A História - Compagnon

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ANTOINE COMPAGNON © DEMONIO DA TEORIA LITERATURA E SENSO COMUM CLEONICE Pages BARRETO MourAO. CONSUELO ForTES SANTIAGO Tradugao 22 edicao 2* reimpressao Belo Horizonte Editora UFMG 2014 CAPITULO v1 A HISTORIA Os dois altimos elementos — 4 bistoria e © valor—, cujas implicagoes teOricas gostaria ainda de destacar, nao sao inteira- mente da mesma natureza que os anteriores. Os cinco primeiros elementos se nivelavam com a literatura; estavam necessariamente presentes no mais simples intercambio literario, relacionados com ela, inevitavelmente, por menor que fosse 0 contato. Tao logo eu pronuncie uma palavra contida numa pagina que leio ou até mesmo tao logo eu a leia, tomo partido a seu respeito. Quer eu escolha, para descrever um poema, um romance ou outro texto qualquer, privilegiar 0 ponto de vista do autor ou o do leitor, nenhum estudo literario se abstém de estabelecer uma definigao das relagdes entre tal texto e a literatura, tal texto e seu autor, tal texto e o mundo, tal texto e seu leitor (nesse caso, eu), tal texto ea lingua, ou de formular uma hipotese sobre essas relacdes. Tentamos, pois, por meio da anilise dessas cinco relagées, fixar os conceitos fundamentais da literatura: literariedade, intengao, representacao, recep¢ao, estilo. Essa é alias a razdo pela qual tais relagdes foram as primeiras a serem alvo da teoria literaria, em sua cruzada contra a opiniao corrente. As duas nogées que se seguem diferem ligeiramente das ante- tiores, Elas descrevem as relacdes dos textos entre si, comparam- “Nos, seja levando em consideracdo o tempo (a historia), seja sem lev4-lo em conta (o valor), na diacronia ou na sincronia. Tais nogdes sao, portanto, de alguma forma, metaliterarias. No €ntanto, nos capitulos precedentes, os textos literarios nao foram considerados exclusivamente em sua singularidade: a pluralidade Constitutiva da literatura foi por varias vezes evocada, juntamente Com a intertextualidade, apresentada como substituta da referéncia 40 mundo, por ocasizio de nossa analise da relagao do texto com © mundo. Mas agora o Angulo de abordagem € diferente: €, justa- Mente, um Angulo comparativo. Trata-se de observar as opedes que animam qualquer discurso sobre a literatura, qualquer estudo Iiteririo a respeito das relagdes dos textos entre si, do ponto gg vista da hist6ria literaria e do valor literdrio. Qualquer Comentirig, sobre um texto literério toma partido em relacao AO que seja a histéria da literatura € ao que Seja o valor em literatura, Todo texto literirio também o faz, € claro, mas desde 0 inicio deste livro, as questoes levantadas foram mais precisamente Metactiticas, tedricas enquanto metacriticas (falou-se da literatura através de um, reflexao sobre o que se diz da literatura, ¢ todo mundo tem ideias sobre a literatura; sem as ideias que se tem dela a literatura Nao funciona). Trata-se, pois, de destacar as hipoteses que levantamog relativamente a historia e ao valor ou ainda de distinguir, se Possivel, discurso bistérico e discurso critico sobre a literatura. Para abordar as relagdes dos textos entre si no tempo — como elas mudam, como se movem, porque nao é sempre a mesma coisa —, optei pelo termo historia. Poderia ter optado por outros, como movimento ou evolugdoliteraria. Mas a palavra historia me pareceu mais banal, mais comum, e também mais neutra em relagdo a qualquer valorizagao da mudanga, positiva ou negativa, j4 que a historia nao considera essa mudanca nem como progresso nem como decadéncia. O termo bistéria apresenta talvez o inconveniente de orientar a reflexao em outro sentido: ele sugere um ponto de vista, nado apenas sobre a relacdo dos textos entre si no tempo, mas também sobre a relacdo dos textos com seus contextos hist6ricos. Contudo, esses dois pontos de vista sao menos contraditérios do que complementares, sendo, em todo caso, inseparaveis: invocar 0 contexto histérico serve geralmente, na verdade, para explicar o movimento literdrio. Trata-se mesmo da explicagio mais corrente: a literatura muda Porque a historia muda em torno dela. Literaturas diferentes correspondem a momentos historicos diferentes. Se, conforme observou Walter Benjamin em 1931, num artigo intitulado “Histoire Littérarie et Science de la Littérature” (Histéria Literdria € Ciéncia da Literatural, € impossivel definir 0 estado atual de uma disciplina qualquer e™ mostrar que sua situagao atual nao € somente um elo no desenvol vimento hist6rico autonomo da ciéncia considerada, mas principa- mente um elemento de toda a cultura no instante correspondente, isto € ainda mais verdadeiro em relacao a literatura. Com 0 titulo de historia, a ambi; iguidade € portanto inevitavel, mas € igualment 194 ‘Se aqui — mas tenho f > lodas essas nocdes siio solidarias e constituem um sistema — naio somente as questdes de intengao, de estilo ou de recep¢ao, mas ainda A questio de valor e, em especial, a0 novo como valor moderno por exceléncia. frequentemente reiterado 0 fato de que t Segundo um procedimento doravante fami iar, pode-se partir, para analisar as relagdes entre a literatura e a historia (como contexto e como movimento), das duas posig6es antitéticas habi- tuais, ou dos dois lugares-comuns sobre o tema. Um deles nega a essas relagdes qualquer pertinéncia, 0 outro a elas reduz a literatura: de um lado, o classicismo, ou ainda o formalismo em geral, de outro o historicismo ou ainda o positivismo. A ilusdo genética, comparavel as outras ilusdes denunciadas pela teoria {as ilusdes intencional, referencial, afetiva, estilistica), consiste em acreditar que a literatura pode e deve ser explicada por causas historicas. E incriminar a historia parece ser, na verdade, o gesto indispens4vel e inaugural da maioria das condutas tedricas para estabelecer a autonomia dos estudos literdrios. A teoria literdria