AnaBeatrizFreireDeAlmeida Dissert
AnaBeatrizFreireDeAlmeida Dissert
AnaBeatrizFreireDeAlmeida Dissert
João Pessoa
2022
ANA BEATRIZ FREIRE DE ALMEIDA
João Pessoa
2022
Catalogação na publicação
Seção de Catalogação e Classificação
Aos oito dias do mês de junho de dois mil e vinte e dois (08/06/2022), às nove horas e
trinta minutos, realizou-se, via Plataforma Google Meet, a sessão pública de defesa de
dissertação intitulada “A sintaxe na Nova Grammatica Analytica Da Lingua Portugueza
(1881), de Charles Adrien Olivier Grivet (1816-1876): uma análise historiográfica”,
apresentada pela mestranda ANA BEATRIZ FREIRE DE ALMEIDA, licenciada em Letras pela
Universidade Federal da Pernambuco – UFPE, tendo concluído os créditos para obtenção do
título de MESTRA EM LINGUÍSTICA, área de concentração Linguística e Práticas Sociais,
segundo encaminhamento do Prof. Dr. Jan Edson Rodrigues Leite, Coordenador do Programa
de Pós-Graduação em Linguística da UFPB e segundo registros constantes nos arquivos da
Secretaria da Coordenação do Programa. O Prof. Dr. Francisco Eduardo Vieira (PROLING –
UFPB), na qualidade de orientador, presidiu a Banca Examinadora, da qual fizeram parte os
Professores Doutores Carlos Alberto Faraco (Examinador/UFPR) e Mônica Mano Trindade
Ferraz (Examinadora/PROLING – UFPB). Dando início aos trabalhos, o senhor Presidente
Prof. Dr. Francisco Eduardo Vieira convidou os membros da Banca Examinadora para compor
a mesa. Em seguida, foi concedida a palavra à mestranda para apresentar uma síntese de sua
Dissertação. Após isso, a mestranda foi arguida pelos membros da Banca Examinadora.
Encerrando os trabalhos de arguição, os examinadores deram o parecer final sobre a
dissertação, à qual foi atribuído o conceito APROVADA. Proclamados os resultados pelo Prof.
Dr. Francisco Eduardo Vieira, Presidente da Banca Examinadora, foram encerrados os
trabalhos, e, para constar, a presente ata foi lavrada e assinada por todos os membros da
Banca Examinadora. João Pessoa, 08 de junho de 2022.
Observações:
Nada a declarar.
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 14
1.1 Tema e objeto ...................................................................................................................... 14
1.2 Outras histórias, outras historiografias ................................................................................ 19
1.3 Charles Grivet: vida e obra .................................................................................................. 23
1.3.1 A Grammatica Analytica da Lingua Portugueza (1865), primeira gramática de C. A.
O. Grivet ..................................................................................................................................... 29
1.3.2 A Nova Grammatica Analytica da Lingua Portugueza (1881), de C. A. O. Grivet ...... 31
1.4 Perguntas ............................................................................................................................. 38
1.5 Objetivos ............................................................................................................................. 39
1.6 Justificativa .......................................................................................................................... 39
1.7 Organização da dissertação ................................................................................................. 40
2 HISTORIOGRAFIA DA LINGUÍSTICA E SUAS CATEGORIAS TEÓRICAS E
ANALÍTICAS ............................................................................................................................ 42
2.1 Historiografia da Linguística: a disciplina e o papel do historiógrafo ................................ 42
2.2 Tratamento da metalinguagem: adaptando o passado ......................................................... 46
2.3 Influência: motivações e inspirações para produção ........................................................... 48
2.4 Retórica: posicionamento e persuasão ................................................................................ 52
2.5 Camadas do conhecimento linguístico: explicação da dinâmica linguística ....................... 55
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA ... 58
3.1 As fases da pesquisa historiográfica: heurística, hermenêutica e executiva ....................... 59
3.2 Fonte da pesquisa: a Nova Grammatica Analytica da Lingua Portugueza ......................... 61
3.3 Método de análise da fonte da pesquisa .............................................................................. 64
3.4 Levantamento da fonte secundária ...................................................................................... 70
4 O BRASIL DO SÉCULO XIX: EDUCAÇÃO E GRAMÁTICA ...................................... 72
4.1 Educação e ensino de língua portuguesa ............................................................................. 72
4.2 Periodização linguística: linhagem latinizada, racionalista e empirista .............................. 75
5 A NOVA GRAMMATICA ANALYTICA DA LINGUA PORTUGUEZA E SUA
ABORDAGEM SINTÁTICA .................................................................................................... 79
5.1 Nova Grammatica Analytica da Lingua Portugueza: visão geral ....................................... 79
5.2 Camada contextual: retórica e influência ............................................................................ 83
5.3 Camada teórica: Grivet e sua visão de linguagem............................................................... 93
5.3.1 A teoria das funções ....................................................................................................... 94
5.3.1.1 Facto ............................................................................................................................. 95
5.3.1.1.1 Modo indicativo ......................................................................................................... 97
5.3.1.1.2 Modo condicional ...................................................................................................... 98
5.3.1.1.3 Modo imperativo ........................................................................................................ 99
5.3.1.1.4 Modo subjuntivo ...................................................................................................... 100
5.3.1.2 Sujeito......................................................................................................................... 102
5.3.1.3 Complemento direto ................................................................................................... 104
5.3.1.4 Complemento indireto ................................................................................................ 108
5.3.1.5 Predicado .................................................................................................................... 110
5.3.1.6 Aposição ..................................................................................................................... 113
5.3.1.7 Ligação ....................................................................................................................... 114
5.3.2 A teoria do verbo substantivo ....................................................................................... 117
5.3.3 As figuras de linguagem ............................................................................................... 123
5.3.3.1 Elipse .......................................................................................................................... 123
5.3.3.2 Pleonasmo .................................................................................................................. 124
5.3.3.3 Silepse ........................................................................................................................ 125
5.3.3.4 Inversão ...................................................................................................................... 126
5.3.3.5 Exclamação ................................................................................................................ 127
5.4 Camada técnica: técnicas e métodos de análise de Grivet ................................................ 127
5.5 Camada documental: o exemplar linguístico da gramática ............................................... 131
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 140
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 144
APÊNDICES ............................................................................................................................ 149
APÊNDICE A – LEVANTAMENTO DAS FONTES SECUNDÁRIAS – VIDA PESSOAL
DE GRIVET ............................................................................................................................. 149
APÊNDICE B – LEVANTAMENTO DAS FONTES SECUNDÁRIAS – VIDA
PROFISSIONAL DE GRIVET ................................................................................................ 171
APÊNDICE C – LEVANTAMENTO DAS FONTES SECUNDÁRIAS – GRAMÁTICAS
DE GRIVET ............................................................................................................................. 279
APÊNDICE D – LEVANTAMENTO DAS FONTES SECUNDÁRIAS – TEMAS
GRAMATICAIS DE GRIVET ................................................................................................ 654
14
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa tem como tema a abordagem da sintaxe na obra Nova Grammatica
Analytica da Lingua Portugueza 1 (1881), de Charles Adrien Olivier Grivet (1816-1876).
Entendemos o conhecimento sintático como uma dimensão do conhecimento linguístico, ou
seja, a parte dos estudos linguísticos que, em resumo, investiga a relação entre os constituintes
da oração.
A ideia para realização deste trabalho surgiu a partir de um contato despretensioso
com gramáticas brasileiras antigas disponibilizadas na internet. Observando algumas dessas
obras por mera curiosidade, a gramática citada chamou nossa atenção. Isso aconteceu devido
à proximidade dessa obra com a língua francesa, que nos é estimada. Essa percepção foi
decorrente do fato de que, em várias partes da gramática, o francês é usado como exemplo,
seja para mostrar algum fenômeno que ocorre em língua francesa e não ocorre em língua
portuguesa (LP), seja para mostrar a ocorrência do mesmo fenômeno em ambas as línguas.
Por exemplo, podemos ver uma amostra do francês na gramática quando Grivet trata de
“haver”, verbo “unipessoal”, empregado com o sujeito oculto, pois o autor estabelece uma
ligação com o francês:
1
Como o título da gramática será recorrente ao longo do texto, por vezes, vamos nos referir a ela como NGALP.
15
Portanto, como termo syntaxico, o tal IL não é nada. Não é nada porque,
ainda que pronome por natureza, ahi não substitue a nenhum substantivo, e
conseguintemento não representa idéa alguma; faz apenas o officio de
indicador: « Ahi vai verbo »; é palavra expletiva e mais nada. (GRIVET,
1881, p. 234-235)2
2
Os grifos em itálico são do autor. É recorrente o uso desse recurso na gramática de Grivet. Como, neste
trabalho, citaremos muitas passagens grifadas da gramática, evitaremos o uso da expressão “grifos do autor”
para evitar a repetição. Quando o grifo for nosso, usaremos apenas o negrito e informaremos que foram feitos
por nós.
16
português. A maior parte dessa gramática é dedicada à análise fonética da língua portuguesa,
com alguns capítulos dedicados ao léxico, mas quase nenhuma material sobre sintaxe.
Segundo Borges Neto (2020), essa e outras gramáticas do período renascentista – como a
Gramatica da lingua portuguesa (1540), de João de Barros (1496-1570), em geral, se
afastavam do pensamento especulativo e retomavam o espírito descritivo-normativo das
gramáticas clássicas, particularmente a de Donato e a de Prisciano.
Os séculos XVI, XVII e XVIII são muito parecidos 3 em relação aos estudos
gramaticais (BORGES NETO, 2020), não havendo mudanças significativas. Nos séculos XVI
e XVII, surgiram as obras dos missionários católicos, que escreveram gramáticas e
dicionários de línguas não-europeias a partir do modelo das artes grammaticae latinas,
procurando encontrar equivalências entre a língua descrita na gramática e a língua já
conhecida por eles, como o português, o espanhol e o latim.
No século XVII, a Europa ainda teve contato com a Grammaire générale et raisonnée
contenant les fondemens de l'art de parler, expliqués d'une manière claire et naturelle
(1660)4, também conhecida como Gramática de Port-Royal (doravante GPR). Essa obra foi
escrita por Antoine Arnauld (1612-1694) e por Claude Lancelot (1615-1695). O pensamento
central da obra é o de que a gramática é resultado de processos mentais universais. Então, a
linguagem seria geral e racional. O pensamento, que está ligado à linguagem, na perspectiva
da GPR, é constituído pela concepção (isolamento de algo no mundo), pelo juízo (afirmação
de que algo é ou não é) e pelo raciocínio (uso de dois juízos para chegar a outro). Dessa
forma, toda oração expressaria uma proposição, por exemplo, a frase “eu amo” seria
concebida como “eu sou amante”, seguindo o uso da fórmula “sujeito + verbo ‘ser’ +
atributo”.
O pensamento da GPR foi difundido pelo mundo, chegando também às gramáticas
portuguesas, como é o caso, já no século XVIII, da Regras da lingua portugueza, espelho da
lingua latina (1721), de Jeronymo Contador de Argote (1676-1749). António José dos Reis
Lobato (1721? – 1804?), autor da Arte da grammatica da lingua portuguesa (1770), é um
outro gramático influenciado pela GPR, chegando a citá-la em seu texto, apesar de não usar
seus conceitos adequadamente (BORGES NETO, 2020).
3
Isso não significa que a produção desses séculos não seja importante. No entanto, para a discussão realizada
neste trabalho, a observação de Borges Neto (2018) é suficiente. Para mais informações sobre os estudos
gramaticais nesse período, conferir Borges Neto (2018) e Vieira (2018).
4
Em português: Gramática geral e razoada contendo os fundamentos da arte de falar, explicados de modo claro
e natural.
17
anteriores. Essa literatura pregressa perdurou como exemplar linguístico de gramáticas muito
utilizadas no ensino de língua portuguesa no Brasil publicadas até pouco tempo atrás.
A quarta diretriz é a da oração como unidade máxima de análise. Segundo Vieira
(2020b), desde as primeiras gramáticas greco-latinas, a análise da GT é centrada na oração,
que manifesta um sentido completo, sendo a perfeita expressão de um juízo. Categorias
gramaticais – como a noção de complemento, transitividade e concordância – foram
elaboradas e discutidas por gramáticos ao longo da história para a análise da oração, não para
unidades maiores, como o texto. A gramática tradicional, desde o seu princípio, com os
escritos greco-latinos, não se propôs a analisar objetos maiores, que explicassem aspectos
textuais-discursivos. No entanto, isso não significa que ela não sirva para as análises para as
quais ela majoritariamente se volta: morfológica e sintática. As categorias analíticas
elaboradas para a GT ao longo do tempo foram elaboradas para o tratamento da oração.
Utilizá-las para a análise de dimensões linguísticas maiores seria fugir da teoria da GT.
A quinta diretriz é a da terminologia da gramática greco-latina. Os termos gramaticais
estão ancorados àqueles utilizados nas gramáticas greco-latinas. Eles foram transliterados da
língua grega, provenientes da tradução latina ou formados posteriormente a partir dos radicais
gregos. Essa terminologia atravessa a história e chega até os dias de hoje (VIEIRA, 2020b).
A NGALP (1881) abarca teorias que são englobadas pela GT. É inegável que na obra
há uma continuidade das diretrizes citadas acima, mas, apesar disso, Charles Grivet traz
algumas ideias sintáticas no Brasil que diferem das dos seus autores contemporâneos. Isso
acontece porque, apesar de serem guiadas pelas cinco diretrizes epistemológicas citadas, as
gramáticas do português não são todas iguais.
Diante disso, descrevemos alguns saberes sintáticos presentes na Nova Grammatica
Analytica da Lingua Portuguesa (1881) para que possamos organizar as concepções de Grivet
sobre essa dimensão do conhecimento linguístico. Além disso, realizamos um levantamento
em jornais e revistas brasileiras publicadas entre a metade do século XIX e o início do século
XXI, a fim de que tivéssemos conhecimento de aspectos contextuais da vida de Grivet, da
produção de suas publicações e do momento social, político e cultural no qual o autor estava
inserido, que pode ter influenciado a produção de sua obra e as ideias nela contidas. Com o
mapeamento desse material, também podemos observar a repercussão da gramática na
sociedade da época e vindoura.
A realização deste trabalho está vinculada ao projeto “Historiografia da Sintaxe no
Brasil (HSB): teoria, norma e ensino”, do grupo de pesquisa Historiografia, Gramática e
19
JESUITA, Cristiano Silva. As Gramáticas Gerais e Filosóficas Tardias do Século XIX. 2014. 114 f.
Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2014.
FÁVERO, Leonor Lopes; MOLINA, Márcia Antônia Guedes. Nova Grammatica Analytica da
Língua Portuguesa (by Charles Adrien Olivier Grivet). Revista da Anpoll. Florianópolis, v. 1, n.
20, p. 85-101, 2006a.
FÁVERO, Leonor Lopes; MOLINA, Márcia Antônia Guedes. Nova Grammatica Analytica da
Lingua Portugueza – Charles Adrien Olivier Grivet. In: FÁVERO, Leonor Lopes; MOLINA, Márcia
Antônia Guedes. As concepções linguísticas no século XIX: a gramática no Brasil. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2006b. p. 111-120.
