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Henri Bergson

(Paris, 18 de outubro de 1859 — Paris, 4 de janeiro de 1941)

Licenciando-se em Letras, em
1881 tornou-se professor,
dando aulas em várias
localidades da França. Em
1900, aos 40 anos, iniciou seus
cursos a frente da cadeira de
História da Filosofia Antiga no
Collège de France. A partir de
1925 passou a sofrer de um
reumatismo, que o deixou
semi-paralisado, a ponto de
impedi-lo de ir a Estocolmo
para receber o Nobel de
Literatura de 1927
Evolução Criadora (1907)
Capítulo 4 - O mecanismo cinematográfico do pensamento e a ilusão
mecanicista.
Matéria ou espírito, a realidade apareceu-nos como um perpétuo devir. Ela se faz ou se desfaz, mas não é
nunca algo já feito. Tal é a intuição que temos do espírito quando afastamos o véu que se interpõe entre
nossa consciência e nós mesmos. É assim também que a inteligência e os próprios sentidos nos
mostrariam a matéria, se obtivessem dela uma representação imediata e desinteressada. Mas,
preocupada antes de tudo com as necessidades da ação, a inteligência, tal como os sentidos, limita-se a
tomar de longe em longe vistas instantâneas e, por isso mesmo, imóveis do devir da matéria. Regrando-
se, por sua vez, pela inteligência, a consciência vê na vida interior o que é já feito e é só confusamente
que a sente fazer-se. Assim se desprendem da duração os momentos que nos interessam e que colhemos
ao longo de seu percurso. Apenas eles retemos. E temos razão em fazê-lo, enquanto apenas a ação está
em causa. Mas quando, especulando sobre a natureza do real, ainda o olhamos do modo pelo qual nosso
interesse prático nos pedia para olhá-lo, tornamo-nos incapazes de ver a evolução verdadeira, o devir
radical. Do devir, percebemos apenas estados, da duração, instantes, e, mesmo quando falamos de
duração e de devir, é em outra coisa que pensamos. Tal é a mais marcante das duas ilusões que
queremos examinar. Consiste em acreditar que se pode pensar o instável por intermédio do estável, o
movente por meio do imóvel. P295-296
Matéria ou espírito, a realidade apareceu-nos como um perpétuo devir. Ela se faz ou se desfaz, mas não é
nunca algo já feito. Tal é a intuição que temos do espírito quando afastamos o véu que se interpõe entre
nossa consciência e nós mesmos. É assim também que a inteligência e os próprios sentidos nos
mostrariam a matéria, se obtivessem dela uma representação imediata e desinteressada.

- Matéria e espírito – são uma realidade em eterno devir

- Devir – chegar a ser/ sendo/ mudando

- Duas faculdades humanas do pensar – inteligência e intuição


Mas, preocupada antes de tudo com as
necessidades da ação, a inteligência, tal
como os sentidos, limita-se a tomar de
longe em longe vistas instantâneas e, por
isso mesmo, imóveis do devir da matéria.
Regrando-se, por sua vez, pela inteligência,
a consciência vê na vida interior o que é já
feito e é só confusamente que a sente
fazer-se. Assim se desprendem da duração
os momentos que nos interessam e que
colhemos ao longo de seu percurso.
Apenas eles retemos.

- Inteligência é prática e voltada para a


ação – desse modo, tira vistas parciais
móveis do movimento e instabilidade
das coisas.
E temos razão em fazê-lo, enquanto apenas a ação está em causa. Mas quando, especulando sobre
a natureza do real, ainda o olhamos do modo pelo qual nosso interesse prático nos pedia para olhá-
lo, tornamo-nos incapazes de ver a evolução verdadeira, o devir radical. Do devir, percebemos
apenas estados, da duração, instantes, e, mesmo quando falamos de duração e de devir, é em outra
coisa que pensamos. Tal é a mais marcante das duas ilusões que queremos examinar. Consiste em
acreditar que se pode pensar o instável por intermédio do estável, o movente por meio do imóvel.
P295-296

