Acórdão Inversão Ônus Da Prova

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SEXTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, ANTIGA 13ª CC.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0053335-26.2023.8.19.0000


AGRAVANTE : GLEBER LOPES DE ALMEIDA
AGRAVADO 1 : BANCO SANTANDER BRASIL S A
AGRAVADO 1 : AYMORÉ CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S/A
AGRAVADO 2 :LIFT PAGAMENTOS LTDA
AGRAVADO 3 : BANCO DO BRASIL S/A
RELATOR: DES. JUAREZ FERNANDES FOLHES

ALEGAÇÃO DE FRAUDE BANCÁRIA. AGRAVO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU


INVERSÃO DO ONUS DA PROVA POR ENTENDER O JUIZO QUE NÃO HÁ
HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA DA PARTE AUTORA PARA COMPROVAÇÃO DE SEU
DIREITO. EFEITO SUSPENSIVO DEFERIDO QUE SE MANTÉM. É CERTO QUE PARA
COMPROVAR SUAS ALEGAÇÕES, O AUTOR TROUXE O E-MAIL RECEBIDO, O
BOLETO FRAUDULENTO, O COMPROVANTE DE PAGAMENTO, TROCA DE
MENSAGENS, CONTRATO DE FINANCIAMENTO, REGISTRO DE OCORRÊNCIA,
CONTESTAÇÃO ADMINISTRATIVA E NÚMERO DO CONTRATO. ENTRETANTO, A
TESE AUTORAL É DE QUE CONSUMIDOR ENTROU EM CONTATO COM A CENTRAL
DE ATENDIMENTO DA FINANCIADORA DO VEÍCULO, MANIFESTANDO INTERESSE
EM QUITAR O FINANCIAMENTO E DE QUE, SOMENTE APÓS MANIFESTAR SUA
INTENÇÃO DE QUITAR, RECEBEU LIGAÇÕES TELEFÔNICAS TERMINANDO A
NEGOCIAÇÃO E ENCAMINHANDO O BOLETO FALSO PARA PAGAMENTO.
VERIFICA-SE QUE OS RÉUS TÊM MELHORES CONDIÇÕES DE AFASTAR A
SUSPEITA DE PARTICIPAÇÕES DE SEUS FUNCIONÁRIOS NA
SUPOSTA FRAUDE NARRADA, BEM COMO DE DEMONSTRAR QUE AS
FACILIDADES COM QUE SEUS CLIENTES SOFREM FRAUDES, COM INFORMAÇÕES
DE DADOS PRIVADOS, NÃO TÊM QUALQUER RELAÇÃO COM AS FACILIDADES DE
OPERAÇÕES OFERECIDAS PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. CONSIDERANDO
SER A MATÉRIA CONTROVERTIDA E DEPENDENTE DE CONHECIMENTOS TÉCNICOS
RELACIONADOS À SEGURANÇA DO SISTEMA OPERACIONAL DOS RÉUS, E
HAVENDO ELEMENTOS QUE COMPROVAM A HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA DO
CONSUMIDOR, MISTER A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. PROVIMENTO DO
RECURSO PARA INVERTER O ÔNUS DA PROVA EM FAVOR DO CONSUMIDOR.

ACÓRDÃO

Visto, relatado e discutido o AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 0053335-


26.2023.8.19.0000, ACORDAM os Desembargadores da Sexta Câmara de Direito Privado, antiga
Décima Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de
votos, em DAR PROVIMENTO AO AGRAVO, nos termos do voto do Desembargador Relator, como
segue:

(CL) Agravo de Instrumento nº 0053335-26.2023.8.19.0000 (S.O.) 1


Assinado em 21/09/2023 15:51:17
JUAREZ FERNANDES FOLHES:9714 Local: GAB. DES JUAREZ FERNANDES FOLHES
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RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por GLEBER LOPES DE ALMEIDA contra a decisão
proferida pelo juízo da 3ª Vara Cível da Regional de Jacarepaguá, nos autos da ação que move em faze
dos agravados com a pretensão de repetição de indébito e indenização por danos morais decorrentes da
quitação de veículo que não reconhecida pelas rés suspostamente em razão de realizada mediante fraude.
Combate o agravante o indeferimento da inversão do ônus da prova em favor do autor.

