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Estudos em Direito Da Concorrencia

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Duda Kormann
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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Direção Executiva: Luciana de Castro Bastos

Direção Editorial: Daniel Carvalho


Diagramação e Capa: Editora Expert
Revisão: Do Autor
A regra ortográfica usada foi prerrogativa do autor

Todos os livros publicados pela Expert


Editora Digital estão sob os direitos da
Creative Commons 4.0 BY-SA. https://
br.creativecommons.org/
‘’A prerrogativa da licença creative commons
4.0, referencias, bem como a obra, são de
responsabilidade exclusiva do autor’’

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


ATHAYDE, Amanda
Titulo: Estudos em Direito da Concorrência - Belo Horizonte - Editora
Expert - 2024
AUTORA: Amanda Athayde
ISBN: 978-65-6006-068-5
Modo de acesso: https://experteditora.com.br
1.Direito da concorrência 2. Direito empresarial 3.Defesa da concorrência
4.Politica pública
I. I. Título.
CDD: 342.2

Pedidos dessa obra:

experteditora.com.br
contato@editoraexpert.com.br
Prof. Dra. Adriana Goulart De Sena Orsini Prof. Dr. Julio Cesar de Sá da Rocha
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Universidade Federal da Bahia - UFBA

Prof. Dr. Alexandre Miguel Prof. ​​​​​​Dr. Leonardo Gomes de Aquino


Cavaco Picanco Mestre UniCEUB e UniEuro, Brasília, DF.
Universidade Autónoma de Lisboa, Escola.
Superior de Desporto de Rio Maior, Escola. Prof. Dr. Luciano Timm
Superior de Comunicação Social (Portugal), Fundação Getúlio Vargas - FGVSP
The Football Business Academy (Suíça)
Prof. Dr. Mário Freud
Prof. Dra. Amanda Flavio de Oliveira Faculdade de direito Universidade
Universidade de Brasília - UnB Agostinho Neto (Angola)

Prof. Dr. Carlos Raul Iparraguirre Prof. Dr. Marcelo Andrade Féres
Facultad de Ciencias Juridicas y Sociales, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Universidad Nacional del Litoral (Argentina)
Prof. Dr. Omar Jesús Galarreta Zegarra
Prof. Dr. Cèsar Mauricio Giraldo Universidad Continental sede Huancayo,
Universidad de los Andes, ISDE, Universidad Universidad Sagrado Corazón (UNIFE),
Pontificia Bolivariana UPB (Bolívia) Universidad Cesar Vallejo. Lima Norte (Peru)

Prof. Dr. Eduardo Goulart Pimenta Prof. Dr. Raphael Silva Rodrigues
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Centro Universitário Unihorizontes
e PUC - MInas e Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG

Prof. Dr. Francisco Satiro Prof. Dra. Renata C. Vieira Maia


Faculdade de Direito da USP ‑ Largo São Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
Francisco
Prof. Dr. Rodolpho Barreto Sampaio
Prof. Dr. Gustavo Lopes Pires de Souza Júnior
Universidad de Litoral (Argentina) PUC - Minas e Faculdade Milton Campos

Prof. Dr. Henrique Viana Pereira Prof. Dr. Rodrigo Almeida Magalhães
PUC - Minas Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
PUC - Minas
Prof. Dr. Javier Avilez Martínez
Universidad Anahuac, Universidad Prof. Dr. Thiago Penido Martins
Tecnológica de México (UNITEC), Universidad Universidade do Estado de
Del Valle de México (UVM) (México) Minas Gerais - UEMG

Prof. Dr. João Bosco Leopoldino da


Fonseca
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
Amanda Athayde

PREFÁCIO

Recebi com alegria o convite para prefaciar a obra "Estudos em


Direito da Concorrência", de Amanda Athayde. Afinal, há muitos anos
venho acompanhando a notável evolução profissional e acadêmica
de Amanda, dona de um currículo e de uma capacidade de trabalho
invejáveis. Seria uma excelente oportunidade de lançar um olhar
sistemático sobre trabalhos produzidos pela autora ao longo dos
últimos anos. Saí enriquecido da experiência: trata-se muito mais do
que uma simples compilação de artigos; é um verdadeiro convite para
explorar em profundidade o universo complexo e multifacetado do
Direito da Concorrência, sob a segura orientação da autora, que, como
sempre, procura desbravar temas novos e provocantes.
De fato, Amanda Athayde traz para o leitor sua vasta experiência,
tanto acadêmica quanto profissional, marcada por um olhar inovador
a respeito dos desafios contemporâneos enfrentados pelo Direito da
Concorrência. Seu trabalho se destaca não apenas pela profundidade
da análise, mas também pela capacidade de abordar temas atuais e
de grande relevância, muitos dos quais raramente explorados com tal
acuidade na literatura jurídica brasileira.
O livro é estruturado em seis blocos temáticos. No primeiro,
que trata da política pública de defesa da concorrência, reúnem-se
artigos que traçam um amplo painel das principais escolas do direito
antitruste, com análise comparativa que permite situar de modo
pertinente os debates em curso no mundo e no Brasil, levando em
conta dados empíricos relevantes acerca da atuação do CADE. No
segundo, que cuida das intersecções entre o Direito da Concorrência e
outras áreas jurídicas, encontram-se interessantes discussões relativas
ao uso de sanções não monetárias na defesa da concorrência, entre
outros tópicos. Nos demais blocos, abordam-se temas relacionados
com os Atos de Concentração, as Condutas Unilaterais e Coordenadas
e as Ações Privadas de Reparação Civil. Essa organização reflete a
amplitude da visão da autora, capaz de transitar com facilidade entre

Estudos em Direito da Concorrência 7


Amanda Athayde

a teoria e a prática, entre o local e o global, entre tecnicalidades e


questões de interesse geral.
Dentre os temas abordados, encontramos discussões relativas à
influência do lobby no cenário competitivo, à interação entre antitruste
e gênero, ao impacto da inteligência artificial e dos videogames no
mercado, além de análises profundas a respeito de fusões, práticas
predatórias e cartéis, apenas para citar alguns. Tais estudos não apenas
ilustram a complexidade do Direito da Concorrência, como também
destacam a importância de um olhar crítico e atualizado no tocante às
práticas de mercado e sua regulamentação.
Em suma, o livro nos oferece uma oportunidade única de
compreender as nuances e os desafios do Direito da Concorrência em
uma era marcada por rápidas mudanças tecnológicas e econômicas,
destinando-se a todos aqueles que buscam não apenas entender, mas,
para além disso, questionar e expandir os limites do que conhecemos
acerca do Direito da Concorrência. É uma leitura indispensável para
estudantes, profissionais da área jurídica e todos os interessados em
compreender os mecanismos que regem as dinâmicas de mercado em
nossa sociedade.

Ricardo Villas Boas Cueva


Março de 2024

8 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

APRESENTAÇÃO

É um privilégio apresentar um pouco da trajetória e do trabalho


notável da Professora Amanda Athayde no campo do Direito da
Concorrência.
Tenho tido a alegria de acompanhar de perto a jornada da
Professora Amanda Athayde desde 2009, quando participei de um
evento sobre Direito da Concorrência em Belo Horizonte/MG. Naquela
época, Amanda já demonstrava sua paixão e dedicação à área, mesmo
como estudante de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG).
Nossos caminhos se cruzaram novamente na Secretaria de
Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ), onde pude
testemunhar sua competência e comprometimento. Acompanhei seu
ingresso no mestrado no Largo São Francisco (USP), e posteriormente,
tivemos a oportunidade de colaborar no Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (CADE), onde Amanda liderou a negociação dos
Acordos de Leniência Antitruste com maestria, deixando uma marca
indelével.
Participei como membro da banca de qualificação do doutorado
dela na USP, e juntos escrevemos artigos em coautoria, explorando
nuances do Direito da Concorrência. Além disso, compartilhamos
voos (com Amanda sempre tirando um cochilo) e participamos de
inúmeros eventos acadêmicos e profissionais.
Amanda Athayde é uma referência no cenário acadêmico e
profissional, e sua atuação na Universidade de Brasília (UnB) e minha
na USP tem sido uma fonte constante de diálogo e aprendizado.
Agora, com o lançamento de seu livro, ela consolida mais de
12 anos de dedicação incansável ao estudo e à prática do Direito da
Concorrência no Brasil.
O livro da Amanda é uma obra que reflete sua paixão,
conhecimento e compromisso com a área. Ele representa uma
contribuição significativa para a literatura jurídica e será uma fonte

Estudos em Direito da Concorrência 9


Amanda Athayde

valiosa para estudantes, acadêmicos e profissionais que desejam


aprofundar seus conhecimentos sobre concorrência e antitruste.
Parabenizo Amanda Athayde por essa conquista e desejo que
seu livro alcance muitos leitores, inspirando futuras gerações de
juristas e contribuindo para o desenvolvimento contínuo do Direito da
Concorrência no Brasil.

Vinícius Marques de Carvalho


Março de 2024

10 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Amanda Athayde

Advogada e Professora Doutora da Universidade de Brasília


(UnB).
Atua nas áreas de Direito Empresarial, Direito da Concorrência,
Comércio Internacional, Defesa Comercial e Interesse Público,
Compliance, Anticorrupção, Acordos de Leniência e Negociação de
Sanções.
Consultora no Pinheiro Neto Advogados.
Doutora em Direito Comercial pela USP, Bacharel em Direito
pela UFMG e em Administração de Empresas com habilitação em
Comércio Exterior pela UNA. Ex-aluna da Université Paris I – Panthéon
Sorbonne.
É autora de livros, organizadora de livros, autora de diversos
artigos acadêmicos e de capítulos de livros.

Estudos em Direito da Concorrência 11


Amanda Athayde

Entre 2019 a abril de 2022, foi Subsecretária de Defesa Comercial


e Interesse Público (SDCOM) da Secretaria de Comércio Exterior
(SECEX) do Ministério da Economia.
Entre 2017 e 2019, foi Chefe de Gabinete do Ofício do MPF junto
ao CADE.
De 2013 a 2017, foi Chefe de Gabinete da Superintendência-Geral
do CADE e Coordenadora do Programa de Leniência Antitruste.
Em 2013, atuou na negociação de acordos internacionais para
cooperação e facilitação de investimentos (ACFIs).
Ex-Analista de Comércio Exterior do Ministério de
Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).
Co-fundadora da rede Women in Antitrust (WIA).
Idealizadora e entrevistadora do podcast Direito Empresarial
Café com Leite.
Mãe do Pedro (2018) e do Lucas (2020).

https://www.amandaathayde.com.br
https://podcast.direitoempresarialcafecomleite.com

12 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

SUMÁRIO

Política Pública de Defesa da Concorrência

As três ondas do antitruste no Brasil: a Lei 12.529/2011 E o conselho


administrativo de defesa econômica............................................21
Amanda Athayde

A terceira onda do antitruste no Brasil: marolinha ou tsunami?


Reflexões diante do histórico de investigações e de acordos sobre
condutas unilaterais no Brasil.....................................................29
Amanda Athayde, Patrícia Jacobs

Os novos objetivos do Direito da Concorrência: Objetivos antitruste


mais amplos que o bem-estar do consumidor incluem uma eventual
defesa dos cartéis?......................................................................37
Amanda Athayde, Luiz Guilherme Ros

The midlife crisis of the antitrust goals: where does the Brazilian
Competition Authority stand among Harvard, Chicago and Neo-
Brandesianists? .........................................................................47
Amanda Athayde, Luiz Guilherme Ros

Concorrência para além das autoridades antitruste nos Estados Unidos


e no Brasil: Há espaço para uma movimentação de tal magnitude em
nosso país?.................................................................................71
Amanda Athayde, Angélica Vettorazzi

O ambiente político como “marketplace” e o uso do lobby como


instrumento anticompetitivo.......................................................79
Amanda Athayde, Isabella Accioly

Estudos em Direito da Concorrência 13


Amanda Athayde

Defesa da Concorrência e Interfaces Jurídicas

Gênero e Antitruste: O fenômeno poliédrico da discriminação por


gênero e seus impactos na defesa da concorrência.......................87
Amanda Athayde, Mariana Piccoli L. Cavalcanti

Non-monetary antitrust sanctions: the brazilian experience between


2012 and 2022 and some additional reflections for international
antitrust practice........................................................................95
Amanda Athayde, Renan Cruvinel

Direito da concorrência e supermercados: como essas plataformas de


dois lados podem trazer riscos aos consumidores?.......................147
Amanda Athayde

Interfaces entre Seguros D&O, Acordos de Leniência, Termos de


Compromisso e Governança Corporativa.....................................177
Amanda Athayde, Matheus Vinícius Aguiar Rodrigues

Bumblebee Antitruste? A Inteligência Artificial e seus Impactos no


Direito da Concorrência..............................................................211
Amanda Athayde, Marcelo Guimarães

O que o videogame tem a ver com o Cade? Operações na indústria de


jogos eletrônicos e análises antitruste..........................................237
Amanda Athayde, Leonardo Rocha e Silva, Igor Marques Caldas Machado

Cláusula de não concorrência: interfaces entre antitruste e direito do


trabalho no Brasil e nos EUA.......................................................243
Amanda Athayde, Manuela Mendes Prata, André Peyneau Cúrcio

14 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Concentrações Econômicas
(Atos de Concentração)

Fusões Verticais e Conglomerais no Brasil: Lições do passado para


construir o futuro.......................................................................253
Amanda Athayde

Fusões verticais e conglomerais pela perspectiva do mercado de


trabalho.....................................................................................293
Amanda Athayde, Julia Braga

Interlocking Directorates in Brazil: is there an antitrust concern in


light of the recent discussions in the USA?....................................299
Renê Guilherme S. Medrado, Amanda Athayde, Catarina Lobo Cordão

Ventríloquos antitruste no Brasil? Das participações minoritárias


indiretas de investidores institucionais em concorrentes (“common
ownership”).................................................................................307
Amanda Athayde, Mônica Tiemy Fujimoto

Gun Jumping, Controle Prévio de Estruturas e o CADE..................331


Amanda Athayde

Condutas Unilaterais

Medidas preventivas no antitruste: quando e como aplicar, à luz da


experiência recente do Cade.......................................................359
Amanda Athayde, Cristianne Zarzur, Jackson Ferreira

Breves acenos sobre as possíveis condutas anticompetitivas


horizontais e verticais implementadas via blockchain.................383
Amanda Athayde, Bárbara Mendes Peres

Estudos em Direito da Concorrência 15


Amanda Athayde

How government subsidies can change predatory pricing antitrust


investigations: finding the antitrust ‘codfish head’.........................403
Amanda Athayde, Luis Henrique Perroni Fernandes

Discriminação de preços por algoritmo no varejo online:


peculiaridades, condições, obstáculos e desafios da discriminação
comportamental.........................................................................421
Amanda Athayde, Carlos Roberto da Rocha Reis

Condutas Coordenadas

Antitruste e anúncios públicos feitos por empresas, associações e


sindicatos..................................................................................449
Amanda Athayde, Leonardo Rocha e Silva, Luís Henrique Perroni Fernandes

A primeira condenação de acordos hub-and-spoke no Brasil e sua


sinalização antitruste..................................................................457
Amanda Athayde, Sofia de Medeiros Vergara

Doing the math of cartels: unpuzzling organized corporate crimes.....467


Amanda Athayde, Bruna Piazera, Priscila Craveiro, João Victor Freitas, Luiz Guilherme Ros

10 Anos da Lei 12.529/2011: Da improvável à incontornável interface


entre concorrência e trabalho.....................................................511
Amanda Athayde, Juliana Oliveira Domingues, Nayara Mendonça Silva e Souza

Pipoca com guaraná: combinando acordos de leniência com os do


tipo second best.........................................................................539
Amanda Athayde, Sarah Roriz de Freitas

TCCs em Casos de Cartel no Cade: Meios de obtenção de provas e/ou


pactos de ajustamento de conduta?..............................................547
Amanda Athayde, Marco Antonio Fonseca Júnior

16 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

O improvável encontro do direito trabalhista com o direito antitruste...553


Amanda Athayde, Juliana Oliveira Domingues, Nayara Mendonça Silva e Souza

Denunciante Premiado? Whistleblower no Brasil e o Direito Antitruste.....577


Amanda Athayde, Mylena Matos

A evolução dos acordos de leniência e dos TCCS nos 5 anos de vigência


da Lei 12.529/2011.......................................................................583
Eduardo Frade, Diogo Thomson, Amanda Athayde

Leniência, Compliance e o Paradoxo do Ovo ou da Galinha: Do


compliance como instrumento de autorregulação empresarial.......611
Amanda Athayde, Ana Frazão

A glimpse into Brazil’s experience in international cartel investigations:


Legal framework, investigatory powers and recent developments in
Leniency and Settlements Policy.................................................633
Amanda Athayde, Marcela Campos Gomes Fernandes

Programa de leniência antitruste e repercussões criminais: desafios e


oportunidades recentes..............................................................657
Amanda Athayde, Rodrigo de Grandis

Cartéis internacionais e defesa da concorrência no Brasil.............683


Vinícius Marques de Carvalho, Amanda Athayde, Bernardo Becker Fontana

Anúncios públicos feitos por empresas, associações e sindicatos: é preciso


ter cuidado para não infringir a lei de defesa da concorrência ...........713
Amanda Athayde, Leonardo Rocha e Silva, Luis Henrique Perroni Fernandes

Estudos em Direito da Concorrência 17


Amanda Athayde

Ações Privadas em Reparação Cível

Se, quando e como aplicar a Lei nº 14.470/2022 nas ações reparatórias


por danos concorrenciais? Uma análise sobre a aplicabilidade no
tempo das normas de direito material e processual ......................723
Amanda Athayde, Carolina Trevizo

Há embate entre a Lei 14.470/22 e a decisão do STJ no REsp nº 1.971.316/


SP?............................................................................................751
Renê Guilherme S. Medrado, Amanda Athayde, Gianvito Ardito, Luís Henrique Perroni
Fernandes

Ressarcimento voluntário de danos e acordos no Cade: O que


isso significa para as ações de reparação de dano por conduta
anticompetitiva no Brasil?...........................................................761
Amanda Athayde, Isabela Maiolino

Da teoria à realidade: o acesso a documentos de acordos de leniência


no Brasil....................................................................................769
Amanda Athayde, Andressa Lins Fidelis, Isabela Maiolino

Can shareholders claim damages against company officers and


directors for antitrust violations? The Japanese experience and
possible lessons to Brazil and Latin America................................797
Amanda Athayde

Discovery, Leniência, TCC e Persecução Privada a Cartéis: too much of a


good thing?.................................................................................819
Amanda Athayde, Andressa Lin Fidelis

18 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Política Pública de
Defesa da Concorrência

Estudos em Direito da Concorrência 19


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

AS TRÊS ONDAS DO ANTITRUSTE NO


BRASIL1: A LEI 12.529/2011 E O CONSELHO
ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA

Publicado originalmente em: Portal Jota em 01/11/2017.

Amanda Athayde

Nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil


de 1988, “os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência
são instrumentais à promoção da dignidade humana”.2 Trata-se de
compreensão em conformidade com o art. 170, cujo caput é claro
no sentido de que “a ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, em
obediência aos demais princípios elencados em seus incisos. O
princípio da livre concorrência, assegurado em um dos incisos deste
artigo da Constituição, não é tido então como um fim em si mesmo,
mas “um valor-meio a servir o valor-fim, que vem a ser o bem comum
e o interesse da coletividade”.3 Há que se reconhecer, portanto, a
centralidade da Constituição na condução de questões relacionadas
ao Direito da Concorrência no Brasil, “colocando-a como a base e o
centro valorativo fundamental do discurso antitruste”.4

1 Essa reflexão da autora é apresentada, com maior detalhamento, em seu livro:


ATHAYDE, Amanda. Antitruste, Varejo e Infrações à Ordem Econômica. São Paulo: Ed.
Singular, 2017.
2 GRAU, Eros Roberto; FORGIONI, Paula A. O estado, a empresa e o contrato. São Paulo:
Malheiros, 2005. p. 123.
3 GUERREIRO, José Alexandre Tavares. Formas de abuso do poder econômico. Revista
de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, ano XXVI (nova série), n. 66, p.
49. São Paulo: RT, abr.-jun. 1987.
4 FRAZÃO, Ana. A necessária constitucionalização do direito da concorrência.
In: CLÈVE; Clèmerson Merlin; FREIRE, Alexandre (Org.). Direitos fundamentais
e jurisdição constitucional. São Paulo: RT, 2014. p. 139-158. A autora traz como base
do seu artigo a discussão inicialmente proposta por: SCHUARTZ, Luis Fernando. A
desconstitucionalização do direito de defesa da concorrência. Law Review, v. 106, p.
741-791, 1993.

Estudos em Direito da Concorrência 21


Amanda Athayde

A questão consiste então em “criar e preservar, nos ditames


constitucionais, ambiente no qual as empresas tenham incentivos para
competir, inovar e satisfazer as demandas dos consumidores; proteger
o processo competitivo e evitar que os mercados sejam fossilizados
pelos agentes com elevado grau de poder econômico”.5 Para tanto, o
art. 173, §4º, da Constituição determina que “a lei reprimirá o abuso do
poder econômico que vise à eliminação da concorrência, do domínio
de mercados e ao aumento arbitrário dos lucros”. Não basta, assim,
que o exercício do poder econômico se adéque a determinada política
econômica ou seja geradora de eficiências para estar conforme à ordem
econômica constitucional. É necessária a “constitucionalização do
direito concorrencial”, de modo que “o controle do exercício do poder
econômico não pode ficar sujeito tão somente a critérios econômicos
ou consequencialistas”.6
Para criar e preservar o ambiente concorrencial e proteger
os interesses da coletividade consubstanciados nos princípios
constitucionais, a Lei 12.529/2011 é o instrumental da disciplina da
concorrência no Brasil. Considerada no bojo do conjunto de valores
delineados na Constituição, esta Lei, em seu art. 1º, define que seu
objeto é “a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem
econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de
iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos
consumidores e repressão ao abuso do poder econômico”. Observa-
se, portanto, que o direito da concorrência e o controle do poder
econômico está intimamente relacionado aos princípios da ordem
econômica constitucional. Nesse contexto, acredito que o Direito da
Concorrência no Brasil é marcado por três “ondas”.
A primeira “onda” foi aquela marcada pela consolidação
institucional do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)

5 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 7. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 189.
6 FRAZÃO, Ana. A necessária constitucionalização do direito da concorrência. In:
CLÈVE, Clèmerson Merlin; FREIRE, Alexandre (Org.). Direitos fundamentais e jurisdição
constitucional. São Paulo: RT, 2014. p. 139-158.

22 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

e pelo foco na aplicação das regras do controle de estruturas7. Apesar


de o Direito da Concorrência encontrar fundamento constitucional no
Brasil desde a Constituição de 1946 (cujo marco legislativo foi a Lei
4.137/1962), que permitiu o início do posicionamento institucional
do Conselho, sabe-se que o fortalecimento da proteção à ordem
econômica e do próprio papel do CADE se deu com a Constituição
de 1988 e, posteriormente, com a Lei 8.884/94. Nessa fase, dado que
o controle de atos de concentração era posterior (art. 54) e a análise
era realizada tanto pelas Secretarias de Direito Econômico (SDE)
e de Acompanhamento Econômico (SEAE) quanto pelo CADE, as
autoridades antitruste brasileiras dispendiam maior parte do tempo
e dos recursos no controle de estruturas. Dados estatísticos oficiais
indicam que, entre os anos 2000 e 2012, aproximadamente 95% dos
julgamentos do Conselho diziam respeito a atos de concentração,
ao passo que 3% diziam respeito a condutas unilaterais e 2% a
condutas coordenadas. 8 9 Em que pesem as importantes iniciativas

7 Para maiores informações sobre o controle de estruturas, sugere-se: SALOMÃO


FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. São Paulo: Malheiros, 2002.
8 Dados estatísticos disponíveis em: <www.cade.gov.br/cadeemnumeros>. Disponível
também em: Contribution from Brazil, Session I: Cartels: Estimation of Harm in Public
Enforcement Actions. OECD Latin American and Caribbean Competition Forum 2017.
<https://one.oecd.org/document/DAF/COMP/LACF(2017)21/en/pdf>.
9 Sobre a diferenciação entre condutas coordenadas e condutas unilaterais: “A
classificação usualmente adotada pela literatura antitruste para a análise de condutas
anticoncorrenciais tem por critério inicial a caracterização da conduta como uma
prática coordenada entre as empresas (i.e., acordo) ou como uma prática unilateral
de apenas uma empresa. Condutas coordenadas ou unilaterais, por sua vez, podem
ser classificadas como (i) horizontais, quando envolvem empresas que atuam em um
mesmo mercado (i.e., se envolve concorrentes diretos) ou (ii) verticais, quando afetam
elos distintos de uma cadeia produtiva (i.e., empresas com relação fornecedor-cliente)”.
PEREIRA NETO, Caio Mário S.; CASAGRANDE, Paulo L. Direito concorrencial – Doutrina,
jurisprudência e legislação. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 80. Ademais, a respeito dessa
diferenciação: “Como anota corretamente Paolo Buccirossi, as ‘condutas unilaterais’
são, no fundo, uma categoria conceitual construída a partir da típica divisão tripartitite
feita pelas legislações antitruste mais tradicionais entre possíveis ações danosas ao
mercado, divisão essa que constuma submeter a regimes de análise distintos (i) as
fusões, (ii) os acordos entre concorrentes e (iii) as ações unilaterais das empresas
no mercado. (...) É claro que essa distinção comporta diversos temperamentos e,
como alerta o próprio autor acima citado, é possível analisar restrições verticais,
por exemplo, tanto como acordos anticompetitivos como sob a ótica dos abusos de
posição dominante. Contudo, há algo de muito próprio às condutas unilaterais, que

Estudos em Direito da Concorrência 23


Amanda Athayde

de iniciação de novas investigações de condutas anticompetitivas pela


SDE, poucos desses casos eram julgados pelo CADE – e, quando eram
julgados, demoravam anos para tanto, que perdiam parte do seu fator
dissuasório.

Fonte: OCDE, Brazilian Contribution, 2017.10

Entendo que esse cenário se altera com a edição da Lei


12.529/2011, que permite o início de uma segunda “onda” do
antitruste no Brasil, a partir de maio de 2012. A nova Lei de Defesa da
Concorrência previu o controle preventivo de atos de concentração e
a possibilidade de aprovação desses atos pela Superintendência-Geral,
sem a necessária revisão do Tribunal do CADE.11 Essa configuração
institucional deu agilidade à análise concorrencial e permitiu que

é seu tratamento, sempre, sob a ótica do abuso de direito. Ao contrário de muitos


acordos anticompetitivos, que podem ter a restrição à concorrência como seu próprio
objeto, as condutas unilaterais, de seu turno, em geral são expressões genuínas da
própria agressividade empresarial em um contexto de mercado”. VERÍSSIMO, Marcos
Paulo. As condutas unilaterais e o mecanismo de consultas administrativas ao Cade.
In: CARVALHO, Vinícius M. (Org). A nova Lei 12.529/2011 e a nova política de defesa da
concorrência. São Paulo: Singular, 2015.
10 OCDE. Contribution from Brazil (Amanda Athayde, Eduardo Frade e Diogo
Thomson). Session I: Cartels: Estimation of Harm in Public Enforcement Actions. 4-5
April 2017, Managua, Nicaragua. Disponível em: < https://one.oecd.org/document/
DAF/COMP/LACF(2017)21/en/pdf >.
11 Para maiores informações sobre a mudança do controle posterior para o controle
prévio dos atos de concentração no Brasil, a partir do advento da Lei 12.529/2011,
sugere-se: CORDOVIL, Leonor et al. Nova Lei de Defesa da Concorrência Comentada: Lei
12.529, de 30 de novembro de 2011. São Paulo: Singular, 2012. p. 195-216.

24 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

o Conselho reduzisse o volume de atos de concentração analisados.


Esse movimento também permitiu que o Plenário do Tribunal do
CADE julgasse importantes casos de condutas anticompetitivas que
constavam em seu estoque, pendentes de decisão. A partir dessa
alteração legislativa e institucional, foi possível observar julgamentos
relevantes de Processos Administrativos relacionados, sobretudo, a
condutas coordenadas.
Dados estatísticos indicam que, em 2013, 73% dos julgamentos
do Conselho ainda diziam respeito a atos de concentração, 10%
tratavam de condutas unilaterais e 17% de condutas coordenadas. Se
esses dados já representariam uma alteração significativa no padrão
de julgamentos da autoridade antitruste (pelo aumento significativo
dos julgamentos de condutas anticompetitivas), os anos seguintes
confirmam essa mudança no padrão de julgamento do CADE. Entre
2014 e 2016, o Plenário do Tribunal do CADE julgou aproximadamente
30% de casos referentes a atos de concentração, 15% de condutas
unilaterais e 55% de condutas coordenadas.12 Observa-se, assim,
o foco do Tribunal do CADE no controle de condutas13 coordenadas
(sobretudo de cartéis).

12 Dados estatísticos disponíveis em: <www.cade.gov.br/cadeemnumeros>. Disponível


também em: Contribution from Brazil, Session I: Cartels: Estimation of Harm in Public
Enforcement Actions. OECD Latin American and Caribbean Competition Forum 2017.
<https://one.oecd.org/document/DAF/COMP/LACF(2017)21/en/pdf>.
13 Para maiores informações sobre o controle de condutas, sugere-se: SALOMÃO
FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as condutas. São Paulo: Malheiros, 2008.

Estudos em Direito da Concorrência 25


Amanda Athayde

Fonte: OCDE, Brazilian Contribution, 2017.14

Acredito que ainda estamos, em 2017, vivenciando essa segunda


“onda” do antitruste no Brasil. A Superintendência-Geral tende a
priorizar a análise dos atos de concentração, dado que possuem
prazos não suspensivos de análise (art. 88 da Lei 12.529/2011) e porque
configuram instrumento essencial para a continuidade da atividade
econômica no país. Ademais, são priorizadas as investigações de
cartéis (art. 36, §3º, I e II, da Lei 12.529/2011), possivelmente por
serem consideradas as condutas mais deletérias à sociedade e cuja
responsabilização dos agentes econômicos se dá pela regra da conduta
pelo objeto – em contraposição ao tipo de ilícito pelos efeitos.15
Ademais, vivencia-se um crescimento exponencial de investigações
de cartéis em licitação, fomentadas pela investigação Lava Jato.16 As

14 OCDE. Contribution from Brazil (Amanda Athayde, Eduardo Frade e Diogo


Thomson). Session I: Cartels: Estimation of Harm in Public Enforcement Actions. 4-5
April 2017, Managua, Nicaragua. Disponível em: < https://one.oecd.org/document/
DAF/COMP/LACF(2017)21/en/pdf >.
15 A discussão a respeito da diferenciação entre as condutas pelo objeto e as condutas
pelos efeitos possui origem legal, dado que o art. 36 da Lei 12.529/2011 (que era também
reproduzido, em parte, no art. 20 da anterior Lei 8.884/94) prevê expressamente
que “[c]onstituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa,
os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir
os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados”. A respeito dessa diferenciação,
sugere-se a leitura do voto paradigmático do Conselheiro Marcos Paulo Veríssimo no
Processo Administrativo 08012.006923/2002-18 (ABAV) e no Processo Administrativo
08012.001271/2001-44.
16 Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,cade-investiga-30-
carteis-formados-por-empresas-envolvidas-na-lava-jato,10000089064>.

