Psicanalise

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tópicos específicos da psicologia da Gestalt e discute a diferença de abordagem desses

problemas
entre os gestaltistas e os comportamentalistas.
O’Neil, W. M. e Landauer, A. A., “The phi phenomenon: Turning point or rallying point?”,
Journal of the History of the Behavioral Sciences, n 2, pp. 335-340, 1966. Discute o termo
“fenômeno phi” e descreve interpretações errôneas que têm surgido desde que Wertheimer
publicou as suas desco bertas a respeito desse tópico.
Sokal, M. M., “The Gestalt psychologists in behaviorist America”, American Historicai
Review, n 89,
pp. 1.240-1.263, 1984. Analisa a expansão do movimento gestaltista nos Estados Unidos e
sugere
que a psicologia americana foi mais receptiva a ele do que admitem muitos historiadores.
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A Psicanálise: Primórdios
Introdução
Influências Antecedentes sobre a Psicanálise
Teorias do Inconsciente
A Psicopatologia
A Influência de Darwin
Outras Fontes de Influência
Sigmund Freud (1856-1939) e o Desenvolvimento da Psicanálise
A Psicanálise como Método de Tratamento
O Método de Pesquisa de Freud
A Psicanálise como Sistema da Personalidade Os Instintos
Os Aspectos Conscientes e Inconscientes da Personalidade
Introdução
A Ansiedade
Os Estágios Psicossexuais do Desenvolvimento da Personalidade
Reprodução de Texto Original sobre a Psicanálise: Trecho de An Outline of
Psychoanalysis, de Sigmund Freud
O Mecanismo e o Determinismo no Sistema de Freud
As Relações entre a Psicanálise e a Psicologia
Críticas à Psicanálise
A Validação Científica de Conceitos Psicanalíticos
Contribuições da Psicanálise
O termo psicanálise e o nome Sigmund Freud são reconhecidos em todo o mundo. Outras
figuras proeminentes na história da psicologia, como Fechner, Wundt e Titchener, são
pouco conhecidas fora dos círculos profissionais de psicologia, mas Freud continua a ter
uma fenomenal popularidade entre o público leigo. Mais de quarenta anos depois da morte
de Freud, a revista Newsweek observou que suas idéias se tornaram tão penetrantes que
“seria difícil imaginar o pensamento do século XX sem ele” (30 de novembro de 1981).
Concorde mos ou não com suas teorias, não se pode negar o impacto de sua obra. Ele é um
dos membros do pequeno grupo de indivíduos que foram fundamentais na história da
civilização ao modifi carem a maneira como pensamos a nosso próprio respeito.
Em termos cronológicos, a psicanálise se entrecruza com as outras escolas de pensa mento
psicológico de que nos ocupamos. Consideremos a situação em 1895, ano em que Freud
publicou seu primeiro livro, marcando o começo formal do seu novo movimento. Naquele
ano, Wundt tinha sessenta e três anos. Titchener, com apenas vinte e oito, só
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estava em Comeu há dois anos e começava a desenvolver seu sistema de psicologia
estrutural. O espírito do funcionalismo começava a se desenvolver nos Estados Unidos, mas
ainda não se formalizara em escola. Nem o comportamentalismo nem a psicologia da
Gestalt tinham começado: Watson tinha dezessete anos e Wertheimer, quinze.
E, no entanto, à época do falecimento de Freud, em 1939, todo o mundo psicológico se
modificara. A psicologia wundtiana, o estruturalismo e o funcionalismo eram história. A
psico logia da Gestalt estava sendo transplantada da Alemanha para os Estados Unidos, e o
compor tamentalismo se tornara a forma dominante de psicologia americana. Freud
alcançara proemi nência internacional, mas sua posição já estava se partindo em subescolas
e movimentos derivativos.
O relacionamento entre a psicanálise freudiana e as outras escolas de pensamento em
psicologia foi apenas temporal. Não havia vínculos substantivos, quer em termos de concor
dância ou de dissidência, entre Freud e os outros fundadores no campo da psicologia. As
outras escolas deviam seu impulso e forma a Wundt, quer desenvolvendo-se a partir de sua
obra, como foi o caso do estruturalismo e do funcionalismo, quer se revoltando contra ela,
como ocorreu com o comportamentalismo e a psicologia da Gestalt. A psicanálise, em
contraste, não tinha vínculo direto com esses movimentos evolutivos e revolucionários,
pois não surgira no âmbito da psicologia acadêmica. O estudo freudiano da personalidade
humana e dos seus distúrbios estava bem afastado da psicologia do laboratório
universitário.
Apesar de suas discordâncias fundamentais, os outros sistemas de pensamento tinham um
legado acadêmico comum. Seus conceitos e métodos básicos tinham sido formados e
aprimorados em laboratórios, bibliotecas e salas de aula. Suas preocupações tradicionais
eram tópicos como a sensação, a percepção e a aprendizagem. Esses sistemas eram — ou se
esforçavam por ser — ciência pura. A psicanálise, por sua vez, não era um produto da
academia nem uma ciência pura. Em conseqüência, não era, e ainda não é, uma escola de
psicologia diretamente comparável com as outras.
A psicanálise não se ocupava das áreas tradicionais da psicologia, em especial porque a
preocupação delas é oferecer terapia a pessoas com distúrbios emocionais. Desde o
começo, a psicanálise era separada e distinta do pensamento psicológico principal em
termos de objetivos, objeto de estudo e métodos. Seu objeto de estudo é o comportamento
anormal, que fora relativamente negligenciado pelas outras escolas de pensamento, e seu
método primário é a observação dlinica, e não a experimentação laboratorial controlada. Do
mesmo modo, a psica nálise está voltada para o inconsciente, um tópico virtualmente
ignorado pelos outros sistemas de pensamento.
Wundt e Titchener não admitiram o inconsciente em seus sistemas por uma razão simples:
é impossível fazer introspecção com o inconsciente. E como não é possível fazer isso, não
se pode reduzir o inconsciente aos seus componentes elementares para determinar seus
conteúdos. Os funcionalistas, da mesma maneira, com seu foco exclusivo na consciência,
não tinham o que fazer com o inconsciente. No extenso manual que James Rowland Angeli
publicou em 1904, não havia mais do que duas páginas, no final, dedicadas à noção de
inconsciente. O compêndio de 1921 de Robert Woodworth tinha pouco mais a dizer sobre
isso, cobrindo o assunto nas últimas páginas — tal como Angeli, como um apêndice,
elaborado depois de o livro estar pronto.
John B. Watson, é claro, tinha tanto espaço em seu sistema para o inconsciente quanto para
a consciência. Para a sua abordagem de ciência natural da psicologia, nenhuma dessas
entidades tinha validade. Entre 1912 e 1920, o Psychological Builetin publicou artigos
anuais intitulados “A Consciência e o Inconsciente”, que todos os anos depreciavam e
denunciavam o conceito desses estados mentais num tom cada vez mais vociferante, até
que os artigos deixaram de aparecer (Fulier, 1986).
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Apesar dessas diferenças, a psicanálise tem algumas características secundárias partilha das
com ao menos o funcionalismo e o comportamentalismo. Todos esses movimentos foram
influenciados pelo espfrito do mecanismo, pela obra de Gustav Fechner e pelas idéias
revolu cionárias de Charles Darwin.
Influências Antecedentes sobre a Psicanálise
Tal como acontece com todas as escolas de pensamento, o movimento psicanalítico teve
antecedentes intelectuais e culturais defmidos. Duas fontes principais de influência foram
as primeiras especulações filosóficas acerca da natureza de fenômenos psicológicos
inconscientes e os primeiros trabalhos no campo da psicopatologia.
Teorias do Inconsciente
Vimos que, na maior parte de sua história inicial, até o advento do comportamentalismo, a
psicologia científica se ocupava da experiência mental consciente. Do mesmo modo, os
filósofos empiristas, que forneceram uma base para a nova psicologia, tinham como foco a
experiência consciente. Contudo, nem todos os que trabalhavam nesses campos
concordavam com essa orientação. Alguns também admitiam a importância de processos
não conscientes. Embora o interesse pela influência do inconsciente possa remontar a
Platão, o pensamento mais recente sobre o tópico acompanhou a obra de Descartes, no
século XVII.
