Taveres de Lira História Do Rio Grande Do Norte 1982

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A.

TAVARES DE LIRA

r -H '

FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO


* EDIÇÃO
2-
Dept0. História - neh
ACERVO BIBLIOGRÁFICO
*oo
nr RIO GRANDE DO NORTE
PREFÁCIO

HISTÓRIA DA “HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO NORTE”

Carlos Tavares de Lyra

Já foi dito que a vida de Tavares dc Lyra c um desses raros exemplos


de feliz c fecunda aliança entre o exercício da atividade política e o devo-
tamento ao trabalho intelectual.

Deputado Federal, Governador do Rio Grande do Norte, Ministro


da Justiça, Senador da República e Líder do Senado, Ministro da Viação
c Obras
* Públicas, duas vezes Ministro Interino da Fazenda, Ministro e
Presidente do Tribunal dc Contas da União, as sucessivas etapas de uma
longa e gloriosa vida pública. Depois, a inscrição dc seu nome aurcolado
no Livro do Mérito do Brasil, supremo registro das bencmercncias na­
cionais. Era a consagração dc um brasileiro ilustre, <pia.se octogenário,
vivendo no refúgio dos livros c das lembranças do passado, sem pompas
c cargos oficiais.

Professor c Doutor cm Direito, Historiador, Financista c Jurista,


Tavares de Lyra foi um trabalhador infatigável. Sua extensa bibliografia
alcança cerca de 70 (setenta) publicações, entre livros c folhetos, alguns
já raridades, disputadas pelos estudiosos do nosso Direito e da nossa
História. Por isso, foi considerado um verdadeiro dicionário histórico,
jurídico e administrativo vivo da Pátria, sempre cordialmcnte aberto ao
diálogo.

A História do Rio Grande do Norte, hoje intciramcnlc esgotada,


c. talvez, a obra clássica dc Tavares dc Lyra, situando-se entre os maiores
livros aparecidos no Brasil, até os meados do século. É um trabalho
monumental, de mais de 800 (oitocentas) páginas impressas (Tipografia
Leuzinger — Rio, 1921), também publicado no “Dicionário” com que o
Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro comemorou o centenário de
nossa Independência, cm 1922.
) Desde epic principiou a estudar a questão de limites cutie o Rio
Grande do Norte c o Ceará, a chamada Questão de Grossos, uni dos
) relevantes serviços epic prestou a seu Estado, Tavares de Lyra deliberou
escrever, logo (pie tivesse tempo, a história de sua terra. E, para esse
) fim, foi reunindo notas, documentos, informações. Em 1918 publicou o
> primeiro volume de seu trabalho. intitnlando-o Notas Históricas sobre o
Rio Grande do Norte. A obrarcompleta deveria constar de cinco volumes,
) de acordo com o plano (pie traçara.
Transcrevo aqui — e. c com a maior emoção epic o faço! — alguns
trechos, não das *’Memórias”, inéditas, de Tavares ac Lyra, que tão bem
esclarecem o assunto. São páginas íntimas de um diário, que ele escreveu
para minha Mãe c para nós. orgulhosos de um Pai liliahncnte querido c
civicamente venerado.

“Publicado o primeiro volume, alguns de meus adversários na


)
política local entenderam dea despojar-me do epic consideravam
) um título de bcnemcrència para mim — o de ser o primeiro histo­
riador do Rio Grande do Norte. E foi encarregado o Professor
) Rocha Pombo de escrever, com relativa pressa, uma História do
) Rio Grande do Norte. Ignoravam, porem, que aquele professor
era pessoa de minhas melhores relações c epic, tendo aceito a
) incumbência, mc procurara para consultar sobre alguns pontos
da referida História, cm relação nos <piais lhe faltavam fontes a /
) que recorrer. Nada lhe disse quanto às razões determinantes do
) convite que lhe haviam feito e prestei todos os esclarecimentos
que solicitara. Acrescentei, porem. lealmcnte. «pie estava escre­
) vendo um trabalho de idêntica natureza.”

) Revelava-se Tavares de Lyra sempre o mesmo homem reto c digno,


na tradicional hombridade de srti caráter sem mácula. Prossegue, ainda,
) diário:
) “Foi depois disso qnr. pondo de lado a idéia de concluir as
) minhas “Notas Históricas”, deliberei desde logo escrever a "His­
tória do Rio Grande do Norte”, correspondendo a um apelo do
) Instituto Histórico c Geográfico Brasileiro, que desejava come­
morar, cm 1922, de modo condigno, o primeiro centenário de
) nossa Independência, com a publicação dos dois volumes de seu
“Dicionário”. E cscrcvi não só a História, como a Coroe rafia do
) Estado, que figuram no segundo volume do referido “Dicio­
) nário”.”

) O trabalho de Tavares de Lyra apareceu em 1921. precedendo ao do


Trofessor Rocha Pombo, a quem remeteu um dos primeiros exemplares
I que lhe vieram às mãos. Acusando primeiro o recebimento do livro,
Rocha Pombo, dias depois, disse das impressões de sna leitura, em expres­
) sivo depoimento.
)
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1 '
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Outros tempos, outros costumes!... Admirável a lealdade de dois
grandes historiadores, um para o outro, sobrepondo-se às mesquinharias
da política c legando à posteridade um nobre exemplo de elevação de
caráter.
“Nunca publiquei essa carta — são ainda palavras dc Tavares
dc Lyra — dc que poucos tiveram conhecimento. E nisto obedeei
ao meu temperamento c feitio: não sou c nunca fui um cxibicio-
nisla. Quando Governador c Ministro dc Estado jamais paguei
um tostão a quem quer que fosse para me elogiar na imprensa."
Divulgo-a eu agora, por amor à verdade histórica, tratando-se dc
documento inédito, dos mais significativos. Representa o julgamento defi­
nitivo dc Rocha Pombo, grande historiador, seguro, honesto, minucioso,
sobre a História do Rio Grande do Norte, a obra imorredoura dc Tavares
de Lyra. Eis a carta dc Rocha Pombo, cujo original eu guardo com o
maior carinho no meu arquivo.

CARTA INÉDITA DO HISTORIADOR ROCHA POMBO


“Exm? Am? Sr. Dr. Tavares dc Lyra:
Trazendo a V. Ex,? as minhas respeitosas saudações, volto
hoje a renovar os meus agradecimentos pelo magnífico brinde que
se dignou dc fazer-me, uo exemplar dc seu novo livro “História
do Rio Grande do Norte”. Acabo não apenas dc ler, mas de
estudar as excelentes c magistrais lições que V. Ex\ neste es­
plendido volume, reuniu.

Alguma coisa dos dois primeiros capítulos já cu conhecia dc


trabalhos seus, que vejo agoçi ampliados. O próprio capítulo
terceiro — Domínio Holandês — c uma larga ampliação dc sua
monografia *'O Domínio Holandês no Brasil”. 'l ive por isso agora
reavivadas as impressões da leitura feita, folgando de ver com­
pletados assim trabalhos sens já consagrados pela crítica.
Do capítulo quarto, inclusive, cm diante, creio que tudo mc
pareceu novo; c o eminente amigo não fará idéia da sofreguidão
com que tudo li, c com interesse crescente, à medida que lia,
admirando a profusa documentação original que V. Ex * leve a
seu alcance.
É por isso mesmo que tenho, infelizmente para mim, de
repetir agora o que já uma voz lhe disse dc viva voz quanto à
esperança que cu nutria, dc poder, num trabalho dc igual gênero
de que sc me incumbira, aproveitar os mananciais da sua obra.
Mas,
* agora,' só posso lamentar a minha desfortuna, pois o seu
iá se acha há alguns meses no prelo, c não c sem sentimento de
legítimo despeito que vejo, principalmcntc nos quatro últimos

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capítulos de sua obra, tanta coisa que me poderia servir para
integrar o contexto dc meu humilde trabalho.
De modo que cumpro este dever, para mim ao mesmo tempo
grato c doloroso, dc felicitar a V. Ex
* por motivo que irá pòr
cm destaque mais vivo ainda o meu desastre; pois confesso desde
já que, sobretudo para a parle mais moderna da história norte-
rio-grandwense, eu me senti muito tolhido pela escassez das infor­
mações.
Pode, portanto, V. Ex
* imaginar como, por todo este mes,
segundo me promete o editor, terei de aparecer, desapontado da
minha inópia, que eu tanto esperava suprir da sua abundância.
Em todo o caso, o que mc consola c sentir que fiz o epic
pude c ter a certeza dc que uma terra, (pie se deve orgulhar dc
possuir filhos da estatura dc Tavares dc Lyra, nada perderá coin
o insucesso dc outros. '
Renovando, pois, a V. Ex
* os meus cumprimentos, por meio
destas linhas, antes que o possa fazer verbalmcnte, apresento ao
eminente amigo a expressão da alta estima cm que tenho as
grandes qualidades do seu espírito e o inestimável valor da obra
com que acaba de honrar a sua próspera c auspiciosa terra. Com
o maior apreço, de V. Ex* admirador c amigo obrigadíssimo,
Rocha Pombo
Rio, 9 dc dezembro dc 1921.”

A Revista do Instituto Histórico c Geográfico do Rio Grande do


Norte, cm número especial dedicado memória do Minislro-IIistoriador.
por ocasião de sua morte, julgou a História dc Rocha Pombo redigida
dentro de uma perspectiva mais geral, concluindo:
“A História dc Tavares dc Lyra c mais nossa, mais estadual,
mais local. Um volume denso, compacto, dc mais dc 800 páginas,
saído com antecedência do dc Rocha Pombo!9
Apesar dos defeitos c vícios da política da época, naquele tempo era
assim: os políticos se desentendiam, mas lucrava o Estado, ficando com
duas Histórias, superiormente escritas!
/\o LEITOR

Membro da Comissão Organizadora do Dicionário com que o bene­


mérito Instituto Histórico Brasileiro pretende comemorar o primeiro cen­
tenário dc nossa Independência, coube-me, entre outros, o encargo dc
escrever o estudo que deve figurar na introdução daquele dicionário sobre
a História, a Geografia c a Etnografia do Grande do Norte.
Uma das partes do meu trabalho — a parle histórica — é o que cons­
titui objeto deste livro, cuja publicação antecipo cm homenagem aos meus
ilustres colegas daquela comissão c como prova do carinho c do afeto que
dedico à terra estremecida cm que nasci.
Rio, 7 dc setembro ele 1920.

A. Tuvarrx dc Lyra

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I
A CONQUISTA DA CAPITANIA

É impossível fixar com segurança a época exata cm que foram,


pela primeira vez, avistadas as costas do Rio Grande do Norte e bem
assim quem as avistou, sendo, como c, certo que antes dc Cabral outros
navegantes, dc cujas viagens pouco conhecemos, haviam percorrido o li­
toral do Brasil, principalmente cm sua parle setentrional. Dentre os que
o fizeram, são hoje constantcmcntc apontados Alonso dc Hojcda c Vi­
cente Pinzón, este cm sua segunda viagem à América.
Quanto ao primeiro, afirma Porto Seguro {História Geral do Brasilf
vol. I, pág. 77) que, cm fins dc junho dc 1499. navegando cm compa­
nhia dos celebres pilotos Jnan de la Cosa c Américo Vcspuccio, se en­
contrara com terra, proximamente na latitude dc cinco graus ao sul da
Equinocial, a qual terra era baixa, alagada c de vários esteiros c braços
dc rios, não podendo ser outra senão a do Açu: mas essa afirmação foi
depois, c com bons fundamentos, contestada (Capistrano dc Abreu. O
Descobrimento do Brasil c seu Desenvolvimento no Século XVI, págs. 20
e seguintes).
Sobre o segundo, que, como companheiro dc Colombo, fora capitão
da Nina, sabe-se que, em janeiro dc 1500, chegou a um cabo que de­
nominou de Santa Maria de la Consolación. Muitos querem que esse cabo
tenha sido o de Santo Agostinho, cm Pernambuco, entendendo outros
que fosse a ponta de Mucuripc, no Ceará. Ainda alguns pensam ler sido
o cabo Branco, na Paraíba.
Aceita qualquer das versões, exceto a dos que julgaram o cabo dc
Santa Maria dc la Consolación a ponta dc Mucuripc, c dc presumir que
fossem então costcadas terras norte-rio-grandcnscs, porque Pinzón, da­
quele cabo, dirigiu-se para noroeste, passando além da foz do Ama­
zonas.
Posteriormente à notificação oficial do descobrimento do Brasil aos
governos da Europa, a primeira expedição portuguesa a ele enviada foi
a dc 1501, que chegou a 16 dc agosto ao cabo dc São Roque, assim de­
nominado cm virtude da festa do calendário nesse dia. Seguiram-se mui­
tas outras (jue visitaram o nosso litoral ou que nele tocaram dc passagem
para a India: o Brasil foi, algum tempo, considerado bom ponto de
escala para a navegação do Oriente.

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Além dos portugueses, os espanhóis, cm diferentes viagens dc explo­
ração para a America Central c para o rio da Praia, c os franceses, que,
logo após a descoberta. começaram a traficar com o pau-brasil, iam alar­
gando lenta mente, no trato e no comercio com os indígenas, o conheci­
mento das terras c das gcnlcs. E o fato é (pic ao espírito dc aventura dos
armadores particulares c às incursões dos intrusos, a quem estimulava
a miragem dc rápida fortuna no contrabando das costas, deve-sc — pelo
menos ate o falecimento dc D. Manuel cm 1521 — muito mais do’que à
ação oficial do Governo. Esta sc limitou à guarda da nova possessão
contra as pretensões dc outras potências marítimas, ficando a exploração
efetiva do vasto domínio, com epic fora enriquecida a Coroa, entregue à
ganância dos contrabandistas (pie. aproveitando-se do instinto mercantil
dos índios, estabeleciam estações dc pcrmula nos portos; c, passados al­
guns anos, já sc proviam eles tão hem dos artigos preferidos pelos euro­
peus que, cm qualquer ponto aonde chegasse um navio c se pusesse a
tripulação cm relações com as tribos da paragem, era seguro realizar os
melhores negócios.
Dada a sua situação geográfica, c provável que o Rio Grande do
Norte tenha sido dos primeiros pontos visitados em nosso litoral, dizendo
Porto Seguro epic foi nele que primeiro sc abriu a luta, que tão longa
foi. entre os conquistadores c os primitivos habitantes, pois, tendo desem­
barcado aí. junto ao cabo dc São Roque, dois jovens, que vinham na
expedição dc 1501. foram vítimas da antropofagia dos íncolas. Mas dessas
visitas, que despertam naturalmcntc a nossa curiosidade, ligadas como sc
acham aos antecedentes da conquista, pouco sabemos. Os que as faziam,
visando a lucros imediatos c especulações rendosas, não acentuavam sua
ação num esforço contínuo, proveitoso c civilizador. Delas nada ficou,
a não ser o conhecimento imperfeito da costa.
A primeira expedição realmcntc co Ioniza d ora epic veio ao Brasil,
dirigindo-se para o sul, foi. cm 1530, a dc Martim Afonso dc Sousa, o
fundador dos núcleos coloniais dc São Vicente c Piratininga. Pouco depois
D. João 111 dividiu o nosso território cm capitanias hereditárias, doando-as
* a alguns dc seus mais ilustres servidores.
Da baia da Traição, onde terminavam as trinta lcguas do último dos
quinhões dc Pero Lopes dc Sonsa, principiavam as demais donatarias do
Norte, a saber: 100 lcguas concedidas a João de Barros; 40 lcguas a
Antônio Cardoso de Barros; 75 lcguas a Fernando Alvares dc Andrade;
c mais 50 a João de Barros c Aires da Cunha. Divergem os historiadores
pátrios sobre o limite das primeiras 100 lcguas de João de Barros: uns.
como Cândido Mendes, fixam esse limite no rio Jaguaribe; outros, como
Rocha Pombo, no rio Mandaú; c ainda alguns, como Matoso Maia, na
' cordilheira do Apodi.
Nada há que admirar cm tais divergências, comuns às extremas dc
quase todas as capitanias, porque, pouco conhecida a costa, as indicações
eram feitas a esmo, cabuladas apenas pela latitude.

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i
E também ponto cm que discordam se a concessão foi íçibu-a-João
de Barros, tendo-se este depois associado a Aires da Cunha, ou se Aires
ihTCunha foi donatário desde o começo.
Não conhecemos a carta dc doação; mas, pelos forais expedidos cm
11 de março dc 1535 (vide llcvista do Instituto Histórico c Geográfico
do Rio Grande do Norte, vol. VI, págs. 213 c seguintes) se verifica que
já dois eram os donatários: João de Barros, que tinha sido tesoureiro c
era, na ocasião, feitor da Casa da índia, sendo mais tarde o grande his­
toriador dos feitos portugueses no Oriente, c Aires da Cunha, homem do
mar, afeito aos seus perigos, valordso, cheio de sçrviços. Este último che­
gara a Lisboa cm setembro dc 1533 c era um dos indigitados '(eram dois:
ele c Duarte Coelho) para ir expulsar os franceses dc Pernambuco, quando
Pero Coelho voltou ao reino com a notícia de havê-los desbaratado, o que
fez com que lhe fosse aumentada a doação, que já tivera, com mais
trinta léguas dc Itamaracá à baía da Traição. Segundo Rocha Pombo
(História do Brasil), Aires da Cunha, pelos serviços prestados no mar
de Malaca c nos cruzeiros do Atlântico, obteve então, de sociedade com
João de Barros, as cinquenta léguas que corriam em continuação às dc
Fernando Álvares dc Andrade.
E provável que date daí a sociedade entre os três — Aires da Cunha,
João de Barros c Fernando Álvares — para levarem a efeito a colonização
das duzentas e vinte c cinco léguas (pie lhes foram doadas no Norte do
Brasil. Ao primeiro coube o comando da expedição que aprestaram, fi­
cando os dois outros cm Portugal, ou pela impossibilidade dc se ausen­
tarem, ou para melhor cuidarem dos interesses dá empresa que haviam
fundado. Vieram representantes seus: dois filhos do segundo ? um dele­
gado dc confiança do terceiro. Excepcional foi o aparelhamcnlo dessa
expedição, <pie se compôs dc dez navios armados cm guerra c guarne­
cidos por novecentos homens, dos (piais cento c treze pertencentes à
cavalaria; c semelhante aparato despertou ale estranheza por parte do
embaixador espanhol, Luís Sarmiento, que a respeito falou a D. João III,
conforme comunicação feita cm carta ao seu soberano Carlos V.
Era opinião geral que Aires da Cunha não visava apenas fundar
colônias: tinha instruções especiais para, uma vez desembarcado, pro­
curar atingir o Peru pelo interior.

A concessão feita aos donatários, antes da partida da expedição, do


ouro c prata que na terra fossem descobertos, os adiantamentos que con­
seguiram, sobretudo em armamentos c munições, ou auxílios que a mesma
I expedição logrou obter, cm Pernambuco, dc Duarte Coelho que, para
! seu bom êxito, “se prestou a dar línguas ou interpretes e ate a por à
\ disposição dc Aires da Cunha uma fusta dc remos, que pudesse ir adiante,
sondando, nas paragens menos conhecidas c exploradas”, tudo parece in­
dicar que, na realidade, propósitos e fins ocultos a moviam.

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* para os aventureiros que vinham ao Brasil, o Peru era como a índia
Deste parecer são, em geral, os nossos historiadores; e, “sabido que,
* fantástica c sedutora para as gerações precedentes, nada tem de inveros­
símil o intento dc ser procurado pelo Amazonas o coração do continente,
onde, segundo as lendas que corriam c as notícias que andavam de boca i
y em boca, sc encontravam riquezas fabulosas”. r j
u A expedição saiu dc Lisboa cm novembro dc 1535, chegando sem
novidade a Pernambuco, onde, como vimos, recebeu eficaz auxílio por
**• parte de Duarte Coelho. •
c Deixando Pernambuco, dirigiu-se Aires da Cunha para o norte, cos-
teando o litoral. Porto Seguro, resumindo o que dizem cronistas]c do­
cumentos oficiais, narra assim a sua viagem (História Geral dò Brasil,
j. vol. I, págs. 1SS e seguintes):
v. “Primeiro resolveu desembarcar e estabelecer-se na atual província
do Rio Grande do Norte, a qual fora um dos quinhões que coubera cm
* sorte a ele c a João de Barros, cujos filhos iam na armada.

O próprio Rio Grande, chamado depois pelos índios dc Putigi, estava


já dentro do dilo quinhão, e não sabemos por que foi desdenhado, indo
Aires da Cunha, com toda a frota, aportar ires lcguas mais ao norte, ao
► rio chamado Baquipe pelos índios e Pequeno pelos nossos, dito hoje
Ceará-Mirim.
Aí chegou a desembarcar, com idéia dc fundar,Kma colônia. Encon-
* trou, porem, tão grande oposição da parle dos potiguares, unidos a muitos
franceses, que com eles se achavam, que, depois de perder alguma gente,
resolveu ir tentar fortuna na terra dc seu terceiro sócio, Fernando Álvares
* dc Andrade. Fizeram-se, pois, todos ao mar, tomando também consigo
alguns dos náufragos dc um galeão de D. Pedro de Mendoza (conhe­
cido por seus feitos no rio da Prata), os quais ainda aí encontraram,
_ havendo outros dos companheiros sido devorados pelos mesmos poti­
guares. Montaram pelo cabo dc São Roque, com propósito de busca *
* rem o porto do Maranhão; porém, por nova desdita, a fusta dc remos,
que devia conduzi-los, sc lhes esgarrou, chegando a andar perdida, e
já sem mantimentos nem água, quando um navio espanhol a encontrou c,
tomando a bordo os tripulantes, os levou à ilha de São Domingos.
Este incidente não deixou dc contribuir um tanto para os malogrados
sucessos que sobrevieram, cm conscqiicncia do naufrágio e morte dc
* Aires da Cunha, nas águas do Maranhão. Hoje sabemos que nove dos
navios chegaram salvos a essas águas em março dc 1536, e que, cm 15
de julho deste ano, era já conhecida cm Évora essa chegada, sem ser
k acompanhada de nenhuma notícia contristadora. Provavelmente só depois
dc despachado do Maranhão o barco para Portugal, com estas informa-
* ções, chegaria ali a triste notícia do naufrágio e morte do chefe da ex­
pedição; morte que sem dúvida seria para ela um grande golpe e que,

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)

) ‘ ’’ I
em vista dos resultados, lhe veio a ser Funesta; talvez porque nenhum
dos outros teria igual prestígio para infundir o necessário respeito a tanta
gente, ainda mal disciplinada, e para conter pelo temor, suavizado pela
caridade, um tão numeroso c vário gentio, como o que habitava a grande
ilha cm que se encontrava o ancoradouro.
Nesta ilha, procuraram estabeleccr-sc, formando uma vila, a que,
segundo em 1536 escreveu o dito Sarmiento, embaixador castelhano cm
Évora, deram o nome dc Nazaré, c, admitindo para a grande ilha (do
Maranhão) o nome da Trindade, que, se acaso já antes lhe havia sido
dado (no mapa dc Diogo Ribeiro, dc 1529, vem este nome, mas bem
podia ser acrescentado depois), agora melhor devia cabcr-lhe, pela as­
sociação dos três donatários”.
Em seguida Porto Seguro descreve a costa dc São Roque ao Ama­
zonas, c, depois de estudar o malogro dos esforços dos expedicionários
em defesa da povoação que haviam fundado c que foram obrigados a
abandonar, acrescenta:
"Não sabemos se alguns conseguiram regressar diretamente a Por­
tugal: temos apenas a certeza de que ties caravelõcs, com muitos colo­
nos c uns duzentos índios, foram ler às An t ilhas, cm agosto de 153S;
chegando à ilha dc Porto Rico dois, com quarenta e cinco dos mesmos
colonos, alguns deles casados, c cento c quarenta índios, entre escravos
e livres. O outro caravelão foi aportar na dc São Domingos. Os desta
última ilha não só lançaram mão dos índios como de todos os bens dos
infelizes, os quais, por ordem da metrópole, foram mandados reler por
colonos.”
João de Barros, só à custa dc muitos trabalhos c despesas, pôde reaver
seus dois filhos. E, feliz com eles, na pobreza, fazia daí em diante pro­
testos dc não fundar mais vãs esperanças cm vir a ser rico, c assim resig­
nou inteiramente toda a TeTeia ele ser senhor donatário no Brasil. ”O prin­
cípio da milícia desta terra (*díz este escritor), ainda que seja o último
dos nossos trabalhos, na memória eu o lenho mui vivo, por quão morto
me deixou o grande custo desta armada sem fruto alguin . Galvão acres­
centa uma circunstância, que o cronista da Ásia teve a virtude dc calar,
c vem a ser que ele, como de “condição larga, pagou por Aires da Cunha
e outros que lá faleceram, com piedade da mulher e filhos que lhes
ficaram”.
"El-rei D. Sebastião perdoou depois a Barros a dívida de uns 600.000
reis, cm que estava alcançado pela artilharia, armas e munições que lhe
haviam sido fornecidos pelo arsenal régio para a expedição; c, depois
dc ele falecer (1570), fez mercê à viúva de 500.000 reis dc pensão. E
D. Filipe (I dc Portugal) concedeu a Jeronimo de Barros, filho do
nosso donatário, e talvez como indenização dos direitos que tinha à ca­
pitania, uma tença de 100.000 réis, com faculdade para testar dela até
a quantia de 30.000.”

15
Referindo-se a essa armada, de que Foi comandante Aires da Cunha,
diz Gabriel Soares (Tratado Descritivo do Brasil cm 15S7, publicado na
Revista do Instituto Histórico Brasileiro, tomo XIV, pág. 26 c seguintes):
‘‘Desejoso João de Barros dc sc aproveitar desta mercê (a donataria que
lhe fora concedida), fez à sua custa uma armada dc navios cm que
embarcou muitos moradores com todo o necessário para sc povoar esta
sua capitania, c cm a qual mandou dois Filhos seus, que partiram com
ela. ê. prosseguindo logo sua viagem cm busca da costa do Brasil, foram
tomar ferro junto do rio Maranhão, cm cujos baixos sc perderam. Deste
naufrágio escapou muita gente, com a qual os Filhos dc João de Barros
sc recolheram a uma ilha que está ua boca deste rio do Maranhão, aonde
passaram muitos trabalhos, por sc não poderem comunicar desta ilha
com os moradores da capitania de Pernambuco c das mais capitanias,
os (piais, depois dc gastarem alguns anos, despovoaram e sc vieram para
este reino. Nesta armada, e cm outros navios que João de Barros depois
mandou por sua conta cm socorro dc seus filhos, gastaram muita soma
dc mil cruzados, sem desta despesa lhe resultar nenhum proveito, como
fica dito atrás. Também lhe mataram os potiguares muita gente, ac-nde
se chama o rio Pequeno”.
E Rocha Pombo, baseando-se nesse depoimento, inclina-se a crer que,
rcalmcntc. só depois de vencidos no Maranhão foi que os portugueses sc
sujeitaram a ser batidos no Ceará-Mirim (Baquipe dos índios e rio Pe­
queno dos colonos naqueles tempos), julgando que na viagem de ida c
pouco provável que um verdadeiro exército, provido das três armas c
tendo à frente um general como Aires da Cunha, sc deixasse vencer c
recuasse dc uns míseros selvagens.
A suposição (vide Rocha Pombo, op. cit., vol. Ill, págs. 273 e seguin­
tes) é tanto mais aceitável quanto Gabriel Soares afirma ainda que “os
filhos de João de Barros, correndo esta costa (do cabo de São Roque até
o porto dos Búzios), depois que se perderam, lhes mataram neste lugar
(rio Baquipe) os potiguares, com Favor dos franceses induzidos deles,
.
**
muitos homens E desta mesma opinião é, além dc outros, frei Jaboatão
(Notx) Orbe Seráfico Brasil ico, vol. I, pág. 14), que afirma:
“Por estes pitiguares, fora dos encontros de guerra, e à falsa fé,
foram mortos c comidos muitos portugueses. Por eles o foram alguns da
companhia dos filhos de João de Barros, que, depois dc perdidos nos
baixos do Maranhão, e vindo correndo a costa, quando voltaram para o
reino, mandando alguns homens terra, onde tinham porto, no rio chama­
do Baquipe, cm 5 graus de altura, antes dc chegar ao da Paraíba, foram
mortos c comidos por este gentio, induzidos para isso pelos franceses.”
Seja como for, o que c certo é que a expedição dc que acabamos
de tratar foi a primeira tentativa feita para colonizar o Rio Grande do
Norte; e o seu insucesso teve como consequência o abandono da donata­
ria c, mais tarde, a sua reversão à Coroa.

16
Quando se deu essa reversão, c ponto obscuro, a respeito do qual
já tivemos ocasião dc escrever (vide nossas Notus Históricas sobre o Rio
Grande do Norte, trabalho que, resumido, vamos aproveitando neste
ate a data que alcança — 1654): “Variam as opiniões c falecem documen­
tos que afastem a incerteza. Maximiano Lopes Machado (História da
Província da Paraíba, pág. 15) afirma que foi cm 1537; a Cândido
Mendes (Atlas da Brasil, pág. 36) parece que foi cm 1540; Matoso
Maia (História do Brasil, pág. 61) acha que foi cm 1540 ou 157j0;
Capistrano de Abreu (nota à pág. 109 da História do Brasil por frei
Vicente do Salvador, publicada em 1SS7) ignora se houve sucessão ou
transação. E assim por diante. Ninguém aponta fontes seguras; a
todos faltam elementos para dirimir a dúvida. E, no terreno das hipó­
teses, melhores razões assistem a Porto Seguro, insinuando que a reversão
se operou no governo de D. Filipe II, dc Espanha, depois, portanto,
de 15S0”.
Poslcriormenlc, graças à cativante bondade de Capistrano dc Abreu,
tivemos conhecimento, possuindo cópia, dc Ires documentos epic foram
publicados cm 1917 por Antônio Baião, Diretor do Arquivo da Torre
do Tombo c sócio da Academia dc Ciências dc Lisboa, c trazem alguma
luz sobre o assunto. O primeiro c um alvará com força dc carta, expe­
dido cm 6 de março dc 1561, a requerimento dc João de Barros, proibindo
que pessoa alguma vá tratar ou resgatar à sua capitania sem sua licença,
posto tpic nu dita capitania não haja povoação alguma; o segundo é a
certidão de uma justificação requerida por Antônio Pinheiro, procurador
dc João de Barros, e processada, cm 3 de março de 1564. perante o juiz
ordinário da vila dc Iguaraçu (Pernambuco), na qual o referido pro­
curador provava, com o depoimento dc testemunhas, epic o capitão João
Gonçalves, da ilha dc Itamaracá, estava concedendo licenças para ser
devastada a capitania do seu constituinte, espcciahnente no porto dos
Búzios, com desrespeito aos seus direitos; o terceiro é um requerimento
dc Jerônimo de Barros, filho dc João de Barros, pedindo vários favores
para ir povoar uma capitania que tinha no Brasil “de cinquocnta legoas
ao longo da costa dos Pitigares e vinte e einquo na boca do rio Marc-
nham". Da cópia deste requerimento não consta a respectiva data. Sabido,
porém, que as capitanias eram inalienáveis c transmissíveis por herança
ao filho varão mais velho, claro é que fui posterior a 1570, quando faleceu
João de Barros. E mesmo possível que ele tenha sido o ponto dc partida
para o acordo dc (pie resultou a reversão da capitania Coroa, confir­
mando-se assim a presunção dc Porto Seguro: *‘E D. Filipe (I dc Portu­
gal) concedeu a Jerônimo de Barros, filho do donatário, c talvez como
indenização dos direitos que tinha à capitania, uma tença dc 100.000
réis, com faculdade para testar dela ate a quantia dc 30.000 réis*.
Quer como capitania hereditária, quer como patrimônio da Coroa, o
Rio Grande do Norte continuou inlciramcnle abandonado, ate que,
muito mais Xarde, a expulsão dos franceses — para segurança da Paraíba
c do domínio português ao norte — veio a tornar urgente e inadiável a

17
sua ocupação, oferecendo a oportunidade de ser tentada com exilo a
sua conquista; mas, até que isto ocorresse, o cjue sc conseguiu foi apenas
*
explorar o litoral c as costas, que, cm 1587, eram já mais ou menos
conhecidas. Naquele ano, Gabriel Soares descrevia-os assim (op. cit.
págs. 24 c seguintes):
“Do rio Jaguaribe dc que se trata acima ate a baía dos Arrecifcs
são oito léguas, a qual demora cm altura de Ires graus. Nesta baía sc
descobrem de baixa-mar muitas Ionics de água doce muito boa, onde
bebem os peixes-bois, dc que aqui há muitos, (pie sc matam arpoando-os,
assim o gentio potiguar, que aqui vinha, como os caravclõcs da costa, que
por aqui passam desgarrados, onde acham bom surgidouro e abrigada.
Desta baía ao rio dc São Miguel são sete léguas, a qual estão em
ties graus c 1/4. Na barra deste rio está o ilhéu dc arvoredo que lhe
faz díias barras e na ponta dele c o cabo Corso, cm o qual entram e
surgem por qualquer destas barras os navios da costa à vontade.
Deste rio à baía das Tartarugas são oito lcguas, a qual está cm
altura dc tres graus c 2/3 cm a qual os navios da costa surgem por
acharem nela boa abrigada. Desta baía ao Rio Grande são quatro
lcguas, o qual está na altura de quatro graus. Este rio tem duas pontas
saídas ao mar, c, entre uma c outra, há uma ilhota, que lhe faz duas
barras, pelas quais entram navios da costa. Defronte deste rio se come­
çam os baixos dc São Roque c deste Rio Grande ao cabo dc São Roque
são dez léguas, o qual está cm altura dc quatro graus c um scismo;
entre este cabo c a ponta do Rio Grande se faz de uma ponta à outra
uma grande baía, cuja terra é boa e cheia de mato, cm cuja ribeira ao
longo do mar se acha muito sal feito.
Defronte desta baía estão os baixos de São Roque, os quais arreben­
tam em três ordens, c entra-se nesta baía por cinco canais que vem ter
ao canal que está entre um arreeife e outro, pelos quais sc acha fundo
dc duas, tres, quatro e cinco braças, por onde entram os navios da
costa ;i vontade.
Do cabo de São Roque à ponta dc Guaripari são seis lcguas, a qual
está cm quatro graus e 1/4, onde a costa c limpa c a terra escalvada, dc
pouco arvoredo c sem gentio. Dc Guaripari à enseada da Itapitanga
são sete léguas, a qual está cm quatro graus c J/4; da ponta desta
enseada à ponta dc Guaripari são tudo arrecifcs, e entre eles c a terra
entram naus francesas e surgem nesta enseada à vontade, sobre a qual
está um grande médão de areia; a terra por aqui ao Jongo do mar está
despovoada do gentio, por ser estéril c fraca. Da Itapitanga ao Rio Pe­
queno, a que os índios chamam Baquipe, são oito léguas, a qual está
cm cinco graus, e um seismo. Neste rio entram chalupas francesas a
resgatar com o gentio c carregar do pau-de-tinta, as quais são das naus
que se recolhem na enseada da Itapitanga. Andando os filhos dc João
de Barros correndo esta costa, depois que sc perderam, lhes mataram
neste lugar os piliguares, com favor dos franceses induzidos deles, muitos
homens. Deste rio Pequeno e ao outro rio Grande são ires léguas; o
qual está em altura dc cinco graus e 1/4. Neste rio Grande podem entrar
muitos navios de lodo o porte, porque tem a barra funda dc dezoito
ate seis braças, c entra-se nele como pelo arrcciíc dc Pernambuco, por
ser da mesma feição. Tem este rio um baixo a entrada da banda do
norte, onde corre água muito à vazante, c tem dentro algumas ilhas dc
mangues’ pelo qual vão barcos por ela acima quinze ou vinte léguas,
c vem de muito longe. Esta terra do Rio Grande é muito sofrível para
este rio se haver de povoar, cm o qual se metem muitas ribeiras cm epic
se podem fazer engenhos de açúcar pelo sertão. Neste há muito pnu-dc-
tinla, onde os franceses o vão carregar muitas vezes.
Do rio Grande ao porto dos Búzios são dez léguas c está em altura
dc cinco graus c 2/3; entre este porto e o rio estão os lençóis dc areia,
como os dc Tapoã, junto da Baía dc Todos os Santos.
Neste Rio Grande achou Diogo Pais, dc Pernambuco, língua do
gentio, um castelhano entre os piliguares, com os beiços furados como
eles, entre os quais andava havia muito tempo, o qual se embarcou em
uma nau para a França, porque servia dc língua aos franceses entre o
gentio nos seus resgates.
Neste porto dos Búzios entram caravclõcs da costa cm um riacho,
que neste lugar se vem meter no mar.
Do porto dos Búzios a Itacoutigara são nove léguas, c este rio se
chama deste nome, por estar cm uma ponta dele uma pedra dc feição
dc pipa como ilha, a que o gentio por este respeito pôs este nome, que
quer dizer ponta da Pipa; mas o próprio nome do rio Garatuí, o qual
está cm altura de 6 graus. Entre esta ponta c o porto dos Búzios está
a enseada dc Tabalinga, onde também há surgidouro e abrigada p?ra
navios cm que detrás da ponta costumavam ancorar naus francesas e fazer
sua carga dc pau-dc-tinla. Dc Itacoatigara ao rio dc Guaramataí são
duas léguas, o qual está cm 6 graus esforçados; do Guaramataí ao rio dc
Camaralibe são duas léguas, o qual está cm 6 graus c 1/4, c entre um
c outro está a enseada Aratipicaba, onde dos arrecifes para dentro entram
naus francesas e fazem sua carga.
Do rio Camaratibe até a baía da Traição são duas léguas, a qual
está cm 6 graus c 1/3, onde ancoram naus francesas c entram dos arrecih's
para dentro".
Explorados o litoral e as costas, era preciso que os portugueses firmas­
sem de vez o seu domínio, ocupando a capitania. A consolidação da con­
quista da Paraíba e o interesse que já então despertava todo o Norte, sob
constantes assaltos dc povos estranhos, espcciahnente dos franceses, que,
depois dc .expulsos do Sul, para lá volveram suas vistas, mantendo um
largo comírcio por toda parle, exigiam esse sacrifício, porque era o Rio
Grande que eles procuravam dc preferência, pela sua proximidade dos

19
estabelecimentos c portos paraibanos e pela cordialidade dc relações com
°s potiguares, cujo apoio c auxílio lhes eram valiosos. Aliás, essa cord ia- I
lidade dc relações dava-se com quase todas as tribos, não porque os 1
franceses fossem mais hábeis do que os portugueses, mas porque, sem
outro intuito que não fosse encontrar facilidade no contrabando, se absti-
u/wni de empregar a violência, de usar da força.
Não pretendiam colonizar a terra c, por isso, serviam-se de processos i
diferentes, não movendo guerra aos indígenas: csiorçavam-se, pelo con- \
Irário, cm agradá-los, para tc-los sempre ao seu lado.
Julgada imprescindível, a conquista realizou-se no governo de D. Fran­
cisco de Sousa, que, iniciado cm 1591, sc prolongou por mais de dez anos.
Reiteradas eram as ordens da metrópole para que a empresa fosse, com
a maior brevidade, levada a cabo, sendo as últimas as constantes das cartas
jégias dc 9 de novembro dc 1596 c 15 de março de 1597. Rcccbcram-nas
o ’ governador geral e os capitãcs-mores dc Pernambuco c da Paraíba,
Manuel Mascarenhas Homem c Feliciano Coelho, tendo o primeiro reco­
mendações especiais para gastar o que fosse necessário da fazenda real
c dar provisões a Mascarenhas para lazer outro tanto cm Pernambuco.
“Tais ordens foram pontualmcnle cumpridas; c eram todas necessá­
rias, pois que a nova capitania do Bio Grande não sc chegou a erigir
senão à custa de ainda mais gastos, sangue e trabalhos que a sua vizinha
da Paraíba. O Governador desde logo aplicou para os gastos dela, não
só o restante do produto dos dízimos, como os direitos da saída do açúcar
c da sisa dos escravos vindos da Africa, e mais doze mil cruzados, parle
do que tomara a uma nau da índia, que arribara à Bahia. E Manuel
Mascarenhas não só deixou ordens ao seu loco-tencntc cm Pernambuco
que aplicasse para mantimentos quanto pudesse forrar das despesas, como
lançou mão de S:992$833 do cofre dos defuntos c ausentes, os quais
depois teve de restituir ú sua custa, embargando-se-lhe para isto as rendas
dc uma comenda. Também o capitão <la Paraíba, Feliciano Coelho, con­
tribuiu com gente, que acompanhou cm pessoa, c do seu loco-tencntc
recebeu mantimentos c vitualhas. Isto, além do socorro que enviou dire­
tamente a Metrópole ao Bio Grande, e dc muitos particulares, que mora­
dor houve que, só à sua parte, contribuiu com dez mil cruzados”.
Em geral, os nossos historiadores, dando notícia dos acontecimentos
que se desdobraram por ocasião da conquista, repetem-se com pequenas
variantes dc detalhes, inspirando-se todos nas crônicas do tempo. Leia­
mos, pois, uma destas (frei Vicente de Salvador, História do Brasil:
“Informado Sua Majestade das cousas da Paraíba, e que todo o dano
lhe vinha do Rio Grande, onde os franceses iam comerciar com os poti­
guares, e dali saíam também a roubar os navios, que iam c vinham de
Portugal, tomando-lhes não só as fazendas, mas as pessoas, c vendendo-as
aos gentios, para que as comessem, querendo atalhar a tão grandes males,
escreveu a Manuel Mascarenhas Ilomcm, capitão-mor cm Pernambuco,

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encomendando-lhe muito que logo fosse lá fazer uma fortaleza e povoação,
o que tudo fizesse com conselho c ajuda de Feliciano Coelho, a quem
também escreveu, c ao governador geral D. Francisco de Souza, que
para isto lhe desse provisões e poderes necessários para gastar da sua
real fazenda tudo que lhe fosse necessário, como cm efeito o governador
lhe passou, e lhe pôs logo tudo cm execução com muita diligência c
cuidado, mandando uma armada dc seis navios e cinco caravelões, que
o fossem esperar à Paraíba, cm a qual ia por cnpitão-mor Francisco de
Barros Pego, por almirante Antônio da Costa Valente c por capitães
dos outros navios João Pais Barreto, Francisco Camelo, Pedro Lopes
Camelo c Manuel da Costa Calheiros.

Por terra, com o cnpitão-mor Manuel Mascarcnhas. foram três com­


panhias dc gente dc pé, dc que eram capitães Jerônimo dc Albuquerque,
Jorge dc Albuquerque, seu irmão, c Antônio Leitão Mirim, c uma dc ca­
valos. que guiava Manuel Leitão; os quais chegados uns c outros ;i Pa­
raíba. se ordenou que Manuel Mascarcnhas fosse por mar ao Rio Grande,
na armada que veio de Pernambuco, c levasse consigo o Padre Gaspar dc
São João Peres, da Companhia, por ser grande arquiteto c engenheiro,
para traçar a fortaleza, com seu companheiro o Padre Lemos, c o nosso
irmão frei Bernardino das Neves, por ser muito perito na língua brasílica.
e mui respeitado dos potiguares, assim por essa causa, como por respeito
de seu pai o capitão João Tavares, epic entre eles por seu esforço havia
sido mui temido, o qual levou por companheiro outro sacerdote da nossa
província chamado frei João dc São Miguel; e que Feliciano Coelho fosse
por terra com os quatro capitães c companhias (Ias gentes dc Pernambuco
c com outra da Paraíba, dc que ia por capitão Miguel Alvares Lobo, que
por todos faziam soma de cento c setenta c oito homens de pc e de cavalo,
fora o nosso gentio, que eram das aldeias de Pernambuco noventa frcchci-
ros, c das da Paraíba setecentos e trinta, com seus principais, que os guia­
vam. o Braço dc Peixe, o Assento de Pássaro, o Pedra Verde, o Mangue c
o Cardo Grande, e este exército começou a marchar das fronteiras da Pa­
raíba a dezessete dc dezembro dc mil quinhentos c noventa c sete, indo
as espias c corredores diante, queimando algumas aldeias, que os potigua­
res despejavam com medo, como confessaram alguns, que foram tomados,
mas aos que fugiam os inimigos não fugia a doença das bexigas, que c
a peste do Brasil, antes deu tão fortemente cm nossos índios, c brancos na­
turais da terra, que cada dia morriam de dez a doze, pelo que foi forçado
ao governador Feliciano Coelho fazer volta à Paraíba para se curarem, c
os capitães para Pernambuco com a sua gente, que pôde andar, dizendo
que cessando a doença tornariam para seguirem viagem, exceto o capitão
Jerônimo dc Albuquerque, que se embarcou cm um caravelão e foi ter ao
Rio Grande com seu capitão-mor Manuel Mascarcnhas, o qual havia ido
na armada, como já dissemos, c na viagem teve vista dc sete naus de fran­
ceses que estavam no porto de Búzios contratando com os potiguares, os
(piais, coind viram a armada, picaram as amarras e se foram, e a nossa
não a seguia, por ser tarde, c não perder a viagem.

21

Dept°. História - neh


ACERVO BIBLIOGRÁFICO
No dia seguinte, pela manhã, mandou Manuel Mascarenhas dois ca-
ravelõcs descobrir o rio, o qual descoberto, c seguro, entrou a armada â
tarde guiada pelos marinheiros dos caravclõcs que o tinham sondado, aí
desembarcaram, c sc trinchciraram de varas dc mangues para começarem
a fazer o forte, c se defenderem dos potiguares, que não tardaram muitos
dias que não viessem uma madrugada infinitos, acompanhados dc cinquen­
ta franceses, que haviam ficado das naus do porto dos Búzios, e outros que
aí estavam casados com potiguares, os quais, rodeando a nossa cerca, fe­
riram muitos dos nossos com pelouros c frcchas, que tiravam por entre as
varas, entre os quais foi um o capitão Bui dc Avciro cm o pescoço com
uma frocha, c o seu sargento, c outros, com o que não desmaiaram, antes
como elefantes à vista dc sangue mais sc assanharam, c sc defenderam, e
ofenderam os inimigos tão animosamente, que levantaram o cerco, e sc
foram; depois veio um índio chamado Siirupibcba pelo rio abaixo cm uma
jangada dc juncos, apregoando paz, o qual prenderam cm ferros; c com
estar preso mostrava tanta arrogância, que vendo o aparato com que Ma­
nuel Mascarenhas se tratava, c comia, disse que o não haviam dc tratar
menos, c assim lhe davam bom tratamento, c por persuasão dos padres da
Companhia, posto que contradizendo o nosso irmão frei Bernardino, que
conhecia bem suas traições e enganos, enlim Mascarenhas o soltou, e man­
dou. prometendo-lhe o índio dc trazer lodo o gentio de paz. para o que lhe
deu vestidos, e outras coisas que pudesse dar aos seus, não só quando foi.
mas ainda depois por duas vezes, que lhas mandou pedir, dizendo que já
os linha apaziguados, c vinham por caminho a entregar-se, porem indo
dois bateis nossos com vinte homens, de epic ia por cabo Bento da Bocha,
a cortar uns mangues, estando metido em alguma enseada, c começando a
fazer a madeira, os cercaram por entre os mangues para os tomarem na
baixa-mar, quando os bateis ficassem cm seco, onde houveram dc ser todos
mortos, sc um dos bateis, que era maior, sc não fora pôr dc largo, aonde
os descobriu, c deu aviso ao outro para que sc embarcasse a nossa gente
à pressa, c se «alargasse dos inimigos, os (piais incontinent! se saíram da
emboscada, e se foram metendo pela água «a tomar-lhes uma restinga, que
eslava no meio do rio, donde se puseram a ralhar, dizendo que já os ti­
nham na rede, entendendo que o batei ficaria cm seco, mas quis Deus
dar-lhe um canal por onde saíram, c foram dar aviso a Mascarenhas, epic
se acabou dc desenganar de suas traições, c enganos, c muito mais depois
(pie viu daí a poucos dias os montes cobertos de infinidade deles que
desciam com mão armada «a combater outra vez a nossa cerca, em a qual
os não quis esperar, nem que chegassem a pôr-lhe cerco, antes os foi
esperar ao caminho, e, lançando uma manga por entre o mato, os entrou
com tanto ânimo, que fez fugir os da retaguarda, c seguiu os da vanguarda
ate o rio, c ainda a nado pela água os foram os nossos índios tabajares
matando, sem deixar algum com. vida, amarrando-se tanto nesta pescaria,
(pie foi necessário irem os nossos bateis buscá-los já fora da barra; mas
nem isto bastou para (pie não continuassem depois com contínuos assaltos,
com que puseram os nossos em tanto aperto, que cscassaincnte podiam ir

00
buscar água para bebercm a uns poçozinhos, que tinham perto da cerca,
c essa muito ruim, c tantas outras necessidades que, se não chegara Fran­
cisco Dias de Paiva, amo do capitão-mor que o criou, cm uma urea do
Reino, que El-rei mandou com artilharia, munições e alguns outros provi­
mentos para o forte, c as esperanças em que se sustentavam dc lhes vir
cedo socorro da Paraíba, houvera-lhes dc ser forçado deixar o edifício,
pelo que, tanto que os doentes começaram a convalescer, logo Feliciano
Coelho mandou recado aos capitães dc Pernambuco, e vendo que não
vinham, se apreslou com a sua gente, c tornou a partir da Paraíba a este
socorro a trinta dc março dc mil quinhentos noventa c oito, só com uma
companhia dc vinte c quatro homens dc cavalos, c duas dc pc, de trinta
arcabnzeiros cada uina, das quais eram capitães Antônio dc Valadares c
Miguel Alvares Lobo, c trezentos e cinquenta índios írechciros com seus
principais.

Não acharam cm todo o caminho senão aldeias despejadas, c alguns


espias, «pie os nossos também espiaram, c tomaram, pelos quais se soube
que uma légua do forte. <|iic se fazia, estava uma aldeia grande, c forlc-
mcnle cercada, donde saíram a dar os assaltos cm os nossos, pelo que man-
d<ai u governador apressar o passo, para que os pudesse tomar descuidados,
e contudo a achou despejada, c capaz para se alojar o nosso arraial.

A li veio o dia seguinte Manuel Mascarcnhas a visitá-lo, c trataram


sobre o modo que havia dc haver para sc acabar o forte, porque tinha
ainda grandes entulhos c outros serviços para fazer, c disse Feliciano
Coelho que ele com a sua companhia dc cavalo, e com a gente do Braço,
trabalhariam um dia, e Antônio dc Valadares com a gente do Assento
outro dia seguinte, c Miguel Álvares Lobo com a gente do Pedra Verde
outro; esta ordem guardariam, enquanto a obra durasse, dando também a,
cada companhia do gentio
* um branco perito na sua língua, que os exor­
tasse ao trabalho, e estes eram Francisco Barbosa, Antônio do Passo, c José
Afonso Pamplona, mas não deixaram .por isso dc reservar alguns, que
corressem o campo cm companhia dc alguns brancos filhos da terra, os
quais foram dar cm uma aldeia onde mataram mais dc quatrocentos poti­
guares, c cativaram oitenta, pelos quais souberam que estava muita gente
junta, assim potiguares como franceses, em seis cercas muito fortes, para
virem dar sobre os nossos, e os matarem, c, sc já o não tinham feito, era
porque adoeciam c morriam muitos do mal das bexigas. ,

Neste mesmo tempo que a obra do forte durava, chegou um barco


da Paraíba com rcfrcscos de vitelas, galinhas c outras vitualhas, que man­
dava a Feliciano Coelho Pcro Lopes Lobo, seu loco-tcncnte, e deu novas
o arrais que no porto dos Búzios estava surta uma nau francesa, lançando
gente em terra, ao qual acudiu logo Manuel Mascarcnhas com toda a
gente dc cavalo, que havia, e trinta soldados arcabnzeiros, c muitos índios,
c deu nas choupanas cm que os potiguares estavam já comerciando com
cies, ondç
* inalaram treze, e cativaram sete, c Ires franceses, porque os

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mais embarcaram c fugiram no batei, c outros a nado; c vendo o capitão-
mor Manuel Masca renhas que não linha meio para poder cometer a nau,
ordenou uma cilada, fingindo que era ido, c deixando na praia um francês
ferido, para que o viessem tomar da nau no batei, como de leito vieram,
mas os da cilada tanto que viram desembarcado o primeiro, saíram tão
desordenamcnlc, que só este tomaram e os outros tornaram a nau, e, lar­
gando as velas, sc foram.
Acabado o forte do Rio Cirande, que sc intitula dos Heis, o entregou
Manuel Mascarenhas a |rròiiimo dc Albuquerque dia dc São João Batista,
era dc mil quinhentos e noventa e oito, tomando-lhe homenagem, como
sc costuma, c, deixando-lhe muito bem lornccido de gente, artilharia, mu­
nições, mantimentos, c tudo o mais necessário, sc veio no mesmo dia com
a sua gente dormir na aldeia do Camarão, onde 1'eliciano Coelho eslava
com o seu arraial aposentado, c no seguinte sc partiram para a Paraíba com
muita paz c amizade, que c o melhor pclrecho contra os inimigos, c assim
o experimentaram os primeiros, que acharam em uma grande c forte cerca
seis dias depois da partida, a qual mandaram espiar por um índio mui
esforçado da nossa doutrina, chamado Tavira, (pie, com só quatorze com­
panheiros, que consigo levava, matou mais dc trinta espias dos inimigos,
sem ficar um só que levasse recado, c assim os nossos subitamente na
cerca deram ao meio dia, e contudo pelejaram mais dc duas horas sem a
poderem entrar, exceto o Tavira que tcmcrariamcntc trepando por ela se
lançou dentro com uma espada, c rodela, c nomeando-se começou a matar
c ferir os inimigos, até lhe quebrar a espada, c ficar com só a rodela, to­
mando nelas as frcchas, o (pie visto pelo capitão Rui dc Aveiro, c Bento
da Rocha, seu soldado, tiraram por uma seteira duas arcabuzadas, com
que os inimigos sc afastaram, c lhe deram lugar dc tornar a subir pela
cerca, c sair-se dela com tanta ligeireza, como sc fora um pássaro; c com
sete, c outros semelhantes feitos tanto nome havia ganhado este índio
entre os inimigos, que, só com se nomear, dizendo cu sou Tavira, acobar-
dava c atemorizava a todos (entre os primeiros aliados dos portugueses
encontram-se os tabajares, sem cujo auxílio não sc teria talvez conseguido
a conquista de Pernambuco, diz Loreto Couto, cm seus Desagravas do
Brasil c Glórias dc Pernambuco, pág. 38, tomo XXIV, dos Anais da Biblio­
teca Nacional; aí c na Crônica da Companhia de Jesus por Simão de Vas­
concelos, pág. 61 e seguintes, além dc outros, deparam-se notícias das fa­
çanhas de Tavira. "que anda nos anais da fama”, c a que muitos dos nos­
sos escritores sc referiram depois, exaltando o seu valor c a sua dedicação);
c assim tcnwrizados com isto os da cerca, c os nossos animados, vendo que.
sc a noite os tomava dc fora com o inimigo tão vizinho c outros, que po­
diam sobrevir dc outras partes, ficaram muito arriscados, remeteram outra
vez à cerca com tanto ânimo, disparando tantas arcabuzadas c frcchadas,
(pie puseram os de dentro em aperto, e sc deixou bem conhecer pelos
muitos gritos, c choros, (pie se ouviram das mulheres e crianças; c o ca­
pitão Miguel Alvares Lobo com o seu sargento João dc Padilha, espanhol,
e seus soldados, remeteu a uma porta da cerca, c a levou, por onde logo

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entraram oulros, e o mesmo fez o capitão Rui de Aveiro, c outros capitães
por outras parles com que forçaram os potiguares a largar a praça, c fugi­
ram por outras portas, que abriram por riba da estacada, e por onde po­
diam, mas contudo não deixaram de ficar mortos c cativos mais de mil e
quinhentos, sem dos nossos morrerem mais de Ires índios tabajares, posto
que. ficaram oulros feridos, c alguns brancos, dos < piais foi um o sargento
João dc Padilha.
•* r

De ali a quatorze dias deram em outra cerca c aldeia, não tão grande
como esloulra, mas mais forte, c de gente escolhida, onde não havia mu­
lheres nem crianças que chorassem, senão Iodos os homens dc peleja c
entre eles dez ou doze bons arcabnzeiros. os (piais não atiravam pelouros.
que não acertasse cm os nossos, o mesmo faziam os írechciros, com que
nos feriam muita gente, c não fora possível sustentar o cerco, sc um solda­
do natural da serra da Estrela, chamado Henrique Duarte, não lançara
uma alcanzia dc fogo dentro com que lhes queimou uma casa, e vendo
eles o fogo, cuidando que seriam todos abrasados. sc furam saindo da
cerca, não fugindo ou dando as costas, mas rclirando->c c defendendo-se
valorcsamcnlc contra os nossos que os seguiam, e assim ainda que lhes
mataram cento c cinquenta, também eles nos mataram seis brancos, em
epic entrou Diogo dc Siqueira, alferes do capitão Rui dc Aveiro Falcão, com
um pclouro, que primeiro havia passado a carapuça a Bento da Bocha, que
eslava junto dele, o qual, quando o viu morto, c a bandeira derribada, a
levantou, e sc pôs a florcar com ela no campo entre as frechadas e pclou­
ros, pelo que o seu capitão-mor Manuel Mascarcnhas lha deu. c lhe pas­
sou depois uma certidão, com que pudera requerer um hábito de cava­
leiro com grande lença, mas ele o quis antes do nosso Seráfico Padre São
Francisco, com a tença da pobreza c humildade, cm que viveu, c morreu
nesta Custódia santamente.
Também feriram o capitão Miguel Álvares Lobo dc duas frechadas, e
a Diogo Miranda, sargento da companhia de Manuel da Costa Calheiros.
deu um índio agigantado tal golpe com um alfanje, que lhe fendeu a ro­
dela ate a embaraçadura, c o feriu no braço, e ele lhe correu uma estocada,
metendo-lhe a espada pelos peitos ate à cruz, a qual não bastou para epic o
índio sc não abraçasse com ele tão rijamente, que sem falta o levara de­
baixo, sc não acudira Jerônimo Fernandes, cabo-dc-csquadra da sua com­
panhia, dando-lhe um golpe pelo pescoço, com que o fez largar, c enter­
rados os mortos, c curados os feridos, tornou o campo a marchar até chegar
às fronteiras da Paraíba, donde sc despediu Manuel Mascarcnhas de Fe­
liciano Coelho c sc foi com os seus para Pernambuco”.
Eslava feita a conouista. Ia começar, daí cm dianlc. a obra da coloni­
zação, que lhe daria efetividade, tornando-a definitiva.
\ A COLONIZAÇÃO DA CAPITANIA
ATÉ A OCUPAÇÃO HOLANDESA

A história da Norte América conservou c transmitiu às novas gera­


ções, considerado como um dos maiores vultos dos termos coloniais, o
nome de John Smith, cuja estátua figura no Capitólio cm Washington.
Prestou grandes serviços à colônia <ia Virgínia. Mas o que o tornou
popular c contribuiu para que fizesse jns ao respeito da posteridade foi
a vida aventurosa que levou. Como diretor do primeiro núcleo de colonos
que se estabeleceu ali, às margens do James River, o principal cuidado
ele Smith foi explorar o país e conquistar a simpatia c aliança dos indí­
genas. Em uma das frequentes excursões que fazia pelas florestas do
interior, foi aprisionado pelos índios. O chcle da tribov Powhatan, con-
denou-o à morte. Smith é conduzido ao lugar do suplício c já tinha a
cabeça sobre a pedra sacrifical, quando Pocahontas, filha do cacique,
intercede por ele c salva-o. Os selvagens não só o puseram cm liberdade,
como fizeram-no acompanhar por uma tsculla a Jamestown. Tais im­
pressões deixou entre a gente de Powhatan, que quando precisava de
víveres, os recebia do chefe indígena, ou da nobre c sensível Pocahontas,
cuja figura se tornou lendária entre os norte-americanos. Esta rapariga,
pela sua fidelidade e dedicação, facilitou ali a obra dos ingleses (Rocha
Pombo, op. cit., vol. Ill, nota 3*, págs. 284 e 2S5).
Foi também pela intervenção da filha de um maioral dos índios que.
cm 154S, Jerônimo de Albuquerque escapou à morte, quando já conde­
nado a ser repasto de selvagens. Vindo para Pernambuco em companhia
de seu cunhado Duarte Coelho, donatário da capitania, aí se conservara
desde 1535, distinguindo-se nas famosas lutas que se seguiram ao início
da colonização. Os indígenas, batidos e derrotados, recuaram pouco a
pouco; mas. uma vez por outra, voltavam a atacar os colonizadores. Foi
o que se deu cm fins de 1547, quando se apresentaram ameaçadores,
nas imediações de Olinda c Iguaraçu. Alguns dias depois, cm 2 de ja­
neiro de 1548, Jerônimo de Albuquerque, em reencontro com eles, caiu
cm seu poder, sendo condenado, como seus companheiros, ao horrível
sacrifício da antropofagia. Diz a crônica que, dele apaixonada, a filha
de Arco Verde (Ú.birã-Ubi), chefe da horda vencedora, conseguiu de
seu pai arrancá-lo ao cativeiro e à vingança dos seus. E assim “o rei do
coração da enamorada filha do monibixaba”, dominou por ela os selva-
gcns, que, vivendo cm paz duradoura, deram mais tarde aos portugueses
apoio decisivo na concpiista dc todo o Norte.
' Jerônimo dc Albuquerque, inclinado aos amores fáceis, teve muitos
• filhos naturais, que perfilhou e tratou sempre com ternura; e entre eles —
havidos da filha dc Arco Verde, aquela mesma que salvara sua vida em
transe angustioso c que, batizada, tomara o nome de Maria do Espírito
Santo — Catarina de Albuquerque, epic casou com Filipe Cavalcanti,
fidalgo ílorcntino, Brites de Albuquerque, casada com Sibaldo Lins, tam­
bém florcntino c fidalgo, que sc tornaram troncos de nobres c respeitá­
veis famílias, c Jerônimo de Albuquerque.
Foi este o primeiro capitão-mor do Bio Grande do Norte c o glorioso
conquistador do Maranhão, onde faleceu a 11 dc fevereiro dc 1618, na
idade dc 70 anos.
Cursando as aulas do colégio dos jesuítas de Olinda, aprendeu a ler
e a falar bem o português, o que foi, no dizer dc Macedo, toda a sua
instrução literária. Jamais esqueceu, porem, a língua tupi, que foi a da
sua primeira infância.
Bravo, indômito e soberbo, era, pelo nome dc seu pai, muito respei­
tado pelos portugueses; c, pelo dc seu avô materno, objeto prestigioso do
amor e do orgulho dos índios amigos estendendo-se sua fama c o temor
do seu braço pelas tabas dos selvagens ainda não submetidos (Macedo,
Ano Hiognijico). ,\os vinte anos lutava valorosamcntc na Paraíba, c, com
o correr dos tempos, aurcolou-o justo renome de heróico combatente. Os
perigos não o intimidavam. Pelo contrário, afervoravam-no no devota-
mento c bravura com que serviu sempre à sua Pátria.
O seu mérito pessoal e as suas ligações com os indígenas, dc que
descendia pelo lado materno, eram garantia do sucesso de seus esforços
na colonização da capitania; o êxito que obteve confirmou o aceito da
escolha com que o honrara Manuel Mascarcnhas, entregando-lhe, como
vimos anteriormente, o comando do Forte dos Reis.
Os potiguares ocupavam a região do litoral compreendida entre os
rios Paraíba e Jaguaribe. Scnhorcavam, portanto, as costas do Rio Grande
do Norte, c foi com eles que sc deram os primeiros atritos entre os colo­
nizadores c os habitantes da terra. Nação forte e poderosa, inimiga dos
^abajàrcS; já aliados dos portugueses, aqueles índios se aproximaram na-
tundmrntc dos franceses, c, estimulados por eles, moviam guerra de
extermínio aos que teriam dc ser os novos senhores do solo.
Submctc-los era uma necessidade; e, embora não fosse fácil a em­
presa, Jerônimo de Albuquerque tentou realizá-la, tendo a fortuna de
consegui-lo.
Valeu-se, para isto, do auxílio dc Ilha Grande, que havia sido preso,
e que dispunha dc influencia entre os indígenas, por ser feiticeiro e um
dos seus principais. Soltando-o e instruindo-o, mandou que fosse tratar
com os parentes c induzi-los à paz. Recebido com vivas demonstrações
dc alegria na primeira aldeia a que chegou, fez ver ao que ia. Foram
logo convocados os maiorais dc outras aldeias, entre os quais Pau Seco
e Sorobabó (Porto Seguro inclui lambem o jovem Camarão, que dc modo
tão notável devia figurar depois nas páginas da história brasileira pelos
seus feitos durante o domínio holandês).
Ilha Grande falou-lhes a linguagem da prudência, c tais razões apre­
sentou, que mereceu os aplausos de todos’— cspecialmcnlc das mulheres,
que "ante queriam ser escravas dos brancos do que viver cm tantos receios
de contínuas guerras c rebates”. Convenccram-sc os chefes potiguares da
conveniência dc cessarem as hostilidades contra os portugueses (Frei
Vicente do Salvador, op. cit., cap. 33). As pazes foram tratadas; e D.
Francisco de Sousa, governador geral, de tudo informado por Manuel
Mascarcnhas, determinou (pie fossem solenemenlc celebradas, o que se
çiçu a 11 dc junho de 1599, na Paraíba, presentes Feliciano Coclno dc
Carvalho, com os oficiais da Câmara, Manuel Mascarcnhas Ilomcm c
Alexandre dc Moura, que devia succdcr-lhc no governo dc Pernambuco,
o ouvidor geral Brás de Almeida c outras pessoas, servindo dc interprete
frei Bernardino das Neves.
Tranquilo quanto aos índios, cm consequência das pazes com eles
feitas, desvelou-se Jeronimo dc Albuquerque—em ítmdar uma povoaçâo
nas proximidades do forte. Essa povoaçâo tomou, em 25 dc dezembro
do mesmo ano (1599), o nome de cidade dc Natal.
A pouco mais do que a continuação das obras da fortaleza, as lutas
c conscepicnics pazes com os índios e a fundação de Natal, deve ter-se
limitado o primeiro governo dc Jerônimo de Albuquerque, porque já no
começo do ano dc 1600 era João Rodrigues Colaço quem exercia o mando
supremo na capitania. Não podemos afirmar precisamente quando essa
sucessão se operou. Ê dc presumir, entretanto, que os fatos se tenham
k/ passado assim: Feita a conquista, Manuel Mascarcnhas nomeou Jerônimo
dc Albuquerque comandante do forte e retirou-se como ficou dito, em
companhia de Feliciano Coelho, sendo, sem dúvida, sua resolução seguir
para a Bahia, a fim de inteirar o governador geral do ocorrido. Antes dc
realizar essa viagem, chegou ao seu conhecimento que as pazes com os
gentios haviam sido tratadas. Uma vez na então capital do Brasil colonial,
informou de tudo a D. Francisco de Sousa; c este, ao mesmo tempo que
ordenava que as pazes fossem, como foram, solcncmcnte celebradas, no­
meou Colaço para comandante do forte e capitão-mor, cargos que Je­
rônimo de Albuquerque exercia por delegação de Mascarcnhas, que fora
quem comandara as forças de ocupação.
O que c fora de dúvida c que, cm janeiro de 1600, Colaço estava
investido de suas funções, de acordo com as ordens do governador geral.
Demonstra-o o seguinte documento (Revista do Instituto Histórico c
Geográfico do Rio Grande do Norte, vol. VI, pág. 133 e seguintes):
“Martuel Mascarenhas Homem, capitão-mor da Capitania dc Per­
nambuco, por Sua Majestade, que por mandado do dito Senhor vim con­

29
quistar este Rio Grande c fazer nclc a fortaleza dos Reis Magos, a qual
obra o dito governador geral tem provido dc capitão, que atualmente
está servindo, ao qual mandou por regimento seu seguisse e guardasse
o regimento que ora lhe desse, etc. Faço saber aos que esta minha carta
de aoação c sesmaria for mostrada c o conhecimento dela tomar, por
lhe pertencer, que a mim me enviou a dizer por sua petição o capitão
desta fortaleza dos Reis Magos, João Rodrigues Colaço, dizendo que o
governador geral deste Estado o mandara vir ser o capitão desta fortaleza
do Rio Grande e lhe mandara por seu regimento seguisse c mandasse o
regimento que lhe eu desse, c, estando ele, o dito João Rodrigus Colaço,
.servindo nesta fortaleza e vendo que a atenção do Sua Majestade era
povoar-se c cultivar-se esta terra c sertão dela, por dar princípio as culti­
var, queria fazer casas e plantios ou o que a seu bem estiver, sem por
isso pagar nenhum foro nem tributo algum, a qual poderão mandar de­
marcar, conforme a esta minha carta, e ao longo do rio citoccntas braças
o sítio que lhe parecer para tomar as ditas braças que pede de dez pal­
mos cada uma, visto ser a primeira data, de que sc lhe passará seu auto
dc demarcação e esta sc registrará de novo dentro dc um ano no livro
dc Registro da Fazenda de Sua Majestade deste almoxarifado, a qual
mando sc cumpra c sc guarde como nela se contém, sem lhe ser posta
dúvida nem embargo algum. Dada nesta fortaleza dos Reis Magos aos
nove dias do mês dc janeiro de 1600, sob meu sinal, c a que desta nota
sc tirar será por mim assinada c selada com o sincte dc minhas armas; e,
por ale o presente não haver escrivão dc sesmarias, mandei a Afonso
Fernandes, escrivão desta fortaleza, que esta fizesse neste livro que está
assinado pelo capitão dela, o qual se entregará ao Escrivão que houver
de ser das sesmarias para nele escrever as sesmarias que derem. E eu.
Afonso Fernandes, que escrcvi. Manuel Mascarcnhas Homem.”

Este documento, além de provar que cm 1600 Colaço já governava


o Rio Grande, evidencia também que no mesmo ano Mascarcnhas ali
estivera pela segunda vez. E, provavelmente, não foi a sua última via­
gem, porque Knivet nos dá informação de outra, realizada cm fins de
1601 ou começo de 1602 (Revista do Instituto Histórico Brasileiro, tomo
XLI parle primeira, pág. 267).
/O povoamento do solo e o cultivo das terras eram indispensáveis
para a consolidação da conquista. Rodrigues Colaço procurou dcscnvol-
vr-los. fazendo largas concessões de sesmarias. Do exame dessas conces­
sões. que todas sâo hoje conhecidas, graças ?is pacientes investigações
e pesquisas do barão de Studart (Documentos para a llistória do Brasil,
vol. II. pág. 111 c seguintes, c também o vol. VII da Revista do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Xorlc), verifica-se as datas de
terras, outorgadas durante o seu governo, atingindo pelo lado do sul, o
rio Curimataú, não iam, pelo do norte, além dc duas ou tres léguas do
forte dos Reis. Para o interior, estendiam-se ao longo das margens dos
rios; mas, a não serem as dos rios Potengi e Jundiaí, epic já alcançavam
maiores distâncias, as demais ficavam cm lugares próximos ao litoral.
U fato dc encaminhar-sc dc preferência na direção do sul a corrente
colonizadora era natural c lógico. Do sul tinha vindo ela, batendo e ex­
pulsando os potiguares e os franceses — estes nas proximidades dos por­
tos, aqueles na costa c no interior ate à serra dc Copaoba (atualmente
serra da Raiz); do sul tinham vindo também as colunas expedicionárias,
cm companhia de Feliciano Coelho; pelo sul tinham elas, com Mascare-
nhas, voltado para a Paraíba c Pernambuco. Tratava-se, portanto, dc
pontos explorados, dc estradas conhecidas. Com o norte já se não dava
o mesmo. O desenvolvimento da criação, o arroteamento dos campos, •
as necessidades da defesa c que iam permitir desviar para esse lado, cm
procura do Ceará, a atenção c os esforços dos conquistadores.

Natal pouco progredira. Poucos foram os que requereram sesmarias


no sítio da cidade, c destes mesmos nem todos se aproveitaram das con­
cessões. A própria matriz, para cuja construção era natural que maior
fosse a solicitude dos povos naquela cpoca cm que a fé religiosa era
uma grande força, podemos calcular o que seria quando, cm 1614, não
tinha nem ao menos portas (barão de Studart, op. cit., vol. II, pág. 117).

A fortaleza contava duzentas praças dc guarnição, afora os oficiais,


c a capitania tivera, desde o começo, o seu vigário, Caspar Gonçalves
Rocha, que, em 1601, obteve uma data dos terrenos onde construíra as
casas cm que vivia (barão de Slndart, op. cit., vol. II, pág. 123).

É desse tempo o seguinte episódio, dc que nos fala frei Vicente do


Salvador (op. cit., cap. 33) c a que se refere Vicente dc Lemos, cm seu
precioso livro (Capitães-mores c Governadores do Rio Grande do Norte):

’ Quando governava Colaço, veio ter à capitania um degredado pelo


bispo de Leiria, o qual escreveu na sua sentença: "vá para o Brasil, donde
tornará rico e honrado”. Esse degredado casou com uma mulher que da
metrópole também viera ali ter c conseguiu adquirir dois ou três mil cru­
zados. Era para eles a fortuna.

Mas, além desta, lograram iguahnentc consideração e respeito, por­
que, tendo nascido um filho do capitão-mor, este e sua mulher, D. Beatriz
ele Menezes, os convidaram para padrinhos da criança. Com o parentesco
espiritual vieram as relações de família e, com estas, as distinções sociais.

Colaço foi substituído por Jerônimo de AJbuquerque — o mesmo que


o precedera — entre 3 de julho e 8 de agosto de 1603, porque 3 dc julho
é a última data de terras concedida por aquele e de S dc agosto a primei­
ra concedida pelo seu sucessor (na correspondência de Diogo Botelho,
tomo LXXI1I da Rcoista do Instituto Histórico Brasileiro, encontra-se, à
pág. 114, um depoimento de João Rodrigues Colaço, prestado a 6 de se­
tembro de 1603, cm que se afirma ser ainda capitão-mor do Rio Grande.
Deve ter havido engano: era ex-capitão-mor).

31
)

Parece que Jerônimo dc Albuquerque, entregando o governo da


capitania a Colaço cm 1600, seguiu para Lisboa a pleitear o lugar dc seu
capitão-mor efetivo, o que conseguiu, voltando ao Brasil cm 1603, quan­
do, em meados desse ano, assumiu o exercício dc suas funções. Desta vez,
nomeado por seis anos, prazo que excedeu, cm virtude de patente real
de 9 dc janeiro dc 1601 (esta c algumas outras das patentes de nomeação
de capitães-mores do Rio Grande do Norte foram publicadas cm vários
r trabalhos, sendo, porem, preferível consultar o livro dc Vicente dc Lemos,
já citado, em que sc encontram todas as expedidas depois da expulsão dos
holandeses ate o fim do Século XVI1), linha o tempo dc que precisava
para tornar mais fecunda a sua ação, c aproveitou-o utilmente, man­
dando percorrer o litoral para o norte, ale às salinas dc Macau, fazendo
explorar a cosia do sul, epic ficou dc lodo conhecida, e organizando expe­
dições ao interior.

Data dessa época o primeiro engenho dc fabricar açúcar que houve


na capitania e que foi fundado em terras que Jerônimo dc Albuquerque
concedera a seus filhos Antônio c Matias dc Albuquerque, cm 2 de maio
dc 1604, compreendendo cinco mil braças quadradas na várzea do Cunhaú
c duas léguas em Canguaretama. O engenho tomou o nome daquela
várzea.

Essa sesmaria foi, posteriormente, considerada exorbitante, mandan­


do El-rei, por provisão dc 28 de setembro dc 1612. reduzi-la à metade. A
ordem teve seu cumprimento legal, apesar dc terem Alexandre dc Moura,
capitão-mor dc Pernambuco, c o ouvidor, que a executaram em 1614, en­
contrado o engenho construído e as terras cultivadas; mas, anos depois, a
metrópole reconsiderou o que fora disposto na citada provisão e confir­
mou integralmente a concessão primitiva, que foi aprovada pelo alvará dc
2 de agosto de 1628 (barão de Studart, op. cit., vol. II, págs. 114, 130 c
155; e Antônio Joaquim de Melo, Biografia de Homens Ilustres de Per­
nambuco, vol. Ill, pág. 127).
J Em 1G03, Pero Coelho dc Sousa, impelido pelo desejode descobrir
fantásticas riquezas, obtinha,, além dc outros favores, a^nomeaçáo dc
capitão-mor ^fo Ceará, e aventurava-se, com alguns sócios, a colonizá-lo.
Da Paraíba despachou três barcos com pólvora, munições e mantimentos
para o Rio Jaguaribe, onde foi encontrá-los com sessenta c cinco soldados
e duzentos índios. Por terra foi feila essa travessia, como por terra foi
feita mais tarde — depois dc frustrada a tentativa dc colonização — a via­
gem dc retomo por Simão Nunes Correia (que fora o comandante do
forte, então fundado à margem do Jaguaribe), quando se retirava com
sua gente e, ainda cm seguida, pelo próprio Coelho de Sousa, que, aban-
‘ donado por quase todos que o haviam acompanhado, se viu forçado — sem
embarcações em que se transportasse — a empreender a marcha a pé,
com dezoito soldados, que lhe ficaram fieis, sua mulher e cinco filhos,
fazendo estes caminhar na frente, depois os soldados, e atrás de todos

32

)
) I <
)
ele c a mulher. Dessa marcha nos deixou Porto Seguro a seguinte descri­
ção (op. cit., vol. I, pág. 406 e 407):^
“Logo na primeira jornada, começaram os trabalhos. Caminhavam
pela areia e, quando o sol a aqueceu, sentiam as crianças doloridos os
pés, e causava compunção o seu choro, que era acompanhado da lástima
dos soldados c dos gemidos da pobre mãe.
No segundo dia, já o capitão-mor teve que carregar dois filhos pe­
quenos, que não podiam mais andar; c começaram as queixas pela falta
dc água, o que não sc remediou senão no dia seguinte, cm que, encontran­
do uma cacimba, descançaram todos juntos dela dois dias.
No sexto dia, a marcha se efetuou com grandes receios dos índios
selvagens vizinhos, dos quais se viam dc longe fumaças c se tiveram por
de inimigos. Mas, dentro de pouco, se apresentaram outros dois inimigos
piores na fome e na sede, dos quais começaram a morrer alguns. O pri­
meiro que se enterrou foi um carpinteiro; c nesta ocasião os que já não
podiam andar disseram ao capitão-mor que os deixasse ali ficar, que com
a morte se lhes acabariam os trabalhos, como sucedia aquele que ali se­
pultavam.

Animados, entretanto, por Pero Coelho, prosseguiram na marcha, po­


rém não tardou a morrer outro homem; e então D. Tomásia, que assim se
chamava a mulher do capitão-mor, ao ver-se com os seus filhos em redor
dc si, dizendo-lhe que não podiam mais com tanto sofrimento, c que
antes queriam morrer como aquele homem, começou chorar e a dizer ao
marido que salvasse ele a vida, que ela antes morrería ali cm companhia
de seus filhos. Ouvindo tais exclamações, também os soldados choravam,
e o capitão-mor, graças à sua muita constância, animava a todos, prome­
tendo-lhes que dentro cm pouco encontrariam água. Mas as duas cacim­
bas que encontraram, chamadas Amargosa e da Guamaré, eram tais que
ninguém delas podia beber. Em caminho, tiveram que passar uns man­
gues, com o lodo até a cintura, onde ao menos encontraram alimento cm
uns caranguejos urutus, que comiam tais como os tomavam. Dali marcha­
ram para as salinas vários dias; e, estando nelas, viram passar um barco,
mas não conseguiram ser dele vistos; e, pouco depois, morreu o filho mais
velho do capitão-mor, de 18 anos de idade; e sc pode fazer idéia de como
ficariam os pais, acabando de perder o ânimo todos os soldados, que se
viam tão fracos, que o menor vento os derribava. Felizmente, por uma
singular reação, agora que todos os homens perdiam o ânimo, recobrava-o
D. Tomásia, c a esta circunstância provindencial deveu a mísera caravana
o chegar até o Rio Grande, bem que todos desfigurados como cadáveres,
e o capitão-mor mais morto que vivo, de modo que daí a poucos dias en­
tregou a alma ao Criador
.
*
Frei Vicente do Salvador, de cuja narrativa se aproveitou Porto Se­
guro, acrescenta ainda alguns detalhes sobre essa retirada de Pero Coe­
lho; mas a tocante descrição que transcrevemos é bastante para eviden-

33
)

ciar como já se atravessava o litoral, em dezenas de léguas» do forte dos


Reis para o norte, com relativa segurança. E esta advinha principalmcntc
da amizade dos índios potiguares, epic, nessa época já acompanhavam os
colonizadores à Bahia, cmbarcando-sc em Pernambuco, para destroçar os
Aimorés (Porto Seguro diz que o número desses índios foi dc oitocentos;
mas da correspondência de Diogo Botelho, tomo LXXIII da Revista do
Instituto Histórico Brasileiro, cit., pág. 62, se vê que foi dc mil c trezen­
tos).
Em 1607, foi também por terra que os padres Francisco Pinto e Luiz
Figueira se passaram à serra de Ibiapaba; e, morto o primeiro, foi ainda
por terra que o segundo chegou ao Rio Grande, de cuja fortaleza teria de
sair o verdadeiro fundador da capitania do Ceará, Martim Soares (tora
companheiro de Pero Coelho), que, contando com o concurso dc Jacaú-
na, irmão do Camarão, levantou cm 1609, à embocadura do Rio do Ceará,
um fortim e uma ermida, sob a invocação de Nossa Senhora do Amparo..

Todos estes fatos ocorriam no segundo governo de Jerônimo de Al­


buquerque, indicando de modo irrecusável que, durante ele, a sua preo­
cupação máxima foi alargar a área da colonização, fortalecer a aliança
com os índios, devassar o sertão e concorrer para que as armas portugue­
sas levassem além das fronteiras de sua capitania, cm busca do extremo
setentrional, o prestígio dc seu valor. Esse era igualmente o pensamento,
a que obedeciam o capitão-mor dc Pernambuco, Alexandre dc Moura,
sucessor dc Manuel Mascarcnhas, c o governador geral D. Diogo Bote­
lho, (pie fora nomeado cm 20 dc fevereiro dc 1601 para substituir a D.
Francisco de Sousa.
Sob o governo de D.. Diogo Botelho, a despesa com a capitania orça­
va em 3:225§1SO; e tais eram já então as necessidades c exigências da
administração do Brasil que, em 25 dç junho de 1604, sc resolvia a cria­
ção do Conselho da Índia, conselho que foi abolido dez anos depois, para
ser novamente estabelecido cm 1642, com a denominação dc Conselho
Ultramarino.
D. Diogo Botelho esteve no governo de Io de abril de 1602 a 7 de
janeiro de 160S (vide tomo LXXIII da Revista do Instituto Histórico Bra­
sileiro, cit.), quando o assumiu D. Diogo de Meneses e Siqueira, que,
nomeado em 22 de agosto dc 1606, só cm setembro do ano seguinte pôde
embarcar, tendo na viagem arribado ao Rio Grande do Norte e seguindo
dali para Pernambuco, depois de haver, segundo Porto Seguro, criado em
Natal os lugares de provedor e tabelião.
- Foi do tempo de D. Diogo dc Meneses a nova divisão da Colônia
r em dois governos gerais, ficando sob sua jurisdição as capitanias do Norte
e sob a de D. Francisco de Sousa as do Sul. Ele não ocultou à metrópole,
em sua correspondência, o ressentimento que este ato Die trouxe; mas,
apesar disso, foi administrador hábil, encrgico e operoso. O seu governo
foi dos melhores que tivemos naquela cpoca; c a carta que em P dc mar­

34
ço de 1612 dirigiu ao soberano mostra como ele via com clareza o proble­
ma da conquista c colonização do Norte, propondo o estabelecimento dc
mais três capitanias, uma das quais — a dc Jaguaribe — devia abranger o
território que vai desde o Açu até um pouco acima do rio daquele nome
(Rocha Pombo, op. cit., vol. Ill, nota à pág. 655).
É incontestável que foi dc valiosa importância para Jerônimo dc Al­
buquerque a assistência solícita que lhe dispensou D. Diogo dc Menezes,
como já lhe haviam dispensado os seus antecessores; mas não há negar que
a ele mais diretamente cabem, como governador da capitania dos domí­
nios portugueses, as glórias c os tiiunfos alcançados no avanço da coloni­
zação. E. sc relevantes já eram os seus serviços, maiores seriam mais tar­
de, quando, num rasgo dc justo c legítimo orgulho, selaria a capitulação
de Ravardicrc, cm 27 dc novembro dc 1614, com o cognomc de Albuquer­
que Maranhão, que passou aos seus descendentes, relembrando, através
deles, a grandeza da vitória que obtivera na opulenta região donde havia
expelidos os franceses.
Depois de Jerônimo dc Albuquerque, coube a Lourenço Peixoto Cir-
nc o governo da Capitania. É dc 21 de agosto dc 1609 a patente real de
sua nomeação. Ignora-se, porem, a data de sua posse, que se deu prova­
velmente em 1610. Exerceu o cargo ate 1613. Nesse ano, a 3 dc outubro,
já governava Francisco Caldeira Castelo Branco.
A Razão do Estado do Brasil, obra inspirada por D. Diogo de Mene­
ses c escrita por Diogo dc Campos, “um dos tipos mais notáveis como
homem dc guerra entre quantos figuram nossa história colonial’*, nos in­
forma do que era a Capitania em 1612, isto c, logo depois do governo de
Jerônimo de Albuquerque, c cm meio do dc Peixoto Cirnc:
Convem conhecer alguns trechos dessa obra:
A fortaleza dos Reis está cm cinco graus da Equinocial; ao sul tem o
assento c sítio que se ve na sua planta íol. 124, e por natureza olha ambas
as costas deste Estado, assim a do norte a sul, como a de leste a oeste, ate
o Maranhão, donde sc acaba nossa conquista; pelo qual respeito foi este
porto o mais desmandado, c mais defendido dós corsários que outro do
Brasil; porquanto vinham aqui do resgate da Mina a sarar das enfermida­
des de Guiné, e consertando suas naus, e fornecendo de mantimentos,
água e lenha, que lhes davam os índios nesta parte, aportavam depois onde
lhes parecia, o que hoje não podem fazer com tanto cômodo por razão
desta fortaleza, a qual também importa para favorecer nossos navios no
tempo do sul. que desgarrados não podem tomar Pernambuco nem Pa­
raíba, e fica-lhcs este remédio que é grandíssimo, e por seu respeito as­
segurados os demais portos desta Capitania, a saber Curimataú, porto dos
Búzios e Ponta Negra, que como se vê na carta foi. 124 todos são do
A importância ,-e conhecidos hoje de nossos pilotos, nos quais antigamente
os índios comiam os hóspedes que aqui chegavam e hoje, com paz c quie-
tação grande a respeito da fortaleza, ajudam e encaminham todos os que

35
por mar c por terra aqui chegam, como experimentou o governador D.
Diogo de Meneses, quando aqui veio desgarrado indo para o seu governo.

Nesta consideração c em outras que o tempo tem mostrado, c mostra


cada dia que já antes sc presumiam se fez a dita fortaleza dos Reis aid
estar em defesa povoada c guarnecida, como se devia cm tempo dc guerra,
deixando-lhe de presídio mais dc duzentos soldados contando oficiais; tanto
custa, que houve dc vir a menos tanto que as necessidades desapareceram,
c sc atalharam com a obra, na qual tanto parou o aumento quanto lhe
começaram de fazer carga do pouco que rendia, c não dos males que
com ela sc atalhavam; dc modo que o ano dc seiscentos c três lhe refor­
maram tudo, até ficarem sessenta praças; depois com as pazes do Norte
ficou cm trinta; daí a poucos dias lhe mandaram pôr quarenta, ate que
informado Sua Majestade do que convinha, mandou, cm agosto dc seiscen­
tos c dez, <|uc tivesse oitenta soldados, afora os oficiais; c assim hoje está
com esse numero, que sc ve na lista.

Tem mais uma povoaçâo, a meia légua da fortaleza pelo rio acima, como
sc ve no ponto A. a qual tem pobremente acomodados ate 25 moradores
brancos, fora da obrigação da fortaleza, e destes tem pelas roças c redes
e 1‘azend.iN principais da capitania até oitenta moradores, os quais pediram
modo de governança c se lhes concedeu o ano de seiscentos e onze, pelo
governador D. Diogo dc Menezes, o qual com parecer da Relação elegeu
o juiz, uni vereador c escrivão da Câmara, procurador do Conselho e pro­
curadores dos índios, c assim xivem hoje do que sc tem dado aviso a Sua
Majestade.

O ano dc seiscentos e onze sc demarcou, por ordem do dito Senhor,


esta capitania, partindo com a Paraíba pelo rio Guaiaú (hoje Cuaju), e
ficando-lhe o engenho de Camaratuba, c rio Grande c de Jerônimo de
Albuquerque no rio Cunhaú, e pela banda do norte da fortaleza, como fica
dito (no coincço do capítulo, parte (pie não transcrevemos) pelo Rio Guaraú
(atualmente Açu ou Piranhas; não era o limite da capitania: era do terri­
tório já perfeitamente conhecido e explorado), focando-lhe toda a terra
que vai de Siará ate este Rio por ser deserta e dc arcais em que não há
a'us.i de proveito mais que as salinas <a sesmaria que compreendia estas
salinas foi dada por Jerônimo de Albuquerque, em 20 dc agosto de 1605,
a seus filhos Antônio c Matias de Albuquerque: vide barão de Studart,
op. cit., vol. II, pág. 134), que dizem de Guamaré ou Carauratamar, que
sao dc importância a respeito do muito sal que podem nelas carregar-se.
como na arraia das índias dc Castcla.

A terra desta capitania gcralmcnte c fraca mais para gados c criações


que para canaviais e roças, c às vezes falta nelas chuvas; mas tem muitas
partes em que se podem fazer fazendas, ainda que as águas são rasteiras
e os matos não são de madeiras tão reais como os da Paraíba; mas não
faltam as que hoje podem ser necessárias; lenhas não faltarão nunca.
Tem este distrito dezesseis aldeias dc índios, algumas mui pequenas,
todas mal governadas c inquietas por lhes faltar a doutrina de clérigos c
capelães, ou dc padres ou dc quaisquer outros religiosos: os da Com­
panhia por missão mandam a certos tempos dous padres a visitar esta
gente, mas como duram pouco com eles nunca ficam em estado que
possam servir aos moradores, para que assim uns e outros se sustentem e
facilitem.
À sombra desta fortaleza e destas aldeias sc fez a paz com os de
Jaguaribe, c passou a povoar o capitão Martim Soares Moreno com sós
cinco soldados c um capelão fiado na vizinhança e na amizade que tem
com todos os principais dos índios dc uma e dc outra parte; e assim, sem
outro cabedal mais que os dos bons tratos e reputação da fortaleza, estão
já nossos conquistadores feito assento no Camusipe quarenta léguas do
Maranhão; tal c a escala da dita fortaleza.
Foi orçada esta capitania no que rende com o engenho.
Faz dc despesa:
IGREJA
Ao vigário..................................................................... 2005000
Ao coadjutor................................................................. 255000
As ordinárias................................................................. 435360
26S536O

FAZENDA
Ao provedor ................................................................. $
Ao escrivão da Fazenda...................................... ...... 505000
Ao almoxarife......................................................____ 605000
1105000

GENTE DE GUERRA
Ao capitão de seu ordenado....................................... 200$000
Ao alicres por Sua Majestade .................................. 965000
Ao embandeirado ..................................................... 145400
Ao sargento ................................................................. 605000
A um tambor................................................................ 335600
A um condestávcl ........................................................ 505000
A dous bombardeiros ................................................. S05000
A quatro cabos-dc-esquadra ..................................... 1535600
A 40 mosqueteiros a 335000 ....................................... 1:3445000
A 40 arcabuzeiros a2S5800 ...................................... 1:1525000
K __________________

Soma toda a despesa ................................................. 3:183$600


8.904 cruzados c 360 réis

37
t

Toda esta fortaleza do Rio Grande está por acabar; não chega por
algumas partes ao cordão c assim tem menos de dezoito palmos d alto,
faltando-lhe ledos os parapeitos e antulhos das quatrinas, todas as casas
da vivenda e almazcns, não tem poço nem cisterna, nem fonte, antes com
muito trabalho, todos os dias, se proveem dc muito longe, em vasilhas dc
água ou de cacimbas da praia; não tem restrclo nem contraporias, c ale
as portas da mesma fortaleza estão consumidas do tempo; finalmcntc c a
mais miserável vivenda que se pode achar no mundo, por não estar acabada,
pelo que os soldados fogem dela como a morlc. O âmbito c Iraço desta
fortaleza sc mostra cm grande no ponto B e como ficava sendo acabada
porque, como fica advertido, só está cm defesa, c o recife cm epic está si­
tuada seis horas o cobre o mar, c outras tantas fica, como se ve na dita
pranta, que o podem passear por todas as parles, arrimando-se à cuzenha
rasa quaisquer mosqueteiros; porquanto sem parapeitos, sem seleiras, tem
os do forte necessidade de assistirem descobertos à defesa do muro, c des­
cobrindo-se. claro está, que os de baixo são melhores, e assim dc razão à
defesa não pode parar ninguém, pelo epic está em natural perigo dc uma
escala vista, c de um petardo; não trato nas demais cousas da paga c man­
timentos dos soldados, por ser a mais miserável dc toda a costa.”

O que diz Diogo dc Campos c a confirmação, com maior desenvolvi­


mento, do que sc encontra cm uma Relação das Capitanias do Brasil, do
princípio do Século XVII, escrita provavelmente pouco antes, e há alguns
anos publicada na Revista do hisfilitlo Histórico e Geográfico Brasileiro
(tomo LX1I, págs. 6 c 7):

"Começando pela parle do norte, a primeira capitania c a do Rio


Grande que está em 4 graus c meio da linha para a banda do sul c é do
Sua Majestade c tem uma boa fortaleza, poslo que não dc toda acabada,
meia légua dela está uma povoaçâo de obra dc vinte cinco ou trinta mo­
radores; os vizinhos vivem de criação dc gados e mantimentos que culti­
vam. c pescaria, c renderam os dízimos duzentos e cinquenta mil reis; na
fortaleza há nove peças de arlilhcria dc bronze c dezenove dc ferro coado,
é bastante provida d armas c munições.

Há nesta capitania um capitão, por Sua Majestade, que tem de or­


denado cem mil réis cada ano.
Um alferes que tem dc soldo cinco mil reis por mês e seu mantimento.
Um sargento que tem quatro mil réis.
Um tambor que tem quatro cruzados.
Quatro cabos-d esquadra dois mil reis cada mês.
Oitenta soldados mosqueteiros a mil seiscentos réis por mes c seus
matimentos. Um ferreiro. Um carpinteiro. Um pedreiro que tem por mês
320 réis c seu mantimento.

3S

i
Há um vigário que tem a vara das almas, e tem de ordenado cada ano
duzentos mil reis; importam as ordinárias da Igreja quarenta mil réis
cada ano.”
Por esses dois documentos, tem-se bem uma idéia da deficiência dos
recursos dc defesa com que contava a capitania. Mas isto não foi obstáculo
a que já então se tivesse realizado uma obra considerável: a colonização
caminhou sempre, a paz com o gentio não foi perturbada, o sertão des­
bravou-se cm parte e a conquista prosseguiu, irradiando-se em direções
diversas.
A Peixoto Cime seguiu-se, como vimos, Francisco Caldeira Castelo
Branco, a quem sc não refere Porto Seguro, mas dc quem se pode afirmar,
com absoluta segurança, que governou a Capitania.
Há disto provas irrecusáveis, conforme demonstrou Vicente dc Lemos
(<;p. cit., pág. 11); “Não se conhece precisamente, c um falo, a data da
nomeação c da posse dc Francisco Caldeira; mas, desde outubro do mes­
mo ano (1613), já governava a Capitania, porque neste mês doou a Diogo
Lima uns chãos no sítio da cidade para cdificar c fez outras concessões dc
sesmarias ate 4 de fevereiro de 1614, conforme a relação contida no auto
da concessão das terras públicas do Rio Grande (cita o barão de Studart.
op. cit., vol. II, págs. 150 a 152). Acresce que a 14 de fevereiro dc 1614,
chegando à capitania o capitão-mor de Pernambuco, Alexandre de Moura,
com o ouvidor Manuel Pinto da Rocha, para executarem a provisão de 2S
de setembro dc 1612, isto c, repartirem as terras com aqueles que as qui­
sessem povoar c cultivar, declarou, por esta ocasião, Francisco Caldeira
que havia pouco tempo se empossara do cargo. Ora, tal declaração, com­
binada com as datas em que foram concedidas as sesmarias, deixa ver que
ele governava precisa men te havia uns seis meses (são documentos publica­
dos pelo barão de Studart, op. cit.).
Seu governo não foi alcrn de junho dc 1615, porque, dado o devido
desconto, lendo sido comissionado pelo governador geral, D. Gaspar dc
Sousa, para tratar dos negócios do governo em Portugal c correr a capita­
nia do Maranhão, seguiu no comando de uma armada, composta dc um
patacho, duas caravelas e um caravclão, c chegou a Santa Maria dc Gua-
xenduba a 1? de julho do mesmo ano.”
Dois fatos nos levam, entretanto, a acreditar que Francisco Caldeira não
foi nomeado capitão-mor pelo governo da Metrópole: o primeiro é não
constar o seu nome da relação publicada por Porto Seguro c o segundo c
ter sido o sou governo dc curta duração, não havendo espaço entre os dc
seu antecessor c sucessor para o trienio que lhe cabería, se nomeado por
carta régia. Talvez, em consequência dc qualquer circunstância imperiosa
ou mesmo,do falecimento dc Peixoto Cime, se tornasse necessária a substi­
tuição imediata deste c fosse o governador geral obrigado a faze-la, re­
caindo a sua escolha cm Caldeira, sobre quem escreveu Manuel Barata

39
)
(A Jornada dc Francisco Caldeira de Castelo Branco c a Fundação da
Cidade de Belem, ed. dc 1916): “Fora capitão-mor do Rio Grande (1612-
1614), e achava-sc servindo na guarnição dc Pernambuco, quando, a 10
dc junho dc 1615, dali saiu para o Maranhão, como capitão-mor dc uma
armada dc três navios, com socorro dc gente c munições, mandado por
Gaspar de Sousa a Jerônimo dc Albuquerque, aquartclado em Guaxendu-
ba, em trégua com La Ravardicrc. Ali chegou a 1Q dc julho”.
Francisco Caldeira foi pouco depois, provavelmente cm fins dc 1616,
o fundador da cidade de Belém (Manuel Barata, op. cit.).
No Rio Grande, foi seu sucessor Estevão Soares dc Albergaria, nomea­
do cm 14 dc setembro dc 1613. Parece certo epic esteve no governo ate
1617, quando o substituiu Ambrósio Machado, nomeado cm 2Õ dc agosto
de 1616. Foi sob a administração deste que “cm 1619 terminaram as obras
da Igreja Matriz, começada desde os tempos da conquista. Isto consta da
data gravada na pedra fundamental, que foi encontrada por ocasião dc ser
aumentada, no anode 17<S6, depois dc rccdificada cm 1694, pois os holan­
deses, no período dc sua conquista, arrasaram a primitiva igreja” (vide
Vicente de Lemos, opt. cit.. c Revista do Instituto Histórico c Ceográfico
do Rio Grande do Norte, vol. XI).
Porto Seguro (op. cit., vol II. pág. 1211) indica Bernardo da Mota co­
mo sucessor ele Auibrósin Machado, c Vicente dc Lemos (op. cit., pág. 13),
acompanhando-o, presume (pie o seu governo tenha começado cm 1621 c
não tenha excedido a junho dc 1625.
Também nós incorremos cm igual erro. Poslcriormente, porem, conhe­
cemos um documento fornecido ao barão de Studart por Capistrano dc
Abreu, o qual veio lançar cm nosso espírito as primeiras duvidas sobre este
ponto. É o seguinte (Notas Históricas sobre o Rio Grande do Norte, cit..
pág. 136 e seguintes):

DESCRIÇÃO DO RIO GRANDE


“A fortaleza do Rio Grande é a maior c mais bem traçada que há
no estado do Brasi, está situada na terra firme sobre arrecifes da banda
do sul do rio, mas de modo que dc maré cheia fica por todas as partes
rodeada de mar e de águas vivas; se não pode ir a ela sc não depois que!
abaixa a maré.
Não pode entrar pela barra mais que um navio como em o recife de
Pernambuco, porém de qualquer parte que seja poderá entrar por ser
esta barra muito mais funda.
Tem esta fortaleza trinta c tres peças de artelharia grossa, nove de
bronze, que jogam dc dez até catorze libras de bala, c as demais de ferro
das quais sós quatro estão boas e as demais mui ruins porque como estão
na muralha ao tempo estão muito gastadas de ferrugem.

40
Ilá nesta fortaleza duas casamatas, cm cada uma sua peça dc ferro,
que jogam oito libras de bala c da banda de dentro da porta jogam duas
peças para a mesma porta c estas são as peças dc feno que estão boas por
estarem debaixo de telha separada do tempo c do mar.
Tem um fermoso corpo de guarda todo lajeado e com seu tabcrnáculo
de madeira, um terreno mui fermoso no meio do qual está uma casa dc
pólvora a modo de torre fundada sobre quatro arcos’ dc pedra, tem uma
portinha falsa para o rio em defensa da qual joga uma peça da banda de
dentro do terreno ao redor do qual estão as casas dos soldados, c capitão,
todas dc sobrado muito boas com suas chaminés ficando por baixo delas
uns fermoso.? almazéns, a uma parte do terreiro fica a igreja com seu al­
pendre com um retábulo dos Santos Heis, que é a invocação desta forta­
leza, falta-lhe porém o melhor, que c uma cisterna cousa tão necessária e
dc que se não houvera de esquecer quem ategora governou aquele estado
que não sc pode escusar tarnbcm de culpa da grande falta de munição c
pólvora que conlinuadamcntc padece aquela praça.
Há nesta fortaleza oitenta praças das quais o governador Gaspar de
Sousa que Deus haja ordenou, sendo governador, que as cinquenta atual­
mente servissem c o dinheiro das trinta sc gastava cm haver um contra­
iu uro à dita fortaleza pela banda do mar, o qual está meio feito, c c cousa
mui importante que sc acaba pelo rigor com que aqueles mares batem
aqueles muros, cuja obra cessou despois que os holandeses tomaram a
Bahia.
É este rio o mais fértil de peixe que há na Bahia, digo no Brasil, e
nele sc faz muito grandes pescarias. E as mesmas pelas costas no verão
dc que vai muito peixe salgado a Paraíva c a Pernambuco.
Um quarto de légua da Fortaleza está a povoação que chamam cidade
do Natal tem uma boa igreja porem a povoação c muito limitada respeito
dos moradores estarem c morarem nas suas fazendas onde tem muitos deles
suas casas mui nobres.
Na cidade assiste sempre um juiz ordinário e um ouvidor e os mais dos
oficiais da Câmara.
Haverá cm toda esta capitania ate trezentos moradores c os mais
deles com sua família c escravos e seus currais de gados dc toda sorte
que c o meneio desta gente c algumas religiões c pessoas particulares
mercadores da Paraíva. Tem muitos currais de gado nesta capitania. Ilá
nela dous engenhos de açúcar um real e outro dc palitos não há pera canas
dons engenhos de açúcar um real c outro dc palitos não há pera canas
boas terras ainda que pera mantimentos as tem bastantes.
Desta gente sc fazem duas companhias de ordenança com seus capi­
tães oficiais sito dextros cm suas armas porque os mais deles foram soldados
na fortaleza e uma esquadra dc até quarenta homens dc cavalo.

41
}

Do gentio da terra haverá pouco mais dc 300 frcchciros repartidos cm


quatro aldeotas, sendo assim que havia aqui tanta quantidade deles que
lhe não sabia o número c ainda estes cada dia vão fugindo para o Soará
pelo ruim trato que aqui lhe fazem os capitães c pelo bom que no Seará
lhe fez o c.ipitúo \fnrtim Soares que só cm umn aldeia tem 900 frcchciros.
Os capitães que ali alcancei foram
Jerônimo dc Albuquerque por serviço do Brasil
Lourenço Peixoto Cirne Cavaleiro do hábito dc Cristo por servi­
ços das Armadas
Estevão Soares Dalvcrgaria lambem do hábito por serviços d i
índia.
Ambrósio Machado de Carvalho por serviços dc Armadas
André Pereira Temudo por serviços do Maranhão
Francisco Comes dc Melo serviços de Armadas
Bernardo da Mota que hoic está servindo Cavaleiro do hábito
por serviços dc seu pai e alguns seus que Fez na Índia.
Fabião Pila Porto Carrero que lá está já para entrar, serviços das
Armadas, c por ir a Bahia nesta ocasião.

Domingos dc Beiga.”

Hoje podemos assegurar que Ambrósio Machado (de Carvalho, reza


este documento) foi substituído por André Pereira Temudo. A carta de
sua nomeação é’de 18 de março de 1621 e foi publicada por Manuel Ba­
rata (op. cit.. pág. 56), (pie dele diz: “Por inexplicável omissão, nenhum
dos cronistas epic escrevem da conquista do Pará, nem mesmo Manuel Se­
verin'! dc Faria, diz uma única palavra dc André Pereira; mas nem por
isto c menos certo que como capitão dc infanteria fez parte da expedição
de Francisco Caldeira ao Pará.
Acompanhado do capitão Antônio da Fonseca c do piloto Antônio
Vicente Cochado, daqui partiu a S dc março dc 1616, com carta dc Fran­
cisco Caldeira ao rei, participando a fundação da nova colônia.
Lá escreveu, naquele mesmo ano, a Reloçao de que liá no grande rio
das Anui zonas noo::mcnlc descoberto, publicada por Jimenez de la Espada,
c mencionada na nota 18. Posto que cm forma abreviada, esta preciosa
Relação é a primeira crônica escrita sobre o Pará — e André Pereira é o
nosso primeiro cronista.
Cumprida a sua missão, saiu de Lisboa a 22 de junho dc 1617, dc
regresso ao Fará, aonde chegou a 28 dc julho do mesmo ano. Com ele

42
)
)
vieram os quatro frades capuchos de Santo Antônio, primeiros missioná­
rios que aqui entraram, e mencionados na nota 21.
Em dezembro de 1618, por ordem do cnpitão-mor Baltazar Rodrigues
dc Melo, foi Andrc Pereira a Pernambuco levar comunicação ao governa­
dor geral do Brasil, D. Luís de Sousa, da deposição c prisão dc Francisco
Caldeira. Dc Pernambuco voltou a 16 dc março dc 1619 como capitão dc
um patacho que dali conduziu ao Pará Jerônimo de Albuquerque, nomeado
capitão-mor desta capitania. Daqui partiu no mesmo patacho, em meados
dc maio desse mesmo ano, para Lisboa, levando presos Francisco Caldeira
Baltazar Rodrigues dc Melo c outros, implicados na sedição dc 1618. Por
seus serviços na conquista do Maranhão c do Pará, c por oulros que pres­
tou no reino, depois que lá tornou, foi nomeado capitão-mor do Rio Gran­
de do Norte, por patente régia de IS dc março dc 1621. Em 1623 ocupava
ele este posto. Nesse ano, ali passando cm uma caravela o capitão Luís
Aranha dc Vasconcelos, que, por ordem regia, vinha de Lisboa, a sondar
o rio Amazonas pelo cabo dc Norte c por fora os holandeses que sc acha­
vam estabelecidos no r:o Xingu, deu-lhe Andrc Pereira quatro soldados
dc reforço (Porto Seguro também dá esta informação, op. cit., vol. I, pág.
475). Do Rio Grande do Norte passou a sen-ir como capitão dc uma das
três companhias dc infantaria da guarnição da praça dc Olinda. Na to­
mada dessa praça pelos holandeses sob o comando do coronel Dicderick
Wccrdcnburgh, a 16 dc fevereiro de 1630, foi ele morto em combate”.
Embora tenha assinado a sua llclaçâo com o nome dc Andrc Pereira,
o seu nome lodo era André Pereira Temudo, conforme sc verifica da sua
patente dc nomeação dc capitão-mor, na qual está declarado que devia
substituir Ambrósio Machado.
Do exposto sc conclui que, sc Bernardo da Mota foi nomeado para
suceder a este, cm 3 dc março dc 1623, como pensa Porto Seguro, ou cm
1619, segundo informa Vicente dc Lemos, não chegou a governar a capi­
tania nessa época.
O capitão-mor que se seguiu a Temudo foi nomeado cm 13 dc julho
de 1624. Chamava-se Francisco Gomes de Melo. Achava-se em Lisboa,
quando ali chegou a notícia da ocupação da Bahia pelos holandeses, fato
que, como era natural, alarmou o governo c o povo, por ser uma ameaça
a todas as colônias espanholas e portuguesas da América. Providencias
imediatas foram tomadas, sendo a principal delas o apresto dc uma pode­
rosa esquadra que, sob o comando de D. Fadrique dc Toledo, devia vir
cm socorro daquela praça c das demais, que sc encontravam desaparelha­
das para a resistência. A organização da esquadra, porém, não se podia
fazer sem alguma delonga. Outras resoluções foram, por isto, desde logo
adotadas. A confirmação de Matias dc Albuquerque como substituto de
Diogo dc Mendonça Furtado, governador da Bahia, que fora preso pelos
invasores, a • nomeação de D. Francisco de Moura para capitão-mor do
Recôncavo; a recomendação a Francisco Coelho dc Carvalho — nomeado

43
governador do Maranhão e já cm viagem, a fim de assumir o seu car<
*o —
píira que SC dctivcsscin cm Pernambuco; a ordem ao governador do° Rio
(IC ]dllCÍrO, Mill 1ÍU1 de para que acudisse com gente c mantimentos :i
cidade ocupnch, foríim, íllcill de outras, medidas aconselhadas e fornadas
<l<
*cdo n primeiro momento.
A Francisco Gomes dc Melo coube trazer a Matias dc Albuquerque,»
com a notícia dessas resoluções, cs primeiros recursos enviados então para
o Brasil. Estes vieram cm duas caravelas, de que foram capitães ele e Pedro
Cadena. A dc seu comando chegou a Pernambuco um pouco antes da
outra, cm fins dc setembro, dando lugar às maiores manifestações dc ale­
gria.
Não se sabe cxalamcntc quando Francisco Gomes dc Melo entrou cm
exercício; mas tudo faz crer que no fim dc 1624 ou começo dc 1625.
Em 26 dc maio deste último ano chegou ?i Bahia, comandando uma
esquadra dc 34 navios, o almirante Ilcndriksoon, que da Holanda viera
para socorrer os seus compatriotas c manter a ocupação daquela cidade.
Era tarde. Desde lv do mesmo mês ela sc rendera c estava cm poder
das forças restauradoras do domínio português. O almirante batavo se­
guira então para o norte, onde se demorou com a sua esquadra, na haía
da Traição, de 20 de junho até princípio dc agosto. Durante sua perma­
nência ali, foram feitas diversas explorações aos lugares vizinhos. De
uma delas, encaminhada para o Rio Grandc^eC.ngcnho CCmhaup nos dá
conta, entre outros. Joannes de Lact diretor da Companhia jíasjndias
Ocidentais (Anais (la Biblioteca Nacional, vol. XXX, pág. 96): “A 19 (dc
julho) o capitão Uzccl, com uma partida dc soldados c indígenas, fez uma
entrada, caminho do Rio Grande: encontrou um-^engenho com algumas
trezentas caixas $Jc"açiícar c mui numeroso legado,'mas não pôde trazer
c\stõãTõnTíqúH;uFp<>r ter dc fazer um longo cammho pojunalas bastas, bem
. çbnmndurãn(c~chias ou três horas porUgua. Chegou ao quartel a 23, sem
trazer coisa alguma, salvo os indígenas que trouxeram limões para os
doentes”?

providenciou de" Pernambuco. para que fossem desalojados, confiando o


*
/" comando das forças, que para esse fim fizera organizar, a Francisco Coe­
lho de Carvalho, governador nomeado para o Maranhão. Com essas forças
operaram os capitães-mores daquelas duas capitanias, Antônio de Albu-
f querque c Francisco Gomes dc Melo. Este foi, depois da invasão de Per­
nambuco cm 1630, o bravo comandante do forte de Afogados, onde, além
dc atos de bravura, praticou um que bem merece referido. Os holandeses
atacaram o cabo de Santo Agostinho, cuja defesa estava entregue ao
capitão Bento Maciel Parente, com sessenta homens. Francisco Gomes
apressou-se a ir cm seu auxílio, com parte da força de que dispunha, e ali
chegando, apesar dc ter jurisdição superior ao capitão Maciel Parente c

I 44
de haver sido capitão-mor do Rio Grande, colocou-se e combateu sob suas
urdcns, dando um exemplo de rara abnegação, naqueles tempos cm quo
tanto sc pleiteavam distinções c tanto se apuravam questões dc precedência
(Porto Seguro, Holandeses no Brasil, pág. SO).

Quem substituiu Francisco Comes de Melo? Pela relação publicada


por 1’orlo Seguro, Cipriano Porto Carreiro; de acordo com o que CSCrcvCIl
Domingos da Veiga (documento que transcrevemos anteriormente), Ber­
nardo da Mota. A afirmação deste último é peremptória: — Bernardo da
Mota, que hoje está servindo................................ ; Fabião Pita Porto Car­
reiro (e não Cipriano) que lá está já para entrar. ... E dada a autoridade
dc Domingos da Veiga, sobrinho dc Martim Soares, contemporâneo dos
acontecimentos c pouco depois capitão-mor do Ceará (foi nomeado em
1631 e governou até 1637). não c possível recusá-la com bons fundamen­
tos. Assim sendo, a ordem de sucessão foi esta: Francisco Gomes dc Melo,
Bernardo da Mota, Porto Carreiro. E depois? Surgem novamcnlc as dú­
vidas. Porto Seguro indica André Pereira Temudo, nomeado cm 1630. Não
é possível que tenha governado então. Foi cm fevereiro daquele ano que
os holandeses se assenhorearam deJPcmambuco; e, entre os que combate­
ram com o maior denodo c audácia, nessa ocasião, figura o capitão André
Pereira Temudo, que, na vila dc Olinda, pagou com a vida a heróica resis­
tência que oferecera ao invasor.

Acresce que é o próprio Porto Seguro quem nos informa de um go­


verno interino dc Domingos da Veiga Cabral (será o mesmo Domingos
da Veiga que foi capitão-mor do Ceará?), depois de 1630, governo que
talvez haja precedido o dc Pedro Mendes de Gouveia, que era o capitão-
mor, quando a capitania foi ocupada pelos holandeses, cm fins de 1633.
Infclizmcntc, c impossível esclarecer esses c outros pontos de nossa his­
tória. Nos arquivos do Estado não sc encontra nenhum documento anterior
a conquista holandesa. Nesse período, que sc estende de 1633 a 1651, foram
todos destruídos; c disto nos dá testemunho uma carta do Senado da
Câmara do Natal, dirigida à Metrópole cm 3 de junho de 1741, na qual,
tratando da passagem do Bio Salgado para a Aldeia Velha, assim sc
exprime (Vide Vicente de Lemos, op. cit.); “As terras, que compreendem
â roda desta cidade uma légua, pertenciam ao Conselho que as aforava,
mas perderam o foral pela tradição que há dc que o foral perdeu-se com
os mais livros na invasão holandesa”.
Desde que Manuel Mascarcnhas sc apossou da capitania, até que ao
desventurado Gouveia coube o infortúnio de interromper a série de servi­
ços que vinham sendo prestados pelos seus antecessores, haviam decorrido
pouco mais dc trinta c cinco anos; c, sc, durante eles, não se fizera tudo
quanto era possível, é incontestável que se conseguira muito, conforme
veremos mais tarde, quando tivermos dc estudar em conjunto e com maior
largucza a obira da colonização durante o século XVIII, retomando-a desde
o momento cm que são expulsos os holandeses.

45
Em todo caso, o Kio Crandc do Norte já não era um território des­
conhecido.
Para o sul, cm toda a faixa litoral e numa zona de algumas léguas
p.u.i o interior, a corrente imigratória estava definitivamente cncami-
noi.indo da r erJa ;is margens dos rios Pitimbu,
l/;ofi ja
* / Gjíq»; •: ouS"/» trabalho persistente
<• intenso dc (l<:sbravairicnln do solo. Para o norte, u povoamento não
ultrapassava ainda o Maxaranguape, a dez ou doze léguas da capital;
mas nas feriais várzeas banhadas pelo baixo Ceará-mirim e seus afluentes,
bem como na lagoa e rio Guajiru (Extremo/.), os colonos já procuravam
um novo habitat. Pelas terras marginais do Potengi c pelas do Jundiaí
(|uc nele deságua, falo idêntico se (lava.
A- pcsc\V florescia nas praias c no$?ri(>$/c a indústria de criação pros­
perava por toda parte. Dentro em poircorpoi; ocasião da.invasão, seria
no São Francisco e nas campinas rio-g)ancicnscs (pie portugueses c fla­
mengos iriam buscar recursos para a alimentação dc suas : orças, Uans-
formnndo, por isto mesmo, aquelas regiões em teatro de lulas memoráveis.

O açúcar era apenas fabricado cm dois engenhos: o Ferreiro Torto,


onde se deu a primeira matança depois da ocupação holandesa, c o
Cunhaú, também célebre pelos feitos gloriosos que nele sc desdobraram
no decurso dessa ocupação e um dos mais importantes de lodo o Norte.
Neste último eslava localizado o principal núcleo dc população da capi­
tania: setenta ou oitenta colonos e suas respectivas famílias. B:o das
Mulheres significa a palavra Cunhaú; mas não foi por encontrá-las aí em
grande número, como poderá parecer à malícia dc alguns, que os coloni­
zadores preferiram lais paragens. Foi sim, por serem, de muito conhe­
cidas, e, principalmente, por Jerônimo dc Albuquerque c seus filhos sc
terem estabelecido naquele ponto e poderem, com o prestígio de (pie
gozava pela posição c pela fortuna, oferecer cm suas propriedades pro­
teção e abrigo contra as violências c abusos de toda ordem a que estava
exposta a poore gente que imigrava para o Brasil.
Afora Cunhaú, eram Natal, contando dc 30 a 35 casas, c Ferreiro
Torto os dois centros mais populosos. O resto da população estava espa­
lhado pelas roças e fazendas.
Ao todo, os habitantes não deviam exceder dc poucas centenas de
brancos e de alguns milhares dc índios que com eles viviam cm relativa
harmonia (na Revista do Instituto Histórico c Geográfico do Rio Grande
do Xorte vol. IX, pág. 266. lê-se que era de 30.000 o número de potiguares
combatentes; mas esse cálculo é exagerado).
A capitania formava uma freguesia desde a sua fundação (vide
Revista do Instituto Histórico c Geográfico do Rio Grande do Norte, vol.
VII, pág. 95, c vol. XI, começo); e, com juiz, câmara, escrivão c procurador
do conselho, provedor, escrivão da fazenda e almoxarifc procurador dos

46
índios e escrivão das datas e demarcações, dispunha dc um aparelho
governativo, embora imperfeito, dc que era chefe o capitão-mor também
comandante da fortaleza dos Reis, ao tempo uma das melhores.
Ó gadoj[|uc se alimentava de suas ricas pastagens, a abundância de
peixe cm suas costas, a caça em grande quantidade, a farinhà c o milho
(pic produzia, o açúcar fabricado cm seus engenhos, os frutos silvestres,
e o seu incipiente comercio, já lhe asseguravam, na sua modéstia c po­
breza, elementos bem apreciáveis dc vida, quando a ambição e a cobiça
do invasor, espalhando a destruição c a morte, fizeram da necessidade da
defesa a imposição suprema. Interrompia-se assim, no meio dc duras
provações, a grande obra começada. O esforço não seria, porem, perdido.
Mais tarde, afirmado pela primeira vez o nosso espírito dc nacio­
nalidade na expulsão dos intrusos, prosseguir-sc-in, com o mesmo ardor
e ímpeto irresistíveis, no labor fecundo.

47
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) t

>
I
)
)
) DOMÍNIO IIOLANDfiS

)
) O abandono em qnc permaneceu o Brasil, logo após o seu desco­
brimento, desafiou a cobiça dos aventureiros c especuladores, qnc pro­
) curaram lucrativas vantagens no contrabando das madeiras nas costas.
Sua ação foi, por vives, danosa; mas dela resultaram alguns benefícios;
) foi-se conhecendo a terra, percorrendo o extenso litoral, praticando as
) barras e portos, obtendo roteiros scguius para a navegação.
I

>
Outro tanto não se pode dizer do curso,'. que, acompanhando as
alternativas e vicissitudes da política européia^
*»> foi também estabelecido
» desde o século XVI. Justificado então como medida de guerra, a que
•X recorriam as nações que se achavam cm luta no continente c que sc
J
.un o drm:: i:» d; * m.iH .« fim de ferirem o inimigo em seus , l
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iiitri* >><•> n'iin'1» ..u
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. * .c es?c c.ii.U.r j'.u.i ser uin.i
ameaça constante às colônias c lonlv d< * sobressaltos e inquietações paia
os seus habitantes. Já não bastavam as pressas inaríliinas c as correrías
no oceano. Os llibustciros c piratas começaram a tentar a invasão do
território, o assalto às povoações desguarnecidas, o estabelecimento em
pontos despovoados. Organizavam expedições para as depredações c para
o roubo, promoviam a destruição c a pilhagem, pretendiam um quinhão j
na partilha da terra descoberta. E. nesse intuito, anima-os o apoio oficial, I
extensivo ou discreto, dc seus respectivos governos.
) Toda a história dos primeiros tempos atesta essa tendência dc vários
) povos, entre os quais sc destacaram os Ingleses, os franceses e os holan­
deses .
Os ingleses não chegaram a exercer jurisdição territorial efetiva; mas
de suas façanhas, que culminaram nas crueldades de Thomas Cavendish,
ficaram-nos tristes e dolosas recordações.
Com os franceses, que chegaram a constituir perigo sério à consoli­
dação do domínio português, tivemos dc medir as nossas armas, cxpul-
sando-os <• i força"
---- 1---- j_pela _ KT—
do os que
£ul e do Norte. De todos, mais os
porém,
fundamente perturbaram a obra da conquista foram os holandeses, cm
cuja expulsão se desenvolveram prodígios de valor e de coragem, cm
combates gloriosos c inolvidávcis. A luta foi desigual, porque, enquanto
) eles, à sombra de grandes recursos militares, arriscavam apenas o campo
dc que sc haviam apossado para a exploração e para a rapinagem, os
I

4S
nossos antepassados tudo empenhavam — honra, família, bens, vida c
pátria 7 Não temos, entretanto, o direito dc maldizê-la, porque ao usurpa-
! dor dcwcmos o alvorecer, no Brasil, do sentimento dc nacionalidade, cuja
primeira afirmação se fez, vivaz c indômita, nessa campanha longa, penosa,
cheia de indizíveis sacrifícios, que durou mais de vinte anos, e na qual
os combatentes, confiados cm si mesmos c constantes no infortúnio, iam,

mengos, “sem império que os obrigasse, sem esperança que os persuadisse,


sem prêmios que os dispusesse”.
Com uma população dc alguns milhões dc habitantes, estendia-se pela
região litorânea do mar do Norte o território ocupado pelos pequenos
cantões e cidades que — regendo-se por leis e costumes particulares c
contando numerosos principados e soberanias • contiluíam os Países
Baixos. Ligados sob o cetro dos duques de Borgonha desde o scculo XIV,
passaram, após a morte dc Carlos o Temerário, na batalha de Nancy
(1477), à sua filha c herdeira única, a duquesa Maria, que, para resistir
aos poderosos inimigos dc sua dinastia, procurou o amparo da casa
d’Austria, casando-sc com Maximiliano, que em 1493 subiu ao trono da
Alemanha, onde veio a dar, no período que sc caracteriza pela formação
das grandes nacionalidades modernas, o impulso decisivo ao alargamento
da autoridade real, para cuja defesa criou a milícia permanente.
Imperador da Alemanha, Maximiliano entregou o governo dos estados,
que sua mulher trouxera cm dote, a seu filho Filipe o Belo, que sc casou
coin a princesa Joana, filha de Fernando c Isabel, soberanos de Aragão
c Castela, os quais, pela conquista de Navarra c Granada, tinham operado
a unidade política e territorial da Espanha. Desse casamento nasceu Car­
los V, que imperou na Alemanha, nos Países Baixos, nas Duas Sicílias c
na Espanha. Por ocasião de sua abdicação, em 1556, quando se recolheu
ao convento dc São Justo, coube a seu irmão Femahdo a coroa da Alema­
nha, ficando a seu filho Filipe II os demais Estados sobre que reinava.
As dissenções religiosas decorrentes da Reforma lavravam então por
vários países da Europa; c nas Províncias Unidas a raça valônica sc con­
servou fiel às tradições católicas, adotando a germânica o culto reforma­
do. A rivalidade dc igrejas trouxe os dissentimentos políticos; e a
guerra da independência necrlandesa, alimentada pela diversidade dc
crenças religiosas, prolongou-se por dilatados anos, ate que o tratado de
Vestefália, cm 1648, veio sancionar o desmembramento definitivo: uma
parte constituiu as Províncias Unidas dos Países Baixos, e a outra só
modernamente se transformou no atual reino da Bélgica (para maior
desenvolvimento, vide, entre outros, M. Thomás Alves Nogueira, O Príncipe
dc Nassau). .
Foi durante essa guerra jjue_ _Q£ holandcsèp hostilisaram mais viva-
mente as possessões ultramarinas áa Espanha e Portugal, algumas das
quais foram por eles ocupadas no todo ou cm_partc. O Brasíl -entrou no
número destas.