26 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

condutas unilaterais, assim, ainda tendem a não serem prioritárias, o


que traz a preocupação de renomados acadêmicos brasileiros, como
os Professores Calixto SALOMÃO FILHO17 e Paula FORGIONI18.
Nesse sentido, entendo que a terceira “onda” do antitruste, ainda
a ser iniciada no Brasil, deverá ser caracterizada pela retomada das
investigações e dos julgamentos de condutas unilaterais19. Uma vez
consolidado o novo método de análise prévia dos atos de concentração20,
bem delineado o rito de investigação da Superintendência-Geral,
reduzidos os estoques de processos relacionados, sobretudo, a
cartéis em licitação, e consolidados os precedentes de condenação e
arquivamento de cartéis nacionais e internacionais21, os advogados,
acadêmicos, empresas e o próprio CADE poderão voltar suas atenções
àquelas condutas mais dispendiosas de tempo de análise, que devem

17 SALOMÃO FILHO critica o que considera ser uma “paralisia do antitruste”, segundo
a qual estar-se-ia relegando ao direito da concorrência um tratamento meramente
prático e casuístico, procurando seus aplicadores interpretar caso a caso qual a
melhor aplicação e interpretação (geralmente econômica) da ideia de eficiência.
SALOMÃO FILHO, Calixto. A paralisia do antitruste, in. Estudos de Direito Econômico e
Economia da Concorrência – em homenagem ao Prof. Fábio Nusdeo. GABAN, Eduardo
Lolan. DOMINGUES, Juliana Oliveira (Org.). Curitiba: Juruá Editora, 2009. pp. 15-32.
18 FORGIONI aguarda “que, nos próximos anos, o CADE passe a efetivamente coibir
abusos de posição dominante e outras práticas bastante lesivas aos consumidores e à
fluência de relações econômicas”. FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 7.
ed. São Paulo: RT, 2014. p. 125.
19 Sobre a diferenciação entre condutas coordenadas e condutas unilaterais: “A
classificação usualmente adotada pela literatura antitruste para a análise de condutas
anticoncorrenciais tem por critério inicial a caracterização da conduta como uma
prática coordenada entre as empresas (i.e., acordo) ou como uma prática unilateral
de apenas uma empresa. Condutas coordenadas ou unilaterais, por sua vez, podem
ser classificadas como (i) horizontais, quando envolvem empresas que atuam em
um mesmo mercado (i.e., se envolve concorrentes diretos) ou (ii) verticais, quando
afetam elos distintos de uma cadeia produtiva (i.e., empresas com relação fornecedor-
cliente)”. PEREIRA NETO, Caio Mário S.; CASAGRANDE, Paulo L. Direito concorrencial
– Doutrina, jurisprudência e legislação. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 80.
20 Essa consolidação pode ser vislumbrada, por exemplo, pela divulgação de
dois Guias de Análise pelo Cade. O primeiro deles foi o Guia de Análise de Atos de
Concentração Horizontal, e o segundo deles, bastante recente, o Manual interno da
Superintendência-Geral para atos de concentração apresentados sob o rito ordinário.
21 Sobre as investigações de cartéis internacionais pelo Brasil, sugere-se: ATHAYDE,
Amanda; FERNANDES, Marcela. A glimpse into Brazil’s experience in international
cartel investigations: legal framework, investigatory powers and recent developments
in Leniency and Settlements Policy, Concurrences Review n. 3-2016.

Estudos em Direito da Concorrência 27


Amanda Athayde

ser estudadas como condutas pelos efeitos, compreendidas sob a regra


da razão22. Se essa terceira “onda” já seria, por si só, desafiadora, há um
elemento adicional a se ter em mente: os novos parâmetros trazidos
pela concorrência virtual em mercados digitais.23
Uma vez superadas, portanto, a primeira e a segunda “ondas”
do antitruste no Brasil, acredito que será possível iniciarmos, em um
futuro próximo, essa futura terceira “onda”, na qual será retomada
uma acepção mais ampla de antitruste no Brasil, não concentrada
quase que exclusivamente em atos de concentração e no combate a
cartéis.

22 A respeito da diferenciação entre a regra da razão e a regra per se como formas de


análise dos ilícitos, sugere-se: MENDES, Francisco S. O controle de condutas no direito
concorrencial brasileiro: características e especificidades. Brasília: UnB, 2013. p. 60-64.
Para FORGIONI, a regra da razão seria uma primeira “válvula de escape” antitruste,
destinada a viabilizar a realização de determinada prática, ainda que restritiva à
concorrência, afastando-se barreiras legais à sua concretização. FORGIONI, Paula A.
Os fundamentos do antitruste. 7. ed. São Paulo: RT, 2014. p. 194-201.
23 EZRACHI, Ariel. STUCKE, Maurice E. Virtual Competition – The Promise and Perils
of the Algorithm-Driven Economy. Harvard University Press, 2016.

28 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

A TERCEIRA ONDA DO ANTITRUSTE NO BRASIL:


MAROLINHA OU TSUNAMI? REFLEXÕES DIANTE
DO HISTÓRICO DE INVESTIGAÇÕES E DE ACORDOS
SOBRE CONDUTAS UNILATERAIS NO BRASIL

Publicado originalmente em: Portal Conjur em 01/03/2021.

Amanda Athayde

Patrícia Jacobs

Em 2017, Athayde publicou artigo intitulado “As três ondas do


antitruste no Brasil”24, em que argumentou que a terceira “onda” do
antitruste, ainda a ser iniciada, deveria ser caracterizada por maior
ênfase em investigações e julgamentos de condutas unilaterais.
Isso seria possível graças ao desenvolvimento do Sistema Brasileiro
de Defesa da Concorrência que, estruturado pela Lei 12.529/ 2011,
consolidou o método de análise prévia dos atos de concentração
(primeira “onda”). Mais que isso, o novo arcabouço legal permitiu
que o Cade se debruçasse também sobre os estoques de processos
relacionados, sobretudo, a cartéis em licitação, estabelecendo
precedentes de condenação e arquivamento de casos envolvendo
cartéis nacionais e internacionais (segunda “onda”). Assim, advogados,
acadêmicos, empresas e o próprio Cade poderiam voltar suas atenções
àquelas investigações mais dispendiosas de tempo de análise, que
devem ser estudadas pelos efeitos, compreendidas sob a regra da
razão, que são as condutas unilaterais.
Mais tarde, em 2019, a Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), em seu relatório “OECD Peer
Reviews of Competition Law and Policy: Brazil, 2019”25, parece ter

24 Artigo disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/as-tres-ondas-


do-antitruste-no-brasil-01112017.
25 OCDE. OECD Peer Reviews of Competition Law and Policy: Brazil, 2019. Disponível em:
www.oecd.org/daf/competition/oecd-peer-reviews-of-competition-law-and-policy-
brazil-2019.htm.

Estudos em Direito da Concorrência 29


Amanda Athayde

corroborado esse diagnóstico da autora. O órgão multilateral observou


que “as atividades do Cade contra abuso de posição dominante têm
sido escassas”. A OCDE encontrou explicações para isso na ênfase
dada pelo Cade, nos anos que se seguiram à nova Lei de Defesa da
Concorrência (Lei 12.529/ 2011), à implementação do novo sistema
de controle de concentração de análise ex-ante (similarmente ao
argumentado por Athayde, como uma primeira “onda” do antitruste
no Brasil). Em um segundo momento, a OCDE apontou que a partir
de 2014 o Cade teria passado a dar atenção ao programa de combate
a carteis (o que Athayde chamou de “segunda onda”). Logo depois,
os casos resultantes da Operação Lava Jato apresentaram grande
demanda pela aplicação do mecanismo dos Acordos de Leniência. Em
pouco tempo, a autarquia teve que se adaptar à legislação e a novas
demandas, oferecendo resultados bem avaliados dentro e fora do
Brasil.
No relatório, a OCDE observa, porém, que “o exercício abusivo
de posição dominante não tem sido uma prioridade na apuração de
condutas por parte do Cade desde a entrada em vigor da nova Lei de
Defesa da Concorrência” (Lei 12.529/ 2011)26. O documento avaliativo
da OCDE também entende que a quantidade de casos de conduta
unilateral resolvida por meio de acordos é muito grande, o que leva à
interrupção de investigações e a uma escassez de precedentes julgados
sobre as infrações, prejudicando o estabelecimento de limites claros
para a atuação das empresas em seus mercados. Tais fatores que se
retroalimentam, combinados, atrasam a maturidade da instituição na
avaliação desses casos, desestimulando ainda que agentes econômicos
tragam denúncias à autoridade antitruste nacional.
A OCDE também observou que, diferentemente das práticas
internacionais em outras jurisdições, grande parte dos Termos
de Compromisso de Cessação (TCCs) nesses casos de condutas
unilaterais é firmada no âmbito do Cade tardiamente, já no último
estágio do processo administrativo, quando o caso está em fase de

26 OCDE, 2019, op. cit., p. 186.

30 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

análise no Tribunal. Nesse estágio, esforços já foram empreendidos


pela administração pública, desperdiçando, assim, o potencial de
eficiência que um TCC pode representar ao poupar recursos e tempo
empenhados na análise do caso específico. Afirma a OCDE, ainda, que
se formam “poucos precedentes para servir de diretriz à comunidade
empresarial nessa complexa área do direito”27, recomendando ao Cade
“aumentar o número de investigações envolvendo potencial abuso de
posição dominante”28. Ao sinalizar para possíveis remédios para esse
problema, a OCDE observou que, diferentemente do que acontece nas
demais áreas de atuação do Cade, falta no Brasil uma equipe dedicada
a casos de abuso de posição dominante.
Ciente da necessidade de pesquisas acadêmicas sobre a prática
empírica do Cade no âmbito das condutas unilaterais, a pesquisa de
Jacobs29 vem suprir essa lacuna, ao realizar levantamento de dados,
exaustivo e inédito, sobre a prática do Cade com relação a acordos em
casos de conduta unilateral entre 2012 e 2019. A autora, em pesquisa
de fôlego, concluída em novembro de 2020, acaba por lançar nova e
inexplorada luz sobre as observações feitas pela OCDE.
A autora inicialmente mapeou a existência de 318 investigações
referentes a condutas unilaterais concluídas pelo Cade entre 2012 e
2019. Desse total, 180 processos foram arquivados na Superintendência-
Geral (57%). As demais investigações, que totalizam 138, tiveram
seu desfecho decidido pelo Tribunal do Cade: 17 foram objeto de
condenações (12%), 45 foram arquivadas (33%) e 76 foram suspensas
por homologação de TCCs (55%).
Em seguida, Jacobs calculou precisamente o prazo dispendido
pelo órgão entre a abertura de um caso e a assinatura do respectivo
TCC. Por meio desse dado, a autora buscou avaliar a eficiência da

27 OCDE, 2019, op. cit., p. 179.


28 OCDE, 2019, op. cit., p. 186.
29 JACOBS, Patrícia. Análise da eficiência do Cade na celebração de Termos de Compromisso
de Cessação em Condutas Unilaterais entre 2012 e 2019. Trabalho apresentado ao curso
de Pós-Graduação em Defesa da Concorrência e Direito Econômico, lato sensu,
da Fundação Getúlio Vargas como requisito parcial para a obtenção do Grau de
Especialista.

Estudos em Direito da Concorrência 31


Amanda Athayde

política de acordos do Cade e, assim, verificar se, como afirmou a


OCDE, a celebração tardia de TCCs comprometeria a economicidade
e a celeridade processual, reduzindo as vantagens oferecidas por
acordos administrativos, segundo referências teóricas existentes
sobre esses instrumentos.
Os dados consolidados por Jacobs apontam que o Cade leva, em
média, 4,9 anos entre instaurar um processo e a assinatura de TCC
em casos de conduta unilateral (76 investigações entre 2012 e 2019).
Por outro lado, o prazo decorrido entre a abertura do procedimento
administrativo (procedimento preparatório, inquérito administrativo
ou processo administrativo) e a decisão da corte administrativa pela
condenação foi sensivelmente maior: 7,3 anos para julgar casos
de conduta unilateral. Ou seja, os poucos processos que levam a
condenações em casos de conduta unilateral (17 entre 2012 e 2019)
têm tramitação 50% mais longa que aqueles em que há acordo entre a
instituição e agentes econômicos.
Gráfico 1 – Casos de condutas unilaterais julgados
pelo Tribunal do Cade entre 2012 e 2019

Fonte: Jacobs, com base nos dados do Cade.

32 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Jacobs também consolidou informações sobre o destino dessas


17 condenações do Cade em casos de conduta unilateral, e constatou
que apenas em dois deles não houve recurso judicial. Ou seja, a
inexistência de questionamento judicial é a exceção, já que a regra é o
recurso: em 88% dos casos (15 processos administrativos) a Justiça foi
acionada por agentes econômicos inconformados com a condenação
pelo órgão.
Das 15 decisões condenatórias de condutas unilaterais do
Tribunal do Cade em que houve recurso judicial, somente duas
haviam transitado em julgado até a conclusão da pesquisa. Com os
marcadores de tempo utilizados, Jacobs constatou que, se levada em
conta a revisão das decisões do Cade no Poder Judiciário, os processos
de conduta unilateral duram em média 11,3 anos. E esse prazo tende a
ser mais longo, já que na maioria dos casos (13 entre 15 dos processos
judicializados) ainda não havia sido proferida uma sentença final da
Justiça.
Figura 1 – Desfecho das 17 condenações do Tribunal em Condutas Unilaterais
entre 2012 e 2019

Fonte: Jacobs, com base nos dados do Cade.

Estudos em Direito da Concorrência 33


Amanda Athayde

Assim, Jacobs conclui, em seu estudo, que a “ampla vantagem


da eficiência dos acordos, em vez de estar apoiada nas virtudes
administrativas do Cade, infelizmente, só pode ser vista sob um ponto
de vista relativo. Isso porque, dos dados sobre prazos e resultados de
processos de conduta unilateral em que não se registra celebração de
TCC, emergem informações que demonstram que a duração dos casos
é muito superior à daqueles em que há acordos”.
Outra realidade identificada pela autora tem impacto indesejado
nas decisões do Cade: dos dois casos em que já houve sentença final
do Judiciário, em apenas um a decisão do Cade foi confirmada. Isso
demonstra, segundo a autora, que não há qualquer previsibilidade de
que a tão desejada jurisprudência a ser formada em condenações a
agentes econômicos será, ao final e ao cabo, formada, como sugere a
OCDE. Assim, Jacobs pondera, com base também no que argumentam
diversos outros estudiosos, que a falta de traquejo do Judiciário
brasileiro em lidar com casos complexos e especializados derivados
do Direito da Concorrência leva a distorções de prazo, eficiência e,
também, eficácia da administração pública. Ainda que não seja esse
um cenário ideal, afirma Jacobs, “os acordos administrativos são muito
menos morosos que os casos judicializados e ainda permitem, pela via
consensual, a cessação da possível infração anticoncorrencial. Mais
que isso, por todos os prismas, os acordos e seus resultados são menos
imprevisíveis que os que advêm dos litígios no Judiciário”.
Diante desse sui generis contexto brasileiro, Athayde e Jacobs
convergem em suas percepções sobre a necessidade de se aprofundar
o enfoque do antitruste brasileiro em condutas unilaterais, de forma a
se confirmar como uma “terceira onda” para o direito da concorrência
no país. A forma exata dessa implementação, porém, ainda merece
maior esforço da autoridade brasileira. A inércia é que não pode
prevalecer.
Jacobs sugere, diferentemente do que aponta a OCDE, que o Cade
dê ainda maior ênfase à sua política de acordos em casos de abuso
de posição dominante. E elenca iniciativas que podem aperfeiçoar
a resposta institucional e, assim, tornar mais efetivas, eficientes e

34 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

eficazes as decisões do Cade. Entre as medidas citadas estão: a busca


por acordos ainda na fase de investigação na Superintendência-Geral
e a especialização do corpo técnico do órgão, que hoje se divide entre
análises de atos de concentração e a apuração de infrações à ordem
econômica. Assim, profissionais dedicados a casos de condutas
anticompetitivas unilaterais também seriam capazes de monitorar
os desdobramentos dos TCCs. Com iniciativas como essas, o Cade
poderia ter à sua disposição formas mais eficientes para fazer cessar
uma conduta potencialmente danosa ao mercado e sinalizar às
empresas quais práticas são consideradas toleráveis em um ambiente
econômico saudável.
Athayde, por sua vez, entende ser imprescindível a formação de
jurisprudência sobre condutas unilaterais no Brasil. Ainda que haja
posterior debate judicial, com eventual reversão da decisão, a autora
reconhece que toda essa discussão, na seara administrativa e no
Judiciário, servirá para a função mais ampla de difusão do direito da
concorrência no Brasil. Caso haja uma anulação da decisão do Cade,
a autoridade antitruste poderá reconhecer tal fato como parte natural
da sua evolução institucional e, nos próximos casos, avaliar o que
na argumentação deve ser aprimorado ou revisto, a fim de que nova
anulação não aconteça. Caso haja a confirmação da decisão judicial,
o posicionamento da autoridade antitruste ficará ainda mais forte,
de modo que o precedente servirá como elemento de sinalização do
mercado.
Ainda que a formação de jurisprudência seja evidentemente
muito lenta ( já que em apenas um caso a condenação pelo tribunal do
Cade foi confirmada pelo Judiciário no período de oito anos analisado
por Jacobs), Athayde entende que é preciso reforçar o arranjo
institucional que prevê recursos judiciais e os debates competentes
nesse fórum, inclusive com possibilidade de eventual reversão da
decisão da autarquia. Tanto a confirmação das decisões do Cade
como as críticas e reformas que advierem do Judiciário são parte
natural da evolução institucional do Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência. Com essa experiência consolidada, o que se espera,

Estudos em Direito da Concorrência 35


Amanda Athayde

desde a doutrina que lança as bases para a organização do Estado


moderno, é que a autoridade antitruste aprimore e reveja seus próprios
processos internos, inclusive os decisórios, para que possa travar os
debates judiciais que se seguirem de forma mais madura, eficiente
e eficaz. Esse arranjo institucional forte, que envolve a legislação
vigente e sua interpretação tanto no Executivo quanto no Judiciário,
é que poderá fornecer a sinalização ao mercado dos limites toleráveis
à competição, conforme os ditames constitucionais que determinam
o fomento de um ambiente econômico saudável. Aprendendo com
acertos e erros, o Cade poderá ampliar sua autoridade ao lidar com
condutas unilaterais, e, assim, consolidar o que Athayde chamou de
terceira “onda” do sistema antitruste nacional.
Qualquer que venha a ser a posição a respeito dos próximos
passos, Jacobs e Athayde convergem então que os dados sobre a
realidade de como o Cade lida atualmente com casos de abuso de
posição dominante, como os levantados por Jacobs, devem servir,
então, para orientar a prática institucional e para ajudar a sopesar as
vantagens de acordos vis a vis a necessária formação de jurisprudência
do Tribunal administrativo, tendo em vista ainda a possível revisão
pelo Judiciário, sempre, como reza a lei, com a defesa do interesse
público como princípio condutor de toda a atuação.
Ambas as autoras sugerem, assim, que o Cade se valha das análises
disponíveis no trabalho de Jacobs para trilhar caminhos que levem
o órgão a explorar plenamente o potencial oferecido pela legislação
de 2011 na análise de condutas anticoncorrenciais unilaterais. Desse
modo, a autoridade antitruste pode deflagrar a “terceira onda” do
antitruste no Brasil, como identificado por Athayde, transformando-a
em um tsunami — e evitando que se torne apenas uma marolinha.

36 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

OS NOVOS OBJETIVOS DO DIREITO DA CONCORRÊNCIA:


OBJETIVOS ANTITRUSTE MAIS AMPLOS QUE
O BEM-ESTAR DO CONSUMIDOR INCLUEM
UMA EVENTUAL DEFESA DOS CARTÉIS?

Publicado originalmente em: Portal Jota em 17/01/2022.

Amanda Athayde

Luiz Guilherme Ros

As discussões recentes engendradas no cerne do direito da


concorrência quanto aos próprios objetivos da política antitruste têm
trazido uma série de desdobramentos30. Um deles, porém, ainda nos
parece inexplorado: a existência de objetivos antitruste mais amplos
do que o bem-estar do consumidor pelo viés econômico aporta algum
tipo de defesa ou exceção à regra de análise de conduta por objeto,
típica dos cartéis?
Para responder a esta pergunta, será apresentada, inicialmente,
uma visão brevíssima do que seria a visão estruturalista do antitruste,
centrada na Escola de Harvard, e o contraponto da visão do antitruste
voltada para o bem-estar do consumidor pelo viés econômico,
centrada na Escola de Chicago. Em seguida, será brevemente
apresentada. Adiante será apresentada parte da discussão dos

30 Nesse sentido vide, exemplificadamente: (i) FRAZÃO, Ana de. O., Textos Ana Frazão,
série Jota: um antitruste para o Século XXI; (ii) BORGES, Rodrigo Fialho. Descontrole
de Estruturas: dos objetivos do antitruste às desigualdades econômicas; São Paulo,
2020. Tese de Doutorado para o Programa de Pós-graduação em Direito Comercial,
Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. (iii) FOER, Albert Allen; DURST,
Arthur Durst. The Multiple Goals of Antitrust. The Antitrust Bulletin. 2018; 63(4):494-
508.https://doi.org/10.1177/0003603X18807808; (iv) HORTON, Thomas J. Rediscovering
Antitrust’s Lost Values. 16 U.N.H. L. Rev. 179, 2018. Disponível em: https://scholars.
unh.edu/unh_lr/vol16/iss2/27/; (v) HOVENKAMP, Herbert. Progressive Antitrust.
U. Ill. L. Rev. 71, 2018. Disponível em: https://scholarship.law.upenn.edu/faculty_
scholarship/1764/;Hovenkamp, Herbert. The Looming Crisis in Antitrust Economics.
Disponível em: https://awards.concurrences.com/en/awards/2021/academic-articles/
the-looming-crisis-in-antitrust-economics; (2021).

Estudos em Direito da Concorrência 37


Amanda Athayde

chamados “Neo Brandesianos”31, que aportam objetivos mais amplos


para o antitruste. A seguir, será apresentada a diferenciação entre as
chamadas condutas pelo objeto e as condutas pelos efeitos, para que
se possa, então, concluir, sobre a possibilidade ou não se algum tipo de
defesa ou exceção à regra de análise de conduta por objeto, típica dos
cartéis, caso se adote uma visão mais ampla dos objetivos do direito da
concorrência.
Apesar de a primeira legislação de defesa da concorrência
ter surgido em 1885 no Canadá (Competition Act), o Shermann Act,
publicado alguns anos depois, em 1890, nos Estados Unidos (EUA), é a
legislação antitruste mais conhecida no mundo32-33. Essa norma veio a
ser posteriormente complementada pelo Clayton Act (1914) e pelo FTC
Act (1914).

31 Para maiores informações sobre a origem da expressão, vide: GUIMARÃES,


Marcelo C. O hipster antitrust seria realmente neo-brandeisiano? 2021. Disponível em:
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-hipster-antitrust-seria-realmente-
neo-brandeisiano-05062021;
32 A razão do seu surgimento das legislações antitruste norte-americanas foi o
combate aos grandes conglomerados empresariais que passaram a dominar o cenário
econômico do fim do século XIX. Tratava-se de grandes corporações que, com amplo
poder econômico e político, faziam valer seus interesses em detrimento da sociedade,
pequenos comerciantes, consumidores e trabalhadores, prejudicando, assim, a
economia americana. Mas as legislações americanas não nasceram do nada. Para
ser mais exato, o início da discussão sobre o estabelecimento de limites aos trusts
teve origem no ano de 1877, momento em que se deflagrou um movimento grevista
liderado pelos empregados ferroviários no Estado da Virgínia do Oeste e culminou
em um massivo bloqueio dos meios de transporte de mercadorias, ocasionando um
significativo desabastecimento dos principais centros urbanos do país. A revolta com
os trusts era tão significativa que as insatisfações com esses conglomerados passaram
a permear, também, as autoridades públicas e diversos outros agentes privados. Para
expurgar esses trusts do cenário econômico americano, o direito antitruste, passou a
ser o centro dos debates relativos às candidaturas à Presidência da República norte-
americana, sendo ponto comum entre os candidatos o repúdio e a promessa de
combate a estes conglomerados. Dito e feito: visando deter estes conglomerados e
seus efeitos prejudiciais ao mercado e aos consumidores surge o Sherman Act (1890),
posteriormente, complementada pelo Clayton Act (1914) e pelo FTC Act (1914).
33 GABAN e DOMINGUES (2004, P.4): O pioneirismo do direito da concorrência
é creditado ao Canadá que, em 1889, editou o Act for the prevention and supression
of combinations formed in restraint of trade, cuja finalidade era atacar arranjos ou
combinações voltados a restringir o comércio mediante a fixação de preços ou a
restrição da produção (carteis), o que foi incorporado três anos depois ao primeiro
Código Penal do Canadá. Nessa legislação explicitou-se que a fixação de preços e
outros acordos entre competidores eram espécies de condutas abusivas.

38 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

O desenvolvimento das legislações norte americanas acabou por


ganhar suporte da Escola de Harvard, também denominada de Escola
Estruturalista34. Esta vertente entendia que o direito antitruste deveria
focar-se na proteção de estruturas de mercado desconcentrados. Em
sua visão, mercados concentrados – monopolísticos ou oligopolísticos
– seriam prejudiciais à sociedade, aos consumidores e aos pequenos
produtores e, por conseguinte, ao próprio mercado e à economia
norte americana.
Assim, estabeleceu-se como objetivos da legislação antitruste a
proteção dos pequenos players. Buscava-se promover a distribuição de
riqueza na sociedade, proteger os pequenos negócios e os pequenos
comerciantes, além de tentar evitar a concentração do poder político
e econômico na mão de poucos agentes, preservando-se o processo
competitivo por meio da manutenção de um mercado plural, com
diversos concorrentes. Assim, tal corrente doutrinária entendia que o
direito antitruste deveria se preocupar, também, com aspectos sociais
e políticos35, pautando-se sempre na desconcentração do poder de
mercado detido pelas grandes corporações36.

34 Cujos principais expoentes, à época, eram Edward Chamberlain, Edward Mason e


Joe Bain.
35 Para maiores informações, vide: (i) FOER, Albert Allen; DURST, Arthur Durst.
The Multiple Goals of Antitrust. The Antitrust Bulletin. 2018; 63(4):494-508.https://
doi.org/10.1177/0003603X18807808; (ii) BAKER, Jonathan b. and SALOP, Steven C.,
Antitrust, Competition Policy and Inequality. The Georgetown Law Journal Online
(2017) Disponível em: http://ssrn.com/abstract=2567767. 2015; e (iii) SCHAPIRO,
Carl. Antitrust in a time of populism. International Journal of Industrial Organization
61 (2018) 714–748 2018. Disponível em: https://faculty.haas.berkeley.edu/shapiro/
antitrustpopulism.pdf
36 Como expõe JASPER (2019, P. 12), e enquanto perdurou como pensamento
dominante a escola de Harvard, a Suprema Corte ampliou de maneira significativa qual
seria o objetivo do direito da concorrência. Nesse contexto, em diversos precedentes,
declarou que o Sherman Act teria como objetivo o seguinte: (i) prevenir a concentração
de mercado, preservando, quando possível, a organização das indústrias em pequenas
unidades concorrentes; (ii) proteger a liberdade das empresas de vender bens (freedom
to trade); (iii) proteger o público das falhas de mercado; (iv) preservar a liberdade das
empresas de competir com “vigor, imaginação, devoção e engenhosidade”; (v) proibir
práticas que impeçam o acesso de empresas ao mercado; (vi) assegurar igualdade de
oportunidade e proteger o público de monopólios e cartéis; e (vii) apresentar uma
bússola de liberdade econômica para preservar a livre concorrência.

Estudos em Direito da Concorrência 39


Amanda Athayde

Para se contrapor a esse cenário, a Escola de Chicago (2),


pautada em valores liberais, surgiu como uma vertente de pensamento
mais permissiva com práticas verticais e unilaterais. Essa corrente
doutrinária, que passou a ser a base teórica de toda a política
concorrencial moderna, consolidou o entendimento de que o direito
antitruste deveria se preocupar, única e exclusivamente, com o bem-
estar do consumidor37 e não precisaria levar em consideração outros
objetivos sociopolíticos38.

37 The adoption of the consumer welfare standard as antitrust’s lodestar has come with
numerous benefits that have reoriented antitrust jurisprudence over the last fifty years
to more effectively protect competition. At its core, the consumer welfare standard
provides a coherent, workable, and objective framework to replace the multiple, and
often contradictory, vague social and political goals that governed antitrust prior to
the modern era. By providing a disciplined framework for antitrust analysis, unified
under a singular objective, the consumer welfare model fosters the rule of law and
helps prevent arbitrary or politically motivated enforcement decisions. Similarly,
promoting the use of the consumer welfare approach by competition authorities
worldwide reduces the opportunity for enforcers to use their domestic competition
laws to pursue non-economic objectives, including a protectionist agenda that targets
U.S. and other foreign businesses. (…) By realigning antitrust under a singular objective
grounded in economics, the consumer welfare standard heralded the advent of the
modern antitrust revolution that squarely rejects populist desires to balance multiple
non-economic factors in favor of a consistent and coherent framework focused on
the straightforward, but elegant, question of whether a transaction or commercial
arrangement makes consumers better off. (WRIGHT, Joshua D; et al. Requiem for
a Paradox: The Dubious Rise and Inevitable Fall of Hipster Antitrust.Arizona State
Law Journal [51:0293], 2018. Disponível em: https://arizonastatelawjournal.org/wp-
content/uploads/2019/05/Wright-et-al.-Final.pdf;)
38 Como aponta Schrepel: “The destabilization of antitrust laws - The Legal Vagueness
Surrounding Moral Concepts. The second risk created by the moralization of antitrust
law is the creation of legal errors, whether type I or II. (…) This silence is most likely
explained by the fact that evaluating the morality of one behavior implies taking into
account what Richard Posner called “moral sentiment,” defined as “those emotional
reactions like pity or disgust that one experiences in certain situations and then
translates into moral approval or disapproval.” These concepts are uncertain for
most antitrust-related practices and, as a consequence, neither provide companies
with guidance on how to act in a given situation nor draw a roadmap for antitrust
authorities on how to create sound policies. (...) The Danger of Using Moral Concepts
in Legal Matters. We have seen that moral concepts are too vague to become legal
standards and that they are used to seek specific outcomes. (…) First, moral concepts
lead to the sanction of dominant positions rather than of actual abuses. (…) The third
significant risk associated with the integration of moral concepts into antitrust law
is related to the potential blindness it would cause for antitrust authorities. Turning
antitrust law into a moralizing tool will likely lead to more enforcement. After all, it is
inherent in the logic of populism that the elite must be punished.

