A Desconstrução Do Valor Constitucional Do Trabalho Digno
A Desconstrução Do Valor Constitucional Do Trabalho Digno
A Desconstrução Do Valor Constitucional Do Trabalho Digno
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CONTENTS: 1 Introduction • 2 The precariousness of the value of the fundamental right of work
• 3 The various strategies used for non-compliance with constitutional statutes • 4 Conclusion
• 5 References.
ABSTRACT: The present study intends to examine changes that have occurred and
are ongoing in labor relations in Brazil and the lack of application of fundamental
constitutional rights with regard to work value. It starts with an analysis of the
new context in which the worker is inserted, the processes of reductionism
applied to new forms of work provision through the so-called new technologies.
Afterwards, in a legal analysis, non-compliance was demonstrated in the practice of
the fundamental and social rights declared in the federal constitution, presenting
mainly positions of the Federal Supreme Court on the matter, as well as the
lack of alignment with the federal constitution. As a result, it was demonstrated
that the Brazilian State, whether in the legislative process or when acting as
State-judge, has been conducting its actions to meet developmental economic
interests, finalistically deconstituting the value of work. The deductive method
was adopted, while analysing concrete cases, in a multidisciplinary study, in order
to build a critical analysis.
RESUMEN: El presente estudio tiene como objetivo examinar los cambios ocurridos
y en curso en las relaciones laborales en Brasil, como la falta de aplicación de
los derechos constitucionales fundamentales en relación con el valor trabajo. Se
inició con un análisis del nuevo contexto en el que se inserta el trabajador, los
procesos de reduccionismo aplicados a las nuevas formas de prestación laboral, por
medio de las denominadas nuevas tecnologías. Posteriormente, en un análisis
jurídico por excelencia, se demostró el incumplimiento en la práctica de los derechos
fundamentales y sociales declarados en la constitución federal, presentando
principalmente posiciones del Supremo Tribunal Federal sobre la materia, así
como la falta de sintonía con la constitución federal. Como resultado, se demostró
que el Estado brasileño, ya sea en el proceso legislativo o en su actuación como
Estado-juez, viene conduciendo sus acciones al servicio de intereses económicos
desarrollistas, desconstituyendo de manera finalista el valor trabajo. Se adoptó el
método deductivo, con análisis de casos concretos, en un estudio multidisciplinario,
para construir un análisis crítico.
1 Introdução
É sabido que, mesmo com as mudanças que diariamente ocorrem nas relações
de trabalho, é irrefutável a afirmativa de que constitucionalmente o direito ao
trabalho está relacionado à dignidade da pessoa humana enquanto um fim,
sendo vedado o retrocesso social, principalmente por considerar a necessária
estudo, será dada maior relevância ao segundo aspecto, melhor dizendo, ao não
cumprimento do dever prestacional por parte do Estado, associado às variações
interpretativas reducionistas exaradas pelo Poder Judiciário (leia-se Supremo
Tribunal Federal principalmente).
TST na Súmula 85, item V (Brasil, 2016), enunciado segundo o qual a compensação de
jornada na modalidade banco de horas apenas poderia ser instituída via negociação
coletiva. Será lícita, do mesmo modo, a compensação mensal de jornada por acordo
individual, inclusive o tácito, em dissonância com o item I do enunciado da Súmula
85, que exige a forma escrita (Oliveira; Figueiredo, 2017, p. 107).
Servindo os casos acima como meramente exemplificativos, o legislador
infraconstitucional, na aprovação do texto da reforma trabalhista de 2017,
restringiu-se apenas a examinar se estaria ou não havendo um desacordo
literal, expresso entre o novo texto originário da reforma e a Constituição federal,
detendo-se a uma mera interpretação literal das propostas, sem ater-se que o que
estava sendo violado eram direitos fundamentais, em especial sob o ponto de
vista finalístico dos direitos fundamentais.
Concernente à questão do acordado sobre o legislado (artigo 444 da CLT) (Brasil,
1943), a Constituição federal de 1988 adotou os princípios justrabalhistas de paz social,
igualdade nas negociações, liberdade de organização, proteção dos hipossuficientes
e irrenunciabilidade de direitos, garantindo a base de atuação para o exercício da
autonomia coletiva (Brasil, 1988). Ao Estado, emanado pelos princípios descritos,
coube a presença institucional de garantia de tais parâmetros constitucionais.