Ilusão - Consiste em acreditar que se pode pensar o instável por intermédio do estável, o
movente por meio do imóvel.
duração
●Oposto ao tempo físico ou sucessão divisível que é passível de ser calculado e
analisado pela ciência, o tempo vivido é incompreensível para a inteligência lógica por
ser qualitativo, enquanto o tempo físico é quantitativo.
●Tempo e espaço não pertencem à mesma natureza, tanto que podemos afirmar que a
consciência (duração interna) e o “tempo espacilizado” se opõem. Esse último é criticado
pelo filósofo como uma das expressões da vertente determinista das ciências e filosofias.
●Tudo o que pertence à faculdade espacial, isto é, à variável t das leis físicas da
mecânica clássica, é suscetível de ser repetida, decomposta e traduzida pela lógica
científica, como, por exemplo, a medição do tempo por um relógio.

●A duração interior é a vida contínua de uma memória que prolonga o passado no


presente, seja porque o presente encerra distintamente a imagem incessantemente
crescente do passado, seja, mais ainda, porque testemunha a carga sempre mais
pesada que arrastamos atrás de nós à medida que envelhecemos. Sem essa
sobrevivência do passado no presente, não haveria duração, mas somente
instantaneidade. (Bergson, 1993b, p.200)
É o que a inteligência recusa-se a fazer o mais das vezes, habituada como está a pensar o movente
por intermédio do imóvel.

O papel da inteligência, com efeito, é o de presidir a ações. Ora, na ação, é o resultado que nos
interessa; os meios importam pouco, desde que o objetivo seja alcançado. Daí vem que nos
estiremos por inteiro em direção ao fim a ser realizado, fiando-nos o mais das vezes a ele para que,
de idéia, se torne ato. E daí vem também que o termo no qual nossa atividade irá repousar seja o
único explicitamente representado para nosso espírito: os movimentos constitutivos da ação mesma
ou escapam à nossa consciência ou só lhe chegam confusamente. Consideremos um ato muito
simples corno o de erguer o braço. Aon- de estaríamos, se tivéssemos que imaginar
antecipadamente todas as contrações e tensões elementares que ele implica, ou mesmo se
tivéssemos que percebê-las, uma por uma, enquanto vão se realizando? O espírito transporta-se
imediatamente para o objetivo, isto é, para a vi- são esquemática e simplificada do ato considerado
como realizado. Então, caso nenhuma representação antagônica neutralize o efeito da primeira, por
si mesmos os movimentos apropriados vêm preencher o esquema, aspira- dos, de certa forma, pelo
vazio de seus interstícios. A inteligência, portanto, só representa à atividade objetivos a serem
alcançados, isto é, pontos de repouso. E, de um objetivo atingido para outro objetivo atingido, de um
re- pouso para um repouso, nossa atividade transporta-se por meio de uma série de pulos, durante
os quais nossa consciência desvia os olhos o mais possível do movimento que se realiza para fitar
apenas a imagem antecipada do movimento realizado.
Se a matéria nos aparecesse como um perpétuo escoamento, não atribuiríamos um termo a
nenhuma de nossas ações. Sentiríamos cada uma delas se dissolver à proporção que se fosse
realizando e não anteciparíamos sobre um porvir sempre fugente. Para que nossa atividade um ato
para um ato, é preciso que a matéria passe de um estado para um estado,

...

Ora, a vida é uma evolução. Concentramos um período dessa evolução numa vista estável a que
damos o nome de forma e, quando a mudança se tornou suficientemente considerável para poder
vencer a feliz inércia de nossa percepção, dizemos que o corpo mudou de forma. Mas, na verdade,
o corpo muda de forma a todo instante. Ou antes não tem forma, uma vez que a forma é algo
imóvel e a realidade é movimento. O que é real é a mudança contínua de forma: a forma não é mais
que um instantâneo tornado de urna transição. Portanto, aqui também, nossa percepção arranja-se
de modo a solidificar em imagens descontínuas a continuidade fluida do real. Quando as imagens
sucessivas não diferem muito umas das outras, consideramo-Ias todas como o aumento e a
diminuição de uma única imagem média ou como a deformação dessa imagem em sentidos
diferentes. E é nessa média que pensamos quando falamos da essência de uma coisa, ou da coisa
mesma.