40 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

A Escola de Chicago foi fortemente influenciada por um


pensamento neoliberal e tinha uma visão extremamente benevolente
com as empresas. Acreditava-se que o mercado seria capaz de se
autorregular e que a intervenção estatal, independente da de sua
operacionalização, tinha mais potencial de lesar o mercado que o
corrigir. A atuação das autoridades de defesa da concorrência somente
deveria se dar quando a prática engendrada pelas empresas, seja
unilateralmente, seja de forma colusiva, somente deveria ser objeto
de reprimenda pelas autoridades de defesa da concorrência quando
o resultado líquido da prática para o consumidor fosse negativo, isto
é, quando o consumidor final fosse prejudicado por aquela conduta39.
De forma resumida, pode-se afirmar que o único objetivo a
ser perseguido era estritamente econômico: o consumer welfare.
Significaria dizer que o processo competitivo, pautado na maximização
do bem-estar do consumidor promoveria, indiretamente, a diminuição
dos preços dos produtos, produtos mais inovadores, dentre outros
benefícios para a sociedade. Desta forma, durante décadas a utilização
do conceito do consumer welfare foi salutar para o desenvolvimento
do direito antitruste40 e propiciou significativa segurança jurídica
às empresas deixando a jurisprudência de ser confusa para ser

39 Como aponta HOVENKAMP (2018, P. 93): But a strictly followed consumer-welfare


approach, condemning a restraint or practice only when it realistically threatens an
anticompetitive output reduction, has one additional advantage: properly followed, it
gets antitrust out of the business of favoring particular special-interest constituencies
other than consumers themselves.
40 The adoption of the consumer welfare standard as antitrust’ s lodestar has come with
numerous benefits that have reoriented antitrust jurisprudence over the last fifty years
to more effectively protect competition. At its core, the consumer welfare standard
provides a coherent, workable, and objective framework to replace the multiple, and
often contradictory, vague social and political goals that governed antitrust prior to
the modern era. By providing a disciplined framework for antitrust analysis, unified
under a singular objective, the consumer welfare model fosters the rule of law and
helps prevent arbitrary or politically motivated enforcement decisions. Similarly,
promoting the use of the consumer welfare approach by competition authorities
worldwide reduces the opportunity for enforcers to use their domestic competition
laws to pursue non-economic objectives, including a protectionist agenda that targets
U.S. and other foreign businesses. By realigning antitrust under a singular objective
grounded in economics, the consumer welfare standard heralded the advent of the
modern antitrust revolution that squarely rejects populist desires to balance multiple
non-economic factors in favor of a consistent and coherent framework focused on

Estudos em Direito da Concorrência 41


Amanda Athayde

previsível41, pois bastava para as empresas verificarem se as suas


práticas promoveriam o aumento do bem-estar do consumidor
para saber se estas seriam reputadas como lícitas, ou ilícitas, pelas
autoridades.
Ocorre que a permissividade liberalista que balizava a Escola
de Chicago não passou ilesa de críticas. Reaqueceu-se, e com o
desenvolvimento das grandes empresas centradas em dados e com
o crescimento das economias digitais42, o debate de que o direito
da concorrência de que o direito antitruste não deveria pautar-se
somente pelo objetivo do bem-estar do consumidor, devendo levar
em consideração outros critérios sociopolíticos. Isso porque, segundo
os Neo Brandesianistas ou hipster do antitruste43 (3), a utilização de
um conceito estritamente econômico possibilitou a concentração
de riquezas, o aumento das desigualdades, aumento da margem de
lucro sem repasse das eficiências para os consumidores, diminuição
de salário dos funcionários, dentre outros. Assim, passou a defender
um retorno às origens do antitruste, por meio da qual as autoridades
deveriam deixar de utilizar de um conceito econômico único e
deveriam reorientar o antitruste para outros objetivos, tais como
objetivos sociais e políticos.

the straightforward, but elegant, question of whether a transaction or commercial


arrangement makes consumers better off. WRIGHT (2019, P.11).
41 Antitrust jurisprudence went from being confused and ineffective to the
modern doctrine that can—and does— effectively protect consumers and prevent
anticompetitive business practices while allowing practices that are a normal part of
the competitive process and benefit consumers. (WRIGHT, Joshua D; et al, 2018, P.8)
42 Em 2000, Posner já indicou que existiria dúvidas se o antitruste seria capaz de
regular a nova economia que vinha surgindo, especialmente pelo desenvolvimento da
AOL e Amazon. Nesse sentido, vide: OSNER, Richard. Antitrust in the New Economy.
John M. Olin Program in Law and Economics Working Paper No. 106, 2000. Disponível
em: https://chicagounbound.uchicago.edu/law_and_economics/58/.
Tim Wu sintetiza bem o desenvolvimento das diversas correntes que passaram a
questionar a utilização do Consumer Welfare como objetivo único do direito antitruste.
(WU, Tim. After consumer welfare, now what? The protection of competition standard
in practice, 2018, Disponível em: https://scholarship.law.columbia.edu/faculty_
scholarship/2291/ )
43 Como aponta SCHMIDT (2018, P.1) Hipster Antitrust é uma terminologia que
fora cunhada pelo advogado Konstantin Medvedovsky, em junho/2017, tendo sido
popularizada com o auxílio do ex-conselheiro do FTC, Joshua D. Wright.

42 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Prega-se, nesse conceito, um retorno às origens, por meio do


qual a política de defesa da concorrência não deveria ter um objetivo
único, mas diversos objetivos, tal como similarmente preconizado pela
Escola de Harvard. Tal corrente vem ganhando espaço. Não à toa que
diversos doutrinadores, entre os quais pode-se citar Lina Khan – atual
presidente da Federal Trade Commission nos EUA44 – e Ana Frazão
no Brasil, passaram a repensar os objetivos e a forma de aplicação do
direito antitruste45.
Surge, com essa “nova” corrente, um questionamento, qual
seja: diante das ponderações apresentadas pelos Neo Brandesianistas,
haveria algum impacto na regra de análise envolvendo condutas
colusivas, a depender de qual corrente de posicionamento prevalecer?
Ou seja, e com objetivo de trazer um exemplo prático, questiona-se:
em uma investigação de cartel, conduta que o Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (“CADE”) reputa como ilícita pelo seu próprio
objeto46, poderia haver alguma alteração na forma de análise pela
autoridade? Deixaríamos de ter um ilícito pelo objeto e passaríamos a
ter uma análise baseada em efeitos e considerando outros princípios,
tais como ocorre em condutas unilaterais, a partir das ponderações
apresentadas pelos Neo Brandesianistas?
Recorde-se que cartéis são acordos entre concorrentes cujo
objetivo é reduzir a produção de determinado bem ou serviço a
determinado nível ou comercializar produtos em a um preço acordado

44 Para maiores detalhes sobre a atuação de Lina Khan no FTC nos Estados Unidos e
suas discussões aportadas ao direito da concorrência, sugere-se: ATHAYDE, Amanda.
VETTORAZZI, Angelica. Concorrência para além das autoridades antitruste nos
Estados Unidos e no Brasil. Portal Jota, 11 jan. 2022.
45 A Ex Conselheira do CADE, Ana Frazão, produziu inúmeros textos em sua coluna
no Jota, denominada de Um Direito Antitruste para o século XXI.
Além dela, outros doutrinadores, especialmente Lina Khan, escreveram sobre o tema.
Nesse sentido vide: KHAN, Lina M. The Ideological Roots of America’s Market Power
Problem. The Yale Law Journal Forum, June 4, 2018. Disponível em: https://www.ftc.
gov/system/files/documents/public_comments/2018/08/ftc-2018-0048-d-0092-155250.
pdf; e KHAN, Lina M. Memorandum, September 22, 2021. Vision and Priorities for the
FTC.
46 CADE. Processo Administrativo 08012.006923/2002-18. Voto Vista do Conselheiro
Marcos Paulo Veríssimo. ABAV-RJ.

Estudos em Direito da Concorrência 43


Amanda Athayde

que normalmente se assemelham aos preços praticados por empresas


monopolistas. Significa dizer que os carteis atuam por meio da fixação
das mais diversas condições comerciais, não somente o preço dos
produtos, mas também os clientes, a qualidade do produto e importam
em diversas ineficiências para o mercado.
Tendo em vista os prejuízos que impõe aos consumidores, os
carteis são considerados os principais ilícitos existentes no direito
antitruste e os que tem maior potencial de lesar os consumidores.
Diante do potencial danoso da prática, diversas legislações ao redor do
mundo, tal como é o caso do Brasil, entendem que carteis são ilícitos
pelo seu próprio objeto47 (4), pela sua própria natureza, haja vista que
os carteis importariam, invariavelmente, em ineficiência, acarretando
a diminuição do bem-estar do consumidor, que receberão produtos
mais caros, menos eficientes e menos inovadores.
Nesse cenário, quando o CADE se depara com uma investigação
de cartel, não há que se falar na utilização da regra da razão para
sopesamento dos efeitos negativos e positivos das práticas, isto

47 A regra de análise para infrações contra a ordem econômica pode se dar de duas
formas. A primeira, utilizada unicamente em condutas colusivas consiste em entender
que a prática é ilícita pelo seu próprio objeto, não havendo que se discutir os seus
efeitos no mercado. Por sua vez, em se tratando de condutas unilaterais, utiliza-se da
regra da razão. Embora as condutas unilaterais não sejam, em sua maioria, ilícitas, elas
podem configurar uma infração à ordem econômica se forem aptas a produzir efeitos
anticompetitivos no mercado. Segundo as normas integrantes do Sistema Brasileiro
de Defesa da Concorrência (“SBDC”), as restrições verticais são anticompetitivas quando
implicam a criação de mecanismos de exclusão dos rivais, seja por aumentarem as barreiras
à entrada de outras empresas, seja por elevarem os custos dos competidores; ou ainda quando
produtores, ofertantes ou distribuidores – com significativo poder de mercado – impõem
restrições sobre os mercados relacionados verticalmente ao longo da cadeira produtiva.
Para a comprovação destas práticas, a jurisprudência do CADE geralmente percorre
algumas etapas de análise de condutas para avaliar se o fechamento de mercado seria
uma estratégia factível e racional do ponto de vista econômico dos agentes envolvidos.
Esquematicamente, estas etapas consistem em avaliar: (i) Se o agente econômico
responsável pela prática detém posição dominante no mercado “de origem” e/ou no
mercado “alvo”, sendo que tal posição é presumida no caso de o agente deter market
share superior a 20% (vinte por cento), nos termos do art. 36, §2º da Lei nº 12.529/11;
(ii) Se a prática adotada pelo agente econômico seria suficiente para impor prejuízo a
seus concorrentes no seu mercado de atuação ou se projetar sobre os agentes atuantes
no mercado alvo; e (iii) Se, embora suficiente para limitar a concorrência, a prática
não poderia apresentar benefícios (“eficiências”) líquidos que possam superar seus
potenciais prejuízos à concorrência.

44 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

é, para verificar se o resultado líquido da prática foi benéfico aos


consumidores. Tem-se a premissa de que carteis invariavelmente
prejudicam os consumidores, existindo uma presunção no de que
condutas cartelizadas irão produzir efeitos negativos ao consumidor e,
portanto, são ilícitos pelo seu próprio objeto e devem ser condenadas.
Não há, nesse cenário, a possibilidade de uma empresa que é
investigada por cartel alegar que, do ponto de vista econômico, a conduta
praticada não teria efeitos líquidos negativos sobre o consumidor, haja
vista que carteis invariavelmente são economicamente ineficientes,
prejudicam o consumidor e, portanto, devem ser sancionados pelo seu
próprio objeto. Carteis, portanto, possuem a presunção de lesarem o
consumidor, já que o próprio objeto da conduta colusiva é prejudicial
e, consequentemente, carteis devem ser sempre sancionados.
Assim, se estamos falando que carteis são ilícitos pelo seu
próprio objeto pois importariam em resultado líquido negativo aos
consumidores, estamos justamente adotando o objetivo preconizado
pela Escola de Chicago do consumer welfare? E então, se readmitirmos
um direito antitruste com objetivos plurais e socioeconômicos a
presunção existente de que carteis são presumivelmente ilícitos seria
mantida ou seria possível iniciar discussões acerca da ponderação
de princípios e objetivos no âmbito do direito da concorrência? Em
outras palavras: se voltarmos a entender que o objetivo econômico
do consumer welfare não é o único a ser perseguido, seria mantida
a presunção absoluta de ilicitude ou estaríamos diante de uma
presunção relativa que poderia ser combatida caso a caso? Seria
possível argumentar quanto a legalidade de determinado cartel, por
exemplo, foi praticado para se possibilitar melhores salários melhores
condições aos trabalhadores, ou para perseguir objetivos de melhoria
das condições de meio ambiente ou de saúde pública?
Nossa posição é que a resposta a essa pergunta parece ser negativa.
Ou seja, não nos parece ser coerente e nem a melhor escolha de política
concorrencial, independentemente da escola a que nos filiemos, a
realização de uma análise para condutas colusivas que se desvie do
padrão atualmente empregado de que essas condutas são ilícitas

Estudos em Direito da Concorrência 45


Amanda Athayde

pelo seu próprio objeto48. Estar-se-ia utilizando-se indevidamente


a discussão para alcançar objetivos contrários à própria teoria. Ou
seja, parece-nos que se os Neo-Brandesianos visam justamente a
aumentar o espectro de objetivos do direito da concorrência para
alcançar melhores resultados, em termos qualitativos e não apenas
quantitativos para a sociedade, a admissão da prática de cartel, com
todos os seus efeitos nefastos, poderia ir diametralmente contra à
consecução de um melhor ambiente de negócios no país e também de
melhores resultados para a sociedade.

48 Apenas para fins de clareza, há uma pequena divergência de posicionamento


entre os autores. Para Luiz Ros, eventual mudança no art. 36 da Lei de Defesa de
Concorrência, com a supressão da expressão “que tenham por objeto”, poderá permitir
uma alteração na forma de análise de condutas colusivas, o que parece ser indesejável
do ponto de vista de política antitruste. Para Amanda Athayde, a manutenção da atual
forma de análise permaneceria independentemente de alteração legislativa.

46 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

THE MIDLIFE CRISIS OF THE ANTITRUST GOALS: WHERE


DOES THE BRAZILIAN COMPETITION AUTHORITY STAND
AMONG HARVARD, CHICAGO AND NEO-BRANDESIANISTS?

A crise da meia-idade dos objetivos do antitruste: onde


está autoridade de defesa da concorrência brasileira
entre Harvard, Chicago e Neo-Brandesianos?

Publicado originalmente em: CADE. Revista de Defesa da Concorrência,


v. 10, n. 2, julho/dezembro 2022, pp. 7-23.

Amanda Athayde

Luiz Guilherme Ros

ABSTRACT: The understanding of the goals of the antitrust policy


has been subject to several debates during the last century. Those who
believed that the Chicago School has ended the debate proposing
consumer welfare as a single objective for the competition law were
mistaken. The development of the digital markets and big techs has
restarted the discussion of competition policy and its goals. The neo
brandesianists are calling for a return to the origins of antitrust, as
in a midlife crisis in which we question the journey. But how is the
Brazilian competition authority dealing with that discussion? Are we
equally in a midlife crisis or we are still teenagers analyzing Harvard,
Chicago and Neo-Brandesianists?
KEYWORDS: Antitrust, objectives, Harvard School, Chicago
School, Neo-brandesianists. Hipster Antitrust. Multidimensional
objectives. Consumer Welfare.

From a historical point of view, precision is necessary:


competition law as we know it today is not the
same as in its origins. It has undergone important
qualitative mutations, related to those of the means

Estudos em Direito da Concorrência 47


Amanda Athayde

of production, and so relevant that they may lead


us to assume that new fields of law were created.
(BAPTISTA, 1996, p. 4)

1. INTRODUCTION

This paper aims to present a brief historical overview of the


emergence and development of competition law, as well as the
movements that influenced its creation and evolution, as well as the
objectives that led to the competition defense policy and the theoretical
divergences present in the specialized literature and Brazilian case
laws. This introduction is part of this paper, as its first chapter.
The second chapter will present a brief overview of what
motivated and how was the birth of competition law in the North
American. The third chapter will then present the first school of
thought that guided competition law, called the Harvard School.
This school defended that concentrated market structures, whether
oligopolistic or monopolistic, would, per se, be harmful to the market.
Louis Brandeis, an associate justice of the North American Supreme
Court, between 1916 and 1939, coined phrases that synthesized this
line of thought, such as “big is bad”, “small is beautiful” and “the curse
of bigness”. It will also be described the counterarguments of the
structuralist thought.49-50
The fourth chapter, and under the influence of the neoliberal
movement, is based on idea that the State should, as much as

49 In the American Tobacco and Standard Oil decisions of 1911, the Supreme
Court had shifted the already ambiguous terms of the Sherman Act toward even
greater uncertainty. In the Standard Oil case, the court in effect determined that
only “unreasonable” restraints of trade were illegal tinder the Sherman Act, not all
such restraints. This “rule of reason,” as it came to be called, satisfied none of the
parties most directly concerned in the antitrust dehate. (…) More than anything else,
executives of both peripheral and center firms wanted certainty: a bright line between
legality and illegality. Many of them began to think that continuous administration of
economic policy by a regulatory commission was preferable to what they saw as the
spasmodic whims of individual judges. (McCRAW, 1984, p. 130 and 131)
50 See: BORK (1993, P.50) e HOVENKAMP (2018, P .93)

48 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

possible, avoid intervening in the economic domain. This would allow


companies to compete more vigorously in the market. The Chicago
School proposed that competition laws would have a single economic
objective, namely the consumer welfare. For decades antitrust law
developed under the mantra that State interventions in the economic
domain based on antitrust law should only occur when market practices
could cause a decrease in consumer welfare. Thus, market practices
should only be penalized when they resulted in a net negative effect
for the consumer, regardless of the structure of the market analyzed.
However, in the fifth chapter it will be presented that this
singular objective of competition law has been questioned lately, as it
is unable to prevent the formation of large economic conglomerates,
especially big techs. This new current, called the “hipster antitrust”
or, as they nominate neo-brandesianists, began to advocate a return
to the origins of antitrust objectives. According to them, competition
law should have a multidimensional approach, considering political,
social, and economic concepts.
Having all that in mind, the sixth chapter aims to make a quick
review of the case law in Brazil that has mentioned the discussion about
the antitrust goals. How is the Brazilian competition authority dealing
with that discussion? Are we equally in a midlife crisis or we are still
teenagers analyzing Harvard, Chicago and Neo-Brandesianists? As we
will see, the competition authority in Brazil has never deeply analyzed
this discussion and has issued different decisions about the matter.
Finally, the seventh chapter will present the conclusion on this
topic addressed and present how the Brazilian Antitrust Authority is
dealing with this discussion.

2. A BRIEF OVERVIEW OF THE BIRTH OF THE


ANTITRUST LAW IN NORTH AMERICA

Competition law was born and developed in North America.


The first registered legislation is Canadian and called Competition Act

Estudos em Direito da Concorrência 49


Amanda Athayde

(1885)51. In turn, the development of competition law – as well as the


broad reach this field of study has attained – has occurred in the United
States. The beginning of the discussion regarding this field of study
dates to 1877, when a strike movement started by railroad employees
in the State of West Virginia spread throughout North America and
resulted in a massive blockage of transport, causing a significant
shortage of goods in the main urban centers.
This movement, which spread to several economic sectors, had
the support of several public authorities, as well as private agents,
taking on significant proportions in the North American economy and
political system. At the time, the main dissatisfaction was related to the
power amassed by large conglomerates (trusts)52 and, consequently, the
way in which such private agents were able to influence the political-
economic scenario, asserting their interests at any cost53.
For no other reason trusts and antitrust law (a nomenclature
that derives from that name) were at the center of the debates during
the presidential election in the United States of America, with the
repudiation of trusts and the promise to fight them being a common
point among candidates54. Finally, to stop these conglomerates and
their harmful effects on the market and consumers, the Sherman Act
(1890) emerged and was later complemented by the Clayton Act (1914)
and the FTC Act (1914)55.

51 GABAN e DOMINGUES (2004, P.4): Canada is credited with pioneering competition


law in 1889, by enacting the Act for the prevention and suppression of combinations formed
in restraint of trade, whose purpose was to combat arrangements or combinations
aimed at restricting trade by fixing prices or restriction of production (cartels),
which was incorporated three years later into Canada’s first Criminal Code. In this
legislation it was made explicit that the fixing of prices and other agreements between
competitors were species of abusive conduct.
52 U.S. antitrust was born in 1890 out of a concern for the power and exploitations
of the new, large, and powerful business organizations called trusts. (FOX, 2013, P.1)
53 Characteristic of this position is the cartoon shown by SCHAPIRO (2018, P.2.
According to the drawing, trusts were seen as the “bosses” of the senators and,
consequently, the most important political agents in the North American scenario.
54 See: FERRAZ (2014).
55 Not since 1912, when Teddy Roosevelt ran for President emphasizing the need
to control corporate power, have antitrust issues had such political salience. While
Roosevelt did not win, Congress passed the Federal Trade Commission Act and the

50 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

The Brazilian author Calixto Salomão56 claims that the emergence


of the Sherman Act would be related to consumer protection. On the
other hand, Paula Forgioni57, also Brazilian, argues that the legislation
would have been drafted with the purpose of protecting the market
itself, which was self-destructive given the excess of economic freedom
and lack of control by authorities. Lina Khan58, current president of
the Federal Trade Commission, mentions that the purpose of the Law
would be to preserve “open markets”, as well as increase opportunities
for new entrants, thus preventing large corporations from extracting
wealth from consumers and producers, and, consequently, market
concentration and abuse.
The Sherman Act would, therefore, represent the redemption
of liberalism which, without the proposed regulation, would allow
monopolistic concentrations and the formation of large conglomerates
and cartels which would distort the natural rules of competition. This
vision sought to establish small businesses, workers, traders, and
farmers as a group to be protected by legislation59.

Clayton Act in 1914, significantly strengthening the Sherman Act. (SCHAPIRO (2015,
P. 715):
56 The exposition of the political-economic factors relevant to the approval of the
Sherman Act makes it possible to correctly outline the issue. First, it is quite evident
that the biggest concern with monopolies at that time was their negative economic
effects on the consumer. SALOMÃO (2007, P. 71)
57 Indeed, this legislation should be understood as the most significant legal document
to showcase the reaction against the concentration of power in the hands of a few
economic agents, and seek to regulate it. It should not be said that the Sherman Act
constitutes a reaction against economic liberalism, as it aimed precisely at correcting
distortions that were brought about by excessive capital accumulation, that is,
correcting the distortions created by the liberal system itself. Despite the contrary
opinion of part of the North American literature, the Sherman Act tried, at first,
to protect the market (or the productive system) against its self-destructive effects.
FORGIONI (2012, p. 65 e 66).
58 Taken as a whole, the antitrust laws were intended to preserve open markets and
enhance opportunity, prevent large firms from extracting wealth from producers and
consumers, and safeguard against extreme concentrations of private power. KHAN
(2018, P. 7)
59 The Sherman Act was passed in 1890, prior to the beginning of the Progressive Era,
and it reflected largely populist concerns. Although both Gilded Age populism and
progressivism tilted left in important respects, there were sharp differences between
them. Populism was to a much greater extent “politics in the raw,” with small business

Estudos em Direito da Concorrência 51


Amanda Athayde

In this sense, and to combat the various forms of abuse of


economic and political power, Antitrust Law was born without a clear
and well-defined objective. In our view, however, the lack of direction
was not problematic, since the central aspect of these legislations
was to fight very powerful economic conglomerates that had great
influence over the economic and political system and not, necessarily,
to protect the market and free competition.
Throughout its evolution, and as will be shown later in the third
and fourth chapters, antitrust policy and law was strongly influenced
by two movements, namely: the Harvard School, whose principles
prevailed until the 60s, and the Chicago School, which is the dominant
school of thought until the present day60, but which has had its
conclusions and objectives questioned by a new movement.

3. A BRIEF OVERVIEW OF THE HARVARD SCHOOL

The Harvard School, also called the Structuralist School,


influenced the birth and early development of antitrust laws. Especially
concerned with concentrated market structures, it proposed that the
main goal of antitrust law would be to maintain a plural market, with
a diversity of competitors, preferably small ones.
The Harvard School was naturally strongly influenced by the
reality of its time, that is, the existence of large corporations which
upheld their own interests using their immense economic and political

and farmers being the principal interest groups seeking protection. The perceived
threats were big business, with a focus mainly on railroads and banks. Populism was
initially heavily agrarian, and only later became aligned with the much more urban
labor movement. As most populist movements, it was also quite anti-intellectual,
strongly suspicious of higher learning. (...) The first set of explicitly progressive
antitrust reforms were the Clayton Act and the Federal Trade Commission Act (“FTC
Act”), both passed in 1914 during Woodrow Wilson’s first term. HOVENKAMP (2018,
P. 77,78)
60 It is not the goal here to review all the schools of thought which have influenced
competition law, since it would be necessary to present other relevant positions, such
as the Austrian School, the Ordoliberal School, among others.

52 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

power to the detriment of small traders, consumers, workers, as well


as much of the economy and society.
There was no doubt, as there isn’t today, that the abuse of market
power has harmful effects on the economy and society and must be
repressed. To this end, and supported by the thinking of the Harvard
School, American authorities began to condemn a series of practices
perpetrated by dominant companies, such as vertical practices and
mergers and acquisitions.
This school of thought believed that concentrated market
structures were harmful to society, so both monopolistic and
oligopolistic markets were seen as problematic for consumers and
small producers and, therefore, for the market itself and the North
American economy.61. Influenced by Edward Chamberlain, Edward
Mason, and Joe Bain, this trend indicated that competition law
should focus on the protection of small players, seeking to achieve
the distribution of wealth in society62, small businesses protection63,
concentration of political power64, preservation of the competitive
process through the maintenance of a plural market, with multiple
competitors65, as well as other social and political aspects, always based
on the deconcentrating of market power held by large corporations.

61 According to KHAN (2018, P.4): This is troubling because monopolies and oligopolies
produce a host of harms. They depress wages and salaries, raise consumer costs, block
entrepreneurship, stunt investment, retard innovation, and render supply chains and
complex systems highly fragile. Dominant firms’ economic power allows them, in
turn, to concentrate political power, which they then use to win favorable policies and
further entrench their dominance.
62 See: BAKER e SALOP (2017)
63 This view was strongly influenced by Louis Brandeis, former associate justice
of the North American Supreme Court. In this sense, GUIMARÃES, Marcelo C
explains. Is hipster antitrust really neo-Brandeisian? 2021. Available on: https://
www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-hipster-antitrust-seria-realmente-neo-
brandeisiano-05062021. To quote: It is evident that Brandeis’ thesis was based on
the assumption that the most important thing for competition is the structure of the
market, including the number of players, which is in line with the structuralist model
of the Harvard School.
64 See: WALLER (2019) e PITOFSKY (1979)
65 From the earliest days of antitrust laws in the United States, the promotion and
preservation of democracy was one of the goals of the drafters and supporters of state
and federal antitrust law. While the political content of antitrust law in the United

Estudos em Direito da Concorrência 53


Amanda Athayde

It is for no other reason that, at the time, the US Supreme Court


issued several rulings indicating that the objective of competition law
would encompass political, social, and economic objectives. It is worth
remembering that the first decision that discussed the objectives of
antitrust came in 1897, just seven years after the Sherman Act, in the
judgment of the United States v. Trans-Missouri Freight Ass’n (166 U.S.
290 323, 1897). In this case, the US Supreme Court held that the purpose
of antitrust was “to protect small merchants and men of value”, even at
the cost of raising domestic commodity prices.
As the Brazilian author Eric Jasper (2019, p. 12) exposes,
throughout the prevalence of the Harvard School as dominant school
of through, the Supreme Court significantly expanded what the
scope of competition law. In this context, in several precedents, it
declared that the Sherman Act would have the following objectives:
(i) to prevent market concentration, preserving, whenever possible,
the organization of industries in small competing units; (ii) to protect
companies’ freedom to sell and trade goods; (iii) to protect the public
from market failures; (iv) to preserve the freedom of companies to
compete with “vigor, imagination, devotion, and ingenuity”; (v) to
prohibit practices that prevent companies from accessing the market;
(vi) to ensure equality of opportunity and protect the public from
monopolies and cartels; and (vii) to be a compass of economic freedom
to preserve free competition.
According to STUCKE (2012) the US Supreme Court has already
defined the objectives of the Sherman Act as the followings: (i) to
prevent the concentration of markets and preserve the industrial
organization in small units; (ii) to protect companies’ freedom to
trade; (iii) promoting consumer welfare, efficient pricing, and price
competition; (iv) protect the public from market failures; (v) preserve
economic freedom and freedom of competition; (vi) condemn
practices that exclude competitors from the market in which they find

States has waxed and waned over the ensuing decades, competition law and policy
has always recognized the need for a pluralism of economic actors and interests.
(WALLER, 2019, P. 807)

54 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

themselves; (vii) protection of equal opportunity and public protection


against male equality of opportunity arising from the destruction of
competition in and the occurrence of monopoly trade coincidences;
(viii) be a true “Magna Carta” freedom of the economy in the United
States; and (ix) certain precautions for monopolies that, in any case,
limit opportunities and freedoms.
It can be seen, therefore, that competition law was not confined
to a single economic objective66, and there was a tendency for
competition law to consider public interests in a broad sense, as it
pursues meta-legal or socio-political ends67. It so happens that this
broad definition of antitrust, with multiple objectives aimed at social
aspects, biggened to fear several dominant companies in their markets
of been penalized by antitrust authorities. Considering that since 1897
the Supreme Court had understood that the protection of consumers
and small businesses should be the central objective of antitrust
policy, the emergence of criticisms of this position in the 1960s should
not be viewed as strange68-69, but as a battle for the economic power of
the companies.