ROCHA, Fernando Martins. A norma de uso nas construções com a partícula SE e o verbo
haver na gramaticografia de língua portuguesa. 2018. 220 f. Tese (Doutorado em Filologia e
Língua Portuguesa) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São
Paulo, 2018.
Para esse comentário, o autor se baseia em outros linguistas, como Leonor Lopes
Fávero, Márcia Molina e Ricardo Cavaliere. Vemos, assim, que Grivet, até o momento, é
21
A tese de Rocha (2018) tem como objetivo descrever e analisar a partícula “se” em 32
gramáticas brasileiras publicadas entre 1540 e 2010. Uma dessas obras é a Nova Grammatica
Analytica. O autor do trabalho destaca uma inovação de Grivet em relação às vozes verbais. O
5
O termo “corrente científica” (CAVALIERE, 2001) faz parte de propostas de periodização dos estudos
linguísticos (cf. 1.4).
22
gramático, ao comparar as três vozes verbais (ativa, passiva e pronominal), observa que o
significado da voz ativa é incompatível com a das outras duas vozes. Rocha (2018) informa
que,
Com esse exemplo, Grivet defende que, se o período estivesse na voz passiva –
“Daquela porta para dentro, a voz de Deus é ouvida” – ou na voz pronominal – “Daquela
porta para dentro, ouve-se a voz de Deus” –, não saberíamos se era apenas um ou mais
ouvintes da voz de Deus, como sabemos pela voz ativa. Assim, as noções dessas três vozes
não seriam equivalentes, pois as vozes passiva e pronominal poderiam alterar o sentido da voz
ativa.
Em relação ao verbo, o autor ressalta a análise de Grivet sobre a “substantividade
verbal”, afirmando que a ideia de que todo verbo tem sujeito é falsa. Além disso, outras
observações são feitas ao longo do trabalho, como o fato de o gramático afastar-se da
definição tradicional de “sujeito”, que se torna dependente do verbo – definição abandonada
pelas gramáticas publicadas após a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), mas adotadas
posteriormente por algumas correntes gerativistas (cf. ROCHA, 2018).
Por fim, a tese de Parreira (2011), a única internacional presente no Quadro 1,
realizada na Universidade de Salamanca, na Espanha, aborda a evolução da gramaticografia
brasileira no século XIX para mostrar que as gramáticas publicadas entre 1817 e 1872 não
representam uma mudança teórica na tradição de estudos linguísticos. O foco da pesquisa não
é a obra de Grivet; o trabalho do autor, no entanto, é analisado em partes por Parreira (2011),
que nos apresenta algumas das concepções do gramático, como i) a ideia de o particípio
formar uma classe de palavra independente; e ii) a proposta de trocar o termo “etimologia”
por “lexicologia”.
Com o levantamento desses artigos, capítulos de livros, dissertações e teses, é possível
perceber que são poucos os trabalhos acadêmicos que abordam a obra que analisamos, e a
maioria não tem como principal objeto de pesquisa – apenas Jesuita (2014) – as ideias
linguísticas de Grivet. Por esse motivo, tomamos as concepções desse gramático,
sistematizadas na NGALP (1881), como foco desta pesquisa.
23
6
Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/acervodigital/. Acesso em 27 jul. 2021.
7
Disponível em: https://www.nb.admin.ch/snl/en/home/collections/digital-collections.html. Acesso em 27 jul.
2021.
24
8
“Recebemos cartas da América que dão notícias do nosso concidadão, o honrado professor Grivet, que, nós
sabemos, se demitiu do seu posto no colégio cantonal de Friburgo como resultado da memorável reunião de
Posieux.
M. Grivet está prestes a negociar com o governo do Pará para fundar e organizar um vasto instituto nesse grande
estado do Brasil.” (tradução nossa).
26
Grivet veio para o Brasil, como já dito, com o objetivo de fundar uma escola para
meninos. Embora ele não tenha conseguido abrir essa instituição, sua esposa, Maria Barbosa
Franco Grivet, conseguiu uma autorização para abrir um colégio de instrução primária e
secundária para meninas em Vassouras, cidade localizada a 111km da capital fluminense. Já
Grivet conseguiu uma licença para lecionar francês nesse colégio, conforme a Figura 4:
Fonte: Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) – Ano 1858/Edição 00135
Fonte: Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) – Ano 1858/Edição 00303
O colégio era bem visto pela sociedade, sendo apreciado, especialmente, pela
educação cristã e por formar as meninas para serem donas de casa, conforme algumas críticas
públicas da época. Além da criação cristã de Grivet, a educação da escola também teve
influência da própria Madame Grivet, que, na Suíça, foi educada com as irmãs Ursulinas,
congregação cristã, e com as senhoras do Coração de Jesus, outra congregação cristã. Não
28
apenas o sistema de ensino e o corpo docente eram elogiados, mas também a estrutura física
do colégio. No entanto, em 1862, ocorreu um problema decorrente de chuvas, de maneira que
a escola ficou sem aulas por um tempo. Na Figura 6, vemos a publicação desse evento:
Fonte: Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1862/Edição 00002
Fonte: Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1866/Edição 00085
Entre o fechamento, por causa dos danos físicos, e a reabertura do colégio, Charles
Grivet publicou sua primeira gramática. Antes de apresentá-la, é importante considerarmos,
dados os problemas com o colégio, a possibilidade de a publicação da gramática ter sido
29
motivada pela necessidade do casal de conseguir dinheiro para se manter e para reabrir a
escola. O anúncio abaixo corrobora essa ideia:
9
“Adriano Grivet offerece-se para leccionar em collegios e casas particulares, sendo as materias de que se
incumbe as seguintes : língua e litteratura franceza, geographia, physica experimental, e bem assim grammatica
portugueza pelo systema de que é autor. Os recados recebem-se na rua de S. Pedro n. 68, armazém”.
10
Em e-mail trocado por nós com Ricardo Cavaliere, o linguista informou que já teve contato com a edição de
1865, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, mas, na ocasião, não era permitido tirar fotografias ou fazer
cópias do material. Dessa forma, todas as informações sobre a primeira gramática do autor foram coletadas a
partir de outros trabalhos de pesquisa, da NGALP e, principalmente, do levantamento realizado nos periódicos.
30
A sua primeira gramática, nos anos próximos do seu lançamento, era vendida por
2$000 (dois mil réis). O historiador Laurentino Gomes (2007) faz uma conversão do valor dos
réis utilizados na época da vinda da corte portuguesa para o Brasil (início do século XIX) para
o valor do real (R$) brasileiro na época da publicação do seu livro. De forma resumida, uma
mercadoria vendida no Rio de Janeiro daquela época por 4$000 (quatro mil réis) equivaleria,
em 2007, a uma compra de $100 (cem dólares americanos). No Brasil de 2007, esses dólares
equivaleriam a um valor próximo de R$220. Hoje, esse valor seria de aproximadamente
R$505.
O site Diniz Numismática 11 , administrado por Bruno Diniz, historiador e cientista
político, também nos fornece algumas informações que podem ajudar na conversão. No
11
Disponível em: https://www.diniznumismatica.com/2015/11/conversao-hipotetica-dos-reis-para-o.html.
Acesso em 03 jul. 2021.
31
portal, encontramos que 1$000 (mil réis) equivaleria, hoje, ao poder de compra de R$123. Isto
é, o poder de compra dessa primeira gramática de Grivet, que chegou a ser vendida por 2$000
(dois mil réis), nos dias atuais, considerando a inflação, seria equivalente à compra de um
livro de aproximadamente R$250. Dessa forma, vemos que a aquisição da obra era cara,
inacessível à parte da população.
Em 1869, quatro anos após a publicação de sua primeira gramática e treze anos após
sua chegada no Brasil, Grivet recebeu uma proposta de retorno à Suíça. Pensando em ajudar
sua filha, Carolina Grivet, que estava com tuberculose, ele decidiu voltar para seu país de
origem. No entanto, enquanto ainda estava no Brasil, a doença da filha se agravou, e ela
faleceu antes de sua partida. A ocasião também foi registrada na imprensa da época, como
vemos na Figura 11:
Por não querer se separar da terra em que estava o corpo da filha, Grivet recusou a
proposta da Suíça e decidiu continuar no Brasil.
Apesar de ter deixado a Suíça há 20 anos, Grivet ainda era lembrado pelas pessoas que
lá viviam, conforme a Figura 13:
12
“Agradecemos por inserir o aviso que segue:
Os antigos alunos da Escola Média, habitantes de Friburgo ou de seus arredores, estão convidados a gentilmente
irem ao funeral que será feito a St-Nicolas, na segunda-feira, dia 14 de fevereiro do ano corrente, às 8h30, a
favor de M. Adrien Grivet, antigo professor da Escola Média.
Todos os alunos da Escola Média tentarão se empenhar nesse último dever a seu amado e saudoso professor”
(Tradução nossa)
33
A obra foi publicada pela tipografia Leuzinger, fundada por George Leuzinger (1813-
1892), originário do Cantão de Glarus, na Suíça, localizado a 123km da capital. O tipógrafo
chegou ao Brasil em 1832 e, aos poucos, foi construindo uma das tipografias mais bem
equipadas do país, publicando também edições de obras como A Moreninha, de Joaquim
Manuel de Macedo (1820-1882). Segundo Hallewell (2017), na opinião de Melo Morais
Filho, Leuzinger conheceu quase todos os imigrantes falantes de francês e de alemão que
chegaram ao Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX. Isso explica sua ligação com a
obra de Grivet, havendo a possibilidade de eles terem se conhecido ou não.
Na primeira publicação que encontramos sobre sua venda, em 1883, a segunda
gramática de Grivet custava 8$000 (oito mil réis) – o equivalente, hoje, a aproximadamente
R$1000. Já na última, em 1947, ela era vendida por 200 cruzeiros13. Em todos os anúncios
encontrados, a obra aparecia na categoria “filologia”.
Sobre a Madame Grivet, a última notícia registrada sobre ela é a de sua morte, em
1906, aos 90 anos, como pode ser visto na Figura 15:
13
Em 1947, o salário mínimo mensal era de Cr$380 (trezentos e oitenta cruzeiros), de acordo com o site Diário
das Leis. Nota-se, então, que a gramática custava mais da metade de um salário. Para mais informações sobre o
histórico do salário mínimo no Brasil, conferir:
https://www.diariodasleis.com.br/monetaria/exibe_indice.php?id_indice=15. Acesso em 28 out. 2021.
35
Na Figura 16, lemos um texto escrito por Napoleão Mendes de Almeida (1911-1998),
um dos mais importantes gramáticos e filólogos do século XX (BORGES, 2008). Uma das
publicações mais famosas do autor é a Gramática Metódica da Língua Portuguesa, cuja
primeira edição foi publicada em 1943, e a última, a 46ª edição, em 2009 (VIEIRA, 2018). É
interessante observar que, mesmo 103 anos após a publicação da Nova Grammatica
Analytica, e 108 após a morte de Grivet, o autor continuou como referência no estudo da
37
O texto foi escrito por Cécil Meira (1914-?), escritor e jornalista que contribuiu com
algumas publicações para a língua e a literatura portuguesa, como Introdução ao estudo da
literatura (1965). No trecho em destaque na figura acima, Meira cita dois estrangeiros como
exemplo para estudo da língua portuguesa: Grivet e Frederico Diez. Podemos ler que “[...]
uma das melhores gramáticas da língua portuguesa é da autoria de um professor suíço, sr.
Grivet [que] publicou e sistematizou os fenômenos da lingüística portuguesa sob o nome
‘Nova Gramática Analítica da Língua portuguesa’”. Outro comentário do autor é o de que:
38
“[c]itamos esses dois grandes mestres estrangeiros [Grivet e Frederico Diez] [...] como
exemplo para juventude brasileira, que deve, com seus estudos, e com sua inteligência,
enobrecer cada vez mais o rico idioma português”.
Com esse percurso de Grivet, podemos ver que o autor, apesar de não ter sido falante
nativo da língua portuguesa, ganhou prestígio como professor de português e como autor de
uma gramática de língua portuguesa. Parte desse mérito também se deve à Madame Grivet,
que, como dona de uma instituição de ensino, também contribuiu para a imagem dos Grivet
na sociedade brasileira do século XIX.
A gramática póstuma do autor, como consequência, prolongou seu legado e chegou a
ser utilizada pelas escolas públicas brasileiras. Também é possível vermos a influência que ela
exerceu em gramáticos dos séculos posteriores, chegando, por exemplo, a Napoleão Mendes
de Almeida.
1.4 Perguntas
1.5 Objetivos
1.6 Justificativa
o que tem consequências para o ensino de português, sobretudo na educação básica. Vários
capítulos da trajetória dos estudos sintáticos ainda precisam ser (re)narrados, para que, no
atual estado da Linguística, possamos ter consciência da história das ideias sobre nossa
língua.
Tendo em vista a importância de construirmos, enquanto grupo de pesquisa, uma
historiografia da sintaxe no Brasil, um projeto extenso e que demanda muitos recursos, este
trabalho é significativo porque faz parte dessa grande narrativa, pois foca uma gramática
brasileira da língua portuguesa, que, mesmo escrita por um estrangeiro, teve repercussão até o
final do século XX, segundo as fontes levantadas por nós (Apêndice D).
Compreender os motivos que levam uma obra publicada em 1881 a ser citada como
argumento de autoridade linguística durante todo o século XX, poucos anos distantes de nós,
é interessante para refletirmos sobre nossa relação atual com a gramática, sobretudo com a
sintaxe. A Nova Grammatica Analytica da Lingua Portugueza, como produto linguístico e
historiográfico, é uma das heranças deixadas por aqueles que nos antecederam para hoje, nós,
estudiosos da linguagem, entendermos o desenvolvimento de alguns processos linguísticos.
Além dos motivos citados, poucas são as pesquisas sobre as obras de Charles Grivet.
A análise de suas ideias, nesta pesquisa, considera fatores externos (históricos, sociais etc.) e
fatores internos (o texto da gramática) para a interpretação do conjunto da obra. O resgate do
trabalho de Grivet, portanto, pode nos ajudar a entender e a repensar alguns aspectos das
concepções atuais de sintaxe.
Antes de comentarmos sobre o que é e o que faz a HL, é necessário explicar o que é a
Linguística para essa disciplina. Altman (2012) afirma que:
Olhar para o passado é ter ferramentas para lidar com os problemas do presente. A
história nos permite entender nosso atual contexto. As teorias linguísticas que conhecemos
hoje não surgiram do nada. Ideias que pensamos serem novas e “revolucionárias” já existem
desde a Antiguidade. Ter consciência dos conhecimentos linguísticos ao longo do tempo e
interpretá-los é construir novos horizontes de pesquisa e de ensino para o presente.
Outro ponto que tem sido debatido na HL – de grande importância para nosso trabalho
– é a questão da metalinguagem. O conceito de um termo científico muda ao longo do tempo.
A própria palavra “metalinguagem” teve seu sentido alterado no decurso das épocas. Segundo
Rosa (2020), para Roman Jakobson, a metalinguagem era a comunicação voltada para a
comunicação, ou seja, a utilização da língua para falar dela mesma. Esse sentido acompanhou
a formação de muitos linguistas brasileiros, mas não era o único nem o original. O termo
“metalinguagem” não era da área da Linguística, era da Lógica (KOERNER, 2014a), então,
quando foi adaptado para os estudos da linguagem, sofreu alterações.
