processo de impressão. Note-se a seguir uma imagem referente a uma
litografia impressa no Tamarind Institute.

Figura 53 – Charles Mattox, Variations on a Reauleau, 20 x 26 “, 1970. The


Tamarind Institute.64

64
KNIGIN, Michael e ZMILES, Murray. The Contemporary Lithographic Workshop Around the World.
Van Nostrand Reinhold Company. New York, Toronto, London, Melbourne, 1974. p.147.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 58


A Litografia no Brasil
Tão logo foi inventada, a litografia se espalhou pela Europa e Portugal foi um dos
primeiros países a introduzi-la como método de impressão. Assim, como D. João
VI veio para o Brasil em 1808, criando a Imprensa Régia, dentre outras
benfeitorias, o processo foi introduzido aqui ainda nas primeiras décadas do Sc.
XIX. O tratado de litografia de Alois Senefelder foi publicado em 1818 e em 1817 já
havia chegado ao Brasil o francês Arnaldo Julien Pallieri, o primeiro litógrafo em
atividade no Brasil. Ele foi contratado para a Academia Militar como professor.
Depois vieram Johannn Steiman e Charles Rivieri, em 1826 e 1832,
respectivamente. Mais tarde, no Segundo Império, vieram outros litógrafos, mas
que tinham sobretudo propósitos comerciais. Alguns se estabeleceram por conta
própria e imprimiam santos, folhetos, vinhetas e diplomas, dentre outros 65.
Segue-se uma imagem relativa à primeira litografia impressa no Brasil, de autoria
de Arnaud Julien Pallieri.

Figura 54 – S. Sebastião, Arnaud Julien Pallieri, litografia, 1818 66.

65
MARTINS, Itajahy. Gravura – Arte e Técnica.Fundação Nestlé da Cultura e Laserprint
Editorial, S. Paulo. 1987. p. 186.
66
Ibid. p. 154.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 59


Várias revistas brasileiras editadas nos séculos XIX e XX foram executadas por
meio de impressões litográficas, destacando-se “O Mosquito”, “O Arlequim”, o
“Malho”, a “Revista Ilustrada”e outras. A Companhia de Anúncios de Bondes muito
contribuiu para o desenvolvimento de edições comerciais em litografia. Alguns
artistas estrangeiros radicados no Brasil, como o austríaco Gehard Ortof, o polonês
Mircalowski Mirca e o alemão barão de Puttkamer muito auxiliaram na arte da
litografia e editavam impressos comerciais de importância artística, marcando,
definitivamente, a qualidade da impressão litográfica no Brasil.
No entanto, só tardiamente a litografia esteve associada à impressão de obras de
arte. Seu desenvolvimento se deu sobretudo a partir dos anos 50 e 60 do século
passado, com o reflorescimento e a valorização da gravura no panorama artístico
nacional. Mesmo assim, a litografia não foi muito utilizada pelos artistas. Cumpre
ressaltar que o método não é simples e que, dada a natureza comercial da
produção de litografias, os melhores profissionais do ramo se encontravam em
gráficas. Com o desenvolvimento da impressão em off-set, muitas gráficas foram
desativando e seu material usado para impressão em pedras, mas ainda restavam
profissionais experientes que passaram a imprimir litografias para os artistas.
Dessa forma, ateliês como o denominado Imago, em S. Paulo, permaneceram até
poucos anos atrás imprimindo litografias para os artistas brasileiros. Muitos já se
encontram fechados nos dias atuais. Raros são os artistas que praticam esse
processo de impressão. Em Recife, também existe um grupo dedicado a
impressões em litografia, dirigido pelo pintor João Câmara. Os impressores são
remanescentes das gráficas especializadas em litografia comercial daquela
cidade, algumas das quais ainda estavam em funcionamento há cerca de 20 anos
atrás.
Dentre os artistas brasileiros que utilizaram a técnica, destacam-se Darel Valença
Lins, Itajahy Martins, Otávio Araújo, Faiga Ostrower, Maria Bonomi e Renina Katz,
dentre outros. É de autoria desta artista a litografia reproduzida a seguir.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 60


Figura 55 – Maria Bonomi, “Hyboeya”, litografia, 100 x 70 cm. Coleção Júlio
Bogoricini 67.

67
MORAIS, Frederico. Da Coleção – os caminhos da arte brasileira. Júlio Bogoricin Imóveis e
Raízes Editora ltda. S. Paulo,. 1986. p.133.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 61


A Litografia e o Papel Moeda
Na medida em que se desenvolvia e apresentava maior facilidade de impressão, a
litografia foi sendo utilizada na fabricação de notas bancárias. Nos dias atuais a
litografia não é mais usada com seus métodos originais, mas sim por meio das
técnicas de off-set. Assim, no Brasil, terminada a arte final de uma nota, está
segue para a Seção de Fotografia da Casa da Moeda a fim de que sejam
elaborados os fotolitos. Os fotolitos são folhas de acetato fotosensíveis, sobre as
quais são reveladas as imagens fotografadas. Depois esses fotolitos são
transmitidos para uma chapa em cristal, uma vez que esse material não sofre
distorções com o tempo, o que acontece com as folhas de acetado, por serem
estas facilmente perecíveis. Finalmente, as imagens são transferidas para uma
chapa de latão e esta é submetida a operações técnicas de gravação e levada
para a impressora. Antes disso, no entanto, a chapa sofre um processo de
cromagem para que não se danifique durante a impressão.
A impressão em off-set geralmente é aplicada para a colocação das imagens que
servem de fundo para as notas e é geralmente associada à impressão de imagens
coloridas. Os relevos que determinam as texturas são feitos e impressos a partir
de placas gravadas em talho-doce, conforme explicações anteriores.
Para a impressão de papel moeda, vários outros detalhes são levados em conta.
O papel deve ser especial e sofrer a aplicação da marca d' água ainda em seu
processo de moldagem da folha. Além disso ele deve apresentar os fios de
segurança e fibras luminescentes coloridas. O controle de qualidade é muito
importante no processo de impressão de notas. Do mesmo modo que as
impressões em geral, em que a indústria gráfica vem utilizando, cada vez mais,
equipamentos e técnicas sofisticadas de impressão, a Casa da Moeda e as
empresas que fabricam dinheiro no mundo todo têm incluído esses equipamentos
em suas linhas de montagem. No entanto, o talho-doce ou buril, continua a ser
utilizado, em um processo em que a mão humana continua a ser extremamente
necessária. A seguir é mostrada a série de passos levados a efeito para a

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 62


impressão de uma nota de 10 rublos. A nota foi idealizada pelo desenhista Roger
Pfund e fabricada na Suíça com todas as exigências técnicas necessárias.
As primeiras imagens evidenciam a frente e o verso da nota, além de um detalhe,
uma rosa, impressa na frente da nota. A idéia desenvolvida baseou-se na vida de
obra do escritor russo Alexandre Sergurivitch Pouchkine. Baseado nisso, o artista
tomou vários temas da vida de Alexander utilizando-os para a criação dos
desenhos do verso e do anverso. A rosa, por exemplo, é uma alusão a uma de
suas poesias. O grupo de pessoas carregando o poeta é uma alusão à sua morte
em duelo. Observem-se os detalhes em talho-doce encontrados no verso da nota.
Os detalhes do verso foram executados em talho doce, sendo que alguns desses
desenhos foram elaborados com o auxílio do computador.
Depois são mostrados detalhes do céu, alguns croquis de desenhos a serem
realizados com o auxílio do computador, alem da sucessão de desenhos do
cavaleiro de São Petersburgo , personagem de uma novela de Pouchkine.
A série de impressões coloridas em off-set é mostrada a seguir. Primeiro aparece a
impressão sucessiva do amarelo e do magenta, a seguir a impressão do azul
sobre o magenta, mostrando os roxos. A superposição das cores básicas é
apresentada posteriormente, seguida pela impressão do verde, resultado da
superposição da impressão do azul sobre a impressão em amarelo. Depois são
apresentados os desenhos elaborados pelo computador e a seqüência
determinante das impressões da textura do fundo do verso com suas cores e
respectivas texturas.
Finalmente, a impressão em preto, em tamanho original, 130 x 65 cm, feita a buril,
mostrando também os detalhes da gravação. Note-se a rosa na parte superior à
direita da nota.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 63


Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 64
Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 65
Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 66
Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 67
Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 68
Figura 56 – Etapas da impressão de uma nota de 10 rublos68.

