Tese - Samuel Ribeiro Zaratim - 2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PERFORMANCES CULTURAIS
DOUTORADO
SAMUEL RIBEIRO ZARATIM

A PERFORMATIVIDADE DAS QUADRILHAS JUNINAS:


reminiscências da tradição e a espetacularização da dança

Goiânia/2020
15/07/2020 SEI/UFG - 1440178 - Termo de Ciência e de Autorização (TECA)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS


FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS

TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO (TECA) PARA DISPONIBILIZAR VERSÕES ELETRÔNICAS DE TESES

E DISSERTAÇÕES NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG

Na qualidade de tular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Goiás (UFG) a disponibilizar,
gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD/UFG), regulamentada pela Resolução CEPEC nº
832/2007, sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei 9.610/98, o documento conforme permissões
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nenhuma violação de quaisquer direitos autorais ou outro direito de terceiros.
1. Iden ficação do material bibliográfico
[ ] Dissertação [ x ] Tese

2. Nome completo do autor


Samuel Ribeiro Zara m

3. Título do trabalho
A PERFORMATIVIDADE DAS QUADRILHAS JUNINAS: reminiscências da tradição e a espetacularização da dança

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b) novo Termo de Ciência e de Autorização (TECA) assinado e inserido no arquivo da tese ou dissertação.
O documento não será disponibilizado durante o período de embargo.
Casos de embargo:
- Solicitação de registro de patente;
- Submissão de ar go em revista cien fica;
- Publicação como capítulo de livro;
- Publicação da dissertação/tese em livro.
Obs. Este termo deverá ser assinado no SEI pelo orientador e pelo autor.

Documento assinado eletronicamente por Izabela Maria Tamaso, Professora do Magistério Superior, em 15/07/2020, às
13:05, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de
2015.

Documento assinado eletronicamente por SAMUEL RIBEIRO ZARATIM, Discente, em 15/07/2020, às 13:24, conforme
horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

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Referência: Processo nº 23070.027876/2020-27 SEI nº 1440178

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FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PERFORMANCES CULTURAIS
DOUTORADO
SAMUEL RIBEIRO ZARATIM

A PERFORMATIVIDADE DAS QUADRILHAS JUNINAS:


reminiscências da tradição e a espetacularização da dança

Tese de Doutorado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Performances
Culturais da Faculdade de Ciências Sociais,
Universidade Federal de Goiás, como parte
dos requisitos para obtenção do título de
Doutor em Performances Culturais.

Orientadora:
Prof.ª Dr.ª Izabela Maria Tamaso

Goiânia/2020
15/07/2020 SEI/UFG - 1398940 - Ata de Defesa de Tese

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS

ATA DE DEFESA DE TESE

Ata nº 3 da sessão de Defesa de Tese de Samuel Ribeiro Zaratim que confere o título de Doutor em Performances Culturais, na
área de concentração em Performances Culturais.

Aos vinte e quatro dias do mês de junho de dois mil e vinte, a partir das dez horas, via webconferência, realizou-se a sessão
pública de Defesa de Tese intitulada “A PERFORMATIVIDADE DAS QUADRILHAS JUNINAS: reminiscências da tradição e a
espetacularização da dança”. Os trabalhos foram instalados pela Orientadora, Professora Doutora Izabela Maria Tamaso
(UFG) com a participação dos demais membros da Banca Examinadora: Professora Doutora Renata de Sá Gonçalves (UFF),
membro titular externa; Professora Doutora Patrícia Silva Osório (UFMT), membro titular externa, Professora Doutora Maria
Cristina de Freitas Bonetti (UEG), membro titular externa; Professor Doutor Sebastião Rios Corrêa Júnior - UFG, membro titular
interno, cujas participações ocorreram através de videoconferência. A Banca Examinadora reuniu-se em sessão secreta a fim de
concluir o julgamento da Tese tendo sido o candidato aprovado(a) pelos seus membros. Proclamados os resultados
pela Professora Doutora Izabela Maria Tamaso, Presidente da Banca Examinadora, foram encerrados os trabalhos e, para constar,
lavrou-se a presente ata que é assinada pelos Membros da Banca Examinadora.

TÍTULO SUGERIDO PELA BANCA

Documento assinado eletronicamente por Izabela Maria Tamaso, Professora do Magistério Superior, em 24/06/2020, às
14:11, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

Documento assinado eletronicamente por Renata de Sá Gonçalves, Usuário Externo, em 24/06/2020, às 16:00, conforme
horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

Documento assinado eletronicamente por Sebas ão Rios Corrêa Júnior, Professor do Magistério Superior, em 24/06/2020,
às 17:11, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de
2015.

Documento assinado eletronicamente por Patricia Silva Osorio, Usuário Externo, em 24/06/2020, às 18:07, conforme
horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

Documento assinado eletronicamente por MARIA CRISTINA DE FREITAS BONETTI, Usuário Externo, em 06/07/2020, às
19:30, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

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Dedicatória

Ao meu maior tesouro, minha mãe (in memorian)!

NÃO SEI

Não sei se a vida é curta ou longa para nós,


mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocarmos o coração das pessoas.

Muitas vezes basta ser: colo que acolhe,


braço que envolve, palavra que conforta,
silencio que respeita, alegria que contagia,
lágrima que corre, olhar que acaricia,
desejo que sacia, amor que promove.

E isso não é coisa de outro mundo,


é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta,
nem longa demais, mas que seja intensa,
verdadeira, pura enquanto durar.

Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”.

Cora Coralina
Agradecimentos

Ao universo e todas as suas fascinantes vertentes e representações.


entendido por mim como o Deus supremo, onipotente, onipresente e
onisciente.

À minha mãe (in memorian) pelas renúncias e dedicação em prol de


seus filhos. Lídia, Joel e eu tivemos o privilégio de sermos envolvidos pelo
verdadeiro amor.

À minha irmã Lídia, minha segunda mãe. Dedicada e atenta às nossas


necessidades.

Ao meu irmão Joel, o nosso caçula perseverante e amoroso.

Aos meus sobrinhos Yane, Danilo, Renato, Rejane e Maria pela parceria
e solidariedade. Aos meus sobrinhos netos Matheus e Victor que vieram para
serem amados.

Ao Mauro Santos, pela compreensão, paciência e companheirismo.

À minha madrinha Zudilene e minhas Tias Zulenilce e Zuleny. Às minhas


primas e primos pelo apoio.

À minha orientadora Profª Drª Isabela Maria Tamaso por ter me acolhido.

À Profª Drª Vânia Oliveira, sou grato pelo início dessa caminhada.

Aos meus amigos e amigas Florence Valadares, Cristina Bonetti, Juracy


Guimarães, Juliana Bianch, Luis Porto, Eugênio Aquino e Rose de Jesus como
meus grandes incentivadores.

Aos membros da Banca de Qualificação Prof. Dr. Sebastião Rios e Profª


Drª Renata Lima pela generosidade da leitura minuciosa do meu trabalho e
pelas excelentes contribuições para a finalização desta tese, com suas
elucidações e indicações de referências bibliográficas.

Aos membros da Banca de Defesa final.


Aos meus interlocutores da Quadrilha Junina Caipirada Capim Canela, o
Sr. Carlito e o Sr. Luizinho.

Aos meus interlocutores da Quadrilha Chapéu do Vovô, o Sr. Valdeir – o


Pelé, o Sr. Cristiano e a Professora Carol Aguiar.

À Adriana Vieira e ao Regis Lima da Quadrilha Chapéu do Vovô pelo


apoio fotográfico.

À Lanuce Lucas da Caipirada Capim Canela pelo suporte nas


fotografias.

Ao Thiago Henrique, Presidente da Fequajugo na ocasião desta


pesquisa, pelo suporte e confiança no meu trabalho acadêmico e profissional.

À Marci Dornelas e a Rose da Secult pelo suporte amigo e profissional


sempre que necessário.

Ao Fábio Alves da Agetul pela compreensão nos anos iniciais desta


caminhada.

À Lea Rosane, pelo apoio durante a sua permanência na Secretaria


Municipal de Educação.

Aos amigos Deborah Karla, Maria Aída, Dayanna, Andrea Naves, Mário
Vasconcelos, Fabiola Moreira pelo apoio, carinho e respeito profissional.

À minha querida Eliene Macedo, companheira de orientação, de vida


profissional e acadêmica e acima de tudo amiga nesta vida e além.

Aos colegas da primeira turma de doutorado em Performances Culturais


pela perseverança e dedicação.

À todas as pessoas que fazem parte da minha vida direta e


indiretamente.

À todos os quadrilheiros e quadrilheiras do Brasil, em especial aos


amigos e amigas do movimento junino de Goiás.
Resumo

Esta pesquisa discorre sobre a quadrilha junina no âmbito do conceito de


performatividade, caracterizada pela ação junina na dança em cena desde a
introdução da figura estereotipada do matuto, até a quadrilha junina de
competição repleta de novos sentidos; conhecida como moderna ou estilizada.
O percurso de análise deste trabalho detém atenção nas experiências dos
quadrilheiros juninos e nas diferentes apropriações da noção do fazer junino
pelos grupos de quadrilhas juninas, a fim de analisar suas elaborações
performáticas sob a sustentação da teoria das performances culturais. É
importante observar que os termos características performáticas e
performatividades são neste estudo compreendidos como elementos que
constituem as performances da cultura junina. Neste contexto, esta pesquisa
apresenta os múltiplos fatores que compõem as quadrilhas juninas modernas,
dentre eles o processo de espetacularização da dança e das festas juninas e
seus contínuos processos de atualização e ressignificação. Neste trabalho
considero as quadrilhas juninas como produto da indústria cultural que
apresenta diversidade na elaboração de bens culturais nas suas efetivações
performáticas que, de certo modo, alinham-se às contradições sociais de suas
localidades. De modo simultâneo, a quadrilha junina enquanto grupo social
transcende as dimensões festivas e culturais alcançando vínculos profissionais
e ações organizativas que buscam o aprimoramento técnico, o qual estimula a
atitude competitiva e alicia à perspectiva espetacular. As práticas juninas
contam suas histórias, à medida que demonstram seus equilíbrios e
desequilíbrios no fazer junino, estabelecidos pela inovação, pelo fenômeno da
espetacularização e pelos embates ideológicos sobre a cultura frente aos
apelos midiáticos atribuídos ao mercado cultural.

Palavras-chave: quadrilhas juninas, performatividade, espetacularização,


Abstract

This research discusses about quadrilhas juninas/folk june dances, in the


concept of performativity, characterized by the Ação Junina in dance on stage
from the introduction of the stereotyped figure of the matuto, to the quadrilhas
juninas for competition full of new meanings; known as modern or stylized. The
analysis dedicated to this work focused on the quadrilheiros experiences as well
as on the different appropriations of the notion of Fazer Junino by the groups of
quadrilhas juninas, in order to analyze their performance elaborations under the
support of the theory of cultural performances. It is important to note that the
terms performance characteristics and performativities, are understood in this
study, as elements that constitutes the performances of Cultura Junina. In this
context, this research presents the multiple factors tha compound the
quadrilhas juninas modernas, among them the process of spectacularization of
dance and the festivals, including their continuous processes of updating and
reframing. In this work, I consider qudrilhas juninas as a product of the cultural
industry that presents diversity in the elaboration of cultural goods in their
performances, which, in a certain way, are aligned with the social contradictions
of their localities. Simultaneously, the quadrilhas juninas as a social group
transcends the festive and cultural dimensions, reaching professional ties and
organizational actions that seek technical improvement, which stimulates the
competitive attitude and encourages a spectacular perspective. The práticas
juninas tell their stories, as they demonstrate their balances and imbalances in
Fazer Junino, established by innovation, by the phenomenon of
spectacularization and by the ideological clashes over culture in the face of
media appeals attributed to the cultural market.

Keywords: quadrilhas juninas, performativity, spectacularization


Resumen

Esta investigación discute las quadrilhas juninas en el contexto del concepto de


performatividad, caracterizado por la Ação Junina en la danza en el escenario
desde la introducción de la figura estereotipada del matuto, hasta la quadrilha
junina de competención llena de nuevos significados; conocidas como moderna
o estilizada. El curso de análisis de este trabajo se centra en las experiencias
de los quadrilheiros y en las diferentes apropiaciones de la noción de Fazer
Junino por parte de los grupos de quadrilhas juninas, con el fin de analizar sus
elaboraciones performáticas bajo el apoyo de la teoría de las performances
culturales. Es importante tener en cuenta que los términos características
performáticas y performatividades se entienden en este estudio, como
elementos que constituyen las performances de la cultura junina. En este
contexto, esta investigación presenta los múltiples factores que componen las
quadrilhas juninas modernas, entre ellos el proceso de espectacularización de
la danza y de los festivales de junio, como también sus procesos continuos de
actualización y reformulación. En este trabajo, considero a las quadrilhas
juninas como un producto de la industria cultural que presenta diversidad en la
elaboración de bienes culturales en sus actuaciones, que, de alguna manera,
están alineadas con las contradicciones sociales de sus localidades.
Simultáneamente, las quadrilhas juninas como grupo social trasciende las
dimensiones festivas y culturales, alcanzando lazos profesionales y acciones
organizativas que buscan mejoras técnicas, pués estimula la actitud
competitiva y fomenta una perspectiva espectacular. Las práticas juninas
cuentan sus historias, ya que demuestran su equilibrio y desequilibrios al Fazer
Junino, establecido por la innovación, por el fenómeno de la
espectacularización y por los enfrentamientos ideológicos sobre la cultura
frente a los llamamientos de los medios atribuidos al mercado cultural.

Palabras clave: quadrilhas juninas, performatividad, espectacularización,


SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
LISTA DE ABREVIATURAS

APRESENTAÇÃO .......................................................................................... 15

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................... 32

2. ESPAÇOS, ATIVIDADES E AÇÕES COLETIVAS DOS GRUPOS


PESQUISADOS ................................................................................... 42
2.1 Os Bens Culturais Juninos e a Mercantilização da Cultura ............. 59

3. O FAZER JUNINO ............................................................................... 72


3.1 A Cultura Popular e o Fazer Junino: ressignificação e inovação
diante da indústria cultural ............................................................... 77
3.2 Festejar o São João no Brasil: as configurações da festa ............... 87
3.3 O Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas 2017
uma composição do Fazer Junino ................................................... 99

4. CONFIGURAÇÕES EXPRESSIVAS E ESTÉTICAS DAS


QUADRILHAS JUNINAS:
concepções, formas e conteúdos artísticos ................................. 109
4.1 Do Vestido de Chita ao Vestido de Luxo ....................................... 110
4.2 A Expressão Artística da Cultura Junina e a Estética
Quadrilheira ................................................................................... 123
4.3 A Noção de Performatividade nas Quadrilhas Juninas ................. 137
4.4 Sujeito Junino, Corporeidade e Performance ................................ 146

5. O PROCESSO CRIATIVO DAS QUADRILHAS JUNINAS .............. 173


5.1 O Processo Criativo de A Revoada dos Vagalumes ..................... 176
5.2 O Processo Criativo de Bonita ....................................................... 199

6. O FAZER PERFORMATIVO DAS QUADRILHAS JUNINAS ........... 220


6.1 A Ação Performática da Caipirada Capim Canela ......................... 227
6.2 A Ação Performática da Quadrilha Chapéu do Vovô ..................... 236

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 253

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................. 263

9. ANEXOS ............................................................................................ 273


10

Lista de Figuras

Figura 01 - localização dos grupos pesquisados ........................................ 43


Figura 02 - Apresentação Caipirada Capim Canela ................................... 45
Figura 03- Primeiro Ensaio Quadrilha Chapéu do Vovô em 2017 .............. 46
Figura 04- Aula de Zumba no Ponto de Cultura Chapéu do Vovô ............. 47
Figura 05- Área da casa do Senhor Carlito ................................................ 47
Figura 06- Feijoada Chapéu do Vovô 2017 ................................................ 49
Figura 07- Quadrilheiros na Produção do Figurino da Chapéu do Vovô..... 51
Figura 08- Geração de Renda e Emprego ................................................ 52
Figura 09- Feijoada promovida anualmente pela Quadrilha Chapéu do
56
Vovô ..........................................................................................
Figura 10- Mapa de Localização dos Grupos Filiados à Fequajugo .......... 58
Figura 11- Anuncio da Quadrilha Arriba Saia ............................................. 61
Figura 12- Material de divulgação do Circuito Goiano de Quadrilhas
100
Juninas 2017 ..............................................................................
Figura 13- Localização do Parque Mutirama – 1ª etapa do Circuito
Goiano de Quadrilhas Juninas .................................................. 101
Figura 14- Clube dos Bancários – 2ª Etapa do Circuito Goiano de
Quadrilhas Juninas ................................................................... 103
Figura 15- Ginásio de Campinas – 3ª Etapa do Circuito Goiano de
Quadrilhas Juninas ................................................................... 105
Figura 16- Localização Geral das três etapas do Circuito Goiano de
Quadrilhas Juninas 2017 .......................................................... 106
Figura 17- O espantalho é representado na noite de São João ................. 145
Figura 18- Amacio Mazzaropi em Jecão um fofoqueiro no céu ................. 154
Figura 19- Balanço das saias .................................................................... 155
Figura 20- Movimento dos braços dos cavalheiros .................................... 156
Figura 21- A Dança Arriuna ....................................................................... 183
Figura 22- Figurino das Damas Caipirada Capim Canela .......................... 188
Figura 23- Figurino dos Cavalheiros Caipirada Capim Canela .................. 189
Figura 24- Figurino do Casal de Noivos Caipirada Capim Canela ............. 190
Figura 25- A maquiagem do espantalho ..................................................... 191
Figura 26- Cavalinhos de pau, lanternas e espantalhos ............................ 193
11

Figura 27- Produção do Painel – Cenário .................................................. 194


Figura 28- Sr. Carlito na Dinâmica de Produção ....................................... 196
Figura 29- Estrutura da Flor Gigante ......................................................... 206
Figura 30- Processo de Produção do Figurino .......................................... 209
Figura 31- Figurino 2017 ............................................................................ 211
Figura 32- Variação do Figurino 2017 ....................................................... 212
Figura 33- Banda Chapéu do Vovô ........................................................... 216
Figura 34- Carol Aguiar Campeã Nacional das Rainhas Juninas 2015 ..... 221
Figura 35 – Personagens Capim Canela “a” .............................................. 228
Figura 36 – Personagens Capim Canela “b” .............................................. 228
Figura 37- Espaço Cênico Caipirada Capim Canela – II Etapa do Circuito
Goiano de Quadrilhas Juninas ................................................. 229
Figura 38 – O Cortejo Capim Canela ......................................................... 230
Figura 39 – Vida de Espantalho ................................................................. 230
Figura 40 – A viagem dos espantalhos ...................................................... 231
Figura 41 – A dança das flores .................................................................. 232
Figura 42 – A orquídea negra .................................................................... 232
Figura 43 – A Rainha Mãe do Ouro ........................................................... 234
Figura 44 – A Orquídea, o espantalho e a flor de girassol ......................... 235
Figura 45 – Descanso no Jardim ............................................................... 236
Figura 46 - Espaço Cênico Chapéu do Vovô – II Etapa do Circuito
Goiano de Quadrilhas Juninas ................................................. 237
Figura 47- Personagens de Bonita ............................................................ 238
Figura 48- Cortejo Quadrilha Chapéu do Vovô no Arraiá do Cerrado 2017 238
Figura 49- Cenário Móvel Principal – Chapéu do Vovô 2017 ..................... 239
Figura 50- Capitão Fulô e suas performatividades ..................................... 240
Figura 51- O Vovô Florista ......................................................................... 241
Figura 52- Quem quiser comprar eu vendo ............................................... 242
Figura 53- A primavera .............................................................................. 243
Figura 54- O pelotão e as flores ................................................................ 243
Figura 55- Quadrilha Junina Chapéu do Vovô ........................................... 244
Figura 56- Entrada da Rainha Chapéu do Vovô ......................................... 246
Figura 57 – A rosa ao desabrochar ........................................................... 246
12

Figura 58- Performance da Rainha ............................................................ 248


Figura 59- Desenhos Coreográficos .......................................................... 249
Figura 60- Casal de Noivos ....................................................................... 251
Figura 61- Final da Apresentação .............................................................. 252
13

Lista de Quadros

Quadro 1- Critérios Avaliativos Circuito Junino 2013 ................................. 21


Quadro 2 - Quadro Analítico da Mercadoria Junina ................................... 68
Quadro 3 - Grupos de Quadrilhas Juninas Filiadas à Federação das
Quadrilhas Juninas de Goiás Quadro Demonstrativo ................................. 274
14

Lista de Abreviaturas

Fequajugo – Federação da Quadrilhas Juninas do Estado de Goiás

Confebraq – Confederação Brasileira das Entidades Juninas

ESEFEGO – Escola Superior de Educação Física de Goiás

CGQJ – Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas

PPGPC - Programa de Pós Graduação em Performances

UFG - Universidade Federal de Goiás


15

APRESENTAÇÃO

Durante o processo de elaboração da dissertação de mestrado, as


reflexões sobre as atividades dos grupos de quadrilhas juninas nas
perspectivas das teorias das performances culturais lograram como objetivo
principal a apresentação das práticas juninas atuais na região metropolitana de
Goiânia, estado de Goiás. Naquela ocasião, a principal finalidade do trabalho
consistia em apontar como os conteúdos tradicionais eram gestados,
apreendidos e praticados pelos quadrilheiros1 desta localidade nos concursos
juninos.

A minha trajetória pessoal e profissional influenciou sobremaneira na


escolha deste objeto de pesquisa, o qual teve início em 2012 com o meu
ingresso no Programa de Pós Graduação em Performances Culturais -
PPGPC, na Universidade Federal de Goiás - UFG. Como mencionado na
introdução da dissertação

Sou um performer da vida cotidiana, assumindo os papéis sociais que


cumpro ou interpreto. Sou Professor, aluno, dono de casa e do
Logan, meu amigo labrador. Sou filho, irmão, tio e sobrinho. Sou o
porto seguro, sou problema, sou religioso, sou expectador, sou ator.
Sou cantador, sou jurado, sou motorista, sou entrevistador. Sou
dançarino, sou funcionário público, sou leitor e escritor. Sou amigo,
companheiro, namorado, noivo, marido, andarilho, solteiro. Enfim,
agora também sou quadrilheiro (ZARATIM, 2014, p. 13).

Para além do romantismo sobre as quadrilhas juninas, essas referências


pessoais revelavam o perfil do pesquisador para escrever sobre uma temática
considerada para mim fascinante. Sim, sou quadrilheiro desde a infância,
quando eu era fantasiado de caipira com dentição precária e roupas
remendadas para as apresentações na escola. Posteriormente, essa e outras
participações nas ditas manifestações tradicionais do folclore brasileiro,
serviram-me como experiência para ser adequada às minhas habilidades
artísticas e profissionais. Avançando um pouco mais no tempo, enquanto
adolescente e início da fase adulta, participei de inúmeros grupos informais nas

1
É importante ressaltar tal qual fiz em 2014, que a Lei nº 12.390, de 03 de março de 2011, art.
2º, parágrafo único, define o quadrilheiro junino como “o profissional que utiliza meio de
expressão artística cantada, dançada ou falada transmitido por tradição popular nas festas
juninas” (ZARATIM, 2014, p. 96).
16

apresentações de quadrilhas juninas em paróquias, escolas, ruas, clubes e


tantas outras oportunidades. Tudo bem ensaiado, ou nem tanto. Até participei
como quadrilheiro dos primeiros concursos juninos da cidade de Goiânia, no
início da década de 1980, enquanto aluno do ensino médio – antigo segundo
grau.

Assim que ingressei na Graduação em Educação Física pela Escola


Superior de Educação Física do Estado de Goiás – ESEFEGO2, tomei gosto
pelos estudos do Folclore e da Cultura Popular em uma disciplina lecionada
pela Profª. Drª Maria Cristina de Freitas Bonetti, pessoa importantíssima na
minha formação profissional. Desde então, busquei informações a respeito da
cultura popular e das tradições dançadas, contadas, brincadas, cantadas e
estudadas constantemente. No período acadêmico, a minha participação em
atividades de extensão foi intensa, principalmente na área da dança, do
entretenimento e do lazer, apesar de ter me dedicado também ao Voleibol e ao
Handebol. Igualmente, participei do corpo de baile da Esefego e de inúmeros
grupos informais de danças de salão, folclóricas e manifestações expressivas
na cidade de Goiânia.

Como Professor de Educação Física graduado, já concursado pela


Prefeitura de Goiânia, dei continuidade aos saberes apreendidos na faculdade
e nas experiências artísticas adquiridas com o passar dos anos. As atividades
curriculares e extracurriculares lideradas por mim na primeira fase do ensino
fundamental das escolas municipais em que fui professor eram baseadas na
sua grande maioria nas danças populares, nas danças folclóricas, brincadeiras
tradicionais, contação de histórias e brinquedos cantados. Entretanto, as
quadrilhas juninas sempre foram as expressões artísticas e culturais que mais
me chamavam e chamam a atenção. Concomitantemente, coreografei várias
quadrilhas de escolas públicas e privadas, bem como participei, como jurado,
de outros tantos festivais juninos pela cidade e em outras regiões.

Anos mais tarde, o período dedicado à pesquisa de mestrado foi entre


2012 e 2014, no qual descortinei um mundo novo para as reflexões sobre o

2
A ESEFEGO foi uma entidade autônoma na formação superior de Professores de Educação
Física do Estado de Goiás inaugurada em 1962. Foi incorporada pela Universidade Estadual
de Goiás – UEG, em 1999, instituída pela lei 13.456.
17

ambiente junino; não somente para mim, mas para o movimento junino em
Goiás. Antes mesmo da aprovação do processo seletivo do mestrado procurei
o Presidente da Federação das Quadrilhas Juninas do Estado de Goiás –
FEQUAJUGO, daquela gestão, o Sr. Alex Gomes Gontijo que me fez
importantes revelações para a estruturação do projeto de pesquisa.

Juntamente com as disciplinas que cursei no PPGPC, realizei a


pesquisa de campo e visitei 09 (nove) grupos filiados à FEQUAJUGO naquela
temporada junina, para situar-me no ambiente junino de Goiânia. Os meus
finais de semana entre janeiro e julho do ano de 2013 foram dedicados a esta
visitação nos grupos juninos, em inúmeras festas juninas e nos concursos
juninos, nos quais entrei em contato com diferentes fatores transformadores do
alcance social junino. Logo percebi que a ação social junina estava diretamente
conectada para além da arte e da cultura. Sofria também interferências de
outras dimensões da sociedade como a religião, a política, o mercado cultural e
a inovação. Uma das consequências pessoais e profissionais dessa ampliação
da minha percepção foi que em 2014 iniciei um trabalho com a Fequajugo de
formação de avaliadores juninos que consistiu em formar jurados para os
concursos juninos do estado de Goiás. Nesse mesmo ano assumi a
coordenação das atividades avaliativas dos concursos juninos e mantive as
formações para os jurados novos e estudos com os anteriormente envolvidos
(até 2019, ano da finalização desta tese).

Pois bem, o texto da dissertação foi organizado em três capítulos nos


quais apresentei o contexto histórico das quadrilhas juninas desde a sua
chegada ao Brasil, suas primeiras manifestações no estado de Goiás até se
estabelecerem na atualidade. No segundo capítulo apresentei o que naquela
época entendia ser o cotidiano junino, o contexto social junino e as entidades
que compõem o movimento. E no terceiro capítulo, fiz uma breve reflexão
sobre os novos sentidos e significados das quadrilhas juninas sob a égide da
teoria das performances culturais.

Entendo ser prudente relembrar algumas considerações para o


entendimento do desenvolvimento desta tese enquanto continuação dos
estudos sobre as quadrilhas juninas. Sendo assim, apresento as ideias de
18

Luciana Chianca (2007a, p. 50), quem afirma que a quadrilha é “originária de


uma contradança de mesmo nome trazida ao Brasil pela corte imperial
portuguesa” que por sua vez “teve suas figuras e passos modificados ao longo
do tempo e dos lugares em que foi sendo executada” e de início era dançada
nos salões das elites. Com o passar dos anos a dança de quadrilha foi sendo
socializada conquistando novos adeptos provenientes das classes menos
favorecidas. Igualmente, com a Proclamação da República, progressivamente,
os costumes do período colonial e imperial foram rejeitados pela população
urbana. Chianca (2007a) argumenta que

Provavelmente nesse momento a quadrilha teria sido abolida das


festas dos citadinos ricos, continuando a ser dançada pela população
mais distante dos grandes centros urbanos, os interioranos –
geograficamente e simbolicamente defasados com suas danças já
fora de moda (CHIANCA, 2007a, p. 50).

Nesse processo de popularização da dança palaciana, a quadrilha


alcançou diversas localidades, onde a população adequou a sua maneira de
dançar aos movimentos dançantes da corte. O desenvolvimento político e
administrativo do Brasil durante o século XX intensificou o processo de
urbanização das cidades, o que estimulou a migração de incontáveis pessoas
para diversas regiões do país, para incorporar o plantel de constituição e
construção dos centros urbanos. Argumentei que foi nesse movimento que as
quadrilhas chegaram ao estado de Goiás e em Goiânia, particularmente, nos
anos 1930, pela ocasião da transferência da capital do estado para a nova
cidade. Desde então, foram poucos os relatos que encontrei sobre as festas e
as danças juninas até meados dos anos 1970, quando eu mesmo participava
das festas e quadrilhas juninas.

Neste exercício investigativo percebi que a noção de festa e quadrilhas


juninas são passadas “de geração a geração, em um processo peculiar de
escutar, observar e repetir, pois o ser humano guarda seus conhecimentos e os
transmite através da memória” (ZARATIM, 2014, p. 30). Nestas circunstâncias,
as lideranças das quadrilhas juninas, enquanto interlocutores da pesquisa,
relataram sobre a história da constituição de seus grupos em Goiânia, dos
quais o Grupo Viva, da região de Campinas é o mais antigo em atividade,
fundado em 1975. Igualmente, relatei sobre alguns festivais juninos do final dos
19

anos de 1980 e anos de 1990, dos quais participei ativamente enquanto


organizador, produtor, e/ou jurado. Outrossim, apresentei alguns dos
elementos que constituem a quadrilha junina como os ritmos musicais, o
figurino e a figura do matuto como representação caricaturizada do homem do
campo.

As novas formas de dançar quadrilha junina foram então apresentadas


baseadas na análise interpretativa das peculiaridades observadas nos
elementos que compõem as atividades dos grupos juninos. Assim, argumentei:

Nesse sentido, é notório que a rotina de trabalho das quadrilhas


juninas traz grande satisfação aos seus componentes. Não importa a
duração da exaustiva sessão, o que vale para seus integrantes é
viver aquele momento de dedicação e alegria. Os bastidores das
quadrilhas juninas proporcionam o lazer e a socialização de seus
componentes, como também os conflitos. Esses elementos fazem
parte do aperfeiçoamento de suas performances para as
apresentações nos concursos e nas festas (ZARATIM, 2014, p. 74).

A partir do exposto apresentei as entidades juninas que estruturam o


movimento junino de Goiás e nacional, a Federação das Quadrilhas Juninas do Estado
de Goiás – Fequajugo e a Confederação Brasileira das Entidades Juninas –
Confebraq. Desse modo é importante ressaltar que o movimento junino é uma
manifestação sociocultural em Goiás e em outros estados do Brasil, com a
finalidade de conservar as expressões culturais e tradicionais das festas
juninas por meio de “proposição de diretrizes, projetos, ações, programas,
políticas públicas de fortalecimento e sustentabilidade para as quadrilhas
juninas” enquanto grupos sociais (ZARATIM, 2014, p. 45). Outrossim, o
movimento junino do estado de Goiás é liderado pela Fequajugo, que foi fundada em
19/04/2004, a partir dos interesses comuns dos grupos juninos já estabelecidos que
almejam organizar os seus trabalhos artísticos e culturais.

É importante ressaltar que a Fequajugo se autodenomina “entidade


social cultural” sem fins lucrativos ou políticos. Tem como princípio a não
distinção de nacionalidade, cor, raça, religião e credos. (ZARATIM, 2014, p. 75
- 76). Apresentei então, as principais diretrizes contidas no estatuto da
Fequajugo, as quais normatizam seus objetivos, missão, visão e valores, bem
como orienta a organização da participação de entidades e grupos juninos
filiados. É importante rememorar o artigo 3º do estatuto da Fequajugo, o qual
assim estabelece:
20

A- A entidade tem como objetivo: promover e incentivar a prática e a


realização de atividades culturais, folclóricas, artísticas, de artes
Cênicas, desportivas, físicas e sociais, junto às comunidades, grupos,
associações e entidades governamentais e não governamentais e
que se destinam a estes fins.
B- A entidade tem como finalidade: Lutar e zelar pela manutenção,
preservação e tradição das raízes, do folclore, dos costumes e
melhorias das condições das formas e expressões de artes cênicas,
juninas e tradicionais dentro dos diversos âmbitos sociais, culturais,
artísticos e desportivos.
C- Lutar pelo fortalecimento, crescimento e amplitude de sua sede
social, dos seus associados, bens culturais, móveis e imóveis para
que cada vez mais possamos estar mais seguros e fortalecidos para
realizarmos e desenvolvermos nossas atividades.
D- A entidade tem como meta: atender as necessidades dos grupos e
entidades juninas, cadastradas junto à Federação, no que diz
respeito, a indicar e agendar apresentações, ajudar as entidades
cadastradas na medida do possível a angariar verbas e fundos para a
prosperidade e manutenção de seus grupos. (ESTATUTO
FEQUAJUGO, p. 01, apud, ZARATIM, 2014, p. 75).

Apesar do estatuto da Fequajugo defender a preservação das tradições


juninas pelos grupos e pessoas, igualmente abre espaço para que os filiados
possam ir além dessa prática, porquanto indica o apoio ao fortalecimento de
ações que fomentam a dinamização das atividades juninas no mercado
cultural. Ir além do que determina a regulamentação do movimento junino nos
faz refletir sobre os processos de atualização das atividades tradicionais das
festas e quadrilhas juninas que são dinâmicos e constantes.

A Fequajugo é a responsável pela organização e realização dos


concursos de quadrilhas juninas do estado de Goiás. Sendo assim, apresentei
o regulamento de disputa daquela temporada, que a cada ano é muito pouco
modificado (geralmente o que muda é o local das etapas da competição). O
Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas – CGQJ, realizado em três etapas
conforme normatiza o estatuto da Fequajugo, segue normas “estabelecidas
pelo regulamento do concurso que estipula os principais itens a serem
observados para a participação dos grupos” (ZARATIM, 2014, p. 78). Este
circuito não estabelece localidades fixas, pois tudo depende da assistência da
administração pública municipal e/ou estadual para a sua realização a cada
ano. Este festival, de caráter competitivo é o mais importante do estado, e é
dividido por duas categorias: o Grupo Especial ou Grupo A e o Grupo de
Acesso ou Grupo B. O que caracteriza a disputa no Grupo A ou Grupo Especial
é a maior pontuação na classificação geral ao final de três Etapas, que
21

classifica o grupo como o grande campeão do estado de Goiás e que conquista


o direito de representar o estado no concurso nacional. Outrossim, os dois
grupos com menor pontuação são rebaixados para o Grupo B e somam-se às
entidades juninas recém-filiadas à Fequajugo para a disputa nesta categoria na
temporada subsequente. Os dois grupos melhores classificados no Grupo B,
classificam-se para a divisão imediatamente superior, o Grupo A.

Apresentei então, além da regulamentação geral da estrutura e dos


locais de competição, as especificações para a formação do corpo de jurados,
escolhidos pelo coordenador: pessoas que não tem ligação com os grupos
juninos e com consideráveis conhecimentos técnico e artístico em relação à
dança junina. Igualmente nesta parte do trabalho foram apresentados os
critérios de julgamento e avaliação do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas
de 2013, o qual faz referência à “coreografia, animação, harmonia, figurino,
tema, repertório musical, marcador e casal de noivos. Estes últimos, marcador
e casal de noivos, têm avaliação em separado” (ZARATIM, 2014, p. 83).

Quadro 01 – Critérios Avaliativos – Circuito Junino 2013


Avaliação Coletiva Cada avaliador atribuirá notas entre 9.2 e 10.0
Serão consideradas as diversidades das coreografias, graça e
leveza das damas, elegância e desenvoltura dos cavalheiros.
Coreografia Atentar para que as inovações não descaracterizem a
originalidade da dança Quadrilha. As Quadrilhas Juninas
deverão apresentar passos tradicionais juninos.
É a demonstração de um estado de alegria. A alegria
espontânea da Quadrilha, vivacidade, entusiasmo. Deve-se
perceber a exaltação prazerosa, o entusiasmo que se
Animação
desenvolve durante a apresentação através do repertório, da
simpatia dos brincantes, etc. Atenção para não confundir
animação com algazarra.
Em harmonia, entende-se pela organização, evolução dos
passos, conjunto e desenvolvimento do tema proposto,
Harmonia
sincronismo, coletividade e execução simultânea da coreografia
e dos passos propostos.
Deve estar adequado à festa junina e de acordo com estilo,
enredo e criação da Quadrilha. Deve-se levar em consideração
a originalidade e a criatividade dos materiais utilizados na
Figurino confecção do vestuário, deve-se também perceber e valorizar a
harmonia das cores e o conjunto destas, sempre atentando para
a temática abordada pela Quadrilha Junina se for o caso, e
respeitando as diversidades regionais
O tema poderá e deverá exclusivamente expressar a realidade e
execução do que o grupo defende ou apresenta como tal,
ficando livre cada grupo, para trabalhar o que melhor lhe
Tema
convier, podendo abrilhantá-lo ainda mais com a realização de
coreografias, passos, músicas e trajes relacionados ao tema ou
release apresentado.
Repertório Musical A música poderá ser gravada ou ao vivo. As músicas utilizadas
22

deverão ser do ciclo junino, ou de acordo com o seu tema ou


release apresentado. A diversidade dos ritmos e, a seleção
musical ficará condicionada à apresentação do espetáculo da
Quadrilha.
Avaliação Individual Cada avaliador atribuirá notas entre 9.2 e 10.0
Será julgado em separado pela capacidade de dirigir e conduzir
o grupo (por Gestos, Voz ou microfone, comandos, apito, e
outros) para a execução dos movimentos coreográficos, e
Marcador passos, com segurança e precisão, podendo em algumas
coreografias haver mais de um marcador desde que esteja
especificado no release apresentado, que em determinado
passo ou coreografia haverá mais de um comando.
Os noivos serão avaliados e julgados pela atuação do casal, não
sendo somadas ao total geral as suas notas, levando-se em
Casal de Noivos
consideração, a harmonia, graciosidade, leveza, empolgação e
animação do casal.
3
Fonte: Regulamento 7º Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas - 2013

É possível então observar que tal qual o estatuto da Fequajugo, os


próprios critérios avaliativos dos concursos juninos estabelecem parâmetros
para o fortalecimento da espetacularização das quadrilhas juninas. O jurado ou
avaliador, que observa e avalia dedica-se à realizar um julgamento a respeito
do que é apresentado, que por sua vez, é aprimorado, inovado ou
espetacularizado à partir das notas atribuídas por eles.

Na continuidade, baseado nos apontamentos da pesquisa, busquei


relacionar alguns dos pressupostos e conceitos apresentados por Richard
Schecnher (2013) e Victor Turner (2008) sobre a teoria das performances
culturais com as quadrilhas juninas. Baseado nas ideias de Turner (2005; 2008)
fiz a relação das quadrilhas juninas com os conceitos de dramas sociais,
liminaridade e communitas. Igualmente, servir-me das elaborações de Richard
Schechner (2006; 2013) para analisar as práticas performáticas juninas a partir
da noção sobre as funções e sequência total da performance. Das ideias de
ambos autores pude discutir sobre alguns aspectos rituais juninos e parte da
experiência junina vivida pelos quadrilheiros.

Robson Carmargo (2013, p. 01) postula que o termo “performances


culturais” foi utilizado pela primeira vez por Milton Singer e Robert Redfield em
1955. Para John Dawsey (2011) a principal referência para o desenvolvimento
da teoria das performances culturais deve-se ao encontro das ideias do Diretor
de Teatro Experimental Richard Schechner e o Antropólogo Victor Turner em

3
Estes critérios avaliativos foram apresentados e analisados em Zaratim (2014, p. 83 – 87).
23

1977. A começar deste encontro “os dois se influenciaram mutuamente e


construíram teorias relacionadas à antropologia do teatro, com conceitos como
ritual, drama e espetáculo para, posteriormente, acrescentar o conceito de
performance” (ZARATIM, 2014, p. 89).

Desse modo, a partir da origem do termo, a teoria das Performances


Culturais enquanto elemento multidisciplinar concilia o diálogo entre as
significações elaboradas por autores como Richard Schechner (2006, 2013),
Victor Turner (2005, 2008), Paul Zumthor (2000), Erving Goffman (2009),
Marvin Carlson (2010) e as produções intelectuais nacionais a respeito do
vocábulo, citando aqui: John Dawsey (2011, 2016), Jean Langdon (1996),
Robson Camargo (2013, 2015), e outros.

Para Robson Corrêa de Camargo (2013, p. 01), Performances Culturais


“é um conceito que, primeiramente, está inserido numa proposta metodológica
interdisciplinar” agregando diversas áreas do conhecimento. O autor afirma que
as Performances Culturais visam “o entendimento das culturas através de seus
produtos “culturais” em sua profusa diversidade, ou seja, como o homem as
elabora, as experimenta, as percebe e se percebe, sua gênese, sua estrutura,
suas contradições e seu vir-a-ser” (CAMARGO, 2013, p. 01). Desse modo,
considerei as quadrilhas juninas como expressões rituais e artísticas que se
apresentam a um público específico para então utilizar as teorias das
performances culturais como proposição de análises.

Neste cenário, discuti sobre a realidade social dos quadrilheiros,


porquanto considerei que os quadrilheiros ao performarem seus personagens
juninos abrangem outras dimensões fora do cotidiano. Sendo assim, “é como
um ritual de passagem de um status (cidadão comum) a outro (quadrilheiro, por
exemplo) ao adentrarem no espaço liminar e se caracterizarem pela rica
simbologia do meio junino” (ZARATIM, 2014, p. 92). Tais experiências vividas
pelos quadrilheiros estão atreladas ao que Turner (2005) chama de
experiências formativas, à medida que também compreendem os
acontecimentos do cotidiano. Nessa perspectiva argumentei que as
performances do cotidiano são realizadas “em espaços especiais, assim como
as performances das quadrilhas juninas que tornam os espaços de
24

apresentações locais privilegiados pela expressão da sensação do ato de


interpretar a dança de quadrilha junina” (ZARATIM, 2014 p. 96).

Sendo assim, observei que as dramatizações dos temas juninos


idealizados pelos grupos expressavam papéis sociais e que têm relação direta
com a sequência total da performance: “treinamento, oficinas, ensaios,
aquecimentos, performance, esfriamentos e balanço” (SCHECHNER, 2011, p.
222). Argumentei então que os processos performáticos juninos asseguram a
transformação do sujeito comum em quadrilheiro que executa uma ação
ritualística. Para Victor Turner (2008) os dramas sociais são constituídos pela
separação ou ruptura, crise e intensificação da crise, ação remediadora e
reintegração. Estas fases, segundo o autor estão presentes na vida dos
sujeitos sociais em diferentes períodos e podem levar à ruptura ou ao
fortalecimento social. Desse modo nos termos de Turner (2008) a ação
ritualística da quadrilha junina é caracterizada pelo conjunto dos processos
vividos pelos quadrilheiros, nos quais estão inseridos a separação da vida
cotidiana, a participação na performance junina e o retorno ao seu cotidiano.
Nesta seara, enunciei que o desenvolvimento das quadrilhas juninas, por
meio de suas performances e dos seus rituais, resulta na apropriação de novos
conteúdos e elementos artísticos e culturais que dão significados inovadores à
dança junina. Nesse sentido, as produções artísticas aderem à noção de
espetáculo proposta por Guy Debord.
Para apresentar a ideia de espetacularização junina apontei as
elaborações de Debord (1997, p. 13), o qual assevera que “o espetáculo não é
o conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por
imagens”. Para o autor, as relações pessoais são constituídas pelo que se
manifesta à primeira vista: as aparências. Os figurinos juninos, assim como
outros elementos que constituem as quadrilhas juninas na atualidade
evidenciam o processo descrito por Debord, pois demonstram uma realidade
adversa ao contexto social dos grupos e dos quadrilheiros juninos. Assim
sendo, as vivências dos quadrilheiros diante das inovações experimentadas
pela dança e pela organização administrativa dos grupos foram apresentadas
como concepções socioculturais contemporâneas que determinam a prática da
quadrilha junina.
25

Os quadrilheiros são induzidos pela regulamentação do movimento


junino e pelas suas próprias práticas ao submeterem-se às exigências dos
concursos juninos. As dinâmicas de produção das quadrilhas juninas são
modificadas constantemente pela influência dos meios de comunicação.
Apesar de não ter problematizado, percebia “a evidência da relação das
quadrilhas juninas com algo a ser consumido” (ZARATIM, 2014, p. 112).
O que apresentei na dissertação de Mestrado não me pareceu suficiente
e almejei discutir um pouco mais sobre as modificações dos elementos que
compõem a dança junina. Alguns elementos apresentados na dissertação
serão rememorados, porém problematizados mais profundamente nesta tese
para a compreensão da sua constituição na dança junina enquanto
representação performática e espetacular.

O ato de interpretar os dramas sociais se relaciona com os elementos


teatrais empregados nas performances das quadrilhas juninas, as quais
codificam suas comunicabilidades por meio da dança. A prática junina cede
espaço às demandas do mercado cultural junino e carece de maior
problematização, especialmente para localizar a quadrilha junina no contexto
festivo, artístico e cultural brasileiro. O cenário contemporâneo da sociedade
provoca nas atividades populares – artísticas e culturais – transformações que
buscam a profissionalização diante do apelo do mercado cultural. Desse modo,
o processo de espetacularização das quadrilhas juninas é o próprio produto a
ser ofertado aos diferentes públicos e interessados.
Igualmente, um dos pontos controversos do que foi apresentado na
dissertação de Mestrado foi a relação abordada entre a cultura popular e a
quadrilha junina. Naquela ocasião considerei a quadrilha junina em todas as
suas aparições como manifestação da cultura popular. Todavia, verifico neste
novo trabalho que esta relação pode ter ocorrido na virada do século XIX para
o XX. Certifico ainda que nas quadrilhas juninas modernas, desde o meu
período escolar que remonta dos anos de 1970, observamos a presença de
elementos do teatro, bem como a constituição espetacular da dança junina,
que influenciada pela lógica da indústria cultural, ressignifica a quadrilha
consentindo novos sentidos à sua prática.
26

Em meio às diversas expressões utilizadas para localizar esta referência


teórica – Performances Culturais, observamos nas elaborações textuais termos
inovadores carregados de neologismos e conservação das expressões
idiomáticas advindas da língua estrangeira. Observei nos estudos de 2014 que
“a partir dos anos 1960, Schechner utilizou o termo “performing”, proveniente
do verbo do idioma inglês “to perform”, à medida que pretendia superar as
dificuldades de definição que o termo “performance” adquiria” (ZARATIM, 2014,
p. 97).

Naquela ocasião, busquei ajustar os conceitos sobre as performances


culturais às experiências juninas, bem como refletir sobre os eventos
performáticos juninos, posto que o mais importante era localizar as ações
juninas na sequência total da performance idealizada por Richard Schechner
(2011). Reitero que a sequência total da performance é um conjunto de
procedimentos interligados, que possibilita a percepção da dimensão do fazer
quadrilha junina, a qual vai além das suas apresentações públicas.

Não obstante, “a palavra performance reuniu significados para além da


identificação inicial da atuação nos esportes e do funcionamento de máquinas”
e possibilitou a sobreposição de significados em “outros termos derivados da
mesma expressão, como performer, performático, performatividade e
performativo” (ZARATIM, 2014, p. 97). Dessa forma colocamo-nos diante da
inquietação provocada pelas instabilidades epistemológicas utilizadas nas
diversas elaborações textuais das performances culturais. Eis um problema
que vagueia sobre um terreno arenoso e conforme a conversão de ideias a
respeito do significado de Performance e de Cultura é possível encontrar a
coesão interdisciplinar.

Ao empregar os termos separadamente – performance e cultura –


incluímos assimilações passíveis de dúvidas ao que exterioriza a finalidade
propagada sobre o sentido das Performances Culturais. Diversas elaborações
textuais tendem a justificar e qualificar as manifestações artísticas e populares
enquanto performances culturais. Contudo, existe uma complexidade nos
elementos que compõem os entendimentos de como a cultura pode ser
caracterizada em suas particularidades, pois é necessário interpretar a prática
27

da manifestação cultural dentro de seus fatos sociais (CAMARGO, 2013, 2015;


LANGDON, 1996; RUBENS SILVA, 2012).

Sendo assim, penso que é na fusão dos saberes manifestados nos


processos socioculturais, por meio da experiência vivida, que a teoria das
Performances Culturais possibilita procedimentos de análises. Desse modo, o
uso da teoria das performances culturais está centrado no entendimento das
interposições e confrontações das práticas e experiências socioculturais aqui
observados: nos quadrilheiros e nos grupos de quadrilhas juninas em suas
diversidades.

O teor multidisciplinar das Performances Culturais demanda debates que


necessitam de convergência de ideias para serem compreendidas. Alguns
conceitos utilizados para embasar as reflexões a respeito das performances
culturais estão impregnados de significações interiorizadas nas ideias de quem
os emprega. Todavia, as possibilidades de estudos relativos as
performatividades juninas não se esgotam em determinadas áreas do
conhecimento, mas inspiram crescentemente outros campos de pesquisa a
adequarem os entendimentos sobre as performances da cultura.

Tal qual nos orienta Clifford Geertz (2009), somos seres inacabados em
busca de significados. É importante observar que as vivências adquiridas no
decorrer da vida dos sujeitos são elementos importantes para a realização da
performance da cultura. Segundo o autor

quando vista como um conjunto de mecanismos simbólicos para


controle do comportamento, fontes de informação extra-somáticas, a
cultura fornece o vínculo entre o que os homens são intrinsecamente
capazes de se tornar e o que eles realmente se tornam, um por um.
Tornar-se humano é tornar-se individual, e nós nos tornamos
individuais sob a direção dos padrões culturais, sistemas de
significados criados historicamente em termos dos quais damos
forma, ordem, objetivo e direção à nossas vidas. Os padrões culturais
envolvidos não são gerais, mas específicos (...). (GEERTZ, 2009, p.
37).

Desse modo, as elaborações de Geertz contribuem positivamente para


as nossas reflexões sobre as adequações entre as trocas de experiências dos
indivíduos e suas elaborações culturais. Atitudes, palavras e gestos
culturalmente elaborados são primordiais para a construção do ser e fazer no
campo das performances culturais.
28

John Dawsey (2016, p. 01) defende que é possível entender que “a ação
é frágil e efêmera, e, ao mesmo tempo, potencialmente poderosa, explosiva.
Ela tem as qualidades da passagem. E tem tudo a ver com realização”. Assim,
percebo que o comportamento dos sujeitos desta pesquisa é moldado pelas
referências de suas origens, as quais são interiorizadas por meio dos seus
contextos específicos e exteriorizadas nas suas representações pessoais. As
expressões subjetivas são exteriorizadas por meio das realizações
socioculturais produzidas no convívio do grupo ao qual o sujeito está inserido,
emergindo a vitalidade cultural que lhe caracteriza. Por conseguinte, no
cotidiano, o indivíduo experimenta momentos da performance quando assume
responsabilidades laborais, períodos de socialização (festas, comemorações,
encontros informais) ou de interpretação do seu eu na vida cotidiana 4.

Considerando as ideias de Erving Goffman (2009), consciente ou


inconscientemente produzimos uma determinada impressão sobre nós
mesmos nos papéis vivenciados no dia-a-dia. Desse modo, existe uma
representação constante sobre o que queremos transmitir, interiorizando
papéis e personagens à medida que interagimos na sociedade. Pensando em
estabelecer uma interação social, os indivíduos procuram na observação, obter
informação sobre o outro para definir seu comportamento ao longo do encontro
interacional. Assim, em todos os momentos da vida social do individuo há
representações.

Para além da análise desses momentos da vida social, as experiências


individuais dos sujeitos inseridos nos grupos juninos são orientadas por meio
da participação de ações realizadas em prol da sua coletividade e do
movimento junino. Estas ações determinam significados e acentuam as
afetividades pelo próprio ato, no sentido de estabelecerem afinidades com a
experiência vivida, as simbologias e a teatralidade, inseridas no mundo junino.

Sendo assim, o emprego da palavra performance pode diversificar em


significados e ser compreendida como apresentação e/ou interpretação

4
No livro “A representação do eu na vida cotidiana” (2009), originalmente publicado em 1959,
Erving Goffman utiliza suas concepções sobre o teatro para refletir a respeito das relações
interpessoais na vida cotidiana, principalmente a interação face a face.
29

momentânea. Contudo as Performances Culturais acentuam a completude do


significado formal do termo e possibilita a investigação do social, das
continuidades, das rupturas e das subjetividades como experiência cultural
(CAMARGO, 2015; DAWSEY, 2016, GOFFMAN, 2009).

Os atos emanados pelos seres humanos têm significados e neste


contexto é possível observar que as Performances Culturais são expressas por
elementos constituintes do cotidiano, pois se materializam nos processos
culturais que envolvem as relações entre as simbologias, as experiências e as
linguagens dos indivíduos (CAMARGO, 2015). Desse modo é possível notar
que a teoria das Performances Culturais é uma ferramenta analítica que abarca
os sentidos de múltiplas práticas e formas expressivas. Esse campo teórico
está sempre rodeado de reflexões que apresentam novos modelos de
interpretações dos significados dos fatos socioculturais. Nas análises das
quadrilhas juninas tal campo investigativo é uma ferramenta condutora de
inúmeras reflexões, as quais fortalecem o seu formato interdisciplinar.

O uso de hipóteses nas Performances Culturais está repleto de


expectativas teóricas em transição, uma vez que as produções intelectuais
desse campo de análise aumentam proporcionalmente sua abrangência.
Consequentemente, a produção intelectual tende, em alguns casos, a ser vista
como conhecimento legítimo de quem as produz, enaltecendo perspectivas que
desenvolvem critérios metodológicos específicos e tendenciosos. Essa postura
epistemológica coloca os usos dos conceitos das Performances Culturais em
instabilidade conceitual capaz de proporcionar interiorização de sentidos
adversos ao seu vir a ser.

Igualmente, não há desprezo aqui às diversas elaborações textuais


produzidas, mas um lembrete para os fundamentos dos pressupostos teóricos
sobre as Performances Culturais. Nesse sentido, sem desconsiderar esta ou
aquela, entendo que algumas perspectivas demonstram progresso em relação
à incorporação de determinadas áreas temáticas, a medida que se referem aos
campos e temas que são objeto de estudo das pesquisas no campo das
Performances Culturais.
30

Camargo (2013, p. 11) ao analisar a teoria das performances culturais


sob a ótica de Milton Singer (1912 - 1994) afirma que este é “um conceito
metodológico que se estabelece no movimento das contradições das culturas e
tem como objetivo analisar fenômenos concretos em suas distintas
manifestações”. Para Erving Goffman e Victor Turner as performances
compõem o comportamento humano agregado ao cotidiano e aos dramas
sociais, respectivamente. Nesse sentido conciliamos esta premissa com as
ideias de Richard Schechner (2006, p. 18) sobre a definição ampliada de
performance. Nesse fio condutor é importante salientar que os significados dos
termos utilizados para caracterizar as quadrilhas juninas na perspectiva das
Performances Culturais, dialogam com o teatro, a dança e as manifestações
populares da cultura.

Segundo o diretor norte americano de teatro experimental Richard


Schechner (2013, p. 18), performance é um tema que abarca diversas práticas
culturais desde as ritualizações, as performances da vida cotidiana,
“celebrações, demonstrações de emoções, cenas familiares, papeis
profissionais”, assim como os “jogos, esportes, teatro, dança, cerimonias, ritos
– e às apresentações espetaculares”, as quais são temáticas incutidas de
episódios sociais. As performances acontecem entre as linhas limítrofes da
representação do cotidiano amalgamando os elementos que possibilitam a
transformação dos sentidos culturais.

Para Jean Langdon (1996, p. 09) “todas as sociedades humanas têm


vários gêneros de performance”. Entretanto, Clifford Geertz (2009, p. 20)
adverte que interpretar uma cultura assemelha-se à leitura de um "manuscrito
estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e
comentários tendenciosos". Nesse viés, a performance pode ser compreendida
como categoria analítica a partir dos entendimentos sobre as ações praticadas
pelos sujeitos da cultura, as quais evidenciam as experiências.

Diante do exposto é prudente pensar que as próprias ações


transformadoras sofridas pela prática junina, enquanto experiência, no tempo e
no espaço auxiliam nos agenciamentos dos conteúdos da performance junina.
Lady Selma Albernaz (2004) e Hugo Menezes Neto (2009) chamam a atenção
31

para o uso dos conteúdos tradicionais da cultura popular nas manifestações


culturais da atualidade e suas transformações. Desse modo, esta gestão de
conteúdos juninos refere-se “a forma como os grupos juninos dispõem sobre o
que deve permanecer e o que deve ser tirado de suas apresentações”
(ZARATIM, 2014, p. 13). Assim a contextualização da ação performática junina
é resultado da interação e dos embates de ideias, à medida que as
transformações e a gestão dos conteúdos legitimam a existência real da
performance enquanto experiência.

O conceito de performance está longe de ser esgotado considerando


que são vários os contextos que o campo de conhecimento perpassa. Marvin
Carlson (2010) esboça uma análise sobre diversos autores que discutem o uso
e a noção do conceito das Performances Culturais em diferentes áreas do
conhecimento. Penso que isto não significa falta de especificidade, pois existe
integração entre os desdobramentos conceituais do termo, enaltecida pelas
várias práticas da performance instauradas pelas representações sociais.
Sendo assim é a partir das elaborações textuais de Marvin Carlson (2010) que
considero a ideia de prática performática junina como ação social, pois é certo
que existe uma influência mútua entre os diálogos e comportamentos dos
envolvidos na performance. Considerando essa premissa é oportuno observar
que os envolvidos na performance da cultura do movimento junino procuram o
ajustamento do saber ser e do saber fazer na apreensão dos conteúdos
performáticos, como sujeitos ativos e que reagem aos estímulos sociais.

Simbora!!!
32

1 INTRODUÇÃO

Desde o início da minha pesquisa sobre as quadrilhas juninas em 2012,


aspiro a maturidade acadêmica e procuro, por meio das leituras, participação
em congressos, debates, palestras, seminários e tantas outras oportunidades
acadêmicas, aprimorar as reflexões e análises dos conteúdos apreendidos.
Nas reflexões que resultaram na dissertação de Mestrado, analisei
qualitativamente a contextualização dos grupos de quadrilhas juninas da região
metropolitana de Goiânia e como se apresentavam como prática dançante. A
pesquisa revelou que as coletividades juninas apresentam múltiplos fatores que
determinam a sua constituição na atualidade, porquanto as suas produções
culturais e estéticas transitam entre as simbologias tradicionais e a
ressignificação do fenômeno cultural, criando novos sentidos e significados.

Posteriormente à defesa do Mestrado, o Doutorado foi um desafio


almejado que poderia responder outras inquietações sobre as quadrilhas
juninas, proporcionando a continuidade dos estudos que pretendi realizar. Mas,
e agora? Para esta tese problematizo as inquirições que ficaram pelo caminho,
as quais baseiam-se em: Como os múltiplos fatores constitutivos das
quadrilhas juninas se estabelecem no espetáculo? Como entender, perceber
ou nominar esse tipo de quadrilha junina? Seria uma modalidade de dança
contemporânea? Um produto da Indústria Cultural? Grupos folclóricos? Uma
reminiscência da cultura popular?

Para responder tantas dúvidas foi necessário discorrer sobre a quadrilha


junina no âmbito do conceito de performatividade elaborado por Richard
Schechner (2013), caracterizada pela ação junina na dança em cena desde a
introdução da figura estereotipada do matuto, até a quadrilha junina de
competição repleta de novos sentidos; conhecida como moderna ou estilizada.
Desse modo é oportuno observar que no contexto competitivo as quadrilhas
juninas adquiriram mais de uma possibilidade para ser nomeada: dança junina,
quadrilhas juninas, quadrilhas modernas, quadrilhas estilizadas, ou,
simplesmente quadrilha, ou junina.
33

Sendo assim, para discorrer sobre a performatividade das danças


juninas busquei meios para apreender o significado atual do que é fazer
quadrilha junina, enquanto prática dançante e igualmente prática institucional.
Considerando que os grupos de quadrilhas juninas adotam dinâmicas de
produção que determinam a maneira como o apelo espetacular da
performatividade junina é constituído, foi possível analisar estruturas, ações e
elementos que tendem a validar os significados da estética contemporânea que
compõe a totalidade da dança junina. Dessa forma, a performance junina opera
em um sistema que busca aprimorar os processos produtivos e elucidar seus
significados. Igualmente, ao reorganizar as práticas performáticas juninas, os
grupos de quadrilhas juninas absorvem os processos rituais e performáticos ao
transformar as suas referências dançantes tradicionais em espetáculo.

Destarte, este trabalho pretende atestar que as performances


contemporâneas da dança junina expõem organização espetacular elaborada e
teatralizada, indumentárias e trajes bem trabalhados, acrescidos de adereços,
cenários e alegorias que remetem ao luxo excluindo de vez o improviso,
ascendendo para o espetáculo junino.

Nesse sentido, estimulado por minhas inquietações a respeito dos


múltiplos fatores que compõem as quadrilhas juninas modernas foi que elabore
esta tese, dentre eles: o processo de espetacularização da dança e das festas
juninas; o contÍnuo processo de atualização e ressignificação da dança junina;
e a necessidade de explicar os elementos que compõem a performatividade da
quadrilha junina moderna. Sendo assim, chamo de ressignificação das
quadrilhas juninas o processo de espetacularização da dança junina
sustentado pelos sentidos e significados inovadores adquiridos por meio da
incorporação de novos elementos estéticos que atualizam e modificam a
manifestação cultural junina. Tais elementos estéticos relacionam-se
diretamente com diferentes áreas artísticas e culturais advindas do teatro, da
música, das artes visuais, da dança contemporânea, da moda e de outras
expressões populares.

Outrossim, considero neste trabalho que as práticas das quadrilhas


juninas são influenciadas pela mercantilização da cultura, na qual os grupos
34

juninos experimentam diferentes perspectivas de fazer quadrilha junina na


atualidade. Desse modo, a perspectiva mercadológica e espetacular, assim
como a atualização constante da quadrilha junina induzem a incertezas a
respeito de onde a quadrilha junina se localiza enquanto manifestação cultural.