Para John Lyons, de acordo com Rosa (2020), metalinguagem seria o uso de uma
língua para descrever uma outra, em vez de usar uma língua para se descrever. Assim, surgiu
47
a distinção entre linguagem-objeto, que pode ser uma língua natural, e a metalinguagem, que
é um instrumento científico que fala da linguagem. Esse primeiro sentido, também utilizado
por Koerner (2014a), é o que utilizamos aqui, o da metalinguagem que engloba termos que se
referem a elementos da língua e à relação entre eles.
Ao analisar um texto escrito em outra época, o historiógrafo, no momento presente, se
depara com termos não mais utilizados naquele momento da ciência. Embora o estudioso não
possa fugir do vocabulário moderno, ele deve ter cuidado ao usá-lo. É importante discutir esse
tema porque “[...] pelo menos uma parte do sucesso ou fracasso do historiógrafo da linguística
depende de como lida com o problema da ‘metalinguagem’” (KOERNER, 2014a, p. 78).
A questão da metalinguagem, então, é observar “[...] a linguagem empregue para
descrever ideias do passado sobre a linguagem e a linguística [...]” (KOERNER, 2014c, p.
57). Um exemplo de como a metalinguagem pode ser um problema é o conceito de
arbitrariedade em Saussure. Koerner (2014c) afirma que essa noção saussuriana tem sido
usada para discutir a semiótica dos estoicos (séc. III a.C.), como se eles tivessem lido o Curso
de Linguística Geral (1916) e os artigos de Charles S. Pierce (1839-1914).
Trabalhar apenas com os metatermos da obra analisada afastaria a compreensão de
outros estudiosos da linguagem sobre o texto do historiógrafo, segundo Koerner (2014a). Por
outro lado, ao usar uma terminologia atual para se referir ao texto analisado, o pesquisador
corre o risco de distorcer as teorias linguísticas do passado. Para resolver esse impasse, a
adaptação ao vocabulário moderno deve ser feita, mas com o devido cuidado para não falsear
ideias linguísticas do material analisado, causando distorções historiográficas. Para que
equívocos sejam evitados, Koerner (2014c) sugere a aplicação de três princípios na análise
historiográfica: o da contextualização, o da imanência e o da adequação.
O princípio da contextualização é caracterizado por uma análise histórica e intelectual,
isto é, pela busca de fontes históricas, com o intuito de tomar conhecimento do que acontecia
no período de publicação do material analisado. Isso não significa que o historiógrafo deva
resenhar fontes e contextualizar tudo o que acontecia, mas realizar recortes das partes da
história que dialoguem com seu objeto. Já a análise intelectual se refere aos aspectos
específicos que se relacionam com o produto historiografado, isto é, quais eram as
concepções epistemológicas das outras disciplinas que dialogam com o objeto.
O segundo princípio trata da análise do texto em sua imanência, ou seja, em seu
próprio quadro teórico, visto que o texto é considerado como um sistema de ideias sobre a
linguagem. Para isso, o pesquisador deve analisar seu objeto dentro de organização
48
sistemática desse objeto e conhecê-lo a partir da relação que ele estabelece com outras teorias,
com outros elementos dentro do sistema investigado, que estão documentados em uma fonte
historiográfica. É importante destacar que o quadro geral da teoria e a terminologia utilizada
devem ser definidos internamente, não em relação a alguma teoria da Linguística moderna.
Por último, no princípio da adequação, o historiógrafo, depois de ter contextualizado e
analisado seu objeto, pode estabelecer comparações com as ideias linguísticas de seu tempo e
de outros tempos. Assim, o pesquisador precisa indicar para seu leitor o fato de as
aproximações terem sido feitas por ele, o que significa ser explícito nas adaptações que está
propondo.
Acerca desses três princípios, Koerner (2014c, p. 59) ainda pontua:
Para o autor, então, esses três princípios podem auxiliar o historiógrafo da linguística a
trabalhar com a metalinguagem de fontes historiográficas e a não cometer anacronismos,
adaptando o arcabouço teórico à linguagem moderna em seu contexto intelectual e a seu
quadro teórico. Dessa forma, o pesquisador evita a distorção histórica e o distanciamento
entre sua pesquisa e os atuais leitores.
[a] ausência de referência explícita das obras e autores consultados pode ser
suprida pela análise contextualizada do texto linguístico, seja no interior de
um dado paradigma, seja pela via da metalinguagem utilizada.
(CAVALIERE, 2020, p. 137)
pesquisadores que se dedicaram aos estudos estruturais, como Roman Jakobson (1896-1962),
que foi um dos pioneiros desse tipo de análise.
Por esse motivo, é necessária uma investigação sobre a formação intelectual do autor
do objeto analisado, Charles Adrien Olivier Grivet. Para Koerner (2014b), a categoria de
análise da influência, em resumo, diz respeito aos elementos que, direta ou indiretamente,
tiveram impacto sobre a elaboração de uma ideia sobre a linguagem. O pesquisador aponta
que:
Para que esse problema seja repensado, Koerner (2014b) sugere que sejam
considerados os seguintes pontos ao explorar a categoria influência numa pesquisa
historiográfica: i) o histórico do autor, ii) a prova textual; e iii) o reconhecimento público. O
primeiro aspecto trata dos antecedentes do autor e das informações sobre sua formação. Em
nossa pesquisa, depois da realização do levantamento de fontes com informações sobre o
autor, como jornais e revistas nacionais e internacionais, pudemos compilar dados que
orientam a análise e a interpretação da obra, como os lugares onde o autor trabalhou, quais
eram seus ciclos sociais, a quais causas se dedicava, entre outros. O segundo ponto é a prova
textual, ou seja, o estabelecimento de um paralelo entre uma teoria ou um conceito e suas
supostas fontes. O histórico do autor pode ajudar a estabelecer essas fontes, como os
ambientes acadêmicos nos quais circulava, qual foi sua formação, de qual grupos de pesquisa
participava etc. No terceiro ponto, o reconhecimento público ocorre quando existem
referências diretas a outras obras. Nesse caso, é necessário o estudo das obras citadas pelo
autor para estabelecer a relação de influência.
No caso da citação, podemos refletir, ainda, que “[c]itar é, na busca por evidências do
argumento de influência, expor aquilo que um pesquisador considera seu domínio de atuação
e também fixar uma imagem que se quer reconhecida entre seus pares” (BATISTA, 2020a, p.
65). Quando um autor se utiliza desse artifício, ele busca parceiros de profissão para traçar
uma rede discursiva e se inserir nesse meio, procurando o reconhecimento dos seus pares.
Batista (2020a), ao tratar da influência, afirma que ela pode ser captada por meio de
dois aspectos: i) posicionamentos intelectuais e científicos de um agente no seu processo de
formação intelectual (como obras lidas) e/ou pessoal (comunicações institucionalizadas ou
privadas); e ii) contexto histórico, social, político, ideológico e cultural, isto é, a ausência de
um contato necessariamente efetivo entre as pessoas.
Altman (2018) alerta sobre um cuidado que devemos ter ao considerarmos a
influência: o da perda da dimensão coletiva do conhecimento. Para a autora, se pensarmos na
influência em termos de Zeitgeist, ou seja, que o espírito da época de um autor o levou a um
pensamento, essa seria uma concepção muito ampla e insatisfatória. No entanto, se apenas
investigamos os vestígios, a extensão do conceito de influência seria reduzida e, dessa forma,
correríamos o risco da perda das contribuições vindas do coletivo.
Assim, Altman (2018) sugere que, por questões metodológicas, seria mais proveitoso
pensarmos em gerações ou grupos que dialogam tendo como centro uma ideia ou um
pensamento, pois “[...] mais do que concluir pela influência de um ‘pioneiro-herói’ de quem
52
14
Neste trabalho, não trabalhamos diretamente com as noções de “programa de investigação” e de “grupo de
especialidade”, mas, para melhor compreensão, as resumiremos aqui. A expressão “programa de investigação”,
utilizada por Swiggers (2004), se refere a conjuntos de práticas, concepções e procedimentos metodológicos
compartilhados por autores e escolas. Já “grupo de especialidade”, segundo Murray (1998), trata de grupos
organizados institucionalmente que têm como objetivo legitimar o modelo teórico que defendem.
53
como objetivo convencer sobre a legitimidade de algum saber ou técnica. Para isso, são
utilizadas configurações textuais e discursivas e argumentos que sustentam ideias linguísticas
da natureza de uma teoria a ser difundida. É dessa forma que os agentes de conhecimento
atuam com o intuito de convencer o número máximo de pessoas sobre o seu empenho nos
estudos sobre a linguagem, tendo em vista o caráter coletivo da produção intelectual
(BATISTA, 2020a).
Segundo Murray (1998), a retórica pode ser de continuidade ou revolucionária. A
retórica de continuidade é filiada a uma determinada tradição de pesquisa, devendo seus feitos
a essa tradição. Por sua vez, a retórica revolucionária é aquela com reivindicações, que clama
por descontinuidade e que rejeita o trabalho de cientistas predecessores ou procura se afastar
deles. É fundamental destacar que, conforme Batista (2020b), o que os autores afirmam fazer
pode ficar apenas no nível retórico, isto é, um pesquisador pode alegar romper com estudos
linguísticos praticados até o momento, mas, na prática, não se afastar muito deles.
A escolha retórica, para Murray (1998), depende de três fatores relacionados ao
pesquisador: i) do seu potencial de elite (relative eliteness) – se o cientista trabalha ou estuda
numa instituição prestigiada, se ela está geograficamente localizada numa área mais
prestigiada; ii) da sua idade profissional – se é um estudante de pós-graduação, se é um
recém-doutor ou se é um professor universitário que já atua há bastante tempo; e iii) do
reconhecimento de seus pares – se mantém diálogo com outros grupos de estudo e se esses
grupos conhecem e aprovam suas pesquisas. A aceitação de uma ideia linguística depende de
vários fatores, e esses são alguns deles.
A partir disso, nos baseando também em Batista (2019), temos como premissas as
ideias de que i) o conhecimento resulta da articulação entre fatores intelectuais, sociais e
históricos; ii) o posicionamento linguístico-discursivo evidencia a inserção social e
institucional; iii) as manifestações discursivas que advogam por descontinuidade podem ser
vazias; e iv) os grupos de especialidade legitimam ou não as ideias linguísticas. Dessa forma,
o conhecimento, gerado em certo contexto social, é posicionado contra ou a favor de alguma
tradição já existente. A ruptura declarada pelo autor pode ser falseada, isto é, pode clamar por
uma mudança, mas, na prática, dar continuidade às ideias daquela tradição a qual ele se opõe.
Mesmo que suas ideias descontinuem a tradição, grupos de especialidade – constituídos por
outros pesquisadores da mesma área – precisam reconhecer suas concepções linguísticas.
Para que a retórica seja evidenciada pelo historiógrafo, Batista (2019) traça um quadro
sociorretórico com o intuito de propor procedimentos metodológicos que guiem essa análise.
54
dessas modificações, a noção de tradição gramatical continua e, ainda hoje, no século XXI,
temos exemplares da GT publicados.
Como vantagens da utilização das camadas para descrever e explicar a história dos
estudos da linguagem, Swiggers (2019, 2020a, 2020b) aponta que:
i) o uso dessas categorias se faz necessário porque permite explicar que mudanças e
inovações numa camada não correspondem, necessariamente, a uma quebra de
toda a tradição de pesquisa – com isso, auxilia também na explicação sobre a
inovação ou a estagnação de um pensamento linguístico;
ii) o modelo permite entender a dinâmica da disciplina de diferentes formas, como as
mudanças intracamadas, as mudanças na relação entre duas camadas ou a
sobreposição de todas as camadas;
iii) a utilização desse modelo pode servir de padrão de referência para projetos em
Historiografia da Linguística, já que pode ser tomado como ponto de partida para
o estudo de um objeto.
ser atomística, por buscar uma análise de acontecimentos e fatos; narrativa, por relatar
cronologicamente os eventos; nocional-estrutural, por buscar uma análise estrutural do
conjunto de ideias e tipos de abordagem; arquitetônico-axiomática, por descrever e analisar a
estrutura lógica de teorias e modelos como sistemas de axiomas; e correlativa, por procurar
correlacionar pontos de vista e o contexto sociocultural e político.
Dessa forma, como explanado anteriormente, nossa pesquisa é predominantemente
nocional-estrutural, correlativa e arquitetônico-axiomática, pois buscamos compreender as
ideias de Charles Grivet, descrevê-las e interpretá-las, considerando sua imanência e seu
contexto sócio-histórico. Entretanto, a característica atomística também está presente, pois,
em alguns momentos, buscamos uma análise de acontecimentos e fatos.
15
Aqui, nos referimos à defesa de José de Alencar (1829-1877) pelo distanciamento do português falado no
Brasil e em Portugal.
63
tiveram, como e por quê? Sua nacionalidade teria alguma influência nisso? O autor é
representativo da sua época? Não obstante essas não sejam exatamente as perguntas de
pesquisa (cf. 1.4), elas também nos motivam a analisar essa gramática.
O que justificaria, portanto, a quase total ausência de Grivet nas pesquisas
linguísticas? Gurgel (2007), ao tratar da representatividade como critério para seleção de
fontes, delineia os traços encontrados nos trabalhos de algumas linguistas – como Cristina
Altman, Olga Coelho, Rosa Virgínia Mattos e Silva, Leonor Lopes Fávero, Márcia Molina
etc. – para estabelecimento do que seria representatividade no corpus da pesquisa de cada
uma. Os critérios utilizados por essas linguistas, segundo Gurgel (2007), são eventualidade,
função da autoria, gênero textual, geração da autoria, institucionalidade, marco linguístico,
motivação, nacionalidade da autoria, nomenclatura da obra, pioneirismo, repercussividade,
temática e tempo.
Esses critérios são válidos para constituição de um corpus, visto que eles devem estar
relacionados aos recortes da problemática de uma pesquisa. No entanto, podemos repensá-los,
já que replicá-los seria marginalizar uma série de pensamentos linguísticos que foram
descontinuados por motivos externos, não-linguísticos, os quais não têm relação direta com a
consistência desses pensamentos.
Se esses critérios de seleção fossem utilizados em relação à obra de Grivet (1881), o
autor não seria selecionado por diversos motivos, como o fato de não ter se envolvido no
debate de língua nacional (eventualidade), de não ter nascido no Brasil (nacionalidade), de
sua gramática ter tido apenas uma edição (repercussividade) etc. Dessa forma, a partir
daqueles critérios, o autor não seria representativo.
Entretanto, esse é um motivo válido para um autor ou uma obra não ser estudada?
Acreditamos que não, pois obras que fogem dos modelos dominantes têm mais chances de
ficar à margem dos estudos. Sobre o critério da repercussividade, que mais apareceu nos
trabalhos analisados por Gurgel (2007, p. 272), a autora levanta algumas questões: “[...] 1)
Quando uma fonte repercutiu? – No passado ou no presente? Quando no passado?; 2) Em
quem uma fonte repercutiu?; 3) Por que ela repercutiu?; 4) Como ela repercutiu; 5) Onde ela
repercutiu?”. Pensando sobre esses questionamentos, podemos perceber que, às vezes, não
basta uma ideia ser boa para que ela seja aceita. Fatores externos ao estudo da linguagem
auxiliam ou dificultam a propagação de certas ideias linguísticas.