49
I

)
) As suas agressões visavam cxclusivamcntc a proventos materiais ime­
diatos: mas tanto se esforçaram per dissimular hipocritamente os seus fins,
} que ainda hoje há escritores nossos que lhes emprestam intuitos elevados,
)
atribuindo a sua ação a problemática amor á liberdade de comércio. Nada
mais irritante c injusto, pois essa bandeira que dcslratidaram, quando
outros eram senhores da terra, desapareceu logo <jnc a ocuparam, para
dar lugar aos mesmos processos que condenavam, levando a extremos
vexatórios que ainda não haviam tido.
Rocha Pombo escreveu que, enquanto os portugueses criavam, como
a causa suprema para a Europa inaquele instante, a expansão do es-
pírilo ocidental por todo o inundo, ai Holanda cuidava, provida e
assisada, de preparar a suai <economia domestica, fazendo a sua la-
voura c a sua [pcsca, fundando as suas oficinas, as suas manufaturas,
abrindo canais, construindo diques; e esperando o momento opor-
tuno para disputar aos heróis do> descobrimento as vantagens da
obra realizada. E acrescentou: "O holandeses c dos outros
”0 papel dos holandcst
concorrentes dc Portugal e Espanha foi o de simples instigados da
fortuna, campeões retardatários, que tinham como certo muito valor,
mas que só chegaram depois de ferida a batalha c ganha a vitória, I
com o pensamento de recolher os despojos.
Não há recusar esta verdade incontestável para aqueles que estudam c
comparam a obra dos portugueses com a dos seus competidores, mesmo
)
os holandeses que, num crescendo admirável, de pescadores sc fazem
marítimos dc alto mar; dc simples mercantes passam ao co: so; logo ;i
pirataria; à flibustagem desenfreada cm lodo o Atlântico, principalmente;
c, em breve, sentindo uma exagerada confiança no destino, atiram-seà
conquista das terras que oulros haviam descoberto’’.
Confundindo os atos isolados dc um príncipe ilustre com as normas
de administração c de governo de uma companhia de piratas, organizada
oficialmcntc e com autonomia política, não são poucos os que desculpam
as calamidades da guerra, alegando qnc naquela época brilhou, pela
primeira vez cm nossa Pátria, a luz da liberdade civil c do progresso
intelectual; mas o fato é que jamais tiveram oulros propósitos epic não
fossem os dc salvaguardar os seus interesses comerciais. Era o espírito
) / mercantil que os animava, era a ele epic subordinavam todas as suas
preocupações, desde que, cm 15S1. após a incorporação dc Portugal c
suas colônias à coroa dc Espanha, volveram as vistas para o Oriente e
(•'
para a América, cspccialmcntc para o Brasil, que, a começar daí, teve
de contar com os seus ataques. cada vez mais repetidos, cada vez mais
violentos.
Em 1G02, a Holanda dava o seu assentimento à ol icialização do saquedf—
Organizava-se a Companhia das Índias Orientais, que, pela carta patente
de sua criação, ficava autorizada a comerciar no Oriente, a concluir trata­
dos dc paz ou dc aliança c declarar a guerra cm nome dos Estados
Gerais (M. T. Alves Nogueira, op. cit.).
f *

50
)
)
I

) •
I
Os lucros dessa empresa foram, como era dc esperar, avultados, des-
pertando'o'desejo da fundação de outra que lograsse idênticas vantagens
no Ocidente.
Essa idéia foi ardorosamente defendida por Guilherme Ussclincx;
mas encontrou — ale que triunfasse — grande oposição e forte resistência.
Só cm 3 dc junho de 1621 a nova companhia obteve o privilegio que
ambicionava (Pccto Seguro, Holandeses no Brasil, diz que a outorga
da patente foi feita cm 3 de janeiro; mas Nctscher, Les Hollandais au
Brâsil, e Lnet, Anais da Biblioteca Nacional, cit. vol. XXX, fixam a data
com exatidão, sendo que no último sc encontram, na íntegra, não só o
decreto concedendo o privilégio, como o ato dc sua ampliação cm 13
dc fevereiro dc 1623 c outros documentos). O ato dc sua outorga, prece­
dido dc considerandos justificativos, regulava, cm quarenta c cinco cláu­
sulas. os auxílios, favores c assistência do Estado, e bem assim os direitos
c obrigações da sociedade, que gozaria por vinte c quatro anos o monopó­
lio do comércio da América c Africa, com largas concessões c amplos
poderes.
O organização da Companhia coincidiu com a terminação das tréguas
dc doze anos, assinadas entre a Espanha e as Províncias Unidas cm 1609;
mas c sabido que, durante essas tréguas, os holandeses não sc abstiveram
de hostilidades contra as colônias da monarquia luso-espanhola. Ao con­
trário, foi nessa cpoca que se apoderaram de quase todo o comercio do
Oriente, c que recrudesceram as suas investidas contra o Brasil, de forma
que cm 1616 aprisionaram vinte c oito navios de sua carreira, e até 1623
já ascendia a setenta o número dos que tinham sido tomados no mar c
nos portos.
Na realidade, portanto, a Companhia das índias Ocidentais vinha
apenas unificar os esforços dos que sonhavam com a ocupação de parte
do extenso território brasileiro. Isto e a pirataria cm larga escala; nada
mais.______ _________________
Bali ia, como capital da colônia e seu principal empório comercial,
íloi o ponto preferido para a primeira agressão; e, em fins dc 1623, estava
equipada a trota que devia levá-la a efeito, a qual se compunha de vinte
e seis velas (vinte e três navios grandes c 3 iates), com mais de quinhen­
tas bocas de fogo, e três mil e tantos homens, entre marinheiros e soldados.
- JS»A Bahia caiu em poder dos invasores a 10 dc maio de 1624; mas a
ocupação destes foi efêmera^ Em JLV dc maio elo ano seguinte eram
forçados a assinar a capitulação que lhes foi imposta por D. Fadrique
de Toledo (vide, entre outros, nosso trabalho sobre o Domínio Holan­
dês no Brasil).
\ encidos ali, os holandeses iriam tentar melhor fortuna em Pernam­
buco e nas capitanias do Norte, onde continuariam a desenrolar-se, duran­
te um quarto de scculo, mais trágicas c mais emocionantes, as cenas
do grande drama da invasão. Çipeo anos - tanto mediou entre a sua
expulsão da Bahia e a tomada dc Olinda c Recife — levaram a organizar

51
a nova expedição de que logo se teve conhecimento cm Madri e Lisboa.
Mas ns providencias dadas pelos governantes, revelando descaso pela
* ii
« *nl<>
:i«» inl< d:i Companhia das índias
(>
* nh uiji>. min *ni
al< das i<* c«hii<'ii<Ijç<h*s no governador geral para
que estivesse vigilante, conservando em boas condições as guarnições e
as fortalezas, c da nomeação de Matias dc Albiiqurcque para superin­
tendente da guerra c forliíicador das capitanias do Norte. Deficientes e
irrisórios foram os auxílios prestados a esse valente militar (27 soldados
c algumas munições, segundo Porto Seguro, Holandeses no Hrasil, cit.),
que, tendo seguido para a Europa desde 1626, regressava com presteza
ao Brasil, onde, cm outubro dc 1629. substituía a André Dias dc França
no governo de Pernambuco, prosseguindo nas obras dc defesa da capita­
nia c adotando ante a gravidade da situação todas as medidas ao seu
alcance.
A 14 dc fevereiro de 1630, a esquadra holandesa estava diante do
Recife; e, na tarde dc 15. Wccrdcnburgh. com cerca dc Ires mil homens,
desembarcava nas praias dc Pau Amarelo, sem oposição do ex-capitão-
mor Dias de França, que apesar dc destacado para guardar, nessa parte,
o litoral, retira-se para «Olinda. Matias de Albuquerque deixa então o
Recife e corre ao encontro daquele general, tentando deter-lhe a marcha,
no dia 16, às margens do rio Doce. É inútil. A fuga dc muitos desfalca
as fileiras dos seus c ele sc ve obrigado a ir recuando ale Olinda, que
— já abandonada pelos moradores e famílias — c tomada nesse mesmo dia.
Matias dc Albuquerque', acompanhado dos poucos que o não desam­
pararam, volta ao Recife, onde o êxodo sc fazia atropcladamcnlc, aumen­
ta as guarnições dos fortes do Picão c dc São Jorge, manda recolher a
eles a maior parte das munições, ordena epic sejam incendiados os arma­
zéns e navios que estavam carregados, procura obstruir o canal da
barra c organiza a resistência. Tudo dcbaklc. A 2 dc março após a
capitulação dos dois fortes, o Recife tinha a mesma sorte da capital da
capitania: era tomado e saqueado.
Matias de Albuquerque, dando edificantes exemplos dc sua fortaleza
de ânimo, não se abate. Reúne no Arraial do Bom lesus os restos destro­
çados dc suas forças, socorre a popTdação sem lares c sem víveres, apela
para os moradores c para as capitanias vizinhas, invoca o auxílio da
Metrópole, pica a miúdo o inimigo, vence-o cm armadilhas, impede-lhe
as sortidas ao campo, servindo-se das companhias dc emboscada, isola-o,
enfim, cm Olinda c no Recife, cujas comunicações, pelo istmo que os
liga na distância dc um légua, se tornam difíceis c perigosas.
Os holandeses resolvem-se a destruir o Arraial. Investem-no a 14
de março; mas, envolvidos, rechaçados e perseguidos, com grandes perdas,
ate as vizinhanças de Olinda, acautelam-se e retraem-se. Nem assim
podem ter tranquilidade c repouso. São incomodados cm seus redutos.
"Os pernambucanos, na ânsia do desforço, desvairam dc cólera
* multi­
plicando as ciladas, as surpresas, as escaramuças. A guerra continua sem

52
tréguas c toda a terra lhes c hostil. Resta-lhes, porem, o mar; e por aí
chegam sem cessar os socorros de que precisam, aumentando sempre os
seus elementos dc resistência. Matias dc Albuquerque escrcvc para o
reino, pedindo, suplicando, implorando auxílios. Maiidain-uos: insignifi­
cantes c insuficientes. Os recursos que sc lhe deparam são os que sc
encontram ali mesmo c nas capitanias próximas. E c com eles que os
guerrilheiros prosseguem <> movimento dc reação, porque só ante infor­
mações positivas dc que a Ilolanda prepara uma nova esquadra que sc
destina a Pernambuco é que o governo da Espanha se decide a enviar
algumas forças para o Brasil. Dois mil homens ao todo, sendo oitocentos
para a Bahia, mil para Pernambuco e duzentos para a Paraíba (com eles
vieram o Conde dc Bagnuolo, que desempenhou, por vezes, papel impor­
tante na guerra, c Duarte dc Albuquerque Coelho, P conde e 39 donatá­
rio de Pernambuco, irmão do general e governador Matias de Albuquer­
que, c autor das Memórias Diárias, que abrangem os anos dc 1630 a 163S
e são, ainda hoje, bom repositório dos fatos ocorridos no primeiro período
das lulas com os holandeses). Essas foiças, bem como doze peças de
bronze c demais armamentos c munições para o Arraial de Bom Jesus c
capitania da Paraíba, vieram em doze caravelas, comboiadas por uma
esquadra dc vinte navios de guerra sob o comando de D. Antonio Oquendo,
que a 13 dc julho de 1631 chegou à Bahia, onde se demorou dando
desembarque à gente, que para ali trouxera, c carregando os navios alivia­
dos com produtos coloniais.
A 3 de setembro Oquendo levantou ferro, sendo arrastado para o
sul por fortes temporais, c a 11 avistou a frota holandesa que, composta
de 16 velas c sob as ordens do almirante Adriaen Janez Pater, partira
de Pernambuco a 31 de agosto, a fim dc oferecer-íbe combate.
No dia seguinte, 12 de setembro, encontraram-se as duas esquadras,
travando-se a batalha, que foi um dos feitos navais mais irçportantcs da
época. Alguns escritores, nacionais e estrangeiros, afirmam ter ficado
indecisa; mas a verdade c que, tanto na Espanha, cm cujo museu naval
existe um quadro comemorativo da vitória, como na própria Ilolanda, sc
reconheceu c proclamou em documentos oficiais o triunfo obtido por
Oquendo (vide Josc Iligino, Revista dc Instituto Histórico Brasileiro,
tomo 5S), que, alem dc privar o inimigo dc um dc seus mais bravos
almirantes, Pater, que sucumbira na luta, pôde depois, sem mais hostili­
dades, desembarcar os socorros que trouxera para o Arraial dc Bom
Jesus c para a Paraíba (alguns cronistas c historiadores dizem epic o almi­
rante Pater, vendo o seu navio perdido, sc envolveu no pavilhão dc sua
pátria c, atirando-se ao mar, exclamou: o oceano c o único túmulo digno
dc um almirante batavo. Isto não passa dc uma lenda, a que nem
mesmo os holandeses deram curso. Josc Iligino, no trabalho anterior­
mente citado, c Rocha Pombo, op. cit., vol. IV, nota à pág. 247, demons­
tram-no à sociedade).
O insucesso desse combate — mais um rexes para as suas armas, que
não conseguiam cm terra vencer a teimosia dos patriotas a abrir caminho

53
para o interior — levou os holandeses a abandonar, cm fins dc novembro,
a vila dc Olinda, onde só foram poupados os edifícios e propriedades
daqueles que os puderam resgatar pelo preço que lhes arbitraram. Os
demais desapareceram, devorados pelas chamas, ou demolidos, para que I
os materiais fossem aproveitados cm novas construções no Recife. Ali
concentraram todas as suas forças (cerca de sete mil homens) c, não
devendo, por prudência, atacar o Arraial, que julgavam muito forte pelos
reforços pouco antes recebidos, nem podendo permanecer encerrados no
reduto dc suas fortalezas, desviaram suas incursões para rumos diferentes.
Em princípio de dezembro, dirigiram a primeira investida contra a
Paraíba; .mas, repelidos com perdas consideráveis, após numerosas refre-i
gas, embarcaram apressadamente para Pernambuco, dc onde dias depois
— a 21 do mesmo mês — saiu outra expedição, levando o chefe militar »
general Teodoro Wcerdenburgh, para apoderar-se do Rio Grande do
Norte.
Ao chegar, porem, ali, essa expedição já encontrou Matias dc Albu­
querque Maranhão, pois este, informado do plano dos invasores ou suspei­
tando dele, seguira imediatamente da Paraíba à frente dc três compa­
nhias de duzentos índios cm defesa daquela capitania que, graças a esse
socorro oportuno, escapou do ataque, que nem mesmo foi tentado (sobre
essa expedição cingimo-nos ã opinião dc Porto Seguro, Holandeses no
Brasil, cit. pág. S9; mas Rocha Pombo, op. cit., vol. IV. págs. 256 c 257
descreve os fatos de modo diverso).
Vem a propósito relembrar aqui alguns antecedentes que precipita­
ram a tentativa malograda dc que acabamos dc falar, c epic contribuíram
sem dúvida para que a conquista fosse realizada dois anos depois.
Desde as suas primeiras viagens, os holandeses punham o maior
empenho em obter, por intermédio dos indígenas c colonos, informações
detalhadas da terra, que eram cuidadosamente escritas c anotadas (muitas
delas são hoje conhecidas e, não há ainda muitos anos, foram publicadas
nos Anais da Biblioteca Nacional, vol. XXIX, págs. 171 e seguintes, várias
declarações tomadas em março de 1628, cm Amsterdam, sobre à costa
setentrional do Brasil).
Conheciam, por isso, muitos pontos do litoral e das vizinhanças dos
portos cm que sc abrigavam, pois tinham por hábito, sempre que podiam,
fazer ligeiras excursões aos lugares próximos.
Lnet nos dá notícia dc uma entrada no Cunhaú cm 1(^.6 (Anais da
Biblioteca Nacional. Vol. XXX. pág. 96). Foi talvez a primeira que fizeram
cm território rio-grandense; mas, posteriormente, outras se sucederam, e
com ehs foi aumentado o conhecimento da capitania, que, cm 20 de maio
de lflpÕ) o brabantino Adriano Verdonck já descrevia com relativa precisão
(Rrn.vfíi do Instituto Arqueológico c Geográfico de Pernambuco. 55).
Vicente de Lemos (op. cit.) resume assim essa descrição:
“Havia na capitania cinco a seis aldeias, que, reunidas, podiam contar
700 a 750 índios flecheiros, e a principal delas era chamada Mopibu,

54
situada a sete milhas ao sul de Natal. A cidade contava com 35 a 40
casas dc palha c barro. Os habitantes mais abastados viviam habitual­
mente nas suas fazendas c vinham apenas nos domingos e dias santi­
ficados a ouvir missa. Nesse raio de seis a nove milhas não residiam
mais dc 120 a 130 campônios na sua maioria rústicos. Dois eram os en­
genhos existentes: um no Ferreiro Torto, dc fogo morto, pela ruindade
das terras, c o outro na Várzea do Cunhaú, a 19 milhas ao sul de Natal.
Safrejavam dc seis a sete mil arrobas dc açúcar anualmente e nes:\a zona
moravam 60 a 70 colonos com suas famílias. Criavam bastante gado, c
exportavam farinha c milho para Pernambuco nos mesmos barcos cm
que seguiam as caixas dc açúcar, que não excediam em regra dc cem a
cento c dez. Esta exportação fazia-se na distância dc meia légua por um
rio, aonde chegavam os barcos. A sessenta milhas da fortaleza, para o
norte, havia grandes c extensas salinas, criadas pela natureza, cujo sal
extraíam os colonos”.
/ A 2 de outubro de 1631 ' apresentou-se aos holandeses, no Recife.
lum índio, a quem osdocumcnlos (To tempo chamam ora Marciliapo. ora
Marcial, dizçndo-sc enviado dos principais dc sua nação —^VJandufsv-
I c prometendo-lhes aliança c amizade, cm .nome das tribos íTrffegas dos
| portugueses, jjo que foi apurado no interrogatório a que o submeteram,
/ resultou a deliberação dc ser mandada àquelas paragens uma expedição.
que partiu de Pernambuco a 13 do mesmo mês c ano, levando, além do
português Samuel Cochim, aquele índio c outros que tinham sido con­
duzidos para a Holanda cm 1626 pelo almirante Ilcndriksoon. Compu­
nha-se dc um iate c dc uma grande chalupa, sendo o seu comandante o
capitão Albert Smicnt, c servindo dc imediato Joost Closter. Era seu
fim angariar o apoio dos naturais c colher dados exatos sobre a situação
c recursos da região que fosse costeada. Foi percorrido lodo o litoral
paraibano c depois o rio-grandense, sendo que a algumas léguas alcrn de
Natal, o capitão Smicnt fez desembarcar (10 de novembro) uma pequena
força, que, durante a noite guiada pelo clarão dc uma fogueira, encon­
trou vários indígenas cm conmpanhia dc 17 mulheres c crianças, que o
português João Pereira trazia para a cidade. Esse português foi assas­
sinado; c, verificando-se entre os papéis que tinha cm seu poder alguns
que continham informações pormenorizadas sobre o Ceará, resolveu o re­
ferido capitão Smicnt voltar com eles ao Recife na chalupa, continuando
Closter a viagem de exploração no iate.

Closter chegou a costear parte do território cearense, dc onde seguiu


para as Antilhas, procedimento epic lhe valeu ser condenado por conselho
dc guerra c expulso do serviço da Companhia, e Smicnt aportou ao Recife
em 25 de novembro, dando conta ao Conselho Político de tudo que oh-
serv.-.r?. e entre g:.ndo-!he o* documento? qu
* havUm pertencido a João
Pereira (Alfredo de Carvalho publicou um bom estudo sobre a expedição
dc Smienfr-na Revista do Instituto Histórico c Geográfico do Rio Crande
do Norte, vol. IV).

55
)
Em dezembro ma logra va-se, como vimos, o piano dc assalto ao Rio
Grande do Norte. Porto Seguro, Rocha Pombo e outros silenciam sobre
) a expedição de Smient, ao passo que Alfredo dc Carvalho fala desta,
) calando a que sc realizou cm dezembro. O que parece provável c que
a primeira tivesse sido dc simples exploração, visando a segunda ao assallo
I da capitania, que aliás só foi tomada dois anos depois.

Embora reduzidos, os elementos com que contavam os defensores


da colônia eram bastante para ir impedindo epic os invasores sc estabele­
cessem calmamente na terra. Mais dc dois anos sc haviam passado, de­
pois que dela sc tinham apoderado, sem que lhes sorrisse a fortuna das
armas. Salt cios c pilhagens, nem sempre sem lulas c sacrifícios, eram os
únicos frutos dc sua conquista.
E isto, comprccndc-sc bem, não satisfazia ?i sua desmedida ambição.
Queriam lucros, vantagens riqjjczas^ipas a miragem, atrás da qual haviam
corrido, sc desfazia rapidamente ante a resistência que os assoberbava,
tolhendc-ihes os movimentos, sitiando-os, obrigando-os a viver como cm
presídios, forçados a pedir c esperar auxílios, que só lhes poderíam vir
pelo mar. Desanimavam; afrouxavam-sc-Jhes as energias; e, certo, teriam
recuado da empresa, se a Metrópole houvesse amparado eficazmente a
colônia, c a traição dc Domingos Fernandes Calabar, que foi para eles
guia experimentado c habilíssimo, não transformasse a face dos aconteci­
*.
mento O ataque de Tgarassu foi cnlão a sua primeira façanha arrojada
c feliz, marcando o início das vitórias que começam a acompanhar os
seus passos nas emboscadas c assaltos, que sc sucedem uns aos outros.
Os portugueses lutam sempre, lutam com desespero, cobrindo-se às vezes
de glórias e de louros imarccscívcis, como sc deu no reduto do Rio For­
moso, onde Pedro de Albuquerque, com vinte homens, resistiu heroica­
mente, só escapando da peleja ele, mortalmentc ferido, e o seu parente
Jerônimo de Albuquerque, também ferido, que fugiu a nado; mas a
bravura de nada vale contra o impossível. A fatalidade esmaga-os, c tem
de submeter-se a ela, perdendo uma a uma as principais posições que
ocupam, ate que, a 3 de julho de 1635, chega o momento angustioso em
que no incansável Matias dc Albuquerque só resta o recurso dc garantir
com forças dizimadas a retirada, para Alagoas, de um exército de mulhe­
y res, crianças e inválidos, que famintos e nus, fazem ainda o mais elo­
) ' quente dos protestos contra o domínio do invasor, subtraindo-se, pela fuga,
ao seu jugo desapiedado e cruel.
Antes, porém, desse fato, já o Rio Grande do^ Norte fnra conquistado.
A expedição que dele se apoderou sànFcJo Recife^ 5 de dezcmbroaeT633,
)
e compunha-se das seguintes embarcações: *--------- —---------- z
Overyssel, capitão Joaquim Gysen;
Teer Wcer, capitão Cornells Hendrickson Lucifer;
De Vlacrmuis, capitão Gersit Jansc Wcstphaling;
) •'
56
)

i
Campen, de Willem Rieuwerssc;
Pernambuco, capitão Jan Jansen Vos;
Nacrdcn, cujo capitão ficou em terra por doente;
Pegasus, capitão Jan Florisscn Dolphyn;
Dc Leenxverick, capitão Dirk Cornclissc dc Jongc;
De Spicringh, capitão Jan Jansen Noorman;
Dc Vos, capitão Foek Fockcs;
Cculcn, capitão Jan Hcndrickscn Schacp.
As forças dc desembarque constavam dc SOS homens, distribuídos
por oito companhias. As munições de guerra estavam confiadas a Jacob
Elbcrlcscn Wissingh, como comissário, c a Jan Sines, como condutor. Não
lovavam artilharia, julgando suficiente a dos navios c a que esperavam
tomar no forte dos Reis Magos. Dispunham dc víveres para o abasteci­
mento das forças, tanto dc desembarque como dc guarnição dos navios,
durante nove semanas.
Na frota, sob o comando de Lichthardt, almirante da costa, embarca­
ram o delegado von Cculcn (um dos dois diretores da Companhia —
ele c Cysselingh —, que tinham vindo da Holanda com os últimos refor­
ços enviados para Pernambuco), o conselheiro Carpentier c o tenente-
coronel Byma, que comandava as oito companhias — quatro dc fuzileiros
v quatro dc mosqueteiros.
A expedição, recebidas as despedidas do diretor Gvsselingh e do co­
ronel Sigemund von Schkoppe, fez-se ao mar por volta das sete horas da
noite. Até o fim do dia seguinte, pouco avançou; e a 7, pela manhã, estava
na altura de Mamanguape, onde sc lhe incorporou um dos cruzeiros que
vigiavam o litoral paraibano, o do comando de Albert Smicnt. que to­
mara parle na viagem dc exploração realizada havia dois anos.
Nesse mesmo dia reuniu-se o conselho de oficiais, discutindo e resol­
vendo o plano de ataque do forte dos Reis Magos, que defendia a cidade
de Natal. Ficou assentado que as tropas atacantes desembarcassem duas
a tres léguas ao sul, cm Ponta Negra, marchando por terra contra o
forte, c que algumas embarcações (Overyssel, Tccr Veer, de Vlaermuis,
Campen, Pernambuco, De Leenxverick, De Spicringh e Ceulen) forças­
sem a barra, subindo o rio Potengi, a fim de apoiar por esse lado a sua ação.
Adotadas essas e outras providencias complementares, dissolveu-se o
conselho, tendo o tenente-coronel, chefe das forças, expedido aos seus
capitães as seguintes ordens:
“Quando se houver de operar o desembarque, farão proferir pelos
soldados uma prece, implorando ardentemente ao Senhor a sua graça
para a empresa que iam cometer, c cm seguida animá-los corajosamente
a sc portarem na ocasião iminente como leais c valorosos soldados, dc
acordo com a sua honra e juramento.
Deverão mais fornecer à sua gente pão para très dias c dois mar­
telos de vinho, antes dc sair dc bordo, c verificar que todas as bolsas c
patronas estejam bem fornecidas.
I

Uma \çz na terra, marcharão ba ordem seguinte:


As companhias do tenente-coronel e do capitão Maupas formarão a
vanguarda; as do nobre Sr. Delegado e do capitão Gaitsmann, a batalha;
as do major Cloppmbmch c do capitão 'roller, a retaguarda. Sendo as
duas primeiras companhias apertadas pelo inimigo, devem as duas ime­
diatas secundá-las, sem guardar ordens” (vide "Diário da Jornada ou ex­
pedição ao Rio Grande’, na ftccisla do Instituto Histórico é Geográfico do
Ido Grande do Norte, vol. IV).
Pelas sele horas da manhã de 8, a esquadrilha confrontava Ponta Ne­
gra c, aproando â terra, deixava nas proximidades da pequena angra que
ali existe os navios, para os quais, dc véspera, haviam sido transportadas
as tropas dc desembarque, indo cm seguida transpor a barra de Natal,
junto ao forte, cuja artilharia tentou inutilmente impedir-lhe a entrada.
Duas caravelas portuguesas, abandonadas pela guarnição, foram tomadas
sem dificuldade pelo almirante I.ichtbardt (essas caravelas deviam perten­
cer à infortimada expedição de Francisco de Vasconcelos da Cunha: vide,
entre outros. Bocha Pombo, opt. cit., vol. IV. notas as págs. 275 a 278 c
P. Rafael Galanti. Compendia dc História do Brasil, tomo II, págs. 71 e
75), que mandou ocupar as dunas, entre a povoaçâo c o forte, por uma
companhia comandada pelo major Vries e mais 150 marinheiros armados
dc mosquetes c sabres. Feito isto, aguardou a chegada das forças que
ficaram desembarcando cm Ponta Negra (as embarcações epic transporta­
vam essas forças dçviam ficar cruzando fora da barra, para evitar que o
forte fosse socorrido por mar).
Diz o Diário da Expedição: "Eram cerca dc onze horas, quando ter­
minou o desembarque c iniciamos a marcha. Antes dc desembarcar avis­
tamos dois ou tres portugueses a cavalo, com alguns negros, que, vendo-
nos saltar cm terra, sc puseram logo cm fuga: prosseguimos avançando,
sem encontrar resistência, nem alma viva; mas inferimos estar o inimigo
informado de que pretendíamos desembarcar naquele sítio e disposto a
vet.'.’.x a .v.\cta estAv-A hvAntad.A uma
trincheira, assente no topo de um renque dc colinas muito íngremes de
dois piques dc altura, que, ao desembarcar debaixo dela e flanqueá-la na
marcha, ninguém nela se apresentou.
Continuando a marchar na ordem prescrita, na distância dc dois tiros
de mosquete da praia, e sendo informados dc que a mesma, além de mui­
to estreita, na preamar ficava alagada, dirigimo-nos para o interior por
um passo, que também estava entrincheirado. Chegados ao planalto, divi­
samos ao largo uma vela aproando para os nossos navios ancorados na an-

58
gra, e logo presumimos fosse o Pegassus com a companhia de Mansvclt;
mas não esperamos por ela c prosseguimos na marcha.
O dia era extremamente cálido, o caminho muito penoso, devido a
areia solta, c na maior parte conduzindo através de um vale fechado de
altas dunas dc areia, que impediam fosse ventilado pela aragem maríti­
ma, de sorte que no decurso das duas primeiras horas dc marcha em parte
nenhuma encontramos água potável. Isto, porem, não obstou avançásse­
mos cclcremcnte, sc bem que alguns ficaram muito fatigados e abatidos,
sendo recolhidos pela retaguarda, o que não desanimou aos demais, que.
adiantando-se sem encontrar alguém, chegaram ale próximo ;i pequena
povoação, onde havia uma casa sobre uma eminência, da cpial nos fizeram
alguns tiros, para desgraça sua, pois, se não houvessem agredido, leriamos
passado avante sem atacá-la. à vista da ofensiva, porém, foi mandada
atacar por um sargento à frente dc 20 ou 30 soldados, que a tomaram c
fizeram boa presa, não tendo os portugueses tido tempo dc retirar os seus
bens.
Em seguida, pelas tres horas da tarde, chegamos à povoação ou aldeia
de Natal onde o tenente-coronel deixou parte da força, seguindo com o
resto em direção ao forte, distante uma hora dc marcha. Em caminho,
passamos uma ponte lançada sobre um riacho, a cpial o tenente-coronel
mandou ocupar c continuou avançando até avistar a nossa gente acampa­
da junto às dunas próximas ao forte, epic primeiro tomamos por inimigos;
mas verificando serem dos nossos, o tenente-coronel fez alto junto à duna
e ordenou à gente que ficara na povoação que a ele sc reunisse, c, reali­
zando-se isto' com prontidão, ao pôr-do-sol acampamos todos.
Entrementes, o tenente-coronel examinou dc perto o forte c a situação
das suas adjacências. O acampamento estava situado à distância dc um
tiro de fuzil do forte; mas, abrigado do fogo do mesmo por uma duna, o
inimigo atirava sem descanso, com mosquetes e canhões, ao que corres­
pondiam os nossos mosqueteiros de detrás da colina.
À tarde transportou-se o sr. von Cculcn para bordo do Ovcrvssel,
fazendo o inimigo alguns tiros, indo cair uma das balas junto à proa do
Ovcrysscl, o que Joachim Gysen não quis deixar passar sem resposta, c
fez quatro ou cinco disparos contra o forte, com pontaria certeira, que
varou algumas das casas. Rctorquindo, os contrários lançaram uma palan-
quota na câmara do Overyssd. fazendo voar estilhaços e uma tina dc
sobre o sr. von Ceulen e os outros capitães que com ele estavam jantan­
do, sem contudo molestar ou ferir ninguém; mas. acertasse o tiro um pou­
co mais acima, c teria levado do sr. von Cculcn ambas as pernas.
Nesta tarde, deu-se ordem para pòr cm terra os morteiros, granadas,
balas ardentes e mais munições de guerra, porquanto o sr. tenente-coronel
tencionava, servir-se delas no dia seguinte, pelo que determinou o sr. von
Cculcn qde tudo o que fosse dc primeira necessidade sc aprestasse sem
demora e com zelo.

59
Os dias 9 c 10 foram consumidos no desembarque dc artilharia, na
construção de trincheiras e aproches, no dcconhecimculo do terreno, em
explorações ao longo do rio, na expedição dc recados aos índios inimigos
dos portugueses, para que viessem, com a sua gente, ajudar o sítio c firmar
aliança, cm uma ligeira escaramuça na ponta do Morcego, na batida dos
arredores, nn busca dc informações seguras sobre o estado do forte, onde
segundo o sargcjilo-mor, qdc fora feito prisioneiro, escasseavam os víveres,
não havendo mais do que farinha c água c um pouco dc vinho.
A 11, a situação caminhava para o dcscnlace. Os holandeses com
forças muitas vezes superiores — em terra, onde, alem do mais, haviam
conseguido montar baterias nas colinas c dunas próximas ao forte, c sobre
águas, onde dispunham dc uma esquadrilha rclalivnmcntc poderosa —
estavam preparados para precipitá-lo, a saldo dc desastres, no momento
em qnc quisessem. Entenderam, porem — para aparentar uma correção
c lealdade militares, que raramcnlc deixaram de. desmentir no curso da
longa campanha que sustcntaram nas capitanias do Norte — dc dirigir
uma carta ao capitão-mor, Pedro Mendes dc Couveia, ponderando-lhe
que. embora ali estivessem para se apoderar da fortaleza c contassem com
elementos suficientes para faze-lo. não queriam prosseguir nas operações
de guerra sem primeiro oferecer-lhe as melhores condições, caso sc resol­
vesse a entregá-la desde logo, acrescentando que, não aceitando, não pode­
ría mais esperar obtc-las. quando as coisas chegassem ao extremo. Essa
carta foi enviada por um tambor r recebida do alto das muralhas do forte.
Eis a resposta do capitão-mor:
“Estou bem certo das boas disposições e cortesia de V. Ex *, como
bom soldado que é. cm todos os assuntos e principalmenlc nos negócios da
guerra; mas V. Ex* deve saber que este forte foi confiado minha guarda
por S. M. Católica, c só a ela ou a alguém de sua ordem o posso entregar
c a mais ninguém, preferindo perder mil vidas a fazê-lo, c do mesmo espí­
rito se acham animados todos os meus companheiros, achando-nos bem
providos dc todo o necessário.” Pouco depois rompia o fogo entre o forte
c as barreiras dc terra, secundadas pelos canhões dos vasos de guerra, fogo
que foi sustentado com vigor dc parte a parte, durante três horas, quando
houve uma pequena trégua, para recomeçar cm seguida com a mesma in­
tensidade. Os estragos no forte foram grandes, sendo demolidos para­
peitos c bastiões, descobertas e desmontadas diversas peças. Algumas gra­
nadas produziram danos consideráveis. As seis horas da tarde, enfraque­
cida a resistência, os sitiantes suspenderam o bombardeio, levando Ioda a
noite a construir mais uma trincheira, para a qual transportaram artilharia
dc bordo, desembreando armamentos c munições, reforçando com mari­
nheiros as tropas dc terra c. alarmando o inimigo com gritos e loques dc
corneta, ao mesmo tempo que simulavam avançadas para escalar o forte.
Lê-se no Diário do Expedição: “Ao amanhecer o dia, vimos flutuando
sobre os muros do forte uma bandeira branca, que, porém, foi logo reti­
rada. Pouco depois veio um homem trazendo uma carta cm que os,do forte
pediam para parlamentar, solicitando para esse fim um<^rmistícló. A carta

60
não era assinada pelo capitão-mor, pelo que o sr. tcnente-coroncl quis fa­
ze-la voltar pelo portador; mas este alegou que, sc o capitão-mor não linha
assinado, os que a haviam feito se comprometiam, depois do acordo feito,
a entregar-nos o forte. Foi-lhes, portanto, concedido o armistício pedido,
c mandou-se-lhes como resposta um salvo-conduto para quem resolvessem
designar para conosco parlamentar, sendo enviado o capitão Maulpas co­
mo refém.
Enquanto isso se passava, os srs, von Ceulen c Carpentier vieram
terra c comunicaram ao sr. tcnente-coroncl o ocorrido; e, chegando logo
depois ao forte o capitão c um ajudante, após breve debate foi concluído
o seguinte acordo: Seria permitido a todos os soldados saírem com as suas
armas c bagagens, dando-lhes embarcações que os transportassem rio
acima para Potigi, ou outro lugar que escolhessem, sob a condição de en­
tregarem o forte com todas as suas munições, artilharia, pólvora e o mais
que nele houvesse, devendo também deixar a sua bandeira, e acresccn-
tuu-se mais a seu pedido: “Declaro que este contrato c feito por todos os
oficiais c soldados do forte, porquanto o capitão-mor jaz demasiado gra-
vemcnlc ferido para faze-lo.”
Eslava assinado: cap. Sebastian) V inhero Coelho (Sebastião Pinheiro
Coelho), que com cie voltou ao forte, a fim de mostrá-lo aos outros.
Regressando, apresentou o capitão mais os seguintes aditamentos: que
a pessoa do capitão-mor, seus criados, bagagem, prata, dinheiro c annas,
c com ele o capitão P. Vaz Pinto, provedor da Fazenda Real, fossem
tratados da mesma sorte, conccdcndo-sc-lhcs dcmorarcm-sc seis dias, tem­
po dc que haviam necessidade, a fim dc mandar buscar cavalos c criados
que os acompanhassem, para poderem viajar com segurança, e que com
eles saíssem o Sr. Manuel Pita Ortigucira, seus criados c a bandeira,
não sendo justo que isto lhes recusassem, porquanto pediam para sc ga­
rantirem dos habitantes do país Ou selvagens, c que aos mencionados
capitães fosse permitido saírem e voltarem com licença do general. Tudo
lhes foi concedido, com exceção da saída da bandeira c da ida c volta
dos mencionados capitães.
Assim que foi firmada a capitulação, logo sc deu ordem aos navios
para sc aproximarem do forte a fim dc receberem os soldados inimigos
e as suas bagagens e transportá-las, e delibcrou-sc que o sr. diretor dele­
gado, cm companhia do sr. tenente-coronel c do major Cloppcnburch,
sc aprontassem para serem os primeiros a entrar no forte. Enlremcnles,
os srs. von Ceulen, tcnente-coroncl comandante c Carpentier deram uma
volta por fora do forte e encontraram, ao lado oeste, ao pc da muralha,
caído por terra, um brasiliensc todo coberto de sangue. Muito nos sur­
preendeu isto, mas pensamos que talvez houvesse sido morto na véspera,
e passamos adiante.
Concluída a volta, penetramos no forte à frente de nossa gente e
nos dirigimos a visitar o capitão-mor, que jazia ferido e muito se nos
queixou de haverem os seus soldados assim entregado o forte contra a

61
sua vontade, retirando furtivamente à noite as respectivas chaves da sua
cabeceira, estando ele a morrer ao serviço do seu rei. Em seguida nos
foram entregues as chaves do forte c dc todos os armazéns, que exami­
namos rapidamente, devendo ser amanhã o seu conteúdo devidamente
inventariado.
Na ocasião cm que a gente ou soldados do inimigo deviam partir
c sc dispunham a sair, notamos que todos conduziam um saco com pól­
vora, que lhes fizemos tomar, dando-lhes cm compensação quantidade
razoável c proporcional às suas necessidades, feito o que embarcaram
todos nos botes.
Dentro do forte ficaram do inimigo cinco ou seis feridos, entre os
quais o condcstável, a quem uma bala arrancara o braço c epic nem sequer
ainda fora pensado, e o mesmo sucedia ao próprio capitão-mor, por não
tcicm nem cirurgião nem medicamentos pelo que logo sc determinou
fosse chamado um dos nossos cirurgiões, dc nome Mister Nicolacs, a fim
de tratar do capitão-mor c dos demais feridos. Ficaram ainda 10 ou
12 soldados inimigos aprisionados nas caravelas, que haviam sido recru­
tados à força cm Portugal, c pediam passagem para sair do Brasil: dis­
tribuímo-los pelos navios, a fim dc mandá-los para o Recife c na primeira
ocasião faze-los seguir para a Europa.
Soubemos lambem que a última granada que caiu dentro do forte
fez cm quatro pedaços a um cavalo, conquanto não pudéssemos infor­
mar-nos do estrago que fizera entre a gente; mas ouvimos dizer que
muito sc temiam os defensores do forte das granadas. Com relação a ví­
veres, nada encontramos, além dc um paiol dc farinha, algumas pipas
de água e cerca dc uma e meia pipa de vinho. Havia abundância dc
munições de guerra.
O brasilicnsc. que encontramos ao pé da muralha, soubemos ser o
chefe de uma aldeia dos mesmos, e qnc havia muito tempo eslava preso, S
por sc suspeitar que era inclinado aos holandeses.
Os portugueses, certos dc que, após a entrega do forte, ele sc passa­
ria para o nosso lado, o estrangularam c o lançaram por cima da muralha.
A guarnição do forte montava acerca dc 80 homens (não combinam
os autores sobre o efetivo da guarnição, indo dc -10 ale 90 homens, nem
quanto ao número dc peças encontradas, que para alguns foi dc 13, para
outros de 9 canhões fundidos c 22 dc ferro, etc.).
Atendendo a que o prolongamento da resistência daria lugar à che­
gada das forças dc socorro que já haviam seguido da Paraíba, impedindo
talvez a capitulação, alguns escritores são dc parecer que houve traição
por parte dos defensores do forte.
Desta opinião é Southey, quando diz que Calabar fez trato com dois
prisioneiros (pie seduziram a guarnição e venderam a praça, depois dc
ferido o capitão-mor.

62
Não há provas desse fato, de que falam tambcin outros historiadores,
mas não c impossível que seja verdadeiro, porque, ao tempo, correu como
certo que tinha havido maranha na entrega do forte (Diogo Lopes de
Santiago, “História da Guerra de Pernambuco c Feitos Memoráveis do
Mestre dc Campo João Fernandes Vieira”, na Revista de Instituto His­
tórico Brasileiro, tomos 3S e 43. Este trabalho c, como o “Valeroso Lu-
cidcno”, dc frei Manuel Calado, o “Castriolo Lusitano”, de frei Rafael
dc Jesus, as “Memórias Diárias”, dc Duarte Coelho, ele., uma excelente
fonte dc informações sobre os sucessos ocorridos durante o domínio ho­
landês).
Se houve, entretanto, a traição, não foi, por certo, do capitão-mor
Pedro Mendes dc Gouveia, (pie, segundo documentos insuspeitos, dc ori­
gem holandesa, estava gravemente ferido (vide sobre este ponto Porto
Seguro, Holandeses no Brasil, cit., Rocha Pombo, op. cit., frei Rafael de
Jesus, op. cit., Calanli, op. cit., etc.).
Foi nessa ocasião, quando os holandeses ocuparam o forte dos Reis
Magos, que a crônica registrou c a história nos tem transmitido o exemplo
dc fidelidade dado por Jaguarari, mantendo-se leal aos portugueses, dc
quem recebera as maiores injúrias c afrontas: “Oito anos jazia ali cm
ferros (desde 1625) um índio, chamado pelos seus jaguarari, c Simão
Soares pelos portugueses.”
Acusavam-no do crime de haver naquela época (quando os invasores
estiveram na Baía da Traição) desertado para os holandeses; mas o chefe
selvagem protestava contra a acusação, asseverando ter ido unicamente
buscar sua mulher c filho, que tinham caído nas mãos do inimigo. Aos
juizes ‘faltava virtude própria para acreditar na alheia, e, apesar dc ser
o índio tio de Camarão, o melhor aliado dos portugueses, tinham-no
estes conservado oito anos em cárcere tão duro. Os holandeses puscram-
i/o cm liberdade. Imediatamente foi ele ter com. a sua tribo: “Sangram
ainda, disse, os sinais das minhas cadeias; mas c a culpa, não o castigo,
que infama. Quanto pior mc trataram os portugueses, tanto maior será
o vosso c o meu merecimento conservando-nos fieis ao serviço deles,
cspccialmcntc quando o inimigo os aperta.”
Ouviram-lhe os seus as razões, e ele levou aos seus opressores um
corpo dc aliados constantes, com os quais os serviu tão bem, que mereceu
na história menção honrosa.
Porto Seguro não dá inteiro credito a essa narração. Certifica, po­
rem, a firmeza com que vários chefes indígenas se identificaram com a
causa dos colonizadores, apesar da sua volubilidade; e, quanto a Jaguara-
iL_pensa que não deve ter influído pouco para o seu proccdimcnfo "2T
circunstância de ser tio de Camarão, já agraciado com brasão de armas
e quarenta mil reis de soldo, e feito capitão-mor dos índios jqJliasil
(carta regia de 14 de maio de 1633). Fosse por que fosse, o que é in­
contestável é que ele, pelos seus serviços, veio a receber mais tarde,

63
pela carta regia de 14 dç setembro de 1638, unia pensão de cento e
cinquenta _rÚHr-Hrr sol dó. —____ ____
Tomado o forte, trataram os invasores dc conquistar a capitania, o
que lhes foi fácil, pobre e quase despovoada como era.
No dia seguinte à capitulação (13 de dezembro), mandaram duas
companhias — as dos capitães Maulpas c Hendrick Frederick — acompa­
nhadas dc sessenta marinheiros, a Jcnipabu (lugarejo na costa, ao norte,
nas proximidades dc Natal), donde, sem oposição de quem quer que
fosse, trouxeram no dia imediato 35 cabeças dc gado para abastecimento
das foiças. O exilo dessa empresa levou-os n organizar, ainda a 14, uma
expedição ao interior, ’’devendo ir ao lugar onde constava possuir o ini­
migo mu povoado ou. pulo menos, um engenho c roças, aconietcndo-o
e dispersando-o". Para essa expedição, foram escalados 30 homens dc
cada companhia.
Comandava-a o major Cloppenbiirch, com quem seguiram lambem
o capitão Felior c o capitão-tenenlc Cornclio vau Uxscl.
Embarcando-se cm lies grandes botes dc vela c tres botes dos navios,
seguiu rio acima ale o passo do Potigi, donde continuou a marcha por
terra. Sabido que na capitania só havia então dois engenhos — o Ferreiro
Torto c o Cunhaú — e só tendo sido este último assaltado posterior­
mente. c fora dc dúvida que os expedicionários se dirigiram ao primeiro.
A descrição do que sucedeu indica-o ciaramcntc:
’’Esta tarde (de 15) regressou a expedição saída ontem, referindo
que, logo que ontem desembarcaram na passagem de Potigi, foram des­
cobertos por alguns dos inimigos ali dc vigia, dos quais mataram alguns
c fizeram prisioneiro a um velho, que’ aliás não pertencia à referida
guarda; avançando, por espaço de tres léguas, para o interior do país,
até chegarem a um estreito passo, cm cuja extremidade havia uma pla­
nície, onde os esperava o inimigo, derribando logo com a primeira des­
carga a quatro ou cinco dos nossos; mas, acometidos com resolução,
puseram-se em fuga, apesar de numerosos constando principalmcnlc dos
soldados c moradores saídos do forte c de muitos brasileiros, qnc pouco
os secundaram; prosseguindo na marcha por algum tempo, chegaram a
um pântano que teriam de atravessar para alcançar o engenho, e, como
fossem diminutas as nossas forças c ignoradas as do inimigo, foi deli­
berado bater em retirada, tanto mais quanto o velho prisioneiro declarou
que da Paraíba era esperado um socorro dc 300 soldados, que estavam
já em caminho e deviam chegar a qualquer hora; trouxeram o referido
prisioneiro c afirmaram terem ficado mortos vários dos inimigos; o seu
chefe parece ser P. Vaz Pinto, que sc ausentou do forte sem licença,
apesar dc ter pedido para ficar com o capitão-mor e poder sair e voltar,
a fim dc obter galinhas c outros víveres para o mesmo, sendo-lhe per­
mitido ficar, mas não sair c voltar, pelo que dc uma feita sc ausentou,
não regressando mais. O seu intento está agora patente.”
Esse engenho pertencia a Francisco Coelho (Ferreiro Torto é ainda
hoje o nome dc um engenho situado à margem direita do rio Jundiaí c
à pequena distância dc Macaíba. É possível que o primitivo engenho não
tivesse sido construído no mesmo lugar do atual; mas devia ficar nas
suas imediações. Vide as sesmarias concedidas a Francisco Coelho de
1602 a 1611, sob n.°® 42, 104, 143 c 171, na Revista do Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte, vol. VII), c a ele se haviam
recolhido P. Vaz Pinto, provedor da Fazenda Real, moradores dc Natal
e dos lugares próximos, c diversas pessoas, que, depois da capitulação,
abandonaram o forte, todos naturalmcntc embalados pela ilusão dc que
auxílios valiosos lhes seriam enviados da Paraíba e Pernambuco.
Aguardava-os, como aconteceu aos habitantes das outras capitanias,
a mais dolorosa decepção, porque, repelidos a princípios, os holandeses,
sem desistir dc seus sombrios e tenebrosos planos de dominação, volta­
riam, como voltaram, a esmagá-los com a mais revoltante crueldade,
/ secundados pelos tapuias das^fci.aze.s. tribos dos janduís, cujo concurso
/ "’JnVüCãram. Estes, quê-viviam nas ribeiras do ?AçCT^'J^Suar^c> buscando
os sertões dc Pernambuco e da Bahia, desceram ao seu primeiro cha­
mado, cm número dc trezentos, c, nos impulsos de sua barbaria, esti­
mulada pela perversidade de Calabar, caíram sobre o engenho, onde viti­
maram o capitão Francisco Coelho, toda sua família (mulher c cinco
filhos) c sessenta pessoas que nele sc haviam refugiado, praticando ali,
c em toda parte por onde passaram depois, atos dc requintada selvage-
ria, que, conforme pondera o P. Rafael Calanli, nem sempre a decência
permite referir, c que lhes granjearam maior fama do que aquela de
que gozavam os próprios invasores, abominados pelas suas conhecidas
atrocidades.
Na capital,'os holandeses não ficaram inativos.
A 13, despachavam o iate De Spieringh, para levar ao Recife a notí­
cia dc seu triunfo, desmontavam as baterias de terra, reembarcavam os
canhões, arrasavam as trincheiras construídas nas dunas, iniciavam o
inventário do que fora encontrado no forte, retirando para bordo o que
pareceu dispensável c inspecionavam cuidadosamente as forças. A 14,
faziam descarregar as caravelas que Lichthardt apreendera ao chegar,
continuavam o inventário começado na véspera, transferiam o seu acam­
pamento para Natal, ponto que julgaram preferível para melhor vigiar
a terra, e deixavam no forte apenas uma companhia para guamecè-lo.
A 15, continuvam o serviço de descarga das caravelas, orçavam as muni­
ções de boca e de guerra que convinha deixar no forte, para o qual
nomeavam comandante o capitão Gartsmann c sargento Willen Coek, de­
signavam os oficiais subalternos que com eles deviam ficar, determinavam
aue a guarnição da praça seria de 140 soldados que, alcrn de mosquetes,
disporiam. também de escopetas, arma mais própria para as batidas ao
interior, fesolviam apressar a volta da esquadra c das forças desnecessárias
para Pernambuco, e tinham conhecimento do insucesso da expedição ao

65
Ferreiro Torto. A 16, concluíam o inventário iniciado dois dias antes, e
interrogavam o velho que os expedicionários haviam feito prisioneiro,
pondo-o em liberdade e permitindo que ficasse morando na capitania sob
a promessa dc que movería outros moradores a submeter-se aos novos
senhores, que lhes escreveram nos seguintes termos: “Saibam os habi­
tantes deste país que tomamos à viva força o forte c que o abastecemos
de todo o necessário, a fim de manter a nossa conquista; q saibam mais
todos aqueles que desejarem ficar pacificamcnte morando nas suas casas
que devem vir dcclará-lo no prazo de tres dias; do contrário sc usará
contra eles todo o rigor, tralando-os como nossos inimigos, incendiando
as suas habitações c destruindo os seus bens/' A 17. retiravam duas peças
dc bronze, ainda existentes cm uma das caravelas, c os mastros dc
ambas, levantavam a planta da entrada da barra e do rio, c concediam
licença a um dos portugueses que estavam em companhia do capitão-
mor, para que, livre e som ser molestado, permanecesse muna casinha
que tinha nas vizinhanças da cidade, dizendo-lhe. que não só rlc, como
os que quisessem prestar juramento de fidelidade c pagar todos os tri­
butos costumados até então, não seriam incomodados. A 18, ordenavam
que todos fossem fazer aguada para o forte, enchendo as pipas, barris
e potes que fossem encontrados, ouviam a primeira predica que o seu
pastor fazia na igrejinha que servia de matriz, c convidavam o capitão-
mor a adiantar a sua partida. A 19, completavam a provisão dc água
dc que precisava o forte c deliberavam embarcar o capitão-mor na
Den Phenix que devia seguir, como de falo seguiu, no dia imediato,
para o Recife, com a comunicação do regresso da frota. A 20, ultimavam
os preparativos da viagem, davam ao forte o nome dc Cculcn, faziam
marchar as tropas de seu acampamento para o porto dc embarque c
reccbiam-nas a bordo. A 21, finalmcnte, transpunham a barra, chegando
a Pernambuco a 27.
A conquista estava feita e sobre a capitania ia pesar agora, intole­
rante c desumana, a tirania militar que devia oprimir, mais tarde, a pe-
í quena população dc colonos existentes, dizimando-a cm horríveis carni-
! ficinas depois dc despojá-la, pelo saque c pelo roubo, de seus poucos
1 haveres. fera estas empresas, contava o capitão Çartsmann, comandante
do forte, com o auxíli^val.ioso dn
* *
mrlíynn nlindnx. cuias proezas fica-
ram accmalartnr^nrknrtnç dc yimnarráví»! vandalismo. no seimndo assalto
do FerreinfTõrto. A este seguiu-se, nos pfiíTOlrüslhcscs dc 1634. o ataque
^^GinKaú, onde, surpreendido durante a noite por tropas regulares c
tapuias} o capitão Álvaro Fragoso perdeu onze dos defensores das for-
Wícações, ficando prisioneiros ele e mais treze companheiros (Rocha
Pombo, op. cit., vol. IV, pág. 286; P. Rafael Galanti, op. cit., tomo II,
pág. 7S; etc.). O resto da guarnição conseguiu evadir-se, escapando
assim, juntamente com os moradores que fugiram a tempo, "às horrendas1
e execráveis crueldades que ali exercitou a barbaridade e o ódio, apos-,
tados em excederem-se o herege e o gentio”. Não perdoou a espada nem
o sexo, nem a idade; não respeitou a rapacidadc nem o sagrado, nem o
profano...
“A ferro e a fogo, perderam a vida perto de cinquenta pessoas...”
(Diogo Lopes Santiago, tomo 3S, pág. 320, da Revista do Instituto His­
tórico Brasileiro; frei Rafael de Jesus, op. cit., págs. 92 e 93; etc.).
Senhores de Natal e destruídos os núcleos principais de população,
que eram os dois engenhos — Ferreiro Torto e Cunhaú — os invasores
puderam impor, sem contrastes, o seu inexorável jugo, e os que não qui­
seram submeter-se ou pagaram com a vida a sua rebeldia, ou foram
procurar abrigo no Arraial do Çom Jcsi^, oncleJMatias-4e- Albuquerque
ainda se mantinha firme e inabaIXve! maHcfcsa da terra, dirigindo as
companhias dc bravos que, alternando o serviço das armas com o da
agricultura, assediavam o Recife, impedindo as comunicações com o in­
terior. *
De algumas centenas dc colonòs que havia na capitania, pequeno
foi o número dos que nela se conservaram, suportando resignadamente
a sua triste sorte: a grande maioria foi dispersada pela morte ou pela
. fuga. Mas esta não seria solução para o seu desepero, porque já então
descambava para o oceano o sol que iluminara os dias gloriosos da
primeira fase da luta com os flamengos, c os sucessos iam desdobrar-se
mais rapidamente. Ao abandono do Rio Grande do Norte seguir-sc-ia,
meses depois, a capitulação do Paraíba, c os repetidos desastres dos
pernambucanos forçariam todos, de derrota cm derrota, a empreender,
cm julho de 1635, a retirada para Alagoas, alravcs dc mil perigos c difi­
culdades, por estradas que eram abertas na ocasião c que jamais haviam
sido trilhadas. A marcha operou-se Icntamente, e só dez dias depois che­
gava o imenso comboio às imediações dc Porto Calvo, onde o combale
sc tomou inevitável. Guardavam essas paragens fortes c aguerridos con­
tingentes de forças holandesas, sob o comando de Picard, achando-se
entre elas Domingos Calabar.

Escaramuças c refregas sangrentas, em que foi decisivo o auxílio de


Sebastião dc Souto, foram o início da luta, que só terminou a 19 dc
julho, quando o major Picard, forçado pelas circunstâncias, propôs a
capitulação, que foi concedida com a condição dc seguir com a sua
gente e bagagens para a Bahia, dondemsfiriam todos conduzidos a Ho­
landa. Dessa capitulação foi excluídó^Calabar;, condenado a "morrer en­
forcado c esquartejado, por traidor aleiVoso'à sua Pátria c ao Rei e
Senhor, e por os muitos males, agravos, furtos e extorsões que havia
feito c foi causa dc sc fazerem aos moradores de Pernambuco...”
Ao cair da noite de 22, era a sentença executada, dando-se a Calabar
morte de garrote, c csquartcjando-sc o seu corpo, que nem enterrado
foi. Em seguida, os restos das forças de Matias de Albuquerque deixaram
Porto Calvo, procurando Alagoas, e trés dias depois aquela vila, que a
Duarte dc Albuquerque aprouve denominar de Bom Sucesso, nome que
não conservou, era ocupada novamente pelos holandeses, que se entrin­
cheiraram ali, em Pirapueira e em outros pontos, obstando as comunica­
ções com Pernambuco pela costa.
A Metrópole, reconhecendo a ameaça que a ocupação estrangeira
representa para a integridade do domínio luso-espanhol, parece resol­
ver-se, por íim, a enviar auxílios poderosos para a colônia; mas, ainda
desta vez. as suas intenções não se traduzem por fatos. Fracassa a orga­
nização da projetada expedição, que sc reduz, afinal, a um socorro dc
mil c setecentos homens, sob o comando de 1.1 Luís dc Bojas y Borjas,
o qual, com o posto de meslrc-de-campo, deviar substituir Matias de Al­
buquerque como governador e superintendente na guerra. Esse socorro
desembarcou a 2S dc novembro de 1635 em Jaraguá (Alagoas), donde
a esquadra que o trouxe seguiu para a Bahia, conduzindo o novo gover­
nador geral Pedro da Silva, depois conde dc São 1«ourcnço, nomeado
para suceder a Diogo Luís de Oliveira.

A 16 dc dezembro Matias de Albuquerque, que na véspera entre­


gara o comando, deixava o exercito, a íim de retirar-se para a Europa,
cm cumprimento das ordens que recebera do governo. Bnlera-.se com
desassombro c fhmeza durante quase seis anos, aliando as suas excep­
cionais qualidades dc comando ;i energia, à constância, à prudência 2
à mais justa e merecida reputação de honradez, 0 que lhe valeu na hora
da separação, ser acompanhado por um sentimento geral de saudade,
única homenagem que lhe podiam prestar naquele instante os seus com­
panheiros de armas e os emigrados, que, ainda cm meio dos tocantes
episódios da retirada, iam dispersar-se agora em procura de refúgio na
Bahia c no Rio.

D. Luís de Rojas, ardoroso e destemido, é morto pouco depois no


combate de Mata Redonda, sendo substituído pelo conde dc Bagnuolo,
que impulsionou a guerra de recursos, pela qual bandos armados, di­
rigidos, entre outros, por Filipe Camarão, Henrique Dias, Francisco
Rebelo, Estevão Távora, Sebastião Souto c Vidal cíc Negreiros, manti­
nham em desassossego os moradores dos campos, levando as suas incur­
sões a Scrinhaém, lpojuca, Cabo, São Lourenço, M uri beca, llamarnuá,
Goiana e demais povoados da região entre Paraiba e Alagoas. Tais guer­
rilhas demonstravam bem a fé ínqucbrantável daqueles combatentes.
Foram, porém, uma causa a mais para a inquietação dos colonos, por­
que, organizada a reação pelos holandeses, começaram a ser perseguidos
ora pelos terços de emboscada, como traidores à Pátria, ora pelos inva­
sores. perversos c férteis nos processos dc tortura que inventaram para
trucidá-los, quando não por uns c outros, o que era mais comum. "Cessa­
ra toda a segurança individual, em toda parte grassava o terror; a car­
nificina _C o incêndio eram o ún:co expoente da. raiva c da vingança”.
E a população, cansada dc tantos martírios, oscilava indecisa entre os
dois partidos cm luta, porque, sc dc um lado “as legiões que têm o seu
quartel em Porto Calvo fazem correrías, dão assaltos, espalham o pâni­
co, e fogem e desaparecem”, de outro os intrusos estão, dc fato, senho­
res das terras.
A situação loca assim ao seu extremo; a vitória incl;nar-sc-ia, forço-
samente, para os que interviessem com elementos decisivos nara domina
*
la. O governo da Metrópole não quis, íião pódtó ou não soube cumprir o
sguJçy£J4--c os flamengos, "mudando a orientação da conquista, de mo­
do a torná-la compatível c conciliávcl com os sentimentos das populações
conquistadas
* ’, conseguem, enfim, consolidar a ocupação. Encerra se o
c.’clo da resistência oposta a esta, e só mais (arde, anos decorridos, se
renovará, numa constância que assombra c numa abnegação que não
tem limites, a nova cruzada para a libertação das capitanias, onde a
Companhia das índias Ocidentais sc transformara dc sociedade mercan­
til cm soberana territorial; mas, ate lá, epic serie dc sofrimentos c decep­
ções, epic longa agonia dc esperanças c entusiasmos!.. .
Oliveira Lma (História dc Pernambuco, pág. 63) diz que a histó­
ria do Brasil holandês principia verdadeiramenlc nesse momento, e pode
dividir-se cm tres períodos: o da conquista, que começa em 1630 com a
tomada dc Olinda c do Recife, c termina em 1637 com a chegada dc ;
Maurício de Nassau, já então ganha toda a costa do Rio Grande do
Norte ao Rio Formoso; o da administração, de 1637 a 1642, sob o influ­
xo do ilustre príncipe, o qual ainda alargou a esfera de seu governo, para
o norte até o Maranhão, e para o sul ate Sergipe; c o da resistência,
encetada cm 1642 pela sublcvação do Maranhão, e que foi adquirindo \
consistência com a retirada do conde, ale as vitórias dos montes Guara-
rapes e a final expulsão do inimigo em 1654.
Ao abrir-se o segundo período do domínio holandês, tudo era deso­
lação c miséria nas zonas conquistadas, impondo-se aos invasores a ne­
cessidade de concentrar a ndnvnistração cní mãos de governante inte­
ligente, “severo para coibir os abusos, hábil para acalmar os espíritos,
enérgico para restabelecer a ordem no serviço militar e civil”.'

A escolha recai em João Maurício, conde e depois príncipe de Nas­
sau, que inicia no Brasil uma nova era d? desenvolvimento material
reconstrução política, e a cuja alta capacidade e superior descortino sc
devem, por exceção, durante o domínio holandês, serviços realmente
valiosos. Moço, entusiasta, “educação como todos os Nassaus, nas univer­
sidades holandesas e suíças, focos de intensa cultura intelectual c da
máxima liberdade científica, onde bebem o leite fecundo, revolucioná­
rio c sensualista da Renascença”, guerreiro que sc fizera ilustre na longa
campanha dos Países Baixos, ambicioso dc glória, de poder e de fortuna,
o governador, a quem fora dada a árdua incumbência de encaminhar
com prudência a solução do problema da colonização flamenga na Amé­
rica, não sc podia adstringir às conveniências c interesses de uma em­
presa comercial. Com as notáveis aptidões administrativas que revelou c
com a sua incontestável visão de nomern de Estado, tinha que pairar,
fatalmcnle, cm plano mais elevado, para não ser no Novo Mundo — onde
sua ação despertaria a idéia da fundação de uma monarquia particular,

69
no dizer expressivo dos representantes da Câmara dc Olinda — um sim­
ples procurador dc negociantes, paia quem o lucro era a preocupação
única, absorvente, exclusivista. O dissídio entre, a sua c a orientação dos
diretores da Companhia seria, pois, inevitável, c nele se encontra, nã
maioria dos casos, a explicação dc erros e desvios que cometeu algumas
vezes, dcslustrando a nobreza dc seus sentimentos c a intuição que ti
nha do cumprimento do dever. Mesmo assim, o seu governo íoi um cla­
rão de aurora na noite dc despotismo e anarquia que pesava sobre o
Brasil holandês, entregue as explorações c instintos mercantilistas de
dominadores tiranos. Aceitando a dominação com amplos poderes, pô­
de, com a autonomia administrativa dc qnc dispunha, realizar uma gran­
de obra, reorganizando o exercito, distribuindo convcnientcmcnlc as for­
ças e assegurando-lhes abastecimento dc víveres e munições de guerra,
melhorando as fortificações existentes e construindo outras, criando as
companhias dc milícias, regulando os casamentos mistos quanto a na- i
cionalidade e religião, procurando normalizar o exercício do culto c re­
solver todas as questões relativas à legislação c â língua, preocupando-se
com a escravidão dos negros c dos índios, esforçando-se por incorporar
estes últimos à sociedade e elevá-los moral e intelectualmente, lançando
suas vistas para o povoamento do solo c para a liberdade dc comercio,
precipitando a solução do problema econômico, abrindo estradas, uni­
ficando o sistema dc pesos e medidas, interessando os portugueses na
solução dos problemas coloniais c ensaiando o regimen das assembléias,
promovendo explorações e entradas no interior, cuidando da assistência
c da instrução, contemporizando tolcrantcmentc com os usos c costumes
do povo, realizando grandes melhoramentos materiais, estudando o lito­
ral e os portos, as zonas próximas aos núcleos de população mais ou
menos fixa e o sertão, agindo, finalmcnte, com superior elevação de
vistas cm todos os departamentos do governo, c não desdenhando mesmo
de aproveitar o concurso dos que o cercavam, para acumular um patri­
mônio de grandes conquistas em favor das ciências e artes (sobre o go­
verno de Nassau, vide, entre outros nosso trabalho Domínio Ilolandcs no
Brasil c os autores neles citados).

Há na simples enumeração, que acabamos de fazer, uma prova ine­


quívoca da capacidade dirigente de Nassau, que, em outro meio, dadas
outras condições e livre de fatores diversos que sobre ele atuavam, teria
sido, sem dúvida, um grande estadista.

Como administrador, a sua obra por excelência, aquela que lhe deu
fama c renome, foi Mauritsstad (a cidade Maurícia), que se estendia
pela ilha de Antônio Vaz (atual bairro de Santo Antônio, no Recife), li­
gada à antiga povoaçâo e ao continente por pontes, embelezada com edi­
fícios grandiosos para o tempo, fortificada, saneada, ajardinada, c ofe­
recendo, já então, um relativo conforto. Afora isto, o que realça o seu
governo é a sua tendência liberal, o feitio de seu espírito, sempre pro-

70
penso às coisas da inteligência, o seu culto pela natureza, o seu senti­
mento do belo, o seu amor apaixonado pelos mais elevados ideais da
humanidade. Ele era, sobretudo, um temperamento delicado dc artista,
c c essa feição pessoal o que nele mais atrai c seduz.
No ponto de vista militar, teve, a princípio, os maiores sucessos; mas
a tentai iva frustrada da tomada da Bahia, cm 1638, contribuiu dóceis iva­
mente para amortccc-los, despertando, ao mesmo tempo, a corte et»
Madri, que sc apressou cm organizar, nessa ocasião, a lamosa esquadra
do conde da Torre, D. Fernando Mascarcnhas, conduzindo numerosas
forças portuguesas c espanholas cm socorro da colônia. Essa esquadra
passou, cm 23 dc janeiro dc 1639, à vista do Recife, que, se atacado, não
podería então oferecer elementos sérios de resistência, nem cm terra nem
no mar, e teria, necessariamente, capitulado. O conde da Torre, porém,
perde esse ensejo favorável e dirige-se primeiramente à Bahia, onde, a
espera de navios retardatários, dc reforços que deviam vir das capitanias
do Sul c da provisão de víveres, se demora até 19 dc novembro, dando
tempo a que Nassau concentre em Pernambuco as embarcações com que
contava, arme as que vão chegando da Europa, apele para os índios, que.
às centenas, acorrem pressurosos ao chamado, reforce as guarnições dos
fortes, consiga, cm suma, pôr em ordem os recursos ao seu alcance, na
cnntingcncia do perigo oue sc lh? depara.

O conde da Torre, por seu lado, procura realizar o plano que traça­
ra: manda epic os chefes dc emboscadas transponham os limites dos do­
mínios dos intrusos, invadam e devastem os campos e os povoados, ge­
neralizem o ataque c as hostilidades, provoquem o levantamento das
populações, que, no momento oportuno, teriam para apoiá-las as tropas
dc desembarque que iam na esquadra, tropas essas que. uma vez cm
terra, dariam o último golpe. Mesmo no Recife, tudo estava preparado
para o movimento de revolta. Mas a esquadra arrastada por ventos con­
trários. só a 13 de dezembro pôde avizinhar-se de Alagoas, onde, in­
formado o sen chefe do que sc passa cm terra, levanta ferros nova­
mente cm direção ao norte.
Nas proximidades dc Olinda, com diversos navios de vigia ao largo,
concentrava o almirante holandês, Comcliszoon Loos, as suas forças na­
vais; o a 11 dc janeiro receb? a notícia de que o conde da Torre estava,
desde S, entre Itamaracá c Paraíba, tentando desembarque dc tropas c
mantendo comunicações com os intrépidos caudilhos que. cm fantásticas
correrías, depredavam o interior. _
Segue no mesmo nimo e a 12 encontram-se, pela primeira vez, as
duas esquadras — a holandesa de 41 velas e a luso-espanhola de S6 —
cm ponta de Pedras, pouco além de Itamaracá. Aí perde a vida o almi­
rante holandês, que c substituído pelo viee-almirante Jacob Huyghens.

71
A 13 renova-se o combate, ao norte dc Goiana; a 14, nas costas da Parai­
ba; c a 17, na altura do Cunhaú — até a confrontação da ponta da Pipa -
batcndo-se todos com valor c dcnodo.
Depois disto, o conde da Torre, apesar de não ter havido vitórias
decisivas, abandona o inimigo, deixa o litoral e faz-se ao mar (vide, quan­
to a estes combates c o que ocorreu posteriormente, a Revista do Jnsli-
ttito Histórico Brasileiro, tomo 5S).
Em Touros desembarcaram dos navios da esquadra mil c tantos ho­
mens, sob o comando do mestre de campo Lu is Barbalho Bezerra, deste­
mido cabo de guerra que ia agora — numa travessia dc centenas de lé­
guas, em busca da Bahia, por trilhos desconhecidos, em território ocupa­
do por conquistadores desalmados c bárbaras gentes, sem recurso dc
qualquer natureza, forçado pela necessidade c estimulado pelo patrio­
tismo — escrever uma das páginas mais gloriosas da história da luta com
os invasores. “Esta retirada é uma das calamidades mais comoventes da­
quela guerra, e dá, só por si, uma perfeita idéia dc quanto custa aos
intrusos conservar semelhante conquista, violentando figuras dc tal gran­
deza. Mal sc pode imaginar o que devia ser aquela jornada de. famintos,
enfermos, feridos e extenuados, através dc quatrocentas léguas, vencen­
do mil entraves, eliminando ou prevenindo todos os perigos, travando
combate dia c noite, espreitados pela morte cm todos os caminhos, re­
fugiando-se. hoje, nos ermos das foras e, amanhã, no desespero c na da-
nnção. saindo das estradas r acampando no alto das montanhas: hoje cm
sítio e amanhã sitiando, hostilizados por legiões (pie parle do Recife di-
.
zimando-as numa peleja contínua
*
A primeira resistência encontrada por Barbalho é a que no Potengi,
lhe opõe Gartsmann. que. á frente de. 60 soldados e ^001apuT?r^ tenta
impedir a sua marcha, sendo derrotado e conduzido prcsbTf'Bahia. A se­
guir, redobram os obstáculos; Fnas ele vence sempre, c, a exemplo do
que fizera Matias de Albuquerque, arrasta todos os que, cansados de
opressão e desiludidos dc promessas enganadoras, querem correr os ris­
cos de retirada, mais contentes nos perigos, com o amparo dos seus, do
que na situação cm que vivem, no meio dos vencedores. Refregas e com­
bates se sucedem, espccialmcnte cm Goiana c Serinhaém, onde, com as
suas armas, vai vingando, em trucidaçõcs tão emeis como as dos ocupan­
tes do solo, as penersidades inomináveis que sofreram os colonos. E. por
fim, consegue atravessar o São Francisco, deixando na margem contrá­
ria as expedições que o perseguiam, c levar o reforço eficaz sob o seu
comando à Bahia, que muito provavelmente graças a ele, não é atacada
c tomada pelo vice-almiranle Lichthardt e coronel Carlos Tounlon, para
ali enviados por Nassau, com 20 navios e 2.500 homens, no intuito de
devastar tudo a ferro e fogo.
Bem se podem avaliar, após os desastres que se seguiram ao ma­
logro da missão do conde da Torre, o desanimo e as amarguras epic a to­
dos afligiam, por entre as dcstniiçõcs que assinalavam o domínio dos
invasores ao Norte e as suas incursões cm outros pontos do nosso terri- .
tório. E, ao mesmo tempo que para os nossos era triste e sombrio o al- |
vorccer de um novo dia, aos inimigos acalentavam as alegrias c esperan- \
ças com que, já agora, tentavam consolidar dc vez o seu jugo prepotente )
e despótico.
A ilusão, porém, havia de desvancccr-se; e eles mesmos — resistindo
herôícamcnte a poderosa Espanha, cm uma guerra dc dezenas c dezenas
de anos, para manter a independência nacional c a liberdade de cons­
ciência em sua pátria — davam na Europa um exemplo de quanto podem
os ardores da fé e a energia sempre renascente de um povo, que, entre­
gue a si mesmo, já experimentava, no meio daquele trágico desdobrar
dc acontecimentos, o valor com que afirmaria sempre o seu espírito dc
nacionalidade.
Nassau c que não confiava na calma aparente daquela situação:
ou a colônia, esgotada, deixaria dc ser o campo de exploração em que sc
transformara, ou se libertaria, num esforço supremo, do poder dos que
não haviam sabido identificar-se com a sua sorte, por uma política ge­
nerosa c fecunda. A sua linguagem, na própria carta cm que, com os
membros do Conselho Supremo, comunica, a 2 dc março, aos diretores
da Companhia os últimos sucessos ocorridos, é de máxima franqueza:
narra, de modo a impressionar, a ruína geral dos moradores, insiste pela
vinda dc maiores forças para expurgar a terra dc tropas contrárias e
mostra a necessidade dc levar a guerra ao território inimigo, sob pena
(textual) dc não vivermos nunca aqui tranquilos (vide Revista do Ins­
tituto Histórico Brasileiro, tomo 58, cit., pág. 40).
A 5 dc junho, assume o cargo dc viccrci c capitão-gcncral dc mar c
terra c restauração da Bahia D. Jorge Mascarcnhas, marques de Mon­
tai vão, o último dos governantes nomeados para o Brasil por- Filipe IV.
O marques era um homem dc valor c, reconhecendo a impossibilidade
de auxiliar eficazmente os colonos de Pernambuco, dá o seu assenti­
mento às tréguas que Nassau insinuava aos padres e moradores católicos,
para tornar a guerra mais humana c atenuar o seu cortejo de misérias.
Essas tréguas, porém, mal encobriam o estado dc hostilidade latente en­
tre as duas partes contcndoras, a as suas negociações, em consequência
dc desconfianças recíprocas, prolongavam-se ainda, quando, a 15 dc fc-
verciro dc 1641, chega a notícia da restauração dc Portugal.
A posição dc Mascarcnhas, que, antes da restauração, permitira,
apesar dc ler entrado em ententes com o príncipe de Nassau, continuas­
sem as incursões dc caudilhos cm terras oo Norte, o que lhe valeu ser
acusado de simulado c pérfido, tornou-se, depois dela, embaraçosa e crí­
tica, porque, desconhecendo a orientação que na Europa ditaria os atos
do novo governo, fora muito longe em suas expansões epistolares com o
mesmo príncipe, acreditando talvez que a Holanda abriría, mão dc suas
pretensões na América, para ter cm PortugaT m&^úín aliado eonír~ã~o
fiumigo comum, que era * Espanha.

73
A condenação do seu procedimento teve-a ele no desagrado com
que aqudes que, acima de tudo, aspiravam à expulsão dos flamengos,
promoveram a sua substituição por uma junta, composta do bispo D. Pc^
dro da Silva e Sampaio, do mcslrc-dc-campo Luís barbalho Bezerra c do
provedor-mor Lourenço dc Brito Correia, baseando-se, para isto, em ins­
truções que dc Lisboa vieram pelo jesuíta Francisco dc Vilhena.

A deposição do vice-rei ío:, no entanto, um desafogo dc prquena


duração, porque o governo português precisava contemporizar com a
Holanda, cujo interesse máximo era tirar proveito da situação c não res­
tituir possessões (pie, naquela hora, não poderíam ser reivindicadas pe­
las armas. O mais que obteve foi o armistício por dez anos, com o reco­
nhecimento das conquistas feitas pelos holandeses, epic, valendo-se dc
pretextos vários e dc razões capeiosas, soíismaram o espírito c a letra
do tratado, tomando Sergipe, levando ao Maranhão sua fronteira seten­
trional e asscnhorcando-se de Luanda c da ilha dc São Tomé, sob ale­
gações tão improcedentes, que ao próprio Nassau repugnou aceitá-las,
apresentando outras que não eram igualmcntc isentas dc duplicidade c
má íé (Nelschcr. op. cit., págs. 11S a 120).
Com essa expansão territorial, o poder do invasor atingira ao seu
apogeu: ia começar o declínio. Portugal, premido pela necessidade dc
granjrar apoio na Europa, cedera tudo, mas não demoraria cm tirar a
drxfmi.i iuMiflando a insurreição. ou melhor, deixando que explodissem
iiin]«.i,
a* *m .i\
« !«'ii!".imenle ceiitid.iv Pir se-.i que faltava as.cm a leal­
dade mmpímieiihi do par!
*» lirmado cm 12 de junho de 1(>I 1. como
m’ ainda hoje os povos não tivessem para seu uso uma moral que perdoa
deslizes que seriam imperdoáveis no indivíduo: a de que os fins justifi­
cam <>s meios. Sua política pode ter sido insidiosa: a do inimigo não o
foi menos, e. em relação a ele, não militavam motivos ponderosos.
A 26 de agosto dc 1642, chegava à Bahia, escolhido, após a restau­
ração. para primeiro governador-gcral. Antônio Teles da Silva, que exer­
ceu o cargo até 22 de dezembro dc 1647. revelando grandes méri­
tos pessoais.
No ponto dc vista português, seu procedimento foi dc uma rara ha­
bilidade; c. para realçá-lo. sucedeu que, pouco depois dc sua posse, a
autoridade superior da colônia holandesa passasse a uma junta incapaz,
composta de Hamel, van Buleslratcn c Pieter Bas (segundo alguns, este
substituiu van der Burgh, que logo sc ausentou ou morreu), junta (pie
teria de ser envolvida pelo tufão da revolta ciue se aproximava, e que
destruiría afinal o edifício, a cuja construção dedicara Nassau o melhor
das suas energias. Este — o príncipe eminente na guerra e na paz — depôs
os poderes nas mãos de seus sucessores cm 6 dc maio dc 1644, c a 11
segu u, por terra, para a Paraíba, onde — depois dc uma viagem triunfal,
cm cujo percurso recebeu o testemunho carinhoso do apreço c da afei­
ção. do respeito c do reconhecimento dc todos, sem distinções de clas­
ses c nacionalidades — pernoitou a 22, embarcando no dia imediato pa­
ra a Holanda. O conde estava convencido da decadcncia da conquista,
e, como última homenagem aos que o não haviam querido ouvir assina­
lou-o cm documento de notável previsão, que, sob o título de testamento
político, c hoje geralmcntc conhecido (vide Rcoista do Instituto Histó­
rico Brasileiro, tomo 58, cit., págs. 223 c seguintes).
Entrava-se francamente no período da resistência, e o primeiro grito
de guerra parte do Maranhão, que c reconquistado pelos moradores, ain­
da antes da retirada dc Nassau. Depois disto, inflamam-se todos, cm vi­
brações de cólera c entusiasmo.
Urge passar ao terreno da ação, e aparece em cena Vidal dc Nc-
greiros, que prepara o movimento de que Teles da Silva é o inspirador c
Fernandes Vieira será, cm começo, o braço forte e depois uma das fi­
guras primaciais. Porto Seguro foi quem quebrou a unanimidade com que
historiadores c cronistas davam a Fernandes Vieira o primeiro lugar na
insurreição dc que resultou a expulsão dos holandeses, para conferi-lo a
Vidal de Negreiros, cujo perfil é, rcalmente, superior ao daquele madei-
rcnsc. Sua opinião veio a prevalecer; c vários foram, depois disto, os es­
critos, estudos e apreciações sobre este interessante ponto dc nossa His-
lójia.
No Recife conspira-se às escancaras, cm seguida à segunda viagem
dc Negreiros, cm 1644, c Vieira acumula armas, munições c víveres nos
arredores da cidade. A gente do governo tudo envida para atalhar a rea­
ção; mas cia c caudal avassaladora c crcscc c avoluma-sc c alastra-sc.
impetuosa e irrcssislívcl.
A conspiração c denunciada, e os seus chefes, Fernandes Vieira e
Antônio Cavalcanti. com outros, ocultam-se, proclamando, a 13 dc ju­
nho de 1645, a sublevação, combinada para 24 do mesmo mès. Nas ma­
tas existentes nas vizinhanças de Apipucos, Várzea, São Lourcnço, vão-
se reunindo os que a ela aderem, e aí, aguardando a chegada dos negros
de Henrique Dias e dos índios de Camarão, recebem instruções dc Antô­
nio Dias Cardoso, que viera do rio Real, para dar organização militar
aos voluntários que se concentram naqueles recantos, acompanhado de
sessenta homens, "que não eram simples soldados, mas todos verdadeiros
capitães, práticos da guerra e conhecedores do país, cada um capaz dc
tomar o comando dc torças e levá-las à vitória”.
E tudo isto fora assentado por Vidal, de acordo com o governador
Teles da Silva, que, no entanto, acha sempre modos dc iludir as embai­
xadas que lhe são enviadas, c, o que c mais, sc serve delas como justi­
ficativa para suas resoluções, a fim de aparentar respeito às cláusulas do
tratado de armistício.
A junta do Recife, manifestados os primeiros sintomas da tormenta,
expede forças sob o comando do major Blaer para a Várzea c, informada
dc um conflito que ocorreu cm Ipojuca, onde foram mortos alguns sol­
dados, permitindo a Amador dc Araújo, proprietário do engenho Taba-

75
tinga, armar uma companhia, faz seguir para ali c imediações Hendrick
van Ilans, à frente dc fortes contingentes (vide, na Revista do Insti­
tuto Histórico Brasileiro, tomo 40, o Diário de Mateus van den Broeck:.
é documento curoso para confrontar com a versão dos cronistas portu-

Para a Paraíba e Rio Grande parte tarnbcm Paul dc Linge, encarre­


gado d? manter o distrito cm paz (vide, sobre a divisão do domínio ho­
landês cm distritos, a Revisto (Io Instituto Histórico Rrasilciro. tomo 5S.
cit., pág. 43).
Os insurgentes, recuando para o interior, fixam-se nos engenhos Ca-
inaragibc c Borralho, depois cm Maciape, cm seguida atravessam o Ca-
pibaribe, passam pelo engenho dc São João, dc Arnaldo dc Holanda, de­
moram no engenho Covas, onde Dias Cardoso conjura competições e dis-
sentimentos pessoais entre os chefes mais prestigiosos, c marcham para
o monte das Tabocas (município da Vitória), onde, a 3 dc agosto, se
fere o primeiro combate entre o seu exercito e o de IInus. este calculado
em 1.000 homens, afora os índios, e aquele, talvez maior, ’‘composto cm
grande parte de gente bisonha, sem disciplina c mal armada, não lendo
alguns mais que um znguncho c outros uma simples faca dc ponta atada
a um pau”.
Haus c derrotado, sendo a vitória dos patriotas dc incalculáveis con­
sequências para o movimento. Das causas múltiplas que o tinham impul­
sionado — diferença dc raça, diversidade dc religião, questões econômi­
cas, ‘nt cresses dc toda ordem — só uma prevalece agora: o sentimento
da desafronta nacional. E este, unificando esforços e vontades, ao ser­
viço dc uma mesma aspiração, desperta a confiança c assegura o apoio
de toda n colônia.
Os mestrcs-dc-campo Andrc Vidal dc Negreiros c Martim Soares
Moreno chegam ao teatro dos acontecimentos logo depois dc iniciadas as
operações e. sob a sua direção, a luta é agora bem diversa das anteriores:
“o terreno c conquistado aos invasores, não em guerrilhas, como no pri­
meiro período da invasão, mas cm assédios regulares, assaltos c batalhas
campais”.
Dentro em pouco, a revolta é geral de Pernambuco ao São Francisco,
e a serie de desventuras (pie ali experimentam os holandeses só é interrom­
pida pela repulsa do ataque a Itamaracá e pelo desastre sofrido cm Ta-
mandarc por Serrão de Paiva, que, surpreendido pelo almirante Lichthardt,
perde todos os seus navios, que são incendiados, com exceção dc quatro,
um que consegue escapar-sc c tres. os melhores, que o vencedor aprisionou.
No Norte, porém, a adversidade esmaga, cm penosas provações, os
portugueses.
Paul dc Linge, para conservar cm obediência o distrito cujo governo
lhe foi confiado, chama em seu auxílio os índios aliados, c estes, ao des­
cerem dô Rio Grande do Norte, iniciam as suas ferozes tropelias pela
matança dc Cunhaú, que frei Rafael de Jesus assim descreve (op. cit.,
pág. 163):
“Com grande número de índios selvagens (mortais inimigos dos por­
tugueses), chegou Jacobo) (holandês a quem a semelhança de costumes
fez superior daqueles bárbaros) à povoaçâo dc Cunhaú um sábado de
tarde. Não foi a vinda nem o intento e escolha, senão obediência. Tinham-
lhe remetido do Arrecifc os do governo as ordens e instruções dc tudo o
que havia de obrar, quando e como. Foram avisados os moradores da
marcha c do poder, a experiência os ensinou a suspeitar mal dc tudo: pusc-
ram-sc cm cobro. Entrou na povoaçâo o inimigo com simulada paz;
mandou deitar bando, e fixar nas portas da igreja um edital assinado
pelos do,conselho supremo, e jurado pelo dito Jacobo, ordenando aos vizi­
nhos do lugar que debaixo do seguro se achassem na igreja ao outro dia,
que era domingo, para que depois da missa conferissem ccrlo negócio, que
os Senhores Estados lhes mandavam comunicar, desenganando-os de que
a pessoa alguma sc faria o menor agravo. Obedeceram os moradores, cha­
mados a um mesmo tempo do preceito da igreja e do bando do herege,
ou porque não duvidaram do seguro, ou porque não temeram o perigo. A
maior parte entrou para a igreja: outra menos confiada sc deixou ficar nas
casas uo engenho. Os que entraram no templo encostaram ás paredes do
pórtico os bordões que levavam (armas que lhes permitia o governo ho­
landês). Vcsliu-sc o sacerdote, pôs-sc no altar, começou a missa, e, ao
tempo cm que chegou a levantar a Deus, se fizeram os índios senhores
da porta do templo, o que advertido dos moradores conheceram o erro
e o perigo a tempo que se valeram do último remédio, que foi pedirem ao
céu perdão de seus pecados, tão faltos de tempo que se lhe encontravam
nas gargantas de tonos a oração e a espada, sem que a dos bárbaros dei­
xasse pessoa com vida. Pela mesma sorte passaram os que sc recolheram
nas casas do engenho, senão que irritados dq sacrilégio e da perfídia^ com
as mãos e com os dentes avançaram ao gentio, e líüsíundu a vingança se
metiam pelas armas, aonde juntamente achavam a morte e a satisfação,
porque abraçados com os inimigos matavam e morriam
* ’.

Dos homens, que ali estavam, apenas três (Gonçalo dc Oliveira c dois
<;u três criados, diz um documento publicado na Revista do Instituto His­
tórico Brasileiro, tomo 75, parte segunda, pág. 42) puderam fugir por
cima dos telhados, ficando mortos alguns sessenta e nove, inclusive o
Padre André de Soveral, venerando e querido sacerdote de noventa anos
de idade (Santiago, cit., Revista do Instituto Histórico Brasileiro, tomo 39.
págs. 404 c seguintes); mas as mulheres c crianças, que foram em parte
poupadas, espalharam a notícia do morticínio e, na Paraíba, os moradores,
receosos da mesma sorte, pegaram cm annas, sob a direção de Lopo
Curado Garro, Francisco Gomes Muniz c Jerônimo Cadena, chefes nomea­
dos pelos governadores da guerra, aos quais se juntaram, mais tarde, tam­
bém nomeados por estes, Antônio Vidal, Simão Soares, Cosmo da Rocha

77
>

J c Francisco Leitão, assim como o capitão Couto, do terço dc Camarão, e


Henrique dc Mendonça, do de Henrique Dias, todos incumbidos dc orga­
J nizar os sublcvados em forças regulares, fornecendo-lhes armas c munições,
que haviam levado de Pernambuco.
Isto leito, cs holandeses começaram a ser hostilizados pelo lado do
norte, rccolhcndo sc Paul dc Linge com suas tropas ?i fortaleza dc Ca­
bedelo, c tendo os índios aliados, antes dc atacar Goiana, retrocedido cm
sua marcha c voltado ao Rio Grande, onde, cm começo de outubro, se
renovam, em iras sangrentas, os seus feitos de inominável perversidade.

A matança dc Cunhaú aterrorizava todos os moradores, c os que não


I
» procuraram abrigo na Paraíba e em Pernambuco sc refugiaram no engenho
dc João Lostau Navarro (devia ser o Ferreiro Torto) e cerca de setenta
) se entrincheiraram na distância de seis léguas pelo rio acima, construindo
uma espécie dc arraial cercado dc paliçadas, para onde levaram suas
famílias, mantimentos e provisões cm abundância. Poucas eram as armas
de fogo — dezessete ao todo — mas supriam-nas as facas, os dardos, as fle­
chas e os paus tostados.

Alarmaram-se os flamengos ante a possibilidade dc virem a ser aque- .


les lugares centros perigosos de resistência, e trataram dc bater os míseros [
colonos. O engenho foi logo assaltado, sendo mortos muitos dos que nele
sc achavam, e conduzido preso para o forte Ceulen o seu infeliz proprie­
tário. Em relação, porém, ao arraial, as coisas não eram tão fáceis, c Jacob
Rabbi com os seus índios tiveram dc recorrer inutilmente a todos os ardis,
até que, sempre repelidos, assestaram duas peças de artilharia contra a
cerca, apertaram o sítio e sc dispuseram a tudo destrui?. Só então, c com
a promessa de serem respeitadas as suas vidas e fazendas, capitularam os
sitiados, recebendo salvo-condutos e entregando as armas que tinham...
Os sitiantes deixaram dez soldados cm salvaguarda da cerca e gente,
levando, para a fortaleza, como reféns, Estevão Machado dc Miranda,
I
Francisco Mendes Pereira, Vicente dc Sousa Pereira, João da Silveira e
Simão Correia.

Achavam-se na mesma fortaleza do Rio Grande diversos moradores


distintos, entre os quais sc contavam o padre vigário Ambrósio Francisco
i Ferro, Antônio Vilela Júnior, Francisco dc Bastos, José do Porto, Diogo
Pereira, João Lostau Navarro e Antônio Vilela Cia. Estes dois últimos
» estavam presos; os mais eram hóspedes que ali tinham procurado um asilo
contra a ferocidade dos índios.
**■ ** ’’x •.
j A: 3 de outubro de 1645, por ordem dc João Bullcslratcn, membro do
Supicmt/Conselho, que no dia precedente chegara do Recife, em uma
> lancha, foram todos estes moradores pacíficos enviados cm batéis rio aci­
ma, dizendo-sc-lhcs que eram levados para a cerca, onde, sob a proteção
' holandesa, passariam bem, juntamente com os outros.
»
Acrescentavam que nada deviam recear dos índios, porque já se ti­
nham retirado todos para o sertão. De fato, porém, levaram estes infelizes
para um lugar conhecido com o nome de Úm.açu (c hoje uma pequena
povoação com cerca dc 200 habitantes, no município dc Macaíba; existe ali
uma pequena lagoa, piscosa), a meia légua da cerca, onde estavam pas­
sante de duzentos índios, entre petiguares c tapuias. Logo que chegaram,
receberam a ordem dc sc despir c pôr-sc de joelhos. Compreenderam então
estes mártires ter chegado o seu fim, obedeceram com grande paciência c
resignação, erguendo os olhos ao céu, despedindo-se mutuamente, fazendo
atos de devoção, declarando morrerem todos na fé católica, apostólica,
romana, e recusando’ com firmeza o ministério de um predicante herético
que se apresentou. Indignados com isto, os protestantes deram a todos
tais tormentos, que, para os padecentes, a morte já era mercê.
Entregaram-nos por último aos bárbaros, “que ainda vivos os foram
fazendo cm pedaços, e nos corpos fizeram tais anatomias, que são incríveis,
arrancando a uns os olhos e tirando a outros as línguas.. (Santiago c
mais explícito na descrição; mas o padre R. Galanti, que o segue na nar­
ração que transcrevemos, abstcm-sc de reproduzi-lo integralmente, dizen­
do, em nota, veda-nos a decência referir tudo.)
Acabado este primeiro morticínio (foi presenciado por dois homens,
que, ao tempo em que ele se realizava, chegaram àquele sítio e, não sendo
vistos, sc esconderam no mato, donde observaram o que se passou (Revista
do Instituto Histórico Brasileiro, tomo 41, primeira parte, pág. 172),
passaram os holandeses à cerca, dizendo aos moradores que o governador
da fortaleza os mandava chamar para tomar a assinar certos papéis, por
assim ter vindo ordem do Recife dos do Supremo Conselho. Como, porém,
estes homens tivessem um pressentimento de que iam morrer, despediram-
se de suas mulheres e filhos com muitas lágrimas, fazendo pelo caminho
os mesmos atos de religião que já relatamos dos oulros, redobrando o fervor
ao serem cercados pelos índios e ao verem os corpos dos seus companheiros
c vizinhos que ainda palpitavam com as feridas.
Os opróbios que nestas mortes houve não são criveis, nem para con­
tar-se sem faltar às leis da pudicícia, vergonha e modéstia; e foi que a um
mancebo, chamado Antônio Baracho, casado, homem bizarro, amarraram
a uma árvore e lhe arrancaram, os mesmos holandeses, estando vivo, a
língua, pondo-lhe na boca, em lugar dela... e, depois de lhe darem muitos
açóutcs, queimando-o juntamente com ferros que ardiam cm brasa, lhe
arrancaram pelas costas o coração.
A Matias Moreira o abriram tarnbcm e lhe tiraram o coração, e as
-últimas palavras que, estando neste momento, proferiu foram louvar a
Deus, dizendo: Louvado seja o Santíssimo Sacramento. Os corações, que a
este c aos mais arrancaram, penduraram cm estacas.
Ao padre vigário Ambrósio Francisco Ferro fizeram tais anatomias e
coisas, estando ainda vivo, que tenho pejo de escrcvc-Jas, e bem se pode

79
coligir o que fariam hcregcs a um sacerdote tão honrado e virtuoso, em
ódio c opróbio da religião católica romana.
Mataram duas filhas do morto Estevão Machado dc Miranda, que o
seguia sua mulher com elas, de que uma era menina dc idade dc dois
meses; e outra que era uma galharda donzela, que deixaram com vida,
havendo morto as suas duas irmãs, venderam aos índios por um cão dc
caça ... Mataram também uma filha de Antônio Vilela, o moço, sendo
criança pequena, e dando-lhe com a cabeça em um pau a fizeram cm
dois pedaços; c a outra filha de Francisco Dias, o moço, mataram tam­
bém c abriram em duas parles como um alfanje; c a uma mulher casada
com Manuel Rodrigues Moura, depois do marido morto, lhe cortaram as
mãos c os pés c esteve esta mulher três dias naturais no chão viva, c
acabou dando a alma ao Criador.
Ficavam ainda com vida oito inanccbos, que os próprios selvagens
tentaram salvar, pedindo aos balavos que os deixassem viver no meio deles
lá pelo mato. Disscram-lhcs, porem, os holandeses, esses homens que se
davam por cristãos c civilizados, dos quais ainda hoje alguns mal-avisados
patriotas tem saudades, que, se quisessem assentar praça e tomar armas
contra os portugueses, lhes concederíam as vidas. Responderam os moços
que já essas vidas lhes aborreciam e que não queriam viver, quando, sem
lhes poderem valer, viram com os seus próprios olhos tão cruelmcnte
matar seus pais, parentes e amigos, c que as armas tomariam por Deus e
por seu rei c pátria contra eles tiranos; que por menos mal escolhiam a
morte com todos os tormentos do que fazer tal maldade, qual eles a troco
das vidas lhes cometiam que fizessem. Ouvindo isto, com ódio mortífero e
grande iracúndia deram aos moços tão graves tormentos e martírios, que
neles acabaram as vidas; c um, chamado João Martins, toniando-o a come­
ter que tomasse as armas contra sua nação portuguesa, <]uc lhe dariam a
vida, respondeu com alegre rosto: M/o me desampara Deus dessa maneira!
Essas tomei sempre contra tiranos, c não contra minha pátria e rei! e que
o matassem logo, que estava invejando as mortes de seus companheiros e
a glória que tinham recebido.

Dois mancebos casados, um chamado Manuel Alvares Ilha e outro


Antônio Bcrnardcs, depois de estarem em terra cheios de feridas e nus da
cinta para cima, meteram as mãos nas algibeiras, e puxando cada um por
sua faca, e investindo com os índios, mataram logo a tres deles e feriram
a quatro ou cinco, fazendo isto com as ânsias da morte.

Julguc-sc também que afrontas e vitupérios fariam estes tiranos c


bárbaros às miseráveis viúvas e donzelas, que mais são para sc passar
cm silencio, que para sc escreverem.” (P. Rafael Calanti, op. cit., vol. II,
págs. 307 e seguintes.)

Além do ódio com que os invasores costumavam castigar a rebeldia


do colono, havia uma razão a mais para estas horríveis carnificinas do Rio
- /<

Grande, tão atrozes agora, como logo depois da ocupação. É. que sá.joo , ' .</
São Francisco e naquela capitania existiam campos de criação, e — sabido
que já não dominavam no Sul de Alagoas e que a fome batia às portas
de Recife — compreende-se o interesse que tinham em defender, custasse
o que custasse, as campina^i-io-granclcnscs, povoadas de cerca dc 20.000
cabeças de gado (vide documentação publicada na Revista do Instituto ----
Histórico Brasileiro, tomo 75, segunda parte, pág. 35), das possíveis in­
cursões dos insurgentes. E, por isto, para que não encontrassem nenhum
ponto dc apoio, procuravam apavorar, com exemplos de crueldade sem
igual, os restos dc portugueses, reinóis ou não, que por ali viviam. Seriam
assim senhores daquelas paragens c ficariam livres, embora por algum
tempo, de uma concorrência impertinente e incômoda.
Tanto esta suposição era verdadeira, que, apesar da distância que
separava o Recife daquela região, foi cia inccssantcmentc talada, durante
a guerra, por uns c outros combatentes, todos solícitos em tê-la sob seu
poder (os cronistas portugueses dão notícia de que as diversas expedições
que ali foram, sob o pretexto de vingar selvagerias dos índios c holandeses,
traziam sempre, cm seu regresso, maior ou menor quantidade de gado; e
de um Diário publicado na Revista do Instituto Arqueológico de Pernam­
buco, II, 32, págs. 121 c seguintes, vcrifica-sc que do Rio Grande iam para
Pernambuco barcos carregados dc gado e víveres).
Ainda mais: foi ali que os holandeses fizeram permanecer, dc prefe­
rência, os índios inimigos dos primitivos conquistadores da terra, prova­
velmente para afugentar de vez a grande maioria dos potiguares que acom­
panharam Camarão, mas também com certeza para aproveitá-los na cria­
ção, na pesca e no plantio das roças.
Nem se explicaria por outra forma que, ao mesmo tempo que aniqui­
lavam uma população que começava a desenvolver-se, mantivessem fortes
elementos de resistência na capitania, cujo estado, cm 14 dc janeiro de
1638, Nassau e o Supremo Conselho demonstravam ser este (Revista do
Instituto Arqueológico dc Pernambuco, n9 34, págs. 139 e seguintes):
... MAo sul fica-lhe a capitania de Paraíba, como já dissemos, e ao
noroeste a do Ceará. Tem vastas e dilatadas terras, que pela maior parte
se adiam inabiladas e desertas, pois que o Rio Grande não tem povoados
mais do que dez ou doze léguas ao norte do rio Grande, donde esta capi­
tania lira o seu nome. Está ele dividido cm quatro freguesias, a saber:
a dc Cunhaú, a dc Goiana, a de Potengi(cm branco). Tem somente
uma cidade denominada Natal) sita a légua c meia do castelo Cculcn, rio
acima, a qual agora se acha mui decaída.
A Câmara desta capitania está cm Polingi com licença de S. Ex *
e dos supremos conselheiros, trabalhando por agregar ai uma população
que dê começo a uma cidade; dará aí suas audiências, e para este íim
levantará uma casa pública, contribuindo os moradores cada um conforme
as suas posses.

81
Até onde é povoado, terá esta capitania cerca de 25 a 30 léguas <le
litoral ... Na capitania há os dois segundes engenhos:
1° — Engenho dc Cunhaú, que pertence a Antônio de Albuquerque.
Foi confiscado c vendido ao sargenlo-mor Jorge Cartsmann c ao Sr. Bal­
tasar Wyintges; moc.
2? — Engenho Potengi (provavelmente o antigo Ferreiro Torto),
decaído há longos anos, e diz-se que não tem terras capazes.
Nesta capitania os moradores sc ocupam principalmcnte com a criação
dc gado que ali existia cm abundância; a guerra o reduziu muito c íc-lo
selvagem, mas trata-se dc amansá-lo com toda a diligencia e de levá-lo
aos currais. O Rio Grande já está dando muito gado, que é conduzido ;
para P;uaíba, Itamaracá c Pernambuco, onde serve, quer para o corte,
quer para trabalharem nos carros e nos engenhos.
O principal porto desta capitania é o mesmo Rio Grande, e depois
a barra de Cunhaú. Tem ainda alguns recifes e pequenas baías, que
servem para os navios c embarcações de pouco porte, como a baía For­
mosa, ponta da Pipa, ponta dos Búzios, ponta Negra, a baía Marten
Tysson, ao norte do rio Grande...
Nos distritos dc Olinda, Itamaracá e Paraíba, o colégio dos cscabinos
sc compõe dc cinco membros, c cm Scrinbaém, Iguaraçú c Rio Grande
dc Ires, c não são mais numerosos, porque os mesmos moradores no-lo
pediram, alegando qm *, como são poucos, não devem ser muito sobre-
carrcgadus com o serviço, até que os holandeses aí se estabeleçam, c se
ache gente apta que sirva com os portugueses.
Aos fortes da Paraíba segue-se, para o norte, o castelo Ceulen do
Rio Grande, situado sobre o arrccife de pedra na entrada da barra. Cons­
truído de pedra e cantaria, é mui elevado, e tem mui grossas muralhas.
Na frente, para o lado dc terra, tem uma espécie de hornaveque, isto c,
uma cortina com dois meios bastiões, providos, segundo o velho estilo,
dc orelhões c casamatas. Diante dos outros Ires lados há tenalhas. Este
forte está sujeito às altas dunas, que ficam a tiro dc arcabuz, c são tão
elevadas, que delas se pode ver pelas canhoneiras e tcrrapleno. e daí fu­
zilam os do castelo, que se dirigem para as muralhas. Quando nós o cer­
camos, assentamos a nossa artilharia sobre as dunas, c fizemos um fogo
tal, que ninguém podia permanecer na muralha. Mas este defeito foi re­
mediado, lcvanlando-sc sobre a muralha da frente, contra o parapeito dc
pedra, um outro dc terra ?i prova dc canhão, c com isso todo o forte, da
parle dc ema, esta coberto c resguardado. E, como de maré chea este
forte fica cercado dc água c tem dc resistir ao embale do mar, está um
pouco danificado na parle inferior, o que sc reparará, construindo de
pedra e cal um novo sopc.
O forte Ceulen está bem provido de artilharia: além das peças que
nele foram tomadas, puscrain-ihe mais duas dc calibre 4, que estavam
nas caravelas que achamos no ro, quando o-fomos cercar.
E eis que era então o Rio Grande do Norte!...
Sete anos mais tarde, após os massacres do Cunhaú, do engenho de
Lostau e do Uruaçu, a ele se referia uma memória conhecida (Revista do
Instituto Arqueológico de Pernambuco, n9 32):
“Os índios brasilienses (eram assim chamados os potiguares e os
$ demais índios das tribos tupis) c os tapuias mataram a todos os portu-
guescs que puderam haver às mãos cm redondeza de vinte léguas, de
modo que aqueles lugares estão muito assolados (dcsolat); os selvagens
tapuias querem agora faze-lo duramente à sua vontade como donos.”
Donos eram eles, dc fato, porque, sem pouso certo c em contínuas
migrações, preferiam ?i obediência duradoura, que não lhes podia ser
imposta cm terras despovoadas, a vida errante dc senhores dos campos.
Os dominadores tentaram dar-lhes organização à parle, convocando
para isso uma assembléia que sc reuniu na aldeia dc Tapiccrica (prova­
velmente nas vizinhanças do riacho deste nome, afluente do Ipojuca, cm
Pernambuco), cm 30 dc março dc 1645, e apresentou aos membros do
Supremo Conselho (3 dc abril) várias propostas, que foram aprovadas e
pelas (piais ficaram com o direito dc elegerem os seus governadores e
câmaras (vide Revista do Instituto Arqueológico dc Pernambuco, vol. XII,
pág. 413, c Pedro Souto Maior, Faslos Pernambucanos, na Revista do Ins­
tituto Histórico Brasileiro, tomo 75).
Essa concessão nào colimava, porem, *i<
fto.s
< pnilicos. Eia num misti­
ficação. O gentio do Ceará havia morto, no ano anterior, os seus algozes,
para subtrair-sc à condição de servo a que estava reduzido; c os holan­
deses, para acalmar agitações que não eram improváveis em outras ca­
pitanias, tiveram que transigir, a fim de não perderem um auxílio que
tão precioso lhes era nas lutas dc extermínio em que se vinham empe- •
nhando com os insurgentes.
Estes, tomados dc desvairamento e de delírio, sentiam-se fortes para
as vindicações com que os acompanhavam em suas alucinantes orgias de
sangue. E c assim que, confirmada a notícia do que sucedera de julho
a outubro, fazem seguir para o Rio Grande o capitão Barbosa Pinto, que
se detém com suas forças no engenho de Cunhaú. Aí é procurado pelo
inimigo. Não lhe vira as costas; fortifica-se em um lugar elevado, no
meio dos alagados, aceita o combate c repele a investida, retirando-sc
depois para a Paraíba, onde, cm dezembro, chega Camarão com poderoso
reforço. Unem-se os dois, batem os tapuias e marcham para o Cunhaú,
assinalando a sua passagem por profundos vestígios.
O Supremo Conselho, vendo ameaçadas as campinas rio-grandenses,
donde tiram gado e farinha para o abastecimento do Recife, organiza um
corpo de exército, que manda contra o invencível chefe potiguar.
A 27 dc janeiro dc 1646, trava-se a peleja sobre o mesmo terreno
em que se ferira a anterior — uma ilha, não muito distante do engenho

83
(c a ilha do Maranhão, onde existe atualmente uma importante usina de
fabricar açúcar, no município dc Cnnguarclama) — c no qual fora cuida­
dosamente ordenada a defesa. ---------
A vitória sorri, mais uma vez, às armas insurgentes; c \os invasores,
larçcntando a perda de cento e tantos mortos, e com um graiTde número
dc feridos, buscam abrigo à sombra do forte Ceulen, esperando socorros,
que com presteza lhes são enviados (Santiago, cit., dá uma descrição muito
completa desse combate: Revista do Instituto Histórico Brasileiro, tomo
41, parte primeira, pág. 407 e seguintes).
Quatro dias estiveram os vencedores em Cunhaú; mas, não convindo,
por prudência, avançar cm perseguição dos vencidos, c não devendo
manter inativas forças que eram mais necessárias cm outros lugares, rc-
tiraram-sc para a Paraíba, donde Camarão mandou o capitão João dc
Magalhães a Pernambuco, comboiando duzcnlas cabeças dc gado c en­
carregado dc conduzir armas c munições dc <|uc havia falta.
A importância da campanha ao norte era cada vez maior, e para
ali partiu Vidal de Negreiros (24 dc fevereiro de 1646), levando seis com­
panhias. Sua marcha loi rápida c seus golpes certeiros. Em poucos dias,
eram batidos os holandeses, que se recolheram aos seus fortes, e destro­
çados os indígenas; o interior eslava calmo c o mcslrc-dc-campo, dando
reforços consideráveis a Camarão, fá-lo seguir novamente para o Rio
Grande, e volta a reunir-se ao grosso das forças pernambucanas, a que
já em fins de março sc achava incorporado.
Como sempre, Camarão cumpriu fielmcnte a missão de que fora
incumbido, e, cm começo dc abril, chegava a notícia dc que ele “entrara
segunda vez na campanha e talara de tal maneira a terra de tudo o re­
côncavo, que não deixara edifício que não consumisse o fogo, pessoa
que não degolasse o ferro, gado dc que se não aproveitasse o roubo,
mantimento que não destruísse o braço, e dentro da mesma fortaleza
coração que não intimidasse a ira...”
Esse desastre não veio só. Seguiu-sc-lhe o assassinato dc Jacob Rabi,
o feroz conselheiro e cúmplice dos tapuias, que ameaçadoramente recla­
maram a entrega dc Garlsmann, para vingar nele a morte do seu cruel
aliado. O Supremo Conselho não podia deferir semelhante reclamação;
mas, inquieto pela atitude que cies poderíam assumir, teve dc prender
aquele militar e comissionar os capitães Mouchcron c Denver para, no
Rio Grande, sindicarem do falo (Revista do Instituto Arqucologico dc Per­
nambuco, n9 32, pág. 187).
Apurou-se do inquérito que, cumprindo ordens do seu superior, co­
ronel Cartsmann, o alferes Jacques Boulan mandara dois soldados exe­
cutar o crime, que se deu no dia 5 dc abril dc 1646, a três léguas do
Natal, quando a vítima saía da casa de Johan Miller, onde estivera com
o referido coronel c outras pessoas. Quanto às suas causas, porém, sub­
sistem ainda hoje dúvidas bem fundadas, pensando alguns, como Souto
Maior (Revista do Instituto Histórico Brasileiro, tomo 75, págs. 272 a
275) que o roubo foi o móvel do homicídio.
^abpjcra um alemão aventureiro que estava havia longos anos no
Brasil c que, vivendo no meio dos tapuias, que o estimavam, descera com
eles, após a conquista da capitania, para as proximiaddes do forte Cculcn, r
onde residia com uma índia, que tomara por mulher. Devia ter um rico
espólio, adquirido nos morticínios c rapinagens cm que se celebrizou,
mas esse espólio não era por certo de ordem a fascinar Cartsmann, que,
desde 1634, exercia influencia preponderante e decisiva no Rio Grande,
onde, ainda capitão, fora o primeiro comandante do forte dos Reis, de­
pois da ocupação holandesa, adquirindo por compra, juntamente com
Wintgcs, em 15 dc junho dc 1637, o engenho Cunhaú, que fora con­
fiscado (relação anexa ao relatório de Nassau cm 1638: (Revista do Ins­
tituto Arqueológico de Pernambuco, n? 34).
Fácil lhe seria, portanto, tirar cm todas as ocasiões melhores pro­
veitos das devastações c dos saques, sem recorrer ao assassinato de Rabi,
um dócil instrumento nas mãos dos invasores.
Ê mais natural que mandasse eliminar aquele facínora para desagravo
da ofensa que sofrerá cm sua autoridade c interesses com a destruição
daquele engenho, quando já lhe pertencia, ou para punir a morte dos pa­
rentes dc sua mulher, que era portuguesa e que, depois da matança dc
Uruaçu, fora amparo c proteção das viúvas dc alguns trucidados. A este
respeito escreveu Santiago (Revista do Instituto Histórico Brasileiro, tomo
41, pág. 17S): "Sucedeu que, mortos estes homens, levou a mulher de
Gusmão, governador da fortaleza do Rio Grande, a algumas das viúvas
para a sua casa, obrigando-se a entregá-las, que sc demoveu a compai­
xão dela por' ser portuguesa; logo naquela noite, ouvindo esta mulher
de Gusmão uma suavíssima música, chamou ao marido que, com alguns
holandeses com que estava, ficou em grande maneira admirado, e a mu­
lher tarnbcm acordou as outras se é que dormiam, estando com tanta tri-
bulação c tristeza, c também as suas escravas para que ouvissem a mú­
sica que ia no céu, c o canto celestial para aquela parte de onde haviam
morto a seus maridos (cujos corpos ficaram sobre a terra sem sepultura
nenhuma, e os membros tão divididos em partes, que não se conheciam
quais eram os de cada um), do qual caso milagroso testificou a sobredita
mulher e as mais que ali estavam, como cousa certa c manifesta, a todos
que ouviram a música por algum espaço de tempo.
Na cerca de onde tinham saído os moradores a padecer, estava entre
outras uma menina, filha de Diogo Pinheiro, de idaae de oito anos, cha­
mada Adriana, e dando-lhe vontade de chorar entrou para uma casinha
por não ser vista, aonde achou uma mulher com azorraguc na mão, c lhe
disse: Cala-te filha que com este açoute que aqui ves hão de ser castiga­
dos estes que fazem estas crueldades, como logo saberás. Aflita a menina

85
1

saiu para fora, c vendo as mulheres a mudança dela lhe perguntaram o


que tinha, c cia como assombrada contou o sucesso, c daí a pouco chegou
> a nova dos inocentes mortos, que certo bem parece que a Virgem Senhora
•f Nossa mostrava ter tomado a seu cargo o castigo destes malfeitores; c é
’ para considerar que dentro dc poucos meses foram os flamengos que
executaram estas tiranias mortos quase todos pelos nossos capitães e pelo
’ Camarão, que forma à campanha do Rio Grande a vingar esta maldade,
e o mesmo fizeram a muitos índios potiguares e tapuias, não sc eximindo
do castigo divino o cruel holandês Jacob, que no mesmo Rio Grande,
dentro de breve tempo, foi morto por mãos de Gusmão, o qual, como era ! x
casado com portuguesa, estranhou suas crueldades c permitiu Deus que
um flamengo de sua nação o matasse”.

As crônicas daquele tempo estão cheias de lendas e milagres, como


estes. Não c de admirar, porque o espírito simples c inculto dos campô-
nios aceitava sem exame, tudo que era sobrenatural e tocava à sua fc
sincera c ardente.
Qualquer que fosse a razão do assassinato dc Rabi, o que c incon­
testável é que o fato contribuiu para afrouxar a dedicação dos indígenas
aos invasores, cuja situação piorava dia a dia, por toda a parte. Desde
K dc janeiro de 1646 que o novo Arraial do Bom Jesus, construído nas
imediações do Recife, e dispondo dc forte artilharia transportada de Porto
Calvo e Penedo, tolhe os seus movimentos e oferece uma base segura para
a concentração do exercito libertador, que os asfixia, com uma linha de
i defesa, desenvolvida em semicírculo, desde os Afogados ate Olinda.
“Um ano depois que rompeu a insurreição, todo o domínio holan­
dês está conflagrado. A campanha, principalmcnle, no Sul. está em poder
; dos insurretos. Apenas nas duas capitanias do norte (Paraíba e Rio Gran-
de) ^as_ma]ta£ dc^sel vagens, que os intrusos insuflam, ainda senhoreiam
parte do interior. Mas'alnda-por ali Camarão e os capitães da terra afron­
tam os dominadores e seus aliados. Todos os distritos do Sul, do Recife
paja baixo, estão sob o domínio dos patriotas. A cidade está quase si­
tiada. Os próprios caminhos de Olinda estão tomados. Sentindo crescer
o perigo em tomo, concentram-se os holandeses na ponta do istmo e
nos fortes da ilha, isolando-se do continente, destruindo a ponte da Boa
Vista e os edifícios que lhes eram inúteis na guerra. O Recife agora está
reduzido à condição de presídio militar” (Rocha Pombo, op. cit.).
Mas os holandeses têm sempre uma porta aberta para o mar, c aos
patriotas não c dado conlrayor-lhcs ali a sua ação.
Demais, as delicadas relações políticas dc Portugal com a Ilolanda
não permitiam uma manifestação franca de D. João IV cm favor do le­
vante. Impunham-lhe, pelo contrário, a obrigação de, aparentemente, pro­
curar abafá-lo, expedindo ordens que, se cumpridas, seriam a denota
inevitável do{» insurgentes. Entre estas, figura a retirada dc Marfim

; se
Soares Moreno e Vidal de Negrciros, com os seus terços. Ê exato que o úl­
timo destes mestres-de-cainpo não se submeteu, assim como não se subme­
teram os soldados; mas o afastamento de Moreno foi uma nota de desâ­
nimo.
O próprio governador geral, Teles da Silva, recomendava, às vezes,
providencias absurdas, como a da destruição dos canaviais, para incorporar
ao exercito os moradores que trabalhavam nos engenhos e aproveitar cm
seu sustento grande número de bois que neles existiam. Essa medida, em­
bora executada apenas cm parle, foi, como outras, um grande erro.
Já entãó, porem, as contrariedades não detinham os bravos comba­
tentes, a quem os estos dos patriotismo c o calor dc uma fé religiosa, que
não arrefecia nunca, alentavam na convicção de que a vitória final havia
dc pc ricnccr-lhcs fatalmente. Fazem, por toda parle, a guerra volante,
mas não cedem jamais das posições ocupadas; e, quando Sigemundt von
Schkoppe e Ilinderson voltam ao Brasil (julho ou agosto de 1646: vide
nosso trabalho Damínio Holandês no Brasil, cit.), é nelas que se fortale­
cem para enfrentar o inimigo.
Sigemundt estava convencido de que a resistência ia tomar-se im­
possível, e só quando sc vê abandonado da fortuna, que o bafejara outrora,
é que acredita não scr uma simples nuvem o que empa na va o brilho das
armas flamengas, mas o empalidecer da estrela que as guiara cm dias idos.
Os insurgentes haviam deixado o interior c — reunidas todas as suas
forças — é nos subúrbios da própria capital que afrontam o poder dos
invasores. Schkoppe não se demora em iniciar contra eles as escaramuças
e os combates. Raramente, porém, o êxito coroa os seus esforços. O terre­
no está todo minado; e ele reconhece que c necessário dar nova orientação
à guerra, recorrendo às diversões. Mas para o norte elas são inúteis. A
Paraíba e o Rio Grande estão desertos: os moradores que escaparam às
carnificinas se haviam retirado para Iguaraçu, Goiana, Várzea, Cabo e
terras do Sul. Ordena a Hinderson que siga para Penedo. Este parte, le-
vando oito barcos, protegidos por dez navios do almirante Lichthardt.
A guarnição da vila, apanhada de surpresa, procura refúgio no acam­
pamento de Francisco Rabelo, que guarda a fronteira da Bahia, e, uma
vez por outra, vem perturbar a obra do forte, que se esforçam por cons­
truir ali. Perdas repetidas, em encontros diversos, forçam-nos, em abril
de 1647, a abandonar aquele ponto, onde grandes revezes os feriram, não
sendo dos menores a morte de Lichthardt, que faleceu pouco depois da
sua chegada.
Schkoppe nada adiantara ainda cm Pernambuco; e volve as suas
vistas para a Bahia, onde ocupa a ilha dc Itaparíca. A permanência dos
holandeses foi ali de dez meses; mas os danos e prejuízos causados na
ilha e no Recôncavo só indiretamente se refletiam na cidade e cm nada
influíram para serenar o arrojo dos insurgentes dc Pernambuco, que aper­

57
tavam cada vez mais o cerco do Recife, obrigando o Supreso Conselho,
por isto e pela notícia da próxima chegada de uma esquadra portuguesa,
a chamar Schkoppe, que deixou a Bahia em 14 dc dezembro de 1647.-
Durante a auscncia de Schkoppe, isto é, durante quase todo o ano
dc 1647, os patriotas, conscrvando-sc fortes c ameaçadores nos seus acam­
pamentos do Arraial c da Várzea, não sc esquecem do Norte. ** É dc lá,
da Paraíba c do Rio Grande, que ambas as parcialidadcs beligerantes re­
cebem munições de boca; e nunca deixou, por isso, de ter grande valor
a posse daquelas capitanias. Mesmo não podendo reconquistá-las e menos
ainda mantc-las, preterem ter abertas, como sempre tiveram, aquelas vastas
paragens às incursões que por ali faziam, não só para inquietar o governo
do Recife, como para sc proverem do gado e dc outros artigos de con­
sumo”.
r'
Em maio, chegaram avisos dc que na Paraíba os invasores estavam
cultivando as terras e aproveitando os canaviais que não tinham sido intei­
ramente destruídos, quando os moradores se retiraram, e no Rio Grande
de que estavam cm vésperas dc fazer moer o engenho Cunhaú. O sar-
gento-mor Antônio Dias Cardoso é incumbido dc tirar-lhes esses recur­
sos c segue, a 16 daquele mes, acompanhado dc 337 homens, dos quais
destaca 160, sob o comando do capitão Cosme do Rego Barros, para
assaltar aquele engenho e todo o seu distrito.
O inimigo resiste; mas Rego Barros lança fogo ao engenho, arrebanha
o gado que pode, volta à Paraíba, encontra-se com Dias Cardoso, que ali
fizera consideráveis estragos, e juntos regressam ao Arraial, conduzindo
muitos prisioneiros, principalmente escravos foragidos c mulheres ex­
traviadas, “a quem libertaram da força c da injúria”, e cerca de trezen­
tos bois.
Pouco mais de três meses depois, a 24 dc agosto, Vidal de Negreiros
invade novamente o Rio Grande; c, enquanto se bate com o inimigo
no Cunhaú, ordena ao capitão Barbosa Pinto que retire do Ceará-mirim
o gado que fosse encontrando. Este desempenha a comissão, vindo em
seguida operar a junção das suas forças com as de Negreiros, que logo
retorna a Pernambuco, sem grande êxito na incursão. Henrique Dias,
porem, vai ser mais feliz. A 23 de novembro, parte com o seu terço c
algumas companhias do terço dc Camarão. “Primeiro era descoberto pelo
dano que pelas notícias”, c, cm começo dc janeiro dc 16-1S» “avistou
um sítio, que chamam de Guaraíras (no atual município dc Ares), onde
o inimigo sustentava uma casa forte no centro dc uma lagoa larga c
funda, c dentro da qual, como cm ilha, se alojavam todos os índios e
escravos que o holandês ocupava nas roças e lavouras daquele terreno;
e se recolhiam frutos e os roubos de que sc sustentavam guardados c
defendidos de quarenta holandeses, que com outros soldados índios guar­
neciam a fortificação; constava esta dc casa forte cercada de duas trin­
cheiras bem obradas.
Depois dc exortar seus soldados com palavras de confiança e o rosto
sossegado, disse-lbes o caminho e o modo como haviam de avançar c
ganhar a fortificação; c, não lhes inteq?ondo dúvida entre o investir c o
vencer, os meteu ao assalto. Lançaram-se à Agua, c com ela pela cinta
acometeram à escala. Defenderam-se os holandeses com ardor, favorecidos
da vantagem do sítio; mas não puderam impedir qwe os nossos tomassem
terra,’ c ganhassem a primeira trincheir^/Èntre esta e a segunda sc tra­
vou renhido combate; mas o furor dos nossos levou o inimigo de vencida,
c bem depressa caiu a segunda trincheira cm suas mãos. O cabo holan­
dês, vendo perdida toda a esperança, se meteu com cinco companheiros
numa canoa, furtada aos olhos dos seus, para salvar as vidas. Escalaram
os nossos a casa forte com tíbia resistência, c levaram tudo à ponta dc
espada, não perdoando o sexo nem a idade. Durou o conflito desde a
primeira noite ate pela manhã, e foi com a claridade do dia que se pôdo
conhecer o estrago. Morreram nessa ocasião todos quantos holandeses,
índios c negros haviam na fortificação, exceto os cinco que fugiram. Dos
nossos perderam a vida três soldados, e ficaram muitos feridos. Gastou-se
o dia, que foi o dc 6 dc janeiro dc 1648, em recolher os despojes, curar
os feridos, enterrar os mortos, e tomar refeição do trabalho entre as con­
gratulações da vitória.
Em 7 do mesmo mês, marchou o governador Henrique Dias para o
engenho Cunhaú, onde o holandês bem fortificado, com muita gente dc
presídio, e não menos soberbo pela ditosa resistência com que sc havia
defendido do mestre dc campo Andrc Vidal, nos dias passados. Fez alto
cm frente do inimigo, e ã cara descoberta mandou por um trombeta
uma embaixada ao flamengo, dizendo-lhe que sem dilação se rendesse,
e se lhe faria bom partido, antes que os seus chegassem a desembainhar
a espada, porque com ela na mão nem a obediência os obrigava nem a
comiseração os detinha: que achava testemunha dessa verdade no sucesso
do dia antecedente, acontecido nas Guaraíras, exemplo com que desen-
ganadamente sc poderia aconselhar sua deliberação; que sc aproveitasse
com prudência da escolha que cm sua mão punha a fortuna. Perplexo
ficou o flamengo com um tal proposto; com palavras equívocas respon­
deu ao enviado, pensando ganhar tempo com sagacidade; porem Hen­
rique Dias, que conheceu o ardil, mandou segunda embaixada ainda mais
terminante; c, como tardasse a resposta, sem mais gastar palavras, mandou
a seus soldados que toda a lenha que estava junta para o serviço do
engenho chegassem A fortificação inimiga cm círculo. Exccutou-sc a or­
dem com estranha presteza; c sem dúvida que tudo ardera, se, ao tempo
de sc lhe pôr fogo, não saíra de dentro uma mulher portuguesa, casada
com flamengo, pedindo a Henrique Dias quartel para os cercados. Con-
ccdeu-lhe as vidas, e lhe abriram as portas. Saquearam os nossos as
fazendas, munições c armas, arrasaram a fortificação e o engenho; leva­
ram prisioneiros a todos os rendidos; e, assolada a campanha, voltaram
para o Arraial, onde chegaram com próspero sucesso, c fizeram entrega
aos governadores dos cativos e das armas, ficando-sc com os mais des-
pojos”. (Fr. Rafael de Jesus, op. cit.).

