Cultura Indígena No Brasil
Cultura Indígena No Brasil
Cultura Indígena No Brasil
Como o próprio nome indica, povos originários são aqueles que descendem dos primeiros
habitantes de um território. No Brasil, esses povos representam 0,4% da população total do país,
segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao todo, são 305 povos vivendo
no território brasileiro, a maioria concentrada na região da Amazônia, de acordo com o Conselho
Indigenista Missionário (Cimi). Mesmo após a Constituição Federal de 1988 reconhecer organização
social, costumes, línguas, crenças, tradições e o direito originário sobre o local que esses povos
ocupavam, a luta por terras ainda é uma demanda permanente dessa população.
Qual a situação desses povos hoje no país? E pelo mundo, há outras populações que podem ser
consideradas também povos originários? Por que a preservação da cultura e dos direitos desses povos é
importante para a sociedade? Ecoa ouviu especialistas para responder essas e outras questões sobre o
assunto.
No Brasil, povos originários são aqueles que estavam aqui antes da chegada dos europeus —
nesse caso, os indígenas, explica a professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal
do Amazonas (UFAM), Ivani Ferreira de Faria. Ela ressalta que esses mais de 300 povos indígenas que
ainda habitam o país têm cultura, língua e organização social e política próprias. "É o que lhes dá essa
denominação de povo. Isso é diferente de considerá-los como etnias. O termo 'etnia' surge mais no
sentido de grupo cultural, é uma palavra que se contrapõe ao sentido de povo", diz. De acordo com a
pesquisadora, somente na região da bacia do Alto Rio Negro há pelo menos 22 povos, caso dos Tukano,
Tuyuka e Baré, por exemplo. No país todo, são 274 línguas indígenas faladas, aponta o último Censo. "O
IBGE fala em 837 mil indígenas pelo Brasil, nos dados de 2010. Queremos acreditar que mesmo com
todas essas invasões que estão acontecendo em terras indígenas e a mortalidade pela covid-19 já
tenhamos passado de 1 milhão", observa ela, ao destacar que o número de indígenas no país era de 5
milhões antes da colonização europeia. Também pesquisadora da área, a professora Maria Simone
Jacomini Novak, do colegiado de Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), ressalta que
essa redução populacional se deve a diversas tentativas de extermínio. "Os indígenas sofreram
processos violentos o tempo todo ao longo desses 500 anos. Por isso, nós trabalhamos com a
perspectiva de resistência desses povos. Uma das formas de resistência tem sido por meio do ensino
superior. Eles têm usado esse espaço para lutar por direitos de maneira mais sistemática a partir dos
anos 2000", comenta.
A situação é extremamente crítica, avalia a professora da UFAM. Ela argumenta que, ao longo do
processo de colonização, os indígenas que vivem no Brasil não sofreram apenas um genocídio em
decorrência de doenças ou violência física, relacionadas a iniciativas governamentais, sobretudo, na
região da Amazônia. Houve também uma morte cultural, chamada pela professora de etnocídio, e de
conhecimentos, visão de mundo e filosofias próprias desses povos, o epistemicídio. "Houve um ataque a
suas organizações próprias, para que eles deixassem de ser quem são e passassem a viver como nós",
pontua. Ivani cita como caso emblemático dessa dizimação de indígenas a partir de ações para abertura
de estradas no Amazonas os Waimiri Atroari. Esse povo era composto por mais de 3 mil pessoas na
década de 1970, mas foi reduzido a cerca de 300 após a execução do Plano Nacional de Integração,
durante a política militar conhecida como "Integrar para não Entregar". "Isso não tem muito tempo que
aconteceu. Eles eram vistos como obstáculos. Agora, se você está com sua casa sendo invadida, você
não vai ficar de braços cruzados. Ninguém fica", comenta. Essa luta pela defesa da terra, assinala a
professora, tem a ver com a forma de viver dos povos originários que estão no Brasil. Para eles, a noção
de terra está atrelada ao direito à vida, muito mais do que uma mercadoria. "Nosso mundo ocidental não
consegue entender a importância da demarcação da terra. Os povos indígenas têm epistemologias
diferentes das nossas, inclusive de vida. No nosso caminhar enquanto sociedade, nos separamos da
natureza, começamos a destruí-la. Houve uma cisão, coisa que os povos indígenas não fizeram", analisa.
A professora Maria Simone destaca a "completa ausência de efetividade" das políticas públicas.
Ela lembra que, após a Constituição de 1988, os indígenas adquiriram direitos civis, porém houve uma
interrupção nas últimas décadas do processo de demarcação de terras e o sucateamento das políticas
voltadas à educação e à saúde desse público. A precarização tem sido ainda mais agravada a partir de
invasões de terras indígenas e conflitos envolvendo atividades como o garimpo. "Hoje, a luta pela terra
vai puxando outras demandas", afirma. Na opinião da professora Ivani, apesar de o país reconhecer os
povos originários por meio da lei, eles ainda não são aceitos. Pelo contrário, são alvo de discriminação
por parte da sociedade. "Há o de fato e o de direito. O de direito está lá, na Constituição, mas e o de
fato?", questiona. Qual o caminho para mudar esse cenário envolvendo os povos originários no Brasil? É
preciso estar do lado dos povos originários, defende a professora da UFMA, seja na proposição de
alternativas, seja na defesa da demarcação de terras indígenas. Ela sustenta que é necessário não só
reconhecer e aceitar as diferenças de modo de vida, mas pensar em soluções sem imposições ao modo
de organização desses povos. Essa jornada deve começar pela educação e a forma como a questão
indígena é tratada nesse ambiente. "É preciso conviver com as diferenças, sem que nosso pensamento
ocidental se sobreponha aos povos. Trabalho muito com a perspectiva de colonial, no sentido de
desconstruir tudo isso e depois construir propostas a partir do pensamento dos povos originários",
argumenta. Além da demarcação de terras, a professora Maria Simone acredita que são necessárias
políticas públicas que respeitem a autonomia dos povos indígenas. Somente assim, sustenta ela, eles
terão condições de praticar sua cultura e forma de se relacionar de maneira independente na sociedade.