O trabalho aqui apresentado, ao analisar as performatividades


contemporâneas da dança junina, discute a constituição dos coletivos juninos
enquanto agentes transformadores da estética quadrilheira, os quais marcam
um gênero dançante na sociedade contemporânea. Neste contexto, para fins
didáticos deste estudo, alternarei os termos “grupos juninos”, “coletivos juninos”
e “quadrilhas juninas” conforme a elaboração textual solicite na designação dos
grupos pesquisados.

Inicialmente considerei como categoria de análise o estilo de dança


junina tradicional e moderna. Essas categorias iniciais solicitaram
aproximações teóricas sobre o entendimento do conceito de cultura popular
utilizado pelos fazedores da cultura junina, bem como sobre a festa junina e
suas transformações. Na sequência, após a elaboração e análise das
categorias iniciais, foi necessário na fase intermediária da pesquisa, incluir
outras categorias pautadas nas observações das performatividades juninas,
dos concursos juninos e nas falas dos entrevistados. Sendo assim, as
categorias surgidas foram o processo de espetacularização e a noção de
carnavalização da dança junina, por se associarem diretamente a composição
das quadrilhas juninas na atualidade. Desse modo, busco refletir sobre a
apreensão das concepções estéticas e socioculturais contemporâneas pelo
Movimento Junino de Goiás5, enquanto elementos inspiradores do mercado
cultural que redimensionam o fazer junino.

Igualmente, busco observar e analisar a organização performática e o


processo de criação de dois grupos de quadrilhas juninas – Grupo Cultural
Caipirada Capim Canela e Associação Cultural Arraiá Chapéu do Vovô, cujas
performatividades despertam questionamentos e considerações a respeito dos
sentidos e dos significados estéticos elaborados e empregados para as
competições de quadrilhas juninas na região metropolitana de Goiânia, bem

5
Elucidação da noção de movimento junino na Apresentação desta tese.
35

como em concursos regionais e nacionais, promovidos pelo movimento cultural


junino.

Para fins de desenvolvimento desta pesquisa chamarei os dois grupos


por Caipirada Capim Canela e Quadrilha Chapéu do Vovô. É importante
observar que a primeira se auto intitula representante da quadrilha junina
tradicional, enquanto que a segunda identifica-se como quadrilha junina
espetacularizada. Ambas categorias tradicional e espetacular identificadas
pelos próprios coletivos juninos constituem-se em um argumento importante
para esta pesquisa. Outrossim, os grupos mencionados foram selecionados por
mim, em um universo de 26 grupos filiados à Federação das Quadrilhas
Juninas do Estado de Goiás - FEQUAJUGO devido as elaborações estéticas e
constituição coletiva de cada um, relevantes a este estudo.

Avaliar logicamente os pressupostos idealizados para realizar esta


pesquisa, solicitou que os enunciados teóricos ora apresentados
despontassem na experiência vivida pelos quadrilheiros. A designação
quadrilheiro possibilita a compreensão do termo que se refere ao sujeito junino
como um representante da cultura junina que canta, que dança, que cria, que
recria, que significa e que ressignifica os conteúdos juninos. O quadrilheiro
experimenta, executa, participa, elabora e produz produtos culturais, bem como
interfere nas ações politicas do movimento junino. Assim no decorrer da
pesquisa foi necessário considerar na experiência do quadrilheiro junino, como
ele se percebe no grupo, e no movimento junino. Ao fazer referências aos
sujeitos que participam das práticas juninas recorrerei às expressões
“quadrilheiros”, “quadrilheiros juninos” ou “dançarinos”, conforme o próprio meio
junino os especifica (grifos meus).

Por conseguinte, busquei compreender os fatores essenciais para a


formação e articulação da quadrilha junina contemporânea, como as influências
culturais regionalizadas, os tipos inseridos na dança, e o aprimoramento da
técnica na dinâmica de produção. Igualmente, considerei a observação in loco
como um processo que caracteriza um período de influências mútuas entre os
quadrilheiros e eu, por meio das interações sociais – observação dos ensaios,
entrevistas e conversas informais. Assim, no campo, como pesquisador
36

observei o cotidiano junino dos quadrilheiros para alargar o entendimento sobre


o universo junino, que é modificado constantemente.

Pontos importantes foram modificados desde a pesquisa de Mestrado


tanto na parte artística como na social, uma vez que vários elementos e ações
foram pospostos ou acrescidos à prática dos grupos de quadrilhas juninas. A
exemplo disso, a Quadrilha Chapéu do Vovô, assim como outros grupos da
região metropolitana de Goiânia, incluíram as bandas juninas nas suas
apresentações. Trata-se de ação inédita e ousada para os parâmetros
competitivos de Goiás, que interfere de maneira considerável na
performatividade das quadrilhas e nas suas interações com o público, outros
grupos, o poder público e os próprios quadrilheiros. Igualmente, como outra
exemplificação da mudança encontrada no cotidiano junino, (desde o meu
ingresso nos estudos juninos em 2012) é a preocupação com a função social
dos grupos diante da problemática da sociedade goianiense (insegurança,
aumento do uso de drogas e álcool, inclusão, desemprego, etc). Neste sentido,
os grupos tendem a desenvolver estratégias de socialização com a finalidade
de afastar os seus integrantes destas peripécias sociais com o aumento e
diversificação de atividades artísticas, culturais e laborais diárias.

Outrossim, a investigação in loco foi realizada em diferentes momento


do período compreendido entre 2016 e 2017, devido ao processo das
dinâmicas de produção que os grupos Caipirada Capim Canela e Chapéu do
Vovô realizaram. O trabalho foi contínuo distribuindo tempo para presenciar os
ensaios e explorar os acontecimentos socioculturais ali constituídos; participar
das reuniões administrativas dos grupos; realizar as entrevistas; e observar as
três etapas do circuito goiano de quadrilhas juninas de 2017. Igualmente,
considero a pós-temporada, um período importante para a realização de
entrevistas e conversas informais que contribuem sobremaneira com as
reflexões em relação a experiência junina.

Entendo que um procedimento investigativo composto por entrevistas e


um cuidadoso processo de coleta de dados é capaz de identificar algumas
particularidades criativas dos grupos investigados. O roteiro das entrevistas
focalizadas aplicado à amostra surgiu de um aprofundamento sobre o tema da
37

pesquisa e o entrevistado falou livremente sobre os elementos que constituem


este trabalho, baseados nos seguintes tópicos:

 Quem sou;
 Fale sobre o seu grupo: relações internas e com a comunidade;
dinâmica de produção: direitos, deveres, avanços e desafios;
 Interações com outros grupos juninos;
 Relações institucionais: poder público, federação, entidades
privadas, economia e mercados;
 Marcadores de diferença: sexualidade e gênero nos grupos
juninos
 A percepção junina: o corpo, o lugar, a teatralidade, a
carnavalização, o espetáculo.

Durante a observação dos grupos juninos realizei diversos registros de


fatos corriqueiros, das experiências e das situações ocorridas durante as
visitas. Busquei observar a organização e a estrutura, bem como os processos
da dinâmica de produção das performatividades dos grupos e suas interações
com as performances da cultura junina.

As performances são feitas, realizadas, acontecem, surgem, reproduzem


e se materializam por meio de processos específicos. Edelcio Mostaço (2012,
p. 145) afirma que a performance “forma, institui, corporifica e organiza coisas
e processos, culturas, identidades, estados móveis ou permanentes, valendo-
se de processos legais, morais e sagrados”. Assim, para cada situação a
performance é fruto de sua elaboração e se compõe quando cria um sentido
para as suas práticas. Considerar a performance como natureza criadora é
voltar suas análises para elementos que permitam a constituição de novos
significados.

Durante este processo de observação dediquei um momento para


acompanhar os dois grupos pesquisados em um dia de apresentação em uma
das etapas do festival junino. Assim, depois da temporada de 2017 houve um
momento em que me distanciei do movimento junino, o qual compreende o
período que denomino de entre ciclos juninos. Este período para o
38

pesquisador, se inicia com o final dos festivais disputados6 e termina com a


nova temporada junina. Distanciado do objeto, esse tempo foi por mim
resguardado para as reflexões sobre as anotações realizadas na pesquisa de
campo e elaborações textuais contínuas.

Este intervalo temporal – o entre ciclos juninos – não se aplica às


lideranças juninas, pois esses estão organizando suas ideias para a
composição dos próximos enredos que constituirão suas temáticas. Este é o
inicio do Ciclo Junino, que é aqui entendido como todo o período em que as
práticas juninas são idealizadas, discutidas, preparadas, montadas, ensaiadas,
produzidas, realizadas, performadas, avaliadas, continuadas, descontinuadas,
modificadas, atualizadas e reverberadas. Melhor dizendo, “não se trata apenas
do mês de junho, mas sim do ano todo, pois são várias as ações envolvidas
nesse processo” (ZARATIM, 2014, p. 50). Igualmente, os
quadrilheiros/dançarinos estão em momentos de transição, entre a experiência
do ciclo passado e a expectativa da próxima temporada. Alguns despedem-se
permanentemente da dança junina, enquanto outros permanecem em seus
grupos ou migrarão de um grupo para outro por diversos motivos: empatias,
antipatias, locomoção, parentesco, romances e tantos outros.

Eu, na maior parte do tempo distante de tudo e de todos, li, escrevi,


pesquisei, pensei, repensei, escrevi novamente, rasguei os escritos, reconstitui,
perdi ideias, me perdi nas ideias e segui em busca de atingir o objetivo
proposto. Aguardei o momento propício, antes da temporada de 2018, para
reiniciar as minhas atividades com os grupos a fim de participar das reuniões e
permanecer atento às discussões, continuidades, descontinuidades,
construções e desconstruções de novas ideias.

No percurso investigativo percorrido, procurei então, verificar


comportamentos e ações dos quadrilheiros em situações específicas das
quadrilhas juninas. Nestas situações – ensaios, o cotidiano e as
apresentações, percebi uma eminente necessidade de análise de algumas das

6
No caso desta pesquisa: Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas; Arraial do Cerrado/GOIÁS
TURISMO; Circuito Centro-Oeste de Quadrilhas Juninas; Arraial Brasil (Brasília); Concurso
Nacional de Quadrilhas Juninas (cada ano é realizado em uma localidade diferente, salvo
algumas edições).
39

interfaces do alcance social do ciclo junino para compreender como a categoria


quadrilheiro se constitui.

Para evitar julgamentos precipitados é importante reiterar que em


algumas situações, no decorrer deste trabalho precisei rememorar
determinadas considerações já ponderadas na dissertação de Mestrado, como
a apresentação deste trabalho, por entender que são informações relevantes
que compõem a base para a compreensão dos esclarecimentos aqui
textualizados. Nesta tese não pretendo criar definições sobre as quadrilhas e o
movimento junino, mas desenvolver pressupostos e reflexões para as análises
do objeto. Para isso dividi o trabalho em seis capítulos que apresentam
reflexões sobre o processo de transformação e constituição das
performatividade das quadrilhas juninas de competição.

Nesta introdução que também denomino de capitulo 1, busco


apresentar a trajetória desta pesquisa e seus elementos metodológicos
baseados nos objetivos propostos para este trabalho. No capítulo 2, apresento
o meu objeto de pesquisa para o entendimento das exemplificações
manifestadas no decorrer das discussões, bem como problematizar as
quadrilhas juninas como bens culturais.

No capítulo 3 discuto sobre o fazer junino, por entender ser necessário


apresentar uma visão geral do que é festejar o São João no Brasil, pois esta
ação tem grande influência sobre o processo de ressignificação de diferentes
manifestações populares brasileiras, assim como das quadrilhas juninas. Para
lograr êxito nesta reflexão, discorro sobre processos socioculturais que
influenciaram a modificação da festa. Trago então uma discussão sobre a
cultura popular e as influências provocadas nas festas e nas quadrilhas juninas,
mediante o fenômeno da indústria cultural. Sendo assim, busco repensar o
conceito de popular inserido nos entendimentos sobre as quadrilhas juninas na
atualidade, as quais dialogam diretamente com a cultura de massa.

Discorro no capítulo 4 sobre as configurações estéticas, bem como as


concepções, formas e conteúdos artísticos das quadrilhas juninas na
atualidade. Oportunizo nesta parte da pesquisa as reflexões sobre as relações
dialógicas entre o fenômeno da carnavalização e da espetacularização nas
40

festas e nas quadrilhas juninas, enquanto expressões artísticas e culturais.


Para tais reflexões apresento algumas manifestações expressivas e culturais
brasileiras com raízes no popular como o desfile das Escolas de Samba e o
Bumba meu boi que também se projetam no fenômeno contemporâneo do
espetáculo. Igualmente, faço uma reflexão sobre a constituição do quadrilheiro
junino e como a sua corporeidade se apresenta na cena junina por entender
que são fatores preponderantes na discussão sobre a ressignificação da dança
junina e suas performatividades.

Analiso no capítulo 5 a ação performática, por meio do processo criativo


dos grupos juninos pesquisados. Nesse contexto, apresento a construção dos
significados artísticos, sociais, econômicos e políticos que os grupos juninos
propõem nas performatividades juninas.

Apresento no capítulo 6 a ação performática das quadrilhas juninas,


demonstrando o sentido das narrativas das danças juninas, as quais repousam
nas temáticas socioculturais e políticas em seu plano de composição.
Outrossim, o fazer junino dos grupos juninos é demonstrado à medida que
pode ser entendido como dança-teatro no contexto dos festivais competitivos
juninos. A materialização dos enredos nas representações juninas diz respeito
à busca dos grupos juninos por encantar os espectadores e de se fazer
compreender por eles a partir da ideia expressa pelas visualidades no
movimento dançado e teatralizado.

Intento nesta tese contribuir com o campo de reflexões sobre as


quadrilhas juninas para que as experiências aqui descritas possam auxiliar nos
entendimentos dos espaços socioculturais dos sujeitos que performam a
cultura junina – uma porção da cultura brasileira. Sendo assim foi essencial,
desenvolver uma interpretação crítica a partir dos dados obtidos, optando por
um estudo teórico fundamentado nas proposições sociológicas de Pierre
Bourdieu (2012) e corporais de David Le Breton (2007; 2009a; 2009b);
antropológicas como as de Victor Turner (2005, 2008) e Clifford Geertz (2009);
autores que desenvolveram reflexões sobre a cultura popular como Alfredo
Bosi (1992), Sebastião Rios (2014); Mario de Andrade (1982) e Antônio
Cândido (2010); autores da revisão da literatura sobre as festas populares e
41

religiosas, festas juninas e cultura popular como Luciana Chianca (2006,


2007a, 2007b), e Maria Laura Viveiros Cavalcanti (2000, 2001, 2002, 2004,
2011, 2013); autores sobre as manifestações das festas e das quadrilhas
juninas no Brasil como Hugo Menezes Neto (2009), Zulmira Nóbrega (2010),
Rafael Noleto (2016); autores que trabalham as teorias das Performances
Culturais como Richard Schechner (2006, 2011, 2013), John Dawsey (2011,
2016) e Robson Camargo (2013, 2015); e tantos outros.
42

2 ESPAÇOS, ATIVIDADES E AÇÕES COLETIVAS DOS GRUPOS


PESQUISADOS

As quadrilhas juninas observadas neste estudo pelo prisma das


performances culturais são aqui identificadas como configurações expressivas
de movimentos estéticos e simbólicos no universo da cultura junina. São
práticas ressignificadas e sistematizadas advindas da formação cultural das
localidades brasileiras, que neste caso migraram para a região metropolitana
de Goiânia. As performatividades das quadrilhas juninas na atualidade são
apelos urbanos que transformam o tradicional em conteúdo espetacular
atualizados pela dinâmica social.

Como mencionado anteriormente, as intepretações aqui apresentadas


são pautadas na dinâmica de produção de dois grupos de quadrilhas juninas
de competição da região metropolitana de Goiânia – Caipirada Capim Canela e
Quadrilha Chapéu do Vovô. Tal qual Magnani, (2002, p. 20) penso que é
preciso construir uma totalidade “a partir da experiência dos atores e com a
ajuda de hipótese de trabalho e escolhas teóricas, como condição para que se
possa dizer algo mais que generalidades a respeito do objeto de estudo”.
Desse modo, esta pesquisa detém atenção nas experiências dos quadrilheiros
juninos e nas diferentes apropriações da noção do fazer junino pelos grupos de
quadrilhas juninas, a fim de analisar suas elaborações performáticas sob a
sustentação da teoria das performances culturais. É importante observar que
os termos características performáticas e performatividades são neste estudo
compreendidos, como elementos que constituem as performances da cultura
junina.

Neste contexto, as questões relacionadas à experiência coletiva, ao


parentesco, a relação e a tensão entre o saber e o poder foram bastante
notadas nos grupos pesquisados. Igualmente foi percebido que a estrutura
administrativa e de dominação existente no interior dos dois grupos origina-se
pela autoridade geracional, a qual organizava e ainda organiza internamente os
processos de criação coreográfica, a organização musical, as regras de
conduta, bem como os processos de concepção dos produtos culturais
(ZARATIM, 2014).
43

Iniciei as observações in loco e entrevistas no processo de pesquisa


desta tese com as lideranças dos grupos selecionados no mês de abril de
2017. Entrei em contato por meio de telefonemas e conversas via whatsapp
com o Sr. Cristiano, Presidente da Quadrilha Chapéu do Vovô e com o Sr.
Carlito, Presidente da Caipirada Capim Canela recorrendo ao Messenger do
Facebook e a telefonemas. Naquela ocasião, os dois grupos estavam em
preparação para as etapas do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas 2017 que
iniciaria no dia 03 de junho daquele ano. Era necessário mais uma vez adentrar
seus universos, buscando determinar critérios de observação para estabelecer
uma relação de troca entre as minhas convicções baseadas no que trago como
experiência quadrilheira com o que eles teriam a relatar sobre suas práticas
juninas.

Figura 01 - Localização dos grupos pesquisados

Fonte: googlemaps

Era necessário compreender os seus entendimentos sobre o fazer junino


em suas quadrilhas e ao mesmo tempo confrontar nossas ideias a respeito de
suas práticas. Assim, fui visitá-los numa missão de pesquisa: observação,
conversas informais e entrevista. As estratégias de investigação foram
apresentadas para o Sr. Carlito da Caipirada Capim Canela e para o Sr.
Cristiano da Quadrilha Chapéu do Vovô, ambos presidentes dos respectivos
44

grupos. Como interlocutores principais no desenvolvimento desta pesquisa,


suas generosidades transformaram-nos em parceiros desta investigação, à
medida que compartilhei com eles as minhas finalidades de pesquisa, e ao
mesmo tempo eles apoiaram e legitimaram a minha participação enquanto
observador/entrevistador. Também as dinâmicas participativas foram
realizadas com outros integrantes de cada grupo; alguns escolhidos
aleatoriamente e outros divididos entre coreógrafos e lideranças dos grupos.

A recepção nos dois grupos foi bem parecida com todos os grupos que
visito desde 2012. Semelhante também é a minha participação enquanto
pesquisador. Para este trabalho, na continuidade desta exposição, converso
com as lideranças explicando que permanecerei observando a rotina de seus
ensaios e que ao final, gostaria de conversar com alguns dos integrantes –
aqueles que por algum motivo, me chamariam a atenção para esclarecer
alguma inquietação. Assim mesmo, nas duas situações de campo, sempre eu
era apresentado a todo o grupo e era solicitado a falar algo. Procurava então,
explicar sobre o que estava fazendo ali, por vezes anotando o que eles faziam.
Aproveitava a oportunidade de acompanhar de perto as situações corriqueiras
vivenciadas pelos quadrilheiros, as quais poderiam revelar inúmeras
combinações de gestos e palavras não ditas. Então, buscava em tornar-me
familiar, anotando, filmando, fotografando, conversando e entrevistando.

É percebido pois, nestes dois grupos que a tradição junina é pensada


como forma de propagação dos saberes juninos encontrados no modo de fazer
a dança de quadrilha junina, na ação festeira e em outras formas de
representar o tradicional junino. Acontece que nos ajustes conceituais no que
os quadrilheiros juninos acreditam ser a continuação da tradição, observo que
a expressão artística modifica, exclui e ressignifica elementos e símbolos
originados no passado, como o pular a fogueira e a representação do
casamento. Desse modo, problematizo o sentido cultural dos grupos juninos na
contemporaneidade, o qual ocasiona divergências sobre o entendimento do
fazer junino enquanto expressão artística, entretenimento ou manifestação da
cultura popular.
45

Mas a preservação do chamamento tradicional diante da contradição


que a atualidade fomenta na cultura junina tem sido, de certa forma,
resguardada pelos próprios brincantes das festas juninas. Os agentes culturais
exercem sua criatividade sobre as estruturas tradicionais, mesmo em meio as
ressignificações diversificadas fomentadas pelas temporalidades e
espacialidades. Nos termos de Hobsbawm e Ranger (1997) a tradição junina é
inventada, remodelada ou ressignificada, baseada nas novas práticas
socioculturais dos grupos juninos, à medida que a natureza simbólica da dança
junina acompanha a dinâmica da sociedade brasileira (ZARATIM, 2014).

Neste contexto podemos observar que os sentidos estruturantes dos


símbolos das quadrilhas juninas, como a dança formada por casais, a formação
de círculos, a indumentária, as músicas e outros elementos que dramatizam
um conjunto de ideias são conservados ou reformulados conforme solicita a
dinamicidade do movimento junino.

Figura 02 - Apresentação Caipirada Capim Canela

Fonte: Lanucce Lucas - Acervo Caipirada Capim Canela

A busca pela estética da dança e das visualidades combinada com os


apelos tradicionais dos festejos juninos determina os estilos preferenciais dos
grupos juninos, uma vez que assinala as características coletivas relacionadas
a cada grupo. Assim, durante a pesquisa de campo, percebi que os conteúdos
populares tradicionais da dança junina são codificados pela prática na
atualidade e diluídos na dinâmica de produção. Os coreógrafos dos grupos,
46

assim como as lideranças, fazem suas intervenções para explicar como


deveriam contar a temática desenvolvida pela dança.

Figura 03 - Primeiro Ensaio Quadrilha Chapéu do Vovô em 2017

Fonte: Regis Lima - Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

Canclini (2008) nos alerta que as culturas se harmonizam para constituir


novas estruturas socioculturais. Nestes termos, reflito que os grupos de
quadrilhas juninas da região metropolitana de Goiânia possuem características
estruturais e socioculturais diferentes, porém com similaridades em seus
objetivos – a competição. Assim mesmo, os grupos partilham práticas, saberes
e socializações constantemente uns com os outros em virtude desses mesmos
concursos juninos e dos eventos propostos pelo movimento junino7.

De maneira independente os grupos juninos constroem modelos de


gestão específicos, reiterando, à sua maneira, a reprodução de práticas
administrativas. O grupo de quadrilha junina Chapéu do Vovô mantém um
ponto de cultura8 que auxilia no modelo administrativo adotado por eles. Tal
ponto de cultura funciona como base social, sendo que articula atividades
lúdicas e sociais a partir da cultura, experimentando o fazer cultural da
localidade. Neste local são ministradas aulas de violão, teatro, dança e canto,

7
Os grupos promovem festas e eventos para arrecadação financeira. Nestas ocasiões a troca
de experiências é constante, reverberando a partilha das práticas, saberes e socializações.
8
A Lei nº 13.018, de 22 de julho de 2014, institui a Política Nacional de Cultura Viva e
estabelece no Artigo 4º, Inciso I, os pontos de cultura como instrumento de política pública
cultural. O texto assim versa: “I - pontos de cultura: entidades jurídicas de direito privado sem
fins lucrativos, grupos ou coletivos sem constituição jurídica, de natureza ou finalidade cultural,
que desenvolvam e articulem atividades culturais em suas comunidades”.
(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13018.htm; acessado em 15 de
julho de 2018 às 16:42hs)
47

além de fomentar as práticas de atividades físicas da população circunvizinha,


sem custos para os participantes.

Figura 04 - Aula de Zumba no Ponto de Cultura Chapéu do Vovô

Fonte: Regis Lima - Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

A Caipirada Capim Canela administra suas ações socioculturais e


econômicas a partir de uma gestão de parentesco. A sede do grupo é na
residência do Presidente do grupo, Sr. Carlito, que delega as funções para a
realização dos trabalhos artísticos e culturais em um espaço construído na
frente da casa. A construção também é utilizada para o depósito dos artigos,
peças, objetos e artefatos produzidos pelo grupo nas temporadas juninas:
prioritariamente as vestimentas juninas, que são comercializadas para outros
grupos locais e para outros estados, após a temporada na qual foram usadas.

Figura 05 - Área da casa do Senhor Carlito

Fonte: acervo pessoal


48

Geralmente, os componentes dos grupos juninos executam suas tarefas


dentro do grupo conforme determinação das lideranças que visam ao trabalho
coletivo em busca de uma vantagem competitiva nas etapas dos certames
juninos. Acontece que as habilidades administrativas e financeiras dos grupos
juninos necessitam de qualificação no sentido de aprofundar os conhecimentos
de gestão organizacional para combinar as estratégias de produção cultural e
da saúde financeira dos grupos envolvidos.

De maneira geral, os processos de criação entre os grupos juninos da


região metropolitana de Goiânia carecem do estabelecimento de gestão
qualificada que contribuam com a eficácia da dinâmica de produção; é
necessário o reconhecimento das condições estruturais e dos recursos
disponíveis por parte das lideranças dos grupos que envolvem a dinâmica
produtiva. O Sr. Cristiano da Quadrilha Chapéu do Vovô afirma que “uma das
coisas hoje que os grupos têm passado muita dificuldade mesmo é a
dificuldade financeira”. Neste contexto os grupos enfrentam obstáculos para
angariar fontes de financiamento permanente.

Os grupos juninos ao constituírem suas performatividades diferenciam


seus processos produtivos em relação aos processos produtivos formais e
sistemáticos das organizações estruturadas. Assim mesmo, os grupos juninos
Capim Canela e Chapéu do Vovô disputam a hegemonia dos concursos
juninos, posto que seus níveis de desempenho estratégicos organizacionais
estão em vantagem sobre grupos que ainda não adotaram nenhum modelo de
gestão.

Igualmente é importante destacar que a busca pela hegemonia dos


concursos entre os grupos juninos está associada a fatores que compõem uma
visão político-administrativa decorrente da estrutura fomentada pela iniciativa
governamental. O Governo do Estado de Goiás fomenta as práticas culturais
por meio da Lei nº 13. 613, de 16 de maio de 2000, conhecida como Lei
Goyazes9, a qual institui o Programa Estadual de Incentivo à Cultura

9
A Lei Goyazes nº 13,613 tem por finalidade: “preservar e divulgar o patrimônio cultural,
histórico e artístico do Estado; incentivar e apoiar a produção cultural e artística relevante para
o Estado de Goiás; democratizar o acesso à cultura e o pleno exercício dos direitos culturais,
49

(ZARATIM, 2014). Os grupos de quadrilhas juninas Capim Canela e Chapéu do


Vovô foram contemplados por esta lei nos anos de 2017 e 2018. No âmbito
municipal, a Prefeitura de Goiânia publica editais anuais para incentivo à
cultura local, contemplando várias áreas da cultura goianiense, inclusive as
quadrilhas juninas e o Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas.
10
Figura 06 - Feijoada Chapéu do Vovô 2017

Fonte: Regis Lima - Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

Sendo assim, os grupos de quadrilhas juninas são direcionados a


empregar instrumentos empresariais para contemplar seus projetos. Cada
grupo junino tem sua especificidade organizacional. Enquanto instituições não
governamentais sem fins lucrativos estes grupos aderem a posicionamentos
administrativos baseados em ações informais carentes de conhecimento
técnico. Refiro-me ao conhecimento técnico-administrativo aos planejamentos
estratégicos com a finalidade de conduzir direcionamentos contábeis,
econômicos e administrativos requeridos no ciclo junino.

Entretanto, na contramão dos incentivos promovidos pelas limitadas


políticas públicas, alguns grupos não conseguem a aprovação de projetos
culturais para financiamento de seus trabalhos, por incapacidade de
elaboração ou por irregularidades administrativas perante o poder público. Há

garantindo a diversidade cultural, e incentivar e apoiar a formação cultural e artística”


(ZARATIM, 2014, p. 18 – nota de rodapé).
10
Os meus interlocutores. Da esquerda para a direita: Sr. Carlito, Sr. Valdeir, Sr. Luisinho e Sr.
Cristiano – lideranças dos Grupos pesquisados.
50

uma carência de especialização administrativa e gestão, a qual gera


dificuldades de regularizações e desembaraços burocráticos.

Outrossim, apesar dos altos custos da produção e montagem das


apresentações, as quadrilhas juninas se apresentam quase que
voluntariamente. Em algumas ocasiões conseguem apenas a comida que é
servida na festa e o transporte. Nesse contexto, sem contar a participação das
três etapas do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas, segundo o Sr. Carlito, a
Caipirada Capim Canela “fez em 2017, 22 apresentações”; destas apenas “3
(três) foram remuneradas com valor médio de R$ 800,00 (Oitocentos Reais)”. A
esse respeito, o Sr. Carlito reitera que:

“Na verdade a gente fala como voluntário, porque a pessoa


geralmente oferece transporte e um lanche. Cachê a maioria dos
arraiais que fazem para arrecadar dinheiro não tem condição de
pagar. Ai eles oferecem o transporte e alimentação” (Sr. Carlito,
Caipirada Capim Canela).

O Sr. Cristiano, da Quadrilha Chapéu do Vovô, afirma que contando


com a participação no Circuito de Quadrilhas “fez 52 apresentações em 2017”,
destas “31 (trinta e uma) foram remuneradas com o valor médio de R$
2.000,00 (dois mil reais)”. Desse modo é importante ressaltar que a Quadrilha
Chapéu do Vovô tem estrutura interna administrativa mais organizada do que a
Capim Canela e conta com um plantel bem mais numeroso, além de ser mais
conhecida em Goiás e em âmbito nacional, diferente da maioria dos grupos
juninos da região metropolitana de Goiânia.

Em relação a noção de organização dos coletivos juninos, observo que a


mobilização de pessoas e serviços efetivada pelo movimento junino em Goiás
estimula uma pluralidade de ações e meios para um desenvolvimento
sustentável que busca solidez no mercado cultural a partir de suas
experiências. A composição dos grupos de quadrilhas juninas em Goiânia é um
misto de empresários, funcionários públicos, estudantes, pessoal da iniciativa
privada, brincantes, assim como de cidadãos ansiosos por um espaço no
mercado de trabalho (ZARATIM, 2014, p. 61).

Neste contexto, a Professora de Educação Física, Caroline Aguiar, a


Carol Aguiar, rainha e coreógrafa da Quadrilha Chapéu do Vovô nos conta que:
51

normalmente a maioria são pessoas que já estão dentro do circuito


ou de outros grupos e também tem pessoas que já acompanharam a
quadrilha algumas vezes, algumas apresentações já estiveram
presente e gostaram e ficaram aguardando para entrar no próximo
ano. O perfil dessas pessoas normalmente é estudante acho que
mais ou menos até 30 anos. Pessoas estudantes, trabalhadores, vai
gente da região metropolitana de Goiânia, pessoas de Goianira,
Trindade, Aparecida de Goiânia de várias regiões de Goiânia, tipo
Centro e também pessoas da nossa região norte aqui, Jardim
Pompeia, Itatiaia, Goiânia 2, são pessoas jovens e na maioria que já
possuía conhecimento de outra quadrilha. (Carol Aguiar, Quadrilha
Chapéu do Vovô).

Geralmente as diretorias dos grupos juninos, bem como as demais


colocações dos participantes são formadas por moradores das localidades
onde os grupos se constituem. Esta é uma configuração dos grupos juninos
que possibilita atividades laborais e a busca pela profissionalização em
diversas áreas como maquiagem, figurino, cenário, iluminação, sonorização,
coreógrafo, músicos, técnicos em informática, artesãos, cozinheiros,
lavanderias e outros (ZARATIM, 2014).

Ademais, as expectativas em relação às alternativas profissionalizantes


dos diversos componentes dos grupos vão além dos valores culturais
apreendidos na prática junina. O movimento junino em Goiás carece de maior
visibilidade político-administrativa para que assim, as ações econômicas e
socioculturais dos diversos grupos possam transitar além do ciclo junino. Os
participantes dos grupos de quadrilhas juninas encontram no movimento junino
alternativas de trabalho e lazer, bem como expectativas de profissionalização.

Figura 07 - Quadrilheiros na Produção do Figurino da Chapéu do Vovô

Fonte: Adriana Vieira


52

Para Menezes Neto (2009, p. 134) “a experiência e o conhecimento


adquiridos na quadrilha abrem novas perspectivas de trabalho”. É o caso do
processo de confecção das vestimentas. Em muitas ocasiões os quadrilheiros
auxiliam as costureiras e os costureiros profissionais na confecção da
roupagem de seus próprios grupos, tal qual ocorreu na Quadrilha Chapéu do
Vovô que reuniu seu elenco nesta temporada para finalizar os acabamentos do
figurino de 2017.

Apesar dos obstáculos administrativos internos, políticas públicas teriam


abundante espaço para auxiliar nas necessidades dos componentes dos
grupos juninos e de suas localidades em relação a criação de cursos
profissionalizantes e atualizações profissionais para maquiadores,
cabeleireiros, cenógrafos, iluminadores, serralheiros, costureiros e várias
outras profissões presentes na dinâmica de produção do movimento junino.

Figura 08 - Geração de renda e emprego

Fonte: Adriana Vieira

Nessa seara, o maior estímulo dos grupos juninos para a produção de


bens e serviços é a competição junina, composta por etapas do circuito goiano
de quadrilhas juninas que anualmente proporciona a circulação de valores
culturais e econômicos, com geração de renda e emprego. As etapas são
aguardadas não apenas como competição ou oportunidade de mercado, mas
também como manifestação dos festejos juninos que, agora ressignificados,
promovem modificações na forma de vivenciar a tradição da realização da
festa.
53

O fator competição é então identificado como elemento disparador das


práticas e das experiências dos quadrilheiros juninos nos grupos de quadrilhas
juninas. O estímulo à competição no movimento junino configura-se como um
avanço nos processos laborais e comerciais da cultura, como também fator
preponderante para a ressignificação dos sentidos juninos.

Eu falo por experiência própria de quem começou na década de


oitenta pra noventa ser quadrilheiro e hoje a gente conseguiu evoluir
demais, tanto é que o estado de Goiás hoje está entre os principais
estados do movimento junino. Mas foi a custas de muito trabalho da
profissionalização dos grupos, dos grupos agirem; a gente tenta;
conseguiu implementar isso aí na mentalidade dos presidentes de
grupos que eles precisavam trazer as quadrilhas juninas como grupos
de dança profissional. Você conseguir vender uma quadrilha como
um produto cultural; você vender ela como uma atração pra
empresas, pra escolas particulares, condomínios; então isso ai traz
fundos pra quadrilha pra poder estar fomentando seus trabalhos e faz
esse crescimento (Sr. Cristiano, Quadrilha Chapéu do Vovô).

O Sr. Cristiano, da Quadrilha Chapéu do Vovô ainda comenta que “para


ser quadrilheiro tem que ter competitividade”, a qual está atrelada “à vontade
de fazer bem feito”. A vontade de vencer os festivais afeta diretamente a
qualidade dos trabalhos dentro do grupo. Segundo o Sr. Cristiano:

[...] afeta positivamente em tudo. Eu acho que essa vontade de fazer


a coisa bem feita com capricho afeta ele na, na; quando você vai
fazer o figurino, por exemplo, vou citar um caso do nosso grupo, que
você confecciona o figurino e confecciona a base dele; mas o
arremate final do figurino é o quadrilheiro, é o próprio dançarino é que
faz; é colar pedrinha, é bordar, é fazer o detalhe, que é manual, feito
com capricho. Cada dançarino quer fazer melhor do que o outro o seu
figurino; quer caprichar mais ainda, então isso o afeto; ele leva isso
para o dia-a-dia dele também, de querer fazer a coisa bem feita, de
querer as coisas melhores cada vez mais (Sr. Cristiano – Quadrilha
Chapéu do Vovô).

Desse modo, a idealização da competição interfere no comportamento


dos quadrilheiros, bem como nas modificações do modo de direcionamento dos
grupos. Assim mesmo, o discurso no meio social junino configura-se no
trabalho direcionado para um mesmo objetivo: o desenvolvimento e
continuidade do movimento junino. Neste contexto, a intensificação dos níveis
de produção dos bens culturais legitima a dinâmica de produção executada
nestes grupos pelo discurso de transformação social dos quadrilheiros juninos.
O Sr. Cristiano afirma que:
54

É muito bom quando você vê um jovem que poderia estar lá


perdido no mundo, ele está ali preso junto com você, dentro da
escola (local de ensaio) fechada né, aprendendo a dançar
quadrilha; você formar o quadrilheiro. O quadrilheiro, a gente
costuma explorar o potencial de cada pessoa dentro do nosso
grupo; por exemplo se ele tem ....; a gente tem até um
aplicativo para o pessoal fazer o cadastramento e lá ele vai
colocar qual é a aptidão que ele tem: se ele é costureiro; se ele
é serralheiro; se ele é sapateiro; se ele quer ajudar; se ele não
quer; então lá agente tem todos os dados da pessoa. Por
exemplo o cara é maquiador, tudo bem: dia de etapa você vai
ajudar as meninas a se maquear; se ele tem aptidão para
costureiro, ele via ajudar; então assim, a gente explora e dá
espaço pra todo mundo trabalhar e cobra resultado; não
adianta você colocar a pessoa e não cobrar resultado; direitos
e deveres, então ele tem isso daí; então, a gente tenta fazer
isso daí; ele hoje é um brincante porque ele vai tá brincando,
mas nas funções, na época da produção da quadrilha, ele é
artesão, ele é serralheiro, ele é o que for. Ai depois na hora da
dança, ele vai brincar, vai se divertir, vai curtir o melhor. Vai
dançar no circuito (Sr. Cristiano, Quadrilha Chapéu do Vovô).

Neste contexto, existe a busca pelas competências e reconhecimento


das potencialidades de cada grupo. A sujeição dos indivíduos à dinâmica de
produção junina, mesmo objetivando a competição, não implica prioritariamente
em distanciar pessoas e grupos, pois o sentimento de cooperação durante o
circuito junino é também observado (ZARATIM, 2014).

O caráter competitivo do circuito junino opõe-se à natureza que


fundamenta os festejos de junho: a interação entre pessoas e grupos. A
competição entre os grupos juninos, desperta a continuidade ou a
desconstrução dos acolhimentos e das boas relações pessoais, principalmente
pelos comentários nas redes sociais.

Assim mesmo é importante destacar que as redes sociais comunicam


acontecimentos de imediato, partilham fontes informativas e compartilham
diferentes perspectivas artísticas e culturais, por meio de sites colaborativos
conhecidos como mídias sociais. Para Cláudio Torres (2009) as redes sociais

visam reunir pessoas, os chamados membros, que uma vez


inscritos, podem expor seu perfil com dados como fotos
pessoais, textos, mensagens e vídeos, além de interagir com
outros membros, criando listas de amigos, comunidades,
55

grupos e fóruns ou até escrevendo um blog (TORRES, 2009, p.


41).

As redes sociais têm a capacidade de reunir seus membros com


variadas e inovadoras funções que proporcionam o relacionamento entre
pessoas de diferentes gêneros, classes sociais, credos religiosos e outros, por
variadas maneiras.

Em relação ao movimento junino, as redes sociais são ferramentas


comunicacionais imprescindíveis que possibilitam proximidades entre
quadrilheiros de diversas regiões do país. Dentre as principais mídias
comunicacionais utilizadas pelos quadrilheiros cito em 201811 o Facebook e o
Whatsap. Por meio destes canais de comunicação os grupos juninos das
diferentes localidades brasileiras mantêm contatos profissionais, relações
comerciais, divulgação dos trabalhos da temporada e troca de serviços. Neste
mesmo movimento virtual, encontramos as interações pessoais entre os
quadrilheiros de diversas localidades, inclusive de suas próprias regiões.
Contudo, notamos que nem tudo é um mar de rosas, porquanto este mundo
virtual também é transformado em uma arena de desentendimentos, na qual
são expostos conflitos entre quadrilheiros do mesmo grupo ou de grupos
diferentes.

Contudo, para a estrondosa maioria dos quadrilheiros juninos, o


primordial é a interação social, fortificada pela boa convivência entre os
indivíduos na coletividade. A exemplo disso destaco os eventos promovidos
pelos grupos para arrecadação de fundos a fim de aplicá-los na dinâmica de
produção. Tais eventos são ótimas oportunidades para a promoção da boa
relação entre os quadrilheiros no movimento junino. Erving Goffman (2009, p.
23) ao buscar elucidar a vida social por meio de uma análise das interações
face a face, nos alerta que a interação “pode ser definida, em linhas gerais,
como a influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros
quando em presença física imediata”. Desse modo, a ação interacional no
movimento junino, ocorre pela intenção mútua dos quadrilheiros de estabelecer

11
Delimitei o ano por ser tratar de um fenômeno social contemporâneo em constante
ascensão, transformação e infindáveis atualizações.
56

relações uns com os outros, que ajustadas pela ocasião socializadora, compõe
os festejos juninos.

Figura 09: Feijoada promovida anualmente pela Quadrilha Chapéu do Vovô

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

Gilberto Velho (2003) entende que apesar da heterogeneidade


encontrada em grupos sociais sob o ponto de vista sociológico, há determinada
homogeneidade “no processo de interação e negociação da realidade,
expectativas e desempenho de papeis congruentes”, porquanto “poderíamos
chamar de consistência cultural” (VELHO, 2003, p. 17). Nesse sentido, as
ações cooperativas no meio junino salientam – a partir das condições sociais
específicas dos grupos juninos, a valoração das interações realizadas.
Conforme o nível de rivalidade os grupos são favoráveis a auxiliar uns aos
outros, no sentido de permutarem serviços (oficinas de maquiagem, oficinas de
gestualidades na dança, preparação do repertório musical, etc) e produtos
culturais (vestimentas, cenários e outros).

A competição junina não anula por completo a cooperação, pois os


quadrilheiros juninos situam-se como fazedores da cultura junina voltados para
um mesmo objetivo. As ações de cooperação dos indivíduos no ambiente
junino destinados ao circuito goiano estabelecem sistemas de integração entre
os sujeitos, no sentido de facilitar meios para produzir serviços culturais.
Segundo a campeã brasileira do Concurso Nacional de Rainhas Juninas 2015,
da Confebraq, Carol Aguiar, Rainha e coreógrafa da Quadrilha Chapéu do
Vovô, em 2017 ela “realizou oficinas práticas sobre o uso das saias” junto as
seguintes quadrilhas: Explosão do Cerrado, Arrasta Pé, Aconchego e Capim
Canela.
57

Independente da ação competitiva entre os grupos como também dentro


dos grupos, os ajustes coletivos se dão a partir das interações construídas nas
experiências juninas. Assim mesmo a competitividade entre grupos e pessoas
estabelece posições de prestígio entre os quadrilheiros, constituído pelo
reconhecimento por outros grupos e pelos espectadores. Este é o caso dos
destaques juninos: casal de noivos, rainhas, assim como as quadrilhas juninas
que disputam a hegemonia no circuito competitivo (ZARATIM, 2014).

A motivação pelos procedimentos de sociabilidade está também


resguardada nestes processos competitivos, uma vez que as relações
interpessoais adotam comportamentos de boa convivência. Além de aceitarem
as normas estabelecidas pelo estatuto dos grupos juninos, da Fequajugo e do
movimento junino, os quadrilheiros procuram neutralizar suas expectativas e
frustrações em relação ao que é visto e apresentado por outros grupos.

Relevante, neste caso é a valorização dos aspectos socioculturais e


afetivos resgatados pelas referências motivacionais dos indivíduos que para
além das rivalidades, acolhem subjetivamente elementos de reciprocidade.
Desse modo, os certames juninos realizados a cada ano, preferencialmente no
mês de junho integram sentidos que abarcam condutas e práticas
socioculturais (MENEZES NETO, 2009; NOLETO, 2016; ZARATIM, 2014).

Valendo-se da criatividade, as temáticas trabalhadas nas apresentações


dos grupos diluem-se na vontade de mostrar suas performances e propagar a
tradição junina: discurso comum entre os integrantes do movimento junino de
Goiás. Assim mesmo, a composição harmônica dos grupos necessita de
coordenação e estabelecimento de direcionamentos político-administrativos,
em virtude de suas estruturas socioculturais angariarem progressivamente
novos conjuntos de fazeres e sentidos. Consequentemente a atual forma de
dançar quadrilha junina tem se estabelecido na temporalidade e na
espacialidade de seus arranjos socioculturais, os quais são paulatinamente
instituídos, mas não estão conclusos, pois perfazem uma sequência de
inovações designadas por um processo dinâmico de ressignificação. Neste
sentido é importante ponderar que os grupos juninos agregam e/ou ajustam
sua prática aos interesses comerciais voltados para a relação entre atividade
58

artística e cultural, realidade social, conservação da tradição e otimização de


suas práticas a fim de lograrem êxito nos festivais competitivos juninos.

Figura 10 - Mapa de localização dos Grupos de Quadrilhas Juninas filiados à FEQUAJUGO em


Goiânia

Fonte: Fequajugo

2.1 Os Bens Culturais Juninos e a Mercantilização da Cultura


59

As quadrilhas juninas na atualidade, especialmente às de competição


são manifestações populares que apresentam diversidade na elaboração de
bens culturais nas suas efetivações que, de certo modo, acomodam-se às
contradições sociais de suas localidades. Para Maria do Carmo Godoy (1985,
p. 72) os bens culturais podem ser compreendidos como "toda a produção
humana, de ordem emocional, intelectual e material, independente de sua
origem, época ou aspecto formal”, tendo em vista que o termo bem cultural
geralmente é empregado em várias esferas.

Sendo assim, na esfera da cultura junina, ampliando o sentido de bem


cultural é possível pensar na quadrilha junina, como resultado de um processo
de produção executado por grupos sociais. A dinâmica de produção junina está
inserida nos processos culturais que se desenvolveram em um cenário
carecido da interferência de políticas culturais. Desse modo, a dinâmica de
produção adotada pelos grupos de quadrilhas juninas da região metropolitana
de Goiânia constitui-se a partir da organização interna de cada coletividade,
que tem como propósito principal, mas não único, a participação dos festivais e
concursos juninos. Compartilho com Hugo Menezes Neto (2009) a ideia de que
a dinâmica de produção dos grupos juninos passa por um processo coletivo
conhecido como montagem da apresentação, aqui compreendida como uma
sucessão de ações e atividades autônomas em função de uma elaboração
performática.

Os produtos e artigos elaborados e/ou produzidos pelos grupos juninos


adquirem valor cultural ao serem transformados em unidades que operam nas
atividades simbólicas que configuram a prática junina enquanto manifestação
cultural. Do mesmo modo, para os quadrilheiros, estes elementos são
caracterizados pelo seu valor afetivo ao participarem da dinâmica de produção,
bem como do esforço para produzi-los, despolitizando o seu uso face ao
mercado cultural. Posteriormente, o valor afetivo é impulsionado nos momentos
performáticos constituídos pelas apresentações em diversas localidades e nos
festivais competitivos, os quais proporcionam sentimentos peculiares para
quem dança. Para Menezes Neto (2009, p. 156) o “quadrilheiro não “dança”
60

quadrilha, “vive” quadrilha, em toda a sorte de relações e sentimentos


intrínsecos a essa vivência”.

a gente vê pessoas que tem hoje dentro da quadrilha, talvez o


esteio seu, até da sua existência, a gente pode falar que a
quadrilha é a sua existência; tem gente que talvez a coisa mais
importante que ela tem hoje dentro da vida dela é a quadrilha,
que aceita ela do jeito que ela é; no ensaio ou nas
apresentações ela se sente uma personalidade, do jeito que
ela é! (Sr. Cristiano, Quadrilha Chapéu do Vovô).

Essa fala de um dos meus interlocutores atesta que as atividades das


quadrilhas juninas não finalizam com as suas apresentações performáticas, e
nem ao final dos processos produtivos; a quadrilha junina é uma extensão de
vida para muitos sujeitos inseridos no movimento junino tal qual lhes são
possibilitados vivenciar papeis sociais.

Outrossim, sobre os valores assimilados pelos produtos e artigos


produzidos no ambiente junino ressalto que estes manifestam o seu valor
comercial ao originar formas de se relacionar com o mercado das artes e da
cultura, bem como ao promover um panorama de consumo. Para Canclini
(2010) em Consumidores e Cidadãos, o consumo faz parte de processos
socioculturais por meio da apreensão e utilização dos produtos. Neste contexto
é importante observar que os artigos e produtos culturais a que me refiro são
compostos pela indumentária masculina e feminina, propostas temáticas,
cenários, músicas, as próprias coreografias, e todos os elementos que
integram, demarcam e simbolizam as performatividades das quadrilhas juninas
na atualidade.

Dentre os produtos culturais produzidos pelos grupos juninos, a


quadrilha junina, entendida como dança performática é a que mais se destaca
no período entre maio e agosto. A princípio, a quadrilha junina, enquanto dança
caracteriza um produto único ao ser negociado como serviço de
entretenimento. Entretanto, após a temporada, os elementos citados
anteriormente que compõem a performatividade da quadrilha junina tornam-se
autônomos, pois são comercializados separadamente, ou adquirem valor de
troca enquanto produção do mercado da cultura ou mercadoria.
61

Figura 11 - Anuncio da Quadrilha Arriba Saia

Fonte: página do Facebook Quadrilha Arriba Saia

Desse modo, a dança junina estimula um consumo cultural específico, à


medida que a estruturação do mercado cultural junino abrange produtos e
artigos culturais procurados e ofertados. Tais bens culturais movimentam-se
nos limites organizacionais dos grupos juninos e atuam como produtos de
vitrine dos concursos juninos: tela principal para sua publicidade. Ressalto
ainda que o consumo desses produtos estimulam as interações comerciais
entre grupos, iniciativa privada, poder público e sociedade. Sendo assim o
processo de expansão do mercado de artigos, peças, objetos, artefatos e
serviços produzidos a partir das performances da cultura junina promovem a
força de trabalho inserida, direta ou indiretamente, nos grupos de quadrilhas
juninas.

O debate aqui apresentado indica que a produção cultural junina


movimenta-se a partir do uso da relação simbólica da festa junina com as
práticas sociais dos grupos de quadrilhas juninas e o mercado cultural.
Percebemos então que as configurações de mercado do que é praticado no
movimento junino dependem das estruturas de produção possíveis para cada
62

grupo, das ações políticas, assim como das trocas econômicas, em virtude dos
festivais e das competições juninas.

A primeira vista para os espectadores e pessoas não vinculadas ao


processo produtivo das quadrilhas juninas, os produtos ou elementos
constitutivos das suas performatividades resguardam um valor simbólico que
abrange sua interação viva com os quadrilheiros. Entretanto, estes elementos
simbólicos constitutivos da performance quadrilheira têm valor de uso e valor
de troca estimado ao ser produzido, consumido e comercializado no movimento
junino. Nesse sentido, os produtos juninos agregam valor monetário, formato
de mercadoria e conteúdo significativo, capaz de satisfazer as necessidades
sociais do mercado cultural. É possível então observar a mercantilização da
cultura, a partir da transformação da experiência junina em uma mercadoria
cultural.

Karl Marx (2013) ao discutir o conceito de mercadoria, observa que os


objetos possuem valor de uso e valor de troca. Segundo o autor “a mercadoria
é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa que, por meio de suas
propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza”
(MARX, 2013, p. 41). Reiterando, Marx, nesse sentido, caracteriza a
mercadoria como objeto que atenda as diversificadas necessidades humanas.

Pensando na diversificação das necessidades humanas é possível


identificar a produção de mercadorias especificas para atender as
necessidades culturais; porção importante das necessidades humanas.
Entretanto, em sua ampla e admirável elaboração teórica, Marx nos orienta que
para qualificar uma mercadoria são necessários outros tantos critérios, além do
atendimento de necessidades. Para que alguma coisa possa ser tomada como
mercadoria é necessário, pois, ser um produto resultante do trabalho humano;
possuir valor de uso; ser produzido para o consumo de outras pessoas.

Nesse sentido, considerando os objetos produzidos para as


performatividades juninas é importante observar que a dinâmica de produção
junina passa por diferentes processos, à medida que, por vezes são
contratados serviços de terceiros para alguns de seus elementos constitutivos,
como é o caso da confecção de figurinos, montagem de cenários e gravação
63

do repertório musical. É certo que há uma necessidade a ser atendida pela


produção de elementos que estruturam as quadrilhas juninas. Nesse caso o
valor de uso é destacado, pois resulta da utilidade relacionada às suas
propriedades físicas. Para Marx (2013, p. 98) estas “propriedades físicas
importam apenas na medida em que conferem utilidade às mercadorias, isto é
fazem delas valor de uso”. Outrossim, é preciso considerar que a utilidade de
qualquer objeto é resultado do seu contexto social, histórico e cultural, no qual
foi produzido.

Os produtos juninos, produzidos sob a tutela dos grupos de quadrilhas


juninas, ao adentrarem no mercado cultural como mercadoria demarcam os
trabalhos dos indivíduos em uma realização comercial. Algumas dessas peças
estruturantes das performatividades juninas são adquiridas pelos grupos
juninos, ainda sem suas adequadas finalizações, devido ao não cumprimento,
por diversos motivos, do cronograma previsto por parte do trabalho de
cortadeiras, costureiras, bordadeiras, carpinteiros, serralheiros, soldadores,
músicos, instrumentistas, produtores musicais, e vários outros. Nessa
eventualidade, os próprios quadrilheiros se encarregam de finalizar os
trabalhos necessários, resguardando o valor de uso, e talvez, agregando o
valor afetivo.

Diante do valor de uso das mercadorias juninas, todo o aparato se


apresenta como resultado da materialização de vários trabalhos produzidos por
diferentes sujeitos inseridos no processo produtivo. As variadas mercadorias
postas à comercialização (aluguel ou venda) após a temporada junina
adquirem um valor de troca, no qual a ação produtiva empregada torna-se
indiferente; considera-se apenas que houve trabalho. O valor de troca
pressupõe, segundo Marx (2013), um trabalho abstrato, o qual caracteriza-se
pela homogeneidade do trabalho humano indiferenciado, sem consideração
pela forma em que foi produzido.

Contribuindo para o debate, os pensadores Theodor Adorno e Max


Horkheimer analisaram a transformação da arte e da cultura em mercadoria.
Esses intelectuais discutiram a capacidade estética e intelectiva dos meios de
comunicação que influenciaram a assimilação da produção capitalista aos bens
64

culturais, transformando-os em mercadorias. Para os autores, a lógica de


mercado impõe um valor de troca para a cultura o que possibilita o impulso dos
interesses de mercado, das relações comerciais e exploração de bens
culturais, denominada pelos autores de Indústria Cultural12.

É importante ressaltar que as elaborações de Theodor Adorno e Max


Horkheimer (2002) sobre a indústria cultural basearam-se na teoria crítica da
chamada Escola de Frankfurt que tinha em seu escopo científico a discussão a
respeito das influências dos meios de comunicação sobre as opiniões da
população. A ideia de Adorno e Horkheimer intencionava expor como a cultura
é transformada em mercadoria que influencia e aliena os sujeitos, assim como
a dominação da técnica é transferida para os bens culturais. Para os autores a
consciência individual é controlada pela indústria da cultura, que padroniza e
viabiliza a transformação das atividades culturais elaboradas espontaneamente
pelos sujeitos em mercadorias produzidas em série. Desse modo, é possível
verificar que nas ideias dos autores a técnica acomoda-se nos produtos da
cultura chegando até o consumo massificado. Esta mesma técnica,
posteriormente, incorpora-se aos interesses do mercado para construção do
sistema social. Neste escopo de ideias é possível verificar a constituição de um
conformismo sobre a satisfação daquilo que é elaborado pelas manifestações
culturais. Os argumentos de Adorno e Horkheimer indicavam uma ideologia
negativa da mercantilização da cultura, na qual a alienação das massas era o
mote principal da discussão. Assim, a indústria cultural criaria uma cultura
indiferente a dinâmica social e à autonomia da cultura.

Diante do exposto é possível verificar que a dimensão mercadológica


junina implica na integração de valores aos seus bens culturais, no sentido de
transformar os esforços e investimentos aplicados na dinâmica de produção
junina em renda. Articular a quadrilha junina como mercadoria cultural expressa
um conjunto diverso de valores resultantes das relações entre os sujeitos
juninos e os pressupostos sociais e de mercado.

12
O conceito de indústria cultural foi primeiro idealizado por Theodor Adorno e Max Horkheimer
(2002) no ano de 1947 no texto intitulado “A indústria cultural: o iluminismo como mistificação
das massas”. Nos anos seguintes Adorno prosseguiu com suas análises a respeito do conceito
de indústria cultural, na maioria das vezes agregando importantes noções a respeito do tema.
65

Outrossim, a comercialização de bens culturais não se distancia dos


princípios de mercado (procura, oferta, monopólio de produtos, competição de
mercado), porquanto operam como valor de troca e reduzem o seu valor
cultural face ao valor econômico, o que resulta no caráter fetichista da
mercadoria cultural. Marx (2013) argumenta que o fetichismo da mercadoria
está relacionado com a ocultação das relações sociais de exploração do
trabalho, nas quais a obtenção do lucro mantém-se com quem detém os meios
de produção, predominando o valor de troca.

Por sua vez, Adorno e Horkheimer (2002) em a Dialética do


Esclarecimento ampliam o conceito de Marx sobre o fetichismo da mercadoria.
Os autores ampliam o entendimento sobre o conceito de fetichismo da
mercadoria cultural, o qual ampara as discussões sobre o conceito de indústria
cultural. À semelhança do fetichismo da mercadoria de Marx, no qual as
relações entre o processo produtivo e o consumo são ocultadas, no fetichismo
da mercadoria cultural de Adorno e Horkheimer os indivíduos distanciam-se da
capacidade de interpretação sobre valores, convicções, crenças, sensações,
impressões, sentimentos e opiniões de natureza espontânea, determinada pela
indústria cultural. A comunicabilidade entre o objeto produzido nas
manifestações da cultura perde o sentido cultural para as massas,
transformando-se em mercadorias culturais.

Pois bem, a presença dos pressupostos de mercado no movimento


junino expõe a tendência contemporânea de comercialização da cultura. Para
além da transformação das grandes festas em produto, os elementos
produzidos pelos grupos de quadrilhas juninas consolidam a propensão
mercadológica de sua prática. As quadrilhas juninas são produtos de
entretenimento com características de prestação de serviços expostos e
vendidos durantes os festejos de junho. O público é transformado em
consumidor, assim como quem contrata o grupo; seja o poder público, ou a
iniciativa privada.

Outro tipo de consumidor dos produtos juninos é caracterizado por


indivíduos ou coletivos de pessoas que compram ou alugam os artigos
disponibilizados pelos grupos. Geralmente são peças de temporadas passadas
66

que são conservadas, reformadas ou reproduzidas para as atividades


comerciais como os figurinos e seus acessórios. Igualmente, grupos de
quadrilhas juninas de outras localidades compram os figurinos, ou mesmo
adquirem comercialmente as ideias de profissionais que fazem parte do escopo
mercadológico proposto pelo movimento junino.

São inúmeras as possibilidades nas interações de mercado, pois tudo o


que foi produzido para a performatividade junina desvincula-se da proposta
performática inicial e se configura em um sistema aberto e dinâmico de
comércio. Assim mesmo essa dimensão comercial é percebida pelos
quadrilheiros juninos como práticas pertencentes ao universo junino, por serem
ações necessárias transformadas em ferramentas de obtenção de recurso para
a manutenção dos grupos de quadrilhas juninas.

Eu tenho muitos vestidos e macacões usados antigamente


para alugar; Muitas vezes os quadrilheiros ajudam a pagar os
figurinos, mas tudo fica para a quadrilha ganhar uma renda a
mais. A gente também faz metros e metros de bandeirolas para
decorar muitas festas por ai; isso ajuda a pagar as despesas.
(Sr. Carlito, Caipirada Capim Canela).

Os grupos juninos tendem a transformar tudo o que foi produzido ou


adquirido para a temporada findada em mercadoria, seja o figurino, o cenário
ou os adereços utilizados nas performatividades. O que foi produzido ou
adquirido é resultado do trabalho dos grupos em prol dos seus objetivos. Os
elementos culturais que estruturam a performance junina, transformam-se em
mercadorias, peças autônomas e estranhas às identificações daquela
coletividade. As mercadorias juninas perdem a sua utilidade imediata enquanto
simbologia específica de um grupo junino e apoderam-se de outros valores,
adequando-se às necessidades de outros consumidores.

Os efeitos ocasionados pela dinâmica da sociedade contemporânea


sobre a pretensa origem palaciana da quadrilha junina, não a desqualifica
enquanto prática popular. Penso que a quadrilha junina, não é particularidade
da cultura popular, mas carrega elementos dela e se qualifica enquanto produto
da indústria cultural.
67

Desse modo, recorro às análises realizadas por Francisco Rüdiger


(2004) sobre as ideias de Theodor Adorno e Max Horkheimer a respeito do
emprego da expressão indústria cultural, a qual segundo o autor é vista como
estratégia mecanizada de refletir sobre a cultura e a mídia. Rüdiger (2004)
argumenta em sua obra “Theodor Adorno e a Crítica à Industria Cultural
comunicação e teoria critica da sociedade” que existe uma visão estereotipada,
linear e elitista sobre o termo indústria cultural, explicada pela academia nas
últimas décadas. Rüdiger busca reconstruir as ideias de Adorno para dar
significado contemporâneo sobre a mídia e os meios de comunicação nos
tempos atuais. Segundo o autor “a tendência agora é legitimar a cultura de
massa e saudar o advento da sociedade de comunicação” (RÜDIGER, 2004, p.
10), considerando que a teoria cunhada por Adorno e Horkheimer é relevante
no mundo contemporâneo.

Francisco Rüdiger elucida que vários autores contemporâneos utilizaram


e ainda utilizam o termo indústria cultural para imputar um mal-entendido na
compreensão da proposição. Para o autor

Em essência, a expressão não se refere às empresas


produtoras nem às técnicas de difusão dos bens culturais;
representa, antes de mais nada, um movimento histórico-
universal: a transformação da mercadoria em matriz do modo
de vida e, assim, da cultura em mercadoria, conforme ocorrido
na baixa modernidade (RÜDIGER, 2004, p. 22).

Nesse sentido, o autor argumenta que o conceito e o entendimento de


indústria cultural refere-se a ampliação das relações de mercado por meio dos
elementos que compõem a vida social. As relações de mercado, como
fenômeno social, transforma-se em propagação do consumo, que por sua vez
é o principal recurso de interposição estética na produção de mercadorias.

Os consumidores são induzidos pelas empresas privadas aliadas aos


meios de comunicação a pensarem que experimentam diferentes perspectivas
contemporâneas. Ainda segundo Rüdiger (2004), as sociedades incorrem no
erro de apoderar-se da palavra indústria literalmente ao referir-se sobre a
indústria cultural. Para o autor, não é a base tecnológica promovida pela
indústria que conduz a expressão, mas os processos comunicacionais
68

empregados pelos meios de comunicação que padronizam os bens culturais


transformando-os em mercadorias.

