Deciso BPC - Estrangeiro

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Poder Judiciário

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO


APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020900-56.2018.4.04.7107/RS
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra o


Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando o restabelecimento de
benefício assistencial de prestação continuada para Maria Lucila Becerril de
Bernal, estrangeira residente no Brasil, de nacionalidade peruana, não
naturalizada.

O magistrado a quo julgou procedente o pedido formulado pelo


autor, determinando ao INSS que se abstenha de suspender o pagamento do
benefício de prestação continuada, com fundamento exclusivo no fato de a
beneficiária ser estrangeira, inclusive em razão de procedimentos de revisão
posteriores. Não houve condenação ao pagamento de custas processuais ou
honorários advocatícios, por força do disposto no art. 18 da Lei 7.347/85
(Evento 22).

O Instituto Nacional do Seguro Social interpôs apelação contra a


sentença (prolatada em 02/08/2019). Preliminarmente, arguiu a ilegitimidade
ativa do Ministério Público Federal e a inadequação da via processual eleita,
sustentando que a presente demanda trata de questão específica de uma única
segurada, razão pela qual o direito ora em discussão possui natureza individual e
disponível. Defendeu, ainda, a existência de litispendência com a ACP de nº
5019260-18.404.7107, a qual teria sido ajuizada com o mesmo objeto, porém de
maior abrangência. No mérito, sustentou que é insubsistente a pretensão do
autor de isonomia de tratamento aos estrangeiros de todas as nacionalidades, de
modo incondicionado. Argumentou que não houve declaração expressa, pelo
STF, de ilegalidade do disposto no artigo 7º do Decreto nº 6.214/2007. Afirmou,
ainda, que o artigo 203, inciso V, da CF/1988 é dispositivo não autoaplicável e
que, no âmbito da assistência social, ainda não há tratados firmados na esfera
internacional, ou seja, as despesas a serem custeadas com o pagamento de
benefícios assistenciais a estrangeiros no território nacional ainda não encontram
fonte de custeio. Requereu, por fim, a reforma da sentença para que seja julgado
improcedente o pedido deduzido na exordial (Evento 26).

Com contrarrazões, subiram os autos.


O Ministério Público Federal apresentou parecer (Evento 5 da
apelação).

Preliminares. Ilegitimidade ativa e inadequação da ação civil


pública.

Preliminarmente, o INSS arguiu a ilegitimidade ativa do


Ministério Público Federal e a impropriedade da escolha da ação civil pública,
nos seguintes termos:

A presente demanda trata de questão específica de uma única segurada.


Carece de legitimidade ativa o MPF, haja vista que os direitos defendidos em
exordial possuem natureza individual e disponível, e não dimensão coletiva
derivada da relevância social da lesão ou de suas consequências, o que vai de
encontro com o art. 81 da Lei 8.078/1990, c/c art. 127 da Constituição
Federal.

Ocorre que a legitimação do Ministério Público para a defesa dos


interesses individuais indisponíveis decorre da conjugação dos artigos 127 e
129, incisos II, III e V, da Constituição Federal, bem como do artigo 5º, incisos
I, alínea h, e V, alínea b, e do artigo 6º, incisos VII, alíneas a, c e d, e XII, da Lei
Complementar nº. 73/1995.

Destaque-se que a matéria já foi reconhecida pelo Supremo


Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade. Neste sentido, in verbis:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL


PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. BENEFÍCIOS
ASSISTENCIAL E PREVIDENCIÁRIO. IDOSOS E PORTADORES DE
DEFICIÊNCIA. CRITÉRIOS DE CONCESSÃO. RENDA PER CAPITA.
ACÓRDÃO RECORRIDO CONSOANTE À JURISPRUDÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO AO QUAL SE NEGA
SEGUIMENTO. Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base na
al. a do inc. III do art. 102 da Constituição da República contra o seguinte
julgado do Tribunal Regional Federal da Quarta Região: "PREVIDENCIÁRIO
E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL. QUESTÃO DE ORDEM. LEGITIMIDADE ATIVA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERESSE SOCIAL DO BENEFÍCIO.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA AFASTADA.
ARTIGO 20 DA LEI N.8.742/93. RENDA MÍNIMA. APLICAÇÃO DO ART. 34,
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 10.471/2003. ALEGAÇÃO DE DANO
IRREPARÁVEL E PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA.
INOCORRÊNCIA. 1. Solvida questão de ordem no sentido de não conhecer do
parecer emitido pelo Ministério Público Federal, na condição de custus legis,
vez que figura como parte ativa na ação, entretanto, sendo mantido o
documento encartado nos autos para eventual conhecimento em face de
recurso. 2. A Constituição Federal remete ao Ministério Público a função
institucional de zelar pelos direitos nela assegurados, assim compreendida
também a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, cabendo-lhe
promover as medidas necessárias à sua garantia e, inclusive, ação civil
pública (arts. 127, 129, incs. II e III, CF). 3. Dentre as finalidades da ação civil
pública, passíveis de proposição pelo Ministério Público, está compreendida a
proteção dos interesses coletivos, individuais indisponíveis e individuais
homogêneos do idoso (art. 74, inc. I, Lei 10.741/03), como ainda a proteção de
interesses coletivos das pessoas portadoras de deficiência (art. 3º, Lei
7853/89). Nesse rol está inserido o benefício assistencial previsto na Lei
8742/93, conforme previsão dos arts. 20 e 31 daquela norma, ante o
direcionamento imposto pelo art. 203, inc. V, CF. 4. Plenamente justificada a
tendência de prestigiar a atuação do Ministério Público, como Instituição à
qual atribuída a utilização da ação civil pública para a proteção dos direitos
sociais difusos ou coletivos, ou ainda, direitos individuais homogêneos, desde
que presente interesse social relevante, o que lhe confere legitimidade para
figurar no polo ativo da ação. 5. Afastada alegação de litispendência se a
parte não faz prova do estado atual das ações referidas, igualmente não se
podendo concluir, com segurança, se os efeitos das decisões lá proferidas
ultrapassarão os limites territoriais do órgão prolator,ante a previsão do art.
16, Lei n. 7.347/85. 6. Entende-se que os benefícios de caráter assistencial ou
previdenciário de renda mínima, percebido por idoso ou deficiente, não devem
ser considerados para fins de renda per capita, a teor do disposto no art. 34,
parágrafo único, da Lei n.10.471/2003. 7. Em se tratando de ação civil
pública, os efeitos do julgado atingem aqueles substituídos residentes nos
limites da competência territorial do órgão prolator, na forma do art. 16, da
Lei n. 7.347/85, com a redação da Lei n. 9.494/97. Entendimento já pacificado
perante o STF (ADI-MC 1576 - Pleno - Rel. Min. Marco Aurélio - DJ 6.6.2003,
P. 29); e STJ (Eresp 293407-SP-Corte Especial – Rel. Min. João Otávio de
Noronha - DJ 1.8.2006, p. 327). 8. Sopesados os direitos em conflito, deve
prevalecer aquele inerente aos idosos e deficientes que serão beneficiados com
a medida, eis que a condição de vida beirando a miserabilidade, situação de
extrema necessidade e risco social, dependendo do benefício de valor mínimo
para a própria subsistência. Antecipação dos efeitos da tutela mantida, em
obediência à proteção do direito à vida e consequente dignidade da pessoa
humana, fundamento da Constituição da Republica Federativa do Brasil. 9.
Apelação do Ministério Público Federal, do INSS e remessa oficial não
providas" (doc. 41, grifos nossos). Os embargos de declaração opostos foram
rejeitados. 2. O Recorrente alega ter o Tribunal de origem contrariado os arts.
127, 129, inc. III, e 203, inc. V, da Constituição da República. Afirma que "a
Previdência Social e a Assistência Social atendem necessidades individuais.
Elas são sociais quanto ao custeio (art. 195), mas no que se refere ao
pagamento de benefícios elas são individuais e disponíveis, uma vez que o
direito ao benefício está ligado a um titular identificado e este pode resolver
por sua conta sobre a oportunidade e conveniência de requerer o benefício,
bem como sobre a oportunidade e conveniência de renunciar ao benefício.
Naquilo que há disponibilidade, nem a sociedade nem os indivíduos precisam
ser tutelados pelo Ministério Público, sendo inclusive nocivo que isso ocorra,
pois a disponibilidade está sujeita à autonomia da vontade. (...) O acórdão
recorrido busca no 'objetivo do legislador' fundamento para ampliar o alcance
da disposição legal. Sem razão, contudo. O benefício da LOAS está previsto
para pessoas praticamente sem renda (que não tenham como prover seu
sustento ou tê-lo provido). A exclusão de valores do cálculo da renda, tal qual
feito pelo Estatuto do Idoso, seria quase uma violação da Constituição, por
conceder o benefício a um grupo maior do que originariamente previsto. Mas
referida exclusão se justifica apenas pela conjugação de dois fundamentos: a)
o idoso conta com proteção especial da Constituição (arts. 226-230), e b) o
benefício assistencial (a ser excluído do cálculo da renda para concessão de
outra da mesma espécie, para outro membro da família) pressupõe situação de
miserabilidade de quem o recebe, e isso o diferencia do salário e do benefício
previdenciário" (doc. 48). Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 3.