É por esse motivo que, nesta pesquisa, utilizamos uma fonte “pouco representativa”,
se usarmos os critérios citados como referência. Com a escolha dessa gramática póstuma, de
64
edição única, pouco estudada e de autor estrangeiro, queremos demonstrar que obras que não
tiveram grande destaque em alguns meios e não ficaram marcadas na história – pelo menos na
história contada pela maioria – podem contribuir para os estudos linguísticos e serem, pelo
menos, (re)conhecidas.
Página (numeração do
Divisões da obra Página (numeração da gramática)
PDF)
Todo o capítulo destinado à sintaxe em Grivet (1881) nos interessa neste trabalho;
elaboramos, todavia, um quadro geral para organizar de forma sintética o que o autor entende
pelo tema. Assim, o Quadro 3 foi desenvolvido para traçarmos questões gerais da abordagem
sintática no trabalho do suíço. Na primeira coluna, “definição”, inserimos o conceito do autor
sobre sintaxe; em “metatermos”, os principais metatermos utilizados pelo autor; em
“definição de oração”, o modo como o autor conceitua oração; e, em “organização da
oração”, a forma como a oração é organizada na obra.
Quadro 3 – Quadro para mapeamento das definições gerais de sintaxe em Grivet (1881)
O Quadro 4 foi pensado para organizarmos o pensamento do autor sobre uma das
principais teorias da obra: a das funções. Grivet aborda a teoria das funções logo no início do
capítulo sobre sintaxe, mas também a retoma no decorrer das 275 páginas dedicadas ao estudo
sintático. Em razão disso, esse quadro foi necessário para sistematizar as informações e
facilitar a análise dessa ideia na obra.
Fato
Sujeito
Complemento direto
Predicado
Aposição
Ligação
Verbo
Distribuição
dos termos Substantivo
de acordo
Artigo
com as
“espécies de Adjetivo
palavras”
Pronome
66
Particípio
Preposição
Advérbio
Conjunção
Exceções ou notas
No início do trabalho, expomos nossa curiosidade pela gramática de Grivet por causa
das menções à língua francesa. Essas referências não poderiam estar ausentes do mapeamento
da gramática. Por isso, o Quadro 10 foi elaborado para a organização desses trechos em que o
autor utiliza o francês para exemplificar temas gramaticais.
Além do francês, outras línguas são, por vezes, apesar de poucas, citadas pelo
gramático suíço, como o alemão. Em razão disso, o Quadro 11 foi elaborado para sistematizar
as referências a essas línguas, sejam elas voltadas para a sintaxe ou não, desde que
comentadas pelo autor.
A maior parte do exemplar linguístico utilizado pelo autor é composta por autores
clássicos, isto é, autores mais antigos do que Grivet e que ganharam destaque na literatura.
Dessa forma, o Quadro 12 foi desenvolvido por nós.
Por último, o Quadro 13 foi elaborado para que listássemos outras gramáticas ou
outros gramáticos aos quais Grivet faz referência explícita.
“Quem compara, ainda que mui perfunctoriamente, a conjugação dos verbos francezes com a dos
verbos portuguezes, não tarda em ficar advertido da razão que impõe aos primeiros, no discurso,
uma constante adjuncção dos pronomes sujeitos, ao passo que dispensa geralmente os segundos de
tão importuna formalidade, com grande proveito para a linguagem, que dahi cobra alacridade e
vigor” (p. 234) Obs.: é numa resposta a outros gramáticos que compararam com o francês. A
pronúncia de várias formas verbais do francês é igual. Por isso, precisa do sujeito marcado.
“Portanto, como termo syntaxico, o tal IL não é nada. Não é nada porque, ainda que pronome por
natureza, ahi não substitue a nenhum substantivo, e conseguintemento não representa idéa alguma;
faz apenas o officio de indicador: « Ahi vai verbo»; é palavra expletiva e mais nada” (p. 235) Obs.: ele
diz que “il” não é substituto direto de nome porque, se fosse feminino, teria que substituir “il” por “elle”.
“Nas mesmas condições, emfim, forma ella a terceira classe dos combinados, isto é, o verbo
gerundial, que o francez possuia também em tempos ainda não mui remotos, mas deixou cahir em
desuso por falta de assenso sobre se devia o seu gerúndio ser variavel ou invariavel” (p. 268)
“O 1.º tempo do condicional (presente-passado-futuro proprio) deve, com mais alguns tempos, tão
estirada denominação á conveniência de reagir, a bem da verdade, contra a mania que faz
transferir, sem critério, das grammaticas francezas, tudo quanto parece ter applicação á grammatica
portuguesa” (p. 298)
“Sendo o sujeito composto, a regencia por elle exercida não é tão absolutamente a que, importada
da lingua franceza, onde tem o seu cabimento, vai desmoronando por ahi, nas escolas, a
vernaculidade portugueza, que repugna ao afrancezamento syntaxico por indole e isensão” (p. 351)
“O francez, sequioso de supprir a falta tão sensivel de terminações caracteristicas pela ligação
possivel das palavras, mórmente na elocução emphatica do pulpito, da tribuna e do theatro, não
achou, todavia, neste recurso senão um meio muito insuficiente de emendar o seu vicio originario.
Para compensar o que ainda assim lhe fallecia, não admittiu senão parcamente o jogo das inversões,
e pautou mais as relações de sua syntaxe por uma especie de systema algebrico, procedendo por
equações. Deste modo firmava elle a integridade do pensamento. O portuguez, pelo contrario, rico
de sonoridades caracteristicas, e, por isso, mais musical, acabou por offender-se de qualquer
dissonancia ; e, no seu melindre excessivo, antes quiz constranger o espirito ao esforço de uma
interpretação do que sujeitar o ouvido a uma cacofonia” (p. 356-357)
“Se, todavia, os novadores desentoados notarem que tal argumentação desmerece por nimiamente
fraca, não será fora de proposito recordar lhes que o proprio francez, apezar de sua pouca exigencia
em semelhante assumpto, não duvida de em mais de um caso sacrificar o rigor mathematico á
euphonia, sem que o motivo tenha mais de valioso do que o que acaba de ser allegado. Pois,
reconhecendo,
por exemplo, no vocabulo « tout », um mero adverbio, isto é, uma palavra invariavel, quando por
anteposição
a um adjectivo ou participio, modificar-lhes o alcance de significação, todos os grammaticos
francezes lhe attribuem, não obstante, a variabilidade adjectival em certas e determinadas
circumstancias. (« Ces personnes sont TOUT ETONNEES, TOUTES STUPEFAITES de ce qui arrive. » — … TOUT …
TOUTES !!)” (p. 357)
Para organizar esses dados, capturávamos a tela do site e a inseríamos num editor de
textos com as seguintes informações: nome do jornal, cidade e edição do periódico e ano de
publicação. Enquanto salvávamos esses dados, já os colocávamos em ordem cronológica.
16
O levantamento foi realizado em 2020, primeiro ano do nosso mestrado. O ano de 2019 foi escolhido como
último porque gostaríamos de trabalhar com anos que já tivessem terminado.
71
se estendia aos escravos, que não eram considerados cidadãos, logo, não podiam se matricular
nem frequentar as escolas. Notamos que a implantação do processo educativo formal no nosso
país, há quase 300 anos, deixou resquícios que se estendem até hoje, como a exclusão de
alguns grupos sociais dos espaços educativos e a desvalorização econômica na área da
Educação.
Na segunda metade do século XIX, houve um intenso debate sobre conteúdos e
métodos de ensino e sobre os meios de efetivar uma educação popular. Foi difundida a crença
do poder da escola como fator de mudança social. Nesse contexto, um modelo de ensino que
direcionava para a escolarização em massa foi gerado (SOUZA, 2000). Classes
socioeconomicamente mais desfavorecidas foram contempladas pela educação formal, mas
problemas de inclusão surgiram – os grupos que, por muitos anos, foram excluídos não
conseguiam acompanhar aqueles que tinham mais condições e já estavam inseridos no
contexto educacional.
No que tange ao ensino de língua portuguesa, no século XIX, segundo Bunzen (2011),
este era organizado nas disciplinas “Gramática Geral” e/ou “Gramática Filosófica”, que
priorizavam a comparação da língua vernácula e com a língua latina. No final da primeira
metade do século XIX, a “língua nacional” começou a aparecer como principal objeto de
ensino das aulas de “Gramática Nacional”. Os conhecimentos gramaticais, assim,
contribuíram para a emergência e para a institucionalização da língua portuguesa como
disciplina escolar.
Posteriormente, ocorreram reformas políticas que modificaram o ensino de língua. Os
textos em latim ou em línguas estrangeiras trabalhados em sala de aula deram espaço a textos
em língua portuguesa, elaborados por autores portugueses ou brasileiros. Até o fim do período
histórico conhecido como “Brasil Império”17, alguns fatores sobre o ensino de LP merecem
atenção.
O primeiro é a inclusão obrigatória, em 1871, da língua portuguesa nos exames para
ingresso nos cursos superiores do Império. Para que uma pessoa ingressasse no ensino
superior, era preciso fazer um exame avaliatório de português, ao contrário do que ocorria no
início do século, quando eram solicitados exames de gramática latina e de uma língua
estrangeira. Outro fato para o qual chamamos atenção é a criação do cargo de professor de
17
Para ser organizada de forma didática, a história do Brasil é dividida em fases. A do “Brasil Império” tem
início em 1822, com o processo de independência do país, e termina em 1889, com a Proclamação da República
(DOLHNIKOFF, 2019).
74
português, também em 1871, o que impactou na produção linguística, já que obras voltadas
para concursos começaram a ser produzidas.
Cabe um destaque para a formação do professor de língua portuguesa. Segundo Salino
(2012), a cultura brasileira foi alimentada pelo tronco humanístico das disciplinas de
gramática, retórica e poética aplicadas ao latim e ao português. Essa cultura, que não
apresentava um objetivo imediatista, no Brasil, servia para distinguir os letrados e os
ignorantes, voltando-se para a formação da aristocracia e para preparar a elite que não abria
mão do poder. Pensando nesse público consumidor da NGALP, podemos presumir as
motivações de Grivet para discussões tão complexas na sua obra. Salino (2012, p. 16),
inclusive, afirma que “[a] gramática [...] de Grivet – um tratado muito desenvolvido e sério –
estava mais próximo do uso dos professores do que dos alunos”, até mesmo porque Grivet
endereçou a obra aos primeiros.
Apesar de não ser o foco do nosso trabalho adentrarmos o assunto, mas apenas darmos
um panorama que auxilie na análise da NGALP, essas divisões do ensino de português,
nomenclaturas e direcionamentos oficiais sobre os conteúdos a serem ministrados pelos
professores não necessariamente correspondiam à realidade da sala de aula e aos
materiais/recursos didáticos utilizados. Como estava no início da profissão de professor de
português, da língua portuguesa como disciplina escolar e com uma intensa produção de
materiais didáticos, era comum que determinados conteúdos fossem confundidos – como
Retórica e Gramática – ou que os professores pudessem continuar suas aulas da maneira como
faziam antes de leis e decretos do governo. Além disso, essas mudanças e adaptações não
ocorreram de um dia para o outro, mas com certo tempo, e ainda podemos ver transformações
sendo feitas.
A primeira gramática de Grivet, que veio a originar a que analisamos, foi publicada
em 1865. Apesar de não termos acesso a ela, sabemos que essa obra é mais sintética do que a
de 1881. O autor, na época, passava por problemas financeiros. Aliando essa dificuldade de
Grivet às demandas por materiais preparatórios para exames e para aulas de português,
podemos inferir que a produção da Nova Grammatica Analytica da Lingua Portugueza foi, de
certa forma, motivada por esses fatores.
Para Clare (2003), só no final do século XIX é que os ensinos de Gramática, Retórica
e Poética deram lugar à disciplina “Língua Portuguesa”, baseada na leitura da gramática da
língua e na leitura de antologias de autores lusitanos e de alguns brasileiros que imitavam os
clássicos, para que o “bem escrever” fosse aprendido e imitado pelos alunos. Para a autora,
75
[...] meados para o fim do século 17, estavam em cena duas grandes
tendências interpretativas do processo do conhecimento: uma racionalista,
que postulava uma dinâmica hipotético-dedutiva, considerando que assim
tinha sido, no fundo, o raciocínio de Copérnico; e outra empirista, que
postulava uma dinâmica indutivo-generalizante, que dava grande ênfase ao
papel das observações sistemáticas. (FARACO; VIEIRA, 2021, p. 485)
Neste capítulo, analisamos o tratamento dado por Charles Grivet à sintaxe na Nova
Grammatica Analytica da Lingua Portugueza (1881). Para tanto, utilizamos as camadas do
conhecimento linguístico (SWIGGERS, 2004, 2019) como principal categoria de análise,
sobretudo por estabelecer parâmetros para análise da fonte e por motivos organizacionais.
Além disso, no interior das camadas do conhecimento linguístico, também mobilizamos
outras categorias, como a influência (KOERNER, 2014b) e a retórica (BATISTA, 2019).
Como vimos no segundo capítulo, as camadas do conhecimento linguístico são
divididas em quatro: contextual, documental, técnica e teórica. Para melhor estruturar o
trabalho, organizamos este capítulo em cinco partes.
Na primeira, expomos um panorama da obra, destacando alguns tópicos de outras
partes da gramática que serão importantes para a análise da abordagem sintática.
Na segunda parte, dedicada à análise da camada contextual, analisamos o contexto
cultural e institucional da NGALP e de Grivet. Assim, abordamos estratégias discursivas na
retórica mobilizada pelo autor, suas influências intelectuais e um pouco da recepção de suas
ideias na sociedade.
Em seguida, na análise da camada teórica, investigamos a visão de linguagem presente
na obra analisada. Para isso, analisamos os principais pensamentos sintáticos do autor, como a
teoria das funções, a crítica ao verbo substantivo e as figuras de linguagem.
Na camada técnica, exploramos as técnicas de análise e os métodos de apresentação
utilizado por Grivet na Nova Grammatica Analytica.
Por fim, na camada documental, tratamos da documentação linguística utilizada na
obra para auxiliar na elaboração dessa fonte. Nessa parte, analisamos quem foram os autores e
quais foram os textos citados por Grivet e de quais países eles eram, quais domínios
discursivos eram utilizados como exemplar linguístico, entre outros aspectos.
como já abordado, foi fundamental para a publicação da obra. Depois, o “Prefacio”, escrito
por Grivet, revela suas expectativas com a obra, como a de a obra servir como método de
ensino sistemático da linguagem.
As “Noções preliminares” já indicam alguns pensamentos do autor, como sua noção
de gramática, que é a da “[...] arte de fallar e escrever corretamente” (GRIVET, 1881, p. 1), já
abordada anteriormente. Nessa parte, o gramático também afirma que, para falar e escrever
corretamente, é preciso seguir as numerosas regras da “boa razão” (dos clássicos). Para torná-
las mais compreensíveis, a gramática é dividida em cinco partes, sendo elas: “lexicologia”,
“syntaxe”, “orthographia”, “prosódia” e “pontuação”. Essa forma de partição parece ser
singular, já que, como vemos na Figura 21, ela é citada em trecho do artigo “A reforma
gramatical portuguêsa (II)”, de Délcio Muniz, publicado em 1967:
Outra observação a ser feita é a adição de uma quinta parte, a “pontuação”, que, até o
momento, fazia parte da ortografia. A quinta divisão da gramática representa uma inovação
em relação à tradicional divisão em quatro partes, que vem desde o período medieval
(FÁVERO, 1996 apud JESUITA, 2014), com Prisciano (séc. V-VI d.C.), e ainda era
encontrada no século XIX, com Ernesto Carneiro Ribeiro (1839-1920), na Grammatica
Portugueza Philosophica (1881), por exemplo. Isso demonstra que, apesar de seguir uma
tradição gramatical, também alinhada aos seus autores contemporâneos, pelo fato de
apresentar divisões já conhecidas da gramática, o autor é crítico e, além de eliminar a
“etimologia” dos seus tópicos, adiciona uma outra parte em sua obra, a da pontuação.