89
Estes c outros íatos que se deram, ao tempo, em pontos diversos,
não passavam, entretanto, dc episódios secundários da campanha. Em
Pernambuco c que esta sc tem dc decidir c, para isso, sc preparam uns
e outros.
Schkoppe, de volta da Bahia, faz escaramuças em Itamaracá e auto­
riza investidas contra Iguaraçu c Goiana, com resultados favoráveis; mas
só depois dc 18 dc março de 1648, quando chega ao Recife uma expe­
dição de socorro, sob o comando do almirante Corncliszoon de With, c
que ele, investido da suprema autoridade da colônia, a conselho de Nas­
sau. que se recusara a voltar ao Brasil, sc resolve a ativar a guerra, dando
cumprimento a ordens vindas da Holanda.

Aí já ninguém se enganava com os processos dilatórios da diploma­


cia portuguesa; c a corte de Lisboa, apreensiva ante a marcha das nego­
ciações cntabuladas entre os governos dc Haia e de Madri para um
tratado definitivo de paz — que veio a assinar-se naquele mesmo ano —
procura dar arras dc sua sinceridade c desviar o golpe dc que estava
ameaçada, mesmo na Europa, substituindo o governador geral Antônio
Teles da Silva, pelo conde de Vilapouca. Antônio Teles de Meneses, que
aportara à Bahia em 22 dc dezembro do ano anterior. Os reforços que
o deviam acompanhar não eram de grande monta: umas companhias
destacadas do exército do reino c algumas forças organizadas nas ilhas
pelo mestrc-dc-campo Francisco Figuciroa. que cm 1630 fora capitão
do forte dc São Jorge, cm Pernambuco, onde, mais tarde, vivia operar
com os seus regimentos ao lado dos insurgentes. A estes se deparou, pouco
depois, um poderoso auxiliar na pessoa de Francisco Barreto dc Meneses,
que. enviado da Metrópole, caíra em poder dos holandeses, sendo trans­
portado ao Recife, onde permaneceu preso durante muitos meses, até
que, em 23 de janeiro de 164S, conseguiu fugir, cm companhia de Fran­
cisco de Brae, filho de seu carcereiro.
Francisco Barreto era militar destemido, cuja capacidade e valor já
haviam sido comprovados mesmo nas capitanias do Norte, pois fora dos
capitães que, com Luís Barbalho, fizeram a travessia dc Touros à Bahia,
cm 16-10; c a Metrópole, nomeando-o, cm 12 dc fevereiro dc 1647, mes-
tre-dc-campo-gencral, para por-se à frente dos patriotas, tivera em vista
dar-lhes unidade de comando e imprimir às operações de guerra a dire­
ção mais conveniente. A sua prisão impedira-o de cumprir as ordens que
recebera, e, chegando ao Arraial, teve de aguardar novas instruções do
conde de Vilapouca, limitando-se ‘a acudir com as advertências neces­
sárias a que os governadores dispusessem com prevenção cm todas as
cousas que necessitavam dela”.

A 16 dc abril, estavam em suas mãos as instruções esperadas da


Bahia e, de acordo com ela, era logo reconhecida a sua autoridade dc
general, sem que o fato “despertasse susceptibilidades entre os chefes da
guerra, como seria de temer”.
Tres dias depois, a 19 de abril, fere-se a primeira batalha dos mon­
tes Guararapes, em que se cobrem do louro as armas insurgentes.
Ninguém, daí cm diante, duvida mais dos resultados da campanha.
O governo dc Lisboa repele qualquer proposta que não exclua a entrega
das capitanias ocupadas pelos flamengos; c o governador geral, que fizera
guarnecer a fronteira do São Francisco por algumas companhias, para
proteger a fuga dos pernambucanos, convencido, como estava, dc sua
inevitável derrota, apressa-se em mandar que a eles se vá reunir o mes-
trc-de-campo Francisco dc Figueiroa, com o seu regimento dc Ilhéus.
Recolhidos ao Recife, os vencidos deixam-se tomar de desânimo.
Tortura-os a maior incerteza, domina-os um geral csmorccimenlo. Ha­
viam-se apoderado de Olinda; mas perderam-na, depois que Barreto dc
Meneses volta ao Arraial, tendo dc lamentar a morte de cento e cin­
quenta soldados, sacrificados pelo terço de Henrique Dias. Tentam
algumas sortidas por Santo Amaro e pelo forte da Barreta, c são repelidos.
Instam por auxílios da Europa, e dc lá chega a notícia dc que Salvador
Correia dc Sá retomara Angola c dc (pie a ilha dc São Tomé caíra cm
poder dos portugueses.
Apelam para o mar. De With consegue fazer diversas presas nas
costas, de maio em diante, e cm fins dc 1648 ou começo de 1649, alguns
navios devastam o Recôncavo (Bahia), destruindo vinte c ties engenhos.
Mas, mesmo no oceano, a sorte lhes vai ser adversa, porque sc aproxima
o dia cm que as nossas águas territoriais serão sulcadas pela frota da
Companhia Geral do Comércio do Brasil, destinada a dar aos insurgen­
tes, cm oportuno ensejo a colaboração dc que precisam, para apertar,
por terra e mar, o cerco do Recife ate a evacuação da praça.
O ano dc 1648 é, pois, um ano propício à causa dos patriotas. Pou­
cos são os acontecimentos que anuviam as suas' alegrias e entusiasmos,
c destes o maior é, incontestavelmcnte, o falecimento de Camarão, ocor­
rido em fins de agosto, na sua estância junto à cidade sitiada. A morte
como que engrandece o filho das encantadoras margens do Potengi, c é
depois qnc ele baixa ao túmulo que aos olhos de Iodos sc apresenta, na
plenitude de sua majestade, a imponente figura do herói potiguar (depois
que Porto Seguro reivindicou para o Rio Grande do Norte a naturalidade
de Camarão, vão desaparecendo, pouco a pouco, as divergências dos
que a disputavam para o Ceará e Pernambuco; Luís Fernandes, cm
meticuloso estudo publicado na Reowta do Instituto Histórico e Geo­
gráfico do Rio Grande do Norte, esgotou, por assim dizer, este assunto).
Choram-no com inexprimível pesar c prestam-lhe, com piedosa mágoa,
o tributo da mais imperecívcl saudade. Não se deixam, entretanto, abater
pela dor imensa e continuam a honrar a memória veneranda do guerreiro
caído, imitando as suas nobilíssimas ações nas pelejas que se vão seguir.
Em começo de 1649, discute-se no Recife o que há a fazer. Os ofi­
ciais aconselham uma diversão ao Rio de Janeiro; mas o Supremo Con-

91
sclho prefere um feito de annas no interior. E esta opinião prevalece,
contra o parecer de Schkoppe, ferindo-sc, a 19 dc fevereiro, a segunda
batalha dos Guararapes, na qual os holandeses, sob o comando do coro­
nel Brink, mordem, mais uma vez, o chão da derrota.
A vitória dos insurgentes foi um desastre irreparável para os inva­
sores, que, desde então, marcham para a sua completa ruína.
Schkoppe tivera razão, op’òndo-sc à temerária resolução por outros
tomada e, sem sua responsabilidade, levada a efeito. Ele sabia, por ex­
periência pessoal, que Vidal c Vieira não blasonavam, ao estabelecer a
diferença entre os seus soldados c os da companhia: “aqueles acautela­
vam o próprio, estes conquistavam o alheio; os primeiros pelejavam por
honra, os segundos serviam por paga; uns defendiam a vida, outros ven­
ciam o soldo’*.
• A datar da segunda batalha dc Guararapes, o viver dos intrusos c
um constante agonizar dc força c dc poder. Para eles eslava virtualmcntc
perdida a colônia. Os cinco anos que lhes restavam dc domínio cs-
coam-se tristemente por entre aflições e fadigas. Não são assinalados por
fatos memoráveis: embates c encontros periódicos, sempre mal sucedidos,
nos arredores da cidade, malogro de um desembarque no São Francisco,
em 15 dc janeiro de 1651; devastações levadas a cabo no Rio Grande,
por Pinto Barbosa c Dias Cardoso, cm julho daquele ano c maio de
1652; c nada mais. Da Europa c impossível que venham recursos: a guer­
ra da Holanda com a Inglaterra, dc <pic foi causa ocasional o act of na­
vigation. absorve a atenção do governo dc Haia ate 1654.
Os flamengos ficam isolados c impotentes para a reação. É aí então
que os insurgentes combinam e desferem o golpe mortal, servindo-se do
concurso dc uma esquadra da Companhia Geral dc Comércio do Brasil
(criada por alvará de 6 de fevereiro, teve seus estatutos aprovados a S do
março de 1649), que apareceu, em 20 de dezembro dc 1653, ao norte
do Recife, comboiando, com treze navios de combate, sessenta c quatro
embarcações mercantes. Eram almirante c vicc-almirante dessa esquadra
Pedro Jacques de Magalhães, depois primeiro visconde dc Forte Arcada,
c Francisco de Brito Freire, mais tarde governador de Pernambuco
(1661-1664), os quais, no mesmo dia e próximo a Olinda, assentaram
com Francisco Barreto e os mestres-dc-campo Vidal, Vieira e Figuciroa.
bloquear a praça por mar, enquanto eles, com o seu exército de tres mi]
e tantos homens, a atacariam por terra.
As operações foram conduzidas com rapidez e felicidade. A esquadra
dcstcndeu-sc, desde logo, cm linha, dc Olinda até a confrontação dc
Barreta, impedindo a entrada c -saída dc quaisquer barcos no Recife, e
o exército, — feitos com precisão e urgência os estudos e as obras para
a execução de um plano regular de assédio — inicia o ataque na manhã
de 15 de janeiro, pelo forte das Salinas (ou Casa do Rego, cm Santo
Amaro). Combateu-se durante todo o dia c parte da noite, com pequenos

92
intervalos, e, pela madrugada de 16, rcndiam-sc os inimigos. A 19, é
tomado o forte de Alternar, que dominava inteiramente a cidade Maurí-
cia, e os sitiados recolhem as guarnições de todos os redutos, despejando
as fortalezas do lado do sul e as do istmo, que vai para Olinda, c con­
centram-se no forte estrelado das Cinco Pontas e numa posição aban­
donada que dele distava umas duzentas braças (denominava-se Amélia
ou Mclhou, tinha quatro baulartcs e era cercado de um fosso que se
enchia dc Agua na preamar, dificultando a escalada). Essa posição é
tomada a 22.
Schkoppc tenta inutilmente reconquistá-la. É o último combate que
sc fere. Depois dele, a 23, o general holandês julga improíícua toda a
resistência c confessa-o ao Supremo Conselho, que, submetendo-se às
contingências do desastre, solicita a nomeação de ties delegados, que,
com outros tres por eles indicados, tratem das bases da capitulação. A
proposta é aceita, sendo suspensas as hostilidades cm terra e expedidas
recomendações para que não cesse a vigilância pelo lado do mar, dondo
poderíam vir socorros dc gente de Itamaracá, Paraíba c Rio Grande.
A 24, na campina do Taborda, na vizinhança dc Cinco Pontas,
reúnem-se os seis delegados, que, eram: por parte dos holandeses, o con­
selheiro Gilbert de With, o capitão van Loo e Huybrccht Brest, presidente
da câmara dc cscabinos do Recife; por parte dos insurgentes, Francisco
Alvares Moreira, auditor geral, Manuel Gonçalves Correia, secretário do
Exercito, e o capitão Afonso dc Albuquerque.
A esses delegados foram agregados, pelas duas parles conlracntes, o
coronel van der Wall e Vidal de Negreiros, incumbidos de discutir as
negociações no que dissessem respeito a assuntos propriamente militares.
A 25, era assinada a * capitulação (vide os artigos da capitulação, na
íntegra, cm Porto Seguro, c Rocha Pombo, op. cit.) c. a 28, entrava triun-
falmcnte no Recife, ocupado na vespara pelo exército insurgente, o ge­
neral Francisco Barreto, que, a 19 de fevereiro, mandava que Francisco
Figuciroa, com S50 soldados, seguisse por terra para tomar conta dos
fortes da Paraíba e do Rio Grande, os quais foram encontrados aban­
donados, por terem os holandeses, prevenidos a tempo, podido fugir cm
alguns barcos de que dispunham.
Itamaracá foi entregue ao capitão Manuel dc Azevedo, c do Ceará —
onde governava Gartsmann, que embarcou para a Marlinica, morrendo
ali pouco depois — tomou posse o capitão Álvaro de Azevedo Barreto.
Em maio de 1654, o domínio português estava restaurado cm todas
as capitanias anteriormente ocupadas pelos holandeses. A expulsão destes
era um fato. Foi um bem ou foi um mal? Sc a questão fosse cm outros
termos, isto c, dc saber se, conquistado primitivamente por outro povo,
o Brasil teria tido sorte diferente da que teve, ainda admitíamos que
pudessem ser discutidas as excelências ilusórias da colonização dos fla­
mengos. Mas não foi isto que se deu. Quando eles aqui chegaram, foi

93
para apoderar-se <le uma colônia cm franco desenvolvimento, colhendo
os frutos do trabalho e dos esforços dc outros. Raça, religião, língua, cos­
tumes, família, interesses, tudo nos prendia já aos portugueses: a sua
ação seria, pois, necessariamente perturbadora. E, se realizáveis os seus
desígnios, que chamaríamos hoje de imperialistas, não cremos que melhor
tivesse sido o nosso futuro.
Ninguém contesta que os processos usados pelos governos da me­
trópole deixavam muito a desejar; mas os dos intrusos não lhes eram
superiores. O erro vem de sc querer compará-los com os que foram postos
cm prática por Nassau, que constituiu uma exceção. A regra, antes c
depois dele, foi sempre outra; e, a julgar pelos resultados — único critério
seguro — o paralelo é inteiramente desfavorável aos holandeses. Estes,
ate agora, vnadi fizeram como povo colonizador: suas colônias aí estão,
para atestar a sua obra negativa. Basta olhar para Java, com a sua po­
pulação dividida cm castas e transformada em campo dc exploração, don­
de se drenam para a Europa as suas riquezas. A América, ao contrário,
oferece toda a prova dc energia com que Portugal, Espanha e Inglaterra
prepararam, com a fusão de raças diversas, pátrias novas, para a vida
da civilização c da liberdade.
Mesmo sob o ponto de vista dos melhoramentos materiais, o legado
dos invasores foi quase nulo. A não ser no Recife — onde tudo que sc
fez foi devido à iniciativa pessoal de Nassau — os traços e vestígios dc
sua passagem ou permanência em terras brasileiras não ficaram assina­
lados senão pela reconstrução de fortes ou por algumas obras dc defesa.
O Rio Grande do Norte c bem um exemplo disto.

Em Natal, a que denominaram de Amsterdã (M. T. Alves Nogueira,
op. cit., pág. 152), nada existe do tempo dos holandeses: ali «apenas fizo-
ram consertos e.reparos no forte dos Reis.
Existirá, porventura, alguma coisa no interior? 7

Também não. Os núcleos de nopulação mais importantes da capita­


nia, eram os dos engenhos Cunhau)e Ferreiro Torto; mas estes, transmu-
dados em teatro de inomináveis carnificinas c indiscrilívcis devastações,
não passavam, por fim, dc montões de ruínas.
Diz-se <pie velhas muralhas, que sc encontram na lagoa dc Cuaraíras,
são restos de projetadas obras dc saneamento c demonstram o seu espírito
empreendedor. Engano manifesto: deslinavam-se à defesa da casa forte
que ali havia e a que recolhiam as guarnições, quando atacadas, como
sc verificou, conforme vimos, cm uma das ocasiões em que os negros
aguerridos de Henrique Dias as levaram ao completo aniquilamento.
A ponte que se começou a construir na lagoa dc Extrcmoz, sc data
dessa época,mão^visava igiiahnçnle a atender à comodidade dos povos:
era talvez exigida pela necessidade de facilitar- a mobilização dc forças

94
dc socorro para o Ceará-Mirim, onde os insurgentes iam, uma vez por
outra, prover-sc dc gado e cereais.
Afora isto, não resta nem mesmo_a_notícia de quaisquer outros me­

lhoramentos efetuados pelos intruso Se eles existiam, devem ter sido
tão modestos e improfícuos, como as suas decantadas expedições «no inte­
rior, cuja importância sc pode avaliar pelas que deram cm resultado a
descoberta das salinas. Destas, as de Mossoró eram conhecidas desde o
começo do século, quando Pcro Coelho dc Sousa e outros as atravessa­
ram a pc, depois do malogro da colonização do Ceará; c as dc Macau,
compreendidas na sesmaria concedida a Antônio c Matias dc Albuquerque
c seus filhos, cm 20 dc agosto de 1605, são, provavelmente, as de quo
falam frei Vicente do Salvador cm sua História, concluída cm 1627, c o
brabantino Verdonck, na memória que escreveu cm 1630. E, não obstan­
te, relatórios e cartas, publicados em nossos dias (vide Bceista do Ins­
tituto Histórico Brasileiro, tomo 57, parte primeira, págs. 237 c seguin­
tes), dão as honras do seu descobrimento a Gedeon Morris c Smicnt,
que delas souberam tirar proveitos imediatos, para melhor servirem aos
interesses da companhia, cuja política na Amcric
*a foi sempre a dc lo-
cuplctar-sc com o labor estranho, sem preparar vantagens futuras. Assim
foi tudo c por toda parte.
Na terra gloriosa onde nasceu Camarab — e que os invasores reduzi­
ram ao extremo dc não ter um escabino ou um colono que a representasse
na assembléia que Nassau reuniu no Recife, dc 27 dc agosto a 4 de se­
tembro dc 1640 — somente ficou, como lembrança inapagável do jugo
flamengo, a tradição, que não morre, dc provações tremendas.

95
INÍCIO DO POVOAMENTO
DOS SERTÕES E REVOLTA
DOS ÍNDIOS

O período que se segue imediatamente expulsão dos holandeses é }


um dos mais obscuros da história do Rio Grande do Norte. Aires dc Casal
(Corografia Brasilica) c outros, depois dele, informam que, restaurado o
domínio português, parte da capitania foi doada a Manuel Jordão, “que
pereceu naufragado na ocasião do desembarque”, sabendo-se tarnbcm que
mais tarde (em 16S9, diz Cândido Mendes) houve outra doação: “Consta
vagamente qnc a capitania do Rio Grande foi doada a Francisco Barreto
e tocou, com o título de condado, a uma filha sua, que se casou com o
almirante Lopo Furtado dc Mendonça” (Porto Seguro, História do Brasil).
Esses atos nenhum alcance tiveram, porque os donatários sc não apro­
veitaram da beneficência real, revertendo ;i Coroa o território da capitania,
que. de acordo com os documentos conhecidos, foi efetivamente governada
até o fim do século XVII pelos seguintes capitãcs-mores:
Antônio Vaz Gondim
Valentim Tavares Cabral
Antônio de Barros Rego
Antônio Vaz Gondim (segunda vez)
Francisco Pereira Guimarães
Geraldo de Suny
Antônio da Silva Barbosa
Manuel Muniz
Pascual Gonçalves de Carvalho
Agostinho César de Andrade
Sebastião Pimentel
Agostinho César de Andrade (segunda vez)
Bernardo Vieira dc Melo______
Ao primeiro governo dc Antônio Vaz Gondim não fazem referencia
nem Porto Seguro (História do Brasil) nem Gonçalves Dias (Catálogo
dos Capitâcs-nwrcs c Governadores do Rio Grande do Norte, na Revista
do Instituto Histórico Brasileiro, tomo 17). É, porém, fora dc dúvida que
exerceu ali a autoridade suprema, provavelmente de 1656 ate 1663, con­
forme sc verifica dos livros de registros dc cartas c provisões do Senado da
Câmara dc Natal e demonstrou-o Vicente dc Lemos (op. cit.):
*Novamente de posse dc todo o Brasil holandês, voltou a metrópole
ao regímen anterior do governo dos capitães-mores. Foi Antônio Vaz o
primeiro nomeado para a capitania cm janeiro dc 1656 por seis anos, o
que se deduz da patente que o nomeou pela segunda vez, a 5 dc outubro
dc 1672, porquanto a mencionada patente, rememorando os seus serviços
durante aquele período governamental, diz: *E com igual procedimento
se haver no governo da capitania do Rio Grande cm que assistiu por mais
dc seis anos, procedendo a contento daqueles moradores, fazendo muitas
obras necessárias para conservação daquela praça e fortaleza dos Reis
Magos.”
“Os primeiros atos de Antônio Vaz que encontramos registrados datam
dc 12 dc julho dc 1659. Assim c o que concede uma sorte dc terra na
ribeira do Potengi, e uma outra na dc Mipibu ao capitão Francisco Men­
donça Eledesma.
Em 8 de janeiro de 1660, concede por sesmaria a ilha de Bom Sucesso,
na ribeira do Cunhaú, ao padre Leonardo Tavares dc Melo, vigário dc
Nossa Senhora da Apresentação do Natal, cujas funções exercia, havia
mais dc quatro anos.
Nomeia ainda a 4 dc abril desse mesmo ano para os ofícios dc tabelião
c escrivão dc órfãos ao sargento reformado Francisco Rodrigues, c a Fran­
cisco de Oliveira Banhos, escrivão das datas e sesmarias.
Em 6 de março de 1662, nomeia também escrivão do Senado da Câ­
mara a Domingos Vaz Coelho e, a 11 de abril, a Francisco Lopes escrivão
da fazenda real.
Achavam-se eleitos desde de 16 de abril do mesmo ano, para o Senado
da Câmara, juiz mais velho, o capitão Francisco Mendonça Eledesma; juiz,
Francisco Pires; vereador mais velho, Antônio Gonçalves Ferreira; vereador
mais moço, Inácio Pestana; c procurador, Francisco Rodrigues. O Rio
Grande tinha a esse tempo por guarnição duas companhias dc infanteria,
uma assistindo na fortaleza c outra na cidade, subordinadas ambas ao
governador de Pernambuco.
Pod-C-^c dizei jjuc a capita; l.agora a povoar-se, mas_«ainda
azia cm gríT)Jueq5cnúria.”
Dc falo, o Rio Crande não passava então dc um vasto campo de devas­

Í tates e dc ruínas. A obra da colonização, tão promissoramente iniciada


antes da invasão holandesa e que ia ser continuada depois dela em condi­
ções mais favoráveis porque o interior havia sido, cm grande parte, devas­
sado, fora destruída quase por completo, sendo assinalado na segunda
patente de nomeação dc Antônio Vaz, como um dos maiores serviços pres-

97
tados por e)e durante a sua primeira administração. o ter conseguido que
se recolhessem à capitania mais de 150 moradores.

Valentim Tavares Cabra), nomeado por seis anos pela patente real
de 12 de fevereiro dc 1663, tomou posse a 5 de dezembro do mesmo ano
(Livro 1 das Cartas e Provisões do Senado da Câmara dc Natal), quando
terminou o governo dc Antônio Vaz. O regimento que, em 4 de outubro,
ainda de 1663, fofa dado a Tavares Cabral recomendava constante c solí­
cita vigilância em tudo que dissesse respeito à fortaleza e defesa da capi­
tania; determinava que fosse feito o alistamento dc todos os moradores cm
condições dc pegar cm armas, xrbrigaiido-os a possübTas p passando-lhes
mostra pelo menos uma vez por ano; prescrevia a sua subordinação exclu­
siva ao governo da Bahia; regulava a precedência do comando dc forças
quando vinda de outras capitanias; dava instruções sobre a substituição
dos comandantes de companhias c estabelecia a competência para o pro­
vimento dc ofícios de justiça, que só interinamente c por dois meses podia
ser feito pelo capitão-mor; proibia a sua intervenção cm assuntos afetos à
administração da fazenda c da justiça, cm relação aos quais apenas lhe
cabia informar ao governo geral; vedava que sc envolvesse cm tudo quo
fosse das atribuições do Senado da Câmara; ordenava que não houvesse
apelações nem agravos na capitania a não ser para a Relação da Bahia,
exceto quanto às decisões do provedor c oficiais da fazenda, que seriam
para a provedoriamor; revogava quaisquer ordens oii estilos cm contrário
às suas determinações. Por fim, declarava D. Vasco Mascarcnhas, Conde»
dc Óbidos, que fora quem expedira esse regimento cm 1*- dc outubro dc
1660 para todos os capitães-morcs c. quem mandara que fosse observado
por Tavares Cabral, que esperava sc houvesse de modo a corresponder
sua confiança, "dando logo conta c com o maior cuidado das matérias de
maior importância para que mandasse o que mais conveniente fosse ao
serviço d’El-ref.
Um dos artigos do regimento proibia cxpressamenlc que o capitão-
mor fizesse concessões de sesmarias. Ele, porem, fez, figurando entre
cs que as obtiveram João Fernandes Vieira com uma dc dez léguas dc
comprimento c outras tantas para o sertão, a começar da barra do Ceará-
Mirim, correndo pela costa, ate Touros. Essa concessão foi dc 22 de junho
de 1666, tendo o concessionário tomado posse da mesma pelo seu pro­
curador. padre Leonardo Tavares dc Melo, em 4 de setembro do referido
ano, perante o provedor da fazenda, Diogo Fragoso Souto Maior, c das
testemunhas Francisco de Oliveira Banhos c Manuel dc Abreu Soares
(Revista do Instituto Histórico Brasileiro, tomo 19).
Para assim proceder, Tavares Cabral, como o seu antecessor, se baseava
numa carta do governador geral, dc 16 de março de 1660, na qual, res­
pondendo a uma consulta dc Antônio Vaz, dissera:
“As terras devolutas que não tiverem dono pode V. Mee, dá-las a
quem as pedir, precedendo, porem, informações do provedor da fazenda
da capitania, advertindo que há de V. Mee declarar nas suas provisões
/'não prejudicando a terceiros”, porque, a todo tempo que os primeiros
possuidores c seus herdeiros as procurarem, poderão entrar nelas sem
impedimento, porque nós não podemos dar a fazenda alheia” (Livro I das
Cartas c Provisões do Senado da Câmara dc Natal).
Os seus sucessores não abriram mão da competência que neste parti­
cular, como cm relação a outros assuntos, sc arrogavam, sendo certo que,
quanto ao Rio Grande do Norte, vários atos do governo de Lisboa aprova­
ram mais tarde o procedimento dos capitães-mores, mandando que, não
só no tocante às sesmarias, como no provimento dc ofícios c dc alguns
postos c jurisdições, se guardassem as normas já estabelecidas, atendendo
sobretudo a que os mesmos capitães-mores estavam na posse sem contro­
vérsia dessas atribuições e havia conveniência para as partes cm que as
mantivessem (vide, entre outras, a carta régia de 22 dc dezembro de 1715,
na Revista do Instituto Histórico c Geográfico do Rio Grande do Norte,
vol. XI, pág. 163).
x
Não há erro em afirmar que o governo de Tavares Cabral se limitou
à concessão dc sesmarias c perseguição dos índiòi que, uma vez por outra,
vinham perturbar os estabelecimentos rurais'dos colonos; e isto sc com­
preende facilmente, desde que a inquietação c desassossego cm que viviam
estes, a sua e a extrema pobreza da terra, e a falta quase absoluta dc pro­
visões c mantimentos, que escasseavam até para as reduzidas forças da
guarnição militar, não lhe permitiam, principalmcntc dadas as restrições
do regimento, iniciativas úteis e proveitosas.
A Tavares Cabral, que deixou o governo a 21 dc janeiro de 1670,
substituiu Antônio de Barros Rego, cuja patente dc nomeação tem a data
dc 13 dc fevereiro de 1668. Foi nomeado por três anos; mas esteve em
exercício até 21 de junho de
* 1673.
Os holandeses, durante a ocupação da capitania, haviam arrasado a
^primitiva matriz dc Natal, e, depois dc sua expulsão, os atos religiosos
\ eram realizados em uma casa de taipa construída pelo seu primeiro vigário,
< Padre Leonardo Tavares dc Melo. Ê do tempo de Antônio de Barros o
j início da construção do novo templo, concluído cm 1694 c ampliado cm
bl786. Para isto sc cotizaram os moradores, que tiveram o auxílio do capitão-
mor; e ‘'reunido o Senado da Câmara a 23 de novembro de 1672, com
assistência do desembargador Manuel da Costa Palma e do vigário da
freguesia, Paulo da Costa Barros, foi resolvido com os fieis levar-se a
efeito a construção”.
“Foram nomeados para arrecadar as cspórtulas já subscritas, nos limi­
tes do Cunhaú, o capitão Pedro da Costa Falciro; nas Guaraíras, o sargento-
mor Francisco Lopes; c no Potengi o capitão Manuel da Cruz Soares,
ficando o vigário como depositário das quantias que fossem arrecadadas”
(Vicente de Lemos, op. cit.).

99
Depreende-se desta transcrição que o movimento colonizadfcr, que
só então se acentuava de novo, estava ainda circunscrito a uma estreita
faixa do litoraj^de Natal para o sul: em terras compreendidas entre as z à
■ ribeiras do Potengi e do Cunluül, que, com as do Ccará-Mirim, onde o m1’1
povoamento se desenvolvería dentro em pouco, eram justamente as molho- v
res para a lavoura, naquela cpoca, como ainda boje; mas, a partir daí, '
esse movimento sc acelera. A cada dia quq passa) maior é o número dc
colonos que, sem se descuidarem, da agricultura, que desenvolvem nos
vales próximos à costa, vão penclrancte o interior c buscando nas facilida-;
des da criação mais compcnsadoras vantagens ao seu esforço; c é doi /
desenvolvimento da indústria pastoril, por um lado, c da. necessidade • r
dc conter o. gentio, após constantes sublcvaçõcs, por outro, que há de vir 1 J1
o povoamento dos sertões.

Antônio Vaz Gondim, que substituiu Antônio de Barros Rego, cm 21


dc junho dc 1673, foi nomeado pelo prazo de três anos por patente real
de õ de outubro de 1671. Nessa patente não figura o sobrenome do Gondim;
mas este consta do registro de todos os seus atos.

As obras da igreja matriz e os reparos dc que precisava a fortaleza,


a concessão de sesmarias e o aumento da edificação da cidade, eis o que
preocupou Antônio Vaz cm sua segunda administração, que sc prolongou
até 21 dc maio de 1677, quando sc empossou Francisco Pereira Guimarães
nomeado a 28 de maio dc 1676. Velho c doente, este faleceu no exercício
do cargo dc capitão-mor, cm 2 dc novembro dc 167S. Foi nesse ano que
o Rio Grande do Norte leve, pela primeira vez, a visita dc um bispo, D.
Estêvão Brioso dc Figueiredo, primeiro bispo nomeado para a diocese
dc Olinda, após a sua criação por bula do Papa Inocencio NI, dc 16 dc
novembro de 1676.
Morto Pereira Guimarães, assumiu o governo o Senado da Câmara
de Natal, que, a 3 de abril de 1679, o transmitiu a Geraldo dc Suny,
nomeado capitão-mor interino pelo governador geral Roque da Costa
Barreto.
Durante a administração de Suny, os donatários de uma sesmaria
concedida nas costas de Touros (Francisco dc Almeida Vena, administra­
dor das aldeias dc índios, seus sobrinhos e cunhados) procuraram impedir
aos colonos a indústria da pesca, assim como o uso das salinas. Sobre
este fato, que convem conhecer, porque desde então a todos os colonos
foi assegurado o direito dc sc utilizarem do sal das salinas c dc fazerem
livremente a pesca, escreveu Vicente dc Lemos (op. cit.): “O Senado da
Câmara, na sessão dc 20 dc novembro de 16S0, deliberou representar ao
governador geral contra a proibição c pedir a revogação da concessão
sob o fundamento dc serem as praias realengas c buscarem ali
os moradores seus recursos, piscosa como era aquela costa marítima.
Mandou o governador que informasse a respeito o provedor da fazenda
real e, pelo alvará de 10 dc dezembro do mesmo ano, decidiu que a con-

100
; cessão feita não compreendia as praias, a pesca e o uso das salinas; e
, t V ai ao Senado da Câmara oue fizesse i imar da decisão aos do­
natários”.
Geraldo dc Suny cxerccu as suas funções ate 3 dc setembro de 1381,
quando, por molcstia, entrou no gozo dc licença que obtivera.
Seguiu-se a interinidade de pouca duração do Senado da Câmara,
pelos seus oficiais Antônio Gonçalves Ferreira c Francisco Ferreira Coelho,
interinidade a que pôs termo a chegada dc Antônio da Silva Barbosa, no­
meado pelo governador geral, ainda Roque da Costa Barreto, em 5 dc
julho dc 1681. **
Nao sc pode precisar o dia em que este capitão-mor chegou
à capitania c assumiu seu posto; mas, pelos atos que se encontram regis­
trados, o seu governo começou, pelo menos, a 8 de novembro do mesmo
ano, como faz certo o provimcolo dc João Correia para o posto dc capitão
de iníanlcria dc Natal.
Antônio Barbosa governou pouco mais de sctc meses, porque a 25
de maio do ano seguinte chegou o seu sucessor, nomeado por patente
d’El-rci, c no mesmo dia entrou cm exercício.
A 24 de dezembro de 1681, proveu a Roque Nogueira de Sousa no
posto de capitão de ínfanteria das ordenanças da ribeira do Ceará-Mirim
c a 2 dc janeiro do ano seguinte nomeou para igual posto a Estevão Velho
dc Moura, na ribeira do Açu, a partir do riacho Paraibu, nas cabeceiras do
Piató. até o rio Jaguaribe c Xoró. Reza a patente que nessas paragens
sertanejas foi ele o primeiro que tratou pazes com o gentio c os tinha do­
mesticado com grande dispendio. lendo por companheiros da emp
Josc Peixoto Viegas, cavaleiro da Ordem de Cristo. Antônio de Albuquer­
que Câmara, coronel, Manuel da Silva Vieira, sargento-mor, além de
mais trinta e dois outros companheiros, os quais cm comum requereram
a 22 de novembro do mesmo ano e obtiveram do capitão-mor da capitania
uma data dc sesmaria, consoante aos limites da patente de Estêvão Velho.

Esta data foi confirmada cm 12 dc fevereiro dc 16S2 pelo governa­


dor geral do Brasil, Roque da Costa Barreto” (Vicente de Lemos, op.
cit).
Seguiu-se o governo de Manuel Muniz, que, nomeado por patente
real de 5 de setembro de 16S0, tomou posse cm 25 dc maio dc 16S2. Em
informação que prestou sobre o estaao da capitania, disse, em 22 dc
julho dc 16S4 (Liuro II das Cartas c Provisões do Senado da Câmara dc
Natal): “Que a Fortaleza dos Reis Magos, sendo uma das primeiras
do Brasil, não possuía guarnição suficiente, e faltava-lhe material de guer­
ra. Constava apenas a guarnição de quinze a dezesseis praças que vinham
dc Pernambuco, quando outrora dispunha dc sessenta c setenta. Acon­
tecia muitas vezes que, pela mudança, ficava reduzida a cinco ou seis
infantes. A munição existente compunha-sc dc dois barris de pólvora
grossa c muito velha, setenta balas que haviam deixado os holandeses,

101
seis cunhetes de balas mosquete, doze peças de bronze e nove de ferro,
imprestáveis. Os quartéis estavam arruinados, e acrescentava que de tudo
isto tinha dado conhecimento ao governador geral da Bahia, que mandou
acudir com os efeitos da fazenda real. Em relação aos colonos, dizia,
moravam uns distantes dos outros, disseminados pelos sertões, sem as
precisas garantias, sujeitos à rebeldia dos índios, que traziam sempre viva
a lembrança dos flamengos, desejando a presença dc qualquer inimigo
para bater os moradores. O Rio Grande podia contar com trezentos ho­
mens brancos para as armas, sendo, dentre estes, cem solteiros, que desa­
pareceríam dada qualquer eventualidade ofensiva, e os duzentos eram
pouco para a defesa dc suas famílias. A fortaleza podia dispor, em mo­
mento dado, dc oitenta homens das ordenanças, que considerava insufi­
cientes quando o inimigo tentasse sc apoderar da capitania; c, cm tal caso,
ficando a Paraíba inferior a todo o seu sertão, desejaria por ele os bárba­
ros tapuias, gente que onde anoitecia era aí a sua morada; e, assim, toda
a' campanha ver-se-ia exposta a ser talada, asscnhoreando-sc o inimigo
dc todo o mantimento. Enfim, concluía o capitão-mor, vivo metido numa
casa como simples particular, sem força para prender e castigar desafo­
rados criminosos”.
As dificuldades se agravaram no governo do sucessor dc Manuel Mu­
niz, quando houve a sublcvação geral dos índios. Esse sucessor foi Pas-
coal Gonçalves de Carvalho, que, nomeado por patente real de 11 de
outubro de 16S4. assumiu a administração a 30 dc agosto do ano seguinte,
conforme comprova uma folha de pagamento da Provcdoria da Fazenda
Real existente no Instituto Histórico c Geográfico do Estado. Dc seu
governo data, como dissemos, a sublcvação geral dos índios, que foi o
acontecimento de maior importância ocorrido na capitania durante os úl­
timos anos do século XVII e. a par do desenvolvimento da indústria
pastoril, a causa ocasional do definitivo povoamento dos sertões.
A Pascoal Gonçalves, cujo último ato oficial conhecido c de 28 de
abril de 168S (Livro U das CqrtascProvisões do Senado da Câmara dc
Natal), sucedeu Agostinho César de Andrade, que serviu a princípio
por ordem do governador geral ê“3cpofs"põr patente real de 7 dc maio
de 1688, segundo se depreende do confronto de vários documentos e do
que escreveram Gonçalves Dias e Vicente de Lemos. A sua posse reali-
zou-sc cm junho desse ano, não sc podendo fixar precisamente o dia.
Governou ate 22 de agosto de 1692. sendo a sua preocupação máxima
pacificar os índios revoltados. Dessa cpoca c a seguinte informação pres­
tada pelo Sèhadü da Câmara ou ouvidor da Paraíba, que a havia solici­
tado, sobre os vencimentos, propinas, prós c percalços, que percebiam os
empregados da capitania (carta de 18 de maio de 1691. registrada no,
Livro das Cartas c Provisões): O Capitão-mor tinha de vencimentos
anuais duzentos mil réis e dc propinas cem, quando se arrematavam os
dízimos, que presentemente não havia pela guerra que faziam os bárba­
ros. Percebia o provedor da fazenda real cinquenta mil réis dc vencimentos
e dc propinas trinta c cinco, quando havia arrematação dc dízimos, sem

102
prós nem percalços. 0 almoxarife e seu escrivão, o escrivão da fazenda
e da alfândega não percebiam vencimentos por não ter provisão régia:
os contratadores davam aos dois primeiros vinte mil réis de propinas pela
arrematação dos dízimos dos anos atrasados; e tinham os dois últimos
iguais propinas, computando nestas os termos de arrematação, sem prós
nem percalços. Não tinha o juiz ordinário vencimento algum, c pela limi­
tação da capitania rendia-lhe anualmente o cargo doze m»J róis. Quanto
ao respectivo escrivão podia fazer quinze mil reis. O provedor dos de­
funtos e ausentes não percebia nem ordenado e nem emolumentos, assim
como o tesoureiro e escrivão. O escrivão da Câmara, pago por esta, tinha
dez mil reis anuais sem prós nem percalços, e nas mesmas condições
percebia o alcaide seis mil réis. Finalmente, os dois tabeliães do público
c judicial podiam fazer por ano trinta mil réis
*.
Agostinho César foi substituído por Sebastião Pimentel. Diz Porto
Seguro que a patente de sua nomeação é de fevereiro de 1692, afirmando
Gonçalves Dias ser de 2S desse mês c ano a sua posse.
Houve engano por parte deste último, sendo provável que 28 de
fevereiro seja a data da nomeação, o que completa a indicação dc Poito
Seguro. 3 assim pensamos porque a sua posse realizou-se a 22 de agosto
do mesmo ano, constando dc provisão real de 17 dc março, ainda do re-
lerido ano dc 1692 (registrada no Livro 111 dos Cartas c Provisões do Se­
nado da Câmara de Natal), o seguinte: * Eu, El-rei, faço saber aos que
esta minha provisão virem que, tendo respeito a haver feito mcrcc a Se­
bastião Pimentel do cargo dc capitão-mor do Rio Grande, por tempo dc
tres anos, c a mc representar ser soldado pobre e não ter com que se
haver para a viagem; hei por bem fazer-lhe graça de que possa vencer,
para ajuda de custo, o seu soldo desde o dia em que dt'st;. Corte sc em­
barcar para ir servir o seu posto
.
*
Sebastião Pimentel governou pouco mais de um ano, falecendo a 3
dc outubro de 1693. Assumiram o governo os oficiais do Senado da Câ­
mara, segundo sc vc do registro da carta que sc segue (20 de julho dc
J694): “Senhor: Damos conta dc que foi Deus servido levar para si o
capitão-mor. Sebastião Pimentel em 3 de outubro do ano passado, e_do
estadd ^iscráy^l em que se acha esta capitania com a porfiada e conti^
nua guerra'que move o gentio Bárbaro contra os moradores há mais dc
sçtc anos, sem mais causa que a do seu danado intento, fazendo notáveis
dcslruiçõcs nas fazendas e vidas com seus continuados assaltos sem que
ale o presente se dispusesse dc meio eficaz para reparo dc tão grande
ruína, porque os poucos socorros c muito limitados que tem vindo dc
Pernambuco só chegaram muito cedo para verem a lástima desta destrui­
ção, porém tarde para o remédio dela, ficando sempre os ditos moradores
cm natural desamparo, fazendo oposição ao furioso ímpeto dos bárbaros,
como leais vassalos de Sua Majestade, acudindo com suas pessoas ao
risco dos combates c com suas limitadas fazendas as despesas dc guerra
para a qual não foram nunca socorridos com pagas. E, do pouco que sc

103
tem visto, podia servir-lhes de motivo poderoso para os obrigar a largar
esta capitania, pois estiveram sempre sem defesa alguma porque até as
: munições tivemos uma falta grande c o mesmo presídio da fortaleza, que
conta vinte homens dos terços dc Pernambuco, não assistem nela, porqííe
fazem ausência para os seus terços sem tornarem a voltar, c as duas tronas
de paulistas, que vieram a esta conquista sc tem tornado sem efeito algum,
servindo a sua vinda de maior dano a estes perseguidos moradores que
obrigados de seus apertos recorrem a Sua Majestade, pedindo queira por
neles os olhos de sua grandeza para que dc algum modo faça sossegar
o seu contínuo receio com que sempre estão. Estas mesmas notícias
temos dado ao governador geral deste estado por um próprio que lhe
enviamos c ate hoje tem tardado as esperanças com que nos respondesse,
supomos seja causa desta dilação o querer avantajar-se para maior de­
sempenho como tão grande servidor de Vossa Majestade c tão zeloso de
seu real serviço, como por obras tem mostrado. A Real Pessoa de Vossa
Majestade guarde Deus, como todos os seus vassalos lhe desejam”.
Ignora-se qual a duração do governo interino dos oficiais do Senado
da Câmara. É certo, porem, que terminou antes dc 6 de outubro de
1694, porque dessa época é o primeiro ato oficial de Agostinho César de
Andrade, que o substituiu em virtude de nomeação do governador geral,
de 6 de julho do mesmo ano.
A segunda administração deste, durante a qual o seu maior trabalho
consistiu, como tinha consistido na primeira, em velar pela segurança da
capitania, ainda ameaçada pelos índios, não foi longa: documentos irre­
cusáveis provam que em 4 de julho de 1695 já governava Bernardo Vieira
de Melo, o grande patriota pernambucano que acabaria na cadeia do 1
Limoeiro, cm Lisboa, pela nobre audácia e intemerata firmeza com que,
no Senado da Câmara de Olinda, propusera, a 10 de novembro dc 1710,
o estabelecimento de um governo republicano ad-instar do de Veneza.
Desconhecem-se o dia da posse e a patente de nomeação dc Bernardo
Vieira de Melo; mas, quanto à última, diz Pereira da Costa (Dicionário
Biográfico dc Pc mo mim ca nos Çc/cbrr^queMoi de 8 de janeiro dc 1695.
CoubeJhe alortuna dê reduzir t&do o gentio^
* uma universal paz, pelo } ç,.v ’
3uc foi reconduzido no cargo , dc capitão-mor, que exerceu até agosto (
_e 1701. .
Dois fatcjfc culminantes caracterizam a história da capitania através
os diversos governos a que nos referimos ligeiramente: o início do po­
voamento dos sertões e a revolta dos índios.
O governador destes fora, durante a ocupação holandesa, Antônio
Paraupabn, que vivia na aldeia dc Orange, situada a poucas léguas de
Natal, provavelmente entre as ribeiras do Potengi c Jundiaí, conforme se
infere de roteiros de viagens feitas em 1650 por exploradores que procura­
vam descobrir minas de ouro e prata (vide Revista do Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte, vol. V). Expulsos os invasores, cm

104
cujas mãos tinha sido instrumento passivo, apesar dc parente próximo de
Camarão, Paraupaba relirou-sc para os sertões do lbiapaba, o que também
fizeram mais de quatro mil dos seus (vide Revista do Instituto Histórico
Brasileiro, tomo 75), que, As vezes, dali desciam, em companhia dc hordas
que habitavam aquelas regiões, para, atacai os estabelecimentos portu­
gueses c perturbar a obra de reconstrução colonial, trazendo cm cons­
tantes desordens todo o Nordeste, c cspccialmcntc a capitania que melhor
conheciam.
Essas desordens sc revestiam da maior crueldade, parecendo que a
elas não eram estranhos, pelo menos no começo, os conselhos dos aven­
tureiros flamengos que continuavam a viver entre eles. E a exposição
z que, cm agosto do ano cm que se deu a expulsão dos inslrusos, fez na
Ilolanda o mesmo Antônio Paraupaba fornece uma prova dc que a se­
melhante suposição não falta fundamento, pois não c crível que ele tenha
empreendido a viagem apenas comissionado pelos dc sua raça. Diz essa
exposição (cit. Revista do Instituto Histórico Brasileiro, tomo 75):
"Altos e Nobres Senhores, etc.
Antônio Paraupaba, ex-regedor dos índios do Rio Grande, faz ver
com todo respeito a W. Ex?
* que todos os índios (ainda não muito tempo
habitantes naquela região do Brasil c obedientes ao governo deste Estado
ate a última conquista feita pelos perjuros portugueses), como súditos
bons e firmes na sua fidelidade para com este Estado e a Religião re­
formada dc Cristo, a única verdadeira, tem vivido e perseverado até agora
nesses sentimentos.
Sendo por isso o suplicante enviado a VV. Ex
** por aquela Nação
que se refugiu com mulheres e crianças para Cambrossivc no sertão além
do Ceará a fim de escapar aos ferozes massacres dos portugueses; para
asseverar a W. Ex *s, em nome daquelas infelizes almas, não somente
a constância da sua fidelidade, como também que procurarão a sua sub­
sistência pelo espaço de dois anos, e mesmo mais, nos sertões, no meio
de animais ferozes, conservando-se a disposição deste Estado c fieis à
Religião Reformada que aprenderam c praticaram; contanto que W. Ex^
*
se dignem garantir-lhes igualmcnte que no fim do dito prazo poderão
esperar auxilio e socorro dc W. Ex* 3
Sc lhes faltar esse auxílio, aquele povo tem necessidade dc cair
afinal nas garras dos cruéis c sanguinários portugueses, que desde a
primeira ocupação do Brasil têm destruído tantas centenas de mil pessoas
da sua Nação, e cspecialmcnte depois que ela procurou a proteção das
_ armas deste Estado c adotou o verdadeiro culto divino, e que agora, se
for abandonada, terá dc fazer penitência extiqiando-o.
Aquele povo não pode acreditar que W. Ex * 5 o recompensem dessa
forma por seus fiéis serviços c tantas c tão longas miscrias, fome c mas­
sacres, nem que permitam que aqueles que foram uma vez trazidos ao

105

k < I' ~j ' . iTf


conhecimento da verdadeira religião se retirem dela, e seja cortado o
caminho (pie lhes apontaram para o Reino de Jesus Cristo; nem deixem
que eles recaiam na sclvagcria entre as feras nos sertões bravios, pois-
teriam dc prestar contas ao Grande Todo Poderoso Deus, que c contra os
que por usura enterram a sua libra com medo dc a gastar.
Portanto, confiamos firmemente que VV. Ex’^ (que sempre se mos­
traram como verdadeiros pais c defensores dos oprimidos c desamparados,
e sinceros paladinos da verdadeira igreja dc Deus) mandarão o mais
depressa possível para lá o socorro suficiente para a subsistência da infeliz
nação de índios e para a conservação da Igreja Cristã Reformada, a única
verdadeira.
E, como o suplicante, deixando pai v mãe, filhos e parentes, trazen­
do apenas consigo, para o consolarem cm sua tristeza, dois filhos crian­
ças. tenha chegado aqui quase nu e sem recursos, solicita muito lmmil-
demenle, confiado no bom coração de VV. Ex*s, sc dignem macular forne­
cer a roupa necessária c pensão a si c seus dois pobres filhos, a fim dc
poder esperar que. em tempo oportuno, sejam despachados os seus re­
querimentos anteriores.
Haia. 6 dc agosto dc 1654.
(assinado) Antônio Paraupaba.
Em uma segunda exposição, de 1)656, Paraupaba. recordando’ os
serviços prestados pelos índios, ate cm expedição ã África, c na qual se
refere ao martírio de Pedro Poti, que foi governador dos índios da Pa­
raíba e caiu prisioneiro dos insurgentes na segunda batalha dos Guara­
rapes. insiste cm pedir auxílios para os seus, o que indica que, se pro­
messas foram feitas em 1654, não chegaram a ser cumpridas. Os holan­
deses, apesar do apelo que lhes foi dirigido em nome de Deus, "que c
contra os que por usura enterram a sua libra com medo dc a gastar,
*
preferiram conservá-la, sem se lançarem cm empresas inviáveis.
Ê, entretanto, de presumir que estimulassem a lida, aproveitando-
se da circunstância de serem numerosas as uniões entre holandeses e
portugueses c entre holandeses c índias, tão numerosas que sobre as pri­
meiras o Supremo Conselho do Recife tomou cm 23 de dezembro de
1645 a seguint? deliberação:
"Presentes os Srs. Hamel, Bullcstratcn c Bas. O cscoltcto c cscabi-
nos do Rio Grande notificaram-nos que muitos neerlandcses se casam
com viúvas dc portugueses c depois sustentam epic os bens daqueles lhes
pertencem, c por conseguinte procuram chamá-los a si. Os soldados e
índios, que estão dc posse dc muitos animais c negros, incluídos naque­
les l>cns. julgam, pelo contrário, que são suas presas c lhes pertencem
de direito.

106
Tendo sido consultado o Conselho de Justiça, para ver o que convi­
nha fazer, ficou resolvido comunicar ao escoltelo e cscabinos que tudo
o que for adquirido na guerra, no primeiro ataque, pelos soldados e ho­
mens livres, como sejam os índios, deve ser deixado com esses, c que
lhes cumpre ver que as outras partes se acomodem, tanto quanto for
possível; quanto aos bens dc que ainda ninguém se apossou e ficaram
fora da presa, devem ser arrolados cm nome da Companhia, c. sc os que
casarem com as ditas viúvas os quiserem resgatar, tem de os comprar à
Companhia”.

Dada a situação que esta consulta faz entrever, c provável que mais
tarde, quando ainda sc arrastavam na Europa as negociações paia justes
internacionais, os ex-dominadores mantivessem insidiosamente os fermen-
los dc agitação na colônia, para deles tirar partido, assim como que in­
citassem os ambiciosos a virem para o Brasil fazer causa comum com os
revoltados.

Talvez esteja mesmo no maior cruzamento então operado entre eles


c os índios a explicação para a diferença de tipo que, não raro, sc observa
entre os sertanejos c os habitantes do litoral nortc-río-grandcnsc. No meio
dos primeiros veem-se, quase sempre, homens alourados. fortes, dc olhos
azuis, que lembram os holandeses; c quem viaja pelo interior encontra a
miúdo, brincando na porta dos casais, criancinhas louras, de inquietos
olhos cor dc safira (esta observação é dc João do Norte, pseudônimo dc
Gustavo Barroso, em seu livro Terra dc Sol. c feita cm relação no Ceará;
mas outros já a fizeram também quanto ao Rio Grande do Norte c é
absolutamente verdadeira).

Além da causa que acabamos de estudar, outras houve epic expli­


cam c. em parte, justificam a revolta geral dos índios. Delqs disse Gon­
çalves Dias (op. cit.); “Sabemos qual era a tática seguida gcralmcntc
pelos colonos, depois das leis epic aboliram a escravidão dos índios: era
injuriá-los nas suas pessoas c propriedades, incitá los por todos os meios
à guerra contra os seus vizinhos ou contra os próprios colonos e daqui
tiravam plausível pretexto para os guerrear e cativar.

Isto, que era então gcralmcntc steguido nas d: mais capitanias, deve­
ra-o ser nesta principalmente^ onde por falta de escravos pretos esmore­
cia a agricultura c padecia o serviço domestico^ Ainda hoje, depois que
com a inteTa liberdade dos indígenas a carência de braços não forja
pretexto para os guerrear, a cobiça dc possuir terras suas, c de que estão
dc posse há muitos anos, terras que. seus pais e avós já cultivavam c la­
vravam, com diferente resultado, rqiroduz os mesmos fatos. Durante a
minha estada nesta província, aconteceu que um fazendeiro por querer
esbulhar índios mansos de terras que tinham, mas das quais se perdeu
o título, ficando apenas, além do falo, a tradição de longa c indispu-
tada posse, nem só os ia perturbar nas suas plantações, como levou o
arrojo a ponto de fazer espingardear a um deles mais renitente.

107

•? K Isto, po:s, seria mais frequente cm tempos anteriores; e que o não


5 fosso, havia latente, aumentando-se com o tempo e irritando-sc com ele,
x ’ a luta entre as raças c a malquerença da conquista. Veio um dia cm que
)
’ desapareceu essa fingida paz que existia; os índios levantaram-se em
) massas poderosas, assaltaram os moradores, destruíram as plantações,
assolaram as casas, c por tal forma que a 2 de dezembro de 1687, a Câ­
mara, ponderando que estavam os índios senhores do Açu e a repú­
blica em perigo, ? "vendo o pouco fervor com que se havia o capitão-
mor Pascoal acordou na vereação deste dia irem todos os senadores com
as pessoas que os quisessem acompanhar bater os índios levantados”.
> \ .. Desses índios uns eram potiguares c outros tapuias. Os primeiros, da
< língua geral, senhorcavam, ao tempo da conquista, o território compre­
endido entre a margem esquerda cio Paraíba c a margem direita do Ja­
guaribe, pela costa e ate as ramificações extremas da Borborema; os úl­
timos, sobre cuja classificação etnográfica ainda há sérias dificuldades,
- dominavam nos altos sertões.
>. Seriam cariris? Segundo Martins, estes ocupavam a região que vai
pelo interior, desde o São Francisco ate o Curu ou Acaracu, região que
x Capistrano de Abreu determinou melhor, afirmando que "estavam disse­
minados do Paraguaçu ate o Itapicuru, talvez o Mcarim, cm geral pelo
sertão, conquanto os Tremembcs habitassem as praias do Ceará”.
É, pois, provável que alguns pertencessem a esse grupo, tanto mais
quanto c ainda Capistrano dc Abreu quem pondera, consoante consi­
derações feitas ao demonstrar que os cariris não tinham repugnância
* pelo litoral, como parecera a Martius, que, "pelo menos na Bahia e na
antiga capitania de Pernambuco, já ocupavam a beira-mar quando che­
garam os portadores da língua geral.
Repelidos por estes para o interior, resistiram bravamente à inva-
v são dos colonos europeus, mas os missionários conseguiram aldear mui­
tos e a criação de gado ajudou a conciliar outros. Talvez provenha dos
' cariris a cabeça chata, comum nos sertanejos de certas zonas” (O Brasil,
suas riquezas naturais, suas indústrias c prefácio das notas sobre a Pa­
raíba, de Irineu Jofilly).
Em relação, porém, a algumas tribos, o exame linguístico c os usos
e costumes que tinham excluem essa hipótese (vide, entre outros, o es­
tudo de Paulo Ehrcnreich, traduzido e publicado por Oliveira Lima no
n9 65, vol. XII, da Revista do Instituto Arqueológico dc Pernambuco, c a
Memória sobre os índios no Brasil, de Pedro Carrilho de Andrade, exis­
tente na Biblioteca Nacional e publicada na Revisla do Instituto Históri­
co e Geográfico do Rio Grande do Norte, vol. VII).
Triunfantes os flamengos, uma parte dos potiguares acompanhou
Camarão, combatendo áo lado dos portugueses, e outra parte, obedecen­
do às inspirações de Pedro Poti e Antônio Paraupaba, seguiu os vencedo­
res, aos quais também se aliaram os tapuias. Datam daí as repetidas in-

103
ctirsões que estes fizeram aos lugares em que já existiam colonos, des­
cendo, para isto, do Açu e outros pontos onde habitualmente viviam.
Nessas ocasiões permaneciam de preferência nos vales do Ceará-Mirim,
Potengi c seus afluentes.
uando se deu a grande sublevação, os potiguares se encontravam

S
rzeas próximas ao litoral e as demais tribos dominavam, entre ou­
tras, as terras banhadas pelo Apodi, Upancma, Espinharas, Seridó e alto
c baixo Piranhas. Grande número de potiguares, provavelmente os que
tinha servido no exército libertador ou deles descendiam, secundou os
esforços das autoridades para jugular a rebelião.
Os tapuias, porem, a ela aderiram, cm sua quase totalidade, desde
o primeiro momento. Só muito depois c ao sc tornar impossível a resis­
tência foi que começaram as defecções.

Entre os que figuraram cm maior evidencia nos acontecimentos cs-


tiveran^ os janduís e os caracarás, que tomaram os nomes de dois dc
seus chefes c dos quais diz Elias Herckman que a Rio Grande versus
occidentcm agunt; os areas c pegas, que habitavam as ribeiras do Es­
pinharas, Sabugi e alto Piranhas; os paiacus, da serra dò Cuitc, Picuí c
ribeira do Apodi, e os canindés, cuja zona de domínio se não pode pre­
cisar. Irineu Jofilly fala, sem grande segurança, dos caicós, na fronteira
da Paraíba (Notas sobre a Paraíba). Ignoramos sc alguma tribo teve
essa denominação; mas não duvidamos. E, sc teve, dela deve ter vindo
o nome da atual cidade do Caicó.
A revolta geral dos índios, cujas relações com os colonos jamais fo­
ram inteiramente pacíficas, rebentou cm 1687, sendo capitão-mor Pas-!
coal Gonçalves. Dela nos têm dito vários escritores; mas nenhum o fez
.com melhores documentos do que Vicente de Lemos (op. cit.), que as­
sim resume os primeiros sucessos:

“Em 23 de fevereiro dc 1687, escrevia o Senado da Câmara dc Natal


ao capitão-gcncral de Pernambuco, João da Cunha Souto Maior: “Vimos
pedir com toda brevidade socorro pelo risco em que nos achamos diante
da rebelião dos índios tapuios, que no sertão do Açu já têm morto perto
de cem pessoas, escalando os moradores, destruindo os gados, de modo
que já não são eles senhores daquelas paragens.
A fortaleza acha-sc sem guarnição, não dispõe de recursos necessá­
rios para acudir os pontos atacados e conclui a carta rogando que lan­
çasse as vistas para esse novo, que tão abatidos se achava socorrendo-o.
socorro que não devia faltar em tão extrema necessidade
.
** Dirigindo-se
na mesma data ao Senado da Gamara de Olinda, depois de narrar os
acontecimentos que começaram a 15 de fevereiro, pedia para que junto
ao capitão general interpusesse os bons ofícios, a fim de não faltar com
a remessa aa infantaria e o que mais fosse preciso para debelar o ini­
migo.

109
Ao capitão-mor da Paraíba, escrevendo no mesmo sentido em l9 de
março, depois de relatar os fatos ocorridos c pedir socorro, lembrava que,
se as forças fizessem entrada pelo sertão coníinantc, encontrariam o ca­
pitão-mor Manoel dc Abreu Soares, que tinha^partido para o Açu a fazer
todo dano ao inimigo, a cuja crueldade não escapavam as próprias
crianças.
O governador geral, Matias da Cunha, que recebeu igual comunica­
ção do capitão-mor c do Senado da Câmara, determinou, pela provi­
são dc 6 de setembro do mesmo ano, que o coronel da capitania, fidalgo
da casa real, Antônio de Albuquerque Câmara, reunindo todo o pessoal
disponível das ordenanças e as forças que viessem de Pernambuco c Pa­
raíba, seguisse sem demora a combater as tribos sublcvadas.
0 capitão-mor, para garantir melhor a situação dos moradores daque­
la ribeira, nomeou para a parte central do Açu capitão de infantaria a
Manuel Rodrigues Santiago, e para a parte que vai do lugar Arraial abaixo
até às praias a Manuel do Prado Leão. Em 20 de dezembro também
nomeou sargento-mor do regimento do coronel Antônio de Albuquerque a
Pedro de Albuquerque, irmão deste.
Diante do estado em que sc achava a capitania, c em vista da demora
dos recursos solicitados, o Senado da Câmara resolveu enviar à Bahia um
dos seus oficiais, Manuel Duarte de Azevedo, para entender-se com o
próprio governador geral, o qual, na resposta dc 4 dc setembro, havia dito:
"Que, ao ter ciência da revolta dos bárbaros, dirigira-se ao governador dc
Pernambuco, ordenando àquele que fizesse seguir da capitania, sem perda
dc tempo, duas companhias da melhor gente dos Terços de Camarão e
Henrique Dias, e ao da Paraíba o maior número de força que fosse possível;
que ao capitão-mor do Rio Grande havia incumbido de tudo que dissesse
respeito à expedição, e ao coronel Antônio de Albuquerque que cumprisse
na campanha as suas ordens, ministrando circunstanciadamcnte as infor­
mações da guerra.”
Na vereação de 2 de dezembro, ponderando os oficiais do Senado da
Câmara que os bárbaros estavam senhores das ribeiras do Açu c do Apodi
e a república cm perigo, e, notando o pouco fervor com que agia o capitão-
mor, acordaram seguir em pessoa com aqueles que os quisessem acompa­
nhar a bater os bárbaros.
Tomaram a escrever neste mesmo mês ao governador geral, comuni­
cando que os gentios, senhores de todo o sertão, tinham assaltado agora
os colonos da ribeira do Ceará-Mirim, a cinco léguas da capital, os quais
mal podiam defender-se de dentro das casas fortes; que diversas casas
fortes tinham sido construídas em Tamatanduba, Cunhaú, Coianinha,
Mopibú, Gruaíras, Potengi, Utinga, aldeia de São Miguel, assistindo em
cada uma delas apenas de cinco a seis homens, à falta de pessoal capaz,
porque o disponível partira para o sertão, sob.o comando do coronel
Antônio de Albuquerque Câmara e, por isso, insistiam pelos socorros ao
menos dos cinquenta pretos de Henrique Dias, como haviam pedido ao
capitão-general de Pernambuco, com cinco peças de campanha, cento e
cinquenta casais de índios, mantimentos c efeitos da fazenda real, uma vez
que os dízimos da capitania, provenientes da criação do gado, não existiam,
em vista das destruições que ocorriam”.
Esta transcrição é clara e sugestiva: os pontos onde foram construídas
as casas fortes a que se refere a última comunicação eram os mais povoados
da capitania, sendo que alguns, como Utinga e aldeia dc São Miguel
(Extrcmoz), ficavam a poucos quilômetros da fortaleza, o que quer dizer
que a própria capital estava ameaçada: “O perigo era tão iminente que
nem no recinto da cidade sc podia contar com a vida” (Gonçalves Dias,
op. cit.).
As autoridades despertam por fim. Em 18 de janeiro de 1688, o capitão-
mor baixa um edital nos seguintes termos: “Tendo o Senado da Câmara
representado que muitos moradores procuravam ausentar-se da capitania
com suas famílias, e convindo, cm nome de Sua Majestade, castigar os
que assim procedam pelo mau exemplo que dão aos outros moradores,
ordeno e mando que toda pessoa de qualquer classe ou condição que more
nela ou assista não vá para fora da jurisdição, sob pena de ser considerada
traidora, presa e mantida na casa escura da fortaleza, e, para exemplo de 'V
maior castigo, será toda a sua fazenda confiscada para as despesas de guer­
ra, sendo metade para quem denuncie, c na mesma pena incorrerão os
vizinhos mais chegados, que, sabendo, não avisem logo ao Senado da Câ­
mara”; c, poucos dias depois, a 24 de fevereiro, lança um bando, declarando
que seriam perdoados de seus crimes todos aqueles que acudissem ao real i
serviço, fazendo guerra ao gentio. /
O governador geral, em 14 de março, dá ciência ao mesmo capitão-mor
das seguintes resoluções: “Com toda a pressa ordeno ao capitão-mor Ma­
nuel de Abreu Soares que siga com cento e cinquenta infantes e quatro
capitães, c da praça de Olinda vinte e cinco. Ordeno mais ao capitão-mor
da Paraíba, Amaro Velho, mande o capitão-mor dos índios com quatrocen­
tos homens c dos pretos cem, com armas c munições; c pelo sertão faço
marchar do rio São Francisco um governador das armas paulistas, com
trezentos homens bem municiados, e dois capitães-mores da jurisdição dc
Pernambuco que estavam para ir aos Palmares com seiscentos homens, a
fim de guerrearem cada um por sua vez a esses bárbaros”.
O capitão-general de Pernambuco, providenciando no mesmo sentido,
fazia seguir dali, ein 18 de maio, com cinco companhias, o terço de Henri­
que Dias, do qual fora sucessor, como mestre-de-campo, Jorge Luís Soares,
que, atravessando a Paraíba, recebeu um reforço de índios e africanos e
marchou diretamente para o Açu.
Aí se estabelecera a base das operações, não só por ser o ponto central
da zona conflagrada, como também para facilitar o socorro rápido c ime-

111
diato As demais forças que tinham sido mobilizadas e que agiam isola­
damente.
Pouco antes, o coronel Antônio dc Albuquerque Câmara, que desde
o começo da lula combatia os índios revoltados, subira até às cabeceiras
do Piranhas, deixando a casa forte do Cuó (próximo ao Açu) entregue
à defesa do sargento-mor Manuel da Silveira, que, atacado, conseguiu
repelir os assaltantes, mas não pôde ir cm auxílio daquele coronel que,
perdendo em ação 27 mortos e muitos feridos, bagagens, armas c munições,
foi. forçado a recolher-se a uma casa forte situada na região onde se encon-
. trava, abandonado pelos índios aliados.
E tal foi a atuação em que se deparou que o governador geral, infor­
mado do que sucedera, publicou um bando "convidando aos foragidos,
degredados c criminosos, tanto da capitania, como de Pernambuco, Ita-
maracá, Paraíba, lio São Francisco, de uma e outra margem, c Sergipe
d’El-rei, a se incorporarem às forças do coronel Antônio dc Albuquerque
no Açu, sendo perdoados de seus crimes, salvo os excetuados na lei, a todos
aqueles que apresentassem certidão, passada pelo mesmo coronel, de ter
feito parte dc suas forças”
Em princípios de 16S8, era de seiscentos o número de homens que
haviam seguido para o sertão: mas após as providencias que acabam de
ser indicadas esse número era já muito maior, sendo dc notar que entre
os combatentes estavam muitas forças regulares, bem armadas c muni­
ciadas.
Domingos Jorge Velho, governador das armas paulistas, pouco se
demorou na capitania, mas o seu substituto era um valente cabo dc guerra,
Matias Cardoso de Almeida, como também valente e brioso militar era
Agostinho César de Andrade, que fora retirado, no correr do ano, do
comando da fortaleza das Cinco Pontes, no Recife, para substituir no
governo a Pascoal Gonçalves, que, por entre sustos e apreensões, vira se
passarem os últimos meses de sua tormentosa administração.
Agostinho César, bravo e enérgico, e as forças expedicionárias, nume­
rosas c aguerridas, perseguiram sem tréguas os índios revoltados; mas tão
forte era a resistência oue estes opunham que, em 2 de julho do ano se­
X guinte (1689), o Scnaclo da Câmara enviava a Lisboa um representante
seu, portador do documento que se segue (Vicente de Lemos, op. cit. e
X
Livro II do Registro dc Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal):
X
"Instrução e Memorial que, em nome desta Câmara e Povo, há de
X pedir e requerer o capitão Gonçalo da Costa Faleiro, como procurador des­
ta Capitania, aos Reais pés de Sua Majestade, que Deus guarde, e nos seus
X
tribunais e donde tocar o requerimento.
X
Representará o levantamento de todo este gentio, o grande poder que
X uniram e as mortes que fizeram cm mais dc duzentos homens e em perto

X
i
112
X
9

\
de trinta mil cabeças de gado grosso e mais de mil cavalgaduras e as ruínas
dos mantimentos e lavouras para que Sua Majestade ordene ao governador
geral e os mais desta capitania não faltem com os socorros a esta, ordenando
ao mestre-de-campo dos paulistas e ao governador dos índios de Pernam­
buco e ao governador dos pretos dc Henrique Dias assistam no dito sertão
e dele se não retirem até com efeito se destruir e arruinar todo o gentio,
ficando estes livres para se colonizarem, por se resta casta de gente mais
conveniente para aquela assistência por scr mais ligeira, e continuada,
acelerar a aspereza dos montes e capaz de seguir o gentio pelo centro dos
sertões e fazem menos despesa à real fazenda. Fará presente a miséria e
pobreza em que ficaram estes moradores na falta de seus gados e escravos
mortos pelo gentio, pedindo a Sua Majestade seja servido mandar-lhes
satisfazer todo o gado que se lhes tomou para sustento da infantaria, como
ordenanças, índios e pretos, do pouco que lhes escapou, ordenando se
satisfaça da real fazenda por ser gasto com a gente que assiste fronteira
ao sertão, e com as tropas que têm entrado nele após do gentio, cuja
despesa se fez por ordem do governador geral, advertindo por carta sua
que se haverá de pagar da real fazenda das mais capitanias, isentando esta
de toda contribuição, pela miséria c pobreza em que a consideram, e até
agora se não fez esta satisfação cuja carta será presente a Sua Majestade
com esta.

Pedirá a Sua Majestade mande para seu serviço presidiar esta fortaleza
ao menos com trinta soldados tirados dos terços de Pernambuco, de onde
sejam pagos enquanto a sua real fazenda nesta capitania não chegar para
esta despesa, porque de presente está tão atenuada que se rematou o con­
trato dos dízimos este ano em trezentos e quarenta mil réis, sendo que
chegavam a novecentos antes da ruína que causou o gentio com que não
chega mais que quando muito para a metade da despesa da folha anual
que vem da Provedoria-mor, e importa seiscentos e tantos mil réis.

Estes soldados costumam mandar de Pernambuco até quinze e se


mudam cada ano, porém é certo que não sendo cá efetivos desobedecem
a quem governa e fogem logo e fica a fortaleza com dois até tres e às
vezes sem nenhum, como muitas vezs tem acontecido, e isto se vitará
com serem destinados para este presídio, e terem cá a sua matrícula,
donde por castigo se dê baixa no que fugir e se matricule outro em seu.
lugar c desta sorte por não perderem o que tem servido não fugirão,
c servirão a Sua Majestade como devem, e, quando se não tirem dos
terços de Pernambuco, se poderão levantar de novo, contanto que de
Pernambuco sejam socorridos enquanto cá não houver efeitos finalizada
que seja a guerra do gentio que se lhe tem dado e, não dando, convém
presidiar um posto naquela parte que chamam o Acu, fazendo-se uma
fortificação no lugar que parecer mais conveniente em que estejam ao
menos trinta homens com quatro peças de campanha, a cuja sombra
estejam seguros os moradores que naqueles campos criam seus ga­
dos e se relham os que vivem distantes, e, sendo esta fortificação

113
I

na ribeira de um rio navegável que é o mesmo Açu e em pouca distância


das praias, podem também dar calor às grandes pescarias que nelas cm
1 alguns meses do ano se vão fazer dc Pernambuco e das mais capitanias, e
I
i
por conseguinte pode evitar que o gentio bárbaro não comercie com os
piratas do norte, que muitas vezes postam naquelas enseadas c sc comuni­
)
cam com o gentio fomentando-os para os levantamentos.
Nos limites desta capitania sc tem descoberto mais dc trezentas léguas
dc terra pela costa do mar e para o sertão, todas estas mui capazes para
criar gados c fazer outras muitas lavouras, todas estas dadas a quem as
quiser pedir das mais capitanias c desta; há sujeito que possui vinte c
1
. trinta léguas, sem ter cabedal para as povoar, e alguns moradores desta
! capitania estão sem ter nenhuma, e demais disto há uma grande confusão
nas demarcações e domínios, do que resultam dúvidas nesses sertões,
donde por estar distante o governo e justiça sc averiguam às pclouradas;
c tem por esta causa procedido muitas mortes, que Sua Majestade por ser­
viço de Deus deve evitar, mandando que o ouvidor geral desta Capitania
e ministro que for servido tome conhecimento desta matéria, vendo as
terras que há c repartindo-as respectivamente pelas pessoas desta Capita­
nia, que têm servido a Sua Majestade com tanto desvelo, à sua custa, em
toda esta guerra de gentio bárbaro e está atualmente suprindo com suas
fazendas, tirando-se das pessoas que das mais capitanias as têm pedido,
pois parece razão que a maior parte a esteja defendendo, derramando
sangue e continuamente com as armas na mão, havendo muitos que per­
deram a vida c o mais tudo quanto possuíam, com que estão todos em
miserável estado, e com estas terras os pode Sua Majestade premiar, e não
permitir, que as logrem aqueles que vivem em outras partes abastados de
oens, sem as defenderem com os mais e deste modo não lograrão uns
I tudo e outros nada, sendo todos vassalos.
Será presente a Sua Majestade que em nenhuma maneira convêm fa-
zer-se paz nenhuma com este gentio, por ser gente que não guarda fé,
falsos e traidores, e debaixo da paz e maior amizade é que nos fazem
o maior dano como cá o têm feito nesta Capitania por três vezes; pelo que
obraram estão os moradores tão timoratos c irritados contra eles que sc
não hão de fiar mais destes bárbaros, e será isto causa de nunca se povoar
o sertão, e não há dc haver quem queira assistir nele pelo risco que correm
suas vidas e fazendas, e não se povoando perde Sua Majestade considerável
fazenda nos seus reais dízimos, c os moradores as conveniências da criação
>
de seus gados, o que só se conseguirá estruindo-se este gentio, e guerrcan-
do-se com ele até de todo se acabar, dando-se a execução à ordem do gover­
nador geral Matias da Cunha que está registrada nos livros da fazenda
desta capitania, sendo em tudo acertado para o serviço de Sua Majestade,
aumento desta Capitania e conservação oeste povo.
)
Representará mais a Sua Majestade os limitados efeitos que tem
) esta Câmara, os quais são somente o imposto de quatro barris de aguarden-
e a pouquidade do foro das redes da costa, que uma e outra cousa não

) 114
é hoje nada a respeito da guerra do gentio, e antes dela mal rendia
para a satisfação do salário que se fazia de quinze mil reis ao escrivão
da Câmara, e seis ao alcaide, e outras despesas que tem este Senado e
de presente acresceu a vinda do ouvidor a esta capitania todos os anos
à correição, e quer que se lhe dc trinta e dois mil réis da aposentadoria,
o que se lhe não pode satisfazer pelas razões sobreditas por cuja causa
esteve por ordem do dito ouvidor preso o procurador do Conselho; por­
tanto pedimos a Sua Majestade livre a este Senado desta contribuição no
que sc lhe faz uma esmola por não ter com que o satisfazer e que permita
que, enquanto durar estas guerras do gentio, não venha dito ouvidor a
esla Capitania por estar muito atenuada e pobres os seus moradores,
os quais andam por esse sertão continuamente guerreando com o gentio
bárbaro e qualquer condenação que sc lhes faça c não podem satisfazer
pela miséria em que os pôs o gentio.
Fará presente a Sua Majestade que na ocasião cm que o gentio se
levantou nos sertões desta capitania, onde fez o lamentável estrago nas
vidas e fazendas dos moradores, se mandou logo pedir ao governador de
Pernambuco João da Cunha Souto Maior a socorresse com gente c man­
timentos de farinha por não haver nesta parte, do que não fez caso o
dito governador, e este peditório se lhe fez duas e três vezes c, vendo
este Senado que se perdia totalmente esta capitania, se resolveu mandar
um procurador a fazer-lhe presente o mísero estado ein que estava e os
moradores acometidos do gentio por várias partes, com que os obrigou
a sc recolherem cm estacadas que faziam para livrar as vidas, mas ficando
ao rigor dos gentios as lavouras e fazendas que tudo estruíam, e, como
se não deferiu ao procurador, se valeu de pedir prestado à Câmara de
Pernambuco duzentos mil réis para se comprarem farinhas, e se -reme­
terem ao Acu para o sustento dos moradores que assistiam naquela fron­
teira com~alguns índios domésticos por de todo se não largar ao gentio,
e comprada que foi com este dinheiro se embarcou em um barco, a
tempo que o dito governador se resolveu no cabo dc um ano a mandar
um socorro de duzentos homens, mandando-os embarcar sem lhes mandar
prevenir farinhas para o sustento, com que chegados a esta Capitania
gastaram o que o nosso procurador havia comprado com o dinheiro do
empréstimo, e como a ela chegou Antônio Lopes Leitão fiador que foi
desta quantia e nos representou em como a Câmara o molestara por
aquela satisfação tratando-se dc cobrar dele executivamente, c vermos
que por esta causa viera com todo o risco com setenta léguas de jornada
a representar-nos e pedir-nos o desobrigássemos, pela moléstia que podia
padecer, nos foi necessário escrever ao bispo governador dc Pernambuco
nos fizesse mercc e esmola relevar esta quantia, por sc não achar esta
Câmara com efeitos para esta satisfação, ao que se não deferiu, com que
nos foi forçado pedirmos esta quantia prestada para desobrigar-nos ao
nosso fiador; assim pedimos a Sua Majestade seja servido mandar que a
dita Câmara de Pernambuco tome dito dinheiro para se dar a quem o
emprestou visto ser tão abastada dc efeitos, que lhe sobram muitos das
despesas que fazem, fazendo respeito a irem desta Capitania antes do

115
levante do gentio muitas quantidades dc gados, com que se aumentava
-> o seu contrato das carnes, ou permita mandá-los dar da Fazenda Real
daquela Capitania para assim ficar este povo livre da finla que sc lhe
' dava bobar nos limitados bens que lhes escaparam dos gentios, para sc
poderem satisfazer a quem os emprestou, visto se haverem gasto com a
mesma infantaria que veio de socorro por não vir prevenida da farinha
> para se sustentarem.
Escrito em Câmara pelo tenente-coronel João de Barros Coutinho,
escrivão dela, que o escrevi, c assinaram os oficiais que este ano servem,
— juizes, vereadores c procurador, aos 2 de julho de 16S9.
Filipe da Silva, Francisco Lopes, Gaspar Freire de Carvalho, José
de Araújo, Pedro Miranda Baião.
São incontestáveis os esforços feitos pelo capitão-mor Agostinho Cé-
' sar para vencer de todo a revolta; mas é também fato que o não conse­
guiu, agravando-se a situação quando as forças que guarneciam os dois
quartéis que mandara fundar no Açu obrigaram o seu comandante, Ma­
nuel de Abreu, a procurar recursos no litoral, baldas por completo de
mantimentos na região em que operavam.
Em 22 de agosto de 1692, Sebastião Pimentel assumia o governo e
seis dias depois, a 28, o Senado da Câmara, dirigindo-se a El-rei, recla­
mava para a capitania medidas de defesa, “pois continuavam os gentios
cm guerra c muitos moradores tinham-na abandonado c outros não tar­
dariam a seguir o mesmo exemplo”, acrescentando {Livro 111 do llegislro
de Cartas e Provisões): “Que, a 11 de janeiro do dito ano, os bárbaros
assaltaram os colonos da ribeira do Ceará-Mirim, onde mataram doze
pessoas e destruíram muito gado vacum c cavalar, além dos que puderam
conduzir.
Que desde o começo da rebelião tinham aniquilado para mais de
duzentas vidas e fazendas, estas no valor superior de novecentos mil
cruzados. Que o governador geral do Brasil havia mandado assistir na
capitania o mcstrc-de-campo dos paulistas, Matias Cardoso, com oito­
centos homens, mas destes só restavam duzentos, porque não cumpriram
a promessa dc sc lhes pagar.
Pela grande extensão dos sertões considerava conveniente que Sua
Majestade mandasse fundar quatro arraiais nos lugares Jaguaribe, Açu,
Acauã e Curimataú, sendo mantidos e sustentados pela gente do Arco
Verde e do Camarão, que existia dc Pernambuco ao Ceará, ficando sob
a direção do referido mestre-de-campo, c só assim, flanqueando cada
arraial pela sua parte a campanha, ver-se-iam povoar os sertões, recupe­
rando desta sorte as perdas que tinham tido os dízimos reais.”
Poucos meses depois, em 23 de julho de 1693, o ouvidor de Paraíba,
em correição à comarca, que também compreendia o Rio Grande, acen­
tuava esse estado de miséria: “No provimento que deu, salientou a

116
pobreza em que sc encontravam os colonos pelos apertos que faziam os í
gentios sublevados.
Que nesta luta continuada por oito anos tinham-se disseminado mui­
tos o os que restavam não podiam com segurança cuidar de suas lavouras
e criações pelos receios dos ataques inopinados. As forças que chegavam
cm socorro, muitas vezes extenuadas pelas asperezas da viagem, logo
que esgotavam os seus mantimentos, sem que recebessem outros, tra­
tavam de retirar-se, umas sem licença e outras foragindo-se, conduzindo
mantimentos que forneciam com prejuízo próprio os moradores, os quais
somente com muito zelo lutavam e gastavam suas fazendas sem retribui­
ção alguma”.
Durante o curto governo de Sebastião Pimentel e a administração
interina dos oficiais do Senado da Câmara, que se lhe seguiu, a situação
permaneceu a mesma, levando o governador geral a determinar, em 6 dc
julho de 1694, que voltasse à capitania, como seu capitão-mor, Agostinho
César de Andrade.
Foi a este que recomendou em 12 de fevereiro de 1695, cumprindo
instruções que recebera da Metrópole, que jíuscsse cm execução duas
providencias de indiscutível alcance, a saber: que as terras fronteiras às
regiões ocupadas pelos índios fossem doadas a pessoas que as pudessem
povoar e cultivar, e que se fundassem no Açu, Piranhas c Jaguaribe
seis aldeias, com guarnição militar, duas em cada um daqueles pontos
(carta régia de 6 dc março dc 1694).
O Senado da Câmara fez ponderações contrárias às suas medidas;
quanto à primeira, por estarem doadas todas as terras da capitania; e,
relativamente à segunda, que julgava inoportuna, por ficar enfraquecida
a defesa da cidade, se fossem afastados os moradores que teriam de ir
fundar os arraiais. Agostinho César resolveu que as terras a doar seriam
as mesmas já concedidas por sesmarias anteriores, desde que ainda esti­
vessem desabitadas e devolutas; e, no tocante às considerações feitas sobre
o estabelecimento dos arraiais, respondeu, em P dc março, mesmo dia
em que recebeu o ofício do Senado da Câmara (Livro ao Registro dc
Cartas e Provisões, de 1601 a 1702):
Há perto de sete anos que mc mandou Sua Majestade que Deus
guarde, governar esta capitania (Gonçalves Dias acentua muito bem que
Agostinho Ccsar não pretendeu dizer que tinha quase sete anos de gover­
no, como pode parecer a quem não conheça os fatos, mas sim que esse
lapso de tempo havia decorrido desde a data da sua primeira nomeação).
Chegando a ela, achei o capitão-mor a quem succdi metido na for­
taleza sem ter voz altiva para nenhuma disposição; achei os moradores
recolhidos em casas fortes e o gentio, sem oposição, destruindo tudo.
Tratei do remédio, e o socorro que tive foram quarenta soldados dc
Pernambuco e trinta e tantos índios. Com esta gente saí desta cidade
duas vezes e com o que tirei das casas fortes fiz cento e sessenta homens

117
que mandei de Mipibu duas vezes ao sertão, com que se foi intimidando
o gentio; mandei outras tropas por várias partes, e uma delas de que
nomeei por cabo um paulista com gente desta capitania com que se
derrotou o gentio na Acauã, c trouxeram mil e tantos prisioneiros. Ulti­
mamente mandei o mestre-de-campo Matias Cardoso de Almeida, com a
pouca gente que tinha e cem homens que lhe dei desta capitania, a
fazer uma entrada e em tão boa ocasião que, descendo o gentio pela

quantidade e trouxe alguns prisioneiros, c tornando-Ihcs


sendo bem sabido por dizer também que nenhuma destas disposições,
sendo os efeitos tão convenientes, deixou de ser representada e censurada.

Também é certo que esteve no Açu antes disto o sargento-mor Ma­


nuel da Silva Vieira cinco meses cm uma casa forte com pouca gente,
pedindo constantemente algum socorro dc gente c farinha; em todo este
tempo nunca lhe foi, ate que havendo mandado por correios um a um
e dois a dois a gentes que lá tinha veio a ficar com cinco homens com
que se não pôde sustentar e retirou-sc, ficando o tapuia tão dominante
que vaquejou os gados, meleu-os nos currais e jarretou-os lastimosamente.
E foi esta a total ruína desta capitania, porque, quando chegou o
coronel Antônio de Albuquerque ao Açu, c certo que se ali achara gente
que ali ficara, não voltara para as Piranhas. Examinada a causa por que
não foi ao sargento-mor socorro é coisa notória que, querendo o capitão-
mor mandá-lo por vezes, sempre sc lhe pediu com requerimento c dizen-
do-se-lhe que deixava tudo exposto ao rigor do gentio; e isto por vinte
ou trinta homens que queria mandar.
Suposto tudo referido, não me maravilha agora desta advertência
que Vós Mecês me fazem, que não duvido seja com muito zelo, mas é
necessário que considerem que me é muito necessário mandar esta tropa-
reduzir à paz o gentio do Açu, e conservar a que com os mais tenho
feito, porque este gentio não se sujeita pelo amor que nos tenham, senão

necessário que nos vejam com as armas na mão; e aos que estão redu­
zidos tenho dito que me hão dc dar quarenta homens para irem na ;
tropa com os brancos, para que lá os do Açu vendo que são nossos
amigos o queiram ser também.
Esta tropa há de constar de pouco mais dc cem homens; nesta capi­
tania há perto de quinhentos entre brancos e índios, afora mais dc cem
escravos capazes de tomar armas, e tirando deste número cem homens
não é coisa que possa dar cuidado. E indo os tapuias na tropa é coisa
inaudita dizer que cá se hão de levantar os que ficam, somente os poderá
animar o considerar-nos desprevenidos, mas a tropa na campanha é o
seu maior temor. Nos postos que se hão de prover no Jaguaribe, Açu e
Piranhas não sei que haja quem tenha trabalhado nisto com mais zelo,
nem com mais ânsia do que eu, e tanto assim que, dando agora notícia
ao governador Dom João de Lencastre desta paz do gentio, lhe disse

118
também que em nenhum modo lhe parecesse ficava isto finalizado sem
os três postos guarnecidos; porém tomara saber em que prejudica a este
intento ir agora uma tropa ao Açu a reduzir aquele gentio, e também
os paiacus que, temidos da ruína que se lhes fez no Ceará, se retiraram
para esta parte, e estão na alagoa ApodL
Finalmente eu obro o que julgo acertado e até agora quis Deus que
não fizesse desacertos, e penso, é anexim, ca’da qual fala conforme sua
conveniência, o seu ódio ou o seu interesse, e sendo isto assim não há
como obnar bem, porque o querer satisfazer a todos parece dificultoso
e impossível. E, para Vós Mccês se satisfazerem parece-me que basta o
referido?
Esta resposta e vários atos de Agostinho César revelam claramente
o intuito de chamar à paz os restos dos índios que, cm lutas contínuas,
tinham sido dizimados de modo cruel. Era, sem dúvida, um pensamento
generoso; mas para cuja realização se teria de vencer fortes resistências,
porque a opinião dominante, quer dos colonos, quer mesmo das pessoas
de relativa cultura era a da necessidade de aniquilar, por completo,
os indígenas.
Dentre os documentos contemporâneos da revolta que o comprovam,
é dos mais interessantes, sob este como sob outros aspectos, o memorial
do Pedro Carrilho de Andrade (Memória sobre os índios no Brasil, a que
fizemos referência), tratando dos janduís, paiacus, caratcús, icós e outros
índios das ribeiras do Açu e Jaguaribe. Leiamos algumas passagens (não
guardamos inteira fidelidade à escrita da época):
Não tem fé, nem lei, nem piedade. O seu Deus é o seu ventre e nada
lhes dá cuidado. Alegram-se muito quando vem a lua nova, porque
são muito amigos das novidades; contam os tempos pelas luas; tem os
seus agoiros e ironias, como no cantar das aves e grunhir dos bichos.
Têm muitos feiticeiros e agoireiros que lhes advinham os bens ou
males que lhes hão de suceder, aos quais dão inteira fé e credito. E não
fazem nem obram coisa alguma sem que primeiro os mandem adivinhar.
Estes ímpios desde meninos se martirizam: todos os machos furam
os beiços da parte junto à barba e metem-lhes um torno ou batoque de
pau ou pedra da grossura de um dedo e vão sempre alargando até fa­
zerem da largura de uma moeda dc duas patacas pouco mais ou menos,
como querem.
Depois de serem homens, fazem outros muitos furos pelas faces
do rosto e cantos da boca ou beiços, orelhas, ventas dos narizes, e me­
tem-lhes tornos e pedaços de pau extraordinários com que se fazem dis­
formes e horrendos.
Exercitam-se desde meninos em destreza e forças com o lutar, correr,
saltar, e levantando grandes pesos aos ombros. Correm tres e quatro

119
) .I I •

) . A .
. } léguas ser descansar, e desta sorte ganham prêmios, que, entre eles,
• i os maiores vêm a ser moças formosas por mulheres.
FinaJmente, correm um dia todo sem cansarem. Não têm outro exer­
cício nem ocupação de lavoura nem planta; trato nem distrato algum; nem
ofício nem benefício; nem usam dc letras, livros, nem escrituras, porque
nenhum deles sabe ler nem escrever.
) »
Não sabem dar notícia da sua progênie, casta ou descendência, nem
observam leis, porque somente creem o que lhes diz o seu feiticeiro, como
tenho dito.
Não gostam nem usam dc fábrica alguma de vestir; somente os ho­
mens fazem um anel de palha, onde recolhem dentro o crespo colo do
genital, e as mulheres põem uma folha ou raminho adiante: parece que
à imitação de Eva e Adão quando pecaram.
E desta sorte acima declarada, sem mais cobertura alguma, nem por
* calma nem por frio, os vemos andar cm toda parte e lugar, a todo gê­
nero criados, ao rigor do tempo, sem casas, aldeias, nem jazigo ou lugar
certo.
São uns espíritos ambulantícios, andam sempre de corso, vagabun-
, dos, pelos montes e vales, atrás das caças c feras e raízes e frutos agrestes,
de que se sustentam e a divina providência os mantem. E com o mel
* das abelhas e maribondos, que chamam uruçu, c toda a mais mundícic e
imundície da terra, cobras e lagartos, e com estas viandas ordinariamente
sustentam tanta multidão de bocas que c coisa admirável de dizer. E
r assim andam gordos e anafados e contentes, que parece que nada mais
desejam.
i
São homens bem dispostos, ]sadios. sem achaques e de largas vidas,
que Bem se podem comparar com as cobras, de que dizem os poetas que
, não morrem nunca de velhas senão quando as matam.
São mais ferozes do que as mesmas feras dos montes agrestes, porque
a muitas levam vantagens, nas forças, na ligeireza do correr c nos usos
r e costumes. E ainda são mais inúteis c indômitos do que os mesmos brutos
irracionais; porque não há animal ou fera que coma outra da sua espécie,
como estes alarves, que comem uns aos outros, os parentes aos parentes,
, pais e mães aos filhos, e os filhos aos pais e mães.
Não há animal ou fera que não tenha o seu jazigo e lugar certo,
cova, lapa ou buraco onde descansa, de dia ou de noite, conforme o
* seu uso; mas estes^infiéis não têm jazigo ou lugar certo, como tenho dito.
Onde quer que lhes anoitece, dormem deitados pelo chão, sobre a terra
ou areia pura, sem mais palha, nem esteira ou cobertura alguma, nem
r por baixo, nem por cima; nem buscam sombra de árvore nem abrigo.
Mas antes, no lugar mais descoberto e patente ao ar e céu, ali se deitam,
r acendendo fogos que parece lhes servem de alimentos. E assim passam

120
i .
)

f
as noites cantando mui contentes, c meia hora antes de amanhecer se
levantam e vão à fonte ou ao rio a banhar.
J São inconstantes por natureza, fáceis de persuadir antes ao mal do
que ao bcmt porque toda a sua natural inclinação é matar, guerrear,
fazer sangue, acostumados e exercitados nas mortes das caças, feras c
aves de que se sustentam. E entre eles não tem nome nem fama aquele
que não faz morte em gente humana
Em seguida Carrilho narra alguns sucessos anteriores à revolta e o
início desta, quando "os janduís sc levantaram nas ribeiras do Açu, Mos-
soró e Apodi, em os anos de 16S7 para 88, matando a toda coisa viva
c depois queimando e abrasando tudo, não deixando pau nem pedra
sobre pedra”; refere a remessa de tropas para o interior e os fatos ocor­
ridos durante a permanência no Açu e ribeiras circunvizinhas nos terços
dc paulistas de Domingos Jorge Velho, Matias Cardoso e Manuel Álvares
de Morais Navarro; condena a proteção que os missionários dispensam
aos índios, “que andam sempre ue corso, volantes, com a casa às costas
*,
embora não torne extensiva essa condenação aos que se conservam nas
missões, porque estes são *de outras castas e nações, que têm suas casas
e aldeias, choupanas e lugares certos, e usam de sua plantas e lavouras,
poucas ou muitas, ainda que todos usam do exercício da caça *; mestra
a conveniência da nomeação dc administradores com amplos poderes
para castigar ou premiar os bárbaros; salienta a inconstância, falsidade
e perfídia destes; pede para os moradores o direito dc se desforçarem
dc suas violências e dc cativá-los sempre que faltarem à palavra c à paz
prometida, invocando exemplos da história sagrada e concluindo assim: f
"Mas para que são exemplos antigos, se as leis de Vossa Majestade,
que são mui justas e santas, o permitem e dispõem que em tais casos
sejam cativos todos os quê moverem ou provocarem guerra, pois sobre as
forças e violências que se fizerem em tais casos o direito natural o per­
mite? Três condições dizem os doutores sagrados que deve haver na guerra
para ser justa e lícita. A primeira condição é a necessidade dc conservar o
bem comum c quietação dos repúblicos; e a segunda condição é o recupe­
rar os bens injustamente usurpados; c a terceira condição c para defen­
der o inocente e refrear as insolências dos rebeldes.
E sendo isto assim não fica obrigado a restituir os danos. Diz o Doutor
Santo Tomás e seguem todos os doutores comumente que ao público
tirano pode qualquer do povo matar para livrar a república e bem comum
da tirania, pois, logo. Todas estas condições e circunstâncias se acham
naquela guerra que fazem ou provocam a fazer aqueles bárbaros aos
moradores.
O primeiro ponto e condição é por necessidade de conservarem o
bem comum e quietação dos repúblicos; o segundo ponto ou condição
c para recuperarem os bens injustamente usurpados; e o terceiro é para
refrear as insolências daqueles rebeldes c defender o inocente. Pois sendo

121
isto assim como dizem que é injusto? Bem fora que se não relaxassem
as leis de Vossa Majestade e que se observem inteiramente e mais contra \
aqueles bárbaros que fizerem roubos e violências aos moradores, e que
aqueles que não guardarem a paz e palavra prometida ou se acharem
com engano c falsidades pelo mesmo caso fiquem logo sujeitos à pena
do cativeiro, sem mais embargos ou desembargos, como o fez o capitão
Josué com os gaboanitas e cananeus; que sendo assim serão mais refreados
e cm parte assim lhes será melhor, porque terão donos que tratem deles,
dando-lhes o sustento e algum modo dc vestir. E terão cuidado dc os man­
dar doutrinar, da mesmo maneira que sc usa naquelas partes com o gen­
tio de Angola ou Guiné.”

Estas idéias traduziam o pensar e o sentir gerais: matar ou escra­


vizar os indígenas era a preocupação da grande maioria, que, aos pro­
cessos empregados pelos missionários para firmar o seu poder e pro­
longar a sua influencia através das novas gerações pela esperança e
pela fé, preferia a opressão a ferro e fogo para tirar sem demora os !
lucros que ambicionava da exploração da terra.
E nesse meio hostil fracassaram os melhores propósitos de Agostinho
César de Andrade que, em obediência a ordens superiores ou por orien-
tação própria, desejou sinceramente restabelecer a paz na capitania.
Esta glória estava reservada ao seu sucessor, Bernardo Vieira de
Melo, que para alcançá-la, julgou imprescindível a sua ida ao Açu.
Aí fundou, apenas alguns meses depois de empossado, a 24 de abril
de 1696, provavelmente, o presídio a que deu o nome de Nossa Senhora
dos Prazeres (Vicente de Lemos, op. cit.), iniciando o aldeamcnto dos
índios e assegurando, de modo permanente, o estabelecimento de colo­
nos. Com uns e com outros conviveu por mais dc dois meses e, voltando
à capital, trazia a convicção de que, com prudência c tato, conseguiría
consolidar a obra de concórdia, de que lançara os primeiros fundamentos.
Soube lê-los; e por isto o seu sucesso foi completo. Dentro em pouco,
a paz era um fato e o seu governo sc assinalava por tal espírito de
justiça e por tão notável elevação de vistas que o Senado da Câmara,
interpretando os sentimentos do povo, solicitava e o governo de Lisboa
concedia a sua recondução no posto que tanto ilustrara.
A carta régia de 18 de novembro de 1697 é um documento honrosís-
simo para ele: “Oficiais da Câmara da Capitania do Rio Grande. Eu,
El-rei, vos envio muito saudar. Havendo visto o que mc representastes
acerca da grande utilidade que se segue ao meo serviço e conveniência
dos moradores dessa capitania da assistência a que Bernardo Vieira de
Melo tem nela feito depois que exercita o posto de capitão-mor, em que
fui servido provê-lo, por se ter havido nele com muito zelo c boa disposi-/
ção, reduzindo todo o gentio a uma universal paz, por cuja causa se acbaroL
estes sertões com grande princípio dc povoaçâo, a capitania em sossegí

122
a justiça administrada cpm jetidão e Iodos uniformemente desejosos de
que continue no exercício do. dito posto, pedindo-me vos concedesse a as­
sistência do dito capitão-mor por outros três anos; e atendendo a esta vossa
petição e à boa informação que por outras partes se houve do bom pro­
cedimento do dito Bernardo Vieira de Melo: Hei por bem que se lhe
prorrogue por outros «tres anos a assistência deste povo, do que vos aviso
para o teraes assim entendido”.
Os seus atos durante o seu segundo governo não desmentiram os do
primeiro. Foi, realmentc, ao tempo e para a função que desempenhou,
um administrador hábil e capaz. A contar de então, se acentuarem os
grandes surtos da colonização, que atingiría no século seguinte o seu
máximo de^ intensidade, cm consequência de fatores que, agora conju­
gados, contribuiríam preponderantemente para esse resultado:
— a exploração agrícola da zona próxima ao litoral;
— o encontro das duas correntes que, em entradas c bandeiras, se
tinham encaminhado para o interior, partindo da costa e da margem
esquerda do São Francisco, e confluindo no alto e baixo Piranhas, na
bacia do Seridó c nas ribeiras do Apodi c seus afluentes;
— o progressivo desenvolvimento da industria pastoril.
Anteriormente, a sua expansão fora retardada por diversas causas,
sendo as principais a insubmissão dos índios e a inferioridade dos colonos,
que se compunham, em regra, de soldados idos de outras partes, mal
pagos, broncos e viciados, de criminosos que eram perdoados com a con­
dição de irem residir ali, de aventureiros e desclassificados de toda ordem.
Foi após o restabelecimento da paz; cuja perturbação, anos depois,
deu Jugar a pronta c cncrgica reação, com o quase extermínio dos indí­
genas, que elementos diferentes — imigrantes vindos do reino ou das
ilhas em busca de amb jeion nd.Ts riquezgs, oficiais que se retiravam do
serviço, empregados que deixavam as suas funções, praças que tinham
pertencido a forças regulares, negociantes e lavradores de Pernambuco
e, sobretudo, criadores de gado seduzidos pelas excelentes pastagens exis­
tentes na capitania — começaram a entrar na formação da nova socieda­
de, elevando a sua cultura c o seu nível moral. \
E todo caso.» tinha.. Alimenta do consideravelmente a população^que,
de muito, se vinha fixando nos vales frescos dõPnos do agreste, e era
uma realidade o início do povoamento dos sertões.
Da patente de nomeação de Manuel Filgucira de Carvalho' para ca­
pitão de infantaria das ordenanças do distrito do Açu a Três Irmãos, feita
em 13 de julho de 1682 pelo governador geral, consta "ter sido ele o
primeiro que do rio São Francisco retirou-se com muito gado para as
terras do Açu, a fazer pazes com cs índios rebeldes que dificultavam o
povoamento e cultura ao solo”. (Vicente de Lemos, op. cit.).

123
Após ele, outros devem ter descido até o Açu, e daí para o Ja-
guaribe a região Já não era desconhecida, máxime a partir oo governo
dc Antônio da Silva Barbosa, conforme se verifica da concessão da ses-~
maria feita, cm 1861, a Estêvão Velho de Moura e seus companheiros,
que tinham percorrido e permanecido naquela região.
A confluência das duas correntes, a que fora do São Francisco e a
que subira do litoral, era pois, um fato antes da sublevação dos índios.
Mas foi durante as lutas com estes que elas se avolumaram e que
se teve o inteiro e perfeito conhecimento do interior, assim como foi
depois dessas lutas que o impulso colonizador se tomou mais vigoroso.
Daí cm diante, a criação do gado fez o povoamento definitivo dos ;
sertões. .

124
X CAPITANIA DURANTE O SÉCULO XVIII

Ao começar o scculo XVIII, o Rio Grande do Norte constituía uma


capitania subalterna, que, pela carta régia dc 11 de janeiro de 1701, dei­
xou de ter subordinação direta ao governo da Bahia, como anterior­
mente, para ficar sujeita ao de Pernambuco, que estava mais próximo, e
ser assim conveniente à boa administração da justiça e bem dos vassalos.
Esse ato foi, depois, fonte de irritantes atritos, apesar das determi­
nações constantes dc outras cartas regias, uma das quais, de 19 dc julho
de 1704, procurou afastá-los, declarando que a subordinação da capita­
nia era nas mesmas condições em que estava subordinada ao governo
da Bahia.
O capitão-mor era a autoridade suprema e, embora os regimentos
restringissem as suas atribuições à inspeção das tropas c fortalezas, à
proteção c garantia das autoridades civis, inclusive a do Senado da Câ­
mara, manutenção da independência dos representantes da justiça c da
fazenda, dc cujas decisões os recursos seriam para a Relação da Bahia
e para o provedor-mor, o certo é que não tinha Vmites à sua liberdade
de ação. Dominava despoticamente, dispondo, dc fato, de um poder civil
c militar incontrastáveis. A sua vontade era a única lei: $ic volo^sic jubco.
Aliás a tendência para o abuso era de todo o funcionalismo público
da colônia, crescendo a tal ponto o seu arbítrio e prepotência que a pro­
visão de 11 dc março dc 1718, regulando o processo para que fosse tirada
a residência aos governadores (devassa sobre o modo pelo qual exerce­
ram as suas funções), veio a ter, com ligeiras modificações, aplicação
mais generalizada.
Ali mesmo, a carta régia de 22 de agosto de 1715 mandou tirar resi­
dência a José Barbosa Leal por faltas que cometera no exercício do cargo
dc provedor.
Para fazer executar as suas ordens, contava o capitão-mor com a
*ção
guarn da fortaleza, com o terço que assistia no Açu c com os re­
gimentos de ordenanças que formavam a segunda linha. No decurso do
scculo, teve também o concurso dos capitães-mores das vilas e fregue­
sias, que, criados pela carta régia de 20 de janeiro de 1699, foram esta­
belecidos em todas as capitanias, e sobre os quais escreveu Lopes Ma- •
chado (História da Província da Paraíba, cit.);

125
“Encaregados da economia e disciplina dos corpos de ordenanças,
' juizes sem «apelação nos recrutamentos, incumbidos da prisão dos deser­
tores, malfeitores e vadios, tornaram-se o terror dos povos pela opressão
» e abuso. Intervinham caprichosamente nas causas da justiça, ordenando
.a sua continuação ou mandando-lhes dar alta; intervinham no eclcsiás-
, tico, obrigando a casamentos, ou desobrigando aos que recorriam à sua
proteção; intervinham, enfim, cm tudo, prendendo, condenando c prati­
cando excessos de maldade, segundo lhes ditava o coração... Faziam
o que queriam sem receio nem responsabilidade perante as leis e a ad-
minis tração.
. "Eram únicos governadores das localidades .............. Ninguém ou­
sa va queixar-se das suas violências, porque, ou por condescendência ou
por arbítrios semelhantes, nem o governador, nem o ouvidor, se presta­
vam a ouvir os queixosos. Nas correições, o ouvidor hospedava-se na ca­
sa do capitão mor, desfrutava a sua generosidade, servia-se dos seus fa­
vores e não ouvia a mais ninguém. Aqueles obséquios, mui calculada-
mente feitos e esperados, constituíam uma espécie de contrato, dc cuja
observância resultavam manifestações de apreço c de recíproca amizade,
nunca perturbada, quando mesmo conhecida a material e grosseira rea­
lidade dos fatos.
Daí vinha ao capitão-mor maior força e novos incentivos para o des­
potismo local. Não havendo remédio para os seus desmandos, todos sc
submetiam, c alguns procuravam captar a benevolência da onipotente
autoridade, o que conseguido faziam também o que queriam. Desta pro­
teção, dispensada pelo poder, apareciam não poucas vezes desavenças
entre eles e outros menos protegidos, e, se delas não vinha imediato des-
forço, eternizava-se o ódio nas famílias, passando de filhos a netos, e, às
vezes, produzindo soluções explosivas.”
Isto, que foi escrito cm relação à Paraíba, é inteiramente procedente
quanto ao Rio Grande do Norte, onde existam cinco capitanias-moreS: a
aos distritos do sul e a dos distritos do norte da capital; a do Açu; a do
Caicó e a dc Portalegre (Pizarro, Memórias Históricas).
/ A princípio, cabia aos capitães-mores de milícia: a) dar conta ao
capitão-mor governador dos casos ocorridos nos limites de sua jurisdi­
ção, b) acomodar as desavenças, mandando chamar as partes à sua pre­
sença para as aquietar e evitar pendências; c) prender os criminosos;
d) tomar conhecimento do que ocorria nos portos, cspccialmente exer­
cendo severa vigilância sobre as embarcações neles entradas.
Depois, as suas atribuições foram mais precisamente definidas: tc-
riam sol) suas ordens os comandantes de distrito, que, sob proposta sua,
seriam nomeados para os lugares povoados; deveríam, logo que rece­
bessem qualquer preso, entregá-lo às justiças ordinárias, não podendo
soltá-lo; participariam ao capitão-mor governador quais os vaaios que
havia nos municípios ou vilas; notificariam todas as ocorrências locais,

126
sendo pelos comandantes de distritos informados das novidades dos res­
pectivos distritos; residiríam nas vilas ou a elas iriam frcqüentemente,
devendo prender os criminosos, vigiar os vadios, animar as plantações,
apaziguar os conflitos, executar todas as ordens superiores.
Exerciam, por assim dizer, a polícia do interior; mas a polícia qom
todos os seus arbítrios c violências. As forças de milícia ou ordenanças
sc compunham d? todos os cidadãos alistados, de IS a 40 anos; c, além
dos capitães-mores, contavam com sargentos-mores, ajudantes, capitães
de companhias, alferes, sargentos e cabos-de-esquadra. Entre os auxi­
liares desses capitães-mores, figuravam também os capilães-de-mato, que
andavam por toda parte atrás de vadios c escravos, os quais, sobreviven­
do aos seus criadores, tão tristemente se celebrizaram mais tarde nas
perseguições contra os negros fugidos.
Judiciariamente, a capitania, que só em 1818 (alvará de 18 de
março )\foi elevada a comarca, pertencia à Ouvidoria da Paraíba, criada
por provirão régia dc 12 dc dezembro de 16S7, e da qual foi primeiro
ouvidor o^Dr. Diogo Rangel Castelo Branco. Antes disto, serviam, qua­
se sempre pbr um ano, ouvidores, que eram igualmcntc auditores de
guerra, nomeadqs pelos governadores gerais. (J /
Sobre uma destas nomeações houve incidente dignoxle
digno^de nota. LaLá ­
zaro dc Freitas Bulnqes fora nomeado pelo vice-rei provedor da fazen­
da real c ouvidor da capitania. Quanto primeira nomeação, nenhuma
dúvida íoi oposta; teve o cumpra-se do capitão-mor. Em relação, po­
rem, à segunda, o Scnadoxda Câmara opôs embaraços.
“Reunidos os oficiais na^vbreação dc 13 de abril de 1679 represen­

taram ao vice-rei declarando “havter em Câmara um termo assinado pelos


quê nela ass’stiam c pelos homen^ybons da capitania para que não se
aceitasse como ouvidor pessoa que, não/sendo letrada, viesse de outra
parte ou que não fosse pedida, para nâ^^sofrer a capitania as insolências
desses forasteiros como era o atual,/e indicavam para provedor a Ma­
nuel da Silva Vieira e para ouvidor a Bcnto^da Costa Brito.”

Respondeu o vice-rei a 7 de agosto do mesmo ano da seguinte for­


ma: *Se a provisão que Lázaro de Freitas Bulhões alcançou deste go­
verno para ouvidor fosse Jhinha c V. Mees, deixaisem-na dc cumprir,
fundados no termo quç/se tomou em Câmara de não aceitar pessoas
alguma que não fossç/da terra ou letrado, a resposta d<i carta que V.
Mees, teriam de receber seria mandar vè-los presos paVa serem cas­
tigados, como merece o atrevimento de V. Mees, porque V» Xíccs. são
inteiramente sujeitos e não tem jurisdição para tomar • assentos contra
disposições do/govemo geral; mas, suposto a provisão não serxminha,

melhantes/cousas. Tratem de obrdecer ao que se lhes ordenar, sque


sempre ézo que mais convém ao serviço dc Sua Alteza” (Liuro II do Re­
gistro das Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal).

127
Na capitania havia apenas os juizes ordinários, os almotaccs e os
juizes de vintena.
Ao tempo, a jurisdição judiciária, na parte relativa à primeira ins­
tância, distribuía-se assim:
"Os juizes das vintenas, também chamados vintaneiros, ou juizes pe-
dâneos, eram anuahncntc eleitos pelas câmaras dos municípios aonde
existiam aldeias, com populações excedente de 20 moradores, arredadas
uma ou mais léguas das cidades ou vilas. Compctia-lhcs decidir verbal­
mente, sem apelação nem agravo, as contendas entre os habitantes da
'sua aldeia, quando a contenda não excedia dc 100, 200, 300 e 400 réis,
conforme a população era de 20 ale 50 vizinhos, de mais de 50 até 150,
de mais de 150 até 200, e daí para cima. Não conheciam das contendas
sobre bens da raiz. Conheciam, segundo as posturas da câmara, das
coimas c danos. Não conheciam dc crime algum; era-lhes vedada toda
a jurisdição criminal; porém prendiam os criminosos, mandando-os logo
entregar ao juiz ordinário do seu termo.
Aos almolacés cumpria despachar os feitos em audiência, com bre­
vidade, sem processo nem escrituras, com apelações e agravos para o
juiz ordinário, que decidia por si só quando a causa não excedia ao va­
lor de 600 réis, mas, excedendo a essa quantia até 6$000, só o podia fazer
com assistência dos vereadores cm câmara.
Sendo a pena imposta corporal, ou pecuniária excedente a 6$000,
havia apelação para a Relação. Os almotacés entendiam sobre açougues,
padarias, pescarias c oficiais mecânicos, sobre coimas, sobre pesos e me­
didas, sobre limpeza dás cidades e vilas, c sobre edifícios e servidões
urbanas, fazendo que cm tudo sc guardassem os regimentos particula­
res entre os litigantes em tais matérias.
Os juizes ordinários eram eleitos trienalmcntc, na mesma ocasião
cm que sc elegiam os vereadores da câmara. Eram tres, servindo cada
um cleles um ano, segundo a sorte os designava.
Não tinham vencimento algum do Estado. Nos termos importantes
criavam-se por decreto régio juizes de fora, que eram pelo rei nomeados
dentre os bacharéis cm direito, suprimidos os juizes ordinários. Tinham
os juizes dc fora ordenado pago pelos cofres reais, e aposentadoria, c
propinas pagas pelos rendimentos das câmaras... Traziam os juizes
oe íora por insígnias uma vara branca, e os juizes ordinários uma vara
encarnada.
Exerciam esses juizes jurisdição civil c criminal: só nas cidades e
vilas populosas havia juizes distintos para o crime, para o cível, c para
os órfãos. Tinham alçada os juizes ordinários de 600 réis até 11000 em
bens móveis, segundo a população do termo, e até 400 réis nos de raiz;
os de juizes dc fora no civil até 5S000 nos bens móveis e até 41000 nos
dc raiz, e no crime até l$000. Nas causas de sua alçada decidiam su­

128
mariamente .sem apelação nem agravo; nas causas superiores seguiam
o processo ordinário determinado nas leis civis e criminais, com os re­
cursos nelas estabelecidos. Entradas em exercício, deviam tirar devassa
geral sobre o procedimento do juiz do ano antecedente, para verificar
se este cumprira os seus deveres.
O meSmo faziam acerca dos vereadores, escrivães e mais emprega­
dos do seu termo, devendo, no que lhes competisse, prover conforme a
lei, e, no que estivesse fora dc sua competência, deviam participar ao
corregedor da comarca, à câmara c empregados da fazenda real para •
estes providenciarem, segundo era a falta cometida por empregados ime-
diatamente sujeitos ao corregedor, à câmara e aos empregados fiscais.
Quando havia juiz dc fora, tirava este a devassa anuahnente. Ins­
pecionavam aos almotacés, impelindo-os
* a cumprir as suas obrigações, e
conheciam privativamente do crime de injúrias verbais, que decidiam
sem apelação.
Era da sua obrigação trabalhar para que nos seus termos se não
fizessem malefícios nem malfeilorias, procedendo com diligências con­
tra os culpados. Cumpria-lhes prender os criminosos e malfeitores por
seus oficiais, passando ordens por escrito. Nos casos dc crimes de certa
gravidade, como morte, força, roubo e outros malefícios declarados na
lei, devassavam ex officio, logo que tinham conhecimento dos fatos. Nos
demais procediam por querela da parte ofendida. Acabada a devassa,
remetiam o processo ao tribunal superior para julgar. Exerciam a juris­
dição orfanalógica onde não havia juiz dos órfãos especial, fazendo os
inventários e cuidando da pessoa e bens dos órfãos.
< Eram os ouvidores nomeados pelo rei dentre os juizes de fora, que
tivessem servido pelo menos quatro anos. Tinham ordenado da fazenda
real, e aposentadoria e propinas pagas pelas câmaras. No Brasil, os ou­
vidores eram os corregedores dc suas comarcas. Davam audiências re­
gularmente em dia e lugar determinados; c dos feitos cíveis, processa­
dos ante o juízo inferior, não conheciam por apelação, mas sim por agra­
vo e cartas leslemunhávcis. Tinham alçada no cível ate 10$000 cm mó­
veis, até SSOOO cm bens de raiz, e no crime até pena pecuniária de 2$000.
Deviam fazer anualmcnte correição em cada termo da sua comar­
ca; e então examinavam os feitos cíveis c crimes para emendar erros, e
proceder e mandar proceder contra os criminosos.
Avocavam e tomavam conhecimento das causas, quer cíveis, quer
criminais, cm que eram partes os juizes territoriais, seus escrivães e pes­
soas poderosas, quando lhes parecia não poderem os juizes territoriais
decidir o feito com justiça inteira, para o que podiam as partes menos
poderosas apresentar-se ante os mesmos corregedores. Julgando con­
veniente, instruíam os juizes territoriais acerca da decisão da causa, ave­
riguando depois sc faziam a devida justiça.

129
Examinavam o procedimento não só das autoridades judiciárias e
seus oficiais, como dos empregados cíveis, providenciando com emenda
dos erros nos casos de sua competência, oti noticiando à autoridade res­
pectiva nos casos contrários, e punindo as autoridades, oficiais c empre­
gados sobreditos, quando culpados, com as penas da lei, admitindo para
a Relação agravo ou apelação das suas sentenças em tais circunstâncias,
na conformidade do direito. Cumpria-lhfs inspecionar as cadeias c es­
tado dos presos para não virem estes a sofrer opressões dos carcereiros c
justiças locais. Aos criminosos e malfeitores deviam mandar prender
para que fossem punidos, fazendo as competentes devassas quando já
. nâo estivessem feitas pelas autoridades territoriais, c davam carta ac
seguro nos casos determinados em lei.
Além das atribuições judiciárias dos corregedores das comarcas, ti­
nham eles incumbências meramente administrativas, que exerciam em
razão das circunstâncias do país ainda pouco ilustrado, e de uma popu­
lação disseminada por longínquos lugares, aonde mal podia chegar essa
mesma inspeção dos corregedores.
Cuidavam da eleição das câmaras, quando a não achavam feita ao
tempo da correição, mandando-a fazer e presidindo-a tomavam conta
dos réditos das mesmas câmaras para que fossem bem arrecadados e des­
pendidos; proviam sobre benfeitorias dos diversos municípios, como es­
tradas, pontes e fontes, mandando-as fazer pelos réditos sobretidos, e,
na falta destes, por finlas não excedentes ao computo de 4§000, que au­
torizavam; subindo a finta a maior quantia, só com régia autorização
podia ser arrecadada, mediante informação do corregedor. As posturas
eram por eles examinadas: anulavam as ilegalmente feitas e representa­
vam ao rei contra as legais, porém prejudiciais ao município... Vigia­
vam sobre a arrecadação dos impostos reais, fazendo com que fossem
bem arrecadados... (Tristão dc Alencar Araripc, História da Prooín-
cia do Ceará).