Com efeito, a decisão atacada indeferiu a inversão do ônus da prova, nos senguintes termos:

“1) Fls. 87, contestação do 4º réu, fls. 150, contestação dos 1º e 2º réus e fls. 212, contestação do 3º
réu. Considerando o caráter público das ações judiciais, indefiro o pedido de Segredo de Justiça, por
ausência de previsão legal;

2) Fls. 88, contestação do 4º réu e fls. 150, contestação dos 1º e 2º réus. A preliminar de ilegitimidade
passiva apresentada não pode ser reconhecida. Conceitua-se a legitimidade das partes como
pertinência subjetiva da ação, bastando a mera afirmação de existência de relação jurídica pelo
demandante;

3) Fls. 150, contestação dos 1º e 2º réus. Indefiro a denunciação à lide pois não estão presentes
nenhuma das hipóteses do art. 125 do CPC, devendo eventual direito regressivo ser exercido por ação
autônoma;

4) Fls. 152, contestação dos 1º e 2º réus e fls. 219, contestação do 3º réu. Impugnação a Gratuidade
de Justiça. Observando os autos, especificamente os documentos de fls. 24, verificase que o autor
comprovou sua hipossuficiência financeira, fazendo jus à gratuidade de justiça concedida. Desta forma,
a pretensão da Impugnante carece de amparo legal. Convém mencionar que em momento algum a
parte Impugnante trouxe prova em contrário da afirmação de pobreza e, segundo nos ensina o art.
373, inciso I, do Código de Processo Civil, caberia a mesma trazer a prova do alegado, motivo pelo qual
REJEITO a presente impugnação, e MANTENHO o benefício da gratuidade de justiça.

5) Fls. 152, contestação dos 1º e 2º réus. Impugnação ao valor da causa. Rejeito a impugnação ao valor
da causa e mantenho o valor de R$ R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais). O valor da causa deve
corresponder ao benefício econômico pretendido. A parte autora formulou pedido certo nos termos
do art. 291 do Código de Processo Civil

6) Fls. 153, contestação dos 1º e 2º réus. Indefiro o pedido de alteração do polo passivo, considerando
que a lide encontra-se estabilizada, sendo necessária a análise de mérito para elucidação dos fatos e
responsabilidades;

7) Inexistem nulidades a serem supridas. Passo a sanear e organizar o processo para a fase probatória,
na forma do artigo 357, do CPC. Presentes as condições para o regular exercício do direito de ação e
pressupostos processuais. Partes capazes, bem representadas;

8) Fixo como ponto controvertido a matéria pertinente a falha na prestação do serviço dos réus, o ato
ilícito praticado e os danos provenientes deste;

9) Defiro os requerimentos de prova documental superveniente formulados pelas partes, indeferindo


as demais posto que desnecessárias para a análise do mérito da demanda. Defiro prazo de quinze dias
para juntada de documentos;

10) Indefiro o pedido de inversão do ônus da prova requerido pela parte autora,
já que não se encontra presente o requisito legal de hipossuficiência técnica da
parte autora para comprovação de seu direito. Assim determino a distribuição do ônus
da prova na forma do art. 373, I e II do CPC;

(CL) Agravo de Instrumento nº 0053335-26.2023.8.19.0000 (S.O.) 2


11). Após a juntada dos documentos, às partes pelo prazo de 15 dias. Após o decurso do prazo de
manifestação das partes e interposição de recurso, certifique-se e voltem conclusos.” (g.n.) 45

Inconformado, o autor agrava, alegando que é vítima de fraude praticada por


pessoas com acesso a informações confidenciais das empresas agravadas,
mas por ser hipossuficiente técnico, sem conhecimentos e informações
sobre o sistema operacional das agravadas, necessita da inversão do ônus
da prova.