A seguir, expomos um pouco sobre quatro partes da gramática NGALP, deixando as
próximas subseções para tratar predominantemente da sintaxe, que é tema do nosso trabalho e
foco da nossa investigação.
A lexicologia está exposta em 219 páginas, o que corresponde a 34,9% da obra. Para
Grivet (1881, p. 1), ela “[...] é a parte da Grammatica que ensina a natureza e as fórmas das
palavras”. Na lexicologia, o autor divide as palavras em dez espécies, numa divisão conhecida
hoje como “classes de palavras”. As dez espécies são: verbo, substantivo, artigo, adjectivo,
pronome, participio, preposição, adverbio, conjuncção e interjeição. Dessas dez classes
apresentadas por Grivet, só o “particípio” não é mais considerado como uma classe para a
Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB)18, que adicionou a categoria “numeral” e manteve
o quantitativo de dez classes.
É pertinente reproduzir a definição de cada espécie de palavra, pois elas estão
diretamente ligadas à teoria da funções, sobre a qual discutiremos adiante. No Quadro 15,
podemos ler, então, a noção de cada uma das dez espécies de palavras. Numa coluna ao lado
das definições, inserimos o critério utilizado pelo autor para elaborá-las.
Quadro 15 – Divisão e definição das espécies de palavras de acordo com Grivet (1881)
18
A NGB é uma uniformização da nomenclatura gramatical instituída em 1959 pela Portaria Ministerial nº 36 de
28 de janeiro do mesmo ano. Essa política linguística repercutiu – e ainda repercute – nas práticas pedagógicas e
na elaboração de materiais didáticos de língua portuguesa. Para mais informações, consultar Henriques (2009).
82
Esta obra, pela robusteza da lógica e pela vasta erudição que a rege desde o
principio até o fim, destaca-se completamente de todas as outras de igual
natureza até hoje conhecidas. Classificadas as matérias segundo as mais
vigorosas exigências da linguagem, cada parte é tratada com magistral
proficiência. As regras, ampla e claramente expostas, são sempre
acompanhadas de valiosissimas reflexões sobre a sua applicação, sendo estas
corroboradas, a cada passo, pelo exemplo e autoridade dos escriptores
clássicos de melhor nota; e assim firmadas, tanto as regras como a sua
genuina applicação, poem naturalmente em relevo as incorrecções que o uso
tem pouco a pouco introduzido na pratica (RELATORIO..., 1881, p. XIX).
Nem se diga que por ter tão profundamente penetrado nos mysteriös da bella
lingua de Antonio Vieira, a obra do Snr. Grivet é inaccessivel aos espiritos
menos reflectidos ; visto que, por meio de uma analyse perfeitamente
desenvolvida, tornam-se de facil comprehensão os assumptos mais
abstractos e os mais complicados. (RELATORIO..., 1881, p. XIX)
Expressões como “robusteza da lógica” e “vasta erudição” nos permitem supor que
não era de todo fácil a compreensão da gramática pelos professores de português em geral, já
que tanto a disciplina Língua Portuguesa quanto o cargo de professor de português tinham
sido criados há pouco tempo, ou seja, a formação desses professores ainda estava entrando em
estabilidade. Além disso, podemos ler que “[...] a obra do Snr. Grivet é inaccessivel aos
espiritos menos reflectidos”, o que corrobora nosso pensamento, uma vez que, “[...] para
formar um juizo seguro ácerca desta obra, seria preciso lêl-a toda, não havendo nella palavra
alguma supérflua” (RELATORIO..., 1881, p. XIX), também contribuindo para a nossa ideia
85
de que a leitura da gramática de Grivet foi, provavelmente, complexa até mesmo para os
professores da época.
No prefácio, escrito pelo autor e datado em 1874, lemos:
[n]ão quer isso dizer que a linguagem deva ficar estacionaria no meio deste
constante e irresistivel andar de todas as cousas humanas; não, muito pelo
contrario: a cada seculo, a cada geração mesmo compete uma
phraseologia propria, que, reflexo historico, registre as suas conquistas
no dominio da civilisação, e formule as suas aspirações para o ideal em
que tem fitos os olhos; porém o valor litterario desta phraseologia não
póde estar em romper ella com as tradições das éras anteriores, e sim em
vasar os pensamentos novos no molde largamente accommodatécio donde,
pela vez primeira, sahiu a lingua no esplendor da mocidade, do vigor e da
louçania, firmando para sempre a sua autonomia entre as suas irmãas da
estirpe greco-latina. (GRIVET, 1881, s/p, grifos nossos)
tradições anteriores, mas pode apresentar seu pensamento em novos moldes, mais adequados
para seu contexto.
É exatamente isso que Grivet faz. Sua retórica corresponde ao que ele realiza na
gramática. O autor, no prefácio da Nova Grammatica Analytica da Lingua Portugueza, não se
propõe a romper com a tradição gramatical. Pelo contrário, até então, ele já afirmou a
importância do trabalho com os clássicos e, no último trecho citado, ele admitiu que muitas
das suas ideias não rompem com gramáticas anteriores: o que muda é a forma de apresentá-
las – disso surge, possivelmente, a “teoria das funções”, sobre a qual discorremos na próxima
subseção.
No fim do prefácio, lemos:
foram escritos por Grivet, o que dificulta a análise. No entanto, podemos observar alguns
outros gestos, como o título dado à gramática: Nova Grammatica Analytica da Lingua
Portugueza.
O adjetivo “nova” já supõe uma “velha” gramática, não necessariamente a sua
publicada anteriormente, em 1865, mas até mesmo em relação a gramáticas de outros autores.
Vejamos no Quadro 16 o título das gramáticas de língua portuguesa publicadas na década de
70 do século XIX:
Quadro 16 – Título das gramáticas de língua portuguesa publicadas nos anos de 1870
Ano de
Nome da gramática Autor(es)
publicação
Joaquim Caetano
Grammatica theorica e pratica da lingua Fernandes Pinheiro
1870
portugueza
(1823-1876)
Compendio da grammatica portugueza Frederico Ernesto Estrella
adoptado para uso das escolas da publicas do Rio Villeroy
1870
Grande do Sul pelo respectivo Conselho Director
da Instrucção Publica (1835-1897)
Salvador Henrique
1873 Rudimentos da grammatica portugueza Albuquerque
(1813-1880)
Manuel José Pereira
1874 Postillas de grammatica portugueza Frazão
(1836-?)
por... (?)
Compendio da grammatica portugueza: para uso Augusto Freire da Silva
1875 de alunos de humanidades, que frequentam a
aula de portugues (1836-?)
Manuel Olimpio
Grammatica portugueza destinada ao curso do 1.° Rodrigues da Costa
1876
anno do Imperial Collegio Pedro Segundo
(?-1891)
19
A lista de gramáticas foi extraída do catálogo de gramáticas da língua portuguesa (de 1536 a 2018), um
documento elaborado pelo HGEL e, até o momento, de uso interno do grupo.
89
Figura 23 – Grivet citado em periódico, ao lado de Julio Ribeiro, como argumento de autoridade
Fonte: Diario de Belém: Folha Politica, Noticiosa e Commercial (PA) - Ano 1889\Edição 00027 (1)
Em 1984, o autor foi citado pela penúltima vez (Figura 16, cf. 1.3.2) como argumento
de autoridade por Napoleão Mendes de Almeida, o que indica uma possível influência de
Grivet sob este outro gramático, que nos é tão recente. Já a última ocorrência (Figura 17, cf.
1.3.2) do suíço nos jornais foi em 1989, pelo escritor Cécil Meira.
Em relação à rede de influências de Grivet, o autor cita vários trechos de outros textos
em sua obra, mas todas sem referências. Identificamos que algumas são da Grammatica
portugueza, accommodada aos princípios geraes da palavra, seguidos de immediata
applicação pratica (1866), de Francisco Sotero dos Reis (1800-1871). Então, essa é a única
influência explícita, ainda que seja para criticar o gramático maranhense.
93
Tanto a definição de Júlio Ribeiro (1885) quanto a de Frei Caneca (1875) são voltadas
para a relação das palavras e composição das sentenças. Grivet não nega essa relação entre
palavras, mas acrescenta a noção de “teoria das funções”.
94
As funções exercidas pelos termos são um resumo feito, na parte dedicada à sintaxe, a
partir das dez espécies de palavras distribuídas na lexicologia. Os termos que compõem a
teoria das funções são sete: fato, sujeito, complemento directo, complemento indirecto,
predicado, apposição e ligação.
Antes de nos aprofundarmos em cada função, é preciso compreendermos melhor a
organização delas. Para Grivet (1881, p. 222), é necessário que:
Função Definição
“O FACTO fica enunciado por um verbo, e só por um verbo em um dos
Facto
quatro modos outros que o infinitivo” (p. 222)
“O SUJEITO [fica enunciado] essencialmente por um substantivo ou um
Sujeito
pronome, accidentalmente por um infinitivo” (p. 222)
Complemento “O COMPLEMENTO DIRECTO [fica enunciado] promiscuamente por um
directo substantivo ou um pronome, e separadamente por um infinitivo” (p. 223)
95
5.3.1.1 Facto
A primeira função descrita por Grivet é o fato, que é enunciado por um verbo. O fato é
a palavra que, segundo o autor, dá vida ao discurso. Sem o verbo, que tem essa função, não há
comunicação, independentemente de quais outras forem as espécies de palavras utilizadas na
enunciação. O fato pode aparecer com ou sem sujeito, com ou sem complementos e com ou
sem predicado, como nos exemplos:
O gramático alerta sobre o infinitivo. Segundo ele, outros autores atribuíram a essa
forma propriedades idênticas às dos quatro modos: indicativo, condicional, imperativo e
subjuntivo. Entretanto, ele não exprime um pensamento, apenas uma ideia ou um conjunto de
ideias, como em “PREGAR [não ha de ser] PRAGUEJAR. (Gil Vicente)” (GRIVET, 1881, p.
292). Sem o que está entre colchetes no exemplo do autor, ou seja, se fosse apenas “PREGAR
96
Antes, o autor explica que pensamento é um ato intelectual que implica a formação de
um juízo. Com essa ideia, podemos perceber uma influência racionalista que remete à
Gramática de Port-Royal. O que caracteriza um pensamento é o fato de ele poder ser aceito ou
não, independentemente do seu valor de verdade. Ideias soltas não formam um pensamento.
Por isso, ele é constituído por uma ou mais ideias. Quando é de apenas uma, esse termo, se
não estiver no infinitivo, é o fato.
Na citação anterior, temos três frases com exemplos de fatos: “anoitece”, “trovejou” e
“choverá”. Todas elas, apesar de só terem uma palavra, remetem a uma ideia e podem ser
impugnadas: anoitece? Sim/não! Trovejou? Sim/não! Choverá? Sim/não! Se esses verbos
estivessem no infinitivo, as perguntas não poderiam ser feitas.
97
Depois da introdução sobre o que é o fato, Grivet se aprofunda nos quatro modos
verbais: o indicativo, o condicional, o imperativo e o subjuntivo. Por motivos organizacionais,
também dividimos esses modos nos subtópicos em seguida.
O modo indicativo apresenta oito tempos, sendo cinco simples e três compostos. Para
sistematizar essa classificação, elaboramos o quadro abaixo, com o número ordinal do tempo,
seu nome e um ou mais exemplos dados pelo autor.
pretérito prefeito “Estes são os aduladores,… attentos somente a não desgostar ou entristecer o
4º
composto agrado em que TÊM FUNDADO seus interesses. (P. Ant. Vieira)” (p. 296)
pretérito mais que “Fabricou Salomão um palacio real em Jerusalem, que, depois do templo que
5º
perfeito simples elle EDIFICARA, foi o segundo milagre. (P. Ant. Vieira)” (p. 296)
“E logo, pedindo um missal fez (D. João de Castro) juramento sobre os
Evangelhos que, até a hora presente, não era devedor à fazenda real de um só
cruzado, nem HAVIA RECEBIDO cousa de christão, judeo, mouro ou gentio ;
pretérito mais que
6º nem, para a autoridade do cargo ou da pessoa, tinha outras alfaias que as que
perfeito composto
de Portugal TROUXERA ; e que ainda a prata que no reino FIZERA, HAVIA já
GASTADO ; nem TIVERA jámais possibilidade para comprar outra colcha que a
que na cama vião. (Jacintho Freiro de Andrade)” (p. 297)
“Como se ANIMARÁ o soldado a buscar a honra por meio das bombardas e dos
7º futuro simples mosquetes, se vê em um peito o sangue das balas, e noutro a purpura das
cruzes ? [...] (P. Ant. Vieira)” (p. 297)
“Perdeu V. Ex. um tão grande, tão fiel e tão honrado amigo e parente... … Só
nos fica o allivio e consolação da fé, esperando que, assim como Deos o livrou
8º futuro composto
das perseguições tão mal merecidas deste mundo, lhe HAVERÁ DADO no céo o
descanso. (P. Ant. Vieira)” (p. 298)
O primeiro tempo, presente, sem muitos mistérios, indica ações que ainda ocorrem no
tempo atual. Já o segundo, pretérito imperfeito, implica uma lembrança, podendo substituir o
presente quando o fato é subordinado a um verbo que antes anunciou um passado. Dessa
forma, o verbo, por atração, seria “constrangido” a declarar no passado o que, na verdade, é
do presente: “Bem DISSE S. Ambrosio que mais VALIA um dinheiro tirado do pouco, do que
um thesouro tirado do máximo. (P. Man. Bernardes) […]” (GRIVET, 1881, p. 295). Nesse
caso, o “valia” significa um “vale”, mas, devido ao passado em “disse”, o verbo “valer” é
forçado a ficar também no passado.
O pretérito perfeito simples, terceiro tempo, aponta fatos que já sucederam. Grivet
comenta que esse tempo já recebeu, pelos filólogos, o nome de “passado histórico” ou
“nativo”. O quarto tempo, pretérito perfeito composto, substitui o terceiro quando se refere a
um fato sucedido de forma repetitiva ou completamente concluído.
Já o quinto tempo, pretérito mais que perfeito simples, indica o fato como anterior a
uma época já terminada, caracterizando um “duplo passado”. O alcance do sexto tempo,
pretérito mais que perfeito composto, é o mesmo que do quinto, diferenciado apenas por
causa da mistura nas orações, sem distinção na determinação do tempo. O penúltimo tempo,
futuro simples, remete a um fato que ainda ocorrerá. O último, futuro composto, a um que já
terá ocorrido quando outro acontecer.