acusa a historia literaria de mergulhar a literatura num processo historico que desconhece sua “especificidade” de literatura (precisamente o fato de que ela escapa 2 hist6ria). Ao mesmo tempo, e de forma talvez ligeiramente incoerente, a teoria — Mas nao se trata necessariamente dos mesmos te6ricos = acu historia literdria de nao ser, em geral, autenticamente historica, pois ndo integra a literatura em processos hist6ricos, limitando-se a €stabelecer cronologias literarias. O ponto de vista diacrOnico Sobre a literatura (literatura como documento) € o ponto de vista Sinerdnico (literatura como monumento) parecem inconcilidveis, com 195 raras excecdes, COMO O formalismo russo, que pretendeu fazer uma historia literdria depender de uma teoria literaria (a literariedade miliarizagio a um tempo sincronica e diacrdnica), mag como desfa setGria ni, am criticas de que sua hist6ria nao era verda. a0 qual nao fal deiramente hist6: Entretanto, mesmo que teoria literdria e historia literdria tenham sido, na maior parte de suas corporificagoes, alérgicas uma a outra, parece dificil negar que as diferencas entre as obras literitias sejam, pelo menos em parte, historicas. Seria entao legitimo indagar de qualquer teoria — € de qualquer estudo literario — como ela explica essas diferengas historicas, como as define, como as situa. Uma teoria — inspirada, por exemplo, na linguistica ou na psicandlise — pode recusar a historia como quadro explicativo da literatura, mas ndo pode ignorar que a literatura tem, fatalmente, uma dimensao histérica. Por outro lado, as duas questdes, a da mudanga em literatura e a da contextualizag4o da literatura nao sao necessariamente idénticas nem passiveis de serem reduzidas uma 4 outra, mas é também impossivel ignorar por muito tempo a afinidade entre elas. Antes de abordar os recentes conflitos entre teoria e histéria literarias, parece oportuno tomar uma certa distincia e relembrar sumariamente as formas sob as quais se invocou, nos estudos literarios, o testemunho da historia. HISTORIA LITERARIA E HISTORIA DA LITERATURA Antes que a histéria e a literatura tivessem recebido, no século XIX, suas definicdes modernas, escreveram-se crénicas da vida dos escritores e dos livros, ai incluidas belas-letras e ciéncias, como a monumental Histoire Littéraire de la France (Histéria Literaria da Franca], empreendida por Dom Rivet, Dom Clémencet € 08 beneditinos da congregagao de Saint-Maur (1733-1763). Mas Consciéncia histérica da literatura como instituigao social relativa ee € dependente do sentimento nacional no aparece, 4 ca, antes que Madame de Staél, em De Ja Littérature(Da Lite- ae oon influenciada pelo romantismo alemao, destacass© A cxttica Aeris a dos Costumes e das leis sobre a literatura. vista e descritiva a a do Papeete pe heater ns ret "Ela se opoe a tradic’o absolutista e prescritiva, 106 classica 08 neoclassica, julgando toda obra em telagdo a normas . orais. Ela funda ao mesmo ter . Lene que compartilham a ideia a a ea histéria gevem ser entendidos em sua situagao historica ore sua obra Na tradigao francesa, Sainte-Beuve, com seus “ret A ios”, explica as obras pela vida dos autores e pela — litera- grupos aos quais tenham pertencido. Taine, mais ei ‘40 dos By aeterminismo, explica os individuos através de tes ‘vo em necessarios € suficientes: a raga, 0 meioe o momento. Bruneti cee acrescenta 4s determinacdes biografica e social ada réptia tradi literaria, representada pelo género, que atua pe ne obra ou ao qual ela reage. Na virada do século XIX para o século pela sociolc urkheim, formulou o ideal de uma critica objetiva, oposta ao impressionismo de seus contempora neos. Ele estabeleceu a histéria literaria como substituta da ret6- rica e das humanidades, simultaneamente no curso secundario, onde ela foi paulatinamente introduzida a partir dos programas de 1880, e na universidade, que foi reformada em 1902. Enquanto aretorica servia supostamente para reproduzir a classe social dos oradores, a hist6ria literaria devia formar todos os cidadaos da democracia moderna. Fala-se de historia literdria e também de historia da literatura: Lanson, com o qual a histéria literaria francesa foi por longo tempo identificada (mas ele nao havia participado da fundagao, em 1894, da Revue d'Histoire Littéraire de la France), comecara sua carreira com uma Historia da Literatura Francesa (1895), bem conhecida de varias geracdes de estudantes. As duas expres- sdes no sao sindnimas, mas tampouco independentes (Lanson mostra a ligacdo entre elas). Uma historia da literatura (francesa) €uma sintese, uma soma, um panorama, uma obra de vulgarizagao €,0 mais das vezes, nao € uma verdadeira historia, sendo uma simples sucesso de monografias sobre os grandes eons € 0s menos grandes, apresentados em ordem cronoldgica, um “quadro”, como se dizia no inicio do século XIX € un manual escolar ou universitério, ou ainda um belo liveo (ilustrado) visando 40 piblico culto. Depois do Lanson, Castex € Suren © Lagarde € Michard (que combinam antologia e hist6ria) dividiram ents Mercado das escolas secundarias, surgindo em seguida, a partir do final dos anos sessenta, numerosos manuais mais Ov menos 197 os, Em nossos dias, raramente uma Pessoa OUSa assumir ato de toda a historia de uma literatura Nacional, e genero sio, o mais das vezes, coletivos, o que ncia de pluralismo e de objetividade. subversiv' sozinha © rel: os trabalhos desse Ihes da uma aparé smo € de Em compensacao, a historia literdria designa, desde o final do século XIX, uma disciplina erudita, ou um método da pesquisa, Wissenschaft, em alemao, Scholarship, em ingles: € a filologia, aplicada a literatura moderna a ere d'Histoire Litléraire de iq France, em sua origem, pretendia ser o equivalente de Romania, revista fundada em 1872 para o estudo da literatura medieval). Em seu nome, empreendem-se OS trabalhos de andlise sem