...
...

Quer se trate de movimento qualitativo, quer de movimento evolutivo, quer de movimento exten-
sivo, o espírito arranja-se de modo a tomar vistas estáveis da instabilidade. E desemboca assim,
como acabamos de mostrar, em três espécies de representações: as quali- dades, as formas ou
essências, os atos.

A essas três maneiras de ver correspondem três cate- gorias de palavras: os adjetivos, os
substantivos e os verbos, que são os elementos primordiais da linguagem. Adjetivos e
sub.st,.pntivos simbolizam então estados. Mas o próprio verbo, se nos atemos à parte iluminada da
representação que ele evoca, realmente não exprime outra coisa.
Mas se agora procurássemos caracterizar de forma mais precisa nossa atitude natural em face do devir,
eis o que descobriríamos. O devir é infinitamente variado. Aquele que vai do amarelo para o verde não se
assemelha àquele que vai do verde para o azul: são movimentos qualitativos diferentes. O que vai da flor
para o fruto não se assemelha àquele que vai da larva para a ninfa e da ninfa para o inseto acabado: são
movimentos evolutivos diferentes.A ação de comer ou de beber não se assemelha à ação de lutar: são
movimentos extensivos diferentes. E esses três gêneros de movimentos eles próprios, qualita- tivo,
evolutivo, extensivo, diferem profundamente. O ar- tifício de nossa percepção, bem como o de nossa inteli-
gência, bem como o de nossa linguagem, consiste em extrair desses devires muito variados a
representação úni- ca do devir em geral, devir indeterminado, simples abs- tração que por si mesma nada
diz e na qual é mesmo raro que pensemos. A essa idéia sempre a mesma, e aliás obs- cura ou
inconsciente, adicionamos então, em cada caso particular, uma ou mais imagens claras que representam
estados e que servem para distinguir todos os devires en- tre si. É por essa composição de um estado
específico e determinado com a mudança em geral e indeterminada que substituímos a especificidade da
mudança. Uma mul- tiplicidade indefinida de mudanças diversamente colori- das, por assim dizer, passa
na nossa frente: arranjamo-nos de modo a ver simples diferenças de cor, isto é, de estado, sob as quais
fluiria na obscuridade um devir sempre e por toda parte o mesmo, invariavelmente incolor.
Suponhamos que se queira reproduzir sobre uma tela uma cena animada, o desfile de um
regimento, por exemplo. Haveria uma primeira maneira de proceder. Seria recortar figuras
articuladas que representariam os solda- dos, imprimir a cada uma delas o movimento da marcha,
movimento variável de indivíduo para indivíduo ainda que comum à espécie humana, e projetar o
conjunto sobre a tela. Seria preciso empenhar nesse joguinho uma soma de trabalho formidável c
só se obteria, aliás, um bem medíocre resultado: como reproduzir a flexibilidade e a variedade da
vida? Agora, há uma segunda maneira de proceder, bem mais tranqüila ao mesmo tempo em que
mais eficaz. Esta consiste em tomar urna série de instantâneos do regimento que passa e projetar
esses instantâ- neos na tela, de modo que se substituam muito rapidamente uns aos outros. Assim
faz o cinematógrafo. Com fotografias, cada uma das quais representa o regimento em uma atitude
imóvel, reconstitui a mobilidade do re- gimento que passa. É verdade que, se nos deparássemos
com as fotografias sozinhas, poderíamos olhá-las à vonta- de, não as veríamos ganharem
animação: com a imobi- lidade, mesmo indefinidamente justaposta a si mesma, não faremos nunca
o movimento. Para que as imagens ga- nhem animação, é preciso que haja movimento em algum
lugar. O movimento realmente existe aqui, com efeito, está no aparelho.
O movimento realmente existe aqui, com efeito, está no aparelho. É porque a película
cinematográfica se desenrola, levando sucessivamente as diversas fotografias da cena a darem
seguimento umas às outras, que cada ator dessa cena reconquista sua mobilidade: ele enfileira
todas as suas atitudes sucessivas no invisível movi- mento da película cinematográfica. O
procedimento, por- tanto, consistiu em extrair de todos os movimentos próprios a todas as figuras
um movimento impessoal, abstrato e simples, o movimento em geral, por assim dizer, em pô-lo no
aparelho e em reconstituir a individualidade de cada movimento particular pela composição desse
movi- mento anônimo com as atitudes pessoais. Tal é o artifício do cinematógrafo. E tal é também o
de nosso conheci- mento. Em vez de nos prendermos ao devir interior das coisas, postamo-nos fora
delas para recompor artificial- mente seu devir. Tomamos vistas quase instantâneas da realidade
que passa e, como elas são características dessa realidade, basta-nos enfileirá-las ao longo de um
devir abstrato, uniforme, invisível situado no fundo do aparelho do conhecimento, para imitar o que
há de característico nesse devir ele próprio. Percepção, intelecção, linguagem geralmente
procedem assim. Quer se trate de pensar o devir, quer de exprimi-lo, quer mesmo de percebê-lo,
não fazemos realmente nada além de acionar uma espécie de cinematógrafo interior. Resumiríamos
então tudo o que precede dizendo que o mecanismo de nosso conhecimento usual é de natureza
cinematográfica.
O método cinematográfico é, portanto, o único a ser prático, uma vez que consiste em regular o
andamento ge- ral do conhecimento pelo da ação, esperando que o deta- lhe de cada ato se regule,
por sua vez, pelo do conhecimento. Para que a ação seja sempre esclarecida, é preci- so que a
inteligência esteja nela sempre presente; mas a inteligência, para acompanhar assim a marcha da
ativida- de e assegurar-lhe a direção, deve começar por adotar-lhe o ritmo. Descontínua é a ação,
como toda pulsação de vida; descontínuo será portanto o conhecimento. O mecanis- mo da
faculdade de conhecer foi construído com base nesse plano. Essencialmente prático, acaso poderia
ele ser- vir, tal e qual, à especulação? Procuremos seguir, com ele, a realidade em seus desvios e
vejamos o que vai ocorrer.