Outrossim, segundo Adorno e Horkheimer (2002, p. 105) “para os


consumidores nada há mais para classificar que não tenha sido antecipado no
esquematismo da produção”. As mercadorias convertem-se em imagens que
seduzem as pessoas pela pseudo-necessidade do seu uso nos diversos
contextos sociais em que são expostas.

A esse respeito, Rüdiger (2004) elucida que a Indústria Cultural elabora


esquemas que estruturam as mercadorias para que possam passar a ideia de
que são capazes de satisfazer toda e qualquer necessidade humana. O autor
revela que a indústria cultural prepara esquematismos que “mediatizam a
subjetividade do homem contemporâneo” (RÜDIGER, 2004, p. 191). Rüdiger,
baseado nas elaborações de Adorno, lista 8 (oito) esquemas utilizados pela
prática da indústria cultural como possibilidade de estrutura articuladora da
mercadoria: Padronização; Pseudo-individuação; Glamourização; Hibridização;
Esportização; Aproximação; Personalização e Estereotipagem.

Pois bem, o conceito de indústria cultural se mostra amplo e tem a


capacidade de alcançar diferentes perspectivas sobre o mercado cultural.
Penso que o esquematismo proposto por Adorno e analisado por Rüdiger
(2004) pode contribuir com o nosso estudo, a fim de localizar a quadrilha junina
e seus produtos transformados em mercadorias e bens de consumo, inserida
no movimento da indústria cultural.

Quadro 02 – Quadro Analítico da Mercadoria Junina


Estrutura articuladora da mercadoria
Proposta por Adorno, segundo Quadrilha Junina e seus produtos
Rudiger (2004, p. 194-195)
1. Padronização – O procedimento  Padronização de um modelo
refere-se às fórmulas e estruturas múltiplo de ideias e práticas sociais
formais, variáveis conforme a época, instauradas pelo processo de
em que se baseiam os conteúdos espetacularização.
singulares das mercadorias. Os  Adereços, alegorias,
produtos são criados de modo que maquiagem, figurinos e cenários
espelhem uma norma ou padrão seguem modelos padronizados.
similar a de todos os outros do mesmo  Enredos padronizados
gênero. baseados na ideia do matrimônio.
2. Pseudo-individuação – Refere-se  Apesar dos estímulos
69

às marcas que o produto cultural diferenciados podemos classificar as


procura ter para poder se distinguir e quadrilhas juninas como tradicional ou
competir com os demais, apesar de matuta e moderna.
possuir igual trivialidade. A  Os estilos adotados por cada
padronização das mercadorias da grupo junino demonstra a
indústria costuma ser escamoteada estruturação de suas coreografias,
por uma fachada de estímulos resultando na performatividade junina
diferenciados. especifica de cada grupo.
3. Glamourização – O esquema faz  Adereços, alegorias, figurinos e
eco às práticas de promoção que cenários dominam as visualidades
constituem o próprio núcleo da juninas com o uso de pedrarias,
indústria cultural e remete aos paetês, lantejoulas, cetim e brilhos
expedientes que procuram dar que denotam riqueza e glamour.
relevância às mercadorias, conferindo  As quadrilhas tradicionais
inclusive aos seus aspectos mais tendem a apresentar nuances de
banais a condição de grandes espetacularização.
espetáculos.
4. Hibridização – Os conteúdos
estéticos dos bens culturais da  Integração de música, dança e
indústria não só tendem a mesclar teatro, baseado na conjugação de
diversos gêneros como costumam ser códigos simbólicos de uma pretensa
distribuídos de maneira mais ou tradição e de um modelo
menos fungível, vindo a formar uma espetacularizado.
espécie de coletânea, que os faz  Agrega elementos de outras
desfilar diante de nós como se expressões artísticas e culturais nas
estivéssemos em um show de suas performatividades.
variedades.
 As sequências coreográficas
são estruturadas conforme normatiza
5. Esportização – As mercadorias o regulamento dos concursos juninos.
são esquematizadas formalmente de  São performances
modo que suas partes pareçam ser ou cronometradas.
fazer parte de um evento esportivo.  Há critérios avaliativos para o
ranqueamento e classificação dos
grupos de quadrilhas juninas
6. Aproximação – O consumo das
mercadorias estimula o surgimento da  Os enredos dançados e
sensação esquemática e ilusória de teatralizados estimulam a fantasia e a
que, por meio delas, se pode não imaginação da audiência que pensa
apenas acessar de forma imediata, ser possível trazer a vida real o que é
mas apoderar-se da maneira que se visto e percebido nas
desejar da essência dos fenômenos performatividades juninas.
sociais.
7. Personalização – Os esquemas
tratam os aspectos objetivos dos  Os enredos dançados e
conteúdos como se não passassem teatralizados retratam dramas sociais.
de problemas humanos e individuais,  Os quadrilheiros-dançarinos
associam os fatos às pessoas, personalizam indivíduos por meio dos
promovendo uma curiosidade para papeis sociais propostos.
com os indivíduos, ao invés do
70

entendimento do material.
8. Estereotipagem – As mercadorias  Uso igualitário de adereços
são construídas através de como apliques, chapéus, anáguas,
procedimentos simplificadores, que sapatos masculinos e femininos, etc.
funcionalizam o significado e reduzem  Utilização de figurinos e
a complexidade contida no material cenários que complementam a
sujeito à atividade artística e mensagem a ser transmitida pela
intelectual. quadrilha.
Fonte: adaptado de Rudiger (2004, p. 194-195)

O quadro mostra então que as quadrilhas juninas e seus produtos,


transformados em mercadorias estão em comunhão com a tendência de
articulação mercadológica verificada na aplicação do conceito de indústria
cultural. Tal qual Rüdiger (2004, p. 195) nos alerta, esta reflexão não tem o
propósito de afirmar que este seja o único meio de analisar as mercadorias,
nem tampouco, que as “mercadorias sejam meramente agenciamentos de
esquematismos”. O mercado cultural é flexível e sujeito às demandas
socioculturais de diferentes localidades.

Sendo assim, é importante pontuar que a tendência verificada no


esquematismo acima demonstrado coloca as quadrilhas juninas e seus
produtos no âmbito de mercado cultural, o qual é regulado pela oferta e pela
procura, conforme satisfazem as necessidades de seus consumidores. A
colonização das atividades juninas pela mercantilização da cultura afeta o
modo do fazer junino, pois estabelece uma mudança estrutural nos sentidos e
significados da função e criatividade cultural das quadrilhas juninas.

Poderíamos ainda dizer que, enquanto produto cultural as quadrilhas


juninas são o resultado de determinações articuladas pela mercantilização da
cultura junina que está sujeita à mecanismos econômicos como a alocação de
recursos, diminuição de custo de produção e comercialização de produtos e
serviços, baseado na necessidade de sustento dos grupos de quadrilhas
juninas.

Outrossim, os grupos juninos agem de forma a replicar as suas práticas,


que por vezes, interferem no seu valor cultural, o qual transforma-se em objeto
de consumo a serviço do mercado. Neste contexto, contraditoriamente, o valor
cultural, para além das predileções, afetos, prática habitual e compartilhamento
71

de ideias constitui-se por uma correspondência econômica, bem como de


forças materiais de produção e de relações de produção. Melhor dizendo, os
grupos necessitam de instrumentos viáveis à produção de seus serviços e
produtos, bem como a utilização de uma adequada infraestrutura e
conhecimento técnico. Igualmente a distribuição de saberes e fazeres no
processo de produção é ferramenta indispensável para a facilitação do
resultado final. Desse modo, os grupos estão expostos a uma exigência de
renovação cultural cunhada pela dinâmica social e pelo sentido cultural
dispensado às práticas juninas nas últimas décadas. Em seus limites
estruturais e adequados aos seus interesses, os coletivos juninos lutam pela
sua conservação e propagação de seus trabalhos.

É oportuno assinalar que o valor cultural junino emerge por meio das
estratégias que o Fazer Junino opera nas espacialidades, atividades individuais
e ações coletivas, percorrendo a cultura popular, a indústria cultural, as
configurações dos festejos de junho e a espetacularização da festa e suas
interfaces.
72

3 O FAZER JUNINO

O fazer junino é aqui compreendido como as ações realizadas pelos


fazedores da cultura junina na criação, recriação e ressignificação dos
conteúdos juninos; seja na variação das danças juninas em suas diversas
manifestações ou nas diferentes tipificações dos festejos.

Carlos Rodrigues Brandão (1985, p. 39) afirma que “o ser humano é


basicamente criativo e recriador e os artistas populares que lidam com o canto,
a dança, o artesanato modificam continuamente aquilo que um dia aprenderam
a fazer”. Parafraseando Brandão, observo que nos coletivos que vivenciam a
cultura junina, os seus participantes compreendidos como artistas populares
buscam “fazer de novo, refazer, inovar, recuperar, retomar o antigo e a
tradição, de novo inovar, incorporar o velho no novo e transformar um com o
poder do outro, “é sempre igual”, contudo “é sempre diferente”” (BRANDÃO,
1985, p. 39). Desse modo, o fazer junino é então estimulado pelas constantes
alterações criativas proporcionadas pelos fazedores da cultura junina.

Desta forma, o fazer junino é constituído a partir das ações realizadas


pelos fazedores da cultura junina para criar, recriar e ressignificar os conteúdos
juninos presentes nas festas juninas. Igualmente, o fazer junino cria novos
espaços para as expressões artísticas e socioculturais presentes na festa de
São João. O modelo de celebração demandado pela localidade das práticas
festeiras do mês de junho é variado e proporciona múltiplos significados. Desse
modo, para elucidar a ideia de Fazer Junino é necessário rememorar as
características da festa junina e sua constituição, bem como aprimorar as
discussões sobre a cultura popular e as influências impostas pela indústria
cultural a tal fenômeno festeiro em suas diversas manifestações.

Atualmente, a razão do festejar junino relaciona-se com o caráter


espetacular da festa, sobre a qual a dimensão religiosa é também por vezes,
vislumbrada nas comemorações. As festas juninas, festas joaninas ou festa de
São João (CHIANCA, 2007b) estão entre os festejos populares mais
comemorados em todo o Brasil e são configurados por variados elementos
73

artísticos, culturais e estéticos que dinamizam as manifestações culturais.


Estes festejos13 são concebidos a partir do atributo sociocultural concernente
às diversas localidades em que são realizadas, movimentando o calendário
festeiro brasileiro a partir do mês de maio.

Segundo Rita Amaral (1998, p. 159) as festas juninas “têm origens no


século XII, na região da França, com a celebração dos solstícios de verão” 14,
como comemoração do “início das colheitas”. Amaral ainda observa que “como
aconteceu com outras festas de origem pagã, estas também foram adquirindo
um sentido religioso introduzido pelo cristianismo, e trazido pela igreja católica
ao Novo Mundo”. A esse respeito, o Prof. Jadir Pessoa (2005, p. 26) afirma que
a Igreja Católica assumiu grande parte dos símbolos juninos, incorporando
neles os seus rituais e suas concepções religiosas. Assim, entre os séculos XVI
e XIX, época em que o Brasil foi colonizado e governado por Portugal, essa
festividade de cunho religioso foi trazida para o território nacional.

Aqui no Brasil, com o passar do tempo, os festejos juninos começam a


mesclar a herança portuguesa com os aspectos culturais encontrados no
território brasileiro praticados pelos africanos, pelos indígenas e por demais
imigrantes europeus. Ao consolidar-se no Brasil, a festa junina ajusta-se à
cultura festeira brasileira a partir de uma notável interação entre os princípios
católicos, a religiosidade popular e as dimensões socioculturais presentes no
universo citadino. Posteriormente, molda-se às representações estereotipadas
da vida no campo.

Pessoa (2005, p. 25) argumenta que as festas juninas eram


caracterizadas por “uma forte identidade católica, manifesta principalmente nas
rezas de terço e devoção aos santos”15. Igualmente, até os tempos atuais, são
vários os atributos que marcam a presença da religião católica e da

13
Reverberam-se nestas festas as comidas e as danças típicas do próprio festejo, assim como
a variedade musical regional que abrilhanta as celebrações.
14
No hemisfério sul, nesta mesma época do ano celebra-se o solstício de inverno, no qual
manifesta-se a noite mais longa do ano (AMARAL, 1998).
15
Vale ressaltar que mesmo diante dessa combinação cultural, a característica religiosa aliada
à religiosidade popular sempre foi a mola propulsora dos festejos juninos em alusão aos três
santos católicos do mês de junho: Santo Antônio no dia 13, São João no dia 24 e São Pedro no
dia 29.
74

religiosidade popular nos festejos juninos. É o caso do costume de erguer


mastros nas entradas das casas, propriedades rurais, igrejas e praças com
estampas dos santos juninos. É uma ação religiosa que resiste aos ajustes
contemporâneos da festa em localidades específicas do território nacional,
mesmo que resignificada. A exemplo disso, ratificando as elaborações de
Pessoa (2005), encontramos em bairros da periferia de Goiânia, como Setor
Pedro Ludovico, Bairro São Judas Tadeu, Setor Crimeia Leste, dentre outros,
algumas raras festas típicas de São João, nas quais presencia-se algumas
novenas, rezas de terço, fogueiras e mastros enfeitados com as estampas dos
santos católicos do mês de junho, ornamentadas com flores e fitas. Sobre os
mastros juninos, Luciana Chianca recorda que:

os mastros eram um sinal de devoção dado pelo festeiro aos


seus vizinhos indicando que naquela casa havia orações
(geralmente novenas) até a véspera do dia do santo, quando
as preces davam lugar à festa. Invertendo provisoriamente a
função da rua, que é tradicionalmente profana e pública, o
mastro anunciava a visita transitória do sagrado e convidava
vizinhos e amigos ao restabelecimento do cotidiano, quando a
rua recuperava suas funções sociais ordinárias (CHIANCA,
2007b, p. 66).

No contexto contemporâneo, os mastros assim como outros elementos


que marcam a tradição junina integrada à religiosidade são componentes
festeiros operados de maneira informal, sem a direta interferência de qualquer
instituição religiosa. Desta forma, os elementos tradicionais juninos vinculados
à religiosidade começaram no início do século XX, a apresentar consideráveis
modificações, à medida que “o aspecto lúdico parece ganhar importância sobre
o litúrgico” (CHIANCA, 2007b, p. 66). Chianca (2007b, p. 54), ao analisar o
caráter festivo, histórico e religioso das festas juninas na cidade de Natal (RN)
observa que “enquanto a festa junina se revestia de um estilo cada vez mais
lúdico, sobretudo a partir dos anos 1940, a Igreja Católica assistia impotente à
queda de seu poder de mobilização neste período”. Entretanto, ao prosseguir,
Chianca (2007b) acrescenta que:

Se o lúdico consistia no elemento central da adesão popular, a


Igreja não tardou a perceber que ele também poderia ser uma
perspectiva de recuperação da sua influência. Assim ela
investiu nas festas nos anos 1940 a 1960, quando as paróquias
75

citadinas promoveram suas festas nos pátios das igrejas em


seguida às celebrações litúrgicas, reunindo fiéis, familiares,
curiosos e convidados (CHIANCA, 2007b, p. 55).

Assim, a tentativa da Igreja Católica de recuperação do sentido religioso


e familiar da festa seguiu paralelamente ao propósito de festejar o divertimento.
Ainda sobre a tipificação lúdica da festa junina, Chianca (2006, p. 47)
argumenta que as elites de Natal-RN, composta pelo grande fluxo migratório
entre os anos de 1940 e 1960, já “escolhiam temas alegóricos relacionados aos
grandes símbolos da festa: o matuto, a gastronomia sertaneja e a decoração
rural”. Alegorias estas, que diversificadas conforme a região, se estabeleceriam
como característica da festa de São João na atualidade por todo o território
nacional.

Neste mesmo período destacado por Chianca era formada a Comissão


Nacional de Folclore – CNFL com a finalidade de promover a defesa das
manifestações folclóricas nacionais16, tendo os folguedos relacionados às
manifestações folclóricas do Brasil (VILHENA, 1997), como a festa junina.
Desse modo, as festas juninas começaram a vivenciar um significado de
sociabilidade e integração de comportamentos diversos, os quais eram
solicitados pelas tensões ideológicas sagradas e profanas. Neste contexto, as
transformações sofridas por estes festejos de junho com o atributo lúdico 17, a
intenção religiosa e as políticas de popularização do folclore foram
acompanhadas pelo fenômeno da urbanização no Brasil, o qual fomentou
progressivamente o interesse político e econômico destas festividades.

Os processos de modificações festeiras no Brasil são contínuos. Zulmira


Nobrega (2010, p. 27) afiança que “as celebrações festivas ligadas à
religiosidade também foram urbanizadas em moldes de eventos grandiosos

16
Como veremos a frente, o Movimento Folclórico no Brasil nos anos de 1950 tinham uma
atenção especial com os folguedos devido ao seu caráter dinâmico enquanto manifestação
popular. Os folguedos representavam a cultura popular, também entendida como uma
manifestação folclórica (CAVALCANTI, 2001; ABREU, 2003).
17
Esta mesma ludicidade absorvida pelas festas juninas observadas por Chianca (2007b) foi
também verificada por Zulmira Nobrega (2010) nas festas espetaculares de Campina Grande
(PB); Hugo Menezes Neto (2009) sobre as quadrilhas juninas do Recife (PE); Rafael Silva
Noleto (2016) em relação aos concursos juninos de Belém (PA), que analisa a questão de
gênero nas quadrilhas juninas; por mim (ZARATIM, 2014) sobre o processo de ressignificação
das quadrilhas juninas na cidade de Goiânia (GO); e por vários outros autores que pesquisam
as temáticas juninas no Brasil.
76

com emprego de tecnologia, padrões de consumo, exploração promocional e


mercantil” como também “de apropriação política partidária”. De fato, há
décadas, sob a égide de interesses políticos e comerciais as festividades
juninas estimulam os desdobramentos das perspectivas políticas, midiáticas,
estéticas, econômico-comerciais, turísticas e artísticas, voltados à própria festa,
conforme a especificidade regional solicita. Efetivamente, as festas juninas no
Brasil tornaram-se fenômenos festivos complexos manifestados por um vasto
campo intercultural que abrange em maior ou menor proporção, manifestações
identitárias regionais (NOBREGA, 2010).

Sobre a festa junina Chianca (2007b, p. 51) afirma que “a dimensão e a


extensão da rede social é o que garante o sucesso da festa”. Com efeito, os
sujeitos são estimulados pelo ambiente festivo a vivenciarem a diversão em um
emaranhado de comunicabilidades, alicerçadas por rituais de interação
presentes no clima festeiro18, independente da convicção religiosa. A esse
respeito observo que “a festa é percebida pela continuidade das ações
formadoras de sentimentos e valores através da reunião de pessoas e grupos,
os quais estão envoltos pela representatividade do festejo como fenômeno
social” (ZARATIM, 2018, p. 375). Sendo assim, nesse estado de pluralidade de
sentimentos e valores socioculturais, as particularidades locais são destacadas
em tais festejos. Celebrar o São João é representar e significar símbolos, assim
como compartilhar sociabilidades por meio do fazer junino.

Para Amaral (1998, p. 52), “a festa é ainda mediadora entre os anseios


individuais e os coletivos, mito e história, fantasia e realidade, passado e
presente, presente e futuro, nós e os outros”. É igualmente importante reiterar
que diversos arquétipos festeiros do mês de junho abarcam as manifestações
tradicionais relacionadas às temáticas históricas e religiosas do lugar, bem
como abrangem as expressões espetaculares de fazer festa na atualidade.

Nestes termos, o São João oportuniza o enaltecimento das


características expressivas da cultura local. Cito então, como pequena amostra
de atividades e ritmos expressivos populares presentes nas festas juninas,
18
É comum, na cidade de Goiânia, estado de Goiás encontrar comemorações juninas em
Igrejas Evangélicas, com o intuito de integração e socialização de seus seguidores e novos
adeptos religiosos.
77

como a Catira Goiana, o Maracatu e o Frevo de Pernambuco, o Coco de Roda


e a Ciranda de Alagoas, a Chula do Rio Grande do Sul, o Bumba-meu-boi do
Maranhão, o Boi de Parintins no estado do Amazonas e o Maior São João do
mundo em Campina Grande na Paraíba, que disputa esse mesmo título com a
Festa Junina de Caruaru no estado de Pernambuco, dentre dezenas de outros.
É possível observar que as atividades populares presentes nas festas juninas
derivam das manifestações rítmicas e expressivas da cultura popular.

Importa salientar que diversas manifestações da cultura popular


praticadas pelos fazedores da cultura brasileira passaram também, por um
processo de atualização da tradição, da mesma forma que se verifica na festa
junina em todo o Brasil, como também no samba do Rio de Janeiro, nas
congadas de Catalão no Estado de Goiás e tantas outras práticas culturais
populares.

Atualmente, as configurações de práticas socioculturais ditas populares


baseadas nas atividades e ritmos expressivos populares tradicionais foram
alcançadas pelo processo de atualização das tradições em meio à dinâmica da
sociedade contemporânea. Em diversas ocasiões, diversificadas manifestações
da cultura popular são apresentadas em diferentes versões evidenciando
configurações gradativamente constituídas por novos significados, a partir da
interferência da indústria cultural.

3.1 A cultura popular e o fazer junino: ressignificação e inovação diante


da indústria cultural

Festejar o São João é então ter a possibilidade de presenciar, participar,


dançar, cantar, e interagir com as reminiscências da cultura popular ou com ela
mesma. As análises sobre a cultura popular transitam por concepções
relacionadas com as estruturas materiais, simbólicas, espirituais e sociais de
diversas manifestações populares. Considerando as características das
localidades, essas reflexões proporcionam a associação de sentidos e
significados apresentados pelas atividades socioculturais instituídas pela
78

tradição. Alfredo Bosi (1992, p. 324) argumenta que caso um dia exista uma
teoria sobre a cultura popular brasileira ela teria ou “terá como sua matéria-
prima o cotidiano físico, simbólico e imaginário dos homens que vivem no
Brasil. Nele sondará teores e valores”.

Esta premissa elaborada por Bosi em suas reflexões sobre cultura,


indústria cultural, cultura erudita, cultura de massa e outras análises nos faz
entender que não há uma única cultura brasileira, mas como ele mesmo
defende: culturas brasileiras. Dentre tais culturas, Bosi identifica uma cultura
popular baseada em inúmeros “fenômenos simbólicos pelos quais se exprime a
vida brasileira” em variadas manifestações, geralmente de cunho religioso. O
autor nos contempla enumerando elementos que compõem essa cultura
popular que para ele

implica modos de viver: o alimento, o vestuário, a relação


homem-mulher, a habitação, os hábitos de limpeza, as práticas
de cura, as relações de parentesco, a divisão das tarefas
durante a jornada e, simultaneamente, as crenças, os cantos,
as danças, os jogos, a caça, a pesca, o fumo, a bebida, os
provérbios, os modos de cumprimentar, as palavras tabus, os
eufemismos, o modo de olhar, o modo de sentar, o modo de
andar, o modo de visitar e ser visitado, as romarias, as
promessas, as festas de padroeiro, o modo de criar galinha e
porco, os modos de plantar feijão, milho e mandioca, o
conhecimento do tempo, o modo de rir e de chorar, de agredir
e de consolar... (BOSI, 1992, p. 324).

Nestes termos, Bosi evidencia e nos faz pensar que as manifestações


populares são elaboradas por meio da interação contínua entre pessoas e
fenômenos da cultura baseados nos conteúdos do cotidiano e da experiência
humana. Neste contexto, o autor nos instrui que “no caso da cultura popular,
não há uma separação entre uma esfera puramente material da existência e
uma esfera espiritual ou simbólica” (BOSI, 1992, p. 324). Desse modo,
podemos compreender que a cultura popular mantém relações diretas com as
concepções do sagrado e do profano, com a indivisibilidade das experiências
individuais e coletivas e com a dinâmica da pluralidade cultural.

O Professor Sebastião Rios exemplifica bem essa indivisibilidade no


contexto das experiências na cultura advinda do popular. Rios (2014, p. 791)
79

ao planejar didaticamente uma aula sobre a cultura popular, na Faculdade de


Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás, propõe interpretar com
base na teoria das Performances Culturais a letra de algumas músicas e
cantos do “poeta sambador do Recôncavo baiano” conhecido como Bule-
Bule19. Sendo assim, Rios destaca a produção artística de um mestre “da
cultura popular, cuja arte, ao mesmo tempo em que guarda utilidade para as
necessidades da vida, revela-se misteriosa ao lidar com uma força
transcendental” (RIOS, 2014, p. 796). Neste exercício, ao analisar as
elaborações de Câmara Cascudo sobre a cultura popular, Rios entende que

A tradição popular pode ser definida, de um modo geral, pela


antiguidade, pela persistência das manifestações, pelo
anonimato dos criadores, cuja referência vai se perdendo com
o passar do tempo, e por fortes traços da oralidade, que,
muitas vezes, extravasa para a fixação escrita, quando há
(RIOS, 2014, p. 795).

Neste sentido, para além de ideias cristalizadas sobre a cultura, Rios


discute sobre a heterogeneidade dos saberes do povo na cultura popular
utilizando como ferramenta didática as letras de músicas encontradas no
cancioneiro popular. Isso atesta as ideias de Bosi, pois demonstra que a cultura
popular é manifestada no cotidiano, em diferentes afluências de atividades, e
entre coisas e pessoas que a abastecem de sentidos e significados.

Ao apontar os entendimentos sobre a cultura popular desses dois


autores, observo que ambos compartilham o pensamento de que o povo dispõe
de sabedoria prática e realista, bem como é capaz de transitar entre as
concepções relativas ao natural e ao sobrenatural. Igualmente, os autores
desenvolvem suas ideias de maneira interdisciplinar e multidisciplinar
estabelecendo similaridades e deslocamentos sobre a cultura produzida no
contexto popular por meio de várias áreas do conhecimento. É nesse
movimento que a configuração da cultura popular na contemporaneidade é por
vezes combinada com variados campos de atuação nas manifestações
populares.

19
Segundo Rios (2014) Antônio Ribeiro da Conceição, músico, escritor, compositor, poeta,
cordelista, repentista, ator e cantador, utiliza o nome artístico de Bule-Bule.
80

As manifestações populares penetram mutuamente nas temporalidades


e no trânsito de influências das expressões da cultura, como é o caso das
festas juninas. Discutir o festejar junino na atualidade com enfoque nos
entendimentos sobre a cultura popular é propor uma interação entre as ações
populares em prol de uma comemoração dita tradicional e o destaque à
diversidade social e simbólica adquirida nas temporalidades sob a égide da
dinâmica social e da indústria cultural.

Ainda sobre a cultura popular Bosi (1992, p. 326) argumenta que “fica
implícito no termo popular que essa cultura é, acima de tudo, grupal, supra-
individual, garantia, aliás de sua perpetuação, que resiste à perda de
elementos individuais”. Neste contexto, a concepção sobre a cultura popular é
usufruída por diversas vertentes da cultura. Por vezes, mesmo diante das
transformações contemporâneas, o termo é empregado para indicar práticas
populares fomentadas pela indústria cultural.

O deslocamento da compreensão sobre a cultura popular tornar-se


menos rígido, se comparado a variadas relações estabelecidas nas
experiências da cultura. Neste escopo, vislumbro a dinâmica latente da festa
junina enquanto peça de flexibilização da manifestação festeira nacional. O
festejar junino na atualidade não elimina os arranjos populares20, mas viabiliza
variadas práticas sobre o que é festejar o São João nos ambientes
contemporâneos e se distancia da concepção sobre a cultura popular.

Ao contribuir com este debate, Rios (2014, p. 813), parafraseando as


ideias de Zygmunt Bauman, afirma que as “festas tradicionais da cultura popular

20
Tal qual fiz na dissertação de Mestrado (ZARATIM, 2014), cito como arranjos populares
vinculados aos festejos juninos elementos simbólicos que perfazem os significados da
festança. A dinâmica da festa é baseada na multiplicidade popular e possibilita o uso de
diferentes modos de festejar os folguedos de junho no Brasil, religioso ou laico, ainda que
atualizados, independente da classe social. A exemplo disso: Santo Antônio ao ser celebrado é
por vezes sacrificado para atender aos pedidos das solteiras e dos solteiros, a fim de conseguir
um casamento; novenas também são realizadas em intenção aos Santos Juninos por
agradecimento a alguma graça alcançada; para a degustação, o milho é assado e a pipoca
estoura nas panelas de barro sobre os fogões a lenha; são erguidos nas festas juninas, o pau
de sebo para divertimento, e o mastro ou estandarte de São João para a devoção. Luciana
Chianca (2007b) afirma que as imagens postadas dos santos nestes estandartes são
valorizadas quando expostas nas portas das casas, como também indicam que naquela
localidade existe uma homenagem. No tocante ao pau de sebo a autora esclarece que é um
instrumento que viabiliza a demonstração da vitalidade de jovens participantes do São João.
Os mais audazes arriscam alcançar o topo destes mastros.
81

costumavam acontecer naquele tipo de comunidade – um tanto idealizada: [...]


pequena, limitada, onde as pessoas se conhecem e com uma circulação mais
restrita de ideias e de mercadorias”. Aproveito então para evocar os meus
escritos de 2014 no qual verifico que “Auguste de Saint-Hilaire (1975) faz a
descrição, em seu trabalho “Viagem a província de Goiás”, de uma festa de
São João realizada em 23 de junho de 1819, durante sua passagem pelo
sertão goiano” (ZARATIM, 2014, p. 25).

“Nesta noite (23 de junho) celebrava-se uma grande festa, a de


S. João. Todos os anos os agricultores das redondezas tiram a
sorte para saberem quem faz a festa. Nesse dia era a vez do
meu hospedeiro. Como primeira providência, fincou-se no chão
um grande mastro, em cujo topo tremulava uma pequena
bandeira com a imagem do santo. O pátio da fazenda foi
iluminado, armou-se uma grande fogueira e as pessoas davam
tiros para o ar gritando: “Viva São João!” (...) Diante da porta da
maioria dos sítios via-se uma grande árvore seca, fincada no
chão para a festa e exibindo no topo uma pequena bandeira
branca com a imagem do santo” (SAINT-HILAIRE, 1975, p. 47,
apud ZARATIM, 2014, p. 25-26).

Diante do exposto, penso então que as festas juninas e seus elementos


constitutivos foram modalidades da cultura popular até a primeira metade do
século XX, pois ao saírem dos limites do chamado terreno comunitário e
espontâneo agregaram generalidades do processo de modernização e
urbanização das cidades, sustentados pelas ações da indústria cultural.

Em relação à influência do processo de modernização e urbanização


das cidades sobre as práticas socioculturais populares, Rios (2014, p. 813)
reforça que o capitalismo desarticulou as comunidades, porém mesmo diante
da migração para as grandes cidades, os costumes populares de variadas
origens se rearticulam à margem da “sociedade, em bairros periféricos”,
reiterando a afirmação de Pessoa (2005). Sendo assim, encontramos nestas
manifestações festeiras circunstâncias e atitudes portadoras de sentidos,
significados e formas de saber do povo a partir das práticas culturais.

Maria Laura de Castro Viveiros Cavalcanti (2001, p. 05) ao discutir a


perspectiva conceitual de folclore e da cultura popular afirma “que a cultura e o
82

saber “do povo” são heterogêneos, abrindo-se num infinito leque de distintas
formas de ser”. A autora assevera que a cultura e o saber do povo:

são poderosos diluidores de fronteiras rígidas entre o que quer


que seja; são eficazes canais de comunicação humana a
romper barreiras entre diferentes grupos, camadas e classes
sociais. São também, como qualquer outro processo
sociocultural, arenas onde se enfrentam interesses
diferenciados e palco de processos tensos e conflitivos de
variada natureza. No seu centro vicejam, entretanto, formas
artísticas de valor humano universal (CAVALCANTI, 2001, p.
05).

No contexto contemporâneo, baseado nas ideias de Cavalcanti, entendo


que diversos saberes populares saíram das fronteiras do comunitário e
constituíram espaços públicos organizados em torno de práticas artísticas,
socioculturais e políticas, atualizando o modo de festejar; como o São João. À
vista disso, penso que com o passar do tempo, os saberes festeiros populares
são atualizados por meio das influências das realidades socioculturais dos
sujeitos, conforme suas circunstâncias históricas, suas espacialidades e suas
temporalidades. Aufiro, então, a perspectiva de que o folguedo junino na
atualidade se articula entre os interesses baseados no mercado cultural e no
discurso interessado naquela tradição comunitária descrita por Saint-Hilaire.

A festa junina assenta-se nas determinações hegemônicas da


modernidade a partir da noção de produto cultural, evidenciada pela expressão
indústria cultural idealizada por Adorno e Horkheimer (2002). Bosi (1992, p.
324) assinala que na indústria cultural os “bens simbólicos são consumidos,
sobretudo através dos meios de comunicação de massa”, pois “trata-se de um
processo corrente de difusão na sociedade de consumo”, à medida que as
atividades que promovem a cultura “vêm de fora e são consumidas
maciçamente”. Este consumo é realizado por meio do que é “fabricado em
série e montado na base de algumas receitas de êxito rápido”. De fato, estes
modelos para a realização acelerada do sucesso são demasiadamente
promovidos pelos meios de comunicação massivos presentes nas sociedades
contemporâneas.
83

Os meios de comunicação de massa a que Bosi faz referência,


agregadas às redes sociais surgidas na contemporaneidade têm a capacidade
de transitar por distintas esferas da sociedade. Assim sendo, transitam por
variadas atividades culturais associadas às temáticas contemporâneas que
ganham espaços na agenda midiática, como os festivais culturais. Este
fenômeno confere maior circulação de informações e convencimentos sobre a
noção de entretenimento, pois a amplitude de sujeitos alcançados pelos meios
de comunicação aumenta exponencialmente a cada movimento difundido pela
mídia. O divertimento em sociedade orienta-se então, pelas ações
comunicacionais das instituições públicas e privadas que pretendem abranger
atores múltiplos mediante a visibilidade do evento social. Neste escopo as
festividades populares são contempladas, geralmente com motivações
lucrativas por parte de seus promotores.

Nóbrega (2010, p. 196) entende que as festividades populares envolvem


“as expressões artístico-culturais da sociedade, harmonizando reciprocamente
todos seus setores, com as produções estéticas integradas à produção
mercantil”. A mídia, tendo ela capacidade indeterminada, impõe modelos
festivos à celebrações populares e as vinculam aos seus padrões
mercadológicos em nome do fomento à cultura.

Igualmente, no campo do divertimento, as ideias defendidas por Adorno


e Horkheimer sobre a indústria cultural encontram debates proporcionados
pelas transformações efetivadas na produção cultural condicionada aos meios
de comunicação e à tecnologia. Bosi (2009, p. 328) critica o ingresso da mídia
na vida da população brasileira e nos alerta que “o poder econômico expansivo
dos meios de comunicação parece ter abolido, em vários momentos e lugares,
as manifestações da cultura popular, reduzindo-as à função de folclore para
turismo”. Segundo o autor, no território brasileiro, a aparente modernização
“cobre a vida do povo” no sentido de sugar “os modos de ser, pensar e falar”,
melhor dizendo, subtrai a autonomia criativa encontrada no tradicional e no
popular. Para Bosi, a indústria cultural tem a habilidade de se configurar e se
dispor para o consumo de seus produtos, sequestrando e destruindo
internamente grande parte do tempo da cultura popular, do lazer e da
manifestação de pensamentos, vontades e sentimentos dos sujeitos.
84

O que resta desse tempo configura a exploração das manifestações


populares pelas ações da indústria cultural e do turismo. Assim mesmo, Bosi
(1992, p. 329) observa que esse uso abusivo do tempo da cultura popular “não
foi ainda capaz de interromper para todo o sempre o dinamismo lento, mas
seguro e poderoso da vida arcaico-popular”. Diante dos embates por uma
mercantilização dos produtos da cultura, o povo tem uma maneira peculiar de
apropriar-se de novas informações sobre o que lhes é oferecido. O povo aciona
e traduz “os significantes no seu sistema de significados. Há um filtro, com
rejeições maciças da matéria impertinente, e adaptações sensíveis da matéria
assimilável” (BOSI, p. 329). A mídia então “acaba fazendo o que menos quer:
dando imagens, espalhando palavras, desenvolvendo ritmos, que são
incorporados ou reincorporados pela generosa gratuidade do imaginário
popular” num movimento reverso ao abastecimento de um fenômeno cultural
em detrimento do outro (BOSI, p. 329).

Penso que o consumo da cultura por meio da tecnologia nos dá a


impressão de uma conquista de práticas culturais comprometidas pela ação
midiática e pelo desvanecimento do tempo de experimentar e apreender o
popular contido na cultura. Contudo, é importante observar que os fazedores
da cultura encontram diferentes maneiras para propagar e atualizar os saberes
populares. Pedro Rodolpho Jungers Abib (2015) ao discutir a cultura popular na
contemporaneidade afirma que:

Contraditoriamente ao processo de homogeneização cultural


levado a cabo na sociedade globalizada, percebemos a
revitalização de uma gama de manifestações tradicionais
locais, tais como a Capoeira, o Maracatu, os Reisados, as
Marujadas e Cheganças, os Blocos Afro, o Bumba-meu-boi, a
Congada e o Moçambique, o Frevo e a Ciranda, o Samba de
Viola e o Samba de Umbigada, a Catira, o Tambor de Crioula e
o Tambor de Mina, a Dança do Lelê, o Chorinho, o Côco e a
Embolada, a Burrinha, o Cacuriá, a Dança de São Gonçalo, os
Blocos de Marcha-Rancho, o Boi-de-Mamão, o Samba-Chula e
o Jongo (ABIB, 2015, p. 104).

Nesta extensão de atividades e ritmos expressivos populares,


observamos que mesmo diante de uma reinterpretação de significados na
contemporaneidade, tais fenômenos associam-se a diversos ajustes que
85

abrangem o popular inserido na cultura. Diante disso, é importante notar que as


percepções sobre a cultura popular na atualidade e as estéticas
contemporâneas fomentadas pelas atividades da cultura de massa sob o
domínio dos meios de comunicação, interferem sobremaneira na autonomia
dos fazedores da cultura. Embora as premissas de Adorno e Horkheimer sobre
o entendimento de indústria cultural na década de 194021, e posteriormente
atualizadas em 1967 conservarem-se vivas, estas necessitam de debates para
dissolver dúvidas sobre em quais dimensões sociais esses conceitos podem
e/ou devem operar.

A produção de atividades da cultura implica em conciliar dimensões


sociais sob o impacto do que é a indústria cultural hoje. Interpretar os
fenômenos culturais na atualidade requer considerar o aprimoramento
acelerado da tecnologia, a qual transforma as concepções sobre a produção da
cultura e suas comunicabilidades. Os equipamentos comunicacionais das
gerações passadas sofreram atualizações e atualmente agregam-se à
poderosas ferramentas interativas como: a smart tv, os celulares, os iphones, a
internet, as mídias sociais, a produção em série, as técnicas contemporâneas
de comunicação e produção, além de inúmeras, incessantes e inovadoras
possibilidades.

Neste contexto, a produção cultural é envolvida pela multiplicidade dos


bens de consumo fomentados pelas mídias sociais e pelos meios de
comunicação, que buscam entreter a sociedade e oportunizar o lucro. Há
interesses de categorias proeminentes da sociedade na produção cultural,
como o turismo, a administração pública, a classe política, entre outros. Esses
segmentos se esforçam em impor e impõem padrões estéticos desenvolvidos
pelas técnicas habilitadas por intervenção de especialistas, interferindo,
conforme seus interesses, nos produtos culturais. Contudo, tais mecanismos
encontram resistência diante da heterogeneidade da sociedade. Segundo Rios

21
Vale ressaltar que o conceito de indústria cultura foi revisto por Adorno em 1967, quando o
mundo passava por um processo de apreensão da transformação mecânica e tecnológica
alcançada nas décadas anteriores. Adorno e Horkheimer, em contato com a revolução
tecnológica americana, cunharam suas ideias envoltas pelos pensamentos desenvolvidos na
chamada escola de Frankfurt que teria como base cientifica o desenvolvimento de uma teoria
critica, a qual intencionava analisar as transformações e a alienação da sociedade industrial
moderna inspirada na reavaliação da teoria marxista.
86

Os sujeitos interpretam diferentemente um mesmo conjunto de


símbolos; recriam formas de sociabilidade, modos de
organização e expressam interesses que podem contrapor aos
padrões e interesses dominantes. São resíduos de um tempo
passado que, como uma semente preservada, conservam sua
capacidade de germinação, apontando a perspectiva de um
futuro diferente (RIOS, 2014, p. 815).

Refletindo sobre as ideias de Rios, percebo que os sujeitos inseridos na


produção popular da cultura, ao contrapor aos interesses de grupos
hegemônicos da sociedade promovem um alerta sobre os danos sofridos pela
cultura popular, mas não interrompem o seu processo de atualização.
Acrescento à observação descrita por Rios que há casos em que os fazedores
da cultura popular, influenciados pelas facilidades proporcionadas pela
indústria cultural renunciam da sua autonomia criadora em prol da técnica, da
estética e dos padrões mercadológicos empregados na formação de bens
culturais.

Nesse contexto, verifica-se que a realização de várias manifestações


culturais festivas populares possuem regras de realização fomentadas pelo
poder público ou pela iniciativa privada. Os eventos seguem padrões ditados
pelas mídias que afirmam saber qualificar a diversão festeira ajustada ao gosto
da população. É nesse movimento de imposição, de convencimento dos
padrões estéticos, de resistência e de tentativas de conservação dos fazeres
populares que encontramos diversas maneiras de festejar o São João no
Brasil.

Inúmeras celebrações do povo brasileiro no período junino, inclusive as


festividades tradicionais foram transformadas em verdadeiros acontecimentos
espetaculares. Sendo assim, em virtude do desenvolvimento tecnológico e da
otimização administrativa das ações de entretenimento e lazer das sociedades
contemporâneas, os eventos são articulados de maneira a sofisticar as
experiências festeiras do Brasil. Nesta associação de ideias é possível
perceber um processo de modernização das práticas festeiras populares
originadas na cultura popular contribuindo para a edificação de uma nova
expressão festeira na contemporaneidade, como é o caso do Boi de Parintins
no estado do Amazonas.
87

Neste sentido, aciono as ideias de Cavalcati (2001, p. 06), que assim


nos alerta: “encontramos comumente aspectos “modernos” e “tradicionais”
integrados num único processo sociocultural, cujo sentido global importa
apreender” na vida social. A partir disso, penso que as práticas populares se
encarregam de compor a trajetória de seus processos estabelecidos no campo
da cultura através dos tempos. Nestas ideias, é inimaginável trilhar o caminho
histórico percorrido em território nacional pela festa junina desde o
descobrimento do Brasil. Sendo assim, busco compreender como o sentido de
festejar o São João foi modificado nas temporalidades de suas práticas
recentes.

Dessa maneira, ao verificar a atualização do fazer junino, é possível


perceber que há um lugar de memória da festa junina, no qual a noção de
cultura popular e suas temporalidades podem contribuir para um melhor
entendimento da dinâmica festeira. É importante promover a superação da
lógica linear da dimensão temporal da festa junina. Em vista disso, busco um
sentido coerente para compreender a realização dos festejos de São João na
atualidade.

3.2 Festejar o São João no Brasil: as configurações da festa

Festejar o São João no Brasil na atualidade significa visitar a cultura


junina estabelecida no plano regional, bem como praticar as particularidades do
espetáculo que invadem diversos espaços públicos e privados. O fenômeno da
espetacularização é realidade no cotidiano das atuais sociedades e tem como
aliados a mídia, a política e os meios de comunicação.

Rememorando Guy Debord (1997) é importante observar que o filósofo


francês faz importantes considerações sobre a espetacularização midiática no
livro intitulado “A Sociedade do Espetáculo”. Nesta elaboração textual, o autor
desenvolve a ideia de espetáculo e critica a imposição de imagens pelos meios
de comunicação de massa na sociedade, pois segundo ele, induzem à
alienação das pessoas. O natural e o legítimo são convertidos em uma espécie
88

de ilusão social proporcionada pela exposição de pessoas e produtos. O autor


francês afirma que os comportamentos sociais, nesta abordagem, são
teatralizados e as relações pessoais perdem a sua autenticidade (DEBORD,
1997, p. 13), sendo transformadas em superficialidade.

As representações estéticas dos sujeitos, assim como suas


contemplações materiais são então estimuladas pelas mercadorias
apresentadas ao mundo por meio do espetáculo midiático. O espetáculo,
absorvido pela lógica de mercado capitalista, torna-se o principal fator de
alienação de espectadores fascinados pelas imagens e destituídos de sua
autonomia. Sendo assim, a presença do espetáculo nos processos sociais
materializa a circulação de mercadorias, induz ao consumo de imagens e
produtos e dissimula as relações pessoais em um processo alienador da
sociedade.

Contudo, o pensamento contemporâneo traz reflexões mais abrangentes


sobre a influência do espetáculo na sociedade em relação ao que foi proposto
por Debord. Neste contexto, nosso ponto de observação relacionado às
reflexões sobre o espetáculo, é a adesão do viés espetacular nas festas
populares, especialmente as comemoradas no São João. Essa opção não
desmerece o contexto das elaborações de Debord, mas possibilita considerar
que o espetáculo em várias ocasiões e situações da vida das sociedades
contemporâneas é também importante.

Desse modo, a festa espetacular ou a festa espetáculo, potencializa


atenções e caracteriza-se pela habilidade de mobilizar diversos sujeitos em prol
de objetivos comuns, bem como opera concomitantemente nas dimensões
sociais, econômicas, midiáticas, políticas e culturais. António Rubim (2003) ao
elaborar reflexões sobre o espetáculo, a política e a mídia considera que:

O espetáculo remete também a esfera do sensacional, do


surpreendente, do excepcional, do extraordinário. Daquilo que
se contrapõe e supera o ordinário, o dia-a-dia, o naturalizado. A
instalação no âmbito do extraordinário potencializa a atenção e
o caráter público do ato ou evento espetacular (RUBIM, 2003,
p. 08).
89

Nestes termos, Rubim defende que a dimensão espetacular desperta


interesses nos sujeitos ao sair do cotidiano, já que aciona diferentes
percepções que não são operadas no habitual. Entretanto, é preciso assumir
de que lado o excepcional, o espetacular se encontra, pois este é capaz de
deter a atenção dos sujeitos e atraí-los para concepções visuais convenientes,
intencionais e previstas. Neste cenário, é possível observar que o espetáculo é
ferramenta usual para a mobilização da sociedade.

Rennan Mafra (2006, p. 58) considera que os movimentos sociais


instigam e permeiam constantemente nas sociedades contemporâneas, os
processos de mobilização social. Nesse sentido, o autor propõe também
pensar o espetáculo como um processo comunicativo fora da lógica de
mercado “mobilizando sujeitos para causas e estimulando debates públicos
ampliados” perante a sociedade. Para Mafra (2006, p. 58) “é importante
identificar as características espetaculares de ações e estratégias de
comunicação para mobilização social, buscando entendê-las como parte de um
processo maior”, posto que o espetáculo igualmente refere-se a “convocar
vontades e reunir sujeitos para a transformação de uma realidade”. Promover a
mobilização popular, por meio da festa, estimula os sujeitos que assistem ou
participam dela, para que assumam outros papéis sociais além de
espectadores.

Do mesmo modo é importante considerar que, de uma forma ou de outra


a espetacularização das festas populares é ferramenta importante para a
mobilização de pessoas e grupos. Nessa seara, observa-se a excitação do
coletivo em meio ao divertimento, às regras sociais, ao impacto econômico, aos
interesses políticos, às politicas publicas e a tantas outras dimensões
constitutivas da sociedade contemporânea.

As reflexões sobre as festas de entretenimento com vieses


espetaculares baseadas nas reminiscências do imaginário popular devem ser
alimentadas pela contextualização da festa e da localidade. As justificativas do
fazer junino assentam-se nas intencionalidades das práticas festeiras do povo
brasileiro: a promoção do lazer, da diversão, da mobilização social, da lógica
do mercado, ou da celebração com incentivos religiosos ou profanos.
90

Jânio Roque Barros de Castro (2012, p. 22) assevera que o São Joao é
comemorado “na casa, na rua, com a família, com amigos, em grupos, em
praças públicas ou em espaços festivos privados”, apesar das investiduras da
sociedade contemporânea na configuração espetacular da festa. O autor
assegura que os hábitos juninos “foram progressivamente urbanizados, sendo
que há elementos dos antigos costumes que foram reinventados”, baseados
nos aspectos lúdicos e culturais da festa. Castro (2012, p. 44), tal qual Chianca
(2007b) refere-se ao enfoque lúdico e cultural da festa acautelando que este
“em muitos aspectos, realça o passado como um pano de fundo ou na
perspectiva da estetização do espaço festivo”. Sendo assim, a prática festiva
do São João no presente, contextualiza-se conforme seus vínculos com as
festas juninas do passado somando-se aos apelos da indústria cultural, com
foco na lógica de mercado, no entretenimento contemporâneo e no lazer.

Desse modo, as festas de São João, são conduzidas pelas adaptações


e ressignificações advindas da multiculturalidade das festas populares
realizadas no ciclo junino. A dinâmica cultural das festas juninas contribuiu
para acelerar mudanças estruturais nas celebrações do São João no território
brasileiro desde uma simples festa de forró até uma festa de forró
espetacularizada.

É importante observar que o sentido da palavra forró repousa tanto em


uma prática festeira como em um ritmo musical. A festa de forró articula
relações de sociabilidades e anima-se em espaços festeiros que reverberam a
diversidade de práticas musicais dançadas e tocadas. É certo que a festa de
forró não é particularidade das festas juninas, mas tem profundas ligações com
o São João. A festa de forró é realizada durante todo o ano e acompanha, nas
localidades, os ritmos musicais que fazem parte da predileção de seus
promotores e de seus frequentadores. A festa é conhecida como forró, mas a
musicalidade assiste à diversidade musical dos espaços festeiros do Brasil.
Além disso, considerando as particularidades locais e a natureza da festa, os
referenciais de consumo do forró produzem o seu envolvimento com a festa,
por meio da indústria fonográfica e da produção de grandes eventos, que
assumem um contínuo aproveitamento da dinâmica festeira.
91

O forró é parte de um universo musical e cultural que sofreu


transformações ao longo dos anos. Leandro Silva (2003, p. 72) aponta que
“quando esse termo surgiu, não se referia a um gênero musical ou a uma
dança: era o lugar onde as pessoas iam dançar. As pessoas falavam “Vamos
pro forró”, assim como falavam “Vamos pro samba””. Provavelmente a origem
do termo repouse na expressão africana forrobodó, explicada por Câmara
Cascudo, a qual dá sentido ao momento de lazer depois das tarefas diárias
(SILVA, 2003). Desse modo, o autor verifica que o termo forró associava-se (e
ainda associa-se) às espacialidades festeiras e que de modo especial,
considerando suas temporalidades, foi designado como gênero musical 22.

A ligação do vocábulo forró com as festas juninas remonta dos anos


1930 e 1940, época em que aparece a figura de Luiz Gonzaga no cenário
musical brasileiro. Gonzaga, nascido em 1912, na cidade de Exu, estado de
Pernambuco, criou um estilo performático próprio tanto na aparência quanto na
música, que viria a ser reconhecido pela festa. Foi então que este artista que
despontava no panorama musical daquela época “presenteou a festa junina
citadina com sua música-tipo” (CHIANCA, 2006, p. 67). Assim, naqueles anos,
Gonzaga, iniciou sua carreira na indústria fonográfica e cultural e logo, os
ritmos tocados e cantados por ele, tomaram vulto por onde conseguia alcançar,
principalmente o xote, o xaxado e o baião.

Gonzaga difundia em suas músicas, letras e ritmos sentimentos que


rememoravam à sua terra natal e eram direcionadas aos imigrantes
nordestinos que viviam na parte Sul do Brasil e aos moradores das grandes
cidades, assim como os moradores das grandes cidades do próprio nordeste.
Segundo Durval Muniz de Albuquerque Jr 23 (2001), como representante da

22
É importante observar que os instrumentos que caracterizam o ritmo do forró desde os seus
primórdios são a zabumba, o triangulo e a sanfona, instrumentos enaltecidos por Luiz Gonzaga
para propagar suas canções. Contudo, essa configuração passou por transformações e
atualmente conta com outros instrumentos, como a bateria e a guitarra elétrica.
23
Durval Muniz de Albuquerque Jr. (2001), colabora com o nosso debate ao trazer algumas
abordagens e temáticas a respeito da região onde Luiz Gonzaga nasceu, a qual influencia
sobremaneira as festas juninas, assim como o ícone nordestino. Em seu livro “A invenção do
nordeste e outras artes”, Albuquerque Jr, utiliza de obras de diversos autores e artistas que
descreveram o nordeste brasileiro para refletir sobre como aquela região foi apresentada ao
país. Desse modo, o autor percorreu diferentes períodos históricos e distintas concepções
teóricas que envolvia a literatura, a geografia e a história por meio de fontes eleitas por ele
como potencializadoras do real sentido nordestino.
92

música nordestina, Gonzaga assegurou uma musicalidade reconhecida


nacionalmente pelos brasileiros de outras regiões. Nesta feita, Luiz Gonzaga
promoveu o universo cultural do sertanejo e das regiões interioranas
nordestinas com canções em ritmo de baião que substituíam as músicas de
procedência estrangeira. Luiz Gonzaga assumiu a identidade de voz do
nordeste e sua figura, sua música e seus ritmos inspiram frequentemente as
festas de São João. Segundo Albuquerque Jr

O baião será a “música do Nordeste”, por ser a primeira que


fala e canta em nome da região. Usando o rádio como meio e
os migrantes nordestinos como público, a identificação do
baião com o Nordeste é toda uma estratégia de conquista de
mercado e, ao mesmo tempo, é fruto desta sensibilidade
regional que havia emergido nas décadas anteriores. Não é só
o ritmo que vai instituir uma escuta do Nordeste, mas as letras,
o próprio grão da voz de Luiz Gonzaga, sua forma de cantar,
as expressões locais que utiliza, os elementos culturais
populares e, principalmente, rurais que agencia, a forma de
vestir, de dar entrevistas, o sotaque, tudo vai significar o
Nordeste. O sotaque, a escuta da voz podem ser um som
familiar que aproxima as pessoas ou provoca estranhamento,
separação. Ele funciona como um dos primeiros índices de
identificação e também de estereotipia (ALBUQUERQUE JR,
2001, p. 155).

Ao mencionar Gonzaga, Durval Muniz refere-se também às variadas


formas de linguagens que constituíram a região nordestina, trabalhadas além
de suas fronteiras geográficas, linguísticas, históricas, sociais e culturais. Para
Albuquerque Jr (2001, p. 307) “O Nordeste, na verdade, está em toda parte
desta região, do país, e em lugar nenhum, porque ele é uma cristalização de
estereótipos que são subjetivados como característicos do ser nordestino e do
Nordeste”. O autor ressalta que por meio da figura de Gonzaga foi constituída
uma produção discursiva pelos meios de comunicação especializados, que
configurou uma identidade artística promotora de uma identidade regional, na
invenção do nordeste, que segundo ele é um “espaço de saudade”
(ALBUQUERQUE JR, 2001, p. 157). É nesse bojo que a cultura nordestina foi
adotada pela musicalidade junina e pela performatividade das quadrilhas
juninas, as quais de modo quase que simultâneos, por volta dos anos de 1940
aderiram às festas juninas (CHIANCA, 2006; SILVA 2003).
93

O forró entendido como gênero musical ou como ritmo é sempre bem


acolhido na grande maioria dos espaços festeiros, independente do tamanho
da festa. Rita Amaral (1998, p. 169) nos elucida que como espaço festeiro,
duas grandes festas juninas do Brasil disputam o título de Capital do Forró,
Campina Grande na Paraíba e Caruaru no Pernambuco. Mais ainda, Amaral
descreve que em Caruaru-PE, “durante todo o mês de junho, noite ou dia, os
acordes das sanfonas, dos triângulos e das zabumbas, arrastam milhares de
pessoas de todo o país ao longo das ruas, nas palhoças e palhoções e por
todo o pátio de eventos” (AMARAL, 1998, p. 170). Neste contexto a autora nos
confirma que as espacialidades da festa de forró não permanecem apenas em
lugares afastados ou diminutos, mas também compõem o escopo das festas
espetaculares do mês de junho. Desse modo é prudente apontar que a
diversidade cultural festeira movimenta-se nas espacialidades das festas
populares do mês de junho no Brasil, o que contesta a ideia de uma única
configuração do São João.

Nas capitais brasileiras, o São João é festejado nas diversas


composições dos arraiais juninos. Para Chianca (2006, p. 104) o arraial
representa “um território festivo de referência, um lugar limitado e centralizado
por uma construção que tem como característica principal ser provisória e
facilmente desmontável após a festa”. A autora ainda acrescenta que um
arraial “é relativo à experiência festiva em si”, na qual tem a ver com “o baile,
as barracas que se instalam nas suas adjacências e as brincadeiras”, como
também com a “sociabilidade festiva”. O arraial junino é a própria festa da rua,
da casa, da praça, da paróquia, dos clubes, dos quintais, das cidades, do Brasil
(MENEZES NETO, 2009; CASTRO, 2012; ZARATIM, 2014).

Desse modo, as festas juninas acontecem em meio a planejamentos


políticos que têm como discurso central o fomento das práticas de
entretenimento e lazer com enfoques culturais. Castro (2012), afirma que

A partir do início dos anos 1990, inventa-se a tradição dos


chamados “arraias urbanos”. Esta modalidade de festa junina
empreendida pelas municipalidades e deflagrada em praça
pública se transformou rapidamente em uma estratégia para
inserção da cidade, mesmo que perifericamente, no circuito
festivo sazonal (CASTRO, 2012, p. 109).
94

Neste quadro urbano festeiro, houve um crescente interesse em realizar


as festas de São João com intuito de promoção turística em diversas cidades, o
que fomentou a inserção de projetos políticos com discursos de entretenimento
para a população e desenvolvimento de uma economia pautada no lazer
turístico. Nóbrega (2010, p. 235), afirma que o “esforço persuasivo do poder,
das finanças e dos sentidos midiáticos alcança sucesso porque seus conjuntos
de ações se cruzam com imaginários receptivos, seduzidos pelas projeções do
ciclo junino, pelas ofertas lúdico-festivas”. Assim, gradativamente as festas de
São João no Brasil se caracterizaram pela atmosfera espetacular.

As festas de São João espetacularizadas utilizam estilos e ambiências


adornados por cenários estilizados, preconizando o jogo de imagens que
podem ou não acompanhar a solicitude dos eventos festivos. Nestes espaços,
as realizações festeiras agenciam uma complexa organização logística,
encaminhada pela dimensão simbólica da festa local. Tais organizações são
conduzidas pelos aspectos econômicos e políticos que movimentam os seus
respectivos sistemas produtivos.

Entretanto, em meio às circunstâncias político-administrativas, nota-se


que foram atribuídas às festas do mês de junho no Brasil o oficio de apresentar
a diversidade da cultura brasileira, demonstrada pela riqueza dos inúmeros
movimentos culturais, rítmicos e expressivos. Jânio Castro entende que

A opção pela modalidade de festa junina pode ser também um


indicativo de traço identitário ou multidentitário do festeiro, que,
à sua maneira, constrói uma curta e explosiva história de vida
naquele lugar festivo e com aquelas pessoas do seu circuito
afetivo, mesmo que com um caráter sazonal e pontualizado
temporalmente (CASTRO, 2012, p. 142).

Nestes termos é possível pensar que há uma representação afetiva da


festa que se constitui na variedade das práticas juninas. Nesse sentido, o lugar
é aqui compreendido além do delineamento espacial, mas como elemento
peculiar repleto de simbolismo e afetividade a partir da experiência vivida
(Castro, 2012). Neste contexto, em meio ao simbolismo, afetividades e às
características mercadológicas e espetaculares do São João no Brasil
95

encontramos comemorações específicas que edificam os festejos de junho na


contemporaneidade.

Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti (2000) empreendeu estudos


sobre o Boi-Bumbá da cidade de Parintins, no estado do Amazonas,
exemplificando uma das diversas formas de festejar o ciclo junino no Brasil.
Este folguedo acontece “nas últimas três noites do mês de junho, e organiza-se
em torno da competição entre dois grupos de Bois”, o qual reúne milhares de
pessoas em local específico conhecido como Bumbódromo. A autora nos
revela que esta divisão enfatiza o imaginário popular24 por meio da
representação em agremiações do “Boi Garantido, boi branco com o coração
vermelho na testa, cujas cores emblemáticas são o vermelho e o branco; e o
Boi Caprichoso, boi preto com a estrela azul na testa, cujas cores são o preto e
o azul” (CAVALCANTI, 2000. p. 1020). É neste espaço festeiro que as
agremiações representam os mitos da floresta amazônica ao som de toadas25
cantadas e tocadas por centenas de ritmistas.

O Boi de Parintins é um festival junino de grande proporção que conjuga


as temáticas culturais envolvidas pela tradição da região norte do Brasil com as
abordagens atribuídas a modernidade. Segundo Cavalcanti (2000, p. 1020) é
nesta amplitude festeira que as dimensões da cultura regional são articuladas,
por interagirem “formas artísticas, grupos e camadas sociais”. A autora
continua nos esclarecendo que o universo representativo do Bumbá “é mais um
dos fascinantes lugares de tensa e intensa troca cultural, tão característicos da
cultura brasileira”. Na continuidade da elaboração textual, Cavalcanti assinala
que a brincadeira do boi é também festejada em “diferentes contextos
socioculturais” ganhando diversificados nomes pelo Brasil, conforme a variação
de cada região:

24
Em seus primórdios, no inicio do século XX, as representações dos bois pautavam-se em
uma briga de maneira lúdica nos quintais, e nos últimos anos ganharam características
específicas sob as influências indígenas e andinas (CAVALCANTI, 2000).
25
Para Câmara Cascudo (2010, p. 871-872), a toada “é uma canção breve, em geral de estrofe
e refrão em quadras”, e que “musicalmente, não tem o caráter definido e inconfundível da
moda caipira. Talvez porque, abrangendo várias regiões, a toada reflita as peculiaridades
musicais próprias de cada uma delas”.
96

Boi-Bumbá, no Amazonas e no Pará; Bumba-meu-boi, no


Maranhão; Boi Calemba, no Rio Grande no Norte; Cavalo-
Marinho, na Paraíba; Bumba de reis ou Reis de boi, no Espírito
Santo; Boi Pintadinho, no Rio de Janeiro; boi de mamão, em
Santa Catarina (CAVALCANTI, 2000, p. 1022).

Maria Laura Cavalcanti também observa que é na Região Norte que a


brincadeira do boi faz parte dos festejos juninos. Igualmente, o viés espetacular
e comercial da festa do boi de Parintins é realidade. Neste contexto, a festa
ressalta “a participação da mídia, da indústria cultural e do turismo, de agências
governamentais e amplas camadas sociais numa festa que mantém fortes
características tradicionais” (CAVALCANTI, 2000, p. 1020).