68
MONESTIER, Martin. L’Art du Papier Monnaie. Editions Point Neuf Paris. 1982. p. 34, 35,
36, 37, 38, 39 e 41.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 69


A Serigrafia
A serigrafia, também conhecida como silk-screen, é um método de impressão que
remonta à Antigüidade na China. O método consiste em isolar partes que não
permitem a passagem da tinta por entre os fios da tela preparada para esse fim ou
por intermédio de papéis perfurados, por onde eram espalhadas tintas por meio de
pincéis chatos. Esse processo foi utilizado no Ocidente pelos gregos e egípcios.
Como o nome indica, serigrafia quer dizer desenho na seda (seri – seda, grafia –
desenho). Os chineses imprimiam padrões nos tecidos usando estêncil de papel,
para proteger a área que deveria ficar branca ou preservar cores colocadas
anteriormente. Os japoneses foram mais além, tramando telas com fios de cabelo
humano ou da caudas dos cavalos que serviam de telas, um formato bem próximo
das telas usadas nos dias atuais. As impressões com estêncil eram muito
praticadas no Sc. XVII no Japão, época do apogeu da gravura japonesa e serviam
muitas vezes para colorir impressões em xilogravura.
Eles cortavam estênceis de papel bastante detalhados, deixando-os unidos por
pequenos fios de papel, de modo que preservassem a estrutura inicial do desenho.
Os estênceis eram pregados ou colados à tela, enquanto a tinta atravessava as
partes expostas da mesma.
O termo serigrafia foi inventado por Carl Zigrosser, de modo a distinguir as obras
de arte impressas em serigrafia, daquelas de uso comercial, que mantinham o
nome de silk-screen. A técnica foi muito utilizada na Inglaterra e nos USA na
decoração de papéis de parede e impressão de tecidos. No entanto, este processo
de impressão custou muito a entrar no mundo da arte.
No final do Sc. XIX esse processo de impressão era muito usado para executar
pinturas decorativas em paredes ou para decorar papéis de parede. No Brasil o
processo foi muito usado no começo do Sc. XX, também para a decoração de
paredes e papéis decorativos.
Durante a Segunda Guerra Mundial, havia grande desemprego para os artistas nos
USA. O governo resolveu, então, convoca-los para trabalhar nas oficinas de
impressão oficiais, criando cartazes de propaganda da guerra. Assim, foi
intensamente desenvolvida a técnica naquele país. Até os dias atuais, eles

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 70


trabalham intensamente com as impressões em serigrafia. Vários ateliês
especializados se encarregam de edições de arte, em que, algumas vezes, as
obras são impressas em com 20 ou mais passagens de cores. A técnica permite
que se use elementos gráficos variados como transparências, texturas diversas,
sutilezas fotográficas, sombreados, superfícies planas coloridas e assim
sucessivamente. Não só os USA utilizam a técnica para fins artísticos, mas
também muitos outros países, dentre os quais o Brasil, que tem bons impressores
de serigrafia.
A imagem a seguir é um cartaz impresso em serigrafia nos USA, na época da
Segunda Guerra Mundial.

Figura 57 – Laurence Heller, Dadles lo Suyo, 1944. Imagem produzida para uma
unidade militar69.

69
DAWSON, John (editor). Guia Completo del Grabado. H. Blume Ediociones 1982. p.123.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 71


O uso comercial da técnica não só persiste nos dias atuais, como é muito intenso
e diversificado, uma vez que hoje já existem máquinas industrializadas que
executam a impressão e em virtude de sua simplicidade quando se compara a
técnica com os resultados obtidos. Por essas razões, a técnica não é utilizada na
impressão de notas, o que as tornaria muito facilmente falsificadas. O uso
comercial da serigrafia é muito abrangente, sendo possível utiliza-la sobre diversos
tipos de suporte, podendo estes ser curvos ou de qualquer outro formato, para o
que é preciso ter à disposição o equipamento necessário. As facilidades de
manipulação de processos fotográficas em serigrafia têm sido um fator de grande
desenvolvimento desta técnica. As imagens seguintes mostram procedimentos
básicos para o desenvolvimento de uma impressão em serigrafia. Vê-se, na
primeira delas, um resumo rápido do que vem a ser o processo. Tem-se a tela
formada por uma moldura de madeira com nylon esticado.
É importante acrescentar que o nylon substitui a seda neste processo de
impressão. Olhando-se de cima para baixo, da esquerda para a direita, depois da
tela vazia, aparece uma tela gravada. Em seguida, aparece a tela com uma folha
de papel colocada sob ela. Depois, o rodo utilizado para espalhar a tinta
igualmente por toda a superfície impressa. Finalmente, a impressão da letra F.
Como se vê, a técnica é muito mais simples do que aquelas descritas
anteriormente. A outra seqüência de imagens mostra uma tela sendo desenhada
com bastões e líquidos gordurosos. Depois, a passagem da emulsão protetora da
tela, que mantém as partes brancas do papel sem receber tinta. Observe-se que
em serigrafia a tinta de impressão tem que ter solvente diferente daquele usado na
emulsão protetora. Isso porque, se assim não fosse, a emulsão seria dissolvida
pela tinta ao longo do processo de impressão. Finalmente, a imagem apresenta a
retirada do material gorduroso aplicado, de modo que fiquem abertas as regiões a
serem impressas. A última figura mostra o papel impresso.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 72


Figura 58 – Etapas de preparo de telas para a impressão em serigrafia 70.

Diversos artistas têm utilizado a serigrafia para expressar sua arte e é importante
acrescentar que, como nos demais tipos de gravura, cada cor necessita de uma
impressão, quando todos os passos e etapas descritos são repetidos ou
modificados, de acordo com a imagem e a cor a serem acrescentadas, até que se

70 DAWSON, John (editor). Guia Completo del Grabado. H. Blume Ediociones 1982. p.122, 134 e

135.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 73


chegue à impressão final. São muito divulgadas e conhecidas as serigrafias
criadas pelo artista norte-americano Andy Wahrol.

A Serigrafia no Brasil
No Brasil, a serigrafia teve como tem, até os dias atuais, diversos usos nas
impressões comerciais. No entanto demorou um pouco até que fosse utilizada em
grande escala por artistas e impressores dedicados à impressão de obras de arte.
Muitas vezes essas impressões eram e são encomendadas por firmas comercias
de grande porte para imprimir gravuras de artistas de renome nacional e dá-las de
presente a seus clientes durante as festas de fim de ano. Firmas menores, por
outro lado, contratam serviços de impressores para a reprodução de brindes dos
mais diversos portes e naturezas.
O Banco Central possui em seu acervo algumas serigrafias de artistas brasileiros,
dentre as quais se destaca uma coleção de imagens do artista Cícero Dias. A
imagem seguinte é uma reprodução de uma das criações do artista. Ele nasceu
em Pernambuco em 1907, falecendo em Paris em janeiro do corrente ano (2003).
Ainda jovem foi para o Rio de Janeiro onde se formou na Escola de Belas Artes.
Cícero Dias manteve estreito contato com os artistas modernistas do Rio e de São
Paulo e passou por vários movimentos artísticos, tendo iniciado sua carreira de
pintor com obras figurativas, passando, depois, pelo Surrealismo e pelo
Abstracionismo. Ele esteve em Paris durante a maior parte de sua vida, tendo
residência fixa naquela cidade, mas jamais deixou de se ater à suas raízes
brasileiras. Em Paris participou de grupos de artistas abstratos, tendo mantido
estreito relacionamento de amizade com Picasso. O artista teve uma vida intensa,
realizando muitas exposições e criando uma arte muito expressiva não só em
termos de qualidade, com também em relação ao número de obras produzidas. A
imagem seguinte é uma serigrafia de sua autoria, enfocado um de seus temas
favoritos que foi a mulher.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 74


Figura 59 – Cícero Dias, Figura de Jovem e Janela, serigrafia, 28,5 x 47 cm.
Coleção do Acervo do Banco Central do Brasil.