Razão jurídica não assiste ao Recorrente. 4. O acórdão recorrido harmoniza-
se com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que assentou a
legitimidade ativa ad causam do Ministério Público para propor ação civil
pública em defesa de interesses individuais homogêneos de relevância social,
como se dá na espécie vertente: "Agravo regimental em agravo de
instrumento. 2. Ação civil pública. Interesse individual homogêneo. 3.
Relevância social. Ministério Público. Legitimidade. 4. Jurisprudência
dominante. 5. Agravo regimental a que se nega provimento" (AI 516.419-
AgR,Relator o Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 30.11.2010,
grifos nossos). "RECURSO EXTRAORDINÁRIO - DIREITOS INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS - PRERROGATIVAS JURÍDICAS DE ÍNDOLE
EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL - EXISTÊNCIA DE RELEVANTE
INTERESSE SOCIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMAÇÃO ATIVA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO - DOUTRINA - PRECEDENTES - RECURSO DE
AGRAVO IMPROVIDO" (RE 699.580-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello,
Segunda Turma, DJe 11.9.2013, grifos nossos). "AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A DEFESA
DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DE RELEVÂNCIA SOCIAL.
PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA
PROVIMENTO" (RE 459.456-AgR, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe
22.10.2012). 5. Ademais, este Supremo Tribunal declarou a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do art. 20 da
Lei n. 8.742/1993, que estabelece critérios objetivos para concessão do
benefício mensal de um salário mínimo aos idosos e portadores de deficiência,
desde que suas famílias tenham renda mensal per capita inferior a 1/4 (um
quarto) do salário mínimo: "Benefício assistencial de prestação continuada ao
idoso e ao deficiente. Art. 203, inc. V, da Constituição. A Lei de Organização
da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, inc. V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício
mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e
aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei n.8.742/1993 e a
declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal
na ADI n. 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993 que 'considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a
família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário
mínimo'. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua
constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações
de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do
benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta
de Inconstitucionalidade n. 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou
a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais
contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e o Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei n. 8.742/1993. A decisão
do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto
à aplicação em concreto do critério da renda familiar 'per capita' estabelecido
pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se
contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o
real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou
deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a
Lei n. 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei n.10.689/2003, que
instituiu o Programa Nacional de Acesso a Alimentacao; a Lei n. 10.219/2001,
que criou o Bolsa Escola; a Lei n. 9.533/1997, que autoriza o Poder Executivo
a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de
garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo
Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas
(sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados
como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do
Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei n. 8.742/1993. 5. Recurso
extraordinário a que se nega provimento" (RE 567.985, Relator o Ministro
Marco Aurélio, redator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes, Plenário,
DJe 3.10.2013, grifos nossos). 6. Também foi objeto de declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, por este Supremo
Tribunal o art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003, assentando-se não
deverem ser considerados para fins de cálculo da renda familiar per capita a
que se refere a Lei 8.742/1993 os benefícios assistenciais e previdenciários no
valor de até um salário mínimo percebidos por idosos e deficientes: "A
inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei
10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o
benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será
computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a
LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de
previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos.
Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de
deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da
assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários
no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5.
Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do
art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que
se nega provimento" (RE 580.963, Relator o Ministro Gilmar Mendes,
Plenário,DJe 14.11.2013, grifos nossos). O acórdão recorrido não divergiu
dessa orientação jurisprudencial. 7. Pelo exposto, nego seguimento a este
recurso extraordinário (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21,
§ 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se.
Brasília, 8 de outubro de 2014. Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora (STF - RE:
837663 RS, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 08/10/2014,
Data de Publicação: DJe-201 DIVULG 14/10/2014 PUBLIC 15/10/2014)

Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão assim ementado:


“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. SÚMULA
343 DO STF. INAPLICABILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS
INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. IDOSOS E INCAPAZES. MINISTÉRIO
PÚBLICO. LEGITIMIDADE ATIVA. INTERESSE SOCIAL DO BENEFÍCIO.
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA AFASTADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.
ARTIGO 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 10.741/03. 1. Segundo o
enunciado 63 desta Corte: 'Não é aplicável a súmula 343 do Supremo Tribunal
Federal nas ações rescisórias versando matéria constitucional'. Preliminar
rejeitada. 2. Consoante interativa jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, ao Ministério Público é dado promover, via ação coletiva, a defesa de
direitos individuais homogêneos, porque tidos como espécie dos direitos
coletivos, desde que o seu objeto se revista da necessária relevância social.
Ademais, dispões o artigo 74, inciso I, da Lei 10.741/03, competir ao
Ministério Público instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a
proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais
indisponíveis e individuais homogêneos do idoso” (pág. 34 do documento
eletrônico 2). No RE, fundado no artigo 102, II, a, da Constituição Federal,
alegou-se, em suma, ofensa aos artigos 127, 129, III e IX, e 203, V, da mesma
Carta. A pretensão recursal não merece acolhida. O acórdão recorrido está
em harmonia com a jurisprudência desta Corte, que, no julgamento do RE
163.231/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa, reconheceu a legitimidade do
Ministério Público para a defesa de interesses individuais homogêneos,
sobretudo quando evidente a relevância social da matéria em debate.
Reportando-se ao citado RE, o Ministro Gilmar Mendes, no julgamento do AI
516.419-AgR/PR, assim se manifestou: “entende-se que o Ministério Público
detém legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses
individuais homogêneos, quando presente evidente relevo social,
independentemente de os potenciais titulares terem a possibilidade de declinar
a fruição do direito afirmado na ação”. Oportuna, ainda, a menção ao RE
472.489-AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello, em que também se decidiu pela
legitimidade do Parquet na defesa dos interesses individuais homogêneos:
“EMENTA: DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS – SEGURADOS DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL – CERTIDÃO PARCIAL DE TEMPO DE SERVIÇO –
RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA – DIREITO DE PETIÇÃO E
DIREITO DE OBTENÇÃO DE CERTIDÃO EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS –
PRERROGATIVAS JURÍDICAS DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE
CONSTITUCIONAL – EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL –
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO – A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO
COMO 'DEFENSOR DO POVO' (CF, ART, 129, II) – DOUTRINA –
PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. ( . . . ) - O
Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos
e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante
natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção
de certidão em repartições públicas. Doutrina. Precedentes” (grifos no
original) No mesmo sentido, menciono as seguintes decisões, entre outras: RE
581.352-AgR/AM, Rel. Min. Celso de Mello; RE 612.499/SC e RE 637.802/DF,
Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 655.490/DF e RE 475.010-AgR/RS, Rel. Min.
Dias Toffoli; RE 635.109/DF, Rel. Min. Luiz Fux. Isso posto, nego seguimento
ao recurso (art. 557, caput, do CPC). Publique-se. Brasília, 20 de março de
2014. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI - Relator (STF - RE: 788838 RS,
Relator: Min RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 20/03/2014,
Data de Publicação: DJe-058 DIVULG 24/03/2014 PUBLIC 25/03/2014)