No começo do século XVIII, o filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibnitz
(1646-1716) desenvolveu a teoria da monadologia. As mônadas, que Leibnitz considerava
os elementos individuais de toda realidade, não eram átomos físicos. Elas nem sequer eram
inteiramente materiais, na acepção usual da palavra. Cada mônada era uma entidade
psíquica inextensa que, embora de natureza mental, tinha algumas das propriedades da
matéria física. Quando um número suficiente delas se agregava, criava-se uma extensão.
Em termos gerais, podemos comparar as mônadas a percepções. Leibnitz acreditava que os
eventos mentais (a atividade das mônadas) tinham diferentes graus de clareza ou consciên
cia, que podem variar do completamente inconsciente ao mais nítida e defmidamente
conscien te. Graus menores de consciência eram denominados petites perceptions, e a
atualização consciente dessas pequenas percepções foi denominada apercepção. Por
exemplo, o som das ondas arrebentando na praia é uma apercepção. Essa apercepção se
compõe de todas as gotas cadentes individuais de água (as petites perceptions). As gotas
individuais não são consciente- mente percebidas em si; mas, quando um número suficiente
delas se combina, elas se somam para produzir uma apercepção.
Um século mais tarde, o filósofo e educador alemão Johann Friedrich Herbart (1776-1841)
desenvolveu a noção do inconsciente de Leibnitz, criando o conceito de limiar da
consciência. As idéias que estão aquém do limiar são inconscientes. Quando uma idéia
assoma num nível consciente de percepção, ela é apercebida, nos termos de Leibnitz, mas
Herbart foi além disso. Para que uma idéia assome na consciência, é preciso que ela seja
compatível e coerente com idéias já presentes na consciência. Não é possível existirem ao
mesmo tempo idéias coerentes e incoerentes na consciência, e as idéias irrelevantes são
expulsas da consciência, tornando-se idéias inibidas. As idéias inibidas existem abaixo do
limiar da consciência; elas são semelhan tes às petites perceptions leibnitzianas. Segundo
Herbart, há entre as idéias um conflito em que elas lutam pela realização consciente, e ele
propôs fórmulas e equações matemáticas para dar conta dos mecanismos das idéias em sua
entrada na consciência ou expulsão dela. Logo, seu trabalho revela a influência do espírito
mecanicista.
Gustav Fecimer também contribuiu para o desenvolvimento de teorias sobre o incons
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ciente. Ele usou a noção de limiar, mas foi a sua sugestão de que a mente equivale a um
iceberg que teve um maior impacto sobre Freud. Em sua analogia com o iceberg, Fechner
especulou que uma parcela considerável da mente está oculta sob a superfície, onde é
influen ciada por forças não observáveis.
É interessante que Fechner, a quem a psicologia experimental tanto deve, também seja
precursor da psicanálise. Freud citou em vários dos seus livros o de Fechner, Elementos de
Psicofísicn, tendo derivado conceitos importantes (o princípio do prazer, a energia psíquica,
o conceito topográfico da mente e a importância do instinto destrutivo) da obra de Fecimer.
Um dos biógrafos de Freud observou que Fechner foi “o único psicólogo de quem Freud
tomou alguma idéia” (Jones, 1957, p. 268).
A noção de inconsciente era parte integrante do Zeitgeist europeu da década de 1880, época
em que Freud iniciava sua prática clínica. Além de ser do interesse dos profissionais, a
idéia de inconsciente também era considerada um assunto da moda para as conversas em
geral. Um livro chamado Philosophy of the Unconscious (Filosofia do Inconsciente), de
Hartmann, publicado em 1869, era tão popular que teve nove edições entre esse ano e 1882.
Nos anos 1870, ao menos meia dúzia de outros livros publicados na Alemanha tinham a
palavra inconsciente no título.
Freud, portanto, não foi o primeiro a descobrir ou mesmo a discutir seriamente a mente
inconsciente. Ele era o primeiro a reconhecer que poetas e filósofos antes dele tinham se
ocupado
amplamente do inconsciente. O que ele descobrira, afinnava Freud, fora um modo de
estudá-lo.
A Psicopatologia
Observamos que um novo movimento sempre requer algo contra que revoltar-se, algo em
que se apoiar para ganhar impulso. Como a psicanálise não se desenvolveu no âmbito da
psicologia acadêmica, a ordem vigente a que ela se opôs não foi a psicologia wundtiana
nem nenhuma outra escola de pensamento psicológico. Para descobrir aquilo a que Freud se
opunha, é forçoso considerar o pensamento prevalecente na área em que ele trabalhava — a
compreensão e o tratamento de distúrbios mentais.
A história do tratamento dos doentes mentais é fascinante e depressiva, apresentando um
chocante quadro de desumanidade. Na Idade Média, os indivíduos perturbados não
obtinham nenhuma compreensão e não recebiam quase nenhum tratamento. Afirmava-se
que a mente era um agente livre, responsável por sua própria condição. O tratamento de
pessoas mentalmente perturbadas consistia principalmente em incriminação e punição, pois
se acreditava que as causas dos distúrbios emocionais eram a perversidade, a possessão
demoníaca e a feitiçaria.
Na Renascença, as coisas não melhoraram:
As grandes mudanças de estrutura social na época da Renascença suscitaram um
sentimento geral de incerteza e insegurança... Homens inseguros, incertos com relação ao
futuro, frustrados pelas transfonnações, ficam prontos a exorcizar a ameaça do mal através
de uma distribuição acrítica de recriminações e punições ... No século XV, a Igreja fazia
isso por eles. Em 1489, Jacob Sprenger e Heinrich Kraemer, dois irmãos dominicanos,
aproveitando-se da recente invenção da imprensa, publicaram o Maileus Maleficarum,
título que talvez possa ser melhor traduzido por O Martelo das Feiticeiras, já que o livro se
destinava a ser um instrumento para martelar as feiticeiras.
O Maileus Maleficarum é uma cruel enciclopédia sobre feitiçaria, detecção de feiticeiras e
procedimentos para examiná-las por meio da tortura, bem como para sentenciá-las... Ele
identifica a feitiçaria com os distúrbios mentais, dos quais descreve com cuidado muitos
sintomas. Durante trezentos anos, em dezenove edições, esse compêndio malévolo foi a
autoridade e o guia da Inquisição (Boring, 1950, pp. 694-695).
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Por volta do século XIX, uma atitude mais humana e racional em relação aos doentes
mentais começou a surgir. Na Europa e na América, as cadeias que prendiam os insanos
foram literalmente quebradas à medida que o declínio da influência da superstição religiosa
abriu o caminho para a investigação científica das causas das doenças mentais. Os
tratamentos ofere cidos eram, na melhor das hipóteses, primitivos, por vezes causando mais
sofrimento do que as perturbações que pretendiam curar.
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A teoria da inonadologia, proposta por Gottfried Wilhelin Leibnitz, foi uma primeira
tentativa de explicar os processos inconscientes
Considerem-se as técnicas desenvolvidas por Benjamin Rush (1745-1813), o primeiro
psiquiatra a clinicar nos Estados Unidos. Ele acreditava que alguns comportamentos
estranhos eram causados pelo excesso ou pela falta de sangue, e seu remédio era tirar
sangue do paciente ou colocá-lo nele. Ele desenvolveu uma cadeira rotativa que fazia o
infeliz girar em alta velocidade, procedimento que com freqüência provocava desmaios.
Numa forma primitiva de tratamento de choque, Rush mergulhava os pacientes numa
banheira. Também se deve creditar a ele a primeira técnica tranqüilizante. Os pacientes
eram amarrados numa cadeira tranqüili zante e aplicava-se pressão em sua cabeça com
grandes blocos de madeira presos num torno.
Embora essas técnicas nos pareçam cruéis, temos de nos lembrar que Rush estava tentando
ajudar os doentes mentais em vez de jogá-los em instituições de custódia em que as suas
necessidades seriam ignoradas. Ele reconhecia que seus pacientes estavam doentes e
fundou o primeiro hospital norte-americano destinado especificamente ao tratamento de
distúr bios emocionais.