Destarte, Araújo (2003, p. 187) aponta que, à medida que o Estado criou normas
de direitos sociais inabdicáveis, relacionados à saúde, segurança e dignidade do
trabalhador, manteve-se no ordenamento jurídico justrabalhista um parâmetro de
equilíbrio para evitar que o empregador prive o empregado de seus direitos.
Um dos encargos que cria efeito indispensável no conflito entre capital e
trabalho, e merece a devida ressalva como forma de análise mais profunda, é o
respeito à vedação do retrocesso social. Isso porque se deve ter em mente que
os direitos fundamentais garantidos minimamente ao trabalho convergem para a
valorização da dignidade da pessoa humana.
Nesse passo, nos ensinamentos de Sarlet (2008, p. 67-72), defende-se que os
direitos fundamentais se inserem nas Constituições não apenas formalmente, mas
atingem o núcleo da formação do Estado, direcionando as aspirações valorativas
que o Estado busca na sua legitimação de poder.
A vedação do retrocesso social impede que haja no ordenamento jurídico o
declínio de direitos já conquistados, garantindo-se uma segurança jurídica de
patamar civilizatório.
Sobre o mesmo tema, para Ribeiro (2017, p. 114), a vedação do retrocesso social
se traduz pela eficiência criada pelas legitimidades de normas constitucionais, que
garantem mais vantagens e menos sacrifícios ao conjunto social.
Nesse sentido, o propósito é evitar que agendas políticas fragmentárias ou
ocasionais imponham, por circunstâncias particulares ou por atuação de maiorias
fortuitas, valores ao corpo social, em detrimento do avanço civilizacional alcançado
por essa mesma comunidade. A não ser assim, a própria atividade legiferante
poderia constituir-se em fator de instabilidade e de retrocesso social, ou
mesmo poderia converter-se em elemento de retirada de eficácia das prescrições
constitucionais que tutelam determinadas classes de direitos, ainda quando
as normas legais implementadas não incorressem em inconstitucionalidades
flagrantes (Ribeiro, 2017, p. 115).
Para que se evite o abuso ou transgressão dos preceitos constitucionais, Delgado
(2001, p. 97) academicamente construiu duas categorias de direitos indisponíveis: os
chamados de caráter absoluto e os de caráter relativo. A primeira categoria, possui
como base a dignidade da pessoa humana e a valorização do trabalho humano,
abarcando direitos garantidos que não possuem o condão de serem discutidos,
tendo condição de interesse público. Já a segunda classe, é descrita pelo autor como
garantias individualmente postas, sobre as quais é autorizada a discussão através de
lei heterônoma ou conveniência entre as partes, uma vez que não revestem o âmbito
do interesse público.
Não obstante, essa forma teoricamente encontrada de discussão indica um juízo
que pode caminhar para a subjetividade em sua distinção, capaz de ser modificado
ao sabor dos interesses políticos do momento, desprovido de uma consistência que
garanta ao valor trabalho humano a sua realização finalística.
Saber aquilo que é ou não disponível está ligado diretamente à garantia
de um patamar de igualdade nas discussões das negociações coletivas, que
deve ser acompanhada de limites estabelecidos pelo Estado Democrático de Direito,
tendo em vista que os conflitos entre capital e trabalho continuam ocorrendo,
porém, em uma maior intensidade do que a vivida no século passado, principalmente
em consequência das sucessivas mudanças operandas a partir das variadas formas
de prestação de trabalho.
Contudo, tais mudanças legislativas não são suficientes em si mesmas:
dependem da aprovação do Estado Juiz para que ganhem efetividade por meio de
uma interpretação reducionista da norma jurídica.
Ainda que não se tratem de decisões que de fato aplicaram no todo a Constituição
federal no que diz respeito à proteção do valor trabalho, aproximou-se mais de
uma interpretação segundo a Constituição, do que a última decisão do STF (Brasil,
2021) sobre a mesma matéria, que de forma direta, deu guarida ao texto da reforma
trabalhista de 2017 (artigo 477-A da CLT), que, em termos de dispensa, igualou a
demissão coletiva com as demissões individuais e/ou plúrimas (Brasil, 1943).
Nesse sentido é que se tornou possível afirmar que o STF validou a cláusula
inconstitucional da reforma trabalhista (artigo 477-A da CLT) no que se refere à
dispensa em massa, estabelecendo a desnecessidade de qualquer tipo de negociação
coletiva, mesmo em se tratando de uma demissão coletiva.