Esse modo apresenta quatro tempos, sendo dois condicionais genuínos e dois
condicionais suplementares. Genuínos são os que não podem ser confundidos com outras
inflexões do verbo devido a suas formas, podendo exprimir o condicional com a perfeita
propriedade de sentido. Os suplementares não modificam a propriedade dos genuínos, mas
podem substituí-los para melhorar a elocução pela variedade e pela eufonia, como em
“PUDERA-SE fazer problema onde ha mais pescadores, e mais modos e traças de pescar, se no
mar, ou na terra. (P. Ant. Vieira)” (GRIVET, 1881, p. 298), em que “pudera-se” podia ser
trocado por “poder-se-hia”, sem alterar o sentido, favorecendo, assim, a dicção.
No quadro abaixo, encontramos os tempos do modo condicional:
Vieira)” (GRIVET, 1881, p. 301). Isso também ocorre quando, “[...] por uma ficção que
recorda o MODO OPTATIVO da lingua grega [...]” (GRIVET, 1881, p. 301), a ordem ou pedido
é direcionado à primeira ou à terceira pessoa do singular ou do plural. É interessante notar a
menção feita pelo autor à língua grega para fins de explicação de um detalhe do português,
que pode ser visto abaixo:
(3.ª P.) — FAÇA O PRINCIPE seu corpo da guarda o amor dos subditos. —
ADMITTA homens aos cargos pelo ser, não pelo parecer. — SEJA clemente,
mas não DEIXE de ser severo. (P. Ant. Vieira).
lhe DESSEM por mulher uma philistéa. (P. Ant. Vieira)” (GRIVET, 1881, p. 305).
O uso dessas ligações não indica necessariamente o modo subjuntivo, mas, sem
alguma delas, o subjuntivo não é produzido. É isso que ocorre nos seguintes exemplos que,
carecendo de eventualidade, são classificados, respectivamente, no indicativo e no
condicional:
5.3.1.2 Sujeito
Para Grivet, a função do “sujeito”, que pode ter uma ou mais palavras, é impor ao
verbo o número e a pessoa. Caso não haja sujeito, falta ao verbo “personalidade”. Por esse
motivo, o verbo só apresenta uma forma em cada tempo. Estão aptos a serem sujeitos apenas
o substantivo, o pronome e o verbo na sua forma infinitiva. Se o verbo estiver no gerúndio,
ele não pode ser um sujeito. Vejamos um exemplo do autor:
Não se soffre que gente que tem um mesmo Pai celestial, e caminha
juntamente para uma mesma cidade celestial, não se ame no
103
inadequada do trecho extraído de Padre Manuel Bernardes, tendo como grafia correta: “quem
quer, vai; quem não quer, manda”.
O sujeito pode ser simples ou composto. Caso seja simples, o verbo concorda com ele
em número, pessoa e gênero, no caso de um verbo na voz passiva. Em relação a essa
concordância do verbo com o sujeito quanto ao gênero, acreditamos que seja, na verdade, a
concordância do particípio com o sujeito, como num exemplo apresentado pelo gramático:
“[q]uantos VIERÃO a servir porque QUIZERÃO [ELLES quizerão] SER mais SERVIDOS, ou
SERVIDOS de mais do que PODIÃO [ELLES podião] ] manter ! (P. Ant. Vieira)” (GRIVET, 1881,
p. 350). Nota-se que “servidos” concorda com “elles”, não com “quizerão”.
Caso seja composto:
[...] a regencia por elle [sujeito composto] exercida não é tão absolutamente
a que, importada da lingua franceza, onde tem o seu cabimento, vai
desmoronando por ahi, nas escolas, a vernaculidade portugueza, que repugna
ao afrancesamento syntaxico por indole e isenção. (GRIVET, 1881, p. 351)
Nesse trecho, o autor declara que o sujeito composto, no português, foi tomado da
língua francesa, mas que, nas escolas, onde há a “vernaculidade portugueza”, ele foi
modificado. Com o composto – formado por substantivos, pronomes ou os dois –, o verbo
passa para o plural, concordando também em gênero, caso seja passivo. A concordância de
gênero se dá com a palavra mais próxima do verbo, por anteposição ou posposição.
Se os substantivos representarem ideias abstratas, como em “[a] vida e o tempo nunca
pára. (P. Ant. Vieira)” (GRIVET, 1881, p. 352), o verbo, por silepse, continua no singular,
mostrando mais uma vez o critério semântico utilizado pelo autor nas suas concepções
sintáticas.
Em seguida, o autor comenta casos de particularidades de concordância e faz um
comentário que merece ser reproduzido: “[...] o que assenta ao francez, não tem
necessariamente igual cabimento no portuguez ; porquanto, obedecendo a necessidades
diversas, cada um dos idiomas deve caminhar por sua propria vereda” (GRIVET, 1881, p.
356). O autor, nesse trecho, reconhece a particularidade de cada língua, não sendo possível,
portanto, transferir a gramática de uma língua para outra. Dessa forma, ele se mostra contrário
ao que vinha fazendo a linhagem gramatical latinizada.
Figura 24 – Citação a Grivet em jornal do século XIX sobre discussão acerca do pronome “lhe” como
complemento direto
Fonte: A Republica: Orgão do Club Republicano (PA) - Ano 1891/Edição 00372 (1)
O artigo, escrito por Vilhena Alves, discorre acerca do pronome “lhe”. De acordo com
o texto, esse pronome, quando acompanhado de verbos transitivos diretos, equivalendo a “o”,
pode ser transformado em “ele”, atuando como sujeito da passiva. Essa afirmação é amparada
por uma citação a Grivet, que afirma ser possível os complementos diretos, quando
constituídos por substantivos e pronomes, formarem o sujeito dos mesmos verbos quando na
108
forma passiva. No entanto, a ideia de Vilhena Alves entra em conflito com Grivet, quando o
gramático chama “lhe” e “lhes” de complementos indiretos pleonásticos e afirma que eles só
podem servir como indiretos, conforme veremos na próxima subseção.
[v]eiu UMA VEZ a luz A SER JULGADA NO JUIZO DOS HOMENS, e vinha ella
MUITO confiada, porque JÁ ANTIGAMENTE tinha apparecido DIANTE DO
JUIZO DE DEOS, e sahíra DELLE COM GRANDES APPROVAÇÕES. (P. Ant.
Vieira). (GRIVET, 1881, p. 372, grifos nossos)
“[q]uanto ás cousas da India, elas fallarão por si e por mim. (Affonso de Albuquerque)”
(GRIVET, 1881, p. 374), não podendo ser “[...] elas fallarão por si e mim”, ou seja, o “por”
não pode ser oculto.
O autor também discorre sobre a preposição “entre”, cujo sentido é tão particular que
sua repetição se torna inadmissível, como em “[q]uero metter tempo ENTRE A MORTE E A
gênero, o número e o caso. Já o gerúndio em “DO”, chamado assim por Grivet devido à sua
terminação, é invariável em gênero e número.
O autor continua:
5.3.1.5 Predicado
Um exemplo dado pelo autor é “se os HOMENS vos são INGRATOS, não SEJAIS VÓS
INGRATOS a Deos. (P. Ant. Vieira)” (GRIVET, 1881, p. 389). Nesse caso, “ingratos”, nas duas
ocorrências, é apontado como predicado. Num outro exemplo, “E’ CERTO que todos desejais o
descanso ; É CERTO que todos o buscais com grande trabalho. (P. Ant. Vieira)” (GRIVET,
1881, p. 389), tanto “que todos desejais [...]” quanto “que todos o buscais [...]” são
classificados como predicados de “é certo”.
As principais características do predicado são i) ter um verbo de estado perto dele; e
ii) referir-se ao sujeito ou, quando não existe sujeito, a outro termo. Os verbos de estado são
“ser” e “estar”. Os verbos neutros também podem, por imitação, emitir um predicado,
111
substituindo “ser” e “estar”. Um exemplo é visto na análise seguir: “Até AS AGUAS que por
entre as veias descem, SAHEM CRUAS. (Franc. Rodrigues Lobo). — (Até as aguas sahem
[SÃO] cruas)” (GRIVET, 1881, p. 390). Para o autor, o verbo de estado “ser” está na
construção do período, de forma que “sahem” substitui “ser”, logo, “cruas” é um predicado.
Essa relação de verbos neutros e verbos de estado só ocorre quando podemos
substituir os primeiros pelos segundos. Caso contrário, o verbo se restringe às relações
comuns, a de verbos de ação, como em “VEIU uma vez a luz a ser julgada no juizo dos
homens, — e VINHA ella muito CONFIADA” (GRIVET, 1881, p. 391). O verbo “vir” aparece
duas vezes (“veiu” e “vinha”), mas apenas na sua segunda ocorrência é que podemos dizer
que ele é acompanhado de um predicado, já que pode ser substituído por “estava”, de “estar”.
Na primeira ocorrência, “vir” é apenas um verbo de ação.
Para Grivet, até mesmo os verbos “ser” e “estar” podem deixar de ser verbos de
estado. Isso acontece quando o predicado não está presente, como em “[s]e os olhos vêm com
amor, o que não É, — tem SER ; — se com odio, o que tem SER, — e é bem que SEJA, —
não É, — nem SERÁ — jamais. (P. Ant. Vieira)” (GRIVET, 1881, p. 391). Pela ausência do
predicado, todos os verbos “ser”, nesse caso, não são de estado.
Sobre as palavras mais comuns que constituem o predicado, o gramático afirma que
são os adjetivos e os particípios, porque, por serem variáveis em gênero e número, expõem,
pela concordância, a referência ao sujeito. Em caso de substantivo composto, quanto à
concordância de gênero, o predicado assume a do mais próximo: “[n]a China, AS CIDADES,
VILLAS e LUGARES são FREQUENTES e VISINHOS uns dos outros. (P. João do Lucona)”
(GRIVET, 1881, p. 392).
Já a concordância de número depende do verbo, mostrando a centralidade do fato para
as análises de Grivet. Se o verbo concordar apenas com o elemento mais próximo, o
predicado deve seguir a mesma regra: “POIS esta mesma IGNORANCIA e LOUCURA É a de todos
ou quasi todos os que se chamão christãos. (P. Ant. Vieira). — (Não : …AS de todos…)”
(GRIVET, 1881, p. 392). Caso o verbo passe para o plural, assim o predicado também o fará.
Ainda sobre as classes de palavras mais recorrentes como predicados, o autor comenta
que:
5.3.1.6 Aposição
Para Grivet (1881, p. 403), aposição é “[...] toda a palavra variavel que, não sendo
facto syntaxico, prende-se directamente, pela concordância possivel, a um substantivo,
pronome ou infinitivo, para tornar-lhe o sentido mais preciso” (GRIVET, 1881, p. 403). Isto
é, são aqueles elementos que aparecem junto a outros para explicar ou complementar seu
sentido, o que hoje chamamos de “aposto”.
A aposição pode ser formada essencialmente por artigos, adjetivos ou particípios
variáveis ou acidentalmente por substantivos, pronomes e infinitivos. Podemos ver abaixo
exemplos dados pelo autor de aposições essenciais, respectivamente substantivos, pronomes e
infinitivo:
[e]sta vida dos pastores, como mais quieta, tem em seu trabalho todas as
cousas com que póde sustentar-se : a LÃA, o LEITE, as PELLES, a CARNE dos
animaes ; as HERVAS, os LEGUMES, e o FRUCTO das plantas. (Franc. Rodr.
Lobo). [...] (GRIVET, 1881, p. 404)
No primeiro exemplo, “lãa, leite, pelles [...]” são substantivos que explicam as
“cousas” com as quais os pastores podem se sustentar, constituindo a aposição. No segundo,
os pronomes “um” e “outro”, referentes a “ambos”, é que constituem a aposição. No último,
“envergonhar” constitui a aposição porque, se alterarmos a ordem da frase, fica explícito que
esse verbo no infinitivo é o complemento do que se pede: “[...] porque negar [o que se pede]
chama-se envergonhar”.
O gramático continua sua explanação afirmando que a aposição é um termo
meramente anexo, pois nunca se relaciona diretamente com o fato, termo que é dominante. O
autor também admite sua semelhança com o predicado, mas afirma que eles se diferenciam
por duas características essenciais.
114
5.3.1.7 Ligação
na última, para Grivet, a primeira ligação copulativa “e” tem por finalidade considerar ambas
as ordens do pensamento para uma mesma finalidade, e a segunda ligação “e” reúne
novamente o sujeito dos substantivos “jugo” e “cadeias”.
Antecipando possíveis críticas, Grivet (1881, p. 410-411) afirma que:
O autor justifica a existência da ligação como função sintática pelo fato de que outras
não podem exercer esse papel, sendo ela única. Além disso, aponta esse gesto analítico como
uma inovação.
As ligações copulativas, seja intervindo entre partes do mesmo termo, entre
preposições ou entre orações, sempre estabelecem, para Grivet, a solidariedade. A diferença é
que, no caso de afirmação, ela aparece em forma de “e”, de negação, com “nem”, e, de
alternância, com “ou”. A prova da relação entre esses termos é a de que eles podem se
substituir, mas não sem alteração do pensamento, como em “[t]udo o que nasce na terra, o sol
ou a chuva o cria. (P. Ant. Vieira)” (GRIVET, 1881, p. 411). O trecho “[...] o sol e a
chuva[...]” poderia ser substituído por “[...] o sol nem a chuva [...]”, o que mudaria o sentido,
mas não a relação entre os termos.
Um outro tipo de relação, que desmancha a solidariedade, é a estabelecida por “mas”
e “porém”. Por definirem um significado de contraste, devem ser precedidas de sinais de
pontuação, como em “[f]ez um fulano Topete, homem nobre, mas de pouca renda, umas rijas
festas. (P. Man. Bernardes)” e “[o] entendimento é parte que discorre, porem póde discorrer
mal. (Mathias Ayres da Silva de Eça)” (GRIVET, 1881, p. 411).
As ligações subordinativas, como “que” e “se”, só aparecem relacionadas a
proposições, pois, com palavras, a função conciliativa não funciona. Em “[m]aior gloria é
emendar que castigar. (P. Ant. Vieira)” (GRIVET, 1881, p. 413), por exemplo, o “que”
estabelece uma relação entre “emendar” e “castigar”. Aparentemente, é uma relação entre
palavras, mas, nesse caso, ambos os infinitivos sujeitos exercem uma proposição própria.
Quando uma ligação subordinativa aparece no início de uma oração, duas são as
hipóteses que explicam essa ocorrência: i) a proposição está invertida; ou ii) a proposição
116
[p]arece-vos que tenho dito muito ? Pois ainda não está discorrido tudo… A
maior pensão, o maior cuidado e o maior trabalho dos homens é buscar pão
para a bôcca. POIS isto por que todos trabalhão, hei de ensinar hoje o modo
com que se possa alcançar sem trabalho. (P. Ant. Vieira). (GRIVET, 1881,
p. 417)
Sobre o uso do “pois”, o autor alerta para o fato de que, naquela época, essa acepção
já estava em desuso e que os clássicos a utilizavam como equivalente de “porque”, “já que”,
“visto que” e “visto como”. Um outro exemplo é “[s]ejão ouvidos nesta causa todos, pois toca
a todos. (P. Ant. Vieira)” (GRIVET, 1881, p. 417), que pode ser lido como “sejam ouvidos
nesta causa todos, visto como toca a todos”.