Uma outra artista brasileira de grande importância foi a pintora, desenhista e


gravadora Tarsila do Amaral (1890-1973). Ela nasceu em Capivari, São Paulo e
estudou na Europa, tendo sido aluna do pintor André Lhote. Sua temática, no
entanto, tinha na Cultura Nacional grande fonte de inspiração. Ela foi uma das mais
importantes artistas do Movimento Modernista no Brasil e suas obras podem ser
encontradas em museus e coleções espalhados pelo mundo.
A obra apresentada a seguir é uma serigrafia que pertence ao acervo do Banco
Central do Brasil.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 75


Figura 60 – Tarsila do Amaral, Louvor à Natureza, serigrafia, 61 x 41 cm. Coleção
Acervo do Banco Central do Brasil.

Bibliografia
BERESINER, Yasha. A Collector’s Guide to Paper Money. André Deutsch Limited,
Great Britain, 1977.
BOZANO, SIMONSEN Vol. 1. SPALA Editora Ltda., Rio de Janeiro, RJ, 1981.
BUCKLAND-WRIGHT, John. Etching and Engraving – Techniques and the Modern
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BUNKO, Seikadõ. 100 Seikadõ Masterpieces. The Mitsubishi Corporation, Dentsu
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DAWSON, John (editor), Guia Completo del Grabado. H. Blume Ediociones, 1982.

EICHENBERG, Fritz. The Art of the Print – Masterpieces, History and Techniques.
Harry N. Abrams, Inc. Publishers, New York. 1976.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 76


GASPARINI FILHO, Ítalo Sydney (Coordenador). Mvbcb – Museu de Valores do
Banco Central do Brasil. Banco Safra Editora Melhoramentos – São Paulo, S.
Paulo.1988.
GROSS, Anthony. Etching, Engraving, & Intaglio Printing. London Oxford University
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HIBBARD, Howard. The Metropolitan Museum of Art. Harrison House, New York,
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KNIGIN, Michael e ZMILES, Murray. The Contemporary Lithographic Workshop
Around the World. Van Nostrand Reinhold Company. New York, Toronto, London,
Melbourne.
MARTINS, Itajahy. Gravura – Arte e Técnica. Fundação Nestlé da Cultura e
Laserprint Editorial, S. Paulo. 1987.
MONESTIER, Martin. L’Art du Papier Monnaie. Editions Point Neuf, Paris. 1982.
MORAIS, Frederico. Da Coleção – os caminhos da arte brasileira. Júlio Bogoricin
Imóveis e Raízes Editora ltda., S. Paulo. 1986.
PETIT, Gaston e ARBORELA, Amadio. Evolving Techniques in Japanese
Woodblock Printing. Kodansha International Ltd. Tokyo, New York e San
Francisco.1977.
SHESTACK, Alan. Fifteenth Century Engravings of Northern Europe From the
National Gallery of Art, Washington D. C.. National Gallery of Art, Washington D. C.
, 1967/1968.
TREVISAN, Rosana (coordenadora). Dicionário Michaelis – Moderno Dicionário da
Lingua Portuguesa. Editora Melhoramentos, S. Paulo.

Gravura – História, Técnicas e Relações com a Impressão de Papel Moeda 77


Portfólio

ATIVIDADE

Andy Warhol, (1928-1987) foi um pintor e cineasta norte-americano, um importante artista da Pop
Art, lembrado por suas pinturas nas latas de sopa Campbell e, principalmente, pela sequência de
retratos de Marilyn Monroe, ambas realizadas em serigrafia.

Sua atividade é descrever, de maneira resumida, a arte em serigrafia de Warhol.

OBS: Para redigir sua resposta, use uma linguagem acadêmica. Faça um texto com
no mínimo 20 linhas e máximo 25 linhas. Lembre-se de não escrever em primeira
pessoa do singular, não usar gírias, usar as normas da ABNT: texto com fonte tamanho
12, fonte arial ou times, espaçamento 1,5 entre linhas, texto justificado.
Pesquisa

AUTOESTUDO

How to Print Like Warhol | Tate


Acesse https://www.youtube.com/watch?v=O8HB2cQm_Ag

Assista ao vídeo e descreva como realizar a impressão da mesma maneira que Andy Warhol
fazia.

N
GRAVURA

AULA 8
Do mercado ao
museu: a
legitimação
artística da
gravura popular

Abertura

Olá!

Se todas as categorias de arte passam por variados processos de legitimação, existe uma em
particular, onde a questão da legitimidade é fundamental, por ser determinante de sua própria
existência: a arte popular, que só existe realmente, como categoria artística, a partir do
momento em que é reconhecida pelas instâncias oficiais. Acompanhe esta aula e saiba mais
sobre esse assunto.

BONS ESTUDOS!
Referencial Teórico

Convidamos você a fazer a leitura do texto selecionado como base teórica para esta aula e, ao
final de seu estudo, você será capaz de:
 Conhecer a história da gravura popular.
 Entender a trajetória histórica da gravura popular.
 Refletir sobre a importância da gravura popular na história da arte.

BOA LEITURA!
Do mercado ao museu: a legitimação
artística da gravura popular

Everardo Ramos

Resumo

Se todas as categorias de arte passam por variados


processos de legitimação, existe uma, em particular,
onde a questão da legitimidade é fundamental, por
ser determinante de sua própria existência: a arte
popular, que só existe realmente, como categoria
artística, a partir do momento em que é reconhecida
pelas instâncias oficiais. O presente trabalho analisa o
processo de legitimação artística da gravura popular,
produção que se desenvolve às margens do sistema
oficial, como ilustração dos folhetos de cordel ven-
didos em mercados públicos, antes de se tornar uma
categoria privilegiada da “arte popular”, colecionada e
exposta em museus nacionais e internacionais.

Palavras-chave:
Arte popular, gravura popular,
folheto de cordel

Do mercado ao museu: a legitimação artística da gravura popular 39


Abstract

Once all artistic categories undergo different pro-


cesses of legitimacy, there is one in particular, in
which the issue of legitimacy is fundamental for
determining its very existence: popular art, which
only begins to exist as an artistic category from the
moment it is acknowledged by official instances.
The current paper analyzes the process of artistic
legitimacy of popular engraving, whose production
is developed on the margins of the official system,
as illustrations in cordel booklets to be sold in
public markets and then to become a privileged
category of “popular art”, collected and exhibited in
both na-tional and international museums.

Keywords:
popular art, popular
engraving, cordel booklet

40 VISUALIDADES
Recentemente, uma pesquisa de grande extensão trouxe à tona um
tema muitas vezes esquecido pela História da Arte: o da legitimação
artística. Partindo de perguntas como “o que legitima um artista?” ou
“como se dá e o que representa essa legitimação?”, Clarissa Diniz
mostrou de que maneira se formam espaços específicamente “ar-
tísticos” no vasto campo do conhecimento e do fazer humanos, a
partir de variados processos que vão da autolegitimação à legitima-
ção por diferentes instâncias (instituições, mercado, especialistas,
mídia, público, ensino)¹. Revela, portanto, que o conceito de “arte”,
pelo menos no contexto contemporâneo, é tão dependente da idéia
de transcendência das obras e dos artistas, quanto de complexas
relações de ordem social, cultural, política e econômica.