Os ouvidores eram nomeados por três anos e aos seus sucessores ca­
bia tirar-lhes residência, quando entravam no exercício do cargo.
Para o completo funcionamento do aparelho da justiça, havia ainda
os escrivães dos almotacés, os tabeliães do judicial e de notas junto aos
juizes ordinários ou de fora, os alcaides, encarregados das diligências e
mandados judiciais (havia em cada termo um alcaide, com certo número
dc homens debaixo dc sua direção), carcereiros incumbidos da guarda
da cadeia, etc. A ouvidoria tinha escrivães privativos, o seu meirinho de
correição e o escrivão deste.
A administração municipal estava entregue às câmaras, que regu­
lavam a polícia das feiras, dos mercados e do trânsito; geriam os bens do
conselho e suas rendas; proviam a construção, reparo e conservação das
estradas, pontes, chafarizes c calçadas; providenciavam sobre a arbori-
zação das ruas, praças e lugares baldios; estabeleciam condições para a
construção dos edifícios; taxavam os preços dos ofícios mecânicos e as
soldados aos jornaleiros e criados; cuidavam do abastecimento de víve­
res; promoviam a cultura das terras; ordenavam as despesas e lançavam
as fintas para acudir às obras extraordinárias; enfim, publicavam postu­
ras sobre tudo que interessasse ao bem comum. . .

Tinham particular incumbência de fazer procissões em honra do cul­


to divino. Ein alguns casos, cram-lhcs facultadas prerrogativas judiciais.
Podiam representar às autoridades superiores e ao rei, por escrito ou de­
legando poderes a alguma pessoa.
Ao lado de capitães-mores autoritários e de ouvidores gananciosos, as
câmaras foram, muitas vezes, obrigadas a envolver-se nas lutas tão comuns
entre eles, intervindo em matéria de ordem política, na qual chegaram
a ter largas atribuições. Infelizmente, compostas de homens ignorantes
e sem a necessária resistência moral, nem sempre puderam contribuir
para que fossem suavizadas as violências e extorsões que afligiam o
povo, em cujo contato imediato viviam numa sociedade em que o indi­
víduo desaparecia e em que, por longos anos, nenhuma arte ou ofício
se pôde exercer livremente.
No ponto de vista fiscal, ocupava o posto mais elevado na hierarquia
administrativa o provedor da fazenda, de cujas decisões havia recurso
para a provedoria-mor da Bahia. Subordinada a capitania ao governo
de Pernambuco, o provedor ficou também sujeito à junta de fazenda
que ali existia e perante a qual se concluíam definitivamente as arrema-
tações das rendas públicas.

Ali se recolhia igualmente o produto das arrrecadações feitas, de


modo que o dinheiro necessário às despesas da capitania era* lá abonado
ou de lá remetido, até que, após a revolução republicana dc 1817, os
acontecimentos forçaram a criação da alfândega c da junta de fazenda
locais. Além do provedor, cuja jurisdição abrangia o Ceará até 1723,
quando a provisão régia de 7 de janeiro desse ano criou a ouvidoria
geral daquela capitania, anexando-lhe o lugar de provedor, existiam o
escrivão da fazenda, o almoxarife, o seu escrivão e os oficiais necessários
ao serviço.
O sistema preferido para a arrecadação dos impostos era o de con­
tratos, mediante arrematação. As rendas eram, em começo, insignifican­
tes. Depois, porém, que se restabeleceu a paz com os índios e se deu o
florescimento da indústria pastoril, elas tiveram constante desenvolvi­
mento, por serem, em sua maior parte, provenientes do dízimo do gado.

Em 1715 (carta régia de 15 de julho) esse desenvolvimento já era


invocado pelo provedor como justificativa para o aumento de seus venci­
mentos, até então de cinqüenta mil réis, excluídas as propinas das arre-
matações.

131
Durante o período de que tratamos governaram a capitania; •
Bernardo Vieira de Melo, cuja administração, iniciada cm 1095 e
terminada cm 1701, já tivemos, oportunidade de estudar.
Antônio de Carvalho e Almeida: Diz Porto Seguro que a sua nomea­
ção é de agosto de 1701. Houve equívoco, pois o documento que se
segue demonstra que c anterior a março daquele ano: "Sua Majestade
que Deus guarde, em consideração do que V. Mcê. lhe representou sobre
Miguel de Carvalho e parecendo-lhe que a jornada de Roma se podia
suprir por outrem, e que nas missões seria de maior utilidade a sua pessoa
* pelas notícias com que se acha do sertão e virtudes que nele concorrem,
foi servido de o encarregar da missão da ribeira do Açu para se empregar
na sedução dos janduís, para cujo efeito e para que com mais autoridade
lhe fez mercê de nomear a seu irmão Antônio dc Carvalho e Almeida por
capitão-mor do Rio Grande e é outrossim servido que para o mesmo
efeito da dita missão lhe mande V. Mcê. dar toda ajuda e favor e tudo
que lhe for necessário na forma das ordens dc Sua Majestade pelo que
toca à despesa da sua Real Fazenda, e finalmcnte é Sua Majestade servi­
da que o dito padre Miguel de Carvalho não possa scr retirado da dita
missão sem culpas de que se haja de dar contas a Sua Majestade, e que
lhe sejam primeiro presentes, nem possa ser mandado a este Reino a
algum negócio sem que o peça e seja tanta a conveniência do serviço
de Deus c de Sua Majestade que dc ele não vir sc siga prejuízo grave
a um e outro serviço.
Deus guarde a V. Mcê. muitos anos. Salvaterra, 14 de março de
1701. Roque Monteiro Paim. Senhor D. Fernando Martins Mascarenhas
de Lencastro. (Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande
do 'Norte, vol. XI).

É possível que a nomeação de Carvalho c Almeida seja de 1700,


conforme afirma Gonçalves Dias. A posse deve ter sido em agósto de
1701, pois de 15 desse mês e ano é o registro da patente no respectivo
livro do Senado da Câmara. r

O seu governo prolongou-se até dezembro de 1705. Não se conhe­


cem atos que o tenham recomendado ou deprimido. Procurou manter
em obediência os indígenas, acalmar a irritação que provocara a subor­
dinação da capitania a Pernambuco, incrementar a criação e ativar o movi­
mento colonizador do sertão. Duas cartas régias desse tempo mostram
que, quanto a estes objetivos, apreciáveis já eram os resultados obtidos:
uma, de 14 de dezembro de 1701, aprovava a solução de D. Fernando
Mascarenhas, impedindo que quarenta vaqueiros de Antônio da Rocha
Pit, que pretendia situar fazendas no Açu, expulsassem de suas terras
os moradores que nelas se haviam estabelecido; a outra, de 18 de abril
de 1702, manaava agradecer a Lopo de Albuquerque, que assistia na
ribeira do Upanema, os auxílios prestados aos. missionários e a boa vonta-

132
de com que se esforçava para que as missões se aumentem pelas partes
da vizinhança da dita ribeira.
Sebastião Nunes Colares: Governou de dezembro de 1705 (de 10
de dezembro é o registro de sua patente) até 30 de novembro de 1703.
Administração muito apagada. Um fato se deu na posse de Colares que
prova como o Senado da Câmara zelava as suas prerrogativas. Não lhe
tendo sido comunicada a nomeação do capitão-mor gove'mador, talvez
por esquecimento, hesitou aquela corporação em lhe dar posse e, se o
fez, foi em atenção a Carvalho de Almeida, que desejava retirar-se. Es­
creveu, entretanto, ao governo1 da metrópole, explicando o que ocorrera
e pedindo instruções sobre o 'que lhe cumpria fazer quando, de futuro,
sc repetisse fato semelhante. /
i
André Nogueira da Costa: Nomeado por três anos em 31 de março
de 1708, sob consulta do conselho ultramarino de 18 de janeiro do mesmo
ano. Tomou posse em 30 de novembro, ainda de 1708.
Consta de sua patente’ que prestou bons serviços em Angola, Bahia
c Pernambuco, distinguindo-se principalmente como capitão do rio São
Francisco, onde prendeu muitos criminosos. Como a anterior, a sua
administração nennum realce teve.
Salvador Álvares da Silva: Patente de 17 de junho, posse a 30 de
novembro, registro a 24 dc dezembro, tudo de 1711.
Os levantes de índios que sc deram depois do governo de Bernardo
Vieira de Melo foram parciais e facilmente dominados. Em 1712, porém,
houve, no Açu, uma revolta séria: avançaram em todo o seu poder contra
o arraial, que para a sua defesa teve o auxílio dos paiacus, aos quais sc
ficou devendo grande parte das/ vitórias alcançadas, sobretudo porque
serviam de guias às bandeiras e descobriam os inimigos nas serras incul­
tas onde se acolhiam (cópia de uma carta que acompanhou a ordem regia
de 24 de julho de 1715 ao capitão-general de Pernambuco).
Este foi o fato mais importante ocorrido quando governava Salva­
dor Alvares da Silva. j
Domingos Amado: Foi nolneado em 2 de março de 1714, sendo sua
patente registrada em 12 de junho de 1715. Empossou-se a 20 do mesmo
mês e ano. Ê do seu tempo Ia execução da carta regia de 9 de maio
de 1714 (foi registrada a 28 pe julho de 1715) suspendendo o bando
que o governador de Pernambuco, Félix José Machado, mandara lançar
para que todos os tapuias, de 7 anos para cima, lhe fossem remetidos
para serem vendidos no Rio de Janeiro.
Aproveitando-se da circunstância de se ter ausentado do Açu, para
ponto que lhe ficava a três léguas,| o terço dos paulistas, os índios reno­
varam os seus ataques e assaltos. Houve reclamação por parte do Sena­
do da Câmara e o capitão-general de Pernambuco ordenou que o referido

133
terço voltasse a assistir no lugar que tinha sido determinado, o Açu,
que continuava a ser o campo das maiores façanhas dos indígenas insub­
missos.
Luís Ferreira Freire: Era soldado sem letras, violento e voluntarioso,
que servira cerca de dezesseis anos nas províncias do Minho, Beira, Trás-
os-Montes e Alentejo, como praça, cabo-de-csquadra, sargento e alfercs
ajudante de infantaria, conforme se vê de sua patente de nomeação, data­
da de 23 de janeiro de 1718. /
i

Sua posse realizou-se a 3 de julho. Foi em 1720, durante seu governo,


que se deu a última rebelião geral dos índios, assim descrita pelo mestre-
ac-campo Manuel Álvares de Morais Navarro (representação anexa à carta
régia de 13 de fevereiro de 1733):
"Foi uma guerra viva porque todos os tapuias invadiram o arraial
de Ferreiro Torto (distava poucos quilômetros de Natal), querendo matar
aos que nele assistiam e senhorearem-se da pólvora e destruírem toda a
capitania, o que conseguiríam se não achassem a infantaria com valoro­
sa defensa”.
Desta vez foram rigorosamente punidos; os que escaparam à morte
ou à escravidão internaram-se nos altos sertões da Paraíba c Ceará, donde
raro vinham inquietar os moradores. As suas investidas não ofereceram
mais os perigos dc outrora; c isto permitiu a extinção do terço dos paulis­
tas, do qual ficaram apenas duas companhias (carta régia dc 17 dc
outubro de 1724).
Em 23 de julho de 1717, a Câmara pedira que lhe fossem concedidos
os privilégios da de Évora, Braga e Porto, respondendo o rei, em 7 de
maio de 1718, que se- contentasse com os das ordenações, "esperando
(escrevia ele) que vos façais dignos pelo tempo adiante de que mereçais
que eu use convosco e neste particular da minha real atenção
* ’. Entendeu
a Câmara renovar o pedido em 4 de janeiro de 1722, c o fez nestes termos:
"Atidos na lembrança que V. M. deste Senado tem pela sua real carta
de 7 de maio de 1718, lhe fazemos presente que para o merecimento
de sua real atenção esperamos sirva primeiramente o serviço de mais
de 80 anos de sua parte, que à real coroa de V. M. se fez por nossos
avós, pais e por nós e nossos filhos agora na contínua guerra e conquista
cm que se tem andado contra o gentio bárbaro e cm defesa desta capita­
nia, com despesas dc fazendas c perdas dc muitas vidas destes, até que
de todo ficou reparada e os ditos bárbaros extintos, porque alguns poucos
que há se acham reduzidos à paz debaixo de missão, do que tudo assim
obrado, como é notório, tem resultado â fazenda de V. M. em todos os
seus reais dízimos e mais contratos, assim nesta capitania, como nas
mais de Pernambuco e Paraíba, um grande proveito no aumento dos
preços por que se tem rematado, rematam e vão rematando com o cres­
cimento dos gados nas terras, que com as ditas guerras se tiraram aos
ditos bárbaros que as ocupavam.
Em segundo lugar, sirva de merecimento a pública e notória fideli­
dade à coroa de V. M., com que o povo desta capitania, esta câmara,
sua cabeça, se portou na sublevação de Pernambuco, com muita quieta-
çao e sem alteração alguma. /
Em terceiro lugar, o zelo ,e obediência com que atualmente está
r servindo a V. R. M. debaixo de tantas e tão grandes tiranias que conosco
estão usando os capitães-mores, que à terra vêm governar, que são muito
maiores do que a V. R. M. se representaram em cartas e queixas do
ano de 1720, cuja maioria por outras fazemos agora de novo presente
a V. R. M. I

Em quarto lugar, o mais serviço que daqui em diante esperamos


fazer, como devemos e somos obrigados por bem de nossos cargos, com
o mesmo zelo, cuidado, diligência e inteireza de justiça.
À vista do que tudo, !assim para glória nossa e de nossos filhos e
mais descendentes nossos, pedimos a V. R. M. se queira dignar e servir
de nos dar as honras pedidas, e por V. M. prometidas, porque, sendo-nos
feita a mercê que mais bem for servido, as mandaremos procurar como
for estilo. í
Não houve deferimento.
Ferreira Freire faleceu no exercício do cargo cm consequência dc
um tiro que lhe foi desfechado na noite dc 22 dc fevereiro dc 1722. Dc
acordo com documentos que compulsou c alguns dos quais estão publi­
cados, Gonçalves Dias escreveu (op. cit) sobre este fato o seguinte:
"Luís Ferreira Freire, capitão-mor, indispôs-se gravemente com o
Senado e com muitos dos moradores. Representou o Senado que ele
cometia roubos e violências, e era homem de maus costumes. Furtou
uma moça donzela, de que fez sua amásia, pôs-lhe casa; e para a servir
tomou à força a escrava de um vereador, que ainda era parente da
mesma moça, por nome^ Manuel de Melo Albuquerque. O vereador
recorreu à justiça, obteve mandado para a entrega da escrava; mas Freire
tanto intimidou os oficiais de justiça que nenhum se quis prestar à execução
do mandado. Então recorreu o ofendido ao governador de Pernambuco,
Rolim de Moura, que mandou ordens mais positivas; mas, longe de surti­
rem efeito, Freire manda 'prender a Albuquerque, metendo-o na casa
escura da fortaleza, onde jazeu quarenta dias. No entanto o Senado,
indo em corpo representar que a prisão de Manuel de Melo ofendia os
seus privilégios, não foi atendido. Veio nova ordem de Pernambuco para
que o comandante militar soltasse a Manuel de Melo, e assim se fez;
mas Freire, saindo à noite, acompanhado de alguns soldados, e de Fran­
cisco Ribeiro Garda, capitãó da guarnição, forçou a enxovia para dar
soltura a um escravo do mesmo capitão; e arrombariam também a casa
de Manuel de Melo, se a sua senhora, abrindo a porta, lhes não houvesse
entregado a escrava que servia à barregã.

135
Dias depois, a 22 de fevereiro de 1722, das 7 para as 8 horas da
noite (carta do Senado ao ouvidor, datada dc 2 de março), foi ferido
com um tiro, do qual morreu ao sctimo dia.
Na mesma data (a 2 de março), comunicou o Senado ter ficado
com o governo, como já se havia praticado por morte de dois capitães
*
mores, Francisco Pereira Guimarães e Sebastião Pimentel. Abriu-se devas­
sa pelo assassínio dc Luís Ferreira Freire; mas não sc descobriu o réu ou
réus do atentado. Havia, contudo, graves suspeitas de que nisso tivesse
o Senado tido parte, imputação que este perante o rei atribuiu aos apani­
guados do falecido governador, querendo que os autores, bem que não
confessos, fossem, os irmãos da raptada. O falo é que a estes somente
pareço culpar a tradição.
Ainda que indispostos todos os moradores com 0 capitão-mor, e em-
!)Cnhado o Senado na luta, não me admiraria que este, ou mais alguém,
louvesse contribuído para a catástrofe.
Conta-se que o velho pai da moça raptada, indo queixar-se ao capi-
tão-mer, e pedir que lhe fosse restituída a filha, sofrerá no palácio nova
injúria do próprio capitão-mor, que o mandou retirar de sua presença,
ameaçando-o de mais severo procedimento, se persistisse em suas queixas.
Não se sabe se nesta ocasião o chegara a esbofetear. Saiu o velho do
palácio da cidade, sentido ao mesmo tempo da não reparação do agravo
antigo e da rcccntc violência dc que era vítima indefesa: os filhos que
vinham para a cidade o encontraram no caminho, lastimando-se e choran­
do, e lhe prometeram vingança. Algum tempo depois foi morto o capi­
tão-mor, e a arma com que se cometeu o assassínio ainda hoje (dizem)
sc conserva entre os membros daquela família, que residem em Periperi.
Governo do Senado da Câmara: Após o falecimento de Ferreira
Freire, assumiu o governo, por alguns dias (2 a 8 de março), o Senado
da Câmara.
José Ferreira da Fonseca: Foi nomeado por patente régia dc 17 dc
março de 1721. Empossou-sc a 8 dc março de 1722, encontrando a
capitania ainda sob a impressão do atentado que vitimara o seu ante­
cessor, fato sobre o qual foram abertas duas devassas, uma pelo juiz
ordinário e outra pelo ouvidor geral, não se:chegando a resultados posi­
tivos sobre os nomes dos verdadeirs criminosos. Parecia, porém, ao novo
capitão-mor que o Senado da Câmara, sc não fora conivente, pelo menos
não tinha sido estranho ao que sucedera.
E dessa suspeita decorreram as desconfianças em que viviam, gover­
nador e Câmara, mesmo depois que os vereadores foram substituídos.
A representação que se segue — 22 de novembro de 1723 — é indício
significativo de como eram tensas as suas relações: "Senhor, foi V. M.
servido prover no lugar de capitão-mor desta capitania a José Pereira
da Fonseca, que, vindo governá-la, CDlendemos no princípio convalescia
esta. miserável capitania das passadas e trabalhosas tormentas que por
ela tinham passado nas tiranias que sofreu do capitão-mor defunto
Luís Ferreira Freire; porque se inculcava e manifestava benigno e verda-
deiramenle publicava tinha desejos de fazer no bom governo dela um
relevante serviço a V. S?; fortuna que durou pouco, porque, não podendo
conseguir em muitos tempos o contrafeito da sua condição, veio a usar
dos seus antigos costumes em inconstante, austero, retirado e finalmente
descomposto, causado tudo de uns frenesis epicôndrios, que em todas
as conjunções de luas o arrebatam fora de si tanto que muitas vezes se
divisa com sinais evidentes de doudo, obrando como homem sem juízo,
nem temor a Deus, cujo defeito o habilita incapaz de governar pelos
grandes desconcertos com que sc porta, tlcscoinpondo c desautorizando
com palavras mal soantes a qucni lhe vai à casa, fechando-se nela dias
inteiros para não falar nem ver a pessoa nenhuma, temendo de o busca­
rem para tratarem com ele os negócios que, por razão do seu cargo,
está obrigado a ouvir; e sobretudo ser homem destemido de Deus em
todas as suas ações, pouco observante da religião cristã, inimigo capital
do sacerdócio; e finalmente, Senhor, não sabemos por que caminhos deve­
mos conservar a sua inconstância em termos que possamos viver em
paz, sobre a qual vacilamos; e o desejo de conseguir esta nos obriga a
sermos tão repetidos nas queixas dos capitães-mores; porque somente
vêm estes a esta capitania destruí-la cm fazendas e crcditos. e não a
conservá-la e ampará-la, como Vj M. manda e deseja.
Por cujo motivo pedimos a-V. M., pelo amor de Deus, nos alivie
de tão tiranas opressões, mandando-nos governar por homens tementes
a Deus e zelosos do real serviço,-para que os habitantes desta capitania
vivam cada um sossegado em sua; casa, sem o receio contínuo das violên­
cias que cada um dia experimentam”.*
Natal contava nessa época trinta casas, segundo se verifica de uma
carta de Pereira da Fonseca, de 7 de abril de 1722, carta que acrescenta:
“seus arrabaldes são matos, de/tal sorte que a todas as horas se dão
tiros e se matam pessoas, sem haver com que se atalharem semelhantes
delitos” (carta régia dc 22 de outubro de 1722). Calcula-se por aqui
o que seria a segurança individual e o estado da capitania, que logo
em seguida (1723) começou a ser flagelada por devastadora seca.
Domingos de Morais Navarro: Sucedeu a José Pereira da Fonseca
cm 18 de janeiro de 1728, sendo a sua nomeação de 30 de junho do
ano anterior. Poucos dias depois da posse de Navarro, 26 de janeiro,
o Senado da Câmara pedia ao governo de Lisboa que mandasse erigir
um hospício na Capital, no qual residissem religiosos da Companhia de
Jesus ou da Ordem de São Francisco para ensinarem gramática aos filhos
dos moradores e ordenarem sacerdotes, de que padeciam grande falta
em prejuízo, das almas (carta régia de 26 de março de 1729).
“ O hospício não foi fundado em vista da informação desfavorável do
governador dc Pernambuco, cuja má vontade em relação à capitania era

137
manifesta: cm P de junho dc 1729, sob a alegação de que ‘os provedo­
res não tinham outro exercício mais do que arrematarem os dízimos e os
almoxarifes o de pagarem aos filhos das folhas”, chegou ao extremo dc
propor a supressão da provedoria da capitania, passando a serem feitas
em Pernambuco as arremataçõcs que tivessem de ser nela realizadas
(anexo a carta regia de 18 dc agosto de 1731).

O governo de Navarro foi relativamente calmo.


João de Barros Braga: Patente de nomeação: 16 de julho dc 1730.
• Posse: 19 dc março dc 1731. Foi na sua administração que sc criou (a 21
de julho de 1731) a primeira cadeira de gramática latina, cuja falta fora
reconhecida pelo bispo diocesano, cm uma visita pastoral que fizera cm
1727 ou 1728.
Falando de Barros Braga, refere Gonçalves Dias o seguinte fato:
‘‘Barros havia alcançado o posto que exercia por serviços prestados ao
seu país no espaço, como na sua patente sc lê, de 33 anos. Fora o au­
xílio mais eficaz que encontraram os jesuítas para a catequese e o melhor
defensor que tiveram os povoadores, porque despendeu muito da sua
fazenda em construções para a defesa de todos, e muitas vezes supriu
com mantimento aos índios novamente aldeados, largando-lhes a colheita
dc roças inteiras. Não obstante os seus longos serviços, tendo mandado
arcabuzar um tapuia por haver assassinado a seu senhor, e cometido outras
mortes, incorreu no real desagrado.
Mandou o rei tirar devassa para ser o capitão-mor sentenciado na
Relação do Estado. A Relação passou mandado de prisão contra ele, con­
fiando a sua execução ao ouviaor da Paraíba; mas o governador de Per­
nambuco negou-lhe o cumpra-se, a pretexto dc que, estando no posto
por mercê dEl-rei, não o podia tirar dele. Mandou o rei esquecer o ne-’
gócio, advertindo, porém, ao capitão-mor que “lhe não tocava senten­
ciar os delinquentes”.
Foi isto a 25 de novembro dc 1732.
Agora o reverso da medalha. Eis o que sobre ele escreveu João Brí-
gido (Ceará — Homens e Fatos):
Foi nas vargens do Jaguaribe que houve as guerras mais acesas da
conquista: verdadeiras algaras, de quase cem anos, nas quais pereceu a
população primitiva, em proporção espantosa. E foi isto parte para que
ali se perpetuasse o crime, seguindo-se entre os colonos guerras atrozes
de família, e succdcndo-lhes a tirania local por largo tempo.
Exterminados os índios, ficaram por toda a parte os celerados com
a sua educação dc sangue. Os ricos tinham maltas de sequazes, com os
quais se impunham pelo terror e se faziam árbitros das vidas e fortunas.
A autoridaae eslava longe e participava da mesma perversão, ocorrendo
ue os governadores e juizes que vinham de Portugal, algumas vezes

S e Pernambuco, eram ignorantíssimos e gananciosos até o suborno.


A primeira entidade que surgiu naqueles sertões £oi Manuel No­
gueira Ferreira, pelos fins do scculo XVII. Era capitão-mor de entradas
e fez muitas correrías, exterminando os jaguaribanos. Ainda em 1707,
continuando a sua obra, pedia auxílio aos governadores do Rio Grande
e Ceará para novas entradas.
Havia intriga formal dos criadores de gado com os índios, porque
estes não se podiam conformar com a idéia de que o gado pudesse ter
dono e queriam exercer nele o seu direito dc caça.

Manuel Nogueira Ferreira foi tronco de uma numerosa família, hoje


mui disseminada pelo Ceará e Estados vizinhos, família da qual foram
rebentos ilustres Eduardo Nogueira Angclim, herói no gênero Garibaldi,
na cabanada do Pará, e o Visconde de Jaguaribe, homem notável do Ceará
nos últimos tempos.
A família Nogueira decaiu muito cedo do seu poderio. Sucumbiu,
porventura, à intriga com outras que lhe disputasse a dominação. Em
1721, João de Barros Braga, prepotente mais temido, que tinha surgido
no Jaguaribe, achou-se investido de poderes pelo vice-rei, residente na
Bahia, para prender o capitão João Nogueira, seu irmão José Nogueira e
seus cunhados Gaspar de Araújo e Pedro Ferreira Braga, dos quais, dizia
o vice-rei,, lhe faziam queixas repetidas por maus procedimentos, mortes,
roubos e insolências, nas vargens do Jaguaribe.
O pomo de discórdia entre os duros colonos eram ordinariamente as
extremas de terras e as concessões de sesmarias, que então faziam, ao
mesmo tempo e promiscuamente, o governo da capitania geral e os seus
subalternos.
A cena ficou longos anos ocupada por Barros Braga, cuja tristíssima
memória não se liga hoje a nenhuma família conhecida. Surge este nome
na crônica cearense por uma concessão de três léguas de terras que se
lhe fez no Jaguaribe, em 1700..
Muitas zonas desses sertões estavam ocupadas sem nenhum título,
quando, no fim do século XVII, por autoridade real, o vale começou a
ser distribuído, o que se prolongou por cerca de 50 anos com grande so-
freguidão e muitos conflitos, em consequência de direitos adquiridos,
que iam sendo feridos na partilha do desconhecido.
Em agosto de 1713, os índios anaccs atacaram a vila nascente de
Aquiraz, fazendo grande matança na população e obrigando a restante
a vir se refugiar no presídio da Fortaleza.
Banos Braga veio em socono de Aquiraz com 200 homens do regi­
mento de cavalaria do Jaguaribe, do qual era coronel, c mais 30 índios a

139
pé, c fez horrível matança nos selvagens. O governador Duarte (do
Ceará) proclamou então uma guerra santa, mandando ler bandos às
) portas das igrejas, e deu a Barros Braga o comando em chefe das forças
legais, declarando que a guerra se faria livre da taxa do quinto dc ca­
tivos, que os bandeirantes ou conquistadores eram obrigados a pagar ao
) tesouro real.
1

) O tremendo caudilho colheu às mãos 400 anaccs, dos quais matou


95 com receio, disse ele, de que pudessem fugir, c cativou os demais,
» ficando-se com eles. De sua parte, Pascoal Correia Vieira, capitão de
. .seu regimento, fazia, para si, 125 cativos no valo do Banabuiú, onde do­
minava. Da mistura desses escravos com os que mais tarde vinham da
) Bahia c Pernambuco, procedentes d’Africa, c que se formou a riqueza
sennl que em parte a fome fez alienar na seca dc 1878, liquidando o
5 resto o movimento libertador de 1S88.
Embora o governador Duarte tivesse declarado essa guerra livre da
taxa, Barros Braga não deixou de ser perseguido por amor dos quintos.
Fcz-se-lhc uma devassa, e foi condenado a restituir ao tesouro 70 cativos,
'* só ficando isento dessa pena em 1724, por ato da Relação da Bahia,
tribunal dc péssima nomeada, como todos daquele tempo.
Isto não obstou que, em 1727, o governador geral de Pernambuco o
mandasse levantar nova bandeira para dar caça aos índios, e que a sua
I ferocidade fosse premiada mais tarde com a nomeção dc capitão-mor,
governador do Rio Grande, cargo que excrccu dc 1731 a 1734.
Desaparece da cena este caudilho por uma nova e malograda de-
’i ’vassa, em consequência do fuzilamento de um índio, que ele tinha or­
denado, como governador daquela capitania; e tem sido inútil toda dili-
. ' gcncia para ligar o seu nome à família que porventura tivesse deixado
no Ceará.
A nosso ver, a razão não está inteiramente com qualquer destes ilus­
tres escritores. Barros Braga não foi, por certo, um varão de grandes vir­
tudes; mas não deve ser considerado um simples matador. Há atenuantes
que não é lícito desconhecer para as suas perversidades. Ele viveu num
tempo em que os que habitavam os campos, empregando a sua atividade
nos ásperos labores da agricultura ou da indústria pastoril, precisavam
de conservar as armas na mão para defesa própria e de seus bens.
Não era, portanto, demais que entendesse, como quase toda gente
pensava, serr uma necessidade o extermínio ou a escravidão do silvicola.
E o próprio escritor cearense que citamos encontra explicação para as
. crueldades da cpoca, quando, depois de descrever o que foi o povoa­
Não acusamos o Jaguaribe: ele só podia
mento do Jaguaribe, acrescenta: *
ser assim mesmo. Tinha surgido primeiro e quando se enforcavam os
criminosos e se açoitavam os negros, os presos, os soldados, as crianças
nas escolas e até os penitentes nas igrejasl Os padres, os médicos e até

140
as mães eram desapiedados. A lei era bárbara, como a moral; e as so-
lidões, com as suas impunidades, sempre abriram a porta aos crimes.
À luz deste critério, os atos e os efeitos de Barros Braga, condená­
veis e desumanos nos dias que passam, não constituíram exceção, nem
mesmo quando, de acordo com preconceitos que eram gerais, representou
ao governo da Metrópole sobre a necessidade de “serem escusos dos ser­
viços da república os mulatos e mamelueos por haverem muitos homens
brancos que podiam servir” (carta régia de P de setembro de 1732).
Mantiyeram-se na regra geral, revelando às vezes acertada orientação
administrativa, como, por exemplo, no caso que passamos a expor. Ilavia
na capitania, após a extinção do terço dos paulistas, duas companhias
de infantaria que se revesavam na guarnição da fortaleza, de três em
três meses.
A que deixava o serviço, retirava-se para o engenho do sargento-mor
José de Morais Navarro, que ficava a cinco léguas da cidade, donde só
regressava para render a que a substituira. Barros Braga, para pôr cobro
a essa situação, que lhe parecia e era, de fato, irregular, propôs que fos­
sem construídos quartéis de madeira e barro, como eram as demais casas,
destinando-se à construção 400$000 das sobras dos dízimos reais, que
iam sempre em aumento. Deste modo atendia-se melhor à organização
e disciplina das tropas, garantindo-sc mais eficazmente o prestígio das
autoridades, que teriam sempre na capital uma das companhias para
cumprir as suas ordens, sem prejuízo da guarnição da fortaleza (cartas
régias de 5 de outubro e 5 de novembro de 1733).
João de Teive Barreto: Nomeado em 24 de março de 1734, entrou
no exercido do cargo em 22 de outubro do mesmo ano. Várias cartas
régias (as cartas régias a que nos temos referido nesta parte estão pu­
blicadas, em sua quase totalidade, na Revista do Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte), mostram que se preocupou com
diferentes assuntos da administração. Entre eles: a conveniência de ser
feita em Natal a arrematação dos dízimos; a dispensa da autorização do
governador de Pernambuco para que fossem assentadas praças de sol-
nados nas companhias existentes na capitania; a falta de armas, muni­
ções e material de guerra que havia nesta; a necessidade da construção
de um fortim em um porto aberto a quatro léguas da cidade (seria Ponta
Negra, onde desembarcaram os holandeses por ocasião da invasão); a
substituição do alferes-tenente e do capitão da companhia que presidiava
a fortaleza por ser o primeiro cego e o segundo decrépito; a rigorosa ob­
servância do contrato para a construção da cadeia e casa da Câmara, ctc.
Era, pois, ativo e trabalhador, o que levava a praticar incursões desca­
bidas em esfera de atribuições que não era a sua, como sucedeu quando
intimou o escrivão da provedoria a apresentar-lhe os autos da averi­
guação que se fizera sobre a liberdade ou cativeiro de um mulato, Jorge
Lopes de Figueiredo (carta régia de 10 de novembro de 1736).

141
I

Francisco Xavier de Miranda Henriques: Serviu como capitão-mor


de 18 de dezembro de 1739 a 30 de maio de 1751, quasc doze anos. A
sua nomeação é datada dc 10 de julho do mesmo ano em que se empos­
sou. Studart (Notas para a História do Ceara), estudando o seu governo
i
no Ceará, faz as mais lisonjeiras referencias á sua exemplar honestidade
c narra um fato deveras eloquente: “Miranda Henriques não tinha pos­
ses, era paupérrimó.
Um dia foi-lhe preciso para matar a fome tomar cem mil réis de
empréstimo ao cofre dos órfãos, c, sc não fora a intervenção dc seu se­
cretário, Caetano José Correia, figuraria o nome da autoridade mais
graduada da capitania entre os daqueles que mendigaram do governo
esse pequeno obséquio. Mas o uso e a lei mantinham no Ceará uma
prática dc cuja derrogação podería advir um corte grande nas despesas
do pobre homem. Se bein que o Estado pagasse casa aos ouvidores, não
tinham-na governadores, c pois Miranda Henriques denunciando a in­
justiça e aproveitando em favor dc sua pretensão o que acontecia nas
outras capitanias, mesmo o pequeno Rio Grande do Norte, cuja admi­
nistração deixara havia pouco, endereçou uma petição ao capitão-general
requerendo uma anuidade dc 200$000 para aposentadoria. Justa era a
súplica. Concordou com o favor Proença Lemos (era o provedor) e o
capitão-general concedeu-lhe despacho favorável”. i
>

O governador dc Pernambuco não logrou, porém, que o seu ato fosse


i
aprovado, e Miranda Henriques foi intimado a restituir ao erário real o
dinheiro recebido. Apressou-se em fazer essa restituição, dirigindo-se de­
pois ao rei nos seguintes termos (20 de março de 1757):
“Senhor. O governador de Pernambuco mc avisou mandara V. M.
ordem ao provedor da fazenda desta capitania para me fazer restituir
toda a importância que se me tivesse pago da aposentadoria que o ge­
neral que foi daquela praça, Luís José Correia dc Sá, me tinha mandado
dar, em ocasião que poucos dias antes tinha mandado pedir cem mil
réis a juro ao juiz dc órfãos, tomando-os em meu nome o meu secretário,
para poder me alimentar; porque o limitado soldo de quatrocentos mil
réis, que V. M. me manda dar, me não suprem os gastos que faço juntos
com os que fiz na corte, quando vim para esta capitania (como se vê
da certidão junta do escrivão dos órfãos); contudo, na aflição cm que
me vi, achei o capitão Domingos Francisco Braga que me emprestou au-
zentos mil réis, que é o que tinha recebido de aposentadoria, os quais
entreguei ao almoxarife, como consta do seu recibo, a fls. 3; e sempre é
digno dc reparo e de comiseração que mandando V. M. dar cem mil
réis de aposentadoria ao ouvidor desta capitania só comigo sc não pratique
este procedimento; mas aqui se virá no conhecimento dc qual é a oculta
influência da minha estrela, que, liberalizando V. M. mercês para todos,
só cu hei de ser desgraçado, como eu mesmo. Posso afirmar a V. M.
que me vejo nesta capitania cm maior miséria do que se viu o grande
D. João de Castro na Ásia, quando governava a Índia, porque ele lá teve

! 142
uma gadelha de cabelos que empenhou, porém eu sou tão miserável que
hem isso tenho. .
Assim torno a pedir e rogar a V. M. me mande sucessor na frota
porque já não tenho que gastar no seu real serviço, e não será justo que
acabe nas lástimas de tanta miséria. Deus guarde a V. M. muitos anos."
Além deste, Studart documenta outros fatos abonadores do escrúpulo
e da integridade de Miranda Henriques no governo do Ceará. No Rio
Grande do Norte ele teve inimigos rancorosos, talvez em conseqüència
da luta que foi obrigado a sustentar com o provedor, a quem contrariara,
apoiando os moradores da ribeira do Apodi, que impediram a execução
dos contratos celebrados com Lourenço Correia de Lira sobre gados do
vento. O arrematante pedira garantias e o provedor, atendendo-o, mandou
notificar os principais opositores. Nada conseguiu; e o arrematante viu-se
na contingência de foragir-sc. Aberta devassa sobre o caso, foram pro­
nunciadas mais de vinte pessoas, entre as quais o juiz ordinário Matias
Simões Coelho. Irritadas por tal diligencia, estas pessoas recorreram ao
capitão-mor, que, mandando devassar do ocorrido, nomeou para seme­
lhante fim o mesmo juiz ordinário, já comprometido na devassa feita pelo
provedor, que, por sua vez, lhe solicitou as providências necessárias para
que os contratos fossem executados. Das divergências entre o capitão-mor
e o provedor resultou ser o assunto submetido ao conhecimento e resolu­
ção do governo de Lisboa, que ordenou ao governador de Pernambuco
que chamasse à sua presença o capitão-mor, rcprccndcndo-o c suspen-
dendo-o de suas funções por quatro meses (cartas régias de 21 dc março
de 1744).
Justa ou injusta esta decisão? Faltam-nos elementos para responder.
É certo, porém, que Miranda Henriques continuou ainda a governar depois
dela, por mais de sete anos'. Contra a longa duração dc sua administração
houve um protesto — o do Senado da Câmara; mas este só foi feito em
23 dc abril dc 1751 e quando conhecida a notícia da nomeação do seu
sucessor: “Temos por notícia que se acha provido Pedro dc Albuquerque
e Melo para capitão-mor desta capitania.............. . .....................
Diremos a V. M. que os governadores estarem mais de tres anos causa
grande descômodo ao povo, porque se afeiçoam a algumas pessoas c por
razão destas fazem injustiças
*.
São de 1749, portanto dos últimos tempos de seu governo, as seguintes
informações sobre a capitania (“Informação Geral da Capitania ac Per­
,
*
nambuco vol. XXVIII dos Anais da Biblioteca Nacional):
Rendimentos da Fazenda Real:
O contrato dos dízimos reais, que se remata por três anos por 2:042$000
A passagem do rio Ribeira da cidade do Natal, que se remata
cm cada um ano..................................................................... 13$000

143
O contrato do gado do vento das ribeiras da capitania cm três
anos por.......... :....................................................................... 331$000
Também há o rendimento dos novos direitos das cartas de se­
guro e das provisões dos ofícios que provêm os capi-
pitães-mores.................................. *................................... ..... $
Soma o rendimento da Provedoria ............................................. 1:1345999
Despesas que se fazem pela dita Provedoria Real,
em cada ano:
Ao capitão-mor de seu soldo......................................................... 400$000
*0 provedor da Fazenda Real vence dc seu ordenado ............ 120$000
O almoxarife da Fazenda Real vence de seu ordenado.............. 80$000
O. escrivão da mesma Fazenda Real c almoxarifado vence de
ordenado .................................................................................. 50$000
O dito escrivão pelo ser dos mantimentos vence em cada ano
para pão de munição ........................................................... 4$3S0
O ajudante das ordens do capitão-mor vence de seu soldo .... 30$000
O tenente da fortaleza vence de soldo................... í................. 72$000
Ao dito pão de munição................................................................. 4$3S0
O cirurgião que assiste a curar a infantaria vence uma praça de
soldado e pão de munição, que com o ordenado dc cirur­
gião vence ............................................................................... 63$ 1S0
O clérigo que ensina gramática............................ •...................... 60$000
Para azeite para alumiar os corpos da guarda da cidade e da
fortaleza..................................................................................... ’ 31$200
Despesa que se faz com os eclesiásticos:
O vigário da igreja matriz da cidade do Natal vence de côngrua 244Ç000
O coadjutor da dita igreja vence de côngrua........................ 25$000
A transportar ......................................................................... l:184$140
Transporte................................................................................. 1:184$ 140
O tesoureiro e fabriqueiro vence............................. .................. 8$000
O missionário da aldeia do Mipibu vence................................... 30$000
O missionário da igreja da aldeia do Apodi vence.................... 30$000
Soma a despesa que faz a dita Provedoria.............. l:302$140

Não entrando nestas despesas as que se fazem com correios que vêm
com cartas do serviço de Sua Majestade, como também as que se fazem
com papel para a Secretaria do capitão-mor e Provedoria, e outras des­
pesas miúdas e necessárias, que não há certeza de suas importâncias.

144
Freguesias e Clérigos:
Freguesia da Cidade do Natal:
A igreja matriz de Nossa Senhora da Apresentação de que c vi­
gário 0 Reverendo Doutor Manuel Correia Comes.......... 1
Clérigos que há nesta freguesia ....’............................................ 12
Capelas ................................................................................. ............ 9
Freguesia de Goianinha:
A igreja matriz de Nossa Senhora dos Prazeres, de que é cura
o Reverendo Padre Antônio de Andrade de Araújo............ "1
Capelas que há neste curato ....................................................... 3
Clérigos . ........................................................................................... 3
299
Pessoas ............................................................................................... 1.306
Freguesia do Açu:
A igreja de São João Batista, de que é cura o Reverendo Padre
Guilherme Teixeira de Carvalho........................................ .
Clérigos que há dentro deste curato .................... ......................

Não tem capelas.


Relação das aldeias:
-* Aldeia de Guajiru. Invocação São Miguel. É de índios
caboclos da língua geral e tapuios, de nação paiacus.
* O seu mis­
sionário é padre da Companhia de Jesus.
— Aldeia do Apodi. Invocação de São João Batista. Ê de ta­
puios, de nação paiacus, e o missionário religioso de Santa Te­
resa. ' • • '
— Aldeia do Mipibu. Invocação SanfAna. É dc caboclos da
língua geral e o seu missionário religioso capuchinho.
— Aldeia das Guaraíras. Invocação de São João Batista. Ê
de caboclos da língua geral e o missionário religioso da Companhia
de Jesus.
• ’ — Aldeia de Gramació. Invocação N. S. do Carmo. É de ín­
dios caboclos da língua geral e o missionário religioso do Carmo
da Reforma. .
As aldeias tinham, em regra, 100 homens de armas, cada uma.
Forças militares da capitania: duas companhias de infantaria paga,
com 120 praças; e uma companhia de auxiliares com 100 praças. O ma­

145
nuscrito estava incompleto na parte relativa às tropas das ordenanças, cons­
tando apenas que havia três capitães (coronéis), um em cada uma das
freguesias.
Na fortaleza encontravam-se 30 peças, sendo 17 de ferro, inutilizadas,
c 13 dc bronze, com a respectiva munição.
f

Peclro de Albuquerque Melo: A sua patente dc nomeação c de 14 dc


novembro de 1750 e a sua posse de 30 dc maio dc 1751. Data dc seu go­
verno a criação, em 23 dc novembro de 1754, dos cargos de juiz ordinário
e escrivão do Açu e Apodi. Fez vários provimentos de oficiais para os três
* regimentos de milícia então existentes no sertão, a saber: o da ribeira do
Açu, dc que era comandante David Dantas dc Faria; o da ribeira do
Apodi, para o qual nomeou comandante Antônio Duarte Teixeira, visto a
idade e a doença do que servia não lhe permitirem continuar no comando;
e o da ribeira do Seridó, onde era o coronel Cipriano Lopes Galvão. Quase
no fim de sua administração — 27 de junho de 1757 — o ouvidor Domingos
Monteiro da Rocha, cuja jurisdição compreendia a Paraíba e o Rio Grande
do Norte, assim descrevia este último (Biblioteca Nacional, lata 5-6, do­
cumentos da Paraíba).

Contém toda esta capitania do Rio Grande de comprido cento e dez


léguas por costa, pegando do rio dos Marcos, donde faz divisão a capitania
da Paraíba, até a picada do Moxoró, donde divide a capitania do Ceará-
Crandc, c dc largo cento c vinte léguas, pegando da cidade do Natal, da
costa do mar, dela até às cabeceiras do rio Apodi, donde divide as capi­
tanias mencionadas.

Em toda esta capitania acham-se cinco freguesias.


A primeira dc N. S. da Apresentação; nesta tem uma cidade chamada
do Natal, que terá de povoado quatrocentas braças de comprido e de largo
cinquenta, com cento e dezoito casas; no fim desta, no lugar chamado a
Ribeira, há um rio de água salgada, a que chamam Rio Grande, e tem
sua bajra, donde há uma fortaleza da invocação dos Santos Reis Magos,
que nasce do mesmo mar, navegável, e entra pela terra a dentro quatro
léguas.
Tem mais na dita freguesia três povoações com bastantes moradores:
uma da parte do norte, chamada Ceará-Mirim. nesta há um rio do mesmo
nome, o qual faz barra na costa do mar, e é inavegável pelos rochedos que
ocupam a sua costa; tem o seu nascimento junto a uma serra chamada do
Cabugi e deste à barra serão quarenta léguas; há mais outro rio, a que
chamam Maxaranguape, corrente, de água doce, e faz barra na costa do
mar, e é inavegável, e tem o seu nascimento para o sertão, que dele à barra
serão seis léguas; há mais outro rio, a que chamam Punaú, corrente, de
água doce, e faz bana na costa do mar, no qual há uma enseada, aonde
podem estar surtas muitas naus, que serve de refrigério às embarcações

146
que pda costa navegam; o rio em si é inavegável, tem o seu nascimento
para o sertão, que deste à barra serão cinco léguas; outra povoaçâo da
parte do norte há, a que chamam São Gonçalo, na qual se acha uma ca­
pela de invocação do mesmo santo; nesta há um rio, a que chamam Potigi,
de água doce, o qual faz barra no rio da cidade já declarada, tem o seu
nascimento entre umas serras pelo sertão a dentro, e deste à barra serão
vmtc c nove léguas» e só corre em anos invernosos; é navegável somente
distância de uma légua, donde chega a água salgada. Da cidade à primeira
povoaçâo serão quatro léguas e desta à segunda outras tantas e desta à
cidade três léguas.

Tem outra povoaçâo da parte do sul chamada de Pa pari, e ribeira do


Mipibu, na qual tem uma capela de invocação de N. S. do õ- nesta povoa-
ção tem dois rios, um chamado de Cururu, e faz barra na costa do mar,
é inavegável pelos muitos penedos de que se compõe a sua costa, nasce
do sertão do Trairi e do nascimento deste à barra serão vinte léguas c só
corre em anos invernosos e dá-lhe água salgada distância de duas léguas;
outro, a que chamam Pirangi e faz barra na costa do mar e é inavegável;
tem o seu nascimento para a parte do sertão no lugar chamado o Curral
da Junta, que desde a barra serão seis léguas; c fica distante esta povoaçâo
da cidade dez léguas.

**£ A segunda freguesia é de N. S. dos Prazeres, com matriz e cura, e com


bastantes moradores na povoaçâo, a que chamam Goianinha, da parle do
sul, que coíina no lugar chamado dos Marcos, donde faz divisão a capi­
tania da Paraíba com esta do Rio Grande; nesta dita povoaçâo e ribeira
tem um rio chamado Cunhaú, o qual faz bana na costa do mar, e por ela
entram embarcações de baixo bordo, e tem seis léguas do seu nascimento à
dita barra; fica distante esta freguesia da ribeira de Goianinha e povoa-
ção da de Papari da freguesia de N. S. do Ó, já mencionada, seis léguas e
da cidade quinze léguas.

Terceira freguesia do glorioso São João na ribeira do Açu, donde tem


uma povoaçâo de muitos moradores, com matnz c cura; nesta tem quatro
rios, que nascem do mesmo mar, e entram pela terra dentro, um a que
chamam Água Maré, que da costa até donde finda serão cinco léguas;
outro, chamado Tubarão, que só terá de comprimento uma légua; outro, a
que chamam Manuel Gonçalves, o qual é navegável em distância de oito
léguas; outro, o qual chamam do Açu, que tem o seu nascimento no cen­
tro dos sertões, que com individuação se não sabe donde, e só cone em
tempo de inverno, e despeja para o mar, no rio chamado Manuel Gonçalves,
já declarado, e fica distante esta freguesia da de N. S. da Apresentação
sessenta léguas.

Quarta freguesia de N. S. da Conceição novamente erigida na ribeira


do Apodi, no lugar chamado Pay dos Ferros, donde tem uma matriz da
invocação da mesma Senhora, com seu cura com muitos moradores; nesta

147
dita ribeira háum único rió, o qual c seco, e só corre em tempo de inverno,
chamado do Apodi, e faz barra na costa do mar; tem o seu nascimento
no centro do sertão, que com individuação se não sabe donde, e é navegá­
vel tão-somente meia légua pelo dito rio acima; fica distante esta freguesia
e povoação da do Açu quarenta e seis léguas.
Quinta e última freguesia da gloriosa SanfAna. donde tem matriz c
cura no lugar chamado Caicó, na ribeira do Scridó, nesta dita freguesia e
ribeira; tem duas povoações, uma na dita matriz, e outra no lugar chamado
Acari, donde têm os moradores uma capela, em distância desta cidade
cinquenta léguas e à povoação dc Caicó treze léguas, c desta à do Açu
vinte; tem um rio seco, que corre em anos invernosos, a que chamam Se-
ridó, que faz barra no rio do Açu; nasce do sertão e do seu nascimento à
dita barra serão vinte e cinco léguas.

Nesta dita capitania não há outra nenhuma vila, que tão-somente a


cidade declarada, e desta à cidade da capitania da Paraíba, circunvizinha
pela costa do mar da parte do sul, serão quarenta e cinco léguas e para a
- parte do norte, pela costa, desta cidade do Natal à vila do Aracati da ca­
pitania do Ceará-Grande circunvizinho, serão cento e dez léguas.' £

João Coutinho dc Bragança: Tomou posse a 4 de dezembro de 1757.


Ao que parece, não escolhia meios para auferir avultados proventos do
cargo. Em uma viagem que fez ao interior, a fim de passar mostra aos re­
gimentos do sertão, exigiu que cada sargento-mor lhe pagasse 30?000,
cada capitão 20$000, cada tenente 10$000 e cada alferes 8Ç000, sob pena
de lhes não serem reconhecidos os postos em que tinham sido anterior­
mente providos. Foi além: criou, mediante propinas, novos postos ém lu-
* gares onde não podia havê-los, inclusive um de capitão-mor, por cuja cria­
ção recebeu ÍOSJOOO.

Destes fatos diz uma representação feita pelo coronel do Açu, em 8


de fevereiro de 1759, representação que foi mandada informa» por carta
- régia de 12 de janeiro do ano seguinte. Se verdadeiros, denotam tal fra­
queza de caráter e tanta elasticidade de consciência que é de crer tenha
cometido os maiores excessos e abusos.

Joaquim Félix dc Lima: Nomeado por patente de 29 de março de


t 1760, governou de 14 de junho do mesmo ano até 28 de setembro de 1774,
quando faleceu no exercício do cargo.
A Ordem dos Jesuítas fora abolida em Portugal e nos seus domínios
por ato de 3 de setembro de 1759; mas tal era o receio da resistência a esse
4 ato por parte dos religiosos que, antes de sua decretação, o Marques de
Pombal julgara conveniente adotar medidas e providencias que garantis-
' sem o êxito completo de sua execução. Daí as ordens reservadas que foram
dirigidas aos diversos governos da colônia. Em relação a Pernambuco e às
capitanias que lhe eram subordinadas, elas foram transmitidas ao capitão-

148
general, e por estes aos capitães-mores c autoridades locais, com a reco­
mendação, quanto ao Ceara e Rio Grande do Norte, de prestarem todo o
apoio, de qualquer natureza que fosse, ao desembargador Bernardo Coelho
da Gama Casco, que da Metrópole viera, com instruções especiais para hr
às referidas capitanias publicar o alvará de 8 de maio de 1758 e as leis de
6 c 7 de junho dc 1755, na forma das quais devia estabelecer a liberdade
das pessoas, bens e comércio dos índios, bem como o seu governo civil,
elevando a vila as aldeias que habitavam e fazendo cessar nestas o governo
temporal dos jesuítas (Stuaart, Notas para a História do Ceará, cit., publica
na íntegra todas as ordens e instruções).

Essas instruções eram meticulosas e precisas, mal encobrindo, sob o


pretexto de proteção aos indígenas, o ódio votado aos padres da Com­
panhia.
Gama Casco, desempenhada a sua comissão em Pernambuco, passou
ao Ceará, embarcando depois no Aracati com destino a Natal, onde che­
gou já nos últimos dias da administração de.Coutinho de Bragança. A vila
ae Extremoz ainda foi fundada no governo deste: 3 de maio de 1760. A
de Ares, porem, foi no dia imediato à posse de Joaquim Felix de Lima:
15 de junho.
Extremoz e Ares eram as antigas missões dc Guajini c Guaraíras, úni­
cas da capitania que se achavam sob a direção dos jesuítas. Os seguintes
dados mostram qual era o seu estado:
Extremoz Ares
Rendimentos dos dízimos .;.................................... 101Ç040 115S000
Rapazes que andam na escola.......... ................ .. 147• 87
Raparigas que aprendiam a fiar, tecer e coser na • • •
missão ..................................................... 63 89
Rapazes aprendendo vários ofícios ........ .... 8 9
Número de casais................... ............... .................. 319 2S4
Número de almas........................................... 1.429 949
Pobres de um e outro sexo . ..................... ....;.. 77 69
Rapazes e moços solteiros de um e outro sexo ... * 765 362
Companhias ............... ............................. ................ 7 . 6
Número de praças que compreendem as compa­
nhias ;.. . .......................................... 7.77T.... 350 300
Escravos de um c outro sexo ................................ ’. 15 ••• . _

De acordo com a resolução tomada, em junta, pelo governador, ouvi­


dor e bispo dc Pernambuco, e dependente de posterior aprovação régia, os

149
r
S •

escravos c o gado foram distribuídos deste modo (Studart, Notos para a


História do Ceará, cit.):
Vila de Extremoz:
Para a igreja de São Miguel 35 vacas, 5 cavalos e 15 escravos;
Ao vigário 6 vacas e 1 cavalo;
Ao coadjutor 4 vacas e 1 cavalo;
Ao capitão-mor 3 vacas;
A 6 capitães 2 vacas a cada um;
Ao diretor 1 vaca e 1 cavalo;
Para o serviço da igreja e obras públicas 4 bois e 1 carro;
A 2 ajudantes e 6 alferes, 1 vaca a cada um;
Ao mcstre-escola, 1 vaca e 1 cavalo.
>
j Vila de Ares:
A N. Senhora 12 éguas;
Para a igreja de São João Batista 53 vacas e 48 bois;
Ao vigário 12 vacas, 8 bois, 2 éguas c 3 cavalos;
Ao coadjutor 7 vacas, 6 bois, 2 éguas e 1 cavalo;
Ao capitão-mor 5 vacas, 3 bois, 1 cgua c 1 cavalo;
Ao sargento-mor, 4 vacas, 3 bois, 1 égua e 1 cavalo;
A 6 capitães 3 vacas, 2 bois e 1 égua a cada um;
A 6 alferes 1 vaca, 1 boi c 1 poldro a cada um;
Ao ajudante 1 vaca, 1 boi e 1 cavalo;
Ao diretor 5 bois e 1 cavalo;
Ao mestre-escola 3 bois e 1 cavalo.
Total: 106 vacas, 95 bois, 24 éguas, 9 cavalos e 6 poldros.
Em 9 de dezembro de 1761, foi criada a vila do Regente (atual Porta-
lcgrc), sendo para aí transferidos os índios da missão do Apodi (vide tra­
balho que escrevemos de colaboração com Vicente de Lemos, Apontamen­
tos sobre a Questão de Limites entre o Ceará e o Rio Grande ao Norte);
em 22 de fevereiro dc 1762, a de São José, na antiga missão dc Mipibu, a
que tinham sido incorporados os pegas, habitantes da serra de Cipilhapa,
que foi arrematada, em toda a sua extensão, pela quantia de 420$, em 19
de novembro de 1761, por João do Vale Bezerra (dono da fazenda Campo
Grande, que é hoje a vila de Augusto Severo), de quem tomou o nome
3ue presenlemente tem de serra de João do Vale (estudo de Luís Fcman-
es, no Almanack do Rio Grande do Norte, 1897); e depois, na aldeia de
Gramació, a de Vila Flor (Moreira Pinto diz que a freguesia foi de 1743 e

* 150
) • *
)
a vila de 1769), a que deram este nome em homenagem a D. Antônio de
Meneses, conde de Vila Flor, aue tinha sido governador de Pernambuco
(a sede foi posteriormente muaada para a povoação de Uruá, que é, de
presente, a cidade de Canguaretama). Estas vilas, com exceção da última
(se verdadeira a data apontada por Moreira Pinto), foram fundadas pelo
juiz de fora Miguel Carlos Caldeira de Pina Castelo Branco, para isso co­
missionado pelo capitão-general Luiz Diogo Lobo da Silva.

Com a criação das novas vilas, desapareceram todas as missões e os


indígenas passaram a ser governados pelos diretores, que sucederam aos
padres. A mudança foi para pior: estes, embora não conservassem a mesma
abnegação e o mesmo desprendimento de que tinham dado tão notáveis
exemplos nas primitivas reduções, pelo menos ainda liberalizavam o con­
solo da fé, propagavam o ensino e pregavam a moralidade dos costumes,
aqueles exploravam, escravizavam, martirizavam. E a conseqüência foi que,
cm grande parte, os índios aldeados voltaram à vida errante dos primeiros
tempos, sendo perseguidos e esmagados.
Ê também do governo de Joaquim Félix de Lima a criação da fre­
guesia das várzeas ao Apodi, com sede da antiga missão (atual cidade do
Apodi). Foi criada em 3 de fevereiro de 1766 (vide nosso livro "O Rio
Grande do Norte em 1911”).
Últimos governos do século XVIII: Joaquim Félix de Lima faleceu,
como já dissemos, em 28 de setembro de 1774, devendo caber o governo,
na conformidade do alvará, com força de lei, dc 12 dc dezembro de
1770, ao ouvidor, ao comandante das tropas e ao vereador mais velho. No
longo período que vai da sua morte a 12 de agosto de 1791, quando assu­
miu o exercício o novo capitão-mor, Caetano da Silva Sanches, estiveram
estas autoridades à frente da administração, sendo de notar que o nome
do ouvidor, que residia na Paraíba, raras vezes aparece nos papéis oficiais:
só quando se achava na capitania em correição tomava parte no governo.
Realmente, ele foi exercido (Gonçalves Dias, op. cit.): Em 1774 (a
partir de 28 de setembro) por José Batista Freire, comandante das tropas,
e Joaquim Luís Pereira. Este era juiz ordinário, pelos que o governador de
Pernambuco houve por bem declarar-lhe que não a ele, mas ao vereador
mais velho competia o lugar.
Em 1775: Freire e o vereador Domingos João Campos.
Em 1776: Freire e o vereador Salvador Rcbouças de Oliveira.
Em 1777: Freire e o vereador Manuel de Souza Nunes.
Em 1778: Freire e o vereador José Duarte da Silva.
Em 1779: Freire e o vereador José Pedro de Vasconcelos.
Em 1780: Freire e o vereador Prudente de Sá Bezerra.
Em 1781: Freire e o vereador José Pedro de Vasconcelos.

151
Em 1782: Até maio, Freire e o vereador Manuel Gonçalves Branco.
De maio em diante o mesmo vereador e o comandante João Barbosa de
Gouveia, que substituiu Freire no comando das tropas.
Em 1783: Gouveia e o vereador Manuel de Araújo Correia.
Em 1784: Gouveia e o vereador Antônio de Barros Passos.
Em 1785: Gouveia e o coronel Antônio da Rocha Bezerra.
Em 1786: Gouveia e o vereador mestre-de-campo do infantaria auxi­
liar Francisco Machado de Oliveira Barbosa.
Em 1787: Gouveia e o vereador capitão-mor Antônio Luís Pereira.
Em 1788: Gouveia c o vereador José Pedro de Vasconcelos, que mor­
re cm março deste ano. O vereador Manuel Gonçalves Branco o substitui,
tomando posse a 11 de abril.
Em 1789: Gouveia e o vereador Joaquim de Morais Navarro.
Em 1790: Gouveia e o vereador Albino Duarte de Oliveira.
Em 1791: Gouveia e o vereador Manuel Antônio de Morais.

A 12 de agosto toma posse Caetano da Silva Sanches, nomeado


capitão-mor interino. Essa nomeação fez-se efetiva por patente de 27 de
março de 1797, ratificando-se a posse a 7 de fevereiro de 1798. Sanches
faleceu em 15 de março de 1SOO, tendo governado de 12 dc agosto dc
1791 ao dia em que morreu. Foi substituído nesse dia, dc acordo com o
citado alvará de 12 de dezembro dc 1770, pelo comandante das tropas
Antônio de Barros Passos e o vereador Luís Antônio Ferreira.
Nesse dilatado período de mais de um quarto de século — 1774 a
1800 —, a capitania experimentou duas grandes secas: a dc 1777-1778 e
a de 1791-1793. A segunda foi extremamente desastrosa.
Conhecemos os seus efeitos, entre outros documentos, pela “Memória”
do padre Joaquim José Pereira, que descreveu, em páginas que se não es­
quecem, os sofrimentos que torturaram os moradores da ribeira do Apodi,
onde existiam nessa época três freguesias oom 8.710 almas:
3.170
Portalegrc .... 1.183
Pau dos Ferros 4.357
A lavoura nessa ribeira consistia apenas no plantio de mandioca, su­
bindo a produção, nas três freguesias, a 56.640 alqueires de farinha,
anualmente. Era, porém, extraordinário o desenvolvimento da indústria
pastoril, tão grande que, não satisfeitos em fornecer gado «ás feiras e açou-
gues de Paraíba e Pernambuco, os criadores alimentavam a lucrativa in­
dústria das carnes secas, estabelecidas em Mossoró e Açú, nos lugares
que ainda hoje conservam os nomes de Oficinas. Deste assunto nos ocupa­
remos ao tratar dos aspectos econômicos do Estado, na parte geográfica.

152
' .-/..Convém, entretanto, adiantar que da extinção dessa indústria, em
1788, quando o capitão-general de Pernambuco só permitiu o preparo das
carnes secas do Aracati para o norte (daí veio o nome de came do Ceará
qíiè.sc dá áo charque em muitos pontos do Nordeste, porque do Ceará
vinha a mesma carne), resultaram consideráveis prejuízos que não foram
exclusivamente de ordem econômica. Segundo as melhores probabilida­
des, á existência das oficinas de carnes agravou a questão dc limites entre
o Ceará c o Rio Grande do Norte. E dizemos agravou, porque é bem
pôssível que a súá origem esteja na rivalidade entre os proprietários das
oficinas, desde a sua fundação, devido ao contrato do estanco do sal.

A cláusula nona do alvará de 7 dc dezembro dc 1758, estabelecida em


garantia desse contrato, dispunha:
Que fossem tombadas, à custa da Fazenda Real, conservando-se os
tombos nos juízos das respectivas provedorias, todas as salinas existentes
no Brasil, a saber: nas capitanias de Pernambuco, Rio Grande do Norte c
Rio de Janeiro (em Cabo Frio);
Que os provedores procedessem, de três em três anos, à necessária
vistoria e que, no caso de acréscimo no todo ou em parte, fizessem demoli-
lo logo, à custa de seus donos;
Que os moradores pudessem usar do sal produzido pela natureza ou
pela indústria, em suas capitanias; mas, de nenhuma sorte, exportá-lo para
qualquer outra, sob pena de multa c perda da embarcação para o contrato
do estanco.
Ora, montadas oficinas de carnes secas no Rio Grande do Norte c
Ceará, as situadas nesta última capitania conservar-se-iam numa posição
dé inferioridade manifesta, pprque, enquanto na primeira o sal a empre­
gar podia ser o existente em suas salinas, de acordo com o alvará dc 1758,
n? segunda teria oue ser adquirido na Metrópole, o que encarecia, é bem
de .ver, o gênero fabricado. Para lutarem em igualdade de condições, os
interessados suscitaram dúvidas sobre as divisas territoriais, tentando levar
a jurisdição cearense, aliás sem êxito, a lugares que jamais alcançara.
Depois, extintas as oficinas de Mossoró e Açu, em virtude da ordem do
capitão-general de Pernambuco, as do Aracati, ainda por algum tempo,
puderam prosperar, livres da concorrência; mas, como a ambição de lucros
c imoderada, ficou o gérmen das discórdias nas fronteiras das duas capi­
tanias . O sal, indústria que era explorada no Rio Grande do Norte desde
o começo do século XVII, com alternativas felizes ou adversas, foi depois,
em mais de uma ocasião, a causa primordial de novos atritos nesse lamen­
tável conflito sobre limites (Apontamentos sobre a Questão de Limites,
cit).
Em 31 de julho de 1788 (O Rio Grande do Norte cm 1911, cit.) foi
fundada a vila’do Príncipe, hoje cidade do Caicó, e em 11 de agosto do
mesmo ano (*
A República”, do Natal, de 11 de agosto de 1911) a Vila
Nova da Princesa, atualmente cidade do Açu. As freguesias respectivas

153
datavam: a primeira de 15 de abril de 1748 e a segunda de 1726 (Anuário
Eclesiástico (la Paraiba do Norte”\ 29 vol.).
O século XVIII foi o do povoamento completo da capitania. Em seu
início, esta formava um só município e uma só freguesia; e, em 1800, já
contava os municípios dc Natal, São José dc Mipibu, Arcs, Vila Flor,
Extremoz, Vila do Príncipe, Vila Nova da Princesa e Vila do Regente,
compreendendo outras tantas freguesias de que eram sedes e mais as fre­
guesias do Apodi, Goianinha e Pau dos Ferros, que ainda não gozavam
dos foros de vilas (as divisões administrativas não coincidiam, como, de
presente, não coincidem com as eclesiásticas).
A população estava disseminada por toda parte, atingindo as serras
e os pontos mais remotos, condensando-se nos vales férteis do litoral c nas
ribeiras dos rios sertanejos.
E isto fora conseqücncia de duas causas principais: o alargamento da
criação e o extermínio dos índios.
A primeira, que fez da capitania uma região francamente pastoril,
trouxe o que Capistrano de Abreu chamou com propriedade a época do
couro, nestes traços vigorosos: "Os primeiros ocupadores do sertão passa­
ram vida bem apertada: não eram os donos das sesmarias, mas escravos
ou propostos. Came e leite havia em abundância, mas isto apenas. t
A farinha, único alimento em que o povo tem confiança, faltou-lhes a
princípio por julgarem imprópria a terra à plantação da mandioca, não
por defeito do solo, pela falta de chuva durante a maior parte do ano.
O milho, a não ser verde, afugentava pelo penoso do preparo naqueles
distritos estranhos ao uso do monjolo. As frutas mais silvestres, as quali­
dades de mel menos saborosas eram devoradas com avidez.
Pode-se apanhar muitos fatos da vida daqueles sertanejos dizendo que
atravessavam a época do couro. De couro era a porta das cabanas, o rude
leito aplicado ao chão duro, c mais tarde a cama para os partos; de couro
eram todas as cordas, a borracha para carregar água, o mocó ou alforje para
levar comida, a maca para guardar roupa, a mochila para milhar o cavalo,
a peia para prendê-lo em viagem, as bainhas de faca, as bruacas e sur-
rões, a roupa de entrar no mato, os banguês para curtume ou para apurar
sal; para os açudes o material de aterro era levado em couros puxados por
juntas de bois que calcavam a terra com seu peso; em couro picava-se
tabaco para o nariz.
Adquirida a terra para uma fazenda, o trabalho primeiro era acostu­
mar o gado ao novo pasto, o que exigia algum tempo e bastante gente;
depois ficava tudo entregue ao vaqueiro.
A este cabia amansar e ferrar os bezerros, curá-los das bicheiras, quei­
mar os campos altemadamente na estação apropriada, extinguir onças,
cobras e morcegos, conhecer as malhadas escolhidas pelo gado para rumi­

154
nar gregariamente, abrir cacimbas e bebedouros. Para climprir bem com
o seu ofício vaqueiral, escreve um observador, deixa poucas noites de
dormir nos campos, ou ao menos as madrugadas não o adiam em casa,
especialmente de inverno, sem atender às maiores chuvas e trovoadas,
porque nesta ocasião costuma nascer a maior parte dos bezerros e pode
nas malhadas observar o gado antes de cspalhar-se ao romper do dia,
como costuma, marcar as vacas que estão próximas de ser mãe e trazê-las
quase como à vista, para que parindo não escondam os filhos de forma
que fiquem bravos ou morram de varejeiras.

Depois de quatro ou cinco anos de serviço, começava o vaqueiro a


ser pago: de quatro crias cabia-lhe uma; podia assim fundar uma fazenda
por sua conta. Desde começo do século XVIII, as sesmarias tinham sido
imitadas ao máximo de tres léguas separadas por uma devoluta. ”
A gente dos sertões da Bahia, Pernambuco e Ceará, informa o autor
anônimo do admirável Roteiro do Maranhão a Goiás, tem pelo exercício
nas fazendas de gado tal inclinação que procura com empenhos ser nelas
ocupada consistindo toda a sua maior felicidade em mcrcccr algum dia
o nome de vaqueiro. Vaqueiro, criador, ou homem de fazenda são títulos
honoríficos entre eles.
As boiadas procuravam os maiores centros dc população, isto c, as
capitais da Bahia e Pernambuco.
C Por maior cuidado que houvesse na condução das boiadas, transvia
*
vam-se algumas reses, outras por fracas ficavam incapazes de continuar
a marcha. Contando com isso, alguns moradores se estabeleceram nos
caminhos e por pouco preço compravam este gado depredado que mais
tarde cediam em boas condições. j
Além disso, faziam uma pequena lavoura, cujas sobras vendiam aos
transeuntes; alguns, graças aos conhecimentos locais, melhoraram e en­
curtaram as estradas, fizeram açudes, plantaram canas, proporcionaram
ao sertanejo uma de suas alegrias, a rapadura.......................... Desvaneci­
dos os terrores da viagem do sertão, alguns homens mais resolutos leva­
ram família para cls fazendas, temporária ou definitivamente, e as condi­
ções de vida melhoraram: casas sólidas, espaçosas, de alpendre hospita­
leiro, currais de mourões por cima dos quais se podia passear, bolandeiras
para o preparo da farinha, teares modestos para o fabrico de redes ou
pano grosseiro, açudes, engenhocas para preparar a rapadura, capelas e
até capelães, cavalos de estimação, negros africanos, não como fator eco­
nômico, mas como elemento de magnificência e fausto, apresentaram-se
gradualmente como sinais de abastança.
Quanto ao extermínio do gentio, recordamos apenas, sem subscrever
os conceitos dos que entendem ter sido o seu sacrifício o cumprimento
de uma lei necessária que *é fato misterioso e até agora inexp
condenação ao desaparecimento dos povos naturais postos em contato
com os povos civilizados”.

155
E, em virtude de guerras, epidemias de varíola e crises climáticas
periódicas, esse desaparecimento foi quase completo, de tal modo que, no
cruzamento que ali se vem operando entre as três raças que entraram na
nossa formação histórica, a raça primitiva passou, desde então, a fornecer
o menor contingente, especialinentc na zona agrícola, onde foram assimi­
lados, cm maior número, os negros e os mulatos.
No sertão o coeficiente dos índios e mamelucos foi superior, talvez
pela razão apontada por Ferdinand Denis.
“Cedo se observou que os pretos eram em geral mui desmazelados
• para que fossem bons pastores, de sorte que os grandes rebanhos do sertão
são confiados a brancos afeitos ao clima c que podem suportar as fadigas,
ou antes, a homens de sangue misturado que descendem da aliança de
europeus com indígenas dc preferência aos que provêm de brancos c
prelos. Os mamelucos são essencialmentc próprios para a vida arriscada
do sertão c suas fadigas”.
Era c ainda c, realmente, necessária uma grande resistência para a
vida áspera dos campos de criação. Dela e dos usos e costumes das zonas
pastoris do norte têm dito muitos escritores; mas para completar a trans­
crição que já fizemos, recorremos ainda à reconhecida e incontestável
competência de Capistrano de Abreu, que assim resumiu autores e obser­
vações pessoais: “O caráter salino do solo, a abundância de pastos su-
«'iilmlos. os emiipo.s mimosos o agrestes determinaram a multiplicação do
gado vacum.
Vivia solto o maior do tempo. Na época de parição, as vacas eram
recolhidas ao curral por causa dos cuidados exigidos pelo bezerro, e. tam­
bém do leite, e mais tarde do queijo c do requeijão; pouco valia a man­
teiga, se merece este nome o esquisito produto guardado em botijas, que
se aquecia para extrair o conteúdo. 0 gado não se prendia ao descam­
pado; intemava-se pelas caatingas c amontava.
O vaqueiro corria-lhe ao encalço, e com uma vara de ferrão em alguns
pontos, cm outros pela simples apreensão do rabo, deitava a rês em terra
e subjugava-a.
Quando o vaqueiro se aproxima o boi foge para o mato mais próximo,
informa Koster; seguc-o o homem tão de perto quanto possível, a fim
de aproveitar a aberta que o animal faz apartando os galhos, os quais sc
aproximam logo depois e retomam sua posição antiga. Algumas vezes o
boi passa sob o grosso e baixo galho dc uma árvore grande; o cavaleiro
passa igualmente por baixo do galho; para consegui-lo inclina-se tanto à
direita que pode agarrar a cilha com a mão esquerda; ao mesmo tempo
prende-se com o calcanhar esquerdo à aba da sela; nesta posição, roçando
quase em terra, de aguilhada em punho segue sem diminuir a andadura,
endireitando-se novamente no assento desde que transpôs o obstáculo.
Se pode alcançar o boi, mete-lhe o aguilhão na anca e, fazendo-o com
jeito, derriba-o. Apeia, então, liga as pernas do animal ou passa-lhe uma
das mãos por cima dos chifres, o que o segura do modo mais eficaz. Estes
homens recebem muitas vezes ferimentos, mas raro é que ocasionem mor­
tes. A tradição popular celebra alguns dos barbatões mais famosos, como
o do boi Espaço (espaço, isto é, de chifres espaçados, não cspácio, como
José de Alencar escreveu c outros tem repetido), o Surubim, o Rabicho da
Geralda.........................................
O gado cavalar dava bem no sertão, mas nunca se multiplicou tanto
como o outro, por falta de forragem apropriada.
Talvez isto, mais que a falta de cruzarento, explique a diminuição da
estatura; em todo caso, sua resistência ao trabalho é incomparável, a exi-
güidadc do porte apropria-o às corridas pelo catingal. As viagens eram
sempre interrompidas nas horas de maior calor; não se ferravam os cava­
los, cujo casco rijo resistia às pederneiras sem estropeio. O gado muar,
quase, senão de todo, se desconhecia no começo (Gonçalves Dias, tratan­
do do governo de Joaquim Félix de Lima, no Rio Grande do Norte, diz,
à pág. 42 do tomo 17 da Revista do Instituto Histórico Brasileiro, que
um bando de 14 de novembro de 1761, publicado em virtude da carta
régia de 14 de junho do mesmo ano, proibia despacho de mulas ou ma­
chos, mandando que fossem mortos os que entrassem para o Estado depois
da publicação da lei e que ninguém mais os pudesse ter. Talvez tenha
decorrido deste fato a não existência do gado muar, a que se refere Ca­
pistrano de Abreu).

Havia poucas ovelhas e cabras: o desenvolvimento destas data dos


últimos trinta anos, depois de reconhecida a superioridade de sua pele.
Na alimentação entrava naturalmente a carne, mas em quantidade menor
do que se podería supor. Uma rês tinha grande valor relativo, porque
ficavam próximos consideráveis centros de consumo, como .Bahia e Per­
nambuco . . . .* ........................

Assim consumia-se principalmente carne secada ao sol, ou a do gado


miúdo, de preferência a de ovelha. No começo nada se plantava, julgan­
do o terreno estéril; mais tarde introduziu-se o feijão, o milho, a mandio­
ca, e até a cana. São ainda hoje três épocas alegres do ano sertanejo a do
milho verde, a da farinha e a da moagem. Do milho seco, quase exclusi­
vamente reservado para os cavalos, só o utilizavam torrado ou feito pipoca,
transformado no raro cuscus ou no insípido aluá. O milho verde, cozido
ou assado, feito pamonha ou canjica (no sentido do Norte, muito diverso
do Sul), o milho verde, durante semanas, tirava o gosto das outras comi­
das. A farinhada com a farinha mole, os beijus de coco ou de folha, as
tapiocas, os grudes, etc., as cenas joviais da rapagem de mandioca, repre­
sentavam dias de convivência e cordialidade. A moagem era a cana as­
sada, a garapa, o alfenim, a rapadura, o mel dc engenho. Estas festas,
exceto a do milho, provavelmente herdada dos indígenas, pressupunham
a casa grande, isto é, proprietários abastados que residiam em suas terras
e escravos que as cultivavam... .

157
Na$ proximidades moravam agregados, livres e dedicados.
Muitas vezes por motivos fúteis entre os donos dc duas casas grandes
irrompiam questões que podiam pôr em armas populações inteiras. São
características as lutas de Montes e Feitosas no Ceará.
Os inventos mecânicos, que no século dezoito revolucionaram a in­
dústria dos tecidos, aumentando o consumo cjo algodão, levaram o plantio
aos terrenos mais afastados, por onde difundiram o bem-estar. O dono
da casa grande, como toda a população masculina, exceto quando viajava,
andava de ceroula e camisa, geralmente com rosários, relíquias, orações
. cuidadosamente cosidas e escapulários ao pescoço.
Nas ocasiões solenes, recebendo visitas, revestia-se de quimão, timão
ou chambre. "Quando um brasileiro começa a usar um desses hábitos
talares começa a se considerar personagem importante (gentleman) e com
título, portanto, a muita consideração”, informa Koster. A roupa caseira
das mulheres constava de camisa e saia; o casabeque só apareceu mais
tarde. As moças solteiras dormiam juntas num gineceu chamado camarinha.
Não apareciam aos estranhos. Era comum verem-se os noivos pela primeira
vez no dia do casamento. Entre as jóias prezava-se sobretudo o colar: o
número de varas de cordão possuído pela mulher indicava até certo ponto
sua jerarquia. Até às alongadas brenhas penetravam os bufarinheiros le­
vando ouros, fazendas, utensílios domésticos. Quando os objetos se permu-
lavam cm gado, alugavam gente para arrebanhá-lo c podiam voltar com
grande número de cabeças.
> O mesmo sucedia aos dizimeiros e até a eclesiásticos ambulantes. Um
fenômeno daquelas regiões, ainda hoje existente, eram as feiras de gado
ou de outros gêneros. Algumas feiras deram origem a «povoados.
Eis aí, com absoluta fidelidade, o que era, naqueles tempos, o viver
no interior do Nordeste brasileiro. Há apenas a aditar, em relação ao Rio
Grande do Norte, algumas particularidades locais, que aliás eram às mes­
mas que, em regra, se observavam nas capitanias vizinhas. As casas eram,
em geral, de taipa e as dos pobres cobertas, não raro de capim, ou folhas
de palmeiras. A não ser nos povoados, vivia-se em isolamento; nos ser­
tões, o contato do fazendeiro era com os vaqueiros e agregados; nos en­
genhos, com os lavradores, os moradores e os escravos. Depois foi que os
fazendeiros e senhores de engenho começaram a permanecer algum tempo
nas cidades e vilas, especialmente por ocasião de festividades religiosas.
Estas, sem excluir às vezes o caráter profano, revestiam-se sempre do
esplendor que as condições da terra permitiam. As procissões solenss; as
norenns; as festas do orago das freguesias ou cm honra dos santos pre­
feridos pelos devotos, entre os quais estavam São Pedro, fundador da
igreja, Santo Antônio, casamenteiro das moças, São Benedito, patrono dos
escravos, São Bento, que livrava das mordeduras das cobras, São João,
festejado com fogueiras ao ar livre, em cujas brasas de assava o milho
verde; as missas rezadas em 25 dc dezembro, chamadas missas do galo,
que se realizavam depois da meia-noite, até quando o povo se divertia
em danças e folgares, ou, ao som da viola, em cantos e desafios; as co­
memorações da semana santa; as solenidades dos dias do ano bom e dos
réis; as missões, em que, sob latadas ou grande abarcamcntos, construídos
em frente das igrejas e capelas ou junto aos cruzeiros e altares improvisados,
os frades, com terríveis imprecações c ameaças de castigos celestes, con-
citavam os fiéis aos exercícios religiosos, impondo penitencias, exigindo
reconciliações, fazendo casamento de pessoas que viviam maritalmente sem
as bênçãos dos sacerdotes; as desobrigas dos vigários; tudo, enfim, que
falasse à fé, arrastava a multidão. Entre as diversões populares havia o
bumba-meu-boi, com extraordinária originalidade nas regiões pastoris; os
congos, recordação de lutas entre mouros e cristãos, os fandangos, cenas
da vida do mar; os batuques, danças africanas; as corridas à argolinha,
que, uma vez tirada, era pelo vencedor dedicada a uma das damas pre­
sentes, gcralmenle a eleita do seu coração, que a restituía agradecendo e
enlaçanao uma fita valor no braço do cavaleiro; o carnaval, com os seus
papangus e entrudo; as danças de corda, nas ruas e praças; e outras, co­
nhecidas através das crônicas e tradições, que, como as lendas, são às
vezes a própria história.
Não compreendiam festas e alegrias populares sem tiros de roqueira
ou de bacamarte.
Nos sertões, a festa por excelência era e ainda é a das vaquejadas,
em que o cavaleiro, perseguindo a res em toda a disparada e pegando-a
pela cauda com a mão direita, a derruba em momento favorável, fazendo
prodígios de agilidade, de destreza e de coragem c provocando aclama­
ções e aplausos ruidosos; na zona açucarcira, a das boladas dos engenhos.

Na família, os chefes tinham uma autoridade absoluta e incontestável.


As suas resoluções se não discutiam. Eram cumpridas.’Pouco’conversavam
com os filhos, que os respeitavam e temiam. Os casamentos das filhas
eram tratados à sua revelia e os filhos não faziam a barba pela primeira
vez sem a sua prévia licença. As suas mulheres eram antes escravas do
dever do que carinhosas e ternas companheiras nas provações da vida.
Exemplares no recato, eram também inexccdíveis no labor doméstico, não
se limitando aos assíduos cuidados que reclamavam os seus e a sua casa,
mas multiplicando-se em atividade na direção das pequenas indústrias
de fiar e tecer, fazer roupas e rendas, fabricar queijos e doces, etc.
As senhoras trajavam com a maior simplicidade. As dc mais alta
posição ou fortuna usavam ordinariamente chitas, vestindo, quando saíam,
seda, cetim, veludo, sarja, ctc. Nessas ocasiões calçavam sapatos de vcl-
butina, com fivelas, sobre meias mais ou menos caras. Ilabitualmcntc, os
seus calçados eram sapatos de cordovão, ou chinelas dc marroquim e
camurça. Eslava muito generalizado o uso das mantilhas. Constituíam
omatos comuns: no pescoço, colares e cordões de ouro, com ou sem en­
feites e emblemas; nas orelhas, os brincos e argolas; nos dedos, os grandes

159
)

anéis. Os penteados em cocó, com um grande pente, segurando os véus,


eram os preferidos. No interior de suas casas, era comum usarem o cabelo
solto, com uma fita, à qual prendiam uma flor. Nas viagens a cavalo,
traziam chapeJina e uma saia branca, roupão, de ganga ou de fazendas
de preço, que cobria inteiramente as pernas e os pés.
As mulheres da classe média usavam xila (algodão liso, fino, com
quadros azuis, de padrões diversos), guigão (chita de ziguezagues)
e outros tecidos com cores estampadas. Gostavam de pôr um lenço à ca­
beça e chalc aos ombros. As mais pobres vestiam saia e cabeção; as da
' última camada, roupas de algodão. As crianças usavam camisas ou sungas,
“acumulação dc jaqueta e calão em uma só peça.” No tocante aos homens,
encontravam-se as mesmas diferenças que entre as mulheres, conforme as
posses e o ramo de atividade em que se empregavam: desde a casaca de
pano fino preto ou azul, os calções abotoaoos junto ao joelho, meias dc
seda, colete abotoado acima dos peitos, gravata de meio lenço envolvendo
o pescoço, chapéu alto c sapatos de entrada baixa, até os trajes dc couro
do sertanejo e as camisas e ceroulas do matuto, com escalas pelo rodoque
("espécie de casaca de abas curtas, de duraque ou lia”) c pela jaqueta
da classe média. Esta usava botas de cano alto e chapéus de bacia preta.
Era costume os homens andarem armados: ninguém abandonava, pelo
menos, a sua faca. Não havia grandes riquezas na capitania. A casa mais
opulenta era a do Cunhaú, “pertencente ao ramo Maranhão da numerosa
e distinta família dos Albuquerqucs”, casa a cujo fausto Koster faz largas
referências.
Os preços de compras e vendas de gêneros variavam, segundo os
anos eram bons ou maus de inverno, se produzidos na terra; conform^
a sua abundância ou escassez, se importados, o que só se podia fazer via
Pernambuco. De alguns, porém, podemos dar a média.

Um cavalo, doze a quinze mil réis; de fábrica, oito a dez; uma égua
parideira, sete a oito mil réis; um poldro ou poldra, tres a quatro mil
réis; uma vaca parida, seis a sete mil réis; solteira, cinco a seis; novilha,
quatro a cinco; garrote, dois a três; um boi capado, seis mil réis; de carro,
oito; um alqueire de farinha, mil c quinhentos c dois mil réis; de milho,
dois mil e quinhentos; uma arroba dc carne fresca, novecentos e sessenta
réis; seca, mil e duzentos; de açúcar, quatrocentos reis; uma garrafa dc
azeite doce, cento e sessenta réis; uma libra de cera branca, seiscentos
réis; um ferro de engomar, mil réis; um machado, quinhentos réis; uma
enxada, mil réis; uma foice, quinhentos réis. O valor dos escravos era
muito relativo, dependendo de sua idade, de sua robustez, se tinha ou
não vícios, se era ou não fugido, se tinha ou não ofício, se era ou não
casado, etc. Oscilava entre trinta mil réis e cento e cinqücnta.
Merecem atenção os regimentos dados em 12 de março, 9 dc abril
e 29 de agosto, todos de 1791, aos sapateiros, alfaiates e ferreiros, respec­
tivamente (Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Norte, vol. XIV):
"Sapateiros:
Obras de homem: por uns sapatos de cordovão forrados, dois cru­
zados c dois vinténs, sendo o feitio um selo; por uns sapatos de veado,
duas patacas e quatro vinténs, sendo o feitio um selo; por uns sapatos de
couro de cabra forrados, duas patacas, sendo o feitio um sêlo; por uns
chinelos dc cordovão de talão, 840, feitio 440; por umas chinelas de
veado de talão, 720; por umas chinelas dc veado rasas, dezoito vinténs,
feitio doze vinténs; por umas chinelas de cabra rasas, dezoito vinténs,
feitio doze vinténs; por um par dc borzeguins, um selo, feitio meia pa­
taca; por um par de botinas de veado, sem sapato, um cruzado, feitio
duzentos réis; por um dito com sapato, dez tostões; por umas botas de
cordovão, 3$2Ó0, feitio quatro patacas, por umas botas de veado, seis
patacas, feitio quatro patacas; por umas botas de cabra, cinco patacas,
feitio quatro patacas.
Obras de mulher: Por uns sapatos de cordovão, saltos cobertos, 840,
feitio um selo; por uns de veado, 720, feitio 4S0 ou um selo; por uns
sapatos de cabra, duas patacas, feitio um selo; por uns chinelos dc cor­
dovão, 840, feitio 440; por umas chinelas de veado ou de cabra, rasas,
uma pataca, feitio doze vinténs.
Obras dc mulher: por uns sapatos dc cordovão, saltos cobertos, 840,
vinténs, feitio doze vinténs; por uns dc veado, uma pataca, feitio nove
vinténs; por uns de cabra, trez tostões, feitio nove vinténs; por umas
chinelas rasas, dois tostões, feitio seis vinténs; por umas chinelas de talão,
dc veado, uma pataca, feitio nove vinténs; por umas chinelas de cabra,
três tostões, feitio nove vinténs.
Alfaiates:
Por um vestido de druouete, pano fino ou fazenda aberta a ferro,
3$200; por uma véstia de scaa, aberta ou abotoada, 640; por um vestido
de chita ou ganga pronto, 2$400; por uma véstia de chita forrada e pronta,
560; por uns calções de chita ou ganga prontos, 400; por uma casaca de
pano ou baetão, 800, por um capote do mesmo, 640; por um capote dc
camelão, 600; por um timão dc baeta, 480; por um timão dc chita for­
rada, 640; por um timão de chita sem forro, 480; por um timão dc seda,
800; por um chambre dc cinta, 640; por um rodaque dc chita ou pano,
15000; por uma farda de oficial agaloada, 45000; por uma farda de oficial
com os galões precisos, 25000; por uma farda de sargento, l§440; por
uma faroa de soldado, l$440; por calções de Hamburgo abotoados, 160;
por uma nize ou rodaque. 15000; por uns calções de seda prontos ou
abotoados, 480.
Para mulher: por uma saia de seda, 640; por uma saia dc scrafina, 400;
por uma saia de chita, 320; por um peitinho dc seda, 800; por um dito

161
)

de chita ou branco, 640; por uma vestimenta entrada de seda, 3$000;


por uma dita dc chita ou branca, 2$560; por um manto dc sarja, 480;
por um capote de druquele bandado, 960; por um dito espiguilhado,
2SOOO.
Ferreiros: por uma enxada nova com ferro do oficial, 1$000; por um
machado novo de olho redondo, 480; por uma enxó de carapina, l$000;
por uma foice nova com ferro e aço do oficial, um selo; por uma enxó
dc fuzil com ferro e aço do oficial, dois cruzados; por uma enxó de mão,
um selo; por 100 pregos caibrais com ferro e aço do oficial, l$000; por
100 ditos de assoalhar com ferro do oficial, seis tostões; por 100 ditos dc
’ encaixar, um selo; por 100 ditos dc ripar com ferro do oficial, doze vin­
téns; por 100 taxas com ferro do oficial, seis vinténs; por calçar um ma­
chado dc unha, uma pataca; por calçar uma enxó c chapcar também,
um cruzado; por calçar uma foice grande, uma pataca; por calçar uma
enxada, uma pataca; por uma foice dc mão, com ferro e aço do oficial,
doze vinténs; por uma enxada nova, com ferro do dono, uma pataca; por
um machado de olho redondo, com ferro do dono, doze vinténs; por uma
foice com ferro do dono, doze vinténs; por uma enxó, com ferro e aço
do dono, doze vinténs; pelo feitio de 100 pregos caixas, meia pataca; pelo
feitio de 100 pregos de assoalhar, quatorze vinténs; pelo feitio de .100
pregos caibrais, um selo; pelo feitio de 100 pregos ripais, seis vinténs”.

Aos ofícios, que estavam tão diretamcnlc sujeitos à fiscalização da


autoridade, preferiam aqueles que não trabalhavam nos campos dc cria­
ção e na agricultura as indústrias já cm exploração, espccialmcntc as que
não exigiam avultado capital e pessoal numeroso. A extração do sal, o
preparo das carnes secas nas oficinas, as pescarias, que nas costas se
faziam em jangadas, o aproveitamento dos vários produtos da carnaúba,
o azeite extraído da semente de algumas plantas, as redes, a louça dc
barro, o transporte em dorso dc animais, o fabrico da cal, de tijolos, de
telhas, etc. ofereciam ocupação a muita gente.

O comércio era a aspiração dos mais ativos c inteligentes cm outros


pontos da colônia, porque dava facilidades dc vida e a consideração dos
proprietários abastados, nivelando classes hostis: a dos mercadores c a
dos senhores territoriais, às vezes fidalgos de problemática nobreza; mas
na capitania, que era pobre e estava subordinada ao governo dc outra,
não proporcionava margem a grandes transações. Os estabelecimentos
comerciais, pequenas vendas, eram verdadeiros bazares cm que tudo se
encontrava.

Abasteciam-se com mercadorias vindas de Pernambuco, onde tam­


bém compravam os mascates, vendedores ambulantes que percorriam,
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os sítios e os povoados, as feiras e as estradas, e que, ao mesmo tempo
que faziam o seu negócio, lançavam modas, introduziam usos c costumes,

162
estimulavam a adoção de novos hábitos, exerciam, enfim, uma grande
influencia, contribuindo insensivelmente para que fossem desaparecendo
aos poucos as feições bem distintas e características da vida do litoral
e do interior, este mais retardatário e menos adaptável às inovações.

Eram eles, na ausência da imprensa, que transmitiam notícias sobre


<os acontecimentos de importância ocorridos nos centros populosos e no
estrangeiro. Igual à sua foi, em esfera diferente, a influencia do mestre-
escola, entidade que surgiu em cena quando foram elevadas a vilas as
antigas missões. Até então, só existia um professor de gramática latina
em Natal, criado em 1731.
O ensino primário era ministrado pelos missionários nas aldeias de
índios e pelos vigários e capelães aos filhos dos moradores ricos. Nas ca­
madas mais baixas, a ignorância era a regra. Não entrava nas cogitações
do poder público difundir a instrução popular. Extintas as missões, o
mestrc-escola veio como uma necessidade para suceder aos padres no
seu papel de educadores.

Os primeiros foram os de Extremoz e Ares. Diz João Brígido (op.


cit.) que o governador de Pernambuco, providenciando sobre a criação
de escolas nas aldeias, fixou o vencimento dos mestres, por uma ordem
de 13 de setembro de 1768, em um alqueire de farinha anualmente (na
falta desta, a paga se efetuaria em outros gêneros alimentícios) para cada
rapaz ou rapariga que frequentasse as mesmas, não excedendo a contri­
buição obrigatória de cada chefe de família a dois alqueires, ainda que
maior o número de alunos que mandasse às aulas.

O mestre-escola precedeu aos professores régios, para cujo pagamento


foi criada, por carta dc lei de 10 de novembro dc 1772, uma receita es­
pecial, proveniente do subsídio literário, que era um imposto cobrado
sobre cada rês morta para o consumo. Ali era de 400 réis por boi e 320
por vaca.
Precedeu, dissemos nós; precedeu, coexistiu c sobreviveu aos profes­
sores régios, porque, sendo insuficiente a renda do subsídio literário para
dar o necessário desenvolvimento ao ensino, o recurso foi mantê-lo no
exercício de suas funções.

E nestas prestou os maiores e os mais inestimáveis serviços, apesar


dos processos que seguia, corrigindo crianças com castigos corporais: abriu
horizontes mais largos ao espírito das gerações dc que foi contemporâneo.
Ao lado dos vigários, cuja ascendência moral era decisiva, e dos poten­
tados, ciosos de mando e poderio, a sua personalidade ficou, a princípio,
sem relevo. Depois, porém, teve certa evidencia entre as pessoas mais
dt X&Xffah cm qne morávx c àSó ã ,-zr cXrígtcííí'
nos contõcs em que se discutiam e comentavam fatos e notícias, sucessos
e opiniões.

163
Pelo quadro que esboçamos imperfeitamente, tem-se a impressão do
estado da capitania, onde no mestiço, no tipo histórico, só subsistiam
agora os traços fundamentais das três raças de que se formara, aqueles
cujos vestígios teriam de apagar-se mais demoradamente.
Já se acentuara a aversão do mameluco pelo índio, do mulato pelo
negro, do brasileiro pelo português; e eram definitivas as profundas mo­
dificações que se haviam feito no’s elementos que tinham entrado no cal-
deamento geral.
O rio-grandense já era bem o tipo a aperfeiçoar-se no correr dos
• tempos, em seu habitat natural e sob o influxo dc vários fatores, alguns
existentes, outros que viriam mais tarde. Tinha idéias, aspirações e ten­
dências próprias: as mesmas que fariam do Brasil uma pátria livre.
I

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y • • t
X /70.PO
PRIMEIROS ANOS DO SÉCULO XIX

Movimento republicano de 1817 — Restauração monárquica

Morto o capitão-mor Caetano da Silva Sanches, em 15 de março de


1800, assumiram o governo o comandante Antônio de Barros Passos e
o vereador Luís Antônio Ferreira. Em 1801, estiveram na administração
o mesmo comandante e o vereador José Lucas Álvares. Nesse ano chegou
o novo capitão-mor. Lopo Joaquim de Almeida Henriques, nomeado por
patente de 2 de junho. Empossou-se a 20 de agosto.
Basta para caracterizar o seu governo o que sobre ele escreveu Gon­
çalves Dias: “Lopo, homem despótico e violento, cometeu toda a espécie
de arbitrariedades: mandou fazer roçados de mandioca pela tropa em
lugares por onde hoje se estende a cidade, e plantações de melancia, de
que tirava a parte do leão. Homens brancos foram vistos, cm dia claro,
amarrados ao pelourinho e surrados por ladrões dc melancia. O clamor
de tantos absurdos chegou enfim a ocupar a atenção da Corte e, por
ordem dela, o governador de Pernambuco, Montenegro, intimou a este
capitão-mor, em nome do rei, ’que se retirasse pãra Pernambuco no prazo
de oito Bias, se tantos fossem precisos”.
• •
Sucederam-lhe interinamente o comandante Joaquim José do Rego
Barros e o vereador Luís Antônio Ferreira até que tomou posse, em 23
de março de 1806, José Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque,
a quem se deve uma interessante memória sobre a defesa da capitania,
escrita em 30 de maio de 1808 (Revista do Instituto Histórico Brasileiro',
tomo 27): “Esta capitania é cercada, por todo o lado do sul, por todo
o lado do oeste e por parte do lado do norte, pelas capitanias da Paraíba
e Ceará Grande, sendo o resto do lado do norte e toBo o lado do leste
cercado de mar: principia a sua costa em 4o e 10’ de latitude sul, esten­
dendo-se para o mesmo sul com 90 léguas, que terminam no rio dos
Marcos, ficando o porto da cidade, e a mesma, na latitude sul de 5o e 17
*.
A dita capitania tem minas de preciosos metais e pedras preciosas;
mas acertadissimamente SS. MM. Fidelíssimas proibiram o uso delas,
atendendo que só a continuada agricultura é que faz a grandeza sólida
dos Estados. As suas terras criam muito bem todo o gênero de gados,
produzem o algodão e café, o melhor do mundo, canas dc açúcar, trigo,

165
) A
I

e todos os mais gêneros que fazem a sua abundância e seu comércio de


exportação.
Contudo, coino estas coisas agora é que_principiam nesta capitania,
ela não pode atrair por este lado as vistas ambiciosas, das nações, sim
pelo da sua situação local c ótimo porto da cidade do Natal, o qual,
com a largura de 400 a 500 braças, pelo comprimento dc 3 léguas, dá
ancoradouro seguro c abrigado dc todos os ventos às embarcações que
navegarem em baixa maré dc águas vivas, em água de 40 palmos de
fundo, e este mesmo fundo vai pela barra fora terminar-se no fundo mar.
. Pelos motivos expostos, considerando em geral a costa do Brasil c a
ambição das nações, vê-se que sc lhes oferece no importante porto da
cidade do Natal o princípio fácil e seguro-passo para cntiar no Brasil.
Portanto, deve esperar-se sermos atacados pelo dito lado, que para o
defender é preciso:
“Primeiro, fortificar-se a enseada da Ponta Negra, fazendo-se-lhe uma
fortaleza, ou ao menos uma batería com peças de grosso calibre, que
varra toda a dita enseada, principalmente a meia légua, que oferece bom
desembarque ao inimigo; e porque as circunstâncias ainda não permitem
poder-se fazer maiores despesas mandou o dito governador construir um
forte de faxina revestido dc pedras para nele laborarem 4 peças, deixan­
do para adiante o mais.
Segundo, fazer-se outra fortaleza na margem do rio, no lugar deno­
minado Redinha, que, cruzando com a da barra, defenda a entrada dela;
e pela mesma razão acima mandou o mesmo governador construir outro
igual forte da mesma maneira.
Terceiro, fazer-se na enseada do Genipabu um forte e uma trincheira •
para disputar o desembarque ao inimigo, o que também foi mandado
construir pelo modo que as circunstâncias o permitiram.
Quarto, fazer-se na enseada de Pititinga outro forte c trincheira que
façam respeitável aquela baía, onde conlinuamcnte vão parar embarca­
ções estrangeiras, que acossadas do tempo procuram abrigar-se, o que
tudo mandou fazer pelo possível modo o mesmo governador.
Quinto, fazerem-se em todas as passagens de rios, portos, enseadas,
baías e desfiladeiros, por onde o inimigo deva passar, trincheiras para
disputar a passagem, advertindo que as que fizerem nas ditas passagens
de rios, junto à costa do mar, o flanco deste lado deve ser coberto com
espaldão, o que não concluiu o atual governador, depois de já ter dado
princípio, por variarem as circunstâncias.
Sexto, haver um telégrafo que diga com exatidão e prontidão todos
os movimentos que faz o inimigo na costa, ao menos 12 léguas ao norte,
e 12 ao sul do porto desta cidade, o que porá em prática o dito gover­
nador, concedendo-se-lhe para isso faculdade.

166
Para que mais rápida e prontamente acudissem os oficiais encarre­
gados da defesa do país com as suas tropas aos postos dos seus respectivos
distritos, dividiu-as o mesmo governador em 3 divisões, a saber: divisão
do norte, divisão do sul e divisão do centro, regulando-se para a distri­
buição dos distritos pelo número dos habitantes e postos que neles há
a defender.
<•

Subdividiu as divisões em círculos, a saber: divisão do norte em 2,


a do centro cm 4 e a do sul em 2, o que mais claramcntc mostra o
mapa geral das faculdades da capitania, que se remete nesta ocasião pela
competente repartição; mandando fazer depósito das munições e pctre-
chos dc guerra que pôde aprontar nos pontos centrais dc cada círculo,
onde se devem juntar as tropas ao sinal de rebate.
Pretendeu o mesmo governador montar 6 peças de artilharia em 6
jangadas para obstar qualquer invasão do inimigo, lembrando-sc que tais
embarcações, podendo fazer um grande mat muito pouco podiam receber;
mas este seu projeto não foi posto em prática por ser dependente da
vontade do capitão-general da capitania de Pernambuco, a quem oficiou
e dc quem não teve resposta^
Ao mesmo capitão-general pediu o governador peças de artilharia
montadas e reparos para algumas que existem capazes de servir para
guarnecerem os fortes que mandou fazer, e até o presente não tem apare­
cido uma e nem outra coisa. Pediu-lhe também armamento, ao menos
para um regimento de infantaria miliciana, e o desenganou que lhe não
mandava. Representou-lhe mais para pôr na presença dc S.A.R. que a
capitania não podia dispensar outra companhia de linha, e que havia
fundo para se lhe pagar, de cujo negócio não teve ainda decisão.
A S. A. R., pela secretaria dos negócios ultramarinos, pediu o mesmo
Ígovernador faculdade para tirar da companhia de linha os soldados invá-
idos, e com eles guarnecer os fortes, ficando sempre completa a dita
companhia, do que também não teve ainda decisão. Pelos motivos acima
referidos se mostra não ter havido omissão da parte do atual governador
desta capitania, e que os seus desejos são tê-la cm um pé de defesa tão
respeitável como lhe foi recomendado no régio aviso dc 7 de outubro
de 1807.
C Transparecem desta memória leves censuras ao capitão-general de
■ Pernambuco, sendo por isto provável que Paula Cavalcanti não tivesse
; sido estranho à representação de 30 de abril de 1808, em que o Senado
i da Câmara, depois de expor a situação cm que se deparava a capitania,
? solicitava, renovando pedidos anteriores:
— que lhe fosse concedida a independência no mesmo pé em
\ que estava o Ceará;
' — que fosse criado erário sem subordinação a Pernambuco:
— que fosse criado o lugar de ouvidor;

7 167
r

— que os dízimos fossem arrematados em^ pequenos ramos na


própria capitania, tendo preferência na arrematação nos seus
moradores? ’
— que fosse estabelecido um prêmio honorífico para quem ex­
portasse anualmentc mais dc vinte mil alqueires de sal e outro
para quem empregasse maior numero de embarcações de quilha
na pescaria de peixe nas costas;
— que fosse dispensada a redízima do peixe scco exportado;
— que fossem_assegurad«as_à capitania as mesmas graçasjef acui­
dades, concedidas à (^pijajiiade. Pernambuco, quãntó.aojcomércio
interno e internacional;
— que fossem isentos de direitos de importação e exportação, du­
rante dez anos, como se fizera em relação ao Ceará, todos gêne­
ro^ entrados ou saídos da capitania?
— que fossem reduzidos à metade os direitos de importação e
exportação no Brasil quando os gêneros fossem transportados
em embarcações nacionais;
— que a exportação do açúcar bruto só se fizesse cm embarca­
ções nacionais, como estímulo ao desenvolvimento da marinha
mercante e meio eficaz para se ter uma reserva de homens aptos
para a marinha de guerra;
— que fosse concedido, por dez anos, à casa nacional que se
fundasse com o capital de duzentos contos, empregados em ope­
rações comerciais na capitania, o privilégio de usar do executivo
* fiscal para a cobrança ae suas dívidas, se contraídas e não pagas
dentro de quatro anos;
— finaljpenter-que-se-facilitasse,.mediante a isenção de direitos
como se fizera. no- Parár a compra de escravos ..que fõssemráprq-
veitados na lavoura.
Paula Cavalcanti foi governante honesto, ativo e zeloso. Substituiu-o,
em 22 de janeiro de 1S12, Sebastião Francisco de Melo Póvoas. Ao tempo
da administração deste, popujaçãO—da capitania_cra_^a]culada cm mais
de cinquenta mil almas, sendo a sua_prindpãl. exportação a do gado
vacum, què7fêndÕlTtíhgldõ a dezesseis mil cabeças antes da grande seca
de~1791 a 1793, declinara consideravelmente depois, para só então, e
apesar da crise de 1S09 a 1810, tender a novo aumento. O peixe seco
exportado^ representava um valor oficial de mais de setenta contos. '
» A ^cultura do algodão começava a desenvolver-se sob os melhores
auspícios. A da cana-de-açúcar não era promissora pelas dificuldades
(Je transporte; mas, em todo caso, já avultava em sua produção. A da
mandioca, do milho e do arroz dava magníficos resultados nos anos nor­
mais.
)
16S

)
As salinas eram exploradas com proveito e o pau-brasil constituía
boa fonte_jje_ríqüêzã. Havia, portanto, nas condições locais acentuadas
probabilidades dc grandes surtos econômicos.
Quanto às rendas da capitania, sabemos quais eram pela seguinte
certidão, passada pelo escrivão da fazenda real em 6 de maio de 1815, a
requerimento dos empregados da provedoria, que pleiteavam o aumento
de seus vencimentos (esta certidão e três representações sobre a inde­
pendência da capitania, das quais extraímos algumas das informações
a que nos referimos, estão publicadas na Revista do Instituto Histórico c
Geográfico do Rio Grande do Norte, vol. VII):
Certifico que, revendo os livros das arrematações dos contratos reais
desta capitania, no livro 69, deles, consta haverem se arrematado os
contratos dos dízimos reais e do gado do vento (evento), que não tem
ferro nem sinal, pelo trienio que decorre do ano de 1727 até o de
1729 inclusive, por 3:987$000, cujos dízimos e gado do vento eram os
únicos ramos da fazenda real que havia nesta capitania até aquele tempo,
vindo a resultar a cada um ano do dito trienio l:329$000. Depois, pela
real ordem de 18 de novembro de 1743, se adiu a esta provedoria o
contrato da passagem do porto desta cidade, que antes pertencia ao
Senado da Câmara, que sc arrematou no ano dc 1744, por um ano, pela
quantia de 135000, e pelo corrente trienio por 310$000, que cabe a cada
um ano 1035333.
Depois que se avilaram os índios no ano de 1760, ficaram pertencen­
do os dízimos das plantações^doFmesmos ãTcsta provedoria na forma do
real diretório, que renderam no ano próximo passado 985945. Depois
foi sua Alteza Real servido estabelecer no ano de 1S02 os ramos seguin­
tes: dos selos dos papéis públicos, gue rendeu no dito ano passado
2245698; o do imposto das carnes verdes, que se retalham nos açougues
e talhos públicos, que rendeu no dito ano 1235441; o das sisas e meias
sisas, que rendeu 873$788. Também se entrou a arrecadar por esta pro­
vedoria o rendimento do donativo e dos novos direitos dos ofícios de
justiça do ano de 1806 por diante, que antes sc passavam em Pernambuco
por lá serem passados os provimentos deles, e renderam no ano passado
o donativo 282S450 e os novos direitos 941144, c ultimamente se estabe­
leceu, no ano de 1812, a arrecadação do dízimo do sal das salinas, que
antes se não cobrava, e rendeu no ano passado 1125670. E todas estas
parcelas fazem a soma de 1:9505914 pertencentes ao ano passado.
O contrato dos dízimos reais do pescado e açúcar, gado e lavouras,
à exceção do gênero algodão, foi arrematado pelo presente triênio, que
leve princípio no F de janeiro de 1814 e finda no último dc dezembro
de 1816, por 41:1515500, vindo a pertencer a cada um deles 13:7175466,
que, com o sobredito dos mais rendimentos reais, fazem ao todo presen­
temente 15:6685080. E verdade o referido por constar dos livros desta
provedoria, donde passei a presente.

169
r
v *

A construção do quartel federal que existe em Natal data do gover­


no de Melo Póvoas, que deixou o exercício do cargo de capitão-mor em
16 de dezembro de 1816. A sua sucessão coube a José Inácio. Borges,
durante cuja adminiçtração rebentou em Pernambuco o movimento repu-
Qícano de~Í817,~ que, examinado sob qualquer dòs seus aspectos," foi,
sem dúvida, uma explosão de revolta contra_o_absolutismo português e
uma inequívoca afirmação dos elevados ideais, que, desde o fim do
século XVIII, trabalhavam a alma nacional em suas nobres aspirações
de justiça e liberdade.
Na capitania, além das causas de ordem geral que são conhecidas e
'haviam gerado fundos descontentamentos em toda a antiga colônia, lavra­
va o maior desgosto pela subalternidade em que cra~ mantida. E José
Inácio-Borges, dotado dc ãprcciávcis talentos, procurou, com louvável
solicitude, captar a estima e apoio dos que, pela sua influencia, estavam
no caso de tornar mais fácil a sua ação administrativa. Daí ter se
aproximado de André de Albuquerque Maranhão, fidalgo e cavaleiro da
Casa Real, coronel de milícias, rico proprietário^ extensamente.relacio­
nado e muitíssimo prestigioso pelo seu valor pessoal e pela ascendência
qu^cxercíãTentre os da sua família, abastada e numerosa. Com cie c
com os seus parentes e amigos, todos fervorosõFadcptos das doutrinas
liberais então dominantes, José Inácio Borges vivia na maior cordialidade,
visitando-os cm seus engenhos, onde era recebido sempre com as maio­
res demonstrações de carinTuFc dc apreço. E esse procedimento, que não
logrou evitar na capitania a repercussão do movimento revolucionário,
vitorioso em Pernambuco a 6 dc março, foi mais tarde acoimado dc vaci­
lante e dúbio, sendo certo que, num momento dado, ele se tomou realmen­
te inexplicável. A sua ida .ao_cngenho Bclcm não tem justificativa: Foi
um ato, senão criminoso, pelo menos imprudente e leviano, ante a imi­
nência de uma sublevação. Ela importou no abandono da capital quando
mais necessária se fazia a presença do supremo representante do poder
público, a fim de organizar a resistência e dar coesão aos elementos de
defesa de sua autoridade, vigiando pela manutenção da ordem e da segu­
rança, que, ainda mesmo que não estivessem ameaçadas internamento,
corriam sério perigo nas fronteiras.
É verdade que José Inácio Borges condenara de modo positivo a
rcvolução^dçclarando a capitania desligada de Pernambuco, apelando para
afidelidade dos moradores e dos que ocupavam quaisquer cargos, man­
dando deter todas as embarcações nos portos, adotando, enfim, várias
medidas aconselhadas pelas circunstâncias; mas muitos outros o fizeram
também sem que isto os impedisse de conspirar contra a realeza ou fosse
obstáculo à sua posterior adesão ao governo que se constituira. Pernam­
bucano, amigo pessoal do padre João Ribeiro, que foi o mais ilustre dos
membros do governo revolucionário do Recife, militar (era tenente-coro­
nel de artilharia), a quem não podiam deixar de irritar as preferências
dadas aos que haviam nascido cm Portugal, é bem possível que os seus
sentimentos patrióticos o arrastassem, pelo coração, a uma posição, não

170
diremos de franca solidariedade, mas talvez de simpática expectativa,
ante os sucessos que se desenrolavam. Não se pode, entretanto, afirmar
com dados seguros a sua cumplicidade no motfmento, embora tal suspeita
houvesse sido insinuada ate em documento oficial: em uma carta diri­
gida ao rei pelo Senado da Câmara do Natal (Livro do Registro de
Provisões, recolhido ao arquivo do Instituto Histórico do Estado e corres­
pondente aos anos de 1S20 a 1829, pág. 8) lê-se que “o governador
(José Inácio Borges) não duvidou quebrar o juramento prestado nas
sagradas mãos de ,V. R. M. quando abandonou esta cidade ao chefe dos
rebeldes, figurando ser por ele preso” ...

Estudemos,’ porém, os acontecimentos desde a sua origem.


É sabido que as sociedades secretas de Pernambuco foram, a come­
çar de 1800, centros dc intensa propaganda política.

/ suas idéias, chegavam logicamente às últimas consequências destas: piei- \


í teavam o estabelecimento do regimen jr.epuhlicano, com as mais amplas \
J franquias democraticas./Outros,/talvez a maioria, não iam tão longe: que- :
riam a independência e, com~ela, uma constituição que assegurasse ga- !
rantias dc ordem política, delimitasse as atribuições dos poderes que fos-
i sem criados, reconhecesse os direitos dos cidadãos c refreasse as violcn-
/I cias das autoridades. A este número pertencia Andrc de Albuquerque,
z que, filiado àquelas sociedades (vide, entre outros, "Mário Melo — À Maço-
noria e a Revolução de 1817), se tomara, pc]a,sua posição social e pela.sua
fortuna, o chefe dos que na capitania ansiavam pela realização, de j&fhr-
mas que correspondessem às aspirações do povo, cansado de tirania c
opressões.
Ao,se_ operar, a^revoluçãe no Recife, vencera, porém^a. primeira cor­
rente. Fez-se a república e_ele vacilou, a principio, em aceitá-la, manten­
do-se, sem quebra de caráter, em atitude de reserva. Depois, melhor in­
formado por emissários que lhe foram enviados," promoveu o movimento
em sua terra, assumindo, como veremos, todas as responsabilidades dele
decorrentes.
A notícia dos sucessos de 6 de março chegou ao conhecimento dc
José.Inácio Borges no dia 9, mas só foi confirmada a 12. No dix imediato,
ele publicou a seguinte proclamação, remetida, em circular, a todas as
câmaras e comandantes de distritos:
“Povos da capitania do Rio Grande do Norte: no dia 9 deste mês
apareceu nesta cidade uma notícia confusa de que na vila de Santo Antô­
nio do Recife, de Pernambuco, havia aparecido na tarde do dia 6 um tu­
multo popular, do qual se tinham seguido algumas mortes, sem contudo
assinar-se o motivo que o tinha operado, e na noite do dia 12 por carta
que dali tive de pessoa fidedigna, que não teve parte naquele lamentável
acontecimento, nem nas suas consequências, fui avisado de que o resulta­

171
do daquele tumulto e sedição produziu a saída imediata do general da­
quela capitania para o Rio de Janeiro e que alguns daqueles facciosos, por
efeito da mais inaudita rebeldia, haviam assumido e usurpado a jurisdição
do governo, permutando deste modo a paz e tranqüilidade de que goza-'
vam os habitantes daquela capitania pelos horrores de uma espantosa
anarquia. Não me importando averiguar a origem e progresso daquele
detestável atentado, e cumprindo-me só ilustrar-vos sobre ele, recordar-
vos a vossa inata fidelidade para com o legítimo Soberano, que até agora
nos tem regido com direito de Senhor e desvelo dc Pai, no augusto nome
do Senhor D. João VI, Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarvcs,
cm África Senhor de Guine e da Conquista, Navegação c Comércio da
Etiópia, Arábia, Pérsia c índia, vos declaro que estão acabadas as nossas
relações c correspondências com todo e qualquer governo ou autoridade
levantada atualmente em Pernambuco, e enquanto não nos constar que
um general ou outro legítimo delegado dc Sua Majestade restabeleceu
ali a sua soberania, c reclamando dc vós o solene juramento de fidelida­
de que lhe tendes prestado, c que tem sido sancionado pela nossa Santa
Religião, vos convido para que vindos a mim, c debaixo das suas Reais
Bandeiras, conservemos pura c sem mácula a nossa nunca interrompida
obediência c vassalagem, e possuídos de sagrado entusiasmo gritemos em
altas vozes:
Viva, viva, viva El-rei Nosso Senhor”.
Afirma Dias Martins (Os Mártires Pernambucanos) que José Inácio
Borges hesitou em condenar o movimento, só o fazendo após a reunião de
um conselho que, div^rgíndo_da_opinião de André de Albuquerque, deli-
berou^. por_maioria23e_votos^ que ele fosse combatido. E acrescenta que
foi depois disto que o referido governador encarregou. André de Albuquer­
que do comando das forças_ que deviam guarnecer parte da_Jronteira do
sul,_ihipedindo_ a .invasão da capitania. Se~o fãto é verdadeiro,^cãbê-lhe,
reàlmcnte, a pecha de governador hipócrita com que o fulminou o sangui­
nário Desembargador Bernardo Teixeira Coutinho Alves de Carvalho,
Presidente da Alçada: o seu ato valeu por uma irrecusável prova de feio-
nia e de má fé O que é certo é que ele se sentiu mais tarde na necessidade
de justificá-lo (José Inácio Borges — “Memória resumida dos aconteci­
mentos políticos que sofreu a capitania do Rio Crande do Norte no pre­
sente ano de 1S17”, publicada, com os documentos que a acompanha­
ram, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Norte, vol. VIII):
Io) porque da correspondência que tivera com André de Albuquer­
que nada colheu de suspeito;
2?) porque sendo ele e seus parentes ambiciosos de honrarias se lhes
oferecia ocasião de aumentarem as que já tinham com as novas mercês
que lhes seriam concedidas;
39) porque a sua riqueza e nobreza o constituíam vítima de uma re­
volução democrática;

172
49) porque, dada a sua fidelidade, era possível, com a preponderân­
cia que tinha sobre os povos dos distritos do sul e com os meios de que
dispunha para sustentá-los, demorar a invasão por alguns meses, permitin­
do deste modo que o governo da Corte acudisse com prontos e eficazes
remédios.
André de Albuquerque não recusou a comissão; e, aceitando-a de
acordo com os seus amigos, era seu prppósito ganhar tempo para organi­
zar convenientemente as suas tropas e esperar a chegada de reforços que
lhe tinham sido prometidos da Paraíba. É isto que explica os termos dc
alguns de seus ofícios, a um dos quais José Inácio Borges respondeu, cm
16 de março, dando instruções mais precisas: “A esta hora, que são oito
da noite, recebi o ofício datado dc ontem, pelo qual mc participa a desa­
gradável notícia de se achar em tumulto a cidade da Paraíba.
Apesar de ignorarmos ainda a qualidade do tumulto e o seu resulta­
do, deve V. S* continuar as medidas que principiou com vigor e atividade,
regulando-se conforme o simples plano oe campanha que vou desenhar-
lhe. Logo que reunir o seu regimento, ao qual incorporará a gente da
ordenança que lhe prestar o capitão-mor de Vila Flor e Ares, estabelecerá
na extensão da linha de limites desta capitania com a da Paraíba, com­
preendida no seu distrito, postos dc defensa, situados nas estradas e ave­
nidas acessíveis daquele para este território, deixando só dc guarnecer
as matas e montanhas intransitáveis, os quais confiará aos oficiais, escolhi­
dos do seu corpo ou do da ordenança.
O encargo geral destes postos é repelir ainda inesmo com força, não
só quaisquer facciosos que pretenderem passar, mas ate a gente que com
título de fuga se quiser abrigar nesta capitania. Esta regra só será alte­
rada a respeito de algum habitante nosso, assaz conhecido, que se reco­
lha para sua casa. Estas guarnições serão rendidas de três em tres dias ou
em mais curto espaço, se assim parecer mais conveniente a V. S* Os indi­
víduos serão todos armados de clavinas ou de armas brancas, e, no caso
de não estar armada a totalidade dos combatentes que se reunirem, os
que forem rendidos nos postos deixarão as armas aos que estiverem sem
elas. V. S*, com alguns dos seus oficiais superiores, que lhe fiquem de­
socupados dos postos, e com o capitão-mor de ordenanças, que se lhe
incorpora, visitarão a miúdo aquelas guarnições, a fim de as conservar com
perfeita vigilância e acudir com o resto das forças a qualquer delas que
for atacada. A estância comum para a reunião dos combatentes cuido que
ficará bem em Goianinha. Se, porém, com o melhor conhecimento que tem
da localidade lhe parecer mudá-la, pode fazê-lo, e esta estância terá
um comandante que reja quando V. S* estiver fora dela. É tudo quanto
por agora me ocorre, acrescentando que V. S* me deve continuar a dar
as partes dos acontecimentos, que não deve perder ocasião de inflamar
reiteradamente a esses combatentes a sua fidelidade, fazendo-lhes conhe­
cer que os diminutos incômodos por que vão passar, além de serem um
sacrifício devido, ficarão sobejamente pagos com a glória de se distin-
guirem dos infames rebeldes, com os aplausos do mundo inteiro. Exerci-

173
Dept°. História - neh
acervo BIBLIOGRÁFICO
pm GRANDE DO NORTE
tado o plano com a vigilância, atividade e fidelidade de que V. S9 c dota­
do, e que eu porei na Real Presença, tenho firme esperança de que a lava
que agora nos assusta se há de aniquilar na nossa linha de limites, e que
esta glória estava reservada a V. S9”
Andrc de Albuquerque acusou o recebimento destas instruções em
IS dc março; mas na sua resposta já não sc encontram protestos de dedi­
cação ao rei; não há nem mesmo uma palavra dc agradecimento ao gover­
nador, que no final do ofício procurara estimular sua dedicação. Existe
apenas a comunicação de que suas ordens tinham sido cumpridas; de que
instalara o seu quartel em Cunhaú (era_o_ seu engenho); dc que mandara
aprêêncJcr todãa pólvora c chumbo cxpostos~à venda no seu distrito; dc
que requisitara uma caixa dc cartuchos ao capitão-mor dc ordenanças;
dc que eram alarmantes as notícias vindas da Vila de Mamanguape (Pa­
raíba), vizinha às extremas da capitania. Por fim, dizia que naquela data
fazia sair do quartel dois índios correios do Ceará, o correio da Paraíba
Baltazar da Rocha c João Damasceno, que vinha de Pernambuco para
Natal. O nome deste último figura entre os demais sem que nada chame
para ele a atenção. Entretanto, a sua viagem se fizera no desempenho de
delicada incumbência.
Tratava-se do padre João Damasceno Xavier Carneiro, ex-vigário de z
São José de Mipibu, donde fora removido para a freguesia dc Una (Per­
nambuco), sendo posteriormente nomeado visitador do Rio Grande do
Norte e Ceará. Havia se ordenado depois de viúvo, tendo sido casado com
uma senhora da família de frei Miguelinho (padre Miguel Joaquim de
Almeida e Castro), secretário do governo provisório organizado no Re-
• cife. Ali se achava quando este foi constituído, sendo um dos emissários
despachados no dia 10 para as capitanias vizinhas (Dias Martins, op. cit.,
págs. 50 c 592), no intuito de conseguir que as mesmas aderissem à revo­
lução . A sua comissão era no Rio Grande do Norte e foi coroada dc com­
pleto êxito. ApáVQ-seu^encontro_com André de Albuquerque, de quem
cm velhoamigo, estejrião teve mais vã^laçõé.C Abraçou f rança mente_o
partfdo dos republicanos: Fez o movimento, foi chefe dc governo e.morreu
em seu posto, sacrificado trãiçõeifamente pelo ódio de reacionários_Jn-
consciêntes~ ......
José Inácio Borges, se tinha, ainda não demonstrava nenhuma des­
confiança, pois a 20 se dirigia novamente a ele cm longo ofício, cuja con­
clusão era esta: *Apesar de V. S9 me não dizer o número de combatentes
que tem debaixo de suas ordens, corre por aqui a notícia de que passam
de dois mil, que, segundo o número dc postos que estabeleceu, cuido que
será força suficiente para com ela fazer o terror aos rebeldes. Remeta-me
V. S9 logo e logo o número da gente com que atualmente se acha, o nome
dos lugares em que se estabeleceram os postos e dos oficiais que os co­
mandam, e o número dos combatentes que cada um tem debaixo de suas
ordens. Já expedi para a Corte do Rio de Janeiro o meu ajudante de or­
dens, inserindo nos meus ofícios a cópia dos de V. S9 e do capitão-mor de
Vila Flor e Arês (chamava-se também André, de Albuquerque Maranhão

174
e era primo e cunhado do chefe do movimento), porque Sua Majestade
ficasse quanto antes inteirado do honroso desempenho de deveres com
que V. S* e aquele capitão-mor se têm portado”.
As informações prestadas, em resposta, por ofício de 22, eram vagas:
que ficavam aquarteladas 207 praças do regimento; que no <lia 17 tinham
comparecido seiscentos e tantos indivíduos das ordenanças, não se poden­
do dar conta exata do número dos aquartelados pela imperícia dos ofi­
ciais e pela dificuldade de fornecer acclcradamcnte mantimento para a
sustentação dc tanta tropa; que muitos dos que pertenciam às ordenan­
ças, para se não enfastiarem do serviço e não enfraquecerem os ânimos
impelidos pela fome, estavam licenciados, com ordem dc não saírem dc
suas casas e com sinais certos do rebate para acudirem a qualquer preci­
são. Quanto aos postos determinavam o número dc homens que os guar­
neciam, silenciando, porém, sobre os nomes dos seus comandantes. Ne­
nhuma referência ao Soberano.
Datado ainda de 22, veio um segundo ofício:
“Havendo de oficiar a V. S* nesta mesma data diviso nos soldados
c alguns oficiais do meu regimento, não cm todos, porque o maior, o
ajudante e ainda outros oficiais com prontidão e zelo estão conforma­
dos a cumprir seus deveres, alguma moleza ou cansaço, sem que con­
tudo haja neles desobediência, por isso contemplando eu que aquele
cansaço talvez proceda de que, estando, este país na maior pcnúria_c_ex-
trema necessidade efe farinha por_ causa[ da seca, êA^endcTque agora caem
chuvas e podêrfF fazer suas plantações para remirem suas famílias, c não
podem fazer; nestas circunstâncias faço esta a V. S* comunicando-lhe
o exposto para que seja servido dar alguma providência, e a que me lem­
bra é ter aquartclada uma companhia para com a gente das ordenanças
acudir algum caso mais repentino e mudar os postos dc defensa, sendo
aquela companhia mudada de oito em oito dias; mas eu nada resolvo
sem que V. S* me determine.”
Foi este ofício que fez com que José Inácio Borges se resolvesse a
visitar o sul da capitania a íim de verificar pcssoalmenle o que ocorria
e orientar-se acerca dc dificuldades que poderiam sobrevir. Quem o diz
c ele mesmo (vide “Memória”, cit.):
“Na manhã do dia 23, recebi dele (André de Albuquerque) o ofício
número vinte (é o que foi transcrito), e, à vista do seu conteúdo, julguei
dar um passo acertado em vigorar com a minha presença os ânimos tí­
bios e enfraquecidos dos povos que mediavam entre a cidade e a fron­
teira do sul, concebendo também a esperança de que avistando-me com
aquele chefe podia despertar-lhe imagens convenientes afirmando na
continuação de fidelidade. Para isto montei a cavalo na tarde deste dia,
acompanhado do meu secretário e de seis oficiais de milícias, pernoitei
a dez léguas de distância no engenho de Belém (situado no vale do
Capió, a pequena distância da então vila de $ão José de Mipibu), em
casa de um primo (de André de Albuquerque), também coronel de ca­
valaria miliciana do distrito da cidade, de nome Luís de Albuquerque
) ■

'■ . « ■
Maranhão, c daí o avisei que na manhã seguinte me viesse encontrar
cm Goianinha, cinco léguas além do lugar em que mc achava c outras
j tantas aquém do seu acampamento.”
• .