Finaliza requerendo:

“a) o recebimento do presente recurso de AGRAVO DE INSTRUMENTO no seu efeito


SUSPENSIVO, nos termos do parágrafo único do art. 995 do CPC, para fins de que seja
imediatamente determinada a suspensão da r. decisão às fls. 369/370, ITEM 10) dos
autos que indeferiu a inversão do ônus da prova; b) a intimação dos Agravados para
se manifestarem sobre o recurso no prazo de 15 (quinze) dias úteis; c) a reforma da r.
decisão às fls. 369/370, ITEM 10) dos autos, para a concessão da inversão do ônus da
prova em favor do consumidor, ora Agravante.”

Concessão de efeito suspensivo ao recurso, determinando que se aguarde o julgamento


do agravo de instrumento.

Contrrazões do Banco do Brasil (índice 22), da Aymoré Crédito e do Banco Santander


(índice 30) e da Lift Pagamentos (índice 33).

É o breve relatório.

Cuida-se de agravo de instrumento, com pedido de concessão de efeito suspensivo, a


fim de suspender os efeitos da decisão proferida pelo juízo a quo, que indeferiu o pedido de inversão
do ônus da prova em desfavor dos réus/agravados.

O agravante ajuizou a ação originária afirmando que adquiriu um veículo através de


financiamento com alienação fiduciária, para pagamento em 36 prestações mensais. Em contato com
a central telefônica da primeira ré, objetivando quitar o débito integralmente, foi informado do valor
a ser pago e de que receberia o boleto por e-mail cadastrado. Recebeu ligações telefônicas de
prepostos das 1ª e 2ª rés, que sabiam de todos os seus dados e após a aceitação da proposta do valor
para quitação, enviaram-lhe o boleto para o seu endereço de e-mail. Pagou o boleto na agência do
Banco do Brasil, mas não recebeu a carta de quitação, como acordado.

Para comprovar suas alegações trouxe o e-mail recebido, o boleto fraudulento, o


comprovante de pagamento, troca de mensagens, contrato de financiamento, registro de ocorrência,
contestação administrativa e número do contrato.

É sabido que a verossimilhança das alegações é aparência da verdade, não exigindo sua
certeza. Já a hipossuficiência é examinada através da capacidade técnica e informativa do consumidor,
de suas deficiências neste campo para litigar com o fornecedor que por sua condição é detentor das
técnicas.

O art. 6º do CDC prevê entre seus direitos básicos: "a facilitação da defesa de seus
direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do
juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências."

(CL) Agravo de Instrumento nº 0053335-26.2023.8.19.0000 (S.O.) 3


Veja-se que a tese autoral é de que consumidor entrou em contato com a central 46
de
atendimento da financiadora do veículo, manifestando interesse em quitar o financiamento e de que,
após manifestar sua intenção, recebeu ligações telefônicas terminando a negociação e encaminhando
o boleto falso.

É certo que os réus têm melhores condições de afastar a suspeita de participações de


seus funcionários na suposta fraude narrada, bem como de demonstrar que as facilidades com que
seus clientes sofrem fraudes, com informações de dados privados, não têm qualquer relação com as
facilidades de operações oferecidas pelas instituições financeiras.

A inversão do ônus da prova é norma de natureza processual que, em vista do princípio


da vulnerabilidade do consumidor, procura equilibrar a posição das partes no processo, devendo
obedecer aos critérios previstos no artigo 6º, inciso VIII da Lei 8.078/90.

Consequentemente, para sua concessão é necessária a demonstração de


hipossuficiência do consumidor ou da verossimilhança de suas alegações, ambas tendo por finalidade
a facilitação da defesa de seus direitos, em Juízo.