Todas as categorias de arte estão submissas a essa lógica. No entanto,


existe uma, em particular, onde a questão da legitimidade tem uma
importância ainda maior, por ser determinante de sua própria exis-
tência. Trata-se da arte popular, outro grande tema frequentemente
esquecido pela História da Arte, que só existe realmente, como cate-
goria artística, a partir do momento em que passa por um processo
de legitimação. E, sempre, de legitimação por instâncias oficiais,
externas ao universo onde as obras são originalmente produzidas e
consumidas: ao contrário dos artistas estudados por Clarissa Diniz, o
criador popular nunca se autodenomina “artista” antes de ter sido
reconhecido como tal, fora do seu meio.

Mas como se dá o processo de legitimação da arte popular? Quais


são seus agentes e significados, e que repercussões ela traz para as
obras e os artistas? O presente trabalho tentará responder a essas
perguntas a partir do estudo da gravura popular, produção que surge
e se desenvolve às margens do sistema oficial, como ilustra-ção dos
folhetos de cordel vendidos em mercados públicos, antes de se
tornar, a partir de um determinado momento, uma categoria
privilegiada da “arte popular”, colecionada e exposta em museus
nacionais e internacionais. Uma análise cuidadosa desse momen-to
de transição mostrará que a legitimação artística das produções
populares não passa apenas pela aquisição do estatuto de “obra de
arte”, envolvendo também questões complexas, como a influência de
correntes ideológicas no cenário cultural brasileiro.

A descoberta da gravura popular


No Brasil, as primeiras manifestações de interesse do mundo “le-
trado” pela gravura popular acontecem em meados do século XX.
Em 1949, em um artigo publicado na imprensa de Maceió, o fol- 1. Cf. Diniz (2008).

Do mercado ao museu: a legitimação artística da gravura popular 41


2. As informações e a citação desse clorista Théo Brandão chama a atenção para uma gravura de José
parágrafo provêm do álbum Cole-
ção Théo Brandão. Xilogravuras
Martins dos Santos, poeta que se tornou xilógrafo para realizar, de
Populares Alagoanas (1973). Se- maneira improvisada, as ilustrações de seus folhetos de cordel. No
gundo esse texto, o artigo de Théo
mesmo ano, os dois homens se conhecem num mercado da cidade,
Brandrão, intitulado “As Cheias de
Alagoas e a Literatura de Cordel”, ocasião em que Brandão pede autorização para publicar a mesma
foi publicado no Jornal de Alagoas, gravura em seu livro Folclore de Alagoas. Três anos depois, em 1952,
em junho de 1949.
o folclorista consegue “de José Martins dos Santos não somente o
clichê anteriormente emprestado, mas vários outros de sua autoria,
3. As informações desse parágrafo
provêm de Suassuna (1952), que serviam de capa a folhetos seus ou de seus colegas de arte, para
Machado (1960) e catálogo da ex- reproduzi-los em pranchas e expô-los na mostra de arte folclórica
posição Arts primitifs et modernes
brésiliens (1955). O álbum editado
alagoana”, segundo seu próprio depoimento².
por Aluísio Magalhães, de que não
encontramos nenhum exemplar, é Em seguida, o movimento se estende ao Recife, onde a gravura
citado no album Xilogravura Popu-
lar (1965) e em Suassuna (1969). popular desperta o interesse de um grupo de artistas e intelectuais
ligados ao Teatro do Estudante de Pernambuco. Em 1952, o jovem
4.. Cf. documentos diversos – escritor Ariano Suassuna publica um longo texto sobre a ilustração
pedidos de reembolso, faturas, de folhetos de cordel, numa reportagem ilustrada que ocupa toda a
prestação de contas – relativos
às viagens feitas por Lívio Xavier
primeira página do Diário de Pernambuco, o mais tradicional dos
Júnior e Floriano Teixeira em 1960, jornais locais. No ano seguinte, o pintor Aluísio Magalhães “des-
e conservados nos arquivos do
cobre” a gráfica de João José da Silva, importante editor de cordel, e
Museu de Arte da Universidade do
Ceará, em Fortaleza, na pasta organiza um álbum com gravuras utilizadas em seus folhetos,
Documentos. Prestação de contas. publicando-o com o apoio do Departamento de Documentação e
Outras informações foram obtidas
em entrevistas com Lívio Xavier Cultura da Cidade do Recife. Dois anos mais tarde, em 1955, o
Júnior, em 2000 e 2003. colecionador Abelardo Rodrigues envia algumas dessas gravuras ao
Musée d’Ethnographie de Neuchâtel, na Suíça, para a maior ex-
posição de arte brasileira até então realizada no exterior³.

Enfim, no Ceará, o interesse pela gravura popular parte de uma


instituição pública, a Universidade do Ceará, no momento de
cria-ção de seu museu de arte regional, em Fortaleza. Em 1960,
dois funcionários da instituição vão a Juazeiro do Norte, na
região do Cariri, para obter cópias das ilustrações utilizadas por
José Ber-nardo da Silva, o maior editor de cordel do Estado. Na
gráfica deste, no entanto, encontram um verdadeiro “tesouro”:
caixas inteiras contendo antigas xilogravuras que deixaram de ser
utilizadas nos folhetos, tornando- se obsoletas. Com a anuên-cia
do editor, os dois funcionários compram todo o material e levam-
no para Fortaleza, onde passam a fazer parte do acervo do Museu
de Arte da Universidade do Ceará, constituindo a primeira
coleção pública no gênero 4.

Entusiasmada com a compra, a Universidade envia seus funcioná-


rios à procura de novas obras, desta vez junto aos outros grandes
editores de cordel da época, Manoel Camilo dos Santos, em Campi-

42 VISUALIDADES
na Grande, e João José da Silva, em Recife. Ambos também vendem
suas xilogravuras, apesar destas ainda serem utilizadas nas reedi-ções
dos folhetos. Vale ressaltar que essa transação contrasta muito com a
atitude dos intelectuais de Recife, que sempre tiveram o cui-dado de
devolver as matrizes tomadas de empréstimo aos editores populares,
depois de utilizá-las em suas próprias ações, como tinha feito Théo
Brandão em Maceió. Em uma carta ao organizador da exposição de
Neuchâtel, por exemplo, Abelardo Rodrigues sugere que seja feita
uma plaqueta ilustrada com as obras enviadas de Reci-fe, mas
acrescenta: “Pediria, apenas, a devolução das matrizes, logo após a
impressão, pois os folhetos populares ilustrados por aquelas
xilogravuras ainda estão em franca circulação, sendo frequentes as
pequenas reedições”5. Assim, quando a Universidade do Ceará com-
pra as matrizes dos editores populares, retirando-as de seu meio na-
tural, são bastante criticados pelos intelectuais recifenses 6.

Figura 01
Cartaz da exposição Gravures
populaires brésiliennes, Biblio-
thèque Nationale, Paris, 1961,
50 x 32,5 cm (Col. Museu de
Arte da Universidade do
Ceará, Fortaleza).

Figura 02.
Cartaz da exposição Grabados
populares brasileños, Palacio de
la Virreina, Barcelona, 1962, 49 x
34,5 cm (Col. Museu de Arte da
Universidade do Ceará,
Fortaleza).