Repõe duas velhas ilusões – a de que é possível reconstituir o movimento a partir do imóvel

- (Antiga) paradoxo de Zenão - Zenão de Eléia (490-430 a.C.) - Sua estratégia era supor a tese que queria atacar, por
exemplo a pluralidade de pontos em uma reta, e daí deduzir uma conseqüência que contradissesse sua suposição, levando assim a uma redução ao
absurdo.

Paradoxo da Flecha. Um arqueiro lança uma flecha, que adquire movimento. Em um certo instante, a flecha ocupa um espaço que é igual ao seu
volume, portanto, segundo Zenão, ela estaria parada neste instante. Isso se aplica para todos os instantes, assim, a flecha está sempre parada e não
poderia estar se movendo, o que contradiz a hipótese inicial de que a flecha está em movimento. Poder-se-ia argumentar que a flecha não está
parada no instante, mas voa um pouquinho (durante o instante), de forma que ela estaria em diferentes posições no início e no fim do instante; mas
neste caso o instante seria divisível, indo contra a hipótese (b). Aristóteles criticou este paradoxo argumentando que o repouso no tempo é diferente
do que ocorreria no “agora”, já que neste não se define o movimento, e portanto nem o repouso (Física, 234a24).

Para o paradoxo do movimento, o ponto de Zenão é que racionalmente não pode haver movimento, de forma que a vivência que temos deste
movimento teria que ser uma ilusão dos sentidos.O paradoxo da Flecha levanta discussões a respeito da natureza do movimento e do conceito de
velocidade instantânea. O movimento deve ser visto como a ocupação sucessiva de posições em diferentes instantes?