os quais nenhuma sintese (nenhuma historia da literatura) poderia se cons- tituir de forma valida: com ela, a pesquisa universitaria substitui a enudicao beneditina, retomada apos a Revolucao na Académie des Inscriptions et Belles-Lettres. Ela se consagra 4 literatura como instituigao, ou seja, essencialmente aos autores, maiores e menores, aos movimentos e as escolas, e mais raramente aos géneros e as formas. De certo modbo, ela rompe com a abordagem historica em termos causais, do tipo filosofia da hist6ria que se desenvolvera na Franca no século XIX, de Sainte-Beuve a Taine e a Brunetiére, mas acaba, na maioria das vezes, por recair na explicagao genética baseada no estudo das fontes. Enfim, a historia literaria e a hist6ria da literatura tém o mesmo ideal longinquo, que nem uma nem outra pretendem ainda concretizar, mas que serve para justificar a ambas: a constituicao de uma vasta hist6ria social da instituigdo literaria na Franga, ou de uma hist6ria completa da Franga literaria Cincluindo também © livro e a leitura). Segunda distin¢do: a histéria literaria tem ela propria, enquanto disciplina, em oposi¢ao a historia da literatura enquanto quadro, um sentido muito amplo e um sentido mais restrito. Em sentido amplo, a historia literaria abrange todo estudo erudito sobre a lite- ratura, toda pesquisa literdria (ver o longo monopdlio dos estudos literdrios exercido na Franca pelo lansonismo). Ela se assemelha a filologia definida, no sentido alem&o do século XIX, como © estudo arqueolégico da linguagem, da literatura e da cultura em a ost ie modelo dos estudos gregos e latinos, em de uma pod ns os medievais, visando a reconstrugao historica estivesse ali An decide nao mais compreender, como se sé 7 ria literdria é, pois, um ramo da filologia 198, oa pa do momento em que se reconhece e se para dos textos dessa civil nos Se] ‘A hipdtese central da hist6ria literaria é que o escrito ‘obra devem ser compreendidos em sua situagao histonica, ee Grompreensio de uM texto pressupse o conheriments ae contexto: “Uma obra de arte s6 tem valor em seu ambiente circundante, € 0 ambiente circundante de toda obra € sua €poca” escreveu Renan. Em suma, faco filologia ou historia literdria yando vou ler uma edicao rara na Biblioteca Nacional, mas nao quando leio uma edigao de bolso da mesma obra, em casa junto 3 lareira. Bastaria ir 4 biblioteca para fazer hist6ria literria? Em certo sentido, sim. Lanson pretendia que se faz historia literdria a partir do momento em que se manifesta interesse pelo nome do autor estampado na capa do livro, em que com isso se da ao texto um contexto minimo, em que se sai, por pouco que seja, do texto para ir ao enconto da histéria. Mas a filologia tem também um sentido restrito, mais moderno, o de gramatica histérica, de estudo hist6rico da lingua. Entre a vasta historia social da ins ido literaria e a filologia restrita a linguistica hist6rica, o intervalo é imenso, e a historia literdria fica sujeita 4 controvérsia. HISTORIA LITERARIA E CRITICA LITERARIA Ao final do século XIX, quando a historia literaria foi instituida como disciplina universitaria, ela queria se distinguir da critica lite- raria, qualificada como dogmatica ou impressionista (de um lado, Bruneti@re, do outro, Faguet) e, por essa razdo, condenada. Invocava-se 0 positivismo contra o subjetivismo, cuja critica dogmitica s6 teria oferecido uma variante. Além dessa conjuntura antiquada, a oposi¢ao fundamental € Entre 0 ponto de vista sincrénico e universalista sobre a literatura Pr6prio do humanismo classico — todas as obras sio percebidas ém sua simultaneidade, elas sio lidas Gulgadas, apreciadas, amadas) Como se fossem contemporineas entre si, € contemporineas se Seu leitor atual, fazendo-se abstracao da histéria, da distancia ‘emporal — e o ponto de vista diacr6nico € relativista, que Considera as obras como séries cronolégicas integradas a um 199 a distingao entre monumento € documento, eterna e hist6rica. Paradoxal por natureza, spectos, € um documento hist6ricg ar uma emogio estética. hist6rico. E arte € de seus porcion) processo Ora, a obra de irredutivel a. um que continua a pro 4ria designa ao mesmo tempo 0 todo (em sentido Ahistéria liters signa: ; amplo, todo 0 estudo. literdrio) e a parte tom oe Testrito, o estudo das séries cronolégicas). A confusao € mais embaracosa na medida em que as palavras critica literdria sao elas também utili- zadas num sentido geral e num sentido particular: elas designam ao mesmo tempo a totalidade do estudo literario € sua parte que diz respeito ao julgamento. Assim, qualquer manual de historia da critica literaria cede lugar a formas do estudo literario que repugnam em alto grau a critica literaria, no sentido préprio de julgamento de valor. Como se vé, este € um terreno minado. Alias, qual o valor do critério de presenga ou de auséncia de julgamento para separar critica € histéria literarias? O historiador, afirma-se muitas vezes, constata que A deriva de B, enquanto o critico afirma que A € melhor que B. Na primeira proposi¢ao, 0 julgamento, a opiniao, o valor estariam ausentes, ao passo que na segunda o observador estaria envolvido. De um lado, a objetivi- dade dos fatos, de outro, julgamentos de opiniao e de valor. Mas esta bela divisao € pouco defensavel quanto ao fundo. A primeira proposicao — por exemplo, a mem6ria involuntaria proustiana tem sua origem na lembranga poética de Chateaubriand, Nerval e Baudelaire — pressupde claramente escolhas. Antes de mais nada, quem sao os grandes escritores? Qual é 0 eixo da genealogia literaria? Na imensa nebulosa da producgao editorial, durante um século, escolheram-se Chateaubriand, Nerval, Baudelaire e Proust, e mais alguns figurantes. A historia literaria se move de topo em topo; as ideias circulam de génio a génio. Datas, titulos e biogra- fias sto sem dtivida fatos, mas nenhuma historia literaria se contenta em fornecer quadros cronolégicos. E, no principio de toda hist6ria literdria, hd esta escolha fundamental: que livros so literatura? A historia literdria lansoniana confiou nas fontes € nas influéncias como se elas fossem fatos objetivos, mas fontes € influén- cias requerem a delimitagdo do campo no qual serao detectadas € consideradas pertinentes. Esse campo literario €, pois, O resultado de inclusées e de exclusdes, em suma, de julgamentos. 