Seja como for, os cearenses começam rapidamente a valorizar sua


nova coleção, no Brasil e no exterior. Ainda em 1960, enviam uma
5. Cf. carta de Aberlardo Rodri-
seleção de obras ao Museu de Arte Moderna de São Paulo, para a gues a Raul Bopp (embaixador do
exposição Gravuras Populares do Nordeste, a primeira inteiramen-te Brasil na Suíça e principal
organizador da exposição em
dedicada ao tema, já que as exposições anteriores – em Maceió (1952) Neuchâtel), datada do Recife, em
e em Neuchâtel (1955) – incluíam outras categorias de obras. A 26 de julho de 1955, e conservada
nos arquivos do Museu
iniciativa mais importante, que iria associar definitivamente o nome
da Imagem e do Som de Per-
da Universidade do Ceará à promoção da gravura popular brasileira, nambuco, no Recife, na
é, no entanto, a exposição que apresenta em diversas cidades da pasta Abelardo Rodrigues.

Europa e em Minneapolis, nos Estados Unidos, entre 1961 e 1962, em 6. Informação de Lívio Xavier
instituições tão prestigiosas quanto a Bibliothèque Nationale de Paris, Júnior, um dos funcionários da
Universidade do Ceará envol-
o Palacio de la Virreina de Barcelona (Figura 01 e 02), o Museu de Arte vidos na questão, em entrevista
Contemporáneo de Madri e o Kunstmuseum realizada em 2000.

Do mercado ao museu: a legitimação artística da gravura popular 43


7. Documentos diversos (ca- da Basiléia (Suíça)7. Tais exposições têm grande repercussão,
tálogos, convites e cartazes),
conservados nos arquivos do in-clusive no Brasil, consolidando definitivamente a gravura
Museu de Arte da Universi- popular como uma importante categoria da arte brasileira 8.
dade do Ceará, em Fortaleza,
indicam as seguintes exposições:
Gravures populaires brésiliennes Assim, em meados do século XX, a história da gravura popular toma
(Cabinet des estampes de la Bi- um rumo completamente diferente daquele que vinha seguindo an-
bliothèque nationale, Paris, 21 de
setembro-6 de outubro de 1961) ; teriormente. Desde os anos 1900, essa gravura nunca tinha muda-do
Brasilianische Imagerie Populaire de estatuto, destinando-se exclusivamente a ilustrar impressos
(Kunstmuseum, Basiléia, 28 de
outubro-17 de dezembro de 1961) ; modestos e de grande circulação, como os folhetos de cordel. Com a
Gravuras Populares do Nordeste intervenção dos intelectuais, ao contrário, as mudanças se multi-
Brasileiro (Sociedade Nacional de
Belas Artes, Lisboa, dezembro de
plicam. Primeiro, as obras são utilizadas em contextos comple-
1961) ; Grabados populares tamente novos: impressas em folhas independentes, para par-
brasileños (Museo de Arte Con- ticiparem de exposições, ou publicadas em albuns ilustrados. Em
temporáneo, Madri, 2-14 de abril
de 1962 ; Palacio de la Virreina, seguida, as próprias matrizes gravadas são retiradas de seu meio de
Barcelona, 27 de abril-5 de maio origem – as gráficas populares – para enriquecer o acer-vo de
de 1962 ; Facultad de Filosofia y
Letras, Sevilha, datas ignora-das) museus. Existindo por ela mesma, e não mais em função da
; Volkstümliche Holzschnit-te ilustração dos folhetos de cordel, a gravura popular adquire,
aus NO. Brasilien (Museum für
Völkerkunde, Viena, março de
portanto, o estatuto de “obra de arte” e, mais ainda, de arte cele-
1962) ; Brazilian Folk Art : brada a nível nacional e internacional.
Yesterday and Today (Walter Art
Centrer, Minneapolis, 17 de
março-22 de abril de 1962). Daí por diante, sua história não poderia mais ser a mesma.

8. João Cabral de Melo Neto,


poeta-diplomata que colaborou (De)Formação de uma categoria artística
com as exposições realizadas na
Espanha (inclusive escrevendo o
A intervenção do mundo letrado não se limita, porém, a trans-
texto introdutório do catálogo formar a gravura popular em categoria artística: ela também
em espanhol), afirma em uma define esta categoria, pela própria maneira como a estabelece. De
carta para um funcionário da
Universidade do Ceará: “Vão fato, as diversas ações de promoção e valorização da gravura
junto alguns recortes de jornal popular – artigos na imprensa, exposições, publicação de álbum e
sobre a exposição. Tratam da de
Barcelona. O êxito ali foi enor- constituição de coleção – têm como objeto apenas um tipo de
me” – cf. carta datada de 17 de obra: a xilogravura dos folhetos de cordel. Técnica e função
maio de 1962, destinada a Lívio
Xavier Júnior e conservada pelo constituem, portanto, noções identificadoras da nova catego-ria
destinatário. Sobre a repercussão artística, guiando as atitudes e as reflexões dos intelectuais da
na imprensa brasileira, veja-se, por
época. Com o passar do tempo, tais noções iriam inclusive
exemplo: Machado (1960) e o
artigo anônimo “Arte Brasileira em cristalizar-se, fazendo com que, nos dias de hoje, a expressão
Portugal” (1962). “gravura popular” se confunda frequentemente com a palavra
“xilogravura” e com a categoria “ilustração de folheto de cordel”,
como se todas fossem sinônimos.

Confrontando esta definição com o estudo das próprias obras,


percebe-se, no entanto, que ela não traduz completamente a re-
alidade dos fatos, tal como eles se apresentavam aos artistas e in-
telectuais que começaram a se interessar pela gravura popular.
Se é certo que a gravura popular se desenvolve nos folhetos de

44 VISUALIDADES
cordel da primeira metade do século XX, suas origens se encon-
tram em outros tipos de impressos, bem mais antigos. De fato,
como pudemos demonstrar em outros estudos, essa gravura
surge nos jornais e nas revistas do século XIX, onde já apresen-ta
muitas características das futuras ilustrações de cordel, seja em
termos de técnicas, de formas ou de princípios de criação.
Quando os artistas e intelectuais “descobrem” as imagens dos
folhetos, acreditam, porém, que estão diante de algo completa-
mente novo, esquecendo de explorar com mais cuidado o que
poderia ser anterior. Na verdade, para se compreender verda-
deiramente a gravura popular, é preciso inseri-la na vasta e com-
plexa história das ilustrações de impressos de grande circulação,
que começa com os primórdios da imprensa brasileira, na pri-
meira metade do século XIX 9.

Figura 03 - Folheto de cordel com zincogravura atribuída a Antônio Avelino da Costa: Ai


se o passado voltasse, Juazeiro do Norte, Tip. São Francisco, 1954, c. 15 x 11 cm (col.
Biblioteca Central Zila Mamede-UFRN, Natal).

Figura 04 - Folheto de cordel com zincogravura atribuída a Antônio Avelino da Costa:


Peleja de Laurindo Gato com Marcolino Cobra Verde, Juazeiro do Norte, Tip. São
Francisco, 1951, c. 15 x 11 cm (col. Biblioteca Central Zila Mamede-UFRN, Natal).

O equívoco da segunda idéia de base, que associa a gravura po-


pular apenas à técnica da xilogravura, é, porém, mais significa-
tivo. Através de uma análise exaustiva, pudemos concluir que os
folhetos publicados no Recife, o maior centro de edição de cordel
da primeira metade do século XX, são majoritariamen-te
9. Cf. Ramos (2005a) e outro
ilustrados, não por xilogravuras, mas por zincogravuras, que estudo nosso, atualmente no
reproduzem imagens fotográficas e desenhos de artistas auto- prelo: “Origens da Imprensa
Ilustrada Brasileira (1820-
didatas. Dentre estes, destaca-se Antônio Avelino da Costa, au- 1850): Imagens esquecidas,
tor de quase todas as ilustrações de João Martins de Athayde, o Imagens Desprezadas”, a ser
publicado na Revista Escritos,
principal editor da época (Figura 03 e 04). A zincogravura era, n° 3, pelas Edições Casa de Rui
inclusive, o tipo de ilustração preferido do público tradicional Barbosa, no Rio de Janeiro.