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL


PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE. PRECEDENTES. 1. O Ministério Público
possui legitimidade para propor ação civil pública para defesa dos direitos
difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Precedentes: RE 328.910-AgR,
Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 30/9/2011 e AI 559.141-AgR, Rel.
Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 15/8/2011. 2. In casu o acórdão
recorrido assentou: “PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. QUESTÃO
DE ORDEM. REJEIÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA.” 3.
Recurso extraordinário DESPROVIDO. Decisão: Trata-se de recurso
extraordinário interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
- INSS, com fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal, contra
acórdão que possui a seguinte ementa: “PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MPF PARA INTENTAR. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. 1. Dentre as finalidades da ação
civil pública, passíveis de proposição pelo Ministério Público, está
compreendida a proteção dos interesses coletivos, individuais indisponíveis e
individuais homogêneos do idoso (art. 74, inc. I, Lei 10741/03), como ainda a
proteção de interesses coletivos das pessoas portadoras de deficiência (art. 3º,
Lei 7853/89). Nesse rol está inserido o benefício assistencial previsto na Lei
8742/93, conforme previsão dos arts. 20 e 31 daquela norma, ante o
direcionamento imposto pelo art. 203, inc. V, CF. Entendimento atualizado do
STF e desta Corte. 2. A antecipação de tutela, nos termos em que concedida,
adotou entendimento que vem sendo palmilhado por esta Corte.” (fl. 3 do
volume 5). Nas razões do apelo extremo, sustenta a preliminar de repercussão
geral e, no mérito, alega violação aos artigos 127 e 129, III, da Constituição
Federal. É o Relatório. DECIDO. Não merece prosperar o recurso. O Tribunal
a quo não divergiu do entendimento firmado por esta Corte no sentido de que
o Ministério Público possui legitimidade para propor ação civil pública em
defesa dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Nesse
sentido, transcrevo a ementa dos seguintes julgados: “Agravo regimental no
recurso extraordinário. Ação civil pública. Interesses individuais homogêneos
de relevância social. Legitimidade ativa do Ministério Público para seu
ajuizamento reconhecida. 1. Em ações civis públicas em que se discutem
interesses individuais homogêneos, dotados de grande relevância social,
reconhece-se a legitimidade ativa do Ministério Público para seu
ajuizamento. 2. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pacífica, nesse
sentido. 3. Agravo regimental não provido.” (RE 328.910-AgR, Relator o
Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 30/9/2011). “RECURSO
EXTRAORDINÁRIO – LEGITIMIDADE – MINISTÉRIO PÚBLICO – AÇÃO
CIVIL PÚBLICA – INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS
HOMOGÊNEOS. O Tribunal, no Recurso Extraordinário nº 163.231/SP,
concluiu pela legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento de ação
civil pública, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, mesmo no
caso de interesses homogêneos de origem comum, por serem subespécies de
interesses coletivos.” (AI 559.141-AgR, Relator o Ministro Marco Aurélio,
Primeira Turma, DJe 15/8/2011.) Ex positis, DESPROVEJO o recurso
extraordinário, com fundamento no artigo 21, § 1º, do RISTF. Publique-se.
Brasília, 28 de novembro de 2014. Ministro LUIZ FUX Relator Documento
assinado digitalmente (STF - RE: 724904 RS, Relator: Min. LUIZ FUX, Data
de Julgamento: 28/11/2014, Data de Publicação: DJe-237 DIVULG
02/12/2014 PUBLIC 03/12/2014)

Assim, conclui-se que o Ministério Público é parte legítima para


propor a ação civil pública que tenha por objeto o restabelecimento de benefício
assistencial de prestação continuada para estrangeiro residente no Brasil, tendo
em vista que se trata da defesa de direito individual e indisponível. Ressalte-se
que a questão de fundo envolve direitos inerentes à dignidade da pessoa
humana, especialmente em razão da extrema vulnerabilidade econômica e social
alegada pela representante.

Preliminar. Litispendência.

De igual modo, deve ser rejeitada a arguição de litispendência


entre a presente ação e a Ação Civil Pública nº 5019260-18.404.7107, cujo
processo mantém vinculação à 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio
Grande do Sul, em favor da coletividade de estrangeiros residentes no Brasil.

Isto porque a referida ACP constitui instrumento de tutela de


direitos ou interesses coletivos ou de tutela coletiva de direitos individuais
homogêneos, cuja finalidade é condenar o INSS ao recebimento e análise dos
requerimentos de benefício de prestação continuada formulados por estrangeiros
e, de outra parte, compelir a autarquia previdenciária a se abster de indeferir os
pleitos pelo fundamento da nacionalidade não brasileira ou portuguesa do
requerente. Por sua vez, a presente demanda refere-se à defesa de direito
individual de pessoa determinada, com vistas a resguardar, sobretudo, os direitos
inerentes à dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, deve-se observar o que se encontra disposto no


artigo 104 da Lei nº 8.078 – aplicável ao processamento da ação civil pública
por força do que está disposto no artigo 21 da Lei nº 7.347 –, segundo o qual as
ações coletivas de que trata o artigo 81, parágrafo único, da mesma lei, as quais
compreendem os instrumentos de tutela coletiva antes citados, não induzem
litispendência para as ações individuais.
Portanto, rejeita-se a preliminar.

VOTO

Benefício Assistencial ao Idoso ou Portador de Deficiência

Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva


a concessão de benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da
Constituição Federal, e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a
redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de
agosto de 2011.

O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos


seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e
para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da
LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual
ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste
caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e
b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência
econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.