4 I historia literaria procede a uma contextualizagao num lominio delimitado por uma critica prévia (uma selegao) explicit 200 sta. Segundo a aMbICRO, OU a ilusd0, do positivi ragao (fazer reviver um momento do passad VISMO, essa st sultar ‘ado, enc ons, consular Arquivos, estabelecer fatos) bree ‘9 anacronismo da critica. A historia litera panes ivos ; a acumula comet fatos relativos obra que, escreveu Lanson, “de simula . vi son, “deve ser “ec da primeiro no tempo Cu que nasceu, em telagdo a seu co! ‘ea esse rempo . O advérbio de Lanson, primeiro, mal di doxo do texto e do contexto ao qual jamais a mt acti “ : ‘Scapou ‘ sria literiria. Como conhecer “num primeiro contato”, — gar” uma obra, em seu tempo € nao no nosso? Lanson t quer pois dizer que € preciso, “antes de mais nada”, conhecé-la gem seu f@MPO, que isso € mais importante do que conhecé-la no nosso. Eis 0 imperativo categorico da histéria literdria. A ada explicagao de texto € primeiro uma explicaca cham: - : plicagao pelo contexto. Longe das grandes leis sociolégicas ou genéricas de Taine e de Brunetiére, os “pequenos fatos”, no caso as fontes e as uéncias, se tomnam as palavras-chave da historia literaria is : ria, que mula monografias e deixa sempre para mais tarde o progr acul . programa | de uma “hist6ria da vida literaria na Franca”. geral iG: Admitido isso — 0 positivismo dissimulava uma critica lite- riria que no ousava dizer seu nome — a diferenga sutil entre um julgamento que adota sem pejo 0 ponto de vista do presente (voluntariamente anacr6nico, como em “Pierre Ménard, autor do Quichote”), e um julgamento baseado (na medida do possivel, esem ilus6es) nas normas e critérios do passado nao teria, apesar de tudo, fundamento? A separacao estanque entre critica literaria e historia literaria deve ser denunciada como um engodo (é 0 que fez a teoria), igual a todas as polaridades que minam os estudos literarios, mas nao renunciar a uma ou a outra. E sim, a0 contrario, para levar a cabo uma e outra, com conhecimento de causa, O historicismo imaginava ser possivel a alguém por de lado seus prdprios julgamentos para reconstruir um momento to pasado, A critica do historicismo nao nos deve impedir de lentar penetrar, por pouco que seja, as mentalidades antigas € de nos submetermos as suas normas. Pode-se estudar 0 quadro e Sambiente da obra — seu contexto e seus antecedentes — sem Considerd-los como causas, mas apenas como condicOes. Pode-se, ni ambicao determinista, falar simplesmente de coe eee Contextos, os antecedentes e a obra, sem se privar e A ma. Possa contribuir para uma melhor compreensao da mes! 201 HISTORIA DAS IDEIAS, HISTORIA SOCIAL seria a hist6ria literiria, mesmo desvinculada do positivs verdadeiramente hist6rica? E verdadeiramente literiria? Nao se via na melhor das hipéteses, uma hist6ria social ou uma histori cee eis? Lanson trigoU para a histGria literdria um programs cbicioso, que ia muito além do rosario de monografias aie os grandes escritores, Observou, em 1903, em seu “Programme d'Etudes sur Histoire Provinciale de la Vie Littéraire en France” [Programa de Estudos sobre a Hist6ria Provinciana da Vida Literaria na Frangal, que continua atual: mo, Poder-se-ia [...) escrever, a0 lado desta “Histoire de la Littérature Francaise”, ou seja, da producio literdria, da qual temos exemplares suficientes, uma “Histoire Littéraire de la France” que nos faz falta e que € hoje quase impossivel tentar realizar: quero dizer (..] 0 quadro da vida literaria na nacdo, a historia da cultura e da atividade da multidao obscura que lia, bem como dos individuos ilustres que escreviam.? Quem lia? O que se lia? Como se lia, naio somente na corte € nos salées, mas em cada provincia, em cada cidade, cada aldeia? Lanson admitia que esse programa era imenso, mas de modo algum o considerava irrealizavel. Entretanto, Lucien Febvre, numa recensao severa de uma obra de Daniel Momet, discipulo e sucessor de Lanson, atacaria com viruléncia, em 1941, essa hist6ria literdria que se limitava de forma excessivamente rigida aos autores, e mais ainda, aos grandes autores: Uma “hist6ria hist6rica” da literatura, (...] isso quer dizer, ou querena dizer, a historia de uma literatura numa dada época, em suas relagoes com a vida social dessa época. [..J Seria necessario, para escrevé-l, reconstituir 0 meio, perguntar-se quem escrevia, e para quem; quem lia, € por que; seria necess4rio saber que formagao tinham recebido, na escola ou alhures, os escritores — e, igualmente, seus leitores (..] seria necessario saber que sucesso obtinham estes € aqueles, quais eram a amplitude e a profundidade desse sucesso; ser? necess4rio associar as mudangas de habito, de gosto, de escritura € de preocupagio dos escritores com as vicissitudes da politica, com as transformagées da mentalidade religiosa, com as evolugoes da vida social, com as mudangas da moda artistica € do gosto etc. Seria necessirio... Paro por aqui? 202 fi ‘ato de elas permanecerem estranhas 4 » entava é fai de se haver renunciado, ms a de toda a dimensa, * AGS La per Gr conta a dimensio social da linge Lahm @ q hos privava essa pretensa hist6ria literarig een © WE ia re 1a mus ol vaya a0 alcance histérico. de um verda- ci pistoriadores formados na escola dos Annates ra relativamente pouco tempo, a implementar 6 rom, ni Rone de FeDwre. Eles se interes: Programa de t elt Jeitura, reunindo esta’ ‘as sobre as tiragens, a aa sol