Do mercado ao museu: a legitimação artística da gravura popular 45


10. Para uma análise de folhetos, contribuindo muito para o enorme sucesso da lite-
detalhada das diferentes formas
de ilustra-ção de cordel, cf. ratura de cordel. Já a xilogravura, era utilizada principalmente
Ramos (2005b e 2008b). nas cidades do interior, como Juazeiro do Norte, no Ceará, onde
gráficas rudimentares não permitiam praticar técnicas mais ela-
boradas, como era o caso no Recife.10 (Figura 05 e 06)
Quando os intelectuais começam a se interessar pelas ilustra-
ções de cordel, a partir do final dos anos 1940, têm diante de si,
portanto, as duas categorias de obra: xilogravura e zincogravura,
facilmente encontradas nos folhetos da época. Porque, então,
privilegiam a primeira, em detrimento da segunda, no processo
de promoção e valorização da gravura popular?

A primeira razão dessa preferência diz respeito à técnica empre-


gada na realização das obras. A xilogravura, como se sabe, corres-
ponde à maneira mais antiga e simples de se fazer uma imagem
multiplicável, constituindo um processo completamente manu-
al, desde a elaboração do desenho até sua gravação na madeira. A
zincogravura, por sua vez, surge com a Revolução Industrial do
século XIX, constituindo um processo híbrido: o desenho é feito
Figura 05 à mão, sobre uma folha de papel, mas a gravação se dá por
Folheto de cordel com xilogravura processos fotomecânicos, através de equipamentos especiais.
anônima: A bunda V8. Margarida,
Sofia e a moda, Juazeiro do Norte, Privilegiar a primeira técnica, em detrimento da segunda, reve-la,
Tip. São Francisco, 1945, c. 15 x 11 portanto, dois preconceitos surgidos com os folcloristas do século
cm (col. Biblioteca Central Zila
Mamede-UFRN, Natal).
XIX: o de associar o “popular” exclusivamente ao que é artesanal
e o de considerar o artesanal como mais “autêntico” do que os
produtos da civilização industrial.

Interessa notar, também, que esse duplo preconceito deformou,


muitas vezes, a visão da história das ilustrações de cordel. Por
exemplo, os intelectuais consideravam que a raridade dos folhe-tos
ilustrados por xilogravura, no Recife, não era algo natural, mas a
consequência do uso recente e cada vez maior da zincogravura
(contendo desenho ou fotografia), que se impunha com o avan-ço da
civilização industrial. Ora, como dissemos anteriormente, isso não é
absolutamente verdade: no Recife, onde existiam as gráficas mais
modernas do Nordeste, a zincogravura sempre foi mais importante
que a xilogravura. A interpretação do jornalista e crítico de arte
Lourival Gomes Machado, que descobre as ilus-trações de cordel
Figura 06
juntamente com Aluísio Magalhães, nos mer-cados e gráficas da
Folheto de cordel com xilogravura
anônima: Peleja de Patricio com cidade, é, no entanto, exatamente oposta:
Inacio da Catingueira, Juazeiro do
Norte, Tip. São Francisco, 1952, c.
15 x 11 cm (col. Biblioteca Central
[as xilogravuras] já desapareciam, nos mostruários dos canto-
Zila Mamede-UFRN, Natal). res-vendedores, sob o maior número de folhetos capeados por

46 VISUALIDADES
péssimas reproduções de fotos tiradas de revistas de cinema,
ou de oleogravuras sulpicianas (MACHADO, 1960 p.6).

Os xilógrafos populares já cediam inteiramente seu território


físico – as capas dos folhetos – à fotografia imbecil dos cartões
postais, à pobre caricatura das revistas litorâneas, à romântica
reprodução das cenas de filmes (MACHADO, 1961 p.6).

O equívoco aumenta quando a Universidade do Ceará compra, em


Juazeiro do Norte, xilogravuras que – elas sim – tinham sido efeti-
vamente substituídas pelas zincogravuras compradas por José Ber-
nardo da Silva a João Martins de Athayde, do Recife, quando este
decidiu parar de trabalhar, em 1949. Convencidos de que, em toda
parte, a técnica artesanal da madeira era necessariamente anterior à
técnica mecânica do zinco, os intelectuais fazem um amálgama de
situações completamente diferentes, confundindo a história da pro-
dução gráfica num grande centro como Recife e numa pequena ci-
dade do interior, como Juazeiro do Norte. Vale notar, por outro lado,
que essa confusão também serve para legitimar a própria compra das
matrizes de madeira encontradas nas gráficas populares, con-
sideradas “em extinção”: quando a Universidade do Ceará inaugura
essa prática e é bastante criticada, Lourival Gomes Machado toma
sua defesa, afirmando que “salvou-se, ao menos para a história, uma
arte em franco processo de desaparição” (MACHADO, 1961 p.6).

Enfim, os preconceitos e equívocos se consolidam quando a


gra-vura popular brasileira é comparada à sua congênere
européia, durante as exposições realizadas pelo Museu de
Arte da Univer-sidade do Ceará, em diferentes países do
Velho Mundo. Na Su-íça, por exemplo, Hanspeter Landolt,
diretor do Kunstmuseum da Basiléia, afirma:

As xilogravuras [brasileiras], com sua linguagem concisa, de con-


venção, são autenticamente primitivas, como eram as xilogravu-
ras do século XV na Europa central. Como estas, aquelas estão,
por sua espontaneidade, condenadas à morte pelo progresso: en-
quanto na Europa, a primeira gravura foi eliminada e substituída
pela gravura artística “acadêmica”, os gravadores brasileiros, por
causa da visão tecnicista do público e da oferta de revistas colori-
das de baixo preço, se vêm acossados ao muro. Que esse pedaço
de arte popular verdadeira tenha conseguido manter-se até hoje
faz dele um vestígio muito interessante, no nosso mundo que se 11. Cf. catálogo da exposição Bra-
silianische Imagerie Populaire
precipita impetuosamente em direção a uma civilização tecnicis- (1961), p. 4. Agradecemos a Jean-
ta e uniforme. 11 Pierre Gavignet pela tradução, em
português, do texto original em
alemão.

Do mercado ao museu: a legitimação artística da gravura popular 47


Assim, projetando no Brasil do século XX uma situação da Eu-
ropa do século XV, o mundo letrado cristaliza a idéia de que a
arte popular corresponde exclusivamente à técnica artesanal e
que, por isso mesmo, constitui uma categoria constantemente
ameaçada pelo avanço da civilização. Considerada como o
pre-cioso “vestígio” de uma época remota e idealizada, tendo
resisti-do bravamente às consequências nefastas do progresso
material e da industrialização, a xilogravura aparece,
portanto, como a técnica mais autêntica e representativa, a
única digna de figu-rar nas coleções, exposições e reflexões
que legitimam artistica-mente a categoria “gravura popular”.

Mas a técnica não é a única razão da preferência pela xilogravura,


em detrimento da zincogravura. Quando analisam as imagens
que ilustram os folhetos de cordel, os intelectuais sempre
chamam a atenção para as características estilísticas que, em sua
opinião, fazem sua originalidade: a composição extremamente
simples, a representação bidimensional e as formas
esquemáticas, esti-lizadas. Ora, ao contrário das xilogravuras que
fundamentam este postulado (Figura 05 e 06), as zincogravuras
apresentam frequentemente desenhos bastante elaborados,
representados em três dimensões e com traços “acadêmicos”, no
estilo das ca-ricaturas (Figura 03 e 04). Assim, as obras gravadas
em zinco são condenadas, não somente por serem realizadas por
meios mecânicos, mas também por apresentarem formas que
Lourival Gomes Machado define, de maneira sumária e
pejorativa, como “linguagem sub-acadêmica dos menos fortes”
(MACHADO, 1961 p.6).