Outrossim, essa mesma participação massiva de agenciadores do


espetáculo está presente no São João de Campina Grande na Paraíba.
Nóbrega (2010, p. 17) ao analisar o São João de Campina Grande afirma que
em tempos contemporâneos as celebrações festeiras populares planejadas e
executadas pelo poder público tem perfil inovador e mais complexo. Para a
autora, estas festividades são formadas ao aglutinar “interfaces culturais,
projetos político-econômicos, interesses da mídia e processos conflitantes,
mantendo o aspecto sócio-histórico em relação ao lúdico, mesmo que
manifesto em modelo diverso das formas antigas”.

Ainda segundo Nóbrega (2010, p. 17), eventos como o São João de


Campina Grande têm a capacidade de promover a constante participação e
interação entre os apreciadores das festas de junho “ao ampliar o ciclo de
relações entre as pessoas e revelar um tipo especial de fenômeno sociocultural
adaptado à atualidade, com múltiplas ocorrências materiais que projetam um
circuito de notáveis simbolismos”. Nesse sentido observa-se em Campina
Grande diversas linguagens artístico-culturais, porquanto “é um corpus
ponteado por hibridismos socioculturais, compondo um mosaico de
representações que se entrecruzam, instigante para a percepção e abordagens
de seus sistemas de valores e universos de sentidos” (NOBREGA, 2010, p.
17).

Neste contexto, as comemorações do São João de Campina Grande


estendem-se por todo o mês de junho atingindo os primeiros dias do mês
97

subsequente. Esta festa como produto de consumo turístico oferece ao público


centenas de atrações artísticas e culturais, concentradas na sua grande
maioria no enorme Parque do Povo que sedia o evento desde 1983.

A comunidade campinense vive intensamente o simbolismo do


ciclo junino, na moda e na decoração de espaços públicos,
comércio, bancos, supermercados e residências, assim como
na gastronomia e temática promocional. Nos bairros surge uma
infinidade de arraiais e quadrilhas improvisadas, famílias
fecham as ruas para acenderem suas fogueiras e se divertirem
(NÓBREGA, 2010, p. 235 - 236).

É possível então perceber que os modos de festejar o São João são


múltiplos e acompanham os aspectos socioculturais dos diversos espaços
geográficos de Campina Grande, assim como das diferentes localidades do
país. Desse modo, podemos observar que festejar o São João significa festejar
a pluralidade cultural do país, a qual está sempre em transformação conforme
suas temporalidades e espacialidades.

Em Goiânia, as festas juninas também têm características diversificadas,


em relação ao bairro em que é realizada. Um dos inúmeros motivos para essa
diversificação do festejar junino dá-se pela localização geográfica da capital de
Goiás, que recebe vários imigrantes de outras regiões do país, os quais trazem
consigo o modo de comemorar o São João por meio de diferentes linguagens
artísticas regionais. Tal qual pontuei anteriormente, encontramos festas juninas
ditas mais tradicionais em alguns bairros de Goiânia. Alguns deles são bem
famosos devido à grande divulgação realizada pelos meios de comunicação, e
igualmente nas mídias sociais. Geralmente, estas festas são fomentadas pelas
paróquias que as promovem, ou pelas associações de bairros engajadas nas
realizações de eventos para a comunidade.

Entretanto, vale observar que em Goiânia alguns dos eventos juninos


também alcançaram a natureza espetacular. O Arraial da Prefeitura de Goiânia,
promovido por aquela municipalidade é realizado anualmente26 e recebe
milhares de pessoas, as quais aglomeram-se para assistir aos shows musicais,
as apresentações das quadrilhas juninas e para saborear as comidas típicas

26
Falarei mais adiante sobre o local de realização deste arraial – o Parque Mutirama.
98

oferecidas pelas barraquinhas que recorrem ao imaginário popular: viabilizam


as comidas, bem como os jogos e as brincadeiras típicas da festa.

Igualmente, é importante ressaltar que até 2018, o Arraiá do Cerrado27


foi um evento promovido pelo governo do Estado de Goiás e ganhou nos anos
de sua realização, proporções espetaculares. Este evento caracterizava-se
pelos megashows oferecidos à população com cantores e bandas de
repertórios popularmente conectados aos eventos juninos, como Elba Ramalho
e Grupo Falamansa. Para Nóbrega (2010, p. 30), os megashows “se impõem
como os eventos mais concorridos da festa, em termos de participação e
interatividade popular”. Segundo a autora, o megashow:

comprova a força dos produtos da cultura pop, geralmente


massificados pelo comércio fonográfico, programas de rádio e
televisão, especificamente os de auditório, e agora também
pelas apresentações ao vivo, tão comuns em qualquer festa
popular (NÓBREGA, 2010, p. 30).

Neste contexto, os eventos reforçam a ideia de que a visibilidade pública


é ferramenta indispensável de marketing comercial e político para a
mobilização social em torno de temáticas determinadas. Outrossim, fora das
comemorações do ciclo junino, a capital goiana é espaço privilegiado por vários
shows de natureza espetacular. Cito então o VillaMix Festival28. Na capital
goiana, as edições anuais deste festival são realizadas no mês de junho, mas
não entram no calendário turístico da cidade como parte dos festejos juninos.
Contudo, materializa-se em meio ao sentimento festeiro do São João.

Nesse contexto, o fazer junino concretiza-se por meio da participação de


pessoas em diversificadas promoções festeiras por meio das estratégias
utilizadas pelos fazedores da cultura; seja popular ou espetacular. Os sujeitos
que participam do São João são provenientes de diferentes classes sociais e

27
Os locais para a estruturação deste Arraial sazonal era escolhido conforme as possibilidades
logísticas do ano em curso. Geralmente as questões politicas é que definiam o espaço festeiro:
Praça Cívica, Estacionamento do Estádio Serra Dourada, Centro Cultural Oscar Niemeyer.
Este evento foi patenteado por uma empresa privada que, com artifícios legais do mercado
cultural do Estado de Goiás, adiantou-se à Federação das Quadrilhas Juninas do Estado de
Goiás - FEQUAJUGO, entidade verdadeiramente idealizadora desta festa.
28
Segundo o site desse evento de cunho espetacular, o festival iniciou suas atividades em
Goiânia no ano de 2011 e hoje é realizado em diversas cidades brasileiras, como também no
Paraguai e Portugal. https://www.villamix.com.br/o-festival/, acessado em 14/07/2019, às
21:58hs.
99

estão dispostos a fazer parte das práticas lúdicas e de entretenimento


oferecidas nos eventos.

Mesmo utilizando de estruturas assentadas nas formas multiculturais,


artísticas e estéticas, o São João continua a utilizar a simbologia da festa. É
possível verificar nas comemorações festeiras do mês de junho, fogueiras
simples com toras de madeira e/ou com toras de neon; bandeirolas de papel de
seda e/ou tecidos ornamentados com lantejoulas brilhosas; comidas baseadas
no milho e/ou gastronomia abastecida de várias tendências culinárias;
decoração de ambiente rural e/ou palcos espetaculares; músicas típicas de
forrós e/ou espetáculos musicais; danças de quadrilhas juninas espontâneas
e/ou quadrilhas juninas espetacularizadas. Sendo este último, o objeto de
nosso estudo. Uma das estratégias utilizadas pelo fazer junino por meio das
quadrilhas juninas são os concursos juninos.

3.3 O Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas 2017 – uma composição do


Fazer Junino

Os concursos juninos são eventos interessados em criar um ambiente


festivo que corresponda ao sentido cultural das festas juninas e do Fazer
Junino. Estes eventos são considerados a principal ferramenta de comunicação
entre os produtos culturais juninos e os demais interessados em assistir,
participar, patrocinar, investir e mesmo negociar apresentações e outras
atividades com os grupos juninos.

Os festivais juninos, como também são conhecidos os concursos


juninos, influenciam na transformação estética das quadrilhas juninas e na
integração regional dos quadrilheiros, ao mesmo tempo em que potencializa
interesses políticos, econômicos e culturais. Estes eventos, grandiosos ou de
menor proporção, criam um ambiente de acessibilidade às atividades culturais
contemporâneas envoltas pelo fenômeno da espetacularização.

Estas competições são instrumentos a serviço da valorização da prática


dos grupos juninos, à medida que proporcionam a exposição da funcionalidade
100

diversificada dos produtos juninos. Igualmente, os festivais juninos colocam os


quadrilheiros e seus respectivos grupos numa posição de expectativa, pois este
é o principal mecanismo para alcançar novo status no movimento junino
goiano. Neste contexto, o Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas é realizado
em diferentes localidades do Estado de Goiás, preferencialmente na região
metropolitana de Goiânia.

Figura 12 - Material de divulgação do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas 2017

Fonte: Fequajugo

A definição da localidade para a realização das etapas do certame junino


é verificada pela vontade política do poder público ou disponibilidade da
iniciativa privada em promover o evento. Na temporada de 2017 do Circuito
Goiano de Quadrilhas Juninas, destaco o Arraial de Goiânia promovido pela
Prefeitura de Goiânia através da Secretaria Municipal de Cultura – um dos
eventos tradicionais da cidade para a realização dos concursos juninos; o
Arraial da Capim Canela promovido pelo grupo; e a grande final do concurso
promovido pela Fequajugo no Ginásio de Campinas. Este último foi realizado
pelo esforço da diretoria da Fequajugo e de alguns grupos filiados, porquanto
nem o poder público, nem a iniciativa privada mostraram interesse na
realização deste evento.

Entretanto, por vezes, a iniciativa privada também acolhe o projeto do


Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas para o cumprimento do calendário
junino proposto pela Federação. Geralmente, enquanto agentes participes, o
poder público e a iniciativa privada responsabilizam-se pela estrutura do evento
como local, palco, aparelhagem de som, divulgação, alimentação (água e
101

lanche para os quadrilheiros e staff) e dependendo da negociação com a


Fequajugo, auxiliam na decoração do local, no transporte dos grupos
participantes, e raramente um auxilio financeiro – o cachê.

Outrossim, as apresentações nos concursos juninos correspondem ao


momento mais apreensivo para os quadrilheiros e suas lideranças, no sentido
de aumentar a tensão sobre como o resultado de grandes esforços na
produção de seus bens culturais serão apreciados ou rejeitados pela audiência,
poder público, corpo de jurados e outros quadrilheiros. As relações de poder
nestes eventos são enaltecidas, porquanto legitimam as tendências e estilos de
dança, escolhidos pelos grupos com melhor classificação e aceitação do
público.

Em 2017, a 1ª Etapa do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas,


fomentada pela Secretaria Municipal de Cultura, ocorreu no estacionamento do
Parque Mutirama na região central de Goiânia, nos dias 16, 17 e 18 de junho.

Figura 13 - Localização do Parque Mutirama – 1ª etapa do Circuito Goiano de Quadrilhas


Juninas

Fonte: googlemaps
102

O parque foi inaugurado em 1969 e está localizado entre as avenidas


independência, Araguaia e Contorno ao lado do Bosque Botafogo. O evento é
conhecido como Grande Arraial de Goiânia e até 2016 era realizado na
Estação Goiânia, ponto turístico da capital do Estado de Goiás, localizado na
praça do trabalhador entre as avenidas Goiás e Independência, em frente a
Câmara Municipal de Goiânia. A mudança de localidade se dá pelas péssimas
condições de conservação do prédio que abrigava a antiga Estação de Trem
da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima – RFFSA em Goiânia até o
inicio dos anos 1970.

O estacionamento do Parque Mutirama tem medidas de cerca de


1000m2 e entrada pela Avenida Contorno, fazendo fundo com o Bosque
Botafogo. Este espaço é todo asfaltado e não mantém simetria nas laterais; é
cercado por alambrados pintados na cor verde e tem cerca de 2m de altura. O
espaço destinado às apresentações fica próximo a uma das laterais junto a
avenida Araguaia e mantém ao fundo a área dos brinquedos do Parque.

A escolha desse local, segundo o Presidente da Fequajugo, Sr. Thiago


Henrique (gestão 2015 - 2018), dá-se pela intenção em aproveitar melhor a
área de socialização do público que prestigia o evento e facilita a disposição
das barraquinhas típicas das festas juninas – que como nas outras etapas,
também são gerenciadas pelos grupos juninos. As estruturas destinadas às
barraquinhas localizaram-se nessa edição, nas laterais próximas ao alambrado.

O local das apresentações das quadrilhas juninas manteve as


dimensões de 40x35m²; sobre o asfalto e pintado com tinta de cor branca para
dar melhor visibilidade às evoluções coreográficas dos grupos juninos. Esteve
rodeado nas laterais por arquibancadas com capacidade para 2000 pessoas,
montadas pela Companhia de Urbanização de Goiânia – Comurg, órgão
vinculado à Prefeitura de Goiânia. Ao fundo, estruturas de ferro são utilizadas
para separar a área de apresentação do público presente. Ao lado do palco,
encontra-se o espaço reservado para a concentração das quadrilhas juninas,
minutos antes das apresentações. No palco principal localizava-se a
aparelhagem de controle de som, que dividia lugar com o corpo de jurados e
outro espaço reservado para as autoridades. Acima, todo o local das
103

apresentações foi decorado com bandeirolas coloridas, em uma estrutura de


metal. Todo este aparato indica a característica espetacular da festa junina.

A 2ª etapa do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas 2017 foi realizada


no Clube dos Bancários, localizado na região norte de Goiânia, no Setor Itatiaia
nos dias 23, 24 e 25 de junho, como promoção da Caipirada Capim Canela em
sua 20ª edição do “Arraiá da Capim Canela”. Para adentrar a este evento foi
necessário passar pela bilheteria na portaria e caminhar pelos jardins do clube
por cerca de 500 metros para em seguida, avistar o local onde as bebidas
convencionais foram vendidas. Ao transpor os corredores que separavam de
um lado o caixa e o bar; e do outro os banheiros e a arena de competições,
encontravam-se as barraquinhas características das festas juninas. Estas
barraquinhas ficavam dispostas lado a lado de frente para um salão que
abrigava mesas e cadeiras e que tornou-se o ponto de encontro entre
quadrilheiros, familiares, amigos e convidados.

Figura 14 - Clube dos Bancários – 2ª Etapa do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas

Fonte: googlemaps

As comidas típicas foram comercializadas nas barraquinhas pelos


integrantes de grupos juninos que em momento anterior, negociavam com os
104

organizadores do evento o tipo de petiscos e iguarias que deveriam ser


vendidos. Destaco que a gastronomia nos eventos juninos na atualidade não
segue prioritariamente a tradição das comidas típicas juninas: pé de moleque,
arroz doce, curau, cuscuz, canjica, bolo de milho, bolo de amendoim, broa de
fubá, batata doce, cocada, milho cozido, pipoca, quentão, vinho quente e
outros. Igualmente, permitem a inclusão de outros tipos de alimentos, como o
cachorro quente, tortas, churrasquinhos, e vários outros dependendo da região
em que a festa junina é realizada.

O local destinado às apresentações das quadrilhas juninas é o Ginásio


de Esportes do Clube, o qual conta com arquibancadas nas laterais com
capacidade para abrigar 1000 espectadores e tribuna de honra para 50
pessoas em um dos lados. Uma das extremidades é destinada para acomodar
o corpo de jurados, sobre um tablado de 2x5m² e 1m de altura. Do lado deste
palco, no chão, concentra-se o espaço reservado para o comando da
aparelhagem de som – mesa de som, caixas de som, iluminação, etc. nesse
mesmo espaço são posicionadas as bandas dos grupos juninos – quando
possuem são também conhecidas como Regionais Juninas. A outra
extremidade destina-se a entrada e saída dos grupos juninos em virtude das
apresentações, assim como a acomodação dos cenários, quando utilizados. Do
lado de fora, próximo a esta entrada está o espaço reservado à concentração
dos grupos antes de suas apresentações. Acima, um teto de zinco, camuflado
por um céu de bandeirolas decorado pelos componentes da Capim Canela. Na
parte central do Ginásio encontra-se a quadra de esportes, que neste evento
transforma-se na arena de apresentações, conforme especificações do
Regulamento29 anual, elaborado e aprovado por integrantes dos grupos juninos
no início da temporada. É um espaço retangular de 40x20 metros decorado
com detalhes que auxiliam na ambientação junina: palhas, maquetes de
fogueiras, cercas, bandeirinhas, mastros para as bandeiras dos santos juninos,
e outros.

A 3ª etapa de CGQJ 2017 foi realizada no Ginásio de Campinas, no


tradicional Bairro de Campinas, nos dias 14, 15 e 16 de julho, na confluência da

29
Discuti o regulamento do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas de 2013, o qual mantém-se
como modelo para o ano de 2017 (ZARATIM, 2014).
105

Rua Senador Morais Filho com a Avenida Sergipe e é parte do largo do


Santuário Basílica Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, conhecida
popularmente como Matriz de Campinas. Este Ginásio foi inaugurado em 1986,
em uma área cedida pela irmandade dos padres Redentoristas. Ali também é
localizada a Sede da Federação Goiana de Futsal e segundo seu Presidente, o
Sr. Murilo Macedo, este Ginásio tem capacidade para 3.500 pessoas e possui
vestiários espaçosos, bem como salas de aquecimento. São praticadas, neste
local, diversas modalidades esportivas, especialmente o Futsal Feminino,
assim como é utilizado pela comunidade em reuniões da associação de
bairros, festas, movimentos comunitários e manifestações culturais, como o
concurso de quadrilhas juninas. A única intervenção decorativa para esta etapa
por parte da FEQUAJUGO foi a colocação de alguns detalhes que lembrassem
as festas juninas (bandeirolas) e a montagem de um tablado de 2x5m² a frente
do palco principal para a permanência do corpo de jurados.

Figura 15 - Ginásio de Campinas – 3ª Etapa do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas

Fonte: googlemaps

Nesta edição do CGQJ, as Bandas ou Regionais Juninas apresentavam-


se logo atrás do tablado dos jurados. Em um dos níveis superiores das
106

arquibancadas foi montada uma espécie de barraca de comes e bebes para


atender aos participantes desse evento: promotores, quadrilheiros e
convidados. As apresentações foram realizadas no centro do Ginásio, na
quadra poliesportiva com medidas de 40x20m². A entrada dos grupos ao
Ginásio aconteceu por uma entrada específica dos vestiários que dá acesso
direto a Rua Senador Morais Filho.

A partir dos vestiários, do lado de dentro do Ginásio, os quadrilheiros


juninos adentravam a arena de competições, conforme cronograma de
apresentações. Os cenários foram dispostos ao fundo, sobre as arquibancadas
e podiam ser acessados quando das apresentações dos grupos. Desta feita o
controle de som permaneceu em uma das laterais da quadra de esportes.

Figura 16 - Localização Geral das três etapas do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas 2017

Fonte: googlemaps

Sendo assim, o Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas é um espaço,


cujo lugar foi constituído por características sociais, políticas, econômicas e
culturais, as quais agenciam o tipo de atividade artística e cultural individual ou
coletiva a ser realizada. Este lugar com caráter de acontecimento estimula a
coexistência das afetividades dos espectadores e dos sujeitos juninos, os quais
tornam-se parte da ação performática, tanto como testemunhas, quanto como
quadrilheiros, respectivamente. O corpo que performa a ação junina, coloniza o
107

lugar da performance e propõe uma experiência de valorização da sua prática,


criando relações afetivas.

É importante observar que o fazer junino, constitui-se nos espaços


indeterminados de realização das festas, das apresentações e dos festivais
juninos que são transitórios a cada ciclo junino. O lugar é então inspirado pela
manifestação da vontade coletiva que reúne alegrias, simbologias e sentimento
de vínculo social. Nestes termos, o lugar da performance é associado as
afetividades reveladas nas ações performáticas, seja pela competição entre
grupos, seja pela cooperação entre os participantes, seja pela mensagem
recebida pela audiência e brincantes. Michel De Certeau (2005, p. 201), afirma
que “um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem
elementos nas relações de coexistência”. Nesse sentido, o fazer junino
concebe e ambienta o lugar com suas performatividades e performances da
cultura nos espaços utilizados para a materialização das ações performáticas.
O lugar é então, viabilizado por meio de estratégias criadas para transformar o
espaço transitório em lugar da performance.

Por outra perspectiva, Hugo Menezes Neto (2009, p. 68) entende que os
concursos juninos não se resumem à “lógica capitalista da competitividade”,
mas também “estimula a participação, promovem interação, permitem a
experimentação de uma gama de sentimentos e sensações que perpassam a
rivalidade, mobilizam comunidades e dão visibilidade aos grupos”. Assim
mesmo, as inovações temáticas trabalhadas no ciclo junino e apresentadas nos
festivais juninos passam a configurar-se como disputas pela hegemonia no
universo do mercado cultural, que abrange as atividades contidas no Fazer
Junino.

Neste contexto, a submissão às normas exigidas pelos concursos


juninos induz os grupos à valorização da espetacularização das performances
juninas. Debord (1997) considera que a sociedade do espetáculo condiciona os
sujeitos à alienação submetida pela mídia e pelo entretenimento. Nesse
sentido, analisando as ideias de Guy Debord, aponto as implicações do
processo de espetacularização dos certames e das performatividades das
quadrilhas juninas (ZARATIM, 2014). Sendo assim, entendo que o processo de
108

espetacularização nos festivais juninos, assim como nas apresentações dos


grupos indica que a produção de bens culturais e o consumo social da cultura
reconfigura as experiências vividas em âmbito festeiro, fora das tramas do
cotidiano.
109

4 CONFIGURAÇÕES EXPRESSIVAS E ESTÉTICAS DAS QUADRILHAS


JUNINAS: concepções, formas e conteúdos artísticos

Independente da característica da festa junina, popular ou espetacular,


dentre os elementos simbólicos representativos mais concorridos nos festejos
de São João no Brasil, citamos as performances dançantes e a musicalidade. A
dança nesses festejos configura padrões de movimentos específicos que
interagem com a tradição da manifestação cultural em questão. É a partir do
ritmo tocado, do espaço utilizado e da ambiência festiva que a manifestação
dançante junina é configurada, podendo apresentar-se individualmente, em
duplas, trincas ou coletivamente.

Neste caso a expressão junina dançada pode referir-se às danças e


ritmos que refletem a atmosfera sociocultural a que estão inseridos. São
expressões culturais praticadas durante os festejos de junho e além, como o
maracatu, o samba de roda, a ciranda, o baião, o xaxado, o frevo, o carimbó, o
forró, dentre outras. Mais ainda, em algumas localidades é possível encontrar
algumas das expressões culturais citadas, como sendo a principal
manifestação cultural do mês de junho, a exemplo, como anteriormente citado,
o bumba meu boi no Amazonas. Sendo assim, as danças e os ritmos
expressivos populares são componentes significativos dos festejos juninos e
em determinados casos, sustentam a realização da festa, como é o caso da
quadrilha junina e do forró respectivamente.

Sobre a dança de quadrilha, fiz algumas considerações a respeito de


sua constituição temporal na pesquisa de Mestrado. Agora entendo ser
prudente trazer outros elementos que foram apreendidos pela dança em suas
temporalidades e espacialidades em uma nova abordagem. Assim, acrescento
que a forma de dançar quadrilha ajustou-se à diversidade cultural do povo
brasileiro assumindo movimentos criativos e diferentes do que se via nos
encontros festivos do império. Desse modo a temporalidade das danças
juninas nos faz considerar as atualizações culturais nas últimas décadas que
passaram e passam por uma projeção espetacular da sua prática. Na opinião
110

de Debord (1997), a autenticidade das ações simbólicas da sociedade


contemporânea está direcionada para um processo de espetacularização das
atividades cotidianas.

4.1 Do vestido de chita ao vestido de luxo

Nesta tese busco aprimorar a discussão sobre as performances da


dança junina. Para tanto, é necessário abordar o movimento da quadrilha
junina ao longo do tempo, que na contemporaneidade adquiriu novas e
diferentes características: tanto a dança como a constituição do personagem
que caracteriza o matuto utilizado nas quadrilhas juninas ditas tradicionais.
Alguns elementos que supostamente deveriam caracterizar os rurícolas e seu
modo de vida foram inseridos à dança de quadrilha, performatizando os
estereótipo do sertanejo. A representação do homem do campo na dança de
quadrilha incorporou estereótipos comportamentais adaptados da construção
de personagens da literatura brasileira30, que simbolizariam o povo interiorano.

Para Menezes Neto (2009, p. 31) “o matuto é um personagem criado


pelo citadino, concebido com base na caricatura do rurícola” que foi “utilizado
como um dos artifícios para a legitimação do processo de urbanização
associando a imagem do campo ao passado e ao atraso em contraponto à
imagem da cidade – ligada ao progresso e à modernidade”. Desse modo, a
imagem jocosa e exótica do matuto apresentada nas quadrilhas centraliza o
personagem como representante do discurso tradicional das quadrilhas.

A figura do matuto, equivalente ao caipira, seria então transformada em


personagens imaginários por meio de fantasias, figurinos e estereótipos, sendo
representados em uma perspectiva de um sujeito padrão ou pela ótica do
deboche. Câmara Cascudo (2010, p. 223) define o caipira como “homem ou

30
Chianca (2007a), cita como exemplo de matuto, o personagem criado por Monteiro Lobato
em 1918 em seu livro Urupês – o Jeca Tatu – esta observação é igualmente encontrada na
dissertação (ZARATIM, 2014). Também refere-se ao Chico Bento de Maurício de Souza de
1961 e ao Jeca Tatu dos filmes de Amacio Mazzaropi. Faço igualmente esta observação em
2014.
111

mulher que não mora na povoação, que não tem instrução ou trato social, que
não sabe vestir-se ou apresentar-se em público”. O autor aponta alguns
elementos que caracterizam o caipira, o qual refere-se a diferentes tipos de
moradores do campo que pode ser uma pessoa envergonhada, tímida, sonsa,
esperta, pura, roceira, rude, cafona, ou provinciana que cultua as suas raízes
interioranas.

Antônio Cândido (2010) descortinou o processo de transformação social


da cultura caipira, dentro das culturas brasileiras31, entre as décadas de 1940 e
1950 no meio rural brasileiro. Em sua obra historiográfica “Os parceiros do Rio
Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de
vida”, Antônio Cândido (2010, p. 25) “pretende exprimir um tipo social e
cultural, indicando o que é, no Brasil, o universo das culturas tradicionais do
homem do campo”. Segundo Cândido, a cultura caipira foi constituída pela
associação de elementos e fatores dos traços culturais indígenas, portugueses
e africanos, a qual foi caracterizada a partir do acaipiramento do modo de vida
de uma determinada região do Brasil. O acaipiramento mencionado por
Candido diz respeito “a acentuada incorporação dos diversos tipos étnicos ao
universo da cultura rústica de São Paulo” (CÂNDIDO, 2010, p. 27).

Em um documentário realizado pela TV Cultura no ano de 2001, Antônio


Cândido descreve o caipira como:

O caipira é o morador do campo que vive numa sociedade


relativamente homogênea com valores tradicionais muito
marcados, fruto da evolução histórica do grupo social radicado
em São Paulo. Não necessariamente no estado de São Paulo.
O que se pode chamar área caipira é talvez um pouco daquilo
que o historiador Alfredo Ellis Junior chamava a paulistânia. A
paulistânia é São Paulo, é grande parte de Minas, é grande
parte de Goiás, é grande parte do Mato Grosso, o atual Paraná
em partes também, e de certa maneira o Espírito Santo e Rio
de Janeiro são afins. E este homem é fruto de uma
sedimentação racial às vezes, mas certamente de uma
sedimentação histórica, de uma sedimentação cultural que lhe
dá características próprias, inclusive na maneira de falar
(BRASIL, 2001, S/P).

31
Tal qual nos alertou Bosi (1992).
112

Nesses termos, a concepção do caipira cunhada por Candido propõe


que esse é um dos sujeitos que compõem o rurícola de algumas regiões do
país. Estes homens e mulheres rurais podem ter designações diferenciadas,
conforme o seu lugar de instalação. Para o autor “há na tradição cultural do
caipira certas técnicas, hábitos, usos, normas, valores” que formam “um
complexo de padrões que podem ser considerados mínimos sociais e vitais”
(CANDIDO, 2010, p. 255). Cândido entende que os mínimos sociais referem-se
às ações e práticas sociais que garantam as relações humanas na cultura
caipira, enquanto que o mínimo vital diz respeito à alimentação e ao abrigo.

A figura do caipira ou matuto também aparece no Teatro de Revista no


início do século XX. Com considerável importância na história das artes
cênicas do Brasil, o Teatro de Revista é um gênero teatral que surgiu na
França, na segunda metade do século XVIII, tendo suas origens na commedia
dell’arte francesa. Como característica, a sátira social e a política eram
representadas por meio da tipificação de personagens criados a partir de
figuras do meio político e social, bem identificados pelo público. É importante
ressaltar que o Teatro de Revista ou Revista, voltado para o povo, apresentava
a revisão de fatos e fantasias acontecidos na sociedade nos doze meses
imediatamente decorridos, encenados por formas textuais, pelos musicais e
pela dança (VENEZIANO, 2013).

Neyde Veneziano (2013, p. 29) ao analisar o Teatro de Revista no Brasil,


afirma que “a revista sofreu alterações, transformando-se num gênero
autenticamente nacional, com regras e padrões de realização”. Mesmo tendo
sua origem em terras estrangeiras, “adquiriu aqui uma fisionomia nacional com
estrutura e convenções que foram se modificando com o passar do tempo.
Estruturas e convenções cujas raízes absorveram a seiva popular, peculiar à
natureza”. Desse modo, a presença do ator na revista acontece por meio de
personagens tipo, que articulavam as caricaturas de figuras politicas da época
como Getúlio Vargas, ou de figuras sociais como o português, o malandro, a
mulata, o carioca, a mulher fatal e o caipira.

Segundo Veneziano (2013, p. 185) a figura do caipira foi introduzida no


teatro brasileiro em 1833, por Martins Pena. Mas foi em 1892 que Arthur
113

Azevedo trouxe o personagem do caipira para o Teatro de Revista, já


tipificado32. A autora nos esclarece que

com um tipo físico próprio, roupas e linguagem caricaturizados


e um modo de andar que já se revelava engraçado, o caipira
fixou-se no Teatro de Revista estereotipado, simplificado até,
mas capaz de cativar plateias paulistas e cariocas acabando
por deflagrar a voga do caipirismo na década de 1920
(VENEZIANO, 2013, p. 186).

Nestes termos, Neyde Veneziano revela que este caipirismo,


evidenciado nos estereótipos do matuto saiu dos palcos e alcançou o rádio e o
cinema, sendo representado com diferentes sutilezas interpretativas. Segundo
a autora, o caipira surgiu não só no cinema “onde imortalizou-se com o popular
Mazzaropi”, mas também “no alegre tocador de viola e contador de piadas das
duplas sertanejas”. No Teatro de Revista, este personagem tipo era “previsível,
legítimo representante da simplicidade rural” que carregava inocência,
“esperteza e a sabedoria da gente da terra”. Para Veneziano, “os papéis a ele
destinados eram diversos, transformando-o em uma espécie de valor nacional,
em oposição aos moldes estrangeiros” (VENEZIANO, 2013, p. 186). Nesse
contexto, o Caipirismo faz referência aos elementos que constituem o universo
da cultura caipira, tal qual nos orienta Antônio Cândido, bem como o modo de
ser do caipira, baseado na sua simplicidade, sua linguagem e seus trajes,
conforme Câmara Cascudo também elucida.

Sendo assim, o personagem tipo do caipira referendado na Revista


encontrou outro caminho para se popularizar na sociedade brasileira.
Possivelmente este é um dos canais no qual as particularidades do brasileiro
campônio e o modo de vida do caipira foi transformado em caracterização
teatral, como um dos elementos das artes da cena que constituem a quadrilha
matuta ou tradicional. Contudo, inapropriadamente, algumas pessoas
inclinaram-se a atribuir características pejorativas e jocosas impregnadas de
preconceitos às pessoas do interior.

32
Martins Pena, com “Um Sertanejo na Corte”, em 1833. Arthur Azevedo com “O Tribofe” em
1892 e o fazendeiro Gregório de Cocota em 1885, em parceria com Moreira Sampaio
(VENEZIANO, 2013, p. 185).
114

Para além da definição de caipira ou matuto, ou mesmo na teatralização


de um personagem tipo, é nesta caracterização do caipira que a quadrilha
junina tem se apresentado há décadas. A dança junina matuta é apresentada
com evoluções coreográficas sucessivas, ensaiadas e ajustadas aos comandos
de um marcador e representa uma comemoração ao casamento dos noivos
matutos para justificar um enredo dançado. Os figurinos desses personagens
que compõem o plantel dançante são simples, geralmente confeccionados em
tecido de chita, bem coloridos e sem preocupação com as tonalidades, mas
cuidando dos excessos e preservação da moral. Os matutos trajam calça
remendada com retalhos de tecido de outra cor; camisa às vezes cheia de
remendos, ora xadrez, outras de uma só cor, mas ornamentadas com um lenço
ao redor do pescoço; chapéu usualmente de palha; o calçado é variado, mas
geralmente usam botina à mostra devido ao comprimento da calça ou por ser
dobrada. A roupa das matutas é composta pelo vestido de chita com a saia
rodada; as vezes a matuta veste saias rodadas e blusas cheias de babados
ornamentadas com rendas, tudo prezando pela discrição; os cabelos
geralmente são longos e são presos, divididos em duas metades amarrados,
de cada lado, por laços de fita ou elástico (Maria Chiquinha); ora usam chapéus
de palhas, mas as tranças ficam expostas nas laterais ou atrás; os calçados
são variados, podendo ser botas, sapatilhas, ou sandálias amarradas nas
canelas. Tanto a matuta como o matuto têm um modo peculiar para usar a
maquiagem: eles reforçam a exposição de pelos nos bigodes, na barba, nas
sobrancelhas e simulam dentição precária; elas maquiam os olhos e os lábios
com cores fortes e simulam algumas manchas no rosto, como as pintas pretas
nas bochechas (CHIANCA 2007a; ZARATIM, 2014).

A descrição estereotipada de como o matuto e a matuta se apresentam


alude aos brincantes das quadrilhas juninas que “nos dias atuais é considerada
tradição” (ZARATIM, 2014, p. 27). Nestes termos, reforço ainda a ideia que
temos mais de uma versão da quadrilha junina, pois são estruturadas na
atualidade, conforme suas versões: matuta ou moderna. Menezes Neto (2009)
argumenta em seus estudos sobre as quadrilhas juninas de Recife-PE, que a
quadrilha junina se constitui em três principais estéticas: as quadrilhas matutas,
as quadrilhas estilizadas e as quadrilhas recriadas. Para o autor as quadrilhas
115

matutas representam a tradição junina, enquanto que as quadrilhas estilizadas


foram de grande importância para o processo de ressignificação das quadrilhas
atuais na experimentação e na ousadia, e por fim as quadrilhas recriadas que
são constituídas por uma proposta teatral que preza por elementos regionais.

Penso que o processo de atualização das tradições juninas é inacabado


e que está diretamente relacionado com o contexto analisado. O nosso
contexto de análise é a região metropolitana de Goiânia, que prossegue
incessantemente com as atualizações da dança junina a cada ciclo. Por essa
razão, nesta tese, sem contrapor às elaborações de Menezes Neto (2009)
continuarei com a referência de quadrilha junina moderna, ou simplesmente
quadrilha junina para as discussões sobre a versão atualizada da quadrilha
junina tradicional ou matuta, bem como para diferenciá-las em seus campos de
disputas sociais e simbólicas, até a sua concepção enquanto quadrilha junina
performativa.

Nessa perspectiva é preciso entender o significado de tradição no atual


cenário junino. Anthony Giddens (2003, p. 38), ao realizar uma análise sobre a
modernidade, afirma que a tradição é uma forma “de lidar com o tempo e o
espaço, que insere qualquer atividade ou experiência particular dentro da
continuidade do passado, presente e futuro, sendo estes por sua vez
estruturados por práticas sociais recorrentes”. O autor ainda nos alerta que “a
tradição não é inteiramente estática, porque ela tem que ser reinventada a
cada nova geração conforme esta assume sua herança cultural dos
precedentes”. Tal qual mencionei em 2014, Eric Hobsbawm e Terence Ranger
(1997) também postulam que a tradição é inventada em determinado momento
do passado e que pode ser modificada em algum momento do futuro: a
reinvenção da tradição.

Assim, podemos entender a tradição como um modo dinâmico de


transmitir saberes, os quais são pautados nos sistemas simbólicos que
constituem um fenômeno popular que pode ser transformado, através das
gerações. Sendo assim, a noção de tradição vista sob a ótica do atual contexto
junino é atualizada a cada ciclo junino, à medida que esta atualização
influencia no prosseguimento das práticas festeiras juninas distanciando a
116

possibilidade de descontinuidades.

Para Maria Laura Cavalcanti (2001, p. 08) “as tradições são históricas”, e
nesta perspectiva são “criadas, desfeitas, retomadas e, sobretudo, a idéia de
tradição (e de seu par “moderno”) é, ela mesma, um valor trocado e
transformado em teias de relações sociais que precisam ser contextualizadas”.
Desse modo, a contextualização das práticas juninas na atualidade perpassa
pela atualização de suas tradições. Neste encadeamento de ideias, a
atualização da tradição junina é constituída nas formas de negociação sobre os
conteúdos a serem trabalhados pelos fazedores da cultura junina, bem como
pelos diálogos entre os diferentes tipos de interlocutores associados ao
contexto junino.

As negociações e os diálogos baseiam-se na gestão dos conteúdos


juninos conforme a indústria cultural exerce influência na dinâmica de produção
junina. Melhor dizendo, os sujeitos diretamente relacionados ao contexto junino
– os fazedores juninos, as famílias, a igreja, os quadrilheiros, o poder publico,
os festivais juninos, a mídia e os espectadores, selecionam consciente ou
inconsciente o que deve ou não permanecer nas práticas juninas atuais em
relação ao tradicional (ZARATIM, 2014; MENEZES NETO, 2009). Sendo
assim, a noção de conteúdo recai sobre os sentidos e os significados atribuídos
às relações simbólicas e às sociabilidades manifestadas no fazer junino.

A respeito dos conteúdos juninos, tanto na festa como na dança, é


comum encontrar quadrilheiros defendendo que eles são os responsáveis pela
constância e a propagação da tradição junina. O estatuto da Fequajugo
fomenta a ideia “de que a intenção é de inculcar nessas participações
vindouras a utilização e a preservação das raízes tradicionais para que essas,
mesmo seguindo o fluxo contemporâneo, manifestem o desejo de gestão da
tradição” (ZARATIM, 2014, p. 76). Igualmente, os produtores das festas
espetaculares valem-se desse mesmo argumento para promoverem seus
eventos juninos. À luz de outra perspectiva, entendo que a tradição junina,
pode ser interpretada como a reunião dos indivíduos para a efetivação das
sociabilidades juninas contidas nas representações simbólicas da festa.

Contudo, o discurso de propagadores da cultura popular e da tradição


117

por parte dos quadrilheiros e dos produtores das festas espetaculares é


seguramente um discurso interessado. Esse discurso refere-se ao modo pelo
qual os interesses dos fazedores da cultura junina são legitimados por eles e
para eles. Tal fala é o que impulsiona o fazer junino nos ambientes festeiros
informais e ao mesmo tempo camufla os interesses de mercado dos produtores
das festas juninas voltadas para o espetáculo.

Essa estratégia discursiva é popularizada no São João e apresenta-se


como elemento multifacetado e disfarçado para a naturalização do processo de
(res)significação e espetacularização da festa e das quadrilhas juninas. Por
outro lado, esse discurso é disseminado entre os quadrilheiros, os quais
defendem que a cultura popular refere-se às práticas socioculturais que
despertam a simpatia do grande público e provocam apreços de popularidade.
Sendo assim, a prática junina ou de São João transporta inúmeras
características festeiras através dos tempos e agrega entendimentos
divergentes sobre o seu espaço na cultura popular. Observa-se então a
propagação de diferentes entendimentos sobre o que é cultura popular na
atualidade, uma vez que a técnica e a estética têm a habilidade de fragilizar a
compreensão sobre o popular nas fronteiras da cultura. Os festejos juninos
outrora apenas comunitários e familiares, hoje compõem o romantismo junino
nas memórias de vários amantes dessa festa.

Martha Abreu (2003), ao refletir sobre as práticas populares e folclóricas


brasileiras, aponta algumas considerações de folcloristas atuantes no
movimento folclórico brasileiro que observavam as modificações sofridas pelas
festas e quadrilhas juninas já nos anos de 1950. Segundo a autora, “nas
cidades grandes havia um falseamento das festas juninas, quando a população
fantasiava-se, como no carnaval, de matutos, sertanejos e caipiras” (ABREU,
2003, p. 18-19).

É importante observar que este processo de (res)significação da festa e


da quadrilha junina se fortaleceu por volta dos anos de 1950, como
mencionado anteriormente, quando intelectuais da época evocaram um
importante movimento em torno do folclore e da cultura popular. Maria Laura
Cavalcanti (2001, p. 03) elucida que esta movimentação reuniu “nomes como
118

Cecília Meireles, Câmara Cascudo, Gilberto Freyre, Artur Ramos, Manuel


Diégues Júnior, Renato Almeida entre tantos outros”. Foram então elaboradas
diversas iniciativas para a propagação e valorização da cultura nacional, a fim
de fomentar as expressões culturais, os costumes, as expressões artísticas e
tradições do povo brasileiro. Nesse contexto, o agrupamento de estratégias foi
então conhecido como Movimento Folclórico Brasileiro, que nas palavras de
Maria Laura Cavalcanti (2001) promoveu a implantação de

diversas Comissões Estaduais de Folclore, algumas atuantes


até hoje. Seu apogeu foi a criação, em 1958, da Campanha de
Defesa do Folclore Brasileiro, no então Ministério da Educação
e Cultura. O atual Centro Nacional de Folclore e Cultura
Popular, da FUNARTE, com ricos acervos museológicos,
fotográficos, sonoros e bibliográficos, é o herdeiro institucional
desse movimento. A Campanha tinha urgência de atuação: os
elementos culturais autênticos da nação estariam seriamente
ameaçados pelo avanço da industrialização e pela
modernização da sociedade. Por essa razão, o folclore devia
ser imediatamente preservado, e intensamente divulgado
(CAVALCANTI, 2001, p. 03).

Foi nesse quadro histórico e social do Brasil que os estudiosos do


folclore, os chamados folcloristas fomentaram a ideia de que as tradições
nacionais, entendidas como práticas folclóricas e comparadas à cultura
popular, deveriam ser vivenciadas nas escolas como instruções cívicas
repletas de sentimento comum de pertencimento (VILHENA, 1997; ABREU,
2003). Para os folcloristas a escola era a porta de entrada para a popularização
dos costumes do povo brasileiro e que provocaria nas gerações seguintes um
sentimento de nacionalismo.

Luis Rodolfo Vilhena33 (1997, p. 174) em suas análises sobre o

33
Luis Rodolfo Vilhena (1997) pesquisou o movimento folclórico brasileiro no período entre
1947 e 1964, momento em que um agrupamento de intelectuais da época esteve a serviço do
reconhecimento do folclore brasileiro. Segundo Vilhena, em 1947 foi organizada a Comissão
Nacional de Folclore (CNFL), no que lhe concerne, promoveu a criação das Comissões de
Folclore Estaduais com a mesma finalidade – a promoção e a defesa das manifestações
folclóricas, a fim de estimular empenhos para a pesquisa e a preservação do folclore nacional.
Vilhena analisa as ações dos folcloristas e as criticas recebidas por este grupo, que por sua
vez defendiam a descrição das práticas populares sem qualquer adesão às interpretações
cientificas que deveriam fortalecer o assunto em questão. Igualmente, os estudiosos
associados ao Movimento Folclórico entendiam a cultura popular como um objeto de pesquisa
capaz de explicar a identidade nacional.
119

Movimento Folclórico Brasileiro observou que esta corrente ideológica defendia


o aproveitamento dos elementos que compõem o folclore na educação. Desse
modo, o propósito era fortalecer “na consciência da juventude o sentido de
continuidade nacional”, já que a educação era espaço adequado para a
inserção do projeto dos folcloristas, que tinha entre suas principais metas,
formar futuros pesquisadores.

Assim, Martha Abreu (2003, p. 15) esclarece que os folcloristas


defendiam que “as tradições populares”, deveriam ser sentidas e verificadas
como “base para a formação da identidade brasileira” e no ambiente escolar
“as crianças poderiam enraizar-se na cultura de seu país, valorizando-o e
respeitando-o”. Nesse contexto, os elementos folclóricos sustentados pela
cultura popular converteram-se em importantes estratégias de aplicação de
conteúdo na escola, especialmente as festas juninas e consequentemente as
quadrilhas juninas.

Sobre a quadrilha junina na escola, Chianca (2006, p. 62) menciona que


em 1970, grande parte “dos adultos escolarizados da capital” do Rio Grande do
Norte, “conseguiam dançá-la espontaneamente, como consequência de uma
pedagogia bem dirigida pela escola – local onde era e continua sendo ensinada
às crianças desde a mais tenra idade”. Atestando a afirmação de Chianca, é
comum, durante o mês de junho, a formação de uma dança de quadrilha
espontânea nas diversas configurações das festas juninas da capital de Goiás,
desde a época referida pela autora, até os dias atuais (sempre que possível eu
mesmo organizo uma quadrilha junina, nestes moldes).

Mais ainda, Chianca complementa a sua ideia ao afirmar que “a


importância da escola na transmissão da quadrilha como parte da cultura
junina é até o presente, reconhecida” (CHIANCA, 2006, p. 63). Essa afirmação
de Luciana Chianca ainda pôde ser constatada na região metropolitana de
Goiânia no decorrer desta pesquisa de doutorado: a escola continua
divulgando a festa e a quadrilha junina como componente curricular
responsável pela transmissão de conhecimento relacionado à cultura brasileira.

No entanto, as abordagens sobre a presença das festas e das


quadrilhas juninas nas escolas nem sempre são convergentes. Judas Tadeu de
120

Campos (2007) assinala que a escola baseia-se em lições de preconceito para


apresentar a cultura caipira a partir da representação dos habitantes do campo,
que para o autor são estereótipos diferenciados da realidade. Campos também
verifica a influência da indústria cultural nas festas escolares, nas quais “não se
nota qualquer preocupação com o reconhecimento e a preservação das
tradições antigas ou mesmo das músicas que, antes, animavam os “arrasta-
pés” e a dança da quadrilha” (CAMPOS, 2007, p. 603). O autor prossegue com
suas ideias e pondera “que a forma como estas festividades se apresentam
nas escolas pode ser considerada, também, como uma tentativa de integrar (ou
adaptar) a instituição escolar aos novos paradigmas e aos tempos pós-
modernos” (CAMPOS, 2007, p. 604).

Diante do exposto, além do componente curricular ou atividade


complementar, a realidade é que várias escolas públicas ou privadas,
convertem a festa junina em oportunidade para angariar fundos (ZARATIM,
2014). A simbologia da festa nem sempre é explorada por meio de um trabalho
pedagógico que valorize os saberes que esta manifestação popular pode
oferecer. As metodologias e as estratégias de ensino, voltados para o São
João, por vezes, negligenciam o conteúdo multidisciplinar deste folguedo capaz
de auxiliar no propósito de diversas disciplinas.

Entretanto, em variados outros casos, encontramos também trabalhos


que contemplam o lado tradicional e popular da festa, semelhante ao que foi
mencionado em momento anterior neste estudo. A preservação deste folguedo
no ambiente escolar é também uma forma de vivenciar as sociabilidades dos
alunos. Comemorar o São João no ambiente escolar proporciona a apreensão
da organização artística e cultural da festa por parte dos alunos. Igualmente
essa modalidade do fazer junino é capaz de promover a assimilação da
estética da festa e da dança, cujas particularidades têm sido definidas
conforme o festejo é efetivado34, ressignificado e espetacularizado.

34
As festas juninas no ambiente escolar têm várias finalidades, como: para fins de angariar
fundos; teatralizar o homem do campo; engrandecer a cultura estrangeira, como as festas e as
danças provenientes dos Estados Unidos (festa e dança country; quadrilha halloween, etc); e
várias atividades praticadas camufladas como ação pedagógica.
121

Desse modo, mesmo pautado no discurso de reforçar o aproveitamento


do elemento tradicional na escola, bem como a preservação das atividades
culturais tradicionais do povo brasileiro, a quadrilha junina, desde sua inclusão
no ambiente escolar, é apresentada por meio das artes da representação. As
artes da cena são ferramentas indispensáveis para a efetivação da quadrilha
junina na escola, na rua, nos tablados, nos festivais, em todos os lugares que
se façam presentes.

Para Patrice Pavis (2011, p. 27), as artes da representação “se


caracterizam por um nível duplo: o representante – o quadro, a cena, etc. – e o
representado – a realidade figurada ou simbolizada”. Desde os primeiros anos,
as crianças brasileiras são fantasiadas de um personagem que será
representado na festa junina – o caipira ou matuto, dançando quadrilha ou não.

A representação estereotipada do matuto ou caipira dispõe de processos


criativos que caracterizam personagens por meio do figurino, da atuação e da
maquiagem, ambientados por cenários criados para uma apresentação
direcionada a uma audiência interessada em assistir a dança de quadrilha,
resultado de inúmeros ensaios. Igualmente, as instruções coreográficas em
língua estrangeira, especialmente as francesas, foram abrasileiradas, o que
possibilitou a reorganização do sentido da dança, que acrescentou aos
comandos da quadrilha, o elemento cômico 35 (BONETTI, 2015) na marcação.

Apesar das raízes que as estabeleceu, as festas e as danças juninas na


atualidade não sobrevivem especificamente do passado, mas da adesão de
elementos performáticos pautados na espetacularização destas práticas
festeiras. A figura estereotipada do matuto ou caipira é gradativamente
recusada na sociedade contemporânea que questiona sobre a forma pejorativa
em que são representados. Fato é que os grupos de quadrilhas juninas ao
aderirem às artes do espetáculo reorganizam os seus elementos e os adequam
à estética junina contemporânea. Neste contexto, os matutos e as matutas são

35
Balancê (Balancer) – Balançar o corpo no ritmo da musica; Alavantú (en avant tous)- todos
os casais vão para a frente; Anarriê (en arrière) - casais vão para trás; Returnê (returner)
Cumprimento 'vis-à-vis' - cumprimento frente a frente; Changê (changer/changez) -
trocar/troquem o par; Otrefoá (autre fois) - repete o passo anterior (BONETTI, 2015).
122

substituídos por quadrilheiros dançarinos que interpretam um enredo em uma


dança teatralizada.

Faz-se necessário considerar os sentidos e as possibilidades em que as


quadrilhas juninas se apresentam na atualidade para as discussões sobre as
mudanças ocorridas na dança. A adesão de elementos das artes da cena, bem
como a estruturação administrativa deve ser levada em consideração ao
pensar sobre esse fenômeno popular, uma vez que na contemporaneidade
apresenta-se como dança institucionalizada. Enquanto instituição, os grupos de
quadrilhas juninas abrigam diversas pessoas habilitadas a lidarem
profissionalmente com a estética, bem como com os aspectos sociais,
artísticos, políticos, religiosos, econômicos, entre outros. São profissionais
acionados para a realização das festas e efetivação das quadrilhas juninas
enquanto grupo institucionalizado (ZARATIM, 2014).

Os fazedores das quadrilhas juninas ao dançar a quadrilha moderna


apresentam-se trajando figurinos bem trabalhados, abdicando de vez das
roupas remendadas costuradas em tecidos de baixa qualidade. Afastando-se
dos trajes típicos que favoreciam o tecido de chita bem colorido, os grupos de
quadrilhas juninas modernas privilegiam variadas pedrarias, bordados bem
trabalhados, rendas, veludos, muitos babados nas saias e diferentes adereços,
resultando no vestido de luxo.

Neste contexto de ressignificação, o impulso dinâmico que os novos


significados da ação junina, enquanto performance da cultura confere às
performatividades, tende a transformar as matrizes arquetípicas dos símbolos
juninos em novidades simbólicas. Dessa maneira, o ambiente junino é palco
das transformações que envolvem os grupos, diversos objetos, personagens,
músicas, trajes, indumentárias, danças e outros símbolos juninos, os quais são
elementos significativos a essa ação festeira e cultural, mesmo na competição.

Por conseguinte, a partir da apreensão de significados inovadores da


dança, o ambiente junino, igualmente, influencia significativamente a vida social
dos sujeitos. Desse modo, por meio das experiências, das sociabilidades e das
interações vividas, os valores individuais dos quadrilheiros asseguram e
123

marcam as ações coletivas na quadrilha junina, as quais inspiram a expressão


artística da cultura junina e atualiza a estética quadrilheira.

4.2 A expressão artística da dança junina e a estética quadrilheira

A quadrilha junina é uma manifestação popular, artística e cultural do


Brasil que no seu processo constitutivo transita por diferentes espacialidades.
Em suas temporalidades, a quadrilha junina ajusta-se aos variados desafios
estéticos e políticos provenientes da dinâmica social, a fim de manter-se
continua e proativa no cenário artístico, cultural e educativo do país.

A dança junina enquanto expressão artística e cultural caracteriza-se


pelo seu campo de atuação que dialoga com a tradição e os aspectos
contemporâneos como a mídia, a urbanização, a estilização e a
profissionalização das quadrilhas juninas enquanto grupo social. Essa
modalidade de dança propicia reflexões sobre o que é visto e o que é dançado,
pois ressignifica constantemente os seus elementos estruturantes e o sentido
da dança tradicional.

A combinação do tradicional com o moderno tende a limitar o


enaltecimento das práticas passadas, mas não eliminá-las. Nesse sentido,
penso que evocar o passado da dança junina significa rememorar
procedências para legitimar a sua prática. A prática junina constitui-se pela
associação de saberes tradicionais e modernos, que incentivam a criatividade
dos quadrilheiros nas elaborações temáticas voltadas para a arte e a cultura,
bem como estimulam as atualizações da dança. Neste contexto, é importante
ressaltar que na atualidade, as configurações da dança junina envolvem
padrões estéticos e performáticos, conforme é constituída.

Para Larissa Michelle Lara36 (2011, p. 39) a estética “define-se a partir


de regras e princípios que são construídos pelo homem como ser cultural”.
Sendo assim, a estética é estabelecida por padrões que comandam as suas

36
Larissa Michelle Lara (2011) analisa as relações entre o sentido ético e estético que atuam
na composição das gestualidades do maracatu.
124

relações com o sujeito mediante as suas experiências. Ainda segundo Lara


(2011, p. 38), a experiência estética constitui-se “pela vivência contemplativa
do objeto e julgamento de sua forma e conteúdo”. Desse modo, a apreciação
ou a rejeição, como resultado dos julgamentos sobre o que é visto apoia-se
“tanto em padrões vigentes quanto na própria experiência pessoal”. Nesse
sentido, a estética contemporânea aplicada pelos grupos juninos em suas
performatividades é capaz de despertar admirações, críticas, comparações e
reprovações, tanto nos espectadores como em parte dos fazedores da cultura
junina.

Os quadrilheiros em seus trabalhos de criação buscam conciliar os


elementos da tradição, observados nos estereótipos da quadrilha tradicional ou
matuta, com o apelo espetacular da modernidade. Ainda assim, para os
quadrilheiros, a configuração matuta ou caipira das quadrilhas juninas, mesmo
(res)significada é defendida por parte dos quadrilheiros como modelo que
representa a tradição. Penso que essa afirmação repousa no interesse, ou na
conveniência dos fazedores da cultura junina em serem reconhecidos como
transmissores da tradição junina. De certa forma, o são! No sentido de ser
tradicional, bem como promover a reunião de pessoas e grupos durante os
festejos de São João.

O arranjo simbólico das performatividades da dança junina afasta-se da


sua pretensa configuração tradicional, na medida em que a quadrilha se
atualiza a cada ciclo junino. Um dos principais fatores causadores desta
assertiva é a adesão dos grupos juninos aos ditames estéticos e padronizados
propostos pelos concursos e festivais juninos. Nesse contexto, conforme
mencionado anteriormente, a quadrilha junina moderna é estruturada por meio
da gestão dos conteúdos juninos efetivada pelo poder público, pelos festivais
juninos e pelos próprios quadrilheiros que estabelecem o que deve ou não
permanecer de tradicional na dança junina (MENEZES NETO, 2009; ZARATIM,
2014).

A proposta de desenvolvimento de um tema nas quadrilhas juninas


incide sobre a aplicação e o incremento de inovações na dança. A elaboração
coreográfica, a adequação dos adereços, a combinação do vestuário, a
125

articulação musical, a adesão a personagens tipo e a utilização de cenários, se


constituem baseados nas artes da cena e nos arquétipos das quadrilhas
juninas matutas ou tradicionais.

Apesar da configuração ressignificada, a quadrilha junina moderna


conserva elementos que estruturam a composição matuta, como os casais
formados por pares na concepção binária, damas e cavalheiros. Entretanto, o
formato contemporâneo da dança junina consente a formação de casais por
quadrilheiros do mesmo gênero; em outros casos não há a formação de casais
e os quadrilheiros interpretam seus personagens individualmente. Outrossim,
geralmente, as coreografias retomam a estrutura dos chamados passos
tradicionais, como o caracol, o túnel, a grande roda, dentre outros, todavia com
adaptações estéticas, prezando pelo sincronismo dos movimentos dançados. O
figurino, bem trabalhado e luxuoso, conserva as saias para as damas e o
chapéu para os cavalheiros como caracterização da dança. A música dançada
experimenta diferentes ritmos, diversificando a musicalidade junina, mas
mantém o forró como predominante.

O marcador, nessa nova configuração da dança junina, é um


personagem que têm diferentes papeis. Desta feita, o grupo não depende dele
para a execução coreográfica, mas reconhece o seu valor como parte
importante para contar a história dançada e como personagem que busca o
vínculo afetivo entre a temática apresentada e os espectadores. O roteiro
remodelado do casamento representado na quadrilha matuta aparece na
quadrilha moderna em determinado momento da coreografia; abordado sob a
égide de uma teatralidade dançada, sempre prezando pela estética junina.
Nem sempre o ato dançado pelo casal de noivos, dispõe de falas (gravadas
quando há), ou a presença de personagens da quadrilha matuta: os pais dos
noivos, o padre, o sinhozinho e a sinhá, o senhor delegado. Nessa parte da
coreografia, sob a ideia de um enlace amoroso e não matrimonial, os
personagens dos noivos são enaltecidos e raramente o ritual do casamento
junino é encenado.

Outros papéis representados na composição junina, como a rainha e o


rei do milho, surgem como personagens imprescindíveis dentro das temáticas
126

dançadas pelos grupos. A rainha, tem um momento especifico para apresentar-


se ao público como representante do grupo em uma atuação solo – momento
bastante esperado pelos espectadores e da mesma maneira pelos próprios
quadrilheiros (MENEZES NETO, 2009; ZARATIM, 2014; NOLETO, 2016).
Igualmente, em algumas ocasiões, os grupos juninos apresentam a rainha
junina da diversidade – personagens interpretados por pessoas transgênero ou
por homens cisgêneros homossexuais ou não, que queiram participar dessa
experiência transgênero nas quadrilhas juninas.

Os papéis interpretados e dançados pelos quadrilheiros – marcador,


rainhas e noivos são considerados personagens destaques dos grupos juninos
e se confundem com a própria identidade de seus interlocutores. Neste caso,
os quadrilheiros são eventualmente identificados pelos seus personagens e
não pelo seu papel social no cotidiano e nem pelo seu próprio nome (a rainha
da quadrilha tal; os noivos da quadrilha x; etc) (ZARATIM, 2014).

Algumas das características das quadrilhas juninas modernas, como


enaltecer personagens destaque, o desenvolvimento de um enredo e a
encenação de dramas do cotidiano são também identificadas em outras
expressões culturais brasileiras, como o boi-bumbá, a ciranda e as pastorinhas.
Igualmente, dependendo do tema proposto é possível identificar que se fazem
presentes na dança junina, influências recebidas de outras expressões e ritmos
brasileiros. Desse modo, ao combinar o canto, a teatralidade, a dança e a
música, a quadrilha junina envolve enredo e encenação.

A observância do enredo e da encenação no desenvolvimento das


temáticas juninas, nos remete à proposta de Mário de Andrade (1982) sobre as
expressões culturais registradas por ele em um estudo etnográfico realizado na
primeira metade do século XX, a partir de 1920. Para tal, Andrade denominou
genericamente de Danças Dramáticas37 aos bailados coletivos populares
(cocos, catimbós, maracatus, bumbas-meus-bois, cheganças, cirandas,
reisados, repentes, pastoris, parlendas, entre outras) que seguem a uma

37
Mário de Andrade (1982) percorreu a região norte e nordeste do país e registrou diferentes
manifestações populares que privilegiavam as diversas expressões musicais, os cantos e os
bailados daquelas regiões.
127

temática tradicional e caracterizadora da dança popular e que respeite o


princípio da suíte, incluindo ou não a representação dramática. Andrade então
engendrou

Reúno sob o nome genérico de “danças dramáticas” não só os


bailados que desenvolvem uma ação dramática propriamente
dita, como também os bailados coletivos que, junto com
obedecerem a um tema dado tradicional e caracterizador,
respeitam o princípio formal da Suíte, isto é, obra musical
constituída pela seriação de várias peças coreográficas
(ANDRADE, 1982, p. 71).

Entendo que esta elucidação de Mário de Andrade (1982) nos auxilia na


percepção de um dos lugares em que as quadrilhas juninas transitam. O autor
sugere que nas danças coletivas a associação de elementos e fatores
presentes nestas práticas como o canto, a dança e a música podem ser
apreciadas na perspectiva das danças dramáticas. Tais elementos podem ser
visualizados nas danças de quadrilhas juninas no desenvolvimento dos
enredos mediante as encenações. Neste sentido, a quadrilha junina moderna
abrange uma concepção dramatizada, que dialoga por meio de diferentes
linguagens artísticas com quem as acompanha.

Igualmente, é importante observar que existem diferenças estéticas e


conceituais entre as duas proposições: dança dramática e quadrilha junina. O
trabalho de Mário de Andrade sobre as danças dramáticas valoriza a
originalidade da cultura popular presente nas criações artísticas populares
registradas por ele. A quadrilha junina é estruturada por elementos das artes da
cena que prestigia a intervenção do apelo mercadológico incutido nas atuais
formas de dançar, abandonando a sua totalidade enquanto manifestação da
cultura popular no início do século passado.

Não obstante, acompanhando este descompasso estético-conceitual


encontramos aproximações entre a quadrilha junina e a concepção de danças
dramáticas de Mário de Andrade. Embora o autor não a tenha definido como
tal, uma das principais aproximações em que o conceito de danças dramáticas
se ajusta à quadrilha junina situa-se na execução da dança. De caráter popular,
a quadrilha junina é apresentada por meio de um tema caracterizador
associado às musicalidades juninas e a encenação sob a assistência de
128

movimentos corporais baseados nos bailados coletivos e pela ação


performática.