Da mesma forma, o STF contrariou o princípio da liberdade sindical, contido
no artigo 8o da Constituição federal, que é um direito fundamental, considerando
que por liberdade sindical entende-se o direito de representação sindical e o de
ação sindical, exteriorizados pela negociação coletiva. Ademais, houve violação à
Convenção no 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu artigo
4o, que resumidamente, estabeleceu o “pleno desenvolvimento e utilização de
mecanismos de negociação coletiva” (Brasil, 1949).
Um terceiro exemplo de exteriorização de decisões do STF contrárias à
Constituição federal, lembrando que não se trata de um elenco taxativo, diz respeito
à aplicação da norma do artigo 611-A da CLT, que se refere ao negociado sobre o
legislado. O Supremo Tribunal Federal (STF), na sessão do dia 2 de junho de 2022,
decidiu que acordos ou convenções coletivas de trabalho que limitam ou suprimem
direitos trabalhistas são válidas, desde que seja assegurado um patamar civilizatório
mínimo ao trabalhador. Por maioria de votos, o colegiado deu provimento ao Recurso
Extraordinário com Agravo (ARE) 1121633, com repercussão geral reconhecida
(Tema 1.046) (Brasil, 2018).
O Recurso Extraordinário questionava decisão do Tribunal Superior do Trabalho
(TST) que havia afastado a aplicação de norma coletiva que previa o fornecimento,
pela Mineração Serra Grande S.A., de Goiás, de transporte para deslocamento dos
empregados ao trabalho e a supressão do pagamento do tempo de percurso (Brasil,
2018). No recurso, a mineradora sustentava que, ao negar validade à cláusula, o TST
teria ultrapassado o princípio constitucional da prevalência da negociação coletiva
(Brasil, 2018).
Ficou mantido, no julgamento, o voto do ministro Gilmar Mendes (relator) pela
procedência do recurso, o qual “afirmou que a jurisprudência do STF reconhece a
concreta, real e não apenas abstrata. Apesar de ser uma expressão própria dos direitos
fundamentais, o STF difere na utilização dada à mesma expressão, considerando que
a Corte trilhou as linhas condutoras do neoliberalismo e não a proteção à dignidade
do trabalhador.
Com a recente decisão, o STF trouxe para si a legitimidade de dizer o que é ou não
absolutamente negociável, independente do vetor constitucional e especialmente
da condição de direito fundamental atribuído ao valor trabalho, contribuindo assim
o Estado Juiz para o não cumprimento da Constituição (Brasil, 2018).
Outra decisão do STF que pode ser citada nessa mesma linha refere-se ao tema
assistência judiciária. Em outubro de 2021, a Corte tomou, em síntese, a seguinte
decisão: declarou inconstitucional o artigo 790-B da CLT (caput e parágrafo 4o) (Brasil,
2002), que responsabilizava a parte vencida pelo pagamento de honorários periciais,
ainda que beneficiária da justiça gratuita. Similarmente, o artigo 791-A, parágrafo 4o,
da CLT, tornou devidos os honorários advocatícios de sucumbência ainda que a parte
vencida fosse beneficiário de justiça gratuita (ADI no 5766) (Brasil, 2022).
A reforma trabalhista de 2017 (Lei no 13.467, de 2017), criou regras próprias para
o processo trabalhista, em especial no que diz respeito à concessão da assistência
judiciária gratuita (Brasil, 2017). Quando concedida, diferentemente do processo
civil, condenava o beneficiário da gratuidade no pagamento de sucumbência e
honorários periciais, despontando como uma grave contrariedade ao princípio do
acesso à justiça, especialmente no que se refere ao processo trabalhista, que possui
como princípio da máxima importância, tratar no plano processual o empregado em
situação de inferioridade em relação ao empregador.
Quando da decisão tomada pelo STF, parecia que o erro havia sido sanado,
pelo menos no que dizia respeito aos efeitos que seriam produzidos ao beneficiário
da assistência judiciária gratuita. No entanto, quando da publicação da decisão, no
ano de 2022, após passar por realinhamento em face de embargos de declaração,
o Tribunal Superior do Trabalho traduziu de forma clara e objetiva a interpretação
dada pelo STF sobre os limites da decisão tomada na ADI no 5766, valendo aqui
transcrever como ficou a decisão após a propositura de embargos declaratórios
contra a mesma (Brasil, 2022):
4 Conclusão
Do estudo apresentado, percebeu-se que é possível identificar nos novos
processos de produção, amparados em um forte emprego da moderna tecnologia,
uma perda material do valor trabalho, muito embora devesse ser mantido em face da
5 Referências
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