feedigoeSs sobre o tempo de vida das obras, sobre a vo Ita as 2 Emper am-s ” pita das sesmas 20 mercado. Empenharam-se em conhecer e deser oe ever os leitores reais com base em indices materiais, como catil de pibliotecas 0U inventarios post-mortem. Tentaram por em = g alfabetiza ‘ao dos franceses e medir a distribuicao da —— spular, em especial a “Bibliotheque Bleue de Troyes”, essa tite pia vendida por ambulantes durante varios séculos.4 O livre se tornou assim O objeto de uma historia em série, econdmica e social, amplamente quantificada, principalmente em relacao ao Ancien Régime, mas também em relagao ao século XIX. Pode-se Gtar a histéria da leitura e dos ptblicos no Ancien Régime tal como praticada por Roger Chartier em varias obras importantes nos anos oitenta, ou a das monografias sobre as editoras, como a de Jean-Yves Mollier sobre os irmaos Michel e Calmann Lévy (1984). Assim, sao historiadores, e nao homens de letras, que executam hoje o programa de Lanson. Encontram-se também, com o nome de historia literaria, hist6- rias das ideias (literdrias), ou seja, historias das obras enquanto documentos historicos que refletem a ideologia ou a sensibilidade de uma época. As historias desse género foram mesmo por muito tempo mais difundidas do que aquelas que se conformavam ao programa de Lanson e de Febvre, por exemplo, os grandes livros de Paul Hazard sobre a crise da consciéncia europeia (1935), de Henri Bremond sobre 0 sentimento religioso (1916-1939), ov de Paul Bénichou sobre as doutrinas da era romantica «973- 1992). Essas realizacdes, historias das ideias literarias, resistiram certamente melhor ao tempo do que os produtos da sociocritica marxista, baseados na doutrina do reflexo 0¥ na versao estru- turalista desta, doutrina elaborada por Lucien Goldmann (1959)- Quem ainda acredita, atualmente, numa homologia aie Pensées de Pascal e a visio do mundo da nobre7a togada? Mas nore? as ideias € 0 fade oe i s histrias das ideias € itual de queixa contra essai i : 4 literatura. ‘Alids, o mesmo 203 se poderia dizer do Rabelais de Febvre (1942), cae do senti. Se Pi religioso no Renascimento, que passa ao largo da comple. xidade de Pantagruel © de Gargantua. Historia social, historia das ideias, essas duas historias fracassam infelizmente com maig frequéncia diante da literatura, devido 2 dificuldade da mesma, j gua ambiguidade, até mesmo A sua incoeréncia. O que delay se pode esperar de melhor sio informagdes sobre as condigges sociais € as estruturas mentais contemporineas. Ha que mencionar ainda as historias das formas literdrias (dos cédigos, das técnicas, das convengées), provavelmente as mais legitimamente hist6ricas € literarias, ao mesmo tempo. Elas no tém por objeto fatos ou dados que supostamente precedem qualquer interpretagao, mas sim construgdes francamente hermenéuticas. A grande obra de E. R. Curtius, La Littérature Européenne et le Moyen Age Latin[A Literatura Europeia ea Idade Média Latina] (1948), amplo quadro da sobrevivéncia dos topoi ou “lugares-comuns” da Antiguidade nas literaturas do Ocidente, permanece como um dos estudos mais notaveis, em conformi- dade com esse modelo. Nem por isso esse estudo deixou de ser violentamente atacado. Na realidade, Curtius atribui @ palavra topos um sentido extremamente pessoal e, historicamente, pouco justificavel: ele se apoia no argumentorum sedes de Quintiliano, isto é, na t6pica como grade de perguntas a fazer em qualquer caso, ou como problematica; mas os elementos estereotipados e recorrentes que em seguida ele localiza na literatura medieval se parecem bem mais com motivos ou com arquétipos do que com os topoi da antiga ret6rica, correndo o risco de fazer desaparecer as diferencas caracteristicas de cada época. Dessa forma, ele prejulga a resposta ao problema fundamental proposto por seu estudo: o da sobrevivéncia da latinidade na literatura europeia. Nele, a ubiquidade da forma oculta a variedade das fungdes. Assim, essa hist6ria nao somente se mantém interna A literatura, mas €, antes de mais nada, a da continuidade e da tradigao da Antiguidade latina na cultura europeia, ou da permanéncia do antigo no novo, em detrimento da alteridade individual das diferentes épocas da Idade Média e de suas produc6es literarias, e no desconhecimento de suas condig6es historicas e sociais. Mas uma historia literaria seria ou deveria ser uma historia da continuidade ou uma historia da diferenca? A questao, inevitavel, nos remete & nossa preferéncia, extraliterdria, ética, ou mesmo politica, pela inovacao ou pela imitacao (ver Capitulo VID. 204 ye seria uma verdadeira historia lite ra em si mesma € para . sma? A ex mente uma contradi¢ao em seus termo: les! simp onumento € documento, romani Pois a obra, a um de paradoxos. Sua génese e 2 a Por um numero messivo de PATAGOXOS. & Se € a evolugio de seu aut “ ge tal forma especiais que nao poderiam pertencer a or omni que NAO O da biografia, mas a historia de sua recepeny envolve tantos fatores que ela se torna pouco a P¢ao }ouco um ra sia total. Entre ambas, que fazer? Pouco um ramo A EVOLUCAO LITERARIA Formalismo e historicismo parecem fundamentalmente incom- pativeis. No entanto, os formalistas russos acreditavam ter inven- tado uma nova maneira de levar em conta a dimensio histérica da literatura, A desfamiliarizagao era a seus olhos nao apenas a propria definicao da literariedade, mas também, segundo o titulo de um artigo ambicioso de Iouri Tynianov em 1927, o principio «ge Pévolution littéraire”. A diferenga entre a forma literdria auto- matizada (consequentemente, nao percebida) e a forma literaria desfamiliarizante (consequentemente, percebida) permitia-lhe projetar uma nova historia literaria cujo objeto nao mais seriam as obras literarias, mas os préprios procedimentos literarios. A literariedade de um texto, lembremo-nos, se caracteriza por um deslocamento, uma perturbagao