Dessa forma, a representação coletiva da dança junina abrange uma


composição de elementos artísticos e culturais formando uma dança de
estética coreografada e espetacularizada. É importante ressaltar que o
percurso temporal das quadrilhas juninas revela uma busca de concepções
estéticas, por parte dos fazedores da cultura junina, que a caracterize como
portadora da brasilidade do fazer junino. Nesse sentido, as ações dos
fazedores da cultura junina vão de encontro com o interesse de Mário de
Andrade de valorizar a arte e a cultura nacional. Neste contexto, o autor não se
deteve em anunciar a sua predileção por uma das danças dramáticas
registradas por ele.

Mário de Andrade (1982, p. 63) revela que “o boi dos bumbás é figura de
encantação” e demonstra sua especial atenção a este folguedo que ele mesmo
observou de perto. O autor explica como o boi se realiza e conclui que esta “é a
mais estranha, original e complexa das nossas danças dramáticas. É também a
mais exemplar” (ANDRADE, 1982, p. 54). A este respeito, Maria Laura
Cavalcanti (2004) faz uma interessante análise sobre as danças dramáticas de
Mário de Andrade e sua sensibilidade romântica em relação ao bumba meu
boi. A autora, que iniciou suas pesquisas sobre o Boi de Parintins no ano 2000,
como visto anteriormente, observa que “o Boi traz à cena de seu pensamento,
a um só tempo, a diferença, a ancestralidade e uma insinuante desordem que
desfaz continuamente esforços de ordenação e de satisfação” (CAVALCANTI,
2004, p. 70). Essa assertiva de Maria Laura nos remete ao caráter espetacular
em que este folguedo se realiza na contemporaneidade, em algumas partes do
país, semelhante ao que acontece com as quadrilhas juninas.

Neste contexto, Cavalcanti (2004) chama a atenção para uma


inquietante frase anunciada por Andrade ao final da introdução do primeiro
tomo de Danças Dramáticas do Brasil. Andrade, descrente com a situação em
que as danças dramáticas atravessavam naquela época, previa o seu
desaparecimento. Porém, como anuncia Cavalcanti (2004, p. 54), “a vitalidade
contemporânea da brincadeira do boi e de diversos folguedos populares
129

contradiz, por si só e para nossa felicidade, esse oráculo”. Em outras palavras,


o bumba meu boi, assim como outros folguedos populares, sobrevivem e
atualizam-se face às modificações socioculturais e políticas experimentadas
pela sociedade contemporânea38.

O mundo festivo brasileiro é terreno de permanente mutação, capaz de


conter a homogeneização das expressões culturais e artísticas do Brasil, bem
como impedir a solidificação de sentidos das práticas populares no tempo. Há
sempre a possibilidade de inovação, de atualização, de rompimento, de
continuidade, de (res)significação. O processo de simbolização das práticas
artísticas e culturais brasileiras não segue um padrão uniforme; é sempre
impreciso, uma vez que acontece na particularidade da prática cultural e não
no programa cultural ditado pela agenda cultural oficial.

Neste caso, a simbolização das práticas juninas na atualidade tem


visitado outras expressões artísticas e culturais, a qual resulta da combinação
de elementos e fatores estéticos presentes em diferentes fontes do movimento
cultural do país. A adesão por parte das quadrilhas juninas a elementos
estéticos que enaltecem as visualidades percebidas nos trajes, nas alegorias
ou na maquiagem estabelece um paralelo com uma das representações
culturais presente no programa cultural oficial brasileiro: o desfile das escolas
de samba das grandes capitais.

Embora grande parte do movimento junino rejeite a ideia de


carnavalização das quadrilhas juninas, é frequente a comparação entre a
configuração das quadrilhas juninas modernas com o desfile das escolas de
samba das grandes metrópoles brasileiras. A identificação de uma equivalência
entre os dois fenômenos populares é reiteradamente percebida junto aos
espectadores, parte dos quadrilheiros e nos debates acadêmicos39.

Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti (2013, p. 03) ao apresentar


reflexões sobre dois grandes festivais populares nacionais, o Boi Bumbá de

38
Entretanto, é prudente considerar também o enfraquecimento ou o esquecimento de outras
tantas manifestações populares culturais no Brasil. Tal fato pode ser observado nas
brincadeiras, jogos e danças tradicionais que caíram em desuso, devido às influências culturais
urbanas e ao acolhimento da modernização tecnológica, enquanto entretenimento e lazer.
39
Ouvi em um congresso em que participei com uma comunicação oral o termo: brodeirizaçao
das quadrilhas juninas. Uma alusão aos musicais da Broadway nos Estados Unidos.
130

Parintins e o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, compreende as


escolas de samba como “associações populares que se apresentam em desfile
festivo durante o período carnavalesco”. Nesse mesmo diálogo, Cavalcanti
(2013, p. 06) afirma que o desfile de uma escola de samba “é uma forma de
arte coletiva e sofisticada que elabora um enredo, cujo conteúdo varia
anualmente, na linguagem rítmica e musical do samba enredo e na linguagem
plástica e visual das fantasias e adereços”. Percebe-se, então, conforme as
elaborações de Cavalcanti uma sobreposição conceitual entre a definição das
agremiações populares escolas de samba e do evento espetacular desfile das
escolas de samba.

Para uma análise comparativa entre as quadrilhas juninas e as


manifestações carnavalescas, sirvo-me dos entendimentos de Cavalcanti, para
elucidar a noção de grupos de quadrilhas juninas na atualidade, suas
aproximações e afastamentos das escolas de samba. Considero dessa forma,
parafraseando Cavalcanti (2013) que os grupos de quadrilhas juninas são
associações populares, que por sua vez apresentam-se em festivais juninos,
por meio da dança junina, compreendida como expressão artística
desenvolvida na coletividade que busca eficiência a partir de uma temática
dançada e teatralizada e das musicalidades juninas, agregando na sua
configuração formas estéticas e visualidades no viés espetacular.

Assim sendo, para discutir a ideia de carnavalização das quadrilhas


juninas é prudente observar que as visualidades, baseadas na incorporação de
adereços comparados aos identificados no desfile das escolas de samba,
compõem um conjunto de elementos que reforçam a aproximação destas duas
manifestações populares. Ao usar o termo carnavalização para designar o
processo de espetacularização das festas e das quadrilhas juninas há de se
considerar, além das visualidades, o aspecto mercadológico incutido na festa e
na dança, juntamente com os critérios avaliativos dos festivais juninos40, os
quais aproximam-se dos quesitos avaliados nos desfiles das escolas de
samba.

40
Os quesitos avaliativos dos festivais juninos são julgados por uma comissão formada,
geralmente por profissionais selecionados por um edital. São critérios avaliativos: a coreografia,
a animação, a harmonia, o figurino, o tema, o repertório musical, a atuação do marcador e do
casal de noivos e em alguns casos a atuação das rainhas juninas (ZARATIM, 2014).
131

Sob a ótica do espetáculo, a visão comparativa do fenômeno da


carnavalização, em relação às festas e danças juninas, se baseia no modelo de
eventos de grandes proporções. Paralelamente, a configuração espetacular
dos eventos e das festas juninas influencia no aprimoramento e na
espetacularização das quadrilhas juninas. Zulmira Nóbrega (2010, p. 155), ao
exemplificar os megaeventos para analisar o São João de Campina Grande,
cita “o carnaval do Rio de Janeiro, particularmente os desfiles da Marquês de
Sapucaí”41; avenida situada na região central da cidade, chamada de passarela
do samba a partir de 1984. Sobre a implantação de um local específico para os
desfiles das escolas de samba na cidade do Rio de Janeiro, Cavalcanti (2013,
p. 06) afirma que a inauguração desse espaço, conhecido popularmente como
sambódromo, “representou a um só tempo o reconhecimento e a extraordinária
ampliação do potencial econômico e turístico dos desfiles” (CAVALCANTI,
2013, p. 06).

Neste contexto espacial, Nóbrega (2010, p. 155) esclarece que “o


aspecto cultural pode ser visto de forma superdimensionada na perspectiva
que as expressividades carnavalescas, intrinsecamente enraizadas na cultura
popular brasileira, são robustecidas” por meio das temáticas representadas
pelas “escolas de samba”42. Estas agremiações fascinam o público mediante a
exibição de variadas expressividades da cultura nacional. Este evento
grandioso de formato industrial, envolve vultuosos recursos financeiros e
apuradas estratégias turístico-administrativas.

De certa forma, a configuração espetacular junina busca seguir as ações


representativas do carnaval no sentido político e administrativo, já que o
carnaval é uma festa que tem experimentado exitosos empreendimentos de
aperfeiçoamento econômico com sustentabilidade (NÓBREGA, 2010). Os
interesses econômicos percebidos nas festas juninas têm crescido, à medida
que o fazer junino denota a possibilidade de negócios rentáveis no mercado
cultural. A circulação de bens e serviços no ciclo junino alcança, de modo

41
Cavalcanti (2013, p. 06) explica que esta avenida foi transformada em Passarela do Samba,
em 1984 e logo depois foi popularizada como sambódromo, resultado de um projeto do
arquiteto Oscar Niemeyer.
42
Em Goiânia, os desfiles das escolas de samba acontecem de maneira diminuta por falta de
incentivo governamental no fomento de politicas públicas voltadas à cultura, como também por
não contar com o interesse da iniciativa privada.
132

concomitante, as festas e os grupos de quadrilhas juninas que lidam com as


dimensões econômicas e culturais enaltecendo as atualizações e as
transformações festeiras.

As quadrilhas juninas exploram atualizações e adaptações


constantemente e, por vezes, as concepções artísticas do carnaval são
empregadas nos trajes juninos, nos adereços e nos cenários. Entendo que isto
não é apropriação da cultura carnavalesca ou submissão a ela; mas, o
resultado da interação entre manifestações populares. Cavalcanti (2011, p.
235) observa que essa mesma interação de concepções artísticas percebidas
entre a festa do Boi e o carnaval é “um fascinante caso de troca e empréstimo
cultural entre as duas festas”. A autora afirma ainda que “os elementos
tomados emprestados são inteiramente transformados e res-significados”.
Cavalcanti também observa, que no caso do Boi de Parintins foram tomadas
emprestadas do carnaval das escolas de samba as alegorias.

Percebo que os processos artísticos e socioculturais das manifestações


populares se dispõem a combinarem-se entre si em movimentos que
proporcionem empréstimos, substituições ou complementações de elementos
constitutivos da sua prática. Neste caso, as quadrilhas juninas tomam
emprestado desse mesmo fenômeno popular, a alegria dos desfiles das
escolas de samba, as suas concepções artísticas baseadas no brilho e no luxo,
salientando a visualidade como elemento que promove a sustentação de todo o
processo criativo.

No ambiente de busca pelo aprimoramento das concepções artísticas e


performáticas, os fazedores da cultura junina introduzem renovações estéticas
que movimentam o sentido tradicional da dança para um cenário de aptidão
artística e funcionalidade laboral. Todavia, enfrentam as limitadas políticas de
incentivo à cultura e inconstante interesse comercial por parte da iniciativa
privada, diferentemente do carnaval que conta com apuradas estratégias
midiáticas, econômicas e políticas (isto não elimina as dificuldades
enfrentadas), evidentemente dependendo da localidade.

Apesar das adversidades encontradas na dinâmica de produção junina,


o fenômeno da carnavalização da cultura nos proporciona outras perspectivas
133

para pensarmos sobre a sua aproximação com o processo de


espetacularização das quadrilhas juninas. Mesmo sendo ressignificado, o
sentido tradicional do festejar na dança e na festa, caracteriza-se pela
celebração da alegria. Nesse sentido, a celebração da alegria interage com o
que Mikhail Bakhtin chamou de aspecto carnavalesco em sua análise sobre a
obra de François Rabelais (1494 – 1553)43. Para o autor a perspectiva
carnavalesca diz respeito ao “aspecto festivo do mundo inteiro, em todos os
seus níveis, uma espécie de segunda revelação do mundo através do jogo e do
riso” (Bakhtin, 1999, p. 73).

O linguista literário russo afirma que o termo carnavalesco representa a


liberação crítica dos povos por meio do riso, da alegria, das festas populares, e
dos movimentos expressivos artísticos e literários da Idade Média e do
Renascimento. Segundo Bakhtin

Dentro de sua diversidade, essas formas e manifestações – as


festas públicas carnavalescas, os ritos e cultos cômicos
especiais, os bufões e os tolos, gigantes, anões e monstros,
palhaços de diversos estilos e categorias, a literatura paródica,
vasta e multiforme, etc. possuem uma unidade de estilo e
constituem partes e parcelas da cultura cômica popular,
principalmente da cultura carnavalesca, una e indivisível
(BAKHTIN, 1999, p. 3).

Para Bakhtin, a cultura carnavalesca diz respeito à cultura cômica


popular que se constitui pelo grotesco e pelo exagero, revelando um cotidiano
não oficial composto por fisionomias reais, notáveis figuras do imaginário
popular, bem como pelo riso. Para o autor a visão carnavalesca do cotidiano
indica a subversão da ordem por meio do deboche, pela ironia da realidade,
pela oposição às hierarquias sociais e pelo grotesco. O grotesco para Bakhtin
(1999) sugere demonstrar o homem tal como é, sem as fachadas sociais
previamente estabelecidas face ao cotidiano vivido e assegurado pelos sujeitos
através do riso. Neste caso, o riso além de promover a interação entre pessoas
e grupos, também assume em determinadas circunstâncias, características que
denotam a rejeição contra circunstâncias e instituições de poder, opondo-se ao
sério e ao sublime.

43
François Rabelais foi um escritor francês do século XVI que discorria sobre a cultura cômica
popular na Idade Média e no Renascimento.
134

Baseado no pensamento de Bakhtin observa-se que o sentido


carnavalesco dos desfiles das escolas de samba fundamenta-se na linguagem
visual que percorre o exagero, as notáveis figuras, a oposição às hierarquias
sociais, ao grotesco, ao riso e aos dramas da sociedade. É uma linguagem
diversificada e complexa que estrutura um espetáculo ritualístico capaz de
transportar o carnaval para uma linguagem literária que o autor chama de
“carnavalização” (BAKHTIN, 2002, p. 105), concebida inicialmente por
Dostoiéviski.

Mikhail Bakhtin (2002), igualmente analisou as obras de Fiódor


Dostoiévski (1821 - 1881) e concluiu que as ideias do filósofo russo, geraram
interpretações diversificadas e simplificadas do atributo artístico e inovador de
seus escritos. No debate conceitual sobre o termo carnavalização, Bakhtin
(2002, p. 105) inicia esclarecendo que esta expressão relaciona-se com o
carnaval que para ele “é uma forma sincrética de espetáculo de caráter ritual,
muito complexa, variada, que, sob base carnavalesca geral, apresenta diversos
matizes e variações dependendo da diferença de épocas, povos e festejos
particulares”. Nesse sentido, o carnaval cria linguagens simbólicas muito bem
articuladas que conseguem abranger variados entendimentos sobre as
visualidades artísticas. O autor ainda afirma que as imagens artísticas e
complexas percebidas no carnaval são transpostas para “a linguagem da
literatura” a que ele chama de “carnavalização da literatura”.

Segundo Bakhtin (2002, p. 112), durante o Renascimento “ocorreu uma


carnavalização muito profunda e quase total de toda a literatura de ficção”.
Para o autor, a subjetividade carnavalesca, ou a linguagem carnavalesca livre
“penetram a fundo em quase todos os gêneros da literatura de ficção”. As
simbologias e as ambivalências das ações carnavalescas, como o riso, os
trajes, a alegria, as alegorias, os dramas da sociedade estão em várias obras
literárias, inclusive nas obras de François Rabelais, também analisadas por ele.

Ao qualificar o gênero literário, a carnavalização “se situa nas camadas


mais profundas e permite falar apenas dos módulos carnavalescos maiores de
imagens e acontecimentos particulares” (BAKHTIN, 2002, p. 115). Contudo, o
cotidiano também é carnavalizado. A vida social é representada naturalmente,
135

mas carrega em si a lógica carnavalesca constituída por disfarces, ilusões,


contraposições ideológicas, imagens, acontecimentos e ambivalências. Nessa
acepção, Maria Laura Cavalcanti (2013, p. 03), afirma que o carnaval é uma
ação coletiva que promove o encontro dramatizado dos “valores centrais e
duradouros da vida social”.

Paralelamente à vida social, o fenômeno da carnavalização se manifesta


na polifonia artística e cultural da sociedade, fazendo com que o habitual
transite no excepcional. Para Bakhtin (2002, p. 139) “a carnavalização pode ser
aplicada por diferentes correntes e métodos criativos”, pois segundo ele “cada
corrente e cada método artístico a interpreta e renova a seu modo”. Assim, o
processo de carnavalização possibilita diálogos entre elementos constitutivos
da prática cultural com os processos criativos inéditos e inovadores.

Diante do exposto, é possível perceber que, nestes termos, o fenômeno


da carnavalização pode ser aplicado nas dimensões sociais que se dispõem a
aceitá-lo. Carnavalizar as quadrilhas juninas não se situa somente no exagero,
nas caricaturas ou nas inversões de valores. Carnavalizar as quadrilhas juninas
diz respeito a vitalizar e reinventar sua prática ao assimilar porções sedutoras
das visualidades e da dinâmica de produção, não somente do carnaval e suas
escolas de samba, mas igualmente de outras atividades estéticas, sociais e
culturais que compõem a sociedade contemporânea.

Desse modo, a noção de carnavalização das quadrilhas juninas pode ou


deve ser entendida como parte do processo de espetacularização das festas e
das danças juninas; não o todo. Penso que o Carnaval e suas escolas de
samba têm sua autonomia cultural e seu lugar no espaço festeiro brasileiro,
assim como as festas e as quadrilhas juninas o conquistaram. Soa-me melhor,
dessa forma, o termo espetacularização das quadrilhas juninas, porquanto
entendo que cada manifestação popular tem o seu próprio processo
constitutivo.

Por conseguinte, reitero que o processo de composição espetacular das


quadrilhas juninas possibilita a incorporação de elementos de qualquer
atividade estética, social e cultural da sociedade. Cito então a política, demais
expressões expressivas rítmicas e culturais, o esporte, a moda, o riso, a
136

diversão, a festa, a dança, o ritual, a cultura e até mesmo a religião, dentre um


vasto rol de possibilidades. Desse modo, a dança junina enquanto expressão
artística e cultural dançada e teatralizada concebe uma rede de significados
que articula a capacidade de renovação apresentados no tema e nas suas
visualidades.

Nesta visão, a versão espetacularizada das quadrilhas juninas


apresenta-se envolta por novos acessórios, atendendo às exigências do atual
mercado cultural junino, surpreendendo inicialmente pela aparência
transformada. Logo depois, pelos cenários, ritmos primorosamente
coreografados, pela musicalidade evidenciada e pelo desenvolvimento de um
tema dançado. São dispostas para as apresentações e performatividades
juninas alegorias, luzes, paetês, plumas, além de trajes confeccionados por
tecidos nobres que aparentam brilho e imponência. O luxo e o requinte dos
figurinos femininos apresentados chamam a atenção por suas fitas e pela
utilização de strass. As anáguas volumosas dos vestidos valorizam as rendas e
os bordados de pedrarias e miçangas. A composição do figurino masculino
atualiza os trajes que geralmente usam coletes, bem como combinam com as
cores e com os ornamentos dos trajes femininos, como veremos nos capítulos
subsequentes.

Constrói-se dessa forma, no universo junino contemporâneo, um jogo de


correspondência entre os elementos que compõem a cena dançada 44, que
intensifica a dinâmica lúdica e estética da dança, estabelecendo um ambiente
dialógico entre a performatividade da quadrilha junina com as percepções dos
espectadores. Isso significa que, para o espectador, o que é visto, apresenta
variados significados associados às suas próprias experiências.

Penso que “ao ultrapassar seus próprios limites, os grupos juninos


possibilitam o contato com o diferente”, afinal “a elaboração de novas
propostas é importante peça de propulsão para a continuidade dos grupos nas
novas formas de dançar quadrilhas juninas” (ZARATIM, 2014, p. 54). Dessa
maneira, as quadrilhas juninas Capim Canela e Chapéu do Vovô, assim como

44
Maquiagem, figurino, música, coreografia, cenário, iluminação, quadrilheiro, música e os
adereços.
137

os outros grupos participantes do cenário junino goiano, associam os


conteúdos tradicionais da dança junina com as artes da cena, com as
atualizações musicais e com as artes visuais, que sobremaneira colaboram
com o processo de ressignificação de suas concepções artísticas.

4.3 A Noção de Performatividade nas Quadrilhas Juninas

Atualmente, as performatividades dos grupos juninos alcançam


dimensões artísticas moldadas pelas interações entre a arte e a cultura
hibridada. Nestor Garcia Canclini (2008, p. xix) afirma que a hibridação cultural
refere-se aos “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas
discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas
estruturas, objetos e práticas”. O autor expõe sua visão sobre a coexistência de
diferentes estruturas, objetos e práticas culturais que adequam-se conforme
suas interações. Parafraseando Canclini, os grupos juninos, frequentemente,
em suas elaborações utilizam a combinação de elementos advindos de
diferentes práticas culturais45 para compor as suas coreografias, as quais
exibem novos sentidos performáticos.

Desse modo, a ideia de hibridação cultural reforça a circulação e a fusão


de novas propostas no movimento junino, à medida que a fronteira cultural não
mais limita o imaginário popular. Paulo Raposo (2002, p. 01) entende que as
manifestações das performances culturais são influenciadas “pela situação
social englobante. Assim, os eixos local, nacional e global devem também ser
equacionados e a dicotomia tradição/modernidade frequentemente
interrogada”. Nesse contexto, a ação performática dos elementos que
compõem a dança junina revela, no lugar em que a performance junina é

45
A exemplo disso, no trabalho performático da Quadrilha Chapéu do Vovô em 2017, os
cavalheiros executam bate palmas e bate pés, fazendo uma alusão à dança de Catira. A
Caipirada Capim Canela também apresenta logo na entrada de sua ação performática deste
mesmo ano, uma evolução dos cavalheiros, lembrando o deslocamento dos catireiros durante
a performance.
138

realizada, a multiplicidade de significados advindos de diferentes


manifestações culturais.

As quadrilhas juninas Caipirada Capim Canela e Quadrilha Chapéu do


Vovô são igualmente modificadas pelas múltiplas influências de movimentos
juninos de diferentes localidades especialmente da região nordestina do país.
Também, estes grupos são inspirados pela interação com outras
manifestações da cultura ou das culturas brasileiras46 e da arte. Assim sendo,
podemos verificar nos grupos juninos que a hibridação cultural é vertente
constante que auxilia na convergência de modos de produção, maneiras de
agir e pensar.

Os pressupostos teóricos sobre a performatividade devem buscar a


completude de seus significados, pois seus limites conceituais são
constantemente modificados pela multivocalidade dos processos sociais e suas
confrontações, os quais modificam os processos artísticos e culturais. A
multivocalidade aqui apresentada está relacionada com as várias
representações dos símbolos defendidos por Turner (2005). Em Floresta de
Símbolos, Victor Turner (2005) ao analisar a vida social dos Lunda Ndembu
entre 1950 e 1952 (Etnia proveniente da Zâmbia, África), propõe que os
símbolos têm a habilidade de dar significado para algumas coisas situadas na
polarização de sentidos: polarização ideológica (normas e valores) e sensorial
(desejos e sentimentos). Melhor dizendo, “um único símbolo pode representar
várias coisas” (TURNER, 2005, p. 85).

Parafraseando Turner, os diferentes níveis de significados que a


simbologia junina transmite a quem possa interessar (quadrilheiros,
pesquisadores, poder público, espectadores e outros) podem ser verificados
por diversos campos significativos (político, religioso, social, cultural, etc), à
medida que adquirem propriedade para despontarem em diferentes situações
da cultura e das expressividades artísticas. Assim, esses elementos
significativos à festa e à dança compõem as práticas culturais juninas e
contribuem para a polifonia e a multivocalidade dos símbolos dessa expressão
artística e cultural.

46
Aludindo ao alerta de Bosi (1992) sobre as diversas culturas brasileiras.
139

Bakhtin (2002), ao refletir sobre a obra de Dostoiesviski47 desenvolve o


termo polifonia que posteriormente o seu uso seria expandido para a
construção do conhecimento nas Ciências Sociais. Sendo assim, considerando
que o diálogo é uma ação social e os símbolos são seus propulsores
(CAVALCANTI, 2013) e que a polifonia de Bakhtin (2002) diz respeito às
múltiplas vozes que compartilham o diálogo da vida. Desse modo, utilizamos o
termo multivocalidade para refletir sobre a transição e a apreensão de saberes
culturais e estéticos no processo de ressignificação das quadrilhas juninas sob
a égide da teoria das performances culturais.

A noção de polifonia abre perspectivas para novos modos de análise das


performatividades juninas, pois viabiliza o entendimento do processo dinâmico
que constitui a comunicação entre as múltiplas vozes que buscam por uma
difusão de ideias no movimento junino. Entendo que o movimento junino é um
lugar de polifonia de vozes e de performances. Nesse contexto, observar as
performatividades juninas como representação artística e sociocultural fortalece
os sinais marcados pela condição polifônica dos enredos juninos, assim como
dinamiza os seus múltiplos sentidos estéticos e sociopolíticos. Sendo assim, as
Quadrilhas Juninas, enquanto manifestação popular, apresentam uma
linguagem social atualizada pelo que eu chamo de multivocalidade quadrilheira,
que diz respeito a linguagem social presente nos processos de constituição do
movimento junino. Esse abarca e relaciona diferentes perspectivas sobre
gênero, geração, política, cultura, religião e outros fatores socioculturais
presentes no cotidiano quadrilheiro.

Nesse contexto, o caráter polifônico das performatividades juninas


representa um processo contínuo de diálogo entre a multiplicidade de
linguagens que as constitui. Outrossim, as diferentes linguagens juninas se
comunicam mutualmente por meio das representações elencadas nos sentidos
popular, estético, urbano e contemporâneo da dança junina. Igualmente, a
dança junina estabelece diálogos com manifestações expressivas e culturais

47
Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, escritor, filósofo, jornalista, romancista e pensador do
império russo. Em Problemas da Poética de Dostoiévski, Bakhtin (2002) destaca que o
conceito de polifonia e dialogismo, defendido por ele, era a característica inovadora de sua
obra, porquanto vai além da pluralidade de vozes. A polifonia e o dialogismo, também
preservam a individualidade de cada voz no diálogo e na coletividade.
140

de diferentes regiões do país como a ciranda de Alagoas e o desfile das


escolas de samba das grandes capitais. É percebido então uma combinação
de diferentes discursos. Dessa maneira, a dialogicidade junina opera na
coexistência entre a multiplicidade de significações das linguagens
socioculturais modernas e a ludicidade reminiscente da tradição.

Outrossim, os gêneros performáticos são assinalados pelos recursos


comunicativos utilizados pela experiência, pois são pensamentos sutis sobre o
cotidiano disseminados pela performance da cultura. As subjetividades e
experiências são fatores imprescindíveis para a composição das
especificidades da performance em seus contextos peculiares, uma vez que é
no lugar da performance que os atos performativos se constituem e enaltecem
as diversas formas expressivas das sociedades (Schechner, 2013).

Sendo assim, a ação performática dos grupos juninos no lugar da


performance - baseado na pesquisa realizada com as quadrilhas juninas
Caipirada Capim Canela e Quadrilha Chapéu do Vovô, estabelece a fusão
entre o apelo folclórico do folguedo popular e a estética contemporânea. Para
Chianca (2007b, p. 55) a nova estética quadrilheira demanda uma significativa
mudança “de perspectiva no olhar dirigido para o homem rural, que não é mais
necessariamente considerado uma pessoa simples de poucos recursos, mas
alguém em harmonia com a produção, o mercado e a modernidade”. Neste
contexto, a estética contemporânea das quadrilhas juninas é aqui
compreendida como uma forma de expressão artística que não se posiciona
subordinada unicamente a ideia do belo, mas que transforma as visualidades
da dança matuta, de modo a aderir novos elementos em sua configuração.

Segundo Richard Schechner48 (2013), que amplia e fortalece os


conceitos de performance para o campo das atividades culturais, as
performances são ações e podem também ser analisadas nos campos da vida
social, do comportamento e da receptividade, à medida em que se situa entre o
teatro e a antropologia. Nessa seara, os argumentos relativos à

48
O livro de Richard Schechner, Performances Studies: an introduction (2013) foi pouco
traduzido no Brasil. Desse modo, faço a tradução da maioria dos fragmentos retirados do livro
para esta reflexão. Alguns trechos requerem a conservação da versão original em Inglês.
141

performatividade, para definir as performances juninas, buscam valorizar o


diálogo com as premissas desenvolvidas pelo autor.

Igualmente, os fenômenos culturais contemporâneos abarcam


especificidades advindas de conceitos que aprimoram a noção de performance
como o aperfeiçoamento da ação cênica e a busca pela receptividade e
atenção do espectador por meio da ação espetacularizada. Neste sentido é
necessário desenvolver reflexões sobre a noção de performance art, enquanto
ferramenta necessária para definir as ações estéticas culturais
contemporâneas.

Silvia Fernandes (2011, p. 06) adverte que a performance art apresenta-


se “na instância artística, e não pode ser separada das práticas estéticas que
passaram a se desenvolver em vários cantos do mundo no período, como o
happening, a action painting, a live art, a arte conceitual e a body art”. Assim
sendo, desenvolvo esta pesquisa por meio do entendimento da performance
junina enquanto ação que resulta em produtos constituídos por processos
culturais e não como um objeto limitado. Desse modo, a performatividade
junina constitui o fazer junino, baseado no princípio da ação defendido por
Schechner (2013).

Schechner (2013, p. 28) inclui no entendimento da performance as


influências da vida social relacionadas às ações do ser (“being”); os afazeres
do ser (“doing”); ao mostrar o que está fazendo (“showing doing”); e explicar o
que se faz (“explaining showing doing”). O autor nos informa que as
performances são realizadas por comportamentos restaurados (“restores
behaviors”) e que fica claro que para realizá-la é necessário o envolvimento de
treinamento e ensaio (“training and rehearsing”).

Nessa linha de pensamento, a performatividade “está em todos os


lugares – no comportamento diário, nas profissões, na internet e mídia, nas
artes, e na linguagem”, à medida que assumiu “a wide range of meanings”
(SCHECHNER, 2013, p. 123). Considerando as ideias de Schechner, penso
que o uso do termo performatividade tem significado amplo e pode envolver
diversas arenas, como a dança junina que assume as qualidades da
142

performance enquanto processo sociocultural. Neste viés, sinto-me encorajado,


para chamar de performativo o que está contido na performatividade.

O termo performatividade foi idealizado pelo filósofo e linguista J. L.


Austin (1911 – 1960) para designar as ações ocorridas no interior da fala.
Schechner (2013), instigado a desenvolver seus estudos sobre a performance,
apresenta o que Austin chamou de performativo. Para o autor, o termo
performativo ao ser derivado do verbo performar “implica que a emissão do
enunciado é a execução de uma ação”, à medida que “o ato de pronunciar as
palavras é, de fato, o acontecimento principal na execução do ato” (AUSTIN,
1962, apud SCHECHNER, 2013, p. 124).

Schechner igualmente nos alerta que para o entendimento do conceito


de performatividade é necessário apropriar do significado dos atos da fala
desenvolvidos por Austin. Para o diretor de Teatro, Austin considera os atos de
fala como atos performativos, melhor dizendo, a linguagem é compreendida
como ação. Nestes termos, a linguagem como performance, ou seja, como
forma de ação ultrapassa a função anterior baseada apenas na descrição do
real. Logo, a linguagem deve ser entendida como uma prática social repleta de
valores que interferem na interação comunicativa entre os sujeitos.

Ainda, segundo Schechner (2013, p. 124), nos estudos da performance


“a performatividade aponta para uma variedade de tópicos, dentre eles a
construção da realidade social incluindo gênero e raça, a qualidade do
comportamento restaurado das performances”, como também “a complexa
relação da prática performática e a teoria da performance”. Assim, o autor
entende que o termo “performativo” é um substantivo e/ou adjetivo, em razão
da amplitude que o significado da palavra compõe. Para Schechner, o termo
abarca múltiplas possibilidades para a diversidade de situações vividas no
cotidiano, percebendo que “cada vez mais, as realidades sociais, políticas,
econômicas, pessoais e artísticas assumem as qualidades da performance”.
Mais ainda, o termo performatividade é similar ao que ele chama de
performance (SCHECHNER, 2013, p. 123).
143

Para Schechner (2013, p. 123), “cada vez mais, as realidades sociais,


políticas, econômicas, pessoais e artísticas assumem as qualidades da
performance”. Desse modo, ao longo do processo de observação dos grupos
pesquisados considerei nas elaborações textuais e nas reflexões a noção de
performatividade entendida como execução de uma ação dentro de um
contexto sociocultural. A própria expressão quadrilha junina indica a ação de
pessoas por meio de uma dança coletiva de aspectos específicos que emite
mensagens para o entendimento de sua performatividade como prática
circunstanciada.

Acolho, então, o conceito de Schechner (2013) sobre o termo


performativo para analisar as performatividades das quadrilhas juninas durante
as competições que reforçam, amparam e transmitem suas pretensões
artísticas e culturais aos participantes da experiência junina, seja o quadrilheiro,
o poder público ou o espectador. Por conseguinte, ao criar novos significados,
as práticas juninas permitem transformar ideias em movimentos contados,
cantados e dançados à medida que tem como estímulo os espectadores, o
fazer junino e o circuito competitivo.

Os elementos inovadores agregados às quadrilhas juninas tradicionais,


como os enredos performatizados, as teatralidades, as indumentárias e os
rituais são apreendidos pelos participantes das performances juninas. Esses
sujeitos procuram através de ações criativas sustentar as continuidades das
manifestações juninas, enquanto práticas populares diante das
ressignificações. Nesse caso, o quadrilheiro é o agente da ação performática
que transmite uma linguagem artística originada no cotidiano junino e
sustentada pelos parâmetros socioculturais a que estão envolvidos.

O pensamento aqui articulado parte da ideia de execução de ações


voltadas para a prática junina, aqui compreendida como experiência, a qual
modifica o gênero tradicional. Nesta perspectiva, as quadrilhas juninas
adequam-se as ações performáticas, pelo fato de que são grupos que
ressignificam o modo de dançar quadrilha junina na contemporaneidade,
voltadas para a competição. A quadrilha junina de competição é caracterizada
pelos elementos performáticos operados nas performatividades e pela ação
144

que discursa sobre os dramas sociais nas proposições apresentadas dentro da


dança em cena.

Seguindo os passos de Victor Turner (2008, p. 31) os dramas sociais


“representam sequências de eventos sociais” em experimentações subjetivas,
afetivas e cognitivas, os quais revelam as tensões da estrutura social. É
importante observar que os dramas sociais podem ser entendidos como
unidade desarmônica que constitui o processo social em situações de conflito
(TURNER, 2008). Sendo assim, neste estudo, os dramas sociais são
representados pelas temáticas apresentadas pelos grupos juninos.

Para Richard Schechner (2012. p. 77), a palavra drama “significa


qualquer tipo de representação cultural específica”. Desta forma, ao adentrar o
tablado competitivo os grupos juninos descrevem por meio da dança e do
teatro, dramas utilizando códigos sociais, nesse caso entendidos como os
elementos performativos que compõem as artes da cena. A performatividade
em cena das quadrilhas juninas desconstrói a realidade, que transformada em
fantasia, atrai o olhar do espectador para um novo sistema de representação
do junino que transforma o drama social em drama estético. O cotidiano é
então questionado por meio de processos estéticos reverberados na
representação e na dança, que se sobressai sobre as temáticas originadas dos
dramas sociais.

Schechner (2012, p. 77) afirma que há uma relação entre os dramas


estéticos e os dramas sociais, por serem processos intermináveis que se
afetam mutuamente. Segundo o autor “cada drama social, cada drama estético
(ou outro tipo de performance)” pode ser “compreendido em suas
circunstâncias específicas, culturais e históricas”, já que “há um fluxo de
realimentação positiva entre o drama social e estético”. Os fundamentos
estéticos descortinam os dramas sociais por meio da performance e pela
interação social. Por sua vez, os dramas sociais permitem as evidências
estéticas que são constituídas pelas especificidades culturais.

Nessa linha de pensamento Schechner (2012, p. 77) pondera que “os


artistas delineiam as ações performadas na vida social, “eventos reais”, não
145

somente como materiais a serem representados, mas como temas, ritmos e


modelos de comportamento e representação”. Nesta perspectiva é importante
observar que os dramas sociais nas representações teatralizadas e dançadas
nas performatividades das quadrilhas juninas resultam de processos criativos
dos fazedores juninos. Enquanto performances estéticas baseadas em dramas
sociais, manejam práticas do cotidiano, dissolvem situações complicadas,
operam interações sociais e inscrevem a ludicidade em cena.

Figura 17 - O espantalho é representado na noite de São João

Fonte: Lanuce Lucas

Neste enfoque é possível verificar que as quadrilhas juninas atuam na


interseccionalidade entre a performance enquanto expressão artística que
representa dramas sociais e a performance como experiência e habilidade.
Nesse fio condutor, o fazer junino – e suas interfaces – é o que estrutura a
noção de performatividade nas quadrilhas juninas, à medida que há um
compartilhamento de experiências que excede o fator simbólico entre o
quadrilheiro e o espectador.
146

4.4 Sujeito Junino, Corporeidade e Performance

Na região metropolitana de Goiânia é possível observar, mesmo diante


das divergências do modo de agir e pensar dos sujeitos, o agrupamento de
interesses socioculturais, à medida que este coletivo urbano é formado por
imigrantes de diversas localidades do país. O estado de Goiás, especialmente
a região metropolitana de Goiânia, é destino laboral para diversas famílias
migrantes dos estados do norte e do nordeste, bem como sul e sudeste em
menor proporção49.

É nesse fio condutor que trago o entendimento de Ereni Radeck (2009,


p. 02) sobre a interculturalidade. Para a autora, a interculturalidade supõe “uma
relação entre pessoas de diferentes contextos que caracterizam o seu viver
cotidiano, os quais se apoiam na historicidade das pessoas e do grupo”. Desse
modo podemos pensar que os sujeitos são acompanhados por seus hábitos
culturais, os quais são apresentados nos comportamentos sociais, fala, gosto
musical e outros fatores que auxiliam na transposição da fronteira cultural.

Sandra Jatahy Pesavento (2002, p. 36), entende que a abordagem


conceitual das fronteiras culturais “não podem ser apenas encaradas como
marcos divisórios construídos, que representam limites e estabelecem
divisões”. A autora defende que as fronteiras culturais “também induzem a
pensar na passagem, na comunicação, no diálogo e no intercâmbio”, pois “a
fronteira é, sobretudo, híbrida e mestiça”. Nessa perspectiva, entendo que as
práticas sociais juninas adequam a complexidade das experiências vividas
pelos sujeitos juninos aos deslocamentos empreendidos por eles. Melhor
dizendo, além das temporalidades, dos lugares e das situações, as
coletividades juninas colocam-se à disposição para receber e acolher pessoas
dispostas a tornar-se parte deste fazer junino e contribuir com suas
experiências culturais.

49
Dados obtidos no site do Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos
– IMB. http://www.imb.go.gov.br/. Acessado em agosto de 2019. Assim mesmo é importante
considerar que Minas Gerais sustenta uma forte presença na migração atual para o estado de
Goiás, considerando o fluxo migratório historicamente constituído por um grande contingente.
147

Igualmente, outro elemento que facilita o diálogo e o intercâmbio com


outras manifestações expressivas culturais do Brasil é o célere
aperfeiçoamento da tecnologia. As redes sociais, aqui entendidas como
ferramentas comunicacionais da contemporaneidade, facilitam sobremaneira
aos grupos de quadrilhas juninas entrar em contato com incontáveis redes
regionais de comunicação que promovam a predileção mútua relacionada aos
interesses juninos. Os quadrilheiros buscam na internet referências
coreográficas, de figurinos, de enredos e outros elementos que constituem as
quadrilhas juninas e se deparam com diferenças culturais em relação à forma
como a quadrilha junina é performatizada em regiões variadas. Nessa dinâmica
comunicativa, os sujeitos juninos criam uma rede de influência mútua que
reverbera no trabalho final dos responsáveis pelas elaborações juninas,
intervindo na estrutura estética e conceitual da dança junina. Conforme temos
percebido nas últimas décadas, a internet tem capacidade para influenciar
mudanças, disseminar histórias locais e internacionais, proporcionar encontros
online a fim de discussões de ideias e troca de experiências.

Desse modo, as significações da dança junina estimulam, na


contemporaneidade, reflexões sobre a performatividade junina por meio da
experiência vivida pelos quadrilheiros nos ensaios, nas competições e na
dinâmica de produção. Partindo de uma perspectiva que busca assinalar a
compreensão do sujeito como integrante das relações sociais no meio junino, é
possível apontar que as subjetividades participam de processos identitários
inacabados. As relações vivenciadas pelos quadrilheiros juninos constroem
constantemente suas especificidades, as quais resultam em vínculos afetivos
com o lugar, com o grupo, com os afazeres e com a ação performática.

Neste mesmo contexto, o quadrilheiro vivencia a quadrilha junina ao


participar do processo construtor da dinâmica de produção, a qual é constituída
pelas ações administrativas e políticas dos grupos juninos. Mais ainda, o
quadrilheiro apresenta reações e comportamentos que o identifica nos
“elementos que compõem o conjunto das experiências e práticas das
quadrilhas juninas” (ZARATIM, 2014, p. 98). Ainda assim, elucidar o
entendimento sobre a constituição do quadrilheiro é uma difícil tarefa, pois
148

como muitos outros fenômenos sociais – analisar a constituição do


sujeito implica um contínuo processo de reflexão.

Observa-se, pois, que o meio social junino é um fenômeno que se


constitui em um processo formado por dimensões objetivas e subjetivas e deve
ser considerado como elemento que emerge da prática junina. Nessa reflexão,
o quadrilheiro, um ser singular e coletivo, participa dos processos de
desenvolvimento sociocultural do ambiente junino determinados pelas
circunstâncias históricas, políticas, sociais, econômicas e culturais do contexto
vivido. Sendo assim, o quadrilheiro é também formado pelo conhecimento
sócio-histórico adquirido por meio da realidade social que o circunda, a qual
influencia diretamente na sua composição enquanto sujeito cultural. O
quadrilheiro é objetivo quando expressa sua subjetividade e mantém relação
permanente com o seu conjunto, ou seja, consigo mesmo, com outros
quadrilheiros e com o meio em que vivencia suas experiências.

Paulo Ghiraldelli Júnior (2000, p. 24), ao refletir sobre a subjetividade,


afirma que esta “pode ser descrita por meio de formas da consciência: o eu, a
pessoa, o cidadão e o sujeito epistemológico”. Para o autor “o eu é a
identidade, formada das vivências psíquicas; é a forma de conhecimento
singular”, enquanto que “a pessoa é a consciência moral”, o “cidadão é a
consciência politica” e o “Sujeito epistemológico é a consciência intelectual”.
Para o debate aqui apresentado, a subjetividade junina é compreendida como
um fenômeno que concebe um sujeito com características múltiplas, capaz de
emancipar-se diante das influências que recebe do meio – principalmente
profissionais, culturais, sociais e de gênero.

Assim, as compreensões sobre as subjetividades contidas na


coletividade compõem o ser social nos cotidianos. A noção sobre a
subjetividade, então, expressa a visão do sujeito pensante. Também, a
subjetividade, deriva-se das articulações realizadas pelas capacidades afetivas
individuais e pelas expectativas de adaptação ao diferente (GHIRALDELLI
JÚNIOR, 2000). De maneira espontânea – no ambiente junino, a noção de
subjetividade é articulada pela convivência e estruturada pela experiência. Por
sua vez, a partir do convívio permanente, a variedade dos comportamentos
149

individuais converte-se em coletividade. Trata-se então do quadrilheiro


enquanto sujeito e de sua subjetividade, a qual sustenta a pluralidade dentro do
movimento junino.

Para Kátia Maheirie (2002, p. 35) “a especificidade do sujeito, aparece


como produto das relações do corpo e da consciência com o mundo,
consequência da relação dialética entre objetividade e subjetividade no
contexto social”. Nas ideias da autora é possível entender que a constituição do
sujeito centre-se na configuração social, à medida que esta reverbera sobre o
próprio sujeito inserido ativamente no contexto que o cerca.

O pensamento de Maheirie (2002) nos direciona a refletir que a


constituição do quadrilheiro é um processo caracterizado por práticas
inovadoras individuais, pois implica em agregar elementos socioculturais
presentes no cotidiano junino aos princípios socioculturais trazidos por cada
sujeito. Nesse caso, existe um compartilhamento de experiências que
possibilita a incorporação do que é vivido, em virtude das ações individuais e
coletivas dos quadrilheiros se completarem para a formação dos sentidos da
prática junina.

A compreensão de como acontece a constituição desse sujeito junino


possibilita o entendimento dos processos vinculados a sua inserção social.
Ocorre que o contexto sociocultural em que o indivíduo é constituído tem suas
interferências nas atividades coletivas do sujeito quadrilheiro, conforme o
sujeito junino interioriza e mantém preceitos culturais resultantes da vida em
sociedade. O sujeito quando integra um grupo junino, transporta consigo as
experiências vividas e estabelece sentido para as suas ações no ambiente
coletivo, no sentido de ser estimulado a revelar perspectivas artísticas e
laborais. Desse modo, o quadrilheiro é um ser significante que se constitui
culturalmente e amplia-se pela interação com o meio e com o próprio grupo.

Nessa perspectiva, é proporcionado o surgimento de novos papéis


sociais, que nesta tese chamo de papeis socioculturais juninos, os quais dizem
respeito às ações desenvolvidas pelos quadrilheiros no grupo social junino,
agregadas aos estímulos relativos às experiências constituídas pela prática.
150

Sendo assim, os papéis socioculturais juninos definem as expectativas dos


indivíduos enquanto ser/fazer cultural e estruturam o grupo em relação aos
direitos e deveres dos participantes.

A influência da família dos brincantes é grande para cada um


cumprir os direitos e os deveres; acho que vem de berço
querer fazer a coisa certa. Uns ajudam a carregar o som,
outros ajudam a limpar, outros ajudam a fazer o lanche ou o
almoço quando precisa e por aí vai; também tem gente que
ajuda na costura das roupas, na preparação das bandeirolas.
Cada um vem com um molde cultural diferente, mas todo
mundo quer o mesmo no final, então acaba acontecendo da
melhor forma possível (Sr. Carlito, Caipirada Capim Canela).

Assim, o quadrilheiro é capaz de identificar suas ações no meio cultural,


compreendendo que suas funções sociais podem ser transformadas.
Entretanto, Stwart Hall (2005) ao abordar a modernidade com suas acentuadas
modificações, nos alerta que a compreensão do ser humano sobre si mesmo e
sobre o mundo que o cerca também foi modificada. Sendo assim, considerando
a elucidação de Hall, a constituição do quadrilheiro dá-se a partir da integração
da consciência do indivíduo com ele mesmo, enquanto componente de um
grupo social que é parte de uma sociedade.

Acontece que Maheirie (2002, p. 32) defende que o significado atribuído


“à consciência não pode ser confundido com a noção que em geral se tem a
respeito dela, qual seja como uma modalidade do conhecimento”, pois o
conhecimento é uma possibilidade da consciência. Sendo assim, a partir do
esclarecimento da autora é prudente pensar que o conhecimento adquirido nos
processos sociais é constituído por variações subjetivas que se compõem por
meio das diversas singularidades que o coletivo apresenta.

Desse modo, reflito sobre a noção de composição individual de sujeito


no meio junino, pois a argumentação sobre tal composição se dispõe a respeito
de um indivíduo inserido em processos e normas coletivas. Nesse contexto, os
quadrilheiros participam de amplas relações sociais que sustentam as
estruturas juninas que são coletivas. Há um ajuste entre o individual e o
coletivo para a coexistência de diferentes papéis sociais. Assim, existe um
processo sociocultural que possibilita a convivência de diferentes formas
constitutivas de sujeito dentro dos grupos juninos.
151

Nesse sentido, o quadrilheiro, além das transformações subjetivas, está


em constante construção performática, pois está envolto pelo experimento
transitório de constituição de personagens que expressem o conteúdo das
temáticas propostas, baseadas em dramas do real. É possível então vislumbrar
que a constituição do quadrilheiro compõe-se também por vozes, signos e
discursos em processos produzidos na interseccionalidade entre as
experiências individuais, as interações coletivas, a performance e o meio social
junino.

Desse modo, um dos discursos inerente ao movimento junino compõe-


se por uma luta permanente do quadrilheiro para manter o vínculo sociocultural
junino. Neste pensamento, corroborando com as ideais de Bauman (2005), os
processos identitários diante da globalização constituem-se por uma relação de
vinculo social e pertencimento. O sujeito internaliza valores, crenças e
costumes comunitários à medida que este vínculo lhe permite o sentimento de
pertencimento. Nesse caso, o quadrilheiro aspira em se reconhecer nos demais
sujeitos juninos por meio da afinidade de comportamentos e conjuntos de
procedimentos e normas relativas ao movimento junino e ao próprio grupo.

Nesse contexto, o quadrilheiro, entendido como sujeito individual e


coletivo integra informações culturais a respeito de classe, gênero,
sexualidade, etnia, raça e tantas outras identidades sociais que reverberam no
meio social junino. Tal afirmação nos conduz a refletir que são as
subjetividades que localizam o sujeito na alteridade e que o constitui no seu
meio sociocultural. O fluxo de informações relativas à (re)definição de atitudes
entre os quadrilheiros é grande, pois o seu decurso constitutivo baseia-se na
transformação de suas características enquanto participantes de um grupo
social.

A representatividade do quadrilheiro em relação ao movimento junino só


será possível mediante seu posicionamento individual sustentado pela
coletividade. Nessa seara é oportuno destacar a noção de coletividade,
partindo do pressuposto que o sujeito junino é capaz de reforçar as práticas
socioculturais coletivas para edificar o seu valor de unidade – como sujeito
junino. O valor de unidade dentro de um grupo junino nos instiga a pensar
152

sobre a percepção de compartilhamento experimentada pelos quadrilheiros por


meio das interações e superações de conflitos oportunizadas pelo convívio.
Essa experiência vivida, em virtude da coletividade, ou seja a experiência do
nós, enaltece as ações de interesses comuns. Assim, as ações voltadas para a
sustentação do coletivo são o que estabelece a convivência partilhada do
quadrilheiro, pois essa tem a sua constituição e sentido atrelados ao contexto
social e às suas práticas socioculturais.

Por conseguinte, ao adentrar ao mundo performativo, o quadrilheiro


utiliza de suas corporeidades, estimuladas pelas ludicidades provenientes dos
papéis sociais vividos ou interpretados nas tramas juninas. Sendo assim, o
meio social junino apresenta-se então, como espaço funcional para as práticas
da corporeidade, no qual os quadrilheiros são integrantes de um grupo que
elabora movimentos e gestos coreográficos que dão sentido ao fazer junino
dançado e interpretado.

As danças juninas são aqui consideradas como prática da corporeidade


dos quadrilheiros, pois é uma importante ferramenta para a manifestação da
cultura junina. O processo de constituição do quadrilheiro dentro de uma
perspectiva de ressignificação cultural assinala a fusão entre os saberes
socioculturais juninos e a atividade corporal na dança. O entendimento sobre a
noção de corporeidade baseia-se na relação entre o corpo, a mente e o lugar
da performance, pois o processo de identificação por parte do quadrilheiro
entre estes três elementos é contínuo.

Assim, a percepção sobre a corporeidade junina acontece a partir das


linguagens corporais constituídas na experiência com a dança individual e
coletiva. O corpo é um espaço destinado a expressar e manifestar significados
por meio de práticas corporais. Ana Márcia Silva (2014, p.18) entende que as
práticas corporais são “fenômenos que se mostram, prioritariamente, em
âmbito corporal e que se constituem como manifestações culturais”. Desse
modo, a dança junina é aqui interpretada como prática corporal que ressignifica
os sentidos e os significados juninos e potencializa a corporeidade do
quadrilheiro.
153

Pensando no corpo como uma construção histórica, social e cultural,


pondero aqui sobre as possibilidades de constituição do sujeito junino a partir
dos saberes inscritos no corpo adquiridos por meio de práticas corporais em
seus contextos sociais. Assim sendo, ao analisar a dimensão sociocultural da
dança junina reflito sobre o corpo do quadrilheiro como um fenômeno capaz de
produzir narrativas e ações que nele se anunciam como combinação entre a
dança, a teatralidade e a tradição do fazer junino.

Ao adentrar o lugar da performance, os quadrilheiros cantam, dançam e


contam os dramas estéticos em sequências coreografadas que valorizam a
versatilidade da narrativa empreendida. Outrossim, as habilidades dos
quadrilheiros baseadas nas artes da cena proporcionam a compreensão dos
dramas apresentados nos enredos e excita a imaginação da plateia, que em
certos casos, experimenta a memória afetiva. Nessa correspondência, o
espectador é então impulsionado ao imaginário que distribui sua atenção nos
movimentos, nas corporeidades, na imagem e na ação da performance nos
termos enunciados por Richard Schechner (2013).

O sujeito ao acionar os elementos performáticos fazer e mostrar fazendo


(o doing e o showing doing) idealizado por Schechner (2013), considera
primeiramente a execução da coreografia. Para o quadrilheiro, esta ação
coreográfica é operada pelas gestualidades e habilidades corporais de cada
dançarino, a medida que a ação cênica é realizada pela corporeidade dos
sujeitos. A performatividade junina traduz-se igualmente por meio da relação
entre os elementos cênicos utilizados e o corpo. É exatamente nesta conexão
que a quadrilha junina se apresenta como ato performativo, o qual enfatiza as
narrativas ressignificadas por intermédio do aspecto lúdico e estético da dança
junina. Do mesmo modo, essa ressignificação da maneira de dançar é bem
visível na atitude corporal dos quadrilheiros.

Nessa seara é importante ressaltar que a forma estereotipada do matuto


ou caipira de dançar quadrilha junina, com o passar dos anos transformou-se
em um modelo mais sofisticado da representação corporal nos movimentos
dançantes juninos. Na atual configuração da dança junina, as damas
154

conservam o balançar tradicional das saias, entretanto com as gestualidades


mais apuradas resultantes dos inúmeros ensaios específicos.

Outrossim, os cavalheiros abandonaram o estereótipo jocoso do matuto


de se locomover durante a quadrilha junina, que na maioria das vezes eram
inspirados no jeito de andar da personagem criada por Monteiro Lobato, o Jeca
Tatu (CHIANCA, 2006; 2007a; ZARATIM, 2014). Igualmente, Neyde Veneziano
(2013) comenta sobre os feitos do estereótipo caipira no Teatro de Revista que
posteriormente alcançou o rádio e o cinema brasileiro. Para Soleni Biscouto
Fressato (2009, p. 140 – 141), essa personagem da literatura brasileira foi
imortalizada na figura de Mazzaropi, que em seus trabalhos cinematográficos
“destacou algumas linhas essenciais do caipira”.

Figura 18 - Amacio Mazzaropi em Jecão um fofoqueiro no céu

Fonte: youtube.com

Soleni Biscouto Fressato, ao analisar os filmes de Amácio Mazzaropi,


como representação especifica da prática cultural caipira (aliás aqui
questionada) não só descreve o andar de Jeca Tatu de Mazzaropi, mas
também nos fornece pistas para pensar a corporeidade dos brincantes de
quadrilhas juninas, enquanto modelo estereotipado e jocoso: “o andar
desengonçado, abrindo espaço com os cotovelos levantados na altura dos
ombros” (FRESSATO, 2009, p. 141).
155

Atualmente, os cavalheiros ainda dançam com os cotovelos levantados,


mas voltados para as laterais do corpo, primando pela elegância postural, pelo
alinhamento coreográfico e pela atitude corporal baseada em padrões de
movimentos estéticos e integração entre a expressão corporal, a aparência
corpórea e o espaço. Desse modo, a gestualidade dos quadrilheiros assume
uma postura especializada na dança contemporânea. A prática dançante preza
por realizar movimentos coreográficos harmônicos, contudo, a atitude de quem
dança demonstra individualmente a sua expressividade no coletivo.

Os quadrilheiros mantém suas características posturais baseadas nas


expressões do corpo, adquiridas na intenção do movimento corporal junino.
Durante a execução coreográfica são notados movimentos corporais comuns
em todas as quadrilhas que disputam o Circuito Goiano de Quadrilhas juninas.
Para ambos, damas e cavalheiros, o movimento da cabeça acompanha as
atitudes corporais em relação à combinação do movimento coreográfico, bem
como ao ritmo musical.

Figura 19 - Balanço das saias

Fonte: acervo Quadrilhas Chapéu do Vovô

O movimento gestual das damas baseia-se na movimentação intensa


das saias que são conduzidas pelas laterais, com os braços estendidos a meia
altura ou na altura dos ombros, conforme o tamanho da vestimenta. Ao
movimentarem, os braços são trabalhados no plano frontal e lateral, sendo
flexionados alternadamente no plano anterior em relação ao corpo. Seus
quadris movimentam-se lateralmente, acompanhando a movimentação dos
braços em sincronia com as pernas e com os pés.
156

O movimento básico dos cavalheiros na atual dança junina é também


intenso e mais notado na movimentação dos braços que são semi-flexionados,
perfazendo um percurso no plano frontal. As mãos quase fechadas seguem os
cotovelos que mantém um trajeto lateral pendular subindo até a altura dos
ombros alternadamente. Os quadris dos cavalheiros, como os quadris das
damas, movem-se nas laterais seguindo a harmonia do movimento dos braços,
das pernas e dos pés.

Figura 20 - Movimento dos braços dos cavalheiros

Fonte: Regis Lima - Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

Mediante a pesquisa realizada, observei que a experiência dos


quadrilheiros nas quadrilhas juninas, neste caso, Caipirada Capim Canela e
Quadrilha Chapéu do Vovô constitui-se por meio de um processo de
estruturação e composição de ações performáticas, porquanto movimenta
entendimentos e práticas no contexto das performances da cultura. A vivência
nesse processo constitutivo da ação junina é compartilhada por recursos éticos
e estéticos encontrados na intersecionalidade entre a dança, o teatro, as artes
visuais e a música que possibilitam a ressignificação das práticas juninas na
própria experiência.

Entendo que o tema sobre a corporeidade não é objeto exclusivo de


uma ciência. A multiplicidade teórica a respeito da corporeidade reitera
embates sobre as concepções do corpo enquanto produtor de cultura. A
professora Renata de Lima Silva (2012) discute sobre o processo de criação e
preparação corporal em dança: o corpo, o movimento e a cultura. Em seus
estudos, a autora faz reflexões sobre as técnicas e as poéticas, presentes nas
manifestações da cultura brasileira, especialmente a capoeira.
157

Silva (2012, p. 46) afiança que é possível verificar o “jogo do corpo” em


várias “manifestações populares brasileiras” que para a autora diz respeito ao
“movimento no qual a cultura se movimenta no corpo e corpo movimenta a
cultura”. Essa reciprocidade entre corpo, movimento e cultura parte da
combinação desses elementos corporais ao estruturem a dança em cenas da
cultura.

Ao representar as manifestações culturais, o corpo é cênico, como é


igualmente o corpo do cotidiano. A professora Renata ainda nos lembra que, a
partir de elementos da cultura popular urbana, o corpo cênico é “construído de
um processo no qual a técnica extra-cotidiana não age no sentido de anular o
corpo existente, pois na dança brasileira contemporânea não é preciso negar o
próprio corpo para se atingir formas idealizadas” (SILVA, 2004, p. 36, Apud
SILVA, 2012, p. 50).

Considerando as elaborações da professora Renata de Lima Silva


(2012), acima citadas, é possível pensar que a corporeidade na dança junina é
condicionada pelo ajuste cultural realizado pelo corpo ao expressar, criar,
recriar e produzir movimentos corporais, representando o cotidiano. Os
movimentos corporais dos quadrilheiros são elaborados a partir da própria
vivacidade que compõe a corporeidade do indivíduo, tal qual a atividade cênica
solicita. Sendo assim, a relação entre a dança e a cultura junina resulta de
processos criativos de manuseio de movimentos corporais no tempo e o
espaço. A dança junina é o reflexo de atividades sociais, das experiências de
dança e da performance dos padrões de movimento dançado, expresso por
uma linguagem não verbal.

Situar as questões relativas ao corpo no movimento junino revigora os


entendimentos sobre a dança na atualidade, inspirados pela prática corporal
através da cultura. Tal concepção se faz e refaz continuamente à medida que a
cultura através da experiência é movimento e transformação. Sendo assim o
corpo utiliza de inúmeras maneiras para se manifestar ocupando posição
privilegiada na composição de entendimentos e princípios a seu respeito. A
concepção corpórea na quadrilha junina redimensiona o sentido prático da
dança para o quadrilheiro. O sujeito junino vivencia valores culturais agregados
158

à sua experiência junina anterior, bem como aprimora suas habilidades


corporais contidas nas práticas dançantes que precedem a sua atual condição
de dançarino. O corpo então se ordena na prática, cria mensagens e se dispõe
a conectar com os sentidos advindos do contexto social vivido.

Jocimar Daólio (2010, p. 8) afirma que o corpo humano é “dotado de


eficácia simbólica” e que “podemos vê-lo a partir do seu significado no contexto
sociocultural onde está inserido”. Nesse sentido, percebemos que as práticas
corporais possuem sentidos e significados que estão diretamente ligados pela
influência cultural do lugar da experiência. O corpo cria sentidos ao
experimentar-se nas diversas situações encorajados pelos elementos que
compõem o movimento solicitado.

O corpo é edificado na cultura e, consequentemente, retrata


significações por meio de suas expressões, as quais comportam as funções
simbólicas por ele emanadas. Larissa Michelle Lara (2011, p. 78), entende que
“a incursão pela construção cultural do corpo implica o (re)conhecimento de
valores, regras e leis que nele se inscrevem”, afirmando então que o corpo
recorda e acorda para as simbologias presentes na diversidade cultural em que
está inserido.

O corpo não está apenas estabelecido no lugar da performance, mas


está igualmente disposto a praticar situações do imaginário e da linguagem
corporal. Existe uma mobilização corpórea em direção à realidade a partir do
fato social estabelecido pela gestualidade e pelo pensamento. Rita Amaral
(1998, p. 40) entende o fato social como um tipo de trocas simbólicas que
opera em variadas esferas da sociedade. As relações sociais entre os atores
sociais são derivadas do próprio sistema social em funcionamento.