66 As explained by BUCHAIN (2014, P.235), another school [Harvard School], called the
non-economic or public interest approach, argues that competition policy stems from
multiple values, which are not easily quantified nor can they be exclusively represented
and reduced to the objective concept of economic efficiency, this is because the
multiplicity of values reflected in the entire social culture and its institutions must be
received as elements of application for the defense of competition.
67 As also shown by BUCHAIN (2014, P. 248): Attempts to add so many objectives
into competition policy tend to generate an incorrect interpretation and a distortion
of its application. It is unlikely that a legislative framework will express clear and
economically accurate patterns of behavior in the competitive market when trying
to achieve different goals. On the contrary, laws of this nature can generate market
distortions and weaken the competitive proces.
68 BORK (1978, P. 133) explains: First, antitrust enforcement is a very costly procedure,
and it makes no economic sense to spend resources to do as much harm as good.
There is then a net economic loss. Second, private restriction of output may be less
harmful to consumers than mistaken rules of law that inhibit efficiency. Efficiency that
may not be gained in one way may be blocked because other ways are too expensive,
but a market position that creates output restriction and higher prices will always be
eroded if it is not based upon superior efficiency. Finally, when no affirmative case for
intervention is shown, the general preference for freedom should bar legal coercion.”
69 Critical to any coherent antitrust policy is administrability. Simply ticking off
concerns and assigning them to antitrust policy is worse than useless unless the

Estudos em Direito da Concorrência 55


Amanda Athayde

4. A BRIEF OVERVIEW OF THE CHICAGO SCHOOL

The Harvard School advocated for the protection of a


deconcentrated market structure, with the greatest possible number
of economic agents, preferably small companies, preventing the
formation of oligopolistic or monopolistic markets. In contrast to
this vision, in the 1960s and 1970s, the Chicago School developed.
It was deeply influenced by neoliberal thinking, by the increase
in international competition, and by the dynamism of the global
economy.
Members of the Chicago School argued that state intervention
would do more harm than good to consumers and the market.70
because it would disincentivize companies to be more efficient,
preventing economic growth71. Consequently, false convictions about
the role of antitrust imposed on the basis of structuralist thinking
would be extremely harmful to the economy, especially when

concerns can be tied to a coherent set of rules for determining liability and remedies.
For example, if we say that small-business protectionism should be an antitrust goal
then we must have antitrust rules for implementing it. A rule that simply says that in
every antitrust dispute the smaller firm or interests aligned with it should win would
drive the economy into the stone age. We would end up condemning mergers simply
because they reduce costs, above cost price cuts because smaller firms are unable to
match them, or cost-saving vertical integration because unintegrated firms cannot
claim the same cost savings. So where does one draw the line? One serious advantage
of an output-maximizing rule is that it provides a rational target to shoot at, although
one must not exaggerate the ease of implementation. (HOVENKAMP, 2018, P.109).
70 Faced with this excess of state intervention, the Chicago School came to understand
that the authorities ended up incurring two types of errors in their decisions. On the
one hand, there would be Type I errors, consisting of false acquittals, that is, illicit
conduct which is not repressed by the authority. On the other hand, there would
be type II errors, considered the worst by this school, which consisted of wrongful
convictions, that is, lawful and efficient conducts that ended up being condemned by
the authorities, resulting in false convictions.
71 According to SCHAPIRO (2018, P. 745): The fundamental danger that 21st century
populism poses to antitrust in that populism will cause us to abandon this core
principle and thereby undermine economic growth and deprive consumers of many
of the benefits of vigorous but fair competition. Economic growth will be undermined
if firms are discouraged from competing vigorously for fear that they will be found
to have violated the antitrust laws, or for fear they will be broken up if they are too
successful.

56 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

applied to rational economic agents72, since their practices would


be lawful, pro-competitive, and beneficial to the consumer in most
of the cases. Thus, an argument that emerged in the 1960s was that
a multidimensional and sociopolitical approach to competition law
would lead to inconsistent reasoning regarding its application, which
would have culminated in the undesirable consequence of imposing
similar condemnation on both anti-competitive and competitive
practices.73.
In this scenario, the alleged instrumentalization of competition
law, along with the lack of clarity regarding the application of existing
competition rules, would cause, according to those liberals, enormous
legal uncertainty, since there would have no predictability of which
practices could be conducted by companies, especially those that held
market power.
As explained in the third chapter, the Harvard School played
a fundamental role in the development of the North American
competition defense policy. Its theoretical basis was fundamental to
allow large conglomerates that abused their economic and political
power to be dismantled, putting brakes on economic liberalism.
However, despite its importance, some authors argued that it ended
up bringing some degree of legal uncertainty to the market and also
stunting economic growth.
This school was strongly influenced by neoliberal thinking and
had an extremely benevolent view of companies. It believed that the
market would be capable of self-regulation and that state intervention,
regardless of its mechanism, had greater potential to harm the market

72 For further information on the discussion of game theory and rational economic
agents, see: ROS, Luiz Guilherme. Teoria dos jogos para celebração de acordos:
Uma análise das ações penais da Lava Jato [Game theory for agreement-making: An
analysis of the criminal proceedings in the Car Wash Operation]. 2021. Publisher:
WebAdvocacy.
73 It is conventional to call such “errors” in the application of the antitrust law as being
type I errors and type II errors. The Type I Error, or “False conviction”, consists of the
mistake of condemning a company for practices that are actually pro-competitive.
In turn, the Type II Error, or “False acquittal”, refers to the acquittal of a company
involved in anticompetitive practices.

Estudos em Direito da Concorrência 57


Amanda Athayde

than to correct its failures. Not by chance did this school understand
that vertical practices would be, for the most part, beneficial and
would have the power to maximize the well-being of the consumer.
Taking liberal values to the extreme, the Chicago School stated that
the State should not intervene in the economic domain to prevent
those conducts. Furthermore, it considered that even cartels should
not be seen as a long-term problem, as their instability74 and the
interest of other agents in maximizing wealth would lead to the end of
the collusive conduct.
Thus, the Chicago School considered the conception of the
Harvard School that concentration consisted in a market flaw naive.
For Chicago, market concentration was one more point to consider,
but in no way could it be the core of competition law. Through scholars
Robert Bork, Frank Easterbrook, Richard Posner, and Bowman Jr.,
the Chicago School consolidated the understanding that antitrust
law should focus exclusively on economic welfare through efficiency,
since, for them, competition is related to the ability to expand supply.
Furthermore, it argued that antitrust policy would not need to concern
itself with increasing purchasing power, as it would achieve this
objective indirectly, by prohibiting cartels and monopolies, focusing
solely on market efficiency.
In short, and unlike the structuralist school, the Chicago School
relied on two main assumptions: (i) the best antitrust policy available
in the real world to maximize efficiency was the one obtained from the
neoclassical price theory; and (ii) economic efficiency whose results

74 Its instability, on the other hand, is a consequence of the difficulties inherent in the
prolonged maintenance of illicit schemes with collective participation and, above all,
of the gains inherent in timely breaches and secret betrayals: if the illicit agreement
exists and, for example, one of the participants offers the good to eventual consumers
for a value lower than that agreed by the cartel, the latter can substantially increase its
earnings, even above those obtained by core agreement member. These two factors
represent the great difficulty and possibilities that open up to the leniency agreement.
In order to obtain confessions, it is therefore necessary to create a complex system of
incentives, which makes it more attractive for the offender to choose to confess and
stop earning the gains he had been obtaining through the practice of the infraction.
RUFINO (2015, 52)

58 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

are shared with the consumer would be the antitrust objective75.


And here is the catch of this school of thought: it sought to eliminate
sociopolitical concepts from the analysis of competition law76 and
indicate that it should focus exclusively on an economic concept:
consumer welfare:

If consumers lose from a practice, then it is counted


as inefficient, or anticompetitive, even if producers
gain more than consumers lose. The consumer-
welfare model is fundamentally neoclassical in its
understanding of markets, but it articulates the goal
of antitrust as higher output, and thus lower prices.
HOVENKAMP (2018, p. 89)

In other words, the Chicago scholars undermine the theoretical


basis of the Harvard School, as it proposes that it was not the role of
the state to maintain a plural market structure, but rather to encourage
companies to be efficient and always seek to maximize consumer
welfare77, regardless of market structure: oligopoly, monopoly, or
a perfectly competitive market78. The main focus of this thought,

75 As explained by BORK (1978, P.91) [t]he whole task of antitrust can be summed up
as the effort to improve allocative efficiency without impairing productive efficiency
so greatly as to produce either no gain or a net loss in consumer welfare.
76 According to FOX (2013, P.3) In 1980, American antitrust law had no “paradigm” in
the sense of loss or gain that could be calculated. Antitrust was guided by principles. It
was for diversity and access to markets; it was against high concentration and abuses
of power. Powerful firms were assumed to have incentives to use their power. AAG
Baxter introduced a new perspective and a paradigm. He did so most powerfully
through merger guidelines.3 The perspective was that business acts are usually
efficient (welfare increasing) and should be presumed so. The paradigm was that
mergers and conduct are not anticompetitive in the eyes of the antitrust law unless
they reduce consumer surplus.
77 According to BAKER (2017, P.19) Greater antitrust enforcement generally would
improve the distribution of income and wealth by reducing the impact of market
power, particularly if the agencies fully embrace the consumer welfare standard.
78 According to BOUSHEY (2021, P. 6) Basic economic theory demonstrates that when
firms have to compete for customers, it leads to lower prices, higher quality goods
and services, greater variety, and more innovation. (...) When there is insufficient
competition, dominant firms can use their market power to charge higher prices,

Estudos em Direito da Concorrência 59


Amanda Athayde

therefore, was economic efficiency leading to consumer welfare79. By


pursuing consumer welfare, antitrust law would not need to look for
any other objective.
Following this school, it came to be common sense that
companies should compete vigorously for consumers, which would
mean lowering the price of products, in addition to creating more
innovative products. Efficiencies achieved would be passed on to
consumers, which would imply an improvement in consumer welfare.
In this sense, objectives such as income distribution, price reduction
per se, among other socio-political objectives, would be unnecessary80
and even undesirable, as they could give rise to legal uncertainties.
In this scenario, the Chicago School began to develop, based on
liberal values, being a more permissive line of thought with vertical
and unilateral practices. It is precisely this allegedly permissivity
that has led to criticism of the Chicago School, as will be discussed
throughout the next chapter.

5. A BRIEF OVERVIEW OF THE NEO-BRANDESIANISTS


AND THE MIDLIFE CRISIS OF THE ANTITRUST GOALS

For decades, the use of the consumer welfare concept was the
main target of the antitrust law81 and allegedly provided greater legal

offer decreased quality, and block potential competitors from entering the market—
meaning entrepreneurs and small businesses cannot participate on a level playing
field and new ideas cannot become new goods and services.
79 According to BUCHAIN (2014, P. 235): Thus, for the reasoning which underpins
the economic approach, competition policy has the sole objective of maximizing
economic efficiency. According to this view, public policies regarding competition do
not admit the selection of sociopolitical objectives, such as the reduction of regional
inequalities and others that were designated in the Brazilian Constitution, rejecting
them as intrinsic to competition policy because they depend on the judgment of
subjective values and, therefore, are impossible to consistently apply to competition
law.
80 As brilliantly explained by ELZINGA (1977, p. 1194)
81 The adoption of the consumer welfare standard as antitrust’ s lodestar has come with
numerous benefits that have reoriented antitrust jurisprudence over the last fifty years
to more effectively protect competition. At its core, the consumer welfare standard

60 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

certainty for companies following state investigations82-83. It so happens


that for the neo-Brandesianists, referred to as “antitrust hipsters”84 or
“romantics”85, the use of a strictly economic concept made antitrust
law very permissive, which caused – or at least contributed to – several
problems, such as concentration of wealth, economic concentration,
increased inequality, increased profit margins without passing on
efficiencies to consumers, among others.86

provides a coherent, workable, and objective framework to replace the multiple, and
often contradictory, vague social and political goals that governed antitrust prior to
the modern era. By providing a disciplined framework for antitrust analysis, unified
under a singular objective, the consumer welfare model fosters the rule of law and
helps prevent arbitrary or politically motivated enforcement decisions. Similarly,
promoting the use of the consumer welfare approach by competition authorities
worldwide reduces the opportunity for enforcers to use their domestic competition
laws to pursue non-economic objectives, including a protectionist agenda that targets
U.S. and other foreign businesses. By realigning antitrust under a singular objective
grounded in economics, the consumer welfare standard heralded the advent of the
modern antitrust revolution that squarely rejects populist desires to balance multiple
non-economic factors in favor of a consistent and coherent framework focused on
the straightforward, but elegant, question of whether a transaction or commercial
arrangement makes consumers better off. WRIGHT (2019, P.11).
82 As shown by HOVENKAMP (2018, P. 93): But a strictly followed consumer-welfare
approach, condemning a restraint or practice only when it realistically threatens an
anticompetitive output reduction, has one additional advantage: properly followed, it
gets antitrust out of the business of favoring particular special-interest constituencies
other than consumers themselves.
83 Antitrust jurisprudence went from being confused and ineffective to the
modern doctrine that can—and does— effectively protect consumers and prevent
anticompetitive business practices while allowing practices that are a normal part of
the competitive process and benefit consumers. (WRIGHT, Joshua D; et al, 2018, P.8)
84 As explained by SCHMIDT (2018, P.1) Hipster Antitrust is a terminology that was
coined by attorney Konstantin Medvedovsky in June 2017, having been popularized
with the help of former FTC advisor Joshua D. Wright.
85 As shown by SCHREPEL (2019, P.2): Romantics are taking over the antitrust law”
(…) Overall, the effectiveness of antitrust authorities should be enhanced by applying
reason to antitrust law rather than fears, feelings, or sentiments. The romance
must be taken out of antitrust. (...) Antitrust law is the subject of numerous debates
questioning its effectiveness in the digital age.
86 Como aponta SCHAPIRO (2018, P. 718 e 719): A number of progressive think tanks
and advocates have issued reports over the past two years documenting the decline in
competition in the American economy, linking that decline to increasing inequality,
and offering policy proposals to reinvigorate competition policy. The American
Antitrust Institute (2016), a respected organization long commit- ted to more effective
antitrust enforcement, published a report in June 2016 entitled “A National Competition
Policy: Unpacking the Problem of Declining Competition and Setting Priorities

Estudos em Direito da Concorrência 61


Amanda Athayde

This “new” movement defends a return to the origins of antitrust,


through which the authorities should stop using a single economic
concept and should reorient antitrust towards other objectives, such
as social and political objectives.87. This “return to the origins”88, ie,
the birth of antitrust law, would turn competition policy to broader
objectives, renouncing the principles of the Chicago School89.

Moving Forward”. This report lists three main symptoms of declining competition:
rising concentration, higher profits to a few big firms combined with slowing rates of
start-up activity, and widening inequality gaps. The report rather boldly claims (p.7):
“There is a growing consensus that inadequate antitrust policy has contributed to the
concentration problem and associated inequality effects’.
87 The previous articles in this series showed the need for Antitrust Law to take into
account other objectives than mere consumer protection, even more so when this
purpose is considered by the restrictive bias of the consumer welfare standard, in
the terms proposed by the Chicago School. (...) More than that, new approaches,
insofar as they go beyond the single-pointed vision of Antitrust Law, not only do not
ignore the need for consumer protection, but also seek to do so in an even broader
and more comprehensive way. effective, overcoming a series of problems related to
the restrictive criterion of maximizing consumer welfare. For this reason, criticisms
are pertinent in the sense that consumer protection must (i) be expanded, seeking to
redeem its commitments not only regarding lower prices, but also quality, diversity,
and innovation; and (ii) be effective, no longer content with mere presumptions and
conjectures, many of which depend on a series of variables in the long term, and must
be based on the real assessment of the impacts of the actions of the agents holding
economic power over consumers both in the short, medium, and long term. (FRAZÃO,
2018)
For this group of scholars, antitrust should concern itself not only with the effects of
anticompetitive conduct and concentrated market structures, but also with the effects
on social problems, which range from the effects of a more unequal society to the
harmful effects of climate change, passing by themes of “national interest” (whatever
that means). In this sense, the criticism made is that observing consumer welfare and
economic efficiency (ideas concerning the old Chicago school) would no longer be
sufficient antitrust policy objectives and these should change, in order to achieve the
welfare of the society, in a holistic way, incorporating a series of issues, such as equity
and worker welfare. (SCHMIDT, 2018)
88 According to KHAN (2018, P.6): Democrats, meanwhile, last year identified renewed
antitrust as a key pillar of their economic agenda, promising to “revisit our antitrust
laws to ensure that the economic freedom of all Americans—consumers, workers, and
small businesses—come before big corporations that are getting even bigger.”
89 At its core, the Hipster Antitrust movement calls for a total rejection of the
commitment to economic methodology and evidence-based policy that lies at the
heart of modern antitrust enforcement. The Hipster Antitrust movement would reject
Chicago School free marketers’ approach to antitrust just as readily as it would Post-
Chicago interventions. (…) These include a return to “big-is-bad” antitrust enforcement
based upon firm size without regard for effect on consumers, making presumptively
unlawful broad categories of mergers and acquisitions outright (e.g., all mergers

62 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Lina Khan, one of the main exponents of this movement,


antitrust authorities should take into account other principles for
the achievement of antitrust policy, choosing a holistic approach to
identify the damage caused by dominant companies, recognizing
that violations of competition law would harm workers, independent
companies, and consumers90. It so happens that antitrust objectives
seem to be under a midlife crisis.

6. THE DISCUSSION IN THE BRAZILIAN PERSPECTIVE

Despite the vigorous debate regarding the objectives of the


Antitrust Law, especially in the United States, the scenario seems
different in the Brazilian jurisprudence.
The case law in Brazil and the Brazilian legislation seems to
identify the existence of multiple objectives for the competition law. In
this sense, both the Brazilian Constitution and antitrust law enumerate
several social objectives for the economic order and antitrust policy.
As we can see from the Brazilian Constitution91, the economic order
is founded on several sociopolitical objectives, such as (i) national
sovereignty; (ii) private property; (iii) social function of property;
(iv) free competition; (v) consumer protection; (vi) environment

beyond a certain size threshold even in the absence of potential horizontal or vertical
issues), and abandoning the consumer welfare standard to take into account effects on
income inequality and wages. WRIGHT (2019, P. 5 e 8).
90 There are a few key principles that should animate the agency’s approach across
its work. First, we need to take a holistic approach to identifying harms, recognizing
that antitrust and consumer protection violations harm workers and independent
businesses as well as consumers. (KHAN, 2021, P.1)
91 Article 170. The economic order, founded on the appreciation of the value of human
labor and on free enterprise, is intended to ensure everyone a dignified existence, ac‑
cording to the imperative of social justice, with due regard for the following principles:
I – national sovereignty; II – private property; III – social function of property; IV –
free competition; V – consumer protection; VI – environment protection, which may
include differentiated treatment in ac‑ cordance with the environmental impact of
goods and services and of their respective production and delivery processes; (CA
42, 2003) VII – reduction in regional and social inequalities; VIII – pursuit of full
employment; IX – preferential treatment for small-sized enterprises organized under
Brazilian law and having their headquarter and management in Brazil. (CA 6, 1995)

Estudos em Direito da Concorrência 63


Amanda Athayde

protection, (vii) reduction in regional and social inequalities; (viii)


pursuit of full employment; (ix) preferential treatment for small-sized
enterprises.
In this scenario, once the Brazilian Constitution raised several
sociopolitical objectives, it would be inaccurately to establish one single
goal for the Competition Law in Brazil. Echoing this position, FRAZĀO
(2020) explains that although the Constitution (art. 173 § 4) makes
clear concerns regarding the abuse of economic power, the major law
also establishes other objectives for the economic order (art. 170), as
mentioned above. According to the author, the Constitution highlights
other important principles that need to be equally considered while
applying the Law. Therefore, the author explains that “from the
constitutional point of view, the single-pointed view of Antitrust Law
is not justified, only focused on consumer protection”.
Consequently, the antitrust law should be guided not only by the
economic objective of consumer welfare but take into consideration
other sociopolitical objectives. According to FIALHO (2020) in extensive
research of the jurisprudence of acts of economic concentration
from 1994 to 2008, the orientation of a single-point objective led to an
exaggeration of efficiency-based antitrust objectives and blindness to
non-efficiency-based antitrust objectives, which contributed to the
generation of economic inequalities. Also, some economic studies
have indicated that in the US markets have become more concentrated,
companies have started to realize higher profits while employee
salaries and working conditions have worsened, which has led to the
current questioning of the antitrust status quo92.

92 Several economic studies emerged in this period. As an example, we quote BAKER


and SALOP (2017, P.14 e 15): “To the contrary, median income and wealth both
declined in real terms between 2010 and 2013. Over essentially the same period,
the real income of the top 1% grew by 31.4%,4 and the income share of the top 1%
increased from 17.2% to 19.8%. The fact that eco-nomic growth has effectively been
appropriated by those already well off, leaving the median household less well off,
raises serious economic, political, and moral issues.”
An example of this discussion was brought by journalist Catherine Rampell, in her
article: Republicans Have Started to Care About Income Inequality, WASH. POST (Jan.
22, 2015), https://www.washingtonpost.com/opinions/catherine-rampell-republicans-

64 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Regarding case law in Brazil specifically, there are some


precedents that mentioned the discussion about the objectives of
antitrust. However, this matter has never been a real point of interest
for our competition authority. The Brazilian author Eric Jasper (p.
2) mentions that the “Brazilian Competition Law presents diffuse
objectives and jurisprudence of CADE was not able to expressly
articulate an objective or set of objectives for the defense of
competition in Brazil”. The author (p.12 to 16) has conducted a review
of the jurisprudence and has analyzed 95 documents, such as cases,
normative rules, technical notes, and concluded that the Brazilian
Competition Policy fails to define adequately the objectives of the Law.
In these cases, the antitrust authority has defined the objective
of the antitrust policy in several different scenarios, such as (i) the
preservation of freedom of initiative, free competition, the social
function of property, consumer protection, and repression of the abuse
of economic power; (ii) economic well-being; (iii) consumer welfare;
(iv) the protection the competition itself; (v) efficient allocation of
resources in the economy; (vi) social policies and social effects; (vii)
among others.
Also, in a recent case93, CADE’s General Superintendence has
issued a technical note suggesting that the three major telecom
companies should be sanctioned for collusive behavior in a public bid
in which they participated together. The judgment has not finished, but
it was mentioned the fact the discount provided of approximately 20%
should be relativized and could not be considered as an undisputed
proof of efficiency.
The Federal Prosecutor has issued a Technical Note in which
indicated that “[h]owever, the gains of efficiencies cannot be
competition cost. There must be a balance between efficiency and
broad competition, even despite the legal provision of the consortium

have-started-to-care-about-income-inequality/2015/01/22/f1ee7686-a276-11e4-903f-
9f2faf7cd9fe_story.html
93 Brazil. Administrative Process n. 08700.011835/2015-02.

Estudos em Direito da Concorrência 65


Amanda Athayde

institute in public bids94”. It seems, by this position, that the


achievement of efficiencies and consequently the price reduction for
the consumer, which seems to be the foundation stone of the Chicago
School has been relativized.
In this way, it is worth mentioning that also the Brazilian Antitrust
Law fails to establishes a single objective for our antitrust policy, when
it defines on its first article that “[t]his Law structures the Brazilian
System for Protection of Competition - SBDC and sets forth preventive
measures and sanctions to the violations against the economic order, guided
by the constitutional principles of free competition, freedom of initiative,
social function of property, consumer protection and repression against the
abuse of the economic power” .Since the existence of several different
objectives, it is not a surprise, in the same way, that concluded Jasper,
that our jurisprudence is not able to correctly articulate an objective
or set of objectives for the defense of competition in Brazil.
Considering the midlife crisis of the antitrust goals in the United
States, it is possible to assess that Brazil is under an adolescent crisis
but has not become aware of that yet.

7. CONCLUSION

In conclusion, antitrust law was born to fight trusts. At the time,


the means used to tackle the activities of these large conglomerates
and cartels were irrelevant. What mattered was the purpose, which
gave rise to a law based on multiple sociopolitical objectives. This fact
was extremely important and enabled competition law to achieve its
intended purpose at that time. It so happens that having different
goals allowed competition law to be used to pursue different purposes.
Supported by the Harvard School, antitrust authorities sought to
deconcentrate markets.
Later the purpose of antitrust law became the maintenance of
deconcentrated market structures with the greatest possible number

94 Technical note n. 05/2021/WA/MPF/CADE

66 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

of agents, preferably small ones. Mergers and acquisitions and vertical


practices came to be considered illegal.
The Chicago School then began to advocate for the use of a single
economic concept, that of consumer welfare, so that the state should
only intervene if economic practices negatively impacted consumer
welfare. After decades of being widely used, this vision came to be
considered too permissive, as it opened the door for the resurgence of
large corporations. This permissivity came to be questioned by neo-
Brandesians.
The Neo-Brandesians claim a return to the origins of antitrust
law, guided by the expansion of the objectives of competition law,
which should be concerned with political, social, and economic
issues. This vision, however, encountered enormous resistance, as it is
believed that it would mean a return to legal uncertainty and economic
disorganization which were the downfall of the Harvard School.
It is undeniable, however, that neo-Brandeisians sought to
debate highly relevant points, such as the reduction of inequalities,
workers’ wages, concerns about democracy, political systems, among
others. Ignoring the school’s criticisms and simply trying to dismiss
them by calling them romantic or hipsters does not seem to be smart.
Competition law will need to deal with new problems, such as access
to data, income distribution, and workers’ wages, in addition to other
social and political issues.
This is a new reality that brings a new discussion and new
problems. Ignoring this new perspective is just like a grown man
ignoring adulthood problems. Just like in our lives, facing new
dilemmas does not mean that we have to question the journey and
rethink everything that we achieved. In this sense, the mere existence
of sociopolitical problems and digital concerns does not necessarily
mean that antitrust should go back to its origins and have more than a
single economic objective.
This scenario about new dilemmas, new problems, and new
perspectives for antitrust seems clear in the USA, in which especially
the big techs obliged the antitrust doctrine to rethink the competition

Estudos em Direito da Concorrência 67


Amanda Athayde

police. Synthetizing this position NEWMAN (2022) mentions that


the link between output and consumer welfare would break down
once a variety of conduct would push output and welfare in opposite
directions.
As examples of practices that could push consumer welfare
and output in different directions the author mentions: (i) creating,
exploiting, or alleviating Information asymmetries’; (ii) externalizing
costs; (iii) coercion, contractual tying, technological tying, foreclosure
strategies, (iv) Interbrand vertical restrain; (v) among others95. Once
output and consumer welfare might not be pointing at the same
direction “outputist analysis is often unworkable in markets—for labor,
social networking, online search, and more— that are of particular interest
to contemporary antitrust96”.
However, the discussion is well developed in USA, this scenario
seems different in Brazil. This stem from the fact that most of the
discussion of the “contemporary antitrust” comes from the big
techs which created and established zero price markets in which
the consumer welfare perspective based solely on price is maybe
inapplicable.
As a teenager, Brazilians know the discussion, but stills without a
clear definition of what are the objectives of antitrust, especially when
considering the case laws judged by CADE. Although the Brazilian
Competition Authority has issued some precedents that mentioned
the discussion, this matter has never been a real point of interest for
our competition authority.
Also, however the case laws usually mention economic
parameters, it seems that in Brazil the discussion also should take into
consideration the existence of other principles to guide the economic
order besides a single economic orientation. Once those principles
are indicated in the Brazilian Constitution and in the Brazilian

95 Although the possibility of some practices could lessen the competition, it is


important to establish that most of the conducts mentioned by the author could be
analyzed and condemned taking into consideration the consumer welfare objective.
96 NEWMAN (2022, p.1)

68 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Competition Law, this debate about the objectives will probably


emerge in the future, when we have become adults. Now, we can see
Brazil is going through a quarter life crisis merely focusing on early
discussions about Harvard, Chicago, and the New Brandesianists.

Estudos em Direito da Concorrência 69


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

CONCORRÊNCIA PARA ALÉM DAS AUTORIDADES


ANTITRUSTE NOS ESTADOS UNIDOS E NO
BRASIL: HÁ ESPAÇO PARA UMA MOVIMENTAÇÃO
DE TAL MAGNITUDE EM NOSSO PAÍS?

Publicado originalmente em: Portal Jota em 11/01/2022.

Amanda Athayde

Angélica Vettorazzi

Muito se tem dito sobre uma famosa Executive Order publicada


pelo Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, publicada em 9 de
julho de 2021. Quais as suas repercussões ao direito antitruste?
A Executive Order, doravante denominada “decreto norte-
americano”, endereçou uma série de políticas governamentais
alinhadas ao direito da concorrência. Com o objetivo de promover
o crescimento econômico, o decreto norte-americano estabeleceu
mais de 70 iniciativas para lidar com a problemática da pressão
anticompetitiva na economia. Foram visados os setores diversos
setores, como de trabalho (1); médico-farmacêutico (2); transportes
(3); tecnologia (4); internet (5); agricultura (6) e financeiro (7). Ainda,
foi autorizada a revisão de operações anteriores de fusão e aquisição,
como se detalhará abaixo.
Segundo o decreto norte-americano, o setor de trabalho (1)
seria impactado por práticas de cartéis de fixação salarial (wage-
fixing cartels), acordos de não contratação de trabalhadores (no-poach
agreements) e os acordos de não competição (non compete agreements).
Para conter tais práticas, o decreto norte-americano determina à
Federal Trade Commission (FTC) (i) banir ou limitar non-compete
agreements; e (ii) fortalecer guias antitruste para prevenir a colusão
entre empregadores com a consequente redução de benefícios aos
trabalhadores por meio do compartilhamento de informações entre
eles.