As lições de Grivet sobre ligação em proposições perduraram mais tempo do que sua
presença física na terra, e a prova está na figura abaixo.
117
Na figura, é possível lermos, num jornal de 1964, a menção à NGALP para tratar da
conjunção “embora”, mostrando o valor de Grivet para os estudos da língua portuguesa quase
100 anos após sua morte.
exemplo, para “sou andante sendo procurante”, pensamento que atenderia às explicações da
teoria.
Grivet ainda comenta que o verbo substantivo é assunto das gramáticas filosóficas,
criticando, inclusive, seus contemporâneos que tratam do assunto: “[...] e hoje não ha, neste
assumpto, autor que deixe de lhe fazer a devida continencia, embora nem todos pareção
igualmente convencidos de sua desmarcada eficácia” (GRIVET, 1881, p. 227). É possível que
um desses autores que o gramático esconde o nome seja Francisco Sotero dos Reis (1800-
1871), que afirma, na sua Grammatica portugueza accommodada aos principios geraes da
palavra seguidos de immediata applicação prática (1871, 2ª ed.), que
Já em “há chuva”, vemos um verbo impessoal e seu complemento direto, já que não podemos
dizer “hão chuvas”.
O autor continua afirmando que, mesmo com sua demonstração dos problemas da
teoria do verbo substantivo, devido a preconceitos enraizados por quem defende a teoria do
verbo substantivo 20 , o que ele está defendendo não será aceito. Então, continua com sua
exposição com citações diretas sem identificação e a crítica a elas, como em:
Opondo-se à afirmação de que a forma primitiva do verbo “ser” seria “ente”, Grivet
pergunta se “ente” também poderia ser subdividido. Fica evidente também o tom irônico que
o autor utiliza, não apenas nesse trecho, para se referir à teoria do verbo substantivo.
Polachini (2018), em análise de gramáticas brasileiras oitocentistas de língua
portuguesa, discorre sobre o fato de que vários gramáticos, sendo a favor ou contra, debatiam
a respeito do verbo “estar” como exemplo de verbo substantivo. A linguista destaca que essa
discussão não podia ocorrer em qualquer língua, a exemplo do francês, que era a primeira
língua dos estudiosos que teorizavam a gramática geral. O debate não podia abranger o
francês porque “être” pode significar tanto “ser” quanto “estar”. Dessa forma, se teria mais de
um exemplo de verbo substantivo, o que geraria consequências para a teoria.
Os gramáticos do início do século XIX apresentam apenas o verbo “ser” como
exemplo de verbo substantivo. Em meados de 1850, duas possibilidades surgem quanto ao
verbo “estar”: uma nega a chance de ele ser verbo substantivo, outra procura justificar sua
20
“Mas tão enraizados preconceitos não se deixão arrancar nem pela mais categorica demonstração.
Cumpre, portanto, discutí-los, tanto mais que o exemplo citado, e outros analogos, desafiarão mui
particularmente o estro dos substantivistas a todo o transe, e inspirárão-lhes as mais excêntricas
transsubstanciações" (GRIVET, 1881, p. 228).
120
classificação quanto verbo substantivo. Exemplos de autores que negam o verbo “estar” como
substantivo são: Raymundo Antonio Camara Bithencourt (?-?), em sua Epitome da
grammatica philosophica da lingua portugueza (1862); Francisco Sotero dos Reis (1800-
1871), em Grammatica Portugueza: accommodada aos principios geraes da palavra
seguidos de immediata applicação pratica (1877); Julio Cezar Ribeiro Vaughan (1845-1890),
na Grammatica Portugueza (1881); Ernesto Carneiro Ribeiro (1839-1920), na Grammatica
Portugueza Philosophica (1881) e na Nova Grammatica Portugueza (1890), e Maximino de
Araujo Maciel (1865-1923), na Grammatica Analytica (1887).
Em Polachini (2016), vemos uma análise focada em dois desses autores: Bithencourt e
Costa Duarte. Para Bithencourt, o verbo “ser” seria substantivo, “estar” e “haver” seriam
auxiliares, e os demais seriam adjetivos. O verbo substantivo toma diversas formas e, por
vezes, precisaria do auxiliares para significar. O verbo adjetivo seria a união entre verbo
substantivo e atributo numa palavra.
Já Costa Duarte, em sua gramática editada em 1829, apresenta as noções de verbo
substantivo e de verbo adjetivo. O verbo substantivo une o atribuito e o sujeito, enunciando a
coexistência dos dois. O verbo que representa essa teoria, para ele, é o “ser”. Já o verbo
adjetivo representa a redução e a concentração do sujeito, verbo substantivo e atributo numa
só palavra, como “amo” no lugar de “sou amante”. Em edição posterior, de 1853, Costa
Duarte afirma que o verbo substantivo não tem em si atributo algum e que serve para unir
atributo e sujeito, acrescentando “estar”, não mais apenas “ser”, como exemplo dessa teoria.
Outro autor a acrescentar “estar” como exemplo de verbo substantivo é Fillippe
Benicio de Oliveira Condurú (1818-1879), na sua Grammatica elementar da língua
portugueza (1888). Condurú também não considerava o modelo descritivo do verbo
substantivo. Assim, Polachini (2018) conclui que a adição de “estar” como exemplo aparece
com uma crítica a esse modelo de descrição.
Grivet também participa dessa discussão sobre o verbo substantivo ter outros
exemplos além de “ser”. O suíço menciona um texto de autoria desconhecida cujo escritor
afirma que:
Grivet responde que o verbo “estar” é um verbo de estado, assim como “existir”,
“permanecer” e “ficar”. Esses verbos são assim chamados porque servem como mediadores
entre um predicado e um sujeito, quando existe sujeito. Ele exemplifica essa situação com
“Pedro É velho. — Pedro ESTÁ doente. — Pedro EXISTE occulto. — Pedro PERMANECE
absorto, — Pedro FICA aborrecido” (GRIVET, 1881, p. 240). A pergunta feita pelo autor é: se
o adjetivo “velho”, encostado no verbo “ser”, é considerado predicado, por que também não o
são os adjetivos “doente” e “occulto" e os particípios “absorto” e “aborrecido”? Grivet chama
de antiquado considerar, nesses casos, os particípios “estante”, “nascente”, “vivente”,
“ficante” e “morrente”, o que seria a base da teoria do verbo substantivo.
É com essa crítica que Grivet instaura um diferente tipo de análise sintática. No lugar
de uma espécie de decomposição na análise sintática (substantivo + atributo), Grivet coloca o
verbo, isto é, a função do fato, como núcleo da oração, da sintaxe e, de certa forma, da
gramática. Como vimos na subseção anterior, a da teoria das funções, os outros elementos da
proposição estão subordinados ao verbo.
Apesar de algumas ideias de Grivet remeterem à lógica, seu argumento constante é
contra a teoria do verbo substantivo, que dá base à sintaxe racionalista. Ele enfatiza o uso
linguístico. Num trecho do prefácio, já citado anteriormente, mas repetido em seguida para
facilitar a leitura, vemos uma outra referência à lógica:
O trecho “[...] dictames do bom senso, isto é, da logica” sugere uma aproximação com
a linhagem racionalista. No entanto, também vemos uma aproximação com a linhagem
empirista devido à menção aos clássicos em “[...] estes mananciais da boa dicção [...]”.
Apesar de trechos que o ligam ao racionalismo, a obra de Grivet é predominantemente
122
dos Reis, ainda que não cite sua fonte – não é da NGALP – em que o suíço admite que o
brasileiro foi o único substantivista que levou suas convicções até as últimas consequências,
isto é, o que mais foi longe nas reflexões sobre o verbo substantivo.
Na NGALP, vemos que uma proposição pode ser chamada de plena quando i) não há
o que suprir; ii) não há o que subtrair; iii) não há o que comentar; iv) não há o que transferir; e
v) não há o que substituir. Caso falhe em algum desses cinco itens, a proposição será chamada
de “figurada”, sendo as figuras os “[...] desvios de enunciação dos pensamentos” (GRIVET,
1881, p. 277). Esses figuras podem ser cinco: elipse, pleonasmo, silepse, inversão e
exclamação.
5.3.3.1 Elipse
Ha mais — para onde subir ? — Isto ó : Ha mais [LUGAR] — para onde [SE
POSSA] subir ? — Isto é : [PERGUNTO EU — SE] ha mais lugar — para onde
SE PODE subir ? (GRIVET, 1881, p. 278)
5.3.3.2 Pleonasmo
A expressão “uns aos outros” é um pleonasmo, mas, sem ela, o sentido seria alterado.
“Amai-vos” poderia ser interpretado como reflexivo, ou seja, “amem a vocês mesmos”, não o
sentido original, que é de sentimento recíproco, amar ao próximo. Já os pleonasmos ilegítimos
são aqueles redundantes sem necessidade, como as locuções “mais melhor”, “menos pior”,
“muito ótimo” e “muito péssimo”.
Uma espécie de pleonasmo é a perissologia, ou tautologia, que consiste em, numa
proposição, usar palavras de mesma origem: “apoderar-se do poder”. Nesses casos, Grivet
recomenda que sejam utilizados sinônimos, como: “apoderar-se da autoridade”. Caso não seja
possível a utilização de sinônimos, a tautologia é justificada. Também são aceitas e dignas de
imitação aquelas tautologias que tornam a dicção mais incisiva. Para o autor, “[n]inguém usou
com maior tino e pericia de tão delicado artificio de estylo como o P. Ant. Vieira”: “Estas são
125
as contas que se fazem sem se fazer conta da que se ha de dar a Deos quando a pedir do preço
do seu sangue. (P. Ant. Vieira)” (GRIVET, 1881, p. 282).
No entanto, P. Antônio Vieira também é criticado pelo gramático. Dentre os exemplos
de tautologias não imitáveis e que podem ser consideradas descuido de redação, estão:
É possível ver assim que, apesar de P. Antônio Vieira ser destaque do exemplar
linguístico usado na gramática – aprofundaremos na camada documental (cf. 3.5) – Grivet
também direciona um olhar questionador sobre seus textos.
5.3.3.3 Silepse
São legítimas as silepses cuja impressão mental produzida pelas palavras não são
prejudicadas; já as ilegítimas infringem as regras de concordância de forma que não seja
razoável, a exemplo de:
5.3.3.4 Inversão
Era Affranio Burrho homem de grave e maduro juizo, mestre ou aio que
tinha sido, com Seneca, do mesmo Nero. (P. Ant. Vieira). — (Affranio
Burrho era homem de grave e maduro juizo, que tinha sido, com Seneca,
mestre ou aio do mesmo Nero). (GRIVET, 1881, p. 288)
5.3.3.5 Exclamação
Para Grivet, a exclamação é uma proposição implícita, o que configura uma figura de
linguagem. Vejamos: “[c]redes que são estas palavras de Christo? SIM. Agora respondei-me.
(P. Ant. Vieira)” (GRIVET, 1881, p. 289). Segundo o autor, “sim” é uma exclamação porque
representa a proposição implícita “vós o crêdes”.
O gramático continua afirmando que as interjeições devem ser contempladas como
figuras na sintaxe devido ao caráter de “sim”/ “não” e “ah!” / “oh!” como tipos de respostas
definitivas, expressando um sentimento vivo. O “ah!” / “oh!”, na fala, só demonstra um
sentido pela entonação, já, na escrita, por proposições que os acompanham como comentários.
É preciso nos atentarmos também às expressões isoladas que representam uma
proposição, mas que podem, por restauração analítica, ser consideras elípticas:
“[h]ouve alguem que dissesse á oliveira que havia de deixar as suas azeitonas, nem á figueira
os seus figos, nem á vide as suas uvas ? NINGUEM. (P. Ant. Vieira)” (GRIVET, 1881, p. 289).
Nesse caso, “o disse” pode ficar implícito: “ninguém o disse”.
Título Subdivisões
Segunda parte – Syntaxe
Termos syntaxicos – Idéa –
Pensamento. Proposição – oração
Ø
Exercicio sobre o modo de completar
e dispor as proposições nas
indagações analyticas de syntaxe
128
Depois de uma introdução sobre a sintaxe, discorrendo sobre os termos que formam
uma proposição e sobre a teoria das funções, Grivet segue para um ponto central em seu
pensamento sobre a linguagem: a crítica ao verbo substantivo. No nosso ponto de vista, essa
ordem já demonstra a atenção dada pelo autor ao empenho contra a teoria substantivista. A
antecipação dessa discussão, entretanto, pode ter um fundamento: os argumentos presentes no
tópico “Exposição episodica da theoria do verbo substantivo” subsidiam a defesa do autor
sobre a centralidade do verbo (fato) na sintaxe, o que é melhor explorado depois.
Em seguida, são feitas algumas considerações gerais sobre as palavras no discurso,
como pronomes, advérbios e conjunções. Dando continuidade à obra, as figuras de
linguagem, sobre as quais já discutimos, aparecem no texto.
Começam, então, os capítulos sobre cada uma das teorias da função. O primeiro é o do
fato e, pelas suas peculiaridades, o infinitivo também ganha um capítulo. Depois, vemos sobre
o sujeito, o complemento direto, o complemento indireto, o predicado, a aposição e a ligação.
Ainda, um capítulo é dedicado aos idiotismos da língua e outro, a observações
peculiares. No final, o autor ainda dedica um espaço às classes de palavras e termina com um
exemplo de análise sintática. Podemos ver um trecho do modelo de análise sintática do autor
na figura abaixo:
130
Nota-se que, nas classificações feitas na análise sintática do autor, não são postas as
classes de palavra, mas o nome das funções que elas exercem na proposição. Faraco e Vieira
(2019) organizaram a rede taxonômica utilizada no Grivet, apresentada em seguida:
Quantidade de
Origem da
Nome do autor/da obra citações e
autoria
porcentagem
Periodico22 – 9 (0,71%)
21
Apesar de Grivet citá-lo como “Fr. Man. Consciencia”, encontramos apenas a existência de um padre com
esse nome. Acreditamos que se trate da mesma pessoa.
22
Textos extraídos de jornais por Grivet, que não os referencia.
23
Tanto “história de D. Manoel” quando “Vida de D. Manoel” são usados como referência a um texto que,
provavelmente, conta a história de Manuel I de Portugal (1495-1521). Também é provável que a referência seja
133
à obra Da vida e feitos d'El Rei D. Manoel: XII. Livros dedicados ao Cardeal D. Henrique seu filho (1804-
1806), escrita por Jerónimo Osório (1506-1580), um bispo português citado em outros trechos da gramática.
24
Encontramos apenas um autor com esse nome, João Batista Ribeiro de Andrade Fernandes (1860-1934),
nascido em Sergipe, no Brasil. Sua primeira publicação oficial, uma coletânea de poesias, foi divulgada em
1881, quando Grivet já tinha morrido. No entanto, João Ribeiro foi para o Rio de Janeiro ainda jovem. Por esse
motivo, não sabemos se esse é o autor a quem Grivet se refere, nem se Ribeiro e Grivet tiveram contato antes da
morte do gramático.
25
Mathias Ayres da Silva do Eça nasceu em São Paulo, no Brasil, e, posteriormente, aos 11 anos de idade,
mudou-se para Lisboa, em Portugal.
26
Esse autor foi educado na Malásia e no Colégio da Companhia de Jesus, em Goa, na Índia. Ele tinha cidadania
portuguesa.