Os sentidos produzidos pelo corpo nas performatividades juninas,


através das gestualidades compõem um emaranhado de significações
reveladas nas práticas corporais juninas. Sendo assim, podemos inferir que a
capacidade de atuar do indivíduo através do corpo é acessada pelo propósito
de representar-se por meio da dança e da teatralidade junina.
159

A mensagem produzida pelo corpo em suas práticas no contexto das


quadrilhas juninas também proporciona reflexões sobre a educação do corpo
como via formativa no campo da cultura corporal de movimento 50. De tal modo
é possível pensar que a criação das coreografias juninas tem como princípio
objetivos de divertimento direcionados à arte, que nesse caso é constituída
pela manifestação cultural dançada. Nesse sentido é oportuno observar que a
concepção da construção coreográfica dos passos juninos está agregada à
educação corporal. O corpo é recebido e acolhido no lugar da performance e
se disponibiliza a aprender, aprimorar e se fortalecer, constituindo os
significados subjetivos da educação corporal.

Nos grupos juninos há um desafio constante que mobiliza os corpos


para o aprimoramento de sua expressão ao performar a dança junina. Assim
como os demais grupos juninos da região metropolitana de Goiânia, tanto a
Caipirada Capim Canela, quanto a Quadrilha Chapéu do Vovô não
estabelecem critérios técnicos para que os interessados ingressem nos grupos.
Desse modo, há de se considerar a superação de limites individuais por parte
dos quadrilheiros juninos. Nem sempre, quando ingressam nos grupos, a
habilidade da dança e a técnica corporal dos quadrilheiros é aprimorada, mas
tem sido trabalhada em virtude da busca pela estética quadrilheira. Para além
da técnica corporal apurada, o que vale até o momento é o desdobramento dos
movimentos corporais, que resultam em mensagens apreendidas pela
realização da ação dançante no lugar da performance.

O movimento corporal estabelecido na quadrilha junina representa sinais


de múltiplos sentidos, podendo ser visto como conteúdo cultural que apresenta
linguagem social operada pelas temáticas apresentadas e traduzidas pela
expressão corporal do quadrilheiro, assim como pelos adereços e cenários
propostos. Igualmente, o sentido da prática corporal para os quadrilheiros
repousa no entendimento de que a dança junina proporciona divertimento,
além do sentido estético solicitado pela quadrilha junina na atualidade. Assim
mesmo é prudente observar que o divertimento coletivo, nas especificidades

50
Termo iniciado em 1988, por um Coletivo de Autores liderado por Carmen Lúcia Soares, no
campo de estudos da Educação Física.
160

dos grupos juninos, auxilia no processo de socialização entre quadrilheiros de


grupos distintos.

Contudo, a dança matuta demonstrada nos antigos arraiais foi superada


pela complexidade das inovações tecnológicas e valores comerciais
(MENEZES NETO, 2009). Nesse contexto é relevante lembrar que as práticas
das danças juninas tendem para uma modificação no significado da diversão
social, a partir da intencionalidade de atingir seus objetivos recorrentes dos
concursos juninos, enaltecendo a ideia de bens culturais. A performatividade
junina, entendida como produto cultural, é originada durante o período de
preparação do ciclo junino que, dentro de um contexto coletivo, reflete a
importância social desse fenômeno popular.

Paralelamente, no universo junino, ocorre atualmente uma relação de


mercado entre o processo cultural, a dinâmica de produção e as formas de
distribuição de seus produtos culturais. Como visto anteriormente, a crescente
padronização da forma de dançar quadrilha junina na atualidade é realidade e
proporciona a valorização excessiva dos produtos juninos como: a própria
dança, a indumentária, os adereços, os serviços, dentre outros. Os
participantes do ciclo junino ao produzirem bens e serviços, estruturam valores
de mercado para a configuração junina na atualidade.

A dança junina entendida como produto cultural apresenta, por meio dos
elementos que compõem as artes da cena e pela corporeidade do quadrilheiro,
expressões representativas dos acontecimentos corriqueiros do dia a dia.
Desse modo é possível observar uma tendência de ressignificação do campo
gestual tradicional, assim como o aprimoramento das habilidades corporais na
dança que tende a elaborar inovações estabelecidas pela prática.

Larissa Michelle Lara (2011) postula que a observação do campo


gestual humano nos direciona para o entendimento das relações entre ética e
estética na construção cultural do corpo, à medida que as reflexões sobre as
dimensões da cultura são capazes de recuperar o corpo enquanto elemento
social. Os estudos históricos e filosóficos sobre o corpo, desenvolvidos pela
autora em suas elaborações textuais sobre o maracatu, propõem uma
161

compreensão do sentido ético-estético do uso de técnicas e gestos corporais


típicos de grupos e comunidades populares.

Igualmente, nas ideias de David Le Breton (2007) a construção simbólica


do corpo é enaltecida através da sua construção sociocultural. Não há nada de
incontestável no corpo, pois as evidências emanadas por ele, na verdade,
requerem interpretações e significações. É certo que os corpos são
biologicamente constituídos, contudo são delineados pela cultura e seus
processos sociais, auxiliados pelas temporalidades e espacialidades. Desse
modo, as várias concepções sobre o corpo foram reforçadas a partir dos
domínios socioculturais. A própria corporeidade defendida pelo autor
demonstra que existe uma extensão simbólica do corpo que é representada no
cotidiano pelos indivíduos conforme o contexto sociocultural.

Nessa associação de ideias, Erving Goffman (2009) postula sobre o


comportamento humano na vida social e sua forma de manifestação através da
representação teatral do “eu” na vida cotidiana. O autor ainda demonstra em
seus escritos que os indivíduos utilizam diversas formas de representação para
ser notado na vida em sociedade, ou seja, essa performatividade social requer
a utilização da linguagem corporal. É nesse contexto de uma performatividade
social, que as sociabilidades são consideradas para as múltiplas experiências
individuais e coletivas vivenciadas pela constituição sociocultural do corpo.
Inclusive da construção sociocultural do corpo do quadrilheiro.

Para Le Breton (2007, p. 07) existe uma preocupação social com o corpo
no sentido de tentar compreendê-lo a partir “das lógicas sociais e culturais que
envolvem a extensão e os movimentos do homem”. A própria objetivação da
práxis humana conduz à construção de sistemas figurados, no qual o símbolo é
elemento propulsor do saber local. Desse modo os sistemas simbólicos,
originados no tempo, no espaço e na prática cultural são emanados pelo corpo.

O universo sociocultural do corpo está atrelado à dinâmica da


sociedade, reforçando a estruturação “de sentidos e de valores que, enquanto
experiência, pode ser compartilhado pelos atores inseridos, como ele, no
mesmo sistema de referências culturais” (LE BRETON, 2007, p. 07). Assim
162

mesmo, o processo de aprendizagem corporal é algo inacabado e contínuo,


pois revela-se a partir da relação do indivíduo com o mundo e suas
particularidades. Marcel Mauss (2003) ressalva que no processo de
aprendizagem dos usos do corpo, os gestos e os movimentos corporais são
elementos constituintes de acontecimentos que determinam a preponderância
de traços culturais.

Nesse sentido, observo que a dança junina desenvolve seus conteúdos


através das dinâmicas de transmissão do conhecimento, em diversos
ambientes em que os processos culturais ocorrem. A aprendizagem vivida pelo
corpo do quadrilheiro molda-se então ao seu contexto social, pois quando
percebida, reitera a sua importância. Desse modo, a experiência junina pode
ser que aprimore diferentes concepções sobre os gestos corporais na dança
junina baseado nas características regionais da cultura brasileira, as quais
serão interiorizadas para sua utilização nas performatividades juninas.

Na performatividade da quadrilha junina, o quadrilheiro que atua em uma


experiência performática e estética é o protagonista do seu próprio corpo que
dança, interpreta um tema e emite uma mensagem. Desse modo, a experiência
junina induz no sujeito sensações e sentimentos que estimulam a ação
performática. As sensações experimentadas pelos sujeitos juninos são
interseccionadas pela atitude corporal, pela dança e pelo teatro. Nesse viés,
esta interseccionalidade evidencia as encenações dos quadrilheiros por meio
do corpo, que é representação. Consequentemente, também será ferramenta
importante para estimular a percepção do espectador que é igualmente
protagonista da sua corporalidade.

Segundo Richard Schechner (2006, p. 206), o corpo enquanto


representação restaura o comportamento. O autor destaca que “o
comportamento restaurado é simbólico e reflexivo: não comportamento vazio,
mas pleno, que irradia pluralidade de significados”. Essa discussão ajusta-se
no aprimoramento da ação cênica do quadrilheiro, o que nos possibilita a
pensar na performatividade junina que necessita de ensaios, porquanto que
para Schechner (2006, p. 206) “a representação é o comportamento repetido”.
163

Nestes termos, Rubens Alves da Silva (2012) ao analisar a atualização


das performances nas narrativas afro-brasileiras tradicionais, postula que a
corporeidade representa e recorda gestos nos “movimentos corporais” em
“uma atividade cultural que evoca a memória, instiga à reflexão e remete a
experiências que fazem parte da trajetória de vida do sujeito” (SILVA, 2012, p.
54). Neste sentido, pensando o corpo na dança junina, os movimentos
corporais executados na quadrilha, revelam a aprendizagem recebida pelo
corpo do quadrilheiro nas experiências juninas vividas anteriormente. É pela
corporeidade dançada que o quadrilheiro transmite a sua voz, indicada nesta
circunstância por um modo diferente de articular e manifestar ideias. Existe
nesse movimento comunicacional uma relação entre o sujeito e a ação, tal qual
postula Schechner (2013), considerada aqui como uma experiência que
caracteriza a performatividade junina.

Segundo Le Breton (2009a, p. 32) “todo corpo contém a virtualidade de


inúmeros outros corpos que o indivíduo pode revelar tornando-se o arranjador
de sua aparência e de seus afetos”. Observa-se então, nesse movimento de
ideias, que “o corpo é o lugar onde o mundo é questionado” (LE BRETON,
2009a, p. 44). Assim, em análise anterior, argumentei que a “corporeidade nos
espaços juninos tem sido privilegiada pela aceitação do diferente”, à medida
que os grupos de quadrilhas juninas tornaram-se espaços “de novas
concepções em relação às convenções sociais” (ZARATIM, 2014, p. 65). Esta
argumentação refere-se às atitudes e aos pensamentos transformadores que a
ressignificação da dança junina proporciona ao contexto do movimento junino.

Liana Matos Araújo (2016) defende ser prudente e eficaz analisar a


composição das quadrilhas juninas a partir da relação entre os elementos que
auxiliam na composição dos grupos: a geração e o gênero. Nesse contexto é
correto observar que as diferenças de geração e de gênero entre os membros
dos grupos de quadrilhas juninas não são definidas por fatores isolados, mas
pela simultaneidade de situações, conveniências e pensamentos. São fatores
socioculturais que possibilitam a articulação de ideias para estabelecer o
sentido das performances de gênero.
164

Não pretendo afirmar que nos grupos juninos haja uma transgressão às
convenções sociais nem a naturalização do diferente, mas provocar reflexões
sobre a inovação de concepções sobre a diversidade social no meio junino. A
temporalidade da prática festeira urbana permitiu o florescimento da condição
de ser do outro no ambiente junino, no qual a tentativa de perceber o diferente
é vivida em múltiplas situações. Tais tentativas não são absolutas, entretanto
entendidas como um processo que habilita a configuração da convivência e
interação entre os quadrilheiros durante a produção coreográfica entre damas e
cavalheiros (MENEZES NETO, 2009; NOLETO, 2016).

Os cavalheiros são as representações masculinas propostas pelo


modelo tradicional das quadrilhas juninas, as quais demonstram nas
performatividades um conjunto de elementos que constroem o discurso varonil
no plano simbólico. Nesse sentido, a masculinidade junina é marcada por
significados construídos socioculturalmente que se relacionam aos galanteios
direcionados às damas, assim como pela vestimenta e indumentária destinada
à personagem (MENEZES NETO, 2006).

Por outro lado, as damas são as representações femininas das


quadrilhas juninas, as quais assinalam atributos de feminilidade conforme
padrões estéticos e culturais solicitados pela prática junina, como a
graciosidade e as vestimentas enaltecidas pelos adereços (MENEZES NETO,
2006). Sendo assim, torna-se essencial fomentar a discussão sob as
possibilidades de vivenciar a masculinidade e a feminilidade por parte dos
quadrilheiros. Assim mesmo esclareço que não é foco do nosso estudo avaliar
as representações hegemônicas que estruturam as figuras masculinas e
femininas em nossa sociedade, conforme analisa Bourdieu (2012) sobre a
dominação masculina51.

A expressão coreográfica junina, segue, na maioria das vezes “a beleza


e a graciosidade das damas e o garbor e o porte dos cavalheiros. As primeiras
devem expor sua feminilidade e sensualidade enquanto os segundos a força e
o vigor de sua masculinidade” (MENEZES NETO, 2006, p. 02). Segundo Le
51
Pierre Bourdieu (2012) aponta a submissão paradoxal como fenômeno social: a dominação
masculina. De acordo com o autor, a dominação masculina pode ser definida como violência
simbólica, a qual impõe pressões aos sujeitos e aos próprios dominantes.
165

Breton (2009a, p. 32) “feminilidade e masculinidade são o objeto de uma


produção permanente por um uso apropriado dos signos”. Nestes termos, a
linguagem corporal apresentada na quadrilha junina possibilita a coexistência
de variada concepção estética e performática de damas e de cavalheiros.

Na configuração junina atual, observa-se a emergência de novos atores


sociais que reivindicam seu posicionamento enquanto sujeitos que produzem
cultura. Diante do exposto, os atores sociais, acima referidos, afirmam suas
identidades sexuais e de gênero ao compor o plantel de quadrilheiros juninos
em variados papéis sociais assumidos no grupo, reagindo à exclusão sofrida
no cotidiano. A participação de homossexuais, travestis e transexuais no
contexto junino é realidade (ZARATIM, 2014; NOLETO, 2016). São indivíduos
que participam da prática junina e exteriorizam um protagonismo específico
baseado em sua performatividade.

Segundo Le Breton, “além das variações sociais e culturais, até as


diferenças individuais de estilo adquirem neste ponto uma importância
decisiva”, pois “o significado de um gesto ou de uma postura deduz-se no
contexto preciso da interação” (LE BRETON, 2009b, p. 54). Sendo assim, é
possível pensar que gestos e posturas marcam também o sentimento de
pertencimento ao ambiente junino por parte dos quadrilheiros, independente do
gênero a que se reconhece, ou dos estilos individuais.

Mesmo diante das assimetrias socioculturais e de estilos pessoais


presentes no ambiente junino, os sujeitos se somam ao processo de
sociabilidade manifestado nos grupos juninos. Este processo configura-se nas
ações que se alinham para a aceitação das diferenças e reconhecimento das
identidades subjetivas agregadas às figuras performáticas das damas e dos
cavalheiros.

São várias as motivações que possibilitam a convivência das diferenças


subjetivas no ambiente social junino, dentre elas atitudes que refutam a
exclusão e estimulam a visibilidade das identidades individuais. Contudo, não
nos enganemos! Os enfrentamentos socioculturais não desaparecem tão
facilmente. Embora diante de aceitações coletivas é evidente que alguns
166

sujeitos, integrantes do movimento junino e dos grupos, mantêm conceitos e


ideologias socioculturais apreendidas no seu meio sociocultural; cito, pois, a
interiorização de preconceitos raciais, sexuais, geracionais e de gênero, assim
como a intolerância religiosa e outras fragilidades sociais52. Outrossim, é
importante ressaltar que, na reflexão sobre a questão de gênero nas quadrilhas
juninas, o uso do corpo baseia-se nas diferenciações estabelecidas pela
sexualidade e identidade de gênero, baseado na apresentação binária – damas
e cavalheiros.

Contribuindo com o debate, Judith Butler53 (2003) problematiza a lógica


heterossexual da nossa sociedade, como também aponta reflexões para a
libertação da noção de gênero do seu fundamento social, o sexo. Assim sendo,
a filósofa estadunidense propõe que a construção do gênero, discutido
anteriormente pelas feministas, depende de um contexto estimulado pela
convergência entre processos históricos e sociais e não somente pela
distinção sexo/gênero, pois “talvez o sexo sempre tenha sido o gênero, de tal
forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma”
(BUTLER, 2003, p. 25).

Problematizando o nosso estudo é importante reiterar que a quadrilha


junina refere-se a composição de pares, na qual damas e cavalheiros, segundo
a demanda tradicional, realizam as interações performáticas54. Na quadrilha
junina tradicional, as coreografias são elaboradas para a execução dos casais
que raramente são separados pela dinâmica da dança. Entretanto, atualmente
os desenhos coreográficos valorizam igualmente os desempenhos
performáticos individuais. As formações constantes por pares compostos por
damas e cavalheiros por vezes são substituídas por movimentos coreográficos
individuais, pois possibilita maior variação da cena junina ao desenvolver a
temática proposta. É possível verificar tanto na dança tradicional como nas

52
Neste caso refiro-me aos portadores de necessidades especiais – PNE; podemos encontrar
em alguns grupos juninos pessoas com deficiências auditivas, cognitivas e motoras.
53
Entre 1989 e início da década de 1990, Judith Butler, publica originalmente a obra
“Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade”, na qual o entendimento sobre
de gênero é analisado sob a ótica do campo social e não biológico.
54
Esta mesma composição binária também é demonstrada pelas combinações de cores nos
adereços e nas vestimentas dos quadrilheiros.
167

performatividades juninas atuais presentes nos concursos juninos, coreografias


elaboradas especificamente para que os quadrilheiros do mesmo sexo realizem
suas interações performáticas (Nas quadrilhas tradicionais o passo conhecido
como cavalheiro cumprimenta damas e o cochicho das comadres são
exemplos dessa assertiva).

Pois bem! Refletindo sobre a composição binária masculino/feminino dos


pares nas coreografias das quadrilhas juninas, observo a presença de casais
formados por sujeitos do mesmo sexo. Este estudo não favorece a
problematização da sexualidade dos quadrilheiros, ou a identidade de gênero
durante a execução coreográfica, mas a formação dos pares, baseado na
estrutura tradicional da dança junina.

É prudente observar que as indumentárias e as maquiagens utilizadas


pelos quadrilheiros, nem sempre revelam os gêneros, contudo alguns gestos
reverberados pelos movimentos dançados individualmente podem ser
observados e manifestam nos observadores curiosas interpretações. Para Le
Breton (2009b, p. 69) “não há consenso em relação à categorização da
gestualidade humana, apenas um questionamento ininterrupto (embora
divergente) e um campo constantemente reiniciado”. Desse modo, o gesto
acentuado ou performatizado nas execuções coreográficas, não indica
necessariamente classificação dos gêneros, mas uma confrontação da relação
de simetria gestual das feminilidades e das masculinidades executadas pelos
quadrilheiros envoltos na relação binária – damas e cavalheiros.

Sendo assim, assinalar as características socialmente construídas para


as damas e para os cavalheiros na dança junina constitui a possibilidade de
representar e vivenciar personagens interpretados para a performatização.
Para Noleto (2016, p. 168) “o gênero é um aprendizado corporal conquistado
pelos ensaios coreográficos”, ao passo que “no contexto quadrilheiro, as
damas e os cavalheiros não agem como mulheres e homens em suas vidas
ordinárias”, mas como “estereótipos do comportamento usual”. Igualmente,
agregadas a dinâmica de atuação, existem situações nas execuções
coreográficas que refletem peculiaridades performáticas, as quais assinalam os
estilos pessoais dos quadrilheiros juninos.
168

Desse modo, o ambiente junino possibilita, em variadas situações e


lugares, que o indivíduo sinta-se por inteiro, seja ele quem for. Sendo assim,
nesta prática sociocultural, o ser social cria estratégias e elementos de
sociabilidade para vivenciar relações intersubjetivas dentro e fora dos grupos.
Os sujeitos em situação junina praticam a igualdade de direitos em representar
identidades e configuram como representação, a diversidade. Segundo Noleto
(2016, p. 136) “os festejos juninos abarcam uma diversidade sexual e de
gênero que, ao contrário de ser excludente, inclui, num mesmo enquadramento
ritual, sujeitos heterossexuais, homossexuais, transexuais, travestis e
transgêneros”. Com efeito, a conexão entre as significações representativas
dos quadrilheiros e o sujeito social reforça a noção de coexistência entre
pessoas de diferentes realidades.

A dança junina solicita um modelo ordenado de composição


performática, no sentido de normatizar movimentos, formação de pares e
desenho coreográfico. As elaborações performáticas realizadas pelos grupos
juninos tendem a prezar pela prática coletiva. Diante disso é possível notar que
a constituição dos casais juninos independe da classificação de sexualidade
biológica, mas sim da disponibilidade do indivíduo e do grupo.

Em muitos casos, ser integrante de um grupo junino é garantir o direito


de ser plenamente o seu eu, independente das inúmeras inquietações
causadas nos observadores, pois estes aplaudem as habilidades performáticas
dos quadrilheiros. Sendo assim, pensando nas performatividades e habilidades
gestuais dos brincantes, identificamos competitividade entre casais, assim
como no próprio par, enaltecendo um ponto central que reside na competição e
um desafio de superação entre os brincantes.

A competição entre casais está diretamente relacionada ao fator de


hierarquização de personagens que compõem o grupo que performa a dança
junina. A referência à hierarquização nos grupos juninos é baseada em
estratégias de pretensão e de distinção relacional, pois a estrutura junina
moderna é composta por um sistema simbólico hierarquizado que valoriza
poderes e privilégios. Acrescento ainda que tais poderes e privilégios são
estabelecidos pelas relações simbólicas determinadas pelas personagens
169

destaques representadas dentro do grupo: casal de noivos, marcadores ou


marcadoras, rainhas e seus parceiros e outros idealizados, conforme a
temática performatizada. Nestes termos é importante igualmente considerar as
tarefas executadas e/ou relações de parentesco dentro do grupo e pela própria
estrutura do movimento junino em Goiás.

O prestígio adquirido dentro do grupo junino, assim como a configuração


que privilegia ou não o quadrilheiro é resultado da valoração pessoal
apreendida no processo de socialização daquela coletividade. Do mesmo
modo, o prestígio junino proporciona ao sujeito junino a possibilidade de ser
reconhecido entre os grupos, de representar um destaque, ser membro da
diretoria e ter acesso facilitado às politicas institucionais inerentes ao
movimento junino (ex: ser lembrado para compor a organização remunerada de
um evento junino, etc.).

Os destaques são agraciados com as posições dianteiras e adquirem


privilégios em suas vestimentas, adereços, tempo de apresentação, assim
como reconhecimento de suas qualidades performáticas no meio junino
(MENEZES NETO, 2009; NOLETO, 2016; ZARATIM, 2014). Os critérios para
ser um destaque variam muito entre os grupos. Noivos e noivas, marcador ou
marcadora, rainhas, princesas, parceiros ou parceiras dos destaques são
selecionados por critérios diversos: indicação da diretoria, escolha do grupo,
grau de parentesco, grau de relacionamento, voto direto, voto indireto e outros.

O segundo caso – a competição entre o próprio par, enquadra-se


diretamente nesta reflexão relacionada ao desafio de superação entre as
habilidades durante a execução da coreografia junina. A ideia nesta parte de
análise não é enaltecer e nem menosprezar a competição existente no próprio
casal. Refiro-me ao que pode ser percebido como valorização de gestos e
movimentos de membros do sexo masculino e do sexo feminino em relação
aos estereótipos (feminilidades e masculinidades), culturalmente estabelecidos
para homens e mulheres na dança junina.

Le Breton (2009b, p. 68) nos instiga a refletir sobre a diferença do


“regime dos gestos e dos comportamentos”, pois “o ritualismo feminino ou
170

masculino imprimem uma estilo próprio à presença”. Essa presença de estilo


independe da representação binaria masculino/feminino, mas corresponde a
comunicabilidade gestual.

Da mesma maneira, dentro do movimento junino, existem críticas por


parte dos próprios quadrilheiros aos exageros dos “closes” que são observados
a partir das gestualidades executadas por personagens cavalheiros. Noleto
(2016, p. 256) em nota de rodapé, observa que no contexto LGBTTQI+ 55, a
expressão “dar close” sugere “ficar em evidência indubitável, mostrando-se,
exibindo-se, aparecendo para todos e ostentando sua beleza diante dos
demais”. Nesse sentido, observamos que o quadrilheiro vive o lugar da
performance junina como um espaço de representação social, que além de ser
capaz de proporcionar interação entre seus componentes, estabelece
oportunidades para que o sujeito seja percebido conforme se reconhece.

O quadrilheiro junino ao construir sua personagem institui uma


composição gestual baseada nas expressividades, nas comunicabilidades e
nas subjetividades. Membros do sexo masculino vestidos com trajes
destinados à personagem de damas compõem a performance coreográfica,
como também, em menores proporções, componentes do sexo feminino
vestidas com trajes destinados ao personagem cavalheiros 56 apresentam-se na
configuração da dança junina. As personagens representadas nessas
situações não são calcadas na comicidade, mas são reconhecidas como parte
essencial da coreografia. Desta forma, os antagonismos e aproximações sobre
a questão de gênero na composição binária dos pares juninos são atenuados
pela impessoalidade da performance, favorecendo a construção sociocultural
do quadrilheiro.

55
A maioria das instituições públicas e/ou privadas aderem à sigla LGBTTQI+, a qual é
designada para identificar lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros e queer.
Entretanto, muitos grupos entendem que é necessário a criação de uma nova sigla para
abranger todas as representações das orientações sexuais e identidade de gênero dos
indivíduos, dentre elas cito: lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, transexuais, queer,
questionadores, intersexuais, assexuais, aliados, simpatizantes, pansexuais, e outras
especificações da diversidade humana.
56
Nas escolas, durante os festejos juninos, em algumas situações as professoras e alunas se
fantasiam de cavalheiros para dançar a quadrilha junina.
171

Torna-se essencial refletir sobre as intersecções entre as subjetividades


sociais que compõem o meio junino, as quais assumem diferentes
configurações. Ao observar as representações masculinas e femininas nas
quadrilhas juninas visualizo novas perspectivas para perceber mais de um tipo
de masculinidade e de feminilidade na dança junina, sem necessidade de
classificá-las hierarquicamente. Desta maneira, é possível observar que as
masculinidades e as feminilidades na dança junina são também formas
performáticas construídas a partir da corporeidade do sujeito e que,
consequentemente, fazem parte da configuração de gênero dessa dança.

Pensando assim, entendo que os gestos que envolvem a percepção de


masculinidade e de feminilidade não podem ser analisados, nem observados
como estruturas cristalizadas em conceitos tradicionais e ideologias
socioculturais, pois ambos não são comportamentos estáticos. Tanto a
masculinidade quanto a feminilidade são atributos pessoais e dinâmicos que
envolvem diferentes elementos constitutivos dos sujeitos.

A padronização das formas de dançar quadrilha junina não impossibilita


a formação e manutenção de diferentes características pessoais no âmbito
quadrilheiro. Muito pelo contrario; enaltece integrações sociais possíveis que
permitem a reflexão sobre as práticas culturais do modelo tradicional das
quadrilhas juninas. A multiplicidade de ideias defendidas na atualidade sobre a
formação dos casais juninos interage com as novas propostas emergidas a
cada ciclo. Entretanto, esse modelo de formação de casais entre pessoas do
mesmo sexo, sinaliza especial atenção na possibilidade de alteração do padrão
gestual solicitado pela tradição, o qual independente da formação dos pares, é
modificado continuamente pela dinâmica da produção coreográfica.

As construções e reconstruções gestuais dos quadrilheiros são geridas


por conteúdos edificados pelas modificações sociais, políticas e econômicas
pelos quais o movimento junino tem passado. As ações coletivas dos grupos
em relação ao padrão coreográfico anunciam a disposição dos sujeitos para
desnaturalizar a formação tradicional e legitimar novos conteúdos da dança.
172

A desnaturalização dos conteúdos tradicionais juninos, inclusive o uso


do corpo, pode ser considerada como modelo de formação das quadrilhas
juninas na atualidade. Igualmente, a performatividade junina opera
considerando diversos fatores que constituem as subjetividades dos
quadrilheiros, como as identidades sexuais e as sexualidades; as relações
entre gêneros e de geração; as limitações do corpo e suas resistências físicas;
e as variações comportamentais resultantes das ações relacionadas com a
sexualidade, as funções corporais, as emoções e sentimentos individuais, entre
tantas outras particularidades. Sendo assim, a corporeidade ajustada à
sociabilidade atua como ferramenta indispensável pela construção sociocultural
do sujeito junino. O universo junino segue problematizado pela abundância de
interações entre a subjetividade do quadrilheiro e a diversidade contida na
sociedade.
173

5 O PROCESSO CRIATIVO DAS QUADRILHAS JUNINAS

Os processos criativos nas performatividades juninas abrangem


atividades, produtos e serviços que atuam simultaneamente na dinâmica de
produção. A criatividade no movimento junino diz respeito às diferentes
linguagens que compõem as subjetividades dos quadrilheiros empregadas nas
ordenações, criações e recriações de formas simbólicas sejam nas
coreografias, nas indumentárias, nos cenários e em todos os elementos que
integram as suas performatividades.

É necessário ampliar as reflexões sobre os processos criativos da dança


junina, pois são desdobramentos gradativos e densos que estão vinculados ao
plano da experiência vivida pelos quadrilheiros. Para a artista plástica Fayga
Ostrower57 (2013, p. 09) a ação de criar envolve “a capacidade de
compreender; e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar,
significar” os múltiplos eventos que ocorrem ao nosso redor.

Por meio das possibilidades sociais, artísticas e culturais dos fazedores


da cultura a comunicabilidade dos processos criativos se expande e se
reproduz na performance. Segundo Ostrower (2013, p. 27), a criatividade
“implica uma força crescente; ela se reabastece, nos próprios processos
através dos quais se realiza”. Nesse sentido, percebo que o processo criativo
das performatividades juninas é reproduzido, elaborado, reelaborado, avaliado
e reavaliado pelos próprios quadrilheiros. A criatividade junina se realiza
amalgamada com a consciência, a intencionalidade, a maturidade e a
personalidade de quem as aciona, pois envolve diversidade de experiências e
a busca por uma identidade.

As quadrilhas juninas elegem a imagem e a ação como fundamento de


suas performatividades. Esta premissa é verificada na dinâmica de produção
dos grupos juninos da região metropolitana de Goiânia, bem como em outras
partes do país. Igualmente, esta proposição é sustentada a partir das

57
Fayga Ostrower (1920 – 2001) foi uma artista plástica brasileira, nascida na Polônia.
Igualmente atuou como pintora, desenhista, ilustradora, professora e autora de diversas obras,
dentre elas Criatividade e processos de criação, a qual utilizo nessa tese como reforço teórico.
174

elaborações de Schechner (2013, p. 28), nas quais o autor observa que a


realização da performance também é apreendida por meio do “mostrar
fazendo”, ou seja é a execução da “ação”. Nesse sentido, a prática
performática junina tem se configurado por meio da (inter)ação entre o fazer
junino e a circulação de sentidos gerados pelas visualidades apresentadas nas
coreografias.

Sendo assim, a utilização da imagem aliada à ação no contexto junino


enquanto instrumentos performáticos é resultado da associação entre os
elementos que compõem uma linguagem visual expressada pela teatralidade,
pela dança, pelo figurino, pelo cenário, pelos adereços, pelas coreografias e
por outros componentes que perfazem as visualidades juninas. Essa
combinação reforça a reflexão sobre a ressignificação que envolve a
performatividade junina por meio da incorporação de diferentes processos
criativos utilizados pelos grupos na atualidade; sejam emprestados de outras
expressões artísticas e culturais ou idealizados pelos próprios quadrilheiros.
Outrossim, essas ações, atualizações e ressignificações performáticas
estimulam o debate social, cultural e político a respeito do caminho trilhado
pela espetacularização do movimento junino baseado no modelo tradicional.
(MENEZES NETO, 2009; ZARATIM, 2014).

De fato, observo que a partir do modelo tradicional – construído na


primeira metade do século XX, a performatividade junina assimila uma
autonomia que acrescenta e subtrai elementos artísticos, estéticos e culturais
com a finalidade de disputar o concurso junino anual e fomentar o espetáculo
junino. Dessa forma, os conteúdos performáticos juninos constituem-se nos
processos de criação voltados à espetacularização e se caracterizam como
uma prática social que combina experiência, cultura e arte voltada para uma
audiência.

No contexto espetacular junino, o incremento de imagens nas cenas e


criações performáticas têm a finalidade de dialogar com a audiência, e não
menos importante com os avaliadores instituídos nas competições juninas.
Assim, é possível observar que as imagens e as visualidades juninas transitam
na fusão de linguagens encontradas nas comunicabilidades propostas. As
175

visualidades juninas constituem-se como uma das inúmeras possibilidades de


nos relacionarmos com o mundo e com os outros, pois representam sentidos.
Igualmente, vai além da percepção visual atribuída às nossas capacidades
biológicas, por englobar a interpretação e a significação do que é construído
social e culturalmente.

Nessa direção, interessa no presente estudo compreender as


visualidades como um terreno comunicacional que assimila as habilidades
criativas dos quadrilheiros por meio da ação. O exercício comunicacional visual
das performatividades das quadrilhas juninas se dá pela estruturação da
produção cultural junina na atualidade, bem como pelos processos de
continuidades e de afastamentos dos símbolos e conteúdos tradicionais.

Conforme mencionado anteriormente, as quadrilhas juninas Caipirada


Capim Canela e Quadrilha Chapéu do Vovô estruturaram os seus temas para o
Ciclo Junino de 2017 com vistas à participação do Circuito Goiano de
Quadrilhas Juninas daquela temporada. A Caipirada Capim Canela apresentou
o tema A Revoada dos Vagalumes, enquanto que a Quadrilha Chapéu do
Vovô trabalhou a temática sobre uma cidade fictícia chamada Bonita. A
montagem das performances juninas para os dois grupos contou com a
participação de diversos profissionais58 que tinham a frente desafios similares
como alcançar notas condizentes às boas colocações na classificação geral do
certame junino e desafios específicos inerentes a cada quadrilha.

A Caipirada Capim Canela, além dos desafios próprios ao processo


criativo, também pensava em manter-se no Grupo Especial da competição
junina, após consagrar-se campeão do Grupo de Acesso no ano de 2016. A
Quadrilha Chapéu do Vovô teria como desafio repetir o feito estadual como
campeã do Circuito Junino Goiano 2016, para assim voltar ao Circuito Nacional
de Quadrilhas Juninas como representante do estado de Goiás e garantir pelo
menos o Vice Campeonato que havia angariado na magnífica apresentação
realizada na cidade de Belém, estado do Pará.

58
Refiro-me as diretorias dos dois grupos, assim como coreógrafo, figurinista, costureiras,
maquiadores, marceneiros, serralheiros, cozinheiras, como também vários profissionais que
direta e indiretamente realizam a produção junina.
176

5.1 O Processo Criativo de A Revoada dos Vagalumes

A produção performática e artística para a temporada 2017 da Caipirada


Capim Canela iniciou com a escolha do tema a ser desenvolvido pelo grupo.
Para se chegar à referida temática o Sr. Carlito da Caipirada Capim Canela fala
com propriedade que “simplesmente imagina o tema” e amparado pelas
habilidades juninas do Sr. Luiz Roberto, o Luizinho (Técnico em Segurança do
Trabalho e Bombeiro Civil), marcador e coreógrafo do grupo, constrói todo o
plano coreográfico. Assim mesmo, o Sr. Carlito reitera que ocasionalmente
devido aos desvios comunicacionais, os acertos acontecem:

Eu apresentei pro Luizinho, nosso marcador “a escolta de


vagalumes59”, mas de início a gente entendia na ficção que o
quadrilheiro não morre, ele vai escoltado com vagalumes pro
céu. Mas o Luisinho não entendeu na primeira leitura e colocou
a revoada de vagalumes; e estendeu mais ainda modificando o
texto onde a gente trabalhava com o espantalho e a flor, a flor
girassol no caso. A gente entendeu que pra acordar o
espantalho a noite, não tinha a luz do sol, a gente fez uma
revoada dos vagalumes, assim enganando as flores e elas
acordaram com a nossa quadrilha (Sr. Carlito, Caipirada Capim
Canela).

Igualmente, sobre a produção performática do tema é importante


ressaltar que o processo de composição de todo o produto requer a
apropriação do conteúdo a ser trabalhado. O Sr. Carlito anuncia que “tudo é
muito bem pensado e estudado”. Consequentemente, é também necessário
contar com a vontade de fazer e realizar as propostas, já que os soldos quase
inexistentes no movimento junino são geralmente substituídos pelo
voluntariado. Nesse sentido, o Sr. Luisinho diz que “particularmente, tinha uma
vontade de executar esse tema” e entende o desafio recebido como uma ótima
“oportunidade”. Para ele, o sentido de sua participação “está na própria ação
em fazer quadrilha junina”. Ele completa: “eu gosto de fazer quadrilha junina”!
Dessa forma é possível entender que o fazer quadrilha junina consiste na
participação das práticas individuais e coletivas como atividades prazerosas, as
quais operam simultaneamente no ambiente junino.

59
Grifo meu.
177

Também, a gestão da Caipirada Capim Canela, busca promover os


elementos que fundamentam as relações sociais no grupo. Cito como exemplo,
o incentivo à criatividade e a autonomia dos idealizadores. O Sr. Luisinho
declara que recebeu licença do Sr. Carlito para “criar e recriar todo o trabalho”
e acrescenta: “ele me deu a oportunidade e falou: olha, mas faça do seu jeito!”.
Sendo assim, verifico que a autonomia adquirida dentro de um grupo junino é
resultado da participação dos integrantes nas diversas ações no ambiente
coletivo.
Entra um pouquinho de participação das pessoas e mais uma
vez eu ressalto o trabalho de 200860 da Caipirada Capim
Canela feito pelo Carlito; ele imaginou uma flor e desde aquele
dia que eu vi eles dançando eu imaginei uma flor de uma forma
diferente (Sr. Luisinho, Caipirada Capim Canela).

Assim, o Sr. Luisinho reitera que o Sr. Carlito é “a mente que sempre
propõe” e que sua função é a de “ter a sensibilidade para atualizar as ideias
dele”. Desse modo, observo que há na relação entre o Sr. Carlito e o Sr.
Luisinho uma distribuição de ofícios dentro do processo hierárquico da
Caipirada Capim Canela. A condução administrativa do grupo, com nuances de
informalidade por parte do Sr. Carlito, estabelece o tipo de participação nas
ações internas. Percebe-se que essa participação interna tem viés político, o
qual determina quem pode ser visto ou ouvido, pois sua ocupação é
ocasionada pela partilha do comum. Assim mesmo, nos grupos de quadrilhas
juninas, observa-se que a percepção do comum demonstra, em linhas gerais, o
compartilhamento entre tempos, ações coletivas e espaços. Dessa maneira,
esse compartilhamento está inserido na experiência dos quadrilheiros juninos,
à medida que dividem e ao mesmo tempo unem o que é percebido e vivido no
ambiente social. As ocupações dentro dos grupos juninos são capazes de
definir quem toma parte do comum.
Nesse contexto, penso nas elaborações de Jacques Ranciére (2010)
que analisa a Partilha do Sensível a partir das relações possíveis entre a
estética e a política, e que defende que há divisões e compartilhamentos das
experiências comuns.

60
O Sr. Luisinho lembra que essa temática foi trabalhada em 2008 em uma abordagem
diferente sobre o espantalho.
178

A partilha do sensível dá a ver quem pode tomar parte do


comum em função do que faz, do tempo e do espaço nas quais
essa atividade é exercida. Ter esta ou aquela ocupação define,
assim, as competências ou incompetências para o comum.
Isso define o fato de ser ou não visível em um espaço comum,
dotado de palavra comum, etc (RANCIÈRE, 2010, p.13).

Acatando o pensamento de Rancière, entendo que, ao executar a


função de coreógrafo, o Sr. Luisinho adquire visibilidade como interlocutor de
propostas de transformação estética e política nas práticas juninas da
Caipirada Capim Canela que reverberam no movimento junino goiano. A partir
disso, os discursos sobre as ressignificações juninas, assim como as narrativas
do vivido dentro de cada grupo junino se estabelecem em torno das
performatividades juninas.

As práticas juninas têm se mostrado abertas à ressignificação, a qual


está contida no processo de espetacularização das atividades juninas. É
preciso entender a cultura como um processo social capaz de reformular os
costumes. Neste enfoque, percebo que o Sr. Luisinho procura afirmar uma
nova dimensão estética e política da Caipirada Capim Canela, bem como
compor novas temáticas que são partilhadas conforme são introduzidas. Ele se
mostra consciente da sua própria capacidade criativa ao desenvolver e
expressar o que é imaginado inicialmente e conclui: “expresso na quadrilha o
imaginado”. Sendo assim, observa-se que a criatividade é manifestada pela
prática, assim como pela invocação do imaginário popular interiorizado pelos
criadores das temáticas juninas, nesse caso, pelo Sr. Carlito e pelo Sr.
Luisinho. Igualmente, o potencial criativo é instigado pela satisfação de
participação no movimento junino e pela necessidade de novas ideias que o
ciclo junino solicita.

Para a artista plástica Fayga Ostrower (2013, p. 09), “o ato criador


abrange, portanto, a capacidade de compreender; e esta, por sua vez, a de
relacionar, ordenar, configurar, significar”. Nesta seara, Schechner (2013, p.
97) ao analisar as ideias de James P. Carse, afirma que a “criatividade é uma
continuidade gerada nos outros”. Sendo assim, abrangendo estas ideias para o
nosso universo, a potencialidade criadora junina advém da imaginação do
quadrilheiro sendo operada por canais comunicativos como o texto, a
179

oralidade, a ação e outras formas comunicacionais, inclusive a


performatividade.

Como tarefa constante, os idealizadores das temáticas juninas


sistematizam seu potencial criativo e transformam as ideias em elementos de
composição para a quadrilha junina moderna. Segundo Hayeska Barroso
(2013, p. 33) a “elaboração do tema, desenho de figurinos e indumentária,
montagem de coreografia, elaboração do texto do casamento, composição do
repertório” são elementos de composição das quadrilhas. Digo eu: esses
elementos fazem parte da composição da quadrilha junina moderna, uma vez
que aliados aos elementos da dança tradicional, da dança atual, das mídias e
suas tecnologias, dos elementos do teatro e das teatralidades contemporâneas
estruturam a performatividade junina.

Desse modo, após a definição do tema, o Sr. Carlito e o Sr. Luisinho


planejaram o formato da produção da nova temporada. Inicialmente pensaram
sobre a disponibilidade de quadrilheiros e segundo o Sr. Carlito “dispostos a
virar quadrilheiros da Caipirada Capim Canela”. Alguns integrantes da
temporada anterior deixaram o grupo por motivos diversos. Assim, a
reformulação do conjunto para 2017 aconteceu primando pelas pessoas que
queriam permanecer. Como estratégia de mobilização, o Sr. Carlito revela que
as redes sociais são acionadas para a divulgação dos primeiros ensaios e
adesão de novos membros:

muita gente é convidada por todos que nós conhecemos;


desde os que ficaram e até nossos amigos e familiares através
do facebook; as pessoas se envolvem porque conhecem o
grupo; já estamos na lida tem mais de 37 anos, então tem
muitas gerações que participaram e deles tem gente que
querem participar (Sr. Carlito, Caipirada Capim Canela).

Sendo assim, a organização da temporada junina da Caipirada Capim


Canela é decorrente da mobilização de pessoas e grupos. Segundo o Sr.
Carlito, o principal viés potencializador da participação de novos integrantes é o
fomento de “atividades culturais, artísticas e criativas”, além de atividades que
visam ao desenvolvimento de habilidades que possam auxiliar a “conseguir um
emprego” no mercado cultural. Assim ele exemplifica:
180

Fazer as bandeirolas para a decoração da nossa festa; eles


aprendem e depois podem fazer para vender; organizar as
barraquinhas e vender os comes e bebes; ajudar na costura;
ajudar na limpeza nos ensaios e no dia das apresentações; um
profissional é que fez o painel e foi ajudado pelos meninos da
Capim; eles aprenderam alguma coisa nisso daí (Sr. Carlito,
Caipirada Capim Canela).

Ao liderar um grupo junino o Sr. Carlito parte do pressuposto de que o


movimento junino herda da cultura popular brasileira elementos agregadores
de processos formativos entendidos como apoio social. Para o Sr. Carlito “os
quadrilheiros aprendem coisas que podem ser aproveitadas na sua vida
particular”. Isso inclui as normas de sociabilidade individual e coletiva,
compreendidas como práticas que agregam jovens e adultos em uma
sociedade diversificada. Desse modo, as dinâmicas de atividades participativas
da Caipirada Capim Canela, expressam a organização social do grupo diante
do contexto sociocultural da região metropolitana de Goiânia, em especial da
região norte – localidade onde a maioria dos participantes residem e onde os
ensaios são realizados (ZARATIM, 2014). Assim, a sociabilidade efetivada nos
grupos de quadrilhas juninas é baseada nos vínculos estabelecidos no espaço
social. A relação com o mundo e a relação com o outro dentro do grupo
estabelece as experiências, as quais instituem processos educativos e
socioculturais.

Para Carmem Zeli Vargas (2004, p. 65), “contemporaneamente, há um


processo de redefinição das formas de sociabilidade, que se tornam fluidas,
abertas e movediças, diferentes das formas tradicionais que eram mais
estáveis”. A autora ainda argumenta que “no campo da sociabilidade, o estar
juntos, estabelecer laços, tem em si mesmo a sua razão de ser” (VARGAS,
2004, p. 65).

Nesse sentido, observo as experiências vividas pelos quadrilheiros, os


quais pertencem a vários grupos sociais concomitantemente ou não. Ao
mesmo tempo em que os quadrilheiros juninos vivenciam suas sociabilidades
no grupo, também as vivenciam nas famílias, nas atividades laborais, em
outros grupos sociais, como também com outros grupos. Penso que a
otimização da convivência é que fomenta a relação social no grupo, à medida
que os integrantes são constantemente renovados. Assim mesmo, nesse
181

chamamento de novos membros, os padrões estéticos performáticos da


Caipirada Capim Canela são sempre lembrados, em razão do grupo se auto
intitular grupo de características tradicionais, caipira ou matuta.

Nesse contexto, alerto para as discussões sobre a interseccionalidade


entre as características tradicionais e as características modernas observadas
na dança junina. A Caipirada Capim Canela utiliza em abundância os passos e
o repertório musical tradicional da dança. Contudo, observa-se que a
vestimenta, as alegorias e os adereços são apresentados pautados na
espetacularização da dança junina. Ao combinar recursos artísticos e estéticos
inerentes à tradição e ao moderno no processo de produção, o Sr. Carlito
reitera que seu grupo tem “características diferentes” dos demais.

Tomaz Tadeu da Silva (2000, p. 74) nos diz que a identidade, aqui
entendida como característica, “só tem como referência a si própria: ela é
autocontida e autossuficiente”. O autor ainda pontua que “as afirmações sobre
diferença só fazem sentido se compreendidas em sua relação com as
afirmações sobre a identidade” (SILVA, 2000, p. 75). Assim sendo,
considerando os argumentos de Silva (2000) a Caipirada Capim Canela
procura não escapar do que o Sr. Carlito chama de “tradicionalidade junina”,
mesmo diante dos processos transformativos e dos motivos que os instigam.

Dentre os processos transformadores que impulsionam as


performatividades das quadrilhas juninas, há de se falar sobre as habilidades
dos quadrilheiros. Ao adentrarem aos grupos juninos, ao aspirante à
quadrilheira ou quadrilheiro junino não é cobrada nenhuma aptidão especifica
ou extraordinária. O Sr. Carlito diz que solicitam dos novos integrantes “apenas
que consigam seguir o ritmo”, pois, segundo ele, “sendo ritmado é um bom
começo”. Ainda que não seja necessário mostrar-se uma grande dançarina ou
um grande dançarino é possível observar que à medida que os ensaios são
realizados, os novos integrantes aprimoram suas gestualidades, posturas,
movimentos, expressões faciais e expressões corporais voltados para a
performatividade junina.

O Sr. Luisinho, em suas estratégias pedagógicas no ensino da


coreografia, afirma que trabalha constantemente os elementos que sustentam
182

a dança junina, assim como a teatralidade junina. Além disso, vários


profissionais da arte da cena e da dança são convidados para darem palestras
e oficinas para os integrantes da Caipirada Capim Canela, valorizando os
ensinamentos habituais alicerçados no planejamento geral do grupo. No que
diz respeito às ações performáticas das quadrilhas juninas, as técnicas
corporais da dança clássica ou moderna não são exigidas, mas exploradas nos
ensaios como experiência individual e coletiva. Para Noleto (2016, p. 130) “a
dança é uma atuação cênica, portanto, uma realização performática”, à medida
que “é possível constatar que sua composição está inteiramente calcada em
acontecimentos cênicos interpretados e provocados por sujeitos que atuam em
uma coreografia”.

Marcel Mauss (2003, p. 211) entende que as técnicas corporais são “as
maneiras como os homens de sociedade em sociedade, e de maneira
tradicional, sabem servir-se de seus corpos”. Nessa seara percebe-se então
que as técnicas corporais no movimento junino são transmitidas pela ação
tradicional de fazer e dançar quadrilha junina. Apesar dos movimentos
corporais serem alicerçados nas formas tradicionais da dança no plano
coreográfico, a fluidez desses movimentos é instigada pelo ritmo corporal, pelo
estimulo musical, pela atitude corporal, e pela tensão da correta representação
de uma temática diante de um público e de avaliadores.

Nessa perspectiva é importante ressaltar que a Caipirada Capim Canela


tem um modo peculiar de demonstrar a atitude corporal da personagem que
representa ao dançar quadrilha, no qual os cavalheiros executam de maneira
específica o movimento conhecido como “arriuna”. O Sr. Luisinho nos conta
que tudo começou no início dos anos de 1990 no Distrito Federal com “uma
brincadeira de dançar jogando com os braços soltos” para cima, em um grupo
antigo que ele não recorda o nome. Esse grupo era liderado pelo “Seu Nelson”,
um dos conhecidos nomes do movimento junino de Brasília e entorno.
Posteriormente, “alguns dos membros” deste grupo, “montaram suas próprias
quadrilhas juninas” e difundiram essa “maneira alegre de dançar” que segundo
o Sr. Luisinho, “surgiu!”. Acontece que “essa coisa ficou icônica e os grupos
perceberam que isso era o bom; isso era bom de se ver, era interessante e
183

quem assistia, ria demais daquilo e começaram a copiar” (Sr. Luisinho,


Caipirada Capim Canela).

Ao dançar a arriuna, o quadrilheiro Junino eleva os braços nas laterais


alternadamente. Simultaneamente flexiona as pernas cruzando os joelhos à
frente do corpo e pés para trás, do mesmo lado dos braços elevados como se
estivessem saltando um pequeno obstáculo. A perna oposta fica em
sustentação do corpo e o braço correspondente mantém-se estendido no plano
lateral ou flexiona-se no plano frontal. As mãos que acompanham os braços
elevados dão a impressão que são jogadas para o ar, como nos indica o Sr.
Luisinho:

“a arriuna pra mim é o mesmo que o desengonçado; é uma


pessoa dançar desengonçado, com as pernas foiçando o
capim e com os braços jogando energia positiva pra cima; é um
corpo firme e rígido com movimentos sacudidos de braço e
perna” (Sr. Luisinho, Caipirada Capim Canela).

Adicionalmente, no caso da arriuna é importante ressaltar que o domínio


da fluência dessa movimentação é caracterizado, mediante a combinação de
diferentes elementos de expressão corporal, bem como do controle das partes
do corpo.
Figura 21 - A Dança arriuna

Fonte: Lanucce Lucas – Acervo Caipirada Capim Canela


184

O corpo que dança a arriuna é norteado pela construção do seu


personagem e combina habilidades corporais advindas do centro do corpo em
direção às extremidades: braços e pernas. Igualmente, em alguns momentos,
os quadrilheiros mantêm a movimentação de pernas, conforme indicado acima
e jogam os dois braços ao mesmo tempo em direção ao alto.
O Sr. Luisinho afirma que em Goiás, a primeira quadrilha a dançar
arriuna foi a Quadrilha Chão Goiano, grupo localizado em Aparecida de
Goiânia, na qual ele ingressou por volta de 2006. Ele nos conta que nessa
época “estava nascendo quadrilheiro (ele fala batendo no peito com um
semblante de orgulho)” naquele período foi quando desenvolveu suas
“qualidades artísticas quadrilheiras”. A princípio, trazer o modo de dançar do
Distrito Federal para Goiás era uma ação mal recebida pelo movimento junino.
Segundo ele, as pessoas dos grupos juninos daqui “tinha naquele período uma
vaidade de falar: isso é goiano; isso não é; isso é daqui; isso é de lá; a gente
tem que fazer coisas goianas”. Contudo, o Grupo acatou a ideia e desenvolveu
um modo mais elaborado de dançar a arriuna, que conforme a fala do Sr.
Luisinho, ele preferiu “padronizar os movimentos desengonçados”.

No começo, eu percebia que era quase um desafio de um


cavalheiro pro outro de quem jogava o braço mais alto, a perna
mais alta (articulando muito); no meu grupo eu padronizei isso.
Eu falei: eu quero o braço de todo mundo igual é pra subir a
mesma altura; eu quero a perna igual, porque é isso que a
gente faz aqui em Goiás! E trouxe dessa forma; quando a
gente fazia o perfilamento e fazia a arriuna com os braços que
mexiam iguais, as pessoas perguntavam: o quê que é aquilo
bicho? Não é arriuna! O que você tá fazendo? Eu falei: cara
olha só, eu consegui criar a minha identidade sobre aquilo! até
aquele momento era cópia; todo mundo me julgava: ah é cópia
de Brasília, é cópia de Brasília! A partir daquele momento eu
não tive essa preocupação. [...] mas era isso, eu queria
(re)significar; e aí em cima disso que eu gostei bastante, como
identidade minha (Sr. Luisinho, Caipirada Capim Canela).

Em relação ao nome arriuna para denominar esse modo peculiar de


dançar, o Sr. Luisinho não sabe ao certo de onde veio, apenas que:

Já fui muito atrás; alguns dizem que é por uma questão de


sotaque; o pessoal ia dançar em lavouras por exemplo, e pra
185

poder dançar as vezes o capim era um pouco alto, tinha um


mais “bonito”, que falava: arriuna sô e se jogava pra lá, e
jogava as pernas para poder pular o capim e essa forma de
pular, acabou dando a origem a arriuna; isso é um dos relatos
né; a coisa veio de língua mesmo (oralidade), veio com o
trabalho; mas, saber de onde veio esse nome, eu vou ter que
pesquisar um pouco mais; nem eles de lá (Brasília e Entorno)
conseguiram dizer uma história básica61. É uma curiosidade!
(Sr. Luisinho, Caipirada Capim Canela).

Nesse contexto, esse movimento dançado é reconhecido no movimento


junino goiano como parte do modo de dançar da Caipirada Capim Canela. É
também uma forma diferente de dançar quadrilha nas performatividades
juninas, um novo estilo. Schechner (2013, p. 37) nos alerta que “as diferenças
encenam as convenções e tradições de um gênero, as escolhas pessoais feitas
pelos performers, diretores e autores, vários padrões culturais, circunstâncias
históricas e as particularidades da recepção”. Contudo, “como prática
corporificada, cada performance apresenta suas próprias especificidades”
(SCHECHNER, 2013, p. 36). Sendo assim, a arriuna dançada pela Caipirada
Capim Canela é uma recombinação consciente da performance artística vista
no Distrito Federal, a qual incorre no modelo performático de dançar quadrilha
junina daquela localidade.

Adicionalmente, ao ser convidado pelo Sr. Carlito para fazer parte da


Caipirada Capim Canela, o Sr. Luisinho revela que foi assim lhe solicitado:

“O Carlito falou: olha a gente aqui é caipira e uma coisa que eu


queria é que ficasse difundido era a arriuna; você sabe fazer,
você gosta de fazer e eu queria manter isso no meu grupo;
essa alegria, eu quero isso! Eu falei: ótimo porque é disso que
eu entendo (disse todo orgulhoso e com um semblante de
felicidade); essa é a minha língua! E ai a Caipirada veio para
essa questão; e ai a arriuna virou sinônimo de caipira;
justamente por que pegar gente que não sabe dançar arriuna,
fica engraçado quando ele não consegue executar, mas não
fica, talvez fora do movimento por que a intenção da arriuna é
justamente isso, é jogar tudo pro ar; e a minha fala sempre na
abertura é: joga tudo para o ar! É jogar essa alegria, levantar
os braços, se mexer bastante!” (Sr. Luisinho, Caipirada Capim
Canela).
61
Entrei em contato com o pessoal de Brasília e Entorno, mas também não consegui algo que
sustente qualquer história contada sobre a origem do nome arriuna.
186

Identifico nestas falas a inexistência de intenção em criar gestos, modo


de dançar ou um novo paradigma para a dança junina. Entretanto é importante
observar que os quadrilheiros juninos, assim como outros sujeitos que fazem
parte das performatividades artísticas populares, vivem em constante produção
e adequação cultural. Melhor dizendo, mesmo não sendo reverberada, a
intencionalidade da criação é velada nas próprias práticas juninas. Desse
modo, acrescento que ser inédito no movimento junino é menos importante do
que ser criativo ao reconfigurar o já existente.

Do mesmo modo, a criação e a produção da indumentária junina, bem


como a adequação dos adereços às vestimentas, geralmente são realizadas
por figurinistas que compõem a equipe de produção junina. Estas pessoas,
nem sempre são profissionais titulados, porém costumam idealizar suntuosos
figurinos que impressionam pela técnica empregada, como também, ao final,
pela escolha acertada do material posto em uso; pedrarias e tecidos.

a gente compra popeline, tricoline, a gente compra organza, a


gente compra oxford, a gente compra chita, tergal, a gente
compra filó, a gente compra rendas, a gente compra também
muitos aviamentos, linhas, elásticos, zíperes, e assim, fica um
espetáculo. (Sr. Carlito, Caipirada Capim Canela).

Para Pavis (2011, p. 168) o figurino “multiplica suas funções e se integra


ao trabalho de conjunto em cima dos significantes cênicos”. É bem verdade
que ao elaborar o figurino, os figurinistas buscam o diálogo entre os elementos
que constituem as quadrilhas juninas performativas: a temática, a coreografia,
a cenografia, a iluminação, a maquiagem e as performatividades. Igualmente,
existe a preocupação com a receptividade do público em relação aos trajes
apresentados, pois desejam sempre possibilitar ao espectador a identificação
da ideia demonstrada. Segundo o autor, “o olho do espectador deve observar
tudo o que está depositado no figurino como portador de signos” (PAVIS, 2011,
p. 169). Pavis ainda acrescenta que é importante tornar o figurino “dinâmico” e
fazer com que este “emita signos por um bom tempo, em função da ação e da
evolução das relações actanciais” (PAVIS, 2003, p. 169).

Noleto (2016, p. 43) defende o uso da palavra traje para “nomear a


roupa vestida pelos brincantes, misses e marcadores de quadrilhas” na região
187

metropolitana de Belém-PA. O autor afirma que este termo é utilizado para


diferenciar da palavra “figurino, usada no âmbito profissional do teatro, e do
substantivo fantasia, utilizado no contexto carnavalesco”. Entretanto, na região
metropolitana de Goiânia, o termo “figurino” é mais usado para designar toda a
vestimenta junina, seguindo o quesito avaliativo constante no edital do Circuito
Goiano de Quadrilhas Juninas.

A este respeito, o Sr. Luisinho afirma que “a escolha do figurino é


essencial”, pois também ajuda a “contar a história na hora da dança”. Nesse
viés o marcador da Caipirada Capim Canela afirma que este figurino de 2017,
refere-se a uma reconfiguração da versão apresentada em 2008 pelo grupo e
que para a versão desta temporada fez “algumas alterações” na vestimenta.
Assim, o Sr. Luisinho assevera que em relação a 2008 mudou “como foi
contada a história, mas numa continuação do espantalho e do girassol,
(re)vivenciando algo” (Sr. Luisinho, Caipirada Capim Canela). Neste contexto, o
Sr. Carlito completa que:

Durante 35 anos, tudo eu que fiz; na escolha do tecido; nas


compras de tecido; no formato que era o vestido, os adereços,
roupa masculina; tudo era eu ne; e a gente contratava uma
costureira e ela fazia o que a gente queria; aí o trabalho de
costura ficava por conta do ateliê dela ne, da costureira. Agora
é o seguinte! De 2016 pra cá, eu e o Luisinho senta, conversa
e vê o melhor modelo pra aquele tema. Para 2017 a gente só
abandou a saia verde e acrescentou mais o amarelo. A gente
não tinha condição financeira para trocar o figurino; a gente fez
uma manga para 2017 como se fossem pétalas, e abandou o
verde por imaginar que já estava mais madura a questão do
girassol, já estava bem elaborada e deu um brilho melhor na
saia, ascendeu (Sr. Carlito, Caipirada Capim Canela).

A Caipirada Capim Canela, assim como os outros grupos juninos


idealizam mais de um tipo de traje, para abranger todas as personagens que
participam da ação performativa. Sendo assim, em A Revoada dos Vagalumes
a Caipirada Capim Canela apresentou 5 (cinco) diferentes figurinos para
contemplar as personagens do enredo: as flores de girassol (damas), os
espantalhos (cavalheiros), a orquídea negra, a rainha e o casal de noivos.

O Sr. Carlito nos explica que o figurino das flores de girassol foi
inspirado “nas cores da própria flor de girassol, mas com detalhes de folhagens
188

nas mangas”. Ele ainda completa que tinha pontos brilhantes para “mostrar o
brilho que a flor de girassol tem; junto com o pano xadrez que representa a
parte tradicional do grupo”.

Figura 22 - Figurino das Damas Caipirada Capim Canela

Fonte: Lanucce Lucas – Acervo Caipirada Capim Canela

Em relação ao figurino dos espantalhos, o Sr. Luisinho elucida que “este


traje tem cores diferentes porque acompanha as damas que eles dançam”
(referindo as diferentes personagens apresentadas: as damas, a orquídea
negra, a rainha, e a noiva). O Sr. Carlito ainda completa que o figurino dos
espantalhos são macacões “na cor marrom e amarela para ter harmonia com o
ambiente que retrata a plantação de girassol”. Também, segundo o líder da
Caipirada Capim Canela, tem “o coração de pelúcia desenhado na roupa” e
eles usam “camisa xadrez; botina rústica e chapéu ornamentado para mostrar
a simplicidade do tema”.
189

Figura 23 - Figurino dos Cavalheiros Caipirada Capim Canela

Fonte: Lanucce Lucas – Acervo Caipirada Capim Canela

Dentre as personagens representadas durante o desenrolar das


temáticas elaboradas pelas quadrilhas juninas, o casal de noivos tem papel
importante nos enredos juninos. Em Goiás, a grande maioria dos enredos
juninos são elaborados em torno do relacionamento entre uma noiva e um
noivo, que ao final são consagrados parceiros nupciais, independente da
realização da encenação matrimonial. Raramente a encenação de uma
celebração do casamento é realizada nas quadrilhas juninas performativas de
Goiás. É importante observar que o regulamento do Circuito Goiano de
Quadrilhas Juninas da FEQUAJUGO prevê a disputa pelos melhores casais de
noivos da temporada, mesmo não sendo obrigatória a apresentação dessas
personagens.