Estudos em Direito da Concorrência 71


Amanda Athayde

Ademais, quanto ao setor médico-farmacêutico (2), o decreto


norte-americano identifica quatro áreas onde a falta de competição
aumentaria preços e reduziria a qualidade do atendimento, quais
sejam: (2.i) prescrição de medicamentos; (2.ii) aparelhos auditivos;
(2.iii) hospitais; (2.iv) plano de saúde.
Quanto à prescrição de medicamentos (2.i), o decreto norte-
americano identifica que o alto preço dos remédios no país seria
devido à falta de competição entre os fabricantes, cuja principal
estratégia são acordos de pay for delay, pelos quais os fabricantes de
medicamentos de marca pagam para os fabricantes de genéricos para
permanecerem fora do mercado. Para mitigar tais, o decreto norte-
americano determina que a FDA (Food and Drug Administration)
importe medicamentos do Canadá; a HHS (Health and Human Services
Administration) aumente o apoio aos medicamentos genéricos, que
oferecem preços menores aos consumidores; a HHS enderece plano
para combater o aumento de preços dos fármacos; e a FTC (Federal
Trade Commission) proíba acordos como o pay for delay.
A problemática quanto aos aparelhos auditivos (2.ii), por sua vez,
seria relevante dado que apenas 14% dos 48 milhões de americanos
com perda de audição utilizam o aparelho. O equipamento custaria
mais de cinco mil dólares e, na maior parte das vezes, não é abarcado
pelo plano de saúde. Ainda, seria necessário que os consumidores
apresentem receita prescrita por médico, fato esse considerado
dispensável por especialistas, e que encarece o acesso ao aparelho. À
vista disso, o decreto norte-americano determina que a HHS (Health
and Human Services Administration) crie regras para autorizar a
venda dos aparelhos sem prescrição médica.
No que tange à consolidação hospitalar (2.iii), o decreto norte-
americano sinaliza que fusões não analisadas pelas autoridades
governamentais ensejariam a saída de hospitais de inúmeras
localidades, sobretudo de áreas rurais. Desde 2010, 138 hospitais
rurais teriam fechado, incluindo 19 no ano de 2020, em meio a uma
crise sanitária. O decreto norte-americano, dessa forma, autoriza
que o DOJ (Department of Justice) revise as diretrizes de fusões para

72 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

assegurar que pacientes não sejam prejudicados por esse fenômeno


de concentração econômica hospitalar.
O decreto norte-americano sinaliza que o consumidor também
teria as suas opções de escolha escassas no que concerne aos planos
de saúde (2.iv). Ainda, a comparação entre os atributos dos planos não
é facilitada, dado que as empresas organizariam as suas informações
de forma a dificultar o entendimento do cliente. A consolidação
empresarial, mais uma vez, seria a preconizadora dessa adversidade.
O decreto, desse modo, determina que a HHS padronize as opções de
planos de saúde a nível nacional com vistas a facilitar a comparação.
Por sua vez, o cenário de preocupações concorrenciais norte-
americano é similar no setor de transportes (3), com o domínio do
mercado por grandes empresas nos mercados aéreo (3.i), ferroviário
(3.ii) e marítimo (3.iii).
Especificamente no transporte aéreo (3.i), o decreto norte-
americano sinaliza que as quatro maiores empresas controlariam ⅔ do
mercado doméstico. O arrefecimento da competição contribuiria, por
seu turno, para o aumento das taxas de bagagem e de cancelamento
indiscriminadamente. O decreto norte-americano então estabelece
que o DOT (Department of Transportation) estabeleça regras claras
acerca de reembolso por parte da companhia aérea quando do atraso
na entrega de bagagem ou quando a prestação do serviço não for
condizente com o acordado. Além dessas medidas, o decreto norte-
americano determina que o DOT deve criar regras exigindo que as
taxas de bagagem, cancelamento e alteração de voos sejam divulgadas
ao cliente.
Quanto ao transporte ferroviário (3.ii), o decreto norte-americano
afirma que, na década de 80, o mercado nos Estados Unidos possuía 33
empresas de frete, e hoje atuariam apenas 7. Essas empresas poderiam
privilegiar seu próprio tráfego de carga, dificultando a prestação de
serviços das demais empresas de carga e passageiros. Sendo assim, o
decreto norte-americano demanda que seja viabilizado o transporte
de passageiros pelas empresas dominantes do setor, bem como se
comprometam a tratar as demais companhias de forma justa.

Estudos em Direito da Concorrência 73


Amanda Athayde

No que concerne ao transporte marítimo (3.iii), as 10 maiores


companhias marítimas teriam controlado, em 2000, 12% do setor, e
em 2021 já controlariam mais de 80%. O monopólio do setor teria feito
com que se viabilizasse a cobrança de taxas de detenção e sobrestadia,
conforme o tempo de descarregamento ou carregamento das cargas.
O decreto norte-americano então encoraja a FMC (Federal Maritime
Commission) a garantir uma fiscalização rigorosa contra as empresas
que cobram dos exportadores americanos taxas desproporcionais.
Por sua vez, no setor de tecnologia (4), o decreto norte-americano
tem como foco quatro áreas nas quais empresas dominantes do ramo
estariam minando a competição e reduzindo a inovação, tais quais: (i)
compra de concorrentes em potencial por plataformas de Big Tech; (ii)
retenção de grande quantidade de dados pessoais pelas Big Techs; (iii)
competição injusta com pequenas empresas; (iv) bloqueio de oficinas
de conserto independentes por parte dos fabricantes de celulares
e equipamentos eletrônicos. Com vistas a conter essas condutas,
anunciou-se uma política de mais pormenorizada análise sobre fusões,
com atenção particular à aquisição de competidores nascentes, bem
como regras que barram métodos injustos de competição no setor.
Ainda, o decreto norte-americano instrui ao FTC o estabelecimento
de regras de segurança e acúmulo de dados, como também de regras
contra restrições anticompetitivas acerca do uso de lojas de conserto
independentes.
Em relação aos serviços de internet (5), o decreto norte-
americano esclarece que poderiam ser evidenciados os seguintes
aspectos: (i) falta de competição entre os provedores de banda larga;
(ii) falta de transparência no preço; (iii) altas taxas de rescisão; (iv)
desaceleração discriminada do acesso à internet pelas empresas. Para
conter essas práticas, o decreto norte-americano estabelece medidas
para prevenir que provedores de internet pratiquem atos colusivos que
limitam as escolhas dos clientes; requer que as empresas notifiquem
os preços dos serviços à Federal Communications Commission (FCC);
limita taxas de rescisão excessivas; e revive o programa chamado Net

74 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Neutrality rules, cujo objetivo é determinar que as empresas tratem


todos os serviços de internet equitativamente.
No âmbito da agricultura (6), o decreto norte-americano
apresenta a visão de que um mercado menos competitivo impediria
a plena atividade de agricultores de pequeno porte. Isso porque
estes ganhariam menos quando vendem seus produtos, mesmo que
os preços tivessem subido nos armazéns. Por exemplo, 4 empresas
de processamento de carne dominariam 80% do mercado e, nos
últimos cinco anos, a participação dos produtores de pequeno
porte no preço da carne bovina teria caído em mais de um quarto,
enquanto o preço da carne teria aumentado. Além disso, esse
contexto afetaria a capacidade de os agricultores consertarem seus
próprios equipamentos, como também de recorrerem a lojas de
conserto independentes. Os fabricantes utilizariam mecanismos que
impediriam o conserto por pessoas que não são distribuidores do
produto, o que, por consequência, forçaria os fazendeiros a pagarem
altas taxas para ter seu produto consertado. À vista disso, o decreto
norte-americano instrui o United States Department of Agriculture
(USDA) a desenvolver um plano para aumentar as oportunidades para
os agricultores de acessar os mercados e receber um retorno justo.
Ainda, incentiva a FTC a limitar a conduta pela qual os fabricantes de
equipamentos agrícolas restringem a capacidade das pessoas de usar
oficinas independentes e consertar seus próprios tratores.
Por fim, o decreto norte-americano aponta para preocupações
no âmbito financeiro (7). Nas últimas quatro décadas, os Estados
Unidos teriam perdido 70% dos bancos que outrora tiveram, com cerca
de 10.000 fechamentos de bancos. Essa situação teria se dado muito
em razão de fusões e aquisições. Apesar de existir revisão desses atos,
as autoridades governamentais não negaram um processo de fusão de
bancos em mais de 15 anos. O decreto norte-americano, dessa forma,
instrui ao DOJ a atualizar as diretrizes na fusão de bancos para ensejar
um escrutínio maior dessas operações.

Estudos em Direito da Concorrência 75


Amanda Athayde

Nesse sentido, o memorando de Lina Khan97, atual presidente da


FTC, espelha a nova diretriz antitruste do governo. Publicado em 22 de
setembro de 2021, o memorando possui uma abordagem estratégica
focada nos seguintes pontos: (i.a) identificar danos; (i.b) tratar a raiz de
condutas colusivas; (i.c) utilizar uma abordagem empírica; (i.d) estar
atento às novas práticas comerciais; (i.e) democratizar a instituição.
No que tange à identificação de danos (i.a), o memorando
incentiva o enfoque nas assimetrias de poder e nas práticas ilegais
que as disparidades de poder ensejam. A partir da análise das práticas
anticompetitivas, seria possível enfrentar os danos significativos aos
mercados.
Em segundo lugar, é incentivada a identificação da causa primária
de condutas colusivas (i.b), de forma a endereçar políticas antitruste
de forma facilitada, coibindo, assim, desdobramentos em potencial
de outras práticas prejudiciais à concorrência. Dessa maneira, a
concentração de esforços da autoridade antitruste direcionada à
causa primeira da conduta anticompetitiva evitaria uma abordagem
ineficiente, que imporia uma carga de fiscalização significativa com
poucos benefícios a longo prazo.
Em terceiro lugar, o memorando indica a necessidade de
utilização de uma abordagem empírica (i.c), para melhor entender
as práticas comerciais. O documento destaca que uma abordagem
interdisciplinar ajudaria a estreitar a lacuna entre a teoria e a prática.
Em quarto lugar, é desejado que as autoridades antitruste se
antecipem ao mercado, bem como tomem ações rápidas diante de
novas práticas comerciais (i.d.). Essa iniciativa tem por consequência
o enfoque às novas tecnologias, inovações e indústrias nascentes
entre os setores. A intervenção oportuna propiciaria a resolução da

97 KHAN, M. Lina. Memo from Chair Lina M. Khan to Commission Staff


and Commissioners Regarding the Vision and Priorities for the FTC. Federal
Trade Commission. 22 set. 2021. Disponível em: <https://www.ftc.gov/public-
statements/2021/09/memo-chair-lina-m-khan-commission-staff-commissioners-
regarding-vision>. Acesso em: 8 dez 2020.

76 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

prática anticompetitiva enquanto ainda é incipiente, limitando danos


e salvando recursos a longo prazo.
Por fim, o memorando salienta que a FTC deveria ser
democratizada (i.e.). Como consequência, a agência deveria ser
reconhecida como órgão governamental cujo papel interfere
diretamente na distribuição de poder na economia. Também deveria
significar que a instituição está antenada com os problemas reais
enfrentados pelos americanos na sua vida cotidiana, de forma a
utilizar esse entendimento para guiar as políticas.
No que concerne às políticas prioritárias que vão guiar a atuação
estratégica da agência, o memorando FTC de Lina Khan destaca três
áreas de enfoque: (ii.a) consolidação empresarial; (ii.b) modelos
extrativos de negócio; e (ii.c) termos contratuais que ensejam métodos
injustos de competição.
Nesse sentido, a agência tem como intuito endereçar medidas
que coibam a dominação do mercado possibilitadas por consolidações
(ii.a). Serão reforçados os procedimentos de análise de fusões e
aquisições como também o escrutínio de empresas dominantes, onde
a falta de concorrência tornaria a conduta ilegal mais provável. Além
disso, salienta-se a necessidade de alocar os recursos da agência de
forma estratégica nos agentes mais significativos, onde as ações de
fiscalização poderiam ser mais efetivas.
Em razão da crescente onda de fusões e aquisições, a agência
anunciou projeto que revisitará as diretrizes deste instituto. As diretrizes
anteriores demonstraram possuir uma estrutura desatualizada para
coibir as práticas colusivas atuais a partir da fusão de empresas. Sendo
assim, a revisão das diretivas possibilitaria o fechamento de lacunas
entre a teoria e a prática, estabelecendo o alicerce para um controle
mais efetivo e empiricamente fundamentado.
Com efeito, reprimir modelos extrativos de negócio (ii.b)
também está entre as prioridades da agência. É demonstrada
preocupação com os intermediários dominantes do mercado, capazes
de utilizar sua posição no mercado para alavancar taxas, ditar políticas
anticompetitivas, e proteger e estender seu poder de mercado. Esse

Estudos em Direito da Concorrência 77


Amanda Athayde

tipo de modelo de negócio centralizaria controle e lucro, enquanto


terceirizaria riscos e responsabilidades, de forma a propiciar
relações assimétricas entre a firma controladora e suas dependentes.
Entrementes, a crescente projeção de modelos de negócio como o
private equity provoca questionamentos sobre como essa forma de
negócio poderia facilitar métodos anticompetitivos.
A terceira área de enfoque pela FTC é a de termos contratuais que
corroboram condutas não-competitivas (ii.c). As cláusulas contratuais
unilaterais impostas por empresas poderiam ensejar abusos no poder
de mercado, bem como levantariam preocupações consumeristas.
Desse modo, consumidores, trabalhadores, franqueados e outros
participantes do mercado estariam em desvantagem significativa
quando são incapazes de negociar livremente os termos e condições.
Por fim, o memorando destacou os objetivos operacionais
da agência reguladora, quais sejam: (iii.a) utilizar uma abordagem
interdisciplinar, deixando de lado as estacas entre proteção ao
consumidor e à concorrência; (iii.b) expandir o alcance de atuação
da FTC; e (iii.c) ampliar as habilidades institucionais, com enfoque na
multidisciplinaridade.
Nota-se, portanto, que a preocupação norte-americana
com a competitividade no mercado é muito mais ampla do que
simplesmente aquela política concorrencial implementada por suas
agências antitruste, FTC e DOJ. Há uma preocupação ampla, que
demanda a articulação entre diversas autoridades públicas, de modo a
implementar a nova política pública.
Feita essa apresentação, resta-nos refletir: há espaço, no Brasil,
para uma movimentação de tal magnitude, de modo a fomentar
a competitividade dos mercados? Para além do que pode ser feito
pelo Cade e pela Seae, com suas respectivas atribuições definidas
pela Lei 12.529/2011, o que mais pode ser feito por outros órgãos
governamentais brasileiros?

78 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

O AMBIENTE POLÍTICO COMO “MARKETPLACE” E O USO


DO LOBBY COMO INSTRUMENTO ANTICOMPETITIVO

Publicado originalmente em: Portal Jota em 14/12/2021.

Amanda Athayde

Isabella Accioly

Para o Direito Antitruste, a criação e a manutenção de vantagens


competitivas são fatores importantes para a análise das ações dos
agentes econômicos. As arenas políticas e os processos de tomada
de decisões, porém, são frequentemente subestimados como meios
em que se criam e se sustentam tais vantagens98-99. Como ressaltado
por Gary Minda, as empresas competem por favores do governo tanto
quanto pela escolha dos consumidores, de modo que o ambiente
político se torna uma espécie de “marketplace” alternativo na era
corporativa100.
Diversos autores têm ressaltado como a concentração de
poder econômico favorece a concentração de poder político, que
pode até mesmo ultrapassar o próprio poder dos governos101. Estudo

98 Para reflexões mais amplas a respeito do tema, sugere-se a leitura de ACCIOLY,


Isabella. “SHAM LOBBY” no Brasil: uma análise sobre o possível enquadramento
do lobby anticompetitivo como infração à ordem econômica nos termos da
Lei n. 12.529/2011”. Monografia em Direito – Faculdade de Direito, Universidade
de Brasília. Brasília, 2021. Disponível em: https://drive.google.com/drive/
folders/1LuddrjkudOykaG2rhwiTS_6ilysXYAXr.
99 RAJWANI, Tazeeb; MCGUIRE, Steven; LAWTON, Thomas. Atividade política
corporativa: uma revisão da literatura e a agenda de pesquisa. 2012. Disponível em:
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1468-2370.2012.00337.x. Acesso em: 20
jan. 2021.
100 MINDA, Gary. Interest Groups, Political Freedom, and Antitrust: a
modern reassessment of te Noerr-Pennington Doctrine. Hastings Law
Journal, v. 41, n. 4, 1990. Disponível em: tory.uchastings.edu/cgi/viewcontent.
cgi?article=3008&context=hastings_law_journal. Acesso em: 11 jan. 2021. p. 907.
101 FRAZÃO, Ana. Novas perspectivas para a regulação jurídica dos mercados:
parte XIII. 2020. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/
constituicao-empresa-e-mercado/novas-perspectivas-para-a-regulacao-juridica-dos-
mercados-parte-xiii-27052020. Acesso em: 23 fev. 2021.

Estudos em Direito da Concorrência 79


Amanda Athayde

desenvolvido por Zaleski102 revelou que empresas com alto market share
tendem a se beneficiar mais de processos políticos e de regulamentação,
enquanto aquelas com baixa participação de mercado contribuem
menos em tais processos. Nesse sentido, Zingales103 destaca que
a habilidade de exercer influências políticas cresce com o poder
econômico da empresa, e na mesma proporção cresce a necessidade
de tal exercício, com vistas a manter este poder. O autor apelidou esse
processo de “The Medici Vicious Circle” – ou o “Ciclo Vicioso Medici” –,
fazendo referência às ricas e poderosas famílias de banqueiros que
comandavam a Florência da Itália Renascentista104.
O relatório do Stigler Center de 2019105 mostra que os maiores
agentes políticos da atualidade podem ser o Google e o Facebook,
agentes com grande poder econômico. Esse mesmo relatório, ao
constatar o perigo que a concentração de poder representa para a
democracia, propõe, dentre outras soluções, o fortalecimento do
Direito Antitruste no que diz respeito ao controle de concentrações e
à adoção de medidas que reduzam o poder político das plataformas.
Essa pauta vem sendo inclusive destacada nos Estados Unidos, com as
pesquisas acadêmicas e os discursos da recém nomeada presidente da
Federal Trade Commission, Lina Khan.106
Até mesmo Robert Bork, um dos maiores defensores de um
menor escopo de intervenção do direito antitruste, reconhece que a
predação política é um método particularmente perigoso em razão de

102 ZALESKI, Peter A. Contribuições de campana de PACs corporativos. Atlanctic


Economic Journal, v. 20, n. 56, 1992. Disponível em: https://link.springer.com/
article/10.1007/BF02300172. Acesso em: 20 abr. 2021.
103 ZINGALES, Luigi. Towards a Political Theory of the Firm. Journal of Economic
Perspectives, v. 31, n. 3, 2017. Disponível em: https://pubs.aeaweb.org/doi/
pdfplus/10.1257/jep.31.3.113. Acesso em: 15 jan. 2021.
104 O autor define esse termo como o ciclo “no qual o dinheiro é usado para ganhar
poder político e o poder político é assim utilizado para se ganhar mais dinheiro”
(tradução livre).
105 STIGLER, Center. Comitê Stigler de Plataformas Digitais: relatório final, 16 de
setembro de 2019. Disponível em: https://www.chicagobooth.edu/research/stigler/
news-and-media/committee-on-digital-platforms-final-report. Acesso em: 20 fev.
2021.
106 KHAN, Lina M. Amazon’s antitrust paradox. Yale lJ, v. 126, p. 710, 2016.

80 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

sua baixa visibilidade sob a análise concorrencial107. O autor aduz que


enquanto as autoridades estão preocupadas com os perigos de fusões e
restrições verticais, muitas batalhas são travadas diante de instâncias
governamentais locais e projetadas para impedir a entrada no mercado
de concorrentes. Nesse sentido, destaca que a legislação concorrencial
pode contribuir imensamente tanto para a livre concorrência quanto
para a integridade de processos governamentais ao alcançar práticas
predatórias nas instâncias políticas.
A legislação concorrencial brasileira prevê expressamente a
competência da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE)
de acompanhar o processo legislativo e de regulamentação promovido
por qualquer órgão ou entidade pública ou privada. Nesse sentido,
pode-se dizer que há um aparato formal para a atuação ex ante no
Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) para que atos
normativos de natureza anticompetitiva não sejam aprovados. A
pergunta é: há de fato uma preocupação, em termos materiais, com
esse “caminho mais curto” para algumas empresas em detrimento de
outras, que evite o prejuízo ao ambiente competitivo no Brasil?
A experiência brasileira tem mostrado que a atuação preventiva
nem sempre é suficiente para frear práticas indevidas derivadas
de um sistema negativamente institucionalizado no país. Diversos
escândalos de corrupção, como os da operação Lava-Jato, revelaram
que uma das mais frequentes e importantes influências que empresas
buscam exercer na esfera pública é para garantir que seus interesses
virem norma108.
Esses exemplos são trazidos apenas para ressaltar como o
processo legislativo pode ser desvirtuado para garantir interesses
privados em detrimento do suposto “interesse público” que ele deveria
atingir. Sendo essa uma prática que atinge o ambiente concorrencial
ou ao menos representa uma distorção do processo democrático

107 BORK, Robert. The antitrust Paradox. New York: Free Press, 1993.
108 RIZZO, Alana de; VELASCO, Joel. As empresas conseguem migrar do crony
capitalismo para práticas íntegras de interação com o governo? In: Lobby desvendado:
Democracia, Políticas Públicas e Corrupção no Brasil Contemporâneo. 1. ed. São
Paulo: Record, 2018. p. 197.

Estudos em Direito da Concorrência 81


Amanda Athayde

em prol de um poder econômico concentrado, resta indagar se a


autoridade antitruste brasileira, no âmbito de sua atuação repressiva,
vem buscando reprimir ou mitigar esse tipo de conduta. Está o Cade
pelo menos ciente desse risco ao ambiente competitivo no Brasil?
Casos questionando a prática de um “lobby anticoncorrencial”
como conduta punível pela Lei 12.529/2011 já foram levados ao Cade,
apesar de serem poucos os precedentes sobre a matéria. Nessa esteira,
identificam-se dois julgados do Tribunal (Caso Sinpetro/DF109 e caso
Sindipostos/RN110) com objetos semelhantes – pressões por parte dos
players dominantes sobre o legislativo local para obter uma legislação
favorável de cunho supostamente anticompetitivo. As decisões,
porém, são praticamente opostas por parte dos respectivos Conselhos
do Cade, indicando uma alteração de entendimento ao longo dos anos
com base em novos parâmetros de análise do direito antitruste.
No primeiro caso, do cartel de postos no Distrito Federal, o
Conselheiro Relator considerou que os representados se utilizaram
abusivamente do seu inegável poder econômico com o intuito de
eliminar a possibilidade de uma concorrência potencial, configurando-
se uma infração à ordem econômica.
Já no segundo caso, envolvendo postos de combustíveis no Rio
Grande do Norte, o foco da discussão passou a ser sobre um suposto
conflito principiológico existente entre o direito de petição e a livre
concorrência. Nesse sentido, o Tribunal entendeu que o direito de
petição garante uma espécie de “imunidade antitruste”, de modo que
apenas se verificados determinados elementos no exercício abusivo
desse direito é que se poderia abrir uma exceção a essa imunidade
para se condenar a conduta.
Guardadas as devidas peculiaridades de cada caso e constatando-
se não serem muitos os precedentes sobre a matéria, o que se verifica é
que ainda há pouco debate sobre as formas de atuação das autoridades
antitruste em face de práticas empreendidas na esfera política que
afetem o ambiente concorrencial. A jurisprudência mais recente do

109 PA nº 08000.024581/1994-11
110 PA nº 08700.000625/2014-08

82 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Cade, no entanto, revela uma espécie de “deferência” da autoridade


concorrencial em face do direito de petição que pode prejudicar a
ampla concorrência na tentativa de se garantir uma maior participação
dos agentes econômicos nos processos legislativos.
Diante disso, questiona-se: qual seria a melhor forma de atuação
antitruste diante do uso do lobby como instrumento anticompetitivo?
Esclarecemos desde já, o que já deve estar claro: consideramos
mais do que legítimo que empresas defendam seus interesses e
encaminhem demandas e projetos junto a órgãos e representantes
públicos. Por outro lado, é igualmente legítimo que tais interesses não
se sobreponham a interesses mais amplos da sociedade, como é a livre
concorrência. O que se propõe aqui, portanto, não é que a autoridade
concorrencial amplie seu escopo de competência, mas tão somente
que se atente aos efeitos anticompetitivos de condutas exercidas no
ambiente político, desenvolvendo uma estrutura de análise adequada
para a consecução de objetivos intrínsecos ao antitruste em face de
tais condutas.
Um possível ponto de partida, talvez, seja rever os parâmetros
de exceção para a aplicação da imunidade antitruste conferida ao
direito de petição. Nesse sentido, o debate no Cade, em casos de
controle repressivo, poderia se expandir a ponto de contemplar
com maior profundidade (i) o mérito das propostas legislativas/
regulatórias – se excessivamente restritivas ou exclusivamente
voltadas a determinados benefícios próprios, (ii) o mercado afetado
e a eventual existência ou possibilidade de surgimento de barreiras à
entrada, (iii) a consideração sobre medidas alternativas, menos lesivas
à concorrência, e até mesmo (iv) a verificação do poder de mercado
e de barganha concentrado pelo(s) agente(s) empenhados no lobby e
por ele beneficiados. Tais critérios, não exaustivos, podem tornar a
análise mais robusta e garantir um enforcement mais efetivo em face da
matéria aqui contemplada.
Como destacado por Rizzo e Velasco, não existe remédio para
acabar com o desvirtuamento da máquina pública em favor de
interesses privados prejudiciais ao interesse público, mas o começo

Estudos em Direito da Concorrência 83


Amanda Athayde

para uma solução está no aperfeiçoamento e cumprimento das regras


claras no jogo111. A autoridade antitruste, ao se esquivar de importantes
questões relacionadas aos desdobramentos políticos do poder
econômico, ignora uma realidade que se impõe e que vem causando
distorções e ineficiências para o desenvolvimento econômico nacional.
A política concorrencial e a atuação da Administração Pública
devem guardar relação simbiótica com a realidade na qual se
inserem e devem ser responsivas na medida adequada em relação aos
problemas que se impõem. Para isso, é importante que cada instituição
zele por seus objetivos e não abra brechas muito amplas para que
desvirtuamentos sejam colocados em prática, o que, no âmbito do
Cade, significa reprimir “atos sob qualquer forma manifestados,
que tenham por objeto ou possam produzir, entre outros, o efeito de
limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência
ou a livre iniciativa”112.
Seja via SEAE, seja via Cade, é imperioso que o “watchdog”
antitruste brasileiro mova suas lentes para essa – não tão nova –
realidade do lobby anticompetitivo, que pode afetar, por debaixo dos
panos, o ambiente de negócios no Brasil.

111 RIZZO, Alana de; VELASCO, Joel. As empresas conseguem migrar do crony
capitalismo para práticas íntegras de interação com o governo? In: Lobby desvendado:
Democracia, Políticas Públicas e Corrupção no Brasil Contemporâneo. 1. ed. São
Paulo: Record, 2018.
112 BRASIL. Lei n. 12.259, de 30 de novembro de 2011. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12529.htm>. Acesso em: 20 jan. 2021.

84 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Defesa da Concorrência
e Interfaces Jurídicas

Estudos em Direito da Concorrência 85


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

GÊNERO E ANTITRUSTE: O FENÔMENO POLIÉDRICO


DA DISCRIMINAÇÃO POR GÊNERO E SEUS
IMPACTOS NA DEFESA DA CONCORRÊNCIA

Publicado originalmente em: Portal Jota em 25/02/2021.

Amanda Athayde

Mariana Piccoli L. Cavalcanti

O direito da concorrência, geralmente pautado pela sua


objetividade, argumenta ser uma política neutra para questões de
gênero. Em 2017, porém, HUBBARD defendeu que o sexismo priva
as mulheres de competir em condições de igualdade com os homens,
causando impactos tão nefastos equiparáveis aos gerados por
monopólios em relação a startups e pequenas empresas113. Em 2018,
PIKE argumentou que vieses discriminatórios contra a participação
econômica das mulheres podem gerar efeitos similares aos
decorrentes da aplicação de regulações anticompetitivas114. Assim, em
novembro de 2018, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) começou a levantar esse debate de modo
sistemático, discutindo a viabilidade de uma “lente de gênero” (gender
lens) identificar ferramentas adicionais nos mercados tradicionais,
bem como comportamentos específicos dos consumidores e das
empresas115.

113 HUBBARD, Sally. How monopolies make gender inequality worse. Disponível
em: <https://www.forbes.com/sites/washingtonbytes/2017/12/20/how-monopolies-
make-gender-inequality-worse-and-concentrated-economic-power-harms-
women/?sh=5f119b3e1b11>. Acesso em: 3 fev. 2021.
114 PIKE, Chris. What’s gender got to do with competition policy? OECD On the
Level. 02 March 2018. Disponível em: <https://oecdonthelevel.com/2018/03/02/whats-
gender-got-to-do-with-competition-policy/>. Acesso em: 3 fev. 2021.
115 Para maiores detalhes sobre os debates conduzidos em novembro de 2018, sugere-
se: Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Global forum on
competition. Competition policy and gender. 2018, November 29th. Disponível em:
<https://www.oecd.org/daf/competition/gender-and-competition.htm>. Acesso em:
15 fev. 2021.

Estudos em Direito da Concorrência 87


Amanda Athayde

Esse debate se aprofundou nos últimos anos, com o surgimento


de redes de engajamento feminino – como a Women in Antitrust
(WIA)116 e a Women Inside Trade (WIT)117 no Brasil –, com a publicação
de artigos acadêmicos sobre a interface entre antitruste e gênero, com
a publicação de livros escritos exclusivamente por autoras da seara
concorrencial118, com a realização de eventos sobre a disparidade de
gênero na seara específica do direito da concorrência, dentre outras
iniciativas. Esse parece ser, assim, um caminho sem volta, no qual
novos debates trarão nova luz ao direito da concorrência, no Brasil
e no mundo. Tanto é assim que em 25 de fevereiro de 2021 a OCDE
realizará um dia inteiro de debates sobre as formas de se viabilizar
uma política concorrencial mais inclusiva para questões de gênero.119
A nosso ver, as interfaces sobre gênero e concorrência podem
ser vistas como um “fenômeno poliédrico”120, já que possui não
apenas um, mas diversos perfis em relação aos diversos elementos
que o integram. Neste artigo, pretende apresentar breves linhas,
com pretensão exploratória e não exaustiva, sobre seis desses perfis
de gênero e concorrência: (a) poder de mercado e gênero (“gênero

116 Women in Antitrust (WIA) Brasil. Disponível em: <https://www.womeninantitrust.


org/>. Acesso em: 15 fev. 2021.
117 Women Inside Trade (WIT) Brasil. Disponível em: <https://womeninsidetrade.
com/>. Acesso em: 15 fev. 2021.
118 No Brasil, já foram publicados três livros exclusivamente escritos por autoras do
direito da concorrência nacional. Disponível em: <https://www.womeninantitrust.
org/publicacoes>. Acesso em: 15 fev. 2021. No exterior, a Concurrences já está em
sua segunda edição de livro também escrito apenas por mulheres do antitruste
internacional. Disponível em: <https://www.concurrences.com/en/all-books/
women-antitrust#:~:text=It%20celebrates%20women%20and%20their,private%20
practitioners%2C%20economists%20or%20academics.&text=Congratulations%20on-
%20the%20important%20initiative,Antitrust%3A%20Voices%20From%20the%20
Field.>. Acesso em: 15 fev. 2021.
119 Nesse sentido, ver: Organização para a Cooperação e do Desenvolvimento
Econômico (OCDE). Workshop on Gender inclusive Competition Policy, 25 fev
2021. Disponível em: <http://www.oecd.org/daf/competition/workshop-on-gender-
inclusive-competition-policy-agenda-february-2021.pdf>. Acesso em 17 fev. 2021.
120 A expressão “fenômeno poliédrico” advém da expressão “fenômeno econômico
poliédrico”, utilizada por Alberto Asquini, ao explicar o conceito de empresa. ASQUINI,
Alberto. Perfis da empresa. Revista de direito mercantil, industrial, econômico e
financeiro. São Paulo, n. 104, p. 109-126, out/dez 1996. Tradução de Fabio Konder
Comparato. Profili dell’impresa. Rivista del Diritto Commerciale, n. 41, I, 1943.