No decorrer do século XIX, havia duas principais escolas de pensamento em psiquiatria
— a somática e a psíquica. A escola somática afirmava que o comportamento anormal tem
causas físicas, como lesões cerebrais, subestimulação dos nervos ou nervos demasiado
contraí dos. A escola psíquica recorria a explicações mentais ou psicológicas. De modo
geral, a psiquiatria oitocentista foi dominada pela escola somática, uma concepção que
recebera con siderável apoio, no século precedente, de Immanuel Kant, que zombava da
idéia de que emoções pudessem causar doenças mentais. A psicanálise se desenvolveu
como um aspecto da revolta contra essa orientação somática. À medida que o trabalho com
os doentes mentais progredia, alguns cientistas se convenciam de que os fatores emocionais
tinham muito mais importância do que lesões cerebrais ou outras possíveis causas físicas.
A hipnose teve seu papel na promoção do interesse pelas causas psíquicas do compor
tamento anormal. Na última parte do século XVIII, o fenômeno da hipnose foi levado à
atenção da profissão médica pelo médico austríaco Franz Anton Mesmer (1734-1815), mas
durante um século foi rejeitado por esses profissionais, que equiparavam o mesmerismo ao
charlatanismo. (O público, contudo, aceitou a idéia dos estados hipnóticos, fazendo deles
uma espécie de jogo de salão.) Na Inglaterra, James Braid (1795-1860) denominou o estado
hipnótico neuripnologia, do qual o termo hipnose acabou por ser derivado. O cuidadoso
trabalho de Braid e o seu desdém por pretensões exageradas deram ao fenômeno um certo
grau de respeitabilidade científica.
A hipnose alcançou aceitação profissional com o trabalho do médico francês Jean Martin
Charcot (1825-1893), chefe da clínica neurológica do Salpêtriére, um hospital parisiense
para insanos. Charcot tratara pacientes histéricas por meio da hipnose com algum sucesso.
E, o que que é mais importante, descrevera os sintomas da histeria e o uso que fizera da
hipnose em termos médicos, tornando-a mais aceitável para outros médicos e para a
Academia Francesa de Ciências, que rejeitara por três vezes a idéia do mesmerismo. A
aprovação da Academia era vital, pois abriria a porta para a investigação dos aspectos
psicológicos das enfermidades mentais.
O trabalho de Charcot, contudo, era primordialmente neurológico, enfatizando distúrbios e
sintomas físicos como a paralisia. Os médicos continuaram a atribuir a histeria a causas
somáticas até 1889, quando o discípulo de Charcot, Pierre Janet (1859-1947), aceitou o
convite para ser diretor do laboratório psicológico no Salpêtrière. Janet rejeitou a opinião de
que a histeria fosse um problema físico e a considerou um distúrbjo mental. Ele enfatizou
os fenômenos mentais — como deteriorações da memória, idéias fixas e forças
inconscientes — como fatores causais, preferindo a hipnose como método de tratamento.
Assim, nos primeiros anos da carreira de Freud, a literatura publicada sobre a hipnose e
sobre as causas psicológicas das doenças mentais estava aumentando. A obra de Janet, em
especial, antecipava muitas das
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idéias de Freud. Em termos pessoais, contudo, Janet mais tarde exprimiu desdém pelo
próprio Freud (Abel, 1989).
A obra de Charcot e Janet no tratamento dos mentalmente perturbados ajudou a mudar as
crenças da psiquiatria, que passaram da escola somática para a escola mental ou psíquica.
Os médicos começaram a pensar em termos da cura de dist emocionais tratando a mente em
vez do corpo. Quando Freud começou a publicar suas idéias, o termo psicoterapia já tinha
uso disseminado.
A Influência de Darwin
Em 1979, Frank J. Sulloway, um notável historiador da ciência, publicou Freud: Biolo gist
of the Mmd (Freud: Biólogo da Mente), em que afirmava que Freud fora muito influen
ciado pela obra de Charles Darwin. Sulloway apoiou-se em novos dados da história; mais
precisamente, ele examinou dados que já existiam há anos, mas que ninguém tinha
considerado da mesma maneira.
Sulloway examinou os livros da biblioteca pessoal de Freud e descobriu exemplares das
obras de Darwin. Freud os lera a todos, fazendo anotações à margem e, pelo que se sabia,
os tinha elogiado. Freud admitia que a obra de Darwin, ao lado de um ensaio sobre a
natureza escrito pelo poeta alemão Goethe, tinham influenciado sua escolha da medicina
como profissão. Além disso, podem-se detectar muitas semelhanças com as idéias de
Darwin nos escritos de Freud. Sulloway concluiu que Darwin “provavelmente fez mais do
que qualquer outra pessoa para abrir o caminho para Sigmund Freud e a revolução
psicanalítica” (Sulloway, 1979, p. 238).
Darwin discutiu várias idéias que Freud mais tarde transformou em questões centrais da
psicanálise, incluindo processos e conflitos mentais inconscientes, a significação dos
sonhos, o simbolismo oculto em sintomas estranhos de comportamento e a importância da
excitação sexual. De modo geral, Darwin se concentrou, como Freud mais tarde, em
aspectos não racionais do pensamento e do comportamento.
As teorias de Darwin também influenciaram o pensamento freudiano sobre o desenvol
vimento infantil. Observamos que Darwin deu suas anotações e seu material não publicado
a George John Romanes, que mais tarde escreveu dois livros, com base nesse material,
sobre a evolução mental dos seres humanos e dos animais. Sulloway encontrou exemplares
de livros de Romanes na biblioteca de Freud, bem como comentários manuscritos deste
apostos à margem. Romanes desenvolveu a noção darwiniana da continuidade do
comportamento emo cional da infância à idade adulta, e a sugestão de que o impulso sexual
aparece em bebês de até sete semanas de vida. Esses dois temas se tornaram centrais na
psicanálise freudiana.
Darwin insistia que os seres humanos são impelidos por forças biológicas, particularmen te
pelo amor e pela fome, que ele acreditava serem o fundamento de todo comportamento.
Menos de uma década mais tarde, o psiquiatra alemão Richard von Krafft-Ebing exprimiu a
mesma concepção, a de que a autopreservação e a gratificação sexual são os dois únicos
instintos da fisiologia humana. Assim, cientistas respeitados que seguiam a linha de Darwin
reconheciam o papel do sexo como motivação humana básica.
Há outros pontos de semelhança entre as obras de Darwin e Freud. A ênfase freudiana no
conflito interior é conceitualmente idêntica ao tema darwiniano da luta pela existência.
Freud escreveu que “o indivíduo perece a partir dos seus conflitos interiores, a espécie [ em
sua luta com o mundo exterior ao qual já não está adaptada” (Freud, 1938/1941, p. 299).
Em ambos os casos, a luta é com a morte, psicológica ou fisiológica. Logo, podemos incluir
Darwin como um importante precursor de Freud, que se apoiou em muitos aspectos da
teoria evolucionista para desenvolver sua teoria revolucionária da psicanálise.
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Outras Fontes de Influência
Várias outras influências sobre Freud merecem menção. O clima intelectual dos séculos
XVIII e XIX acolhia a doutrina do hedonismo, a proposição de que os seres humanos são
motivados para obter prazer e evitar a dor. Associado primordialinente com o filósofo
inglês Jeremy Bentham e sua noção de utilitarismo, o hedonismo também era sustentado
por alguns associacionistas britânicos. O conceito freudiano do princípio do prazer é
sustentado pela doutrina do hedonismo.
No decorrer de sua formação universitária, Freud esteve exposto à idéia do mecanicismo,
representada pelos fisiologistas CarI Ludwig, Emil du Bois-Reymond, Ernst Brücke e
Hermann von Helmholtz. Esses alunos do grande Johannes Müller tinham se unido para
assumir a posição de que não se encontram forças nos seres vivos que não existam nos
objetos inanima dos. Em outras palavras, não há no organismo forças ativas além das forças
físicas e químicas comuns. Como aluno de Brücke, Freud foi influenciado por essa
orientação mecanicista. Mais tarde, ele formularia uma teoria determinista sobre a natureza
do comportamento humano que denominou determinismo psíquico.