Quanto à condição de deficiente, deve ficar comprovada a


incapacidade para a vida independente, conforme disposto no artigo 20, da Lei
8.742/93, em sua redação original, esclarecendo que este Tribunal consolidou
entendimento segundo o qual a interpretação que melhor se coaduna ao
princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) é a que garante o
benefício assistencial à maior gama possível de pessoas portadoras de
deficiência. Cumpre ao julgador, portanto, ao analisar o caso concreto, observar
que a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua
uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa
incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se,
fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se
ou de comunicar-se; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros (TRF4,
EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do
Valle Pereira, D.E. 29 de maio de 2015).

No que diz respeito ao requisito etário, em se tratando de benefício


requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65
(sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a
própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo,
ou seja, comprovado o atributo etário, a análise da condição incapacitante é
desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade
socioeconômica a que submetido o idoso.

A situação de risco social, por sua vez, deve ser analisada


inicialmente sob o ângulo da renda per capita do núcleo familiar, que deverá
ser inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. Registro, no ponto, que
o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no bojo do Tema 185
esclarecendo que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser
considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros
meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois
é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, de modo a se
presumir absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per
capita inferior a 1/4 do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
28/10/2009, DJe 20/11/2009).

Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar


a Reclamação n. 4374 e o Recurso Extraordinário n. 567985 (este com
repercussão geral), estabeleceu que o critério legal de renda familiar per
capita inferior a um quarto do salário mínimo encontra-se defasado para
caracterizar a situação de miserabilidade, não se configurando, portanto, como a
única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria
manutenção ou tê-la provida por sua família.

Na mesma oportunidade, o Plenário do STF, ao julgar o Recurso


Extraordinário 580.963/PR, também declarou a inconstitucionalidade do
parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o qual
estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da
família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a
que se refere a LOAS, com base nos princípios constitucionais da dignidade da
pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se
revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto
assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de
deficiência. De acordo com o STF, portanto, não se justifica que, para fins do
cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor
referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família,
quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros
beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência),
também deveriam ser contemplados.

Mais recentemente, a Primeira Seção do STJ, com fundamento nos


princípios da igualdade e da razoabilidade, firmou entendimento segundo o qual,
também nos pedidos de benefício assistencial feitos por pessoas portadoras de
deficiência, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer
benefício, no valor de um salário mínimo, recebido por maior de 65 anos,
independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se,
analogicamente, o disposto no parágrafo único, do art. 34, do Estatuto do Idoso.
Confira-se:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.


CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N.
8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA
HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO
PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO
POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício
previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve
compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de
prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a
qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo
543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do
Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício
assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício
previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja
computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do §
7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da
Resolução STJ n. 08/2008.(REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO
GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015).

Assim, em regra, integram o cálculo da renda familiar per


capita os rendimentos auferidos pelo cônjuge ou companheiro, os pais e, na
ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e
enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto
(art. 20, § 1º, da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei n.º 12.435/2011).

Devem ser excluídos do cálculo, todavia, o valor auferido por


idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício
previdenciário de renda mínima (TRF4, EINF 5003869-31.2010.404.7001,
Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 10
de fevereiro de 2014), bem como o valor auferido a título de benefício
previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência,
independentemente de idade (TRF4, APELREEX 2006.71.14.002159-6, Sexta
Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 10 de setembro de 2015),
ressaltando-se que tal beneficiário, em decorrência da exclusão de sua renda,
também não será considerado na composição familiar, para efeito do cálculo da
renda.

Demais disso, os cuidados necessários com a parte autora, em


decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem
gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas
descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros
-, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco
social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-
24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos
autos em 27 de junho de 2013).

Em relação à percepção do benefício instituído pelo Programa


Bolsa Família, não só não impede o recebimento do benefício assistencial do art.
203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a
unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX
2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07
de outubro de 2014).

Concluindo, em linhas gerais, para efeito de concessão do


benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra
exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser
analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999,
Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29 de maio de
2015).
Caso concreto

A presente ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público


Federal em decorrência de representação apresentada por Maria Lucila Becerril
de Bernal, de nacionalidade peruana, não naturalizada, encaminhada à
Procuradoria da República pelo Centro de Atendimento ao Migrante - CAM.