88 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

pelo perfil social”); (b) posição das mulheres nas empresas (“gênero
pelo perfil da oferta”); (c) mulheres e controle de condutas (“gênero
pelo perfil dos ilícitos concorrenciais”); (d) mulheres como grupo de
consumidoras (“gênero pelo perfil da compra”); (e) mulheres e controle
de estruturas (“gênero pelo perfil da definição de mercado relevante”);
(f) representatividade das mulheres no antitruste (“gênero pelo perfil
da representatividade”).
A respeito da discussão de gênero pelo perfil social (a),
discutem-se os entraves culturais, comportamentais e sociais
enfrentados pelas mulheres no acesso à educação, capital e mercado
de trabalho. Estimativas mostram que as mulheres ainda participam
menos que os homens do mercado de trabalho e, quando o fazem,
recebem salários significativamente menores121. Nesse sentido, de
forma ampla, a desigualdade de gênero é capaz de reduzir o padrão de
vida de uma população a um custo global de US$ 12 trilhões, ou 16%
da renda mundial122.
Nessa linha, WEICHSELBAUMER sugere – em uma teoria que
remonta a BECKER123 – que reformas estruturais que promovem o
desenvolvimento econômico (dentre elas as políticas de incentivo à
promoção da concorrência) reduzem o nível de segregação entre os
sexos numa sociedade124. De maneira bastante resumida, essa teoria
prega que existe certa tendência natural em algumas pessoas a se
envolver em práticas discriminatórias na contratação de somente
determinado “tipo” de pessoas. No entanto, as sociedades cujos

121 Nesse sentido, ver: Organização para a Cooperação e do Desenvolvimento


Econômico (OCDE). Employment Outlook 2018. Disponível em: <https://read.oecd-
ilibrary.org/employment/oecd-employment-outlook-2018_empl_outlook-2018-
en#page1>. Acesso em: 16 fev. 2021.
122 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Global forum on
competition. Competition policy and gender. 2018, November 29th. Disponível em:
<https://www.oecd.org/daf/competition/gender-and-competition.htm>. Acesso em:
21 fev. 2021.
123 Becker, Gary Stanley. The economics of discrimination. Chicago: Chicago
University Press, 1957.
124 Nesse sentido, ver: WEICHSELBAUMER, Doris. What are the reasons for
international gender wage gaps? Disponível em: <https://voxeu.org/article/why-
international-difference-gender-wage-gap>. Acesso em: 4 fev. 2021.

Estudos em Direito da Concorrência 89


Amanda Athayde

membros estão dispostos a não adotar essa tendência têm maior


probabilidade de obter êxito econômico. Em tese, ao contratarem
pessoas por seus méritos e atributos, e não por serem de um “tipo”
ou de outro (como, por exemplo, serem de um sexo ou de outro), as
empresas – e a economia como um todo – se tornam mais eficientes e
a sociedade se torna menos discriminatória, inclusive em relação ao
gênero.
Já a respeito da discussão de gênero pelo perfil da oferta (b),
debate-se o papel das mulheres como empreendedoras, membros de
conselhos de administração, diretoras de empresas ou profissionais
liberais125. Em alguns mercados, empresárias podem encontrar
obstáculos sociais e até mesmo legais para registrar uma empresa,
possuir bens e propriedades ou acessar crédito para financiar a entrada
ou a expansão de sua firma no mercado126. Mulheres podem ainda
enfrentar dificuldades para exercer determinadas profissões (como,
por exemplo, motorista de táxi) ou funções (tais como conselheiras
consultivas ou de administração127). Além de desperdiçarem a
potencial contribuição feminina à produtividade e ao desenvolvimento
dos mercados, tais barreiras à participação econômica da mulher
são prejudiciais à concorrência e à eficiência dos setores, podendo
inclusive gerar preços mais altos aos consumidores.
Ainda, a respeito da discussão de gênero pelo perfil dos ilícitos
concorrenciais (c), debate-se, por exemplo, qual a razão de haver
menos mulheres condenadas por infrações à ordem econômica. Seria
decorrente de uma tendência maior destas em cumprir com as leis, ou

125 PIKE, Chris. What’s gender got to do with competition policy? OECD On the
Level. 02 March 2018. Disponível em: <https://oecdonthelevel.com/2018/03/02/whats-
gender-got-to-do-with-competition-policy/>. Acesso em: 3 fev. 2021.
126 Nesse sentido, ver: World Bank Group. India development update: unlocking
women’s potencial. 2017. Disponível em: <https://openknowledge.worldbank.org/
handle/10986/27545>. Acesso em: 4 fev. 2021.
127 Em relação ao tema, destaca-se a iniciativa Women on Board, a qual concede um
selo de boas práticas em ambientes corporativos às empresas que tenham pelo menos
2 (duas) conselheiras efetivas em seus quadros, de forma a incentivar e reconhecer
os benefícios desta diversidade ao mundo empresarial e à sociedade. Disponível em:
<https://wobwomenonboard.com/>. Acesso em 16 fev. 2021.

90 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

tão somente refletiria a reduzida participação das mulheres em cargos


de liderança? Há, ainda, correlação entre a existência de mulheres em
cargos chave de compliance nas empresas e o fato de estas procurarem
as autoridades públicas para colaborar em acordos de leniência ou
outras formas de acordo subsequentes em casos de cartel? Este será
um dos temas debatidos no seminário da OCDE a ser realizado em 25
de fevereiro de 2021.
Ademais, a respeito da discussão sobre gênero pelo perfil da
compra (d), debate-se o papel da discriminação de preços a clientes.
Isso porque as empresas, ou seus algoritmos, tendem a enxergar
os consumidores pela sua disposição em gastar dinheiro por um
determinado produto ou serviço, e o fato de se tratar de uma mulher
ou um grupo de mulheres pode levar a preços maiores ou menores.
Apesar de, em um primeiro momento, soar injusta, a discriminação
de preços pode apresentar benefícios econômicos, segundo alguns
teóricos, na medida em que possibilita que um maior número de
consumidores tenha acesso ao produto: aqueles dispostos a pagar um
preço maior subsidiam o consumo dos que estão dispostos a pagar
um preço menor128. Por isso, atualmente, no Brasil – e em vários
países-membros da OCDE –, a discriminação de preços somente é
considerada ilegal se a autoridade antitruste concluir que a conduta
decorre de abuso de poder de mercado, como já aconteceu na União
Europeia129.
Adicionalmente, a respeito da discussão de gênero pelo perfil
da definição de mercado relevante (e), debate-se a possibilidade de
existirem dois mercados inteiramente distintos quando a diferença

128 REIS JÚNIOR, Carlos Roberto da Rocha. Discriminação de preços por algoritmo:
preocupações concorrenciais. 2019. Monografia (curso de Direito). Faculdade de
Direito, Universidade de Brasília, Brasília.
129 Sobre o tema, destaca-se que, em 2011, o Tribunal de Justiça da União Europeia
proferiu decisão, proibindo a análise de prêmios de seguro baseada em gênero,
ocasionando um efeito econômico e concorrencial para o mercado. Nesse sentido,
ver: VILLELA, Camilla Costa. Concorrência e gênero: o impacto negativo dos prêmios
unissex no mercado de seguro sob a luz da experiência europeia. In: ATHAYDE,
Amanda; MAIOLINO, Isabela; SILVEIRA, Paulo Burnier da (Orgs). Comércio
internacional e concorrência: desafios e perspectivas atuais - Volume II. Brasília:
Faculdade de Direito – UnB, 2019.

Estudos em Direito da Concorrência 91


Amanda Athayde

de preços praticadas for sustentada, o que refletiria não uma


discriminação de preços, mas sim uma necessidade de se mudar a
própria definição do mercado relevante. Evidências sugerem que
diferenciar – e precificar – uma vasta gama de produtos (que vão
desde lâminas de barbear descartáveis até produtos de lavanderia) de
acordo com o gênero do consumidor-alvo pode fazer sentido do ponto
de vista econômico, já que as escolhas dos indivíduos dependem de
sua percepção de identidade e tentar desviá-las dessa tendência é
extremamente custoso130. Assim, compreender como o gênero pode
influenciar a substitutibilidade da demanda, e, portanto, permitir
a segmentação de consumidores do sexo feminino, pode ser um
fator importante para autoridades de concorrência na definição de
mercados relevantes. Este será, também, um dos temas debatidos no
seminário da OCDE a ser realizado em 25 de fevereiro de 2021.
Por fim, a respeito da discussão de gênero pelo perfil da
representatividade (f), debate-se a representatividade das mulheres
que trabalham na seara da defesa da concorrência. Sobre esse tema,
cumpre mencionar a extensa pesquisa realizada pela rede Women in
Antitrust – WIA no Brasil, que destrinchou o perfil de representatividade
das mulheres em consultorias, em escritórios de advocacia e no
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)131. A este
respeito, observou-se que, embora as mulheres sejam relativamente
bem representadas percentualmente nos dados agregados de todos
os espaços de atuação antitruste pesquisados, esse percentual é
consistentemente menor em níveis hierárquicos superiores, o que

130 Nesse sentido, ver: Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico


(OCDE). Global forum on competition. Competition policy and gender. 2018,
November 29th. Disponível em: <https://www.oecd.org/daf/competition/gender-and-
competition.htm>. Acesso em: 16 fev. 2021.
131 Women in Antitrust (WIA) Brasil. Relatório de representatividade e inclusão
feminina no antitruste. 2018. Disponível em: <https://86de1a45-3985-40e4-865a-
169edc125eb5.filesusr.com/ugd/3f79e1_57f1e6ca64b74d2f9cd90bf6973cfac6.pdf>.
Acesso em: 16 fev. 2021.

92 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

indica que o caminho para a liderança tem encontrado barreiras não


desprezíveis 132.
De tudo o que foi dito, e constatada a noção da interface sobre
gênero e concorrência como um “fenômeno poliédrico”, cumpre
finalmente retomar a lição de FOX, de que a noção de igualdade está
presente nas leis antitruste desde seus primórdios. Assim, cientes
de que a defesa da concorrência se concentra particularmente na
igualdade de oportunidades, para que todos possam contestar os
mercados com base em seus méritos133, propugna-se pelo retorno de
um antitruste mais consciente do seu papel, inclusive no que tange à
igualdade de gênero.

132 No ano de 2018, o total de mulheres na área antitruste das consultorias e dos
escritórios de advocacia foi de 35% e 52%, respectivamente. Verificou-se, por sua vez,
que, no CADE, a representatividade de mulheres no total de servidores da área-meio
foi de 54% e da área-fim, de 43%. No entanto, apesar de 64% das promoções serem de
mulheres nos escritórios antitruste, apenas 50% delas são referentes aos cargos de
advogados sênior e sócios. Na mesma linha, as promoções de mulheres foram minoria
no CADE (33%) e sequer afetaram os cargos de liderança mais altos (DAS 5 em diante).
133 FOX, Eleanor. Antitrust: tracing inequality. Disponível em: <https://www.
competitionpolicyinternational.com/antitrust-tracing-inequality-from-the-united-
states-to-south-africa/>. Acesso em: 3 fev. 2021. Em tradução livre. No original: “A
notion of equality has run through antitrust (or competition) law since the beginning of
(antitrust) time. (...) It focuses particularly on equality of opportunity: keeping open
pathways for outsiders to contest markets on the merits”.

Estudos em Direito da Concorrência 93


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

NON-MONETARY ANTITRUST SANCTIONS: THE


BRAZILIAN EXPERIENCE BETWEEN 2012AND
2022 AND SOME ADDITIONAL REFLECTIONS FOR
INTERNATIONAL ANTITRUST PRACTICE134

Publicado originalmente em: SSRN em 13 de dezembro de 2022.

Amanda Athayde

Renan Cruvinel

SUMMARY: The prominence of the application of antitrust fines


may have come to a crossroad. Fines seem not to have achieved their
ultimate goals, either to punish current and previous practices or to
deter future antitrust violations. Are there unexplored boundaries
for a more effective antitrust sanctions, specially taking into
considerations the non-monetary sanctions? This paper presents
three different groups of arguments to defend the applicability of non-
monetary sanctions, notably, (i) overdeterrence, (ii) underdeterrence
and (iii) general enforcement, which may result into new perspectives
to strengthen the competition policy. With that general reflection for
international antitrust practice, the paper follows to compare non-
monetary sanctions provided for in foreign antitrust legislation
around the globe with each of the items of article 38 of the Brazilian
Competition Act in Brazil. It is also provided a quantitative perspective
of an empirical research on the experience of the Brazilian Antitrust
Authority (“CADE”) on the applicability of non-monetary sanctions.

134 A shorter version of this paper was prepared for the OECD Competition
Committee held in 29 November 2022. https://www.oecd.org/competition/director-
disqualificationand-bidder-exclusion-in-competition- enforcement.htm. This paper
in English presents some of the results of a full study which results to a recently
published book in Portuguese: ATHAYDE, Amanda et. al. Sanções não pecuniárias no
antitruste /organizaçãoAmanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular, 2022.
In such research, each of the nine papers includedin the book investigated the national
and international experience regarding the enforcement of a specific type ofpenalty
other than fines aiming at identifying the justification and rationale that led to the
authorities to imposethese non-monetary penalties in both contexts.

Estudos em Direito da Concorrência 95


Amanda Athayde

The research is intended not only to stimulate the search for more
efficient mechanisms to prevent and punish anticompetitive conduct
in Brazil, but also to establish a starting point so that legal scholars
and law enforcers around the globe can define if, when how and with
which nuances non-monetary sanctionscan and/or should be imposed
in the antitrust context.
KEY-WORDS: non-monetary sanctions; antitrust; director
disqualification; company debarment.

INTRODUCTION

The prominence of the application of antitrust fines may have


come to a crossroad. Monetary sanctions for individuals and legal
entities responsible for antitrust violations are the ones mostly
imposed by antitrust authorities around the world. That seems not
to have achieved the ultimate goals of those fines, either to punish
current and previous practices or to deter future antitrust violations.
Recidivism, underdeterrence, overdeterrence, companies’ payment
of fines for their employees: those are some of the topics of concern
that arise in the competition area.
Is the antitrust really contributing to a more compliance business
environment? Or is it only turning a blind eye to the antitrust goal to
improve the functioning of the markets? Which are the unexplored
boundaries for a more effective antitrust sanctions, specially taking
into considerations the non-monetary sanctions typically provided by
the antitrust laws? Have them been overlooked or underestimated?
Which are their risks to be assessed? Do they provide for a better
outcome, or do they result in a more tormentors antitrust area, so we
would continue to be better off without it? In summary: may the non-
monetary sanctions contribute efficiently to the antitrust practice
around the world?
All those questions have haunted these authors for the last years.
That is the reason why this paper focus on non-monetary antitrust

96 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

sanctions that may be imposed separately or cumulatively to the fines


when the severity of the facts or the general public interest so requires.
Section I presents a proposal for organizing the theoretical
discussion. We propose three different groups of arguments to defend
the applicability of non-monetary sanctions, notably, overdeterrence,
underdeterrence and general enforcement, which does not refer to a
specific case. That may result into new perspectives to strengthen the
competition policy.
The paper follows to present in Section II a brief overview on the
eight non-monetary sanctions available in the Brazilian Competition
Act (“Law 12,529/2011”). It is also presented a benchmark, comparing
those non-monetary sanctions in other jurisdictions. The summarized
and schematized results are also presented in Annex I.
Section III presents the quantitative perspective of an empirical
research135 on the experience of the CADE on the applicability of non-
monetary sanctions. Non-monetary sanctions have been applied
in Brazil over the last year. In which circumstances? How are those
sanctions applied? To whom, in terms of companies, individuals
and class entities? Which is the current state of art? Is it a consistent
enforcement? Are there bottlenecks? Are there challenges and
improvements alternatives? To answer all those questions, it was
necessary to proceed an empirical analysis. Are the non-monetary
sanctions applied by CADE? In which circumstances? To whom, in
terms of companies, individuals and trade associations? To answer
this research question, it will be analyzed all the administrative
proceedings judged by CADE between 2012 and 2020 which imposed
non-monetary sanctions.

135 This paper presents some of the results of a full study which results to a recently
published book: ATHAYDE, Amanda et. al. Sanções não pecuniárias no antitruste /
organização Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular, 2022. In such
research, each of the nine papers included in the book investigated the national and
international experience regarding the enforcement of a specific type of penalty
other than fines aiming atidentifying the justification and rationale that led to the
authorities to impose these non-monetary penalties in bothcontexts.

Estudos em Direito da Concorrência 97


Amanda Athayde

Section IV follows to present the qualitative perspective of the


empirical research on the experience of the CADE on the applicability of
non-monetary sanctions. Does CADE follow a common understanding
when applying non-monetary sanctions? Is there a standard of
judgment by the antitrustauthority? Are the decisions duly motivated?
Based on it, it was possible to identify the barriers for imposing each of
the items of article 38 of the Brazilian Competition Act and to propose
suggestions for better enforcement of each legal provision of those
non-monetary sanctions.
The research is intended not only to stimulate the search for
more efficient mechanisms to prevent and punish anticompetitive
conduct in Brazil, but also to establish a starting point so that legal
scholars and law enforcers around the globe can define if, when, how
and with which nuances non- monetary sanctions can and/or should be
imposed in the antitrust context. The goal is to advance the discussion
to identify material and procedural aspects that not only discourage
the antitrust authorities to impose these non-monetary sanctions, but
that can also make them less effective when applied, to the detriment
of maximum deterrence with minimal negative social impacts. As
a result, it will be addressed some of the barriers for imposing non-
monetary sanctions already provided for by the laws.

1. A PROPOSAL FOR ORGANIZING THE THEORETICAL


DISCUSSION: UNDERDETERRENCE, OVERDETERRENCE
AND GENERAL PERSPECTIVE ON THE APPLICABILITY
OF NON- MONETARY SANCTIONS

Fines have been, historically, the main sanction used by antitrust


authorities globally. To further understand the potential deterrence
power of non-monetary sanctions, this paper has a premise that it is

98 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

necessary to go beyond an economic perspective of antitrust sanctions


and enforcement136.
The approach currently taken by most legal scholars, influenced
by BECKER and COASE137, is centered on the adequate fines to be
imposed by competition authorities. We assume138 a diversion from
that straight direction, that an optimal sanction should have not only
the highest level of deterrence, but also the lowest social costs. Having
that in mind, it would be possible to then investigate how authorities
could apply different scopes, natures and types of sanctions to reach
an optimal enforcement point.
May the non-monetary sanctions contribute efficiently to the
antitrust practice around the world? We propose three different groups
of arguments to defend the applicability of non-monetary sanctions,
notably: (I.1) underdeterrence; (I.2.) overdeterrence; (I.3.) general
perspective. The image below illustrates the suggestions of how a non-
monetary sanction can contribute to an optimal sanction:

136 In this regard, see: Posner, Antitrust: cases, economic notes and Other materials 545-
572 (2d ed. 1981). Schwartz,Private enforcement of the Antitrust laws (1981); Landes,
Posner e Easterbook, Contribution Among Antitrust Defendants: A legal economic
analysis, e Fischel e Easterbrook, The Economic Structure of Corporate Law (1996),
among other papers.
137 The papers that raised the discussion are: Becker, Crime and Punishment: An
Economic Approach, 79 J. Pol.Econ. 169 (1968); Coase, The Problem of Social Cost, 3
J.L. & Econ. 1 (1960).
138 ATHAYDE, Amanda; OLIVEIRA, Renan Cruvinel de. Sanções não pecuniárias
no antitruste /organização Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular,
2022. Pp. 11-74. The authors verified increases in monetary sanctions imposed
by antitrust authorities, and assumed their insufficiency to deter anticompetitive
practices, to reach different perspectives to analyze non-monetary sanctions as means
to strengthen antitrust enforcement. The authors did not identify any studies that
demonstrated a correlation between an increase in monetary sanctions and an actual
decrease in the number of violations to the economic order.

Estudos em Direito da Concorrência 99


Amanda Athayde

Image 1 - Arguments to defend the applicability of non-monetary sanctions

Source: the authors.

1.1 UNDERDETERRENCE AS AN ARGUMENT TO DEFEND


THE APPLICABILITY OF NON-MONETARY SANCTIONS

Fines are no longer the only alternative for antitrust authorities.


course of action, so that sanctions cannot be undertaken by companies,
considering the individual situation of the person responsible for the
violation. Sanctions imposed to individuals should be adequately
measured to withstand potential judicial questioning139.

139 In this regard, read, for example: MARTINS, Carlos Frederico Braga; SANTOS,
Rodrigo Victor dos. Direito concorrencial sancionador: análise das alternativas à
multa corporativa como forma de garantir o efeito dissuasório da pena. In: ATHAYDE,
Amanda; MAIOLINO, Isabela; BURNIER, Paulo (org.). Comércio Internacional e
Concorrência: desafios e perspectivas atuais. Brasília: Universidade de Brasília
Faculdade de Direito, 2019. v. 2.p.142-169.Availableat:https://c91ba030-1e79-4eb0-b196-
35407d130c35.filesusr.com/ugd/62c611_e9839ce5ebee4a28aa23c334d4023073.pdf

100 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

As for imprisonment sanctions, even though incarceration is


a powerful disincentive for anticompetitive conducts perpetrated by
businessmen,140 the fact that criminal decisions naturally take more
time to be handed down and are more costly than administrative
decisions was not overlooked, considering that the criminal procedure
has more safeguards to prevent abuses in the imposition of the
imprisonment sanction, given its severity. However, recent evidence
indicates that incarceration for cartel conducts is at a suboptimal
level.141
The high levels of recidivism also indicate that imprisonment is
not a sufficiently effective tool to prevent cartels142-143. Therefore, the
140 MARTINEZ, Ana Paula. Repressão a cartéis: interface entre direito administrativo
e criminal. 2013.Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. In Brazil, for example,
few individuals are in fact subject to incarceration, even though engaging in cartel is
a criminal felony.
141 In 2019, the OECD recommended that Brazil should foster of criminal
investigations for violations against the economic order. From the international
entity’s point of view, the Brazilian legal system has filed few cases in which cartel
practices are the exclusive focus of the government’s intention to prosecute. In OCDE.
Revisões por paresdaOCDEsobre legislaçãoepolítica de concorrência:Brasil.2019.
Availableat:< http://antigo.cade.gov.br/noticias/cade-lanca-relatorio-da-ocde-com-
analise-sobre-politica-concorrencial- brasileira/revisoes-por-pares-da-ocde-sobre-
legislacao-e-politica-de-concorrencia_-brasil.pdf>. Last Accessed on April 4, 2022.. P.
195-196. Empiric studies confirm that Cade’s convictions are at a sub-optimal level.
In this regard, read, for example: ROS, Luíz Guilherme. Criando incentivos, a partir
da Teoria dos Jogos, para celebração de Termos de Compromisso de Cessação por
Pessoas Físicas: Uma análise das Ações Penais da Lava Jato (Dissertação). Universidade
de São Paulo. 2020. P. 87.
142 In this aspect, it is relevant to mention that there is no indication that the
significative increase in the imposed fines or the increase in incarceration might
have resulted in a significative decline of cartels in the United Kingdom OFFICE OF
FAIR TRADING (OFT). The deterrent effect of competition enforcement by the OFT.
London: OFT, 2007. Available at: . Last Accessed on : April 4, 2022..http://www.oft.gov.
uk/shared_oft/reports/Evaluating- OFTs-work/oft962.pdf. Last Accessed on : April 4,
2022..
143 A study made by MARTINS and SANTOS demonstrates that the quantitative
analysis of the penalties imposed by the European Commission between 2007 and
2017, with the aim of verifying if such punishments fulfilled their goal of reducing
recidivism in antitrust violations, showed that even though the average amount
of the fines imposed in each case has increased significantly in the last decades,
recidivism was the most present aggravating circumstance in the monetary penalties
imposed by the European Commission over businesses and corporations sued by the
institution, and 25 cases of recidivism were identified in decisions regarding cartels
and abuse of dominance since 2000. The authors also ensure that, reassuring the

Estudos em Direito da Concorrência 101


Amanda Athayde

increase in the amounts of the fines imposed together with the (real or
theoretical) risk of incarceration of individuals involved in the conducts
has not been enough to prevent violations against the economic order,
which urges for the need to search for new non-monetary and no
incarceration means of sanction144 to ensure future deterrence.

1.2 OVERDETERRENCE AS AN ARGUMENT TO DEFEND


THE APPLICABILITY OF NON-MONETARY SANCTIONS

Fines imposed have real-life consequences. Sanctions must


not be greater than the social cost arising from the wrongdoing145,
considering that such costs might result in an increase in costs

apparent absence of correlation between the amount of fines and dissuasion, while
in the time period between 1969 and 2009 only 24% of cartel decisions imposed by
the Commission convicted at least one recidivistic defendant , in the period between
2006 and june 2011 the recidivism level was equally higher and was present in 40%
of decisions, even though the penalties imposed by the Commission had a spiked
increase in their amount. At last, the authors warn that the inefficacy of high-penalty
model has been addressed by several critiques in the international arena, leading to
an “increased international concern with the inefficacy of currently used antitrust sanctions,
since, inside a notion of general prevention, they should not only avoid recidivism, but also
disencourage the commission of antitrust violations, vigorously” In: MARTINS, Carlos
Frederico Braga; SANTOS, Rodrigo Victor dos. Direito concorrencial sancionador:
análise das alternativas à multa corporativa como forma de garantir o efeito
dissuasório da pena. In: ATHAYDE, Amanda; MAIOLINO, Isabela; BURNIER, Paulo
(org.). Comércio Internacional e Concorrência sobre GERADIN, Damien; SADRAK,
Katarzyna. “The eu competition law fining system: a quantitative review of the
commission decisions between 2000 and 2017”. Tilec discussion paper. 2017. desafios
e perspectivas atuais. Brasília: Universidade de Brasília Faculdade de Direito, 2019.
v. 2. p. 142-169. Available at: https://c91ba030- 1e79-4eb0-b196-35407d130c35.filesusr.
com/ugd/62c611_e9839ce5ebee4a28aa23c334d4023073.pdf sobre GERADIN, Damien;
SADRAK, Katarzyna. “The eu competition law fining system: a quantitative review of
the commission decisions between 2000 and 2017”. Tilec discussion paper. 2017.
144 OLIVEIRA, Renan Cruvinel de. Definindo Sanções Ótimas a Práticas Anticompetitivas
e Corruptas: a punição a indivíduos por meio de mecanismos alternativos. Revista
de Defesa da Concorrência - RDC, Brasília, v. 8, n. 2,p.144-163,dez.2020. Availableat:
https://revista.cade.gov.br/index.php/revistadedefesadaconcorrencia/article/
view/493. Last Accessed on : April 4, 2022..
145 COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law and Economics. Boston: Addison-Wesley,
2012, p. 469.

102 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

passed- on to consumers146 or disproportionately burden companies’


administrators, harming the economic environment147. It is important
to balance between sanctions imposed and negative social costs arising
from such sanctions, potentially identified when excessively high fines
are imposed, which may risk the continuity of the company’s activities
and harm its stakeholders.148
Legal scholars defend that the imposition of excessively high fines
may hinder licit, pro- competitive business decisions149, which makes
the joint imposition of both monetary and behavioral (obligations to

146 KOBAYASHI, Bruce H. Antitrust, agency, and amnesty: an economic analysis of the
criminal enforcement of the antitrust laws against corporations. George Washington
Law Review, v. 69, n. 5-6, pps. 715-744, 2001.
147 Ginsburg and Wright, however, ensure that there are no empirical evidences
suggesting that consumers anywhere are paying the costs of an overzealous cartel
hunting. GINSBURG, Douglas; WRIGHT, Joshua. Antitrust Sanctions. Competition
Policy International, Columbia, v. 6, n. 2, p. 3-39, 2010. Available at: https://www.
law.gmu.edu/assets/files/publications/working_papers/1060AntitrustSanctions.pdf.
Last Accessed on : 4 abril de 2022. p. No mesmo sentio, ver MARTINEZ, Ana Paula.
Repressão a cartéis: interface entre Direito Administrativo e Direito Penal. São
Paulo: Singular, 2013.
148 In our view, this concern is in line with an institutionalist view of social interests.
SALOMAO FILHO, Calixto. O novo Direito Societário. 4ª Ed. São Paulo: Malheiros,
Cap. 2 – “Interesse Social: a nova concepção”. SALOMÃO FILHO, Calixto. “Sociedades
Comerciais. Contratualistmo, institucionalismo e análise estruturalista do interesse
social”, In Teoria Crítico-Estruturalista do Direito Comercial – Obras Selecionadas,
São Paulo: Marcial Pons, 2015, pp. 159-172. NEDER CEREZETTI, Sheila C. A lei
de recuperação e falência e o princípio da preservação da empresa: Uma análise
da proteção aos interesses envolvidos pela sociedade por ações em recuperação
judicial 2009 (Tese de doutorado). Para maiores detalhes, recomenda-se ouvir o
podcast Direito EmpresarialCafé com Leite.#EP9.Available at :https://open.spotify.
com/episode/73wUWsZZsJCMwLRKfbmW0B?si=FhITWyAfSBe01KOKUu3j_w. Last
Accessed on : April 4, 2022.
149 According to Kobayashi, “Under optimal penalties theory, excessive expected
penalties must be avoided. The effects of higher than optimal penalties are collectively called
overdeterrence. Overdeterrence can result when socially efficient behavior is deterred, e.g.,
when the benefits of the deterred crime would have outweighed the costs. In addition, socially
efficient behavior can be deterred when there is a possibility of legal error, i.e., when the
criminal law is erroneously applied to legal behavior. Finally, higher than optimal penalties
induces corporations to make excessive expenditures on avoidance of sanctions, and detecting
violations by their agents. This latter cost is especially relevant when considering corporate
criminal liability”. KOBAYASHI, Bruce H. Antitrust, agency, and amnesty: an economic
analysis of the criminal enforcement of the antitrust laws against corporations.
George Washington Law Review, v. 69, n. 5-6, 715-744, 2001.