Outro aspecto do Zeitgeist que influenciou e reforçou o trabalho de Freud foi a atitude
diante do sexo na Viena do fmal do século passado. Afirma-se que, como a sociedade na
época de Freud era muito repressiva e puritana, ele estava muito além do seu tempo ao
discutir questões sexuais com tanta franqueza. Embora as inibições sexuais possam ter
caracterizado as mulheres neuróticas de classe média alta que foram pacientes de Freud
(bem como o próprio Freud), isso não era típico da cultura como um todo. A Viena da
virada do século era uma sociedade aberta e permissiva, e essa aceitação generalizada da
sensualidade não era acompa nhada por sentimentos de culpa nem por repressão. A
pesquisa sugere que nem sequer a Inglaterra vitoriana e a América puritana foram de fato
caracterizadas pela pudicícia e pelas inibições excessivas que se costumam associar com
essas culturas (ver Gay, 1983).
O interesse pelos assuntos sexuais era visível na vida cotidiana vienense e na literatura
científica. Nos anos antes de Freud apresentar sua teoria de fundo sexual, tinham sido publi
cados muitos estudos sobre patologias sexuais, sexualidade infantil e supressão de impulsos
sexuais e seus efeitos sobre a saúde física e mental. Em 1845, o médico alemão Adolf Patze
afirmou que o impulso sexual estava presente em crianças já aos três anos, o que foi
reiterado em 1867 por Henry Maudsley, um conhecido psiquiatra britânico. Em 1886,
Krafft-Ebing publicou seu livro sensacional Psychopathia Sexualis (Psicopatia Sexual). E,
em 1897, um médico vienense, Albert MolI, escreveu um livro sobre a sexualidade na
criança e sobre o amor da criança pelo genitor do sexo oposto (Steele, 1985a).
Um colega de Freud em Viena, o neurologista Moritz Benedikt, conseguira curas dramá
ticas com histéricas ao fazê-las falar sobre seus problemas com a vida sexual. O psicólogo
francês Alfred Binet publicara trabalhos sobre perversões sexuais no final dos anos 1880 e
no início dos anos 1890. Até a palavra libido, que tanta importância assumiria na
psicanálise, já estava em uso e com o mesmo sentido dado por Freud. Assim, boa parte do
componente sexual do seu trabalho fora antecipado de uma ou de outra forma. Como o
Zeitgeist profissional e público já era receptivo, as idéias de Freud foram objeto de grande
atenção.
O conceito de catarse também era popular antes de Freud publicar qualquer obra. Em 1880,
um ano antes de Freud receber seu diploma de médico, um tio de sua futura esposa
escreveu um livro sobre o conceito aristotélico de catarse. Seguiu-se uma “mania pela
questão da catarse... Por um certo tempo, a catarse era um dos assuntos mais discutidos
entre os estudiosos e um dos tópicos de conversa nos sofisticados salões vienenses”
(Ellenberger, 1972, p. 272). Por volta de 1890, havia mais de 140 publicações em alemão
sobre o tópico (Sulioway, 1979).
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Por fim, muitas idéias de Freud acerca dos sonhos tinham sido antecipadas na literatura
filosófica e fisiológica já no século XVII. Houve muitas e diversificadas influências sobre o
pensamento de Freud. Grande parte da sua genialidade, e da de todos os fundadores, foi a
capacidade de recorrer a essas várias idéias e, a partir delas, desenvolver um sistema
coerente.
Sigmund Freud (1 856-1 939) e o Desenvolvimento da Psicanálise
O movimento psicanalítico que Sigmund Freud desenvolveu tem íntimas relações com a
sua própria vida e é, em larga medida, autobiográfico. Em conseqüência, conhecer a
história
de sua vida é fundamental para a compreensão do seu sistema.
Freud nasceu a 6 de maio de 1856 em Freiberg, Morávia (atualmente Pribor, na antiga
Checoslováquia). Em 1990, a cidade deu à sua Praça Stálin o nome de Praça Freud. O pai
de Freud era um comerciante de lãs relativamente mal-sucedido que, quando os seus
negócios fracassaram na Morávia, se mudou com a família para Leipzig e, mais tarde,
quando Freud tinha quatro anos, para Viena. Freud permaneceu ali por quase oitenta anos.
O pai de Freud, vinte anos mais velho que a esposa, era rigoroso e autorit Quando jovem,
Freud sentia medo e amor pelo pai. Sua mãe era protetora e amorosa, e ele tinha por ela um
apego apaixonado. Esse medo do pai e a atração sexual pela mãe formam o que Freud mais
tarde denominou complexo de Édipo — que parece ter sido derivado de suas experiências e
lembranças da meninice.
Um entre oito filhos, Freud cedo demonstrou grande capacidade intelectual, que a família
tudo fez para encorajar. Seu quarto era o único da casa que tinha uma 1 de azeite, o que era
uma iluminação melhor para o estudo do que as velas usadas pelos outros. As outras
crianças, pelas quais Freud demonstrava considerável ressentimento, não podiam estudar
mú sica para que sua prática não perturbasse o jovem estudioso.
Freud ingressou no Liceu um ano antes do que era comum; considerado um aluno brilhante,
graduou-se com distinção aos dezessete anos. Indeciso sobre sua carreira, tinha como
interesses a civilização, a cultura humana, as relações humanas e a história militar. A teoria
da evolução de Darwin fê-lo interessar-se pela abordagem científica do conhecimento, e
Freud, com alguma hesitação, resolveu estudar medicina. Ele não desejava ser médico
clínico mas esperava que o diploma o levasse a uma carreira de pesquisa científica.
Iniciou seus estudos na Universidade de Viena em 1873. Como queria estudar vários
assuntos sem vinculo direto com seu treinaniento médico (por exemplo, fez cinco cursos de
filosofia com Franz Brentano), levou oito anos para obter o grau. No início, Freud se
concen trou na biologia; dissecou mais de quatrocentas enguias macho para determinar a
estrutura dos testículos. Suas descobertas foram inconclusivas, mas é digno de nota que seu
primeiro esforço de pesquisa se relacionasse com sexo. Ele passou para a fisiologia e
trabalhou com a medula espinhal do peixe. Ao que parece, gostava do assunto, pois levou
seis anos trabalhando com um microscópio no instituto fisiológico de Ernst Brücke.
Durante seu treinarnento médico, Freud fez experiências com a cocaína. Usou-a, ofere ceu-
a à noiva, às suas irmãs e aos seus amigos, sendo responsável pela introdução da subst cia
na prática médica. Entusiasmado com ela, descobriu que a cocaína curava sua depressão e
ajudava sua indigestão quase crônica. Freud estava convencido de ter encontrado uma
droga milagrosa que curaria da ciática ao enjôo marítimo, e lhe daria a fama e o
reconhecimento por que ansiava.
Mas isso não iria acontecer. Um dos colegas médicos de Freud, depois de ouvir suas
conversas casuais sobre a droga, fez suas próprias experiências e descobriu que a cocaina
podia
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ser usada para anestesiar o olho humano, possibilitando pela primeira vez a cirurgia ocular.
Freud publicou seu artigo sobre os usos benéficos da cocaína em 1884, sendo esse trabalho
considerado parcialmente responsável pela epidemia do uso de cocaína que varreu a Europa
e os Estados Unidos, durando até quase toda a década de 20.
Freud foi criticado por defender o uso da cocaína fora da cirurgia do olho e por se
desencadear essa peste no mundo. Pelo resto da vida, ele tentou deliberadamente apagar
toda
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O movimento psicanalftico fundado por Sigmund Freud tem tido uma profunda influência
sobre a psicologia moderna, bem como sobre muitos aspectos da cultura ocidental.
lembrança do seu endosso à cocaína, chegando a omitir referências ao seu trabalho em sua
própria bibliografia. Por muitos anos, acreditava-se que Freud parara de usar a cocaína dos
dias da escola médica, mas dados recém-descobertos da história, na forma de suas próprias
cartas, revelam que ele usou a droga por ao menos mais dez anos, até a meia-idade
(Masson, 1985).
Freud queria prosseguir com o estudo científico num ambiente acadêmico, mas Brücke o
desestimulou devido às suas circunstâncias fmanceiras. Freud era pobre demais para se
manter durante os muitos anos que teria de esperar para garantir um dos poucos cargos de
professor universitário disponíveis. Com relutância, concordou com Brücke, decidindo
fazer os exames e praticar a medicina. Isso o obrigou a trabalhos adicionais em clínicas e
hospitais, pois deixara de lado o aspecto clínico de sua educação médica em favor da
pesquisa fisiológica. Durante seu treinamento hospitalar, ele se especializou na anatomia e
nas doenças orgânicas do sistema nervoso, particularmente a paralisia, a afasia, as lesões
cerebrais em crianças e a patologia da fala.