À vista do que aí fica, são inteiramente destituídas dc fundamento


as duas afirmações ate hoje feitas de que ele sc tenha afastado oculta­
mente da cidade, acompanhado apenas dc um criado, e de que tenha
sido atraído, sob falsos pretextos, a uma cilada no engenho Belém,
onde foi preso. Os motivos da viagem do governador eram os apon­
tados, depreendendo-se do que escreveu a seguir: que a 24 confcrenciou
' com André de Albuquerque, em Goianinha, das três às cinco horas da
tarde, sobre lotações dc presídios, serviços dc acampamento, fornecimen­
to de víveres e outros asusntos, parecendo-lhe que, convencido pelas ra­
zões que expedera, aquele não daria seu apoio ao governo de Pernam­
buco; que regressou às cinco horas da tarde, pernoitando, como na vés­
pera, no engenho Belém, a fim de continuar a viagem na manhã seguin­
te, sendo cercado e preso às quatro horas da madrugada (dia 25) por
André de Albuquerque, seu. primo.e cunhado de igual nome e alguns
olicíãísf à frente de mais de quotrocentos homens, incluindo o regimento
de cavalaria que estava na fronteira; que logo depois apareceu outro pri­
mo dc André_de Albuquerque^ capitão-mor das. ordenanças da_.cida.de
dã~Tãraíbã (João de~Albuquerque^ Maranhão), com um filho c alguma
tropa, õs quais, cm companhia dos que o:conservavam preso, do dono da
casa, dc Luís Manucl.de Albuquerque Maranhão c do padre João Damas *
ceno Xavier Carneiro alardeavam a glória dc libertadores dc sua pátria;
que dali mandaram chamar o comandante da companhia de linha, o pro­
vedor da fazenda real, o coronel de infantaria miliciano e o seu major,
que apareceram na manhã dc 26, denotando o pesar c a fraqueza com
que tinham obedecido, posto não delatassem o que com eles se passara;
que, depois de algumas horas, partiram todos para a cidade, à testa das
forças que se achavam no engenho, onde ficou, rodeado de sentinelas,
sob a vigilância do proprietário do mesmo engenho e do seu parente filho
do capitão-mor da cidade da Paraíba, ambos de inteligência para o assas­
sinarem no caso de qualquer resistência na cidade, sendo, porém, infor­
mado de que, na hipótese dc não haver rebuliço, lhe seria permitido ir
buscar sua mulher para com ela ser conduzido a Pernambuco; que tres
dias depois (portanto, a 29) recebeu intimação do governo provisório,
comunicando que dali mesmo partiría por terra e, passadas quarenta e
o.to horas, apresentou se-lhe sua mulher acompanhada do capitão-mor
da Paraíba, sob cuja guarda seguiu para o Recife, onde chegou às sete
horas do dia 12 de abril, sendo recolhido à fortaleza das Cinco Pontas,
que lhe serviu de prisão até 20 de maio; que as forças revolucionárias
chegaram a Natal no dia 28 de março, onde foram recebidas com geral
descontentamento e pasmo; que André dc Albuquerque, depois de alar­
dear em grandes falas os scrviços~que jinha feito à causa da liberdade,
clíaínou os oficiais militares e as pessoas principais e, dentre todos, no­
meou para seus adjuntos no governo Antônio Germano Cavalcanti de
Albuquerque, comandante da companhia de linha, Joaquim José do Rego

176
)

)
Barros, coronel de milícias, Antonio da Rocha Bezerra, canitão, também
de milícias, e o padre Feliciano José Domelas, vigário da Capital, os
quais, apesar do tremor em que estavam, ofereceram algumas escusas
que não prevaleceram, e principou a governar segundo as insinuações
do padre João Damasceno Xavier Carneiro, fazendo os demais assina­
rem as atas, editais e ordens que expedia; que, dentro de ties ou quatro
dias, Andrc ds Albuquerque conheceu a desaprovação da opinião pú­
blica, o ódio que lhe votavam e a indisposição da companhia dc linha,
que ele tolerava por temor; que nessa ocasião chegou aa Paraíba o so­
corro por ele pedido c que o não tinha acompanhado por ele haver adian­
tado as suas operações; que esse socorro (era uma força de 50 praças
c tres oficiais subalternos, comandada por José Peregrino Xavier de
Carvalho) foi empregado como guarda dc confiança do governo, ao
mesmo tempo que este aumentava soidos e ordenados, prometendo van­
tagens futuras, que não produziram o esperado efeito; que apenas .saiu
*da cidade a força paraibana rebentou a contra-revolução, há muito tra­
çada, por algunF"rriòrãdõres dc NataFe suas imediações, escudados com
a compãnluã de linha, quê para lliFdaFmaior lustre esperaram o dia 25
de abril, aniversário da rainha; que, nesse dia, os mais resolutos entra­
ram pela porta a dentro da casa do governo, prenderam André, de Albu;
e, com urna estocada, forçaram no a gritar “viva el-rei, nosso
senhor'; quc dãli o conduziram à cadeia da fortaleza da Barra (Reis
Magos), onde expirou no seguinte dia e, embrulhado em uma esteira,
encomendado com pragas c maldições, foi enterrado em sagrado, a ins­
tâncias do pároco; que, preso o infiel, a companhia dc linha, que já es­
tava em armas à testa do povo da cidade e alguns que vinham acudindo
dc fora aos sinais que se deram, levantou com os que a seguiram as
reais bandeiras, proclamando com grandes vivas a real soberania; que
depois a$ forças_legais_.marcliaram para_o_.su! a desbaratar- os-parentes de
André de Albuquerque, que sc pudessem reunir, e, engrossando sempre
as suas fileiras, fofãrií estabelecer-se e forticar-se no engenho Cunhaú,

voluconários fugitivos, com exceção de José Inácio de Albuquerque, que


se apresentou mais tarde, e do padre Antônio de Albuquerque Montene­
gro, vigário dc Goianinha, que não foi alcançado; que o governo interi­
no, organizado na conformidade do alvará de 12 dc dezembro de 1770,
confiou o comando das forças ao sargento de milícias Antônio Marques
do Vale, que as comandou ate 14 de junho; que, conhecida a notícia
da prisão dc André de Albuquerque, todas as vilas levantaram as reais
bandeiras, exceto a de Portalegre, onde foi constituído um governo que
sc dissolveu cm 19 de maio; que a rebelião _na_ capitania foi peculiar da
família Albuquerque Maranhão e seus preceptorcs (esta rèfêrêncisTé
aos padres'João Damasceno Xavier Carneiro e Antônio de Albuquerque
Montenegro).
Muniz Tavares (História da Revolução dc Pernambuco em 1817),
descrevendo estes mesmos fatos, diverge em muitos pontos de José Inácio

177
I

Borges, dc quem diz que pensava com o padre João Ribeiro em materia
política; era suspeito ao partido português e instruído nos votos dos pa­
triotas brasileiros; sem educação científica regular, mas possuindo agu­
deza de entendimento para perceber a utilidade da realização daqueles
votos; sem herança de nome nem de fortuna, trabalhando com assidui­
dade paia adquirir uma c outra; sem firmeza de convicções, iludindo a
todos que ainda o julgavam um correligionário, esquecidos de que ele já
não era um cabo de esquadra de artilharia e sim um tenente coronel, ca­
valeiro da Ordem de Cristo e governador dc uma capitania, com grandes
, ambições, em parte satisfeitas; apóstata da sua fé, quando os membros
do governo do Recife lhe escreveram apelando para a sua solidariedade,
porque o lucro que o regímem democrático lhe podia oferecer era incer­
to e exigia sacrifícios que repugnavam ao seu egoísmo; enfim, um da­
queles que tão comumcntc costumam desertar dc seu posto nas grandes
comoções políticas, fugindo ao cumprimento do dever e dando provas
de seu fingido patriotismo. A sua exposição é, porém, muitas vezes in­
completa e infiel, o que não é de admirar, sabendo-se, como se sabe, que,
não tendo conhecimento pessoal dos acontecimentos locais, bascou-se
cm informações que lhe foram transmitidas por prisioneiros rio-granden-
scs, seus companheiros dc cárcere na Bahia, os quais, morto André dc
Albuquerque, ou sc arrogavam iniciativas que não tiveram ou procura­
vam subtrair-se à responsabilidade dc atos em que haviam colaborado,
negando que tivessem lido co-participação nos mesmos, para atenuarem
as suas culpas.
Basta um exemplo. Diz o ilustre historiador da revolução pernam­
bucana, a propósito da conferência que se efetuou em Goianinha entre
o governador c André de Albuquerque: “Era seu confidente e gozava dc
ilimitada ascendência o vigário daquela vila, Antônio de Albuquerque
Montenegro, patriota exaltado.
A aparição inesperada do governador o alarmou. Curioso de saber
o secreto colóquio, foi procurar o coronel, que sinceramente confessou-
lhe os subterfúgios com que o Borges intentava arrastá-lo à defesa da
monarquia. O vigário, aceso de furor, increpa-lhe a covardia de não
haver prendido o sedutor, c acrescenta: “Já que não aproveitastes a oca­
sião favorável, não vos resta outra alternativa senão segui-lo no momen­
to com escolta fiel e prendê-lo onde o encontrardes, ou sujeitar-vos a
fazer com o vosso cadáver a escada da sua fortuna; c vos direi que, se
este último caso suceder, a pátria vilipendiada terá cm eterna execração
a vossa memória”. O bom André não ousou replicar; a força da exortação
dissipou-lhe a perplexidade, obedeceu, e, chamando os soldados e ofi­
ciais em quem mais confiava, com cies a grande galope correu em bus­
ca da presa que lhe escapava; a encontrou no engenho Belém; era alta
noite quando ali chegou, pôs a casa em cerco, e, ao amanheer do dia,
abrindo-se as portas, entrou com dois dos seus oficiais, aproximou-se ao
governador e deu-lhe voz de prisão. Foi então que o incauto prisioneiro
reconheceu o desacerto da sua conduta; era forçoso resignar-se à sorte,

h 178 .
)
não murmurou, não cometeu baixeza com humildes rogativas, nem tam­
bém sofreu tratamento vil?
O fato como está narrado não pode ser verdadeiro. Documentos de
presente conhecidos comprovam que as forças de André de Albuquerque
estavam aquartcladas no seu engenho Cunhaú, que, pelas estradas de
então, distava cinco légua’; de Çoianinliã^e^dêz do engenho Bclcm (pela
estrada dc ferro, fica atualmente a rriaisde 20 quilômetros de Goianinha
e a mais dc 40 de São José de Mipibu, em cujas proximidades está este
último engenho).
A conferência que ele teve com José Inácio Borges realizou-se de
três às cinco horas da tarde do dia 24 e o cerco ao engenho de Belém
às quatro horas da madrugada de 25. Quer dizer que entre a conferên­
cia e o cerco mediaram onze horas. Admitindo que André de Albuquer-
3ue se houvesse encontrado com o vigário Montenegro imediatamente
epois daquela conferência e que após esse encontro expedisse um pró­
prio para o Cunhaú, ordenando a marcha das forças, o aviso, aceita a
melhor hipótese, não chegaria ao seu destino antes de nove ou dez horas
da noite. Suponhamos que tenha chegado às nove. Restariam sele horas
— de nove às quatro da madrugada —, para que as referidas forças, com­
postas de mais de quatrocentos homens, muitos a pé, se preparassem, se
pusessem em marcha e vencessem, sem descanso, dez léguas.
Era materialmente impossível. Tudo indica que antes de seguir para
Goianinha, a fim dc conferenciar com o governador, André dc Albuquer­
que, aproveitando o abandono em que o mesmo deixou a capital, deter­
minara que sobre esta avançassem as suas tropas, a cuja frente se colo­
cou mais tarde.
De acordo com peças e informações oficiais, já em grande número
publicadas (vide Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte, vols. V, VIII e IX), fácil é reconstituir os aconteci­
mentos.
Detido e preso o governador no engenho Belém, a 25 de março, pela
forma que ele mesmo expôs com absoluta fidelidade, a revolução estava
feita. Assim se tem entendido e não foi por outra razão que o Instituto
Histórico e Geográfico do Estado, em representação dirigida ao Congres­
so Legislativo (Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Gran­
de do Norte, vol. VIII), pediu, em 1904, que fosse esse dia considerado
feriado estadual, em comemoração ao movimento republicano de 1S17,
revogando-se a legislação anterior que feriava o dia 19, erradamente fi­
xado por Muniz Tavares como o da entrada das forças revolucionárias
em Natal. Esta entrada efetuou-se no dia 28, sem protesto de quem quer
que fosse c com o apoio da companhia de 1* linha, que com elas frater-
nizou, aclr.mando toaas a pátria, a religião e a liberdade.
Nesse dia foram ocupados os edifícios e repartições públicas, sendo
levantada, no meio da praça que tem atualmente o nome do chefe do

179
)

movimento e fica cm uma das faces do palácio do governo, uma ban­


deira branca, símbolo da paz. A 29, reunidos no edifício do erário os
vereadores da câmara, os militares, os eclesiásticos c as pessoas que ti­
nham representação social foi organizado o governo provisório composto
do coroncLAndrc_dc Albuquerque^.Maranhão,. presidente, c do padre
Feliciano José Dornelas (vigário do Natal), Joaquim José do Rego Bar­
ros (coronel de milícias), Antônio Germano Cavalcanti dc Albuqucr-
\ que (capitão da P linha, comandante da companhia) e Antônio da Ro-
cha Bezerra (capitão de milícia), governo a que serviu de secretário
Guilherme dos Santos Sazcs, escrivão na vila de Extremoz. “Os nomea­
dos, escreve Muniz Tavares, não recusaram a nomeação: o poder agrada;
nem foram aplaudidos nem vituperados; dirigiram-se em corpo à Matriz,
onde renderam-se ações de graças ao Todo-Poderoso, e foi esta a maior
ação com que se assinalaram no curto espaço de tempo em que figura­
ram”. Todos, porem, alegaram depois da contra-revolução, e quando An­
dré de Albuquerque já não existia, que tinham recusado a indicação, sen­
do obrigados a servir sob ameaças; e José Inácio Borges, restituído en­
tão ao exercício dc suas funções, confirmou as alegações feitas no se­
guinte ofício que enviou a Luís do Rego, governador de Pernambuco,
cm 14 de julho de 1817:
“Na minha chegada nesta capital achei cm plena liberdade o capi­
tão comandante da companhia de linha, Antônio Germano Cavalcanti,
o coronel de milícias Joaquim José do Rego Barros, o capitão dc milícias
Antônio da Rocha Bezerra c o pároco da cidade, Feliciano José Dornc-
las, que todos haviam sido membros adjuntos do chefe da rebelião, An­
dré de Albuquerque Maranhão, debaixo do infame e copiado título de
governo provisório. Cumprindo-me, pois, prendê-los logo como rcús do
horroroso e manifesto crime de usurpação da Real Soberania, o não te­
nho feito por querer levar primeiro à presença de V. Ex
* as seguintes re­
flexões: A consideração que cada um deste homens merecia, ou por seus
empregos ou por seus créditos individuais, c que induziu aquele, chefe
dc rebelião a nomeá-los como complemento do formulário praticado nas
capitanias de Pernambuco e Paraíba, dc que cie seguia os traços, e isto
mesmo advertido pelo seu preceptor João Damasceno Xavier Carneiro,
como se prova por bilhete que está apenso aos documentos que lhe di­
zem respeito; e sendo certo que se escusavam também o é que os amea­
çou com a pena de traidores à causa que promovia, que na sua legisla­
ção era a morte. Neste aperto só lhes ficava a alternativa da fuga, porém
não o podiam fazer por mar por falta dc embarcações de navegação alta,
e nem por terra por asseverar aquele traidor que a capitania do Ceará
estava de acordo ccm ele, o que não obstante o Antônio da Rocha man­
dou aprontar cavalos na sua fazenda para sair neles ,o que não fez por
se adiantar a contra-revolução.

Cuidaram portanto de convencer ao público pela sua conduta que


representram forçados aquele papel até que tivessem oportunidade de
se mostrarem fiéis ao Soberano dc quem eram vassalos, o que pratica-

1S0
ram na contra revolução do dia vinte e cinco de abril, onde o capitão
Antônio Germano apareceu à testa dos realistas e veio prender o traidor
dentro de sua casa; e entrando depois como primeiro membro do go­
verno interino por parte de Sua Majestade» na conformidade do alvará
de doze de dezembro dc mil setecentos e setenta, desempenhando tão
bem os seus deveres que foi aplaudido do Excelentíssimo Senhor Rodrigo
Josc Ferreira Lobo, quando comandante do bloqueio, com quem se
correspondia. O capitão Antônio da Rocha foi nesta ocasião encarregado
de dar sinal da oportunidade, e o vigário Feliciano José Domelas ligou-
S3 desde o princípio com os realistas c servia-lhes para lhes delatar o
que sc passava nas sessões do governo.
O coronel Joaquim José do Rego Barros não fizera parte da contra-\
revolução talvez por não difundir o segredo portanto, porém apenas ar--
rebentou, deu as mostras mais positivas dos desejos em que ardia por
aquele acontecimento. A tudo isto podería acrescentar que o conheci­
mento individual que tenho deles ms induz a afirmar que foram e são
fiéis vassalos de Sua Majestade. Sacrificados ao terrorismo daquele traidor,
sendo talvez a culpa mais notável do coronel Joaquim José do Rego Bar­
ros c do capitão Antônio Germano Cavalcanti o obedecer-lhe quando os
chamou ao engenho de Belém, e a deste último mais agravante por ser
o oficial a quem confiei o comando da cidade na minha ausência. Se,
porém, V. Ex^ não julgar atendíveis estas reflexões, determine-me a pri­
são e remessa deles, que executarei com pontualidade. Servia de secre­
tário ao infame governador Guilherme dos Santos Sazes, escrivão na vila
de Extremoz, miserável, chamado pelo traidor para o emprego pela qua­
lidade de boa letra e alguma inteligência, o qual também achei cm plena
liberdade. Dctcrminc-me V. Ex * o que hei de praticar com este indiví­
duo”...
Apesar de se ter abusado na época, como recurso de defesa, das ale­
gações de ameaças constantes deste ofício, é possível, que, no caso, elas
tenham sido verdadeiras, porque o nosso espírito repele a idéia de con­
siderar os companheiros de Andrc de Albuquerque, cúmplices que se
transformaram cm algozes, simples espiões e delatores.
Para.uu£Studo dos atos do governo_ provisório^cuja autoridad^foi
reconhecida em toda a capitania, poucos elementos'eiri'sternL—tudo- foi
destruído cm virtude desta ordem emanada de José Inácio Borges,_em
10 dè julHo:
^‘Tara todas as câmaras da capitania:
Sendo indispensável como medida política extinguir como se nunca
existissem todos os escritos que estejam derramados por esta capitania
produzidos pelo bando de rebeldes que temporariamente usurpara a Real
Soberania, ordeno a V. Mcês. que já e já, publicando por editais esta
minha ordem, façam recolher todas as determinações, cartas e mais
papéis que se afixaram ou existirem nas mãos dos empregados e ainda
mesmo dos particulares dessa vila, não excetuando os militares; e, arre­

181
cadados que sejam, nos remetam fechados, vindo apensos os que tam­
bém houverem no seu arquivo, compreendidos mesmo alguns termos que
se fizessem em livros, cujas folhas serão arrancadas, fazendo-se disto
novo termo. No edital que publicarem farão saber que se algum dia me
fora denunciada a existcncia dc alguns destes papéis nas mãos de qual­
quer pessoa ficará, por esse só falo, reputada cúmplice dos rebeldes c
como tal punida.^
Ao ser expedida esta ordem, a reação do aulicismo triunfante estava
cm pleno vigor: a força c o arbítrio, a perseguição e a vingança feriam
indistintamente e por toda parte criminosos e inocentes, dc sorte que as
câmaras se esforçaram cm dar, no seu cumprimento, as mais significati­
vas demonstrações dc seu zelo realista. Poucos foram os documentos que
escaparam à destruição: apenas aqueles que as autoridades julgaram in-
dispensávêís”para~ instruir os processos promovidos contra os infelizes
apanhados nas malhas da devassa. Mas é de presumir que estes fossem
os mais importantes c os mais comprometedores. Por cies, a impressão
que se tem é que André de Albuquerque, com comprovadas qualidades
de comando no terreno da ação, era absolutamente inapto para executar
uma grande obra de construção política. Senhor da capitania, onde só
encontrou indiferença e apatia, não soube afirmar a sua personalidade
como homem de governo, despertando entusiasmos e dedicações em fa­
vor da causa que defendia e desfazendo prevenções e preconceitos ar­
raigados no seio do povo, (pie, embora ignorante, era facilmente suges-
tionável.
Kenhum ato praticou que indicasse a superioridade do novo regb
mem^que^jcaptasje'as^simpatias públicas, que lhe assegurasse o.apoio
da opinião. Revelou cm tíidõ a maior incapacidade dirigente, desde a
desastrosa escolha dos seus companheiros de junta revolucionária, às
mãos dos quais teria de sucumbir, traído e ludibriado, até ao licencia­
mento das forças de que era comandante e cujo concurso fora decisivo
para o feliz resultado do movimento. Em tais condições, o seu fracasso
era uma questão de mais ou menos dias. O único elemento dc resistên­
cia com que contava era o contingente de cinquenta praças enviadas pelo
governo da Paraíba e que obedecia às ordens do valoroso c destemido
José Peregrino. Retirado este, a contra-revolução seria, como foi, ine­
vitavelmente vencedora.
Sobre a deposição de André de Albuquerque ninguém disse com
maiores detalhes do que D. Isabel Gondim, bisneta de uma irmã do
nadre João Damasceno c afilhada do capitão-mor André de Albuquerque
Maranhão (primo c cunhado do desvrnturado chcíc do governo provi­
sório), a qual escreveu o que se segue, de acordo com os documentos
conhecidos e a tradição local (Sedição de 1817 na Capitania, ora Estado,
do Rio Grande do Norte):
"Amanhecera o dia 25 de abril. O valente José Peregrino e seus
bravos companheiros ainda se achavam a pequena distância da nossa ca­
pitai, quando aí dcsenvolvcra-se a contra-revolução. O povo instigado
por decididos partidários da monarquia dá alguns gritos, protestando res­
peito c homenagem ao rei, nas proximidades do quartel da guarnição
(esta sc compunha dc 100 praças c a oficialidade correspondente). Os
soldados também industriados correram às armas, aclamando a D. João
VI, cuja autoridade se pretendia restabelecer nesta ex-capitania. Antô­
nio Germano, o principal motor deste movimento, assim como a garan- ,
tia do seu êxito, não obstante ser o mesmo que se havia posto à dispo­
sição de Albuquerque quando viera constituir o governo democrático,
corre ao quartel, anima a revolta c insubordinação dos soldados que po­
dería ter contido, c, à frente dc sua companhia que fez reunir e à qual
se incorporavam alguns populares, põe-se dc marcha para a rua deno­
minada “Grande”, cm direção ao Palácio do Governo, que era próximo
à cadeia. Ao sinal de nove badaladas no sino da matriz, como havia
sido previamente convencionado, partira da casa do alfaiate Manuel da
Costa Bandeira um grupo composto dos monarquistas capitão Antônio
Josc Leite dc Pinho, capitão-mor Josc Alexandre Gomes dc Melo, capitão
dc 2? linha oxi política Francisco Felipe da Fonseca Pinto, Alexandre Fc-
lício Bandeira, João Alves dc Quintal, o referido alfaiate Manuel da
Costa e alguns outros. A esse grupo reúne-se Antonio Germano com sua
companhia, e assim incorporados dirigem-se ao palácio. Galgam de tro­
pel as escadas e vão surpreender o indefeso Albuquerque sentado à mesa
dc trabalho. Germano intima-lhe voz dc prisão, e o declara deposto no
meio do alarma nas ruas e dos gritos, sediciosos aí, de: Viva o Senhor D.
João VI! Morra a liberdadel
Era grande o alvoroço e a lumultuária vozeria dos que afluíam para
dentro do palácio c suas imediações. Nessa confusão André de Albu­
querque levanta-se e encaminha-se a uma das janelas do sobrado do pa­
lácio, gomo se quisesse por ela precipitar-se, preferindo talvez a morte
desastrosa ao acabar às mãos de seus encarniçados inimigos. Prevendo
sem dúvida sua intenção, o capitão Antônio Josc Leite, com aparência de
cordialidade, estende-lhe o braço sobre os ombros, como para impedir
esse desastre, e exclama: “Não faça isto, senhor coronel”, ao mesmo tem­
po que o oficial de 2* linha ou política Francisco F. da Fonseca, à trai­
ção, por baixo da mesa, crava-lhe a espada no baixo ventre, região ingui­
nal. Sentindo-se ferido, Albuquerque procura segurar a lâmina da es­
pada que o agressor retirava com força, resultando ferir também dois
dedos da vítima. Era grave o ferimento, e pela cesura saíra parte do in­
testino, ficando pendente. Copioso sangue jorrava pela sala, onde afinal,
exausto de forças, caiu o mártir dos princípios liberais, assim tendo se
sacrificado pela emancipação de sua terra, certo de que o sangue dos
patriotas é a seiva mais fecunda da árvore da liberdade.
Aí prostrado, e quase moribundo, foi-lhe imposto que desse vivas ao
rei. Não conseguiram demovê-lo do obstinado silencio. Velara-lhe os lábios
o sentimento da própria dignidade.

183
/

Para cometer o nefando crime, colocara-se o agressor por detrás do


alfaiate Costa Bandeira, a quem se atribuiu o atentado, antes dc terem
vagados outros boatos sobre sua autoria. Embora se considerasse ata dc
heroísmo o assassínio do suposto autor de tantas desgraças, não disputou
essa honra o verdadeiro autor, com medo das consequências que vieram,
ainda que tarde, a ser funestas a quem, para granjear a consideração da
realeza, gabou-se de ter praticado a façanha.
Mesmo assim mortalmente ferido, o desventurado Albuquerque c
posto a ferros, continuando a perder copioso sangue, sem que fosse tra­
tado o ferimento, se procurasse recolher a parte do intestino comprimida
na cesura pela tumefação que logo sobreveio, nem se lhe desse alimento
algum, assim permanecendo à falta absoluta de qualquer conforto.
Por entre os insultos c apupadas da gentalha, conduzido Andrc dc
Albuquerque à fortaleza dos Reis Magos, foi encarcerado na mais he­
dionda e escura prisão solitária no deplorável estado em que se achava.
O soldado da companhia de guarnição ali destacado, Inácio Manuel dc
Oliveira, irmão de um tal Mirunga, apelido que passou aos outros mem­
bros da família, encarregado de vigiar o prisioneiro, revelou-se-lhe ter um
coração generoso: ocultamente, ia levar-lhe água, bem como algum ali-

sossego c quase a expirar no frio, úmido c infecto pavimento dc sua te­


nebrosa prisão, pediu um travesseiro cm que repousasse a cabeça. O co­
mandante do destacamento ordenou que levassem-lhe uma pedra “que
devia ser o travesseiro do patriota, pedreiro livre, etc.
*, designações estas
que os monarquistas, vulgarmente apelidados corcundas, colunas, davam
aos aspirantes à liberdade. O mesmo caridoso soldado Inácio Manuel,
apesar do risco de compromcter-sc, obsou introduzir na prisão uma pe­
quena e usada esteira, bem como alguma roupa entrouxada, para servirem
dc cama c travesseiro ao moribundo que depois sucumbiu à mingua dc
todos os recursos.
“Opiniões respeitáveis articulam que o reverendo Feliciano Josc Dor-
nelas assistira aos últimos momentos de André dc Albuquerque; mas não
procede a afirmação por ser inverossímil: tendo o reverendo Domclas
feito parte do governo provisório, pesava tarnbcm sobre ele a execração,
c ao desejo natural dc consolar seu amigo, levando-lhe o conforto da cs-
Ecrança cristã, deveria opor-se o receio do punhal assassino, que lhe rou-
asse a vida antes que ele chegasse junto ao correligionário agonizante
na prisão. ________
Acresce mais que tendo sido o traspasse de Albuquerque em horas
silenciosas da noite, quando cessa toda comunicação, não poderia aquele
aí penetrar (a fortaleza é afastada da cidade e situada num recife), ainda
que o pretendesse.............. Ao amanhecer, mandando o oficial coman­
dante da fortaleza observar o estado do prisioneiro, o executor dessa

1S4

)
ordem, a praça Bernardo Josc de Araújo, prendendo o pé da vítima com o
gancho dc um croque, arrastou-lhe o corpo, cm que evidenciou o fale­
cimento. Foi o cadáver logo tirado da prisão no estado dc nudez ou
quase nudez em que se achava, e depois pendurado a cordas em grossa
vara conduzido à cidade por oito praças, a quem auxiliaram no trajeto
dois africanos. Na passagem pela Ribeira (é o bairro baixo da cidade)
atraía tão lãstimoso espetáculo as vistas menos curiosas, e provocava os
sarcasmos da gentalha, sempre ávida dc semelhantes cenas. Surgiu, en­
tretanto, no meio desse vandalismo a piedade de uma caridosa mulher do
povo, vulgo Ritinha Coelho, que de sua porta sacudiu sobre o cadáver
do morto uma esteira, na qual o envolveram durante o resto do trânsito
pelas ruas, continuando, não obstante, os insultos e vilipêndios ao mesmo
desventurado mártir, cujos mortais despojos iam assim conduzidos.”
Dias Martins (op. cit.) dá a Antônio Germano a autoria do ferimento
sofrido por André dc Albuquerque. Foi, porém, contestado pelo major José
Domingues Codeceira (A Idéia Republicana no Brasil),' a quem Oliveira
Lima faz referência nestes termos (nota à 3* edição da história de Muniz
Tavares, publicada para comemorar o primeiro centenário da revolução):
“O capitão Antônio Germano aderiu ao movimento a 25 de março
e fez parte do governo provisório local do Rio Grande do Norte, mas um
mes depois, a 25 de abril, tomado dc medo do malogro da rebelião, ca­
pitaneou a contra-revolução, marchando para palácio, invadindo-o à testa
dc uma multidão e dando voz de preso ao coronel Maranhão. A este, na
ocasião em que se levantava da sua banca dc despacho, o português An-
ftônio Josc Leite, oficial de milícias e comerciante da cidade de Natal,
feriu por baixo da mesa, acertando o goípc^numa virilha. Posto a ferros
ainda com vida, foi o patriota levado, entre ultrajes da plebe, para a
fortaleza dos Reis Magos, onde expirou no mesmo dia em cárcere “imundo
c escuro”, sobre uma esteira dc periperi, na qual o envolveram a fim de
conduzirem seu cadáver numa rede para a igreja matriz, onde foi sepul­
tado. Assistiu a seus últimos momentos o vigário Feliciano José Dornclas,
membro também do governo provisório, um dos que seriam presos para a
Bahia.
O major diz ter-lhe sido o fato relatado por diferentes pessoas, quando
residiu no Rio Grande do Norte, de 1830 a 1841. Entre essas pessoas,
José lldefonso Jimerenciano fora dele testemunha ocular, tendo-lhe até
‘ Antôn^oJJosc^JJeifeTinostrado a lâmina embaciada pelo sangue e excla-
manío: *vejíTatíondc entrou a espada”
Não contente com isso e vanglorioso do seu ato, que fora atribuído
a um cadete da companhia do capitão Germano, ele o justificou judicial­
mente, e recebeu em recompensa uma condecoração de Cristo e a pa­
tente de tenente-coronel dc milícias.
Depois-da_ Independência, a família do coronel Maranhão_yingou
contudo ajnorte do_seu chefe. Leite escapou aos tiros de duas ou três

1S5
emboscadas, graças à velocidade do cavalo que costumava montar; mas
foi afinal morto a facadas, na noite dc sexta-feira dos Passos, quando
se achava sentado numa cadeira na calçada da casa da sua moradia.'
Ocorreu isto, se a memória não atraiçoou o major Codeceira, então habi­
tante de Natal, em 1834, isto é, 17 anos depois do crime. Todo o episódio
foi-me aliás referido nos mesmos termos pelo Sj. Dr. Tobias Monteiro,
que é rio-grandense-do-norte e o conhecia por tradição orar.
A versão de D. Isabel Gondim não c acorde com a do major Codc-
ccira em dois pontos: a assistência do padre Dornclas aos últimos mo-
. mentos dc Andrc de Albuquerque e a responsabilidade efetiva dc Leite
quanto ao ferimento recebido por este. No tocante ao primeiro, já transcre­
vemos as suas palavras. Em relação ao segundo, diz aquela escritora, após
outras considerações:
“Alguém diz ter o referido Leite mostrado a lâmina da espada com
que sc achava armado no conflito do dia 25 dc abril embebida cm sangue.
Se o fez, a embebeu no que então esguichava pela sala do Palácio com a
idéia de assumir a autoria dessa abominável tragédia, sem calcular as
funestas consequências que poderíam sobrevir, como efetivamente so­
brevieram”.
Quem terá razão? Ignoramos. Por ora, o que não oferece mais dú­
vida c que foi Antônio Leite o criminoso imolado ao ódio dos vencidos.
Eis como sc deu o seu assassinato:
“O pungente ressentimento da morte e dos ultrajes ao coronel Andrc
de Albuquerque a digna família conservou, dando tréguas à vingança que
pretendia tomar; e Antônio José Leite dc Pinho, que tão ostensivamente
alardeara de haver praticado o traiçoeiro apunhalamento, ficou-lhe sob
as vistas:
Dcnois da Independência e agitações da primeira fase da monarquia
nacional, quando desanuvia ram-se os horizontes é a transição política
como que permitia, algum desafogo às paixões, apenas sopitadas, dcli-
berou-seem conselho dc família a execução da premeditada vindicta. O
desventurado Leite
*
pôde escapar a diferentes emboscadas, que, mesmo
dentro da capital, lhe fizeram a bacamarte, conseguindo desviar-se dos
tiros, segundo a credulidade -de muitos pela virtude de um Santo Lenho
que trazia ao pescoço, segundo opiniões diversas pela agilidade do cavalo
cm que costumava montar em suas constantes excursões à tarde, quando
para aquele fim era esperado. Finalmente foi morto a punhaladas (ainda,
segundo a credulidade supersticiosa, por haver tirado aquela relíquia)
em a tardinha dc sexta-feira de Passos no ano de 1834, quando navia
chegado da procissão c sentando-se a uma cadeira na calçada dc sua
casa, sita à rua da Conceição na capital (hoje já não existe), dezessete
A'Wk
* 3.' dc Aíbnoncrore qi?
* assim conseguiram
vingar. Os sicários deixaram cravado no peito da vitima um punhal de
cabo de prata que depois fora difícil arrancar-se-lhe.

186
Esse público assassinato, reconhecido como cm desafronta ao apu-
nhalamento do infeliz Albuquerque, viera corroborar a opinião de ter
dele a «autoria Antônio José Leite, mesmo para os que a respeito tem
escrito sem maior investigação ou conhecimento da verdade, motivando
o engano manifesto que propus-me corrigir, baseada nas provas adu­
zidas.”
f A estas informações de D. Isabel Gondim temos a adicionar um de-
\ talhe referido por Alberto Maranhão (“Ensaio Histórico”, publicado, cm
1899, na Revista do Rio Crandc do Norte, órgão do Grcmio Polimático):
o assassinato foi mandado executar por André Arcovcrde (Dendê), sobri-
/nho dc André de Albuquerque, que, por ocasião da morte do tio, estava
na Alemanha, "a título dc estudar, o que não fez, limitando-se a esbanjar
{uma boa parte da sua grande fortuna”.

Ferido e deposto, a 25 de abril, o chefe do governo republicano,


foi este dissolvido, orgaiuzaji do-se no dia imediato o que devia, administrar
interinamente a capitania. É o que consta do seguinte termo de vereação
(Livro de Vcrcações dc 1815 a 1823):
“Aos vinte e seis dias do mês dc abril de mil oitocentos e dezessete,
nesta cidade de Natal, Capitania do Rio Grande do Norte, nos Paços do
Conselho dela, onde se achavam o juiz ordinário, vereadores e procurador
para acordarem no bem comum:
Primeiro que tudo, acordaram c concordaram fazer a declaração se-
Íniinte: de que eles, por si e por seus antecedentes sempre foram fide-
íssimos e mais que fiéis vassalos dc todos, os Senhores Reis de Portugal,
por isso que os seus antepassados, tanto nas descobertas destas terras,
como no seu resgate, sempre voluntariamente foram afeiçpados aos mesmos
Senhores por aqueles, e que eles cada qual de per si conhecendo o mesmo
amor e suma cordura do Sr. Rei D. João VI lhe eram cada vez mais
fiéis; porém que à falsa fé entrando nesta capital o monstro mais desco­
nhecido de entre ventres, tanto racionais como irracionais, havia desde
28 dc março tomado a capitania estando em amortecimento esta Câmara,
enquanto os seus membros davam providências a sacudir o jugo desse
monstro cruel, conhecido por André, de Albuquerque Maranhão, ou An-
drezinho do Cunhaú, cuja empresa foi feita ontem 25 do corrente, de
cujó día por diante ratificamos a nossa fiel vassalagcm ao Nosso Amabi-
líssimo Soberano, o Senhor Rei D. João VI, a quem Deus felicite por
dilatados anos para nosso amparo e socorro, e por ele daremos a vida
sem a menor saudade dela.
Acordaram mais que se fizessem as pessoas para o governo interino
desta capitania, dc presente resgatada, na forma da lei dc 12 dc dezembro
d* J770. e recaiu nas pessoas do capitão c cy.ofcodhtite d? trvp? de
linha desta cidade Antônio Germano Cavalcanti de Albuquerque, na
pessoa do vereador mais velho desta Gamara, feita, na forma da ordem,

187
nos pelouros do corregedor desta comarca André Álvares Pereira Ribei­
ro Cirne, o tenente Antônio Freire de Amorim, e o provedor da real
fazenda o tenente-coronel Manoel Inácio Pereira do Lago, na falta dc
ministro de letras, que será efetivo nesse governo quanto unicamente
ás decisões de segurança desta capitania e no mais quando se não con­
* ’.
formarem os dois, tudo na forma da dita lei

Assim constituído, esse governo comunicou a sua instalação ao co­


mandante do bloqueio, almirante Rodrigo José Ferreira Lobo, do qual
recebeu ordens c auxílios de mantimentos, armas e munições. Dos seus
’atos os principais foram a prisão de alguns dos revolucionários c a orga­
nização da coluna., expedicionária cpie ocupou o engenho Cunhaú, ac-,
pois de praticar na travessia ãté ali as maiores violências c as mais odio­
sas perseguições contra os amigos é partidários de Andrc dc Albuquer-
<Juc, cujas propriedades, assim como as dos seus parentes, foram, cm
parte, saqueadas e destruídas.
Os novos dominadores não encontraram embaraços á sua ação. So­
mente em Portalegre houve uma pequena reação, mas esta mesmo sem
alcance prático. Eis o que sobre ela disse José Inácio Borges, cm ofício
de 15 de agosto, a Luís do Rego, governador de Pernambuco:
“Depois de proclamada nesta cidade, no dia 25 dc abril, a Real So­
berania, exped u o governo interino os precisos avisos ás vilas da capi­
tania para que as autoridades constituídas levantassem ali as reais ban­
deiras. Os correios, porem, que levavam os da vila de Portalegre, cujo
distrito se limita com os da vila de Sousa da capitania da Paraíba, tive­
ram a má fortuna de ser encontrados por um malvado David Leopoldo
Targini, emissár.o dos rebeldes daquela capitania, à testa de uma escolta
de canalha armada, que os prendeu antes de chegarem ao seu destino, c,
sabendo pelos ofícios e cartas dos acontecimentos da cidade, forçou a
mais alguns moradores a que engrossassem o seu bando, e com ele mar­
chou à vila, aonde, associando-se ao vigário João Barbosa Cordeiro, que
lhe era semelhante em caráter, chamaram as pessoas para quem iam os
ofícios do governo e outras de mais alguma consideração e, depois de as
atemorizarem com o partido que tinham armado, com as ordens despó­
ticas que levavam da Paraíba c com o número das forças que levavam
comandadas por Miguel Ccsar, emissário dos rebeldes de Pernambuco,
as obrigaram a que instalassem um governo para, debaixo das suas or­
dens, fazerem marchar forças contra as vilas onde se tivessem levantado
as reais bandeiras c depois cncaminharcm-se á capitania do Ceará. Foram
membros deste governo o infame vigário João Barbosa Cordeiro, o te-
nente-corenel Leandro Francisco de Bessa, o sargento-mor José Vieira de
Barros, o capitão Manuel Joaquim Palácio e o tenente Filipe Bandeira
de Moura, todos da ordenança montada daquela vila.
Este infame governo, que teve lugar no dia dez de maio, foi ani­
quilado ao fim de nove dias de duração pelos mesmos quatro oficiais
que eram membros dele, levantando as reais bandeiras no dia dezenove

188
com manifestas provas dc júbilo c socorro dos povos do distrito, que
com cautela haviam juntado, e tendo precedido na véspera a fugida dos
dois revolucionários David e o vigário, que foram presos na capitania
da Paraíba.
“O governo interino desta cidade fez marchar da vila da Princesa
um corpo de tropa a prender os membros do aniquilado governo c seus
promotores, o qual efetuou a prisão do tenente-coronel Leandro Fran­
cisco de Bcssa, do capitão Manual Joaquim Palácio, do tenente Filipe
Bandeira de Moura, e achou já preso, a instâncias do oficial comandante
das forças do Ceará, estacionadas na sua fronteira, o sargento-mor Josc
Francisco Vieira de Barros, por notícias dele haver introduzido na sua
capitania cartas incendiárias a favor da rebelião, deixando de prender
o padre Gonçalo Borges de Andrade, sócio dos principais cabeças David
e vigário, por ter fugido com eles. Estes presos, atualmente recolhidos
na cadeia desta cidade, apresentaram-me os requerimentos que com
este levo à presença de V. Ex* para bem lhes deferir, ou pelo mereci­
mento dos seus documentos, ou em conseqücncia de outra medida de
exame a que se mande proceder, prevenindo desde já a V. Ex * que não
tenho procedido a exame judicial da conduta destes e dos outros que
embarquei na escuna "foguete”, por meio de devassa e interrogatórios,
por não ter ministro letrado que o faça, visto que o corregedor desta
comarca o é também da Paraíba e nela se acha ocupado em diligên­
cias da mesma espécie.
Posso, porém, asseverar a V. Ex? que a opinião pública os não con­
dena. antes r.testa a narração que acabei de fazer, c que seguros das
suas conseqüências se apresentaram voluntariamente ao ofic.’al coman­
dante da tropa que os foi prender. Quanto ao sargento-mor José Fran­
cisco Vieira de Barros, acusado pelo governo do Ceará de Jiaver espa­
lhado cartas incendiárias naquela capitania, pedi ao governador, por
ofício de primeiro de julho, que me remetesse os documentos desta
acusação para com eles convencer o preso que absolutamente nega o
fato; porém até hoje ainda não os recebi”.
Variam as opiniões quanto ao dia de junho em que José Inácio
Borges reassumiu o governo da capitania. Parece, entretanto, que foi
a 17, pois Gonçalves Dias diz (op. cit.):
“Do Rio Grande escrevia ao mesmo governador (dc Pernambuco)
em 18 de junho de 1817: “Ontem pelas três horas da tarde desembarquei
nesta cidade entre vivas e atos de manifesto júbilo praticados por todos
os vassalos de S.M., que eram espectadores”.

Já então a capitania estava em inteira calma, achando se presos,


“cobertos de ferro”, quase todos os implicados no movimento, sobre os
quais caíra a noite sombria das mais dolorosas provações. O que o go­
vernador teve a fazer foi completar a série de providencias que lhe ha­
viam sido recojnendadas antes da sua partida do Recife, sendo certo que

189
I
/

o seu procedimento, embora adstrito aos rigorosos deveres do cargo


) que exercia, não tocou aos extremos que caracterizaram a ação dc ou­
tros, que, investidos naquele momento dc qualquer parcela dc autori-
) dade, foram inexoráveis e cruéis.
Os comprometidos na devassa foram estes:
z André de Albuquerque Maranhão — Chefe do movimento. Ferido
a 25 de abril. Faleceu no dia imediato.
André de Albuquerque Maranhão primo e cunhado do presi­
dente do governo provisório. Capitão-mor _de Vila Flor e Axis.
Proprietário e residente no engenho n£stiy as. Preso em 15 de
maió de 1817. Pronunciado em 13 de setembro de 1818.
Padre Antônio de Albuquerque Montenegro — Cavaleiro da Ordem
de Cristo. Vigário de Goianinha. Patriota exaltado. Pronuncia­
do em 13 de setembro de 1818. Em 1821 foi eleito deputado,
pela província, às Cortes de Lisboa.
Antônio Ferreira Cavalcanti — Çapitão-jnor _dc_Portalegrc. Preso cm
6 de janeiro de 1818. Incluído no perdão de 6 de fevereiro de
1813 por aviso de 2 de outubro de 1820 e solto por mandado
de André de
Albuquerque. Segundo Dias Martins (op. cit.), este e a sua
família se incompatibilizaram, por sua causa, em 1813, com Melo
Póvoas, então governador. José Inácio Borges refere-se à inimi­
zade que daí resultou (vide Memória, cit.).
Agostinho Pinto de Queirós — Era morador na serra do Martins.
Çapitão de milícias.. Aderiu ao governo dc Portalegre. Foi preso
por tropas do Ceará’. Preso, seguiu para Natal, daí para Recife e,
finalmente, para a Bahia, como sucedeu a todos que na capita­
nia foram considerados em culpa por crime de lcsa-majestaae.
Antônio Germano Cavalcanti de Albuquerque — Capitão comandante
da companhia de P linha. Membro do governo provisório. Train­
do o chefe deste, dc quem era parente c sc mostrava amigo, fez
a contra-revolução, o que não impediu que fosse preso e proces­
sado, sendo pronunciado a 13 de setembro dc 1818. Solto a 15
de julho de 1820, cm cumprimento de aviso régio de 12 de junho
do dito ano, que o declarou perdoado. Foi reentregue no seu
posto e depois agraciado com o Hábito de Cristo. Promovido
mais tarde, comandou o batalhão de P linha que estacionava em
Natal, figurando em alguns dos acontecimentos políticos poste­
riores.
Antônio Rocha Bezerra — Também foi membro do governo republi­
cano. Preso em 23 de dezembro de 1817 e pronunciado a 13
de setembro de 1818. Foi este o seu depoimento sobre a revo­

190

I
lução: “No dia 28 dc março, às 8 horas do dia, entrou nesta
cidade o coronel André de Albuquerque Maranhão com grande
exercito de gente armada e declarou que vinha mandado pelo
governo provisório já então estabelecido em Pernambuco, e unido
ao da Paraíba já também estabelecido, conquistar esta capitania;
e que já havia deixado preso no engenho de Belém o Ilm9 Sr. Go-
vemaoor José Inácio Borges, onde se achava naquela ocasião.

Sitiada esta cidade, o povo, vendo-se surpreendido e falto


de munição de guerra e boca para se defender, cedeu à maior
força. Eu, igualmente me vi surpreendido e que só não podia
resistir, fiz o mesmo, e logo projetei a minha fuga para a capi­
tania do Ceará. Nesta mesma ocasião aquele maldito coronel or­
denou que se achassem todos os oficiais diplomáticos, câmara e
eclesiásticos no real erário desta cidade para se instalar o go­
verno, como de fato nos ajuntamos todos na hora determinada, e
chegando ele mandou abrir o cofre real pelo provedor e contar
o dinheiro que nele havia, e mandou que o mesmo provedor
tirasse a conta do que ele devia ao dito cofre, pois que trazia
dinheiro para saldá-la, e que, além disto, contassem com 50 mil
cruzados oferecidos por ele c seus parentes para a defesa da
Pátria. Passado isto, publicou que ele ia declarar as pessoas que
haviam de entrar naquele governo, sobre os quais todos os que
ali estavam dariam os seus votos, e logo os nomeou a si, o co­
mandante da tropa dc linha Antônio Germano Cavalcanti, o coro­
nel de milícias Joaquim José do Rego Barros, Rev. Vigário Feli­
ciano José Dornelas e o capitão de milícias Antônio da Rocha
Bezerra, e, perguntando a todos os que ali se achavam se esta­
vam satisfeitos com as pessoas nomeadas para o governo ou se
tinham que impugnar de alguns deles, responderam todos a
uma voz que estavam muito satisfeitos, e com esta resposta ins­
talou o governo e mandou fazer o termo em que todos assina­
ram. Eu, que não pensei que fosse nomeado para membro de
tal governo um oficial subalterno, logo que vi falar no meu
nome determinei escusar-me pedindo demissão, alegando molés­
tias; porém vendo a recusa que fez o Rev. Padre Manuel Pinto
nomeado para secretário do governo por ele coronel, e junta­
mente os mais eleitos, calci-me, pensando que me daria a mim
a mesma resposta que deu aos outros, na qual lhes declarou bas­
tantemente irado que todo aquele que se eximisse de servir a
Pátria seria reputado inimigo dela, e ficaria sujeito a todas as
rigorosas penas que a nova lei estabelecia em semelhantes casos.
Posto isto, assentei com todas as veras fugir para a capitania
do Ceará Grande, e ignorando o estado em que ela se achava,
e vendo a certeza que dava aquele maldito coronel de que ela
se teria já levantado ou que breve o faria, visto que nela havia
partidistas e emissários, escrevi a um amigo no Açu para me

191
) I

informar do estado em que estava aquela capitania, o qual me


respondeu o que consta da carta junta; e como antes que me
chegasse esta resposta vi e conheci que todo o povo desta
cidade não mudava de face, e que estava disposto para fazer­
mos a feliz restauração, como dc fato assim sucedeu, uni-me com
ele e desisti do primeiro intento; e igualmente unindo-me ao
comandante da tropa de linha, comunicando-lhe tudo quanto
projetava aquele furioso coronel para defesa da Pátria, nas sessões
do governo, cm que ele comandante não assistia.
Quanto tenho dito a V. S* (esta declaração, como as do
padre Dornelas c coronel Rego Barros, foi presente a José Iná­
cio Borges em 7 de julho) é pura verdade, o que juro aos Santos
Evangelhos”. Rocha Bezerra foi depois político de largo prestí­
gio na província.
Padre Pcliciano José Dornelas — Era vigário de Natal. Fez parte
do governo republicano. Preso em 23 de dezembro dc 1817 e
pronunciado a 13 de setembro de 1818. Eis como se defendeu:
“Vendo-me obrigado, em razão dos acontecimentos que caracte-
zam a época presente, a expor na respeitável presença dos magis­
trados ac Sua Majestade qual tem sido a minha conduta em
colisão tão melindrosa, devo fazê-la conhecer pelo lado físico
e moral, c mostrar-lhes que ate ao presente a religião, a honra
e a fidelidade ao Nosso Augustíssimo Soberano tem dirigido
todas as minhas ações. Esta freguesia toda é testemunha da
minha exatidão em cumprir e desempenhar os sagrados deveres,
a que sou obrigado como cristão, como vassalo e como pastor.
Como, porém, na infeliz época em que os mais ingratos de todos
os homens, calcando aos pés os mais santos deveres, fantasiaram
na sua depravada imaginação um governo anárquico, irregular
c anômalo, contra todas as formas e contra o direito das gentes,
cu, obrigado pela força e pela violência, fui um dos que o mal­
vado e faccioso André de Albuquerque Maranhão, unido com
os seus parentes, à frente das tropas que estavam confiadas ao
seu comando, no augusto nome dc Sua Majestade, para defesa
desta capitania, nomeou membro do tal governo anárquico, amea­
çando logo com a perda da vida e bens aos que não anuíssem
aos seus caprichos. Não tive outro remédio mais que curvar o
pescoço debaixo do seu tirânico c alcivoso jugo, e ceder à violên­
cia, esperando conjuntura mais feliz em que pudéssemos aclamar
o nosso Augustíssimo Soberano e darmos as provas mais eviden­
tes da nossa fidelidade ao mesmo Real Senhor.
Eu passo a narrar em poucas palavras como aconteceu este
fato. Em consequência do infausto sucesso de Pernambuco, pas­
sou V. S* (dirige-se a José Inácio Borges) a dar as mais prontas
providências para defesa desta capitania e preservá-la intacta da

192
corrupção e do crime que já havia lavrado pela Paraíba. O coro­
nel André de Albuquerque, cujo nome nos horroriza, estava nas
fronteiras postado com o regimento e mais tropas confiadas ao
seu comando, protestando sempre a maior fidelidade, amor e
adesão a Sua Majestade, e de tal modo soube encobrir o seu
depravado inaquiavelismo que V. S* pessoalmente partiu desta
cidade no dia 23 de março para Goianinha a conferenciar com
o dito coronel e prescrever-lhe os meios de defesa. No dia 26
do dito mes, recebemos a infausta notícia de que este traidor,
com a mais negra traição, tinha surpreendido a V. S* no enge­
nho Belém na madrugada do dia 25, notícia que nos encheu
de horror e da maior consternação, mandando o dito coronel
chamar à sua presença o comandante da guarnição desta cidade,
Antônio Germano Cavalcanti, e o coronel do regimento miliciano
Joaquim Josc do Rego Barros, os quais voltaram com o padre
Manuel Pinto de Castro, para sossegarem o povo. O terror então
se espalhou por esta cidade e no dia seguinte, sem haver tempo
de se cuidar nos meios de defesa, se apresentou o traidor e
faccioso André de Albuquerque diante desta cidade, com a sua
tropa, e entrou por ela dentro ao som das lágrimas dos seus
habitantes até o largo entre o Palácio e Matriz, onde estando
eu no confessionário me mandou chamar a grandes vozes, e as
primeiras palavras que me disse foram: “Viva a Pátrial Viva a
nossa Religiãol” com um bacamarte nas mãos, apontando para
mim.
Respondi-lhe: “Deus assim o permitiu. Faça-se a sua divina
vontade.
No dia 29, fui chamado com todos os mais à sua’ presença,
na casa da provedoria da real fazenda, onde o traidor, depois de
colorar enfaticamente a sua execranda o abominável traição,
com grande pasmo e espanto meu, entre outros me nomeou
membro do governo chamado provisório, e, desculpando-me eu
ser o tal cargo incompatível oom o meu ministério, com o meu
caráter, com as minhas funções e com as minhas inveteradas
enfermidades, respondeu o traidor com estas formais palavras:
“Todo aquele que recusar aceitar posto em serviço da Pátria
é reputado traidor e como tal punido com pena última.”

Cedendo à violência deste malvado, recolhi-me à casa por


um beco, coberto de confusão e de vergonha, resoluto a largar
a freguesia e fugir da presença de tal ímpio. Apenas me achei
só abri os diques à minha mágoa, e uma torrente de lágrimas
me banhou os faces, considerando que este mesmo povo, que me
era confiado e a quem dei sempre o exemplo no cumprimento
dos seus deveres, me contemplasse no número dos facciosos, e
nestes sentimentos resolvi fugir e apartar-me desta cidade, tea-

193
1

tro da minha amargura. Por outra parte, lcmbrava-me que dei-


..., xava os meus amados fregueses desamparados, expostos e en­
tregues nas mãos da sua aflição, naquele mesmo tempo cm que
mais precisavam dos meus conselhos c da minha assistência em
tanta, calamidade.
Lembrava-mc que o bom pastor deve dar a sua vida pelas
suas ovelhas. E indeciso sobre o quo devia resolver flutuava
entre a dor da minha alma e o amor dos meus amados paroquia-
nos, combatido destes diferentes assaltos, quando no dia 2 de
abril vem à minha casa o capitão dc ordenanças Josc Alexandre
Gomes e, como conhecia muito bem os meus sentimentos, me
comunicou que estava juramentado com o capitão Francisco
Felipe, o alferes Antônio Josc Leite e mais outros convidados
por eles para, na primeira ocasião, executarem a grande e he­
róica empresa da feliz restauração desta capitania à posse anti­
ga e domínio de Sua Majestade. Eu não só aprovei o seu pro­
jeto mas ainda mesmo me ofercci a cooperar para tudo quanto
fosse a bem do real serviço, c dar todos os avisos necessários
1 para obrarmos de concerto. Muitas vezes em minha casa confe-
renciamos juntos e lhes dava a saber os projetos do governo
anárquico para melhor se saberem dirigir cm tão melindrosa
coalizão. Continuei a assistir às sessões, não como usuqoador
da jurisdição d’El-rei, meu Senhor, mas como fiel servidor do
benfeitor e fidelíssimo Soberano. Mudei o projeto de sair desta
freguesia no de ficar nela, a fim de animar ocultamentc os meus
paroquianos a tão santa empresa, e até mesmo (seja-me lícito
dizer em minha defesa) no confessionário exortava aos pais e
mães de família a serem sempre fiéis ao seu Rei c cumprir exa­
tamente os seus deveres, e nas missas conventuais lhes fazia re- .
zar uma Salve Rainha por intenção para a qual eu aplicava pelo
meu Soberano. Por testemunhas invoco todos eles, e aos mes­
mos honrados vassalos, a quem tantas vezes animei a acabar de
uma vez esta empresa e enxugar as nossas lágrimas. Amanhe­
ceu enfim o faustíssimo dia 25 de abril em que se extinguiu o
malvado sistema de anarquia, aclamando-se entre os mais vivos
transportes da nossa alegria o Adorável e Augusto Nome de Sua
Majestade, e os seus inalienáveis direitos, instalou-se no mesmo
dia o governo interino e foi continuado até o feliz regresso de
V. S* para a sua capitania.
Eis aqui, Ilm9 Senhor Governador, a verdade pura de todos
estes fatos. Toda a cidade sabe qual tem sido a minha conduta;
uma consciência pura e sem mancha tem sido até o presente o
meu norte; tenho desempenhado os meus deveres e não acho
coisa alguma em que possa argüir e repreender-me a mim mes­
mo. V. S*, como digno representante do Nosso Augustíssimo
Monarca, se digne atender a estas razões, nascidas da verdade e

i
da inocência, que expõe um velho de sessenta anos, esperando
com confiança que V. S* as julgará com a justiça e clemência
que, com grande glória nossa, divisamos inata no coração de
V. S* ”
Filipe Bandeira de Moura — Membro do governo dc Portalegre.
Preso em 19 de julho de 1817 e pronunciado a 13 de setembro dc
1818. Era oficial de milícias.
Francisco Marçal da Costa e Melo — Secretário do governo dc Porta­
legre. Pronunciado em 13 de setembro de 1818.
Padre João Barbosa Cordeiro — Foi a alma do movimento em Porta­
legre, onde era vigário. Preso cm 20 de junho de 1817 c pro­
nunciado a 13 dc setembro de 181S.
João da Cosia Bezerra — Foi preso em Ponta Negra a 27 de abril de
1817. Faleceu no hospital do Recife.
Padre João Damasceno Xaoier Carneiro — Achava-se ao lado de An­
dré de Albuquerque quando este foi ferido, deposto o preso. Nes­
sa ocasião foi recolhido à cadeia.
Foi embarcado para o Recife, juntamente com outros pri­
sioneiros, na escuna Foguete, em dias dc junho, falecendo a bor­
do no dia 25 do mesmo mês, segundo sc verifica dc um ofício
de José Inácio Borges (de 28) ao governador de Pernambuco.
Os prisioneiros foram egrilhoados dois a dois, sendo o compa­
nheiro do padre Damasceno o capitão-mor Andrc dc Albuquer­
que Maranhão (de Estivas).
A este respeito escreveu D. Isabel Gondim (op. cit.):
"Fazendo-se à vela com os prisioneiros, a pequena embar­
cação, pelo seu mau estado, ao embate das ondas, não obedecia
ao governo do leme e descaía para o norte a despeito do esforço
da tripulação.
Com os ventos contrários ao rumo e mar encapelado, a os­
cilar constante, o frágil barco, em longas horas, quase desarvo-
rado, trazia em sobressalto os tripulantes, assim como todos os
mais a bordo, particularmente os desventurados prisioneiros que
receavam o naufrágio, do qual não poderíam escapar, agrilhoa-
dos como jaziam. Achavam-se na confrontação da praia da Pi-
titinga, cerca de doze léguas ao norte da cidade de Natal, quan­
do exausto de forças, não podendo resistir ao forte impulso do
jogar das vagas sobre o tênue costado, o reverendo João Damas­
ceno, o mártir da liberdade, em semelhante conjuntura veio a
desfalecer e não tardou a sucumbir. Nessa hora extrema, esten­
de a mão ao companheiro de grilhão a ofertar-lhe os objetos de

195
seu uso que aí possuía uma caixinha de tartaruga para rape c
um rosário de contas de JerusaJém, relíquia preciosa nessa época
de arraigadas crenças católicas.
Verificado o óbito, perante o comandante da escolta e pes­
soas da tripulação, deviam desembaraçar-sc do cadáver. Con­
forme as instruções que trazia, não quer o mestre do iate tomar
porto para que fosse àquele dada sepultura. Alguém da escolta
é dc opinião que seja Jançado ao mar; outros opinam diversa­
mente por ser o de um sacerdote, a quem essa pobre gente, in­
diferente a questões políticas, julgava sagrado. Muitos dos com­
panheiros de infortúnio do infeliz extinto representam, instam
que seja inumado no solo da mesma praia, não muito distante,
embora sem nenhum aparato fúnebre. Então o mestre do iate
com essa altivez quase selvagem do nauta habituado a lutar
com a tormenta, assumindo resoluto a atitude decisiva que as
circunstâncias impunham, sem mais hesitar um instante, resol­
veu o enferramento cm Pititinga: aproa à costa aí. onde viera
aportar, desprendem dos grilhões o emagrecido cadáver, e sen­
do levado para terra foi inumado a pequena distância da praia,
cujo local ficara assinalado à tradição dos singelos habitantes do
povoado da mesma. Não esqueceu a família de cumprir um
dever que se impôs, removendo da praia de Pititinga os restos
mortais do venerando sacerdote para lugar sagrado, logo que foi
possível. Quando os ânimos serenaram e a política’assumiu fase
diversa, o Rev. Joaquim Manuel d’Albuquerque Melo, seu filho
legítimo (como já dissemos, João Damasceno se ordenou depois
de viúvoX, que durante estes tão lastimáveis acontecimentos
achava-se ausente, tendo conseguido ser vigário da freguesia
de Extremoz, da qual então fazia parte o povoado da referida
praia, munido da’s necessárias licenças, foi com pessoas habi­
litadas e domiciliadas ali procurar os ossos do respeitável extinto.
No meio de grande e seleto acompanhamento conduziu-os à vila
do mesmo nome da mencionada freguesia de Extremoz, cm
cuja igreja-matriz sepultou-os com pomposos funerais na cape-
la-mor, lugar condigno à categoria eclesiástica do mesmo vene­
rando finado. Após, resignou essa freguesia, da qual somente
para aquele fim buscara ser pároco.”
João Rebelo de Siqueira Aragão — Era_sargento-mor de milícias.
Durante o governo republicano foi intendente da polícia e co-
mandante da fortaleza. Serviu com atividade c zelo. Preso cm
23 de dezembro de 1817 c pronunciado a 13 de setembro de
1818.
João Saraiva de Moura — Morador na Serra dos Martins. Foi par­
tidário do governo dc Portalegre. Fugiu para o Ceará, onde foi
preso em 7 de janeiro de 1S18. Pronunciado a 13 de setembro
do mesmo ano. Por aviso de 31 de .outubro dc 1820 foi incluído
' " no perdão de 6 de fevereiro de 1818, sendo solto em 17 de no-
• . vembro daquele ano (1820).
Joaquim José do Rego Barros — Coronel de milícias. Membro do
governo republicano. Preso em 23 de dezembro de 1817 e pro­
nunciado a 13 de setembro de 1818. Justificou-se deste modo:
“No dia vinte e seis de março, recebi eu, o comandante da tropa
’ de linha Antônio Germano Cavalcanti, o provedor da real fazen­
da Manuel Inácio Pereira do Lago, e o sargento-mor de infan­
taria de milícias João Rebelo de Siqueira e Aragão ofícios do
coronel André de Albuquerque Maranhão em quo nos participa­
va haver aprisionado o Il.mo Sr. Governador desta capitania José
Inácio Borges no dia vinte c cinco, no engenho Belém, e levan­
tado o estandarte da liberdade na vila de São José, e nos orde­
nava que no mesmo momento que os ofícios recebéssemos nos
dirigíssemos ao dito engenho Belém. Eu ainda não capacitado
inteiramente de haver feito semelhante atentado o dito coronel
André, pois que tinha a certeza dele estar com o seu regimento
e corp?
* do d?» (testa ç*\>\V mv3s
para defesa de nosso Soberano, por mandado do mesmo 11.™° Sr.
Governador; c no mesmo tempo nntolhndo ás poucas forças que
havia nesta cidade e a falta de munições de guerra e boca, e
o não poder me reunir ao rneu regimento rapidamente, como
me era preciso, por muito se distanciarem desta cidade os domi­
cílios dos soldados c temer o indispensável auxílio que Pernam­
buco c Paraíba haviam prestar ao dito coronel para sujeitar esta
capitania ao oneroso jugo da fantástica liberdade, tomei o acór­
dão de ir ao dito engenho com os mais acima mencionados, c
lá tomarmos as nossas medidas. Neste mesmo dia cheguei eu
e o comandante da tropa de linha às onze horas. da noite; e,
passando por três presídios, no último que estava mais contíguo
ao engenho fomos impedidos a prosseguir mais adiante, e logo
foi um oficial inferior noticiar ao dito coronel André a nossa
chegada, o' qual nos veio encontrar com as espadas nuas ro-
....... •’ deado de vários oficiais e nos pondo aos peitos nos foi dizendo
triixz a liberdade-, e o que somente proferi foi nós somos de paz-,
e entrou a proclamar muitos festivos e alegres vivas à Pátria, à
Religião e à Liberdade. E conduziu-nos para a casa da residên­
cia do dito engenho, onde estivemos o restante da noite, rodeados
de tropas e armas; e o pouco tempo que conosco esteve foi sem­
pre louvando a execranda ação que haviam feito os primazes
da revolução em Pernambuco e que estava auxiliado de tropa
de linha e cavalaria da Paraíba, e de mãos dadas com o govemo
provisório de Pernambuco para o socorrer em tudo que lhe fosse
preciso, a fim de que toda a capitania assentisse ao partido da
liberdade; e que no dia seguinte marchava para esta cidade, o
que ouvimos com a maior tristeza e displicência, sem lhe tomar­
mos palavra; c no dia subsequente de manhã, às dez horas do

197
dia, dirigiu-se com todo o seu exército para esta cidade, tra-
zendo-nos à vista do capitão-mor da cidade da Paraíba, João
d’Albuquerque Maranhão, ao pé do mesmo exercito; e ao despe­
dir perguntei a um filho do mesmo capitão-mor se tarnbcm não
acompanhava ao seu primo, o coronel Andrc, respondeu com a
maior procracidade c ousadia, armado de um bacamarte, que
ficava de guarda ao Il.mo’Sr. Governador, porque no caso de
acontecer alguma desordem no entrar o exercito na cidade lhe
tirava a vida com aquele bacamarte; isto, refleti eu, c o deixar
oferecido a ser vítima imolada pelas mãos dc um tirano tão falto
de religião e equidade sc acaso acontece alguma novidade. E o
que se passou com a chegada do provedor e sargento-mor ignoro,
porque estes, por lhes enfraquecerem os cavalos, pernoitaram
em caminho, no sítio Taborda, e quando chegaram a Belém foi
no outro dia, c eu os vi quando estava já em ponto de marchar
o exercito. No dia vinte e oito, as oito horas da manhã, entrou
nesta cidade o dito coronel André com todo o seu exército, e
em altas vozes proclamou vivas à Pátria, à Religião e à Liber­
dade, com o maior desprazer dos povos habitantes desta cidade
que a ele mesmo sc fez reparável, que o não duvidou publicá-lo
uma e muitas vezes; e passou ao erário a tomar conta do dinheiro
do cofre real, e na tarde do mesmo dia levantou no meio da
praça uma bandeira branca intitulando-a da liberdade. Autêntico
c bem notório foi o luto c tristeza que na fisionomia dos seus
rostos mostravam estes povos com esta nova diabetricc (?) tão
detestável. No dia vinte c nove, convidando todas as classes do
homens, militares, republicanos, eclesiásticos e câmara, fez uma
relação das pessoas que haviam de entrar no governo provisório,
..nomeando-se a si, ao capitão comandante da tropa de linha, An­
tônio Germano Cavalcanti, o capitão Antônio da Rocha Bezerra,
o reverendíssimo vigário Feliciano José Domelas e a mim; e
disse ao povo se aprovava este para o seu legítimo governo, o
que todos unanimemente responderam que sim; c, recusando eu
e o capitão comandante com forte instância perante todo o povo
o sermos membros do governo, nos ameaçou com as penas da
lei por inconfidentes à Pátria; e obrigado da força aceitei o
malvado governo; porém nunca figurei e influí mais que em
assinar todos os papéis que ele rrte mandava assinar tímido das
continuadas ameaças que sempre nos fazia, e assim reduzidos
todos a uma crise a mais lamentável; para mais infelicitar a nos­
sa sorte, no dia trinta, às oito da manhã, entrou nesta cidade o
ajudante José Peregrino Xavier de Carvalho com tropa de linha,
vinda da cidade da Paraíba, trazendo armas granadeiras, pólvora
e balas, em socorro da malvada liberdade. Vendo a minha me­
lancolia e tristeza o meu mano Rev. Antônio Caetano do Rego
Barros pelas terríveis hostilidades que me cercavam impugna­
das (?) por aquele déspota coronel; por bem divisar no meu
' 'semblante o intenso amor que recluso no pleito consagrava ao
meu amabilíssimo Soberano, me disse que me alegrasse que o
povo não queria estar submetido a semeUiante jugo, que só as­
pirava a chegada do bloqueio a Pernambuco para prender o dito
coronel André de Albuquerque e levantar o Estandarte Real. Com
estas e outras muitas esperanças com que também fui consolado
por Antônio José dc Souza Caldas fui sofrendo a falta dc ouvir
soar o nome real. Não parou aqui a violência déspota deste co­
ronel, que no primeiro de abril me ordenou que eu havia de
ir no dia três à vila de Extremoz, distante desta cidade quatro
léguas, levantar o malvado estandarte da liberdade c dar vivas
à Pátria, levando-o armado ao entrar da vila, para o que levasse
comigo o oficial inferior, e depois de correr a rua entoando muitos
vivas o firmasse no lugar mais público, e que tomasse conta
aos tesoureiros dos dinheiros das sisas, décimas, selos e de au­
sentes, e qub fizesse abolir n coroa real da frente da casa da
Câmara; c repugn an do eu forlomcnlc a ser executor dc seme­
lhante ordem partiu comigo ate o ponto dc amcaçar-mc o tirar
a cabeça fora; e ao poder de tão violenta.força lhe disse que
iriá, porém que não tinha dinheiro para comprar a bandeira, ao
que respondeu com um ar severo "tão indigente estais?”; eu res­
pondí que sim; ele a mandou comprar e fazê-la, e me mandou
trazer à minha casa; e no dia aprazado me dirigi à dita vila
levando a bandeira embrulhada e atada à garupa do meu pa-
jcm, e assim entrei na vila e marchei para a matriz, e, querendo
o vigário ir comigo até à casa da Câmara, lhe disso que não
precisava; participei ao povo na porta da mesma matriz o fim
para que fui mandado, e me encaminhei à casa da Câmara, sem
ainda ninguém ter visto a dita bandeira; e mandando vir os
tesoureiros fíz contar os dinheiros que em suas mãos existiam
por falta de cofres e fazer um termo no livro da Câmara dos
seus produtos, no qual se assinaram todas as pessoas que assis­
tiram a estas contas, e mandei entregar os dinheiros aos mesmos
tesoureiros, declarando isto mesmo no termo, e depois passei a
mandar desatar a bandeira da garupa do pajem e amarrá-la cm
um pau ao pé do pelourinho, e não tendo levado corda a dita
bandeira mandei que se atasse com embiras e depois de levan­
tada disse estas formais palavras: “eu sou mandado levantar
nesta vila este estandarte c dar vivas à Pátria e à Religião, e,
portanto, viva a Pátria, a Religião e a Paz”, nisto mostrando
tanto constrangimento e repugnância que se fez reparável ao
povo, valendo-me do termo Paz pela repugnância que tinha em
nomear liberdade; e a coroa da casa da Câmara a deixei intacta
e retirei-me para a cidade; e, perguntando-me logo o coronel
se tinha abolido a coroa, lhe disse que não por não ter achado
um picão, do que não ficou ele satisfeito, por não executar tudo
e por tudo como me tinha determinado.

199
I

Para prova do quanto cu abominava esta infernal liberdade


ofereço o pedir-me o dito coronel André dinheiro para defesa dela,
e eu lhe não dar; a macilência e tristeza em que vivia, de todos
anunciado o último dos meus dias se a Providência brevemente
não nos socorresse; nunca apartar de mim a insígnia da Ordem
de Cristo, trazendo-a publicamente; mandar-me ele ordem para
fazer tirar as coroas do meu amabilíssimo Soberano das barreti-
nas do regimento do meu comando e eu determinar que as tiras­
sem e as guardassem, e jamais ninguém ver-me com barretina
para não aparecer sem as insígnias reais; e ouvindo soar uma
apagada notícia de estar o bloqueio em Pernambuco e não ar­
rebentar o projeto que me animava de o povo em massa se le­
vantar para reintegrarmos os direitos do nosso Soberano, deter­
minei retirar-me para o meu engenho e aprontar-mc para fugir
para o bloqueio com meu irmão acima dito Rev. Antônio Caetano
do Rego Barros e meu filho, e levar comigo a bandeira do meu
regimento, fazendo o embarque no porto da Ponta Negra, no
caso de se verificar a estada do bloqueio, e nã falta seguir para a
capitania do Ceará Grande, que se achava sem corrupção; e, es­
tando despedido de algumas pessoas da minha amizade para pôr
em execução o meu plano no dia vinte e seis de abril, no dia
vinte e quatro deram os povos as mãos e no dia vinte e cinco às
nove horas da manhã nos restauramos; acrescendo mais para mos­
trar a minha fidelidade o pedir-me o dito coronel André de Al­
buquerque a minha patente, oferccendo-me a de brigadeiro, lhe
disse que a tinha perdido e a que ele me oferecia cu a não queria;
e depois da restauração fiz levantar as coroas da casa da Câmara
desta cidade, a do erário e a da fonte d’água de beber, que esta-
vám abolidas, e com a maior satisfação me empreguei no exercí­
cio do meu põslò, executando com a mais pronta exatidão todas
as ordens
* que me foram dirigidas pelo governo interino, sem
cuidar nós interesses particulares da minha casa; e dei para sus­
tentação da tropa e do povo congregado três únicos bois que tinha
cm pastos vizinhos à esta cidade e ofereci todo o gado da fazenda
Pedra dõ Navio, na ribeira do Potengi, no caso de haver precisão
para sustentação da mesma gente.” Rego Barros ocupou poste­
riormente algumas posições de evidência política.

José Francisco Vieira dc Barros — Era sargentp_-mpr (major) do regi­


mento de Portalegre e fez parte do governo ali instalado. Preso
a 17 de junho de 1817 e pronunciado a 13 de setembro do ano
seguinte.

José Inácio dc Albuquerque Maranlião — Era tenente-coronel de um


regúnento de cavalaria miliciana. Residia no engenho JJelém. Pre­
so em Natal a 20 de junho de 1817 e pronunciado a 13 de setem­
bro de 1818.

( > 200
José Inácio Marinho — Era capitão de milícias e morava em Goianinha
— Depois da contra-revolução, fugiu em companhia do padre
Montenegro, de quem era muito amigo. Ignora-se se chegou a
... . . .ser preso. Foi pronunciado em 13 de setembro de 1818 e citado
’ por editais.
Josc Manuel cia Paixão — Tenente do regimento de cavalaria miliciana
comandado por André de Albuqucrquê^ãò qual era dedicadíssi­
mo. Preso a 29 de junho dc 1817 e pronunciado a 13 de setembro
de 1818.
Leandro Francisco dc Bessa — Tenente-coronel do regimento de Por­
talegre. Foi um dos membros do governo aclamado naquela vila.
Preso em 19 de julho de 1817. Faleceu no hospital militar do
Recife.
x/ Luís dc Albuquerque Maranhão — Proprietário do engenho. Belém,
/ onde foi preso o governador José Inácio Borges. Coronel do regi­
mento^ de cavalaria de Natal c São José c agraciado com o KSbito
dc Cristã Prèsãa 21 de maio de 1S17 no brejo de Bananeiras
(Paraíba). Pronunciado a 13 de setembro dc 1818. Mais tarde
foi membro de uma das juntas provisórias que governaram a pro­
víncia.
\ / Luís Manuel dc Albuquerque Maranhão — Fjlho^do. coronel Luís.dc.
Albuquerque Maranhão, cm cujo engenho (Bclcm) residia, sendo
alferes do regimento comandado por seu pai. Preso cm 22 de maio
de 1817 no Curimataú e pronunciado a 13 dc setembro dc 181S.
Luís Pinheiro dc Oliveira — Ajudante do regimento de cavalaria mi­
liciana dc Natal. Pronunciado em 13 dc setembro dc 181S, com
o nome de Luís Pinheiro Teixeira, que era realmente o seu. Preso
logo depois.
Manuel Antônio Moreira — Sargentempr .do, regimento de cavalaria
miliciana de Natal. Foi quem comandou o regimento por ocasião
da entrada dc André dc Albuquerque na Capital. Pronunciado cm
13 de setembro dc 1818 c em seguida preso.
Manuel Inácio Pereira do Lago — Provedor da real fazenda. Tenente-
coronel de milícias. Apesar dc ter prestado serviços na contra-
rèvolüçãoêT dã ter sido quem realizou o confisco dos bens dos
implicados no movimento republicano, foi preso cm fins de 1S18,
depois de pronunciado a 13 de setembro, por ter ido ao engenho
Belém, a chamado de André de Albuquerque, a 26 de março,
dia imediato ao da prisão do governador José Inácio Borges.
Faleceu no hospital militar da Bahia em 23 dc setembro de 1820.
Manuel Joaquim Palácio — Membro do governo de Portalegre. Pre­
so em 19 de julho de 1817 e pronunciado a 13 de setembro de

201
1818. Era português e dele nos deixou um péssimo retrato o padre
Dias Martins (op. cit.).
Manuel da Natividade Victor — Escrivão de Vila Flor. Preso em 10
de maio de 1817 e pronunciado a 13 de setembro de 1818. Por
aviso de 31 de outubro de 1820, foi incluído no perdão de 6 de
fevereiro de 1818, sendo solto por mandado de 17 de novembro
daquele ano (1820).
Pedro Leite da Silva — Capitão de milícias de Portalegre. Preso em 8
de janeiro de 1818 c pronunciado a 13 dc setembro do mesmo ano.
Alguns dos pronunciados pela alçada de Pernambuco e que estão
arrolados entre os implicados no movimento em outras capitanias, onde
foram presos, têm os seus nomes ligados à rebelião norte-rio-grandense.
São eles:
David Leopoldo Targini — Tomou parte saliente nos acontecimentos
de Portalegre, vindo a falecer cm 1820 na fortaleza do Barbalho
(Bahia), onde se achava preso.
Padre Gonçalo Borges de Andrade — Natural e residente na serra do
Martins, contribuiu com grande ardor para os sucessos de Porta­
legre, sendo preso cm 30 de junho de 1817, no Ceará. Solto em
17 de novembro de 1S20, na conformidade do aviso dc 2 de outu­
bro do mesmo ano, que mandou incluí-lo no perdão de 6 de feve­
reiro de 1818, voltou à sua terra e foi pouco clcpois eleito suplente
de deputado às Cortes dc Lisboa.
'Lourcnço Mendes de Andrade — Amigo e partidário de André de
Albuquerque.
Padre Francisco Manuel de Barros — Companheiro do padre João
Damasceno na sua viagem até Natal, onde separou-se do mesmo,
indo, como coadjutor de Aracati (esta nomeação foi apenas um
pretexto para justificar a viagem), aguardá-lo naquela cidade,
onde foi preso a 3 de abril de 1817, logo que chegou. Foi solto
por mandado de 18 de dezembro de 1820.
José Peregrino Xavier dc Carvalho — Foi o comandante da força
enviaaa pelo governo da Paraíba. Preso em 18 de maio, conde­
nado à morte em 19 e executado a 21 de agosto, tudo do ano
de 1817.
José dc Sá Cavalcanti — Alferes de cavalaria miliciana do regimento
de Portalegre. Preso a 6 de julho de 1817, obteve mandado dc
soltura em 31 de outubro de 1820.
Luis José da Expectação — Era lavrador emjGoianinha. Há dúvidas
sobre se chegou ou não a ser preso. Foi pronunciado em 13 de
setembro de 1818.

202
Manuel Joaquim Ferreira — Morava em Goianinha. Como Luís da
Expectação, fugiu em companhia do padre Montenegro, ignoran­
do-se igualmente se foi preso. Pronunciado em 13 de setembro
de 1818.

Padre Manuel Gonçalves du Fonte — É assim que está na pronúncia;


mas parece que seu nome era Manuel Gonçalves Fontes. Vigário
da freguesia de Pau dos Ferros, aderiu ao movimento revolucio­
nário, sendo preso em 8 de dezembro de 1817. Solto por mandado
de 26 de setembro de 1S20.

\/ José de Holanda dc Albtiquerque_Mqrgnh,ãf^^z.C^pilão do regimento


de7Àndre~dê Albuquerque, de quem era primo. Preso em P de
junKo’de’1S17, na Paraíba, e pronunciado a~ 13 de junho de 1818.

José Antônio Saraiva — Pronunciado a 13 de setembro de 1818. Pa­


rece que não foi preso.

José Vidal da Silva — Era de São José de Mipibu. Pronunciado em 13


de setembro dc 1818. Ocultou-sc c não foi preso.

Joãq_de__Albuquerquc Maranhão — Era capitão-mor da Paraíba e


tinha o hábito dc Cristo. Preso ~em 12 de sctcmb”fo~dc'1S17
e pronunciado a 13 do mesmo mes de 1818. Acompanhou as for­
ças de André de Albuquerque até Natal e foi depois encarregado
de acompanhar preso até o Recife o governador José Inácio Bor­
ges, a quem, de ordem do governo provisório, entregou o seguinte
ofício:

"IW Sr. Tenente-coronel José Inácio Borges:

Vamos participar a V. S* que este governo provisório tem deliberado


que V. S* seja remetido para Pernambuco para que o governo provisório
daquela capitania, a quem esta é sujeita, delibere o que for servido. O
capitão-mor da Paraíba, patriota João de Albuquerque Maranhão, enviado
do governo da mesma, é encarregado de acompanhar a V. S*

Não pode ser permitido a V. S* vir a esta cidade, mas pode eleger
pessoa que venha arranjar a partida da Ilustríssima Senhora D. Clara. Não
sendo ao ânimo de alguns indivíduos deste governo senão obsequiar a
V. S* e, estando ancorado neste porto um barco que há de velejar para
Pernambuco, determinou o mesmo governo ao mestre houvesse de parar
aqui até que V. S* desse as convenientes ordens para o embarque do seu
fato. Deus guarde a V. S* por muitos anos. Casa do Governo Provisório do
Rio Grande do Norte, 29 de março de 1817. André de Albuquerque Ma­
ranhão. Antônio Germano Cavalcanti de Albuquerque. Antônio da Rocha
Bezerra. Joaquim José do Rego Barros. Feliciano José Dornelas."

203
Foram incluídos no perdão a que se refere o decreto régio de 6 de
fevereiro de 1818:
Bento Freire de Robcrcdo, Francisco Come», Frrnci»co Cuades, Fran-
*

cisco de Sousa e Oliveira, Guilherme dos Santos Sazcs (o secretário do


governo), José Caetano da Costa e Manuel de Melo Montenegro.
Foram ainda presos e remetidos para o Recife, sendo soltos por ordem
da comissão militar, que não lhes encontrou nenhuma culpa, Antônio Joa­
quim e Ricardo Wiltshire.
. Durante quatro anos, os réus pronunciados permaneceram nos cárce­
res da Bahia. Só em 1S21, após o estabelecimento da junta governativa
ali organizada cm consequência da revolução portuguesa do ano anterior,
foi que a Relação, por ordem daquela junta, tomou conhecimento do pro­
cesso, anulando-o por graves irregularidades, fazendo expedir mandados
de soltura aos presos e permitindo que regressassem aos seus lares.
Encerrou-se assim o episódio revolucionário de 1817, cuja figura má­
xima foi André de Albuquerque, que encarnou a república nos dias de
triunfo e, aureolado pelo martírio, com ela sucumbiu na hora do desastre.
Dele se não registram lances de heroísmo e de intensidade dramática; mas,
tão certo é que a violência não convence e que as idéias não morrem, que
foi justa mente em seguida.ao. seu esmagamento que se começaram a definir,
na capitania as correntes políticas que mais tarde, depois da Independência,,
teriam de perturbar por tanto tempo a vida da província.
ACONTECIMENTOS QUE PRECEDERAM E
SE SEGUIRAM À INDEPENDÊNCIA
— JUNTAS GOVERNATIVAS —
CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR —
POSSE E GOVERNO DO PRIMEIRO PRESIDENTE

Os processos adotados pelos portugueses na colonização e governo


do Brasil nunca foram os mais próprios para ligar a metrópole e a colônia
por uma larga corrente de simpatias e solidariedade. Os governadores e
capitães-mores, em vez de procurarem atenuar e desvanecer habilmente as
prevenções existentes desde a época da conquista, eram, em geral, homens
voluntariosos e intolerantes que se impunham mais pela violência e pelo
arbítrio do que pela docilidade e brandura de normas de moderação e
de justiça; e a união necessária e proveitosa que se devia estabelecer entre
os dois povos se enfraquecia e anulava ante as injustas e desarrazoadas
preferências dadas aos europeus.
Fixando-se ao solo e desbravando-o, ps brasileiros não passayag? de
instrumentos dos dominadores, que, com o monopólio do comércio, exer­
ciam as maiores extorsões, depauperando gananciosamente as populações
rurais.

A vítima e o explorador, a quem jamais faltava o auxílio poderoso


dos governantes, não se podiam harmonizar; e daí as rivalidades que, não
raro, degeneraram em lutas sanguinolentas, como sucedeu em Pernam­
buco e em Minas, nas dissensões que passaram à história sob a denomi­
nação de guerras dos mascates e emboabas.

• Os abusos das autoridades c as depredações dos colonizadores ca­


varam fundo os dissentimentos; e, chegado o dia das reivindicações, a
Independência — sonho e anelo dos patriotas — viria, fatalmente, num mo­
vimento triunfante.

Napoleão, dominando a França e avassalando a Europa com o fulgor


da sua glória, obrigaria D. João VI a emigrar para o Brasil, em busca da
salvação da sua coroa e da sua dinastia; e oesse Tato iria decorrer o declínio
do poderio da Metrópole. Mais do que isto: ele seria o ponto de partida
para nossa emancipação política, cujas primeiras tentativas foram, com
mão de ferro, afogadas em sangue.

205
Forçado pelas necessidades criadas pela transferência da sede do
governo para o Rio de Janeiro, o rei entraria no caminho das concessões,
que — representando conquistas feitas ao poder — seriam um incentivo
ao patriotismo dos brasileiros.
) Ainda em viagem, o monarca português decretava, interina e provi­
) soriamente, a abertura de nossos portos ao comércio das nações amigas
(2S de janeiro de 1808); e esse ?to, embora resultante de exigências in­
glesas (Eunápio Deiró — Anais — n9 56, ano 29), foi "o primeiro arrebol
do luzir da liberdade”, porque a ele se seguiram outros, de importância
capital para o Brasil. D. João VI, que viera criar em nosso território um
novo império (manifesto dirigido à Europa em l9 de maio de 1808),
seria o maior propulsor da Independência: a colônia, elevada à dignidade
e preeminência de reino (carta régia de 16 de dezembro de 1815), não se
conformaria mais com a subordinação humilhante ao govemo de além-
mar. A semente, lançada em terreno fértil, havia de brotar, regada com
amor e carinho pelos brasileiros. Logicamente, não podíamos deixar de
chegar à constituição definitiva de uma nacionalidade livre.
A ausência prolongada da Corte acentuara a decadência de Portu­
gal, onde a prepotência de uma regência incapaz — sem falar no braseiro
das revoluções que se alastrava por toda a Europa desde os fins do sé­
culo XVIII — fizera generalizar a aspiração por outro regimen mais com­
patível com a liberdade civil e política do povo. O movimento revolucio­
nário do Porto, cm 24 de agosto de 1820, foi, pois, ao mesmo tempo, uma
explosão dc descontentamento c um anseio por novas fórmulas constitu­
cionais, como se verifica do manifesto então dirigido ao país, no qual,
descrita a situação lamentável do reino pela mudança da sede do go­
» vemo supremo da monarquia, pela emigração espantosa de gente e ca­
pitais para o Brasil, pela administração arbitrária e violenta da regência
) nomeada pelo Soberano, pelo domínio e influência de estrangeiros e pela
perda do comércio, passado para as mãos de nações e povos estrannos,
se exige que seja decretada uma constituição que sustente, em perfeito
equilíbrio e na mais concertada harmonia, os direitos do soberano e dos
súditos (Pereira da Silva — História da Fundação do Império),
A vitória da revolução trouxe uma grave perturbação política para
a velha Metrópole; e, no esforço empregado para implantar na consciên­
cia da nação reformas e práticas diferentes de administração, abalado
ficaria o regimen em que crescera e se educara o rei. D. João VI teve
que apressar sua volta para Portugal, e esse retomo ia ser a causa ocasio­
nal da Independência. O Brasil não sc submetería mais ao antigo jugo;
e da luta entre os que pretendiam reduzi-lo à servidão de outrnra e os
que neTe reprgsefilavam o querer fí n sentir dos nacionais, .suas ten-
oências para_a liberdade, resultaria, mais cedo talvez do que era de
suporia emancipação completa da coTônía, prevista pelo próprio D Jn5n
) VI, quando, ao despedir-sè7fe~seu fithõTque ficaria como regente do reino,
lhe recomendava que, antes de qualquer aventureiro, pusesse sobre sua
) cabeça a coroa do novo império.

206
; 0 início do governo de D. Pedro foi cheio de embaraços e dificul­
dades de toda ordem, sendo incontestável que os seus primeiros atos,
revelando atilamenlo e previsão, em muito contribuíram para dar-lhe a
popularidade e o prestígio que tão notáveis se vieram a tomar ante a
política imprudente e perigosa das Cortes Portuguesas. Com a preocupação
de enfraquecer, o Brasil pelo fracionamento de sua. administração, estas
tinham por objetivo subordinar dirêtamente a Portugal os governos_ das
diversas capitanias, o que, importando num acintoso desrespeito à auto­
ridade do príncipe, feriu o seu amor próprio de herdeiro da coroa e, con­
sequentemente, de interessado na conservação dos domínios que lhe
pertenciam nesta parte do continente americano.
Os desejos de D. Pedro não eram, por certo, fazer a Independência
do Brasil. A ela chegou arrastado pelas contingências do momento, que
o obrigaram a identificar-se com os que disputavam o seu apoio, mais
como garantia na hipótese de um desastre do que como penhor de uma
vitória que à maioria se afigurava infalível. Foram, portanto, os aconte­
cimentos que fizeram dele o libertador do povo que tinha de governar um
dia. •»
As capitanias, elevadas a províncias, na conformidade do sistema es-
panlíõFadotãdo pelo governo provincial de Portugal, ja fim de procederem
à eleição dc deputados às Cortes dc Lisboa^ haviam sido entregues a
juntas provisórias, que, principalmente no Norte^desconheciam, quase por
completo," a~autõiid
*ndc * Pedro c iam restringindo sensivelmente os
de D.
poderes de que^sé^ ãchayãj investido.-
Em relação às tropas, a sua influência não era maior. Prova-o o
, procedimento da divisão portuguesa do Rio de Janeiro. Jorge Avilez, seu
• comandante — para obrigá-lo á jurar as bases da constituição portuguesa
I antes de ser recebida de Lisboa a notícia oficial —, fez com êxito, à frente
j de numerosas forças, uma manifestação armada, impondo ao regente, na
mesma ocasião, a demissão do Conde dos Arcos e a eleição de uma junta
I que, com ele, governasse o Rio de Janeiro.
Para qualquer governo, mesmo que se não tratasse de D. Pedro, que
tinha a "insofrida paixão do poder”, a demonstração militar ao mando
de Avilez era deprimente e agressiva.
D. Pedro não ocultou a sua mágoa e lançou-se abertamente nos braços
do partido brasileiro.
Após estes fatos, os sucessos se precipitaram. A lei de 24 de abril,
declarandojodos os governos provinciaisJndepcndente^ do^Rio de Janeiro,
.'."aprovação da desobèdicncia da junta da Bahia, a supressão~dos"trib'ü-
nais do Rio e outros atos de manifesta reação por parte das Cortes foram
levando a exaltação a todos os ânimos; e o decreto que ordenava ao
Príncipe que fosse viajar na Europaywa fim de aprimorar a sua educação
em França, Inglaterra e Espanha”, só recebendo leis de Lisboa, fez trans­
bordar, em ímpeto irreprimível, o descontentamento que já então era geral.

207
)

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)
•-X. ' •
r

D. Pedro não teve mais hesitações e resolveu ficar no Brasil. O Dia


do Fico é o do rompimento deste com a Metrópole. O movimento sepa­
ratista está iniciado. Encaminhá-lo e dirigi-lo até final triunfo c o que
falta. Começa a obra dos homens de Estado, sobrepondo-se à ação dos
agitadores, para que — afastados ou atenuados os perigos da Juta armada
- se consiga a Independência, sem embaraços e sem anarquia. A situação
c delicada e melindrosa, aconselha calma e prudência. Contemporizar
não é, em tais casos, transigir: é assegurar a vitória definitiva sem receio
de aventuras e a salvo de surpresas.
Os atos que se seguem ao Fico não contêm a declaração expressa
de que o Brasil está separado de Portugal.
Revelam, entretanto, da parte dos responsáveis pelo movimento a
vontade firme e inabalável dc manter, sem recuo, as conquistas feitas e
de ganhar pouco a pouco o terreno ainda ocupado pelos partidários_do
regimen recolonizador. E, senão, vejamos:
A 10 de janeiro — dia imediato aquele em que o príncipe se resolve
a permanecer no Rio de Janeiro — os soldados da divisão auxiliadora por­
tuguesa promovem distúrbios no intuito de sufocar as manifestações de
alegria pelos sucessos da véspera. Jorge Avilez prepara um movimento
para esmagar o partido dos brasileiros, tomando posição no Morro do
Castelo e ameaçando romper as hostilidades. A reação não se faz esperar.
Organiza-se a resistência, à frente da qual está D. Pedro. Avilez capitula,
retira-se para a Praia Grande e, a 15 dc fevereiro, embarca com a sua
divisão para Lisboa.
D. Pedro demite o ministério e nomeia outro, para o qual, ocupando
a pasta de estrangeiros, entra José Bonifácio.
Em 16 de fevereiro, é convocado o Conselho dos Procuradores Gerais
de Províncias; em 21, aparece o decreto ordenando que lei alguma das
Cortes de Lisboa fosse obedecida sem o cumpra-se do Príncipe Regente;
em 17 de março, uma circular proíbe o desembarque de tropas portuguesas
no Brasil.
Ao aviso em que, a 7 de março, o governo português recomenda aos
seus agentes no estrangeiro que se oponham à remessa de armas e pe-
trechos bélicos para o Brasil, responde José Bonifácio, cm 22 dc junno,
com outro em que comunica aos agentes consulares estrangeiros que o
governo do Rio de Janeiro dispensa despachos de autoridades portu­
guesas para objetos de guerra e marinha, e que esses artigos serão rece­
bidos nas alfândegas sem as formalidades fiscais até então exigidas.
, Em 3 de junho é convocada uma assembléia constituinte. Em P de
agosto são declaradas inimigas e tratadas como tais as tropas que, de
qualquer país, forem enviadas para o Brasil, sem conhecimento prévio
ao Regente. Em 6 de agosto, é dirigido um manifesto às nações amigas,

208
convidando-as a nomearem agentes consulares e diplomáticos e a rece­
berem os que forem acreditados pelo príncipe. . .•
Eis aí diferentes atos — iniludíveis e significativos — dos quais trans­
parece a orientação, segura a que estão obedecendo os acontecimentos.
O 7 de sétembro é, portanto, um complemento do 9 de janeiro: a de­
claração da Independência c o corolário natural do Fico. A rebeldia às
determinações das Cortes representa, na realidade, a’separação da colônia.
O brado do Ipiranga é apenas a comprovação de um fato, a afirmação,
diante das outras nacionalidades, de que a obra de nossa emancipação —
há muito feita no espírito e no coração dos brasileiros — está concluída.

Para que possamos dizer como ela repercutiu e se consolidou no Rio


Grande do Norteie necessário voltar um pouco atrás. J.
1 l
Reassumindo o governo após a contra-revolução de 1817, José Inácio li:
Borges não tomou pessoalmcntc a iniciativa dc quaisquer atos de per-H‘
seguição e de vingança. Limitou-se a cumprir as ordens que recebia e isto ‘ J
mesmo suavizando quanto possível a ação de sua autoridade. Fez-se —
e não era lícito impedir — a prisão de muitos e o confisco dos bens de
alguns dos rebeldes; mas nenhum sofreu a pena de morte em que diversos
estavam incursos pelo crime de lesa-majestade, devendo-se esse resultado,
em grande parte, à demora na remessa dos presos para o Recife c às
informações oficiais que prestou, das quais sc infere o esforço e o vivo
desejo dc inocentar grande número dos implicados na rebelião, fazendo
recair sobre André de Albuquerque, que já não existia, a principal res­
ponsabilidade dela. E esse procedimento concorreu, dc modo decisivo,
para que a calma e a ordem voltassem, dentro em pouco, à capitania.
Ponto v^.ta político, estava, de fato, liberta da suborainação
. a Pernambuco, desde que ali irrompera, a revolução, republicana,. e_ no
judicial fora separada da Paraíba, para constitui^ comarca a parte, pelo
alvará régio de 18 de março de 1818.
A- * O seu comércio aumentava lentamente, continuando a florescer as
indúsfrias“dê^criação, sãl e peixe seco.,O mesmo não sucedia com a pro­
dução "agrícola, «ainda restrita às necessidades do consumo interno. A
Í; situação financeira era precária. A população, já superior a 50.000 almas,
» estava disseminada pelos campos e pelas freguesias e vilas do interior,
não passando a da capital, segundo Tolenare (Notas Dominicais), de
700 habitantes. Na cidade não havia senão quatro edifícios que se podiam
dizer nobres por serem construídos de sobrado (Pizarro, op. cit.)._A~
força de ? linha se compunha de 300 praças, sob o comando de um
sargêntomor (major); e ^ de JftJinha: de um regimento de infantaria
miliciana, organizado com gente branca; outro, de gente parda; uma
companhia de pretos, que denominavam Henriques; um regimento de
cavalaria, também miliciana, chamado do Sul, nos distritos de Vila Flor
c Ares; outro, da mesma arma, chamado do Norte, e compreendendo os

209

z *
)( f f t r* t
distritos da cidade, São José dc Mipibu e Extremoz; outro, do Açu; outro
mais, do Caicó; e, finalmcnte, um regimento de ordenanças montadas de
Portalegre.
Havia ainda cinco capitanias-mores^dç vilas e freguesias, divididas
cm distritos, tendo~cada um de£tes_uni_ regente..ou_comandante_militar,
nomeado p?íõ governador, que os escolhia dentre os oficiais milicianos e,
rnFfãlta destes^ dentre pessoas dc sua confiança. As vilas e freguesias exis­
tentes eram as mesmas do fim do século XVIII.
Foi ainda nessa segunda fase do governo de José Inácio Borges que
começaram a se manifestar as primeiras_djyergências_gntre.os partidários
da Imlependência e os adeptos da política recolonizadora dc Portugal,
divergências que, alimentadas pelos ódios das facções, produziram, por
mais de uma vez, estéreis agitações e lamentável anarquia.
A revoluçãojniciada no Porto, vencedora cm Portugal, e ramificada
por váríõFpõntos do Brasil, levou’Drjoão Vl^sob a pressão dos aconteci­
mentos, a aceitar previamente a constituição que as Cortes iam fazer,
expedindo o decreto de 24 de fevereiro de 1821, na conformidade do
qual a mesma constituição foi jurada em todas as províncias. No Rio
Grande do Norte, esse juramento efetuou-se perante a Câmara, em ve-
reação extraordinária de 24 de maio, com a presença do governador, do
ouvidor, oficiais da 1> c 2* linha e das ordenanças, clero, nobreza e povo,
diz o respectivo termo, que está assinado por 107 pessoas, todas as quais,
pondo a mão direita sobre um missal, apresentado pelo pároco da fre­
guesia, padre Francisco Antônio Lumache de Melo, proferiram, cada
uma por sua vez, as seguintes palavras: "Juro veneração e respeito à nossa
Santa Religião, obediência a El-rei Nosso Senhor, manter, guardar e
conservar a Constituição da Monarquia, tal qual se fizer em Portugal
pelas Cortes”. Posteriormente, em 29 de agosto, foram juradas, com a
maior solenidade, e em cumprimento do decreto de 8 de junho, as bases
da constituição organizadas pelas referidas Cortes e mandadas observar
pelo seu decreto de 9 de março do mesmo ano de 1821 (todos os fatos
de que nos temos ocupado e nos ocuparemos nesta parte estão com­
provados por documentos publicados na Reoirta do Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte, vol. V, cm anexo ao nosso trabalho
Algumas Notas sobre a História Política do Rio Grande do Norte).
Por esse tempo, José Inácio Borges, depois senador por Pernambuco
(1826 a 1838) e minTsfrõ~dê' Estado duas vezes (1831 e 1836), já. era
franco partidário da causa da Independência, tendo mesmo se incom-
patibílizadó com os recolonizadores, cujo guia e inspirador era o Dr.
Mariano José de Brito Lima, ouvidor da comarca, que encontrara no
exercício de seu cargo vasto campo para abusos e prevaricações. A sua
ação no governo tenaia então para um congraçamento geral entre todos
os homens de valor e boa vontade, preparando a província para a remo­
delação política a que o Brasil vinha sendo arrastado; e a sinceridade
com que procedia ficou demonstrada pelo interesse que tomou na eleição
da junta que o substituiu, junta_çornposta, em sua maioria, de vélhos~e’
Bons patriotasjue,_ no£ cárccres da Bahia, haviamsqfridõjnúmeros
tormentos pela sua co-participação no malogrado_ movimento de 1817.
É dè 9 de novembro de 1821 o edital que expediu fazendo público
que, para entrar no gozo de licença que lhe concedera o príncipe regente
para ir à Corte, deliberara entregar a f«dministração a uma junta constitu­
cional, eleita pela forma indicada no decreto que a P de setembro daquele
ano fora remetido para Pernambuco. A eleição realizou-se no dia 3 de
dezembro, sob a presidência da Câmara de Natal, tendo comparecido 43
eleitores de paróquia c sendo eleitos:
Para Presidente
Coronel Joaquim José do Rego Barros
Para Secretário
Manuel de Melo Montenegro Pessoa
Para Membros da Junta
Padre Francisco Antônio Lumache de Melo
^Coronel Luís de Albuquerque Maranhão j
Capitão Antônio da Rocha Bezerra
Sargento-mor Manuel Antônio Moreira
Capitão Manuel de Medeiros Rocha
A essa junta passou José Inácio Borges o governo da província, que
já era presa de ódios e rivalidades gerados pela luta em que se havia
empenhado com o ouvidor, a quem, munido de provas esmagadoras,
procuraria comprometer perante as autoridades superiores- do Rio de
Janeiro. Essa luta tinha chegado a tal ponto que a incompatibilidade
entre o governador e o ouvidor se acentuara de modo violento até mesmo
em documentos oficiais. Ê assim que tendo o juiz ordinário da vila de
Ares, Pedro Barbosa Correia — exorbitando aliás de suas atribuições,
porque às câmaras e não aos juizes ordinários cabia a presidência das
juntas de paróquia — oficiado sobre irregularidades, a seu ver, existentes
na escolha dos eleitores de Goianinha ao ouvidor Mariano José dc Brito
Lima, este, em vez de corrigir, como era de seu dever, o mesmo juiz pelas
expressões desrespeitosas de que tinha usado em relação ao governador,
apressou-se em remeter-lhe o referido ofício, no intuito de molestá-lo.
José Inácio Borges, na resposta que deu a Mariano José de Brito
Lima, deixa entrever claramente o desacordo que entre eles reinava.
Lê-se nessa resposta (é de 8 de novembro de 1821):
”... não posso desculpar-lhe o passo que V. Mcê. deu em me
transmitir o tal ofício, não obstante a experiência que tenho das suas

211
repetidas incúrias, porque no presente caso seria necessário admitir a
hipótese de que V. Mcê. não Jeu as instruções, «apesar de eu lhas ter
enviado desde 16 de junho próximo passado, cuja liipótesc não sendo
admissível por mais dc um princípio sou obrigado a crer que V. Mcê. o
fez por malícia, persuadido de que vinha mortificar-mc com as expressões
grosseiras, injustas c falhas de respeito com que se explica o tal juiz
quando fala d«a minha pessoa, estilo que ele tem de certo aprendido ’do
seu atual corregedor, que, não servindo para juiz de fora de Angola,
serviu par.a criar a comarca do Rio Grande do Norte. Mas posso assegu-
rar-lhe que por esta vez não conseguiu o seu propósito, porque tenho
sobeja magnanimidade para desprezar inépcias..
Há, como se vê, nas palavras transcritas, um verdadeiro desabafo,
impróprio de todas as normas oficiais. Não é, porém, de admirar que
isto se desse, porque José Inácio Borges se achava cm condições espe-
cialíssimas desde que foram conhecidas as suas simpatias pela causa
da Independência.
Os seus inimigos não escolhiam meios para combatc-lo. E o próprio
juiz ordinário de Arês, aliado do ouvidor, que era o chefe do partido
reacionário, revela o profundo desgosto com que os correligionários deste
o viam à frente do governo, insinuando no citado ofício que ele estava
lançando mão do suoorno para ser eleito presidente da junta e acres­
centando que, a se dar este fato, a capitania continuaria a ser desgraçada,
como tinha sido em todo o tempo de seu governo.
Não c exato o que aí se afirma: José Inácio não procurou subornar
ninguém e não teve o pensamento de permanecer no cargo que ocupava.
Influiu, sim, com o prestígio de que dispunha para que. a junta se.com-.
pu.sessc, não de portugueses ou pessoas sabidamente^ partidárias^ da
rccolóhizaçãoy maT^de^homens-Jnsuspeitos pelos se\is_sentimcntos_liberais
e <toT“quais'"se tinha aproximado^ apesar dos sucessos de 1817, por
afinidades de ordem política.
José Inácio Borges deixou a administração no dia 3 dc dezembro
de 1821, dia em que foi eleita e empossada ajunta^que governou pouco
mais de dois meses. A sua ação administrativa foi nula. Dela só conhecemos
dois atos que indicam a preocupação do bem coletivo: um, em que
recomenda aos párocos que, por ocasião das missas conventuais, solicitem
dos cidadãos que estiverem no caso de apresentá-los quaisquer memoriais
sobre o que for de conveniência pública, a fim dc serem remetidos às
Cortes; outro — medida vexatória — mandando que os comandantes gerais
obriguem o povo a plantar pau-brasil e legumes, marcando para- cada
pessoa o mínimo de mil covas.
Politicamente, teve vida agitadíssima. As divergências entre José
Inácio Borges e o ouvidor tinham contribuído para que fosse recebida
com prevenções e mal disfarçadas desconfianças; e menos de um mês
depois de instalada, a reação contra ela se evidenciava por atos e fatos.
Essa reação, provocada pelo partido dq_ou_vid.or, obteve o apoio da
força armada e, a 7 de fevereiro de 1822, o batalhão de linha, sob o
comando de Antônio Germano Cavalcanti, obrigava ó Senado da Câmara
a eleger,_ante a ameaça de sua intervenção, um governo inteiramente
dcBlcado aosdéméntos que lhe eram contrários. O pretexto para essa
solução revoIucionáriíTerã não ter sido a junta eleita dc acordo com as
disposições do decreto expedido pelas Cortes Constituintes em 29 de
setembro de 1821, c sim conforme o de l9 do mesmo mês c ano, expedido
especialmente para Pernambuco. A eleição se verificara dc fato, em
observância a este último decreto, por não ser ainda conhecido o primeiro;
mas o modo de ser efetuada era absolutamente o mesmo.
A diferença única consistia no número dc membros das juntas: nas
capitanias generais seriam compostas de sete membros c nas subalternas
de cinco.
Tendo recebido um ofício em que se determinava que aos membros
do governo mandasse pagar o importe dc um quartel do seu ordenado,
principiado a l9 de janeiro até o último de março, e mais vinte e nove
dias do mês dc dezembro, visto ter ele tomado posse a 3 do mesmo mês,
a Junta da Fazenda impugnou o pagamento por serem sete e não cinco os
cidadãos que compunham o governo. Este, atendendo ao que expendera
a Junta de Fazenda, respondeu que, em execução ao decreto das Cortes,
estava reduzido a cinco membros; e, para chegar a esse resultado, excluiu
dc seu seio os dois menos votados: Manuel Antônio Moreira e Manuel de
Medeiros Rocha. Essa resolução, tomada em 25 de janeiro dc 1822, devia
conciliar^ as opiniões, a respeito da legitimidade do governo, pelo menos
até que o poder competente decidisse o caso.
r
Assim, porém, não sucedeu. O Senado da Câmara, que indicara, em
ofício de 12 de dezembro do ano anterior, a solução adotada como capaz
de afastar qualquer dúvida que porventura surgiss© mais tarde, modifi­
cará o seu parecer e ia tomar-se o centro dajigitação contra a ilegitimi­
dade da junta què, arrastada pelas, suas inclinações, e. propendendo. para
a^separação do Brasil e Portugal, não podia agradar ao partido português,
queltinha no desabusado ouvidor Mariano José, de Brito.Lima o mais
graduado de seus representantes. Dai o rompimento e a-luta.
O Tesouro estava exausto e os adversários do governo tinham na
miséria do funcionalismo, que de muito não recebia os seus vencimentos,
a melhor arma contra ele, que, para remediar a situação embaraçosa,
determinou aó ouvidor “que não fizesse remessa nem desse destino ao
dinheiro que se achava recolhido no cofre do juízo dos ausentes, cativos
e resíduos, sob pena de suspensão de seu cargo”, ao mesmo tempo que
ordenava ao escrivão da Fazenda que fornecesse uma nota clara e precisa,
da qual constasse, além dos recursos existentes no cofre geral, a relação
da receita com que poderia contar e das despesas que teriam de ser feitas
durante o ano. Assim procedendo, era seu intuito autorizar, pelo menos

213

e desde logo, o pagamento da tropa, cuja atitude já ultrapassava os limites


da disciplina c cujos excessos eram de natureza tal que causavam im
quietações e receios. As suas providencias foram, porém, improfícuas e
tardias; e a prisão do ouvidor e do capitão Joaquim Torquato Raposo da
Câmara, efetuada a 4 de fevereiro, assinalou o iníciojdo movimento que,
a 7, a ca rrfit«aria_çoiTio^ çonseqü ciicia a deposição
* da junt^'cuja' autoridade
desaparecera^desde a véspera.

Eis como se passaram os fatos: no dia 4, diversos cidadãos dirigiram


uma representação ao presidente da Câmara, requerendo que fizesse
. reunir na capital os eleitores das paróquias para elegerem os cidadãos
que deviam formar a Junta do Governo, uma vez que era nula a existente,
por ter sido’eleita de acordo com uní decreto expedido especialmente
para Pernambuco e terem sido lànçados fora de seu seio dois dos sete
membros eleitos, sob o pretexto de menos votados.

Não tendo esta representação produzido o desejado efeito, devido à


energia e prontidão com que agiu o governo, os seus signatários dirigiram
outra ao comandante dp batalhão de .linha, pa qual diziam:

“Os abaixo assinados, não se podendo já conter na moderação com


que ate o presente tem cònstantcmentc sofrido os inumeráveis despotismos
que a cada passo se acha a praticar o governo atual, conhecendo ao mesmo
tempo a ilegitimidade com que ele existia contra a positiva oposição do
muito respeitável decreto do Soberano Congresso, dc 29 de setembro do
ano findo, premeditaram requerer a sua observância por meio dc uma
representação que se propunham dirigir ao desembargador ouvidor, geral
desta comarca para convocar òs eleitores de paróquia, os quais congre­
gados nesta capital dçyeriam dar a. verdadeira execução ao referido de­
creto, procedendo à eleição do governo na conformidade dele. Este tão
acertado procedimento chegou a ser divulgado para aquele governo, o
qual tomando as mais estranhas medidas que .a sua má política podia
inventar, e mandando, imediatamente prender, ao . dito ouvidor lhe fez
cercar a casa, invadindo o interior.dela, donde o mandaram conduzâr para
uma prisão infecta na fortaleza da barra desta província, incomunicável
até de sua família, tendo-lhe feito.invadir e desvassar o seu gabinete, tão
sagrado pelo cargo que ocupa, medida esta conhecidamcnte para ate­
morizar os cidadãos que procuravam observância da lei, c nunca porque
fosse réu de crime aquele ouvidor, achando-se já a este tempo preso um
dos primeiros assinantes, o capitão de cavalaria miliciana Joaquim Tor­
quato Soares da Câmara; e, não haver um procedente remédio, virá aquele
governo a sucumbir tudo ao despotismo de que reccntemcnte nos julgamos
salvos, como o tem feito, excluindo muito particularmente a seu arbítrio
dois dos membros do mesmo governo, que se compunha então de sete;
prendendo, como mandaram prender ao capitão Antônio Muniz da Silva,
morador na povoação de Goianinha, desta província, sem culpa formada,
e confiscando-o não só as 24 horas marcaaas nas Bases da Constituição,

( ) 214
( )
< )
mas muito alcm de 48, depois do que remeteram ao juiz competente que,
procedendo a uma extemporânea devassa por eles mandada tirar, chegou
a scr solto ao cabo de 8 dias, por não sair culpado; c como o fizeram com
um sujeito da vila de São José, que o conservaram de sua ordem preso por
mais de 8 dias, sem culpa formada, findos os quais o mandaram soltar, e
outros muitos mais cidadãos que aqui se não referem por não caber no ---- »
tempo, porém se farão vir por documento autentico; suspendendo com a
maior ilegalidade ao contador deputado legitimamente para a contadoria
da junta da fazenda pública desta província, e finalmcnte suspendendo
ao escrivão da auvidoria e comarca, constrangendo-o a sair quanto antes
desta província c mandado-o substituir por José Ferreira Carrilho, que
há pouco foi excluído do ofício de escrivão da Vila de Extremoz por anti-
constitucional, de que deu e dá a cada passo sobejas provas, só por ser
sobrinho do presidente do governo. Vendo, pois, nós a falta de segurança
pessoal, assaz recomendada nas Bases de Constituição, não nos resta já
mais por outro auxílio que a sábia e prudente proteção de V. S*, como
comandante da força armada, de quem presentemente depende a nossa
tranquilidade. A V. S* recorremos para que faça garantir nossos direitos
tão calcados, em restrita observância ao supramencionado decreto, pelos
meios que a V. S* parecerem mais adequados, que serão sem dúvida os
de fazer instalar um governo temporário que nos regerá até a futura
conclusão do legítimo pelos eleitores de paróquia na forma determinada na
leiw.
Está aqui traçado o plano a que obedeciam o ouvidor e os seus
partidários. A princípio, pretendiam que aquele, sob o fundamento de
estar irregularmente constituída a junta, convocasse os eleitores de pa­
róquia para uma nova eleição; e, como o não conseguissem, mudaram de
tática, solicitando desde logo o apoio da força armada para a. organização
imediata de um governo temporário. ’ *
O batalhão de linha deu o seu assentimento ao plano subversivo dos
sediciosos e a substituição do governo operou-se ante a ameaça de sua
intervenção violenta. Di-lo a própria Câmara no termo de vereação ex­
traordinária realizada para satisfazer a requisição dos povos, termo em
que, após a afirmação de que o batalhão se achava postado na praça, se
consignou que os membros da referida Câmara e o povo declaravam
espontaneamente que a tropa havia concorrido para a ação heróica como
pacificadora, a fim de sustentar a causa constitucional e os direitos da
nação.
Não é tudo: na mesma ocasião, a Câmara se dirigiu à junta deposta
dizendo, textualmente: “Este Senado se viu atacado pelos povos desta
cidade, requerendo-lhe um governo temporário para esta província, en­
quanto se ajunlavam os eleitores de paróquia para se instalar um go­
verno legítimo na forma que determina o decreto de 29 de setembro de
1821, e vendo este Senado unido aos mesmos povos o batalhão de 1*
linha, e, apertado na praça desta cidade com o parque dele, requerendo

215
que para sossego’dos povos fosse instalado o dito governo, tomou a re­
solução de cumprir o requerido..
E ao comandante do batalhão agradeceu os louváveis comporta-
mentos da oficialidade.
Sem força^para resistiría junta passou a administração, ao gooerno.
temporário, que foi constituído no dia 7 dc fevereiro e ficou assim com­
posto:
Presidente
Francisco Xavier Garcia
Secretário
) Matias Barbosa de Sá
Membros
Francisco Xavier de Souza Júnior
Inácio Nunes Correia Tomás • . . . • .•
Pedro Paulo Vieira * :
Destes tomaram posse no mesmo dia Francisco Xavier Garcia e Iná­
cio Nunes Correia Tomás. Os demais só o fizeram mais tarde.
No dia 8. o Senado, comunicou a todas as câmaras da província a
instalação deste_ governo, marcando parâTô dc' marçoTT^cleição do que
o ’devia-substituir. ...............
Vale a pena conhecer a resposta que a câmara da Vila da Princesa'
(Açu) deu a essa comunicação (23 de fevereiro): T”*--------- -I
“Fomos entregues do ofício que V. Sas.,- em data de 8 deste mês
nos dirigiram, participando nos com termos enfáticos o sucedido nessa
£ F ■ J 1-0
* . *

e não faremos ver a V. Sas. o que realmehte aconteceu e cõmo foi te­
cido essê ardil c por quem, porque não tentamos indagar nem disputar
com argumentos os perversos pretextos de que se valeram homens fac­
ciosos por gênio e por interessei particulares, e que sempre estão pron­
tos a fomentârjseduções e pôr em efeito, muitos valendo-se para isso das
palavras bem público e direito de cidadão; e fazendo aparecer uma pe­
quena porção de indivíduos de seu lote e força armada assentaram logo
que estão autorizados para fazer e cometer os mais horríveis atentados,
bem como esse que aconteceu aí na manhã do dia 7 deste.
Nós estamos mais que persuadidos que V. Sas. nos fazem ver o
contrário do que sentem, pois que foram reunidos à casa do Conselho
dessa cidade à força de baionetas; como nos dizem, se viram obriga­
dos pelos povos da mesma cidade e batalhão de 1* linha, e cercados de­
) les nos escrevem, e onde existe a força não há liberdade de pensar e de
cumprir o dever; porém nós, que estamos em liberdade- e sem temor

) 216

i
desses guerreiros intrépidos, pensamos melhor e com mais acerto cum­
prirmos o nosso dever; e fiquem V. Sas. de uma vez entendidos que ò
Senado desta Vila e seu termo composto de homens e não de ovelhas
que seguem para onde as conduz o pastor, ainda de má fé; e os habi­
tantes deste termo, assim como sabem obedecer às leis e superiores- le-
*
gítimos, também tem coragem para repelir c castigar a‘ facciosos’ que ,
ofendem a El-rei, às Cortes e à nação. .n:
O guvernojnstalado no dia 7 pela força armada é ilegítimo, rebelde
' e criminoso^a quem não obèdéccmõjÇ e só reconhecemos por nosso-le-
\ gítimo governo ao repelido dessa capita! pela força, pois quê" fòí'eleito
\ segundo ó. decreto, das^Çortes pelos votos dos eleitores, representantes
dós povos das paróquias, com todã^ã" liberdade e franqueza. Isto c o que
/se’chama'povos, ê não a tropa e umã pcquena porção dc indivíduos
/ facciosos dessa capital que não têm direito algum de assumir aí òsdi-I
I reitos e vontades de milhares de habitantes e das autoridades de toda
/ a mais província, e o contrário c quererem aqueles com o nome de ci-
/ dadãos iludir-nos, porém o tempo dos presídios está passado, e a-idéia
■ que V. Sas. fazem dos sertanejos é mui contrária aos seus procedí;
\ mentos. '
Depois das Cortes haverem decretado a forma da eleição dos go­
vernos das províncias não podemos crer que hajam ordens e nem poaer
no povo de instalar governos temporários, como V. Sas. nos dizem
fora este instalado e empossado nas determinações das ordens, salvo se
estas foram do chefe do batalhão .cm armas, e só poderão ter efeito no
recinto do alcance de suas balas, não que o decreto citado no ofício dc
V. Sas. determine um semelhante recurso revoltoso, nem que V. Sas.
sejam autorizados para convocar eleições e simplesmente para presidir
a elas, sendo ordenadas por autoridades superiores.
Podemos asseverar a V. Sas. que. nós contamos com .a. união das
duas vilas vizinhas de Portalegre e do Príncipe, porque os seus habi­
tantes, nossos irmãos e amigos, são dos nossos mesmos sentimentos e de­
fensores dos direito da Nação e das Ordens das Corte e de El-rei Consti­
tucional, que severamente castigam, como esperamos, aos autores do re­
ferido excesso praticado nessa capital. A junta de eleitores uma vez des­
feita jamais se pode a juntar segunda vez sem ordem das Cortes, como
determinam as instruções, que fazem parte das Bases dá Constituição,
e, como a tropa com o seu chefe aí fez tudo, façam também eleitores" c
quantos governos quiserem, pois que sabe toda esta província muito bem
o que se passou e o que aconteceu, era desnecessária a eleição que V.
Sas. incompetentemente convocam, e assim como o chefe da tropa bra­
dava uniformemente o batalhão não quer este homem eleito, o batalhão
quer a Pedro Paulo, do mesmo modo diremos nós, cheios de razão e'le­
gítimo direito, não queremos esse governo temporário, porque é ilegíti­
mo, criminoso e rebelde; e são estes os nossos sentimentos e últimas
palavras. Regulem-se V. Sas. por elas até que a Província nos ofereça
ocasião favorável.” ...... .... .