Estudos em Direito da Concorrência 103


Amanda Athayde

do/refrain from doing) sanctions150 more adequate, to the benefit of


companies and theirstakeholders.

1.3 GENERAL REFLECTIONS DEFEND THE


APPLICABILITY OF NON-MONETARY SANCTIONS

According to a structuralist perspective, the Law has the purpose


of defining market structures151, aiming at shaping such structures
around centers of power that impart anticompetitive conducts and
hinder markets. Non-monetary sanctions can also be viewed as
tools to restructure markets, that point to the deterrence of future
anticompetitive violations and to the withdrawal from market of
companies and individuals that are non-compliant with the antitrust
legislation.
Non-monetary sanctions may be able then to create structures
that prevent new violations. Restructuring the markets’ competitive
dynamics could, therefore, consist in one of the purposes of non-
monetary sanctions, fostering new entrances and, in consequence,
raising the level of rivalry in the markets affected by the violations.152

150 The concern over agency costs in the evaluation of optimal antitrust penalties also
brings attention to the fact that there is a distinction between the level of penalties
necessary for ideal dissuasion and the efficient allocation of such penalties over
corporations and individuals. The simple optimal antitrust penalty standard ignores
this distinction, and also many other complications, incorrectly, as it pushes an excess of
punishment. GINSBURG, Douglas; WRIGHT, Joshua. Antitrust Sanctions. Competition
Policy International, Columbia, v. 6, n. 2, p. 3- 39, 2010. Available at: https://www.law.
gmu.edu/assets/files/publications/working_papers/1060AntitrustSanctions.pdf. Last
Accessed on : April 4, 2022
151 One of the greatest proponents of the aforementioned structuralist school of
thought, in Brazil, is professor Calixto Salomão Filho. SALOMÃO FILHO, Calixto.
Direito concorrencial. Malheiros Editores, 2013. E SALOMÃO FILHO, Calixto. O
Novo Direito Societário: eficácia e sustentabilidade. Saraiva Educação SA, 2019.
Para maiores detalhes, ouvindo o próprio Professor Calixto, sugere-se o podcast
Direito Empresarial Café com Leite. #EP30. Available at: https://open.spotify.com/
episode/0bntEZ8NvnhO6jGLHqf96i?si=7hQ5Hr_cT6mfrQ7poN7oVQ. Last Accessed on
: April 4, 2022.
152 Forced controlling-interest alienation, for example, has been addressed by Ana
Frazão as an efficient measure against economic wrongdoing, since it modifies the
structure of the affected markets, by promoting the entrance of new players and

104 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Some scholars defend that fighting the concentration of economic


power is key to create new socioeconomic structures that prevent
abuses and future violations153, as well as implement a compliance
culture, which would lead to effective deterrence, given that violations
would no longer be considered “regular conducts”.154 In this sense,
enforcement would no longer be focused towards sanctioning isolated
events, but could in fact be a tool to modify markets structures,
competition dynamics and to deter future wrongdoings.

2. BRIEF OVERVIEW ON THE BRAZILIAN ANTITRUST


NON-MONETARY SANCTIONSAND COMPARATIVE
ANALYSIS OF OTHER JURISDICTIONS

Similarly, to the international experience, Brazil has also


preferred to impose monetary sanctions to punish individuals and
entities involved in anticompetitive conduct155. For example, in 2020,

bringing fresh air into the market with new practices, at the same time, it ensures
the corporate continuity and the fulfillment of the corporate social purpose. (Ana
Frazao em FRAZÃO, Ana. Arquitetura da corrupção e as relações de mercado. JOTA.
2016). In this sense, Calixto Salomão and Fábio Comparato argue that controlling
shareholders, whether formally or empirically, must be punished in situations in
which the control is exerted disregarding the corporate social purpose, such as in
cases regarding unlawful conducts, by being deprived of such control, which must be
expropriated and granted to another businessperson. (COMPARATO, Fabio Konder;
FILHO, Calixto Salomão. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 6ª Ed. São
Paulo. Forense. 2014. p. 478)
153 SALOMÃO FILHO, Calixto. Teoria crítico-estruturalista do Direito Comercial.
São Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 238.
154 According to Calixto Salomão, the economic theory acknowledges that players’
rationality naturally leads them to abuse. Given that Law isn’t able to discipline
economic power, because it is based on rules of conduct (focused on sanctioning
isolated actions, and also unable to discipline a continuous activity or a pattern of
behavior), corporate structure must then be disciplined by dominance relations. In
SALOMÃO FILHO, Calixto. Teoria crítico-estruturalista do Direito Comercial. São
Paulo: Marcial Pons, 2015. p. 241.
155 OLIVEIRA, Renan Cruvinel de. Definindo Sanções Ótimas a Práticas Anticompetitivas
e Corruptas: a punição a indivíduos por meio de mecanismos alternativos. Revista
de Defesa da Concorrência - RDC, Brasília, v. 8, n. 2, p. 144-163, December 2020.
Available at: https://revista.cade.gov.br/index.php/revistadedefesadaconcorrencia/
article/view/493. Last access on April 4th, 2022.

Estudos em Direito da Concorrência 105


Amanda Athayde

CADE collected as fine payments and pecuniary contributions the


total amount of BRL 355,277,506.95 (approximately USD 70.3M). The
contributions paid within the scope of agreements entered by CADE
with defendants amount to BRL 140,906,042.00 (approximately USD
27.9M). CADE’s Tribunal also judged 11 administrative proceedings
in 2020, which resulted in the conviction for payment of fines that
amounts BRL 138,477,556.16 (approximately USD 27.4M). Most of the
convictions in administrative proceedings refers to cartel practices156.
The Brazilian Competition Act (“Law 12,529/2011”) is the
applicable legal framework for the prevention and repression of
violations of the economic order in Brazil. Article 37 provides for
pecuniary sanctions for individuals and legal entities responsible
for the violations, which are the ones mostly imposed by the CADE.
Moreover, Article 38 provides additional sanctions to fines to be
imposed when necessary to punish certain anticompetitive behavior
by companies and their representatives or to deter new wrongdoers.157
This paper focuses on Article 38 of the Brazilian Competition Act,
which is the legal basis for the non-monetary sanctions.
Comparing CADE’s experience with international legislations,
it is worth noting that, in certain scenarios, Brazil is aligned with the
international best practices, but in others it may be different, either

156 BRASIL. Administrative Council for Economic Defense - CADE. Relatório


Integrado de Gestão 2020. Summarized version. p. 11. Available at: <https://cdn.cade.
gov.br/Portal/acesso-a-informacao/auditorias/2020/Relatorio-Integrado-de-Gestao-
2020-versao-resumida.pdf>. Last accees on April 4th, 2022.
157 Articles 39 to 43, in turn, provide for other measures to be taken in relation to the
behavior of defendants (individuals and legal entities) in administrative proceedings
when they jeopardize the progress of investigations or when they fail to comply with
the order of CADE’s Tribunal after the judgment of a conduct. Article 44 provides for
a specific penalty for SBDC public servants and their service providers regarding the
duty of confidentiality they have as a result of their activity. And, finally, article 45
points out the parameters to establish the dosimetry of the penalty. In addition, article
34 of Law 12,529/2011 allows the applicability of the disregard of legal personality
incident. According to such provision, the legal personality of the party responsible
for the violation to the economic order may be disregarded when there is abuse of
right, excess of power, violation of law, fact or illegal act or violation of the companies’
bylaws or articles of association. Moreover, the disregard of legal personality will also
be applied when there is bankruptcy, state of insolvency, closure or inactivity of the
legal entity caused by mismanagement, as set forth by the sole paragraph.

106 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

because CADE imposes unusual sanctions or because CADE fails to


apply non-monetary sanctions usually imposed by other authorities.
Annex I summarize the results of the comparative research.
Image 2 – Comparative analysis of the non-monetary antitrust sanctions in
the Brazilian Competition Act and other jurisdictions

effects

Source: the authors.158

158 Item I of article 38 of the Brazilian Law 12,529/2011 establishes the obligation to
release an extract of the condemnatory decision. That non-monetary penalty was
also identified in the international experience: European Union, the United States,
Canada, Japan, Australia, Uruguay, Argentina, and Colombia. Item II establishes
two combined penalties for the defendants, notably, the prohibition of contracting
with official financial institutions and the bidder exclusion at all levels of Brazilian
federation (federal, state, municipal and the Federal District). That non-monetary
penalty was also identified in the international experience: European Union
(especially in Germany, Spain and Portugal), the United States, Japan, South Korea,
Argentina and Chile. Item III provides for the possibility of the wrongdoer to be
enrolled in the National Consumer Defense Registry (Cadastro Nacional deDefesa do
Consumidor). That non-monetary penalty was not identified in any other jurisdiction.
Item IV “a” provides for the possibility of the antitrust authorities to recommend to

Estudos em Direito da Concorrência 107


Amanda Athayde

3. QUANTITATIVE ANALYSIS OF THE BRAZILIAN


ANTITRUST EXPERIENCEON NON-MONETARY
SANCTIONS BETWEEN 2012 AND 2020

Non-monetary sanctions have been applied in Brazil over the last


year. In which circumstances? How are those sanctions applied? To
whom, in terms of companies, individuals and class entities? Which
is the current state of art? Is it a consistent enforcement? Are there
bottlenecks? Are there challenges and improvements alternatives? To
answer all those questions, it was necessary to proceed an empirical
analysis. It was analyzed all the administrative proceedings judged by
CADE between 2012 and 2020 which imposed non-monetary sanctions.
In quantitative terms, it was identified159 a total of 274 antitrust
administrative proceedings judged by CADE in Brazil concerning
investigations of anticompetitive practices160 between 2012 and 2020.

the appropriate public bodies to grant a compulsory license of an intellectual property


right owned by the wrongdoer when the violation is related to the use of such right.
That non-monetary penalty was identified in foreign countries, such as in the United
States, European Union, United Kingdom, Canada, Japan, Australia, and Mexico. Item
IV “b” provides for the possibilityof the antitrust authorities not to grant the wrongdoer
installment payments of federal taxes owed by him or to cancel, in whole or in part, tax
incentives or public subsidies. That non-monetary penalty has no similar provisionsin
other jurisdictions. Item V allows CADE to impose the company divestiture, transfer of
its corporate control orthe sale of assets or partial suspension of its activity. That non-
monetary penalty was identified in the following foreign jurisdictions: in the United
States, the European Union, and the United Kingdom. Item VI authorizes CADE to
prohibit the individual wrongdoer from carrying on trade on its own behalf or as a
representative of a legal entity for a period of up to five years. That non-monetary
penalty was also identified in the international experience, in the United Kingdom,
Australia, Russia, Hong Kong, Argentina, Chile, Mexico, Sweden, Ireland, India, and
Japan. Item VII extends the competence of the antitrust authorities to impose any
other necessary act or measure for the elimination of harmful effects to the economic
order. That broad non-monetary penalty applicable for cases not covered by the
previous items, was also identified in foreign countries: in the United States, European
Union, Canada, Japan, and Australia.

159 ATHAYDE, Amanda et. al. Sanções não pecuniárias no antitruste /organização
Amanda Athayde. -- 1. ed. - São Paulo: Editora Singular, 2022.
160 It is worth mentioning that the investigation was restricted to antitrust
administrative punishments, although other types of penalties, such as criminal, civil

108 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

In 36% (99 cases) of these cases, the antitrust authority imposed non-
monetary sanctions.
Graph 1 – Number of administrative proceedings judged
by CADE between 2012 and 2020 and number of cases in
which non-monetary sanctions were imposed

Source: the authors.

As for the type of conduct, most of the cases in which the non-
monetary sanctions set forth areimposed refers to cartel practices (50%
of the cases). After that is the practice of business conduct uniform
influence (40% of the cases) and, finally, the unilateral conducts (10%
of the cases).161

and administrative in other spheres, are briefly mentioned throughout the paper in
order to deepen the debate.
161 It is worth noting that there are cases in which there was the analysis of two
different anticompetitive practices, such as cartel and uniform commercial conduct,
thus, the non-monetary sanctions were considered in both groups.

Estudos em Direito da Concorrência 109


Amanda Athayde

Graph 2 – Conducts investigated in administrative proceedings


in which non-monetary sanctions based on article 38 of
the Brazilian Competition Act were imposed

Source: the authors.

Those sanctions may be applied isolated or cumulatively, which


meant that in those 99 processes in which non-monetary sanctions
were applied, 128 sanctions were imposed, due to the application of
more than one single non-monetary sanction per case. It appears that
in 60% of the casesonly the sanctions of one of the items were imposed
and in 40% sanctions of more than one item were jointly applied. It
is worth highlighting that the numbers are strongly affected by the
data referring to the sanction set forth by item VII, which corresponds
to roughly 70% of the cases in which the sanctions were separately
applied, as shown in the following chart.

110 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Graph 3 - Isolated or jointly applicability of non-monetary sanctions


imposed in administrative proceedings between 2012 and 2020

Source: the authors.

Given these 99 cases in which the antitrust authority imposed


non-monetary sanctions, in approximately 15% (15 cases) of these
administrative proceedings, CADE imposed the sanction set forth
by item I of article 38 of the Brazilian Competition Act, which only
corresponds to 5% of the total number of administrative proceedings
judged by the antitrust authority in the relevant period162. In
approximately 18% (18 cases), which amounts approximately 6% of
the total number of administrative proceedings judged by CADE, the
sanction provided for in item II of the same article was imposed.
There is no administrative proceeding in which the sanctions provided
for in items III and IV, “a”, were imposed. Only in approximately 17%
(17 cases), which amounts to less than 6% of the total number of
administrative proceedings, CADE imposed the sanction provided
for in item IV, “b”, of the same article. In less than 1% (1 case), which

162 In the Administrative Proceeding No. 08012.008224/1998-38, which is included


in the total of 15 cases, the Reporting Commissioner did not request the publication
of the decision extract in major newspapers, but on the website of the companies.
We understand that the provision set forth by item I also applies to this case, due to
its similarity and the goal of publicity and moral constraint related to such measure.
Therefore, we understand that this case does not refer to the scenario provided for in
item VII of article 38 (VII - any other act or measure necessary for the elimination of the
harmful effects to the economic order).

Estudos em Direito da Concorrência 111


Amanda Athayde

amounts less than 0.33% of the total number of administrative


proceedings, the sanction provided for in item V was imposed. Finally,
in approximately 59% (59 cases), which amounts roughly 20% of the
total number of administrative proceedings, the Brazilian authority
imposed the sanction provided for in item VII.
Graph 4 – Non-monetary sanctions imposed by items
of Article 38 of the Brazilian Competition Act

Source: the authors.

As for the application over time, the amount of non-monetary


sanctions imposed by CADE was mostly concentrated between 2013
and 2015. In total, 6 non-monetary sanctions were imposed in 2012.The
number jumps to 51 in 2013, rising to 54 in 2014 and reaching its peak
in 2015 with 97 cases. From2016 on, there is a reduction in the number
of cases to 20, with a steady drop to 13 in 2017, 5 in 2018, reaching a
low of 3 cases in 2019. In 2020, the number rises again to 6, which
is still much lower than the number found between 2013 and 2015.
As the following graph illustrates, the total number of non- monetary
sanctions is insignificant over time if excluded sanctions imposed
based on item IV, “b”, and item VII, which largely corresponds to the

112 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

total number of cases. In addition, as the number of non-monetary


sanctions imposed by CADE based on item VII decreased from 2015
onwards, there is also a vertiginous reduction in the total number of
non-monetary sanctions over the last years.
Graph 5 – Number of non-monetary sanctions imposed by CADE for each of
the items of Article 38 of the Brazilian Competition Act per year (2012-2020)

Source: the authors.

Out of 99 cases in which CADE imposed non-monetary sanctions


set forth by one of the items of article 38 of the Brazilian Competition
Act, such sanctions were imposed against 602 defendants in total. Out
of 602 defendants, 44% (265 defendants) were companies, 38% (226
defendants) were individuals and 18% (111 defendants) were class
entities, unions, and associations.

Estudos em Direito da Concorrência 113


Amanda Athayde

Graph 6 – Defendants to whom non-monetary sanctions are


imposed in administrative proceedings between 2012 and 2020

Source: the authors.

Splitting the data according to each item, out of the 265 companies
penalized with an alternative sanction, 90 companies were punished
based on item IV, “b”; 60 on item VII of article 38 of the Brazilian
Competition Act; 38 companies on item III; 37 on item I; 29 companies
were penalized based on item II; 1 on item V; none on items IV, “a”,
and VI. Companies tend to be subjected to items IV “b” (not to grant
the wrongdoer installment payments of federal taxes owed by him or
to cancel, in whole or in part, tax incentives or public subsidies) and
VII (to impose any other necessary act or measure for the elimination
of harmful effects to the economic order), regarding non-monetary
sanctions imposed by CADE over the years.
In relation to individuals subjected to only one of the non-
monetary sanctions, 81 individuals were penalized based on item
III of article 38 of the Brazilian Competition Act; 53 on item IV, “b”;
37 individuals convicted on item II; 25 on item VII; 20 individuals
convicted based on item I; 10 on item VI; none on items IV, “a”, and
V. CADE, then, tend to impose to individuals items III (wrongdoer to
be enrolled in the National Consumer Defense Registry), IV “b” (not to
grant the wrongdoer installment payments of federal taxes owed by

114 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

him or to cancel, in whole or in part, tax incentives or public subsidies),


and II (prohibition of contracting with official financial institutions
and the bidder exclusion), as non-monetary sanctions by CADE over
the years.
Finally, concerning the trade associations, 93 were punished
based on item VII of article 38 of the Brazilian Competition Act; 11
were penalized based on item I, 4 on item II, 3 on item III, none on
items IV “a”, IV “b”, V or VI. Class entities are mostly tackled with non-
monetary fines related to itemVII (to impose any other necessary act or
measure for the elimination of harmful effects to the economic order).

4. QUALITATIVE ANALYSIS OF THE BRAZILIAN


ANTITRUST EXPERIENCE ON NON-MONETARY
SANCTIONS BETWEEN 2012 AND 2020

This Section follows to present the qualitative perspective of the


empirical research on the experience of the CADE between 2012 and
2020 on the applicability of non-monetary sanctions. DoesCADE follow
a common understanding when applying non-monetary sanctions?
Is there a standard of judgment by the antitrust authority? Are the
decisions duly motivated? Based on it, it was possible to identify the
barriers for imposing each of the items of article 38 of the Brazilian
Competition Act and to propose suggestions for better enforcement of
each legal provision of those non-monetary sanctions.

4.1 BARRIERS FOR IMPOSING ARTICLE 38, ITEM I OF


THE BRAZILIAN COMPETITION ACT AND SUGGESTIONS
FOR ENFORCING THE SANCTION OF RELEASING AN
EXTRACT OF THE DECISION IN NEWSPAPERS

As described in Section III, out of 99 cases in which CADE imposed


non-monetary sanctions between 2012 and 2022, item I of article 38
of the Brazilian Competition Act (releasing an extract of the decision

Estudos em Direito da Concorrência 115


Amanda Athayde

in newspapers) was imposed in 15 cases. There was a decrease in the


frequency this non- monetary sanction was imposed over the years by
CADE, with a sharp drop after 2013.
As pointed out by ATHAYDE, SCHWARTZ and VERGARA163,
although there is legislation and precedents both in Brazil and in the
international experience on the sanction concerning the release of
an extract of the decision in large newspapers or similar, discussions
by scholars and enforcers on the reasons for using this type of non-
monetary sanction are still initial.
The authors identified a lack of reasoning in decisions that
imposed item I sanction (releasing an extract of the decision in
newspapers) in CADE’s precedents, which weakens the sanctioning
character of the sanction related to the public constraint of the
convicted defendants, jeopardizing its effectiveness by allowing
questioning about its validity. This is due to a failure to comply with the
principle of motivation, a requirement of the state’s ius puniendi, which
gives floor for questioning the legitimacy of the sanction. Thus, it is
suggested that CADE should pay attention to the need for motivation,
as required by the Brazilian legal system when applying such sanction.
Taking that into consideration, we understand that Article 38, item I,
of the Brazilian Competition Act may be applied in cases where the
underdeterrence is the main concern.
As a reflection for international antitrust practice, considering
that jurisdictions such as United States, Canada, Japan, Australia,
Uruguay, Argentina, and Colombia also have similar provisions, it is
also relevant to reflect if the application of this non-monetary sanction
of item I (releasing an extract ofthe decision in newspapers) should be
reviewed or adapted, focusing on technology-intensive digital media
in order to have the power of reach that large circulation newspapers
had at the time of the rule’s creation. Ina society with developed

163 ATHAYDE, Amanda. SCWARTZ, Debora. VERGARA, Sofia. Da pena não pecuniária
de publicação de extrato da decisão em jornais - inciso I do art. 38 da lei n. 12.529/2011.
In Sanções não pecuniárias no antitruste. Amanda Athayde (Org.). 1. ed. São Paulo:
Editora Singular, 2022. Pp. 75-118.

116 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

information technologies such as the one we live in, in which


individuals get informed and communicate mainly through different
ways, notably, through digital platforms, such as social networks and
mobile devices, this sanctions’ relevance may come to an end.

4.2 BARRIERS FOR IMPOSING ARTICLE 38, ITEM II OF THE


BRAZILIAN COMPETITION ACT AND SUGGESTIONSFOR
ENFORCING THE SANCTION OF PROHIBITING TO ENTER INTO
A CONTRACT WITH OFFICIAL FINANCIAL INSTITUTIONS AND
PROHIBITING TO PARTICIPATE IN BIDDINGS (BIDDER EXCLUSION)

As described in Section III, out of 99 cases in which CADE


imposed non-monetary sanctions between 2012 and 2022, item II of
article 38 of the Brazilian Competition Act was imposed in 18 cases.
There was a decrease in the frequency this non-monetary sanction
was imposed over the years by CADE, with a sharp drop after 2014.
According to ATHAYDE, GURGEL, MENEZES and ABREU164,
that sanction is dual, since it may (i) prohibit to enter into a contract
with official financial institutions and it may also (ii) prohibit to
participate in biddings, applied isolated or cumulatively. Those
sanctions typically refer to the relations between private agents and
the Public Administration, in markets related to public services. The
authors argue that, given the severity of such measure, CADE seems
to be more careful when imposing it, sometimes replacing it by the
sanction set forth by item VII of the Brazilian Competition Act (“any
other necessary act or measure for the elimination of the harmful
effects to the economic order”), or opting to only for one of the two
sanctions, either isolated the (i) “prohibition to enter into contracts

164 ATHAYDE, Amanda; GURGEL, Gabriela Silva de C.B; MENEZES, Isabelle


Albuquerque; ABREU, Thaiane Vieira Fernandes de. Da pena não pecuniária de
proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e de participar de
licitações com o poder público - inciso ii do art. 38 da lei n. 12.529/2011. In Sanções
não pecuniárias no antitruste /organização Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo:
Editora Singular, 2022. Pp. 119-180.

Estudos em Direito da Concorrência 117


Amanda Athayde

with official financial institutions” or isolated the (ii) “prohibition to


participate in a bidding”,such as provided by the image below.
Taking that into consideration, we understand that Article 38,
item II, of the Brazilian Competition Act may be applied in cases
where the underdeterrence is the main concern, when fines could
be added with this non-monetary sanction, as well as in case of
general perspective, since those sanctions could be implemented as
a structural modification of the market. This sanction was imposed
in most cartel cases, probably because cartels are, for their nature,
the most severe anti-competitive conduct, which is why they fulfill
at least one of the requirements established in article 38, caput, i.e.,
the severity of the circumstances. If a cartel affects a highly relevant
market and a significant number of people, it also fulfills another
requirement established under article 38, caput, the public interest.
On the other hand, there is a concern about the previous evaluation
of the decision’s impacts on the affected market, which should refrain
from unduly interfering in the competitive aspects of such a market.
In this sense, the authors noted that CADE has imposed this sanction,
especially against cartel leaders, to punish the most severe conduct.
At the same time, CADE warned other players about the risks of
participating in anti-competitive behavior and avoid eliminating too
many players from the market at once, which could lead to supply
restrictions in some cases.
Image 3 – Dual application: prohibiting to enter into a contract with official
financial institutions and prohibiting to participate in biddings (bidder
exclusion)

Source: the authors

118 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Moreover, interesting to note that the (i) sanction that provide for
a suggestion from CADE to the official financial institutes prohibition
of contracting is far beyond the antitrust field. That leads to the fact
that other authorities are not bounded by its decision. Therefore, it is
essential that any broad sanction that requires measures to be taken
by other authorities must be previously aligned so that the sanction is
enforceable.
As a reflection for international antitrust practice, considering
that jurisdictions such as European Union (especially in Germany,
Spain and Portugal), the United States, Japan, South Korea, Argentina
and Chile also have similar provisions to the (ii) sanction that provides
for the prohibition to participate in biddings (bidder exclusion), it is
possible to recommend best practices for this sanction:

• Analyze the proportionality of the sanction,


especially with regard to the impact on
markets directly and indirectly affected by the
decision of the antitrust authority, as well as its
socioeconomic consequences.
• Previously to its application, doing a market
analysis. By prohibiting certain companies
from participating in biddings, there would not
be enough companies left able to compete for
the provision of services, which could generate
adverse impacts on the sector and on the
provision of the service itself.
• That sanction could be applied not to all the
defendants, but only to the ones mainly involved,
typically referred as the leaders of the cartel.
• The duration of the sanction could be designed
according to the characteristics of the perpetrated
conduct and should not have a standard
application of the maximum time.
• Other obligations could be imposed
simultaneously to deter such companies to
performnew anticompetitive practices, such as

Estudos em Direito da Concorrência 119


Amanda Athayde

an additional imposition to implementing an


effective compliance program.
• Extension of the prohibition of participation
in bids also to companies in which individuals
involved in the previous wrongdoing have any
type of shareholding, managerial role or de facto
representatives, so as the penalty is not bypassed.

4.3 BARRIERS FOR IMPOSING ARTICLE 38, ITEM III OF THE


BRAZILIAN COMPETITION ACT AND SUGGESTIONSFOR
ENFORCING THE SANCTION OF ENROLLING THE WRONGDOER
IN THE NATIONAL CONSUMER DEFENSE REGISTRY

As described in Section III, out of 99 cases in which CADE


imposed non-monetary sanctions between 2012 and 2022, item III of
article 38 of the Brazilian Competition Act (sanction of enrolling the
wrongdoer in the National Consumer Defense Registry) was imposed
in 15 cases. There was a decrease in the frequency this non-monetary
sanction was imposed over the years by CADE, with a sharp drop after
2016.
As identified by ATHAYDE, COSTA, DOMINGUES and
MEDEIROS165 the barrier forimposing the sanction in Brazil is formal.
Such a register is not in operation up today due to the lack of bylaws
regulating this official registry. The authors suggest the registry to be
made operational throughthe regulation of the item or a new agreement
with the consumer authority that must be involved on the matter, so
that measure shall be effectively used as a deterrent tool in favor of
the antitrust policy. Taking that into consideration, we understand that

165 ATHAYDE, Amanda; COSTA, Jéssica Coelho; DOMINGUES, Juliana Oliveira;


MEDEIROS, Patrícia Arantes de Paia Da pena não pecuniária de inscrição do infrator no
Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor - inciso III do Art. 38 da lei n. 12.529/2011.
In: Sanções não pecuniárias no antitruste /organização Amanda Athayde.
-- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular, 2022. Pp. 181-200.

120 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Article 38, item III, of the Brazilian Competition Act may be applied in
cases where the underdeterrence is the main concern.
Although it is not the focus of the investigation here presented,
practical issues not consideredby CADE might also constitute a barrier
to the imposition of the non-monetary sanction of bidder exclusion.
Among these barriers, the antitrust authority should measure its
impact on the incentives for the wrongdoer to apply for an antitrust
leniency program. Also, the antitrust authorities should consider
typical concerns related to the imposition of administrative sanctions,
such as bis in idem, standard of proof, and conflict of competence,
which might lead to judicial review of their decisions.
As a reflection for international antitrust practice, it is interesting
noting that no other jurisdiction has similar provision. Despite being
a pioneering tool from the competition point of view and promising
for the fight against violations of the economic order, the absence of
bylaws regulating this official registry suggests a lack of priority with
respect to the registry to strengthen the enforcementof antitrust policy
and may be a sign that this sanction is outdated.

4.4 BARRIERS FOR IMPOSING ARTICLE 38, ITEM


IV, “A”, OF THE BRAZILIAN COMPETITION ACT AND
SUGGESTIONS FOR ENFORCING THE SANCTION OF
GRANTING COMPULSORY LICENSE FOR INTELLECTUAL
PROPERTY RIGHTS HELD BY THE WRONGDOER.

As described in Section III, out of 99 cases in which CADE


imposed non-monetary sanctions between 2012 and 2022, there
was no case in which the item IV, “a”, of article 38 of the Brazilian
Competition Act was applied. The sanction of granting compulsory
license of intellectual property rights held by the wrongdoer has
never been imposed in Brazil, although there are precedents in other
jurisdictions such as United States, European Union, United Kingdom,
Canada, Japan, Australia, and Mexico.

Estudos em Direito da Concorrência 121


Amanda Athayde

As argued by ATHAYDE, SEGALOVICH and FERNANDES166, in


Brazil it is properly up to the National Institute of Industrial Property
(Instituto Nacional de Propriedade Intelectual – “INPI”) “to draft, at the
national level, the rules that regulate industrial property in view of
its social, economic, legal and technical goals”, pursuant to article 2
of Law 5,648/1970. The decision handed down by CADE within the
scope of an administrative proceeding, therefore, only recommends
the compulsory licensing. To enforce that decision, its potential
beneficiary shall file a request for compulsory license before INPI,
so that the conditions and royalties set forth by intellectual property
law are fulfilled167. Therefore, the authors question the adequacy of
this provision in Brazil and what can be done to make such sanction
more appropriate and useful. One possible path, according to them,
is the creation of a specific procedure, executed by CADE itself, to
implement what it recommends to INPI. Another would be to ensure
the coordination among both authorities, either by modifying the

166 ATHAYDE, Amanda; SEGALOVICH, Daniel; FERNANDES, Luana Graziela A. Da


pena alternativa de recomendação de licença compulsória de direito de propriedade
intelectual – inciso IV, a) do art. 38 da lei n. 12.529/2011. In: Sanções não pecuniárias
no antitruste /organização Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular,
2022. Pp. 201-240.
167 Therefore, it is worth noting that there is no provision for a specific procedure
for the compulsory licensing of intellectual property rights due to abuse of economic
power. The law is limited to giving CADE exclusive authority to judge the abusiveness
of the exploitation of intellectual property rights, while INPI is only responsible
for verifying the fulfillment of legal requirements by the party that, armed with an
administrative decision issued by CADE, applies for compulsory licensing. Although
CADE and INPI entered into a Technical Cooperation Agreement in 2018, its object is
restricted to the exchange of technical subsidies and to the strengthen the relationship
between the two agencies, without drawing the limits of competence of each one of
them. Since the limits of action between the two agencies are unclear, it must be
recognized that this is still a nebulous field for the application of Competition Act.
Therefore, as much as provided for in the national legal system, the penalty of item IV,
“a”, of article 38 of Law 12,529/2011 concerning the recommending of the compulsory
licensing of the intellectual property right would still require that barriers to scientific
development are overcame by CADE’s Tribunal for its effectiveness, as well as that the
tribunal evaluate questions related to administrative nature on the willingness and
ability of the agency to monitor its implementation and cooperate with other public
entities. Therefore, the future of the discussions and its eventual implementation in
Brazil should be monitored. ATHAYDE, Amanda et. al. Sanções não pecuniárias no
antitruste /organização Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular, 2022.
Pp. 201-240.