Freud se formou em 1881 e no ano seguinte começou a praticar a neurologia clínica. A
prática médica não era mais atraente do que ele esperara, mas as realidades econômicas
prevaleceram. Ele era noivo de Martha Bernays, que também não tinha dinheiro, e eles
tinham adiado o casamento várias vezes por razões financeiras. Por fim, depois de um
frustrante compromisso de quatro anos, eles se casaram, mas Freud teve de tomar dinheiro
emprestado e empenhar os relógios. Sua situação acabou por melhorar, mas Freud nunca se
esqueceu desses primeiros anos de pobreza.
As longas horas de trabalho a que se dedicava impediam Freud de passar muito tempo
com a esposa e os filhos (que viriam a ser seis). Ele passava as férias sozinho ou com a
cunhada, porque Martha não acompanhava o seu ritmo de caminhada.
Durante esses anos, Freud desenvolveu uma importante amizade com o médico Josef
Breuer (1842-1925), que alcançara a fama pelo seu estudo da respiração e pela descoberta
do funcionamento dos canais auditivos semicirculares. O bem-sucedido e sofisticado
Breuer ofereceu ao jovem Freud conselho, amizade e até dinheiro emprestado. Freud o via
como uma figura paterna, e Breuer, ao que parece, via Freud como um irmão mais novo e
precoce. ‘O intelecto de Freud está alcançando o seu auge”, escreveu Breuer a um amigo.
“Eu o contem plo como uma galinha a uma águia” (Hirschmuller, 1989, p. 315). Eles
discutiam freqüente mente sobre os pacientes de Breuer, incluindo Anna O., cujo caso seria
vital para o desenvol vimento da psicanálise.
Jovem inteligente e atraente de vinte e um anos, Anua O. apresentava uma ampla gama de
graves sintomas histéricos, incluindo a paralisia, a perda de memória, a deterioração
mental, náuseas e distúrbios da visão e da fala. Os sintomas começaram a aparecer
enquanto ela cuidava do pai moribundo. Breuer tratou-a inicialmente usando a hipnose. Ele
descobriu que, hipnotizada, ela se recordava de experiências específicas que pareciam ter
gerado determinados sintomas, e que falar sobre essas experiências em estado hipnótico
parecia aliviar os sintomas.
Por exemplo, Anna passou por um período em que não conseguia beber água, apesar de
uma intensa sede. Sob hipnose, ela relatou uma aversão à água na infância, lembrando-se
de ter visto um cão de que ela não gostava bebendo de um copo. Depois que contou o
incidente a Breuer, Anna descobriu que podia voltar a beber água — e o sintoma nunca
voltou.
Breuer atendeu Anna diariamente por mais de um ano. Em suas consultas, Anna contava os
incidentes perturbadores do dia e, depois disso, com freqüência se sentia aliviada dos
sintomas. Ela se referia às conversas com Breuer pelos termos “limpeza de chaminé” e
“cura falada”. À medida que o tratamento continuava, Breuer percebeu — e contou a Freud
— que os incidentes recordados por Anua sob hipnose envolviam algum pensamento ou
evento que ela considerava repulsivo. Revivendo a experiência perturbadora sob hipnose,
ela tinha os sintomas reduzidos ou eliminados.
333
A esposa de Breuer teve ciúmes do estreito relacionamento emocional desenvolvido entre
ele e Anna O., que apresentava o que Breuer mais tarde denominou transferência positiva,
isto é, ela transferiu seus sentimentos pelo pai para o médico. Essa transferência teve a
ajuda da grande semelhança física entre o pai e o médico. Breuer também deve ter sentido
um apego emocional pela paciente; “seus jovens atrativos, sua encantadora impotência e o
seu próprio nome... redespertaram em Breuer seus anseios edípicos adormecidos pela sua
própria mãe” (Gay, 1988, p. 68). Breuer finalmente percebeu a situação como uma ameaça
e disse a Anna que não poderia mais tratá-la. Poucas horas depois, Anna sentiu os sintomas
do parto histérico. Breuer encerrou esse evento com a hipnose e, de acordo com a lenda, foi
com a esposa para uma segunda lua-de-mel em Veneza, quando ela ficou grávida.
Essa história é um mito perpetuado por várias gerações de psicanalistas e historiadores,
fornecendo outro exemplo das distorções que podem ocorrer com os dados da história.
Nesse caso, o mito persistiu por quase cem anos. Breuer e sua esposa podem de fato ter ido
a Veneza, mas as datas de nascimento dos seus filhos revelam que nenhum poderia ter sido
concebido durante essa viagem (Ellenberger, 1972). Na verdade, boa parte da história de
Anna O. parece ter mais ficção do que fatos, particularmente sua cura pelos tratamentos
catárticos de Breuer. Depois que este interrompeu o seu tratamento, ela foi internada por
algum tempo, e passava horas sentada diante de um retrato do pai, falando incessantemente
em visitar o seu túmulo. Breuer disse a Freud que ela estava “perturbada” e exprimiu a
esperança de que ela morresse para terminar seu sofrimento. Mais tarde, Anna O. veio a ser
uma feminista e assistente social na Alemanha. Ela nunca falou de suas experiências com
Breuer e manteve uma atitude negativa com respeito à psicanálise pelo resto da vida
(Freeman, 1972). O relato desse caso por Breuer é importante para o desenvolvimento da
psicanálise, pois introduziu a Freud o método da catarse, a cura falada, que viria depois a
merecer tanto destaque em sua obra.
Em 1885, Freud recebeu uma pequena bolsa de pós-graduação que lhe permitiu passar
alguns meses estudando em Paris com Jean Martin Charcot. Certa noite, numa recepção,
Freud ouviu Charcot asseverar que as dificuldades de um paciente tinham base sexual.
“Mas nesse tipo de caso é sempre uma questão de genitais — sempre, sempre, sempre”
(Freud, 1914, p. 14). Para Freud, essa avaliação foi uma percepção iluminadora e
estimulante. A partir disso, ele ficou alerta para a sugestão de problemas sexuais em seus
clientes.
Ele teve a oportunidade de observar Charcot usar a hipnose no tratamento da histeria.
Charcot demonstrara que a concepção tradicional da histeria como uma moléstia exclusiva-
mente feminina (a palavra vem do grego hystera, que significa útero) era incorreta; ele
provara a existência de sintomas histéricos em alguns dos seus pacientes homens.
Um ano depois de voltar de Paris, Freud foi recordado outra vez da possível base sexual
dos distúrbios emocionais. Um destacado ginecologista pediu a Freud para se encarregar do
caso de uma paciente que tinha ataques de ansiedade cujo alívio só ocorria se soubesse
onde o seu médico estava naquele momento. O médico disse a Freud que a ansiedade era
causada pelo marido impotente da mulher; seu casamento não fora consumado depois de
dezoito anos. “A única prescrição para essa moléstia”, disse ele a Freud, “é muito
conhecida de nós, mas não podemos prescrevê-la. Ela é: .I Penis norinalis dosim repetatur!”
(Freud, 1914).
Freud adotava os métodos de Breuer, a hipnose e a catarse, no tratamento de seus pacientes,
mas pouco a pouco foi ficando insatisfeito com a hipnose. Embora aparentemente bem-
sucedida em aliviar ou eliminar sintomas, ela não parecia capaz de curar. Muitos pacien tes
voltavam com queixas de um novo grupo de sintomas. Além disso, Freud descobriu que
alguns pacientes neuróticos não eram fácil ou profundamente hipnotizáveis. Esses e outros
problemas o levaram a abandonar a técnica, mas ele manteve a catarse como método de
tratamento, tendo desenvolvido a partir dela o que tem sido considerado a técnica mais
334
significativa na evolução da psicanálise: a livre associação. (Observamos no Capítulo 1 que
Freud queria dizer, em alemão, livre intrusão ou invasão, e não livre associação.)