217
' ' '•)

O Senado da Câmara de Natal, julgando ofensiva a resposta da


*
Câmara da Y>1 da Princesa, com a qual foram solidárias as Câmaras
de Portalegre e Príncipe, resolveu oficiar ao Governo Temporário c a *
D.‘ Jòão VI, representando contra ela; mas essa representação não teve
deferimento, sendo a junta que sucedeu àquele governo obrigada a pro­
curar, mediante acordos c concessões, a adesão das câmaras insub­
missas.
■ O Governo Temporário esteve à frente da administração_de..7._ dc
fevereiro _a 18 de março de 1822. Nenhum ato praticou que mereça
menção.especial. Quase’que se'limitou à dar providencias sobre o pro­
cesso que o governo decaído tinha mandado instaurar contra o ouvidor
Mariano José de Brito Lima c o capitão Joaquim Torquato Raposo da
Câmara, os organizadores do movimento que o haviam levado ao poder,
processo que não prosseguiu depois de encerrada a devassa. Mariano dc
Brito e Joaquim Torquato foram soltos e voltaram ao exercício dos car­
gos que ocupavam.
Dcacordo com a convocação do Senado da Câmara de Natal, rcu-
niram-je, a 18 de março,'na matriz da cidade', 24 eleitores'deTpãróquia
(19 destes tinham estado presentes à eleição de 3 de dezembro do ano
anterior, ^elegendo a nova junta, que ficou constituída deste modo:
Presidente
Padre Manoel Pinto de Castro
Secretário
Manuel Antônio Moreira
Membros
João Marques de Carvalho
Agostinho Leitão de Almeida
Tomás de Araújo Pereira.
Os membros da Junta foram empossados no mesmo dia, com exceção
dc Tomás dc Araújo Pereira, que só prestou juramento a 16 de setembro.
•- Os primeiros atos desta junta pareciam ter por objetivo o resta­
belecimento da harmonia entre os habitantes da província, tanto assim
que alguns oficiais do batalhão, pertencentes ao grupo dos reacionários,
se recusaram a prestar-lhe as honras devidas, sendo por isto excluídos do
mesmo batalhão e obrigados a seguir, por terra, para Pernambuco, don­
de deviam passar a LisDoa; c o próprio ouvidor, Mariano dc Brito, sen-
tindo-se desamparado, entrou no gozo dc licença e rctirou-se para ô
Rio de Janeim. Mas assim não era, porque, enquanto se davam estes
fatos e comissionava um dos seus membros, João Marques de Carvalho,
para ir as vilas do Príncipe, Princesa e Portalegre, a fim de conciliar
divergências que ali haviam surgido a propósito da aclamação do Go­
verno Temporário privava de seus postos vários oficiais milicianos im-

218
plicados na revolução de 1817, e neles já reentregues, o que fêz revive­
rem paixões amortecidas nas localidades do interior.
De tudo o que se depreende é que ela não tinha nem sinceridade
nem descortino. À_sua_poljtjca_era dóbia e vacilante. Num momento, em
3ne por todo o país os partidos sc congrcgavairFêm torno dc duas ban-
às
eiras-—a-dós /|U2;se^conservavam'fiéis
* Cortes Portuguesas c a dos
que abraçavam a causa da Independência — ela fugia a um pronuncia­
mento franco c só cm 6 de julho, cerca dc seis meses depois do Fico,
foi_quese_ resolveu a reconhecer a regcncíãFdo Príncipe com a delegação
do poder executivo no Brasil, sem restrição alguma c do mesmo modò
que D. João VI o exercia em Portugal. Esse ato realizou-se a 13 daquele
mês e foi comunicado aos chefes dos regimentos dc milícias c capitães-
mores de ordenanças, cm ofício circular, a 15 do mesmo mes, para que,
rI
perante as câmaras das vilas a que pertenciam, prestassem juramento
igual ao que fora prestado em Natal. ...... • •>
► Dali em diante._a_ação da junta subordinou-se. ao pensamento do
i
I
governo de D. Pedro, cujas ordens começaram a ser executadas fiel­
I
» mente; mas nem por isto cessaram as lutas políticas extremadas e irri­
k tantes: em 11 dc novembro eram expulsos do seio do governo dois de
I
seus membros, João Marques de Carvalho e Agostinho Leitão dc Al­
meida.
Naqueles dias de indecisões e dc dúvidas, o único poder real da
I
I província era o batalhão dc linha, cujo comandante, Antônio Germano
Cavalcanti, fazia e desfazia situações, à sua vontade, mas, para dar apa­
rências de legalidade aos despropósitos que eram cometidos, jamais fal­
taram o apoio e a solidariedade co povo, que, ainda desta vez, aplaudiu,
i
i
por intermédio da Câmara de Natal c dos eleitores dc paróquia, a depo­
p
I sição dos dois membros do governo, concorrendo para a eleição dos seus
[
substitutos, eleição que recaiu no padre João Francisco Fernandes Pi­
I menta e José Correia de Araújo Furtado, sendo de notar que os mem­
bros da junta poupados pelos sediciosos se apressaram em noticiar o
I
fato às Câmaras, comandantes gerais e capitães-mores de ordenanças das
» vilas de Portalegre, Princesa e Príncipe (as vilas que não reconheceram
I
o Governo Temporário que tinham reconhecido a segunda junta, gra­
ças a intervenção pessoal de João Marques de Carvalho, um dos de­
postos), dizendo:
“No dia 11 do corrente teve lugar nesta cidade o ajuntamento do
colégio eleitoral a fim dc se eleger o deputado para as Cortes Gerais do
Brasil e perante ele apareceram um requerimento dos povos desta cida­
de e vilas convizinhas e outro da tropa de 1* linha contra os membros
desta Junta Provisória João Marques de Carvalho e Agostinho Leitão
de Almeida para que fossem depostos e convocada a Câmara que devia
presidir à eleição dos dois membros que os deviam suceder, o que assim
aconteceu, e à pluralidade de votos daqueles eleitores que concordaram
foi eleito o padre João Francisco Fernandes Pimenta e José Correia de

219
Araújo Furtado, o que participamos a VV. Sas. para sua inteligência e
desvanecimento de qualquer boato que por aí apareça com diferentes
cores/’
Antônio Germano Cavalcanti era, entretanto, um indivíduo hábil,
que sabia manter-se jeitosamente, sem se comprometer de todo em favor
de qualquer dos partidos, como provou por muitas vezes, inclusive por
ocasião dessa eleição, quando lhe foi oferecido o Jugar de comandante
das armas, que recusou por haver na eleição atributos contrários à boa
ordem.
A^jiotícia^oficiaLda^.açlajnaçâo dc D. Pedro como Imperador do
• Brasil foi recebida pelo Senado da Câmara de Natal em 2 de dezembro;
mas-somente a 11 daquele mês resolveu o mesmo Senado solenizar o
acontecimento, com missa e Te Deum, celebrados na matriz a 22 de ja­
neiro de 1823, e iluminação nos dias 20, 21 c 22 do mesmo. O ofício cir­
cular cjue a junta expediu convidando os comandantes dos regimentos
de milícias e ordenanças para assistirem à solenidade é de 7 de janeiro.
Os atôs religiosos tiveram o brilhantismo compatível com os poucos re­
cursos da província. *
Asagitações políticas continuavam a dividir as facções nacionans-
tas e os reacionários. Em 10 dê maio (1823) o Senado da Câmara fazia
afixar nos lugares mais públicos esta proclamação:
“Natalenscs: A este Senado consta o vosso descontentamento respei­
to ao governo atual, e este mesmo Senado vos participa que acaba de
receber um ofício da Secretaria de Negócios do Império em que Sua
Majestade, como Defensor Perpétuo do Brasil, nos promete prontas pro­
videncias a este mesmo respeito, a requerimento dos eleitores desta pro­
víncia, e por esta razão espera este Senado que cada um de vós se saberá
conter na melhor ordem e harmonia possível, a fim dc evitar toda c
qualquer efusão de sangue.”
’7? As providências prometidas não foram dadas e a junta, convencida
de que não viríam, começou a praticar atos de violência que provocaram,
em 14 de’junho, o seguinte ofício, que lhe foi dirigido pelo mesmo Se­
nado: ' ‘ -
v “É-nos sobremaneira estranho o procedimento de mandarem V.
*s
Ex prender incomunicáveis nas infernais cadeias da fortaleza dos San­
tos Reis os sargentos Manuel Pegado dc Albuquerque e José Luís Soares,
e o furriel Pedro José da Costa Barros por crimes imaginários, argüidos
pelo comandante das armas, apoiado por V. Ex.M que mais do que
ninguém o conhecem e sabem a malícia do caluniador, e anteveem de
mãós dadas o artificioso fim para que essas prisões irregulares se põem
em prática, a despeito da harmonia que para inteira quietação desta
província recomenaa S. M. Imperial, em participação a nós dirigida pela
Secretaria de Estado dos Negócios do Império, em data de 24 de março
pretérito. Queiram, pois, V. Ex.** satisfazer-nos com a sua instrutiva
deste corrente ano, o que já oficiamos a V. Ex.M em data de 10 de maio
resposta para a levarmos à presença do mesmo Augusto Senhor, que
não deixará dc pôr termo a tão maligna arbitrariedade": •
A linguagem deste ofício revela que a estrela dc Antônio Germano
Cavalcanti começava a empalidecer, e ele mesmo o reconheceu, solici­
tando c obtendo a sua reforma, em 21 dc julho, no posto de tenente-córó:
nel. Poucos meses depois, cm 24 de janeiro de 1824, a Junta era .também
obrigada a deixar o governo, Iransmitindo^TâTM^jniçjSXç^ifa^BarEp
*
•s^H9-5Í^xLe_dq^_Senado da Câmara, na forma do preceituadò na carta
de lei de 20 de outubro dõ”ãno anterior.
A proclamação feita cm 6 dc fevereiro seguinte diz qual o fundo
desgosto que lavrava contra o governo decaído: ■ ~
"Cidadãos natalenses: O vosso heroísmo, mil vezes maior do que as
vossas forças e faculdades, arrebata a atenção dos que vos observam em
todas as vossas resoluções políticas.
Os sábios, os guerreiros c toda a classe de teóricos têm que admr-
rar-vos e invejar-vos. Nenhum povo, nenhuma província ainda mesmo do
abençoado Brasil tem mudado o seu governo sem que lhe custe a preciosa
vida de cidadãos, quase sempre de maior estima. .
Só vós, ó natalenses, modelos de santa moderação; só vós, ó símbolos
do verdadeiro patriotismo, sabeis bridar as vossas paixões, disputar a
sangue frio os vossos direitos e aplicar o remédio da lei às vossas
* neces­
sidades. Necessitávcis de remover a desconfiança, a intriga, o monopóliõ
c quantos males o egoísmo dos mandões vos havia acarretado; tudo feliz:
mente conseguistes no dia 24 de janeiro próximo, dia memorável na his­
tória de nossa província. Com um só golpe da espada da Razão e dá
Lei derribastes o monstro de que estáveis sendo vítima, e qual não deve
svi a vossa glória por tão assinalado triunfo, sem vos custar de sangue
uma só gota?l... ’
Exultai, bendizei a Providência que tanto vos socorre e tudo vos dá
ilimitadamente boml , ' • ••. . . •. .
Desapareceu o obstáculo da vossa verdadeira felicidade. . . .
O governo existente é obra de Deus e partilha vossa; nada quer
para si; tudo liberalizará convosco. Recorrei sem receio à sua benevo­
lência; ele vos atenderá e fará imparcial justiça, socorrendo-vos çm todas
as vossas necessidades políticas. Ê tempo de fazerdes a vossa felicidade.
Detestai e abandonai para sempre o ódio, a vingança, a intriga, a in­
subordinação e toda a sorte de vícios e tiranias geradoras de anarquia,
cxecranda destruidora da sociedade. Reformai a vossa moral para alimen­
tar os vossos caros filhos e domésticos com o precioso manancial dos bons
exemplos. •...
Fugi da pestilenta ociosidade para o trabalho e achareis pronto socor­
ro a todas as vossas necessidades domésticas. Respeitai e defendei a pro­
priedade do vosso semelhante e conservareis seguro o vosso patrimônio. »

221
).
i
)
Uni-vos em obedicncia aos vossos magistrados. Sede uma c a mesma
família brasileira. Uni-vos, repito, e contai com a Independência e o
Impcrio do Brasil. O Brasil é nosso: jamais seremos presa nem escravos
de Portugal. A união é o vosso baluarte. Só ela basta para nos fazer
livres. A Pátria é o nosso riquíssimo patrimônio; a Constituição e o Gover­
no Liberal o nosso invariável sistema; o Imperador nossa defesa; a Reli­
gião Católica c Apostólica Romana no^sa Cuia, nossa Mãe, nossa Mestra
e nossa Salvação. Viva a Religião, o Imperador, a Constituição, o Governo
Liberal, a Pátria c a União Brasileira! Viva! Viva!”
A Junta fora foiçada a abandonar o poder sem simpatias e sem
. dedicações depois de o ter ocupado, mentindo às suas promessas, pelo
espaço que medeia entre 18 de março de 1822 a 24 de janeiro dc 1824.
Vinha, porem, substituí-la um cidadão sem descortino administrativo, sem
o preparo necessário para o alto cargo que ia ocupar e que, apesar de
suas boas intenções, ia ser, nas mãos dos seus conselheiros, instrumento
de vinditas dispensáveis, em vez de ser o restaurador da concórdia c
da paz.
As agitações, aparentemente_sufocadas,-sobrevieram_em.breve, tendo
para alimentá-las, além das paixões locais sempre efervescentes, areper:
cussãõ~dc>que oconera no Rio de Janeiro antes e depois da dissolução,
da Constituinte; e Teixeira Barbosa, fraco e impotente para dominar a
ánãrqüia^qüê alçava o colo, fazendo a província perigar em crise de
opiniões divergentes e variedade arriscadíssima, apelou para o concurso
de Agostinho Leitão de Almeida (um dos que foram depostos dc mem­
bros da junta dc governo cm 11 de novembro dc 1822), já nomeado
secretário do primeiro presidente Tomás de Araújo Pereira (Agostinho
do Almeida chegara a Natal no dia 13 dc fevereiro dc 1824).
Sem entrar desde logo no exercício de seu cargo, Agostinho procurou
influir para que se não agravasse a situação, incorrendo por isto no desa­
grado dos exaltados, que estavam inclinados, a acompanhar Pernambuco
no movimento de reação qüe terminou na Confederação do Equador, Foi
graças a ele que o Senado da Câmara de Natal se manifestou favorável
ao projeto de Constituição organizado pelo Conselho de Estado, de ordem
de D. Pedro, conforme se vê do ‘Typhis Pernambucano”, de 27 dc maio
de 1824 (Antônio Joaquim de Melo — Obras Políticas e Literárias de Frei
Joaquim do Amor Divino Caneca): “Rio Grande, conquanto pouco volu­
moso que seja esse ponto no mapa geográfico do Brasil, o espírito dos
seus habitantes não desdiz do caráter liberal e valoroso dos povos seus
conterrâneos; c, quanto maior é o desfavor das suas circunstâncias, mais
excelsa é sua coragem e ardente o amor pela liberdade.
Já não podemos dizer como antigamente que de Nazaré não sai coisa
boa. Quando o mariola Agostinho Leitão de Almeida, secretário daquele
governo, seduzindo a Câmara da Capital, fá-la seguir do modo mais in­
digno as pegadas do servil Senado do Rio, afixando o mesmo edital deste
e, como ele, adotando a carta absoluta do projeto ministerial (21 de feve-

222
r rciro de 1824), as câmaras do interior, tendo na sua vanguarda ajde
j São José de Mipíbu, oferecem uma barreira impertransível à enxurrada
| do^bsõlútiTmõrdecláram^ltâmehtê^qüêrà^éxccçãõ^dê^alguns artigos do
projeto, todos os demais são' de encontro" aos princípios wnstituciõnais
adotados, e que, poitantÕJ nada deleexecutariam; separam-se em senti­
mentos da Capital, oficiam as de Olinda e Recife, requisitandcTos seus
f votos nesse negócio c protestando seguir, a- sorte de Pernambuco na paz
< e na guerra, e fazem estagnar os projetos dos-servis em quererem inter?
\ ceptar a correspondência com Pernambuco, e romper os laços com que
sempre estiveram estreitamente unidos
^
**
O final desta publicação deve ser em referencia ao seguinte edital
de Manuel Teixeira Barbosa: "Sendo muito do meu principal dever pro­
mover a boa ordem e felicidade dos habitantes desta província, desvian­
do-os da fatal sorte a que agora estão sujeitos os habitantes da província
dc Pernambuco pela loucura de alguns espíritos errados que, longe de
obedecerem às leis e autoridades, se... (ilegível) com as desenvolturas
e com as desgraças de seus concidadãos, eu me apresso em publicar o
seguinte manifesto que me foi dirigido pelo capitão-de-mar-e-guerra, co­
mandante da Divisão Nacional e Imperial, João Taylor:
"Pernambucanos: Pela proclamação que fiz circular entre vós, pela
correspondência que entretive com o vosso governador das armas e pelas
cartas que escrevi às câmaras de Olinda, Igarassu, Goiana e Limoeiro
conheceis sem dúvida a força das instruções com que aqui me apresentei
c os meios dc moderação que empreguei ate hoje para bem dc restituir
a tranquilidade da província, chamar os espíritos exaltados a um centro
de unidade e de razão, e fazer respeitar as atribuições e ordens de Sua
Majestade o Imperador. Mas a esta marcha de conduta franca, leal e
moderada correspondeu ao conselho que ontem teve lugar entre vós com
o inaudito acórdão de negar a posse ao presidente nomeado por Sua
Majestade Imperial, pedir a conservação do atual com exclusão dc. outra
qualquer pessoa; e quem poderá acreditar que seja voto unânime do
povo pernambucano uma resolução ainda não vista na história dos povos
civilizados?! Quem acreditará que um povo tão zeloso do seu crédito e
reputação faça saber ao mundo inteiro que entre ele só há um homem
capaz de governar?! Que mais podia fazer o Imperador para vos dar
uma nota da sua estima do que nomear-vos para presidente a um homem
que sendo eleito por vós para membro da Junta Governativa passou
depois a presidir por tanto tempo a essa mesma Junta? Que mais podia
fazer que nomear para governador das armas o mesmo oficial a quem
vós havíeis confiado esse importante cargo? Desenganado, pois, de que
uma facção reyolucionária e desorganizadora tem iludido a uns e aterra­
do” ar outrOs'com as suas ameaças^ cu“passo com bastante dor do meu
coração a empregar medidas hostis que as minhas instruções me deter­
minam, assegurando-vos que tomando o maior interesse pela prosperidade
do Brasil, minha Pátria adotiva, lamento a calamidade que vai experi­
mentar esse bek) país. • .

•’ 223
• • Declaro, portanto, desde já o porto do_ Recife c^Jtodos os_jmais__adja-
centes em estado de perfeito bloqueio até que o decoro, das nomeações
1
de Sua Majestade Imperial seja respeitado e ás suas ordens cumpridas,
) ou pariFmelhor dizer ate que o brioso povo pernambucano, sentindo o
A preço de sua dignidade ofendida, ponha termo à injúria com que se tem
coberto e deixe de puxar o carro do triunfo desse intruso presidente.
Contudo, porém, para dar ainda uma prova decisiva das intenções que
me animam a favor de vós, consentirei na saída dessa embarcação em
que se diz tem de scr enviada à Corte do Rio de Janeiro a deputação
de que faz menção o acórdão do conselho, sem que por esta exceção
se entendam alteradas as medidas hostis que são a necessária conseqücn-
cia de um bloqueio. Prometo também, satisfazendo ás intenções de Sua
J
I
Majestade Imperial, manter a paz com as nações amigas e aliadas, que
todos os navios estrangeiros que tiverem começado a carregar antes da
) publicação do presente manifesto possam sair dentro do prazo de oito
J
dias, depois do que só poderão sair em lastro, ficando contudo sujeitos,
uns e outros, serem registrados na saída pelo bloqueio do meu comando.
j Bordo da fragata Niterói, surta no Lamarão de Pernambuco, aos 8 de
) abril de 1824. João Taylor, capitão-de-mar-e-guerra, comandante da Di­
J visão Nacional e Imperial”.

J Recomendo, portanto, a todos os habitantes desta província que se


desviem daqueles indivíduos que os quiserem perturbar com insinuações
J sediciosas e contrárias às disposições dc Sua Majestade o Imperador, a
fim de que não recaia sobre nós a indignação do mesmo Augusto Senhor.
j
E para que chegue à notícia de todos mandei afixar o presente edital,
J que vai por mim assinado e selado com o selo das Armas Nacionais;
e será afixado no lugar mais público desta cidade, expedindo-so dele
exemplares para serem afixados nas diferentes vilas e povoações desta
mesma província. Dado e passado nesta cidade de Natal, aos 14 de abril
de 1824. Agostinho Leitão de Almeida^ Secretário d'(T Governo, o fez
escrever Manuel Teixeira Barbosa.
**

y . •• Tomás de Araújo Pereira, nomeado presidente em 25 de novembro


de 1823, talvez receoso _das desordens que lavravam pelo interior, pro­
z curava pretextos para adiar a sua posse, recorrendo às vezes'a motivos
frívolos, como sucedeu em 20 de fevereiro, quando deu a entender em
✓ carta a Teixeira Barbosa que só viajava para a capital em cavalos gordos
I
com a pastagem do tardonho futuro inverno. Em 5 de maio, porém, rcsol-
I veu-se a assumir o governo. Como o seu antecessor, que era um simples
✓ soldado da 2* companhia do regimento de cavalaria miliciana n° 1, o
novo presidente ia lutar com insuperáveis dificuldades. Gozando de uma
z grande popularidade na zona do Seridó, principalmente no Acari, onde
I
residia, Tomás de Araújo não era, em todo caso, o homem indicado para

governar a província. A sua idade avançada, a sua cegueira, que se ia
tomando completa, e, mais do que isto, as ligações políticas que tinha,
fazendo-o partidário intransigente, eram qualidades que contra-indica­
vam a sua escolha naquela quadra normal, mesmo que tivesse o espírito

224
aparelhado para desempenhar condignamente a função dc que fora inves­
tido. O seu desastre era inevitável. Menos de três meses depois de em­
possado, a 31 de julho, o batalhão de linha, na sua presença, depunha
o respectivo comandante, João Marques de Carvalho, nomeado a 19 dc
fevereiro (Marques de Carvalho era o outro membro da Junta deposto
cm 11 dc novembro de 1822, juntamente com Agostinho Leitão dc Al­
meida); e esse ato era o prenuncio de maiores e inaiS sérias perturbações,
previstas aliás pelo Senado da Câmara em ofício que dirigiu ao Ministro
da Cucrra a 4 dc agosto:
“Os sucessos que ultimamente tem tido lugar nesta capital acabam
de comprovar o que dantes sc limitava a mera suspeita c os males que
lhe estavam iminentes infelizmente caíram sobre ela: o sopro que atacara
no interior a chama da discórdia pôde finalmentc comunicá-la a esta
cidade até agora entregue ao sossego e à tranqüilidade, e tem produzido
efeitos terríveis. Indo no dia 31 do passado mês o Presidente dirigir
uma fala à tropa sobre o pagamento do pão teve lugar nessa ocasião
a expulsão do seu comandante João Marques dc Carvalho, bem digno de
melhor sorte pelo seu incansável zelo pelo bem da Pátria, por parte da
mesma tropa, com o fim que não admite dúvidas de perturbar a ordem
c a marcha que esta província tão gloriosamente tinha principiado desde
o fausto dia 25 de março do corrente ano. Já não c oculto, Ex.mo Sr., o
detestável plano desses malvados perturbadores do sossego público c
desorganizadores da integridade do Império; c, sc S. M. I. C. não sc
dignar quanto antes a socorrer os pacíficos habitantes desta província,
salvando-os do abismo cm que já se acham, decerto serão vítimas da
anarquia e só se poderá depois restituir o sossego à custo de muito san­
gue. Digne-se V. Ex* levar o que acabamos de expor ao alto conheci­
mento de S. M. I. C., de cuja energia e zelo pela conservação de seus
súditos fiéis esperamos o pronto remédio.”
Isto era então__p. .reflexo, das cojivu.lsões revolucionárias de Per-
nambuco. • : •:
Diz Antônio Pereira Pinto (“A Confederação do Equador”, tomo 29,
da Revista do Instituto Histórico Brasileiro) que ‘Jogo emjnarço de 1824
mandou ^Manuel- de- Carvalho à cidade de Natal_um emissário" de nome
Januário Alexandrino,, ajudante de~cirurgia de um dos batalhões dê"Per-
hambuco, a título de propagar a vacina na província, segundo fora soli­
citado pela junta provisória, mas com’âjnissãôT expressa de revoluejonar
os povos, para cujo fim ia munido de diferentes impressos ê proclamações.
Àquelecirurgião tinha sido transportado para o Rio Grande do Norte
na escuna de guerra Maria Zefcrina, que por ordem dc Manuel de Car­
valho corria os portos do Norte, levando uma tipografia para o Ceará
e diversos oficiais para esta província e para o Pará.
Quer o dito cirurgião, quer o referido navio, tiveram imediatamente
ordem do vice-prcsidcnte Manuel Teixeira Barbosa para deixar o porto
dc Natal, não sendo dc outra forma perseguidos porque aquele vice-
presidente temeu recorrei; à tropst existente- cm que^não confiava”.

225
Depois, porém, após a posse dc Tomás de Araújo, o contágio revo­
lucionário tomou-se positivo. “Assim íol que» quando Felipe Neri requisi­
tava-lhe forças para debelar a rcbclíá» da Paraíba, aquele presidente
negava-se a mandá-las, ao passo que posteriormente não teve dúvida de
as fornecer ao governo paraibano intruso, quando foram por ele exigidas.
Além disso, logo que Filipe Neri resignou a administração da Paraí­
ba, o mesmo Araújo Pereira, ou por coação ou outro motivo, enviava, cm
agosto dc 1824, os comissários Francisco da Costa Seixas, Josc Joaquim
Bezerra Carnaúba, e José Joaquim Ceminiano Navarro de Morais perante
seu sucessor legal, o vice-presidente Alexandre Francisco de Seixas Ma­
chado, a fim de intimar-lhe a eleição dc novos conselheiros dc governo,
a entrada na presidência do que por essa eleição fosse mais votado, a
anistia e volta aos seus empregos dc todos os comprometidos e, final­
mente, as garantias de segurança individual c de propriedade que eram,
como diziam, desconhecidas na Paraíba.
Todas estas insinuações feitas no meio dc graves censuras ;'i adminis­
tração de Filipe Neri e de vivos encômios aos que tinham tomado o lado
da revolução foram perfeitamente respondidas pelo citado vice-presidente
em ofício de 17 de agosto dc 1824, fazendo cm seguida marchar tropas
para as fronteiras do Rio Grande do Norte, com o que sc desalentaram
os facciosos, retirando-se com suas forças das mesmas fronteiras.”
Cochrane (Conde de Dundonal — Narrativa de serviços no libertar-se
o Brasil da dominação portuguesa) transcreve na íntegra uma concordata
feita entre Basilio Quaresma Torreão, representando o governo de Per­
nambuco, e o padre Francisco da Costa?Seixas7José Jõãqüim Fernandes
Barros c José Joaquim Geminiano de Morais Navarro, por parte__da pro-
víncia do_Rio Grande do Norte, assinada no Recife a 3 dc agosto'de
18247 êin qüè ficóü estabelecido:
— Oue as jgTovíncias de Pernambuco e Rio.Grande do Norte se unem
numa liga fraternal ofensiva e defensiva, a fim de juntarem todas as
suas forças contra_qyajquer^ agressão do Governo Português, ou do Go­
verno do. Rio de Janeiro para reduzir as^mesmas províncias a uhjZestãdo
dejservidão;
— Oue a dita liga se estenderá ao estabelecimento da liberdade cons­
titucional nasditas províncias e a suplantar o espírito servirde que estão
infcccionadns, e afastar assim a guerra civil fomentadas pelas intrigas
no Rio de Janeiro, cuja influência penetra agora todo o Brasil;
— Que para assegurar o efeito deste pacto, o governo do Rio Grande
formará um corpo de tropas, e as postará nas bordas da província da
Paraíba para serem emprégadas segundo a necessidade o requeira;
— Que este corpo de tropas será sustentado pela província de Per­
nambuco, mas será aepois sustentado pela Confederação do Equador.
Este documento tinha o seguinte fecho: *E, para que o mesmo seja
levado a imediato efeito, terá esta concordata pleno vigor logo que seja
assinada ke Tatificada por suas Excelências os Presidentes das ditas pro­
víncias de Pernambuco e Rio Grande do Norte.”
Não consta que a concordata, que foi aprovada por Manuel de Car­
valho Pais dc Andrade, o tenha sido por Tomás de Araújo; mas ó ponto
incontroverso que os liberajs^da província prestaram valiosos, auxílios_aos
republicanos de Pernambuco, mesmo quando", já vcncidosje formando uma
coluna expedicionária; atravessaram os seus sertões.em demanda do Ceará.
Nò Seridó, onde erã comandante geral Manuel de Medeiros Rocha (o
mesmo que fora membro da junta governativa eleita cm 3 de dezembro
de 1S21) e onde maior era o prestígio do presidente, tiveram acolhida
carinhosa (vide o itinerário da marcha da coluna, nas obras dc Frei Ca­
neca, já citadas).
Há nestes atos e fatos indícios comprometedores contra Tomás de
Araújo. Não existem, porém, provas de que tenha sido conivente no mo­
vimento revolucionário. É mais aceitável a opinião dos que pensam que,
sc não foi influenciado pelo descontentamento e desafeição ao governo
do Rio de Janeiro — ao qual sc atribuíam intuitos favoráveis à restaura­
ção portuguesa e, portanto, o sacrifício da obra da Independência - tenha
agido sob coação, hipótese esta que se concilia de todo com as decla­
rações que fez ao Senado da Câmara de Natal em 8 de setembro, quando
renunciou à presidência, e nas quais, após uma exposição minuciosa do
procedimento das forças de 1* e 2* linha da capital, que não cumpriam
as suas ordens, se lê: “Considerando eu, pois, os horrores da anarquia
de que esta província está ameaçada, vendo invadida a minha autori­
dade e esbulhados os meus direitos por aqueles mesmos que os deviam
sustentar e fazer-me respeitar, convindo igualmente que a força física
deve ser intimamente unida à força moral para a conservação da ordem
social, e que as minhas ordens se tomem de nenhum efeito por falta de
quem as faça cumprir e finalmente da minha demissão proviría a paz
tão recomendada por S. M. I.; por todos estes fundamentos, pela minha
cegueira e achaques, que progridem a cumular-se à minha avançada idade,
me demito do lugar de presidente desta província e entrego nas mãos
deste Senado a posse que dele rccebi, em nome de S.M.I., protesto perante
Deus, perante o Imperador Constitucional do Brasil e seu Perpétuo De­
fensor contra todas as desobediência e violências, e responsabilizo a todas
as pessoas que para elas concorreram por todas as desgraças que dessa
falta de subordinação e traição à palavra de perdão que, em nome do
mesmo Augusto Imperante, afiancei, e pelo mais que dc semelhante passo
se possa originar a esta província; e, deixando-a na maior consternação
de minha alma, rogo íinalmcnte à Providência para vigiar sobre ela e
(jermitir que desta minha demissão resultem os bens que sinceramente
he desejo como filho o mais amante e agradecido; e requeiro que sendo
esta exarada nos livros deste Conselho se me dê cópia da ata que com
ela se fizer”.
Existe no Estado uma tradição segundo a qual Tomás de Araújo au­
sentou-se de Natal dentro de um barril que fez transportar à cabeça dc

227
um escravo, apelidado Bcnguela, robusto e agigantado, que assim o con­
duziu ate onde se pôde julgar a salvo e deparar conveniente transporte
para o Acari, onde nascera e tinha grande família.
Acrescentam uns que a isto fora obrigado para não ser vítima dos h
índios_.dc„Extremoz e circunvizinhanças que planejavam um ataque í
cidade por não ler ele atendido a reclamações suas c. impor despótica
mente o trabalho de pescarias aos homens e de fiação às mulheres,, que ;
nãõjtinham afazeres habituais; outros afirmam que para fugir a ameaças
dc morte feitas pela família Mata-quiri (vide D. Isabel Gondim, op. cit.). .
Essa tradição pode e deve ser verdadeira, não porque aquele pre­
sidente receasse o ataque à capital ou qualquer agressão enquanto nela
permanecesse, mas porque, deixando, como deixou, o governo teria dc
atravessar, para chegar ao Acari, onde residia, algumas paragens em que
os índios ou o bando do capitão Francisco Ribeiro de Paiva, vulgo Mata-
quiri, nome do sítio cm que morava na então vila dc São José de Mipibu,
o podiam facilmente incomodar. E o seu receio dc um encontro com eles
era tanto mais natural quanto, antes de deixar a presidência, aos primeiros
tratara com excessivo rigor e ao segundo, que se tinha incorporado às
forças que, sob o comando do alferes Miguel Ferreira Cabral, estiveram
nas fronteiras da Paraíba, acompanhando-as depois em seu regresso a
Natal, impedira que aí entrasse, o que devia ter provocado profundos ,
ressentimentos. Muitos dos, que compunham esse grupo se celebrizaram
mais 2arde como terríveis cangaceiros.
A passagem de Tomás de Araújo pelo poder — 5 de maio a 8 de se­
tembro de 1824 — em nada contribuiu para acalmar o estado de inquie­
tações em que vivia a província. A força armada superpunha-se a tudo
) c a todos, ditando a lei à sua vontade, como aconteceu na ocasião cm que,
) forçando o presidente a abandonar o seu posto, julgou nula, ex-auctori-
tate propria, a eleição dos conselheiros provinciais para que a administra­
) ção fosse ter às mãos de Lourenço José de Morais Navarro, presidente da
Câmara, homem sem letras, e que não podería resistir aos seus desmandos.
As lutas de grupos pelo predomínio de pessoas continuaram a ser,
por muito tempõ, consequência inevitável da" aprendizagem que se fazia
do regiméiTcónstifúcional.
Felizmente, porém, vencidos, semque_ conseguissem constituir go-

Aquelas lutas, “sem caracterização precisa, eram movimentos par­


) celados, estritamente locais*. Jamais afetaram a obra da Independência,
que, à sombra da bandeira do Império, insígnia de uma nova Pátria,
permitiu que formássemos, no correr dos tempos, um grande patrimônio
de conquistas morais e materiais.

228
I
I
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I
!

< I
r

A PROVÍNCIA

Os notáveis acontecimentos que se desdobraram no Brasil desde a


Independência ate ao meado do scculo passado, mesmo os do período da
Regência — ponto culminante da nossa história política durante o Im­
pério — poucos abalos produziram na província, que, quase sempre, se
conservou alheia às intensas vibrações patrióticas, alimentadas, em outros
pontos do país',“pclãs”ãrdcntes paixões que tumultuavam naquela época.
As dissençõesjeram, em regra, de carácter pessoal: lutas de campanário,
sem elevação c sem idéias.
Nos primeiros anos, não havia arregimentações partidárias.
A identidade ou diversidade de interesses e conveniências era que
ligava ou separava os homens, cujas aspirações, na maioria dos casos, se
Ijmitavam ao predomíniq e^ ao mando nos distritos dc sua residência..
Poucos eram os que tiveram influencia generalizada na provinciana té v ,
à^constituiçãtrdêfinitivá dos partidos. . /’

A política se fazia em torno dos presidentes, que iam de fora e


dos quais todos se aproximavam, disputando graças e favores. Ninguém
lhes recusava apoio, desde que as suas preferências não fossem partilha­
das pelos adversários, a quem se negava pão e água.
No mais, era indiferente que os delegados do governo geral seguis­
sem esta ou aquela orientação. Ojque cada um queria era estar sempre
de cima, podendo praticar impunemente as pequenos’’vinganças de aldeia^
que tanta ferocidade deram aos costumcs~políticos de então. *
O Rio Grande do Norte era ainda, a esse tempo, uma província atra­
sadíssima. Fora capitania subalterna até 1817 e na sua subordinação hu­
milhante e deprimente nunca pudera desenvolver as suas forças, prepa­
rando-se para uma vida dc relativa autonomia sob instituições' maisjivres.
Daí a sua falta de resistência aos abusos do poder, que, em começo,
burlava, por completo, todas as garantias constitucionais. Os governos
— depois de restabelecida a ordem e a disciplina no batalhão dê” linha
que estacionava na capital — voltaram a ser tão onipotentes como outrora, ,
não havendo contra eles nem ao menos o corretivo da imprensa, que ainda \
nao existiíi ------ ------ — - - - —-------- • /

229
I

['No decênio de 1830.a_ 1840,as mudanças já são mais sensíveis: a po­


pulação, que éra^em” 1820 de 70.921 habitantes, dos quais 61.812 livres
e 9.109 escravos (Revista do Instituto Histórico Brasileiro, tomo 29),
eleva-se a mais de 100.000 almas; a riqueza particular, que fora reduzida
em parte pelos efeitos da seca de 1824-1825, refaz-se e aumenta; crianvse_
vários municípios_e_ freguesias; cresce o número de escolas; multiplicam-se
os juizados de paz; organizam-se alguns serviços e reformam-se outros.
Politicamente também se operam modificações. Falecendo José Pau­
lino de Almeida e Albuquerque, que, sendo presidente se fizera eleger
deputado, tomou assento na Assembléia Geral, como seu suplente, nas
sessões legislativas de 1831 a 1833, o padre Francisco dc Brito Guerra,
que se filiou à corrente triunfante após o 7 dc abril.
Ligando-se estritamente a Feijó, que, "prevendo a anarquia que
esfacelaria o país, restaurou, por um milagre de energia incomparável,
a autoridade civil”, e a Evaristo da Veiga, que, "conciliando as conquistas
da véspera com as reservas da sociedade conservadora”, se colocou à frente
dos moderados para repelir, por igual, as tendências exclusivistas dos li­
berais exaltados e dos reacionários absolutistas, salvando, com o Ato Adi-
cional^o^ princípio monárquico, "idenficado então com a unidadcTda Pá­
tria”, Brito Guerra foi, na província, o representante mais autorizado dò
seu pensamento e, por eles amparado, pôde intervir, durante alguns anos,
benéfica e cficazmcntc na política c administração locais, prestando-lhes
serviçus valiosos.
Foi graças à sua iniciativa que apareceu em Natal, cm 1832, o seu
primeiro jornal, O Natalensc, impresso a princípio no Maranhão.’ Pernam­
buco e Ceará, e de 1833 a 1837, quando deixou de ser publicado, em ti­
pografia que ali se instalou (Luís Fernandes — A Imprensa periódica no
) Rio Grande do Norte),
De acordo com o Ato Adicional, os conselhos, constituídos por eleição
e destinados a auxiliar
* os' presidentes, indicados as medidas e providen­
cias que lhes parecessem úteis c acertadas, foram substituídos pelas as-
) sembléias provinciais. A primeira que sc elegeu no Rio Grande do Norte-
reuniu-se a 2 de fevereiro de 1835 e ficou assim composta:
~_____l_ i

Padre Antônio Xavier Garcia de Almeida


Antônio Álvares Mariz
) Elias Antônio Cavalcanti de Albuquerque
) Padre Francisco de Brito Guerra

/ Dr. Joaquim Aires de Almeida Freitas


João Marques de Carvalho
)
Joaquim Xavier Garcia de Almeida
José Teodoro de Sousa
)
230
)

)
José Nicácio da Silva
Padre João Teotônio de Sousa e Silva
João de Oliveira Mendes
Padre Joaquim Alvares da Costa
Luís da Fonseca e Silva
Padre Manuel Cassiano da C. Pereira
Padre Manuel Fernandes
Padre Manuel Pinto de Castro
Manuel Lins Wanderlcy
Manuel Joaquim Grillo
Padre Pedro José de Queirós e Sá
Padre Tomás Pereira de Araújo
Quem sabe que o padre Brito Guerra era visitador geral e vê que entre
estes vinte deputados figuram nove sacerdotes não tem dúvidas sobre a
sua intervenção na escolha dos mesmos.
Nessa ocasião a sua ascendência política era decisiva. Pouco depois,
porém, começou a declinar; e, ao se realizar, em 16 de dezembro de 1S36,
a eleição senatorial para o preenchimento da vaga aberta com a morte de
Afonso de Albuquerque Maranhão, nomeado em 1S26 ao ser constituído
ò Senado, apenas oSteve" (Tvotos no colégio da capital, onde compareceram
às urnas 27 eleitores. Isto não obstou a que, mais votado nos colégios do
sertão, fosse incluído na lista tríplice e escolhido; mas vale como indício
de que a sua influencia já se achava profundamente enfraquecida.
Este fato explica-se facilmente. A política de regresso, pregada por
Bernardo de Vasconcelos como uma necessidade- imperiosa pára fortalecer
o__princíp2O_de autqridade e extinguir os fermentos revolucionaríõsque
ainda punham cm risco’ãs instituições, ganhara muitos espíritos c dera
origem à reação monárquica que obrigaria Feijó a renunciar nobremente
as suas funções de regente, transmitindo o governo a Araújo Lima. Ora,
sendo Brito Guerra amigo e correligionário do padre estadista, que no
ocaso do poder lhe daria entrada na Câmara vitalícia, claro era que seria
um suspeito à nova situação: dele se foram afastando discrctamcntc e desde
logo muitos para quem o ostracismo é sempre incômodo.
Assim, o maior exito de sua carreira como homem público assinala
também o início de seu isolamento na política local. E assinala com uma
circunstância que deve ser registrada: as primeiras hostilidades que sofreu
partiram do último presidente nomeado por Feijó, o Dr. Manuel Ribeiro
da Silva Lisboa, que tomou posse a 26 de agosto de 1837 e, com brutais
imposições, forçou os partidários do ilustre rio-grandense, com os quais
rompera, a suspender a publicação d’O Natalensc, receoso da análise de

231
seus atos. Esse presidente, cognominado Parrudo, se tornou célebre pela
sua prepotência e libidinagem, sendo assassinado em 11 de abril de 1838;
na própria choupana de suas entrevistas amorosas, no sítio Passagem,
subúrbio de Natal (Luís Fernandes, op. cit.).
O assassinato não foi, entretanto, de natureza política; prendeu-se,
segundo a tradição, a ofensas de ordem pessoal feitas ao coronel Estêvão
Josc Barbosa dc Moura e mandadas vingar por pessoa de sua família.
£ Refletindo as idéias e tendências dos dois grandes partidos nacionais,
pouco antes criados, os homens políticos da província sc congregaram cm
- dois agrupamentos, nortistas e sulistas, que correspondiam, respeclivamen-
te, aos partidos conservador e liberal, cujas lutas resumem, por assim dizer,
a nossa história política e parlamentar desde a regência de Araújo Lima \
ate o fim do segundo reinado. I
Essas denominações locais de nortistas e sulistas, assim como as de/
saquaremas e luzias, que também foram usadas depois, não designavam, <
porém, organizações homogêneas e coesas. Jamais tiveram consistência, f
bastando saber, para prová-lo, que antes de 1848 não tiveram órgãos na \
imprensa e que os criados nesse e no ano imediato, de duração efêmera, /
visavam somente à defesa ou combate às candidaturas dos ex-presidentes
Casimiro José de Morais Sarmento e Manuel de Assis Mascarenhas à
Câmara dos Deputados e ao Senado.
A este propósito, convem salientar que os representantes da província, <■
nos primeiros tempos, foram quase todos estranhos à sua vida política e .
que, depois de Brito Guerra, nenhum dos seus filhos teve a honra de fazer
parle do Senado na vigcncia do regimen .decaído a 15 dc novembro
de 1S89.
Os nortistas e sulistas começaram a desaparecer ao sêr inaugurada a
política dc conciliação, em 1853, confundindo-se os mais graduados de
seus representantes;~ê, quando mais tarde_se, discriminaram novaménte os
partidos, já então com os nomes"~dé conservador e liberal, que mantiveram
até à quedando Império, outras figuras ocupavam o cenário e, entre elas,
alguns moços de talento e de cultura, a que couberam as principais respon­
sabilidades de direção e os postos de evidência política, conforme veremos.
Os velhos elementos foram relegados para plano secundário.
Em,1850, o progresso material da província, era ainda nulo cm con­
sequência da mesquinharia dc suas rendas. Estas, que, pela~àrrecãdàção
feita de l9 de julho de 1S36 a 30 de junho de 1837, de acordo com a pri-«
meira lei de orçamento votada pela sua assembléia, foram de 11:276§524,
subiram naquele ano a 53:791$253; mas, mesmo assim, não permitiam a
execução de melhoramentos de grande vulto, por maior que fosse a capaci­
dade administrativa dos presidentes, alguns dos quais foram, realmente,
homens de valor, como Basilio Quaresma Torreão, Manuel de Assis Mas­
carenhas e Benevenuto Augusto de Magalhães Taques. As obras realizadas

232
eram, em gera), de igrejas e cadeias ou de reparos de edifícios e conser­
vação de estradas.
Eis, a título de curiosidade, as diferentes consignações do orçamento
da despesa:
Assembléia provincial............................................................... 7:2775200
Secretaria da Presidência 3:1745.000
Força pública ................................................................................ 11:5415000
Caridade pública, inclusive sustento de presos pobres, me­
dicamentos para os mesmos c tratamento dc pessoas mi­
seráveis, em caso de epidemia ........................................ 1:600$000
Instrução pública ...................................................................... 13:256$000
Culto público ............................................................................ 3:840$000
Administração e arrecadação dasrendas............................... 9:2245000
Empregados aposentados......................................................... 2:1045236
A transportar ..................................................................... 52:0165436
Obras públicas .......................................................................... 4:0005000
Estabelecimento dc uma tipografia e publicação de uma
Gazeta oficial (a tipografia foi comprada e depois ven­
dida sem que a gazeta chegasse a ser publicada) ........ 1:2005000
Auxílio ao estudante Hermógenes Joaquim Leitão de Al­
meida .................................................................................. 3605000
Luz para a cadeia da capital c despesas diversas e eventuais 1:0245000
Rs ........................ /............................................................ • 58:6005436

É de notar que, além destas despesas, que eram custeadas pela


tesouraria provincial, criada pela resolução legislativa n? 20, de 24 de
outubro de 1836, c instalada a 8 de abril do ano seguinte, na administração
do Dr. João José Ferreira de Aguiar, outras havia, correndo pelos cofres
gerais, como as da presidência, chefatura dc polícia, clero (côngruas dos
vigários) e magistratura, e ainda algumas à conta de créditos especiais
consignados nos orçamentos do Império.
^Depois da seca de 1844-1845, durante a qual as devastações, foram
cruéisja^grovíncia. que se debatia em nfôrninSvcPmiséria (ós socorros que
reccbcuToficiais c particulares, montaram a 146:6135710), experimentou
profundas modificações econômicas^
De região quase exclusivamente criadora que era passou a ser também
Zona agrícola por excelência; e, dentro de poucos anos, o açúcar e o
algodão avultavam entre outros gêneros da sua produção agrícola'e indus-

233
)
trial, aumentando o seu comércio, que entrou cm fase dc progressivo
desenvolvimento.
íxTrês eram então as comarcas_e^isjente:_Natal, Açu c Maioridade
(Martins), compreendendo a primeira os termos judiciários da capital,
São Conçalo, Extremoz, São José dc Mipibu, Goianinha c Touros; a se­
gunda, os do Açu, Príncipe (Caicó) c Acari; a terceira, Imperatriz (hoje
cidade do Martins), Portalegre e Apodi.^ 4^
Além destes doze termos, que eram igualmente sedes dc municípios,
havia os seguintes municípios, que não constituíam termos^judicíãnos:
•Vila Flor, Santana do Matos, Macau. As freguesias eram cm número de 21,
sendo então as suas sedes as cidades dc NataT^São José de Mipibu, Açu c
Imperatriz, as vilas de Goianinha, Vila Flor, Acari, São Conçalo, Touros,
Extremoz, Santana do Matos, Príncipe, Apodi, Portalegre c Macau, e as
povoações de Ares, Papari, Pau dos Ferros, Santa Cruz, Campo Grande
(atualmente Augusto Severo) e Mossoró.
A força policia) compunha-se de 69 homens, sendo 3 oficiais, 3 sargen­
tos, 1 furriel, 8 cabos, 2 cornetas e 52 soldados; c a da guarda nacional de
15 batalhões dc infantaria e 6 esquadrões de cavalaria, com um total de
9.881 homens. Na capital havia um destacamento dc força dc linha, cujo
efetivo variava conforme as necessidades do serviço.
A instrução fizera algum progresso: vinte c sete, eram as.escolas públi-
cas, sendo cinco do sexo feminino. A frequência regulava cerca dc oitoccn-
'tos”a)unos. Ao lado dos professores nomeados pelo governo, existiam os
particulares que, como os antigos mestre-escolas, eram mantidos pelos
pais dos alunos, dos quais recebiam quantias certas por mês: gcralmente,
2S000 por aluno.
Em 1847, Morais Sarmento pretendeu impedir que ensinassem sem
prévia licença da presidência, que só a concedería aos que provassem as
suas aptidões e bons costumes; mas esta exigência não sc tomou efetiva.
Tendo nos pais dos discípulos os seus melhores fiscais, continuaram a
subsistir com grande proveito para o ensino.
Quanto à instrução secundária, era ministrada no Ateneu, inaugurado
a 2 dc dezembro de 1836, quando presidente Basilio Quaresma Torreão.
Contava cinco cadeiras: Latim, Francês, Geometria, Retórica e Filosofia.
As matrículas nas diversas aulas subiam a 35 alunos. A mais concorrida
era a dc Latim: tinha 23 estudantes. Esta língua era também ensinada
cm cadeiras isoladas cm São Josc dc Mipibu, Açu, Príncipe c Imperatrz.
A vida social ia se modificando lentamente; mas nos lugares do
interior o povo ainda confiava muito pouco na ação das autoridades, 0 que
aumentava a porcentagem de crimes, que, não raro, ficavam sem repressão
legal. A segurança individual c dc propriedade, assim como a brandura
dos costumes, vieram aos poucos, com a elevação do nível moral c intelec­
tual das novas gerações.
)
234
)
)
Governou neste ano de 1850, peta última vez, na qualidade de vice-
presidente, João Carlos Wanderley, que assumiu a administração em
conscqücncia do falecimento do presidente Josc Pereira de Araújo Neves.
Houve quem afirmasse que esse falecimento rcsultara dc um crime; mas
João Carlos Wanderley conlcstou-o na fala com que abriu a sessão da
assembléia provincial, em 3 dc maio daquele ano: Toi Deus servido
dc dispensar da Vida presente, no dia 15 de março próximo passado, o
Exm? Presidente desta província, Doutor Josc Pereira dc Araújo Neves,
perecendo de um violento ataque de congestão cerebral, segundo o decla­
raram os médicos existentes nesta capital, a quem incumbi de prcscrutar,
por meio dc autópsia, as causas internas que porventura pudessem ter
concorrido para açodar tão repentino c prematuro falecimento. A estas e
outras muitas indagações e exames mandei proceder cm razão dc haverem
pessoas mal-intencionadas propalado a triste idéia de que a morte, que
aliás todos com razão deploramos, havia sido ocasionada por propinação
de veneno; mas uma tal idéia foi desde logo condenada pelo bom senso
público, c onipotentes se tornaram os fins sinistros de seus autores, sendo
deles o principal o cx-chefe de polícia da província, bacharel José Vieira
Rodrigues de Carvalho e Silva.
Sinto dize-lo, senhores; mas força é que eu renda toda a homenagem
que devo à verdade, c que não deixe cm silencio um fato desta ordem,
que tendia a chamar o descrédito e a animadversão pública sobre uma
província que de perto conheço, a que amo de todo o meu coração c da
qual me honro de ser filho.
Vice-presidente em exercício e deputado à Assembléia Geral, João
Carlos Wanderley era no momento o político de maior prestígio na pro­
víncia; mas, por isto mesmo, era também o alvo dos mais violentos ataques
e agressões por parte dos seus adversários, aos quais, seja dito de passagem,
não poupava na sua intolerância partidária. E esta foi talvez a causa do
sacrifício de sua carreira política tão promissoramente iniciada.
Dentro em pouco, mudada a orientação da política geral, foi um ven­
cido e nunca mais conseguiu voltar às posições que ocupara. Isto ocorreu
quando se obliteraram as divisas dos partidos no gabinete de 6 de setem­
bro de 1853, presidido pelo Marquês de Paraná, criador da política de
conciliação, que a Sales Torres Homem se afigurou um período dê descan­
so, época sem fisionomia, sem emoções, sem crenças entusiásticas, que veio
so interpor entre a decadência dos partidos velhos que acabavam o seu
tempo e o aparecimento dos partidos novos a que pertencia o futuro; mas
que teve a inapreciável vantagem de romper a continuidade da cadeia de
tradições funestas e de favorecer peta sua calma e por seu silencio o tra­
balho interior de reorganização administrativa e industrial do país.
No Rio Grande do Norte, ela foi na realidade o que disse Joaquim
Nabuco: “uma época de renascimento, dc expansão, dc recomeço, em que
sc renovou o antigo sistema político decrépito, cm que se criou o apa-

235
relhamento moderno de governo, e se dilatou extensivamente, não para
a classe política somente, mas para todas as classes, o horizonte que as
comprimia."
Quando, em 1862, os conservadores genuínos se extremaram e da liga; ;
entre os moderados e os liberais surgiu o partido progressista, núcleo ao;/
novo partido liberal depois do ministério Itaboraí, as cqndições da provín-
cia — que tivera como presidentes, de 1S53 até aquele ano, Antônio Ber­
nardo dos Passos, Bernardo Machado da Costa Dória, Antônio Marcelino
Nunes Gonçalves, João José de Oliveira Junqueira, José Bento da Cunha
Figueiredo e Pedro Leão Veloso, todos homens competentes e íntegros —
eram, sem contestação, de acentuada prosperidade, comparadas com as
de doze anos passados. Aumentou a população; foi elevado o número
de comarcas a 6, o de termos judiciários a 18, o de município a 23, o de
freguesias a 27 e o de escolas públicas a 45; reorganizou-se o Ateneu, sendo
criadas mais duas cadeiras, as de Geografia c História e a dc Língua e
Literatura Nacionais; subiu a_2.013 o número de fazendas de criação,
produzm.do- anualmente, em média, 60.000 cabeças; floresceu de modo '
animador a cultura da cana de açúcar e do algodão; desenvolveu-se a pe­
quena lavoura; foi iniciado o plantiodo café no Martins c Portalegre,^ c
generalizado o.do Jump em vários municípios; apareceram indústrias novas
e aJargcu-sc a produção das já conhecidas; atjngiu ao duplo a exportação
do sal, crescendo igualmente a do peixe seco, da palha dècárnaúbã e.dos
couros, frescos, salgados c curtidos, c começando a sair para outros merca­
dos os afamados queijos do Seridó; ascendeu a 500 contos por ano o valor
oficial das mercadorias estrangeiras, importadas diretamente ou por ca­
botagem, e aproximadamente a 1.000 o das exportadas; intensificaram-se ‘
as correntes comerciais; a receita duplicou.
No ponto de vista político, a conciliação fez amortecerem as lutas
entre nortistas e sulistas, estabelecendo a confusão partidária; mas, em
verdade, com a preponderância dos primeiros, Jsto.é, dos conservadores.
Para a representação geral, por exemplo, entraram, na legislatura de
1853-1S56, José Joaquim da Cunha c Olaviano Cabral Raposo da Câmara;
na de 1857-1860, Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti e José Xavier Garcia
de Almeida; na de 1861-1864, Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti e Ga­
briel Soares Raposo da Câmara. Destes tinham sido nortistas militantes
Amaro Bezerra, Otaviano Cabral e Gabriel Soares; Xavier’Garcia, embora
rio-grandense, ausentara-se da província e seguira a carreira das armas,
ocupando então o posto de coronel (foi depois brigadeiro) e sendo eleito
graças à influência de sua família, que também era nortista; e José Joaquim
da Cunha fora presidente de 6 dc maio dc 1850 a 10 de julho de 1852,
preparando no governo a sua eleição.
Nenhum, portanto, tinha afinidades. corn, os sulistas, aos quais só
foram confiados,' uma vez por outra, postos secundários ha administração
ou lugares na assembléia provincial. Mesmo durante a situação progressis-
I
!
» *
’ ta havia muita rivalidade entre os que tinham tido origem diversa; Amaro
Bezerra, que evoluira francamcntc para o liberalismo c que era quem
dispunha de maior força junto aos chefes do partido no Rio de Janeiro,
ainda não estava dc todo identificado com José Moreira Brandão Castello
* Branco, que fora figura primacial entre os sulistas desde 1849, quando
surgira na imprensa combatendo os Cabrais (Otaviano Cabral Raposo da
Câmara c seus irmãos Leocádio Cabral Raposo da Câmara e Jerônimo
Cabral Raposo da Câmara), nesse tempo os nortistas de matiz mais car­
regado.
Quem conhece a nossa história política não ignora como foi precária
e inglória a vida do último gabinete de Zacarias dc Góis, desde fevereiro
de 1868, quando Caxias à frente do exército em operações de guerra no
Paraguai impôs a sua retirada, até julho do mesmo ano, quando o Impe­
rador, por um golpe de poder pessoal, chamou os conservadores ao governo,
sem que uma questão parlamentar provocasse a queda dos seus adversá­
rios, com grande maioria na Câmara dos Deputados.
Mas a causa alegada para a demissão do ministério não foi nenhuma
das duas: imposição de Caxias ou afirmação do poder pessoal do imperan-
te. Era preciso cobrir a coroa e procurou-se para isto um pretexto. Esse
pretexto foi a nomeação do senador que devia substituir Manuel dc Assis
Mascarcnhas, falecido em 30 dc janeiro dc 1S67. O Imperador declarou
o seu propósito de escolher Francisco de Sales Torres Homem e Zacarias
fez ver que a escolha não era acertada c por isto não podia tomar a res-
- ponsabilidade dela: o candidato que tinha as suas simpatias era Amaro
Bezerra. O monarca insistiu, ressalvando a sua prerrogativa constitucional,
e o ministério demitiu-se. Fora encontrada a justificativa necessária para
que sc invertesse a situação.
Reconstituíram-se nessa ocasião os dois grandes partidos- nacionais:
os gòycrfíistãs formaram o conservador "e"os' progressistas, -fundidos defini­
te vam ente todos os clemenos que os compunham, com exceção de um
pequeno grupo que aceitou pouco depois o programa republicano, passa­
ram a constituir o partido liberal. Dissolvida a Câmara por decreto de 18
de julho, Amaro Bezerra, que dela fizera parte e cuja não escolha para o
Senado servira de causa ocasional à solução da crise política, voltou â
província, dizendo-se “encarregado pelo Centro Liberal da Corte de pro­
mover a instalação e organização do diretório do partido local, comissão
que sobretudo prezava, não só como uma distinção pessoal, mas princi­
palmente porque se lhe davam ocasião e meios de servir mais eíicazmente
a idéia liberal e a causa do partido a cuja sorte o unia indissoluvelmcnte
o mais subido ponto de honra com o qual o identificava o batismo da
adversidade comumf e “protestando esforçar-se, quanto em suas forças
coubesse, por corresponder à confiança daquele partido, sem prevenções
oriundas do influxo de ódios ou de quaisquer dissidências passadas, que
todas tinha sacrificado e esquecido diante do máximo interesse e dever
supremo para o cidadão brasileiro de defender as instituições nacionais.”

237
Em reunião per cie convocada c que sc realizou a 19 de novembro
de 1868, foi eleito o seguinte diretório:
Dr. Amaro C. Bezerra Cavalcanti, presidente
Dr. Hermógenes Joaquim Barbosa Tinoco, secretário
Dr. Luis Rodrigues de Albuquerque
Dr. Jefferson Mirabeau dc Azevedo Soares
Dr. José Moreira Brandão Castello Branco
Vice-Cônsul Joaquim Inácio Pereira
Vigário Bartolomeu da Rocha Fagundes
Ten. Cel. João Inácio de Loiola Barros
Major Joaquim Ferreira Nobre Pclinca
Major Francisco Bezerra Cavalcanti Rocha Maracajá
Capitão José Inácio de Brito.
Defendendo as suas idéias, apareceu O Liberal do Norte, redigido
pelos quatro primeiros membros do diretório c tendo a colaboração efetiva
dos Drs. José Maria de Albuquerque Melo, Vicente Inácio Pereira, Manuel
Januário Bezerra Montenegro c Joaquim Maria Carneiro Vilela.
Em 1S72, inteiramente dissipados os ressentimentos existentes entre
Amaro iJezfcrra e Moreira Brandão, retirou-se aquele para Pernambuco,
assumindo este a chefia do partido e a direção d’O Liberal do_Norte,
que passou a chamar-se simplesmente O Liberal. Embora com duas sus­
pensões temporárias de sua publicação, esse jornaMoi até lS83__o. órgão
do^artido^batçi]do-s£pelo seguinte programa (n? de 24 de abril de 1875):.
MO nosso programa, não precisamos_dizçjo,_ é_o_ de todo o Partido_
Liberal doT ImpénõT Queremos, como quisemos sempre, a realização dos
princípios característicos do mesmo partido: a liberdade da imprensa e
do ensino, a liberdade de consciência e de culto, a liberdade da indústria
e do comércio, a descentralização, a independência da magistratura, a
garantia de todos os direitos, a verdade das eleições e pureza do governo
representativo. Queremos, nos termos indicados pelo centro liberal, a
realidade e desenvolvimento do elemento democrático da constituição
e a maior amplitude e garantias das liberdades individuais e políticas.
Queremos em geral as reformas que o progresso e as condições sociais
tem tornado necessárias...
No tocante às magnas questões da atualidade, a da reforma eleitoral
e a denominada religiosa, que exigem imediata solução, a bem das insti­
tuições, da liberdade e da ordem, seguimos sobre cada uma a opinião
que decorre dos princípios estabelecidos no nosso programa. Decidimo-
nos^quânta. à- primeira, pelo regimen do .sufrágio direto,. único. que. pode
líÈertar a nação do pesadõ jugo de uma odiosa tutela. Pronunciamo-nos,
j
quanto à .segunda, pela independência do poder espiritual e do poder
civil, de modo que, girando livremente nas órbitas de suas atribuições,
sejam igualmente respeitadas as prerrogativas da Igreja e do Estado e
eficazmente protegidos e acautelados os inalienáveis direitos da consciência.
São estas as nossas idéias e as nossas vistas, como brasileiros e como
políticos. Como rio-grandenses, procuramos concorrer para o cngra’ndcci-
mento de nossa província, promovendo, quanto cm nós couber, os me­
lhoramentos morais e materiais de que ela precisa.
Do lado oposto era O Conservador, fundado em^lS69 e publicado
até 1881, cpC'Tustcntava, como órgão de seu partido, a orientação política
dominante. Rcdigiam-no os Drs. Francisco Gomes da Silva c Henrique
Leopoldo Soares da Câmara, padre João Manuel dc Carvalho c Major
Joaquim Guilherme dc Souza Caldas, os quais, com os Drs. Luís Gonzaga
dc Brito Guerra, que, nomeado primeiro-vice-presidente, foi quem inau­
gurou a situação conservadora na província; Otaviano Cabral Raposo da
Câmara, Tarquínio Bráulio de Sousa Amaranto, Francisco Clementino de
Vasconcelos Chaves, Jerônimo Cabral Raposo da Câmara, e alguns mais,
constituíam o estado-maior dos govemistas, cujo chefe era, de fato, o
Coronel Bonifácio Francisco Pinheiro da Câmara.
Nem todos, porém, viam com bons olhos a sua preeminência e foi
por isto que, na administração dc Henrique Pereira de Lucena, 1S72-1873,
o Dr. Jerônimo Cabral Raposo da Câmara pôde sobrepor-se aos seus
correligionários, abrindo cisão entre eles, e perturbando a harmonia no
seio do partido. Este dissídio não teve, entretanto, grande alcance, porque,
depois daquela administração, cessou definitivamente a sua e a influência
dos Cabrais, de que Otaviano, deputado geral nas legislaturas de 1S53
wa 1856 e 1869 a 1872, fora o mais eminente e ele o último representante.
Fora do terreno político, a vida da província seguia o seu curso
natural em perfeita calma c normalidade. Apesar de lento, seu progresso
era estável e seguro, tendo tido grandes^surtos por ocasião da guerra civil
»os__Estados Unidos, quando os preços do algodão subindo exagerada-
mente, provocaram o aumento da produção deste gênero, já cultivado
em grande escala, e, com ele, o enriquecimento do patrimônio particular
e a brusca elevação da receita pública.
Alguns melhoramentos úteis foram executados nesse momento e na
fase de iniciativas fecundas que se abriu ao país durante o governo do
Visconde do Rio Branco, o imortal propugnador da Lei do Ventre Livre.
Datam desse tempo as primeiras concessões ali feitas para construção
de estradas de" ferro, uma_das quais — a de Natal a Nova Cruz —_ teve
* o' seu trecho inicial, na extensão de cerca de 41 quilômetros, entreguo
ao tráfego em 28 de setembro de 1881.
Em geraL reinaram sempre completa ordem e absoluta tranquilidade:
pequenos conflitos, comuns durante pleitos eleitorais disputados, o pro-

239
testo dos quebra-quilos, reação contra o novo sistema de pesos_e_medidas
qúelforà adotado, e as depredações-d<f umgnipb’de cangaceiros chefiado k
por Jesuíno Brilhante? dê quem ainda" lfojè s"e rememoram façanhas cava.- \
lhêirosas e perversos atentados, não ultrapassaram os limites de simples í
ocorrências policiais, reprimidas severa ou benignamente, segundo eram
mais ou menos graves. I
Um fato, contudo, ameaçou a desorganização do trabalho: foi a1
guerra do Paraguai. Fôramos surpreendidos sem efetivos militares sufi­
cientes para uma desafronta imediata, donde a necessidade de recorrer
• ao recrutamento, uma vez extintas as reservas da guarda nacional e do
voluntariado, para preencher os quadros do exército. Essa medida espalhou
pânico e a lavoura foi quase abandonada. Vieram então os apelos vibran­
tes ao patriotismo da população para que acorresse às bandeiras em
defesa da Pátria, c Amaro Bezerra, para secundar esse apelo, ofereceu,
ele próprio, os seus serviços ao presidente conselheiro Luís Barbosa da
Silva, publicando este manifesto cm 4 de janeiro dc 1867:
“Rio-Grandenses do Norte:
Há 18 anos que vivo entre vós comungando convosco sofrimentos e
lutas políticas.
Em todo esse longo período tenho-vos provado constantemente dedi­
cação e lealdade, e de vós tenho sempre recebido provas inconcussas de
estima e confiança que muito me honram.
Deveres imperiosos resultam desses laços, que tem formado com a
sanção do tempo a mais perfeita reciprocidade de sentimentos e afeições.
Tenho fé em vós de que não quereis hoje desmenti-los quando uma
causa santa me arrasta a pedir-vos uma prova suprema, assim como espero
tereis fé em mim de que o faço de ânimo puro, tendo em vista unicamen­
te o cumprimento de grandes deveres e o engrandecimento de vosso nome.
Nossa pátria e mãe comum tem sofrido afrontas graves de um estran­
geiro audaz, e luta, há dois anos, para vingá-las, como deve, nos campos
de batalha. Essa demora nos desdoura perante o mundo; a vingança só
é nobre quando é pronta. É preciso consumá-la por um golpe decisivo,
como o exige a sua e a nossa honra.
Nesse empenho sacrossanto de que a glória é a coroa, cumpre não
ficar atrás e ir disputá-la na vanguarda, na razão do maior esforço.
Concito-vos a dar esse grande passo, oferecendo-me para conduzir-
vos, e por minha honra serei fiel a este compromisso, compartilhando
à vossa frente ou ao vosso lado perigos e sofrimentos.
O dever mede-se por si mesmo, não se extingue para ninguém en­
quanto subsiste para todos.
Tendes feito muito; deveis, porém, fazer muito mais até que seja
salva a nossa pátria e suas ofensas desagravadas.

240

Enquanto este dever não estiver plenamente cumprido, o nome de
brasileiros é um peso imenso que devemos sustentar com honra. Deus nos
livre de que ele se converta em uma vergonha no íuturol
Corramos, portanto, unidos ao combate para defender os brios do
nosso país e salvar-lhe os futuros destinos, evitando assim legarmos aos
nossos vindouros uma herança de desonra. ’
Há na escala dos esforços humanos um grau ainda superior ao dever,
que se chama magnanimidade ou heroísmo, pelo qual se engrandecem
os indivíduos ou as comunhões.
Mostrai-vos, pois, grandes por esse esforço supremo, e assim conquis­
tareis, com as bênçãos de todo o país, honra e glória para esta província,
que nos cumpre elevar em consideração e valor no conceito da nação.
É de meu dever indicar o vosso, dirigindo-vos o espírito e confor-
tando-vos na guerra, como tenho solicitado e merecido de vós a honra
de representar os vossos direitos na paz.
Não vos exorto para que vades, convido-vos para que vamos.
À parte mais viril da geração atual, que desponta cheia de fé e de
nobres aspirações, cumpre dar um grande passo que a eleve aos olhos
do país e do mundo. A ela renovo o apelo que já lhe dirigi nos seguintes
termos: "Mocidade briosa da província, encetai a carreira das armas,
aquela em que o valor supre o talento e funda, como ele, a nobreza
pessoal. Por ser ela a mais árdua e arriscada, é também a mais gloriosa.
Aproveitai, pois, a ocasião de conquistar glória e distinção para que
possais dar a ler ao futuro uma página brilhante de nossa vida”.
É este o voto sincero de quem vos deseja de coração felizes e gran­
des destinos.
Não o posso provar melhor do que oferecendo-me para conduzir
à glória como vosso companheiro no perigo.
O oferecimento de Amaro Bezerra, que era deputado, não foi aceito
pelo Governo Imperial; mas o seu exemplo, estimulando a coragem e as
energias cívicas do povo, em muito contribuiu para que, daí por diante,
jamais faltassem numerosos contingentes de norte-rio-grandenses nas filei­
ras dos bravos que desafrontaram no estrangeiro nossa honra ultrajada.
Em 1878, os liberais subiram ao poder com o_ ministério .Sinimbu,
encorTtraidu^á^pfóvíncia, quêTdèsde o ano anterior vinha sendo castigada
mais uma vez pela fatalidade climática que periodicamente a assolava, cm
estado de verdadeira penurüÇ ô' que não os impediu de fazer, como
sucedia sempre que qualquer dos partidos era investido do governo, a
mais violenta derrubada contra os adversários. Estes, consoante os pro­
cessos do tempo, foram arregimentar os seus partidários por entre as
maiores provações, manter a campanha da imprensa (esta jamais deixou

241
de existir desde 1852, embora a publicação de folhas diárias date do
atual regime) e aguardar de novo que chegasse a hora de seu retomo
às posições, na certeza de que eia não demoraria, porque a vontade
incontrastável do Soberano não mais permitia osbracismos prolongados.
Os postos de destaque couberam aos vitoriosos do dia, voltando à cena,
como expoentes máximos da situação, Amaro Bezerra c Moreira Brandão?
eleitos deputados na legislatura de 1878 a 1881.
Naquele ano João Carlos Wandcrley, que ficara na penumbra desde
a conciliação de 1S53, recolhendo-sc à terra de seu nascimento, onde
redigiu o Correio do Açu, jornal francamente liberal, transferiu-se para
a capital, trazendo a tipografia de sua propriedade e iniciando a publica- '
ção do Correio do Natal, de que foram redatores ele e seu genro, o
Dr. Luís Carlos Lins Wãnderley.
Estava, porém, escrito que a fortuna política não lhe sorriria mais:
esteve quase sempre em oposição aos seus correligionários, dos quais
afastou-se, por fim, passando-se para os arraiais contrários. Eni_1885, o
seu jornal.tornou-seórgão conservador e assim se manteve até~~2h. extinção
da monarquia, quando velho, cansado e desiludido abandonou de todo
a vida política. Moreira Brandão, apesar de inteligente e ilustrado, hábil
jornalista e advogado emérito, não era um lutador e, portanto, não podia •
fazer sombra a Amaro Bezerra, bomem de talento e de ação, leal e
generoso, dedicado aos seus amigos e irredutível nos seus compromissos
partidários. Durante o domínio liberal» 1878 e 1885, a sua preponderância
foi absoluta; mas o seu feitio absorvente, autoritário e voluntarioso oca­
sionou por várias vezes a quebra de unidade de vistas e fortes dissentí-
mentos entre os que o acompanhavam, enfraquecendo o partido, que,
ao se ferir, na conformidade da Lei nv 3.029, dc 9 dc janeiro de 1881
— lei Saraiva —, a primeira eleição direta, foi forçado a entrar em acordo
com os conservadores, cedendo-lhes na representação geral um dos lugares,
que só pôde reconquistar na legislatura vigente, quando se procedeu à
nova eleição em consequência da dissolução da Câmara, sod o minis­
tério Dantas.
Em 20 de agosto de 1885, ao subirem os conservadores, os liberais,
aparentemente coesos, já estavam trabalhados por fundas divergências,
que foram conjuradas, durante a adversidade, por Josc Bernardo de Me­
deiros, o mais prestimoso dos auxiliares dc Amaro Bezerra, depois da
morte do Dr. Euclides Dcoclcciano de Albuquerque, mas que teriam de
explodir, como explodiram, mais tarde.
Em relação aos conservadores, as coisas não corriam de modo dife­
rente. Cindiam-nos também os mais sérios desgostos e as maiores com­
petições pessoais.
Com o desaparecimento do Dr. Francisco Gomes da Silva, político
de grande relevo, c do Cel. Bonifácio Câmara, ccntTo de convergência dc
poderosos elementos eleitorais, os chefes consagrados eram o Dr. Tarquí-

242
f

nio de Sousa e o padre João Manuel, este no segundo e aquele no pri­


meiro distrito. Deputados ambos, nem sempre se entendiam a contento;
e na província so refletiam as suas inclinações através dos que privavam
mais diretamente com cada um deles. Na botica, estabelecimento co­
mercial do farmacêutico José Gervásio de Amorim Garcia, cunhado do
Dr. Francisco Amintas da Costa Barros e irmão do Dr. Antônio de Amo­
rim Garcia, reuniam-se ;i tarde os partidários mais extremados de Tarquí-
nio; e na gameleira, bela árvore que havia na atual praça do padre João
Maria, os que mais simpatizavam com João Manuel. Da botica ou da
gameleira eram, pois, os dois agrupamentos que, embora unidos, toda
gente sabia que disputavam primazias e distinções. r
O sucesso de maior importância ocorrido última jituação conser­
vadora foi_oj]iqyimento abolicionista, feito fora e acima dos partidos, c
no qual figuraram nas primeiras línlias o padre João Maria, os Drs. Pe­
dro Velho, Oliveira Santos, João Lindolfo, Zacarias Monteiro, Nascimento
Castro, Luís Souto, Batista Júnior, os cidadãos Jovino Barreto, João Ave­
lino, Odilon Garcia, Olímpio Tavares e Miguel Lobo, além de muitos
outros, que, reunidos, por iniciativa dc Pedro Velho, a. 1? de janeiro de
1888 no Teatro Santa Cruz, na cidade de Natal, fundaram a Libertadora
Nõrte-Rio-Grandense, cujo fim era promover a libertação da província
dentTÒ daquele ano. ’
A diretoria dessa associação ficou composta do padre João Maria
Cavalcanti de Brito, presidente, Dr. Manuel Porfírio de Oliveira Santos,
P-secretário, major Antônio Pinheiro da Câmara, 2^-sccrctário, e capitão
Urbano Joaquim de Loiola Barata, tesoureiro, havendo duas comissões
executivas, uma na Cidade Alta e outra na Ribeira, composta cada uma
de 12 membros, para apressar a libertação da capital. Para fazer a pro­
paganda na imprensa, foi criado o Boletim da Sociedade Libertadora
Norte-Rio-Crandcnse, em cujo primeiro número se divulgou o seguinte
manifesto, dirigido à província:
X "Povo Rio-Grandensel Briosos filhos do Norte!
Não vedes como da consciência de cada cidadão se ergue uma chama
ardente e fúlgida, que se vai reunir na alma coletiva do povo soberano,
formando um vasto e grandioso incêndio de patriotismo?
Não vedes como se desmorona, csfacclado e podre, o colosso do
escravismo que a consciência pública não pode mais encarar, sem pejo
e sem horror?
Não vedes como o país inteiro se pronuncia pela morte de uma ins­
tituição, que cava entre a nossa querida pátria e o resto do mundo culto
um vale profundíssimo de trevas e de lágrimas, que só as flores virentes
da liberdade poderão encher e ocultar aos olhos do futuro?
Não vedes como esperamos trêmulos e envergonhados os severos
juízos da História, quando ela ensinar aos povos do poivir que nesta
terra a escravidão fez penetrar tão fundo as suas envenenadas raízes

243
que cem anos depois da revolução francesa ainda os homens se dividem
cm escravos e senhores?
A idéia do dever c as imposições da moral civilizada não podem
achar-vos surdos a um apelo em que se pedem duas libertações: a dos
cativos que sofrem sem crime o maior dos males e a dos senhores que
praticam inconscientemente a maior das injustiças.
Entramos no novo ano e o mais avançado passo que a província
poderia dar na senda do progresso, a mais brilhante afirmação de que
palpitam aqui corações livres e generosos era darmos um golpe decisivo
e mortal nesse monstro do cativeiro.
A província devia empenhar-se, num compromisso solene e irrevogá­
vel, para extinguir de todo a escravidão em seu território dentro do ano
corrente.
Quando a primeira aurora de <S9 viesse dourar os nossos horizontes,
essa terra deveria recebê-la entre galas festivas e risos de alegria, anun­
ciando-lhe a boa nova dc que já não tínhamos escravosl Seria triste e
doloroso que a data gloriosa que relembra o maior acontecimento dos
anais da humanidade, após a pregação de Cristo, essa grande revolução
que proclamou os direitos do homem ainda viesse encontrar neste país
milhares de homens sem direito alguml
A abolição do cativeiro no Brasil não é somente uma aspiração, c
uma necessidade, uma exigência do espírito público.
Hoje o escravo não é mais uma propriedade, porque não tem valor;
não constitui fortuna de ninguém, porque ninguém pode reduzi-lo a
dinheiro. Também não representa entre nós uma raça inferior ou selva­
gem que não tenha aptidões para viver cm liberdade: nada o diferencia
no físico ou no moral do comum dos trabalhadores livres. J
Além disto, ele vai compreendendo que é útil, que é necessário, e
quem quer que tenha a consciência dessa força não se pode mais subme­
ter à condição de besta de c^rga, explorado sem o estímulo moralizador
e legítimo do lucro.
Nenhum espírito sério e em boa fc pode mais dizer que a lei Saraiva
seja capaz de resolver a questão servil.
A idéia abolicionista chegou a um grau tal dc vitalidade e robustez
que pouco se preocupa com as medidas governamentais sobre esse grande
desideratum nacional. A onda cresce e avoluma-se, assoberbando todas
as resistências. A opinião está inquieta e insofrida: o país não pode mais
suportar essa ignomínia a rcqucimai-lhc as faces como um ferro em
brasa!
Resistir à torrente abolicionista no campo da discussão c impossível.
Pergunte-se hoje a qualquer brasileiro se um homem tem o direito
de ser senhor de outro que a resposta só pode ser negativa.

244
O que se discute é a escolha dos meios de tornar efetiva para milha­
res de compatriotas a restituição da sua liberdade por tanto tempo usur­
pada. E posta a questão neste terreno, a experiência está demonstrando
todos os dias que o mais nobre e mais humano, e, ao mesmo tempo, o
mais acertado e mais prático c a libertação imediata e incondicional,
aproveitando os escravizados como trabalhadores livres e salariados. Z
Ainda quando houvesse homens com o senso moral tão pervertido,
com os instintos naturais de criatura racional tão entorpecidos pela as­
fixia das senzalas, tão apodrecidos na apatia dc uma indiferença bestial
que não sentisse mais ânimo de aspirar à liberdade, o dever de todos
nós seria arrancá-los a esse torpor e abrir-lhes os olhos da consciência à
luz brilhante do primeiro dos ideais humanos, que é ser livre. Quem vê
um seu semelhante na abjeção de um tal estado, e não lhe dá a mão
para erguê-lo, é um egoísta cruel e criminoso.
Batido pela razão, restará ainda ao escravismo o recurso da força,
para se sustentar e manter-se, ou mesmo para retardar a sua queda infa­
lível e próxima? Não o cremos.
Além de que fazer violência à opinião nacional, tão clara e arden­
temente manifesta, seria um atentado aos brios do país, os defensores
da honra da pátria não se prestariam jamais ao papel degradante de
defensores de uma instituição que é justamente o que a dúsonra.
Sc os escravos sc evadissem todos, o que não nos deveria causar
grande surpresa, porque era o que procuraria fazer cada um dc nós, sc
o fizessem, o exercito não iria dar-lhes caça para restituí-los ao bacalhau
e ao tronco. Não, mil vezes não!
Seria preciso que o exército brasileiro fosse uma corte de janízaros
servis; e o que sabemos é que a espada dos nossos soldados tem traçado
a sua história nos fastos militares do mundo com uma bravura, altivez
c heroísmo que nada devem aos mais denodados c nobres guerreiros!
O que falta é difundir estas verdades, que acham eco em todo o
espírito que não seja mal-intencionado ou enfermo.
Propaganda incessante e decidida!
O dever de todos é fazer penetrar essa ideia tão natural, tão simples,
tão justa e tão cristã no coração daqueles que sc acham afastados da
corrente do pensamento nacional.
A vozes do patriotismo estão proclamando a toda hora que a liber­
tação dos escravos é uma causa que não comporta mais delongas.
A escravidão comprime dolorosamente a alma da pátria, envergo­
nha-a e degrada-a, sem ter ao menos a atenuante utilitária e prática
de ser indispensável. O Brasil não precisa da escravidão para manter
o equilíbrio da sua economia social. Pelo contrário, tem sido ela a causa

245
mais poderosa do retardamento do seu progresso, em todos os sentidos.
É mA, é humilhante e é injusta! Guerra, pois, à escravidão!
Batalha sem tréguas ao escravismol E viva a abolição! Viva o povo
rio-gran dense! Viva a pátria brasileira, que não quer escravos nem pre­
cisa deles! Todos os filhos desta esplendida e heróica filha de Colombo
devem ser cidadãos, homens livres! Viva a liberdade!”
A porcentagem da população escrava da província nunca foi elevada '
(pelo recenseamento de 1S72 era de 13.020 num total de 233.979 habi­
tantes) e, de muito, a ação dos abolicionistas a vinha reduzindo: a última
matrícula feita mostrava que o número de escravos existentes era de’ -
3.716 e, pelo primeiro número do Boletim, se verifica que já eram livres
os municípios de Mossoró, Caraúbas e Triunfo (hoje Augusto Severo),
as cidadeT'dõ~ Açu, Canguaretama e Jardim do Seridó, as vilas de Ma-
caíba e Papari, e a povoaçâo de Utinga. Ao ser promulgada a lei de P
de maio, já figuravam em quadro de honra: n
Municípios livres:
I

Natal, Mossoró, Caraúbas, Triunfo, São José de Mipibu, Canguare­


tama, Papari, Nova Cruz, Angicos, Touros, Portalegre c Príncipe.
Cidades livres:
Açu, Jardim e Apodi.
Vilas livres:
Macaíba, Ares, Goianinha, Santa Cruz, Pau dos Ferros, Santana do
Matos, São Miguel, Acari e Serra Negra.
Povoações livres:
Utinga, Poço Limpo, Igreja Nova, Ponta Negra, Pirangi, São Gonçalo,
Guanduba, Piau, Mangabeira, Canabrava, Extremoz, Patu, Brejinho, Ti-
bau, Genipabu, Santo Antônio de Goianinha, Carapebas, Currais Novos,
Boacica, Pipa, São João do Príncipe e Tabatinga. .
O movimento foi rápido e fulminante, não lhe faltando nem mesmo
as simpatias da imprensa política, inclusive os órgãos partidários — A Li­
berdade, Correio do Natal e Gazeta do Natal, o primeiro liberal e os
dois últimos conservadores — os quais aplaudiam e, às vezes, secundavam
a propaganda valentemente feita no Boletim, de que foram principais
redatores Pedro Velho, Zacarias Monteiro, João Lindolfo, Oliveira Santos
e Nascimento Castro.
Foi esta a última ata da Sociedade Libertadora, datada de 20 de
maio e assinada pelo padre João Maria, presidente, e Zacarias Monteiro
e João Lindolfo, secretários:
“A idéia abolicionista era geralmente abraçada pela população do
Rio Grande do Norte. Reconhecia-se, entretanto, a necessidade de um
centro que dirigisse os espíritos e levantasse a grande campanha contra
a escravidão.- Foi então que no dia lç de janeiro do corrente ano diversos
cidadãos de todas as classes, reunidos no Teatro Santa Cruz, desta Capital,
fundaram a Libertadora Norte-Rio-Grandense, que tomou a si o nobre
e generoso compromisso de proclamar livre toda a província até o dia
31 de dezembro vindouro.
Entrando em ação, aquela sociedade criou logo um órgão na im­
prensa (este Boletim, que termina hoje a sua publicação), onde fazia a
mais franca e enérgica propaganda em favor de seu desideratum; nomeou
comissões que <1 auxiliassem nos diversos municípios, com exceção dos
de Mossoró, Caraúbas e Triunfo, já então livres, comissões cujos bons
serviços recordamos agradecidos; empregava, enfim, todos os meios in­
dispensáveis à realização da grandiosa obra, que se propunha levar a
teimo.
Encaminhado assim o movimento, a briosa província pôde, dentro
do curto período de 4 meses e 12 dias, apresentar o luminoso Quadro
de Honra acima publicado (é o mesmo que transcrevemos).
Por amor à verdade histórica se diga que entre nós houve alguns
emperrados, mas, não obstante isto, estamos certos de que a Libertadora
levaria a efeito a sua empresa, proclamando livre a província antes do
prazo por ela marcado, se o governo não tomasse a si o honroso encargo
de fazé-lo já.
Foram apresentados à matrícula ultimamente procedida na província
3.716 escravizados, e, em vista de dados exatos que possuímos c por
cálculos mais ou menos aproximados, avaliamos cm trezentos c poucos,
po máximo, os que ainda permaneciam no cativeiro quando raiou_á^tãò
almejada aurora de 13 de maio.
De modo que o Rio Grande do Norte pode dizer com orgulho: em
meu território muito pouco encontrou a fazer a grande lei que aboliu
a escravidão no Império.
Eis, em ligeiros traços, o que se passou no Rio Grande do Norte, de
Io de janeiro a 12 dc maio de 1SS8, no tocante à questão do elemento
servil, hoje enfim resolvida no modo mais digno c lisonjeiro para honrar
**
e glória da pátria brasileira.
Como é sabido, o movimento abolicionista teve, em todo o país, a
par dc efeitos sociais e econômicos, uma grande repercussão de ordem
política: congele começou a desagregação dos partidos. E, na província,
essa repercussão, conquanto atenuada, se fez sentir. Dois fatos o ates­
tam: o primeiro foi, conforme veremos oportunamente, a fundação, do
partido republicano e a publicação do jornal A República, poucos.meses
depois, e o segundo a acentuação de nuances partidárias nos dois campos
monárquicos.
Entre os conservadores, Tarquínio de Sousa, espírito ponderado e
culto (era professor da Faculdade de Direito do Recife), ainda mantinha
mais ou menos aproximados os seus correligionários do primeiro distrito,
embora cheio de desalentos sobre o dia damanhã; mas João Manuel,
temperamento impuetoso e lutador desassombrado, avançava resoluta­
mente para o liberalismo radical que combatia a realeza, distanciandó-se
assim dos seus amigos do segundo distrito que, por sua vez, dele sc
afastaram para agir isoladamente, segundo as suas próprias inspirações.
Jsntreos liberais, já não escapava ao observador arguto e perspicaz
a existência de correntes opostas a se chocarem.
Era esta a situação quando o visconde de Ouro Preto organizou
; o gabinete de 7 de junho de 1889, em cujo programa se inscrevia algumas
das medidas c reformas aprovadas pelo ultimo congresso do partido libe­
ral: o alargamento do direito de voto, a autonomia das^pnavincias c do
Município Neutro, a elaboração do código clvil^a conversão’dã‘ dívida
externa, a amortização do papcl-moeda, o equilíbrio orçamentário e a
criação dc estabelecimentos de emissão c crédito, cspccialmente para
favorecer o aumento da produção.
Decaídos os conservadores e dissolvida a Câmara dos Deputados,
Tarquínio de Sousa, após curta demora no Rio de Janeiro, retirou-se
para Pernambuco, retraindo-se por completo, e João Manuel desligou-se
inteiramente do seu partido, fazendo antes a sua profissão dc fé repu­
blicana. São do discurso que proferiu em 11 de junho os seguintes tópicos:
“Sr. Presidente: Os últimos acontecimentos políticos que todos nós
temos testemunhado, sc por um lado devem causar no espírito público
as mais sérias apreensões e produzir a mais viva impressão no ânimo
dos brasileiros, por outro lado devem cnchê-los do maior júbilo, desper­
tando-lhes ao mesmo tempo as mais gratas esperanças pelos futuros des­
tinos de nossa pátria. Tudo está indicando evidentemente que este país,
fadado por Deus aos mais gloriosos destinos, em breve passará por trans­
formações profundas e radicais, e que as velhas instituições que nos têm
humilhado tendem a desaparecer deste solo abençoado, onde não pude­
ram consolidar-se nem produzir frutos benéficos (sensação).
Tudo c confusão e anarquia: confusão na ordem social, anarquia na
ordem política. Mas tenho fé em Deus que deste caos medonho, cm
que se debatem inanes, se estorccm agonizantes os restos de uma mo­
narquia moribunda (apoiados e aplausos), há de surgir a luz, essa luz
suave e esplêndida da liberdade e da democracia, que há dc incendiar
todas as inteligências, iluminar todos os corações, caindo no seio da
pátria como gota de orvalho divino, vivificando-a, fccundando-a, como
vivificam as flores os raios benéficos de um sol de estio.
Senhores, os aparelhos deste velho sistema dc governo estão gastos
e imprestáveis. Os antigos partidos acham-se divididos, esfacclados...
Um Sr. Deputado: Descobriu isto agora.
O Sr. João Manuel: Só tenho que dar satisfações à nação que nos
julgará.

248
Esfa cel ados pelos ódios, anulados pela fraqueza, apodrecidos pela
corrupção, estragados pelos vermes das dissidências que os têm corroíao e
dilacerado. O Senado e o Conselho de Estado, onde só deveríam imperar
a razão calma, a reflexão, a prudência e a sabedoria, têm perdido a sua
seriedade (apoiados e não apoiados), desmentido suas honrosas tradições,
traído o seu papel, desvirtuado a sua missão, pervertido os fins para que
foram criados, tornando-se facciosos e revolucionários.
O poder irresponsável, cercado do prestígio da realeza, investido das
maiores e mais largas atribuições que se podem depositar nas mãos de
um homem, abusando escandalosamente das augustas prerrogativas que
tão dc boa fc lhe foram conferidas pelo legislador constituinte, c que
tão gencrosamcnte foram reconhecidas e aceitas pela nação, esse poder,
vós todos o sabeis e sentis, tornou-se o poder único, supremo e absoluto,
tudo avassalando a sua vontade, tudo amesquinhando, tudo abatendo, tudo
mistificando, tudo corrompendo, invadindo, absorvendo c suprimindo
todos os outros poderes constitucionais.
Diante desta dissolução dos partidos, que se estragaram e se perde­
ram, diante da anarquia c desmoralização cm que se acham as instituições
com que os nossos pais procuraram felicitar-nos, não há espírito, por mais
indiferente, que se não entristeça contemplando os males, as ruínas e as
misérias da pátria, que c a única sacrificada aos erros, às ambições, aos
caprichos c vaidades daqueles a quem têm sido confiados os seus des­
tinos. ..
Não nos iludamos, a república está feita. Só lhe falta a consagração
nacional.
Ela existe de fato em todos os espíritos, cm todos os corações bra­
sileiros. Seria arrojada temeridade ou rematada loucura pretender impedir
essa torrente caudalosa da idéia nova, que invade todos os espíritos e se
derrama pujante em todo o solo da pátria.
O aparato belicoso com que o governo procura aterrar o espírito
nacional c desnecessário, porque a república não quer brigar.
A revolução é outra: a revolução pacífica, operada pela centelha do
patriotismo, incendiando todos os espíritos e abrasando todos os corações
brasileiros; revolução que terá o mesmo resultado benéfico que teve a da
abolição do elemento servil.
O emprego da força, da violência e da compressão só poderão fazer
vítimas, aumentando consideravelmente o número de agitadores. Cada
brasileiro sc imporá como dever sagrado defender a sua idéia, agitando a
opinião pública, falando à alma nacional, despertando-lhe todos os sen­
timentos, excitando-lhe todos os estímulos, movendo-lhe todas as fibras
patrióticas, concorrendo para a grandeza e felicidade deste país, que há
de elevar-se como um gigante, impondo-se à admiração e respeito das

249
í
nações mais civilizadas, bafejado pelas auras puras da democracia. Não sc ;
í iluda o nobre presidente do conselho.
Abolida a escravidão que nos envergonhava, c preciso abolir o poder
que nos oprime c esmaga, esterilizando todas as fontes dc riquezas e
estancando todas as forças vivas da nação. Uma coisa c consequência
natural da outra. J
Não tardará muito que os brasileiros, jubilosos, saudem com entu­
siasmo o alvorecer da aurora brilhante da regeneração política c social. (
Não tardará muito que neste vastíssimo território, no meio das minas
das instituições que sc desmoronaram, sc faça ouvir uma voz nascida
espontânea do coração do povo brasileira, repercutindo em todos os
ângulos deste grande país, penetrando mesmo no seio das florestas vir­
gens, bradando enérgica, patriótica e unanimemente: abaixo a monarquia
e viva a república F
Com este discurso, a que Ouro Preto, altiva e corajosamente, opôs
réplica imediata, em brilhante improviso, João Manuel se separou dos
conservadores da província, os quais, ausente Tarquínio dc Sousa, viveram
sem direção, a não ser dos chefes locais, até que se romperam todos os
vínculos partidários que os uniam com a implantação do novo regimen.
Na última fase do governo monárquico, dominando os liberais, nada
se fazia sem o assentimento de Amaro Bezerra, que cometeu erros gra- ,
víssimos, a começar pela indicação do tenente-coronel Antônio Basilio
Ribeiro Dantas para l.9 vice-presidente. Este, que iá exercera o cargo em
situação anterior, era cidadão probo e digno a todos os respeitos, mas a
nomeação naquele momento devia recair naturalmentc em Josc Bernardo,
que soubera conciliar as divergências latentes no seio do partido e fora
o centro no redor do qual sc haviam congregado todos os legionários do
mesmo credo nos dias dc amargura c dc má fortuna. O fato não teria,
entretanto, consequências se a preferência traduzisse apenas sincera
homenagem a um velho amigo, cuja dedicação era tradicional cm sua
família.
Mas a verdade era outra: o alo obedecera a segundas intenções.
Dgsd_e lS57..que a província, cujos representantes no Senado, com exceção
de Brito Guerra, lhe foram sempre impostos, pelo governo geral,, se. liber­
tara _dcssa intervenção indébita quanto à Câmara dos Deputados, esco­
lhendo livremente, os seus candidatos. E Amaro, indo dc encontro a essa
conquista, que representava uma relativa autonomia, julgou possível voltar
aos tempos idos, assumindo o compromisso de eleger pelo segundo distrito
0 Dr. Francisco Luís da Gama Rosa, nomeado presidente da Paraíba.
Tinha, porem, a certeza de que não contaria para isso com o apoio de
José Bernardo e deixou por esta razão dc confiar-lhe a vice-presidência,
que lhe competia pelos seus serviços.
Conhecida a combinação que fora feita no Rio de Janeiro para a
candidatura Gama Rosa, José Bernardo se apressou cm indicar a do Dr.

250
Miguel Joaquim de Almeida Castro — ex-magistrado na província, que
representara em sua assembléia, e descendente de uma família ilustre,
a do padre Miguelínho, um dos grandes heróis e mártires da revolução
de 1817 — sendo acompanhado por quase todo o partido liberal do sertão,
que constituía o segundo distrito, pelo qual se pretendia apresentar aquele
candidato. Queria isto dizer que levantava a luva que lhe fora atirada,
aceitando, sem temor, a luta a que o provocara o seu chefe e amigo da
véspera. Esse gesto assegurou-lhe adesões e aplausos gerais: a opinião
livre estava com ele para repelir o que se considerava uma afronta do
poder; e Amaro Bezerra, que não era um ingênuo, reconheceu desde logo
a impossibilidade dc insistir no seu primeiro propósito. Não era, porem,
homem para recuar, e resolveu ser cie mesmo o candidato.
Apresentou-se pelos dois distritos para, se vitorioso em ambos, optar
pelo segundo, elegendo Gama Rosa pelo primeiro, onde o seu prestígio
era mais radicado e onde mais eficiente seria a pressão oficial em seu
favor, dada a solidariedade que mantinha com o governo geral e o seu
delegado na província, o Dr. Fausto Carlos Barreto.
O pleito realizou-se em 31 de agosto, sendo candidatos: Amaro Be­
zerra, pelos liberais; Miguel Castro, pelos djssidentes; Almino Alvares
Afonso e ManuefPòrfírio de Oliveira Santos, pelos conservadores; c Josc
Leão Ferreira Souto, pelos republicanos. Nenhum conseguiu maioria
absoluta, entrando em segundo escrutínio, a 9 dc outubro, os dois mais
votados, Amaro Bezerra e Miguel Castro. Este foi o vencedor obtendo
1.112 votos contra 662, que sufragaram o nome do seu competidor.
Depois do pleito, cm que fora tão estrepitosamente derrotado o
valoroso chefe liberal — infatigável combatente cuja vida pública excedia
de quarenta anos —, a desorganização dos partidos monárquicos era pa­
*
tente e a província estava franqueada a todas as idéias novàsT^T"
O Brasil atravessava nessa época o período de febril agitação ini­
ciado com o movimento abolicionista e que sc agravara com as questões
militares, a moléstia do Imperador e a propaganda tenaz contra o terceiro
reinado. Estava no governo o visconde dc Ouro Preto, a cuja inquebran-
tável energia recorrera a coroa, já convencida de que o barão de Colegipe
não fora um visionário, quando, ao ser extinta a escravidão, profetizara a
perda do trono.
Certo, ninguém em melhores condições do que aquele venerando
estadista para salvá-lo se a sua condenação não fosse irremediável. Era,
porém, muito tarde para tentá-lo; e ele, com o seu largo descortino político,
não devia ler ilusões a respeito. Sacrificou-se, portanto, às suas convic­
ções; e pena foi que estas o obrigassem — a ele que cultuava a honra e
para quem o cumprimento do dever tinha prescrições inflexíveis — a esse
sacrifício, porque, se não tivesse naquela ocasião as responsabilidades do
poder, é de crer, conhecidos o seu patriotismo e o seu espírito liberal, que
não recusasse ao país, pelo menos em altos cargos administrativos, o

251
concurso dc sua poderosa inteligcncia c dc sua indiscutível capacidade
para a solução dc alguns dos importantes problemas que o atual regimen
teve de enfrentar desde que foi estabelecido.
Não estava em suas forças desviar a sucessão dos acontecimentos. A
república era, na frase de um dos seus evangelizadores, a fatalidade
infalível. Teria de vir e veio como a consagração de uma grande aspiração
nacional, a 15 de novembro dc 1889.
A província — esquecida e deserdada entre as suas irmãs mais ricas
e mais opulentas — foi indiferente a sorte da dinastia. Pouco devia à
realeza. Comprova-o a modestia dc suas rendas naquele ano: 321.967$448,
quando a população já atingia a cerca dc 300.000 almas.
Conforme já dissemos alhures, foi ao fulgor da palavra convencida e
ardorosa dos que ali fizeram a propaganda da Abolição c da República,
doutrinando pela imprensa e pela tribuna, que os rio-grandenses apren­
deram a contar com as suas próprias forças para fazer a grandeza dc sua
terra, antevista por Pedro Velho, aos lampejos de seu gênio político, e por
cie realizada, em grande parte, ate que a morte arrebatou-o no meio da
jornada, prosseguida, com o mesmo entusiasmo, pelos que, seus discípulos
c seus amigos, procuram — relembrando a sua memória c órfãos embora de
seus conselhos — inspirar-sc nos exemplos edificantes e nos ensinamentos
fecundos dc sua vida gloriosa. /
c

11

252

)
PERÍODO REPUBLICANO ATÉ A
ORGANIZAÇAO DO ESTADO

Todos aqueles que conhecem ou estudam a. marclia. asççncipnal da


propaganda democrática cm nosso país, no períodq que vai elo abolicio­
nismo à República, sabem que, no Rio Grande_dp Norte*.a alma do mo-
yimento foi o Dr. Pedro Velho, que, concluído o seu curso na Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro, onde"deixou entre" os seus colegas justo •
renome pelo seu talento e pelo seu saber, se retirou em 1881, para a pro­
víncia, dedicando-se — inteiramente alheio As competições dos partidos —
à clínica e ao magistério. Parecia um indiferente; e, no entanto, era um
revoltado que se preparava na reflexão e no estudo para descer oportuna-
mente à liça, honrando, pela sua ação patriótica, a memória inolvidável
de seus antcpassadosTíLustrcs, que tinham tido cm jerônimo de Albu-
Juerquç, no tempo da conquista, e André de Albuquerque, na revolução
o 1817, duas das figuras máximas da história norte-rio-grandense.
Na sua primeira campanha, a da abolição, demonstrou o alto valor
de seus méritos; mas foi como propagandista republicano e, mais tarde,
como chefe de partido e homem dc governo, que revelou, em toda sua
plenitude, os dotes excepcionais de seu grande espírito.
A fundação do partido republicano efetuou-se a 27 de janeiro de
1889, conforme se verifica desta ata:
"Às 12 horas do dia 27 de janeiro de 1SS9, teve lugar nesta Capital
na residência do cidadão João Avelino Pereira de Vasconcelos (era situada
cm frente à igreja do Rosário, na praça que tinha este último nome, no
bairro da Ribeira), a primeira reunião do partido republicano nesta pro­
víncia, após os movimentos revolucionários tragicamente afogados no
sangue dos patriotas de 1817 e 1824.
Presentes muitos cidadãos, e achando-se sobre a mesa um grande
número de adesões de correligionários que motivos poderosos impediram
de comparecer à Capital, foi convidado para assumir a presidência da
assembléia o Dr. João de Albuquerque Maranhão, servindo-lhe de secre­
tários 0 Rev. Vigário José Paulino de Andrade e o cidadão Juvêncio Tassino
Xavier de Meneses.
Obtendo então a palavra o Dr. Pedro Velho expôs os fins da reunião
e submeteu à aprovação dos cidadãos presentes as bases da lei orgânica
do partido, as quais foram unanimemente aceitas.

253
Continuando, o orador lembrou a criação de um jornal ou revista
que desse conta dos progressos do partido no país cspecialmente que sc
mandasse tirar uma grande edição das obras de propaganda de Assis Brasil
c Silva Jardim, para distribuição gratuita entre o povo, c animou os cor­
religionários vindos do interior a que promovessem a criação de clubes
locais em seus respectivos municípios. Passou então a fazer a leitura de
um manifesto, cuja redação foi aprovada, resolvendo a assembléia que
fosse mandado à impressão, a fim de ser distribuído largamentc na pro­
víncia.
Usaram ainda da palavra outros cidadãos, todos de acordo com as
• idéias emitidas pelo Dr. Pedro Velho.
Em seguida procedeu-se a duas eleições. A primeira tinha por fim
constituir uma Comissão Executiva Provisória ate que no Congresso do
partido se nomeie o diretório anual.
“Esta comissão ficou composta dos cidadãos seguintes: Dr. Pedro
Velho, João Avelino Pereira de Vasconcelos, Dr. Hermógcnes Joaquim
Barbosa Tinoco, Dr. João de Albuquerque Maranhão, Vigário Josc Paulino
de Andrade, Fabricio Gomes de Albuquerque Maranhão, José de Borja
Caminha Raposo da Câmara, João Ferreira Nobre, Carlos Manuel ac
Jesus Nogueira e Costa, Antônio Mincrvino de Moura Soares c Manuel
Onofre Pinheiro, os quais dentre si deverão escolher presidente, vice-
presidente, tesoureiro e secretários.
A segunda eleição linha por fim constituir a Diretoria do Centro
Republicano da Capital, que ficou assim composta: Presidente, Dr. Iler-
mógenes Joaquim Barbosa Tinoco; vice-presidente, Manuel Ferreira da
Silva Veiga; tesoureiro, Manuel Alves de Sousa; P-secretário, Benedito
Ferreira da Silva; 2^-sccretário, José Joaquim das Chagas Júnior.
Terminada a reunião, sc fez entre os cidadãos presentes uma bolsa
para ocorrer às despesas mais urgentes, telcgrafando-se ao presidente do
Conselho Federal do Rio de Janeiro sobre a reunião e seus resultados.
E para constar, se lavrou a presente ata cm que todos assinaram”.
Estiveram presentes ou sc fizeram representar as seguintes pessoas,
Presidentes da Capital, Macaíba, Ceará-Mirim, Touros, Angicos, Santa
Cruz, Canguarelama, Goianinha, Ares, Papari e São Josc de Mipibu:
João Ferreira Nobre, Dr. Hcrmógenes Joaquim Barbosa Tinoco, Vigário
José Paulino de Andrade, João Ferreira Nobre Júnior, advogado José de
Borja Caminha Raposo da Câmara, Coronel Estevão José Barbosa de
Moura, José Justino de Oliveira Pinto, Teófilo Osvaldo Ferreira da Ro­
cha, Tomás Barbosa de Moura, José Ferreira de Oliveira, José Alípio de
Menezes, Inácio Marçal de Andrade, João de Lira Tavares, Toaquim
Maria Maciel, Vicente Tomás de Lima, Joaquim Correia de Melo, Jerô­
nimo Vieira de Melo, José Carvalho de Góis, Melquíades Ferreira Nobre,
Joaquim Ferreira de Azevedo, Francisco Xavier de Lima, Manuel Ferreira
de Oliveira, -Joaquim Vieira de Melo, Manuel Paulino da Silva, Florencio
do Rego Leite, Felix Barbosa Tinoco, Francisco Goines de Brito, Ouriculo
Matos, Manuel Inácio Ferreira, João Evangelista Ferreira da Silva, José
Paulino da Silva Júnior, Enéias Paulino da Silva, Pedro Fernandes da
Câmara, José Pinheiro dc Castro, Joaquim Tavares de Oliveira, Emidio A.
dc Morais, acadêmico Dcoclccio Duarte, Antonio Joaquim Ferreira, José
Comes da Costa, acadêmico José Ricardo Lustosa da Camara, José Paulino
da Silva, Raimundo de Medeiros Dantas, Xisto Batista Vieira, Filipe Fer­
reira da Silva, José Pedrosa de Oliveira, Fabricio Gomes de Albuquerque
Maranhão, Olímpio Tavares, Antônio Barreto de Góis, José Inacio da
Costa, Antônio Filipe Cabral dc Melo, João Pegado de Siqueira Cortez
Filho, Joaquim Cipião de Albuquerque Maranhão, José Ferreira dc Melo,
João Clcmcntino de Sousa, Joaquim Bezerra dc Oliveira Lima, André
Júlio de Albuquerque Maranhão, Luis Afonso de Albuquerque Maranhão,
Manuel Ferreira Duarte, Dr. João dc Albuquerque Maranhão, Luís Cân­
dido de Araújo Câmara, João Augusto dc Oliveira Barroca, João Antônio
de Brito, Francisco Gomes Teixeira, Bento José Tavcira, Andrc de Freitas
Domclas Câmara, Benedito Ferreira da Silva, João Duarte de Oliveira,
Manuel Ferreira da Silva Veiga, Dr. Pedro Velho dc Albuquerque Ma­
ranhão, José Henrique dc Castro Barroca, Adelino Maranhão, Josc Leitão
dc Almeida, Antônio Xavier de Sousa, Francisco Antônio de Sousa Duarte,
Josc Alves dc Sousa, Joaquim Hugo dc M. Carvalho, Antônio Mincrvino
de Moura Soares, Manuel Onofre Pinheiro, Manuel Alves dc Sousa, José
Antônio Areias, Manuel da Cunha Soares, Serafim Barbosa Cordeiro, Josc
Deodato de Oliveira Lima, Manuel Cordeiro do Vale, Joaquim Soares dc
Lima, Lourenço Teixeira Fernandes, Benjamim Franklin Pedrosa, Antonio
Joaquim Soares, Inacio Bento de Ávila Cavalcanti, João Avelino Pereira de
Vasconcelos, Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, João Pedrosa
de Andrade, Teodulo Soares Raposo da Câmara, Manuel Salustiano de
Carvalho, Napoleão Esperidião Pedreira dc Góis, Joaquim de Matos, Fran­
cisco Muniz Pacheco, Joaquim Martiniano da Silva, Juvcncio Tassino
Xavier de Menezes, Manoel Alves de Morais Castro, Ricardo Fernandes,
Miguel Joaquim dc Morais, Laurentino Teixeira Galvão, Teodósio Soares
de Oliveira, José Joaquim das Chagas Júnior, Carlos Manuel de Jesus
Nogueira e Costa, Estêvão Olímpio de Oliveira, João Alves de Melo,
Francisco Eduardo Soares da Câmara, Josc Rufino da Costa Pinheiro,
Felismino do Rego Dantas, João Brito, Alberto Frederico dc Albuquerque
Maranhão c Antônio Francisco de Assunção.
Eis alguns trechos do longo manifesto dirigido à província:
"Concidadãos:
“O trono usurpando uma glória exclusivamente popular, para de-
corar-se com e epíteto de redentor, julgou consolidar-se.
Pareceu-lhe que o 13 de maio seria um sólido remendo para as gran­
des brechas que apresenta a instituição monárquica. Mas enganou-se, por-

255
ue uma conquista como a da abolição dá ao povo uma tal consciência

3c sua dignidade c dc sua força que não lhe c mais permitido estagnar-se
na atitude servil de súditos reverentes.
A república, como um novo Cristo, teve o seu precursor; e o Ba­
tista desse novíssimo evangelho foi a liberdade dos escravos.

Os filhos desta província não tem pulsos para algemas nem coração
para servilismos.
As tradições republicanas do Rio Grande do Norte foram escritas
com sangue: não podem achar-sc obliteradas. Elas reverdecerão...
A ameaça-espanlalho dc uma ditadura militar. Mas ainda quando isto
não fosse uma calúnia infamante — que o é — atirada A honra c ;i leal­
dade dos nossos briosos militares, a nação só suportaria semelhante afron­
ta se estivesse envilecida por mais outro scculo dc monarquia.
Um povo que faz a república em pleno vigor de sua opinião não
receia tiranos nem ditadores. De mais, as chamadas questões militares
têm tido origem apenas na fraqueza c na inépcia dos governos. Temem
que o exército confraternize com o povo, e que se deixe também eivar
ao vírus de republicanismo.
E por que não? Porque o exército não pode ser republicano? A farda
não lhe atrofiou o coração. Os interesses e o futuro da pátria não lhe
podem ser indiferentes; e, desde que a monarquia, divorciaudo-se da
causa nacional, seja mais um estorvo do que um estímulo para o nosso
progresso e para a nossa glória, o exército não a pode preferir à nação.
Soldados republicanosl Sim, porque eles não são soldados do rei e
sim da pátria.
O exército assim como foi abolicionista, e bem alto e nobremente o
proclamou, pode do mesmo modo c com igual direito scr pela república.
Quem sc recusou ao papel de capitão-dc-campo não quererá ser fratricida.

As monarquias só podem subsistir cm duas hipóteses: ou quando têm


raízes tradicionais c históricas tão profundas que só com violência podem
ser arrancadas (e às vezes o são: o cancro do despotismo arrancou-o a
França heróica em cataclismos de dor, golfando rios de lágrimas e sangue,
mas arrancou-o) ou quando o trono se firma sobre uma nação que não
se peja de ver-se humilhada, sobre uma gente ínfima e corrupta insus-
ceptível de regenerar-se.
O primeiro caso não tem aplicação ao Brasil. Tradições monájquicas
não as temos, salvo se assim quiserem chamar à comédia do Ipiranga e
ao mandado de despejo de 7 de abril.
A segunda hipótese é um insulto cruel aplicá-la aos brasileiros. Pois
este nobre e infeliz povo terá o coração fechado e inacessível à grande
luz redentora da república? A evolução do pensamento só não será uma
lei para os brasileiros?
Em breve veremos o contrário. O espírito público desperta, reage,
tem assomos nobilíssimos de cmancipar-se, e há de fazê-lo.
“Pois há de um povo inteiro abdicar o seu poder imenso na pessoa
de um homem que a lei diz irresponsável quando ele é susceptível dos
mesmos vícios e das mesmas misérias que qualquer burguês? E ainda
quando fosse um sábio, um justo, um santo, poderia na sua descendência,
que nos é antecipadamente imposta, surgir um celerado, um monstro, e
este seria por lei o nosso imperador, tendo talvez os seus áulicos dedi­
cados, os seus panegiristas fervorosos. Nero também os teve
*.
E assim, sempre com elevação e em linguagem vibrante, o manifesto,
após o exame de várias questões que eram então de atualidade no país
e na província, conclui com estas palavras:
“A história é a mestra da vida: acautelemo-nos.
O Rio Grande do Norte saberá compreender esta verdade; e a cor­
rente republicana que arrasta consigo a opinião dos patriotas de outras
províncias há de engrossar suas águas puras e fertilizadoras com a afluên­
cia das adesões sinceras e ardentes dos fiUios desta terra.
A monarquia brasileira pende para o ocaso, sumindo-se num inson-
dável olvido, sem uma saudade e sem uma lágrima.
Do outro lado, no horizonte novo, surge, iluminando todos os espí­
ritos e alegrando todos os corações, o sol cía liberdade, e com ele a re­
pública, a república que c a paz e o progresso como desenvolvimento
da ordem”.
A Comissão Executiva, eleita cm 27 de janeiro, escolheu para presi­
dente Pedro Velho, para vice-presidente Hermógcnes Tinoco, para l9-se-
crctário João Avelino Pereira de Vasconcelos, para 29-secretário João
Ferreira Nobre, e para tesoureiro Manuel Onofre Pinheiro, desenvolvendo,
em seguida, a maior atividade para o êxito da propaganda, que começou
desde logo a ganhar terreno.
Em l9 de julho, foi dado à publicidade o primeiro número d’A fie-
pública, que ainda hoje subsiste, e na qual, à frente de um grupo de des­
temidos batalhadores, Pedro Velho, seu fundador e redator-chefe, ofere­
ceu combate sem tréguas à monarquia e aos seus servidores, com a con­
fiança e apoio sem restrições dos correligionários da província e de muitos
de seus filhos eminentes, como Amaro Cavalcanti, Tobias do Rego Mon- ■*
teiro, Daniel Pedro Ferro Cardoso, José Leão Ferreira Souto, Brás dc
Andrade Melo e alguns mais, que, ausentes, lhe mandavam de longe o
estímulo de seus aplausos e o conforto de sua solidariedade.

257
Os efeitos do movimento iam se manifestando a cada passo, dc tal
sorte que os republicanos entenderam acertado comparecer à última elei­
ção geral que se realizou na vigência do Segundo Reinado, votando cm
candidatos do seu partido: Pedro Velho, no primeiro distrito, e José Leão,
no segundo.
É claro que eles não podiam alimentar a pretensão dc conseguir o
triunfo nas urnas: queriam apenas provar que existiam. E isto mesmo
acentuou Pedro Velho em sua circular:
“O Congresso Republicano reunido a 14 de julho designou-me para
candidato pelo P distrito nas próximas eleições gerais?
O partido republicano aproveita o ensejo para afirmar a sua exis­
tência, levando às urnas o nome de um correligionário. Que o escolhido
para tão alta e significativa prova de consideração e apreço seja o menos
digno — o obscuro signatário destas linhas —, isto cm nada atenua o mé­
rito de tão digna e patriótica resolução.
O que vale no momento atual é provar que existimos.
O nome sufragado e o número de votos são questões subalternas.
O essencial é desmentir e repelir como uma afronta que o republicano nor-
te-rio-grandensc é inconsciente ou despeitado, e que não tem vitalidade
para aparecer nas umas.
Devemos provar que as adesões que a idéia tem conquistado na pro­
víncia tem por único móvel a convicção mais firme e inabalável.
Devemos provar que o ideal republicano é desinteressado e puro.

".O valor que pode vir a ter o nosso partido na província, a influên­
cia e prestígio que pode conquistar a idéia republicana dependem menos
do brilho e da eloquência das palavras do que da retidão e pureza das
consciências... O caráter cívico na sua expressão mais elevada, cis a
garantia do nosso sucesso...
Sejamos no meio de tanta corrupção política que nos amesquinha
e nos degrada uma exceção e um protesto... Nós somos uma mi­
noria aparente.
As resistências que a opinião oferece contra a república não têm
raízes sólidas. A câmara que se vai formar não será melhor do que
a do barão de Cotegipe: pau para toda obra, e o que quiserem dela.
Será pró ou contra a federação, monarquista enragé ou semi-revolucioná-
ria, segundo as circunstâncias, do mesmo modo que a^utra, sendo eleita
para a resistência escravista, fez a lei 13 de Maio... Por pouco que fa­
çamos no pleito eleitoral a nossa presença na cena política é suficiente
para significar uma vitória, a mais elevada e nobre das vitórias: a afirma-

258
ção cia dignidade, o respeito c o decoro das nossas crenças, a fé inque-
brantável de que o futuro pertence à República!”
Somente algumas dezenas de votos sufragaram as candidaturas dos
republicanos; mas estes atingiram o objetivo colimado, demonstrando
que havia na província um partido que, sem pretender o poder pelo po­
der, se batia ostensivamente por um ideal superior de justiça e liber­
dade, partido destinado a ser menos dc três meses depois, deposta a
realeza, o núcleo de uma poderosa força política.
A notícia da proclamação da República chegou a Natal no dia 15
de novembro à tarde e Pedro Velho apressou-se em transmiti-la ao povo
no seguinte “Boletim d’A República":
"Brasileirosl
Está proclamada a República!
Povo, Exército, Armada, na mais patriótica e sublime confraterni­
zação, sacodem o jugo vergonhoso do Império e firmam os seus foros de
cidadãos.
Purificou-se enfim o Continente Novol
a

Hoje, de um a outro pólo, do Atlântico ao Pacífico, há uma só crença:


a soberania popular é a lei americanal
A alma nacional, inundada de júbilo, destitui o Império, e firma-se
na Capital brasileira um govemo provisório composto do grande Quintino
Bocaiuva, do invicto general Deodoro e do ilustre publicista Aristides
Lobo. A república é a paz, a ordem, a tranquilidade interna, a harmonia
internacional, a civilização e o progresso.
Os ódios e rancores partidários não cabem em corações cheios da
luz redentora da Liberdade. O Brasil em pouco tempo deu ao mundo
dois grandes exemplos de civismo, que lhe conquistaram na história um
lugar dc honra, uma glória imortal.
13 de maio e 15 de novembro!
São na vida nacional os dois pontos de apoio da nossa futura evo­
lução política, social e econômica.
Viva a República!
Viva a Pátria redimida!
Viva o Povo Norte-Rio-Grandense!
Viva o Governo Provisório!
Natal, 15 de novembro.
Dr. Pedro Velho.”