27
Num dos exemplos, Grivet menciona “Man. de Faria Severim”, mas se trata da mesma pessoa.
28
Trata-se de uma obra, mas não encontramos maiores informações sobre ela.
29
Não encontramos outras informações sobre o texto.
134
Decalogo30 – 1 (0,07%)
Paralellos – 1 (0,07%)
45 de Portugal
3 da França
2 do Brasil
1 da Espanha
1 da Itália
1 do Reino
TOTAL 1265 (100%)
Unido
1 de Malásia
2 origens
desconhecidas
9 casos em que
não se aplica33
30
Refere-se ao Antigo Testamento, texto bíblico, do Decálogo: Êxodo 20:12.
31
Na gramática de Grivet, a referência aparece como “Epanaphoras”, texto de Francisco Manuel de Melo.
32
Grivet, na gramática, faz referência a Íris clássico (1868), obra de José Feliciano de Castilho Barreto e
Noronha (1810-1879).
33
Não se aplica, pois é referência a um texto cuja autoria é desconhecida.
135
mais citados são de figuras religiosas, como podemos ver no Gráfico 1, que mostra os autores
mais citados pelo gramático suíço.
20%
1%
2%
4%
59%
14%
Depois do Pe. Antonio Vieira, os autores mais citados são: Padre Manuel Bernardes
(14,38%), Frei Luiz de Souza (4,03%), Frei Manuel Consciencia (1,42%) e Frei Luiz de
Granada (1,26%). Compreendemos essa preferência do autor por figuras religiosas, já que
Grivet teve uma educação cristã católica. Além disso, deve-se considerar que ele só aprendeu
português quando chegou ao Brasil, ou seja, no final da década de 1850. As gramáticas
brasileiras publicadas nessa época, que corresponde ao período da gramática geral e
filosófica, foram, provavelmente, utilizadas para que Grivet aprendesse o português. Essas
obras, que foram publicadas entre os anos de 1840 e 1860 (intervalo baseado no tempo de
chegada e provável aprendizado da língua portuguesa pelo autor) e que podem ter servido de
instrumentos didáticos para o suíço, utilizavam a literatura pregressa como aparato
documental – o que já foi herdado da tradição gramatical.
Para melhor visualizarmos essas informações, elaboramos o Gráfico 2, que mostra o
percentual da nacionalidade dos autores citados por Grivet na discussão sintática da Nova
Grammatica Analytica. Consideramos, para o seguinte gráfico, a nacionalidade dos 54 autores
citados, excluindo as duas nacionalidades desconhecidas (Ruy Gonçalves e S. Carlos, ambos
136
com apenas uma citação no texto) e os 9 casos em que o fator nacionalidade não se aplica,
pois são textos com caráter mais universal, como a Bíblia, por exemplo.
7%
4%
6%
83%
XVI
37%
XVII
41%
Nesse trecho, podemos observar que o autor já estava ciente da utilização das técnicas
das ciências da natureza nos estudos da linguagem. O método experimental, que,
resumidamente, consiste no teste de hipóteses e de variáveis sobre o objeto de estudo, para
Grivet, seria mais adequado do que o método dogmático, no qual as premissas são
inquestionáveis.
A maioria dos exemplos da gramática são literários, ainda que possamos ver textos
não literários na base documental do autor. Por esse motivo, no quadro abaixo, reunimos
esses textos e autores com suas ocupações, o número de vezes em que são citados por Grivet e
alguns desses exemplos:
Número de
Nome do autor/texto Ocupação
exemplos
Periodico – 9 (0,71%)
Jurista, gramático e
Duarte Nunes de Leão 9 (0,71%)
historiador
Embaixador,
jurisconsulto,
Duarte Ribeiro de Macedo 4 (0,31%)
diplomata,
economista
Agricultor, empresário,
Gabriel Soares de Souza botânico, escritor e 2 (0,15%)
historiador
escritos por figuras da Igreja. É possível perceber também que o autor cita manifestações
linguísticas não literárias, como periódicos e outros textos não literários, mas os textos
literários predominam nos exemplos da gramática.
O autor se apoia em fenômenos linguísticos que foram utilizados nas obras, não
havendo muitos dados inventados. Não obstante os exemplos inventados também apareçam, a
maioria deles vem depois de explicações do autor para indicar uma exceção. A seguir,
podemos ver como isso funciona:
Para discorrer sobre a ordem dos números em relação ao substantivo, primeiro, Grivet
utiliza o Pe. Antonio Vieira como exemplo. Depois, para indicar que, com pronomes pessoais,
o contrário ocorre, o autor utiliza um exemplo criado por ele.
Na análise da camada documental da Nova Grammatica Analytica da Lingua
Portugueza, pudemos constatar que Grivet usa a literatura na maior parte do seu exemplário
linguístico para tratar do nível sintático de análise. A maior parte desses autores utilizados por
ele são portugueses e do século XVII, predominando, também, a presença de figuras
religiosas, como padres e freis.
140
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O fato é o que dá vida ao discurso, é o verbo. A ele, todos os outros termos estão
subordinados. Os modos em que os verbos podem aparecer são quatro: indicativo,
condicional, imperativo e subjuntivo. A função do sujeito pode ser exercida por uma ou mais
palavras, dando “personalidade” ao verbo. O complemento direto é a palavra ou conjunto de
palavras que complementam o sentido do verbo, sem apresentar preposição. Já o
complemento indireto também faz isso, mas apresentando uma preposição. O predicado é
uma palavra ou conjunto de palavras que, perto de um verbo de estado, designa uma
qualidade ou a situação do sujeito. À aposição, cabe o papel de explicar ou complementar o
sentido dos termos dos quais ela aparece junto. A última função, a da ligação, se trata dos
elementos que possibilitam a conexão com outros termos.
A crítica à teoria do verbo substantivo é um ponto central da gramática. Para isso,
Grivet cita textos que defendem o verbo substantivo e refuta os argumentos dos
substantivistas. Pelo menos alguns desses textos são de autoria de Francisco Sotero dos Reis,
gramático contemporâneo do suíço. Por se colocar fortemente contra essa teoria, Grivet
propõe um tipo diferente de análise sintática, na qual a decomposição analítica (substantivo +
atributo) dá lugar ao verbo (o fato) como núcleo da oração. Lembremos que os outros termos
da oração estão subordinados ao verbo. Assim, a gramática é centrada também no verbo. Suas
considerações contra a teoria do verbo substantivo também nos ajudam a ver que o autor,
apesar de algumas aproximações com o racionalismo, escreve uma obra majoritariamente
descritiva, alinhando-se à linhagem empirista.
Para Grivet, quando, numa proposição, há o que suprir, subtrair, comentar, transferir
ou substituir, ocorrem as figuras de linguagem: elipse, pleonasmo, silepse, inversão e
exclamação. Na elipse, um ou mais termos de uma oração fica subentendido. O pleonasmo é
caracterizado por repetir na proposição uma ideia já mencionada. A silepse é marcada pelo
fato de que a concordância entre os termos da proposição se dá pelo sentido, não pela sua
estrutura morfossintática. Já a inversão é a mera troca da posição dos termos sintáticos. A
última figura de linguagem, a exclamação, é uma proposição implícita.
Em seguida, na camada técnica, a quarta parte do quinto capítulo, exploramos as
técnicas de análise e os métodos de apresentação utilizado por Grivet na Nova Grammatica
Analytica. Numa análise de uma proposição realizada pelo autor, fica claro o funcionamento
da teoria das funções. Além disso, também apresentamos a rede taxonômica dos estudos do
gramático.
143
REFERÊNCIAS
Primárias
ALGUMAS palavras sobre o professor Grivet. In: GRIVET, A. Nova grammatica analytica
da lingua portugueza. Rio de Janeiro: Typ. de G. Leuzinger & Filhos, ouvidor 31, 1881. p.
V-VIII.
RIBEIRO, J. Grammatica portuguesa. 2. ed. São Paulo: Teixeira & Irmão Editores, 1885.
Secundárias
ALTMAN, C. Zeitgeist: em homenagem a Evanildo Bechara por ocasião dos seus 90 anos.
Confluência, Rio de Janeiro, n. 55, p. 164-182, jul.-dez., 2018. Disponível em:
<https://revistaconfluencia.org.br/rc/article/view/276>. Acesso em: 06 mar. 2022.
FARACO, C. A. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola
Editorial, 2008.
GOMES, L. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta
enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Planeta, 2007.
SALINO, Emerson. O século XIX abre as portas para a educação: o ensino de língua
portuguesa no Colégio Pedro II. Dissertação (Mestrado em Língua Portuguesa) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.
APÊNDICES
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1856\Edição 00091 (1)
150
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1866\Edição 00325 (1)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1858\Edição 00135 (1)
189
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1858\Edição 00303 (1)
190
A Patria: Folha da Provincia do Rio de Janeiro (RJ) - Ano 1858\Edição 00112 (1)
192
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1859\Edição 00094 (1)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1859\Edição 00111 (2)
193
194
195
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1859\Edição 00111 (2)
196
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1860\Edição 00089 (1)
199
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1860\Edição 00336 (1)
200
201
202
203
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1860\Edição 00360 (1)
204
L'Écho du Brésil: Et de L'Amerique du Sud - Ce Journal parait tous dimanches (RJ) - Ano
1860\Edição 00045 (1)
207
208
209
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1861\Edição 00226 (1)
210
Boletim do Expediente do Governo: Ministerio do Imperio (RJ) - Ano 1861\Edição 00028 (1)
211
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1862\Edição 00001 (1)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1862\Edição 00002 (1)
212
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1862\Edição 00003 (1)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1862\Edição 00034 (1)
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1862\Edição 00001 (4)
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1862\Edição 00001 (4)
216
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1862\Edição 00001 (4)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1863\Edição 00005 (1)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1863\Edição 00007 (1)
217
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1863\Edição 00011 (1)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1863\Edição 00042 (1)
218
219
220
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1863\Edição 00293 (1)
Indicador Alphabetico: Da Morada dos seus principais habitantes (RJ) - Ano 1863\Edição
00001 (1)
1 1864
224
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1864\Edição 00046 (1)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1864\Edição 00047 (2)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1864\Edição 00047 (2)
225
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1864\Edição 00081 (1)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1864\Edição 00083 (1)
226
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1864\Edição 00356 (1)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1864\Edição 00357 (1)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1864\Edição 00358 (1)
227
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1864\Edição 00359 (1)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1866\Edição 00085 (1)
231
Indicador Alphabetico: Da Morada dos seus principais habitantes (RJ) - Ano 1867\Edição
00001 (1)
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1871\Edição 00001 (4)
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1871\Edição 00001 (4)
239
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1871\Edição 00001 (4)
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1871\Edição 00001 (4)
Indicador Alphabetico: Da Morada dos seus principais habitantes (RJ) - Ano 1871\Edição
00001 (1)
240
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1872\Edição 00001 (1)
242
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1873\Edição 00001 (4)
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1873\Edição 00001 (4)
246
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1873\Edição 00001 (4)
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1873\Edição 00003 (1)
247
Relatório do Estado da Instrucção Primaria e Secundaria (RJ) - Ano 1873\Edição 0001 (1)
Relatório do Estado da Instrucção Primaria e Secundaria (RJ) - Ano 1874\Edição 0001 (1)
Indicador Alphabetico: Da Morada dos seus principais habitantes (RJ) - Ano 1875\Edição
00001 (1)
Indicador Alphabetico: Da Morada dos seus principais habitantes (RJ) - Ano 1867\Edição
00001 (1)
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1871\Edição 00001 (4)
264
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1871\Edição 00001 (4)
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1871\Edição 00001 (4)
Indicador Alphabetico: Da Morada dos seus principais habitantes (RJ) - Ano 1871\Edição
00001 (1)
265
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1872\Edição 00001 (1)
267
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1873\Edição 00001 (4)
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1873\Edição 00001 (4)
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1873\Edição 00001 (4)
271
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1873\Edição 00003 (1)
Relatório do Estado da Instrucção Primaria e Secundaria (RJ) - Ano 1873\Edição 0001 (1)
Relatório do Estado da Instrucção Primaria e Secundaria (RJ) - Ano 1874\Edição 0001 (1)
Indicador Alphabetico: Da Morada dos seus principais habitantes (RJ) - Ano 1875\Edição
00001 (1)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1867\Edição 00300 (1)
284
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1867\Edição 00307 (1)
2 1889
397
398
Diario de Belém: Folha Politica, Noticiosa e Commercial (PA) - Ano 1889\Edição 00027 (1)
399
Diario de Belém: Folha Politica, Noticiosa e Commercial (PA) - Ano 1889\Edição 00043 (1)
400
A Republica: Fusão do Libertador e Estado do Ceara (CE) - Ano 1894\Edição 00031 (1)
439
440
441
Minas Geraes: Orgam Official dos Poderes do Estado (MG) - Ano 1897\Edição 00061 (1)
447
448
449
Jornais de Ouro Preto: Orgão do Partido Conservador (MG) - Ano 1902\Edição 00032 (1)
474
Quo Vadis? : orgam de interesses populares (AM) - Ano 1903\Edição 00138 (1)
487
488
489
490
491
492
493
494
495
496
497
Estado do Pará: Propriedade de uma Associação Anonyma (PA) - Ano 1913\Edição 00918 (1)
510
Diario do Povo: Orgão do Partido Republicano Conservador (AL) - Ano 1916\Edição 00351
(1)
513
514
O Liberal: Orgam do Partido Liberal de Veado (ES) - Ano 1929\Edição 00007 (1)
Eu Sei Tudo: Magazine Mensal Illustrado (RJ) - Ano 1932\Edição 00185 (1)
566
A Cruz: Orgão da Parochia de S. João Baptista (RJ) - Ano 1957\Edição 02082 (1)
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1867\Edição 00300 (1)
601
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ) - Ano 1867\Edição 00307 (1)
602
Brasil. Ministério do Império: Relatorio da Repartição dos Negocios do Imperio (RJ) - Ano
1871\Edição 00001 (4)
Minas Geraes: Orgam Official dos Poderes do Estado (MG) - Ano 1897\Edição 00061 (1)
Estado do Pará: Propriedade de uma Associação Anonyma (PA) - Ano 1913\Edição 00918 (1)
636
Diario de Belém: Folha Politica, Noticiosa e Commercial (PA) - Ano 1889\Edição 00027 (1)
751
Diario de Belém: Folha Politica, Noticiosa e Commercial (PA) - Ano 1889\Edição 00043 (1)
752
A Republica: Fusão do Libertador e Estado do Ceara (CE) - Ano 1894\Edição 00031 (1)
789
790
791
Jornais de Ouro Preto: Orgão do Partido Conservador (MG) - Ano 1902\Edição 00032 (1)
821
822
Quo Vadis? : orgam de interesses populares (AM) - Ano 1903\Edição 00138 (1)
833
834
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836
837
838
839
840
841
842
843
Diario do Povo: Orgão do Partido Republicano Conservador (AL) - Ano 1916\Edição 00351
(1)
853
854
855
O Liberal: Orgam do Partido Liberal de Veado (ES) - Ano 1929\Edição 00007 (1)
Eu Sei Tudo: Magazine Mensal Illustrado (RJ) - Ano 1932\Edição 00185 (1)
900
A Cruz: Orgão da Parochia de S. João Baptista (RJ) - Ano 1957\Edição 02082 (1)