dos automatismos da percepcio. Ora, esses automatismos resultam nado somente do sistema proprio do texto em questao, mas também do sistema literdrio em seu conjunto. A forma enquanto tal, ou seja, literaria, € percebida contra um fundo de formas automatizadas pelo uso. O procedimento literério tem uma fungao de estranhamento, 40 mesmo tempo na obra em que se insere e, para além desse texto, na tradic¢do literdria em geral. Assim, a desfamiliarizacao, como desvio relativamente a tradi¢ao, permite localizar elo hist6rico que une um procedimento ao sistema literario, ao texto €Aliteratura. A descontinuidade (a desfamiliarizacao) substitui a Continuidade (a tradic0) como fundamento da evolugao hist6rica da Tatura. © formalismo resulta numa historia que, diferentenent C40 ocidental, se prende a dinamica da ruptura, 205 com a estética modemista € vanguardista das obras que ing ravam os futuristas. Pi. Com base nisso, os formalistas russos haviam distinguido do, modos de funcionamento da evolugao literdria: de um ladg. parédia dos procedimentos dominantes, de outro, a introduga’ de procedimentos marginais em relagdo ao centro da literature segundo o primeiro mecanismo, quando certos Procedimentos, que se tormaram dominantes numa dada época ou num dado genero, deixam de ser percebidos, entao uma obra, desfamiliar. zante neste aspecto, ao parodia-los, torna-os de novo perceptiveis como procedimentos. O carater convencional do procedimento fica assim novamente manifesto, e um género evolui principal mente tornando sua forma perceptivel através da parédia de seus procedimentos familiares. Poder-se-iam citar numerosos exem- plos, mas Dom Quixoteé o exemplo ideal, como obra parédica na intersec’o do romance de cavalaria e do romance moderno. De acordo com o segundo mecanismo, procedimentos tornados familiares sao substituidos por outros, tomados de géneros margi- nais, num jogo entre o centro e a periferia da literatura, entre a cultura erudita e a cultura popular, que anuncia o dialogismo bakhtiniano. Com base nesse modelo, 0 romance policial incon- testavelmente fecundou a literatura narrativa do século XX, a tal ponto que se tornou um lugar-comum. Nos dois casos, importa bem mais, do ponto de vista estético, a descontinuidade do que a permanéncia, e uma obra verdadeiramente literdria é, por assim dizer, uma obra a um tempo parddica e dialdgica, na fron- teira de seu proprio género e dos demais. Pode-se dizer que, tendo o formalismo russo feito da desfa- miliarizacdo seu conceito fundamental, nao podia ele esquivar-se do questionamento da historia. Enquanto a historia literaria se fecha na maior parte das vezes as questdes de forma e que a critica formalista é, em geral, surda as quest6es de hist6ria, a literariedade dos formalistas era, inevitavelmente, historica: a desfamiliarizacao realizada por um texto particular depende forgosamente da dina- mica que a reabsorve como procedimento familiar. Assim, a historia literaria no € mais 0 relato rarefeito do engendramento das obras-primas nem uma tradigao de formas que se perpetuam de forma idéntica ao longo dos séculos. Mas, perguntar-se-d legitimamente: onde fica a historia? Onde esta a inscrigao na historia dessa dindimica dos procedimentos? O risco da hist6ria tradicional nao € evitado. auto- 206 9 HORIZONTE DE EXPECTATIVA Foi a estética da recepgao, na vei ylou projeto mais ambicioso de rey nciliada com O formalismo. Seu irulo IV, € ser necessario voltar a ele © Proposta por Jauss, que Novacdo da histéria literaria fantasma j4 foi inserido no scessir No proximo, Famacao do valor literdrio, mas € aqui que parece shorde-lO de frente, como solugao de comprot atmo) entre OS EXCESSOS do historicismo e os mais oportuno misso (de bom da teoria. Oartigo de Jauss, “L’Histoire Littéraire comme Défi a la Théorie pinéraire” (A Historia Literaria como Desafio a Teoria Literdria] 4967) serviu de manifesto a estética da Tecep¢gao. O critico alemao esbogava nele o programa de uma nova historia literdria © exame atento da recepgio historica das obras canénicas lhe servia para discutir a submissao positivista e genética da historia literaria & tradigao dos grandes escritores. A experiéncia das obras literarias pelos leitores, geracio apés geracao, tornava-se uma media¢ao entre o passado e o presente que permitia ligar historia e critica. Jauss comegava por lembrar quem eram seus adversdrios: de um lado, o essencialismo, erigindo em modelos intemporais as obras-primas, de outro 0 positivismo, reduzindo-as a pequenas historias genéticas. A seguir ele descrevia, com uma benevo- Iencia severa, as abordagens meritorias cuja incompatibilidade pretendia resolver: de um lado, o marxismo, que faz do texto um puro produto histérico, animado por um interesse judicioso pelo contexto, mas limitado por recorrer ingenuamente 4 teoria do teflexo; de outro, o formalismo, carente de dimensao histdrica, preocupado, num esfor¢o louvavel, com a dinamica do procedi- mento, mas nao levando em conta o contexto. Ora, numa historia literaria digna deste nome, o relato da evolucaio dos procedi- mentos formais nao pode ser separado da historia geral. Jauss via entdo no leitor o meio de atar esses fios divergentes: Para tentar preencher a lacuna que separa o conhecimento hist6rico © conhecimento estético, a historia e a literatura, posso partir daquele limite onde as duas escolas [o formalismo € 0 marxismo] se detiveram. Seus métodos apreendem o fato literdriono circuit fechado de pas €stética da produgao e da representacao; com isso, eles Seotelas a literatura de uma dimensdo que ¢, contudo, ees inerente & sua propria natureza de fendmeno estético €2 sua NAC social: a dimensao do efeito produzido (Wirkung) por uma ODF 207 i um ptiblico de sua “tecepeio". © fe; ue Ihe atribui : ° ee vepectador — numa palavra: 0 pablico enquantg fate especifico, $6 representa, numa € noutra teoria, um papel absoluta, eee reduzido. Quando Ao ignora PU E simplesmente 0 leitor, meatética marxista otodoxa NAO O FAL de forma diferente daquel, como trata o autor: ela se interroga sobre sua situaglo social (.). q escola formalista sO precisa do leitor como sujeito da percepgag que, segundo as incitagdes dO texto, deve discemir a forma ou descobrit © procedimento técnico [...J. Os dois métodos deixam de lado leitor € seu papel 1 especifico cujo conhecimento estético € hist6rico devem absolutamente do se! ser levados em conta.