Do contrário, o país, adverte ela, corre o risco de perder cada vez mais elementos culturais que fazem
parte da sua identidade. "A preservação das práticas de manejo da terra, de proteção de florestas, da
biodiversidade, tudo isso é importante para nosso fortalecimento enquanto sociedade", defende.
https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2022/06/07/povos-originarios-quem-sao-eles-no-brasil-e-no-
mundo.htm?cmpid=copiaecola
Por que 19 de abril virou 'Dia do Índio' -- e por que ele é criticado
O dia 19 de abril ficou conhecido no Brasil todo como o "Dia do Índio". A seguir, entenda sua
origem e por que o uso do termo hoje é criticado. A origem da data remete a um protesto dos povos
indígenas do continente americano ainda na década de 1940, quando um congresso organizado no
México se propôs a debater medidas para proteger os índios no território.
O Congresso Indigenista Interamericano, realizado em Patzcuaro, aconteceu entre os dias 14 e 24
de abril de 1940. Em princípio, os representantes indígenas haviam se negado a participar do evento,
achando que não teriam voz ou vez nas reuniões — que seriam comandadas por líderes políticos dos
países participantes. Os índios, então, fizeram um boicote nos primeiros dias, mas, justamente no dia 19
de abril, decidiram aparecer no congresso para tomar parte nas discussões. Foi por conta disso que a
data escolhida para celebrar o dia do índio acabou sendo essa.
Eram 55 delegações oficiais no México. Das Américas, somente Paraguai, Haiti e Canadá ficaram
de fora. Entre os índios, eram 47 representantes dos povos de todo o continente —no caso do Brasil, o
delegado enviado foi Edgar Roquette-Pinto, que não era índio, mas foi antropólogo, etnólogo e estudioso
de povos indígenas da Serra do Norte, na Amazônia. Com o fim do Congresso, foram definidas algumas
medidas genéricas a serem tomadas em favor da defesa dos povos indígenas. Entre elas, estavam o
"respeito à igualdade de direitos e oportunidades para todos os grupos da população da América",
"respeito por valores positivos de sua identidade histórica e cultural a fim de melhorar situação
econômica", "adoção do indigenismo como política de Estado", e, por último, estabelecer "o Dia do
Aborígene Americano em 19 de abril". Não foram todos os países que adotaram a data como dia de
celebração da cultura indígena —e no Brasil ele também levou tempo a ser oficializado, já que o país não
aderiu às deliberações do congresso.
Somente em 1943 foi instituído decreto-lei instituído pelo presidente Getúlio Vargas, que
finalmente estabeleceu a data comemorativa. O responsável por convencê-lo foi o general Marechal
Rondon —que tinha origem indígena por seus bisavós e chegou a criar, em 1910, o Serviço de Proteção
ao Índio— que depois viria a se tornar a atual Funai (Fundação Nacional do Índio). "O Presidente da
República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, e tendo em vista que o
Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, reunido no México, em 1940, propôs aos países da
América a adoção da data de 19 de abril para o 'Dia do Índio', decreta: Art. 1º - considerado - 'Dia do
Índio' - a data de 19 de abril. Art. 2º- Revogam-se as disposições em contrário", dizia o decreto. Além do
Brasil, Costa Rica e Argentina também adotaram a data. Do Congresso, saiu também a criação do
Instituto Indigenista Interamericano, que se tornou um órgão vinculado à OEA (Organização dos Estados
Americanos) em 1953. Depois dele, aconteceram mais 11 edições, sendo a última em 1999, na Cidade do
México. 'Dia da Diversidade Indígena' O uso do termo "índio", no entanto, é criticado por lideranças dessa
área. Doutor em educação pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em Linguística pela
Universidade Federal de São Carlos, Daniel Munduruku defende que a palavra "índio" remonta a
preconceitos —por exemplo, a ideia de que o indígena é selvagem e um ser do passado - além de
"esconder toda a diversidade dos povos indígenas.”
Por isso, "quando a gente comemora o Dia do Índio, estamos comemorando uma ficção", fala
Munduruku, a respeito do 19 de abril. Reflexo disso são celebrações da data feitas por escolas, com uma
"figura com duas pinturas no rosto e uma pena na cabeça, que mora em uma oca em forma de triângulo".
"É uma ideia folclórica e preconceituosa." "A palavra 'indígena' diz muito mais a nosso respeito do que a
palavra 'índio'. Indígena quer dizer originário, aquele que está ali antes dos outros", defende Munduruku,
que pertence ao povo indígena de mesmo nome, hoje situado em regiões do Pará, Amazonas e Mato
Grosso. "Talvez o 19 de abril devesse ser chamado de Dia da Diversidade Indígena. As pessoas acham
que é só uma questão de ser politicamente correto. Mas, para quem lida com palavra, sabe a força que a
palavra tem", continua o escritor, autor de mais de 50 livros para crianças, jovens e educadores.
https://educacao.uol.com.br/noticias/bbc/2022/04/19/por-que-19-de-abril-virou-dia-do-indio----e-
por-que-ele-e-criticado.htm?cmpid=copiaecola