ANDRÓIDE

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ANDRÓIDE – Dicionário Digital do Insólito Ficcional – e-DDIF 03/10/22, 16:02

ANDRÓIDE
Dicionário Digital do Insólito Ficcional14 de outubro de 2021

Alexander Meireles

A Europa do século dezoito foi o palco de surgimento da palavra


“Androide”, vindo a substituir, ao longo dos séculos seguintes, o uso do
termo Autômato para designar seres artificiais orgânicos ou metálicos
fabricados para terem o comportamento e a aparência física externa
semelhante à dos humanos. Formado pela junção do
grego Andro (Homem) e o sufixo oid (tendo a forma ou semelhança de),
“Androide” surgiu na Inglaterra na enciclopédia Cyclopædia; or an
Universal Dictionary of Arts and Sciences (1728), de Ephraim Chambers
(CLUTE & NICHOLLS, 1995, p. 34). Já a estreia na ficção ocorreu na
utopia The United Worlds, a Poem, in Fifty Seven books (1834), de Mark
Drinkwater (Provável pseudônimo do editor e soldado norte-americano
Nathaniel King), nos quais os androides fazem todo o trabalho pesado e
possuem o corpo metalizado. Destaque também na literatura para a
estreia do androide feminino em A Eva futura (1886), do francês Auguste
Villiers de l’Isle-Adam.

Curiosamente, assim como o primeiro autômato da literatura com a


Olympia de “O homem de areia” (1817), do alemão E. T. A. Hoffmann, o
androide da obra de Auguste Villiers de l’Isle-Adam, alinhado a visão
decadentista sobre a mulher, é feminino e se chama Hadaly. Isto quer
dizer que, na verdade, ela é uma “Ginoide”, do grego Gyné (Mulher) e o
sufixo oid, palavra esta surgida no romance Divine Endurande (1985), da
britânica Gwyneyth Jones. Outros termos usados para designar androides
femininos, são “Fembot” e “Feminoide”. Todavia, “Androide” é
normalmente o termo escolhido para ambos os sexos e começou a ser
empregado de forma consistente no campo da Ficção Científica a partir
da década de 1940 com o romance The Cometeers (1936), de Jack

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Williamson (CLUTE & NICHOLLS, 1995, p. 34).

O início do século vinte continuou o protagonismo feminino na


representação de seres artificiais na literatura e no cinema. Em 1925, a
escritora alemã Thea von Harbou publicou o romance distópico
Metropolis, que seria adaptado dois anos depois para o cinema na
produção de mesmo nome. Metropolis (1927) trouxe roteiro de Thea von
Harbou e a direção de seu marido, o diretor Fritz Lang. O filme apresentou
ao público a ginoide Maria, personagem que serviu de base para a criação
do androide C-3PO, da saga Star Wars. Nas primeiras décadas do século
vinte a crescente desumanização do ser humano frente ao ritmo
acelerado da industrialização, que já tinha sido objeto de reflexão em A
metamorfose (1915), de Franz Kafka, levou outro escritor tcheco, Karel
Tchápek, a publicar em 1920 a obra A fábrica de robôs (1920) (SILVA,
2012). Nesta peça teatral o termo Robô surgiu pela primeira vez a partir
da sugestão de Joseph Tchápek, irmão do escritor, para usar a palavra
tcheca robota (“escravo”, “servidão”, “trabalho forçado”) para dar nome
aos produtos da fábrica R.U.R. (Rossum’s Universal Robots) (JOVANOVIC,
2010, p. 16).

Ironicamente, mesmo aqui na obra que as batizou, as criações mostradas


não se encaixam na visão popular de robôs da Ficção Científica como um
agrupamento de partes mecânicas e eletrônicas. Sendo produzidos de
forma biotecnológica a partir da descoberta de um composto orgânico, os
robôs de Tchápek se enquadram melhor na categoria de androides. Outro
momento relevante na trajetória destes seres artificiais ocorreu em fins
dos anos de 1960 em alinhamento com a efervescência cultural da época.
Neste contexto o escritor Philip K. Dick publicou Androides sonham com
ovelhas elétricas? (1968), romance Cyberpunk que apresentou o termo
pejorativo Andys para se referir aos androides perseguidos pelo caçador
de recompensas Rick Deckard. Na adaptação para o cinema em 1982,
com o título Blade Runner: o caçador de androides, o diretor Ridley Scott
adotou o termo “Replicante” para reiterar a capacidade dos androides em