Conforme se depreende dos documentos que instruem o feito, a


Sra. Maria Lucila teve o benefício assistencial concedido administrativamente a
contar de 05/02/2018 (NB 88/703.620.368-5), ocasião em que os requisitos
necessários à concessão do amparo foram devidamente reconhecidos pela parte
ré (Evento 22 - PLAN2).

Todavia, em outubro de 2018, foi notificada pela autarquia


previdenciária acerca da irregularidade no recebimento do benefício, nos termos
do Ofício de Defesa nº 0949/2018/MOB/APS Caxias do Sul. Segundo constou
do referido ofício, o benefício foi indevidamente concedido a pessoa estrangeira,
em desacordo com o disposto no art. 7º do Decreto nº 6.214/2007 (Evento 1 -
PROCADM2, fl. 8).

Tendo em vista que a revisão do benefício foi motivada


exclusivamente pelo fato de a beneficiária não ser naturalizada brasileira, cinge-
se a controvérsia à questão da nacionalidade, inexistindo discussão acerca dos
demais requisitos necessários à concessão do amparo. Destaca-se que a segurada
é pessoa idosa e, conforme reconhecido pelo INSS em âmbito administrativo,
vive em situação de extrema vulnerabilidade econômica e social.

Nesse contexto, a decisão recorrida não merece reparos, pois a


condição de estrangeiro não constitui óbice à concessão de benefício
assistencial ao idoso.

O art. 5º, caput, da Constituição Federal assegura ao estrangeiro


residente no país o gozo dos direitos e garantias individuais em igualdade de
condição com o nacional, nos seguintes termos:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes.

Por sua vez, a norma constitucional que institui o benefício (art.


203, V da Constituição Federal) não veda sua concessão para naturais de outros
países aqui domiciliados. Ao contrário, prevê, de forma ampla, que a assistência
social será prestada a quem dela necessitar. Do mesmo modo, a Lei nº
8.742/93, que regulamentou o benefício, estabelece, no art. 4º, a igualdade de
direitos sem discriminação de qualquer natureza.

O Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido


de que o estrangeiro, assim como o brasileiro, tem direito à concessão de
benefício assistencial quando devidamente preenchidos os respectivos
requisitos. O assunto foi objeto do julgamento sob regime de repercussāo geral
(Tema nº 173), afastando qualquer margem para discussão:

ASSISTÊNCIA SOCIAL - ESTRANGEIROS RESIDENTES NO PAÍS - ARTIGO


203, INCISO V , DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - ALCANCE. A assistência
social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, beneficia
brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os
requisitos constitucionais e legais. (RE 587970, Relator(a): Min. MARCO
AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-215 divulgado em 21/09/2017,
Publicado em 22/09/2017).

O art. 7º do Decreto n. 6.214, de 26 de setembro de 2007 (agora


com redaçāo dada pelo Decreto n. 8.805, de 2016), decreto que regulamenta a
Lei 8.742, que restringe a concessāo do benefício de prestaçāo continuada aos
brasileiros, natos ou naturalizados, e às pessoas de nacionalidade portuguesa,
teve seu conteúdo examinado pelo STF por ocasião do julgamento do RE
587.970/SP. Embora não conste expressamente do acórdão a declaração de
inconstitucionalidade do dispositivo, observa-se nos votos dos ministros que o
tema foi amplamente debatido, e, sem controvérsia, considerado contrário à
Constituição Federal.

No mesmo sentido é o entendimento desta Corte:

PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO


ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ESTRANGEIRO. 1. A
condição de estrangeiro não é óbice à concessão de benefício assistencial ao
idoso, uma vez que a Constituição Federal, em seu art. 5º, assegura ao
estrangeiro residente no país o gozo dos direitos e garantias individuais em
igualdade de condição com o nacional. Além do mais, tanto a norma
constitucional que institui o benefício (art. 203, V da CF), quanto a norma
legal que o regula (art. 20 da Lei 8.742/93), não vedam sua concessão para
naturais de outros países aqui domiciliados. 2. Mantida a sentença que
concedeu a segurança para determinar a concessão do benefício assistencial
em favor da parte impetrante, porquanto preenchidos os requisitos legais
autorizadores da medida. (TRF4 5022116-10.2017.4.04.7100, QUINTA
TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em
19/12/2017 - Grifou-se)