O consumidor é a parte mais fraca da relação jurídica e a menos apta a produzir a prova
da veracidade de suas afirmações de que teria sido vítima de fraude. Também é certo que a instituição
financeira tem maior facilidade para comprovar não ter havido qualquer participação por parte de
qualquer preposto seu. A instituição financeira ré tem, inclusive, melhores condições para demonstrar
que as facilidades proporcionadas aos consumidores para concessão de seus produtos não os colocam
em situação de vulnerabilidade para sofrer fraudes em sua conta bancária.

Portanto, considerando ser a matéria controvertida e dependente de conhecimentos


técnicos relacionados à segurança do sistema operacional dos réus, e havendo elementos que
comprovam a hipossuficiência técnica do consumidor, mister a inversão do ônus da prova.

No mesmo sentido:

0093935-26.2022.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO 1ª Ementa Des(a). VITOR


MARCELO ARANHA AFONSO RODRIGUES - Julgamento: 04/05/2023 - VIGÉSIMA
SÉTIMA CÂMARA CÍVEL AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE INDEFERIU O
PEDIDO DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INCONFORMISMO DO AUTOR. FRAUDE
BANCÁRIA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ART. 6º DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. RELAÇÃO DE CONSUMO. HIPOSUFICIÊNCIA TÉCNICA DO
CONSUMIDOR. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA QUE CONSTITUI DIREITO BÁSICO DO
CONSUMIDOR PREVISTO EXPRESSAMENTE NA LEI MATERIAL. PROVIMENTO DO
RECURSO PARA DEFERIR A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM FAVOR DA AUTORA-
CONSUMIDORA. PROVIMENTO DO RECURSO. INTEIRO TEOR Íntegra do Acórdão - Data
de Julgamento: 04/05/2023 - Data de Publicação: 08/05/2023 (*)

0089129-45.2022.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO 1ª Ementa Des(a).


EDUARDO ABREU BIONDI - Julgamento: 19/04/2023 - VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO
INDENIZATÓRIA. FRAUDE DE TERCEIRO (BOLETO FALSO). DECISÃO DE INVERSÃO DO
ÔNUS DA PROVA. IRRESIGNAÇÃO DO BANCO RÉU. 1. Caso em tela que gira em torno
de boleto fraudulento emitido por estelionatário (terceiro) fora das dependências do
Agravante, portanto, sem indício de fortuito interno ou conluio. Autora Agravada que
confessa que boleto em questão é oriundo de página virtual desassociada do Banco

(CL) Agravo de Instrumento nº 0053335-26.2023.8.19.0000 (S.O.) 4


Agravante. Ausência do pressuposto da verossimilhança. 2. Deferimento da inversão
do ônus da prova que está condicionado à presença da verossimilhança das alegações
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ou da hipossuficiência técnica. Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, que, ao
mesmo tempo em que corrobora a discricionariedade do julgador, nas hipóteses em
que aplicável o código consumerista, exige a observância à presença dos requisitos
ensejadores da inversão do ônus probandi: verossimilhança e hipossuficiência. 3.
Decisão vergastada que atribui encargo de prova negativa/diabólica ao Agravante. 4.
Distribuição do ônus da prova que se apresenta mais adequada, segundo as regras
ordinárias do Legislador Processual. Inteligência do artigo 373 do CPC. Precedentes
desta C. Corte. 5. PROVIMENTO DO RECURSO. INTEIRO TEOR Íntegra do Acórdão - Data
de Julgamento: 19/04/2023 - Data de Publicação: 24/04/2023 (*)

Diante do exposto, VOTO EM CONHECER E, NO MÉRITO, DAR PROVIMENTO AO


AGRAVO, PARA DETERMINAR A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM FAVOR DA PARTE AUTORA/
AGRAVANTE NA FORMA DO ARTIGO 6º, VIII DO CDC.

Rio de Janeiro,

DESEMBARGADOR JUAREZ FERNANDES FOLHES


RELATOR

(CL) Agravo de Instrumento nº 0053335-26.2023.8.19.0000 (S.O.) 5

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