Deve-se acrescentar, porém, que essa apologia das formas estiliza-


das não exclui apenas a zincogravura, do processo de legitimação da
“gravura popular”. De fato, uma análise cuidadosa revela que ela
também exclui um tipo especial de xilogravura, bastante dife-rente
da xilogravura “primitiva” privilegiada pelos meios letrados:
enquanto estas apresentam desenhos rústicos, gravados com traços
grosseiros, aquelas apresentam imagens de tipo “acadêmico”, co-
piadas de outros suportes e gravadas sobre a madeira com grande
fineza. Vários ilustradores de cordel realizam esse gênero de gravu-
ra, destacando-se João Pereira da Silva, o pioneiro da xilogravura de
cordel em Juazeiro do Norte, que manifesta um grande talento para
Figura 07 entalhar linhas extremamente finas, complexas e delicadas, que re-
Santinho: Nossa Senhora do produzem todos os detalhes dos motivos copiados, inclusive efeitos
Perpétuo Socorro, São Paulo, Pau-
linas, s. d., 9 x 7 cm (col. Everardo de textura e volume (Figura 07 e 08).
Ramos, Natal).

48 VISUALIDADES
Figura 08 - Xilogravura de João Pereira da Silva para folheto religioso não identificado,
8,5 x 6,8 cm (col. Geová Sobreira, Brasília).

Como os intelectuais e o público letrado encaram essas gravuras?


As opiniões sobre a obra de João Pereira da Silva, bem como sua
própria história de vida, são reveladoras de uma condenação que,
sem ser explícita, é generalizada. No catálogo da exposição
apresentada no Museu de Arte de São Paulo, em 1960, Antônio
Martins Filho, Pre-sidente da Universidade do Ceará, explica:

Trabalho verdadeiramente anônimo e até certo ponto consi-


derado acessório de pouca ou nenhuma importância para o
acabamento geral da peça “literária” [ele se refere aos folhetos
de cordel], [a xilogravura] dispensa a assinatura nos melhores
exemplares; alguns artistas, talvez exatamente por este 12. Cf. catálogo da exposição
motivo, não os mais genuínos, dão-se ao requinte erudito de Gravuras Populares do

uma rubri-ca, tal como o gravador João Pereira da Silva.12 Nordeste (1960), s. p.

Do mercado ao museu: a legitimação artística da gravura popular 49


Dentre os gravadores representados nessa exposição, João
Pereira da Silva não é, porém, o único a assinar seus trabalhos,
sendo acom-panhado, nessa prática, por Damásio Paulo,
Walderêdo Gonçalves e Antônio Batista Silva: porque, então,
somente o primeiro é consi-derado como “menos genuíno”?

A discriminação em relação ao trabalho de João Pereira da Silva


só se manifesta claramente, porém, depois das primeiras expo-
sições de gravura popular, quando a Universidade do Ceará de-
cide relançar a produção de xilogravuras em Juazeiro do Norte.
Para isso, encomenda novas obras aos diversos xilógrafos da ci-
dade, exceto, justamente, a João Pereira da Silva. Inocêncio da
Costa Nick (mais conhecido por Mestre Noza), ao contrário, re-
cebe a encomenda de três grandes séries, sobre os temas da Via
Crucis, dos Apóstolos e da Vida de Lampião. Ora, essa diferença
de tratamento só pode ser explicada pela grande diferença de
estilo entre os dois gravadores: enquanto o primeiro se esforça
para gravar cuidadosamente todos os detalhes dos motivos re-
presentados (Figura 07 e 08), com linhas extremamente finas, o
segundo se contenta em criar imagens extremamente simples,
bastante “primitivas”, gravadas sem nenhum refinamento, mes-
mo quando copiadas de fotografias (Figuras 09 e 10).

Figura 09
Folheto de cordel com zincogravu-
ra (fotografia): As grandes aventu-
ras de Armando e Rosa conhecidos
por “Côco Verde” e “Melancia”,
Juazeiro do Norte, Filhas de J.
Bernardo da Silva, 1976, c. 15 x 11
cm (col. Idelette Muzart, Paris).

Figura 10
Xilogravura de Mestre Noza
realizada para folheto de amor não
identificado, 9 x 7 cm (col. Geová
Sobreira, Brasília).

Enfim, a própria história de vida dos xilógrafos confirma que a


arte de Mestre Noza foi efetivamente favorecida, em detrimen-to
da de João Pereira da Silva. Em 1965, a Via Crucis gravada pelo
primeiro é publicada na França, em forma de um álbum de

50 VISUALIDADES
luxo: esta publicação teria uma enorme repercussão, marcando
uma nova fase na história da gravura popular e na vida de Mestre
Noza, que subitamente se torna famoso no Brasil e no exterior.
Para João Pereira da Silva, no entanto, a situação é exatamente
contrária. Sem produzir novas obras, ele fica de fora do movi-
mento de renovação da xilogravura do Ceará, caindo pouco a
pouco no esquecimento. Não raro, inclusive, seu papel de pio-
neiro da gravura de cordel em Juazeiro do Norte é omitido, em
favor justamente de Mestre Noza13. Assim, enquanto este rece-be
inúmeras homenagens em vida e mesmo depois de morto 14, João
Pereira da Silva vive seus últimos anos, e morre, no maior e mais
injusto dos silêncios.

Olhares folclóricos, visões regionalistas


Se a apologia da técnica artesanal e das formas rústicas explica o
sucesso de uma certa categoria de obras (a xilogravura estili-
zada) e o esquecimento de outras (a zincogravura e a xilogravu-ra
“naturalista”), é necessário explicar também as razões dessa
própria apologia, a fim de se compreender o processo de legiti-
mação artística da gravura popular em toda sua complexidade.
Para isso, é preciso se colocar numa perspectiva mais ampla e
analisar o contexto cultural e intelectual do Brasil de meados do
século XX, quando o mundo letrado começa a se interessar pe-las
ilustrações de cordel e por outras categorias da arte popular.

Duas correntes ideológicas se destacam, então. A primeira é a 13. Liêdo Maranhão de Souza, no-
tadamente, em sua obra pioneira
eru-dição de tipo folclórico, que vive seus momentos de glória no sobre as ilustrações de cordel,
país, com a constituição de um verdadeiro movimento indica Mestre Noza como o mais
organizado, muito vasto e ativo do final dos anos 1940 ao início antigo xilógrafo de Juazeiro do
Norte, não fazendo nenhuma
dos anos 1960 15. O primeiro intelectual a se interessar pela referência a João Pereira da Silva:
cf. Souza (1981). Por consequ-ência,
gravura po-pular é, inclusive, um folclorista bastante implicado os pesquisadores que reproduzem
nesse mo-vimento: Théo Brandão, secretário da Comissão os dados deste autor cometem a
Alagoana de Folclore, que tem a idéia de imprimir as ilustrações mesma omissão: cf. Iglesias (1992)
e Hata (1999).
de cordel em folhas soltas, para expô-las durante a Semana
Nacional de Folclore de Maceió, em 1952. Com o apoio dos 14. Veja-se, por exemplo, as
poderes institu-cionais e da mídia, os folcloristas desempenham, comemorações póstumas pelos
100 anos de Mestre Noza, pela
assim, um pa-pel fundamental, não somente na promoção, mas Fundação Memorial de Padre
também na “proteção” das artes populares, em conformidade Cícero, de Juazeiro do Norte,
com a missão de salvaguarda que eles mesmos se dão. que incluiu a publicação de uma
série de estudos sobre o artista:
cf. Tavares (1997).
Ora, as iniciativas que têm por objeto a gravura popular ma-
15. Sobre o movimento
nifestam exatamente o que caracteriza as concepções e as ati- folclórico brasileiro, a obra de
tudes de tipo folclórico: a admiração pelas coisas do passado, referência é Vilhena (1997).