Schechner (2013, p. 215) declara que nas performances “diferentes


papéis são marcados por trajes característicos”. O autor reconhece que o
figurino faz parte de uma atuação codificada da performance, pois o figurino é
190

um elemento comunicador entre a performatividade e o espectador. Para


Schechner, a atuação codificada diz respeito à realização da performance de
acordo com “uma razão semioticamente construída de movimentos, gestos,
músicas, figurinos e maquiagem” ( SCHECHNER, 2013, p. 183). Nesse
sentido, podemos observar que o figurino do casal de noivos amplia a
percepção do público para a encenação do enredo proposto, como elemento
simbólico das quadrilhas juninas.

Figura 24 - Figurino do Casal de Noivos Caipirada Capim Canela

Fonte: Lanucce Lucas – Acervo Caipirada Capim Canela

O Sr. Carlito nos informa que a Caipirada Capim Canela apresenta os


noivos em trajes de cor “branco tradicional” com detalhes dourados para entrar
em “harmonia com os outros figurinos”, e para esta temporada estimando pelo
“brilho amarelado da Flor de Girassol”. É importante ressaltar que os
espantalhos tiveram caracterização marcada além da indumentária, pela
maquiagem. O Sr. Carlito diz que “nesses dois últimos anos, os meninos
também usaram maquiagem, ai eles se ajudavam entre eles”. Foram utilizadas
bases brancas na face dos quadrilheiros e posteriormente adornadas com
traços pretos representando as costuras nos olhos e na boca dos espantalhos.
191

Figura 25 - A maquiagem do espantalho

Fonte: Lanucce Lucas – Acervo Caipirada Capim Canela

Patrice Pavis (2011, p. 231 - 232) afirma que a maquiagem “contém uma
série de informações” e que uma das suas funções é a de “teatralizar a
fisionomia”. Nesse sentido é admissível perceber que a maquiagem dos
espantalhos corteja com as experiências performáticas de cada quadrilheiro
junino neste enredo, à medida que essas experiências permitem a interação
com a personagem e com a audiência. As expressões performáticas advindas
desta caracterização na quadrilha junina Caipirada Capim Canela intencionam
em constituir uma representação expressiva da vida do campo com nuances de
espetacularização.

Desse modo, como já mencionado são diversos os elementos que


constituem a performatividade junina. Assim, a visualidade da cena junina
engloba a imagem geral performativa. Além das coreografias, da maquiagem,
do figurino e dos adereços, o cenário é igualmente um elemento enriquecedor
das performatividades juninas. Para Pavis (2011, p. 42), o cenário “figura o
192

quadro ou moldura da ação”, como também “insere um espaço cênico num


determinado meio”, pois configura-se como uma alternativa artística subjetiva.
Assim, os grupos juninos utilizam os cenários como ambientações de suas
variadas temáticas apresentadas em cada ciclo junino.

No meio junino são chamados de Cenários os arranjos e as


ambientações dos espaços destinados à dança junina. Nesse caso, o cenário é
constituído por diversos materiais que auxiliam na criação da realidade visual
performativa, como os telões, os painéis, os adereços, as luzes, os próprios
figurinos e tantos outros aparatos cênicos que Pavis (2011, p. 44) chama de
cenários simultâneos. Mesmo não sendo um quesito avaliativo do Circuito
Goiano de Quadrilhas Juninas, essa simultaneidade cênica decorre da ideia
dos quadrilheiros com a finalidade de enriquecer o aspecto visual da
performatividade junina.

Como elementos que ambientaram a performatividade junina da


Caipirada Capim Canela em 2017, foram utilizados um painel ao fundo,
ornamentos como girassóis, lanternas, e uma fogueira, além de cavalinhos de
pau, nos quais os espantalhos iniciavam suas representações. Segundo o Sr.
Luisinho “o espantalho é um viajante” e o cavalinho foi pensado como um
companheiro para um personagem que não morre:

nós montamos um jardim; porque o espantalho ele acordava


dentro do jardim pra poder dançar. A questão dos cavalinhos,
como eu falei é um tema continuado, o espantalho é um
viajante, é um personagem que ele não morre, pelo menos pra
gente é algo que tem um fundamento mais profundo; eu não
conseguia ver um personagem que morre; é aquele
personagem que todo São Joao eu vou lembrar, que eu sou
um espantalho e vou acordar (pausa - com os olhos
lacrimejando e voz tremula); eu me emociono! (Sr. Luisinho,
Caipirada Capim Canela).

Assim sendo é possível perceber que os acessórios utilizados são


instrumentos cênicos empregados para a personificação das ideias dos
criadores da performatividade junina. Além disso, tais instrumentos cênicos
devem ter coerência com o significado do que é pretendido apresentar, ou seja,
ter relação com a cena.
193

Figura 26 - Cavalinhos de pau, lanternas e espantalhos

Fonte: Lanucce Lucas – Acervo Caipirada Capim Canela

Também, conforme nos relata o Sr. Luisinho, a ambientação para esta


temporada foi originada na necessidade de “perceber o que ficaria legal”,
referindo-se à ideia de como a flor do girassol estaria “dançando em um
jardim”. Assim, um dos elementos que compuseram a cenografia da Caipirada
Capim Canela em a Revoada dos Vagalumes foi o painel de fundo que
ilustrava um jardim de girassóis.

Sr. Carlito nos esclarece que “a ideia inicial era apresentar um girassol
gigante ao fundo” e que posteriormente conversou com o Sr. Luisinho a
respeito da sua ideia para que os dois planejassem o que seria feito. Então o
Sr. Luisinho juntamente com o Sr. Carlito imaginaram que as flores e os
espantalhos teriam que “acordar em um jardim junto a um painel. Mas esse
painel tinha cores, tinha uma vida” e deveria “fazer dançar” (Sr. Luisinho,
194

Caipirada Capim Canela). Assim, o Sr. Carlito reitera que “as ideias são
compartilhadas com o grupo” e alguns ajustes, supressões ou adições de
elementos cênicos “sempre acontecem”.

Sem precisar a quantidade dos materiais utilizados nesse painel, o Sr.


Carlito elucida:
a gente demorou uma semana pra comprar, serrar tudo, depois
soldar, depois pintar, e colocar na mão do grafiteiro. A gente foi
comprou o material; a gente foi na serralheria; a gente foi
depois na madeireira comprar o madeiramento e passou no
centro e comprou também o restante do material; e as tintas a
gente comprou spray de grafite mesmo com o profissional;
levamos o grafiteiro lá, que foi o rapaz que fez a pintura pra
gente; e a gente comprou 50 latinhas de spray que deu pra
fazer. Ele é profissional. O trabalho foi uma cortesia e ficou
pelo restante das tintas (Sr. Carlito, Caipirada Capim Canela).

Figura 27 - Produção do Painel – Cenário

Fonte: Lanucce Lucas – Acervo Caipirada Capim Canela

Ao ser perguntado sobre como surgiu aquele formato do painel o Sr.


Carlito explica que depois de pensar sobre o girassol gigante ao fundo foi até a
serralheria para conversar com uma pessoa que poderia ajudá-lo a pensar e
verificar o valor daquela ideia. E completou:

fui ver na serralheria quanto o cara cobrava pra mim; chegando


lá eu, eu vi ele fazendo um abajur pra berço de criança; é como
195

se fosse aqueles toldos que fica em cima de janela de madeira;


um toldo redondinho com a base quadrada em baixo que
firmava na parede; e ai eu peguei e falei pro Luisinho: Luisinho
eu tenho a ideia! E mostrei pra ele. E ele falou: beleza! Aí eu
disse: deixa tudo comigo! Fui e comprei o material e pedi o
serralheiro pra fazer. Ele começou a fazer juntamente comigo;
A imagem original ele tirou do google; a noite a gente pegou a
imagem e projetou no telão pintado de branco e ai ele foi só e
fez o primeiro rabisco; no outro dia de manhã a gente começou
a formar as flores e ai por sinal saiu aquele jardim de girassóis
grafitado mesmo (Sr. Carlito, Caipirada Capim Canela).

Sr. Luisinho, ao falar sobre o processo de produção do referido painel,


assim nos relata:

o Carlito é uma mente que não para e assim, todos os dias ele
imaginava algo tridimenscional e eu passei pra ele e falei: olha,
eu quero um jardim! Ele falou: deixa comigo! Falei! Eu vou
confiar né; eu acho que ele tem uns dias a mais de quadrilha
do que eu e pra isso ele gosta de fazer; e ai ele fez bem feito.
Eu não sabia do painel, e ele falou: não venha, eu quero
mostrar quando estiver pronto; eu falei, é melhor, deixar a
mente pensante e eu cuido da minha parte e ele não interferiu;
e a parte dele foi cenário; ai um dia eu cheguei lá para o ensaio
na quadra, e o cenário montado, um jardim, e ele brincando
com a iluminação; eu falei: cara, simples, mas era isso que eu
queria. Talvez se eu tivesse que idealizar não tinha feito; ele
idealizou e projetou; e é algo que todo mundo elogiava
bastante a ideia, mas isso saiu da mente dele em uma imagem.
Ele falou: eu consigo projetar essa imagem dessa forma, com o
sol nascendo e como você disse. Eu quero assim, eu quero
dessa forma, e ele fez uma leitura e veio com aquele cenário
pronto. E foi algo que a gente gostou bastante (Sr. Luisinho,
Caipirada Capim Canela).

Dessa maneira é importante observar que o Sr. Carlito, no processo de


produção das performatividades juninas da Caipirada Capim Canela é criador,
executor e executante. Neste contexto, observa-se que a maioria dos
quadrilheiros juninos também têm sua contribuição. Segundo Menezes Neto
(2009, p. 122), “de acordo com as necessidades da quadrilha e do projeto, os
trabalhos de montagem podem aproveitar os talentos e demandas dos
componentes e quem era apenas executor pode vir a atuar na criação”. Desse
modo é frequente encontrar, nos diversos grupos juninos da região
196

metropolitana de Goiânia, membros dos grupos juninos criando, produzindo ou


auxiliando na produção dos aparatos cênicos e performáticos a serem
utilizados em suas performatividades.

Figura 28 - Sr. Carlito na Dinâmica de Produção

Fonte: Lanucce Lucas – Acervo Caipirada Capim Canela

Igualmente, os responsáveis por idealizar os movimentos dançados, têm


em mente a importância da criação da ambiência para a representação da
temática proposta. Nesse viés o repertório musical é ferramenta imprescindível
para o desenvolvimento da temática sugerida, à medida que as escolhas
musicais e o ritmo dançado auxiliam na narrativa junina. Segundo Noleto
(2016, p. 250) os responsáveis pelas sequências musicais devem ter “um vasto
conhecimento acerca de um repertório musical propício para uma performance
dançada”. Ainda, segundo o autor, para selecionar a música adequada para o
desenvolvimento da coreografia é preciso que os encarregados façam “uma
constante atualização de suas referências musicais a fim de que possam
ampliar suas possibilidades de escolha” (NOLETO, 2016, p. 250). Assim
mesmo, as escolhas das musicas que compõem as coreografias são diversas
vezes modificadas ao longo da produção coreográfica. Isso se dá pelas
adequações dos movimentos, ou mesmo pelas discussões entre a diretoria,
197

coreógrafos e integrantes sobre as dificuldades rítmicas de acompanhamento


ou compatibilização entre quadrilheiro e música.

A escolha do repertório musical da Caipirada Capim Canela para a


Revoada dos Vagalumes começou a ser trabalhada no final de 2016. Segundo
o Sr. Carlito, ele prefere que o Sr. Luisinho fique encarregado pelas escolhas
das músicas, pois é ele (o Sr. Luisinho) “que constrói as coreografias”. Assim
mesmo, o Sr. Carlito participa das decisões finais sobre as seleções musicais.
Desse modo, o Sr. Luisinho nos relata que para ele são vários “os estímulos
para a escolha do repertório musical”, como as musicas tocadas nas rádios
locais, as músicas já trabalhadas em outras quadrilhas e a pesquisa musical na
internet e no seu acervo pessoal composto por discos de vinil, cd’s e pen
drives. Nessa seara, ele reitera que prefere manter “a raiz caipira” e completa:

“eu sempre quis deixar rústico mesmo; porque a mensagem


que eu quero passar é essa, é de rustico, de simples; né!
embora teve alguns requintes, algumas musicas com alguns
arranjos, por exemplo: no momento de rainha, que a gente
exige algo mais! Mas eu consegui contar a história usando
coisas que eu escutava na minha infância; meu pai com um
violãozinho tocando uma musica ali; uma coisa que eu escutei
numa radio; de repente a gente fala de um personagem, mas a
gente conseguiu trazer em cima de uma música junina e antes
disso eu consegui antecipar com uma música que falava de
caipira, de enredo de novela, eu percebi naquela música a
oportunidade de demostrar isso na dança” (Sr. Luisinho,
Caipirada Capim Canela).

Ao falar do repertório musical, o Sr. Luisinho faz questão de mencionar


um clássico nordestino, ao qual ele se refere como “minha música hino - a
Polca Fogueteira do Luiz Gonzaga”. Segundo ele, essa música “traz a
quadrilha mesmo”, pois “é uma música instrumental que é alegre, ela é
espontânea, ela permite o dançarino ser espontâneo”. Nesse contexto, reforço
essa ideia com as elaborações de Pavis (2003, p. 130), o qual afirma que a
música “cria uma atmosfera que nos torna particularmente receptivos à
representação”. Ademais, a intervenção musical nas performatividades juninas
reforça o referencial junino, bem como estrutura a representação da temática
dançada.
198

Em meio ás informações obtidas nessa pesquisa, ao observar o


repertório musical da Caipirada Capim Canela, notei a presença de uma
composição assinada por Luis Roberto, o Sr. Luisinho. Acerca dessa
composição, Sr. Luisinho relata que “foi uma música que veio de inspiração por
meio da necessidade”. Assim ele explica:

A gente quer que o repertório musical seja característico e


tenha informações que te auxilie no que você está tentando
transmitir. A gente não usa muitas músicas cantadas. Mas pra
contar uma história, o marcador precisa desse apoio para
facilitar quem está ali sentado assistindo a gente, para poder
pelo menos se aproximar do que a gente quer fazer (Sr.
Luisinho, Caipirada Capim Canela).

Neste contexto é importante destacar que o desenvolvimento do enredo


junino na ação performática sustenta-se, na maioria das vezes, pela condução
do discurso do marcador. Rafael Silva Noleto (2016, p. 132) reforça que “o
marcador é um dançarino sem par e uma voz de comando que acompanha e
conduz o desempenho coreográfico de sua quadrilha”. Assim mesmo, a trilha
sonora é o principal suporte para o desempenho coreográfico apresentado.
Desse modo, o Sr. Luisinho explica que

Na Capim Canela, eu senti o desejo de fazer uma música que


talvez falasse da sua essência e o que a gente estava vivendo
naquele momento, que é a revoada de vagalumes. E não tinha
música, não tinha nada que a gente procurasse aqui, nem pra
se transformar pra poder aumentar o seu compasso para que
ela pudesse ficar dançante e a gente não tinha. Estava
chegando o período de apresentações e eu precisava de uma
cartada, uma música diferente para poder ou iniciar, ou finalizar
o enredo, e me veio em mente alguma coisa que fosse assim,
um pouco nosso mesmo, que pudesse emplacar e tivesse
notas alegres (Sr. Luisinho, Caipirada Capim Canela).

Sendo assim é interessante observar que novas composições atuam


não somente como modernização do repertório, mas também como parte
criativa da dinâmica de produção das Quadrilhas Juninas. Fayga Ostrower
(2003, p. 34), afirma que no processo criativo “o pensamento imaginativo”
explora algo por meio das “ordenações simbólicas”. Nesse contexto, Sr.
Luisinho afirma que procurou manter os versos dessa elaboração nos
parâmetros simbólicos do modo tradicional junino.
199

Então, trabalhei o que diz o enredo no refrão. E na estrofe


fiquei imaginando que tinha que ser uma música atemporal
para servir também para outras temporadas, falando um
pouquinho sobre a nossa essência. Falava sobre o tema do
dia, mas também eu posso usar hoje, porque é um pouquinho
da cara da Capim Canela, do que a gente vivencia, da nossa
tradição, no modo tradicional junino (Sr. Luisinho, Caipirada
Capim Canela).

Sendo assim, essa fala do Sr. Luisinho reitera o esforço da Caipirada


Capim Canela para evitar o afastamento dos conteúdos tradicionais. De certa
forma, essa é uma preocupação que gera embates a respeito do agenciamento
de conteúdos nas quadrilhas juninas da atualidade, ou seja, o que permanece
ou não, baseando no modo tradicional (MENEZES NETO, 2009; ZARATIM,
2014). Contudo, a dinâmica social abre portas para as transformações do
modelo tradicional das quadrilhas juninas, reverberando no que chamo nesta
tese de Espetacularização das Quadrilhas Juninas.

5.2 O Processo Criativo de Bonita

Logo após a temporada de 2016, a Quadrilha Junina Chapéu do Vovô


iniciou os trabalhos referentes ao período vindouro, ecoando o início do novo
ciclo junino de 2017. Este grupo junino tem por princípio esboçar suas
temáticas com bastante antecedência, para, segundo o Sr. Cristiano, irem
“amadurecendo a ideia, pois são várias pessoas que participam dessa
elaboração”. Reitero que este é um dos grupos juninos da região metropolitana
de Goiânia em que as atividades administrativas são realizadas de maneira
ordenada, e consequentemente colhe bons resultados no movimento junino de
Goiás e do Brasil. Desse modo, Sr. Cristiano, Presidente do Grupo afirma
valorizar a qualidade dos serviços em prol da cultura goiana.

A gente tem que levar essa qualidade. Inclusive até teve ano
da gente dar curso dentro do nosso grupo, justamente pra
gente mostrar esse padrão de qualidade pra implementar; a
gente deu uma palestra sobre administração pros dançarinos
da quadrilha, porque a gente tem que ter essa levada do
produto cultural que é a quadrilha junina; então quadrilheiro é
200

isso ai; ele é operário e ele é o dançarino ao dançar (Sr.


Cristiano, Quadrilha Chapéu do Vovô).

Sendo assim é verificado por incontáveis pessoas que se aproximam do


grupo por motivos diversos (científicos, comerciais, culturais, sociais, etc...) que
a Quadrilha Junina Chapéu do Vovô mantém uma gestão instalada na sua
própria experiência social.

Luciana Araújo de Holanda (2011) em sua Tese de Doutorado intitulada


“Resistência e apropriação de práticas do management no organizar de
coletivos da cultura popular” propõe analisar a organização de grupos da
cultura popular baseada na prática do management pelos indivíduos
participantes destes coletivos. Segundo Holanda (2011) os termos
management e administração podem ser entendidos como sinônimos
combinados, pois relacionam-se com as práticas das gestões públicas e
privadas, as quais são apropriadas pelos coletivos da cultura popular.

Apesar de afirmar neste trabalho que as quadrilhas juninas de


competição não são especificamente classificadas como manifestação da
cultura popular, trago as ideias da autora para este debate. Percebo que a
noção de organização administrativa dos coletivos da cultura popular defendida
pela autora se assemelham as atividades dos grupos de quadrilhas juninas
pesquisadas, às quais permanecem em constantes construções. Mesmo diante
da adesão de algumas técnicas administrativas, pertinentes às demandas da
indústria cultural, as lideranças juninas utilizam de seus conhecimentos
subjetivos baseados em suas experiências em virtude das necessidades de
seus grupos.

Segundo Holanda (2011, p. 138), “planejar significa organizar o trabalho


através de planos e programas visando racionalizar as ações propostas e
consequentemente obter maior capacidade de viabilização”. A autora elucida
que existe no campo das atividades culturais a necessidade de qualificação
profissional por parte dos coletivos culturais, o que estimula a inserção de
práticas do management, especialmente o uso das ferramentas de marketing e
gestão de projetos, próprias do universo do mercado empresarial. Em suas
elaborações, Holanda (2011, p. 12) nos coloca a pensar sobre as diversas
201

“noções e princípios administrativos” que “organizações sem fins lucrativos”


procuram alcançar. A autora nos afirma que elementos administrativos como
“eficácia, produtividade, performance, competência, empreendedorismo,
qualidade total, cliente, produto, marketing, desempenho, excelência” são
observados enquanto categorias de gestão.

E tem sido com essa visão administrativa que o Sr. Cristiano busca
implementar os processos técnicos de produção cultural do seu grupo,
baseado na criatividade e na obtenção de mão-de-obra especializada. O
plantel profissional que mantém contato produtivo com a Quadrilha Chapéu do
Vovô conta com profissionais da costura, da iluminação, da maquiagem, da
serralheria, da marcenaria, do artesanato, da decoração, da atividade física,
dentre outros.

Sr. Cristiano declara que até 2015 os grupos poderiam contar com as
leis de incentivo à cultura, promovidas pelo Governo do Estado de Goiás e
Prefeitura de Goiânia. Segundo ele, a partir de 2016, os grupos juninos, assim
como outras manifestações da cultura popular do Estado de Goiás tiveram que
buscar por outras vias de financiamento, as estratégias para viabilizar a
dinâmica da produção cultural goiana. Neste contexto é importante observar
que, devido as dificuldades financeiras vividas pelo grupo, o Sr. Cristiano
afirma aproveitar também a mão-de-obra dos profissionais que participam da
Quadrilha Chapéu do Vovô igualmente como dançarinos.

As pessoas falam que a Chapéu do Vovô é um grupo muito


rico. Não, a gente não tem dinheiro, a gente é um grupo que
trabalha muito, e usa muito a inteligência, e usa muito as
habilidades de todas as pessoas da quadrilha; então quando a
gente vê que a pessoa tem um potencial, a gente vai atrás dele
pra poder tá colocando para trabalhar (Sr. Cristiano, Quadrilha
Chapéu do vovô).

Desse modo, existe todo um aparato administrativo sustentado pela


racionalização das ações do grupo para que a dinâmica de produção funcione
conforme o planejamento elaborado pela diretoria, a qual é composta na
maioria por pessoas do mesmo grupo familiar62. Neste contexto o grupo

62
Um detalhe importante sobre a Quadrilha Chapéu do Vovô é que a relação familiar e o grau
de parentesco alicerça a continuidade do grupo. O próprio nome do grupo confirma sua origem
202

organizou a temática a ser apresentada em suas performatividades da


temporada 2017, criando uma cidade fictícia chamada Bonita.

A coreógrafa e rainha do grupo, a Professora Carol Aguiar nos relata


que a escolha do tema é sempre feita pelo pai dela, o Sr. Valdeir, filho do
fundador do Grupo, o Vovô João Evangelista. Sr. Valdeir é conhecido no meio
junino como Pelé e cresceu participando dos feitos juninos promovidos pelos
familiares, enquanto grupos de socialização (ZARATIM, 2014). A Professora
Carol nos informa que o Sr. Valdeir é o Diretor Artístico do grupo e um dos
coreógrafos. Nesse contexto, Pelé:

fica pesquisando muito; até fico sabendo sobre o tema com


antecedência, porque ele escuta a mesma música do tema mil
e uma vezes lá em casa (risos); então eu já sei qual vai ser o
tema. Mas, ele vai pesquisando, vai tendo algumas
inspirações! Esse processo é muito dele; de onde surgiu essa
inspiração eu não sei, de pesquisar; mas ele é quem determina
qual vai ser o tema; então ele trouxe muito essa questão das
flores, da mulher e dentro disso ele escolheu esse: Bonita
(Carol Aguiar, Quadrilha Chapéu do Vovô).

Sr. Valdeir é Guarda Civil Metropolitano da Prefeitura de Goiânia e nos


conta, animado, que o gosto pela arte, pela cultura e pela pesquisa advém
segundo ele, do berço familiar:

O meu gosto pela arte e pela cultura (risos) eu já nasci com


ele, é a minha raiz ne; aprendi muito com a minha família; eu
sou uma pessoa que gosta muito de ler, assim gosto muito de
pesquisar, gosto muito de buscar, e quando eu vou fazer um
tema de quadrilha eu gosto muito de saber o que eu tô
levando, o que está sendo passado pra quem vai ver o grupo
dançar (Sr. Valdeir, Quadrilha Chapéu do Vovô).

Sendo assim, podemos notar no início desta fala do Sr. Valdeir que os
saberes culturais da Quadrilha Junina Chapéu do Vovô são conduzidos através
da comunicação geracional e relações de parentesco. Nesse mesmo viés,
percebe-se que o Sr. Valdeir estabelece uma relação entre o conhecimento
popular, o conhecimento familiar e a busca pelo conhecimento sistematizado

em 1984, em uma figura paterna, o Vovô, Sr. João Evangelista. Tal qual observei em 2014 é
comum encontrar nos grupos de quadrilhas juninas da região metropolitana de Goiânia a
relação de parentesco (ZARATIM, 2014).
203

proporcionado pela teoria para desenvolver as temáticas juninas. Nestes


termos, ele nos afirma que em suas criações tudo “tem que ter o começo, tem
que ter o meio e tem que ter um fim” e ao criar um tema “esse tema tem que
ser redondo, cheio de detalhes; não pode simplesmente jogar lá e pronto; e eu
gosto muito de criar algo imaginário e isso me faz pesquisar mais e criar mais”
(Sr. Valdeir, Quadrilha Chapéu do Vovô).

O imaginário referido pelo Sr. Valdeir diz respeito a sua imaginação


criativa. Segundo Fayga Ostrower (2013, p. 32) a imaginação criativa alude
“hipóteses sobre certas configurações viáveis a determinada materialidade”. A
cidade fictícia Bonita, então se materializa a partir da especificidade da
imaginação e da criatividade de seu idealizador que procura abranger
significados circunstanciais para as performatividades pretendidas. Nesse
sentido, a viabilidade da hipótese apontada para essa temática se configura no
fazer junino e suas performatividades.

Conforme relatos do Sr. Cristiano, assim que a ideia principal é colocada


em questão, a viabilidade e a expressividade do conteúdo temático devem ser
percebidas pelas lideranças do grupo para que então as frentes de trabalho
sejam definidas. Em linhas gerais, existe um compartilhamento do comum, dos
espaços, dos tempos e das ações entre os participantes da Quadrilha Junina
Chapéu do Vovô, à medida que são dotados de capacidade para definir os
processos de repartição das tarefas a serem desempenhadas.

Para Rancière (2010, p. 17), a distribuição do comum diz respeito às


configurações das ações nas práticas artísticas, pois “intervêm na distribuição
geral das maneiras de fazer e nas relações, como maneiras de ser e formas de
visibilidade”. Nesse sentido, a partir do planejamento discutido, as lideranças
do grupo definem quem participa das ações na dinâmica de produção,
baseados nas habilidades e conhecimentos individuais. Desse modo, o Sr.
Cristiano ressalta que as relações de hierarquia e de parentesco são
“tranquilas e equilibradas nas tomadas de decisão”. No mesmo pensamento, o
Sr. Valdeir então assim reitera:

Eu passo uma ideia do que eu quero pro grupo; então, assim,


pelas pessoas já me conhecerem há tanto tempo dentro do
204

grupo e saber das ideias é uma coisa tranquila; geralmente eu


chego e o meninos falam: nossa Pelé, então esse vai ser o
tema mesmo? E eu respondo: é! Vamos tentar trabalhar isso.
Geralmente é tranquilo! Eu levo pra diretoria e eles aprovam!
(Sr. Valdeir, Quadrilha Chapéu do Vovô).

Neste contexto, a ideia da cidade fictícia chamada Bonita partiu da


vontade de seu idealizador de homenagear as mulheres e principalmente suas
filhas, as quais são dançarinas na Quadrilha Junina Chapéu do Vovô: a Carol
Aguiar, rainha e coreógrafa do Grupo e a Camila, a noiva do elenco junino.
Desse modo, o Sr. Valdeir, envaidecido, assim nos relata:

Olha! O tema Bonita nasceu de ver as minhas filhas dançando


quadrilha. Eu quis fazer uma homenagem à minhas filhas e
fazer uma homenagem às mulheres também. Eu sempre tinha
isso na minha cabeça. Eu falava! – Um dia eu vou fazer essa
homenagem! Eu tive a ideia de juntar de trabalhar duas coisas:
a questão da mulher e a questão da flor, dessas flores que
aparecem dentro da quadrilha. É um tema que vem há muitos
anos martelando na minha cabeça! (Sr. Valdeir, Quadrilha
Chapéu do Vovô).

Existe então, na construção da temática principal a solicitude de


relacionar as mulheres com as flores, a fim de materializar a imagem romântica
da mulher na temática junina. Sendo assim o Sr. Valdeir busca revelar
representações femininas a respeito da mulher morena, da mulher loira, da
mulher negra e da mulher ruiva. Esta configuração do feminino foi construída
para o desenvolvimento do enredo de Bonita. Segundo o Sr. Valdeir:

cada grupo daquele ali, representava uma flor; a ligação da flor


com a característica de cada dama foi feito em um processo
dentro do grupo mesmo; a gente foi desenvolvendo o tema, eu
não trouxe isso pronto, foi surgindo; tem muita coisa que, na
verdade é detalhe que a gente vai trabalhando durante toda a
temporada; Isso passa por um processo para chegar a isso,
dentro da própria criação mesmo (Sr. Valdeir, Quadrilha
Chapéu do Vovô).

Sr. Valdeir completa que seu avô, o Sr. João Evangelista dizia que “a
beleza das quadrilhas estava nas mulheres”. Nesta similitude entre a mulher e
as flores, a metáfora utilizada revela na ação performática, significados que
simbolizam a beleza, o perfume, a resistência e a sensualidade que o Sr.
Valdeir atribui às mulheres nas quadrilhas juninas. Simbolicamente, o
205

pensamento do Sr. Valdeir diz respeito à relação teatral realizada entre autor e
personagens. Mais ainda, percebe-se uma noção de simultaneidade entre um
código cultural (a mulher-flor) e a perspectiva sociocultural sobre a condição da
mulher no imaginário junino.

Pavis (2011, p. 337) entende o vínculo afetivo entre o autor e o


personagem como uma “visualização e concretização das inúmeras relações
dentro do processo criativo”. Neste contexto, o Sr. Valdeir indica as
características dos personagens no âmbito da ação ao elaborar a temática. Ao
criar uma cidade imaginária o Sr. Valdeir pensou nos habitantes daquele lugar.

Segundo Pavis (2011, p. 138) o espaço ou lugar teatral “cerca-se por


vezes de mistérios e de uma poesia que impregnam totalmente o espetáculo
que aí se dá”. Desse modo, o lugar é uma combinação de fatores, que no caso
de Bonita, compreende a estrutura cênica como esta é idealizada, seus
habitantes/personagens, o tempo/período no qual foi pensada a trama junina, a
cenografia e o lugar teatral.

A partir das definições sobre a estrutura cênica, a cenografia de Bonita


foi pensada pelas lideranças do grupo, com a finalidade de abranger a ideia
principal dentro de uma cidade voltada às características das cidades do
interior. O Sr. Cristiano nos declara que o grupo “tinha ideia de fazer um
cenário que reproduzisse uma cidade do interior, que era a cidade de Bonita,
que foi mais ou menos inspirada na cidade de Goiás”. Foram dessa forma
montadas pequenas estruturas que indicavam moradias simples e interioranas.

Vale ressaltar que o cenário da Quadrilha Chapéu do Vovô em 2017 foi


um dos mais elaborados nesta temporada, em relação a todo o Circuito Goiano
de Quadrilhas Juninas. Assim, o cenário foi composto por estruturas móveis
que entravam em cena, conforme o enredo era performado. O cenário móvel
foi então composto por estruturas que lembravam habitações interioranas e
tinham cerca de 4 (quatro) metros de altura; uma estrutura representando uma
flor gigante de cerca de 3,5 (três e meio) metros de altura e circunferência de 2
(dois) metros; uma estrutura que representa uma fogueira próximo de 3 (três)
metros de altura e circunferência de 2 (dois) metros. Sem contar com os
acessórios utilizados nas apresentações, como a iluminação e a “bicicleta do
206

Vovô Florista” (Sr. Cristiano, Quadrilha Chapéu do Vovô). Assim, o Sr. Cristiano
completa que:

As nossas casinhas são cenários reaproveitados; a gente não


tinha dinheiro e eu falei: Dedé (o André, um dos diretores do
grupo) a gente pega aquele cenário corta e reaproveita, você
solda e faz as casinhas; ai eu falei: Marcos Vinicius (integrante
do grupo que trabalha com identidade visual) então vamos lá,
compra essas lonas, e você faz a aplicação, faz os desenho,
faz tudo; numa dessas idas e vindas, no trabalho do Carlei
(esposo de uma das integrantes do grupo) tinha uns caixotes
que eles tinham jogado no lixo, parecido com andaimes; e
podemos aproveitar no cenário; a gente foi pegando o dom de
cada um e reaproveitando todos os materiais, é o que a gente
faz todos os anos; tudo o que a gente usa é reaproveitado;
madeira, ferro, tudo é feito por nós mesmos e reaproveitamos
os materiais (Sr. Cristiano, Quadrilha Chapéu do Vovô).

Esses elementos físicos estruturados para o cenário móvel de Bonita,


integraram a performatividade da Quadrilha Chapéu do Vovô, a qual está
centrada na imagem e na ação. Além disso, a cenografia apresentada participa
também das ações narrativas das composições da dança junina, à medida que
se identifica com a ambiência da cena junina.

Figura 29 - Estrutura da Flor Gigante

Fonte: Cristiano Dias – Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô


207

Neste escopo é importante observar que o processo da dinâmica de


produção dos grupos de quadrilhas juninas requer recursos financeiros e,
conforme nos declara o Sr. Cristiano, é necessário também fazer parcerias com
“entidades e pessoas próximas”. Sendo assim:

É muito gratificante você ver aquela galera que se une para


fazer o negócio e no final das contas sai tudo muito bem feito;
usando o dom de cada pessoa; citando por exemplo o cenário
de Bonita, aquela flor; a gente tem um menino aqui dentro da
quadrilha, o Danilo, ele é formado em mecatrônica e se tornou
um cenógrafo, ele quem projetou o elevador nosso, a gente
utilizava, tudo com material reciclável; então aquela flor que a
Carol (a rainha) saía a gente bolou aquele negócio; a gente
imaginou a catraca pra subir e descer, então era tudo
automatizado; ele desenhou num papel, do tamanho real, a
gente foi fez o formato das flores, das pétalas tudo; fomos atrás
de um cenógrafo conhecido que sempre faz o figurino pra
gente que sugeriu que a gente podia revestir ou de E.V.A. ou
de ESPUMA, e nós preferimos trabalhar com a espuma, e
nesse mesmo ano a gente tinha dentro da quadrilha um cara
que era tatuador, dançarino ne (risos), então eu disse: tatuador
ele sabe pintar; e disse a ele que quando tivesse tempo ele iria
pintar, vamos estar lá com você pra você pintar; a gente foi lá
comprou as tintas, comprou tudo o que ele pediu; a gente já
tinha todo o material, todas as ferramentas; ai ele grafitou a
rosa, e ficou assim ne, uma obra de arte; e ficou muito bonito
mesmo; então graças a Deus (Sr. Cristiano, Quadrilha Chapéu
do Vovô).

Neste contexto, baseado no projeto de gestão da Quadrilha Chapéu do


Vovô, o Sr. Cristiano alega que as transformações administrativas do grupo
ocorreram devido a este “tipo de parceria, dos voluntários e da participação dos
dançarinos”. Contudo, há um caminho a ser trilhado para compor o elenco da
Quadrilha Chapéu do Vovô que vai além das habilidades corporais: fazer parte
do processo de construção da quadrilha junina.

Tem muitos outros presidentes de grupos, que fala que alguns


quadrilheiros que saíram do grupo dele não faziam nada lá e
estão trabalhando no nosso grupo; no nosso grupo é o
seguinte: ou trabalha ou não fica, aqui todo mundo trabalha. A
grande maioria faz parte do processo de construção da
quadrilha junina, porque eu acho que é uma das coisas que
ajuda o quadrilheiro a valorizar aquela roupa que ele veste, o
cenário que ele tá dançando, a música que ele vai tá ouvindo;
208

então ele consegue. Então, nós vimos que o dançarino – as


pessoas da quadrilha precisam trabalhar, precisam de
responsabilidade; então, independente de ter recurso do
governo ou não, nós vamos trabalhar; vamos fazer festa,
vamos fazer evento, vamos fazer rifa, as pessoas vão pagar
uma taxa, mesmo que seja simbólica, e depois isso ai vai ser
revertido pro próprio dançarino, como beneficio em viagem ou
qualquer outra coisa, e a gente sempre faz assim. (Sr.
Cristiano, Quadrilha Chapéu do Vovô).

Desta forma o grupo trabalha mediante a interação social e


administrativa, resultando em um trabalho coletivo para a produção dos
elementos necessários para a performatividade junina. É certo que os
elementos que compõem a dinâmica de produção junina requerem trabalho
minucioso.

A exemplo disto é importante ressaltar o figurino pretendido para a


temporada 2017 da Quadrilha Junina Chapéu do Vovô. A composição do
figurino nas quadrilhas juninas para as damas é basicamente o vestido, com
saias volumosas na maioria dos casos, as calçolas, o calçado, as meias,
arranjos de cabeça, às vezes aplique de cabelo, maquiagens e acessórios
conforme solicita a temática. Para os cavalheiros o figurino se resume na roupa
composta pela calça e as partes de cima (camisa, colete, suspensórios, capas,
etc), chapéu, calçado, meias e acessórios. Segundo o Sr. Valdeir, para Bonita,
deveriam criar uma espécie de “comunicação com quem visse” cada peça do
vestuário junino. Toda a indumentária depende de um processo criativo
baseado na temática proposta, a qual necessita de pesquisa e conhecimento
por parte do figurinista em relação a todas as áreas da quadrilha. É preciso que
o figurino seja funcional para o enredo, ou seja todos os elementos de
constituição dos trajes, como cores, tecidos, formas, volumes, e outros,
estejam em sintonia entre si.

Nesta circunstância cito Pavis (2011, p. 169), o qual afirma que “o olho
do espectador deve observar tudo o que está depositado no figurino como
portador de signos”. Acerca do figurino 2017, o Sr. Valdir assegura que “pensa
muito no público” e que tem alguns critérios pessoais para pensar em como a
indumentária poderia ser criada.
209

nós temos o figurinista (um dos membros do grupo) que vai


trabalhar com o figurino; então eu preciso passar pra ele e ele
tem que saber o que tá se passando na minha cabeça; Pelé o
que você quer? O carro forte da nossa quadrilha vai ser as
flores? Tá, então nós vamos trabalhar no figurino isso. O
repertorio musical nosso, essa cidade Bonita é uma cidade do
interior; é algo voltado muito pro sertão? É isso? Então nisso
vai se criando o figurino. De acordo com o que o tema está
pedindo, valorizando a mulher e as flores; a maioria dos
homens de uniforme militar; e são quatro flores no figurino
feminino, distribuídas em quatro grupos de mulheres
representando a negra, a ruiva, a morena e a loira (Sr. Valdeir,
Quadrilhas Chapéu do Vovô).

Nesse sentido, o figurino foi baseado na contextualização da temática


sugerida para garantir a sintonia com o todo. Assim, as mensagens que o Sr.
Valdeir quer transmitir durante a performatividade junina são também
vislumbradas pelo traje que estabelece uma importante conexão entre os
quadrilheiros juninos, a temática apresentada e a audiência.

Figura 30- Processo de Produção do Figurino

Fonte: Adriana Vieira – Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô


210

O figurino, como composição da performatividade junina acompanha a


evolução da encenação dançada e teatralizada, assim como é “muitas vezes
uma cenografia ambulante, um cenário trazido à escala humana e que se
desloca com o autor” (PAVIS, 2003, p. 164). Tais relações envolvidas na
performatividade junina são incrementadas por elementos e acessórios
utilizados pelos quadrilheiros juninos, baseado em suas utilidades dentro da
cena. Elementos como as perucas das damas, o vestuário do marcador, o
vestuário do noivo, as cores dos vestidos das damas e outros oferecem
informações para o público diferenciar os personagens em cena e
compreender a trama junina apresentada.

a gente usa muita pedraria, muito strass, muitas pedras no


nosso figurino para poder estar embelezando; outra coisa que
a gente usa, e todas as quadrilhas usam é a questão de
aplique no cabelo né, a peruca; e como o tema era Bonita, a
gente tinha 4 (quatro) damas, 4 (quatro) tipos de cabelos;
aquele cabelo é terrível, é grande, tem que ser tratado todos os
dias que dança, tem que lavar, passar amaciante; não é fácil a
vida de quadrilheiro; (risos) (Sr. Cristiano, Quadrilha Chapéu do
Vovô).

Completando as informações sobre o figurino, a rainha e coreógrafa do


grupo, Professora Carol Aguiar nos conta que a figura da mulher foi sempre
“valorizada na construção desse tema”. Apesar da ideia inicial proceder do
imaginário do Sr. Valdeir e a construção do figurino resultar das habilidades de
um figurinista integrante do grupo, Carol nos informa que existe um processo
de constituição das personagens ajustados à indumentária. Assim, o figurinista:

trouxe as ideias de que a saia das mulheres quando fossem


vistas de cima, parecessem flores; foi então, valorizada a
questão da diversidade, e isso foi dado pelos cabelos
(diferentes cores). Então vamos supor: quem era negra, ficava
na cor amarela, porque normalmente a pessoa negra na cor
amarela fica mais bonita; as meninas que eram morenas e
negras, colocamos no grupo amarelo; as meninas que eram
mais loiras colocamos no grupo roxo que era de cabelo loiro;
as morenas que eram de cabelo preto e foi tentando trazer
211

essa categorização (risos), e posicionamos as meninas; e foi


desse jeito!63 (Carol Aguiar, Quadrilha Chapéu do Vovô).

Nestas elaborações da Quadrilha Junina Chapéu do Vovô os


responsáveis pela indumentária preocupam-se com a sobreposição de cores
do figurino, à medida que o jogo de cores são fundamentais para compor os
personagens, bem como para criar o ambiente da cena. É bem verdade que
esse arranjo de cores na ambiência junina atua nas comunicabilidades, pois
também constituem proveito para as narrativas propostas. Desse modo, Carol
Aguiar nos relata que a caracterização dos personagens é adequada ao
imaginário representativo da temática pela “variedade do figurino”. Assim, a
professora completa que “o figurino masculino é mais fácil e foi pra dar uma
harmonizada, porque as meninas estavam bem coloridas. E assim, trouxe uma
cor mais fechada”. (Carol Aguiar, Quadrilha Chapéu do Vovô).

Figura 31- Figurino 2017

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Junina Chapéu do Vovô

É oportuno observar que a composição do figurino então deve trazer


sintonia necessária ao que se pretende apresentar. Assim sendo, observa-se
que a performatividade das quadrilhas juninas na atualidade é constituída por
dimensões artísticas combinadas, para que os elementos representativos do

63
Pareceu-me que a Carol tinha descoberto algo na sua própria fala e continuou em
gargalhadas.
212

tema possam ser abordados e incorporados nas cenas dançadas e


teatralizadas.

Figura 32 - Variação do Figurino das Damas 2017

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Junina Chapéu do Vovô

Seguindo com a discussão sobre a dinâmica de produção da Quadrilha


Junina Chapéu do Vovô, interessa nesse momento mencionar o repertório
musical do grupo, que por sua vez tem demonstrado o interesse das lideranças
juninas de outros grupos, pela renovação dos ritmos dançados. Para Menezes
Neto (2009, p. 107), a música utilizada nas performatividades juninas “torna-se
um dispositivo para a conexão imediata com o público e com o cotidiano do
próprio brincante”. Outrossim, a montagem do repertório musical para as
temáticas apresentadas pelos grupos juninos é tarefa baseada na escolha da
trilha sonora que melhor combina com o desenvolvimento do enredo, ou seja, é
“aquela que traduza os sentimentos e emoções pretendidas em cada trecho do
percurso da narrativa” (MENEZES NETO, 2009, p. 113). Desse modo, o Sr.
Valdeir observa que, para ele, no processo de produção de uma quadrilha
junina é melhor “começar a quadrilha pelo repertório musical”. No caso de
Bonita, a música que o inspirou no desenvolvimento do tema foi uma
composição de Luiz Gonzaga chamada, Açucena Cheirosa. Dessa forma, o Sr.
Valdeir explica que:
213

quando eu vou começar um tema da quadrilha, no meu íntimo,


eu penso muito em qual vai ser o repertório musical da
quadrilha. E eu precisava muito de fazer um resgate das
músicas juninas, do repertório junino e trazer pra dentro da
quadrilha, pra voltar no tempo de novo. Então, a música chave
pra mim foi a Açucena Cheirosa (Sr. Valdeir, Quadrilhas
Chapéu do Vovô).

É bem verdade que a seleção musical dos grupos de quadrilhas juninas


ocorre amparada pelo “equilíbrio entre tradição e modernidade”, conforme
afirmação de Menezes Neto (2009, p. 114). Neste contexto, a pesquisa musical
abrange os clássicos juninos com gravações originais ou regravadas por
grupos contemporâneos. Assim sendo, “é interessante ter novas interpretações
dos clássicos ou composições inéditas que possam ‘modernizar’ o espetáculo e
escapar das músicas consideradas ‘muito batidas’, aquelas já utilizadas por
diferentes quadrilhas” (MENEZES NETO, 2009, p. 114).

Sr. Valdeir observa que para escolher o repertório musical na construção


do tema junino ele experimenta muitas horas ouvindo varias músicas a fim de
encontrar “a música ideal”. Nesse contexto, o Sr. Valdeir relata que conta com
o auxílio do irmão, Márcio Antônio, que é o Diretor Musical da quadrilha
Chapéu do Vovô. Assim, o marcador do grupo nos revela que “o Márcio
Antônio, tem uma biblioteca muito grande de repertório musical. Tem música
que não tem uma batida, um arrasta pé, que não é música junina”, mas ele
insiste em usar. Segundo informações do Sr. Valdeir, o Sr. Márcio Antônio faz
diversas adaptações musicais modificando alguns ritmos como o samba e a
bossa nova para o forró. É importante ressaltar que a formação musical do Sr.
Márcio Antônio é violão popular.

as vezes a gente faz um tema e pega uma música popular


brasileira, por exemplo: música da jovem guarda e já levou na
quadrilha, já pegou música do samba e colocou na quadrilha e
fez adaptações. Então eu queria fazer algo assim, voltado
mesmo para o movimento junino (Sr. Valdeir, Quadrilha
Chapéu do Vovô).

Nesse processo da escolha das músicas a serem coreografadas, a


Professora Carol Aguiar reitera que seu pai, o Sr. Valdeir, seleciona várias
músicas e solicita auxílio do Sr. Márcio Antônio para transformar algumas
214

composições em musicas juninas. Isso significa que alterações no ritmo de


algumas musicas são realizadas, a fim de adequar-se ao ambiente junino,
confirmando a fala do Sr. Valdeir. Geralmente ritmos como o samba, o vanerão
gaúcho, mpb e tantos outros são transformados em ritmo de forró para ajustar-
se com as temáticas propostas. Essa prática não é desconhecida no meio
junino, principalmente porque o forró, como mencionado anteriormente é o
ritmo mais solicitado nas práticas juninas da atualidade (ZARATIM, 2014).

Nesse contexto, Carol Aguiar nos informa que a Quadrilha Junina


Chapéu do Vovô procura sempre o melhor resultado nos trabalhos realizados.
O tio dela, o Sr. Márcio Antônio foi até Fortaleza, no Estado do Ceará para
gravar o repertório de Bonita, juntamente com uma banda de Forró. Carol
Aguiar, assim nos declara:

meu tio Marcio Antônio viajou para Fortaleza e gravou o


repertório lá com o pessoal da Regional da Junina Babaçu64,
porque eles são nossos parceiros há alguns anos e têm uma
qualidade musical muito boa. Meu tio Marcio Antônio gosta de
trabalhar com eles e foi pra lá pra gravar, pra fazer esse
repertório. (Professora Carol Aguiar, Quadrilha Chapéu do
Vovô).

Desse modo a Quadrilha Chapéu do Vovô busca a qualidade sonora de


seu repertório musical. Menezes Neto (2009, p. 128) afirma que “a qualidade
sonora responde pelas questões técnicas da qualidade da gravação ou das
bandas”. Desde 2016, a quadrilha Chapéu do Vovô introduziu uma banda para
conduzir o seu repertório musical.

era um sonho que a gente tinha; eu vim ver de perto uma


quadrilha dançar com banda ao vivo foi na primeira vez que a
gente foi no Ceará em 2007. Quando eu vi as quadrilhas
dançando com o que eles chamam de regional, eu fiquei
maravilhado! Meu Deus, a gente tem que levar isso! (Sr.
Valdeir, Quadrilha Chapéu do Vovô).

A primeira vez que o grupo utilizou uma banda foi no Concurso Nacional
de Quadrilhas Juninas promovido pela Confebraq na cidade de Belém, Estado

64
A Quadrilha Junina Babaçu é um grupo de Quadrilha Junina da cidade de Fortaleza, Estado
Ceará fundada em 1989. É comum, nos estados do nordeste brasileiro, os grupos de
quadrilhas juninas serem denominados de “Junina”. Também, as bandas que acompanham os
grupos de quadrilhas juninas são conhecidas no nordeste como “Regional”.
215

do Pará. Neste certame, a Quadrilha Junina Chapéu do Vovô conquistou o 2º


lugar em âmbito nacional. Naquela ocasião, a gravação do repertório musical
tinha sido realizada por meio do mesmo processo descrito acima em que o Sr.
Márcio Antônio, como de costume, foi até Fortaleza – CE para gravar o
repertório musical com a Banda da Junina Babaçu. Com a conquista da
primeira colocação em Goiás, o Sr. Cristiano e todo o elenco sentiram-se
motivados em constituir uma banda como componente complementar do grupo.
As negociações foram feitas e o grupo goiano encontrou com uma banda
cearence nas vésperas do festival. Sr. Valdeir entusiasmado nos relata que “foi
um processo de quase dez anos trabalhando essa ideia para se montar uma
banda”. Ele ainda completa:

falando especificamente da Banda Chapéu do Vovô é um


marco. Pra mim é um divisor de águas dentro do movimento
junino goiano. A Chapéu do Vovô é o primeiro grupo a montar
uma banda junina em Goiás. A gente quando dança com uma
banda, (risos) a gente quer dançar só com a banda. É
diferente! É uma coisa assim, fantástica! É até difícil de
explicar! (Sr. Valdeir, Quadrilha Chapéu do Vovô).

A Professora Carol Aguiar, também defende a formação de bandas nas


quadrilhas juninas, pois estes conjuntos musicais são capazes de influenciar
positivamente nas execuções dos movimentos dançados e teatralizados no
momento da performance. Igualmente os aspectos afetivos são levados em
consideração, porquanto a música ao vivo manifesta-se mais dominante sobre
o comportamento do quadrilheiro junino na atividade dançante. Em suas
palavras Carol nos explica:

Sempre quando nós íamos para os campeonatos, pra fora, a


gente via que era diferente quando os grupos dançavam com a
banda. A gente sentia! A gente estava vendo e queria dançar
junto! Imagina pra quem estava lá. Então era diferente! A
energia é outra. Sempre foi um sonho da Chapéu do Vovô
trazer a banda! (Professora Carol Aguiar, Quadrilha Chapéu do
Vovô).

Sendo assim, 2017 marca um limite inicial para a inclusão de bandas


juninas, nas performatividades juninas em Goiás com a formação da Banda
Chapéu do Vovô. A partir de então a Banda Chapéu do Vovô compõe-se por
pessoas de Goiânia, o que facilita a dinâmica de produção da performatividade
216

junina, à medida que os ensaios com a presença da banda são mais


frequentes. Outros grupos da capital goiana também aprovaram e aderiram a
inclusão de uma banda junina em seus grupos. É o caso da Quadrilha Junina
Arriba Saia, outro grupo filiado a Fequajugo que concorre em iguais condições
artísticas, administrativas, financeiras e estéticas com a Quadrilha Chapéu do
Vovô no movimento junino goiano.

Figura 33 - Banda Chapéu do Vovô

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

Desse modo, a Professora Carol Aguiar relata que a formação do grupo


musical de 2017 ficou sob a supervisão de seu tio Márcio Antônio. Contudo,
segundo a professora, “foi difícil achar pessoas que conhecem a musicalidade
regional”, melhor dizendo, músicos que “conhecessem o mundo junino” de
Goiás. Assim mesmo a primeira formação da Banda Chapéu do Vovô foi
constituída por, conforme relata Carol Aguiar, por um vocalista, um violonista,
um baixista, um baterista e um zabumbeiro.

e essa foi a Banda Chapéu na primeira formação; e foi muito


bom! Faz muita diferença a pulsação e a energia. A vontade de
dançar é totalmente outra, porquê, não sei explicar por que,
mas é palpável essa diferença. Quando se está dançando ao
vivo, a energia não tem cansaço, não tem nada; é muito bom!
(Professora Carol Aguiar, Quadrilha Chapéu do Vovô).
217

Apesar de toda essa positividade na formação de uma banda junina,


alguns contratempos são considerados pelos grupos juninos para esta feita. A
questão financeira é um contratempo considerável, especialmente porque a
formação de uma banda onera sobremaneira os custos de produção de uma
Quadrilha Junina. É relevante salientar que os grupos de quadrilhas juninas,
quando são contemplados com projetos aprovados nas leis de incentivo à
cultura, os valores disponíveis nem sempre cobrem todo o orçamento. Desse
modo, na maioria dos casos, segundo o Sr. Cristiano, os grupos arcam com
grande parte das despesas com as indumentárias, buscando “minimizar os
gastos que os quadrilheiros têm para dançar”. Sendo assim, os custos com a
formação de uma banda devem ser bem planejados para evitar transtornos na
execução do projeto, especialmente porque “a trilha sonora gravada em estúdio
exige menos recursos financeiros e técnicos” (MENEZES NETO, 2009, p. 120).
Assim, o Sr. Cristiano nos informa que “só com a Banda Chapéu do Vovô nós
gastamos mais de R$ 30.000,00 (trinta mil reais)” entre ensaios e
apresentações.

Outrossim, o entrosamento da banda com os dançarinos e o marcador é


um elemento que deve ser levado em consideração. A maior parte das sessões
destinadas aos ensaios é realizada com músicas gravadas. Há a necessidade
de praticar a coreografia com música ao vivo para adequação com o ritmo. A
Professora Carol Aguiar chama a atenção a respeito da necessidade de
preparar os dançarinos para apreenderem uma ambiência musical distinta do
que lhe é familiar, “porque tudo muda com a banda”.

Entretanto, tudo isso depende dos ajustes realizados nos ensaios, o que
requer disponibilidade das agendas dos componentes da banda e de como a
negociação foi feita. Sendo assim, a banda deve estar disponível para um certo
número de ensaios e igualmente para as apresentações. Sr. Valdeir, enquanto
marcador nos informa que sua maior preocupação é “o entrosamento com o
vocalista da banda”. É imprescindível que um ouça o outro para que as
narrativas sejam completadas conforme o idealizado.

Sobre a construção do personagem marcador da Quadrilha Chapéu do


Vovô, o Sr. Valdeir relata que comandar as evoluções dos enredos da
218

quadrilha “não é de uma hora para outra”. É preciso vários anos para
desenvolver a liderança dentro do grupo e “ter facilidade para isso”. O Sr.
Valdeir ainda observa que quando passou a ser marcador de quadrilha “não
tinha uma noção tão grande assim da dimensão do que era o marcador”.

Rafael Silva Noleto (2016, p. 132) afirma que o marcador “constitui-se


como um sujeito que estabelece canais de intermediação, interação e diálogo
entre a quadrilha, o júri e o público, dando inteligibilidade ao enredo
coreográfico narrado pelos passos de dança”. Neste contexto, observo que o
papel do marcador levantado pelo Sr. Valdeir e pelos escritos de Rafael Noleto
diz respeito à função performática do personagem marcador. Tais atribuições
performáticas não obriga o sujeito junino a exercer liderança administrativa
dentro do grupo, já que o marcador é m personagem construído pelo
quadrilheiro junino.

No processo de criação do personagem marcador, o Sr. Valdeir relata


que por vários anos, buscou observar os marcadores de outros grupos para
conceber sua própria interpretação. Nesse sentido, sua preparação é baseada
nas emoções indicadas “na história que a quadrilha vai contar” para o papel do
marcador.

Foi um processo que fui aprendendo; como eu gosto muito de


pesquisar e de observar, eu fui observando os marcadores de
quadrilha. Então tinha aquele marcador tradicional, tem aquele
marcador que marca o que o dançarino vai fazer; tem aquele
marcador que tem o estilo de Brasília que faz um diálogo com
os dançarinos e tal; só que eu tinha que procurar uma marca
minha, eu tinha que achar uma maneira minha de marcar; e foi
isso, essa é a minha maneira de marcar (Sr. Valdeir, Quadrilha
Chapéu do Vovô).

Nesse sentido em referência à caracterização de um personagem Pavis


(2011, p. 38) assevera que esta “consiste em fornecer ao espectador os meios
para ver e/ou imaginar o universo dramático”. Na continuidade de ideias sobre
a sua caracterização como marcador, o Sr. Valdeir assim atesta:

A minha é uma marcação mais poética. Eu gosto de contar


uma história e por eu ter essa facilidade de fazer a temática do
grupo, eu gosto muito de contar para as pessoas entender, o
que está se passando; eu que redijo, as vezes eu pego uma
219

frase de algum autor que me dá uma inspiração, e eu vou e


acrescento mais alguma coisa ali, pra que esteja dentro
daquele contexto (Sr. Valdeir, Quadrilha Chapéu do Vovô).

Sendo assim, a temática desenvolvida para a temporada 2017 sugeriu


um contexto específico, no qual o personagem marcador foi chamado, dentro
do enredo, de Capitão Fulô.

a questão do soldado que estava talvez em guerra em toda


aquela aflição. E quando ele ia buscar o seu conforto, era na
cidade com aquelas linda rosas-mulheres que ele encontrava.
Eu tinha que contar uma história daquela açucena cheirosa. E
pra isso tinha que ter ali um capitão, ou alguém que estava a
frente, e foi assim que nasceu o capitão Fulô (Sr. Valdeir,
Quadrilha Chapéu do Vovô).

Nessa seara a constituição da performatividade junina transcorre por


meio de processos próprios de cada grupo e reverbera na maneira de trabalhar
a teatralidade. Nesse caso, percebe-se então que há a constituição de “uma
presença humana entregue ao olhar do público” (PAVIS, 2011, p. 07). Para o
Sr. Valdeir o que o público percebe sobre as mensagens transmitidas pelos
personagens difere em relação ao local no qual a quadrilha se apresenta.
Schechner (2011, p. 48) em suas contribuições teóricas para os estudos da
Performance afirma que “o que pode agradar um público pode não agradar
outro”. Nesse sentido é prudente observar, baseado nas elaborações de
Schechner (2011) que o envolvimento de ambos, personagem e público, dá-se
pela atuação performativa, a qual deve ser eficaz.

Nesse viés de pensamento, Pavis (2003, p. 237) nos alerta que “o


espectador não é somente um sujeito desejante, mas também objeto
observador não identificado no interior de um público mais ou menos
identificado”. Assim sendo, as performatividades das Quadrilhas Juninas criam
percepções diferenciadas tanto nos dançarinos juninos quanto no público, à
medida que a absorção da mensagem transmitida pelos grupos proporciona a
apreensão dos significados juninos apresentados no lugar da performance.
220

6 O FAZER PERFORMATIVO DAS QUADRILHAS JUNINAS

Em relação à performatividade junina, a imagem assimila uma


autonomia que acrescenta e subtrai elementos da dança e do teatro a partir do
modelo tradicional da quadrilha junina. Para Sílvia Fernandes (2009, p. 167) a
teatralidade refere-se “a capacidade de mudar de escala, de sugerir e fabricar o
real com a voz, a palavra, o som e a imagem”. Nesses termos, as quadrilhas
juninas percorrem espaços e habilidades diferentes e oscilam na forma e na
função em direção à ordenação do espetáculo. Desse modo, o fazer
performativo das quadrilhas juninas busca expressar os sentidos dos
elementos ligados ao cotidiano, que são apresentados nas coreografias
dançadas e teatralizadas.

É importante observar que as mensagens utilizadas nos enredos


apresentados pelas performatividades das quadrilhas juninas são compostas
por elementos essenciais que enaltecem a comunicabilidade junina, como
tempo, espaço, adereços, vestimentas, personagens, enredos, cenários,
público, marcador e as próprias coreografias. Os referidos elementos compõem
os domínios comunicacionais das narrativas e linguagens da dança junina na
atualidade.

Para Patrice Pavis (2011, p. 27), o teatro não está aprisionado ao texto,
mas constituído por diversas espacialidades incutidas na “arte da
representação”. Nesse contexto, acolhendo as ideias de Pavis (2011) a
temática junina constitui-se no escopo da arte representação. Assim, inferimos
que ao agrupar elementos teatrais em conexão com a quadrilha junina
tradicional que pautava no casamento da roça, a temática junina passa a
constituir-se atualmente como uma dança teatralizada com efetiva participação
de novos personagens65.

Vale aqui ressaltar o papel das Rainhas nas Quadrilhas Juninas. Estas
personagens são representações atualizadas decorrentes das quadrilhas
juninas matutas conhecidas como as rainhas do milho. Chianca (2006, p. 79)

65
É comum encontrar enredos que retratam a vida do cangaceiro Lampião e seu bando,
juntamente com sua amada Maria Bonita.
221

explica que a adaptação do meio rural ao contexto citadino fomentou a criação


de personagens típicos desse rural inventado e a rainha do milho foi uma das
figuras que “sobressaíram-se”. Com o passar dos anos, a figura da rainha do
milho foi adaptada juntamente com as transformações dinâmicas da festa e da
dança junina. Popularizando-se na atualidade, as rainhas juninas possuem um
papel importante no movimento junino, no grupo pertencente, na desenvoltura
coreografia e no enredo das quadrilhas juninas.

Em 2015, a Rainha da Quadrilha Junina Chapéu do Vovô, a Professora


Carol Aguiar sagrou-se campeã nacional, após conquistar por vários anos o
campeonato estadual. Foi um processo longo, pois conforme nos relata, Carol
iniciou a carreira de rainha em 2005, quando ainda não existia esse título
oficializado na maioria das quadrilhas juninas.