Nessa técnica, o paciente deita num divã e é encorajado a falar aberta e espontaneamente,
dando completa expressão a qualquer idéia, por mais embaraçosa, irrelevante ou tola que
pareça. O objetivo da psicanálise freudiana é trazer à percepção consciente lembranças ou
pensamentos reprimidos, que ele supunha ser a fonte do comportamento anormal do
paciente. Ele acreditava que não havia nada de aleatório no material revelado durante a
livre associação, e que esse material não estava sujeito à escolha consciente do paciente. A
informação revelada era predeterminada, forçada a entrar em sua consciência ou a invadi-la
pela natureza dos seus conflitos.
Mediante a livre associação, Freud descobriu que as lembranças do paciente iam inva
riavelmente à infância, e que muitas das experiências reprimidas de que o paciente se
recorda va tinham relação com questões sexuais. Já sensível ao possível papel dos fatores
sexuais na etiologia das doenças, e tendo conhecimento da literatura profissional corrente
sobre a patolo gia sexual, Freud voltou sua atenção para o material de cunho sexual
revelado nas narrativas dos pacientes.
Em 1895, Freud e Breuer publicaram Estudos Sobre Histeria, considerado por muitos o
marco do inicio formal da psicanálise. O livro continha um artigo conjunto já publicado;
cinco históricos de caso, incluindo o de Anna O.; um artigo teórico de Breuer; e um
capítulo sobre psicoterapia escrito por Freud. Embora tenha recebido algumas críticas
negativas, a obra foi elogiada em revistas científicas e literárias de toda a Europa e
considerada uma valiosa contribuição ao campo. Foi um começo defmido, embora
modesto, do reconhecimento que Freud desejava. Breuer, no entanto, relutara em publicar o
livro. Eles discutiram sobre a idéia de Freud de que o sexo era a mnica causa da neurose.
Breuer aceitava a importância dos fatores sexuais, mas não estava convencido de que
fossem a única causa. Ele sugeriu que Freud não tinha provas suficientes em que basear sua
conclusão. A decisão de publicar o livro mesmo assim levou a um estremecimento de sua
amizade.
Freud estava persuadido do seu acerto e de que não era preciso acumular dados adicio nais
para sustentar sua posição. Pode ser que ele não quisesse esperar mais documentação
porque um retardamento poderia permitir que alguém publicasse a idéia e reivindicasse prio
ridade. Sua ambição pelo sucesso e pela fama pode ter assumido precedência sobre a
cautela científica para que ele corresse a imprimir o livro com evidências insuficientes. Sua
atitude dogmática com relação a seu trabalho perturbou Breuer e, dentro de poucos anos, o
rompimen to entre eles era completo. Freud ficara amargurado com o homem que tanto
fizera por ele, chegando a dizer a um amigo que o simples fato de ver Breuer fazia-o querer
deixar o país. À época da morte de Breuer, em 1925, esses sentimentos parecem ter se
suavizado. Ele escreveu um obituário sensível para Breuer, no qual reconhecia as
realizações do seu mentor. Também enviou uma carta de condolências ao filho de Breuer,
referindo-se ao “magnífico papel desempenhado pelo seu falecido pai na criação da nossa
nova ciência” (Hirschmuller, 1989, p. 321).
Na metade dos anos 1890, a convicção de Freud de que o sexo tinha o papel deternii nante
na neurose estava firme. Ele observara que a maioria dos seus pacientes relatava
experiências sexuais traumáticas na infância, com freqüência envolvendo membros da
família. Ele também passou a acreditar que não era possível a neurose se desenvolver numa
pessoa que tivesse uma vida sexual normal.
Num artigo apresentado à Sociedade de Psiquiatria e Neurologia de Viena em 1896,
Freud relatou que seus pacientes tinham revelado experiências semelhantes à sedução na
infância, sendo o sedutor, de modo geral, um parente mais velho, mais freqüentemente o
pai.
335
Hoje, essas experiências são claramente rotuladas de abuso infantil. Esses traumas de
sedução, acreditava Freud, eram a causa do comportamento neurótico dos adultos. Ele
também contou que seus pacientes hesitavam em descrever detalhes da experiência de
sedução e que os eventos pareciam um tanto irreais. Os pacientes falavam de um modo que
sugeria não se lembrarem absolutamente das experiências, quase como se elas nunca
tivessem ocorrido de fato. O artigo foi recebido com ceticismo. O presidente do grupo,
Krafft-Ebing, disse que ele parecia “um conto de fadas científico” (Jones, 1953, p. 263).
Freud replicou que seus críticos eram ignorantes e que podiam ir todos para o inferno.
Cerca de um ano depois, Freud mudou de posição, alegando que, na maioria dos casos, as
experiências de sedução infantil descritas pelos pacientes nunca tinham ocorrido de fato.
Isso marca outra mutação na história da psicanálise. No início, a consciência de que alguns
dos pacientes relatavam fantasias foi um golpe para Freud, porque sua teoria da neurose se
baseava na crença de que os traumas sexuais infantis eram reais. Refletindo, porém, ele
concluiu que essas fantasias eram bem reais para os pacientes. E, como as fantasias tinham
o sexo como centro, este permanecia na raiz dos seus problemas. Assim, Freud pôde
preservar a tese básica do sexo como a causa da neurose.
Quase um século depois, em 1984, surgiu uma controvérsia quando um psicanalista que
dirigira por algum tempo os Arquivos Freud, Jeffrey Masson, acusou Freud de estar
mentindo sobre a realidade das experiências sexuais infantis dos pacientes. Masson alegou
que a maioria dos abusos sexuais relatados por pacientes de Freud tinha de fato ocorrido e
que Freud decidira considerá-los fantasias apenas para tornar seu sistema mais aceitável
para os colegas e o público (Masson, 1984).
A maioria dos estudiosos respeitados contestou as afirmações de Masson, alegando que ele
não apresentou provas convincentes (ver Gay, 1988; Krüll, 1986; Malcoim, 1984). A
disputa mereceu ampla publicidade em jornais e revistas. Numa entrevista ao Washington
Post (19 de fevereiro de 1984), os freudianos Paul Roazen e Peter Gay descreveram a teoria
de Masson como “um embuste”, “uma grave calúnia” e “uma severa distorção da história
da psicanálise”. Deve-se notar que Freud nunca abandonara a sua crença de que o abuso
sexual infantil tinha por vezes ocorrido; o que ele negara fora sua concepção anterior de
que essas experiências sempre tinham ocorrido; ele tinha afirmado que esse abuso infantil
tão dissemi nado dificilmente merecia crédito. Afinal, quem poderia acreditar que tantos
pais e tios abusavam sexualmente de menininhas?
Contudo, evidências mais recentes indicam que o abuso sexual infantil é mais comum do
que se costumava pensar, levando os pesquisadores a sugerir que a concepção freudiana
original da teoria da sedução pode ter sido a correta. Não sabemos se Freud suprimiu delibe
radamente a verdade, como diz Masson, ou acreditou genuinamente que seus pacientes
relata vam apenas fantasias. Entretanto, é possível sugerir que “o número de pacientes de
Freud que estavam contando a verdade sobre suas experiências infantis era maior do que
ele estava preparado para acreditar” (Crewsdon, 1988, p. 41).
A essa mesma conclusão chegara, nos anos 30, o discípulo de Freud, Sandor Ferenczi. Com
base nos relatos de seus pacientes, Ferenczi concluíra que o complexo de Édipo resultava
de atos reais de abuso sexual, e não de fantasias. Quando Ferenczi ia apresentar suas idéias
num congresso psicanalítico em 1932, Freud tentou impedi-lo de ler o artigo. Como isso
fracassasse, Freud liderou uma vigorosa oposição à alegação do seu aluno.
Também se sugeriu que Freud modificou a teoria da sedução porque percebeu que, se
isso fosse verdade, todos os pais, incluindo o seu, seriam culpados de atos perversos contra
os
filhos (Krüll, 1986).
Seja qual for o julgamento final da teoria da sedução, está claro que Freud, que acentuava
336
o papel do sexo na vida emocional, tinha uma atitude negativa diante do sexo em geral e
passara ele mesmo por dificuldades sexuais. Ele escrevera sobre os perigos da sexualidade,
mesmo para pessoas não neuróticas, alegando que devíamos nos empenhar para nos elevar
acima dessa ‘necessidade animal comum”. Ele considerava o ato sexual degradante, tendo
afirmado que contaminava a mente e o corpo. Em 1897, quando tinha quarenta e um anos,
Freud contou que, pessoalmente, desistira do sexo, escrevendo a um amigo que “a
excitação sexual já não tem nenhuma utilidade para uma pessoa como eu” (Freud, 1954, p.