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO


CONTINUADA. ESTRANGEIRO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE
MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO. 1. A
condição de estrangeiro não é óbice à concessão de benefício assistencial ao
idoso, uma vez que a Constituição Federal, em seu art. 5º, assegura ao
estrangeiro residente no país o gozo dos direitos e garantias individuais em
igualdade de condição com o nacional. Além do mais, tanto a norma
constitucional que institui o benefício (art. 203, V da CF), quanto a norma
legal que o regula (art. 20 da Lei 8.742/93), não vedam sua concessão para
naturais de outros países aqui domiciliados. 2. Deliberação sobre índices de
correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de
sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei 11.960/2009, de
modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de
precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente no Supremo Tribunal
Federal decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes do
Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal da Quarta
Região. (TRF4 5029724-92.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL
SUPLEMENTAR DE SC, Relator JORGE ANTONIO MAURIQUE, juntado aos
autos em 20/09/2017 - Grifou-se)

Uma vez atendidos os demais requisitos legais, especialmente no


que diz respeito aos critérios etário e econômico, bem como considerada a
comprovação de que é residente no país, à Rua Botafogo, nº 1307, Bairro
Universitário, Caxias do Sul - RS, CEP 95040-150 (Evento 1 - PROCADM2, fl.
8), Maria Lucila Becerril de Bernal tem direito ao recebimento do benefício
assistencial.

Por fim, conforme ficou demonstrado nos autos, embora o INSS


tenha notificado a beneficiária acerca da concessão indevida do benefício nº
88/703.620.368-5, bem como da necessidade de ressarcimento dos valores
pagos (Evento 1, PROCADM2, fl. 8), a autarquia não promoveu a suspensão
dos pagamentos até o presente momento, não havendo, assim, parcelas vencidas.

A sentença, portanto, deve ser mantida, determinando-se ao INSS


que se abstenha de suspender o benefício de prestação continuada (NB
88/703.620.368-5), inclusive em procedimentos de revisão posteriores, com
fundamento exclusivo na questão da nacionalidade.

Prequestionamento

O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim


como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto
às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de
aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional
distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de
oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que
evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de
multa.

Dispositivo

Em face do que foi dito, voto por rejeitar as preliminares e negar


provimento à apelação, nos termos da fundamentação.

Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do
artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26
de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço
eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código
verificador 40001852734v112 e do código CRC f3e2673f.

Informações adicionais da assinatura:


Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 23/7/2020, às 10:44:30

5020900-56.2018.4.04.7107 40001852734 .V112


Conferência de autenticidade emitida em 09/02/2022 08:57:33.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020900-56.2018.4.04.7107/RS
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL


PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. DIREITOS INDIVIDUAIS. LITISPENDÊNCIA
NÃO CONFIGURADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA (LOAS). ESTRANGEIRO.

1. O Ministério Público possui legitimidade para ajuizar ação civil


pública em defesa de direitos individuais. Precedentes.

2. As ações coletivas não induzem litispendência para as ações


individuais (art. 104 da Lei nº 8.078, de 1990 e art. 21 da Lei nº 7.347).

3. O art. 5º, caput, da Constituição Federal assegura aos


estrangeiros residente no país o gozo dos direitos e garantias individuais em
igualdade de condição com os brasileiros.

4. Não existe proibição normativa a pessoa natural de outro país,


que mantenha domicilio em território nacional, ao direito a benefício assistencial
de renda mínima (art. 203, V, da Constituição Federal e art. 20 da Lei n. 8.742).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima


indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
decidiu, por unanimidade, rejeitar as preliminares e negar provimento à
apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de julho de 2020.


Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do
artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26
de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço
eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código
verificador 40001852735v15 e do código CRC 210113c4.

Informações adicionais da assinatura:


Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 23/7/2020, às 10:44:30

5020900-56.2018.4.04.7107 40001852735 .V15

Conferência de autenticidade emitida em 09/02/2022 08:57:33.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 13/07/2020


A 21/07/2020

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020900-56.2018.4.04.7107/RS


RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: DESEMBARGADOR FEDERAL OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (AUTOR)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no
período de 13/07/2020, às 00:00, a 21/07/2020, às 14:00, na sequência 293,
disponibilizada no DE de 02/07/2020.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a


seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, REJEITAR AS PRELIMINARES E
NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: DESEMBARGADOR FEDERAL OSNI CARDOSO FILHO


VOTANTE: DESEMBARGADOR FEDERAL OSNI CARDOSO FILHO
VOTANTE: JUIZ FEDERAL ALTAIR ANTONIO GREGORIO
VOTANTE: JUÍZA FEDERAL GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 09/02/2022 08:57:33.

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