> a classica como monumento universal e a ideia de que ela transcende a histéria, mesma a totalidade de suas tensdes, é ‘A concepgao da obr. intemporal, bem como porque encerra em si substituida por Jauss pelo projeto de uma histéria dos efeitos. Nenhuma obra, por mais can6nica que tenha se tornado, poderia sair indene dessa concep¢ao. Entretanto, como se vé bastante claramente, a estética da recep¢ao se apresenta incontinenti como a busca de um equilibrio, ou de um meio-termo entre teses hostis, o que lhe valerd criticas dos dois lados. Segundo Jauss, fiel aqui @ estética fenomenoldgica, mas conferindo-lhe uma inflexdo historica, a significagao da obra repousa na relacao dialogica (para nao dizer “dialética”, termo excessivamente carregado) que se estabelece em cada época entre ela e o publico: ‘A vida da obra literdria na histéria € inconcebivel sem a participagao ativa daqueles a quem ela se destina. Ea intervengao destes que faz com que a obra entre na continuidade instavel da experiéncia literaria, onde 0 horizonte muda sem cessar [...]. A historicidade da literatura e seu carater de comunicagao implicam uma relacao de troca € dé evolugao entre a obra tradicional, 0 publico ea obra nova [...). Se se considera, entio, a hist6ria da literatura do ponto de vista dessa continuidade que cria o didlogo entre a obra e 0 ptiblico, superas¢ também a dicotomia do aspecto estético e do aspecto hist6rico, € s° restabelece 0 elo entre as obras do passado e a experiéncia literaria é ee elo rompido pelo historicismo. [...] A acolhida de que a obra objeto por parte de seus primeiros leitores ja implica um julga- = de valor estetico Presente em outras obras lidas antesiormente ® ere ee obra pode em seguida desenvolvers historia uma eee I em Beracao, e vai constituir através ea hacia eecee Ge recepobes que decidiré sobre a importan 4 sua posicao na hierarquia estética- 208 mento, nem monumento, a ob; ng maneira de Ingarden e Iser, mas eforpada como Ponto de partida para orga forma, gracas a0 estudo da dia wis6t de modo geral, uma das duas historia € literatura, a contextuali ns dada, agora elas se tornam solidaria si ra € concebida como €ssa partitura é atual- uma reconcili ‘cronia de suas le’ dimensdes da ‘ituras, relagao 40 ou a dinamica, é S. Os efeit ; * los da ‘acluidos na obra, No somente o efeito original e ae ° estio i grual, mas uss toma de Gadamer @ nogao de fusio dos horizontes, ynindo 3 experiéncias Passadas incorporadas num texto os interesses de seus leitores atuais. Essa nocao lhe permite descrever arelagao entre a recepcao primeira de um texto e suas recepgoes steriores, em diferentes momentos da historia e até agora. A Prva nao era, alids, inteiramente nova em Gadamer, e em 1931 Benjamin observava, a respeito das obras literdrias, que mbém a totalidade dos efeitos sucessivos, “feo todo o circulo de sua vida e de sua aco tem tantos direitos, digamos mé mais direitos que a hist6ria de seu nascimento. [..J Pois nao se trata de apresentar as obras literdrias em correlagio com seu tempo, mas de apresentar, no tempo em que elas nasceram, 0 tempo que as conhece — ou seja, 0 nosso.” : Rompendo com a historia literdria tradicional, baseada no autor, e que Benjamin atacava, Jauss se separa também das hermenéuticas radicais que emancipam inteiramente 0 leitor, € insiste na necessidade de se levar em conta, para compreender um texto, sua recep¢ao original. Ele nao liquida, portanto, a tradicao filologica, ao contrario, salva-a através de sua reinsercao num processo mais vasto e num prazo mais longo. Compete ao ctitico, como leitor ideal, fazer 0 papel de intermediario entre a maneira como um texto foi percebido no passado e a foona como ele é percebido hoje, narrando detalhadamente a historia de todos os seus efeitos. Afim de descrever a recep¢io e a producto das obras novas, Jauss introduz, unidas, as duas no¢oes, horizonte de expectativa (inda também ela de Gadamer) € desvio estético Cinspirada nos formalistas russos). © horizonte de expectativa, como ¢ foe, de Tser, mas novamente com usna tonalidade mais BSCE © Conjunto de hipéteses compartilhadas que se pode rien 4 uma geracdo de leitores: “O texto novo evoca para © 209 todo um conjunto de expectativals] e de regras do jogo com ag quais 0 familiarizaram Os textos anteriores € que, ao fio da leitura, podem ser moduladas, corrigidas, modificadas ou simplesmente reproduzidas.”* O horizonte de expectativa, transubjetivo, mode- lado pela tradi¢ao, € identificavel através das estratégias textuais caracteristicas dé uma poca (as estratégias genérica, tematica poética, intertextuaD, € confirmado, modificado ou ironizado, e até mesmo subvertido, pela obra nova que, como o Dom Quixote, exige do ptiblico uma familiaridade com as obras que parodia, no caso, os romances de cavalaria. Mas a obra nova marca também um desvio estético em relagao ao horizonte de expectativa (é a velha dialética da imitagao e da inovacao, agora transposta para © lado do leitor). E suas estratégias (genérica, tematica, poética, intertextual) fomecem critérios para se medir 0 desvio que carac- teriza sua novidade: o grau que a separa do horizonte de expec- tativa de seus primeiros leitores, em seguida, dos horizontes de expectativa sucessivos no decurso de sua recep¢ao. Na recep¢ao literaria, Jauss se interessa pelos momentos de