- (Moderna) – Cinematica - Δ t é a variação de tempo entre o instante atual e o instante inicial


Nada seria mais fácil, aliás, do que estender a argu- mentação de Zenão ao devir qualitativo e ao
devir evo- lutivo. Reencontraríamos as mesmas contradições. Que a criança se torne adolescente,
depois homem maduro, por fim, ancião, isto se compreende quando considera- mos que a evolução
vital, aqui, é a própria realidade. Infân- cia, adolescência, maturidade, velhice são simples vistas do
espírito, paradas possíveis imaginadas por nós, de fora, ao longo da continuidade de um progresso.
Tomemos como dadas, pelo contrário, a infância, a adolescência, a matu- ridade e a velhice
enquanto partes integrantes da evolu- ção: tornam-se paradas reais e já não concebemos como a
evolução seja possível, pois repousos justapostos não equivalerão nunca a um movimento. Como
reconstituir, com aquilo que está feito, o que se faz? Como, por exem- plo, passar da infância, uma
vez posta como uma coisa, à adolescência, quando por hipótese tomamos como dadaapenas a
infância? Que se olhe de perto: ver-se-á que nos- so modo habitual de falar, que se regra por nosso
modo habitual de pensar, nos conduz a verdadeiros becos sem saída lógicos, becos nos quais nos
embrenhamos despreo- cupadamente porque sentimos confusamente que sem- pre nos seria
facultado sair deles; bastar-nos-ia, com efeito, renunciar aos hábitos cinematográficos de nossa
inteli- gência. Quando dizemos "a criança devém homem", guar- demo-nos de aprofundar demais o
sentido literal da ex- pressão. Veríamos que, quando pomos o sujeito "criança", o atributo "homem"
ainda não lhe convém e que, quando enunciamos o atributo "homem", este já não se aplica ao
sujeito "criança". A realidade, que é a transição da infância para a idade madura, escorregou-nos
por entre os dedos. Só temos as paradas imaginárias "criança" e "homem" e estamos a ponto de
dizer que uma dessas paradas é a outra, assim como a flecha de Zenão está, segundo esse
filósofo, em todos os pontos do trajeto.
A verdade é que, caso a linguagem se moldasse aqui pelo real, não diríamos "a criança devém
homem", mas "há devir da criança para o homem". Na primeira proposição, "devém" é um verbo de
sentido indeterminado, destinado a mascarar o ab- surdo no qual caímos ao atribuir o estado
"homem" ao sujeito "criança". Ele se comporta aproximadamente como o movimento, sempre o
mesmo, da película cinematográ- fica, movimento escondido no aparelho cujo papel é ir superpondo
uma à outra as sucessivas imagens para imi- far\i:movimento do objeto real. Na segunda, "devir" é
um sujeito. Ele passa para o primeiro plano. Ele é a pró- pria realidade: infância e idade madura,
então, não são mais do que paradas virtuais, simples vistas do espírito: lidamos, desta vez, com o
movimento objetivo ele pró- prio, e não mais com sua imitação cinematográfica. Masapenas o
primeiro modo de se expressar é conforme aos nossos hábitos de linguagem. Para adotar o
segundo, se- ria preciso subtrair-se ao mecanismo cinematográfico do pensamento.
Seria preciso fazer abstração completa desse meca- nismo para
dissipar, de um só golpe, os absurdos teóricos que a questão do
movimento levanta. Tudo é obscurida- de, tudo é contradição quando, a
partir de estados, pre- tendemos fabricar uma transição. A obscuridade
dissipa-se, a contradição desaparece assim que nos colocamos ao
longo da transição para nela distinguir estados, nela pra- ticando cortes
transversais pelo pensamento. É que há mais na transição do que a
série dos estados, isto é, do que a série dos cortes possíveis, mais no
movimento do que a série das posições, isto é, do que a série das
paradas possí- veis. Só que o primeiro modo de ver as coisas é
conforme aos procedimentos do espírito humano; o segundo exige, pelo
contrário, que se escale de volta a inclinação dos há- bitos intelectuais.
Acaso haveria algum motivo de espanto no fato de que a filosofia tenha
de início recuado frente a semelhante esforço? Os gregos tinham
confiança na na- tureza, confiança no espírito deixado à sua inclinação
natural, confiança na linguagem, sobretudo, na medida em que esta
exterioriza naturalmente o pensamento. Pre- feriram condenar o curso
das coisas a ter de condenar a atitude que o pensamento e a linguagem
assumem fren- te ao curso das coisas.

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