Figura 34:Carol Aguiar – Campeã Nacional das Rainhas Juninas 2015

Fonte: Regis Lima – Quadrilha Chapéu do Vovô

O título de Rainha Junina é almejado por várias jovens em todo o


território nacional, e segundo Carol, “é representar um dos personagens mais
222

importantes de uma quadrilha junina, não só nos minutos da dança, no


momento do espetáculo, mas durante toda a temporada junina”. E acrescenta:

Então é uma reponsabilidade muito grande. Você é um


exemplo pra todas as outras damas, e outras pessoas do
movimento junino; você utiliza a faixa do grupo, então você
representa o grupo que você está dançando; e é um amor
muito grande ser rainha junina. Como rainha junina nacional,
foi uma experiência muito boa, esse reconhecimento que veio
no ano de 2015, quando eu venci o concurso que aconteceu no
Arraiá do Cerrado aqui em Goiânia. Foi muito especial e
mágico, ficar sendo reconhecida como a melhor rainha do
Brasil durante o ano de 2015/2016. De lá pra cá, muita coisa
aconteceu, até abriu as portas pra outras oportunidades de
trabalho, não só no movimento junino, mas outras
oportunidades profissionais também. Então eu vejo que foi
muito positiva essa realização que aconteceu em 2015
(Professora Carol Aguiar, Quadrilha Junina Chapéu do Vovô).

O critério de escolha para rainha dos grupos juninos é bem variado e


depende de cada liderança. Na grande maioria dos casos, a rainha é escolhida
por votação interna, na qual a candidata tem muita empatia dentro do grupo,
desenvoltura na dança e liderança. Na maioria das vezes, nas
performatividades juninas, as rainhas têm um momento especial para suas
performances com duração média de 5 (cinco) minutos. Nesse momento, elas
devem apresentar simpatia, desenvoltura e traje típico, quesitos cobrados nas
avaliações dos certames juninos. Mais ainda, as rainhas realizam suas
performances apresentando coreografias bem elaboradas, uso de adereços e
em algumas ocasiões alegorias, que são bem valorizadas pelas luxuosas e
diferenciadas indumentárias usadas na performance. Igualmente, a rainha
junina enaltece a sua participação no espaço cênico, pois participa de toda a
dança-teatro representada pela quadrilha junina.

Ciane Fernandes (2012, p. 78) enuncia que “a dança-teatro não é


apenas a somatória de várias artes, nem apenas o rompimento de suas
fronteiras, mas a descoberta de que a dança está presente em todas as formas
de arte e na vida”. Sendo assim, contar um enredo em uma encenação
dançada nas performatividades juninas demonstra processos criativos
assentados nos eventos do cotidiano. Igualmente, a teatralização da dança
223

junina evidencia as decorrências advindas das experiências dos dançarinos


juninos, as quais resultam no vir a ser das performances da cultura junina.

Ao ponderar sobre a temática dançada e teatralizada para a temporada


de 2017, Sr. Luisinho, coreógrafo e marcador da Caipirada Capim Canela
afirma que a primeira coisa que fez foi a seguinte pergunta: como eu poderia
ver uma flor dançando sem que eu perdesse a questão junina? Diante dessa
indagação, Sr. Luisinho reiterou que sua grande preocupação naqueles dias
era em como ele poderia “trazer a dança de quadrilha, mas também pudesse
bater o olho e falar: eu conheço isso, isso é uma flor de girassol! Isso é um
espantalho”.

Assim, percebe-se que a teatralização junina assenta-se na própria


dança junina, bem como nos elementos teatrais que auxiliam nas
representações. Nesse caso, o figurino ao ser teatralizado dá vida a um
personagem – a flor. Pavis (2011, p. 289) nos orienta que “o importante é
apreender a construção da personagem de acordo com as modalidades de
informação muito diferenciadas que nos são dadas sobre ela”. Sendo assim,
Sr. Luisinho estabelece uma conexão entre dança, teatro e personagem para
fundamentar o que deve ser visto na performatividade junina.

Sobre a teatralização junina a Profª Carol Aguiar, coreógrafa da


Quadrilha Chapéu do Vovô, nos informa que o grupo tem oficinas de teatro
para auxiliar na construção do personagem, além das diversas intervenções
dos coreógrafos nas expressões dos quadrilheiros. Desse modo, na produção
de Bonita foram várias as informações que os personagens utilizados na
coreografia iriam passar para a audiência. Assim:

Nós, os coreógrafos, escolhemos normalmente as expressões


que a gente vai querer que os dançarinos vão fazer, que tá ali
dentro da proposta no momento da quadrilha e ai a gente tenta
passar pra eles; olha esse momento a gente quer muito contato
com o público, cantar mesmo e expressar; também, uma das
coisas que a gente trabalhava muito com as meninas a questão
do empoderamento (Profª Carol Aguiar, Quadrilha Chapéu do
Vovô).

No caso da Quadrilha Chapéu do Vovô, a principal preocupação era em


como a força feminina poderia ser mostrada pelos dançarinos e interpretada
224

pela audiência. Outrossim, pensando no enquadramento junino, a confluência


da dança e do teatro proporciona combinações performáticas diferenciadas,
bem como a diversificação da linguagem da cena – como é enunciada e como
é percebida. Tanto a Caipirada Capim Canela quanto a Quadrilha Chapéu do
Vovô ao vivenciarem os processos de produção cultural transpõem as
fronteiras do visível junino e teatralizam dramas sociais.

Noleto (2016, p. 130) afirma que as quadrilhas juninas “são igualmente


elaboradas como enredos ancorados em personagens”, à medida que “se
configuram como danças que colocam em cena certos dramas sociais”, nos
termos de Victor Turner. Para Turner (2008, p. 31) os dramas sociais
“representam sequências de eventos sociais” em experimentações subjetivas,
afetivas e cognitivas, os quais revelam as tensões da estrutura social.

É nesse viés que os grupos de quadrilhas juninas distanciam da


classificação costumeira sobre as quadrilhas juninas tradicionais e reinventam-
se a cada ciclo junino concebendo novas poéticas performativas dançadas e
teatralizadas, à medida que suas propostas narram uma história. Igualmente,
na teatralidade junina para a história ser contada ao espectador, observa-se a
associação entre música, dança, narrativas, figurino, gestos, dramas, espaço e
tempo. Além disso, conta-se com a percepção e a interpretação da audiência
sobre o que é apresentado, assim como com as avaliações dos jurados.

Silvia Fernandes (2011, p. 11) entende que “para um espectador aberto


às experiências da cena contemporânea, a teatralidade pode ser uma maneira
de atenuar o real para torná-lo estético”. Acontece que o contrário é também
possível. Tenho ouvido muitos questionamentos do público sobre as quadrilhas
juninas na atualidade. Em pesquisa de campo, durante a realização das etapas
do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas (2016, 2017 e 2018), em vários
momentos, posiciono-me junto à audiência para ouvir os comentários. A partir
daí promovo conversas informais com várias pessoas para saber suas opiniões
a respeito das apresentações. Para todos, “é lindo!”66. Contudo, geralmente os
mais velhos é que acentuam os estranhamentos sobre as novas formas de
dançar quadrilhas juninas em relação às quadrilhas tradicionais. – Isso não é

66
Grifo meu.
225

quadrilha! Reclamam uns. – No meu tempo a quadrilha era mais marcada!


Rememoram outros. Sendo assim, parafraseando as ideias de Fernandes
(2011), podemos observar que a teatralidade junina alcança a performatividade
ao se submeter também à percepção da audiência para se constituir.

Nessa perspectiva, a quadrilha junina coloca a dança no domínio da


performance teatral, pois as performatividades juninas são conciliadas pelos
elementos que constituem a dança enquanto atuação cênica. Sendo assim,
considerando as ideias de Noleto (2016, p. 139) “é possível constatar que sua
composição está inteiramente calcada em acontecimentos cênicos
interpretados e provocados por sujeitos que atuam em uma coreografia”
(NOLETO, 2016, p. 139). Nesse sentido, o quadrilheiro cumpre a ação teatral
ao dançar um enredo inserido na cena. Melhor dizendo, o sujeito junino
executa a ação e também a observa, bem como simultaneamente, mantem-se
arrolado às linguagens advindas da dança, da literatura e do teatro. O sujeito
junino atua sob a égide dos signos juninos tradicionais e modernos.

Desse modo, a performatividade junina age na construção do imaginário


para alcançar o público que acompanha como fenômeno externo. O
quadrilheiro junino investe em sua corporeidade para enviar mensagem aos
espectadores, os quais permanecem atentos a princípio nas visualidades
apresentadas. Em seguida, os detalhes performativos, assim como o que é
contado na dança teatralizada, passam a ser melhor compreendidos pela
audiência.

Geralmente, as quadrilhas juninas seguem uma rotina nas


apresentações de seus enredos. A sequência coreográfica inicia-se com o
chamado “cortejo junino”67, no qual os casais adentram a área destinada as
apresentações juninas perfilados, percorrendo todas as laterais e posicionando
para dar início ]ás ações performáticas.

Mário de Andrade (1982, p. 31) entende que o cortejo “já constitui um


elemento especificamente espetacular. Já é teatro”. Desse modo, esta ação
teatralizada pode ser reconhecida pela sua organização em forma de
procissão, pelas danças e pelas cantorias que o compõem. Andrade ainda
67
Grifo meu.
226

afirma que o cortejo atinge “uma importância prática bem maior que a da
representação propriamente dramática”, porquanto é concebido por inúmeras
formas de composição. De acordo com o Sr. Carlito da Caipirada Capim
Canela, “o cortejo serve para o dançarino ficar mais tranquilo, pois o
nervosismo toma conta de todo mundo”. O Sr. Cristiano da Quadrilha Chapéu
do Vovô, também reitera a fala do Sr. Carlito e completa:

pra quem não sabe a gente ensaia o cortejo; a gente coloca os


coreógrafos, os diretores e diz: o objetivo do dançarino é
emocionar; ele tem que emocionar! E é nessa hora que você
ganha o público! É a hora que assim, eu acho que você vai
extravasar, principalmente quando começa o circuito, a etapa;
quando você faz esse cortejo é quando você traz o publico pra
dentro, pra dentro da quadrilha. Você chama e ele está
disperso e vê: chegou o Chapéu do Vovô no arraial pra dançar!
Presta atenção aqui! Então é aquele momento que você faz
essa interação, que você mostra o seu amor; você vai cantar o
quê sua quadrilha trouxe ali; você sente o coração mesmo,
você tem orgulho daquilo ali, que o trabalho seu está ali. Por
mais que você ensaia, aquele momento é espontâneo, é de
coração mesmo! (Sr. Cristiano, Quadrilha Chapéu do Vovô).

Na continuidade, antes do início das ações performáticas juninas o


marcador tem um minuto estabelecido no regulamento da competição para
fazer a apresentação do seu grupo e explicar ligeiramente o enredo a ser
apresentado. Ao final deste ato, a Federação das Quadrilhas Juninas de Goiás
– FEQUAJUGO, exige, baseado no seu estatuto e regulamento, que seja
executada uma vinheta falada sobre a filiação do grupo nesta entidade.

Esta vinheta, que é igual para todos os grupos que adentram a área de
competição tem 30 segundos de duração e versa assim: “Esta quadrilha é
afiliada a Federação das Quadrilhas do Estado de Goiás – FEQUAJUGO. Seja
você também um afiliado. Agora sim! Chegou a nossa vez!” (Regulamento do
Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas 2017 – FEQUAJUGO). Neste contexto,
o último verso (Agora sim! Chegou a nossa vez!) é sempre falado por todos os
quadrilheiros presentes, em coro, em alto e bom tom. Pavis (2011, p. 73) define
coro como “um grupo homogêneo de dançarinos, cantores e narradores, que
toma a palavra coletivamente para comentar a ação, à qual são diversamente
integrados”. É bem isso o que acontece! Penso eu.
227

Dito isso, as quadrilhas iniciam suas apresentações narrando ou


teatralizando os acontecimentos que dão origem à história a ser
performatizada, com cerca de 5 (cinco) minutos para tal. Em seguida, verifica-
se as coreografias bem ensaiadas por vários meses dividas pelo
desenvolvimento da quadrilha, o momento dos noivos e o momento das
rainhas juninas, não necessariamente nessa ordem. É certo que as sucessões
coreográficas, bem como as apresentações das partes acima mencionadas,
dependem dos enredos otimizados pelos grupos.

Para ilustrar o que foi postulado apresento, a seguir, os enredos das


quadrilhas juninas Caipirada Capim Canela e Quadrilha Chapéu do Vovô no
ano de 2017. Ambos os grupos, assim como os demais não analisados nesta
tese, tiveram 30 minutos para apresentar seus enredos conforme dita o
regulamento do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas 2017. A primeira
apresentou o tema a ‘Revoada dos Vagalumes’, enquanto a segunda narrou
um acontecimento na cidade chamada Bonita.

6.1 A ação performática da Caipirada Capim Canela

Para a Caipirada Capim Canela o ciclo junino 2017 começou no mês de


novembro de 2016 com a estruturação do tema a ser apresentado na
temporada vindoura. Neste ano, o grupo foi composto por 18 casais, ou seja 36
dançarinos apoiados por outras 15 pessoas, conhecidas como apoios. Os
apoios são pessoas voluntárias ou não que auxiliam no suporte técnico no
momento das apresentações: montam e retiram cenários, cuidam da
iluminação, resgatam objetos e adereços caídos, reparam maquiagens,
apliques, calças, saias, anáguas e outros.

A temática da Caipirada Capim Canela em 2017 retrata a história dos


espantalhos que chegam ao jardim dos girassóis e cortejam as flores daquele
jardim na noite de São João em um enredo que busca apresentar o amor, o
ódio e a alegria. Nesse contexto foram criados personagens para o
desenvolvimento da temática, conforme as figuras abaixo.
228

Figura 35 – Personagens Capim Canela “a”

Fonte: Lanucce Lucas - Acervo Caipirada Capim Canela

Figura 36 – Personagens Capim Canela “b”

Fonte: Lanucce Lucas - Acervo Caipirada Capim Canela

A apresentação performática da Caipirada Capim Canela inicia com o


cortejo junino. Esse momento, cheio de expectativas tanto por parte dos
dançarinos juninos, como da audiência, do corpo de jurados, e dos
organizadores, oferece o inicio da construção do imaginário coletivo. Neste
contexto, as rosas, as fogueiras e o painel ao fundo – elementos que compõem
o cenário da Caipirada Capim Canela já estão posicionados no espaço cênico.
Barroso (2013, p. 84) entende que “no espaço cênico acontece a “magia em
229

cena”, o espetáculo em si, aquilo que se permite e que deve ser visto,
apreciado, aplaudido”. O espaço cênico para a II Etapa do Circuito Goiano de
Quadrilhas Juninas foi realizado no Clube dos Bancários, no Setor Itatiaia, local
onde a Caipirada Capim Canela realizou todos os ensaios para a temporada
2017.

Figura 37 - Espaço Cênico Caipirada Capim Canela – II Etapa do Circuito Goiano de


68
Quadrilhas Juninas

Fonte: Desenho Samuel Zaratim

Assim, Sr. Luisinho, à frente, conduz todo o grupo de quadrilheiros até o


espaço cênico, e como todos os grupos, dão a volta completa nas laterais do
palco (geralmente uma quadra, ou um espaço rodeado por arquibancadas, aqui
entendidos como espaço cênico), próximos aos assentos, perfazendo um
contato inicial com o público.

68
É importante pontuar que esse modelo de Espaço Cênico é seguido em todas as três etapas
do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas.
230

Figura 38 – O Cortejo Capim Canela

Fonte: Lanucce Lucas - Acervo Caipirada Capim Canela

Assim que todos os dançarinos juninos se posicionam para o inicio da


apresentação, o Sr. Luisinho, como Marcador do grupo, faz um pequeno
discurso cumprimentando a todos os presentes, público, jurados e organização
para logo após, solicitar aos operadores de som a liberação do áudio da
vinheta obrigatória para o começo das performances juninas em Goiás.

Na sequência, ao mesmo tempo em que inicia o repertório musical, Sr.


Luisinho, enquanto Marcador anuncia:

- Assim começa o nosso enredo e pra você eu vim contar. É o


espantalho que veio pioneiro das bandas de lá!

Figura 39 – Vida de Espantalho

Fonte: Lanucce Lucas - Acervo Caipirada Capim Canela.


231

Sendo assim, conforme relata o release69 2017 da Caipirada Capim


Canela “a revoada de Vagalumes conta uma lenda, na qual a retratação da
ausência da figura humana leva um Espantalho abandonado por seu dono,
para uma plantação de girassóis”. Ainda, “muito saudoso dos seus dias ele
servia apenas de enfeite nas noites de São João, a fazer sua própria dança
junina na roça” (Release, CAIPIRADA CAPIM CANELA 2017).

Dando continuidade ao enredo, os espantalhos dramatizam uma viagem


a cavalo até o jardim dos girassóis. Assim que os espantalhos adentram o
campo dos Girassóis, já é noite de São João, “uma noite encantada. No meio
da escura noite, eles clareiam a estrada com a luz de seu estranho lampião de
vagalumes” (Release, CAIPIRADA CAPIM CANELA 2017). Ouço então, o som
de um solo de viola, adaptado de uma das canções de Tião Carreiro e
Pardinho: Pagode em Brasília. Neste ínterim, os espantalhos conduzem seus
cavalinhos de pau e seguram suas lanternas, cada um com seu ritmo, porém
com espaços demarcados para a evolução. Nesse momento também, o
Marcador alude à catira ao comparar o trote dos cavalinhos ao bate pés da
dança folclórica brasileira.

Figura 40 – A viagem dos espantalhos

Fonte: Acervo pessoal

Como num passe de mágica os espantalhos acendem as fogueiras no


jardim dos girassóis e “o sertão todo clareia, como se houvesse um sol na
imensidão. Desabrocham as belas moças flor em meio o arraial, e alegres se

69
Material informativo distribuído pelos grupos de quadrilhas juninas à imprensa e ao corpo de
jurados.
232

juntam aos espantalhos a dançar” (Release, CAIPIRADA CAPIM CANELA


2017).

Figura 41 – A dança das flores

Fonte: Lanucce Lucas - Acervo Caipirada Capim Canela

Durante a execução da coreografia, nota-se o aparecimento de uma flor


de cor diferente das outras. É uma representação da Orquídea negra
“desprovida da “reluzência” do Girassol, mas com toda peculiaridade e encanto
que lhe cabia” (Release, CAIPIRADA CAPIM CANELA 2017). Essa
personagem tem papel importante no desenrolar da dança-teatro performada
pela Caipirada Capim Canela, à medida que há uma disputa entre ela e a flor
de girassol pelo amor do espantalho.
Figura 42 – A orquídea negra

Fonte: Lanucce Lucas - Acervo Caipirada Capim Canela


233

Em seguida, os casais são posicionados no espaço cênico preparando-


se para a próxima sequência coreográfica e há um interessante diálogo entre o
Marcador e os outros quadrilheiros:

- Boa noite minha quadrilha! – pergunta o Marcador.

- Boa noite seu Marcador! – respondem os dançarinos juninos.

- Vida só com alegria? – pergunta o Marcador.

- A Caipirada que chegou! – argumentam os dançarinos.

- Uai siô! – exclama o Marcador.

- Uai siô! – respondem os quadrilheiros admirados!

- Venho chegando nessa hora, pra uma história poder contar do


espantalho e do girassol que no São João foram dançar. Mas, pra isso tocador,
mete o dedo por favor. Joga os panos! – completa o Marcador.

Assim, inicia-se uma coreografia coletiva em meio a uma forte chuva de


prata70, na qual a arriuna é dançada pelos espantalhos. No desenrolar
coreográfico, podemos observar que a Orquídea Negra deseja ser uma flor de
girassol para também ser dotada de luz. Mas, o espantalho noivo, a todo custo
buscava várias “formas de impressionar a flor de girassol, seu amor”. O
espantalho “se via um boneco feio e imaginou que se a ela desse um presente
muito precioso, a flor de girassol se encantaria por ele para sempre” (Release,
Caipirada Capim Canela 2017). O espantalho procura então pelo presente para
dar a sua amada.

A sequência coreográfica performática é composta por variadas


formações e deslocamentos no espaço cênico. Os movimentos coreográficos
são constituídos por uma geometria imaginária baseada nas diagonais, nos
círculos, nos caminhos retos, nos ziguezagues, nos quadrados, nas fileiras, nos
triângulos, etc. Neste contexto, a experiência espacial é desenvolvida por meio
de coreografias inovadoras e alguns passos tradicionais como o túnel, a grande
roda, o segue-passeio, e outros. Assim mesmo é percebido que tais passos

70
Papel picado conhecido como chuva de prata, muito usado nas performatividades juninas.
234

tradicionais são muitas vezes recriados baseados no formato popular, à medida


que a atitude cênica do corpo do dançarino junino alcança o domínio da
performatividade junina.

No desenrolar coreográfico, a busca constante do espantalho pelo


regalo à amada flor de girassol é cessada quando ele avista “naquela noite
sem luar, uma estrela-lenda que brilhosa e encantada, despertou admiração e
cobiça d’aquele precioso brilhar”. Os espantalhos então se posicionam. “Era a
rainha Mãe do Ouro revelando um precioso tesouro, tirado dos contos do povo
que sonhava em ficar rico” (Release, Caipirada Capim Canela 2017).

Figura 43 – A Rainha Mãe do Ouro

Fonte: Lanucce Lucas - Acervo Caipirada Capim Canela

Assim, a dança-teatro, “um constante transitar entre os muitos “eus” e


“tus”,” (FERNANDES, 2012, p. 375) apresentada pela Caipirada Capim Canela
demonstra que o Espantalho procurou a Rainha do Ouro e foi agraciado com
um tesouro que brilhava. Ao entregar o regalo para a flor Girassol, esta “não
fez apreço, pois sabia que toda riqueza tem um preço, e ela não queria pagar.
Disse ao espantalho então que somente o coração dele ela iria desejar”
(Release, Caipirada Capim Canela 2017).

No momento seguinte, podemos visualizar que a personagem da


orquídea negra, empenha-se em “encontrar sua chance de brilhar”. Sendo
235

assim, “seduziu o espantalho, que cego pela decepção entregou-a o presente.


Juntos saíram a festejar, mas o Espantalho não conseguiu se enganar, por
mais que estivesse com a bela Orquídea Negra, era com a flor de Girassol que
ele queria estar” (Release, Caipirada Capim Canela 2017).

Figura 44 – A Orquídea, o espantalho e a flor de girassol

Fonte: Lanucce Lucas - Acervo Caipirada Capim Canela

Desencadeando-se aos poucos por meio da música, da narrativa do


marcador, dos gestos e dos movimentos coreografados a história dos
espantalhos e das flores girassóis vai se aproximando do desfecho. A Orquídea
então percebe que “não era com ela que o Espantalho queria se casar, pois
estava ele sem a luz da alegria”. As encenações dançadas prosseguem e
“então novamente os vagalumes conduzem o Espantalho até sua luz que
estava com sua verdadeira paixão, ele entrega o coração ao Girassol e juntos
voltaram a festejar”. E como num ritual, o espantalho une-se à sua amada flor
de girassol. Assim, “dessa história o espantalho tirou uma lição: foi preciso
estar na escuridão para sua verdadeira luz encontrar” (Release, Caipirada
Capim Canela, 2017). Após os últimos movimentos coreografados, encenando
o adeus da quadrilha tradicional direcionado ao público, os espantalhos deixam
o espaço cênico sobre seus cavalinhos e segurando as lanternas, enquanto as
flores de girassóis voltam para o seu descanso no jardim.
236

Figura 45 – Descanso no Jardim

Fonte: Lanucce Lucas - Acervo Caipirada Capim Canela

Assim como os demais grupos de quadrilhas juninas, a performatividade


da Caipirada Capim Canela apresenta o padrão binário da dança junina: damas
e cavalheiros. As coreografias da Caipirada Capim Canela são atualizadas a
cada quadro musical executado e expõe uma animada e robusta
movimentação continua, na qual se empreende movimentos inerentes do
modelo tradicional combinados com movimentos contemporâneos. Tais
movimentos dançados e teatralizados são valorizados pela imagem e pela
ação da performance conforme nos sustenta teoricamente as elaborações de
Richard Schechner (2013).

6.2 A ação performática da Quadrilha Junina Chapéu do Vovô

A Quadrilha Junina Chapéu do Vovô iniciou os trabalhos dedicados a


temporada 2017 no mês de setembro de 2016 com a idealização da temática a
ser preparada. O grupo foi composto nesta temporada por 96 dançarinos
divididos em 46 casais e contaram com outras 26 pessoas como apoio.
237

Entretanto, segundo Sr. Cristiano, Presidente do Grupo, o número de pessoas


que contribuíram indiretamente “é muito maior”.

Com o cenário ambientando o lugar da performatividade junina, ao ser


anunciada, a Quadrilha Junina Chapéu do Vovô adentra ao espaço cênico com
seu longo cortejo. Longo, pois é um dos grupos mais numerosos do estado de
Goiás, referindo-me ao seu plantel de dançarinos e pessoal de apoio.

Figura 46 - Espaço Cênico Quadrilha Junina Chapéu do Vovô – II Etapa do Circuito


Goiano de Quadrilhas Juninas

Fonte: Desenho Samuel Zaratim

Neste contexto, o tema ‘Bonita’ foi desenvolvido conforme indicado


anteriormente, e contou com a constituição de personagens representados a
partir da estrutura do gênero tradicional. Desse modo, as damas eram as flores
238

namoradeiras (a Açucena, a Rosa, a flor de Girassol e a Margarida); os


cavalheiros, os soldados guardiões; a Rainha representava a primavera; o Rei
foi representado pelo Vovô florista; o marcador, o Capitão Fulô – o contador de
histórias; o noivo – o guardião escolhido pela Primavera; e a noiva – a
namoradeira escolhida pelo noivo.

Figura 47 - Personagens de Bonita

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

Figura 48 - Cortejo Quadrilha Chapéu do Vovô no Arraiá do Cerrado 2017

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô


239

Assim, os quadrilheiros juninos deslocam-se pelo percurso destinado a


introdução performática cantando em passos lentos e ritmados buscando
interagir com o público, o corpo de jurados e com os outros integrantes do
próprio grupo. Nesta toada interacional, a música tocada pela Banda Chapéu é
intitulada Dona da Minha Cabeça de Geraldo Azevedo, a qual no refrão
principal anuncia: eu digo e ela não acredita, ela é bonita demais, fazendo
alusão, conforme relata Sr. Cristiano, à cidade fictícia “Bonita, às meninas do
grupo e às espectadoras”.

Ao finalizar o cortejo o grupo se posiciona atrás do cenário principal,


composto pelas casinhas móveis estruturadas para lembrar uma cidade
interiorana. Desse modo, os dançarinos juninos aguardam a execução da
vinheta obrigatória que sinaliza o início das apresentações das quadrilhas
juninas no Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas.

Figura 49 - Cenário Móvel Principal – Chapéu do Vovô 2017

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

Após a vinheta introdutória71 da FEQUAJUGO, Sr. Valdeir, caracterizado


como o Capitão Fulô inicia sua representação enquanto Marcador do grupo em
um inspirador mostrar fazendo. Richard Schechner (2006, p. 02) afirma que o

71
“Esta quadrilha é afiliada a Federação das Quadrilhas do Estado de Goiás – FEQUAJUGO.
Seja você também um afiliado. Agora sim! Chegou a nossa vez!”(Regulamento do Circuito
Goiano de Quadrilhas Juninas 2017 – FEQUAJUGO).
240

“mostrar fazendo” é uma das ações da performance. Neste contexto, nas


performatividades juninas o quadrilheiro mostra fazendo, desempenha, exibe,
faz, realiza, age e está sempre em fluxo, cunhando então o conceito de
comportamento restaurado.

Figura 50 - Capitão Fulô e suas performatividades

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

Nas ideias de Schechner (2006, p. 02) o comportamento restaurado diz


respeito às “ações realizadas para as quais as pessoas treinam e ensaiam”. À
vista disso, o Marcador da Quadrilha Junina Chapéu do Vovô, enquanto
quadrilheiro junino dentro da ação performativa, revela o teor do enredo para a
audiência, elucidando o que explica o texto divulgado sobre a temática de
bonita.

Reza a lenda que, existia uma pequena cidade no interior de


Goiás chamada BONITA, e esta cidade era apelidada por todos
que por ali passavam como terra das margaridas, devido ao
fato de morar apenas mulheres nesta cidade. [...] na verdade
estas moças eram flores, que na noite de Santo Antônio se
transformavam em “namoradeiras” e ficavam nas janelas
esperando seus amores (Release, Quadrilha Chapéu do Vovô
2017).

Neste contexto, observa-se que a narrativa desenvolvida pelo Capitão


Fulô leva o espectador a rastrear o imaginário popular, baseado nas
representações da vida do interior. Ao final da apresentação inicial o Capitão
241

Fulô se afasta e as janelas das casinhas representativas das moradias do


interior se abrem. Eram as meninas da cidade, conhecidas neste enredo como
namoradeiras que revelam ao som da Banda Chapéu, a qual executa nesse
momento a música: Canção em dois tempos (Era casa, Era Jardim) de Vital
Farias. Ouve-se então a voz do Capitão Fulô, relatando em como a cidade de
Bonita era visitada por forasteiros, a procura de amor.

Todas as noites de Santo Antônio, a cidade de BONITA era


invadida por “Soldados Guardiões”, que vinham para cidade
em busca de paixões. Sabendo disso um senhor o “Vovô
Florista” entra nesta cidade em sua bicicleta colorida, para
vender flores aos moços e ajuda-los a conquistar suas
verdadeiras paixões (Release, Quadrilha Chapéu do Vovô
2017).

Entremeio a canção (Veja) margarida, também de Vital Farias, o Vovô


florista, montado em uma bicicleta, adentra no espaço cênico. Ao dar uma volta
completa no palco das apresentações juninas, o vendedor de flores é
surpreendido pelos Soldados Guardiões que já cortejavam as moças nas
janelas.
Figura 51 - O Vovô Florista

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô


242

No desenrolar do enredo, os soldados guardiões para agradar as moças,


adquiriam as flores, não deixando nenhuma flor para o guardião vestido de
branco (o noivo). Neste instante a Quadrilha Junina Chapéu do Vovô apresenta
por meio dos personagens em cena – os soldados guardiões e o Vovô Florista,
uma sequência coreográfica de movimentos bem ensaiados, ao som da música
Açucena Cheirosa, de Luiz Gonzaga, representando o que foi citado acima,
efetivando por meio da dança e do teatro a narrativa proposta.

Figura 52 - Quem quiser comprar eu vendo

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

O aspecto lúdico é criado e fomentado nas performatividades juninas,


para aqueles que participam da performance, tanto como espectador ou como
participante direto. Nesse sentido, os quadrilheiros juninos representam o que
narra o marcador suportado pelo repertório musical, e conforme diz o Sr.
Valdeir, em meio a “satisfação de participar” das performatividades juninas.

Conta o Capitão Fulô, que na noite de Santo Antônio a


“primavera” iria trazer a flor do amor verdadeiro, e que o
guardião que a ganhasse encontraria dentre todas as flores da
cidade, a sua escolhida para amar por todo o sempre (Release,
Quadrilha Chapéu do Vovô 2017).

Neste momento, a rainha do grupo, a Professora Carol Aguiar, ao som


da música La Belle de Jour de Alceu Valença, adentra o espaço cênico
performando uma personagem que representa a Primavera – a estação das
243

flores. Nesse instante, seus trajes ainda não representam a realeza junina, mas
sua presença enquanto quadrilheira é estabelecida no próprio cerne do
acontecimento performático.

Figura 53 - A primavera

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Junina Chapéu do Vovô

Na continuidade desta representação, o marcador conclama seus


soldados guardiões, que em ordem unida, enfileirados pelos dois lados do
espaço cênico, performam um pelotão de soldados, pronto para se apresentar
diante do oficial e do público. Nesse contexto, ao se posicionaram ao longo da
divisória que separa o público do tablado, o Capitão Fulô comanda com a
seguinte frase:

- Atenção pelotão, apresentar flores!

Figura 54 - O pelotão e as flores

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô


244

E os soldados guardiões oferecem flores aos espectadores que


surpresos, recebem o mimo com satisfação. Nesse sentido, os quadrilheiros
juninos oportunizam comunicabilidades com o público, bem como buscam
verdades nas cenas performativas ao sentirem e envolverem-se com a
performatividade, que segundo Carol Aguiar é “prazerosa”.

Sob a apreciação atenta dos espectadores, sucede a representação dos


acontecimentos na cidade fictícia. O marcador então chama para o centro do
espaço cênico as damas da cidade:

- Não sou justiceiro e nem cangaceiro, sou homem das flores e dos
amores. Sou filho da flor, meu nome é Capitão Fulô!

Figura 55 - Quadrilha Junina Chapéu do Vovô

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

A partir desse momento, todos os dançarinos estão no palco para


desenvolver o enredo. Várias sequências coreográficas são executadas ao
som da Banda Chapéu e sob a utilização de recursos de iluminação, operados
por profissionais disponíveis para a performatividade da quadrilha Chapéu do
Vovô.
245

Desse modo é prudente observar que o trabalho coreográfico realizado


pelos integrantes da Quadrilha Junina Chapéu do Vovô é voltado, sobretudo
para a ação cênica, à medida que a composição das partes performáticas
relacionam-se com o vir a ser performativo junino. Em outras palavras, consiste
em conectar o quadrilheiro junino ao observador, e transportar a audiência
consigo até o imaginário representado. A reciprocidade entre a audiência e o
quadrilheiro, é vista por mim, como significativa para ambos. Nesse sentido, a
Professora Carol Aguiar atesta que:

Nós, os coreógrafos, sugerimos as expressões que os


dançarinos vão fazer, que estão ali dentro da proposta no
momento da quadrilha em cena. A gente tenta passar pra eles
que tem que ter muito contato com o público, dançar, cantar
mesmo e expressar. É difícil de explicar o que sentimos
quando o público gosta (Professora Carol Aguiar, Quadrilha
Chapéu do Vovô).

Assim, sentir a presença do público e ser visto por ele promove relações
afetivas que convergem entre si. Então, a verdade cênica produzida na relação
entre quadrilheiro junino e audiência, cria elementos capazes de alcançar a
eficácia performática do grupo junino performativo. Desse modo a construção
coreográfica da Quadrilha Junina Chapéu do Vovô, busca promover junto ao
espectador a confiança nas suas habilidades performativas ao dançar e
teatralizar a forma contemporânea de apresentar a quadrilha junina.

Nesse contexto, desde a década de 1980, a presença da Rainha Junina


é fator importante para o desenvolvimento do enredo das quadrilhas juninas
(MENEZES NETO, 2009). É importante, mas não é obrigatório, pois o
regulamento dos festivais juninos em Goiás não determina aos grupos juninos
constituírem esse personagem.

Na continuidade da representação de Bonita, a rainha do grupo entra em


cena no interior de uma flor vermelha de grandes proporções que desabrocha
em pleno espaço cênico, cativando o olhar admirado dos espectadores. A
apresentação da Rainha da Quadrilha Junina Chapéu do Vovô é uma
encenação especial aguardada no movimento junino goiano, em razão de sua
popularidade e por ter se sagrado Campeã Nacional em 2015.
246

Figura 56 - Entrada da Rainha Chapéu do Vovô

Fonte: Regis Lima – Acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

Assim, a rosa ao desabrochar revela a Rainha do Grupo em trajes bem


elaborados, enaltecendo a personagem real da quadrilha junina sob o som da
Banda Chapéu que executa nesta parte da performatividade a música de Tim
Maia, chamada Primavera.

Figura 57 - A rosa ao desabrochar

Fonte: Regis Lima – acervo Quadrilha Chapéu do Vovô


247

Sucede que ao mesmo tempo em que as pétalas vermelhas se abrem,


ouve-se o estribilho da música, neste instante parafraseado, a fim de
reverenciar a Rainha:

- Porque é Primavera! Te amo!

- Porque é Primavera! Te amo meu amor!

- Trago esta rosa! Carol Aguiar (3x).

Ao descer a estrutura de 4 metros por uma escadaria forrada com


veludo verde, a Rainha é reverenciada pelos quadrilheiros e pelos
espectadores e inicia uma performance solo sob o som de uma música
composta exclusivamente para as suas apresentações. Segundo a Professora
Carol Aguiar,

A música que eu danço foi feita especialmente pra mim e a


letra é uma composição realizada por mim. A musica foi
composta pelo Márcio Emído do grupo musical, da Junina
Babaçu e pelo meu tio Márcio Antônio, compositor da Banda
Chapéu do Vovô. A banda Chapéu do Vovô finalizou os ajustes
da melodia e dos arranjos do solo (Professora Carol Aguiar,
Quadrilha Junina Chapéu do Vovô).

Figura 58 - Performance da Rainha

Fonte: Regis Lima – acervo Quadrilha Chapéu do Vovô


248

A Rainha, dessa forma, realiza um dos momentos mais esperados pelo


público junino, em relação ao desempenho coreográfico das rainhas juninas: o
Giro. Este movimento é feito de duas maneiras. Uma delas a Rainha gira em
seu eixo corporal longitudinal sem deslocamentos. A outra forma é um
movimento corporal complexo e ritmado no qual a Rainha move-se por um
percurso espacial circular, perfazendo 360º (trezentos e sessenta graus) no
espaço cênico. Ao mesmo tempo a rainha gira em seu próprio eixo corporal
longitudinal, mantendo seus braços elevados nas laterais, na altura dos
ombros, liberando o movimento da saia.

No caso da composição coreográfica de Bonita, essa performatividade


da Rainha Junina é compartilhada ao fundo por uma coreografia realizada
pelos quadrilheiros juninos que representam os soldados guardiões. Na maioria
dos casos, as Rainhas Juninas não são acompanhadas por nenhum outro
personagem no lugar da encenação, sendo então realizada uma performance
solo.

Figura 59 - Desenhos Coreográficos

Fonte: Regis Lima – acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

Logo após o solo da Rainha, todo o elenco retorna ao centro do espaço


cênico e realiza outro conjunto de coreografias ao som da Banda Chapéu do
Vovô. Assim é possível notar múltiplas formações no desenho coreográfico da
249

dança em cena, à medida que percebe-se traços do bailado da quadrilha junina


tradicional, a ordenação de arranjos coreográficos modernos e a combinação
das duas estruturas da dança junina. Menezes Neto (2009, p. 26) observa que
nas novas formas de dançar quadrilha junina, “os passos tradicionais são
diluídos e personalizados ganhando movimentos aeróbicos que visam mostrar
a perfeição sincrônica, destaca-se o alinhamento e o jogo de saias, marcas
deste estilo”. Essa associação de distintos movimentos e desenhos
coreográficos, oportuniza novas criações e a (re)produção de significados.

Igualmente, a Quadrilha Junina Chapéu do Vovô, chama à atenção da


audiência pelo número de quadrilheiros juninos na ação performativa dançada
que chega a 96 (noventa e seis) pessoas executando movimentos, gestos e
deslocamentos em um espaço limitado à 30x40 (trinta por quarenta) m². Sendo
assim foi necessário ater os grandes deslocamentos para a utilização
adequada do espaço.

Observamos a partir daí, círculos, filas, fileiras, cruz e outros


posicionamentos baseados nas formas geométricas, que muitas vezes,
compatibilizavam-se no desenrolar coreográfico, revelando o lado criativo e
funcional dos coreógrafos. Fayga Ostrower (2013, p. 24) observa que “no cerne
da criação está a nossa capacidade de nos comunicarmos por meio de
ordenações”. Desse modo, as ordenações coreográficas juninas, igualmente
estruturam variadas formas comunicacionais.

Outro momento também importante nas encenações juninas é a


representação do casamento. Noleto (2016, p. 130) afirma que o casamento
nas performances juninas “é subentendido, omitido, ignorado ou, em algumas
raras coreografias, celebrado”. No caso das Quadrilhas Juninas de Goiás, esta
encenação sofre variações na maioria dos casos, porquanto não é obrigatória,
nem a presença dos noivos, e nem o vínculo do enredo ao casamento, tal qual
preza a quadrilha junina tradicional. Dessa forma, a temática junina referente
ao casal de noivos é adaptada por alguns grupos juninos e torna-se, para eles,
componente indispensável para o desenvolvimento das tramas apresentadas
em suas performatividades. Em relação a presença do casal de noivos em
Bonita, conforme nos relata o Sr. Valdeir:
250

“a essência da festa junina está no casal de noivos. Eu


acho que tudo começa por eles; eu gosto de fazer o tema
e o centro da atenção é o casal de noivos. Em toda a
quadrilha o casal de noivo tem que ter uma ligação com
todo o tema, é muito importante! No tema Bonita, eu tinha
que narrar uma história desse noivo, desse camarada,
dos guardiões” (Sr. Valdeir, Quadrilha Junina Chapéu do
Vovô).

Neste contexto, caminhando para o final da sequência performática de


Bonita, após diversas evoluções coreográficas que têm o objetivo de contar
uma história romântica por meio da dança, um símbolo junino é apresentado: a
fogueira. Segundo Noleto (2016, p. 216) “a fogueira de São João traz consigo
tanto o significado da consumação sexual quanto a sugestão da domesticação
social da natureza pela cultura através do domínio sobre o fogo”. Desse modo,
a fogueira, enquanto alegoria em seu aspecto lúdico da festa junina é utilizada
para salientar a chegada da noiva no espaço cênico.

Figura 60 - Casal de Noivos

Fonte: Regis Lima – acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

Nota-se, nesta encenação que a fogueira, enquanto alegoria e cenário,


tem seu papel performativo, à medida que é utilizada como elemento
estratégico para dialogar com o enredo, com os quadrilheiros e com o público.
Assim, todo o elenco, agora em cena, observa o reencontro do casal de noivos
que transmitem a audiência, que o desfecho da história dançada e teatralizada
caminha para um final feliz.

E na noite de São João os Guardiões e Namoradeiras


(Açucena, Rosa, Girassol e Margarida) acenderiam uma linda
fogueira, e dançariam a Quadrilha Junina em homenagem ao
casamento dos noivos e aos santos juninos. E nesta grande
festa, dançarão e brincarão mostrando ao final de tudo o que
251

realmente é Bonita neste mundo; Isto é Bonita. (Release


Quadrilha Junina Chapéu do Vovô - 2017).

Esse trecho final do release da Quadrilha Junina Chapéu do Vovô,


demonstra que nas performatividades juninas apresentadas por meio da
dança-teatro, a narrativa junina ainda incide sobre o reconhecimento do modelo
tradicional. Isso não implica em cristalizar a dança junina e a tradição no
passado. A notável associação entre os personagens e os dramas
interpretados por meio da dança junina teatraliza as peripécias do cotidiano
moderno e revolve procedências, conciliando tradição e modernidade.

Sendo assim é prudente observar que os significados da tradicionalidade


junina são reavaliados na ação performativa, à medida que mesmo
ressignificadas as quadrilhas juninas representam, ou passam a representar a
festa junina como símbolo da tradição – mesmo que reinventada nos termos de
Eric Hobsbawn (1997). Desse modo, em meio a uma volumosa chuva de prata,
a Quadrilha Junina Chapéu do Vovô termina a sua ação performativa no
espaço cênico sob aplausos, gritos, assovios e várias outras manifestações de
apoio e admiração pelo trabalho apresentado.

Figura 61 - Final da Apresentação

Fonte: Regis Lima – acervo Quadrilha Chapéu do Vovô

Observo então, que o desfecho do enredo de Bonita, assim como o


desfecho dos enredos de todas as quadrilhas juninas na atualidade
compartilham emoções e energias entre os quadrilheiros juninos e o público. A
interação entre os quadrilheiros e os espectadores são baseadas na
252

compreensão da mensagem performática expedida pelas coreografias e pelas


ambiências juninas. A conexão entre os quadrilheiros e o olhar do espectador
gera uma relação de identificações sobre o que é performado e o que foi
compreendido, permitindo riscos de eficácia performativa. Sendo assim, a
mensagem performática é entregue à audiência por meio das
comunicabilidades operadas durante a representação da dança-teatro, já que
os conjuntos coreográficos apresentados transportam significados de cunho
social, cultural e político nas performatividades das quadrilhas juninas.
253

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ciente de que havia e ainda há muito a refletir em relação às análises


sobre quadrilhas juninas busquei apresentar nesta tese parte do emaranhado
de possibilidades de estudo que o movimento junino proporciona. Penso que a
continuidade dos estudos sobre as temáticas juninas não se esgota neste
trabalho. Conforme Geertz (2009, p. 20) nos elucida “não há conclusões a
serem apresentadas; há apenas uma discussão a ser sustentada”. A
perspectiva é que as reflexões aqui apresentadas ocasionem maior interesse
pelos estudos dos movimentos juninos distribuídos pelo país, por parte da
academia e dos próprios atores envolvidos neste fenômeno cultural.

Para analisar a quadrilha junina e seus aspectos constitutivos, várias


reflexões e teorias devem ser acionadas, porquanto este campo de estudo,
além do âmbito cultural, é constituído por várias vertentes que compõem à
sociedade. As práticas juninas contam suas histórias, à medida que
demonstram seus equilíbrios e desequilíbrios no fazer junino, estabelecidos
pela inovação, pelo fenômeno da espetacularização e pelos embates
ideológicos sobre a cultura frente aos apelos midiáticos. A expressão atual do
movimento junino é capaz de apresentar atributos do sujeito social e da
sociedade contemporânea que partilham suas proposições atribuídas ao
mercado cultural.

Guiar-me pelo modelo interdisciplinar sugerido pela teoria das


performances culturais foi o meu suporte para analisar, recusar ou autenticar o
que tem sido feito e modificado em nome da tradição popular no universo
junino. Em meio a ressignificação das quadrilhas juninas, os sujeitos combinam
práticas socioculturais para difundir os novos sentidos dos produtos culturais
elaborados. A análise das manifestações individuais ou coletivas imbricadas
nos saberes juninos possibilitaram a constatação da presença de
conhecimentos advindos de múltiplas expressões artísticas e populares. Desse
modo, a atualização, a recriação, a ressignificação ou a renovação dos saberes
juninos resultam das fusões de saberes disponíveis nas localidades e são
254

convertidos em elaborações culturais e mercadológicas que legitimam a


continuidade da prática junina.

A atividade junina é afiançada pelos seus atores através da efetivação


de um movimento social. É notável o empenho dos envolvidos no movimento
junino para o fortalecimento das politicas públicas voltadas às quadrilhas
juninas, assim como expandir direitos dos diversos indivíduos envolvidos com
os grupos juninos, algumas vezes em vulnerabilidade social. Esse esforço e
dedicação estão inseridos no conjunto de experiências vividas em comum
pelos sujeitos juninos na atualidade, posto que tais experiências resultam na
formação da categoria conhecida como quadrilheiro junino, enquanto
identidade partilhada.

Anthony Giddens (2003, p. 30) observa que “as identidades partilhadas -


decorrentes de um conjunto de objetivos, valores e experiências comuns -
podem constituir um importante ponto de partida para movimentos sociais”. O
quadrilheiro junino reverbera as suas práticas por meio do movimento junino
que opera nas relações do individual e do coletivo com a sociedade para desse
modo, legitimar a identidade junina. É neste contexto que os grupos juninos
buscam responder às solicitações do mercado cultural e a fortalecer as suas
próprias iniciativas politicas, pois introduzem incessantemente transformações
na gestão das ações administrativas e nas performatividades. Outrossim, as
atividades dos grupos juninos são capazes de estabelecer mudanças no
contexto social onde emerge, pois apresentam oportunidades artísticas,
culturais, de entretenimento e laborais, independente dos formatos a que se
identificam.

Sendo assim, esse campo de energia produzido pela experiência junina


fomenta a tensão entre os entendimentos da sociedade contemporânea sobre
as formas de fazer e dançar quadrilhas juninas. Neste sentido é prudente
destacar que as duas formas apresentadas pela dança – tradicional ou
moderna, sustentam os sentidos estruturados pelas elaborações dos produtos
culturais experimentados pelos sujeitos, pois reverberam nas performances da
cultura. Penso que o formato das quadrilhas juninas na atualidade depende do
modelo estético adotado pelo grupo para a temporada de festivais anuais.
255

Dizer que é uma quadrilha moderna, estilizada ou matuta relaciona-se com o


resultado final da dinâmica de produção sobre a temática pretendida para a
performance, que por sua vez expõe estilos específicos em suas
performatividades. A exemplo disso, reitero o trabalho da Caipirada Capim
Canela – 2017, em “A Revoada do Vagalumes” que apresentou uma temática
voltada ao imaginário matuto, porém com a produção baseada na
espetacularização da quadrilha junina. Nesse sentido, posso afirmar que todas
as quadrilhas juninas participantes do Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas
em 2017, apresentaram produções espetacularizadas, independente do estilo
que se propuseram a empregar.

Igualmente, por inúmeras vezes, os promotores dos festivais juninos, as


lideranças de grupos e os interlocutores desta tese, afirmaram que
especificamente a quadrilha junina, independente da festa, ao final dos anos
1970 e inicio dos anos 1980 trilhavam o caminho do esquecimento. Tais
afirmativas sustentam que a prática da quadrilha junina não tinha a mesma
força de algumas expressões culturais que se perpetuam ao longo dos anos
como o bumba meu boi, a folia de reis, o maracatu e tantas outras no universo
das manifestações culturais brasileiras. Os meus interlocutores asseguram
ainda que a resistência cultural para a permanência das quadrilhas juninas
parecia germinar na inovação, pois só depois dessa transmutação estética é
que a dança junina começou a protagonizar o espaço midiático e festeiro, bem
como a tomar vulto nas discussões acadêmicas. Desse modo, a
espetacularização da dança junina tem sido um processo contínuo e decisivo
para a permanência da quadrilha junina enquanto manifestação cultural.
As diversas indagações, admirações e reprovações que surgem sobre o
assunto são distribuídas entre o sentimento de abandono do modelo tradicional
e a incontrolável sedução para o apelo midiático espetacular dos fazedores da
cultura junina. Sendo assim, a aceitação ou a rejeição desse processo de
atualização da quadrilha junina não é unanime entre os vários seguimentos da
sociedade, como a academia, os fazedores da cultura popular, o poder público,
os folcloristas, os espectadores e os próprios quadrilheiros juninos.

Nesta polaridade sobre o fazer quadrilha junina, faz-se necessário


apontar o protagonismo dos executores da produção cultural junina que fazem
256

a quadrilha acontecer. Conectados à temática junina, vários profissionais se


apresentam aos grupos juninos ou são convidados por eles para a prestação
de diferentes serviços e habilidades artísticas. Estes especialistas são capazes
de estruturar, caracterizar, equipar e ambientar um acontecimento simbólico
marcado por particularidades, respaldadas pelas idealizações dos enredos
apresentados nas coreografias. Igualmente, estes profissionais acabam por
compartilhar, direta ou indiretamente, os seus conhecimentos e técnicas sobre
os seus serviços com os quadrilheiros juninos.

Assim mesmo, a colocação de profissionais na dinâmica de produção


das quadrilhas juninas, depende do orçamento financeiro disponível dos grupos
juninos, bem como de outros fatores relevantes como o grau de envolvimento
com o grupo e a possibilidade de exposição dos trabalhos apresentados.
Diante disso é necessário pontuar que mesmo aqueles grupos com melhor
capacidade de captação financeira, várias vezes, envolvem os seus próprios
quadrilheiros na produção. Neste contexto a prática das quadrilhas juninas
subsidia a construção de conhecimentos e o aproveitamento destes, por parte
dos quadrilheiros. Os grupos juninos estão acessíveis a um contínuo arranjo
para o compartilhamento de saberes, os quais podem ser operados pelo
potencial de atividades laborais.

Menezes Neto (2009, p. 134) afirma que “das quadrilhas juninas, saem
profissionais em potencial formados na prática e conhecedores de uma técnica
própria para trabalhos de coreografias, maquiagem, encenação, artes plásticas,
figurinos e cenários”. Sendo assim, o processo de ensino e aprendizagem
também acontece no ambiente quadrilheiro, compreendendo o sentido
educacional e o profissional. A transmissão de saberes nas quadrilhas juninas
modernas se articula baseada na elaboração de estratégias de produção e
processos de criação. A partir da prática no interior dos grupos, observa-se a
formação de profissionais de diferentes segmentos laborais: costureiras,
carpinteiros, serralheiros, maquiadores, iluminadores, coreógrafos, pintores,
bordadeiras, sonoplastas e outros. Há uma transação técnico-mercadológica
que converte mão-de-obra não especializada em situações de aprendizagem
profissional promovidas pelos grupos juninos.
257

Os saberes laborais compartilhados nos grupos de quadrilhas juninas,


apesar de serem grupos organizados social e juridicamente, configuram como
uma prática educativa profissionalizante informal. Ademais, desse aprendizado
integrado ao movimento junino, entendo que o processo de ensino e
aprendizagem independe do tempo e do espaço. Neste contexto, a promoção
de oportunidade de aprendizagem no interior dos grupos juninos aproxima os
vínculos afetivos e o sentimento de pertencimento.

Para além da dinâmica de produção das quadrilhas juninas que agregam


profissionais e forma mão-de-obra, os grupos anseiam em caminhar para uma
profissionalização real, com uma conotação de trabalho temporário e
perspectivas de remuneração aos dançarinos; tal qual grupos de danças
profissionalizados performatizam suas criações no território nacional. A lógica
de produção nas quadrilhas juninas é também determinada pela lógica do
mercado cultural. O produto cultural deve ter circulação para a reconversão do
investimento que foi empregado. Entretanto, nem sempre esse raciocínio é
uma inferência imediata ou concreta, pois alguns grupos de quadrilhas juninas
paralisam suas atividades devido ao endividamento, falta de incentivo
financeiro das políticas públicas, e dificuldade de gerenciamento dos recursos
obtidos nas temporadas anteriores.

Como manifestação cultural, as quadrilhas juninas caracterizam-se pela


intersecção entre a performance enquanto arte e a performance enquanto
experiência, o que implica na execução da ação performática. Neste contexto,
as quadrilhas juninas da região metropolitana de Goiânia movimentam-se nos
verbos que indicam as performances da cultura e suas performatividades (ser,
fazer e mostrar fazendo), assim como pelas aplicabilidades performativas que a
dança junina permite.

As incorporações de significados estéticos e políticos, os


estranhamentos enaltecidos pelas performatividades, assim como as
hibridações da cultura no movimento junino são fatores que alimentaram essas
análises. Diante disso, o sentido estético espetacular da quadrilha junina, bem
como os dramas políticos, sociais e estéticos vividos pelos quadrilheiros
juninos, articulam o movimento junino. Essa articulação é promovida por meio
258

do processo de convencimento por parte dos sujeitos como elemento propulsor


do mercado cultural.

É importante considerar as transformações das manifestações da cultura


popular nas últimas décadas, pois as ressignificações passam por uma
projeção espetacular das atividades socioculturais do lugar na sua execução.
Na opinião de Debord (1997, p. 09), a autenticidade das ações simbólicas da
sociedade contemporânea está direcionada para um processo de
espetacularização das atividades cotidianas. Segundo ele, “o espetáculo é a
afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana, isto é, social,
como simples aparência” (DEBORD, 1997, p. 11). Nesse sentido, os grupos
juninos capacitam os elementos tradicionais para manter uma convivência com
os novos apelos simbólicos acendidos pelas transformações de caráter
espetacular.

Nas suas diversas manifestações a quadrilha junina é uma dança


convidativa, sedutora e que transmite alegria. No âmbito competitivo, além
desses fatores que envolvem o bailado, a identificação da quadrilha junina
constitui-se como uma modalidade da dança contemporânea, sustentada pelos
elementos advindos das artes cênicas, que valoriza a ação performática em um
processo de espetacularização.

O processo de modernização presente na dinâmica social transforma as


práticas tradicionais, ressignificando-as e conferindo um novo formato. Sendo
assim, partindo de suas origens a construção espetacular das performances
juninas é iniciada nos espaços múltiplos e plurais que edificam as suas
manifestações. Assim mesmo, o lugar como representação social reverencia a
cultura local e proporciona realizações identitárias do fazer junino, cujos
espaços disponíveis formam elementos marcantes que caracterizam a
realidade. Estes elementos estão intimamente ligados a um conjunto de
possibilidades coletivas pautadas nas inter-relações das estruturas culturais e
dos contextos sociais que compõem o lugar da performance. A própria prática
popular junina sugere através dessas relações sua nova inscrição enquanto
expressão artística e cultural ressignificada.
259

As inscrições culturais dos grupos juninos mantêm significações


construídas pelas experiências vividas, à medida que a busca por uma
identidade em âmbito cultural é reforçada e enriquecida por um processo
histórico que na temporalidade apresenta um ciclo de qualidade coletiva. A
tradição da prática junina não está no processo de ressignificação e
modificação inerente à dinâmica social, mas na reunião dos indivíduos nos
lugares onde a manifestação cultural acontece: seja performance como arte,
performance como competência ou a performance como experiência. Os
quadrilheiros juninos são então envolvidos por sentimentos de solidariedade na
participação do processo de produção dos elementos que compõem os festejos
e suas ramificações.

A organização interna do grupo requer um processo constante de


envolvimentos e adaptações administrativas. O produto final é o resultado da
exigência do mercado cultural que solicita primazia nas elaborações do tema,
da coreografia, da indumentária e do vestuário. Para isso, é necessária a
superação de limites fora do âmbito ordinário da vida que por sua vez insere-se
no processo de composição do movimento junino.

O Circuito Goiano de Quadrilhas Juninas é elemento primordial para a


remodelação do modo de dançar quadrilha junina, visto que é um dos
responsáveis pela gestão dos conteúdos juninos na atualidade (MENEZES
NETO, 2009; ZARATIM, 2014). Para Menezes Neto (2009, p. 94) “os
concursos regulam os conteúdos simbólicos, ora legitimando as inovações
concedendo títulos àquelas com novas propostas estéticas, ora cercando as
manifestações de impedimento”. Os grupos de quadrilhas juninas ao se
inscreverem para a participação nos festivais juninos aderem às normas dos
concursos, sendo portanto, coniventes com as normas estabelecidas nos
editais e protagonistas das transformações das quadrilhas juninas adquiridas
nos últimos tempos.

Por outro lado, também é possível perceber que os concursos juninos,


por meio dos grupos juninos, possibilitam a sociabilidade dos mais diferentes
sujeitos que compõem posições sociais diversificadas de gênero, sexualidade,
260

classe, raça e geração (NOLETO, 2016). De modo mais efetivo esta


manifestação cultural potencializa as experiências subjetivas do sujeito social.

Por trás de um discurso de portadores da continuidade da tradição, os


grupos de quadrilhas juninas revelam processos criativos organizados que
representam a adesão às normas do mercado cultural para as massas. Ao
recorrer às performances contemporâneas as quadrilhas juninas estimulam a
derivação de causas para justificar o processo de espetacularização da dança
junina. Contudo, articular e realizar o planejamento de um ciclo junino não lhes
dá o direito e nem a certeza de prosseguir na próxima temporada. Mesmo
diante dessa incerteza de continuidade, os resultados das ações performativas
dos grupos juninos, por vezes são perceptíveis ao alardear conquistas (mesmo
que pequenas e vagarosas) pautadas na aceitação dos espectadores às novas
formas de dançar quadrilhas juninas e à visibilidade diante do poder público e
da iniciativa privada.

Sendo assim, a performatividade junina tende para a continuidade das


ressignificações performáticas dentro do movimento junino, o qual prioriza a
realização de eventos que otimizam a noção de espetáculo. Ao incorporar
estas ressignificações as performances da cultura junina convergem-se para o
tempo presente e se apresentam como mecanismo de visibilidade reparadora
diante do afastamento do tradicional.

A atualização das performatividades juninas convida os grupos juninos a


novos desafios, porquanto esses coletivos se posicionam no tempo presente,
diante de uma crescente aproximação de um futuro repleto de incertezas. A
temporalidade no movimento junino opera na versatilidade do fazer junino na
cultura junina, que se transforma a cada ciclo.

Neste contexto, a ação performativa junina pressupõe um agir da


linguagem teatral por meio da corporeidade dos quadrilheiros. Jussara Setenta
(2008) afirma que o corpo expressa atos da fala. Para a autora “a implicação
política no entendimento do corpo como realizador de atos de fala
performativos, de performatividade, indica a existência de situações de poder
na relação do social e do corporal” e neste sentido “provoca a mobilização de
261

ações que recontextualizam condições preestabelecidas” (SETENTA, 2008, p.


30).

Setenta (2008) ampara a ideia de que a dança é ação performativa e


comunica por meio dos movimentos corporais que age pelas informações
interiorizadas em cada sujeito que dança. Nas performatividades juninas a
corporeidade não se desenvolve desacompanhada ao emitir mensagens. A
corporeidade se dispõe a integrar-se com os elementos constitutivos da dança
junina no modelo contemporâneo. Sendo assim, o figurino, o repertório
musical, as narrativas do marcador, os desenhos coreográficos, o cenário, o
conjunto harmônico, a animação e o tema, juntamente com a corporeidade
constituem a ação performativa junina.

Assim, a quadrilha junina enquanto ação performática comunica. É


possível observar que a performatividade junina propõe informações que
transitam nas subjetividades dos espectadores a partir das ideias dos
idealizadores dos enredos. Cada sujeito envolvido na ação performativa
experimenta articulações comunicacionais baseadas em fatos socioculturais,
que são capazes de estabelecer relações entre variadas concepções. Melhor
dizendo, a ação performativa junina movimenta ideias, concepções, realidades,
ilusões e articula criações artísticas. É pela ação performativa que a quadrilha
junina transmite sua mensagem, sua voz em ação, sinalizando polifonias,
difundindo diferentes maneiras de comunicabilidade.

A quadrilha junina moderna é uma manifestação cultural baseada na


tradição das festas juninas, caracterizada por um contínuo processo de criação
e recriação autônoma e não homogênea. A quadrilha junina aprimora
elementos da dança tradicional e os associa com a estética diversificada da
dança vivenciada na modernidade, superando classificações, conforme é
elaborada e executada, geralmente para as competições. Fazer quadrilha
junina é mover práticas socioculturais mediante concordâncias e divergências
nas redes de relações estabelecidas nos grupos e no movimento junino, bem
como ter coragem de agir e ser ousado nas transposições de fronteiras
culturais e afetivas. De modo simultâneo, a quadrilha junina enquanto grupo
social transcende as dimensões festivas alcançando vínculos profissionais e
262

ações organizativas que buscam o aprimoramento técnico, o qual estimula a


atitude competitiva e alicia à perspectiva espetacular.

A contradição desse terreno arenoso chamado cultura não se finda em


lugar algum, nem nas suas performances. A cultura em suas diversas
aparências é dinâmica, é mudança, é invenção, é introdução, é resistência, é
descoberta, é revelação, é prática, é adoção, é escolha, é admissão, é ação, é
performance, é junina e mais, muito mais. E, segue o passeio .....................
263

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ANEXOS

Quadro 3 - Grupos de Quadrilhas Juninas Filiadas a Federação da Quadrilhas Juninas


do Estado de Goiás - Quadro demonstrativo72

Fonte: Federação das Quadrilhas Juninas do Estado de Goiás – FEQUAJUGO

72
OBS: Os grupos Juninos Filiados a Fequajugo – Luar do Sertão (Aparecida de Goiânia),
Tradição e Ritmo e Fogaréu (Goiânia), Brilha São João (Indiara) não participaram do Circuito
Goiano de Quadrilhas Juninas 2017.
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