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replicar a natureza humana, levando os caçadores a aplicar um teste para


identificá-los enquanto seres artificiais. O romance traz temas recorrentes
de Philip K. Dick, como o debate sobre os limites entre o real e o virtual, o
impacto da tecnologia na relação do ser humano com seu meio, e o
questionamento sobre as definições do que é ser humano. Longe de se
constituírem um elemento único, ligado ao tema dos homens artificiais, o
autômato, o androide, o ciborgue e o robô possuem especificidades
simbólicas e narrativas, ainda que estas possam se cruzar. Em virtude da
sua semelhança física e, muitas vezes, comportamental com os seres
humanos Autômatos e androides são comumente utilizados em narrativas
em que as fronteiras entre o natural e o artificial são colocados em xeque,
a ponto de os próprios seres artificiais desconhecerem sua verdadeira
natureza. Esse é o caso, para citar dos exemplos de mídias diferentes, do
protagonista do conto “A formiga elétrica” (1969), de Philip K. Dick e os
anfitriões da série televisiva Westworld.

A prevalência do autômato/androide feminino aponta tanto para o desejo


masculino de submissão e esvaziamento do ser feminino como
instrumento das vontades do homem quanto para a ameaça que a figura
da mulher enquanto ser incompreensível e imprevisível exerce sobre a
imaginação masculina, como observados nos seres criados em “O homem
de areia”, A Eva futura e Metropolis. No caso do robô, a etimologia de seu
nome faz com que este personagem seja recorrentemente explorado em
obras que remetam a questões de grupos minoritários ou socialmente
desprivilegiados. Na adaptação cinematográfica de 2004 da coletânea de
contos Eu, Robô (1950), de Isaac Asimov, por exemplo, os robôs são
associados a imigrantes latinos e outros marginalizados na América,
sendo reservados a estes seres artificiais empregos de menor prestígio
social, como empregado doméstico, catador de lixo, cuidador de
cachorros e garçom. Por ser o mais alinhado com questões atuais do
impacto da tecnologia sobre o ser humano na esfera social e em seu
próprio corpo, o ciborgue vem sendo amplamente utilizado,
principalmente no subgênero Cyberpunk, para discutir as fronteiras entre
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o ser humano e a máquina e como as partes se influenciam. Da mesma


forma, o ciborgue permite contestar a arbitrariedade da construção de
gêneros na sociedade usando a máquina como subversor das fronteiras
entre o masculino e o feminino, algo expresso no filme Matrix (1999),
onde o protagonista Neo sente o ato da penetração ao ser conectado pela
primeira vez, via pino inserido em sua nuca, ao mundo virtual. O ciborgue
também foi acolhido por teóricas para debater o lugar social de grupos
específicos. Esse é o caso de Donna Haraway com seu ensaio “O
manifesto ciborgue” (1985), em que a crítica propõe novos caminhos para
o Feminismo além das fronteiras de gênero.

Na proposta de Haraway, a imagem do ciborgue como criatura composta


por fusões entre o social e a ficção, entre máquina e organismo, permite
ao Feminismo de base socialista, marxista e radical em contemplar as
diferenças entre as mulheres.

REFERÊNCIAS

CLUTE, John & NICHOLLS, Peter. Androids. In: CLUTE, John & NICHOLLS,
Peter (Eds.). The Encyclopedia of Science Fiction. New York: St. Martin’s
Griffin, p. 34-35, 1995.
JOVANOVIC, Aleksandar. Introdução. In: TCHÁPEK, Karel. A fábrica de
robôs. Tradução de Vera Machac. São Paulo: Hedra, p. 9-23, 2010.
SILVA, Alexander Meireles da. Sobre robôs e insetos: a crise do fantástico
em Karel Capek e Franz Kafka. In: REVISTA LETRAS & LETRAS. n. 2, v. 28,
2012. Disponível em: http://bit.ly/2Q8Ocv2. Acesso em 18 maio. 2019.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

HARAWAY, Donna. Manifesto Ciborgue: Ciência, tecnologia e feminismo-


socialista no final do século XX. In: TADEU, Tomaz. (Org.). Antropologia do
Ciborgue: As vertigens do pós-humano. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo
Horizonte: Autêntica editora, p. 36-118, 2000.
PRAZ, Mario. Introduction. In: FAIRCLOUGH, Peter (Ed.). Three Gothic

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Novels. Baltimore: Penguin Books, 1968.


ROBERTS, Adam. A verdadeira história da ficção científica: Do
preconceito à conquista das massas. Tradução de Mário Molina. São
Paulo: Seoman, 2018.

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