259
A 17 deu-se a adesão da província, segundo consta desta ata:
"Aos dezessete dias do mês de novembro de mil oitocentos e oitenta |
c nove, no Palácio da Presidência desta província, onde se achavam 1 U
reunidos os cidadãos abaixo-assinados, de acordo com o movimento re­
publicano do país, representado pelo Governo Provisório estabelecido
no Rio de Janeiro, resolveram proclamar a República dos Estados Unidos
do Brasil nesta província, hoje Estado do Rio Grande do Norte, o que1
sendo aprovado por todos com o maior entusiasmo e vivas demonstrações
de regozijo público, pelo capitão-tcncnte Lcôncio Rosa foi aclamado pre- i
sidente o Dr. Pedro Velho dc Albuquerque Maranhão que, sendo unani-'
memente aceito no meio de aclamações gerais, assumiu a administração e
tomou posse do governo do novo Estado do Rio Grande do Norte, que
assim ficou instalado; do que para constar lavrou-sc a presente ata, que vai
por todos os cidadãos presentes assinada.
Eu, cidadão Joaquim Soares Raposo da Câmara, designado para es­
crever, a escrevi. Dr. Pedro Velho dc Albuquerque Maranhão. Lcôncio
Rosa. Felipe Bezerra. (Scguem-se outras assinaturas.)”
A redação d’A República publicou no mesmo dia o seguinte boletim
(todas as folhas da província eram periódicas e a própria A República
só começou a ser publicada diariamente em P de fevereiro de 1897):
"Concidadãos!
Como as outras províncias do extinto Império, hoje Estados Livres
da Confederação Brasileira, o Rio Grande do Norte acaba de proclamar
a República entre as aclamações unânimes do povo e das classes mi­
litares.
É livre a Pá trial
A destituição do Impcrio abriu espaço à soberania popular, que­
brando todos os grilhões, todos os jugos.
De sul a norte as nossas irmãs, cheias dc ardor patriótico, sem luta,
sem resistência de nenhuma espécie, na confraternização mais nobre, mais
sublime, arvoraram o pavilhão popular c livre da República.
O governo central está constituído no Rio dc Janeiro da seguinte
maneira:
Marechal Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório;
Aristides da Silveira Lobo, Ministro do Interior;
Rui Barbosa, Ministro da Fazenda c interinamente da Justiça;
Tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, Ministro
da Guerra;
Chefe de esquadra Wandenkolk, Ministro da Marinha;

260
i. Quintino Bocaiúva, Ministro das Relações Exteriores e interinamente
da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
r

Neste nosso caro torrão natal o grandioso acontecimento foi a ma­


nifestação mais bela e mais sublime que já brotou dos corações rio-gran-
denses.
Às três horas da tarde deste dia imortal, que marcará na história da
província a data da nossa libertação c da nossa felicidade, reunido o povo,
exército e armada no palácio do governo, entre aplausos gerais, foi pro­
clamada a República, sendo aclamado presidente do novo Estado c chefe
do poder executivo o Dr. Pedro Velho, que imediatamente assumiu a
administração e tomou posse do governo. Ja percorre todos os ângulos do
Estado a grande nova, em toda parte recebida entre manifestações gerais
de regozijo.
Convencido de que representa e é depositário da honra pública, o
governo, nesta conjuntura solene, será ao mesmo tempo forte e justo,
não poupando esforços para manter inteira a harmonia social, respeitan­
do todos os direitos, defendendo todas as liberdades.
Extintos os privilégios, estamos e entramos numa data de verdadeira
e plena confraternização.
O pensamento do governo nesta nova fase de nossa existência política
abrange o mais largo e elevado programa, firmado cm bases que serão a
garantia dc nossa felicidade c grandeza futuras.
Viva a Confederação Brasileira!
Viva o Estado do Rio Grande do Nortel
Viva o povo brasileiro!
Viva o exército e armada nacionais!
Viva o patriótico Governo Provisório!”
Estabelecido o regimen republicano, dissolveram-sc os antigos par­
tidos, congregando-se em torno e sob a direção dc Pedro Velho as maiores
influências políticas e eleitorais da ex-província. Dele só ficaram afastados
alguns dos elementos que tinham acompanhado Amaro Bezerra nos últimos
tempos ou aqueles a quem incompatibilidades pessoais com representantes
em evidência da nova situação impediam uma aproximação imediata.
E estes, aliados aos descontentes, vieram a constituir a oposição,
que se dividiu em dois grupos, um dos quais — o partido católico — se
formou para combater, de preferência, o governo central, que decretara
a separação da Igreja e do Estado, o casamento civil e secularização dos
cemitérios, e cujo programa o seu órgão na imprensa, A Pátria, assim
resumia; “pugnamos em nome de Deus e da consciência pelo respeito
à crença nacional contra o domínio e implantação do ateísmo no lar
doméstico e nas instituições públicas”.

261
) .

Pedro Velho, porém, soube manter firmes e coesas as forças de que


dispunha e na eleição da Constituinte foi completa a vitória de sua
chapa, sendo eleitos:
SENADORES
Coronel José Bernardo de Medeiros
Coronel José Pedro de Oliveira Calvão
' - --------- Dr. Amaro Cavalcanti
DEPUTADOS
Dr. Almiro Álvares Afonso (foi o mais votado por ter sido também
sufragado pela oposição)
Dr. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão
Dr. Miguel Joaquim de Almeida Castro
Dr. Antônio de Amorim Garcia
A vida política do Estado deslizara até então sem grandes agitações
e assim continuou até à eleição do primeiro presidente da República, rea­
lizada em fevereiro de 1891.
X.-x-a* dividiram-sr <>.< <rns representantes na Constituinte:
Pedro Velho c Josc Bernardo votaram em Prudente de Morais e os outros
senadores e deputados no marechal Deodoro. Como consequência deste
fato, veio a mudança de orientação da política estadual, sendo exonerado
o governador Dr. Manuel do Nascimento Castro e Silva e nomeado para
substituí-lo o Dr. Francisco Amintas da Costa Barros, que assumiu a ad­
ministração a 3 de março daquele ano e agiu sempre de acordo com ojs
deputados Antônio Garcia, seu cunhado, c Miguel Castro, aos quais cabiam
as maiores responsabilidades na nova situação.
^ Os senadores Amaro Cavalcanti e Oliveira Galvão e o deputado
Almino Afonso, embora tendo sufragado o nome do glorioso Chefe do
Governo Provisório, abstiveram-se de intervir em assuntos de ordem local.
Pedro Velho e José Bernardo enveredaram nobremente pelo caminho do
ostracismo e cm manifesto, pelo primeiro escrito e por ambos assinado,
definiram com clareza a sua atitude de oposicionistas. São desta peça, que,
ao tempo, escoou como um grito de guerra por todos os recantos do Es-J
tado, os seguintes trechos:
“Pátria rio-grandcnsel Agora que é mister mostrar a pujança invencível
de teus brios podes, é certo, ouvir o surdo tropel de alguns falsos democra­
tas, imergindo nas trevas do sebastianismo antipatriótico, interesseiro c
desprezível; mas o teu generoso sangue não circula debalde nas veias dos
teus verdadeiros filhos, que, firmes e altivos, te estremecem com tal dedi­
cação que nenhuma força é capaz de abater.

262
)

)
Podem os raios dourados do sol da liberdade mostrar-te, lá nas fím-
brias do horizonte, o dorso fugitivo de alguns transfugas; mas eles não
deixarão jamais de encontrar de frente a face levantada dos fortes e dos
bons.
Vão bater às portas da opinião popular, acenando com a capitulação
em nome da desonra; nunca, porém, lhe poderão desfraldar aos olhos des­
lumbrados o lábaro da redenção da pátria, por cies burlada em suas aspira­
ções, por eles vilipendiada cm seus brios — ela, a grande mãe comum, a
quem arrancaram impudentemente as vestes cândidas da verdadeira crença
republicana, para envolvc-la envergonhada e triste nuns farrapos remen­
dados. que foram apanhar às esterqueiras da política monárquical
Podem encontrar covardes e traidores para atrelar ao seu temporário
triunfo, mas hão de também baixar os olhos, corridos e cabisbaixos, diante
de muita altivez inquebrantável.
Enquanto eles dizem nas trevas: humilha-te, povo decaído e fraco;
nós só podemos dizer: erguc-te e caminha, falange denodada. Eles preci­
sam de estragar e corromper, abrir o torpe leilão das consciências no balcão
ignóbil das venalidades; nós temos para exibir à toda luz do patriotismo
o código sagrado dos princípios”.
A efervescência política originada por estes acontecimentos foi extra-
ortímária. dando em resultado uma profunda agitação partidária, que sc
generalizou por todo o Estado, onde a oposição, em considerável maioria
e confiante na vitória do Congresso Federal sobre o Governo da União,
criava os mais scrios embaraços à administração local, que, apesar disto,
armada de poderes ditatoriais, conseguiu que fosse eleito, cm 10 de maio
de 1891, o seguinte Congresso Constituinte:
Bacharel José Inácio Fernandes Barros
Manuel de Carvalho e Sousa
Lourenço Justiniano Tavares de Ilolanda
Augusto Leopoldo Raposo da Câmara
João Alves de Oliveira
Filipe Neri de Brito Guerra
Manuel Barata de Oliveira Melo
Francisco de Sales Meira e Sá
Vicente de Paula Veras
Francisco Carlos Pinheiro da Câmara
Bianor Fernandes C. dc Oliveira
Doutor José Calistrato Carrilho de Vasconcelos
Francisco Pinheiro de Almeida Castro
Artur de Albuquerque Bezerra Cavalcanti
Antônio Antunes de Oliveira

263
Coronel Ovídio de Melo M. Pessoa
'* Genuíno Fernandes de Queirós
Tenente-coronel Manuel Joaquim de C. c Silva
* * Antônio Bento de Araújo Lima
* * Ivo Abdias Furtado de M. e Meneses
Major Joaquim Guilherme de Sousa Caldas
Farmacêutico José Gervásio de Amorim Garcia
Pedro Soares de Araújo
Umbelino Freire dc Gouveia Melo.
Este Congresso reuniu-se a 10 dc junho do mesmo ano, elegendo, a
12, o presidente e o vice-presidentc do Estado, que foram:
Presidente, bacharel Miguel Joaquim dc Almeida Castro; Vice-Presi­
dente, bacharel José Inácio Fernandes Barros. Posteriormente, a 20 dc
julho, foi eleito o coronel Francisco Gurgel de Oliveira para o lugar de
29-vice-presidente, criado pela Constituição.
Em seguida, votou, além de outras leis, a primeira constituição do
Estado, promulgada a 21 de julho de 1891.
São conhecidos os extremos a que chegou nessa época a luta entre
os poderes executivo e legislativo federais, que teve por aesfecho a dissolu­
ção do Congresso Nacional em 3 de novembro daquele ano, dissolução
aliás prevista e esperada, conforme faz certo o documento publicado por
Amaro Cavalcanti junto ao discurso que proferiu no Senado a 25 de junho
de 1S29.
Diz esse documento:
“No dia l9 de outubro dc 1891, nesta Capital Federal, às 8 horas da
tarde, em casa de residcncia do Sr. general José Simeão de Oliveira, acha­
ram-se reunidos os senadores e deputados ao Congresso Nacional, a saber:
o referido José Simeão, Eduardo Wandenkolk, José Higino, Aquilino do
Amaral, Custódio José de Melo, Aníbal Falcão, Demétrio Ribeiro, Cil
Goulart, Monteiro de Barros, Pinheiro Guedes, Pedro Velho, José Bernardo,
Bezerra dc Albuquerque, Silva Paranhos, Cancdo, Ferreira Pires, Astolfo
Pio, Gonçalves Ramos, Barbosa Lima, J. S. L. Gomensoro, Bizcrril, Paleta,
Batista da Mota, Esteves Júnior, Cunha Júnior e Amaro Cavalcanti.
O objeto da reunião fora deliberar sobre a atitude e procedimento
que deveríam ter os atuais membros de ambas as Câmaras do Congresso
acima ditos, não somente acerca de certos atos legislativos e de outras
medidas reputadas indispensáveis para a consolidação efetiva da Repú­
blica, mas, ainda especialmcnte, para o caso de o atual governo (membros
do Poder Executivo) procurar, por atos e fatos, dissolver o mesmo Con­
gresso, segundo as ameaças freqüentes que a esse respeito circulam.
Vários dos senadores e deputados presentes à reunião bem apreciaram
as circunstâncias políticas do país e profligaram a direção errada que o
atual governo tem dado aos negócios públicos, certamente fatal para a
causa das novas instituições fundadas na Constituição de 24 de fevereiro;
e, depois dc ouvidas as ponderações c pareceres diversos, foram tomadas
unanimemente estas resoluções: :
1* — Que, dada a eventualidade infeliz da dissolução violenta e incons­
titucional do Congresso Nacional, por atos e fatos do Poder Executi­
vo, se devia opor toda a resistência possível, inclusive o recurso
extremo da força material, no empenho dc manter a ordem legal e
a Constituição;
2* — Que fosse instituída, como dc fato fora, uma comissão executiva do
Partido Republicano Constitucional, composta dos Srs. marechal
Floriano Peixoto, general José Simeão, senador Prudente de Morais
Barros, almirante E. Wandenkolk c contra-almirante Custódio Josc
de Melo, para o fim de, como diretório central do mesmo partido,
velar por todos os direitos e interesses deste e, no momento atual,
bem regular e dirigir os atos e misteres parlamentares ocorrentes; e,
no caso de realizar-se a desgraçada hipótese prevista na H resolução,
traçar a conduta e a ação do partido, segundo a necessidade das
circunstâncias;
3* — Que nenhuma conciliação era possível com os membros do atual
governo, isto c, que a nenhum membro do Partido Republicano
Constitucional seria lícito, nas condições presentes, aceitar lugar no
atual ministério, por ser isso contrário aos princípios do partido fun­
dado, e prejudicial aos próprios intuitos da República;
4* — Que fosse prorrogada a presente sessão legislativa do Congresso pelo
tempo preciso, a fim de serem votados os orçamentos e outras leis
de inadiável necessidade, tais como a lei eleitoral e de organização
do Distrito Federal, as de responsabilidade criminal e de processo
do Presidente da República e outras. E, para constar, eu. Amaro
Cavalcanti, lavrei a presente ata."
Quando foi dissolvido o Congresso Nacional, Pedro Velho, que per­
tencia, como se ve do documento transcrito, à oposição radical, sc achava
em Pernambuco, donde seguiu para Nata] logo que sc deu a revolução
de 23 de novembro, com a conseqüenle renúncia do marechal Deodoro e
posse do marechal Floriano Peixoto.
Ali chegando em 26 daquele mês, preparou e levou a efeito dois dias
depois, a 28, o movimento da deposição do Dr. Miguel Castro, que foi
preso e obrigado a embarcar para o Ceará, fazendo aclamar uma junta
governativa composta do coronel Francisco de Lima e Silva, presidente,
e dos Drs. Manoel do Nascimento Castro e Silva e Joaquim Ferreira Cha­
ves Filho.

265
*

Em 17 de dezembro, a junta expediu este decreto:


**A junta governativa do Estado do Rio Grande do Norte, aclamada
pelo povo, pelo exército e pelos representantes da armada, no empenho
patriótico de dar ao Estado uma organização verdadeiramente republicana,
em que se consagrem os princípios federativos e se estabeleçam normas dc
um governo em tudo democrático;
considerando que o ato de 3 de novembro que dissolveu o Congresso
Nacional foi altamente criminoso, um atentado contra a soberania da
Nação, um desconhecimento do voto expresso dos Estados;
considerando que o referido ato dc 3 dc novembro golpeou funda­
mente a Constituição Federal, atentando contra a existência do poder
legislativo da União;
considerando que o atual Congresso do Estado, sobre ser de origem
inconstitucional c vir de uma eleição fraudulenta, aderindo ao ato que
dissolveu o Congresso da União, criminosamente esqueceu a fiel observân­
cia que devia aos grandes preceitos do pacto fundamental da República,
traindo o mandato que recebeu dc seus comitentcs, e assim pôs-se fora
da lei;
considerando que o mesmo Congresso do Estado, em toda a sua omi-
nosa existência, não tem feito senão legislar contra os interesses do povo
norte-rio-grandense. comprometendo a sua autonomia, restringindo a liber­
dade da imprensa, sofismando a liberdade individual, concedendo inú­
meros privilégios odiosos c por este modo abrindo espaço na administra­
ção pública ao mais audacioso monopólio, nocivo à liberdade da indústria
e do comércio;
considerando, finalmente, que o Congresso do Estado arruinou as
finanças e perturbou toda a vida econômica estadual, além de se achar,
pela aceitação que fez do ato de. 3 de novembro, cm posição antagônica,
pcrfcilamcntc hostil à revolução federal dc 23 e ao movimento que se
efetuou neste Estado a 28 do mesmo mês, decreta:
Art. P — Fica dissolvido o Congresso Legislativo do Estado e con­
vocado um outro que sc deverá reunir em 20 dc fevereiro de 1892, deven­
do-se proceder à respectiva eleição cm 31 de janeiro do mesmo ano.
Art. 29 — O novo Congresso Legislativo será investido pelo eleitorado
dc todos os poderes necessários para o seu funcionamento em bem do
Estado c ainda dos especiais para rever a constituição existente, eleger o
presidente e vicc-prcsidcnte do Estado, que têm dc servir no primeiro
período administrativo.
a
Art. 39 — A Junta Governativa do Estado com a máxima brevidade
decretará quais as disposições da lei de 9 de janeiro de 1881 que devem
regular o processo eleitoral nas eleições a que se refere o art. 1? do pre­

266
sente decreto, consagrando o princípio altamente democrático da repre­
sentação das minorias.
Art. 49 — Ficam desde já revogadas todas as disposições cm contrário."
Feita a eleição em 31 de janeiro de 1S92, foram eleitos para 0 novo
Congresso:
Bacharel Luís Manuel Fernandes Sobrinho
José Clímaco do Espírito Santo
Jerônimo Américo Raposo da Câmara
Antônio José dc Melo e Sousa
” José Peregrino de Araújo
Filipe Neri dc Brito Guerra
” Ilcrmógencs Joaquim Barbosa Tinoco
João Gurgel dc Oliveira
Joaquim Cavalcanti Ferreira de Melo
Manuel Moreira Dias
Janúncio da Nóbrega Filho
Luís Antônio Ferreira Souto
Doutor Manuel Augusto dc Medeiros
Afonso Moreira dc Loiola Barata
Francisco de Paula Sales
Artur dc Albuquerque Bezerra Cavalcanti
Manuel Ronaldsa de Castilho Brandão
Francisco Xavier Soares Montenegro
Capitão-tenenle Artur José dos Reis Lisboa
Capitão Francisco de Paula Moreira
Tenente Francisco de Paula Fernandes Barros
Augusto Severo de Albuquerque Maranhão
Manuel Augusto Bezerra de Araújo
Ovídio de Melo Montenegro Pessoa.
No correr da legislatura, houve quatro vagas — as de Augusto Severo
dc Albuauerque Maranhão, José Peregrino de Araújo, Manuel Ronaldsa
de Castilho Brandão e Francisco Xavier Soares Montenegro — sendo elei­
tos para preenchê-las, cm 10 de setembro de 1S93, os bacharéis Matias
Carlos de Araújo Maciel, Augusto Tavares de Lira c Augusto Carlos dc
Melo L’Eraistre e o acadêmico Epaminondas Tito Jácome.
Reunido a 20 dc fevereiro dc 1892, o Congresso, que fora investido dc
poderes constituintes, promulgou a 7 de abril a nova Constituição do Es-

267
lado e, cm sua sessão ordinária, votou as diversas leis complementares
desta.
O governo da Junta terminou a 22 de fevereiro, dia em que foram
eleitos governador e vice-govemador o Dr. Pedro Velho de Albuquerque
Maranhão c o coronel Silvino Bezerra dc Araújo Galvão, respcctivamcnte,
c no qual assumiu a administração, como presidente do Congresso, o Dr.
Jerônimo Amcrico Raposo da Câmara.
Foi este quem transmitiu ao governador eleito, cm 28 daquele mês,
o exercício das elevadas funções de primeiro magistrado do Estado.

A Pedro Velho ofereceu-se nesse posto o ensejo afortunado de afirmar,


com brilho inexcedível, as suas excepcionais qualidades de administrador
e^de chefe de partido. Daí até à sua morte — pranteada ainda hoje como
a do maior e do mais benemérito dos filhos do Rio Grande do Norte —
não houve ali empreendimentos nem iniciativas de ordem administrativa
a que tenha sido estranha a sua ação segura, previdente, fecunda e
patriótica.
Durante esse período, a história de sua vida é, como disse Luís
Fernandes ('Traços biográficos do Senador Pedro Velho”, Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, vol. VI), a da
‘própria República naquela unidade da federação.
Os limites postos a este trabalho não permitem que comentemos fatos
e sucessos posteriores a 1892. Deixamos por isto de estudar o que ocorreu
durante e após o governo desse grande brasileiro, cujo perfil de patriota
Alcindo Guanabara traçou cm elõqíiente discurso, pronunciado em 15 de
janeiro de 190S, na sessão cívica realizada pela Liga Patriótica Brasileira,
em honra à sua memória gloriosa:
"No meio das vicissitudes do tempo e da mobilidade dos homens,
é sempre um grande c consolador espetáculo o de uma assembléia que
se congrega para render a sua comovida homenagem às virtudes imortais
de um companheiro que já não existe.
Nesta ocasião, esse espetáculo vale por um conforto, um estímulo e
um ensinamento: nós nos congregamos para atestar que há ainda nesta
geração quem se não deixe dominar pela exclusividade de um realismo
esterilizante e sinta, nos fundos seios d’alma, a gratidão que transborda
pela ação social daqueles que, como o nosso amigo senador Pedro Velho,
sabiam bem que o dever do homem é lutar sem intermitcncias e sem
preocupações de interesses pelo que constitui o ideal de sua pátria, a
suprema aspiração da sua força e de seu tempo.
Envolvido ativamente e desde cedo nas lutas tempestuosas e fecundas
da vida política, o senador Pedro Velho afirmou a sua individualidade
pelo que eu chamei há pouco as virtudes imortais; e não deveu a outra

268
circunstância a felicidade de ter vivido e crescido no seio da estima, da
admiração e do respeito, que constituirão eternamente a indestrutível
auréola de sua memória querida.
A fidelidade inalterável às suas opiniões e princípios, a cordialidade
dos sentimentos que o animavam para com os outros homens, a solida­
riedade inquebrantável para com os que lhe partilhavam a fé, a honesti­
dade e a pureza de coração, a paixão das coisas superiores, essa contínua
aspiração de um bem coletivo, que era o móvel supremo de sua ação,
eis o que pode existir de imortal na parte humana do espírito e eis o que
constitui o fundo d alma do amigo, cuja memória hoje aqui reverenciamos.
Eu o conheci em fases diversas desse período difícil c doloroso da
consolidação da República. Para a geração política de hoje, isso já é a
história. Vinte anos, nestas regiões tropicais em que a sazão dos espíritos
se faz tão intensa quanto rápida, valem por uma geração; acotovelamo-nos
hoje com homens na plenitude do vigor que naqueles tempos agitados
apenas entravam na puberdade.
Eu posso, pois, dar a essa geração um depoimento instruído pela
observância, pela experiência e pela ação comum, e este depoimento, para
ser exato, há de ser a glorificação daquelas virtudes superiores, que são
a lealdade, o devotamento, a fé intensa, o respeito pelos companheiros, a
afirmação incessante de um caráter límpido e rígido como o cristal de rocha.
O terreno que então pisávamos era vacilante e inseguro.
Como na natureza todas as forças se debatem, todos os cataclismos
se produzem, irrompem vulcões, desviam-se rios e surgem correntes, cruza
os ares o raio e céu e terra se contorcem convulsos antes que o terreno
se firme, adquira solidez, cubra-se da relva verde c permita a vida assim
no mundo político esses cataclismos, que são as revoluções, conturbam
o meio, anarquizam os sentimentos, geram o despotismo, semeiam a
anarquia, e todos os que nelas se envolvem ou são colhidos por elas
lutam braço a braço e corpo a corpo com todas as forças em rebeldia
até que a ordem se restabeleça, a autoridade se afirme e a liberdade
saneie a atmosfera.
Nessas horas de luta impessoal, o caráter sc revigora: a coragem,
a energia, o desprendimento, a abnegação são as armas do combate e o
preço da vitória. Todas concorriam ao nosso saudoso amigo: sempre o vi
inacessível às sugestões, superior ao aliciamento como à luta, firme nos
seus propósitos, fiel aos seus ideais, como às suas amizades, e dominado
desse fogo fecundo que nos arde no peito e que nos leva a não ter desfa-
lecimentos neste empenho de revigorar a autoridade de assegurar a liber­
dade para que triunfem os preceitos morais e sociais por cujo amor
t afrontamos as tempestades da política.
Brando no trato, suave na palavra, eminentemente simpático, um
olhar penetrante que a miopia tornava mais agudo, uma cabeleira abun-

269
*
■ )
dante que lhe dava o traço da energia e da decisão pronta, o senador
)
Pedro Velho temperava a rigidez do caráter com essa feição de bonomia,
)
que tanto atrai e seduz.

)
Era pessoalmente channeur. O trato íntimo com ele nunca deixava
o travo da banalidade: pontilbava a conversa de observações pessoais,
) deixava infiltrar-se nela o muito que sabia e derramava sempre em tomo
de si essa bondade que era, cm seu coração, um oceano.
r )
Esse grande morto, senhores, sugere-nos grandes deveres na vida. 4
)
Não basta que nos vangloriemos dc haver vivido com ele e lutado junto
A
dele: é preciso que nos guiemos pelo seu exemplo e que elevemos até
ele o espírito e o coração da geração que há de suceder à nossa.
) Esse homem, cuja memória aqui tão comovidamente recordamos, teve
) até o último dia da sua vida a paixão do trabalho, a luta pelas suas con­
vicções, o respeito pelos seus companheiros, a energia necessária para
defender sem fraqueza o seu pensamento, a sua fé e a sua obra.
Não foi um destruidor cego c apaixonado. Ele não esquecia as pala­
vras do pensador francês que disse um dia, com admirável sabedoria,
que, “se para derribar um carvalho de nossas florestas não era preciso
mais que um pulso e um quarto de hora, para substituí-lo era preciso
um século
*.
Não foi um autoritário inconsciente: foi um organizador da autori­
) dade e não contribuía para isso mais poderosamente do que com a paixão
que o animava pela liberdade c pela ordem. Ê sobretudo essa paixão
) pelas coisas superiores do espírito c pelas aspirações abstratas das socie­
) dades que eu desejava ver substituir, na alma da mocidade, esse realismo
utilitário que a está tão intensamente ameaçando de uma dissolução
) lamentável.
) A vida política sem o ideal transforma-se num deplorável mercado
) de interesses e de posições que desmoraliza e infecciona o país. Onde não
existe a fé, onde não vibra a paixão pelas coisas superiores, onde não há
) a dedicação pela pátria, cega, incondicional, dominadora, abrangendo a
vida c morte nesse idealismo criador que faz de cada homem, no mo­
) mento preciso, um herói, o que fica é o pântano do interesse espúrio, é
)
um miserável declínio moral, que macula os indivíduos, dissolve a socie­
dade e faz perecer a nação. Não podemos submergir, vivendo indiferentes
) e enervados, roídos pelos ceticismo, sem fc religiosa, sem opinião polí­
tica, temendo a todo instante o peso de uma responsabilidade, fechando
) os olhos a todo propósito elevado, famintos da tranquilidade e do repouso
que não soubemos merecer, vencidos sem haver lutado e reconhecendo a
)
derrota por puro medo de travar a luta.
)
Que daqui, desta assembléia congregada para o fim superior de indi­
) car aos vivos a lição da vida de um grande morto, levante-se reboando

) 270
por todo.o ângulo do país, o clamor quotidiano Ba nossa religião: Sursum
cordel Elevem-se os corações acima do utilitarismo repugnantel Suscite­
mos no espírito das gerações as ilusões fecundas, as paixões generosas,
os ideais ardentes, os entusiasmos que enobrecem, a coragem e a energia,
que transformam o mundo e que foram o apanágio do espírito do nosso
morto queridol
Recordemos o exemplo e a lição da vida de Pedro Velho, rendendo-lhe
a homenagem que lhe poderia ser mais grata: repitamos a apóstrofe elo­
quente de Montalembert: ‘Jovens e velhos, saiamos todos dessa baixa e
servil condição das almas. Não sejamos em grau algum cúmplice do en­
torpecimento moral e intelectual de nosso tempo.
Não deixemos extinguir cm nós o fogo interior, a luz e o calor, a
vontade e a vida. Projetemos para além do horizonte dos interesses gros­
seiros e frívolos um olhar intrépido; e, rendendo justiça de homenagem
a todas as glórias do passado, procuremos respirar o sopro de um futuro
melhor”.

271
GOVERNOS DA PROVÍNCIA E DO ESTADO
— REPRESENTAÇÃO — FREGUESIAS — MUNICÍPIOS —
COMARCAS — RECEITA E DESPESA

O primeiro presidente do Rio Grande do Norte foi o capitão Tomás


de Araújo Pereira, nomeado por carta imperial de 25 de novembro de
1823, na conformidade da lei de 20 dc outubro do mesmo ano. Tomou
posse a 5 de maio e deixou o exercício em 8 de setembro de 1824.
Seguiram-se-llie (sempre que bá divergência, preferimos as indica­
ções constantes da publicação feita na Imprensa Nacional cm 1894 ás do
relatório da Secretaria do Governo do Rio Grande do Norte do mesmo
ano, porque neste há enganos manifestos, como, por exemplo, quando
afirma que Josc Paulino de Almeida e Albuquerque, falecido em 1831,
governou até 1832, ao passo que aquela, baseada em informações oficiais
da Tesouraria de Fazenda e documentos existentes no Arquivo Público
e no Ministério do Interior, anteriormente do Império, oferece, por isto
mesmo, melhores garantias de exatidão):
Lourenço José dc Morais Navarro, presidente da Câmara dc Natal.
Posse a 8 de setembro de 1824.
Manuel Teixeira Barbosa, juiz ordinário de Natal. Posse a 20 de
janeiro de 1825.
Manuel do Nascimento Castro e Silva, 2? presidente. Nomeado em
P de dezembro de 1824. Posse a 21 de março de 1825.
Antônio da Rocha Bezerra, membro do conselho de província. Posse
a 8 de maio de 1826.
José Paulino dc Almeida e Albuquerque, 31-* presidente. Nomeado
em 13 de setembro de 1826. Posse a 21 de fevereiro de 1S27.
Antônio da Rocha Bezerra, membro do conselho de província (2^ vez).
Posse a 10 de março de 1830.
Joaquim Vieira da Silva e Sousa (bacharel) 4? presidente. Nomeado
em 24 de setembro de 1831. Posse a 22 de fevereiro de 1S32.
Manuel Pinto de Castro (padre), membro do conselho de provín­
cia. Posse a 4 de setembro de 1832.

272
Joaquim Vieira da Silva e Sousa (reassumiu o exercício). Posse a 24
de setembro de 1832. : *
Manuel Lobo de Miranda Henriques, 59 presidente. Nomeado em 13
de agosto de 1832. Posse a 23 de janeiro de 1833.
Basilio Quaresma Torreão, 69 presidente. Nomeado em 11 de maio
de 1833. Posse a 31 de julho do mesmo ano.
João José Ferreira de Aguiar (doutor), 79 presidente. Nomeado em
13 de fevereiro do 1836. Posse a 1? de maio do mesmo ano.
Manuel Ribeiro da Silva Lisboa (bacharel), S9 presidente. Nomeado
em 10 de março dc 1837. Posse a 26 de agosto do mesmo ano.
Joaquim Aires de Almeida Freitas (bacharel), 6? vice-presidente.
Nomeado em 27 de abril de 1S37. Posse a 11 de abril de 1838.
Manuel Teixeira Barbosa (coronel), 39 vice-presidente. Nomeado
em 27 de abril de 1837. Posse (3^ vez) a 25 de abril de 1838.
João Valentino Dantas Pinagé (bacharel), 29 vice-presidente. No­
meado em 27 de abril de 1837. Posso a 3 de julho de 1838.
D. Manuel de Assis Mascarenhas (bacharel), 99 presidente. Nomea­
do em 17 de setembro de 1838. Posse a 3 de novembro do mesmo ano.
Estêvão José Barbosa de Moura (coronel), l9 vice-presidente. No­
meado em 12 de janeiro de 1841. Posse a 6 de julho do mesmo ano.
D. Manuel de Assis Mascarenhas (bacharel), 109 presidente (29 vez).
Nomeado em 9 de setembro de 1841. Posse a 4 de dezembro do mesmo
ano.
Estêvão José Barbosa de Moura (coronel), l9 vice-presidente. Nomea­
do em 12 de janeiro de 1841. Posse (2?- vez) a 31 de março de 1842.
D. Manuel de Assis Mascarenhas (reassumiu o exercício, de volta do
Rio de Janeiro, onde fora tomar parte nos trabalhos da Câmara dos Depu­
tados). Posse a 31 de maio de 1842.
Estêvão José Barbosa de Moura (coronel), l9 vice-presidente. Nomea­
do em 12 de janeiro de 1841. Posse (3
* vez) a 15 de novembro de 1842.
André de Albuquerque Maranhão (capitão-mor), l9 vice-presidente.
Nomeado em 29 de maio de 1843. Posse a 7 de julho do mesmo ano.
Francisco de Queiroz Coutinho Matoso da Câmara (bacharel), IP
presidente. Nomeado em 9 de dezembro de 1843. Posse a 8 de janeiro
de 1844.
Venceslau de Oliveira Belo (brigadeiro), 129 presidente. Nomeado
em 25 de maio de 1844. Posse a 19 de julho do mesmo ano.

273
Casimiro José de Morais Sarmento (doutor), 13? presidente. No­
meado em 4 de abril de 1S45. Posse a 28 do mesmo mês e ano.
João Carlos Wanderley, P vice-presidente. Nomeado em 10 de agosto
de 1847. Posse a 9 de outubro do mesmo ano.
Frederico Augusto Pamplona (bacharel), 14? presidente. Nomeado
em 23 de setembro de 1S47. Posse a 5 de dezembro do mesmo ano.
João Carlos Wanderley, P vice-presidente. Nomeado em 10 de agosto
* vez) a 31 de março de 1848.
de 1S47. Posse (2
Antônio Joaquim de Siqueira (desembargador), 15? presidente. No­
meado em 24 de março de 1848. Posse a 29 de abril do mesmo ano.
João Carlos Wanderley, P vice-presidente. Nomeado em 10 de agosto
* vez) a 25 de novembro de 1S48.
dc 1847. Posse (3
Bcnevenuto Augusto de Magalhães Taques (bacharel), 16? presi­
dente. Nomeado em 20 de janeiro de 1849. Posse a 24 de fevereiro do
mesmo ano.
José Pereira de Araújo Neves (bacharel), 17<? presidente. Nomeado
em 2 de novembro de 1849. Posse a 2 de dezembro do mesmo ano.
João Carlos Wanderley, P vice-presidente. Nomeado em 10 de agos­
to de 1S47. Posse (4^ vez) a 15 de março de 1850.
José Joaquim da Cunha (doutor), 189 presidente. Nomeado cm 15
de abril de 1S50. Posse a 6 de maio do mesmo ano.
Antônio Francisco Pereira de Carvalho (bacharel), 199 presidente.
Nomeado em 7 de junho de 1852. Posse a 10 de julho do mesmo ano.
Antônio Bernardo de Passos (bacharel), 20? presidente. Nomeado em
P de outubro de 1853. Posse a 24 do mesmo mês e ano.
Bernardo Machado da Costa Dória (desembargador), 2P presidente.
Nomeado em 18 de fevereiro de 1857. Posse a P de abril do mesmo ano.
Otaviano Cabral Raposo da Câmara (bacharel), vice-presidente. No­
meado em 2 de julho de 1853. Posse a 19 de maio de 1858.
Antônio Marcelino Nunes Gonçalves (bacharel), 22? presidente. No­
meado em 19 de abril de 1858. Posse a 18 de junho do mesmo ano.
João José Junqueira de Oliveira (bacharel), 23? presidente. Nomea­
do em 4 de junho de 1S59. Posse a 4 de outubro do mesmo ano.
José Bento da Cunha Figueiredo Júnior (bacharel), 24? presidente.
Nomeado em 20 de março de 1S60. Posse a 28 efe abril do mesmo ano.
Antônio Galdino da Cunha (coronel), 3? vice-presidente. Nomeado
em 4 de fevereiro de 1852. Posse a 16 de maio de 1861.

) 274
Pedro Leão Veloso (bacharel) 259 presidente. Nomeado em 13 de
abril de 1S51. Posse a 17 de maio do mesmo ano. .
Trajano Leocádio dc Medeiros Murta (tenente-coronel), vicc-prc-
sidente. Nomeado em 9 de junho de 1850. Posse a 14 de maio de 1863.
Antônio Galdino da Cunha (coronel), 3? vice-presidente. Nomeado
* vez) a 26 de maio de 1863.
em 4 de fevereiro de 1852. Posse (2
Vicente Alves de Paula Pessoa (bacharel), 19 vice-presidente. Nomea­
do em 6 de julho de 1863. Posse a 27 do mesmo mês e ano.
Olinto José Meira (bacharel), 26? presidente. Nomeado em 22 de
abril de 1863. Posse a 30 de julho do mesmo ano.
Luís Barbosa da Silva (bacharel), 2T
* presidente. Nomeado em 16
de junho de 1S66. Posse a 21 de agosto do mesmo ano.
Antônio Basilio Ribeiro Dantas (coronel), 29 vice-presidente. No­
meado em 6 de setembro de 1860. Posse a 25 de abril de 1S67.
Gustavo Adolfo de Sá (médico), 289 presidente. Nomeado em 3 de
abril de 1867. Posse a 13 de maio do mesmo ano.
Bartolomeu da Rocha Fagundes (vigário de Natal), 69 vice-presi­
dente. Nomeado em 19 de junho de 1864. Posse a 29 de julho de 1868.
Antônio Basilio Ribeiro Dantas (coronel), 29 vice-presidente. No­
meado cm 6 de setembro de 1S60. Posse (2
* vez) a 6 de agosto de 1S68.
Luís Gonzaga de Brito Guerra (bacharel), 19 vice-presidente. No­
meado em 20 de julho de 1S68. Posse a 19 de agosto do mesmo ano.
Manuel José Marinho da Cunha (bacharel), 299 presidente. Nomea­
do em 25 de julho de 1868. Posse a 19 de setembro do mesmo ano.
Pedro de Alcântara Pinheiro, 49 vice-presidente. Nomeado em 15 de
janeiro de 1862. Posse a 10 de março de 1869.
Pedro de Barros Cavalcanti de Albuquerque (bacharel), 309 pre­
sidente. Nomeado em 13 de março de 1869. Posse a 12 de abril do mes­
mo ano.
Otaviano Cabral Raposo da Câmara (bacharel), vice-presidente. No­
meado em 2 de julho de 1853. (2
* vez) a 19 de fevereiro de 1870.
Silvino Elvídio Carneiro da Cunha (bacharel), 319 presidente. No­
meado em 26 de janeiro de 1870. Posse a 22 de março do mesmo ano.
Jerônimo Cabral Raposo da Câmara (bacharel), 49 vice-prcsidcnte.
Nomeado em 22 de junho de 1870. Posse a 11 de janeiro de 1871.
Delfino Augusto Cavalcanti de Albuquerque (bacharel), 329 presi­
dente. Nomeado cm 28 de junho de 1871. Posse a 17 de agosto do mes­
mo ano.

275
Jerônimo Cabral Raposo da Câmara (bacharel), 49 vice-presidente.
Nomeado em 22 de junho de 1870. Posse (2
* vez) a 11 de junho de 1872.
João Gomes Freire (capitão), vice-presidente. Nomeado em 15 de
janeiro de 1872. Posse a 15 de junho de 1872.
Henrique Pereira de Lucena (bacharel), 33? presidente. Nomeado
em 31 de maio de 1872. Posse a P de julho do mesmo ano.
Francisco Clementino de Vasconcelos Chaves (bacharel), P vice-
presidente. Nomeado em 23 de outubro de 1872. Posse a 17 de novembro
' do mesmo ano.
Bonifácio Francisco Pinheiro da Câmara (coronel), 2^ vice-presiden­
te. Nomeado em 23 de outubro de 1872. Posse a 19 de janeiro de 1873.
João Capistrano Bandeira de Melo Filho (doutor), 34? presidente.
Nomeado em 29 de março de 1873. Posse a 17 de junho do mesmo ano.
Josc Bernardo Alcoforado Júnior (bacharel), 35? presidente. Nomea­
do em 10 de abril de 1S75. Posse a 10 dc maio do mesmo ano.
Antônip de Passos Miranda (bacharel), 369 presidente. Nomeado em
12 de abril de 1876. Posse a 20 de junho do mesmo ano.
Josc Nicolau Tolentino dc Carvalho (bacharel), 37? presidente. No­
meado em 13 dc março dc 1877. Posse a 18 de abril do mesmo ano.
Manuel Januário Bezerra Montenegro (bacharel), P vice-presidente.
Nomeado em 16 de fevereiro de 1878. Posse a 6 de março do mesmo ano.
Eliseu de Sousa Martins (doutor), 389 piesidente. Nomeado em 16
de fevereiro de 1878. Posse a 18 de março do mesmo ano.
Manuel Januário Bezerra Montenegro (bacharel), P vice-presidente.
* vez) a 4 de outubro
Nomeado em 16 de fevereiro de 1878. Posse (2
de 1878.
Matias Antônio da Fonseca Morato (bacharel), P vice-presidente.
Nomeado a 9 de janeiro de 1879. Posse a 31 do mesmo mês e ano.
Euclides Diocleciano de Albuquerque (bacharel), 2^ vice-presidente.
Nomeado em 16 de fevereiro de 1878. Posse a 7 de fevereiro de 1879.
Vicente Inácio Pereira (médico), P vice-presidente. Nomeado em P
de fevereiro de 1879. Posse a 14 do mesmo mes e ano.
Rodrigo Lobato Marcondes Machado (bacharel), 39? presidente. No­
meado em 11 de janeiro de 1879. Posse cm 13 dc março do mesmo ano.
Alarico José Furtado (bacharel), 40? presidente. Nomeado em 13 de
abril de 1S80. Posse a P de maio do mesmo ano.

276
Matias Antônio da Fonseca Morato (bacharel), l9 vice-presidcnte.
Nomeado cm 24 de março de 18S1. Posse (2
* vez) a 20 de abril do mes­
mo ano.
Sátiro de Oliveira Dias (médico), 419 presidente. Nomeado cm 24
de março de 1881. Posse a l9 de junho do mesmo ano.
Francisco de Gouveia Cunha Barreto (bacharel), 429 presidente. No-
meado em 25 de fevereiro de 1882. Posse a 13 de abril do mesmo ano.
Antônio Basilio Ribeiro Dantas (tenente-coronel), l9 vice-presidente.
Nomeado cm 23 de junho de 1882. Posse a 21 de julho dc 1S83.
Francisco de Paula Sales (doutor), 439 presidente. Nomeado cm 7 dc
julho dc 1883. Posse a 22 de agosto do mesmo ano. *
Antônio Basilio Ribeiro Dantas (tenente-coronel), l9 vice-presidente.
* vez), a 19 dc julho dc 1884.
Nomeado em 23 dc junho de 1S82. Posse (2
Francisco Altino Correia dc Araújo (bacharel), 449 presidente. No­
meado em 9 de agosto de 1884. Posse a 30 dc setembro do mesmo ano. f
Antônio Basilio Ribeiro Dantas (tenente-coronel), l9 vice-presidente.
* vez) a 11 de julho de 1885.
Nomeado em 23 de junho de 1882. Posse (3
Álvaro Antônio da Costa (bacharel), l9 vice-presidente. Nomeado em
l9 de setembro de 18S5. Posse a 22 do mesmo mes c ano.
José Moreira Alves da Silva (bacharel), 459 presidente. Nomeado cm
12 de setembro de 1885. Posse a 22 de outubro do mesmo ano.
Luís Carlos Wanderley (médico), vice-prcsidente. Nomeado cm 31
de outubro de 18S5. Posse a 30 dc outubro de 1SS6.
Antônio Francisco Pereira de Carvalho (bacharel). 469 presidente. n
Nomeado cm 16 de outubro dc 1886. Posse a 11 de novembro do mesmo
ano.
Francisco Amintas da Costa Barros (bacharel), vicc-presidentc. No­
meado em 8 de dezembro de 1887. Posse a 10 dc agosto de 1SS8.
Josc Marcelino da Rosa c Silva (bacharel), 479 presidente. Nomea­
do em 8 de agosto de 18S8. Posse a 14 dc outubro do mesmo ano. t
^Trancisco Amintas da Costa Barros (bacharel), vice-presidente. No­
* vez) a 15 de junho de 1SS9.
meado cm 8 de dezembro de 1S87. Posse (2
Antônio Basilio Ribeiro Dantas (tenente-coronel), l9 vice-presiden­
te. Nomeado cm 15 dc junho dc 18S9. Posse (4
* vez) a 18 do mesmo mês
e ano. k
Fausto Carlos Barreto, 489 presidente. Nomeado em 15 de junho dc
1889. Posse a 12 de julho do mesmo ano.

277
Antônio Basilio Ribeiro Dantas (tcncntc-coronel), 19 vice-presidente.
Nomeado em 15 de junho de 1889. Posse (5? vez) a 23 de outubro do
mesmo ano.
Na República.
Proclamado o atual regimen cm 15 dc novembro dc 18S9, foi o
tenente-coronel Antônio Basilio Ribeiro Dantas deposto no dia 17, sendo
aclamado governador o Dr. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão.
Vieram depois:
Adolfo Afonso da Silva Gordo (bacharel), primeiro governador
nomeado pelo Governo Provisório, que tomou posse a 6 dc dezembro
de 1889.
Jerônimo Américo Raposo da Câmara (bacharel), que exercia o
cargo de chefe de polícia c assumiu o governo a 8 de fevereiro de 1890
em virtude de autorização por telegrama do Ministro do Interior.

Joaquim Xavier da Silveira Júnior (bacharel), segundo governador


nomeado pelo Governo Provisório. Posse a 10 dc março de 1890.
Pedro Velho de Albuquerque Maranhão (medico), P vice-gover-
nador. Posse a 19 dc setembro de 1S90.
João Gomes Ribeiro (bacharel), terceiro governador nomeado pelo
Governo Provisório. Posse a 8 dc novembro de 1S90.
Manuel do Nascimento Castro c Silva (bacharel), que era chefe
de polícia e assumiu a administração a 7 de dezembro de 1890 cm
virtude de autorização por telegrama do Ministro do Interior, sendo
depois c sem interrupção dc exercício nomeado governador pelo Gover­
no Provisório. Foi o quarto nomeado.
Francisco Amintas da Costa Barros (bacharel), quinto governador
nomeado pelo Governo Federa). Posse a 3 dc março dc 1891.
José Inácio Fernandes Barros (bacharel), P vice-presidente eleito
pelo Congresso Estadual. Posse a 13 de junho de 1S91.
Francisco Gurgcl de Oliveira (coronel), 29 vice-prcsidente eleito
pelo Congresso Estadual. Posse a 6 de agosto de 1S91.
Miguel Joaquim dc Almeida Castro (bacharel), presidente eleito
pelo Congresso Estadual. Posse a 9 de setembro de 1S91.
Junta aclamada após a deposição do Dr. Miguel Castro, composta
do coronel Francisco de Lima e Silva, presidente, c bacharéis Manuel
do Nascimento Castro c Silva c Joaquim Ferreira Chaves Filho. Posse
a 28 de novembro de 1S91.

278
Jerônimo • Américo Raposo da Câmara (bacharel), presidente do
segundo Congresso Constituinte. Posse a 22 dc fevereiro de 1S92.
Pedro Velho de Albuquerque Maranhão (médico), governador eleito
pelo Congresso Estadual. Posse a 28 de fevereiro de 1892.
Jerônimo Américo Raposo da Câmara (bacharel), presidente do
Congresso, na ausência do vicc-governador. Posse a 9 de maio dc 1893.
Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, que reassumiu o exercício
cm 12 de maio de 1893.
Jerônimo Américo Raposo da Câmara, presidente do Congresso,
na ausência do vicc-govcrnador. Posse a 18 dc setembro de 1894.
Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, que reassumiu o exercício
em 25 dc setembro de 1894.
Jerônimo Américo Raposo da Câmara, presidente do Superior Tribu­
nal dc Justiça, na ausência do vicc-governador c do presidente do Con­
gresso. Posse a 19 de outubro de 1895.
Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, que reassumiu o exercício
em 31 de outubro de 1895.
Joaquim Ferreira Chaves Filho (bacharel), governador eleito a 14
de junho de 1S95. Posse a 25 de março de 1896.
Alberto Maranhão (bacharel), governador eleito a 14 de junho dc
1S99. Posse a 25 de março de 1900.
Augusto Tavares dc Lira (bacharel), governador eleito a 14 de junho
de 1903. Posse a 25 de março de 1904.
Manuel Moreira Dias (bacharel), vicc-govcrnador, que assumiu o
exercício a 5 de novembro dc 1906, cm consequência da renúncia do
governador Augusto Tavares dc Lira, convidado para ocupar o cargo dc
Ministro da Justiça e Negócios Interiores no governo do Conselheiro
Afonso Pena, a .*naugurar-sc cm 15 dc novembro daquele ano.
Antônio José de Melo c Sousa (bacharel), governador eleito cm 9 de
dezembro dc 1906 para completar o quatriênio do governador Augusto
Tavares de Lira. Posse a 23 de fevereiro de 1907.
Alberto Maranhão (bacharel), governador eleito pela segunda vez.
Posse a 25 de março de 1908.
Joaquim Ferreira Chaves (bacharel), governador também eleito pela
segunda vez. Posse a P de janeiro de 1914.
Antônio José de Melo e Sousa (bacharel), governador igualmente
eleito pela segunda vez. Posse a P de janeiro dc 1920. O seu mandato
termina a P de janeiro dc 1924.

279
)

Representação:
Sobre a representação do Rio Grande do Norte nas Cortes Consti­
tuintes Portuguesas, diz M. E. Gomes de Carvalho (Os Deputados Bra­
sileiros nas Cortes Gerais de 1821):
Se os constituintes portugueses se não conformaram com a auscncia
acintosa dos mandatários dc Minas, compreende-se quanto se irritariam
com a atitude da representação do Rio Grande do Norte.
A pequena província nomeara a 8 de dezembro de (1S21) deputados
. Afonso de Albuquerque Maranhão c Antônio de Albuquerque Monte­
negro, e substituto Gonçalo Borges dc Andrade. O primeiro c o suplente
não vieram no Reino, mas Montenegro, que cogitara dc entrar no Con­
gresso, pois apenas desembarcado em Lisboa lhe submeteu o diploma,
mudou de resolução em conhecendo as disposições dos regeneradores para
com o reino ultramarino e não acudiu às ordens da assembléia para vir
ocupar a sua cadeira (Diário das Cortes Gerais, tomo 49, pág. 235, e
tomo 79, págs. 158, 169, 833 c 887).
A província não teve, portanto, representante naquelas Cortes.
Para a Constituinte de 1S23 foram eleitos: deputado, o Dr. Francisco
de Arruda Câmara; suplente, o Dr. Tomás Xavier Garcia dc Almeida.
Aquele não compareceu, tomando assento o último em 25 de outubro
daquele ano.
Dissolvida a Constituinte c promulgada posteriormente a Constitui­
ção do Império, constituiu-se, de acordo com ele, o poder legislativo
composto de um Senado vitalício c de uma Câmara temporária. Os sena­
dores eram escolhidos pelo Imperador dentre os incluídos numa lista
tríplice, em que entravam os três cidadãos mais votados.
Durante o regimen monárquico, o Rio Grande do Norte teve os
seguintes senadores:
P Afonso de Albuquerque Maranhão, proprietário. Foi escolhido
por carta imperial de 22 de janeiro de 1826. Tomou assento a 22 de agosto
do mesmo ano. Faleceu em 10 dc julho de 1S36.
A lista tríplice era assim composta: Agostinho Leitão de Almeida,
José Inácio Borges e Afonso de Albuquerque Maranhão.
29 Francisco de Brito Guerra, padre. Foi escolhido cm 10 dc junho dc
1837. Tomou assento a 12 de julho do mesmo ano. Faleceu em 26 dc fe­
vereiro dc 1S45.
A lista trípiice era assim composta: Francisco de Brito Guerra, André
de Albuquerque Maranhão e Tomás Xavier Garcia dc Almeida.
39 Paulo José de Melo Azevedo c Brito, vereador da Casa Imperial.

280

)
)
Foi escolhido cm 15 de setembro de 1845. Tomou assento a 5 dc maio
de 1846. Faleceu em 25 de setembro de 1848.
A lista tríplice era assim composta: Paulo Josc dc Melo Azevedo c
Brito, Manuel Josc Fernandes e João de Oliveira Mendes.
49 D. Manuel de Assis Mascarenhas, magistrado. Foi escolhido em 12
de junho dc 1850. Tomou assento a 17 do mesmo mes c ano. Faleceu em
30 de janeiro dc 1867.
A lista tríplice era assim composta: D. Manuel de Assis Mascarenhas,
Tomás Xavier Garcia dc Almeida c João Valentino Dantas Pinagé.
59 Francisco de Sales Torres Homem (visconde dc Inhomirim), Conse­
lheiro dc Estado. Foi escolhido cm 27 dc abril dc 1S70.
Tomou assento a 20 de junho do mesmo ano. Faleceu em 3 de junho
dc 1876.
A lista tríplice era assim composta: Francisco dc Sales Torres Homem,
Jerônimo Cabral Raposo da Câmara e Tarquínio Bráulio dc Sousa Ama-
ranto.
Anteriormente tinha sido anulada pelo Senado, em l9 de junho dc
1S69, a eleição a que se procedeu para o preenchimento da vaga de D.
Manuel Mascarenhas, ficando deste modo sem efeito a carta imperial que
escolhera o mesmo Francisco de Sales Toitcs Homem, a 22 de julho de 1868.
69 Diogo Velho Cavalcanti de Albuquerque (visconde dc Cavalcanti).
Foi escolhido cm 4 de janeiro de 1877. Tomou assento a 6 dc março do
mesmo ano. Era ainda senador quando se proclamou a República.
A lista tríplice era assim composta: Diogo Velho Cavalcanti de Albu­
querque, Tarquínio Bráulio de Souza Amaranto e Francisco-Gomes da
Silva.
Foram deputados, sob a monarquia:
1? Legislatura (1826-1829):
Agostinho Leitão de Almeida.
*2 Legislatura (1830-1833):
Josc Paulino dc Almeida c Albuquerque.
Falecendo, tomou assento nas sessões de 1S31 a 1833 o padre Fran­
cisco de Brito Guerra.
*3 Legislatura:
Padre Francisco de Brito Guerra.
4? Legislatura (1838-1841):
Basilio Quaresma Torreão.
5* Legislatura:
D. Manuel de Assis Mascarcnhas.
A Câmara eleita para esta legislatura foi dissolvida antes da sua aber­
tura, por decreto de l9 de maio de 1S42 (foi a primeira dissolução que
houve no Império, não falando na da Constituinte de 1823).
Feita nova eleição, foi a segunda câmara dissolvida por decreto de 24
dc maio dc 1S44, não tendo por isto completado a legislatura. Para ambas
fora eleito D. Manuel de Assis Mascarenhas.

& Legislatura (1845-1847):


Andrc de Albuquerque Maranhão. Foi substituído desde 28 de feve­
reiro de 1S45 até 3 de março do dito ano c nas sessões dc 1846 a 1847 pelo
Dr. Francisco dc Queirós Coutinho Matoso Câmara.

7* Legislatura (1848):
Dr. Casimiro José de Morais Sarmento.
Esta Câmara foi dissolvida por decreto de 9 de fevereiro de 1849.
S* Legislatura (1850-1S52):
Dr. Casimiro Josc dc Morais Sarmento.
João Carlos Wanderley.
Este último tomou assento cm 1852.
*9 Legislatura (1S53-1S56):
Dr. Josc Joaquim da Cunha, que foi substituído durante a sessão dc
1S53 pelo Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti.
Dr. Otaviano Cabral Raposo da Câmara.
* Legislatura (1857-1SG0):
10
Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti.
Cel. José Xavier Garcia dc Almeida.
* Legislatura (1861-1S64):
11
Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti.
Dr. Gabriel Soares Raposo da Câmara.
Esta Câmara não completou a legislatura: foi dissolvida por decreto
de 12 de maio dc 1863.
12
* Legislatura (1S64-1866):
Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti.
Dr. José Moreira Brandão Castelo Branco

282
*13 Legislatura (18674870):
Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti
Dr. José Maria de Albuquerque Melo.
Esta Câmara foi dissolvida por decreto de 18 de julho de 1868.
*14 Legislatura (18694872):
Dr. Francisco Gomes da Silva.
Dr. Otaviano Cabral Raposo da Câmara.
Esta Câmara foi dissolvida por decreto dc 22 de maio de 1872.
*15 Legislatura (1873-1876):
Padre João Manuel de Carvalho.
Dr. Tarquínio Bráulio de Sousa Amaranto.
*16 Legislatura (1877-1880):
Dr. Francisco Gomes da Silva.
Dr. Tarquin’o Bráulio de Souza Amaranto.
Esta Câmara foi dissolvida por decreto de 11 de abril de 1S78.
*17 Legislatura (1878-1881):
Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti.
Dr. José Moreira Brandão Castelo Branco.
Esta Câmara foi dissolvida por decreto dc 30 de junho de 1SS1.
*18 Legislatura (18821885):
Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti.
Dr. Tarquínio Bráulio dc Sousa Amaranto.
Esta Câmara foi dissolvida por decreto de 3 de setembro de 18S4.
*19 Legislatura (1885-1888):
Dr. Amaro Carneiro Bezerra Cavalcanti.
Dr. José Moreira Brandão Castelo Branco.
Esta Câmara foi dissolvida por decreto dc 26 de outubro de 1885.
*20 Legislatura (1886-1889);
!.h Dr. Tarquínio Bráulio de Souza Amaranto.
Padre João Manuel de Carvalho.
Esta Câmara foi dissolvida por decreto de 17 de junho dc 18S9, sendo
convocada outra extraordinariamente para 20 dc novembro. A nova Câ­
mara, eleita em 31 de agosto daquele ano, não chegou a reunir-se, por ter
sobrevindo a República em 15 de novembro.
Estavam eleitos deputados os Drs. Amaro Carneiro Bezerra Caval­
canti e Miguel Joaquim de Almeida Castro.

283
I
h
)
Na República:
Representaram o Estado na Constituinte, que foi eleita a 15 de se-
tembro e reuniu-se a 15 de novembro de 1S90.
SENADORES
Coronel Josc Bernardo dc Medeiros
Tenente-coronel José Pedro dc Oliveira Galvão
Dr. Amaro Cavalcanti.
DEPUTADOS
Dr. Almino Álvares Afonso
Dr. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão
Dr. Miguel Joaquim de Almeida Castro
Dr. Antônio de Amorim Garcia.
Promulgada a constituição republicana de 24 de fevereiro de 1891
e eleitos o presidente e o vice-presidente da República para o primeiro
período presidencial, o Congresso deu por terminada a sua missão cons­
tituinte, para, separando-se em Câmara e Senado c sem nova eleição,
encetar as suas funções ordinárias a 15 dc junho do mesmo ano, de
acordo com o § 49 do art. P das disposições transitórias da constituição
votada.
E, como esta estabelecia que a renovação do Senado se teria de
fazer pelo terço, determinou também que para ser discriminado cada
um desses terços se obedece à ordem de votação dos senadores dos
diferentes Estados, de modo que os mais votados constituiríam o primeiro,
servindo por nove anos, os imediatos o segundo, servindo por seis anos,
e os menos votados o terceiro, servindo por tres anos. Na renovação
todos seriam eleitos por nove.
Para a Câmara o período da legislatura seria de tres anos. Assim,
a representação do Rio Grande do Norte na primeira legislatura (1S91-
1893) ficou composta da seguinte maneira:
SENADORES
Coronel José Bernardo de Medeiros (o mais votado) 9 anos.
Tcncntc-coronel Josc Pedro dc Oliveira Galvão (o imediato cm vo­
tos) 6 anos.
Dr. Amaro Cavalcanti (o menos votado) 3 anos.
DEPUTADOS
Os mesmos: Drs. Almino Álvares Afonso, Pedro Velho dc Albuquer­
que Maranhão, Miguel Joaquim de Almeida Castro e Antônio de Amorim
Garcia.

2S4
Este Congresso foi dissolvido pelo marechal Deodoro cm 3 dc no­
vembro de 1891: mas voltou ao exercício de suas funções após a revo­
lução de 23 do mesmo mes e ano, de que resultou a renúncia daquele
marechal e a posse do marechal Floriano Peixoto.
Durante a legislatura houve uma modificação na Câmara dos Depu­
tados. Tendo o Dr. Pedro Velho perdido o mandato em consequência
da aceitação do cargo de governador, para o qual foi eleito, a 22, em­
possando-se a 28 de fevereiro de 1892, procedeu-se ;i eleição para o seu
substituto, sendo eleito Augusto Severo de Albuquerque Maranhão em
22 de maio do referido ano.
Anulada essa eleição, fez-se segunda cm 23 dc abril de 1S93. Foi
eleito o mesmo candidato, que, reconhecido a 30 de junho, tomou assento
na mesma data.
2* Legislatura (1894-1896):
SENADORES
Dr. Almino Álvares Afonso, eleito na renovação do terço, 9 anos.
Coronel José Bernardo de Medeiros, 6 anos.
Tenente-coronel José Pedro de Oliveira Galvão, 3 anos.
DEPUTADOS
Augusto Severo dc Albuquerque Maranhão
Coronel Francisco Gurgel de Oliveira
Dr. Augusto Tavares dc Lira
Dr. Luís Francisco Junqueira Aires de Almeida.
Em 10 de maio de 1896 faleceu o Dr. Luís Francisco Junqueira Aires
de Almeida, sendo eleito na sua vaga, a 28 de junho do mesmo ano,
o Dr. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, que foi reconhecido e
empossado em 27 de agosto.
3* Legislatura (1897-1899):
SENADORES
Dr. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, eleito na renovação do
terço, 9 anos.
Dr. Almino Álvares Afonso, 6 anos.
Coronel Josc Bernardo de Medeiros, 3 anos.
DEPUTADOS
Augusto Severo de Albuquerque Maranhão
Dr. Augusto Tavares de Lira
Coronel Francisco Gurgel de Oliveira
Dr. Amaro Cavalcanti.

285
h
i
>
Nomeado Ministro da Justiça c Negócios Interiores, o Dr. Amaro
Cavalcanti optou por este cargo, deixando por isto de tomar assento,
sendo eleito para preencher a sua vaga, em 20 de junho do 1S97, o Dr.
Elói Castriciano de Sousa.
No Senado também se deu uma vaga pelo falecimento do Dr. Al­
mino Álvares Afonso em 13 de fevereiro de 1899. Foi eleito para subs-
tituí-lo em 2 de julho do mesmo ano, o coronel Francisco Gomes da
Rocha Fagundes, que só tomou assento em 20 de abril de 1900.
4* Legislatura (1900-1902):
SENADORES
Coronel José Bernardo de Medeiros, eleito na renovação do terço,
9 anos.
Dr. Pedro Velho dc Albuquerque Maranhão, 6 anos.
Coronel Francisco Gomes da Rocha Fagundes, 3 anos.
DEPUTADOS
i
Augusto Severo de Albuquerque Maranhão
Dr. Augusto Tavares de Lira
Dr. Elói Castriciano dc Sousa
Dr. Manuel Pereira Reis.
Tendo renunciado o mandato dc senador, cm 10 de julho de 1900,
o coronel Francisco Gomes da Rocha Fagundes, foi eleito para substi-
tuí-lo, em 25 de agosto do mesmo ano, o Dr. Joaquim Ferreira Chaves,
que, reconhecido, tomou assento em 4 de outubro, ainda do referido
ano.
Na Câmara dos Deputados houve também uma vaga durante a le­
gislatura: a de Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, que morreu
em um desastre em Paris, a 12 de maio de 1902, quando fazia uma
experiência do seu balão dirigível PAX. Para o preenchimento dessa
vaga foi eleito em 17 de agosto do mesmo ano o coronel Francisco Victor
da Fonseca c Silva.
5? Legislatura (1903-1905):
SENADORES
Dr. Joaquim Ferreira Chaves, eleito na renovação do terço, 9 anos.
Coronel José Bernardo de Medeiros, 6 anos.
Dr. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, 3 anos.
DEPUTADOS
Dr. Augusto Tavares de Lira
Dr. Elói Castriciano de Sousa
Dr. Manuel Pereira Reis
Coronel Francisco Victor da Fonseca e Silva.

286

)
Durante a legislatura deram-se duas vagas na Câmara dos Depu­
tados: a do Dr. Augusto Tavares de Lima, que assumiu o exercício do
cargo do governador em 25 de março dc 1904, e a do coronel Francisco
Victor da Fonseca e Silva, que faleceu em 27 de julho de 1905. Para
a primeira foi eleito o Dr. Alberto Maranhão e para a segunda o Dr.
Juvenal Lamartine de Faria.
6* Legislatura (1906-1908):
SENADORES
Dr. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, eleito na renovação do
terço, 9 anos.
Dr. Joaquim Ferreira Chaves, 6 anos.
Coronel José Bernardo de Medeiros, 3 anos.
DEPUTADOS
Dr. Alberto Maranhão
Dr. Elói Castriciano de Sousa
Dr. Juvenal Lamartine de Faria
Dr. Manuel Pereira Reis.
Durante a legislatura, faleceram o coronel José Bernardo dc Medeiros
e o Dr. Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, o primeiro a 15 de ja­
neiro e o segundo a 9 de dezembro de 1907.
Ao coronel José Bernardo substituiu o Dr. Francisco do Sales Meira
e Sã, em 25 de junho de 1907, c ao Dr. Pedro Velho o Dr. Antônio José
de Melo e Sousa, em l9 de setembro de 1908.
Deu-se também uma vaga na Câmara dos Deputados pela renúncia
do Dr. Alberto Maranhão, que assumiu o governo do Estado cm 25 dc
março de 1908.
Para essa vaga foi eleito o Dr. João Lindolfo Câmara.
7‘- Legislatura (1909-1911):
SENADORES
Dr. Francisco de Sales Meira c SA, eleilo na renovação do terço,
9 anos.
Dr. Antônio José de Melo e Sousa, 6 anos.
Dr. Joaquim Ferreira Chaves, 3 anos.
DEPUTADOS
Dr. Elói Castriciano dc Sousa
Dr. Juvenal Lamartine de Faria
Dr. Sérgio Pais Barreto
Dr. João Lindolfo Câmara.

287
D
Tendo o Dr. Francisco de Sales Meira e Sá renunciado o mandato
de senador em 4 de janeiro de 1910, por haver sido nomeado juiz federal
no Estado, foi eleito para substituí-lo o Dr. Augusto Tavares de Lira,
que tomou assento em 25 de abril do mesmo ano.
Legislatura (1912-1914):
SENADORES
Dr. Joaquim Ferreira Chaves, eleito na renovação do terço. 9 anos.
Dr. Augusto Tavares de Lira, 6 anos.
Dr. Antônio José de Melo e Sousa, 3 anos.

I
DEPUTADOS
Dr. Elói Castriciano de Sousa
Dr. Juvenal Lamartine de Faria
Dr. Augusto Carlos de Vasconcelos Monteiro
Dr. Augusto Leopoldo Raposo da Câmara.
Durante a legislatura houve duas vagas no Senado: a do Dr. Joaquim
Ferreira Chaves, que, eleito governador, assumiu o exercício do cargo
em Io de janeiro dc 1914, e a do Dr. Augusto Tavares dc Lira, nomeado
Ministro da Viação c Obras Públicas em 15 de novembro de 1914.
A primeira foi preenchida, ainda cm 1914, pulo Dr. Elói Castriciano
dc Sousa, eleito em P dc março do mesmo ano.
A segunda só foi preenchida no ano seguinte, por ocasião do ser
feita a eleição para a renovação da Câmara e terço do Senado, sendo
eleito o coronel João de Lira Tavares.
Na sessão dc 1914, entrou novamente para a Câmara o Dr. Alberto
Maranhão, na vaga do Dr. Elói Castriciano dc Sousa, que substituira o
Dr. Joaquim Ferreira Chaves no Senado.
9? Legislatura (1915-1917):
SENADORES
Dr. Antônio José de Melo e Sousa, eleito na renovação do terço
9 anos.
Dr. Elói Castriciano de Sousa, 6 anos.
Coronel João de Lira Tavares, 3 anos.
DEPUTADOS
Dr. Alberto Maranhão
Dr. Juvenal Lamartine de Fariaa
Dr. José Augusto Bezerra de Medeiros
Dr. Afonso Moreira de Loiola Barata

288

)
10? Legislatura (1918-1920) :.
SENADORES
Coronel João de Lira Tavares, eleito na renovação do terço, 9 anos.
Dr. Antônio José de Melo e Sousa, 6 anos.
Dr. Elói Castriciano de Sousa, 3 anos.
DEPUTADOS
Dr. Alberto Maranhão
Dr. Juvenal Lamartine de Faria
Dr. Josc Augusto Bezerra de Medeiros
Dr. Afonso de Loiola Barata
Tendo o Dr. Antônio José de Melo e Sousa assumido o cargo de
governador do Estado em l9 de janeiro dc 1920, renunciou o seu mandato
de senador.
Foi eleito em sua vaga o Dr. Joaquim Ferreira Chaves.
Freguesias: — Durante o Império, como desde o século XVII, quando
foi criado o bispado de Pernambuco, o Rio Grande do Norte pertenceu,
eclesiasticamente, a esse bispado, do qual foi desmembrado em 1892,
para fazer parte do da Paraíba, criado nesse ano pelo Papa Leão XIII.
A nova diocese foi provida na pessoa do Exm9 c Revm9 D. Adauto
Aurélio de Miranda Henriques, eleito em 2 de janeiro de 1894 e sagrado
a 7 do mesmo mês, sendo instalada, com a posse do seu primeiro bispo,
em 4 de março do referido ano.
Em 29 de dezembro de 1909, o Estado foi separado da Paraíba pelo
Papa Pio X para constituir bispado à parte; c, em 19 de outubro do ano
seguinte, o Núncio Apostólico acreditado junto ao Governo do Brasil
expediu este decreto exccutório:
“Nós, Alexandre Bavona, Arcebispo de Farsália c Núncio AposlólieÒ
na República dos Estados Unidos do Brasil, usando das faculdades que
nos foram concedidas pelo Santo Padre Pio X e que estão contidas nas
letras apostólicas Apostolicam in singulis, de 29 de dezembro de 1909,
mandamos e decretamos que sejam as mencionadas letras apostólicas es­
tritamente observadas e executadas.
Pelo que todo o território que constitui o Estado civil vulgarmente
chamado Rio Grande do Norte, e que até agora fazia parte da diocese
da Paraíba, da mesma diocese da Paraíba separamos e oesligamos, e em
uma nova e distinta diocese, de modo perpétuo erigimos e erigida decla­
ramos, devendo ser denominada DIOCESE DE NATAL.
Determinamos que a sede desta Diocese e a sua cátedra episcopal
sejam na cidade principal do mesmo Estado civil, a qual é vulgarmente

289
chamada NATAL; e, ao mesmo tempo, elevámos, exalçamos perpctuá-
mente a honra e dignidade de Catedral a Igreja existente na mesma cida­
de de Natal que tem título de Nossa Senhora da Apresentação.
Determinamos, outrossim, que a predileta diocese novamente erigida
seja sufragânea da Igreja Metropolitana de São Salvador da Bahia, e o
seu Bispo e os seus sucessores submetemos ao direito metropolitano do
mesmo Arcebispado de São Salvador do Brasil.
Além disso, o que está determinado nas referidas letras apostólicas
sobre as honras, graças, privilégios, indultos, favores, dotação das novas
dioceses do Brasil, e a respeito do poder, autoridade, atribuições, taxa
dos novos bispos, como também cm relação ao cabido da catedral e à
instituição, regímen e administração do seminário, finalmentc sobre os
direitos c ofícios dos próprios fiéis e sobre as outras coisas que devem ser
acuradamente observadas segundo as sanções canônicas, tudo isto fica
pertencente, em quanto lhe diz respeito, à nova diocese de Natal.
Determinamos também que o novo bispo de Natal e os seus suces­
sores no episcopado conservem a expensas suas, ao menos, dois alunos
que se dediquem aos estudos de filosofia ou teologia no colégio Pio La­
tino Americano de Roma, onde, no próprio centro da Fé c junto à Cá­
tedra de São Pedro, Príncipe dos Apóstolos, bebam a ciência católica e
a disciplina eclesiástica, c quando, cm tempo oportuno, voltem à sua
pátria maior bem possam fazer, quer no tocante às coisas sagradas, quer
mesmo cm relação às coisas civis.
Além disso, para que mais firmemente sc possa providenciar para a
manutenção dos mesmos alunos que devem scr enviados a Roma, e para
dotação do colcgio Pio Latino Americano, insistentemente exorta Sua
Santidade a que o bispo de Natal, como os bispos das outras novas sedes,
no tempo mais breve possível, reuna a quantia necessária para que, com
suas rendas, possam ser sustentados os mesmos alunos ou, ao menos, um
deles, e essas rendas, logo que forem recebidas, nós atribuímos e con­
signamos para sempre ao mesmo colégio Pio Latino Americano.
Ao bispo da Paraíba, D. Adauto Aurélio de Miranda Henriques,
transmitimos todos os documentos referentes à nova diocese de Natal,
pela Secretaria da Diocese da Paraíba, as mencionadas letras apostólicas
c este decreto sejam entregues à Secretaria da nova diocese cuidadosa­
mente guardados.
E recomendamos ao mesmo Bispo da Paraíba uma cópia exemplar,
e fazendo cumprir esta determinação enviará, dentro de quatro meses,
a esta Nunciatura Apostólica uma cópia dos atos que tiver feito sobre
o assunto.
Todas, por conseguinte, e cada uma das coisas que estão prescritas,
tanto no presente decreto, como nas mencionadas letras apostólicas, cujas

290

)
leis, cláusulas, limites e condições estão aqui verbalmente transcritas e
expressas, devem assim ser consideradas, cumpridas e, sem outra decla­
ração ou ordem, sortir e obter os seus íntegros e plenários efeitos, e por
todos a quem se referem devem ser inviolavelmente observadas; o que
mandamos e ordenamos em virtude da autoridade apostólica que nos
foi concedida, nada obstando em contrário e removida toda objeção;
ficando a nós reservado o poder de dirimir, definir e remover qualquer
dificuldade ou oposição que de algum modo possa aparecer relativamente
ao que fica dito.
Dada em Petrópolis, o Palácio da Nunciatura Apostólica, aos 19 de
outubro do ano do Senhor de 1910.
L. + S. + Alexandre Bavona, Arcebispo de Farsália, Núncio Apos­
tólico."
A 12 do citado mês e ano de 1910, o mesmo Núncio Apostólico expediu
este outro decreto:
"Tendo sido erigida a nova diocese de Natal, para não Die faltar,
por mais tempo quem a administre, a Santa Sé Apostólica determinou
que, enquanto o seu primeiro bispo não tomar dela posse canônica, seja
nomeado para seu governo um administrador apostólico que, em nome
e ud nutum da Santa Sé, possa exercer a jurisdição c administração ordi­
nária; e que sejam conceaidas ao mesmo, pelo direito, faculdades e pri­
vilégios que estão anexos a este ofício.
Pelo que nós, Alexandre Bavona, Arcebispo de Farsália e Núncio
Apostólico na República dos Estados Unidos do Brasil, usando das facul­
dades que nos são especialmente concedidas pelo SS. Padre Pio X, ele­
gemos, pelo presente decreto, o Exm9 Sr. D. Adauto Aurélio de Miranda
Henriques, Bispo de Paraíba, Administrador Apostólico da mesma diocese
de Natal; e declaramos que, em nome e ad nutum da Santa Sé, possa
governar a referida igreja e lhe concedemos os direitos, faculdades e
privilégios que estão inerentes a esse ofício.
Mandamos, portanto, a quem diz respeito este decreto que reconhe­
çam ao referido Prelado no ofício e livre exercício deste cargo e lhe
obedeçam, favoreçam e auxiliem; e, com reverência, recebam e eficaz­
mente executem suas salutares admoestações e mandamentos.
Dado em Petrópolis, no Palácio da Nunciatura Apostólica, no dia
12 dc outubro de 1910.
L. + S. + Alexandre Bavona, Arcebispo de Farsália, Núncio Apos­
tólico."
De acordo com as ordens recebidas, D. Adauto mandou por em exe­
cução o decreto da Nunciatura, em 25 de dezembro, ainda de 1910, pelo
seguinte

291
MANDAMENTO
Dando cumprimento ao decreto da Nuncíatura Apostólica, executan­
do a ereção da nova diocese de Natal, desmembrada da desta diocese
de Paraíba, visum est Spiritui Saneio et Nobis, fazer as seguintes deter­
minações:
1) esta nossa carta pastoral e os documentos que acompanham serão
lidos integralmente nas catedrais de Paraíba e de Natal e em todas
as matrizes das duas dioceses, no primeiro domingo após a sua re­
cepção;
2) na Catedral de Natal será oantado solene Te-Deum em ação dc
graças, observadas as disposições litúrgicas;
3) no nosso seminário, colégios diocesanos, capelas, curadas, igrejas e
• oratórios públicos, onde habilualmcntc sc celebra o santo sacrifício
da Missa, far-se-á, do mesmo modo, a leitura desta nossa carta pasto­
ral, seguida de uma breve explicação dos documentos que a acompa­
nham;
4) durante trinta e três dias, os revdos. sacerdotes da nova diocese darão
na ntfssa, quando o permitirem as rubricas, a coleta pro gratiarum
actione;
5) a todos os aue leiem ou ouvirem ler esta nossa carta pastoral conce­
demos 30 dias de verdadeira indulgência, na forma costumada da
Igreja.
Paraíba, 25 de dezembro de 1910, L. + S. + —Adauto, Bispo da
Paraíba, Administrador Apostólico da Diocese de Natal.”
Como vimos pelo primeiro decreto da Nunciatura, o bispado do Rio
Grande do Norte ficou pertencendo à Igreja Metropolitana de São Salva­
dor da Bahia.
Posteriormente, criado o arccbispado de Olinda, a este ficou subor­
dinado; e, em 6 de fevereiro de 1914, com a elevação da Paraíba à arqui­
diocese, passou a ser sufragâneo desta.
O primeiro bispo eleito para o Rio Grande do Norte foi o Exm9 e
Revdm9 Sr. D. Joaquim de Almeida, removido do Estado do Piauí, o
qual empossou-se a 15 de junho de 1911, na cidade de Natal.
Tendo D. Joaquim renunciado em 1915 à diocese, em virtude de
seu precário estado de saúde, foi D. Adauto, arcebispo da Paraíba,
nomeado administrador apostólico da mesma, por decreto da Nunciatura
15 de junho ano.
O segundo bispo, que é o atual, D. Antônio dos Santos Cabral, foi
eleito por bula de l9 de setembro de 1917 e empossou-se a 30 de maio
de 1918.

292
Freguesia do- Acari: Criada por provincial n9 15, de 13 de março de
1835, sob a invocação de N. S. da Guia.
Freguesia do Açu: Afirma o cônego Francisco Severiano (Anuário Ecle­
siástico da Paraíba, já cit.) que foi criada cm 1726. O seu padroeiro
é São João Batista.
Freguesia dc Angicos: Criada por Lei Provincial n9 9, de 13 de outu­
bro dc 1836, que desmembrou da matriz de Santana do Matos,
elevando a igreja paroquial, a filial capela de São José dos
Angicos. A Resolução n9 158, de 2 de outubro dc 1847, transferiu
a sede da vila e freguesia de Angicos para a povoação dd Macau,
do mesmo município c freguesia, com a denominação de vila e
freguesia de Macau, ficando considerada filial a capela de São
José dos Angicos, que, por nova resolução, sob n9 219, de 27 dc
junbo de 1850, foi definitivamente elevada à igreja paroquial
Freguesia do Apodi: Criada em 3 de fevereiro de 1766, sob a invo­
cação de São João Batista.
Freguesia de Areia Branca: Criada por ato do bispo diocesano, em
8 de setembro de 1919, sob a invocação de N. S. da Conceição.
Freguesia de Arés: Moreira Pinto diz que foi criada por alvará dc
13 dc agosto de 1S21; mas, conforme vimos cm outra parte deste
habalho, a criação data do século XVIII. Ê possível que, dada
a decadência da povoação, tenha sido suprimida depois, como
também sucedeu mais tarde. O seu restabelecimento definitivo,
sempre sob a primitiva invocação de São João Batista, decorreu
de lei provincial de 1871.
Freguesia de Caicó: Criada em 15 de abril dc 1748, sob a invocação
de Santana.
Freguesia de Campo Grande: Criada por Lei Provincial n9 17, de
31 de outubro de 1337, sob a invocação de Santana. A vila e o
município, que foram depois chamados de Triunfo, denominam-
se hoje de Augusto Severo.
Freguesia de Caraúbas: Criada pela Lei Provincial n9 408, de Io dc
setembro de 1858, sob a invocação de São Sebastião.
Freguesia do Ceará-Mirim: Criada cm 3 de maio dc 1760, sob a
invocação de São Miguel. A sua sede, como a do município, era
Extremoz. Em 1858, foi a sede do município definitivamente
transferida, pela lei provincial n9 370, de 30 de julho, para a
vila do Ceará-Mirim, anteriormente povoação da Boca da Mala.
A sede da freguesia, sob a invocação de N.S. da Conceição, só
muito depois passou para a nova vila, onde, em todo caso, podia
residir o respectivo vigário por permissão dada em maio de 1S75
pelo bispo de Pernambuco.

293
Freguesia de Currais Novos: Criada por Lei Provincial n9 S93, dc
20 de fevereiro de 1884. A sua invocação é de Santana.
Freguesia de Flores: Criada por decreto diocesano de 5 dc abril dc
1904, sob a invocação de São Sebastião.
Freguesia de Goianinha: O cônego Francisco Severiano informa (op.
cit.) que a sua criação foi cm 1750 c Moreira Pinto que cm 1821
(alvará de 13 dc agosto). Por documentos a que tivemos ensejo
de fazer referência, se ve que em 1749 ela já existia, havendo ain­
da, para aumentar a confusão, uma lei provincial de 1850, cjuc a
criou definitivamente. A explicação dessas contradições esta tal­
vez no seguinte fato: No período do povoamento da capitania c
da província, os núcleos de população que mais rapidamente se
desenvolviam eram escolhidos para sedes das freguesias. No de­
correr dos tempos, porém, outros iam surgindo c se tornando mais
importantes. Vinha naturalmente como conseqiiência a mudança
dessas sedes e o desmembramento das velhas freguesias. Daí al­
gumas desaparecerem para serem restauradas mais tarde e outras,
cujas sedes eram pequenos povoados decadentes, ficarem defi­
nitivamente suprimidas. No Estado, há exemplo dos dois casos.
O padroeiro da freguesia é N. S. dos Prazeres.

Freguesia do Jardim do Seridó: Criada por Lei Provincial n9 337, de


4 de setembro de 1856, sob a invocação de N. S. da Conceição.
Freguesia dc Macaíba: Criada pela Lei Provincial n9 876, dc 17 de
março de 1S83, que suprimiu a freguesia de São Conçalo, trans­
ferindo para ali a sua sede. A sua invocação é N. S. da Concei­
ção.
Freguesia de Macau: Criada por Lei Provincial n° 294, dc 19 de
agosto de 1854, sob a invocação de N. S. da Conceição.
Freguesia do Martins: Criada por Lei Provincial n9 52, de 2 dc
novembro de 1840, sob a invocação de N. S. da Conceição e
atualmente de Santana.
Freguesia de Mossoró: Criada por Lei Provincial n9 87, de 27 dc
outubro de 1842, sob a invocação de Santa Luzia.
Freguesia de Natal: Ignora-se o ano em que foi criada. Deve, porém,
datar dos primeiros tempos da conquista e colonização. Ém 1601
já tinha vigário, o padre Gaspar Gonçalves Rocha. A sua invoca­
ção é N. S. da Apresentação.
Freguesia de Nova Cruz: Criada por Lei Provincial n9 313, dc 24 de
agosto de 1S58, sob a invocação de N. S. da Conceição.
Freguesia de Papari
* Criada em 30 de agosto de 1833. A sua invoca­
ção é N. S. do Ó.

294
Freguesia do Patu: Criada por Lei Provincial n9 260, de 3 de abril
de 1852, sob a invocação de N. S. das Dores.
Freguesia de Pau dos Ferros: Criada em 19 de dezembro de 1756,
sob a invocação de N. S. da Conceição.
Freguesia da Perdia: Criada ainda no século XVIII, com a invocação
dc N. S. da Conceição. A sede era Vila Flor, também sede do
município. A lei provincial n9 367, dc 19 dc julho dc 1S58, trans­
feriu a sede da vila para Uruá, dando a esta povoação o nome dc
Canguarctama, que ainda conserva; e a lei provincial n9 46S, dc
27 de março de I860, ali criou a freguesia da Penha, suprimindo
a antiga de N. S. da Conceição de Vila Flor.
Freguesia de Portalegre: Criada em 9 dc dezembro dç 1761, sob a
invocação de São João Batista.
Freguesia de Santana do Matos: Criada por alvará de 13 de agosto
de 1821, segundo Moreira Pinto. A sua invocação é Santana.
Freguesia de Santo Antônio: Criada por decreto diocesano de 16 de
agosto de 1915, sob a invocação de N. S. da Conceição.
Freguesia dc Santa Cruz: Criada em 1S35. A sua invocação c de
Santa Rita.
Freguesia de São Gonçalo: Criada por Lei Provincial n° 27, dc 28 dc
março de 1S35; suprimida pela lei provincial n9 876, dc 17 dc
março de 1883, que transferiu a sua sede para Macaíba; e final­
mente restabelecida, sob a mesma invocação de São Gonçalo,
compreendendo parte do seu primitivo território, que foi des­
membrado de Macaíba, por decreto diocesano dc 16 de setembro
de 1912.
Freguesia dc São Josâ de Mipibu: Há divergências sobre a data
exata da criação, que se efetuou na segunda metade do século
XVIII. O mais aceitável, porém, é que tenha coincidido com a
criação da vila em 22 de fevereiro dc 1762. A sua invocação c de
Santana.
Freguesia de São Miguel de Jucurutu: Criada por Lei Provincial
n9 707, de l9 dc setembro dc 1874, sob a invocação de São Mir
guel.
Freguesia de São Miguel de Pau dos Ferros: Criada pela Lei Pro­
vincial n9 760, de 9 de setembro de 1S75, sob a invocação dc
São Miguel.
Freguesia de Serra Negra: Criada pela Lei Provincial n9 406, de
l9 dc setembro de 1858, sob a invocação de N. S. do ó.
Freguesia do Taipu: Criada por decreto diocesano de IS dc abril
de 1913, sob a invocação de N. S. do Livramento.

295
Freguesia dc Touros: Criada por Lei Provincial n9 21, dc 27 dc
março dc 1835, sob a invocação dc Bom Jesus dos Navegantes.
Municípios: São 37 os municípios do Estado, a saber:
Município de Acari: Criado pelo presidente em conselho por ato dc
11 de abril de 1833. Essa criação foi aprovada pela lei provincial
j» n9 16, de 18 de março de 1835. A vila do Acari, sede do municí­
pio, foi elevado à categoria de cidade por lei estadual n9 119, dc
15 de agosto de 1898.
Município do Açu: Criado em virtude dc real ordem de 22 de julho
de 1766, sendo instalado em 11 de agosto de 17S8. Tomou nessa
ocasião o nome de Vila Nova da Princesa. A lei provincial n9 124,
de 16 de outubro de 1845, elevou a Vila Nova da Princesa à cate­
goria de cidade, como o nome de Açu, nome que, como o muni­
cípio e a comarca, ainda conserva.
Município dc Angicos: Criado pelo presidente em conselho por ato
dc 11 de abril de 1S33 e suprimido pela lei provincial n9 26, dc
28 dr março dc 1835, que mandou reverter o seu território ao da
Vila da Princesa (Açu). Restaurado pela lei provincial n9 9, dc
13 de outubro de 1836, foi novamente extinto pela lei provincial
n9 158, de 2 de outubro dc 1847, que transferiu a sua sede para
Macau; recentemente criado.
Restaurado, finalmente, pela lei provincial n9 219, dc 27 dc
junho de 1850.
Município do Apodi: Criado pelo presidente em conselho por ato de
11 de abril dc 1S33. Essa criação foi aprovada pela lei provincial
n9 18, de 23 de março de 1835. A vila do Apodi, sede do mu­
nicípio, foi elevada à categoria de cidade pela lei provincial
n. 988, de 3 de março dc 1887.
Município de Areia Branca: Criado por decreto n9 10, de 16 de feve­
reiro de 1892, expedido pela Junta Governativa.
Município dc Arâs: Criado cm 15 de junho dc 1760. Suprimido pela
resolução da Assembléia Geral Legislativa de 7 de agosto dc 1832,
que revelou Goianinha a vila e para ali transferiu a sede do
município. Restaurado por lei provincial de agosto de 1855 c
instalado em 15 de janeiro de 1856, foi outra vez incorporado ao
município de Goianinha por lei provincial de 1862. Em 1864,
foi desmembrado do de Goianinha e incorporado a Papari, donde
foi, finalmente, desmembrado pela lei provincial n9 778, de 11 de
dezembro de 1876, que o restaurou.
Município de Augusto Severo: Criado pela lei provincial n9 414, de
4 de setembro de 1858, com o nome dc Campo Grande. Suprimido
pela lei provincial n9 601, de 5 de março de 1868, e restaurado,

296
com a denominação de Triunfo, nela lei n9 613, de 30 de março
de 1870. A lei estadual n9 197, ae 28 dc agosto de 1903, dev à
vila c município o nome de Augusto Severo.
Município de Caicó: Criado em 31 de julho de 178S, com a denomina­
ção dc Vila do Príncipe. A vila foi elevada à categoria dc cidade
pela lei provincial n9 612, dc 15 de dezembro dc 1868, conser­
vando o mesmo nome. Esse nome foi, porém, mudado «para
Seridó pelo decreto n9 12, de l9 de fevereiro dc 1890, e para
Caicó como ainda se chama, pelo de n9 33, dc 7 de julho do
mesmo ano.
Município de Canguarctama: Antigo município dc Vila Flor, criado
no século XVIII (em 1769, segundo Moreira Pinto). A lei pro­
vincial n9 367, de 19 de julho de 1858, transferiu a sua sede para
a povoação de Uruá, elevada a vila pela mesma lei com a de­
nominação de Canguaretama, nome que se tomou extensivo ao
do município. Canguarctama teve a categoria de cidade pela
lei provincial n9 955, de 16 dc abril dc 1SS5.
Município de Caraúbas: criado pela lei provincial n9 601, de 5 dc
março de 1868. A vila de Caraúbas foi elevada à categoria dc
cidade pela lei estadual n9 372, de 30 dc novembro de 1914.
Município do Ceará-Mirim: Antigo município de Extremoz, criado
em 3 de maio de 1760, tendo por sede a vila do mesmo nome.
Essa sede foi transferida para a povoação da Boca da Mata, ele­
vada a vila com a denominação de Ceará-Mirim, pela lei pro­
vincial n9 321, de 18 de agosto de 1855. Outra lei provincial, a
de n9 345, de 4 dc setembro de 1856, suspendeu a anterior, sendo
novamente decretada a transferência da sede do município para
o Ceará-Mirim, como ficou denominado o município, pela lei
provincial n9 370, de 30 de iulho de 1S58. A lei provincial n9
837, de 9 de julho de 1882, elevou a vila do Ceará-Mirim à ca­
tegoria de cidade.
Município de Currais Novos: Criado pelo decreto n9 59, de 15 de
outubro de 1890. A lei estadual n9 486, de 29 de novembro dc
1920, elevou a vila dc Currais Novos à categoria de cidade.
Município dc Flores: Criado pelo decreto n9 62, de 20 de outubro
de 1890.
Município de Goianinha: Criado por uma resolução da Assembléia
Geral Legislativa de 7 de agosto de 1832.
Município de Jardim do Seridó: Criado pela lei provincial n9 407, dc
l9 dc setembro de 1858, tendo por sede a vila de Jardim, nome
que, pela mesma lei, foi dado à povoação, que se chamava an­

297
teriormente Conceição do Azevedo. A vila de Jardim foi elevada
à categoria de cidade pela lei provincial n9 703, de 27 de agosto
dc 1874.
Município de Lajes: Antigo município de Jardim de Angicos, que foi
criado pelo decreto n9 55, de 4 dc outubro de 1890, tendo por
sede a vila de Jardim. Foi a lei estadual n9 360, de 25 de no­
vembro de 1914, que transferiu a sua sede para a povoaçâo de
Lajes, elevada a vila, c dando deste modo nome ao município,
que tomou então essa denominação.
Município de Luís Gomes: Criado pelo decreto n9 31, de 5 dc julho
de 1890.
Município de Macaíba: Criado pela lei provincial n9 832, de 7 dc fe­
vereiro dc 1879, quç suprimiu o município de São Gonçalo, trans­
ferindo para a vila de Macaíba a sua sede. A vila dc Macaíba foi
) elevada à categoria de cidade pela lei provincial n9 1.010, dc 5
de janeiro de 18S9.
Município de Macau: Criado pela lei provincial n9 158, de 2 de ou­
tubro de 1847. A vila de Macau foi elevada à categoria de ci­
dade pela lei provincial n9 761, de 9 dc setembro de 1875.
Município dc Martins: Criado pela lei provincial n9 71, de 10 de no­
vembro de 1S41, tendo por sede a povoaçâo da Serra do Martins,
que pela mesma lei passou a chamar-se vila da Maioridade, como
também sc denominou o município. A vila da Maioridade foi
elevada à categoria de cidade pela lei provincial n9 168, de 30
de outubro de 1S47. com o nome dc Imperatriz. O nome da cidade
foi mudado para Martins pelo decreto n9 12, de l9 de fevereiro
de 1890, e o do município pelo de n9 35, dc 7 de julho do mesmo
ano.
Município de Mossoró: Criado pela lei provincial n9 246, de 15 de
março dc 1852, tendo por sede a vila de Mossoró, anteriormente
povoaçâo de Santa Luzia dc Mossoró. A vila de Mossoró foi ele­
vada à categoria de cidade pela lei provincial n9 620, de 9 dc no­
vembro de 1870.
Município de Natal: Criado cm 1611 pelo governador geral D. Diogo
de Meneses, mediante parecer da Relação da Bahia, instalada cm
1609 (consta da Razão do Estado do Brasil por Diogo de Cam­
pos, trecho por nós transcrito na parte cm que tratamos da colo­
nização da capitania antes da ocupação holandesa).
Tem havido informações de que a povoaçâo ou vila de Natal
foi elevada à categoria de cidade durante o regimen holandês.
Não é exato. Antes da invasão flamenga, já frei Vicente do Sal­

298
)
)
vador e outros se tinham referido à cidade (vide nosso trabalho
Notas Históricas sobre o Rio Grande do Norte, vol. I, nota à pág.
103) havendo mesmo documentos oficiais que provam que o era
(vide por exemplo o auto da repartição das terras do Rio Grande
do Norte que c datado da cidade do Natal: Studart, Documentos
para a História do Brasil, vol. II, e Revista do Instituto Histórico
T e Geográfico do Rio Grande do Norte, vol. VII, já cit.).
Município dc Nova Cruz: Antigo município de São Bento, criado pela
lei provincial n9 245, de 15 de março de 1S52, e ao qual ficou
pertencendo, em 1860, o distrito de Nova Cruz, que antes fizera
parte da Vila Flor, Goianinha e novamente Vila Flor. A lei pro­
vincial n9 609, de 12 de março de 1S68, transferiu para a vila dc
Nova Cruz, anteriormente povoação de Anta Esfolada, a sede
do município, que tomou o mesmo nome, desaparecendo o dc
São Bento, que lhe advinha dc sua primitiva sede, hoje simples
povoação.
Município dc Papari: Criado pela lei provincial n9 242, de 12 dc-
feverciro de 1852.
Município dc Patu: Criado pelo decreto n9 53, dc 25 de setembro de
1890.
Município de Pau dos Ferros: Criado pela lei provincial n9 344, dc
4 de setembro de 1856.

Município de Pedro Velho: Criado pelo decreto n9 24, de 10 de


maio de 1890, com o nome de Cuitezeiras. Pela lei estadual n9 181,
de 4 de setembro de 1902, a sede do município foi transferida da
vila de Cuitezciras para Vila Nova, nome que também tomou o
município. Pela lei estadual n9 261, de novembro de 1908, a vila
e o município passaram a chamar-se Pedro Velho.

Município dc Portalegre: Criado em 9 de dezembro de 1761, com o


nome de Vila do Regente, depois mudado para Portalegre, por
ato do presidente em conselho, dc 11 de abril de 1833.
Município dc Santo Antônio: Criado pelo decreto n9 32, de 5 de julho
de 1890. Extinto pelo de n9 102, de 31 de março de 1891, e res­
tabelecido pelo de n9 6, de 8 de janeiro de 1S92.
Município dc Santana do Matos: Criado pela lei provincial n9 9, de
13 de outubro de 1836, suprimido pela lei de n9 267, de 7 de
março de 1853, e restaurado pela de n9 314, de 6 de agosto dc
1855.
Município dc Santa Cruz: Criado pela lei provincial n9 777, de 11
de dezembro de 1876, com o nome de Trairi, nome que perdeu

299
depois passando a chamar-sc Santa Cruz, como era denominado
quando simples distrito de paz.
Município dc São Gonçalo: Criado pelo presidente em conselho por
ato dc 11 de abril dc 1833. Esta criação foi aprovada pela lei
providencial n9 25, de 28 dc março de 1835. Suprimido pela dc
n9 604, de 11 dc março dc 1868, que incorporou seu’território «ao
município dc Natal. Restaurado pela de n9 6S9, dc 3 dc agosto
de 1874. Novamente suprimido pela dc n9 832, dc 7 dc fevereiro
dc 1S79, que transferiu a sua sede para Macaíba. Restaurado, fi-
nalmcntr, pelo decreto n9 57, dc 9 dc outubro dc 1890.
Município dc São Josc de Mipibu: Criado em 22 dc fevereiro de 1S62.
A vila de São Josc dc Mipibu foi elevada à categoria dc cidade
pela lei provincial n9 125, de 16 de outubro de 1845.
Município dc São Miguel: Criado pela lei provincial n9 776, dc 11 dc
dezembro de 1876.
Município dc Serra Negra; Criado pela lei provincial n9 688, de 3 de
agosto de 1874.
Município de Taipu: Criado pelo decreto n9 97, de 10 de março de
1891.
Município dc Touros; Criado pelo presidente cm conselho por ato dc
11 de abril dc 1833. Essa criação foi aprovada pela lei provincial
n9 21, de 27 de março de 1835.
Comarcas: As comarcas do Estado, em número de dezoito e compre­
endendo trinta e sete termos, tantos quantos os municípios, cada um dos
quais constitui também um termo judiciário, tem todas o nome da cidade
ou vila em que está situada a sua sede (lei estadual n9 150, dc 19 dc agos­
to dc 1901) c são as seguintes:
Comarca de Naial: Criada por alvará dc 18 dc março de 1818, que a
desmembrou da Paraíba. Compreendia toda a capitania.
Dela foram desmembradas, no correr dos tempos, todas as
outras do Estado. Atualmente é constituída apenas pelo termo
da Capital. Tem duas varas de direito, de acorao com a lei esta­
dual n9 272, de 23 de novembro de 1909.
Comarca de São José dc Mipibu: Criada por lei provincial n9 307, dc
26 dc julho de 1855. Mantida até hoje. Compreende atualmente,
além do termo judiciário da sede, os de Papari, Ares c Goianinha
(decreto n9 79, de 8 de abril de 1918). Este último já constituiu
comarca por lei provincial de 1882, comarca que chegou a scr
provida em 1S90, mas não foi mantida pela lei estadual n9 12, de
9 de junho dc 1892, que organizou a justiça local.

300
Comarca de Canguarctama: Criada por lei provincial n9 641, de 14
de dezembro de 1871. Mantida na organização do Estado. Com­
preende presentemente dois termos: o da sede c o de Pedro Velho.
Comarca dc Nova Cruz: Pela lei provincial n9 796, de 15 de dezembro
de 1876, constituiu com Santa Cruz a comarca de Trairi. Na orga­
nização do Estado, foi a sede da comarca dc Curimataú, que
compreendia o seu termo e o de Santo Antônio (Santa Cruz ficou
então pertencendo à comarca de Macaíba). Foi extinta pela lei
estadual n9 114 dc 8 dc agosto dc 1898, passando os dois termos
que a formavam a pertencer à comarca dc Canguarctama. Foi
restabelecida pela lei estadual n9 436, dc 27 de novembro dc 1918.
Comarca de Macaíba: Criada pela lei provincial n9 845, de 26 de junho
dc 1882, com o nome de Potengi. Só foi provida cm 1S90, depois,
portanto, da proclamação da República. Mantida na organização
do Estado, foi suprimida cm 1898. Restaurada, com o nome de
Macaíba, em 1906, foi novamente suprimida em 1914. Restaura­
da, finalmente, em virtude do decreto n9 79, de 8 de abril de
1918. De presente, compreende apenas o termo judiciário de sua
sede.
Comarca dc Santa Cruz: Com o termo de Nova Cruz, constituiu a
comarca de Trairi, criada pela lei provincial n9 796, de 13 de
dezembro de 1876. O decreto n9 63, dc 20 de outubro de 1890,
criou a comarca de Santa Cruz, que, como termo pertencia então
à de Potengi, desde a sua criação. Antes de provida, foi supri­
mida pelo decreto n9 81, de 24 de novembro dc> mesmo ano. Na
organização do Estado ficou pertencendo, como anteriormente, à
comarca de Potengi (Macaíba) e depois da supressão des-a à
do Acari (1S9S). Pela lei estadual n9 272, de 23 de novembro de
1909, foi criada outra vez a comarca de Santa Cruz, compreen­
dendo, além do termo judiciário da sede, o de Jardim de Angicos
(hoje Lajes). Suprimida pela lei n9 381, de 5 de dezembro de
1914, foi novamente restaurada pela lei n9 453, de 27 de novembro
dc 1919. Compreende apenas o termo judiciário da sede: o de
Jardim de Angicos que, com sua extinção, passara a fazer parte
da comarca do Ceará-Mirim, a ela ficou pertencendo.
Comarca do Ceará-Mirim: Criada pela lei provincial n9 733, de 12 de
agosto de 1875, e mantida até hoje. Compreende, Da conformi­
dade do decreto n9 79, de 8 de abril de 1918, os termos judiciá­
rios da sede e os de São Gonçalo, Taipu, Lajes e Touros. O de­
creto n° 63, de 20 de outubro de 1S90, criou a comarca de Touros,
compreendendo apenas o seu termo. Este decreto foi, porém,
revogado pelo de n9 81, de 24 de novembro do mesmo ano.
Comarca de Macau: Criada pela lei provincial n9 644, de 14 de dezem­
bro de 1871. Foi mantida na organização do Estado. Compreende

301
);
) \ .. o termo judiciário de sua sede e o de Angicos. O termo de Angi­
) ' ; cos, como o de Touros e o de Santa Cruz, foi elevado à categoria
de comarca pelo decreto n9 63, dc 20 de outubro de 1890, com­
) preendendo o seu termo c o de Jardim de Angicos; mas o decreto
n9 81, dc 24 de novembro do mesmo ano, revogou o anterior, pelo
que ficou sem efeito aquela elevação.
Comarca do Açu: Criada pela lei provincial n9 13, de 11 de março de
1835. Mantida até hoje. Compreende os termos judiciários da sede,
de Augusto Severo e de Santana do Matos.

A lei provincial n9 845, de 26 de junho de 1882, criou a


comarca de Santana do Matos, que abrangia o termo da sede e o
de Angicos. Essa comarca foi provida pelo Governo Provisório cm
1890. Não foi, entretanto, mantida na organização do Estado.

Comarca de Mossoró: Criada pela lei provincial n9 499, de 23 dc


março dc 1861. Mantida ate hoje. Compreende atualmente os ter­
mos judiciários da sede c de Areia Branca.

Comarca do Apodi: Criada pela lei provincial n9 765, de 15 de setem­


bro de 1S75. Mantida na organização do Estado. Compreende
prcsentcmcntc os termos judiciários da sede e dc Caraúbas.
)
Comarca do Martins: Criada pela lei provincial n9 71, de 10 de no­
vembro dc 1S41, com o nome de comarca da Maioridade, nome
que a mesma lei dera à sua sede, depois cidades da Imperatriz c
hoje do Martins. O decreto n9 35, de 7 de julho de 1890, mudou
a denominação da comarca e do município para Martins, como
já se chamava a cidade em virtude do decreto n9 12, dc l9 de
fevereiro do mesmo ano. Mantida até hoje. Compreende atual­
mente os termos judiciários da sede, do Patu e de Portalegre.

Comarca dc Pau dos Ferros: Criada pela lei provincial n9 683, de 8


dc agosto de 1S73. Mantida até hoje. Compreende atualmente o
termo judiciário da sede e o de Luís Gomes.
)
Comarca de São Miguel: Criada pelo decreto n9 30, de 5 de julho de
1980, compreendendo o seu e o termo de Luís Gomes. Não foi
mantida na organização do Estado. Restabelecida pela lei esta­
dual n9 453, de 27 de novembro de 1919. Compreende apenas o
termo judiciário da sede.

Comarca de Caicó: Criada pela lei provincial n9 365, de 19 de julho


de 1858. Mantida até hoje. O nome primitivo da comarca era
Seridó. Compreende atualmente os termos judiciários da sede e
de Serra Negra.

302
Comarca de Jardim do Seridó: Criada pela lei n9 681, de 8 dc agosto
dc 1873. Na organização do Estado foi incorporada à comarca
do Acari. Restaurada em 1894, com a supressão desta, cujo termo
lhe ficou pertencendo (lei estadual n9 43 de 10 de setembro de
1894, c decreto n9 55, de 18 de outubro de 1S95). Em 1S98, a
lei estadual n9 114, de 8 de agosto, restaurou a comarca do Acari,
passando o Jardim do Seridó, como termo, a fazer parte da co­
marca do Caicó. Restaurada, apenas como termo judiciário dc
sua sede, pela lei estadual n° 453, de 27 de novembro de 1919.
Comarca do Acari: Criada pela lei provincial n9 844, dc 26 dc junho
de 1882. A lei n9 43, de 10 de setembro de 1894, c o decreto n9 55,
de 18 de outubro de 1895, passaram a sua sede para Jardim do
Seridó, reduzindo-a a simples termo. Restaurada pela lei estadual-
n9 114, de 8 de agosto de 1S9S. Dc presente, compreende somente
o termo judiciário da sede.
Comarca de Currais Novos: Criada pela lei estadual n9 453, de 27
de novembro de 1919. Compreende o termo judiciário da sede c
o de Flores.
Receita e Despesa: De julho de 1836 a junho de 1837, quando esteve
em vigor a primeira lei orçamentária votada pela assembléia provincial,
até 1889, quando se deu a queda das instituições monárquicas, eis quais
foram, exercícios, a receita arrecadada e a despesa cfetuaaa:

Receita Despesa
Exercícios Arrecadada Efetuada

1S36 - 1837 .......................... 11:2765524 13:0175336


1837 - 1S38 .......................... 55:1835532 50:S135SS7
1838 — 1839 .......................... 67:5125285 64:3945512
1839 - 1840 .......................... 52:80254S9 52:9275057
1840 - 1841 .......................... • 58:4995443 56:0455815
1841 - 1842 .......................... 53:5925192 65:6565S44
1842 - 1843 .......................... 54:0825309 52:1495696
1843 - 1844 .......................... 44:5765143 67:8405925
1844 - 1845 ......................... 46:7S85383 45:2175213
1845 - 1846 ............. 44:7705091 48:7205964
1846 - 1847 .......................... 60:5365909 60:9S05471
1847 - 1848 .......................... 56:7395306 52:3695799
1848 — 1849 ......................... 54:9625485 44:3535596

303
Receita Despesa
Exercícios Arrecadada Efetuada

1849 49:9954099 52:4315627


1S50 53:7914253 55:69S$6S9
1851 53:7274173 51:1115270
1852 74:0884400 52:3845023
1853 76:7424140 54:05252S6
1854 64:7574584 61:1055312
1855 87:1494927 S6:1785250
1856 87:807$027 74:1415236
1857 171:4425364 98:2165697
1858 ■
167:3195908 138:8595714
1SÕ9 191:8864735 175:1555032
1S60 100:9004025 180:4475215
1SG1 154:371?258 128:3595510
1S62 113:S66$5S9 154:7695818
1863 110:7594283 158:6195467
1863 - 1864 .......................... 182:2245622 183:6945176
1864 - 1865 .......................... 229:5184506 164:0475670
1S65 - 1866 .......................... 288:4245630 159:3365805
1866 - 1867 .......................... 194:2164799 231:0555969
1867 - 1868 .......................... 218:5884837 262:0595303
1868 - 1S69 .......................... 226:0734769 259:2475742
1869 - 1870 .......................... 305:5434781 272:9495462
1870 - 1871 .......................... 132:9594823 274:694$9S4
1871 - 1872 .......................... 304:5095114 314:0105842
1872 1873 .. ........... 294:3814572 302 • 06S5953
\ZVZVZ V
1873 - 1874 .......................... 269:0045012 338:5834484
1874 -1875 .......................... 234:6104695 271:8974617
1875 - 1876 .......................... 230:37449S5 263:2134157
1876 - 1877 .......................... 332:2584936 277:2884919
1877 - 1878 .......................... 300:1304765 317:7334874

304
Receita Despesa
Exercícios Arrecadada Efetuada

1878 - 1879 ............................ 338:525$656 331:534$506


1879 - 1880 ............................ 328:491$388 306:3415747
1880 - 1881 ... .................... 319:405$290 287:2795403
1; 1
1881 — 1882 ............................ 322:155$383 390:0465631
1882 - 1883 ............ ............... 470:420$257 426:2115933
18S3 - 1884 ............................ 373:158$812 420:3275105
1884 - 1885 ............................ 358:0445692 408:8235236
1885 - 1886 ............................ 410:2815039 456:4295520
1886 - 1887 .......................... 459:4345748 479:0005196
1887 - 1888 ............................ 263:4595259 211:4365509
1888 ......................................... 406:0585891 425:1475775
1889 ............. 321:9675443 370:7205451

Por estes dados, extraídos do Relatório do Tesouro do Estado dc 2


dc julho dc 1895, verifica-se que a receita arrecadada c a despesa efetuada
de 1836 a 1889 foram, respectivamente, de 10.320:1875560 e ..................
10.501:2035129.
NA REPÚBLICA

Arrecadada Efetuada
Anos
Receita' ........ Despesa

1890 .................................. ...... . 476:5815328 475:5425090


1891 ......................................... 484:5281854 439:022$256
1S92 ........................... •• • 720:4965989 615:501$328
1893 ......................................... 1.070:707$101 854:S64$799
1894 ................................. 707:6355124 778:4365600
1895 .................. 861:201$729 971:696$184
1896 ....................... ’............... 945:3555004 1.116:158$689
1897 ............................... 987:4075691 1.068:372$524
1893 ......................................... 948:7675710 1.039:885$318

3Q5
Receita Deepesa
Arrecadada Efetuada

1899 ....................................... 1.130:1695700 1.113:392}198


1900 ............. 1.338:8165413 1.374:3165413
1901 ....................................... 1.101:0535051 1.039:5835650
1902 ....................................... 1.176:3315119 1.093:1915950
1903 ....................................... 1.238:2445645 1.310:9045465
1904 ....................................... 1.276:6475760 1.2S9:5015953
1905 ....................................... 1.446:6685363 1.375:3865154
1906 ....................................... 1.138:5425908 1.291:6475500
1907 ....................................... 1.376:5465789 1.313:1125317
1908 ....................................... 1.252:5895051 1.333:3645176
1909 ........................................ 1.371:0035641 1.358:8535158
1910 ....................................... 1.793:4535298 1.610:5655250
1911 .......................... 1.869:5725322 l.S65:330$816
1912 ........................................ 1.854:9095306 1.994:S02$6S9
1913 ........................................ 2.382:9205000
1914 ........................................ 1.918:1935100 2.148:8815359
1915 ........................................ 2.182:1375638 2.960:2285112
• 1916 ........................................ 3.209:0305735 3.167:0405944
1917 ....................................... 4.190:04S5573 3.370:3935086
1918 ........................................ 5.688:6595448 4.856:1265170

Nos algarismos da receita estão incluídas todas as rendas ordinárias e


extraordinárias. Foram, porém, excluídas as operações de crédito. Nas
despesas não estão computadas as que correram à conta dessas mesmas
operações de crédito. (*
*)
(*) Ao ser publicado este trabalho, há trinta e nove freguesias no Estado,
devendo-se acrescentar às qúe foram Indicadas as seguintes: Alecrim (é um bairro
da Capital), sob a invocação de São Pedro; Luis Gomes (município do mesmo
nome), sob a invocação de Santana; Farelhas (no município de Jardim do Seridó),
sob a Invocação de São Sebastião; São Rafael (no município de Santana do Matos),
sob a Invocação de N. S. da Conceição.
Essas freguesias foram criadas por atos do bispo diocesano: a primeira em 15
de agosto de 1919 e as tris últimas em 8 de dezembro de 1920. • -

r306
)
LIGEIROS TRAÇOS BIOGRÁFICOS DE CINQUENTA
RIO-GRANDENSES ILUSTRES,
FALECIDOS ANTES DE 1910

Agostinho Leitão dc Almeida: Temos informações de que nasceu em


Natal no último quartel do scculo XVIII; mas ignoramos quaisquer fatos
relativos aos primeiros anos de sua vida.
Não figurou nos acontecimentos de 1817, o que faz presumir que es­
tava então ausente do Rio Grande do Norte, porque, homem inteligente e
de bastante cultura para a época, e natural que não fosse alheio àqueles
acontecimentos, se ali se achasse.
A sua atividade política data de 1821. Nesse ano, foi um dos eleitores
de paróquia que, representando a Capital, tomaram parte na eleição que
se realizou, a 3 de dezembro, para a escolha da junta que devia substituir
o governador José Inácio Borges.
Eram sete: ele, o padre Manuel Pinto de Castro, o padre Francisco
Antônio Lumache de Melo, o professor régio de latim Francisco Xavier
Garcia, Alexandre de Melo Pinto, procurador e presidente da junta de
fazenda, João Álvares de Quental, tesoureiro geral da mesma junta de fa­
zenda, e Joaquim José Gomes, que foi no ano seguinte (1822) o Juiz pre­
sidente do Senado da Câmara.
A junta eleita em 3 de dezembro, que mereceu o seu apoio, era con­
trária à recolonização e simpática à causa da Independência. Foi, por isto,
combatida pelos reacionários, que obedeciam à orientação do ouvidor Ma­
riano José de Brito Lima, os quais conseguiram dcpô-la a 7 de fevereiro
de 1822, com o concurso do batalhão de linha, constituindo um governo
provisório. ..
Agostinho Leitão não entrou nesse movimento. Foi, porém, depois de
feito, o promotor do acordo de que resultou ficar composta a segunda jun­
ta, eleita cm 18 de março do mesmo ano, do seguinte modo:

Padre Manuel Pinto de. Castro, presidente


Manuel Antônio Moreira, secretário
João Marques de Carvalho
Agostinho Leitão de Almeida
Tomás de Àraújo Pereira. . * •. ..

307
A princípio, a sua vontade predominava no seio do novo governo;
mas, enfraquecido aos poucos, foi dele expulso cm novembro, juntamente
com João Marques de Carvalho, em companhia dc quem embarcou para o
Rio de Janeiro.
Dissolvida a constituinte em novembro de 1823, o governo imperial,
receoso da agitação que sc alastrava dc Pernambuco para as províncias
vizinhas» aproveitou os serviços de ambos: João Marques foi nomeado
comandante do batalhão de linha (era sargento-mor do exército, posto
que corresponde ao de major) c Agostinho Leitão, secretário do governo.
Na mesma ocasião, foi nomeado o primeiro presidente da província: Tomás
de Araújo Pereira.
Chegou a Natal, de volta, nos primeiros dias de fevereiro dc 1824; e
daí cm diante sua ação foi das mais intensas e profícuas. Quer como secre­
tário do governo, quer como simples particular depois que deixou esse
cargo, foi, de fato, quem dirigiu a política da província.

A ele se deve ter esta aceito sem protesto a constituição decretada por
Pedro I e não ter aderido à Confederação do Equador.
Foi o mais votado dos cidadãos contemplados, em 1826, na lista trí­
plice organizada para escolha do primeiro senador (eram ele, José Inácio
Borges e Afonso de Albuquerque Maranhão, o escolhido), tendo sido
deputado geral na primeira legislatura dc 1826-1829.
Ao terminar o seu mandato, estava mudada a orientação da política
local e não quis disputar a sua reeleição, apesar dc dispor dc granclc pres­
tígio e ser muitíssimo relacionado na Corte.
Faleceu, em avançada idade, no atual Estado do Paraná, para onde
transferira definitivamente, havia muitos anos, a sua rcsidcncia.
Almino Álvares Afonso: Nasceu em 17 de abril de 1840, no atual
município do Patu, falecendo na cidade de Fortaleza (Ceará) a 13 dc
janeiro de 1899.
Era bacharel pela Faculdade de Direito do Recife, tendo sólida cultura
jurídica e conhecendo admiravelmente os clássicos latinos c portugueses.
Hábil advogado, jornalista de combate, político eminente, grande
orador.
Fez quase toda sua vida pública no Ceará e no Amazonas.
Exercia o cargo de procurador fiscal dos feitos da fazenda na primeira
destas então províncias, quando, cm 18S3, se envolveu ativamente na cam­
panha abolicionista de que resultou a completa emancipação dos escravos
ali existentes, muito antes da lei de 13 de maio de 1888, que os extinguiu
no Brasil.

308
Nessa ocasião foi exonerado do cargo que ocupava, atribuindo esse
ato à intervenção do conselheiro Antônio Joaquim Rodrigues Júnior, com
quem sc incompalibilizara. ...

Contra este, o conselheiro Lourenço de Albuquerque c o Imperador


escreveu, ao tempo, violento panfleto, intitulado os Rodrigões do Império,
no qual, defendendo-se de acusações quê lhe foram feitas para justificar
a sua exoneração, agrediu apaixonadamente aqueles ilustres brasileiros;
Há nesse panfleto a afirmação positiva dc sentimentos francamente
republicanos: “A realeza c a negação absoluta da liberdade: libertemo-nos
para melhorar o.s nossos destinos.
Pela cruz, pela grei, pela Pátrial Mocidade brasileiral Filhos do País
do Soil Viva a Amcrica Democrática!”

Apesar, porém, das numerosas manifestações de seu extremado libera­


lismo, é certo que se manteve filiado ao partido conservador do Império
até que desapareceu, aceitando c disputando, em 31 dc agosto de 18S9,
como representante desse partido, a candidatura que lhe fora oferecida
para o lugar de deputado por uma das facções de que o mesmo se com­
punha no 29 distrito do Rio Grande do Norte.
Foi daí em diante que começou a figurar na política rio-grandense:
anteriormente, a sua colaboração partidária só se fizera sentir no Ceará e
no Amazonas, para onde seguira e onde sc estabelecera como advogado
após a sua exoneração de procurador fiscal, em Fortaleza.
Proclamada a Rq>ública, o seu nome, que ficara em evidência desde
a última eleição geral realizada sob o regimen monárquico, foi natural­
mente lembrado para a Constituinte, merecendo o apoio dos três agrupa­
mentos que havia no Estado — o govemista, o oposicionista e o católico —
embora as suas ligações e afinidades fossem mais acentuadas com o partido
situacionista, que obedecia à orientação dc Pedro Velho, com quem foi
inteiramente solidário até que faleceu, passada a ligeira divergência que
dele o separou na primeira eleição presidencial, quando votou no marecnal
Dcodoro da Fonseca.
Na Constituinte, como depois na Câmara e no Senado, para o qual
entrou na renovação do terço em 1894, Almino soube impor-se à estima,
à consideração e ao respeito de seus pares pela gentileza de seu trato, fir­
meza de suas convicções e vigor de seu talento.
Um dos traços característicos de sua personalidade política era o seu
bairrismo, às vezes exagerado. • .
Não perdoava a quem o contrariasse na obtenção de qualquer me­
lhoramento para sua terra. E, a este propósito, a sua vida parlamentar
está cheia de interessantes episódios.

309
De uma feita apresentou, ainda deputado, uma emenda mandando
consignar um auxílio de duzentos contos no orçamento da viação para
as obras do abastecimento d’água à cidade de Macau.
A comissão de finanças deu parecer contrário. Ao ser votada a emen­
da, pediu a palavra para encaminhar a sua votação. Procurava justificá-la,
falando com o costumado calor e eloqücncia, quando um deputado disse,
em aparte, qUe o auxílio era .contrário à Constituição por se tratar dc
melhoramento de caráter municipal.
Virou-se rapidamente para o apartista e respondeu dc pronto: "sc
a constituição proíbe que sc dc água a quem tem sede é uma constituição
irracional’*. E tal foi o ardor com que sc bateu pela aprovação da emenda
que a Câmara a votou por quase unanimidade.
. Em outra ocasião, já senador, advogava a elevação do imposto de
importação sobre o sal estrangeiro, no intuito de amparar a indústria
do sal nacional, que ó uma das mais florescentes do Rio Grande do Norte.
Era vivamente aparteado. Num momento dado, um colega, aliás um
homem respeitável e austero, interrompeu-o pouco dclicadamcnte. Vi­
brante c inflamado, retrucou-lhc com energia que não podia quadrupedar
pela jumentice alheia. E a alusão era ao próprio apartista.
. Como estas, outras, muitas outras passagens, que fizeram dele um
adversário temível. Não guardava, porem, ódios c rancores de ordem pes-
soal. Era um forte e um bom.
André dc Albuquerque Maranhão: Era filho dc outro de igual nome
c D. Antônia Josefa do Espírito Santo R-beiro. Nasceu no atual município
deCanguàretama entre os anos de 1775 e 1780.
. Fez alguns estudos dc humanidades cm Natal ’com o Dr. Antônio
Carneiro dc Albuquerque Gondim, afirmando a tradição ter empreendi-
dido e realizado depois longas viagens ao Rio dc Janeiro c Lisboa. .
Descendente de nobres e tendo foros dc cavaleiro c fidalgo da casa
real, a sua maior nobreza Die adveio, entretanto, das grandes ações que
praticou. Chefe do movimento republicano de 1817 no Rio Grande do
Norte, entrou para a história com a sua memória imperccívcl santificada
pelo mais glorioso dos martírios.
Antônio Basilio Ribeiro Dantas: Agricultor no município de São José
de Mipibu (engenho Sapé) e descendente de uma das mais distintas
famílias norte-rio-grandenses. Seu pai, de igual nome, foi político de pres­
tígio na então província, que representou cm vários biênios na assembléia
provincial e que governou, na qualidade de vice-presidente, por duas vezes,
durante alguns dias, em 1S67 c 1868.
Foi ao lado dele que Antônio Basilio, desde muito moço, começou a
aparecer na política local, em que, tempos depois, se destacou, pelo seu
valor próprio, como uma das principais figuras do partido liberal.