227). Freud passara por experiências esporádicas de impotência e, por alguns períodos, se
absteve do sexo devido ao seu declarado horror pelos preservativos e pelo coito
interrompido, os métodos- padrão de controle da natalidade da época.
No mesmo ano em que decidiu abandonar o sexo, Freud começou a monumental tarefa de
auto-análise. Por vários anos, ele tivera algumas dificuldades neuróticas, tendo diagnostica
do sua condição como neurose de ansiedade, que atribuiu ao acúmulo de tensão sexual.
Essa foi uma época de um intenso tumulto interior para Freud, mas, ao mesmo tempo, um
dos seus períodos mais criativos. Ele empreendeu a tarefa de auto-análise como um recurso
para melhor compreender a si mesmo e aos seus pacientes; para isso, empregou o método
da análise de sonhos.
No curso do seu trabalho, Freud descobrirà que os sonhos do paciente poderiam ser uma
rica fonte de material emocional significativo. Os sonhos com freqüência continham
indícios que remetiam às causas subjacentes de um distúrbio. Devido à sua crença
positivista de que tudo tinha uma causa, ele achava que os eventos de um sonho não
poderiam ser completamente sem sentido, mas resultar de algum elemento presente no
inconsciente.
Percebendo que não podia analisar a si mesmo com a técnica da livre associação (pois era
difícil assumir os papéis de paciente e terapeuta ao mesmo tempo), Freud decidiu analisar
seus sonhos. Ao despertar toda manhã, ele anotava o material onírico da noite e fazia livres
associações com ele. Essa auto-análise durou uns dois anos, culminando com a publicação
de A interpretação dos Sonhos (1900), livro hoje considerado sua principal obra. Nele,
Freud esboçou pela primeira vez a natureza do complexo de Édipo, apoiando-se
amplamente em suas próprias experiências infantis. O livro não foi elogiado por todos, mas
atraiu muito reconheci mento e comentários favoráveis. Revistas profissionais de campos
tão diversos quanto a filosofia e a neuropsiquiatria o analisaram, bem como revistas e
jornais populares de Viena, Berlim e outras cidades européias importantes. Em Zurique,
Suíça, um jovem chamado Cai Jung leu o livro e logo se converteu à nova psicanálise — ao
menos por algum tempo.
No fmal, A Iriteipretação dos Sonhos teve tanto sucesso que mereceu oito edições
durante a vida de Freud. Ele incorporou a análise de sonhos ao corpo de técnicas que usava
em psicanálise e, dali por diante, dedicava ao menos meia hora por dia à auto-análise.
Nos anos produtivos posteriores a 1900, Freud desenvolveu e expandiu suas idéias. Em
1901, publicou Psicopatologia da Vida Cotidiana, que contém uma descrição do hoje
famoso
lapso freudiano. Freud sugeria que, no comportamento cotidiano da pessoa normal, bem
como
nos sintomas neuróticos, idéias inconscientes lutam por expressão e são capazes de
modificar
o pensamento e a ação. O que poderiam parecer lapsos lingüísticos ou atos de esquecimento
casuais eram, na realidade, reflexos de motivos reais, embora não reconhecidos.
Seu livro seguinte, Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, apareceu em 1905. Três
anos antes, alguns alunos lhe pediram para coordenar um grupo semanal de discussão para
que pudessem aprender psicanálise. Esses discípulos, incluindo Alfred Adler e Carl Jung,
mais tarde alcançaram fama através de sua oposição a Freud; este, como vimos ocorrer com
Breuer, não tolerava discussões sobre a sua ênfase quanto ao papel da sexualidade. Quem
não aceitasse ou tentasse modificar esse pilar era excomungado. Freud escreveu: “A
psicanálise é criação minha; durante dez anos, fui a única pessoa que se interessou por ela...
Ninguém pode saber melhor do que eu o que é a psicanálise” (Freud, 1914, p. 7).
337
Na primeira década do século XX, a situação pessoal e profissional de Freud teve uma
pronunciada melhoria. Sua prática privada aumentou e um crescente número de pessoas
passou a levar a sério seus pronunciamentos. Em 1909, ele recebeu um sinal de reconheci
mento internacional quando foi convidado, ao lado de Jung, por G. Stanley Hall, para falar
na celebração do vigésimo aniversário da Universidade Clark, em Massachusetts. Freud
recebeu um doutorado honorário em psicologia. Achou a experiência profundamente como
vente e conheceu muitos psicólogos americanos importantes, incluindo William James, E.
B. Titchener e James McKeen Cattell. As cinco palestras que Freud fez em Clark foram
publicadas na American Journal of Psychology e traduzidas para várias línguas (Freud,
1909/ 1910). Poucos meses depois das cerimônias em Clark, a reunião anual da APA
dedicou uma sessão de três horas à discussão da obra de Freud, prova do impacto de sua ida
aos Estados Unidos.
Embora tenha sido acolhido e recebido com honras em sua visita, Freud ficou com uma
impressão desfavorável dos Estados Unidos, um sentimento que alimentou por muitos anos.
Queixou-se da qualidade da culinária americana, da escassez de banheiros, das dificuldades
com a língua e da informalidade dos costumes. Ele ficou ofendido quando um guia nas
cataratas do Niagara referiu-se a ele como o velhote”. Nunca mais voltou lá e disse ao seu
biógrafo, Ernst Jones, que “a América é um equívoco; um equívoco gigantesco, é verdade,
mas mesmo assim um equívoco” (Jones, 1955, p. 60). Para sermos justos, é preciso
observar que Freud também dizia não gostar de Viena, a cidade em que viveu por tantos
anos.
Foi pouco depois disso que a família psicanalítica oficial foi dividida pela discórdia, pela
dissidência e por defecções. O rompimento com Alfred Adier ocorreu em 1911 e, com Cari
Jung — a quem Freud considerava filho espiritual e herdeiro do sistema psicanalítico —,
em 1914. Freud queixou-se amargamente dessas defecções. Num jantar com a família,
lamentou sua incapacidade de conservar a lealdade daqueles que um dia tinham sido tão
fiéis a ele e à sua causa. “O problema com você, Sigi”, observou sua tia, “é que você
simplesmente não compreende as pessoas” (Hilgard, 1987, p. 641).
Quando da eclosão da Primeira Guerra, havia três facções rivais, mas Freud conservou o
nome psicanálise para o seu grupo. Os anos de guerra impediram o progresso do seu
sistema, reduzindo o número de seus pacientes e, portanto, sua renda. Com uma esposa,
seis filhos e uma cunhada para sustentar, ele estava muito preocupado com as questões
financeiras. Freud alcançou o auge da fama entre 1919 e 1939, e continuou a escrever, a
atender vários pacientes por dia e tirava três meses de férias todo verão. Por volta da década
de 20, a psicanálise tinha evoluído como sistema teórico que propunha uma compreensão
de toda motivação e personalidade humanas, e não apenas como um método de tratamento
de pessoas perturbadas.
Em 1923, descobriu-se que Freud tinha câncer na boca. Nos dezesseis anos seguintes, ele
sofreu uma dor quase contínua e se submeteu a trinta e três operações; foram removidas
porções do seu palato e do maxilar superior. Recebeu tratamento de raios X e de
radioterapia, sendo submetido também a uma vasectomia, que, segundo alguns médicos
acreditavam, rever teria o desenvolvimento do câncer. O aparelho bucal que as operações o
obrigaram a usar prejudicava sua fala, tornando-se cada vez mais difícil compreender o que
ele dizia. Embora continuasse a ver os pacientes e discípulos, ele evitava outros contatos
pessoais. Freud perma neceu, depois do diagnóstico de sua doença, fumando seus vinte
charutos por dia. (O escritor contemporâneo Anthony Burgess descreveu no New York
Tirnes de 7 de outubro de 1984 sua visita à casa de Freud em Viena, hoje um museu. É
possível adquirir lá uma vívida lembrança dos últimos anos sombrios de Freud. “Você pode
comprar um registro fonográfico em que [ fala dos mortos num inglês correto torturado
pelos ruidos da sua prótese.”)