negatividade que a fazem mover-se. Portanto, ele tem em mente principalmente as obras modernas, que negam a tradicao, por oposicao as obras classicas, que respeitam a tradigao e sonham com a intemporalidade, em todo caso mais estaveis ao longo de sua recep¢do. O desvio estético inclui um critério de valor que permite distinguir graus literarios entre, de um lado, a literatura de consumo, que apraz ao leitor e, de outro, a literatura moderna, vanguardista ou experimental, que se choca com suas expecta- tivas, que o desconcerta € 0 provoca. Jauss compara, em relagao ao mesmo tema do adultério burgués, o romance facil de Emest Feydeau, Fanny, e Madame Bovary. Feydeau obteve um sucesso imediato, seu romance se vendeu melhor que o de Flaubert, mas a posteridade dele se desviou, a0 passo que Flaubert viria a conquistar mais e mais leitores. As duas nogées elementares de Jauss permitem assim separar a arte verdadeira (inovadora) e a arte que ele chama de “culindria” (de diversao), numa histéria da sucessio dos horizontes de expectativa que, como entre 0S formalistas, é uma dinamica da negatividade estética. As obras desfamiliarizantes, subversivas — escriptiveis, como Barthes viria a denominé-las — se tornam elas mesmas de tal forma consumiveis, clissicas ou até “culindrias” — Jegiveis, segundo Barthes — para as futuras geragdes, que Madame Bovary no mais surpreende, ou nao muito. Por isso € necessario lé-las 210 is para frente, por assim dizer, ou a de ea tarefa do historiador da Tecepcao me aneira como OS primeiros leitores, ¢ a marenderam, a fim de —afim de Testabelecer Os se; ind a4 forma do didlogo da pergunta e da resposta: a obra oferece uma resposta a uma pergunta dos | que cabe a0 historiador da recepgao identifica horizontes de expectativa encontrados por um; todo momento a eitores, pergunta i. A sucessio dos . a : a obra nao € mais que a série de quest6es as quais ela deu uma resposta. Como as obras mune ie: acessiveis no decurso de suas recep- oes sucessivas senao através dos horizontes de expectativa que dependem do contexto temporal, elas so em parte determinadas por esses horizontes de expectativa. Jauss, que assim ratifica a hermenéutica heideggeriana, destaca a diferenca inevitavel entre uma leitura passada e uma leitura presente, e refuta a ideia de que a literatura possa algum dia constituir um presente intem- poral. A esse respeito, como veremos no pr6ximo capitulo, ele se separa de Gadamer e do conceito de classicismo que a fusio dos horizontes justificava neste Ultimo: as obras classicas, dizia Gadamer, fiel a Hegel, sao elas mesmas sua interpretacao; elas detém um poder inerente de mediagao entre passado e presente. Para Jauss, em compensagao, nenhuma obra é classica em si, e sO se compreende uma obra quando se identificaram as perguntas as quais ela respondeu ao longo da histéria. A FILOLOGIA DISFARCADA Representemos o papel de advogados do diabo. A filologia foi teabilitada, observar-se-4 a parte, com a condigao de se ocupar de toda a duracao da historia entre o tempo da obra € 0 nosso, id que a primeira recepcdo merece nao somente ser sempre estu- dada, mas beneficia-se mesmo de um privilégio em relacio 4s Seguintes: é ela na verdade que permite medir toda a negatividade da obra, consequentemente, seu valor. Em outras palavras, para Continuar a interessar-se pelo contexto original da obra, como fecomendava Schleiermacher, é necessario € suficiente concordar 2 mente por todos OS CONtEXtOS SUCESSiVos de Sua recepsao, entre seu teMPo © O nosso. A tarefa € imensa, mag So preco a pagar para ainda fazer filologia no clima de suspeita gue reina sobre essa disciplina desde a metade do século Xx. tica da recepgao busca estabelecer a historicidade da anos solidarios: em interessar-Se igual A estét literatura em trés pl: (4) A obra pertence a uma série literdria na qual ela deve ser situada. Essa diacronia é concebida como uma progressao dialé- tica de perguntas e respostas: cada obra deixa em suspenso um problema que € retomado pela obra seguinte. Isso se parece bastante com a evolugio literaria segundo os formalistas russos, mas, em Jauss, a inovacao formal nao é 0 unico motor do movi- mento literario, e quaisquer outros problemas relativos as ideias, 3 significacdo, podem também abalé-la. (2) A obra pertence igualmente a um corte sincrénico que deve ser recuperado, levando-se em conta a coexisténcia de elementos simultaneos e elementos nao simultaneos, em qual- quer momento da historia, em qualquer presente. Em relacao a essa ideia, oposta ao conceito hegeliano de espirito do tempo, Jauss invoca Siegfried Kracauer, que insistira na pluralidade das historias de que se compée a histéria, e descreve a historia como uma multiplicidade de fios nao sincronos e de cronologias diferenciais. Dois géneros literarios podem nao ser absolutamente, na mesma data, contemporaneos, € os livros produzidos nesses diferentes géneros, como Madame Bovary e Fanny, tem apenas uma aparéncia de simultaneidade: alguns estao atrasados, outros adiantados em relagdo a seu tempo. Ouve-se habitualmente que o romantismo, o Parnaso € 0 simbolismo se sucederam no século XIX, mas Victor Hugo publicou versos romanticos quase até o aparecimento do verso livre, e o alexandrino classico ainda conheceu dias venturosos no século XX. @) Finalmente, a historia literaria se liga ao mesmo tempo passiva e ativamente a historia geral: ela é determinadae deter- minante, segundo uma dialética a ser refeita. Desta vez, € a teoria marxista do reflexo que Jauss revisa, ou flexibiliza, para reconhecer a cultura uma relativa independéncia em relagao a sociedade, e uma incidéncia sobre ela. Assim, a historia social, a evolucdo dos procedimentos, mas também a génese das obras parecem ligadas, numa historia literdria nova e sincrética, pode- Tosa e sedutora. 212

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