310
Em 1956, por ocasião da epidemia do cólera-morbo, poucos depu­
tados compareceram à primeira sessão da assembléia provincial e ele, que
era suplente, tomou assento pela primeira vez naquela corporação, a que
pertenceu posteriormente em diversas legislaturas.
••• Foi primeiro vice-presidente nas duas últimas situações liberais do
Império c, nesse caráter, adriünistrou a província dc 21 de julho a 22 dc
agosto, de 1883, 19..de julho, a 30. de. setembro dc 1884, 11 de julho a 22
de setembro de 1885, 18 de junho a 12 de julho de 1889. Achavã-se pela
quinta vez na presidência, que assumira a 23 de outubro daquele ano,
quando foi proclamada a República.

Dois dias depois, a 17 de novembro, entregava o governo a Pedro


Velho, que fora aclamado governador, e recolhia-se à sua propriedade
agrícola, alheando-se da atividade política.
Embora não tivesse cultura científica e literária, Antônio Basilio era
um homem inteligente, honesto, leal, distinto c maneiroso, tendo sabido
manter dignamente todas as posições que ocupou.
Nasceu em São José de Mipibu a 13 de junho de 1S2S e faleceu em
Natal a 21 de novembro de 1895.
Antônio Filipe Camarão: De acordo com o que dizem cronistas e
historiadores, Luís Fernandes, que provou à saciedade, em estudos do­
cumentados, exaustivos e completos, ter sido o Rio Grande do Norte o
berço deste heróico guerreiro, resumiu assim a sua vida gloriosa: nasceu
em 15S0, segundo razoáveis conjecturas, na aldeia de seus maiores, situada
cm uma das margens do rio Potengi; foi aliado dos portugueses desde
1598; seguiu para a Bahia com outros de sua nação em 1603, e ali tomou
parte no ataque e destruição dos mocambos de Itapicuru; voltou em 1604,
começando nesse tempo a sua educação com os padres da Companhia de
Jesus; visitou em 1611 os restos mortais de seu grande amigo padre Pinto
cm uma das aldeias do Jaguaribe; batizou-se solencmente e casou-se em
1612 na sua aldeia de Igapó, da qual se afastou pouco depois para acom­
panhar Jerônimo de Albuquerque, incumbido da conquista do Maranhão;
conservou-se em seguida e durante um longo período em relativo repouso;
acorreu com presteza aos reclamos da pátria por ocasião da invasão nolan-
desa em Pernambuco em 1630 c notabilizou-se por fim em todas as lutas
que se travaram entre os intrusos e os colonizadores, até que faleceu em
1649 (vide Revista do Instituto Histórico c Geográfico do Rio Grande do
Norte).
Foi esta última a fase mais gloriosa de sua existência e dela nos ocupa­
mos largamente na parte relativa ao domínio flamengo.
Agraciado com o título de dom, o brasão d armas e o hábito de Cristo,
ele tinha também a patente de capitão-mor e governador de todos os índios
do Brasil.
** . .. . ,. • .

311
As suas cinzas descançam em terra pernambucana e o seu nome, au-
reolado pelo fulgor dc seus feitos, será sempre um dos maiores da nossa
história. . ... *
Antônio Florêncio Pereira do Lago: Nasceu a 10 de maio de 1825 em
um sítio vizinho à cidade de Mossoró. Era filho de pais pobres e, sem
recursos próprios, resolveu assentar praça em 1843. .. ..
.
Tinha uma pronunciada vocação para as letras e, simples praça de pró,
estudou consigo mesmo aritmética, geografia, gramática e francês, conse­
guindo depois, à custa dc indizíveis esforços, matricular-se na Escola Mi-
. Htar (1849).
O seu curso foi interrompido mais de uma vez, só chegando a receber
o grau dc bacharel em matemática c ciências físicas a 10 de dezembro de
1859. Foi alferes a 14 de abril de 1855; tenente cm 14 de março de 1858;
capitão em 28 dc novembro de 1863; major em 26 de junho dc 1875;
tenente-coronel em 5 de novembro de 1885.
Reformou-se no posto de coronel a 3 de fevereiro de 1890.
Prestou relevantes serviços na paz e na guerra, tendo exercido impor­
tantes comissões como engenheiro civil e militar. Foi o presidente da junta
governativa do Amazonas ao ser proclamada a República.
Escrevendo a biografia deste ilustre rio-grandense, o visconde dc Tau-
nay, que fora seu amigo c como ele pertencera à coluna que fez a célcbrc
retirado da Laguna, da qual nos deixou dolorosa descrição em páginas
encantadoras, encerrou do seguinte modo o seu trabalho (Revisto do
Instituto Histórico, tomo 56):
"Nas belíssimas qualidade morais que o distinguiram não há que insis­
tir, porquanto bem se salientaram em todas as fases da vida que acaba
de ser narrada; mas não deixaremos, por dever de gratidão, em olvido o
culto que dedicava à amizade.
Impossíveis mais afetuosidade, maiores extremos, delicadeza e cons­
tância nas doces e comovedoras relações com aqueles poucos a quem con­
siderava amigos.

A sua força capital, no penoso afã de abrir um lugar para si na socie­


dade, a sua alavanca, foi a pertinácia. Acostumando-sc a nunca fazer
grandes e fascinadores cálculos e planos e visar longe de mais, uma vez
alcançado o objetivo que a princípio colimara, olhava sempre para diante,
além, mais além, não parando nunca cm suas aspirações de nobilitante
conquista, em que punha todo o esforço de que era capaz, sempre a seguir
linha reta, inflexível, sem atalhos nem tergiversações.

Era da raça desses valentes caracteres de que tão belamente disse


o poeta Lucano: Nil actum reputans, si quid superesset agendum.

312
)
)
Também, no seu túmulo de belíssimo e impertérrito soldado, na
sua lápide funerária de intemerato e incansável servidor do Brasil, bem
condirão, como epitáfio, estas singelas palavras, resumo de toda a sua
agitada existência: Por si só conseguiu o que foi, sem jamais se desviar
da. honra e do dever”
Faleceu em lç de janeiro de 1892.
Antônio da Rocha Bezerra Cavalcanti: Nasceu cm 1S37. Assentou
praça em 1855, matriculando-se na Escola Militar, onde fez o curso de
artilharia, sendo promovido a segundo tenente em 1860.
Tomou parte na campanha do Paraguai, durante a qual foi promo­
vido a primeiro-tenente e a capitão, por atos dc bravura, em 1S67 e 1S68.
Era cavaleiro das ordens de São Bento, d’Aviz, do Cruzeiro, da Rosa e
de Cristo, e condecorado com a medalha comemorativa da rendição de
Uruguaiana, a que assistiu a 18 de setembro de 1865. Tinha também a
medalha de mérito em campanha.
Escreveu, além de outros trabalhos, Estudos sobre a promoção dos
oficiais do exército, Recrutamento e Revolta da Fortaleza dc Santa Cruz
(era coronel e servia na fortaleza quando se deu a revolta dc janeiro
de 1892).
Os dois primeiros em 1S71 c o último em 1892. Reformado no posto
dc general, faleceu no Rio dc Janeiro, há alguns anos.
Augusto Severo dc Albuquerque Maranhão-. Filho legítimo do major
Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão e D. Feliciana Maria da Silva
e Albuquerque, nasceu em Macaíba a 11 de janeiro de 1864.
Depois de feitos os seus estudos de preparatórios, matriculou-se na
Escola Politécnica, não chegando a concluir o curso de engenharia, aliás
iniciado com brilhantismo, como com brilhantismo fizera o‘ de humani­
dades, porque, gravemente doente, os médicos aconselharam que o in­
terrompesse, seguindo sem demora para o Rio Grande do Norte.
Restabelecido após longo tratamento, receou voltar ao Rio de Janeiro,
cujo clima lhe era hostil, e dedicou-se ao magistério no colégio que, em
1882, Pedro Velho, seu irmão, fundara em Natal.
Aí esteve até 1884, quando entrou para o comércio. Não o seduzia,
porém, essa carreira e cm 18S8, transferida para a capital a casa em
que se havia empregado no porto de Guarapes, envolveu-se francamente
nas agitações políticas da época, tomando parte na campanha abolicio­
nista e na propaganda republicana, quando começou a revelar as suas
aptidões de orador e jornalista.
Proclamado o novo regimen deixou de vez o comércio e conquistou,
a golpes de talento, um dos primeiros lugares no cenário político do
Estado.

313
Foi deputado ao Congresso local cm 1892 e no ano seguinte ocupava
uma cadeira na Câmara dos Deputados, tendo sido sucessivamente reeleito
até a sua morte.
Foi parlamentar ilustre, figurando entre os membros de maior des­
taque da comissão de orçamento, então, como ainda boje, a mais impor­
tante dos dois ramos do poder legislativo.
Nunca abandonou, entretanto, por maiores e mais .notáveis que fos­
sem os seus triunfos na vida pública, os estudos que vinha fazendo
desde o verdor dos anos no sentido de descobrir a dirigibilidade dos
• balões.
Em 1893, firmemente convencido dc que havia encontrado a solução
do problema, obteve do Governo Federal a indispensável autorização c
necessário auxílio para que fosse construído no Realengo um pequeno
balão destinado a experiências em que demonstraria o valor do seu in­
vento; mas, nessa ocasião, inimigos invejosos c despeitados conseguiram
que fosse revogada a ordem anteriormente dada, sem que fosse alcan­
çado um resultado definitivo.
Embora amargurado com esse contratempo, não desanimou; c, em
1901, seguiu para Paris, onde, com os parcos recursos de que dispunha
e os generosos donativos de alguns amigos, fez construir o aparelho em
que provaria a realidade de sua maravilhosa descoberta.
A falta de meios impediu que desse a esse aparelho toda a segurança
com que o projetara e obrigou-o ainda a antecipar a experiência final,
que se realizou a 12 dc maio de 1902.
O balão subiu, obedecendo docilmente ao seu comando; mas, num
momento dado, a explosão do motor produziu o incêndio da aeronave e
a sua consequente queda, sendo Augusto Severo precipitado, gloriosa­
mente morto, sobre a Cidade Luz.
Perdeu a vida justamente quando ia receber a consagração da vitória
decisiva; mas a morte veio muito tarde para subtraí-lo à glorificação da
história e à justiça do futuro.
Mártir da ciência, o seu nome ultrapassou as fronteiras dc sua terra,
para incoq>orar-se ao patrimônio moral da humanidade.
Auta dc Sousa: Foi a poetisa inspirada do Horto, meiga e carinhosa
criatura sobre cuja vida, torturada de sofrimentos e dores, um de seus
irmãos escreveu estas páginas:
“Auta dc Sousa nasceu em Macaíba, pequena cidade do Rio Grande
do Norte, em 12 de setembro de 1876; educou-se no colégio São Vicente
de Paula, em Pernambuco, sob a direção de religiosas francesas; e faleceu
em 7 de fevereiro de 1901, na cidade de Natal.”
Uma biografia simples como os seus versos e o seu coração. Ela não
conheceu os obstáculos que encheram de tormento a existência de Mar-
celline Desbordc-Valmore.
Desde muito cedo, porém, sentiu todo o horror da morte. Aos qua­
torze anos, quando lhe apareceram os primeiros sintomas do mal que a
vitimou, não havia senão sombras em seu espírito: era já órfã de pai
e mãe, tendo assistido áo espetáculo inesquecível do aniquilamento do
um irmão devorado pelas chamas, numa noite de assombro.
Assim, desde a infância, o destino llie apareceu como um enigma
sem a possibilidade dc outra dccifração que o luto.
Salvaram-na do desespero a fé religiosa e o resignado exemplo da
ignorada heroína para quem escreveu o soneto A minha avó, publicado
neste volume.
Horto, c, pois, a história de uma grande dor. Formou-o a autora
recordando, sentindo, penando.
Em casa, o luto sucessivo; no colégio, as litanias da Igreja; mais
tarde, no campo, onde passou o melhor tempo da atormentada existência,
a paisagem triste do sertão nos longos meses de seca, a compaixão pelos
humildes, cuja miséria tanto a comovia, a saudade dos diversos lugares
em que esteve, em busca de melhoras aos padecimentos físicos.
Tudo isso concorreu muitíssimo para agravar a maravilhosa sensi­
bilidade de seu temperamento de mulher; e essa sensibilidade, à medida
quo a doença aumentava, sc ia tomando mais profunda, fazendo de um
ser fragílimo p intérprete de inúmeros ocorações desolados.
A primeira edição do| Horto, publicada em 1900, esgotou-sc em
dois meses. O livro foi recebido com elogios pela melhor crítica do país;
leram-no os intelectuais com avidez; mas a verdadeira consagração veio
do povo, que se apoderou dele com devoto carinho, passando a repetir
muitos dos seus versos ao pé dos berços, nos lares pobres e até nas
igrejas, sob a forma de benditos anônimos.
Auta, sem pensar e sem querer, reproduzira a lápis, na chaisc-longuc
onde a prostrara a doença, as emoções mais íntimas de nossa gente:
encontrara no próprio sofrimento a expressão exata do sofrimento alheio.
E antes de finar-se ouviu da boca de centenas de infelizes muitos
dos versos que traçara com os olhos lacrimosos, não raro para esquecer
o desgosto de se sentir vencida em plena mocidade.
Não teve cultura literária vasta. Recordando cenas da meninice, vc-
jo-a neste momento, aos oito anos, curvada sobre as páginas da História
dc Carlos Magno, outrora muito popular nas fazendas do Norte, livro
cheio de façanhas inverossímeis, sem medida, sem arte, escrito no pior
dos estilos, mas delicioso para quem o conheceu na infância.

315
i

Lia-o Auta no campo, os olhos ingenuamente maravilhados, para o


mais ingênuo dos auditórios, composto de mulheres do povo e de velhos
escravos, todos filhos desse formoso sertão que exerceu em seu espírito
tão salutar influencia.
Depois, chegou a vez das Primaveras, de Casimiro dc Abreu.
Um pouco mais tarde, no colégio, não leu outra coisa que os com­
pêndios de estudo e as obras de prêmio, de feição religiosa e sentimental.
Nesse tempo o seu livro predileto foi um romance profundamente
triste, Tcbsima, episódio lendário da primeira Cruzada.
Ao sair do internato, onde aprendera bem as línguas francesa e in­
glesa e adquirira boas noções de música e de desenho, começou a ler
alguns autores brasileiros, especialmente Gonçalves Dias c Luís Murat.
Estes dois grandes sonhadores, porém, não tiveram ação decisiva
sobre seu espírito Não sei mesmo como cia, que detestava a feitura
clássica de certos estilos, podia ler com satisfação crescente o poeta dos
Timbiras. Nunca me explicou também o motivo porque os versos tu­
multuosos de Luís Murat constituíam verdadeiro encanto para a sua
alma tão meiga, tão cheia de religiosa ternura.
Nos últimos anos, as horas que podia dispensar ao convívio dos
autores, consagrava-as aos místicos, a Tomás de Kempis, a Lamartine,
a Santa Teresa de Jesus. A esses associava Marco Aurclio, cujos Pensa­
mentos muito concorreram para aumentar a tolerância e a simpatia com
que encarava os seres e as coisas. ’ . ’
Tal é a história da sua formação intelectual.
Pode-se, entretanto, dizer sem exagero que o sofrimento foi o seu
melhor guia.
A influencia das Irmãs dc São Vicente de Paula c visível cm todo
o livro.
O próprio estilo, simples e claro desde as primeiras poesias, parcce-me
um produto do esforço das mestras que lhe corrigiram os temas esco­
lares, com o bom senso e a medida dos franceses.
Mas, sem a dor que lhe requintou a fé, Auta certamente não teria
encontrado a forma com que deu cor e relevo às visões de seu misticismo.
Assim, o Horto, em vez de uma coleção didática de salmos católicos,
encerra, com a tristeza de um pobre ser cruelmente ferido pelo destino,
perturbado em face do mistério da vida, a queixa universal do sofri­
mento humano.
Nos últimos versos nota-se a estranha serenidade espiritual a que
chegou nos derradeiros dias, inspirando aos que a visitavam a mais reli-
)
316
giosa veneração. Via-se-lhe,’ então, a alma através o$ olhos brilhantes,
sem torturas, sem lágrimas.
Naquele corpo desfeito, tão leve que uma criança podería conduzir,
havia agora uni coração resignado de mártir, sentindo profundamente o
nada da vida, mas sem horror à morte.
r
Rcaliza-sc o seu desejo:
“Não vês? Minhahna c como a pena branca
Que o vento amigo da poeira arranca
E vai com cia assim, dc ramo em ramo,
para um ninho gentil de gaturamo..........
Leva-mc, ó coração, como esta pena
Dc dor em dor ate a paz serena.”
A tormenta sc desfizera ao pé do túmulo; c do naufrágio cm que
se abismou esta singular existência resta o Horto, livro dc uma santa.
Bartolomeu da Rocha FGgundes: Padre. Fez o seu curso no Semi­
nário de Olinda e, depois de ordenado, fixou-se definitivamente em Natal,
onde nascera em 8 do setembro de 1813.
Era então vigário colado da freguesia o padre Feliciano José Dor-
nelas, que ali exerceu as suas funções paroquiais desde dezembro de
1896 até que faleceu, em 13 de abril dc 1838, aos S6 anos de idade,
vitimado por um incêndio no seu quarto de dormir.
Não era fácil a sucessão do padre Dornelas, que fora vulto de
grande destaque social e político no meio em que vivera, e o fato de
ter a mesma recaído no padre Bartolomeu é bastante para mostrar o
elevado conceito em que eram tidas as suas virtudes e o seu caráter.
Assumiu a administração da freguesia cm 6 de janeiro de 1839 e
regeu-a, como coadjutor e vigário encomendado, até 20 de novembro
de 1S43, data em que foi nomeado vigário colado.
A não ser cm curtos e raros impedimentos, esteve cm efetivo exer­
cício, ministrando o pasto espiritual ao seu rebanho, até 23 dc março
de 1873, quando, por ocasião da questão religiosa dc que resultou a
prisão dos bispos de Pernambuco e do Pará, foi suspenso dc ordens, por
não haver abjurado a maçonaria.
Muito querido do povo e dispondo de prestígio junto aos governan­
tes, conseguiu fazer importantes melhoramentos na igreja matriz, cuja
torre foi construída graças aos seus esforços (sobre a matriz de Natal
e os vigários da freguesia vide a monografia de Nestor Lima, publicada
na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte,
vol. XI).

317
Político militante, foi deputado provincial nos biênios de 1848-1849,
1850-1851, 1864-1865 e 1866-1S67, tendo governado a província, como
vicc-prcsidente, durante alguns dias, em 1868.
Era muito respeitado pela sua intransigência na defesa das idéias e
princípios liberais.
Faleceu no Recife a 2 de novembro de 1877.
Bonifácio Francisco Pinheiro da Câmara: Nasceu cm Natal a 14 de
maio de 1813. Não tinha nenhum grau ou diploma científico.
Estudara, porém, humanidades c, dotado de poderosa inteligência,
conseguiu adquirir, no decorrer dc sua longa vida, uma cultura genera­
lizada, que lhe permitiu desempenhar com brilhantismo as várias funções
de que foi investido.
Pertencia, pelo lado paterno, a uma família ilustre — a de Gonçalo
Soares da Câmara, morgado português e fidalgo da casa real — família
que se entrelaçara, por uniões matrimoniais, com algumas das mais im­
portantes da província e que ali gozou, após a Independência, de real
prestígio e merecida ascendência política.
Este fato, a par da sua capacidade e aptidões pessoais, explica a
grande influência de que Bonifácio dispôs.
A princípio exerceu cargos secundários da administração pública;
mas em 1S52 já era um dos mais graduados chefes do partido nortista
(conservador), em cujas fileiras começavam a se distinguir claramente
três grupos, com feições e tendências diversas: o dos Drs. Pinajé e Amaro
Bezerra;- o dos Cabrais (vide adiante Otaviano Cabral Raposo da Câ­
mara) e o dele.
Iniciada a polítida de conciliação do marquês do Paraná, o segundo
grupo ficou em maior evidência, sendo eleitos deputados, em 1853, o
seu chefe, Otaviano Cabral, e o cx-prcsidcnte José Joaquim da Cunha.
A Amaro Bezerra coube apenas o lugar de suplente deste último e
Bonifácio, que, nos biênios dc 1852-1853 e 1854-1855, fizera parte da
assembléia provincial, foi dela excluído.
Na legislatura geral de 1S57-1S60, o primeiro c o terceiro grupos,
então muito aproximados, relegaram os Cabrais para plano inferior, e
os deputados foram Amaro Bezerra e José Xavier de Almeida, este in­
dicado por Bonifácio.
A união de Amaro e Bonifácio prolongou-se durante a liga: na legis­
latura dc 1861-1864, a eleição dc deputados recaiu no primeiro e no
Dr. Gabriel Soares Raposo da Câmara, candidato do segundo.
De 1862 em diante, porém, a separação dos dois foi completa: inau­
gurada a situação progressista, Amaro evoluiu de vez para o liberalismo

318
triunfante, aliando-se a Moreira Brandão, que era o chefe do velho par­
tido liberal e que foi deputado geral pouco depois, em 1864, e Bonifácio
permaneceu nos arraiais conservadores, onde, durante o ostracismo, de­
sapareceram, para ressurgirem mais tarde, as divergências que o afas­
tavam dos Cabrais.

Em 1868, quando se discriminaram dc todo as fronteiras dos dois


grandes partidos monárquicos com a ascensão ao poder do visconde de
ltaboraí, Bonifácio foi consagrado chefe do partido conservador na pro­
víncia e nesse posto se manteve até que faleceu.

Nunca pleiteou posições políticas fora de sua terra, confiando os


cargos de representação geral a correligionários c amigos de lealdade e
dedicação comprovadas. Devem-lhe, em grande parte, o êxito da carreira
política que fizeram, entre outros, Gomes da Silva, Tarquínio de Sousa e
João Manuel.

Em 11 de junho de 1873, Bonifácio, que, na qualidade dc vice-


presidente, estava â frente da administração desde 19 de janeiro daquele
ano, teve ocasião de apresentar interessante relatório à assembléia pro­
vincial, ao ser instalada a sua sessão legislativa, e nessa peça oficial de­
monstrou perfeito conhecimento dos negócios públicos e grande elevação
de vistas e de idéias. Era homem de incontestável valor e foi um dos
mais beneméritos servidores do Rio Grande do Norte. Pranteado por
todos que tiveram a fortuna de conhecê-lo, o coronel Bonifácio, que era
cavaleiro da Ordem de Cristo e oficial da Ordem da Rosa, faleceu cm
Natal a 2 de novembro de 1SS4, deixando o seu nome ligado indisso-
luvebnento à história política da província.

Dois de seus filhos, o coronel Luís Emídio Pinheiro da Câmara c


o Dr. Francisco Carlos Pinheiro da Câmara, falecidos cm 22 dc janeiro
c 9 dc abril dc 1916, figuraram com lustre na política do Estado (vide
Revista cio Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte,
vol. XIV).

Brás de Andrade Melo: Nasceu na cidade de São José dc Mipibu a


17 de abril de 1S66. Era filho legítimo dc Brás Marcolino de Andrade Melo
e D. Ana Augusta de Andrade Melo.

Formou-se em direito na Faculdade do Recife em março de 1890.


Regressando ao Estado, foi chefe ds polícia, juiz distrital da capital, lente
de francês e filosofia do Ateneu Norte-Rio-Grandensc e redator d’A Rc-

Ainda estudante, foi ardoroso propagandista das instituições vigentes,


escrevendo nos jornais republicanos que então se publicavam em Pernam­
buco, especialmente n*A República c nO Norte, e fazendo conferências no
Club Republicano Acadêmico, dc que era orador.

319
■ .

Teve grande repercussão nessa época uma vibrante saudação que fez
a Silva Jardim, quando ali chegou, a 18 de junho de 1889, no mesmo vapor
cm que viajava o conde d’Eu. São dessa saudação as seguintes passagens:
"Do Club Republicano Acadêmico venho, como seu orador, trazer-vos
cumprimentos de admiração pela grandeza de vossa estatura moral, con­
gratulações pelo esplendor de vossas vitórias, protestos de adesão pela soli­
dariedade que nos irmaniza.

E mais que isto, enfeixados num só obrigado, bem simples, mas bem
do coração, todos os votos da muita gratidão que os do Club Republicano
Acadêmico devem a vós, cidadão, por tudo que de profícuo, de salutar, dc
salvador, haveis feito por esta Pátria, que a República nos prepara, lavada
da luz da regeneração política e social, expurgada dos males da instituição
desgraçada do trono.

A covardia, a falta de ânimo para sustentar às claras estes princípios de


democracia pura que estão conosco, os brasileiros, em nossas tradições, em
nosso sangue, em nosso caráter, c geral: uma tolerância, que melhor direi
tibieza, afrouxa toda a sociedade.
Entretanto, o Club vê em vós a coragem, a força moral, o heroísmo.
E cis tres lições boas que a mocidade aprende dc vós, cidadão: a scr desin­
teressada, scr verdadeira, scr corajosa.
E nós, discípulos, gcnuflcctindo, vos sagramos mestre, a vós, como o
mais puro, o mais sincero, o mais valente patriota nesta hora dc grande agi­
tação, de suprema crise nacional!
Cidadão Silva Jardim: Tudo que a mocidade tem de mais santo —
bênçãos maternas e sonhos do ideal, o que ela tem de mais valioso — a
alegria do presente e a esperança do futuro; o que tem de mais forte — o
desassombro de duendes ae nualquer espécie e a confiança em si, risos, lá­
grimas, cóleras, amores, trabalhos, vitórias, trovas e cantares, palmas, admi­
rações, respeitos; vontade, inteligência, a vida, é de si pela causa da Re­
pública; é, pois, por vós.

Quando, dentro cm pouco, a República se alevantar pujante e valorosa


no solo do Brasil, e a história arquivar, como uma negra legenda, a tristeza
toda dos dois reinados que nos enlutaram os corações, um nome, soberba­
mente altivo, glorioso, imaculado, há de abrir o capítulo dc nossa vida de
Povo Americano, de povo livre; este nome c o vosso.
O Club Republicano Acadêmico prevê isto, e vos pede que consintais
que um punhado dos louros de que o Brasil é obrigado a fazer-vos o cami­
nho até o futuro seja trazido por ele, sob a forma de minhas palavras in­
cendiadas de muito entusiasmo, ungidas de muita veneração: Salve, cida­
dão Silva Jardiml
*

320
Morto antes de completar trinta anos, Brás de Melo, grande espírito e
grande coração, não pôde atingir a todas as posições que de direito lhe
teriam de caber dados o seu valor e alta inteligência.. .. .
• - Mas, ainda assim, deixou traços inapagáveis de sua vida pública, como
vigoroso jornalista, cloqücnte e aprimorado orador, professor ilustre e
advogado de nota.
Faleceu cm Natal a 14 de março de 1S95.
Daniel Pedro Ferro Cardoso: Nasceu em Natal. Era engenheiro arquiteto
e foi quem projetou os melhoramentos que permitiram transformar cm
grande parle a cidade de Louvain (Bélgica).
Executou obras importantes no Rio dc Janeiro, sendo seu o plano da
cúpula da igreja da Candelária, para a concepção da qual (é ele mesmo
cjue o diz) teve de resolver problemas dc transcendente importância cien­
tifica, em virtude da pouca resistência que apresentavam as bases sobre as
quais se tinha de edificar.
Fora do campo em que exerceu a sua atividade profissional, prestou
valiosos serviços ao país, tornando conhecidas na Europa muitas das nossas
produções e riquezas. Na Exposição Universal de 1SS9, em Paris, expôs
uma máquina privilegiada, de sua invenção, para torrar café, cacau, chicó­
ria, etc. por meio dc vapor, obtendo, como recompensa, um dos maiores
prêmios conferidos aos expositores e honrosíssima menção.
Republicano desde 1870.
Em 1S73 foi comissionado pelo Club Federal c pela imprensa republi­
cana do Rio de Janeiro para saudar, cm Madri, a Emílio Castellar, que o
cumulou de homenagens c distinções quando se desempenhou dessa co­
missão. -
Companheiro de Vicente de Sousa, com quem fez incessante propagan­
da das idéias democráticas no seio das classes populares, fundou, cm 1871,
uma liga operária para melhor êxito dos seus esforços.
Ao lado de Lopes Trovão, foi um dos promotores dos conflitos e arrua­
ças que, com intuitos francamente revolucionários, tiveram por teatro o Rio
de Janeiro em 1880, ao entrar em execução a lei que criara o imposto do
vintém.
Informado da fundação do partido republicano no Rio Grande do Nor­
te, cm 1889, enviou da Europa, onde então residia, um pequeno prelo em
que pudesse ser publicado o órgão do mesmo partido da imprensa, acom­
panhando a oferta da seguinte
‘‘Saudação à província do Rio Grande do Norte: • • •
Natal, eu te saúdol Que breve a República confederativa seja procla­
mada em nossa cara Pátrial Que breve essa forma racional de governo seja
i

321
um fato consumado em nosso Brasil! Possas tu, breve, tu, Rio Grande do
Norte, constitur uma das mais brilhantes estrelas da plêiade brasileira,
como Estado livre da Confederação!
Natal! Natal! Quanto me sinto feliz de te ter por berço e quanto me
orgulho que tu sejas a Capital da Potiguarânia!
Viva a República!
Viva a Confederação Brasilciral
Viva a cidade de Natall
Viva o 7 de abril!
Paris, 7 de abril de 1889/
*
Esse prelo foi remetido por intermédio do capitão João Avelino Perei­
ra dc Vasconcelos, chegando, infelizmente, inutilizado. Isto, porem, não
diminuiu a significação do gesto patriótico de Ferro Cardoso.
Em 1S90, disputou, como oposicionista à situação dominante no Esta­
do, um lugar de representante à Constituinte e, não conseguindo ser eleito,
afastou se inteiramente da política.
Faleceu no Rio dc Janeiro a 5 de abril dc 1899.
Elias Antônio Ferreira Souto: Nasceu na cidade de Açu, a 25 de janei­
ro de 1S48, sendo filho legítimo do coronel Luís Antônio Ferreira Souto e
D. Ana Jacinta Bezerra Souto.
Entrou desde moço para o magistério primário e, como professor pú­
blico, serviu no Açu, Macau e São José de Mipibu.
Tinha decidido pendor para as letras c para o jornalismo político. Man­
teve e redigiu antes da República os seguintes periódicos: O Sertanejo
(1873-1876), o Jornal do Açu (1876-1885), O Açuense (segundo deste no­
me, 1SS5) e O Macauense (1886-1S89).
Era professor em São José de Mipibu quando, sendo reorganizada a
instrução do Estado, foi removido para Pau dos Ferros.
Não se conformou com essa remoção, preferindo perder a cadeira; e,
cm jornal que publicava naquela cidade, O Nortista, combateu vigorosa­
mente o partido dominante sob a direção de Pedro Velho, a quem moveu
sempre tenaz oposição.
Em 1893 mudou-sc para a capital, onde continuou a publicação d’O
Nortista, que, transformaao cm folha diária cm 1895, passou a denominar-se
Diário do NataL
Anteriormente à publicação dessa folha, foram efêmeras e fracassaram
todas as tentativas para a fundação da imprensa diária no Rio Grande do
Norte. A Elias Souto coube a glória dc ser de fato quem a fundou e isto
basta para mostrar que era um grande lutador. Quem escreve estas linhas

322
é insuspeito para reconhecê-lo e proclamá-lo, porque, seu adversário po­
lítico, foi por ele muitas vezes atingido em refregas partidárias.
Faleceu em Natal a 17 de maio de 1906.
Francisco de Brito Guerra: Nasceu a 18 dc abril de 1777, na fazenda
Jatobá, situada no atual município de Augusto Severo.
Foram seus pais Manuel dc Anunciação Lira c D. Ana Figueira de
Jesus. Estudou latim em Pasmado (Pernambuco) com o Dr. Manuel Antô­
nio, que muito o auxiliou em seus primeiros estudos e em cuja casa faleceu
seu pai quando o fora entregar aos cuidados daquele professor.
Enquanto aguardava idade para matricular-sc no Seminário dc Olinda,
onde se ordenou em 1801, ensinou latim em Baturité (Ceará).
Era muito versado nessa língua, na qual escreveu, ao terminar o seu
curso, uma oralio acadêmica dedicada ao bispo D. José Joaquim da Cunha
Azeredo Coutinho, a quem tributou sempre afetuosa admiração c profundo
reconhecimento, oração que se encontra, segundo informa Sacramento
Blake (Dicionário Bibliográfico), no livro “A gratidão pernambucana ao
seu benfeitor” (págs. 107 a 129; foi publicado em Lisboa, 1808).
Celebrou a sua primeira missa cm Campo Grande (Augusto Severo) a
2 dc fevereiro dc 1802 e ali ficou como capelão durante nove meses.
Nesse mesmo ano, foi nomeado vigário cncomdndado da freguesia do
Caicó, que em 1810 tirou em concurso, passando a vigário colado.
Na cidade do Caicó criou c manteve, durante mais de trinta anos, uma
aula onde ensinava latim gratuitamente.
De 1831 a 1833, tomou assento na Câmara dos Deputados como su­
plente do deputado José Paulino de Almeida e Albuquerque, que havia
falecido.-
Eleito deputado para a legislatura de 1834-1837, não chegou a con­
cluir o desempenho de seu mandato, porque no último ano entrou para o
Senado, na vaga que se abriu com a morte de Afonso de Albuquerque Ma­
ranhão, em 1836.
Fez parle da primeira assembléia provincial, cuja sessão dc instalação
se realizou a 2 de fevereiro de 1835. Na qualidade de presidente dessa as­
sembléia, coube-lhe organizar o seu primeiro regimento interno.
Tinha o titulo de conselho e era comendador da Ordem dc Cristo.
Foi visilador geral em 1815 no sul de Pernambuco e depois, de 1833
até que faleceu, no Rio Grande do Norte.
Prestou grandes serviços à igreja e à ex-província. Deve-se lhe a ini­
ciativa da publicação do primeiro jornal que nela existiu — O Natalcnse.

323
' Político de larga influencia e prestígio, foi muitíssimo devotado As
letras, educando à sua custa vários moços de valor, como o conselheiro Luís
Gonzaga e o padre Manuel José Fernandes, que lhe sucedeu como vigário
do Caicó c foi também visitador.
Faleceu no Rio de Janeiro a 26 de fevereiro de 1845, fulminado por
uma congestão cerebral, que o vitimou cm casa do comendador Joaquim
Inácio da Costa Miranda.
Foi sepultado na igreja dc N. S. de Santana. Mais tarde, a reoucrimento
de seus testamenlciros, foram os seus restos mortais trasladados para a
matriz do Caicó, onde lhe fizeram exéquias solenes em 3 de agosto de
' 1847, com a assistência de 17 sacerdotes, quase todos seus discípulos.
Francisco Gomes da Rocha Fagundes: Nasceu em Natal a 18 de março
de 1827. Foi funcionário público, aposentando-se como oficial maior da
secretaria do governo da antiga província.
Na monarquia, pertenceu ao partido liberal, sendo partidário extrema­
do do Dr. Amaro Bezerra.
Na República, filiou-se ao partido chefiado por Pedro Velho, a quem
acompanhou sempre com exemplar dedicação e lealdade.
Eleito senador a 2 de julho de 1899, na vaga que se abriu com o fale­
cimento do Dr. Almino Afonso, renunciou o mandato no ano seguinte,
quando foi eleito o Dr. Ferreira Chaves.
Faleceu em Natal, a 20 de setembro de 1901.
Francisco Gomes da Silva: Nasceu em Natal a 23 de março de 1837,
sendo seus pais 6 major Francisco Gomes da Silva e D. Ana Gomes da
Silva.
9

Era formado em Direito, tendo feito o seu curso cm Paris, onde foi
contemporâneo do Dr. Hcrmôgcnes Joaquim Barbosa Tinoco.
Advogado conceituado, Gomes da Silva, que era jornalista e político,
militou sempre no partido conservador sob a direção de seu tio o coronel
Bonifácio Câmara, chefe do mesmo partido.
Foi sua a iniciativa da candidatura dc Sales Torres Ilomcm, visconde
dc Inhomirim, para o Senado, conforme assegura o padre João Manuel
(Reminisccncias, pág. 83): ”O nosso conterrâneo Dr. Francisco Gomes da
Silva residia no Rio de Janeiro quando se abriu a vaga de senador pela
província do Rio Grande do Norte com a morte do grande parlamentar
D. Manuel de Assis Mascarenhas, falecido no ano de 1867.

O Dr. Gomes da Silva, que contava com elementos políticos na pro­


víncia, teve a feliz lembrança de oferecer-se ao Conselheiro Francisco de
Sales Torres Homem para advogar sua candidatura à senatoria, que consi­
derava viável, com grandes probabilidades de triunfo, não somente pelas

324
condições favoráveis em que sc achava a oposição na sua província, como
também e principalmente pelo prestígio do nome do candidato, que se im­
punha aos seus próprios adversários, sendo por eles aproveitado para ele­
vados cargos da alta administração do país.

O conselheiro Torres Homem, vulto notável do partido conservador,


havix sido nomeado naquele ano pelo governo progressista para exercer as
importantes funções de conselheiro do Estado e de presidente do Banco do
Brasil.
Quando o Dr. Gomes da Silva lhe ofereceu a candidatura, o conselhei­
ro Torres Homem respondeu com a acentuação grave e solene que lhe era
peculiar: "Uma cadeira no Senado c coisa que não se rejeita”.
Aceito, portanto, o oferecimento, combinado o plano dc batalha, partiu
o Dr. Gomes para o Rio Grande do Norte.
Foi deputado provincial nos biênios de 1864-1865, 1866-1867, 1870-
1871, 1872-1873, 1874-1875, 1876 1877 c 1SS0-1SS1; e deputado geral de
1869 a 1872 e de 1877 a 1878, quando foi dissolvida a Câmara.
Em 1S76 fez parte da lista tríplice organizada para a escolha do sena­
dor que devia substituir Torres Homem, falecido naquele ano.
Ocupou alguns cargos de administração. Entre eles, os de Procurador
Fiscal da Tesouraria Provincial e Diretor da Instrução Pública.
Faleceu no Recife, em casa do Dr. Bandeira de Melo, a 28 de outubro
de 1880.
Francisco Gurgel de Oliveira: Nasceu em Caraúbas a 7 de setembro de
1848, descendendo de uma família numerosa e dc prestígio; família que se
entrelaçara com outra, também influente, que dera ao Império um senador,
o padre Brito Guerra, e um ministro do Supremo Tribunal, o conselheiro
Luís Gonzaga.
Era genro deste último. Tinha poucas letras; mas, inteligente e sagaz,
tornou-se o chefe da política conservadora cm Mossoró, contando com mui­
tos elementos eleitorais na província.
Proclamada a República, ficou em oposição a Pedro Velho, sendo mais
tarde, na situação dirigida pelos dcputaaos Miguel Castro c Antônio Gar­
cia, eleito segundo vicc-presidcnte do Estado.
Esteve no governo dc 6 de agosto a 9 de setembro de 1S91. Divergindo
de Miguel Castro, que era o presidente, aliou-se a Pedro Velho, que, quan­
do governador, contemplou-o na chapá para deputados federais na eleição
de l9 dc março de 1894.
Foi reeleito para a legislatura seguinte. Dada a cisão do partido re­
publicano federal em 1897, afastou-se de Pedro Velho, não sendo mais
reeleito.

325
I

L
Dedicou-se então à agricultura e à criação cm um sítio de sua proprie­
dade no município dc Mossoró (São Sebastião) c aí veio a falecer em 7 dc
janeiro dc 1910, deixando bela tradição como homem dc trabalho, dc honra
c de caráter.
Prestou valiosos serviços à sua terra.
Francisco Victor da Fonseca c Silva: Nasceu a 15 dc março dc 1851.
Apesar de scr ainda muito moço quando rebentou a guerra do Para­
guai, foi arrastado por patriótico entusiasmo c, simples cadete que verifica­
ra praça com destino à Escola Militar, pediu c obteve a sua incorporação
às lorças que seguiam para o teatro da luta, onde sc bateu cm muitos e
sangrentos combates, sendo promovido a oficial por atos de bravura.
Feita a paz, matriculou-se na Escola Militar, desempenhando, depois
de deixá-la diferentes comissões cm que mereceu sempre justos louvores c
os mais honrosos elogios.
c reformou-sc como gcneral-dc-bri-

Tinha várias condecorações, sendo brilhantíssima a sua fé de ofício.


Colaborou na fundação do atual regímen ao lado dc Deodoro da Fon­
seca, de quem era dedicado amigo c que no próprio dia da proclamação da
República, lhe confiou a delicada incumbência de assumir o comando do
corpo policial da então província do Rio de Janeiro; c isto no momento cm
que o mesmo corpo desembarcava no Cais Pharoux, vindo de Niterói, para
se juntar aos batalhões que, porventura, ficassem fieis à monarquia.
Continuou depois nesse comando e tal foi o modo pelo qual nele se
houve que o Estado do Rio de Janeiro, agradecido, o contemplou entre os
seus representantes à Constituinte.
Findo o seu mandato, voltou às fileiras do exército e ao exercício de
importantes encargos militares até que, em 1902, Pedro Velho o indicou aos
sufrágios de seus correligionários para preencher a vaga que se dera na
representação norte-rio-grandense com o falecimento cie Augusto Severo,
em maio daquele ano.
Eleito e reeleito deputado, achava-se com assento na Câmara quando
a morte o arrebatou aos carinhos da família e ao convívio dos amigos.
Faleceu a 27 de julho de 1905, no Rio de Janeiro.
Hermogenes Joaquim Barbosa Tinoco: Bacharel cm Direito. Fez o
seu curso em Paris. Formado, voltou à província, onde foi advogado, pro­
fessor, jornalista e político.
Filiou-se ao partido liberal, sendo deputado provincial pela primeira
vez no biênio de 1864 1865. Em 1868, foi membro e secretário do diretório
desse partida

326
Nos últimos anos do Império, vivia retraído, dedicando-se exclusiva­
mente à advocacia c ao magistério no Ateneu Norte-Rio-Grandense.
Fundado o partido republicano, foi companheiro de Pedro Velho na
direção do novo partido. Afastou-se, porém, desse notável brasileiro nos
primeiros meses que se seguiram à implantação do novo rcgímen e daí o
não ter figurado entre os que ocuparam as posições dc maior destaque no
Estado. Foi apenas deputado ao segundo Congresso Constituinte; e isto
depois que se reconciliou com aquele ilustre chefe político.
O Dr. Hermógenes era um homem de talento e de saber.
Nasceu em Natal a 19 de abril de 1839 c ali faleceu a 26 dc julho de
1900.
João Carlos Wanderley. nasceu na cidade do Açu a 25 de julho
de 1811.
Dc 1840 a 1853, foi dos políticos locais o que teve maior influencia na
província, que governou, como vicc-prcsidcnte, de 9 dc outubro a 5 dc de­
zembro de 1S47; 31 de março a 29 de abril de 1848; 25 de novembro de
1848 a 24 de fevereiro de 1849; e 15 de março a 6 de maio de 1S50.
Deputado geral na oitava legislatura (1850 1852) e provincial nos biê­
nios dc 1840-1841, 1842-1843, 1S44-1845, 1S46-1S47, 1850-1S51, 1S64-1S65 c
1866-1867.
Exerceu, além de outros, os seguintes cargos de nomeação: Inspetor do
Tesouro, Diretor da Instrução Pública e Secretário do Governo.
Em 1853 perdeu o posto de direção que ocupara no seio do seu partido.
Jamais deixou de ser, entretanto, durante todo o Segundo Reinado, um
dos mais denodados batalhadores da imprensa, onde sc fizera para as lutas
da vida pública.
Redigiu vários jornais em Natal c, tendo voltado a residir no Açu em
1867, funoou naquela cidade O Açuensc, que, cm 1873, passou a denomi­
nar-se Correio do Açu.
Em 1877, mudando-se novamente para a capital, para aí transferiu a
sua tipografia, iniciando a publicação do Carreio de Natal (1878-1889).
Foi sempre liberal; mas em 1S85, na última situação conservadora, as
decepções, os desgostos e as injustiças de seus correligionários levaram-no
para o campo oposto, onde permaneceu até que veio a República, quando
abandonou a política.
Faleceu em Natal a 2 de março de 1899.
João Manuel de Carvalho-. Filho legítimo do capitão João Manuel de
Carvalho e D. Quitéria de Moura Carvalho, nasceu em Natal a 26 de de­
zembro de 1841.

327
Ordenou-se em 1865 no Seminário do Maranhão. Teve grande renome
como orador sagrado. Foi vigário na Candelária, quando residiu no Rio de
Janeiro, e na cidade do Amparo (S. Paulo) durante os últimos anos de sua
vida.
Em 1868, exerceu em Natal o cargo de Diretor-Geral da Instrução Pú­
blica. Foi deputado provincial nos biênios de 1867-1S68, 1870-1871 e
1876-1877.
Vindo ao Rio de Janeiro, pela primeira vez, em 1867, incumbido de
defender, juntamente com o Dr. Francisco Gomes da Silva, a eleição sena­
torial de Sales Torres Homem, teve oportunidade de estar em contacto com
os chefes políticos mais eminentes do país naquele tempo, c, regressando ao
Rio Grande do Norte cm 1868, alimentava a esperança dc ser deputado
geral.
Não o conseguiu, sendo então eleitos os Drs. Comes da Silva, cuja es­
colha achava justa, e Otaviano Cabral, que, diz ele, “enquanto nós lutava­
mos expostos ao furor do in.’migo temeroso, se deixava ficar na província
recolhido a quartéis de inverno ou gozando ns delícias dc Cápua” (João
Manuel — Reminiscences, cit.).
Isto, porém, foi um pequeno adiamento na realização de seus desejos:
em 1873 tomou assento na Câmara dos Deputados, onde sc tornou parla­
mentar ilustre (1S73 a 1876 e 1SS6 e 1889).
Aos vinte anos, ainda seminarista, era o principal redator d’O Recreio,
folha que se publ’cou cm Natal durante alguns meses.
Depois colaborou em diversos jornais conservadores da província, in­
clusive O Conservador, órgão do seu partido.
Apareceu na imprensa fluminense em 1867, escrevendo no Correio
Mercantil, e redigiu mais tarde o Quinze dc Julho, de sua propriedade
(1S70), e A Nação (1872-1876), de que foram primeiros redatores o Dr.
João Juvêncio Ferreira de Aguiar e Cirilo Elói Pessoa de Barros, depois ele
e, por último, os Drs. José Maria da Silva Paranhos Júnior (barão do Rio
Branco) e Francisco Leopoldino de Gusmão Lobo.
Em 1889, depois que proferiu na sessão da Câmara dos Deputados de
11 de junho, e em seguida à apresentação do gabinete Ouro Preto, o céle­
bre discurso em que fez a sua profissão de fé republicana, entrou para a
redação do Correio do Povo, onde manteve a sccção de crônicas políticas,
sob o pseudônimo de Desmoulins, combatendo a monarquia, ao lado de
Sampaio Ferraz, Alfredo Madureira e outros.
Já na República, afastado da atividade política e paroquiando a fre­
guesia do Amparo, redigiu o Correio Amrtarense. Aí foram publicados os
artigos que depois enfeixou em livro, danao o nome de Reminiscâncias.
Como jornalista partidário, João Manuel era impetuoso, vibrante e, não
raro, agressivo. Foi por isto muitas vezes alvejado em represálias violentas,

328
o que o levou a afirmar, ao entardecer da vida, que “entre todas as paixões,
de que o homem se deixa acometer e dominar, a mais terrível, mais selvá­
tica, mais brutal e mais assanhada, é a paixão partidária, que obceca os
espíritos, desvirtualiza os sentimentos, enbrutece os corações, embota as
consciências e arrasta a todos os excessos
.
**
Faleceu no Rio de Janeiro a 30 de maio dc 1899. r
João Maria Cavalcanti dc Brito: Era filho legítimo do major Amaro
Cavalcanti Soares de Brito c D. Ana de Barros Cavalcanti e nasceu a 23 de
junho de 1848 no sítio Logradouro, município do Caicó.
Aos 13 anos seguiu para o seminário de Olinda, onde estudou as prepa­
ratórios e fez o curso eclesiástico, indo receber ordens no Ceará, em 1871.
Rezou a primeira missa nesse mesmo ano na cidade do Caicó.
Exerceu o seu santo minister .'o em Jardim de Piranhas, Flores, Santa
Luzia do Sabugi, Papari e Natal, onde fixou residência em ISSO, quando
foi nomeado vigário colado da freguesia, e onde faleceu a 16 de outubro de
1905.
Era sacerdote digno e exemplar, tendo deixado imperecível recorda­
ção de suas peregrinas virtudes.
O seu e o nome de Miguelinho são os de duas grandes culminâncias
na história do clero norle-rio grandense, conforme salientou Pedro Velho
nas seguintes passagens de discurso que proferiu a 27 dc novembro daquele
ano, agredecendo carinhosa manifestação que lhe fizeram seus amigos po­
líticos no dia de seu aniversário:
“Basta lembrar dois mortos, um já consagrado pela auréola do martírio
nas páginas da história, outro ainda há pouco baixado à sepultura — Migue­
linho c João Maria.
Bem mais intensa se nos afigura, sem dúvida, e mais imponente e mais
fúlgida a personalidade do mártir político; e o traço de épico civismo, que
o imortalizou nos transes derradeiros do seu trágido destino, ainda rebrilha,
como uma lição de altivez e um patrimônio dc coragem, na alma das gera­
ções que lhe cultuam a memória.
Cabeça pensante de valor primacial na revolução de 17, o nosso herói­
co patrício respondia perante o tribunal de sangue, que o devia condenar
à morte por haver sonhado a liberdade e a república.
— Padre — insinua o conde d’Arcos, antevendo aterrado a visão da
sotaina do levita ensanguentada e o seu peito varado de pelouros, no Cam­
po da Pólvora — talvez adversários de suas idéias ou invejosos dos seus
louros tenham simulado, nestes documentos, a sua assinatura, no intuito
perverso de perdê-lo.
— Não — responde Miguelinho — esta firma que aí se 1c c minha e de
meu próprio punho a tracei.

329
Horas depois, arcabuzaram-no, sem lhe ouvirem outras vozes além de
uma prece a Deus por sua alma de cristão, e um brado dc entusiasmo em
honra da República.
O clérigo modesto e chão, que vem de finar-se entre as bênçãos desta
Capital, teve um destino mais circunscrito e menos impressionante; mas
que serenidade e que constância na virtude!
O outro, o patriarca, c tragicamente beloe venerável: mas a sua missão
teve os estímulos da glória.
Este, todo votado à prática do bem, não queria outro prêmio além da
sua própria humildade. E, já que citei o rasgo dc civismo do primeiro, per­
miti que relembre um simples episódio que há dias me foi referido, entre
tantos outros que formam esse intermino rosário do evangélico devota- .
mento do segundo.
Chega um dia ao presbitério o portador dc uma carta dc convite ur­
gente para confessar uma enferma, em perigo de morte.
O vigário ausentara-se em serviço de seu ministério.
Ao recolher-se, encontra a carta, mas não já o portador, que trazia mon­
tada, e que, impaciente de esperar, se fora sem resposta. A noite avizinha-
va-sc; a doente residia a 27 quilômetros da cidade. Mal repousado, parca
e apressadamente alimentado, João Maria põe-se em marcha.
Em sua consciência, onde um grande sacrifício é como se fosse um
dever elementar, não houve tempo sequer para uma hesitação; e ci-lo des­
calço, suarento, vergado, a caminhar na treva, sobre o areai fatigante e
exaustivo dos nossos tabuleiros, balbuciando orações de perdão para a al­
ma que ele ia resgatar do pecado e que talvez já tivesse partido para a re­
gião dos mistérios insondáveis.
Alta noite, a família da moribunda, aflita por vé-Ja expirar sem confis­
são, ouve bater à porta.
— Quem é? — pergutam vozes lacrimosas c sobressaltadas.
— O padre João Maria.
Que auroras de redenção, que esplendores de graça não teriam ilumi­
nado aquelas almas crentes e singelas! Que bênçãos dc gratidão sublime
não teriam acolhido o humilde cura, portador da caridade c da fc, da
esperança e do perdão!
Pois bem, cumprido o seu dever de pároco, João Maria obtém condu­
ção c regressa imeaiatamente à capital.
E pela manhã seguinte vemo-lo na matriz rezando a sua missa habi­
tual, deslembrado das fadigas da noite, abnegado c piedoso, como se cm
sua vida nada houvesse ocorrido que o tomasse meritório ante Aquele que
expirara na cruz para remir os homens.

330
Senhores, essas figuras assim lapidárias c representativas, acentuando
na vida coletiva os relevos do heroísmo e da virtude, a memória augusta
desses vultos sintéticos, em que se concretizam e acumulam as melhores
energias de que é capaz uma sociedade, compensam a platitude mesquinha
dos nulos e até contrabalançam a odiosa percussão dos maus.
Mas, voltando à situação atual do nosso Estado............ ”
Verdadeiro discípulo dc Cristo, como o chamou Antônio de Sousa (Po-
liantéia do 8 de Setembro, publicado em Natal, no trigésimo dia do seu fa­
a sua fé foi íntegra c infrangível como a dos mártires, a sua
lecimento), **
caridade incansável c ilimitada como a dc Vicente de Paulo.
Como este, foi humilde, e, como aqueles, confessou sempre a sua fé,
em face do pessimismo ou do escárnio contemporâneo, mais temíveis para o
coração do homem do que as torturas e as feras para o corpo dos primeiros
cristãos”.
Conheciam-no por pai dos pobres e essa designação traduz bem o que
era a sua incomparável bondade.
O povo adorava-o e demonstrou-o de modo expressivo no dia em que
o seu corpo inanimado foi transportado à última morada, por entre lágri­
mas e tocantes homenagens de profundíssimo pesar.
A cidade em peso esteve presente ao imponente cortejo, que foi, como
alguém disse, a apoteose de um justo.
Felício Terra (pseudônimo do brilhante publicista que é o conselhei­
ro Nuno de Andrade) não fez mais do que repetir uma verdade, quando,
tratando da morte desse virtuoso saceraote, escreveu, em crônica publi­
cada nO País: . .
“Foste absolutamente bom e absolutamente humilde; e tiveste a rarís-
sima felicidade de conservar imaculados esses atributos dc tua perfeição,
sendo, como igualmente foste, absolutamente pobre.
Para teu espírito soberano, o sacerdócio era um apostolado: nasceste
contingente e sonhaste morrer evitemo.
Tinhas no coração o calor do céu e nos pés a grilheta; mas tua alma
era tão leve que subiste no espaço e pairaste entre o firmamento c a misé­
ria, derramando benefícios para baixo e mandando cânticos para cima.
Por isso, tua existência foi um sonho. Roçaste a terra com tuas asas, e
não te perseguiu o medo da impureza; fitaste o céu com tua fé e não sen­
tiste o pavor do desconhecido.
Foi mais que um sonho: foi o devaneio da vigília sagrada, extrema-
mente tranquila, nutrida do ideal portentoso da superioridade humana, que
te valeu o prêmio de sair do mundo num turbilhão de saudades e avizinhar
de Deus num turbilhão de aplausosl

331
• •>
r

Realizaste o escopo da extrema nobreza anímica: amaste o próximo


mais que a ti mesmo e mereceste ser um companheiro de Cristo.
Em teu ser se cristalizou a dignidade da espécie.
**
João Valentino Dantas Pinajé: Nasceu na fazenda Cajueiro, muni­
cípio do Acari, provavelmente nos primeiros anos do scculo XIX.
Era filho legítimo de Manuel Antônio Davtas Correia e D. Maria
José de Medeiros.
Formou-se em ciências jurídicas e sociais na Faculdade de Direito
dc Olinda cm 1835. Foi magistrado e político.
Como magistrado, ocupou, entre outros, os cargos de juiz dc direito
do cível, com jurisdição privativa nos feitos do fisco provincial (este
lugar foi criado pela lei provincial n9 15, de 26 de outubro de 1837,
sendo ele o primeiro e, se não estamos enganados, o único que o exerceu,
por ter sido suprimido posteriormente) e o de juiz de direito da comarca
de Maioridade (hoje Martins).
Como político, empenhou-se desde muito moço nas irritantes con­
tendas do partidarismo local e colaborou em vários periódicos, sendo
mesmo, em 1849, o principal redator d’ O Brado Natalensc.
Foi deputado provincial nos biênios dc 1S38-1S39, 1S40-1S41,
1S44-1S45, 1S48-1S49 e 1S56-1857.
Governou a província, na qualidade dc vicc-presidentc, de 3 dc ju­
lho de 1S38 a 3 dc novembro do mesmo ano. Durante sua administração,
coube-lhe a honra de abrir, em 7 de setembro, a primeira sessão da
segunda legislatura da assembléia provincial.
A sua fala é um documento digno de leitura: minuciosa, bem escrita,
cheia de observações úteis e de dados interessantes.
Há nela muitos pontos de vista pessoais, sendo de admirar o desas-
sombro e coragem com que os sustentava, estivessem ou não ao sabor
das conveniências e interesses de ordem política.
Ê assim que condena a construção de uma ponte sobre o rio Potengi,
melhoramento de vantagens incontestáveis, sob o fundamento de que
a sua utilidade não compensaria em um scculo o sacrifício feito; pede
que seja votada uma lei mandando cobrar, na forma do preceito divino,
o dízimo de tudo que fosse produzido sem exceção alguma e ainda
que o consumidor fosse o próprio produtor; pleiteia a decretação de uma
taxa invariável sobre as heranças e legados, porque são sempre um bem
gracioso obtido sem trabalho e todos a devem pagar; justifica a vantagem
de scr determinado em lei que os estudantes de Latim do Ateneu fiquem
sujeitos ao castigo da palmatória, de que tanto precisavam etc.
À parte a originalidade de algumas de suas sugestões, o que é certo
é que não receava dizer com absoluta lealdade e franqueza o que pen­

332
sava e, no tocante aos seus atos administrativos, mostrou ser um homem
capaz e honestíssimo.

O seu feitio não era de mokle a agradar a toda gente; mas c fora
dc dúvida que, apesar de suas arestas, contou sempre com a solidarie­
dade e afetuosa estima dos seus conterrâneos.
Faleceu cm 1862, tendo sido pouco antes eleito deputado provincial
pela sexta vez.
Joaquim Fagundes: Nascido a 19 de março de 1857 na cidade de
Natal, aí faleceu a 21 de agosto de 1S77, contando 21 anos incompletos.
E nessa idade já tinha uma reputação c um nome laureados corno
poeta, orador, jornalista e dramaturgo.
A seu respeito escreveu o Dr. Moreira Brandão, tres dias depois de
sua morte (Ceará-Mirim, de 24 de agosto de 1S77);
“Perdi um amigo dedicado e a província uma dc suas mais belas
esperanças.
Na idade dc 20 anos, sem estudos regulares, Joaquim Fagundes
tinha sido redator de dois periódicos — Íris e Eco Miguelino-, escreveu
dramas, que foram representados com sucesso; fez conferências públicas,
cm que foi muito aplaudido, e deixou vários escritos que revelaram um
talento superior c privilegiado”.
Pena é que Antônio Marinho, que morreu igualmentc na primavera
da vida e era também uma formosa inteligência, não houvesse podido
realizar o desejo que alimentava de publicar um estudo sobre a sua e
a individualidade de José Teófilo:
“Joaquim Fagundes e José Teófilo foram os dois .rapazes que aqui
fizeram mais ruído de 74 a 78.
Conheço alguns escritos deles e é possível que faça em opúsculo
uma notícia biográfica e uma ligeira crítica da capacidade mental desses
dois intemeratos lutadores, se me vierem às mãos, como espero as obras
que deixaram em original.
A questão religiosa convulsionava o país naquela época.
Reinava agitação por toda parte.

Joaquim Fagundes atirou-se à luta com inaudito denodo.


Os seus artigos revelam bem a sua tempera de combatividade; deles,
vê-se, transpira o calor da sua mocidade fogosa e radiante, que se ex­
pande indomável às auras primaveris dos seus dezoito anos.
Era um moço de talento e de ideais.

333
Morreu antes de completar os 21 anos, na flor da idade, alma cheia
dc esperanças c dc quimeras, atraída pelas seduções do futuro.
José Teófilo, o seu prezado amigo c companheiro, também merece
muito.
Sendo menos inteligente e menos entusiasta do que Joaquim Fagun­
des, cm compensação o seu espírito era mais cultivado c observador, posto
que ambos mostrassem um preparo muito superficial c pouco substan­
cioso.
Eram igualmente largos os seus horizontes, as suas idéias muito
• liberais.
Faleceu Teófilo aos 27 anos (nasceu a 5 de março de 1852 c faleceu
a 13 de agosto de 1879).
Joaquim Fagundes e José Teófilo deixaram, em manuscrito, alguns
dramas e poesias, ainda hoje inéditos.
Se, como disse, puder obtê-los, ocupar-me-hci detidamente, em outro
ensejo, das suas insinuantes individualidades” (Antônio Marinho —
O Movimento Literário do Rio Grande do Norte, de 1S89 a 1899, confe­
rência realizada em Natal a 21 dc abril de 1S99).
Joaquim Guilherme de Sousa Caldas: Nasceu em Natal a 26 de
junho de 1836.
Fez o curso de humanidades no Ateneu Norte-Rio-Grandense, não
podendo, pela sua pobreza, graduar-se em qualquer dos cursos superiores
então existentes no país.
Muito inteligente, escrevia com facilidade e foi bom jornalista.
Em 1868, já figurava entre os principais redatores d* O Conservador,
órgão do seu partido, e, até a queda do Império, militou, com brilho,
na imprensa e nas lutas irritantes da política local.
Foi deputado privincial nos biênios de 1870-1871, 1872-1S73,
1S74-1S75, 1876-1877 e 1S80-1881.
Deposta a monarquia e dissolvidos os partidos liberal e conservador,
Joaquim Guilherme rctraiu-se, a princípio; mas pouco depois envolveu-se
abertamente nas agitações partidárias, combatendo a orientação de Pedro
Velho.
E isto lhe valeu, iniciada a reação que se operou no governo do
Dr. Francisco Amintas da Costa Barros, a sua entrada para o Congresso
Constituinte do Estado.
Com a deposição do Dr. Miguel Castro em 28 de novembro de 1S91
c a dissolução deste Congresso, perdeu, por completo, a sua influencia
política.

334
•’ *' Mas Pedro Velho, eleito governador em 1892,' esquecendo antigos
ressentimentos e atendendo à sua reconhecida capacidade como funcio­
nário público, conservou-o no lugar de inspetor do tesouro, em cujo
exercício veio a felecer anos depois.

Além deste, ocupou muitos outros cargos administrativos durante a


sua existência de sacrifícios e provações, e em todos eles se hcove sempre
com zelo e probidade.
Era comendador da Ordem de Cristo.
Faleceu em Natal a 26 de fevereiro de 1S98.
José Bernardo de Medeiros: Nasceu na fazenda Camaubinha, da
então paróquia e município de Serra Negra, a 20 dc agosto de 1S37,
sendo seus pais João Filipe de Medeiros e Dona Joana Porfírio de
Medeiros.
Estudou as primeiras letras e latim na cidade do Caicó.
Exerceu vários cargos policiais e foi coletor do Caicó em 1862.
Presidiu a assembléia provincial nas sessões de 1SS3 e 1885, tendo
sido deputado nos biênios de 1868-1869, 1S7S-1879, 1880-1881, 1SS2-18S3,
18S4-1S85 e 1838-18S9.
Foi quarto vice-presidente da província em 1S82 c segundo em 1889.
Nesse último ano, divergindo de Amaro Bezerra, chefe do partido
liberal, derrotou-o na eleição de deputado geral pelo segundo distrito,
o que lhe deu grande popularidade no momento e justificou, meses
depois, a sua entrada para a Constituinte e depois para o Senado da
República, a que aderira sincera e lealmente desde a sua .proclamação.

Terminado este mandato, foi o mesmo renovado a 31 de dezembro


de 1899 e ainda se achava em seu desempenho quando faleceu na
cidade do Caicó, durante as férias parlamentares, em 15 de janeiro
dc 1907.-
Honesto, operoso e digno, José Bernardo, que subiu gradativamente
da posição humilde em que nascera ao ponto culminante cm que sc
soube colocar, era uma das mais simpáticas personalidades políticas do
Rio Grande do Norte quando a morte cortou o fio de sua útil existência.

José Correia de Araújo Furtado: Nasceu no Açu a 10 de novembro


de 1788 e ali faleceu a 9 de maio de 1870.

Quando José Inácio Borges teve de deixar o governo do Rio Grande


do Norte em 1821, fez eleger previamente, na conformidade de instruções
expedidas pelas Cortes Portuguesas, a junta que devia substituí-lo e à
qual transmitiu o poder em 3 de dezembro daquele ano.

335
Essa junta foi deposta em fevereiro do ano seguinte, sendo aclamada
um governo temporário.
As câmaras do Príncipe (Caicó), Princesa (Açu) e Portalegre não ”
reconheceram o novo governo.
Para a segunda junta, eleita e empossada em março, entrou Tomás
do Araújo Pereira, que conseguiu o desaparecimento das divergcncias
existentes no Seridó.
Continuaram, porém, as do Açu e Portalegre; e, para conjurar os
dificuldades com que lutavam, resolveram os dirigentes dc Natal que,
para os lugares de Agostinho Leitão dc Almeida e João Marques de
Carvalho, excluídos da junta por imposição do batalhão dc linha, fossem
escolhidos José Correia de Araújo Furtado e o padre João Francisco
Fernandes Pimenta, como delegado dos povos das ribeiras do Açu e
Apodi, rcspeclivamente.
Isto ocorreu em 11 de novembro dc 1822.
Josc Correia foi nessa época elemento de paz e de ordem, prestando
os melhores serviços à província.
Daí o seu e o prestígio de sua família, que ainda hoje tem represen­
tantes ilustres na política local.
José Correia Teles: Filho de Manuel Correia Teles, era natural do
Açu, onde nasceu cm 1S35.
Assentou praça em 1S56. Alferes em 18 de fevereiro de 1865; tenente
em 17 dc novembro de 1869, por atos de bravura; capitão cm 4 de dezem­
bro de 1S75; major, por serviços relevantes, em 7 de janeiro de 1890;
tenente-coronel e coronel, por merecimento, em 2,7 dc abril dc 1S91 e
9 de março de 1894.
Reformou-se como general-de-brigada em 11 de março de 1897.
Fez toda a campanha do Paraguai, tendo, além de várias condecora­
ções brasileiras, duas medalhas que foram conferidas pelos governos da
República Argentina e do Uruguai.
Foi bravo militar e prestimoso cidadão, tendo feito parte da Junta
Governativa de Alagoas em 1891.
Faleceu em 4 de novembro de 1897.

José Inacio Fernandes Barros: Nasceu na vila de São Gonçalo a 25 de----- --


abril de 1844, Bacharel em direito pela Faculdade do Recife (1868).

Foi diretor da instrução pública e juiz municipal em Natal. Em 1874


teve a sua primeira nomeação dc juiz de direito para o Jardim do Seridó,
sendo depois o primeiro juiz da comarca do Ceará-Mirim, criada em 1875.

336
Removido,, em 1884, para a comarca de Maruim, em Sergipe, ali se
achava ao ser nomeado chefe de polícia da mesma província, em 1885, na
presidência do Dr. Manuel de Araújo Góis. Voltou para o Ceará-Mirim,
como juiz, em 1886. Aposentou-se em 1890.
Filiado ao partido conservador durante o Império, nunca foi político
extremado: impoz-se sempre à consideração e ao respeito dos seus juris-
diciõnados. como magistrado austero e íntegro.
Ocupou o cargo de segundo vice-govemador em 1890. Em 1891 — so­
lidário com os elementos políticos que, sob a direção dos deputados Miguel
Castro e Antônio Garcia, se organizaram para dar combate ao partido
chefiado por Pedro Velho, então decaído das posições oficiais por não
haver sufragado o nome do marechal Deodoro para presidente da Repú­
blica — foi eleito primeiro vice-presidente do Estado, que governou de 13
de junho a 6 de agosto daquele ano.
Quando se operou, menos de quatro meses depois, a mudança da
situação política local, em consequência do movimento revolucionário de
28 de novembro, de que resultou a deposição do Dr. Miguel Castro, já
estava afastado da atividade partidária e assim se conservou até que fa­
leceu em 17 de outubro de 1907, na cidade do Ceará-Mirim.
Inteligente, instruído, maneiroso, cativante em seu trato polido e
aprimorado, Fernandes Barros foi um rio-grandense ilustre pelo seu talen­
to, pelo seu caiáter e pelas suas virtudes cívicas e privadas.
José Leão Ferreira Souto: Filho legítimo do coronel Luís Antônio
Ferreira Souto c D. Ana Jacinta Bezerra Souto.
Nasceu na cidade do Açu, a 11 de abril de 1850. Funcionário público.
Poeta e escritor, deixou, entre outros, os seguintes trabalhos: Microscópicos
(versos), Gritos da Carne (versos), Aves de arribação (versos), Questões
Sociais (imprensa, literatura, artes, política, religião, família e ensino),
Culto aos mortos (poesias fúnebres), Victor Meireles (monografia artísti­
ca), Apontamentos para a biografia do propagandise Silva Jardim (notas
pessoais e informações), Questão dc Limites entre o Ceará e o Rio Grande
do Norte (conferências), Culto à Pátria (poema dedicado ao Dr. José
Tomás da Porciúncula, presidente do Estado do Rio de Janeiro, durante a
revolta da esquadra e Potiguarânia (revista de propaganda republicana).
Alguns dos seus trabalhos foram escritos sob a impressão de cenas
sertanejas ou cm torno de lendas e tradições norte-rio-grandenses, embora
ele se houvesse ausentado da província desde moço.
Faleceu no Rio de Janeiro a 27 de agosto de 1897.
José Moreira Brandão Castelo Branco: Nasceu a 4 de setembro de
1828, na vila de Goianinha, sendo filho legítimo de Antônio Pita Brandão
e D. Justina Moreira Brandão.

337
Bacharelou-se em direito na Faculdade de Olinda em 13 de novem-.
bro de 1849.
Era oficial maior da secretaria do governo de Pernambuco quando
ocupou a presidência daquela província, no ano de sua formatura, o con­
selheiro Honório Hermeto Carneiro Leão, depois do marquês do Paraná,
o qual, tendo tido oportunidade de conhecê-ío pcssoalmente, convidou-o
*
ao scr nomeado mais tarde enviado extraordinário e ministro plcnipoten-
ciário do Brasil no Prata, para ser um de seus secretários, lugar que não
quis aceitar por preferir voltar à sua terra, onde figurou desde logo e com
distinção entre os principais chefes do partido sulista (fói a primeira de­
nominação que leve o partido liberal da província).

Foi político de largo prestígio, jornalista de mérito e orador correto


e sóbrio.
Liberal intransigente, era partidário convencido do regímen parlamen­
tar, costumando dizer, depois de votada a constituição republicana dc 24
dc fevereiro de 1891, que, com a extinção daquele regímen, a política
perdera para cie todos os encantos e seduções.
Foi deputado provincial nos biênios de 1850-1851,1860-1861,1S62-1S63,
1864-1865, 1S66-1S67, 1872-1S73, 1882-1883, 1S84-1S85, 1SS6-1S87 e 1S88-
1SS9 e deputado à assembléia geral de 1S64 a 1866, 1S78 a 1881 e cm
1SS5.
Fundou, redigiu ou colaborou em vários jornais. Entre eles, O Argos
Nclalense (1851-1852), Ó Jaguarãri e O Fagote (1852), O Rio-Grandense
do Norte (1858-1862), O Progressista (1S62-1S68), O Liberal, (1872-
1883), etc.
Como advogado, correm impressos alguns trabalhos que lhe deram
grande nomeada, escritos em defesa de causas de que foi patrono, infor­
mando Sacramento Blake (op. cit.) que publicou também, de colaboração
com o seu colega Dr. A. A. de Barros, uma “Coleção de acórdãos que
contém matéria legislativa, proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça
desde a época de sua instalação”.
Éxerceu alguns cargos de nomeação, entre os quais os de secretário
do governo e diretor da instrução pública da província.
Neste último serviu mais de uma vez, tendo apresentado substanciosos
relatórios em que estudou, com elevada competência, várias questões ati-
nentes ao problema do ensino. • . • '
Faleceu em Natál a 16 de julho de 1895. ’ • ............... “
José Paulino de Andrade: Filho legítimo do capitão José Paulino de
Andrade e D. Rita Bernardina de Andrade, nasceu na cidade de São José
de Mipibu cm 16 de março de 1861.

338
'/-‘f 'Pez'os seus estudos preparatórios em Natal, matriculando-se depois na
Faculdade de Medicina do’.Rio de Janeiro. Cursava o segundo ano quando
resolveu abraçar a carreira eclesiástica, seguindo para Pernambuco em com-
S^njna de>. D.- José.Pereira, da Silva. Barros,. então sagrado, bispo daquela
iòcesc."•* . .. ’ • . . ....
. - Ordenou-sc no Seminário dc Olinda em março de 18S6, sendo logo
nomeado coadjutor dc uma das freguesias do Recife. Aí firmou os seus
créditos dc abalizado pregador.
Em. 1888 obteve por concurso a. freguesia de Macaíba; e, em janeiro
do ano seguinte, filiou-sc ao partido republicano, sendo um dos membros
do seu diretório c colaborando assiduamente n’A República, donde Pedro
Velbo doutrinava o credo democrático.
c; Vindo depois para o Sul, estabeleceu-se, como vigário, cm Pouso Ale­
gre, onde levantou a idéia da criação de um novo bispado que tivesse por
sede aquela cidade.
Em pouco tempo essa idéia se traduzia em realidade, porque, median­
te indizíveis esforços, adquiriu patrimônio, seminário, colégio e até palácio
episcopal.
Criado o bispado, outro foi o primeiro bispo nomeado e ele, que só
tivera como recompensa o título de prelado doméstico dc S. Santidade,
voltou ao seu torrão natal, com a saúde profundamente abalada e o coração
sangrando de mágoas.
Mesmo.assim, ainda regeu as freguesias de Papari e Touros de 1902
até fins de 1903.
. . Efetuou uma segunda viagem ao Sul em visita aos seus amigos de
Pouso Alegre; mas, após curta demora entre eles, regressou a’Nattfl, onde
fixou residência c veio a falecer em 24 de setembro de 1907.
Monsenhor José Paulino era um grande e culto espírito.
José Pedro de Oliveira Galvão: Era filho legítimo de José Pedro da
Luz e D. Maria Josefina da Luz e nasceu no . sítio .l’oçãor município de
Goianinha, a 10 de agosto de 1S40.
. Verificou praça no dia 30 de setembro de 1862. Tinha o curso das
armas de infantaria e de cavalaria pela Escola Central do Rio de Janeiro.
Graduado no posto de alferes em 27 dc setembro de 1871 e confirmado
em 13 de março de 1872. Tenente e capitão, por estudos, em 13 de junho
de 1876 e 24 de maio de 1879. i ’
; j Major ê tenente-coronel, por merecimento, em 7 de janeiro de 1890 e
.:..
12 de março do mesmo ano.j
* • • .•

339
Graduado no posto de coronel a 13 de abril de 1892. Coronel efetivo
a 30 de maio de 1895. Reformado como general-de-brigada em 6 de junho
de 1896.
Fez a campanha do Paraguai. Em 15 de setembro de 1890, foi eleito
senador à Constituinte Republicana pelo Estado do Rio Grande do Norte.
’ Era ainda senador, quando faleceu a 2 de outubro de 1896, no Rio
de Janeiro.
Lourival Açucena: (Joaquim Lourival de Melo Açucena) — Poeta
popular e boêmio, falecido em 28 de março dc 1907, aos 80 anos, sempre
e cada vez mais mais estimado c querido. Nascera em Natal a 27 de outu­
bro de 1827.
Eis o que a seu respeito se lê em um dos artigos da poliantéia publi­
cada em Natal a 28 de abril de 1907, trigésimo oia de sua morte, pola
Oficina Literária, associação de moços estudiosos
“Lourival Açucena não era um poeta erudito, nem mesmo ilustrado,
no sentido exato da palavra.
Era realmente um espírito inteligente, possuindo uma cultura literária
muito superficial.
Tinha — e era esta a característica de sua inteligência — uma feição
mental acentuadamente poética, na sua expressão ligeira, amena, alegre,
cheia dc verve satírica e cheia de graça bem-humorada.
Nele estava a personificação espiritual do trovador e do bocrnio amo-
rável, sem preocupações amofinantes da vida prática, não se envolvendo
nas agitações da política partidária, nem se dando ao incômodo de exercer
sistematicamente os seus direitos do cidadão nos pleitos eleitorais, conven­
cido, talvez, da inutilidade do voto, ou pelo receio de por esse meio criar
desafetos entre os seus conterrâneos.
Porque, para o venerando vate natalense, a vida devia ser compreen­
dida pelo seu aspecto mais agradável, mais humano e mais lírico.
Amava a existência e vivia ao ritmo de sua alma de trovador.

Era das organizações que sentem necessidade inelutável de ser abertas


e cristalinas, de ser livres, ternas e musicais como a ave, no tempo do amor,
no seio perfumado de uma floresta muito arejada e luminosa.

Deixou o nosso vate uma infinidade de produções esparsas pela


imprensa natalense, na qual colaborou em vários de seus órgãos.
Muitos dos seus versos correram mundo, publicados em jornais cario­
cas, portugueses e do extremo sul do Brasil.

340
Das suas conhecidas produções, as que mais se destacam, por terem
merecido a consagração da estima popular, são o Canto do Potiguara, a
Política, a Porangaba, o Sítio e Pirraças do Amor.
Como cidadão, foi Lourival Açucena distinguido no antigo regimen
com alguns cargos de confiança de seus conterrâneos.
Morreu sonhando, tal como viveu cantando; e, por isso, é uma redun- r
dância o dizermos que finou-se em extrema pobreza, que c como se fina
todo boêmio que sc preza.”
Luís Carlos Lins Wanderley Nasceu na cidade do Açu a 30 dc agosto
de 1831.
Formou-se em 1557, sendo o primeiro rio-grandense que obteve o grau
de doutor em medicina pela Faculdade da Bahia (Almanaque Literário e
Histórico do Município do Açu, 1904).
Voltando à província, cstabeleceu-se em Natal, onde abriu o seu con­
sultório médico e colaborou ativamente na imprensa liberal.
De 1878 em diante redigiu o Correio do Natal, em companhia de seu
sogro, João Carlos Wanderley, a quem acompanhou em sua adesão ao
partido conservador.
Em 18S6, sendo vice-presidente da província, administrou-a durante
alguns dias (30 de outubro a 11 de novembro),
Foi deputado provincial em vários biênios. Médico, jornalista e pro­
fessor (foi lente do Ateneu), o Dr. Luís Carlos aproveita os seus lazeres
para escrever obras literárias.
Deixou dramas e romances, assim como muitas produções poéticas.
Faleceram em Natal, no mesmo dia, IX) de fevereiro de 1S90, ele e
sua mulher.
Luís Gonzaga dc Brito Gucrrax Nasceu na fazenda de Coroas, da an­
tiga capela dc Campo Grande (Augusto Severo), a 27 de setembro de
1818, sendo filho legítimo de Simão Gomes de Brito e D. Maria Madalena
de Medeiros.
Concluídos os seus estudos primários, feitos com o mestre Manuel
José da Paz, na fazenda onde nascera, mestre Onofre, no Caicó, e seu avô
materno, Manuel Antônio Dantas Correia, na fazenda deste, Cajueiro,
passou a residir com o seu tio, padre Francisco de Brito Guctrra, que
mantinha uma aula de latim muitíssimo freqüentada no Caicó.
Com este (1829 a 1831) e com o padre Manuel José Fernandes (1832
e 1833), que o substituía quando se ausentava para o Rio de Janeiro no
exercício de seu mandato legislativo, fez o estudo das matérias exigidas
para o curso de direito.

341
Em 1834, seguiu para Olinda, onde, no mesmo ano, fez todos os pre­
paratórios, ma(riculando-sc em 1835 na Academia daquela cidade.
Formou-se em 1839, voltando para a companhia de sua mãe viúva, na
fazenda Coroas, e dedicando-se à advocacia. Depois entrou para a magis­
tratura, na qual atingiu as mais elevadas posições. ’. ’

> ----- ~ _ K x r. *

a 20 de julho de 1843; juiz municipal e dc órfãos do Açu c termos anexos


(Santana do Matos, Angicos, Macau, Mossoró e Campo Grande, atual­
mente Augusto Severo), de 9 de janeiro de 1844 até 12 de dezembro
1850 (teve uma interrupção, dc 9 de janeiro a 4 de novembro de 1848,

do); juiz municipal e de órfãos dos termos do Príncipe (Caicó) e Acari,


para onde foi removido do Açu, de 15 de março de 1851 a junho de 1852;
juiz de direito da comarca dc Maioridade (Martins), de junho de 1852 a
junho de 1858; juiz de direito da. comarca do Açu, de 18 de setembro de
1858 até fins de 1873, desembargador e presidente da relação de Ouro
Preto, de 16 de janeiro de 1874 a fins de 18S5, desembargador da relação
de Fortaleza, para onde, foi xemovido a pedido, dc 18 de janeiro de 1886
a 23 de dezembro do mesmo ano; ministro do Supremo Tribunal de Justiça,
de 23 dc março de 1S87 a 10 de novembro de 1SSS, quando foi aposentado,
contando mais de 70 anos de idade e 44 dc serviço público.
Como magistrado, foi sempre acatado pela sua austeridade, pelo seu
zelo no cumprimento do dever e pelo seu amor à justiça.
Sabia manter com grande elevação a majestade dé suas funções e
deixou invejável tradição de integridade moral; - • ’
Fora da magistratura, foi eleitor de paróquia, delegado de polícia do
Açu, deputado provincial nos biênios de 1842-1S43, 1846-1S47 e 1856-1857:
Foi também vice-presidente, tendo nessa qualidade governado a ex-
província em agosto de 1868.
Quando moço, foi político militante. Depois, porém, abandonou, por
completo, a política partidária, na qual, dizia, era preciso mais vigilância
com o carinnò do correligionário do que com o ódio do adversário.
Durante a epidemia do cólera, em 1856, a guerra do Paraguai é
alçumas das secas que flagelaram os sertões do Norte, prestou serviços
relevantes. ............... ? . • ..••• *
Interessava-sé por tudo que tivesse por fim difundir o ensino público
e ao ser feito o recenseamento de 1872 foi auxiliar prestimoso do governo
na comarca onde exercia sua jurisdição e nos lugares onde tinha relações
pessoais e de família. < ...........

342
Era agraciado com os tíulos de conselho (14 de fevereiro dc 1874),
cavaleiro da Ordem da Rosa (20 de fevereiro dc 1975), comendador
da Ordem de Cristo (25 de junho de 1881), e barão do Açu (17 de no­
vembro de 18S8)..
Depois, de aposentado, fixou residência em Caraúbas, onde veio en­
contrá-lo a revolução republicana de 15 de novembro de 1889.
Não Se insurgiu’ contra as novas instituições; mas declarou nessa
ocasião, èm reunião pública, que “as páginas de sua vida estavam preen­
chidas.
Escrevera-as como lhe fora possível. Não havia mais espaço. Fazia,
porém, ardentes votos para que as novas gerações em nada deslustrassem
o esforço de seus antepassados, e que a República só oferecesse páginas
dc ouro a acrescentar à nossa história, certos todos de que longos anos
de lutas e dc desacertos seriam necessários para a organização do novo
regimen”.
Faleceu em Caraúbas aos 6 de junho de 1896.
- Manuel Ferreira Nobre: Nascido em 1S33 na cidade dc Natal, era
filho do tenente do exército de igual nome c D. Inácia de Almeida Nobre.
Foi deputado provincial no biênio de 1860-1S61 e exerceu, entre
outros, o cargo de oficial maior da secretaria da assembléia provincial,
tendo colaborado "em alguns jornais políticos e literários.
Dedicava-se com carinho ao estudo da Geografia e História locais e,
embora não tivesse cultura sistematizada, escreveu uma Breve Noticia
sobre a Província do Rio Grande do Norte, cuja publicação,’ em 1877,
justificou do seguinte modo:
“Em meu trabalho dc oficial maior da secretaria da assembléia pro­
vincial do Rio Grande do Norte, lugar que exerci por mais de doze anos,
era adstrito fornecer as comissões permanentes da casa todas as informa­
ções necessárias para acerto das deliberações.
Esta necessidade, continuamenle repetida, induziu-me a tomar apon­
tamentos. Tive para logo a idéia de os dar a lume, visto não não ter
aparecido ainda.descrição alguma especial da província a que tenho a
honra de pertencer.
Na empresa do meu trabalho encontrei dificuldades quase insupe­
ráveis; porém foram destruídas pela força de vontade, e agora cabc-me
o dcsvanecimento de apresentar à luz pública as minhas fracas produções.
• Não escrevo a história preciosa e interessante do. Rio Grande do
Norte: publico apenas tradições e pequenas reminiscêncis, que são sem­
pre agradáveis ao espírito que se alimenta em pesquisar as coisas do
seu torrão, por mais estéreis que pareçam. Ê um ligeiro ensaio.. . •
Nada faço, eu o sei; porém faço mais do que aqueles que, podendo
fazer muito, jazem na inércia”.
Apesar dos erros c defeitos que contém, o trabalho de Ferreira Nobre
representa grande esforço e paciente labor, tendo, além disto, um mérito
excepcional: foi o primeiro e ainda é, no gênero, um dos poucos que
existem sobre o Rio Grande do Norte. • • •,
E basta esta razão para que não seja esquecido o nome deste modesto
e operoso investigador das coisas de sua terra, à qual serviu com amor
de filho extremoso até que faleceu em começo de 1889, na cidade de
São José de Mipibu, se não há engano nas informações dc que dispomos.
Manuel Pinto de Castro: Era filho legítimo de Manuel Pinto de
Castro e D. Francisca Antônia Teixeira. Nasceu em Natal na última
metade do século XVIII.
Eram seus irmãos, todos, como ele, rio-grandcnscs:
Padre Miguel Joaquim de Almeida e Castro, uma das figuras mais
notáveis da revolução republicana de 1817, em Pernambuco;
Padre Inácio Pinto de Almeida Castro, que foi vigário dc Jaboatão,
cm Pernambuco, e representou aquela província nas Cortes Portuguesas
(vide, entre outros, M. E. Gomes de Carvalho, em Os Deputados Bra­
sileiros nos Cortes Gerais de 1S21, já cit.) e pela mesma foi eleito depu­
tado na legislatura de 1826 a 1S29, tomando assento apenas na primeira
sessão da referida legislatura, por haver falecido no intervalo desta para
a segunda;
Padre José Joaquim de Almeida CastTO;
. Francisco Pinheiro de Almeida Castro;
Joaquim Felício Pinto de Almeida Castro, que representou importante
papel nos acontecimentos políticos de 1824, em Pernambuco;
Damião Pinto de Castro;
D. Bonifácia Pinto Garcia dc Almeida;
D. Clara Joaquina de Almeida Castro.
Destas duas últimas, a primeira foi casada com Francisco Xavier
García, português, professor de gramática latina, em Natal (trataremos
de sua descendência quando nos ocuparmos do conselheiro Tomás Xavier
Garcia dc Almeida), e da última, que morava em Olinda com o seu
irmão Miguelinho, conhece-se um fato que bem mostra a sua resistência
moral e firmeza com que sabia enfrentar todos os obstáculos.
Preso o seu irmão querido, que pagou com a vida o seu amor à liber­
dade, foi ela também presa pouco depois, por suspeita de cumplicidade
no movimento revolucionário, e encerrada por muito tempo nos cárceres
do Recife.
Solta,, mais tarde, quis casar-se com o seu sobrinho Joaquim Felício
e não conseguiu obter a indispensável licença do bispo diocesano.
Isto, porém, não a impediu de realizar a desejada união. Por ocasião
dc uma missa conventual c quando era elevado o cálix, depois de consa­
grada a hóstia, levantaram-se ela e o seu noivo, declarando de público e
solenemente, diante de Deus e à face dos homens, que se consideravam
casados desde aquele momento.
Passados dias, seguiram para o Ceará, onde receberam as bênçãos e
viveram felizes e prosperamente durante muitos anos.
Não sabemos onde Manuel Pinto de Castro fez os seus estudos c
recebeu ordens sacras; mas antes de 1817 já o encontramos em Natal no
exercício de suas funções eclesiásticas, como coadjutor do vigário daquela
freguesia, onde viveu sempre, depois que a ela voltou ordenado.
Envolveu-se ativamente nas agitações políticas que precederam e se
seguiram à independência, tendo sido o presidente da junta que governou
a província de 18 de março de 1S22 a 24 de janeiro de 1824.
Depois disto, esteve ainda à frente da administração pública, na
qualidade de membro do conselho de província, de 4 a 24 de setembro
cie 1832 c de 8 de outubro do mesmo ano a 23 de janeiro de 1S33.
Fez parte da primeira assembléia provincial, na qual ocupou o cargo
de vice-presidente (o presidente foi o padre Francisco de Brito Guerra,
então deputado geral e depois senador do Império).
Desconhecemos a data exata do seu falecimento. Temos, porém,
elementos para acreditar que se deu entre 1837 e 1838.
Manuel Segundo Wanderley: Nasceu em Natal a 6 de abril de 1860,
sendo filho legítimo do Dr. Luís Carlos Lins Wanderley e D. Francisca
Carolina Uns Wanderley.
Médico, professor, jornalista, dramaturgo, comediógrafo, orador e
político, assinalou-se como homem de altíssimo valor em todos os campos
em que exerceu a sua atividade: mas foi sobretudo um grande poeta,
cuja memória será inesquecível em sua terra.
Dele escreveu Gotardo Neto — outro inspirado artista do verso, cedo
roubado às glórias que o futuro lhe reservava — (vide Segundo Wanderley
— Poesias — edição póstuma, publicada em 1910).
“Não desmereço, por certo a coima de plconástico afirmando que
Segundo Wanderley era um extraordinário intérprete das musas.
Bem poucos, de quantos no Brasil cultivam a seara da fantasia, fulgu-
raram jamais com preponderância melhor, com atributos de mais subido
preço e de mais sólida estimação.

345
A princípio, incrcparam-no de condorciro, como se essa escòla cris­
talizasse um defeito, não representasse um passado dc glórias inauditas,
cinzeladas no mármoic de rimas superiores, cuja fulgurância atravessa o
•crepúsculo das eras com a majestade perpétua de um astro sem ocidente.

A escola de Segundo não desaparece, porque foi a escola dos genios,


a amplitude onde se elevaram, em poderosos remígios, alguns dos mais
robustos condores do pensamento universal.
CastTo Alves há de ser eterno como o tempo.
As suas Espumas Flutuantes resplandecerão pelos séculos a dentro,
sempre à flor desse pélago misterioso onde se agitam as alegrias ou as
lágrimas humanas.

Falar do episódio intelectual de Segundo é lançar uma vista sobre a


poesia legítima de minha terra.
Ele dominou e comoveu tanto o coração patrício que mesmo o eclipse
da morte não ensombrou sequer a grandiosidade das suas conquistas.
Elas perduram e perdurarão, álacres e soberanas, como o espírito
altaneiro do poeta desaparecido.

Da sua alma encantadora borbotava o sentimento, como o cristal dos


arroios das entranhas misteriosas da natureza.
Tão vibrátil se mostrava o seu delicado temperamento que, muitas
vezes, nas horas luminosas do triunfo, as suas pálpebras resplandeciam de
lágrimas, em vez do semblante desabrochar-se em sorrisos.
Das Eras potiguares nenhuma conhecí nem conheço dc feitio c sono­
ridade mais belos.

Quem conhecia de perto a nobre personalidade dc que venho tra­


tando encantava-se, muitas vezes, da sua candidez espiritual, do seu
generoso desprendimento das comodidades terrenas.
Segundo Wanderley aparentava uma vida satisfeita que nos não
deixava perceber as suas amarguras secretas.
Sem condenar as vicissitudes que lhe embranqueceram prematura­
mente os cabelos, desferiría alto, espontaneamente, as suas endeixas, como
a estátua solitária da lenda, quando o sol se derramava pelo deserto
tèbano.
Há de ser perene a sua lembrança como o mármore glorificador da
posteridade. *;•
E se a sua existência foi impoluta e fulgurante, os séculos render-
lhe-ão o tributo mais invejável porque, como ele mesmo afirmou nas der­
radeiras linhas de um magnífico soneto:
“Não há manchas numa alma de alabastro .
"Não há poente para o sol da glória”.
Segundo Wanderley escreveu as seguintes obras: :
Publicadas: Estrelas Cadentes (versos), Miragens e Prismas (versos),
Revoltas Poéticas (versos), As Três Datas (cena dramática em versos
sobre o 7 de setembro, 13 de maio e 15 de novembro), Brasileiros c Por-
*
tugueses (drama histórico), Gôndolas (versos), Entre o céu e a terra
(fantasia), Poesias Completas; A Pulga (comédia), Manifestação Biripó-
tica (versos humorísticos), Amor e Ciúme (drama), A Providência (dra­
ma), Pela Verdade (panfleto de polêmica).
A publicar: Alberto ou a Glória do Artista (drama), A Louca da
Montanha (drama), ... E assim rola o mundo dc pernas para o ar (cena
cômica cm versos), Noiva em leilão (comédia), Natal em Camisa (re­
vista de costumes locais, Os Dramas da Seca (excertos de uma revista
fantástica, cm versos), A Rainha dos Bosques (fragmentos de uma re­
vista), Os Anjos do Claustro (drama infantil).
Faleceu em Natal a 14 de janeiro de 1909.
Miguel Joaquim de Almeida e Castro: Nasceu em Natal a 17 de
setembro de 1768, sendo seus pais Manuel Pinto de Castro c D. Francisca
Antônia Teixeira. â
Aos dezesseis anos, seguiu para o Recife, onde, em cumprimento de
voto feito por sua mãe, professou na ordem dos carmelitas, em 4 de
novembro de 1784, tomando o nome de frei Miguel dc São Bonifácio.
Daí o seu apelido de frei Miguelinho.
Fez depois uma viagem a Portugal, demorando-se em Lisboa, onde
frequentou os cursos c instituições científicas e literárias ali existentes,
aperfeiçoando os seus conhecimentos e estudos.
Durante sua permanência na Europa, solicitou e obteve da Santa
Sé o breve de secularização.
Regressou a Pernambuco em 1800 e, nesse mesmo ano, foi nomeado
professor de retórica do Seminário de Olinda, então fundado, pelo bispo
D. Azeredo Coutinho, a quem conhecera em Lisboa.
Um dos espíritos mais cultos do seu tempo, Miguelinho era fervoroso
adepto das idéias liberais; e para propagá-las, preparando o seu advento,

347
filiou-se às associações secretas que havia no Recife, sendo, pela ascen­
dência natural de sua inteligência, ilustração e virtudes, uni dos vultos
primaciais dessas associações, cm que se conspirava abertamente em
favor da Independência.
Realizado o movimento revolucionário de 1817, foi o secretário do
governo aclamado a 6 de março daquele ano e, como tal, o seu principal
colaborador.
Foi quem redigiu a proclamação em que o novo governo explicava
aos habitantes de Pernambuco as causas da revolução e as vantagens
que dela adviríam.
Fracassado o movimento, Miguelinho rctirou-se para Olinda, onde
residia em companhia de sua irmã D. Clara, que o recebeu em prantos.
"Mana, disse ele, nada de choros; estás órfã, tenho enchido os meus
dias, logo me vêm buscar para a morte; entrego-te à vontade de Deus,
nele terás um pai que não morre; mas aproveitemos a noite, imita-me;
ajuda-me a salvar a vida de milhares de desgraçados.”
E, com a irmã extremosa, ocupou-se durante a noite de 20 para 21
de maio a queimar todos os papéis e documentos que, como secretário
do governo, tinha em seu poder, papéis e documentos que, se apreendi­
dos pelos agentes da realeza, comprometeríam ou agravariam a sorte dos
seus companheiros e daqueles que haviam aderido à República.
Foi preso no dia imediato e transportado, com outros, para a Bahia
no brigue Carrasco.
A 10 de junho, compareceu à presença da comissão militar que devia
julgá-lo não articulando uma só palavra de defesa perante os seus cruéis
juizes.
O Conde dos Arcos, presidente da comissão, talvez no intuito de
inocentá-lo ou de atenuar a pena cm que incorrera, insinuou que ele
tinha inimigos e que era possível que estes houvessem contrafeito as suas
assinaturas nos papéis juntos ao processo.
Quebrou então pela primeira vez o silêncio que guardara, para de­
clarar:
"Não, senhor, não são contrafeitas; as minhas firmas nestes papéis
são todas autênticas e, por sinal, em um deles o O de Castro ficou metade
por acabar, porque faltou papel.”
E nada mais disse. No dia 11 era proferida a sentença que o con­
denava à morte; e, a 12, revestido da alva, corda ao pescoço, algemado,
pés descalços, cabeça descoberta, no meio de uma escolta de soldados,
foi conduzido ao Campo da Pólvora, na cidade da Bahia, sendo arca-
buzado.

348
Não tremeu diante de seus algozes e, abraçando-se ao estandarte
de sua fé, aceitou sem desfalecer a coroa do martírio.
É uma das figuras mais fulgurantes de nossa história, pela sua gran­
deza moral, sugestiva e simpática.
Miguel Ribeiro Dantas: Nasceu a 9 de março de 1799, cm São José
de Mipibu, onde foi depois abastado agricultor e onde faleceu a 19 de
junho de 1881.
Era agraciado com o título de barão dc Mipibu (decreto de 28 de
março de 1877), por auxílios prestados à causa da instrução.
Além deste, houve na província, durante o Império, mais três barões:
o do Ceará-Mirim, Manuel Varela do Nascimento, nascido em 1S05 e
falecido a 22 dc março de 18S1, o qual era agricultor no município que
deu o nome ao seu título, conferido em 22 de junho de 1S74, por haver
mandado construir c doado à província o edifício em que atualmente
funciona o Grupo Escolar Filipe Camarão; o do Açu, conselheiro Luís
Gonzaga de Brito Guerra, de quem já tratamos, e o de Serra Branca,
Filipe Neri de Carvalho e Silva (decreto dc 19 de agosto de 18SS),
agricultor e criador no município do Açu.
Nísia Floresta Brasileira Augusta: O seu nome de batismo era Dio-
nísia, sendo filha do Dr. Dionísio Pinto Lisboa c D. Antônia Clara Freire.
Nasceu no sítio Floresta, município de Papari, a 12 de outubro de
1S09. Ainda muito moça, casou-se com Manuel Alexandre Seabra de
Melo.
Aos 19 anos, mudou-se para o Recife e nunca mais voltou ao Rio
Grande do Norte. Esteve durante algum tempo no Rio Grande do Sul
c no Rio de Janeiro, onde se fez educadora.
Em 1848, realizou a sua primeira viagem à Europa, e aí se fixou
definitivamente depois do falecimento de sua mãe, ocorrido no Rio de
Janeiro em 1855.
Espírito superior, cintilante e rebelde, Nísia Floresta foi uma das
nossas mais brilhantes escritoras, afirmando Oliveira Lima (vide A Re­
pública, de Natal, de 28 de novembro de 1919) ter sido a mais notável
mulher de letras que o Brasil tem produzido, quer pela amplitude da
visão, quer pela suavidade do estilo.
O seu primeiro trabalho, impresso no Recife em 1S32 (teve uma
segunda edição em Porto Alegre) foi a tradução de um folheto de Miss
Godwin, Direito das mulheres e injustiças dos homens. A seguir, publicou:
Conselhos à minha filha (1842), Pensamentos (1S45), Daciz ou a jovem
completa (1847), A lágrima de um Caeté (1S49), Dedicação dc uma
amiga (1850), Opúsculo Humanitário (1S53), ltinerairc d*un voyage cn
AUemagne (1857), Scintille (Tuna anima brasiliana (1S59), Trois anos cn
Italic (1861), Abismos sobre flores (1864), etc.

349
Deixou inéditas as Inspirações maternas (versos) c as Memórias de
minha vida.
No Rio dc Janeiro, colaborou no Jornal do Commercio, Correio Mer­
cantil, Diário do Rio de Janeiro, Brasil Ilustrado, etc. e no estrangeiro
escreveu em várias revistas.
Entre elas, o Novo Mundo, de New York, que publicou no número
dc 23 dc maio de 1872 o seu retrato e biografia. Toda a obra literária *
de Nísia Floresta — cuja primeira produção revela as suas tendências
feministas c que, cm 1842, colocando-se acima dos preconceitos do seu
tempo, do seu país e do seu sexo, fazia conferências abolicionistas c
republicanas, pregando a emancipação dos escravos, a liberdade de cultos
e a federação das províncias — c opulenta de idéias liberais e aspirações
generosas; mas o que nela mais atrai c seduz c o seu entranhado e ex­
tremoso amor à Pátria distante, tão vivo e emocionante nas páginas
de seus livros que relembrá-lo, como fez Constâncio Alves, é sempre
uma terna homenagem à sua memória (vide Jornal do Commercio, do
Rio, de 21 de outubro de 1909):
“Tinha mais de quarenta anos quando foi ver de perto as velhas
civilizações, que já conhecia pela história e pela literatura.
Dessa existência dc emigrada voluntária, porém não satisfeita, deixou
memória em páginas vigorosas, nas quais se harmonizam a razão que
observa com serenidade e o entusiasmo que vibra com força juvenil.
Li-as, há tempos, com interesse; agora as reli com o mesmo prazer.
Nessas obras, que falam dc coisas estrangeiras, cm línguas estran­
geiras, palpita com intensidade uma alma brasileira, que leva a Pátria
por todos os caminhos da sua peregrinação.

Mas de uma vez encontrei a nossa intraduzível saudade cm período
francês, em frase italiana, e senti a doçura do encanto inesperado dc
rosto amigo perdido numa multidão de estranhos.

Essa saudade brasileira continuamente evoca paisagens longínquas


c familiares, e abre em panoramas da velha Itália e da velha Grécia
rasgões através dos quais entrevemos a orla branca da nossa costa, re-
brilhando sob o sussurro dos coqueiros e os montes da nossa baía magní­
fica, negros, no violáceo crepúsculo.
Contemplando o Mediterrâneo, diz a escritora, “eu pensava em outro
mar, mais vasto e mais majestoso, à beira do qual nasci e cresci e me
inspirei no murmúrio das vagas, sob o leque das altas palmeiras, embaixo
de mangueiras gigantescas ou de jaqueiras folhudas, aguadas pela brisa
vespertina, que me inebriava com o delicioso perfume trazido dos bosques
de laranjeiras, caneleiras e tantas outras árvores e flores odorantes que
perpetuamente coroam o meu querido Brasil”.

350
Esse amor ao torrão natal é tão profundo que, quando nessa Itália,
a que mais amou das pátrias alheias, encontra um trecho em que lhe
fosse grato viver (como Florença), ou lhe fosse doce descansar na vida
(como o Campo Santo de Pisa) não se esquece de notar — com patrio­
tismo jamais distraído por seduções exóticas — que a todas as terras do
inundo preferirá sempre, com veemência, para viver ou para morrer, r
terra sagrada da Pátria, que não cessa de ver, perenemente rutilante por
entre as neblinas de Paris ou os nevoeiros de Londres”.
Nísia Floresta faleceu cm Rouen (França), a 24 dc abril de 1SS5,
sendo sepultada no cemitério dc Bonsccours.
E o que consta das informações enviadas por sua filha única (D. Lí­
via Augusta Gadc, casada, residente na Europa) ao Congresso Literário,
de Natal, em 1909, quando o mesmo Congresso inaugurou na vila dc
Papari, a 12 de outubro daquele ano, um modesto monumento para
comemorar o centenário de seu nascimento, informações de que nos apro­
veitamos para indicar alguns dados que aí ficam.
Otaviano Cabral Raposo da Câmara: Natural do Açu, bacharel em
Direito pela Faculdade de Pernambuco, em 1S43.
Logo depois de formado, fixou residência em Natal. Manteve e re­
digiu O Nortista (1849-1851) e o Constitucional Nortista (1S51), em
companhia de seus irmãos, os Drs. Leocádio Cabral Raposo da Câmara,
também bacharéis, que concluíram o curso, o primeiro cm 1844 e o se­
gundo em 1847.
Os três foram os dirigentes do grupo chamado dos Cabrais, que por
muitos anos influiu na política nortista, depois conservadora, da província.
Enquanto vivo, coube a Otaviano, pelo seu valor, a chefia desse
grupo. Exerceu vários cargos de nomeação, e entre eles os de procurador
fiscal e inspetor da tesouraria, tendo sido deputado provincial de 1852 a
1871, com algumas interrupções, e governado a província, como vice-
presidente, em 1858 a 1870.
Deputado geral nas legislaturas de 1S53 a 1S56 e 1S69 a 1S72, quando
faleceu.
O Dr. Leocádio foi magistrado e o Dr. Jerônimo, conhecido pelo
apelido de Loló, sobreviveu aos dois irmãos, vindo a morrer já na Re­
pública, contando cerca de setenta anos (nasceu em 11 de janeiro de
1821 e faleceu a 24 de maio de 1900).
Desde 1872, porém, desaparecera a sua e a influência dos Cabrais.
Naquele ano, o Dr. Henrique Pereira de Lucena, então presidente, in­
clinou-se francamente para a fração do coronel Bonifácio Câmara, que
vivia em constantes dissídios com a dos Cabrais, e pouco depois, assu­
mindo a administração o Dr. Francisco Clementino de Vasconcelos Cha­
ves, vice-presidente, que apesar de contraparente, era desafeto pessoal

351
do Dr. Jeronimo, entrou este em declínio, suspendendo a publicação
d’O Constitucional, de sua propriedade, o qual teve vida efêmera (1872).^

Foi apenas deputado provincial duas vezes (anteriormente fora oito


vezes e ocupara vários cargos públicos).
Recolheu-se ’ao seu engenho no Ceará-Mirim, donde nos últimos
tempos, só saía em visita aos seus parentes de São Gonçalo, ou no exer­
cício da advocacia, profissão que adotara desde moço c que jamais aban­
donou.
Pedro Velho de Albuquerque Maranhão: Descendente de uma famí­
lia de largas tradições no Estado, a cuja história tem emprestado, desde
o tempo de capitania, o brilho de feitos memoráveis, Pedro Velho nasceu
em Natal a 27 de novembro de 1856, sendo filho legítimo do major
Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão c D. Feliciana Maria da Silva
c Albuquerque.
Estudou primeiras letras com o professor Antônio Ferreira de Olivei­
ra, seguindo depois para o Recife, onde, no Ginásio Pernambucano, ini­
ciou o seu curso secundário, concluído depois, com excepcional distinção,
no Colégio Abílio, da Bahia, dirigido pelo benemérito educador que foi
mais tarde agraciado com o título de barão de Macaúbas.
Matriculou-sc cm 1873 na Faculdade dc Medicina daquela cidade.
Foi, porem, obrigado a interromper os seus estudos cm consequência
de pertinaz enfermidade de que só sc restabeleceu na Europa, para onde
seguira a conselho médico e onde se demorou mais de um ano.
Dc volta, continuou o seu curso acadêmico no Rio de Janeiro, re­
cebendo o grau de doutor cm 4 de abril dc 1881.
Casando-se a 27 do mesmo mês e ano com D. Petronilha Florinda
Pedrosa, regressou logo em seguida à antiga província permanecendo al­
guns meses em São José de Mipibu.
Mudou-se depois, ainda em 18S1, para Natal, onde residiu até morrer.
Aí dcdicou-se à clínica e ao magistério, abrindo um notável estabe­
lecimento de ensino, o Ginásio Rio-Grandense, e conquistando em con­
curso a cadeira de História do Ateneu.
Entregue ao estudo e aos labores profissionais, conservou-se afastado
dos dois partidos monárquicos, sempre fiel às suas crenças democráticas.
Foi na última Tase do movimento cm favor da emancipação dos
escravos que iniciou triunfalmente a sua carreira política, tomando-sc o
chefe intemerato da propaganda, que fazia pela imprensa, em companhia
de abnegados correligionários, e pela tribuna, em excursões sucessivas
aos lugares do interior, emancipados, às vezes, de chofre, ao efeito dc
sua palavra inspirada e fulgurante.

352
‘ Ganha a vitória abolicionista, empreendeu sem hesitações a evange-
lização republicana, fundando cm Natal o novo partido e o seu órgão —
A República — em cujas colunas evidenciou então, em toda a sua força
e vigor, a ductilidadc extraordinária de seu espírito, fazendo acrescer à
sua justa fama dc orador a de jornalista primoroso e polemista temível.

Proclamado o atual regímen, foi o primeiro governador provisória


do Estado, e, com aplausos de seus conterrâneos, e apoio dos mais gra­
duados representantes dos extintos partidos, o chefe da situação política
que se inaugurava.
Deputado à Constituinte (não pôde ser senador por falta dc idade)
c à primeira legislatura, perdeu o mandato por haver sido eleito gover­
nador, cargo que assumiu em 28 dc fevereiro de 1892 c ocupou ate 25
de março de 1896.
Voltou à Câmara dos Deputados nesse mesmo ano, na vaga que se
abriu pela morte de Junqueira Aires.
Em 1897, passou para o Senado na renovação do terço, lendo sido
reeleito em 1906.
Com Pedro Velho deu-sc o inverso do que sucede, cm geral, com
os homens políticos.
Tais eram o seu lato e o seu descortino, tão acentuada a sua supe­
rioridade empolgante e dominadora, que o seu prestígio, depois que
deixou o governo do Estado, foi sempre em aumento e, por fim, se radi­
cou tão extensamente que naç Jiá exagero em dizer que ele exercia ali
uma verdadeira ditadura moral. J
Mas não foi somente em sua terra que influiu na direção das coisas
públicas.
Teve também opinião, algumas vezes preponderante, nos altos con­
selhos da política nacional, o que indica que não se limitou a ser o orga­
nizador incomparável do Rio Grande do Norte como Estado autônomo.
Foi além, individualizando-o e dando-lhe relevo como força eficiente
no seio da Federação.
E isto basta para atestar a sua alta capacidade dirigente.
Faleceu em 9 de dezembro de 1907, no porto do Recife, a bordo do
vapor Brasil, prestes a seguir viagem para o Rio de Janeiro.
Eram 6 horas e 15 minutos da tarde. Desembarcado o seu corpo, foi
embalsamado e transportado para Natal, pela Great Wester^ sendo sepul­
tado no cemitério local.
A sua memória c cultuada com veneração e respeito em todo o Estado.

353
) :

í fíafoel Arcanjo Goltíío: Filho legítimo do alferes José Lopes Calváo


e D. Josefa Maria de Jesus Cnlvão.
Nasceu na cidade dc Natal cm 1911 c fnlccou no Bíq do Janeiro a s
de abril de 1882.
Tinha o título de conselho e era comendador da Ordem da Rosa c
da de Cristo, sendo agraciado com a medalha da campanha do Paraguai.
Aos 14 anos de idade iniciou a sua carreira de funcionário público na
secretaria do governo da província, passando depois para a tesouraria
geral da fazenda.
Exerceu, entre outros, os cargos de inspetor das tesourarias dc Sergipe
c Rio Grande do Sul, escrivão da alfândega do Rio de Janeiro, contador do
tesouro, diretor geral da contabilidade e presidente do tribunal do tesouro,
na ausência do ministro.
Antes de ausentar-se de sua terra, foi político militante, tendo feito
parle da redação d’O Natalensc, em 1S32 c 1833, e da assembléia provin­
cial nos biênios de 1838-1839, 1S40-1841 e 1S42-1843-
Em Sergipe foi investido uma vez de igual mandato de deputado
provincial.
Publicou alguns trabalhos sobre serviços que dirigiu.
O seu filho, de igual nome, nascido em Natal a 10 de junho de 1S36
c formado em engenharia civil, foi um profissional distintíssimo, que ligou
o seu nome a algumas das mais importantes obras públicas de nosso País:
reconstrução da alfândega do Rio de Janeiro, construção da de Santos,
projeto do porto de Pernambuco, memória sobre abastecimento d’água ao
Rio de Janeiro, construção de estradas de ferro na Bahia, etc. (vide Sacra­
mento Blake, op. cit.).
Faleceu no Rio de Janeiro a 24 de junho de 1S88.
Tarquínio Bráulio dc Sousa Amaranto: Nasceu em Papari a 20 de
julho de 1829 c era filho legítimo de Francisco José de Melo e Sousa (te­
nente do exército) e D. Ana Melo e Sousa.
Fez o curso dc direito na Faculdade do Recife, onde bacharelou-se cm
3 de dezembro de 1857 e recebeu o grau de doutor em 12 dc julho de 1859.
Ao concurso em que entrou para lente da mesma faculdade assistiu
o Imperador, que então se achava em visita às províncias do Norte.
Foi nomeado lente em 12 de maio de 1860. Conhecia profundamente
o direito eclesiástico e o direito civil, cadeiras que professou com grande
competência na referida faculdade, de que foi mestre ilustre, como também
foram os seus irmãos, nascidos na Paraíba, Drs. Braz Florentino de Sousa
e José Soriano de Sousa, este já na República e aquele seu contemporâneo.

354
Ainda acadêmico, foi lente de filosofia do Ateneu Norte-Rio-Grandense
e depois de formado foi promotor de Natal.
Fez parte da assembléia provincial no biênio dc 1858-1859, e repre­
sentou o atual Estado na Câmara dos Deputados dc 1873 a 1S77, 1882 a
18S5, 1886 a 18S9.
Por duas vezes figurou em listas tríplices para o’ Senado: em 1869,
quando foi escolhido Francisco de Sales Torres Homem, visconde de Inho-
mirim, e em 1876. na eleição cm que foi escolhido Diogo Velho Cavalcanti
dc Albuquerque, visconde de Cavalcanti.
Sendo, como toda sua família, muitíssimo religioso teve papel de
grande destaque durante a questão religiosa, quando foram presos os bis­
pos dc Pernambuco e do Pará.
Era, nos último» anos do Império, o chefe conservador de maior
prestígio da província c aceitou sem protesto as novas instituições.
Abstcve-se, porém, de intervir daí em diante nas agitações partidá­
rias do Estado, abandonando de vez a política, na qual foi sempre um
moderado, por temperamento e por educação.
Faleceu no Rio de Janeiro a 29 de agosto de 1894.
Tomás de Araújo Pereira: Nasceu no município dc Acari em 1765 e
ali faleceu em 1S47.
Foi, após a Independência, o primeiro presidente nomeado para o Rio
Grande do Norte, na conformidade da lei de 20 de outubro de 1823.
Governou de 5 de maio a 8 de setembro de 1S24, tendo, como já vimos
em outra parte, uma administração tormentosa.
Anteriormente fizera parte da junta eleita em 18 de março de 1822,
cujo governo se prolongou até 24 de janeiro de 1S24.
Homem inteligente, embora sem letras, e dispondo de avultada for­
tuna, gozou dc larga influência política e pessoal na zona do Seridó.
Tomás Xaiver Garcia de Almeida: Nasceu a 14 de junho de 1792, na
cidade dc Natal, sendo seus pais Francisco Xavier Garcia e D. Bonifácia
Pinto Garcia de Almeida (vide o que escrevemos sobre o padre Manuel
Pinto de Castro).
Nasceram como ele naquela cidade e eram seus irmãos:
José Xavier Garcia de Almeida, engenheiro militar, que atingiu ao
posto de brigadeiro e que, ainda coronel, representou o Rio Grande do
Norte na Assembléia Geral durante a legislatura de 1S57 a 1S60.
Antônio Xavier Garcia de Almeida, padre, que foi cônego honorário
e pregador da Capela Imperial, lente de filosofia do Ateneu Norte-Rio-

355
Grandense, vice-presidente da província c deputado provincial nas legisla­
turas de 1S35-1837» 1S3S-1&39 e 1S4O-1S41.
Joaquim Xavier Garcia dc Almeida, que depois dc ter figurado nas
agitações políticas da província, nos seus primeiros tempos, e de ter sido
deputado, na primeira legislatura da assembléia provincial, entrou para o
quadro dos funcionários de fazenda e depois para a secretaria do Impcrio,
onde exerceu o cargo de oficial maior e veio a falecer.

Tomás Xavier era formado cm direito, tendo feito o seu curso em


Coimbra, onde recebeu o grau de bacharel cm 1818.
Voltando ao Brasil, foi nomeado auditor de guerra no Recife e pouco
depois, a 22 de janeiro de 1822, juiz de fora da mesma cidade.
Na qualidade dc suplente do deputado Francisco de Arruda Câmara,
que não compareceu às sessões, tomou assento na Constituinte de 1823,
como representante do Rio Grande do Norte.
Dissolvida aquela assembléia, regressou a Pernambuco, reassumindo
o exercício de suas funções de juiz, e ali se achava quando rebentou o mo­
vimento de 1824, a que não aderiu.
Não só não aceitou, como combateu de armas na mão, incorporando-se
às colunas realistas que o debelaram (Revista do Instituto Histórico,
tomo 33).
Vencidos os revolucionários, fez parle da comissão militar que os
devia julgar, cabendo-lhe, no caráter de juiz relator, lavrar as sentenças
que condenaram à morte frei Caneca, e outros patriotas implicados naquele
movimento, que passou à história com o nome de Confederação do Equa­
dor.
Um desses implicados, o Dr. José da Natividade Saldanha, que fugira
para o estrangeiro e que, à revelia, fora condenado à morte, remeteu-lhe
esta curiosa procuração (vide a biografia de Natividade Saldanha, entre
outros, em Pereira da Costa, Dicionário Biográfico dc Pernambucanos
Célebres):
"Pela presente procuração, por mim feita c assinada, constituo por meu
bastante procurador na província de Pernambuco ao meu colega o doutor
Tomás Xavier Garcia de Almeida, para em tudo cumprir a pena que me
for imposta pela comissão militar, podendo até morrer enforcado, para o
que lhe outorgo os poderes que por lei me são conferidos.

Caracas, 3 de agosto de 1825. José da Natividade Saldanha."

Como magistrado, a carreira de Tomás Xavier foi rápida e brilhan­


tíssima, conseguindo chegar, em 13 de maio de 1846, e sendo já desem­
bargador da Relação da Bahia, ao grau mais elevado da hierarquia judiciá-

356
ria dó país, o cargo de ministro do Supremo Tribunal de Justiça, no qual
se aposentou depois de completar 70 anos de idade.
Não sucedeu o mesmo em relação à sua carreira política: não lhe foi
possível entrar, como tanto desejava, para o Senado do Império.
Por quatro vezes foi contemplado cm listas tríplices sem lograr ser
escolhido: em 1S37, quando foi escolhido o padre Francisco de Brito
Guerra (Rio Grande do Norte); em 1843, quando foi escolhido o visconde
de Macaé, José Carlos Pereira de Almeida Torres (Bahia); em 1845,
quando foi escolhido Antônio Carlos Ribeiro de Andrade Machado e Silva
(Pernambuco); e em 1S50, quando foi escolhido D. Manuel de Assis Mas­
carenhas (Rio Grande do Norte).

Foi deputado geral por Pernambuco de 1826 a 1829 e pela Bahia de


1842 a 1844; e presidente das seguintes províncias:
São Paulo, de 19 de dezembro de 1827 a 8 dc abril dc 1S28;
Pernambuco, de 24 de dezembro de 1828 a 15 de fevereiro de 1830;
Bahia, dc 26 de abril dc 1838 a 16 de dezembro de 1840; e
Pernambuco (segunda vez), de 9 de outubro de 1844 a 5 de junho
de 1S45.
Tinha o título de conselho por carta de 2 de agosto de 1S41, sendo con­
decorado com a dignitaria da Ordem do Cruzeiro e com a comenda de
Cristo, em 6 de maio e 20 de outubro de 1829.
Fez parte do Instituto Histórico Brasileiro desde a sua fundação (vide
o seu elogio feito por Taunay cm sessão dc 5 de dezembro de 1870. Revista
do Instituto Histórico, tomo 33, cit.).

O nome do conselheiro Tomás Xavier nunca foi popular e querido


no Rio Grande do Norte: não Lhe perdoaram ter sido o juiz relator da
comissão militar que condenou os revolucionários de 1S24, poucos anos
após a morte de seu tio Miguelinho, sacrificado como eles, cm glorioso
martírio, pelo seu amor à liberdade.
Faleceu no Rio de Janeiro a 11 de janeiro de 1870.
Ulisses Olegário Lins Caldas: Era filho legítimo do alferes Francisco
Justiniano Lins Caldas e D. Maria Gorgonba de Holanda Wanderley,
tendo nascido na cidade do Açu aos 5 de maio de 1846.
Moço, entusiasta, impulsionado por nobres aspirações de glória e
ardente patriotismo, foi dos primeiros que acorreram a se alistar como
voluntário da Pátria quando foi declarada a guerra entre o Brasil e o Pa­
raguai.

357
Assentou praça em 17 de março de 1865 e faleceu, nas avançadas de
Curuzu, a 7 de novembro de 1866, no posto de tenente, contando pouco
mais de vinte anos dc idade e menos de dois como soldado.
Deixou, entretanto, um nome e uma tradição de heroísmo que não
morrerão jamais.
Era um bravo. E demonstrou-o logo no primeiro combate cm que se
envolveu, quando, após a explosão de uma mina e vendo dispersos os
membros mutilados de companheiros mortos ao seu lado, gritou aos sobre­
viventes, num lance de indômila coragem, “avança, camaradasl ainda c
vivo Ulisscsl”, e toma, ele mesmo, à ponta da espada e por entre um
chuveiro de balas, duas peças de artilharia ao inimigo, sendo, do corpo
a que pertencia, o primeiro que galgou as suas trincheiras.
Este feito valeu-lhe ser condecorado com o hábito de cavaleiro da
Ordem Imperial do Cruzeiro; e, depois dele, tantos foram os seus atos
dc valor que, ao falecer, a sua fc dc ofício oferecia, pelo número dc elo­
gios que continha, um verdadeiro contraste com a rapidez de sua carreira
militar.
No Estado, e cspecialmente na terra em que nasceu, a sua memória
é e será sempre relembrada com admiração c saudade.
ÍNDICE

pár.
Agradecimento ......................................................................................... 3
Prefácio...................................................................................................... 5
Ao Leitor ................................................................................................... 9
A Conquista da Capitania .................................................................... 11
A colonização da Capitania ate a ocupação holandesa...................... 27
Domínio holandês ................................................................................... 43
Início do povoamento dos sertõese revolta dos índios........................ 96
A Capitania durante o século XVIII......................................................... 125
Primeiros anos do século XIX — Movimento republicano de 1817 —
Restauração monárquica.................................................................... 165
Acontecimentos qué precederam e se seguiram à Independência.
Juntas Governativas — Confederação do Equador — Posse e
governo do primeiro Presidente.......................................... 205
A Província ............................................................................................... 229
x Período republicano até a organização do Estado................................ 253
Governos da Província e do Estado — Representação — Freguesias —
Municípios — Comarcas — Receita e Despesa........ ................... 272
Ligeiros traços biográficos de cinquenta rio-grandenses ilustres, fale­
cidos antes de 1910............................................................................ 307

359
1
NOTA

As últimas provas deste trabalho não foram revistas pelo autor, sendo
possível que tenham escapado alguns erros c enganos. As correções que
se tornarem necessárias serão feitas no Dicionário do Instituto Histórico
Brasileiro, para o qual foi escrito.

npnt História - NEH


aJÍrvo bíbliografico 361
do norte

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