338
Freud, cercado por membros da comunidade psicológica americana, na Universidade Clark
em 1909.
Primeira fileira, da esquerda para direita: Franz Boas, E. B. Titchener, William James,
William Stem,
Leo Burgerstein, G. Stanley Hall, Sigmund Freud, Cari Jung, Adolf Meyer, II. S. Jennings.
Segunda
fileira: C. E. Seashore, Joseph Jastrow, James McKeen Cattell, E. F. Buchner, E.
Katzenellenbogen,
Emest Jones, A. A. Brill, William H. Burnham, A. F. Chamberlain. Terceira fileira: Albert
Schinz, J. A.
Magni, B. T. Baldwin, F. Lyman Welis, G. M. Fobes, E. A. Kirkpatrick, Sandor Ferenczi,
E. C. Sanford,
J. P. Porter, Sakyo Kanda, Hikoso Kakise. Quarta fileira: G. E. Dawson, S. P. Hayes,
Edwin B. Holt, C.
S. Berry, G. M. Whipple, Frank Drew, J. W. A. Young, L. N. Wilson, K. J. Karison, H. H.
Goddard, H.
1. Klopp, S. C. Fuiler.
Com a chegada de Adolf Hitler ao poder em 1933, a posição nazista oficial sobre a
psicanálise ficou clara — livros de Freud foram queimados publicamente em maio daquele
ano, numa fogueira em Berlim. Enquanto os volumes eram atirados ao fogo, um nazista
gritava:
“Contra a supervalorização da vida sexual, destruidora da alma — e em nome da nobreza
da alma humana — ofereço às chamas os escritos de um certo Sigmund Freud!” (Schur,
1972, p. 446). Freud comentou: “Estamos progredindo. Na Idade Média, eles teriam me
queimado; hoje em dia, contentam-se em queimar meus livros” (Jones, 1957, p. 182).
Por volta de 1934, os analistas judeus mais visados tinham deixado a Alemanha. A
vigorosa campanha nazista para erradicar a psicanálise do país foi tão eficaz que o conheci
mento de Freud, antes tão disseminado, fora praticamente obliterado. Um aluno do Instituto
de Pesquisa Psicológica e Psicoterapia, instalado pelos nazistas em Berlim, relembra que ‘o
nome de Freud nunca era mencionado, e seus livros eram mantidos numa estante fechada”
(New York Titnes, 3 de julho de 1984). Quase cinqüenta anos depois da guerra, ainda não
se encontram na Alemanha muitos livros importantes sobre a psicanálise.
339
Contrariando o conselho de amigos, Freud insistiu em permanecer em Viena. Em março de
1938, a Alemanha invadiu a Áustria e, no dia 15, sua casa foi saqueada por um bando de
nazistas. Uma semana depois, sua filha Anna foi presa e detida por um dia. Freud se
convenceu de que devia fugir. Em parte graças à intervenção do embaixador americano na
França, os nazistas permitiram que Freud fosse para a Inglaterra. Quatro de suas irmãs
morreram em campos de concentração nazistas. Para garantir um visto de saída, Freud teve
de assinar um documento atestando o tratamento respeitoso e cortês da Gestapo e
observando não ter razões para queixas. Ele assinou o formulário e acrescentou o
comentário sarcástico: “Posso reco mentar calorosamente a Gestapo a qualquer pessoa”
(Jones, 1957, p. 226).
Embora bem recebido na Inglaterra, Freud não pôde aproveitar o último ano de sua vida por
causa da doença. “É trágico”, disse ele, “quando um homem sobrevive ao seu corpo”
(Time, 10 de abril de 1939). Ele permaneceu lúcido e trabalhou quase até o fim. Alguns
anos antes, quando escolhera Max Schur como médico pessoal, Freud fizera que ele
prometesse que não o deixaria sofrer desnecessariamente. Em 21 de setembro de 1939,
Freud recordou o médico de sua promessa. “Você me prometeu não me abandonar quando
a minha hora chegasse. Agora, só me resta a tortura, algo que já não faz sentido” (Schur,
1972, p. 529). Schur deu a Freud três injeções de morfina num período de vinte e quatro
horas, encerrando os muitos anos de sofrimento por que ele passara.
A Psicanálise como Método de Tratamento
Freud descobriu que o método da livre associação nem sempre funcionava livremente.
Cedo ou tarde, os pacientes alcançavam um ponto em que não podiam ou não queriam
continuar. Ele acreditava que essas resistências indicavam que o paciente tinha evocado na
percepção consciente lembranças ou idéias demasiado horríveis, vergonhosas ou repulsivas
para serem enfrentadas. Freud pensava que a resistência é uma forma de proteção contra o
sofrimento emocional e que a presença da dor indica que a análise está se aproximando da
fonte do problema.
Assim, ele supôs que a resistência indicava que o tratamento seguia a direção correta e que
o analista devia continuar a explorar essa área. Freud enfatizava muito que se ajudassem os
pacientes a vencer essas resistências. Ele insistia que eles deviam enfrentar as experiências
ocultas, por mais perturbadoras, e vê-las à luz da realidade. Esperava-se que, no curso de
uma análise completa, se encontrassem e se vencessem resistências algumas vezes.
A noção de resistência levou Freud a formular o princípio psicanalítico fundamental da
repressão, o processo de ejetar ou excluir idéias, lembranças ou desejos inaceitáveis da
percepção consciente, permitindo-lhes operar no inconsciente. Para ele, a repressão era a
única explicação adequada para a ocorrência de resistências. Idéias ou impulsos
desagradáveis são expulsos da consciência e mantidos à força fora dela. O terapeuta deve
ajudar os pacientes a trazer esse material reprimido de volta à consciência, para que possam
enfrentá-lo e aprender a conviver com ele. (Alguns pesquisadores sugeriram que Freud
desenvolveu os conceitos de resistência e repressão a partir da obra do filósofo alemão
Arthur Schopenhauer. Freud disse que não tinha lido suas obras, mas reconheceu sua
precedência.)
Freud admitia que o trabalho eficaz com pacientes neuróticos depende do desenvolvi mento
de uma relação pessoal íntima entre paciente e terapeuta. Notamos antes que a transfe
rência que Arma O. desenvolveu em relação a Breuer o perturbou tanto que ele encerrou
seu tratamento. Freud considerava essa transferência das atitudes emocionais do paciente
dos genitores para o terapeuta vital e necessária ao processo terapêutico. Um dos alvos da
terapia era emancipar os pacientes de sua dependência infantil e ajudá-los a assumir um
papel mais adulto.
340
Observamos o reconhecimento dado por Freud à importância do material onírico na sua
própria auto-análise. Ele acreditava que os sonhos representam uma satisfação disfarçada
de desejos e anseios reprimidos e que a história onírica é muito mais significativa e
complexa do que pode parecer. Conta-se que numa noite de quarta-feira, no dia 24 de julho
de 1895, sentado a uma mesa do lado nordeste do terraço do restaurante Believue, em
Viena, Freud percebeu que a essência do sonho é a realização de desejos. Seguindo a noção
de que o gênio sempre se lisonjeia datando suas próprias inspirações, Freud gracejou
dizendo que uma placa deveria ser construída naquele lugar: ‘Aqui foi revelado ao Dr.
Sigm. Freud, no dia 24 de julho de 1895, o segredo dos sonhos” (Jones, 1953, p. 354).
Os sonhos têm um conteúdo manifesto e um conteúdo latente, O conteúdo manifesto é a
história contada quando nos recordamos dos eventos ocorridos no sonho. A verdadeira
significação do sonho reside, contudo, no conteúdo latente, que constitui o seu significado
oculto ou simbólico. Para interpretar o sentido oculto, o terapeuta deve partir do conteúdo
manifesto para o latente, isto é, interpretar o significado simbólico dos eventos que o
paciente relata na história onírica.
A análise dos sonhos é um tarefa complexa. Freud acreditava que os desejos proibidos
presentes no conteúdo onírico latente se exprimem, no conteúdo manifesto, apenas de
forma
simbólica ou disfarçada. Embora muitos simbolos que surgem em sonhos só tenham
relevância
Freud em seu gabinete em Viena, no ano de 1937, cercado pela sua coleção de antigüidades
gregas, romanas e egípcias.
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