Do mercado ao museu: a legitimação artística da gravura popular 51


16. Sobre os significados principalmente pelas técnicas artesanais, cujo desaparecimento
profundos do movimento
regionalista nordestino, é frequentemente anunciado, em razão do progresso técnico-
aconselhamos a leitura industrial; a idéia de que o mundo letrado pode – e até deve
de Albuquerque Júnior (1999).
– evitar esse desaparecimento, tirando as obras ameaçadas de
seu ambiente natural para integrá-las no circuito erudito de
coleções, exposições e publicações; a preferência dada a certas
categorias de obras, em detrimento de outras, em função de
critérios preestabelecidos que sempre associam o “popular” ao
manual, simples, primitivo, rústico, antinaturalista; a certeza,
enfim, que o criador popular, sendo autodidata, é necessaria-
mente ingênuo, e que seu anonimato é um valor positivo, ao
contrário da afirmação individual expressa numa assinatura.

A outra corrente ideológica que ajuda a compreender o processo


de legitimação da gravura popular está diretamente associada ao
discurso folclorista. A partir dos anos 1920, intelectuais começam
a exaltar as especificidades socioculturais do Nordeste, explican-
do-as com argumentos geográficos e históricos, como as secas
pe-riódicas e o fenômeno do cangaço. Assim, foram definindo
uma região que teria ficado às margens do progresso, tornando-
se o reservatório de tradições e costumes muito antigos, que
remon-tariam à Idade Média. Por exemplo, a grande importância
dos chefes políticos locais, os coronéis, leva alguns a identificar,
na sociedade nordestina, uma estrutura de tipo feudal.

Essas teses servem, principalmente, para se colocar o Nordes-te


no centro das discussões nacionalistas: com suas tradições
arcaicas e “primitivas”, esta região é considerada a mais autên-
tica do Brasil, ao contrário do Sudeste, que teria pago o preço da
“desnacionalização”, incorporando modelos estrangeiros para
desenvolver-se econômica e culturalmente. Sociólogos e
escritores, pintores e políticos, nordestinos ou não, muitos con-
tribuem, assim, para cristalizar a noção de um Nordeste essen-
cialmente ligado ao passado e naturalmente avesso aos valores e
práticas da modernidade. Um Nordeste, portanto, que seria o
avesso de um grande centro como São Paulo, e isso, em de-
trimento das diversidades dessas duas zonas geográficas, sem-pre
negligenciadas em favor de generalizações que passam do arcaico
ao moderno, do rural ao urbano, do oral ao escrito, do artesanal
ao industrial, do erudito ao popular 16.

É nesse contexto que surge, a partir do final dos anos 1940, o in-
teresse pela arte popular do Nordeste, em particular por aquelas
categorias que – como a xilogravura rústica – servem para “pro-

52 VISUALIDADES
var” os anacronismos de um Nordeste constantemente
associa-do à Idade Média e, mais ainda, a uma Idade Média
por si só bastante estereotipada, já que considerada modelo
de civiliza-ção “pura” e “autêntica”, em oposição à civilização
“capitalista” e “tecnicista” que surge com a Idade Moderna 17.
Nesse sentido, é interessante notar a evolução no pensamento
de um dos ícones da “inteligência” nordestina. Em 1952,
quando ainda é um jovem escritor em começo de carreira,
Ariano Su-assuna associa a gravura popular à arte
contemporânea e, em particular, à obra de artistas como
Picasso, Gauguin, Chagall, Rousseau e Modigliani 18. Para ele,
o ponto de contato entre estas produções seria o primitivismo
inerente à arte popular, e incorporado pela arte erudita do
século XX, bem como uma “comunidade de intenções” entre
artistas de culturas diferentes, no momento da criação:

O impulso artístico, suas soluções, seus caminhos são mais


semelhantes em cada homem do que se pensa ordinariamen-
te, assim como o pecado: resolve-se, em última análise, numa
“vontade de fazer”, anterior à obra, e num “isto é bom”, a ela
posterior. É aí que se encontram artista erudito e artesão
popu-lar (SUASSUNA, 1952, p.1).

A perspectiva muda completamente, no entanto, num texto do


final dos anos 1960, quando Ariano Suassuna já se tornara um
escritor famoso, inspirando-se da tradição ibérica e da literatura
de cordel – também considerada uma “reminiscência medieval” –
para criar um teatro “tipicamente nordestino”:

Eu via reproduções de gravuras medievais européias e sentia


nelas uma pureza, uma limpeza, uma força que faltavam à gra-
17. Já há algum tempo que his-
vura da Renascença e à gravura moderna, apesar de muito mais
toriadores, como Georges Duby
elaboradas. [...] na gravura medieval mais primitiva, o que me por exemplo, tentam combater os
agradava era o real transfigurado pelo poético, o real como mero lugares-comuns em relação à
ponto de partida, o achatamento geral da gravura pela ausência Idade Média. Por outro lado, vale
notar que a cultura medieval não
de profundidade, pela falta de claro- escuro e de perspectiva, pode ser considerada um bloco
assim como a predominância do traço limpo e puro e forte con- homogêneo: em outros estudos,
tornando as figuras. Ora, eram mais ou menos essas as caracte- tivemos a oportunidade de estu-
dar as relações entre
rísticas da nossa xilogravura popular (SUASSUNA, 1960, p.2). arte “erudita” e arte
“popular” na França do século
Vê-se, portanto, que Ariano Suassuna muda de objeto de com- XIII – cf. Ramos (1998).

paração, mas evoca exatamente os mesmos elementos plásticos 18. Para uma análise aprofunda-da
que tinha utilizado em 1952, para associar a gravura popular à das ideias de Ariano Suassuna
sobre a gravura popular, cf.
arte moderna: ausência de perspectiva e profundidade na ima- Ramos (2008a).

Do mercado ao museu: a legitimação artística da gravura popular 53


gem, bem como o não-naturalismo das formas. Por que,
então, prefere mudar de ponto de vista, passando a relacionar
esta gra-vura a uma arte como a medieval, comumente
associada ao ar-caico, ao não moderno?

Esta questão resume toda a dimensão folclórica e regionalista do


processo de promoção e legitimação artística da gravura popular.
A nova atitude de Ariano Suassuna mostra que ele, assim como
outros intelectuais de sua geração, foi condicionado a encarar a
obra de arte popular – principalmente a realizada no Nordeste –
apenas como uma relíquia de uma idade remota, de uma época
mítica e idealizada, berço de uma “pureza original” que teria se
perdido em seguida, com os progressos da razão, do capital e da
máquina – com a Modernidade, enfim. Daí a preferência pela xi-
logravura artesanal, rústica e primitiva, e o desprezo pelas outras
categorias de ilustração de cordel, a zincogravura e a xilogravura
refinada, que não se encaixam nas noções estabelecidas para “po-
pular” e “nordestino”, tanto por questões técnicas como estéticas.

Conclui-se, assim, que o processo de legitimação da gravura


popu-lar não significou apenas a criação de uma nova categoria
artística. Na verdade, ao retirar as obras do mercado, para levá-
las ao mu-seu, os representantes da cultura acadêmica, oficial,
fizeram bem mais do que tirar uma produção do anonimato,
colocando-a no centro do palco da arte brasileira: eles também
condenaram essa produção a desempenhar um papel bastante
controverso, numa peça extremamente complexa, sobre a
questão da identidade de um povo e de uma região.

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Everardo Ramos
É historiador da arte, formado pela Université de Franche-Comté
(França). Possui Mestrado pela mesma universidade e Doutorado
pela Université Paris X – Nanterre (França), onde defendeu uma
tese sobre a gravura popular brasileira. É autor de Du marché au
marchand. La gravure populaire brésilienne, catálogo da exposi-
ção apresentada no Musée du Dessin et de l’Estampe Originale
de Gravelines (França, 2005), de que também foi curador. É
Professor Adjunto e Coordenador do Curso de Artes Visuais da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal.
E-mail: everardoramos@gmail.com

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