122 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Brazilian Competition Act or by creating specific soft law on this


specific subject.
Taking that into consideration, we understand that Article
38, item IV, “a”, of the Brazilian Competition Act may be applied in
cases where the underdeterrence is the main concern, when fines
could be added with this non-monetary sanction, as well as in case of
general perspective, since those sanctions could be implemented as a
structural modification of the market.

4.5 BARRIERS FOR IMPOSING ARTICLE 38, ITEM IV,


“B”, OF THE BRAZILIAN COMPETITION ACT AND
SUGGESTIONS FOR ENFORCING THE SANCTION OF
NOT GRANTING FEDERAL TAX INSTALLMENTS OR
CANCELING TAXINCENTIVES OR PUBLIC SUBSIDIES

As described in Section III, out of 99 cases in which CADE


imposed non-monetary sanctions between 2012 and 2022, item IV,
“b” of Article 38 of the Brazilian Competition Act (not granting federal
tax installments or canceling tax incentives or public subsidies), was
imposed in 17 cases. There was a decrease in the frequency this non-
monetary sanction was imposed over the years by CADE, with a sharp
drop after 2015. As a reflection for international antitrust practice, it
is interesting noting that no other jurisdiction has similar provision.
As argued by ATHAYDE, VIEIRA and DA ROCHA168, such sanction
is seen as a support to the fines, to better deter future anticompetitive
practices, grounded on the underdeterrence perspective. In addition,
given the severity of the circumstances and public interest, some of the
decisions fundamented the imposition of the non-monetary sanction,
jointly with and complimentary to fines, onthe need to prevent public

168 ATHAYDE, Amanda; BIEIRA, Bruno Rodrigues; ROCHA, Camila Pires da. Da
pena não pecuniária de não concessão de parcelamento de tributos federais ou de
cancelamento de incentivos fiscais ou subsídios públicos – inciso IV b) do art. 38 da
lei n. 12.529/2011. In: Sanções não pecuniárias no antitruste /organização Amanda
Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular, 2022. Pp. 241-270.

Estudos em Direito da Concorrência 123


Amanda Athayde

resources from being used for the wrongful conduct under analysis.
Some of the conducts reviewed by CADE were considered particularly
harmful due to advantages obtained from the violation in collusion
with the Public Authorities, which affected other legal spheres and
called fornon-monetary sanctions.
In the Brazilian experience, it turns out that one of the main
barriers imposed to the enforcement of such sanction is that the
recommendation that can only be put in practice by the Federal
Revenue ofBrazil (Receita Federal do Brasil – “RFB”), a different authority,
which similarly occurs regarding itemII and item IV, “a” of article 38 of
the Brazilian Competition Act, previously described.
The authors questioned RFB’s official understanding on CADE’s
recommendation. The answer was that RFB does not consider
CADE’s recommendation a sufficient reason for implementing such
restrictions, which demonstrates a clear misalignment between
the authorities. RFB informed that the law that grants the benefit
of tax installment expressly provides for the sanctions arising from
noncompliance with the precepts it establishes. In addition, it is
understood that any recommendation by CADE, by itself, does not
constitute grounds to reject requests for payment of tax debts in
installments or for cancelling tax benefits granted to wrongdoers.
In other words, as the authors conclude, the current wording of the
Brazilian Competition Act cannot even be implemented when it comes
to prohibiting the taxes payment in installments.
In this context, the authors suggest that CADE’s recommendation
should have greater adherence to the case and not have its imposition
justified by a generic objective of discouraging the adoption of
anticompetitive practices. Thus, it would be more coherent that the
imposition of this non-monetary sanction would be limited to situations
in which direct damage to public resources is demonstrated, such as
in situations involving bids carried out by public entities, for example.
Moreover, it is understood necessary an institutional alignment169

169 ATHAYDE, Amanda; GONÇALVES, Guilherme Antônio; TANUY, Isabella; SOUZA,


Renata Gonsalez de Souza. Da pena não pecuniária de alienação de ativos – inciso V do

124 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

between CADE and the RFB, so that CADE’s recommendation may be


accepted and implemented.

4.6 BARRIERS FOR IMPOSING ARTICLE 38, ITEM V OF THE


BRAZILIAN COMPETITION ACT AND SUGGESTIONSFOR
THE ENFORCEMENT OF THE SANCTION CONCERNING
THE COMPULSORY DIVESTITURE OF ASSETS

As described in Section III, out of 99 cases in which CADE


imposed non-monetary sanctions between 2012 and 2022, item V of
article 38 of the Brazilian Competition Act (compulsory divestiture of
assets) was imposed in only 1 case.
The barriers for CADE to impose the sanction of compulsory
divestiture of assets refers to the difficulty of justifying the
proportionality of such measure, so that the intervention of public
authorities is legitimate and supports possible challenges before
the Judiciary Branch. As stated by ATHAYDE, GONÇALVES, TANUY
and SOUZA170, the few cases in which CADE imposed this sanction is
a result of the complexity of its imposition and enforcement. On one
hand, these measures may involve lower costs (structural sanctions),
given that they do not require continuous monitoring of compliance
(compared to behavioral sanctions). On the other one, as it impacts
in a more intensive way the competition concern, it is possible that it
is imposed disproportionately, resulting in negative consequences, or
even becoming unfeasible.
As a reflection for international antitrust practice, considering
that jurisdictions such as United States, the European Union, and
the United Kingdom also have similar provision, it is essential that

Art. 38 da lei n. 12.529/2011 In: Sanções não pecuniárias no antitruste /organização


Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular, 2022. Pp. 271- 308.
170 ATHAYDE, Amanda; GONÇALVES, Guilherme Antônio; TANUY, Isabella; SOUZA,
Renata Gonsalez de Souza. Da pena não pecuniária de alienação de ativos – inciso V do
Art. 38 da lei n. 12.529/2011 In: Sanções não pecuniárias no antitruste /organização
Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular, 2022. Pp. 271- 308.

Estudos em Direito da Concorrência 125


Amanda Athayde

objective criteria is defined for such sanction to be imposed, even if


exceptional, and that they ensure predictability and legal security to
the administrators so that the intervention is effective and legitimate.
In line with this, abuses by authorities can also be restrained to protect
the rights of the convicted defendants.
The reasoning behind the imposition of the sanctions established
under article 38, V, of the Brazilian Competition Act, in the one case in
which CADE carried out a substantive analysis about the imposition of
non-monetary sanctions, relates both to the general perspective and
the underdeterrence perspective. Regarding the former, the decision
held that a fine would not be sufficient, considering that measures
to ensure the entrance of new players were necessary. Moreover, it
held that more than the entry of new players alone would be needed
to increase competition, considering that, depending on their size,
other players might exclude the entrants. Therefore, it would be
necessary to divest enough tangible and intangible assets to allow
effective competition, considering the throughput capacities of the
affected markets. As a result of the divestments, CADE expected
an increase in the number of players, a decrease in HHI, and an
increase in price elasticity, increasing competition in the sector. The
imposition of this exceptional measure is due to, e.g.: (i) the duration
of the cartel; (ii) the stability of the cartel; (iii) the structure and level
of refinement of the anti-competitive conduct; (iv) the effects of the
cartel, evidenced in the course of the investigation; and (v) the impacts
of the conduct on market structure. Therefore, the disruption of the
markets would be the only measure able to hinder the continuity of
the cartel by altering the dynamic of the affected markets. Because of
its duration and stability, the cartel shaped how the affected markets
worked. Therefore, the imposition of fines alone would be ineffective
in deterring the collusive conduct, given that players would be able
to pay and continue to perpetuate the same conduct in an unaltered
market structure. In this sense, the only way to deter players from
adopting anti-competitive practices would be to disrupt the market
established throughout decades. According to CADE, that could be

126 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

achieved through divestments allowing new players to enter the


market, altering its structure, and increasing rivalry.

4.7 BARRIERS FOR IMPOSING ARTICLE. 38, ITEM VI OF


THE BRAZILIAN COMPETITION ACT AND SUGGESTIONS
FOR ENFORCING THE SANCTION OF PROHIBITION
TO CONDUCT BUSINESS ON ITS OWN BEHALF OR
AS A REPRESENTATIVE OF A LEGAL ENTITY

As described in Section III, out of 99 cases in which CADE


imposed non-monetary sanctions between 2012 and 2022, item VI of
article 38 of the Brazilian Competition Act was imposed in 3 cases.
Initially it is important to understand that this is a sanction designed
specifically to individuals. This can be understood as a dual sanction:
(i) a secondary sanction, consistent of a consequence of another
conviction applied by the judicial system; or (ii) a primary sanction,
applied by the antitrust authority.
On one side, as a (i) a secondary sanction, an individual may be
subject to a secondary sanctiondue to its prior conviction according to
another legislation. That would be the case, for instance, of theBrazilian
Civil Code (Art. 1,011), which provides that a conviction of a manager
for insolvency crimes, prevarication, bribery, embezzlement, crimes
against the financial system, against the competition, the consumers,
would not be allowed to be companies’ managers. Similarly, the
Brazilian Corporation Act (Law No. 6,404/76) provides that individuals
convicted for similar crimes would not be allowed to be managers in
stock companies (Art. 147). Finally, the Brazil Solvency Act provides
that one consequence of the conviction for its crimes would be the
disqualification to conduct business activities, the impediment to be a
board member and the impossibility to manage business.
By the other side, as a (ii) primary sanction, it would be applied
by the authority itself, independently and as a direct consequence of
the wrongdoing. Brazil’s Competition Act is not the onlylegislation that

Estudos em Direito da Concorrência 127


Amanda Athayde

provides for such sanction in the country. The Brazilian Central Bank
(“BC”) as well as the Brazilian Securities and Exchange Commission
(“CVM”) may apply a sanction to disqualify an individual to act as
manager or board member for up to 20 (twenty) years. Similarly,
the Financial Activities Control Council (“COAF”) may apply
disqualification sanctions to individual for up to 10 (ten) years. Also,
it is possible that professional entities, based on sectoral private
autoregulation applicable to the wrongdoer’s job, prohibit him from
exercising exclusive activities of the relevant profession. The Brazilian
Competition Authority CADE has the competence to apply this type
of primary sanction, prohibiting individuals to conduct business on
its own behalf or as a representative of a legal entity for up to 5 (five)
years.
Image 4 – Primary and secondary effects of the sanction: prohibition to
conduct business on its own behalf or as a representative of a legal entity

Source: the authors

This (ii) primary sanction may face two possible interpretations.


It can be applied as a (ii.1.) prohibition to conduct business, as well as
(ii.2.) professional disqualification.
The (ii.1.) prohibition to conduct business has been interpreted
by CADE as a prohibition to bean administrator as well as a prohibition
even to be a shareholder. It is uncertain, however, the extension of this
prohibition. Would it restrict acting as a representative of the company?

128 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Would it prohibit the individual to open any other business, even


individually as an entrepreneur? Due to the lack of effectiveapplication
of this sanction by CADE and the Companies’ Commercial Registry,
those questions remain unanswered. That should not prevent, in our
view, the possibility to hold shareholdings without havingany business
decision power, otherwise that could even undermine the companies’
ability to attract capital to perform its activities. The question remains
when it relates to a concentrated controller: could an individual
prohibited to conduct business be allowed to be a shareholder with
control power? The question also remains unanswered.
Additionally, the (ii.2.) professional disqualification sanction
specifically relates to specific positions within a company, such as
being administrator, a board member, audit committee member,
director of companies in the financial sector, administrator of stocked
companies, etc. This latest one seems to be narrowly applied, even
though its impact may be even more powerful in the individual’s
sanctioned life.
Image 5 – Dual application: prohibition to conduct business on its own behalf
or as a representative of a legal entity

Source: the authors

Estudos em Direito da Concorrência 129


Amanda Athayde

ATHAYDE, CAUHY and DE ASSIS171 discuss the difficult


enforcement of the sanction of (ii.1.) prohibition to individuals to
conduct business activities as a tool to deter anticompetitive conducts,
for example in cases in which the wrongdoers are foreign, are not
managers of companies in which they carried out the conduct or
do not intend to conduct business in their own behalf. Given the
peculiarities presented by the authors, a possible measure in cases in
which the investigated individuals do not hold management positions
or will not conduct business activities to ensure enforcement of the
sanction, would be its extension to the professional disqualification.
As argued by the authors, on one hand, the prohibition of carrying
on trade would avoid the convicted individual from establishing a
company in his own behalf and from occupying a manager position
at companies. The authors of the paper, therefore, point out that the
sanction and prohibition to conduct business is not common in foreign
jurisdictions.
On the other one, the sanction of (ii.2.) professional
disqualification would prevent theconvicted individual from exercising
certain positions or functions within the company, such as manager
and member of the board of directors, or certain positions in specific
markets, such as manager of financial institutions or of companies in
the capital market, for example. Therefore, the sanctions result in
different prohibitions, but both provides for the prohibition of the
exercise of management activities. The authors identified in several
jurisdictions the sanction of professional disqualification, such as
United Kingdom, Australia, Russia, Hong Kong, Argentina, Chile,
Mexico, Sweden, Ireland, India, and Japan. However, the authors
highlight that the sanction, especially in cases where they extend
over time, should be imposed with caution and only in severe cases,

171 ATHAYDE, Amanda; CAUHY, Bárbara De’Carli; ASSIS, Larrisa Salsano de. Da
pena não pecuniária de proibição de exercer comércio em nome próprio ou como
representante de pessoa jurídica – inciso vi art. 38 da lei n. 12.529/11. Sanções não
pecuniárias no antitruste /organização Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora
Singular, 2022. Pp. 309-368.

130 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

given that many years out of the market could make the re-entry of a
professional unfeasible.
Applying the disqualification sanction would be relevant on
the underdeterrence perspective in as support to enforce antitrust
rules to individuals, and it may be an alternative to overdeterrence of
companies, whenever the circumstances of the case suggest that the
company did all its best efforts to prevent the wrongdoing, but still
the person performed it. As a reflection for international antitrust
practice, considering that jurisdictions also have similar provisions
to the (ii.2.) professional disqualification, it is possible to recommend
best practices for this sanction:

• Analyze prior to the application the degree of


participation of the individual.
• Analyze prior to the application the position
occupied by the individual during the committed
wrongdoing.
• Project the probability of recidivism by the
individual, considering the evidence of thecase.
• Preventing the application in cases where there are
no positive outcomes of the sanctionin the market,
due to the risk of sounding disproportionate if
questioned by the judicialsystem.
• Preventing the application when the professional
disqualification may constitute a lifepenalty for
the individual.
• Strengthening of the interconnections with class
entities.

The substantive analysis carried out by CADE to explain the


imposition of non-monetary sanctions established under article
38, VI, of the Brazilian Competition Act can be attributed to the
underdeterrence perspective, which refers both to the public interest
and the severity of the circumstances criteria. The decision handed
down in the administrative proceeding explained only the grounds

Estudos em Direito da Concorrência 131


Amanda Athayde

related to the severity of the circumstances standard, showcased in


the considerations about the very long duration of the cartel, with
individual actions taken by the persons involved in the conducts, in the
extensive period. As for the analysis of the grounds for the imposition
of sanctions established under article 38, VI, two primary purposes
can be identified: deterrence, concerning the effectiveness of the
sanctions, and punitive, to severely punish the primary wrongdoers
involved in the conduct. Additionally, this sanction could be intented
to apply more severe sanctions to individuals instead of overenforcing
companies, and in this sense this could be seen as an alternative to
companies overenforcment as well.

4.8 BARRIERS FOR IMPOSING ARTICLE 38, ITEM VII OF THE


BRAZILIAN COMPETITION ACT AND SUGGESTIONS FOR
THE ENFORCEMENT OF THE SANCTION THAT IMPOSES ANY
OTHER NECESSARY ACT OR MEASURE FOR THEELIMINATION
OF HARMFUL EFFECTS TO THE ECONOMIC ORDER

As described in Section III, out of 99 cases in which CADE


imposed non-monetary sanctions between 2012 and 2022, item VII of
article 38 of the Brazilian Competition Act was imposed in 59 cases.
There was a decrease in the frequency this non-monetary sanction
was imposed over the years by CADE, with a sharp drop after 2015.
Despite the open language of the rule that allows the application
of “any other necessary act ormeasure for the elimination of harmful
effects to the economic order makes possible”, CADE has imposed it
quite limitedly and focusing on certain conducts. As ATHAYDE and
BINOTTO reveal172, the measures imposed based on this item VII are
usually succedaneums of similar other non-monetary sanctions set

172 ATHAYDE, Amanda; BINOTTO, Anna. Da pena não pecuniária de imposição de


qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à
ordem econômica - inciso VII do art. 38 da lei n. 12.529/2011. Sanções não pecuniárias
no antitruste /organização Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular,
2022. Pp. 369-407.

132 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

forth by article 38 of the Brazilian Competition Act. For example, in


cases involving influence of uniform conduct, CADE has imposed the
obligation to inform associates on the matter, which is very similar
to the provision established in item I of article 38 of the Brazilian
Competition Act. In other cases, CADE imposed an obligation to
deter performing any acts which could result in uniformization
or coordination of business conditions by associates of the trade
associations, such as publishing a price table, collective bargain and
other practices related to the hindering of rivalry by sectorial entities.
Additionally, in other cases, CADE imposed the obligation to cease the
practice. All those sanctions may be understood as succedaneums of
the core sanction applied by CADE, designed to better implement the
decision.
In a few cases there have been other behavioral sanctions, such
as the obligation to amend the contract with its distribution network
not to provide exclusivity anymore, to exclude a contractual clause
that prevented associates to provide their services to other entities or
the amend a Collective Labor Agreement. The only case thar seems
to have deviated from this tendency is the one thar provided that the
companies convicted in a long-term cartel would not be allowed to
present future mergers and acquisitions, would also be consistent
with the other divestiture sanction applied by CADE.

Estudos em Direito da Concorrência 133


Amanda Athayde

Image 6 – Any other necessary act or measure for the elimination of harmful
effects to the economic order

Source: the authors.

Those results suggest that, despite its broad wording, CADE has
not been creative when imposing it, which may be a result of the lack
of in-depth analysis of the impacts of possible measures on economic
activities, to the detriment of their effectiveness. This differs from
the experience in other jurisdictions, which effectively use a similar
provision to tailor maid the sanctions to the specificities tothe case, as
in the United States, European Union, Canada, Japan, and Australia.
It can be argued then that the general perspective grounds the
imposition of sanctions established under item VII of Article 38 of the
Brazilian Competition Act since, in the only decision that seems to
have diverted from the general trend of only imposing that defendants
cease the ongoingconducts, CADE banned future mergers and imposed
divestment obligations. On that occasion, CADE held that the market
structure, marked by cross-shareholdings between competitors and
vertically related companies, fostered and enabled the maintenance
of anti-competitive conduct. Therefore, the termination of those
structural relations was a key point of CADE’s decision.

134 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

5. SOME INTAKES REGARDING PERSPECTIVES FOR


THE STRENGTHENING ANTITRUST ENFORCEMENT
THROUGH NON-MONETARY SANCTIONS

Based on the three perspectives on underdeterrence,


overdeterrence and general perspective on the applicability of non-
monetary sanctions (Section I), the overview of the non-sanctions
(Section II) and the quantitative and qualitative analyses of CADE’s
experience applying non-monetary sanctions from 2012 and 2020
provided in article 38 of the Brazilian Competition Act (Sections III
and IV), it ispossible to resume and understand that CADE’s decisions
are essentially based on the underterrence perspective, considering
that their reasoning for the imposition of the sanctions consists of the
severity of the circumstances and public interest. The findings point
to the insufficiency of monetary sanctions to address the severity
of the cases at hand, which demanded the imposition of alternative
sanctions established under our legislation.

Estudos em Direito da Concorrência 135


Amanda Athayde

Image 6 – Non-monetary sanctions and underdeterrence, overdeterrence


and general perspective on its applicability

Source: the authors

Considering the non-monetary sanctions established under


Brazilian legislation, the investigation presented, as well as the
suggestions to enhance their enforcement and effectiveness, the
following section of this paper reviews some other types of sanctions,
presenting its pros and cons, focused on individuals173, which have

173 As argued by ATHAYDE and CRUVINEL, “such penalties, focused on individuals,


increase the probability and the magnitude of reputational sanctions imposed by
the labor market. The increase in reputational penalties not only might increase
deterrence, but also reduce the amount of fines required, and the incarceration
period required in order to obtain any level of deterrence. Replacing or dismissing
managers in a company, also, might be an efficient alternative, regarding not only
punishment, but also interrupting unlawful practices. Therefore, it is necessary to
evaluate in which manner the imposition of penalties on individuals, with a strong
reputational element, might be an appropriate alternative for such penalties. All those
alternatives are quite severe and affect the life of those involved, in a manner in which
there may be questionings regarding its exclusively punitive nature.” in ATHAYDE,
Amanda; OLIVEIRA, Renan Cruvinel de. Sanções não pecuniárias no antitruste
/organização Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular, 2022. Pp. 11-74.
In this sense, also read: GINSBURG, Douglas; WRIGHT, Joshua. Antitrust Sanctions.

136 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

never been imposed in antitrust context: forced divestment of


controlling stakes (V.1.), piercing of the corporate veil (V.2.) and liability
of administrators and controlling shareholders (V.3.). Such sanctions
could be imposed based on article 38, VII, of the Brazilian Competition
Act, and could deviate from the tendency previously mentioned to be
preocupiedmainly with underdeterrence of the companies.

5.1 FORCED DIVESTMENT OF CONTROLLING STAKES

As previously mentioned, Article 38, item V of the Brazilian


Competition Act establishes the possibility of imposing “transfer of
corporate control” sanctions, sale of assets, or partial interruption of
activity. CADE only imposed the divestment sanctions (cease of assets)
on one occasion174. On another occasion, determined, in the scope of
a settlement agreement, the shared infrastructure management175,
even though it cannot be identified as a non-monetary sanction in this
study, despite similarities between both sanctions. The challenges of
imposing such sanctions are also fundamental in the scope of the
Brazilian Anticorruption Act.
As discussed by ATHAYDE and CRUVINEL176, on the one hand,
the forced divestment of controlling stakes can be seen as an efficient
tool to ensure structural modifications to markets affected by the
conduct, contributing to the general perspective mentioned in Section
I. It could foster changes in the players’ behavior, altering their
internal structure of the company, bringing fresh air into the market
Competition Policy International, Columbia, v. 6, n. 2, p. 3-39, 2010. Available at: https://
www.law.gmu.edu/assets/files/publications/working_papers/1060AntitrustSanctions.
pdf. Last Accessed on : April 4, 2022..
174 In this regard, read the chapter that addresses item V, article 38 of the Brazilian
Competition Act, in ATHAYDE, Amanda et. al. Sanções não pecuniárias no antitruste
/organização Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular, 2022.
175 CADE. Processo Administrativo 08012.004430/2002-43. Relator: Márcio de
Oliveira Júnior. Julgado em 25 mar. 2015.
176 ATHAYDE, Amanda; OLIVEIRA, Renan Cruvinel de. Sanções não pecuniárias no
antitruste /organização Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular, 2022.
Pp. 11-74.

Estudos em Direito da Concorrência 137


Amanda Athayde

with new practices, and ensuring the maintenance of companies’


activities and the fulfillment oftheir social purpose. In this sense, when
there is evidence that the company, the controlling shareholder,and
the administrator may be the same entity, the transfer of control may
deprive the wrongdoer of their means to perpetrate violations, the
controlling interest. It also may hinder the individual of its influence
on the company, which would force changes to the company’s
organizational culture, avoid recidivism of the violation, and, at the
same time, prevent the conduct from happening again.
On the other hand, according to the authors, some arguments
suggest that forced divestment of controlling stakes may be excessive
state intervention in corporations. Some challenges relate to
assessing the proportionality of this sanction and the severity of
its effects that might be more burdensome than the circumstances
require. At the very least, it may drive out investors, given potential
discretionary interferences to public authorities not familiar to the
business realities. Moreover, even ifremoving the wrongdoer from the
company is fulfilled to protect its stakeholders, the company might
only succeed with its former controller, due to its personal impact on
the history and on the present contracts of the firms. Examples are
corporations with few shareholders, e.g., family businesses, where
the relations between shareholders, clients, and creditors are close.
That is a differente style of shareholding then that with is common in
countries as the USA, where companies shareholdings are dispersed.
In countries where the the capital is typically concentrated, this type
of non-monetary sanctions may be effective and powerful, but could
backlash the purpose of the company.
Even though this sanction might lead to market restructuring,
another reason why forced divestment of controlling stakes demands
caution is that it might undermine shareholders’ trust in the company,
which is necessary for them to invest in corporations. That might lead
to even more concentration of capital, potentially causing an increase

138 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

in abuses of power that constitute wrongful conduct.177 Still, it might


decrease or discourage innovation, especially considering that such
remedies might be susceptible to errors.
Forced divestment of controlling stakes might also result
in relevant judicial or arbitration disputes regarding the amount
correspondent of the divested shares, given that a “control prize”178.
There is a huge avenue then on the operational difficulties of its
implementation in Corporate Law.
Finally, ATHAYDE and CRUVINEL179 question whether forced
divestment of controlling stakes could be imposed by CADE, given that
the Brazilian Competition Act does not expressly provideit. Even though
article 38, V, of the Brazilian Competition Act, includes the possibility of
“transfer of corporate control”, which demonstrates that the legislator
identified a connection between the use of corporate control and
anticompetitive conduct, and also that it is an open provision, it would
be desirable to have precise definitions in antitrust legislation about
the applicability or not of this sanction. In this sense, it is essential to
discuss its effectiveness, the pros and cons of this kind of sanction, and
to consider if potential modifications to improve the current wording
of the Brazilian Competition Act would be appropriate, in line with the
discussions that have been raised about the Anticorruption Act.

177 According to Berle and Means, and later extended by other scholars, there was
a division, inside the corporate structure, of ownership and control. According to
them, due to the scattered nature of shareholding, at the beginning of the XX century,
Corporate Law structured tools that would allow handling over corporate leadership,
given that all shareholders could not exert leading power. In this regard, read BERLE,
A., & MEANS, G. The modern corporation & private property. Hartcourt: Brace &
World. 1932.
178 The “control prize” is an additional amount attributed to the controlling
shareholder’s shares, given that they grant the right to exert corporate control, which
is handed over to the buyer of the shares by the market. In such cases, there is an
anticipation of the future benefits that the company’s controlling role will provide.
179 ATHAYDE, Amanda; OLIVEIRA, Renan Cruvinel de. Sanções não pecuniárias no
antitruste /organização Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular, 2022.
Pp. 11-74.

Estudos em Direito da Concorrência 139


Amanda Athayde

5.2 PIERCING OF THE CORPORATE VEIL

Article 34 of the Brazilian Competition Act established that, in


addition to the financial sanctions provided under Article 37 and the
non-monetary sanctions provided under Article 38, the corporate veil
might also be pierced. Under the terms of article 34, the “corporate
veil” of wrongdoers may be lifted for violations of the economic order
upon abuse of rights, abuse of power, violations of the Law, illicit acts
or facts, and/or violations of the bylaws or articles of association.
In such cases, there would be an abuse of ownership unbundling
between the corporation and its shareholders, which inappropriately
transferred risks taken by shareholders to the company’s creditors.
Lifting the corporate veil could also be carried out, according
to article 34, sole paragraph, in case of bankruptcy, insolvency,
closure, or downtime triggered by corporate mismanagement. This
hypothesis seems to be, in principle, aligned with the “minor piercing
of the corporate veil” theory180, which entails a waiver of the need to
demonstrate the power abuse for this measure to be imposed and
a release of the legal procedures established under article 50 of the
Brazilian Civil Code and Articles 133 through 136 of the Brazilian Civil
Procedure Code.
ATHAYDE and CRUVINEL181 argue that, on one hand, lifting the
corporate veil directs the liability for violations to shareholders, which
could be a tool to ensure the effectiveness of monetary sanctions under
the underdeterrence perspective because it leads to sanctions for
individuals. They also mention that some authors argue that piercing
the corporate veil could be helpful to increase consumer welfare,
which could be identified as one of the principles of antitrust, to the

180 In the “minor piercing of the corporate veil theory,” the companies’ assets’
autonomy is revoked, with the simple creditors’ losses.See: Fábio Ulhôa Coelho, Curso
de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2009. V. 2, p. 74.
181 ATHAYDE, Amanda; OLIVEIRA, Renan Cruvinel de. Sanções não pecuniárias no
antitruste /organização Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular, 2022.
Pp. 11-74.

140 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

extent that it helps fulfill both the preventive and retributive purposes
of antitrust sanctions.182
On the other hand, however, the authors also argue that
limiting shareholders’ liability is undoubtedly an important tool
to foster productive investment because it reduces business risks
and legal uncertainty183. In this sense, increasing the exposure of
stakeholders’ assets ultimately hinders incentives to investments and
entrepreneurship, as well as reduces diversification of investments,
given that investors would lean towards investing in companies in
which decision-making could be monitored184. The discretionary
use of piercing the corporate veil threatens the principles of fairness
and risk assessment, as well as justice itself, leading to an increase in
transaction costs. A potential increasewould probably be passed on to
the final prices of goods and services185.
In this sense, the potential use of piercing the corporate veil
by CADE must be very cautious and exceptional, with extensive
reasoning, when abuses of the corporate veil are detected, in line
with Article 50 of the Brazilian Civil Code, altered by the Brazilian
Economic Freedom Act. The mere possibility of lifting the corporate
veil upon violations of the Law, violations of the bylaws, or articles
of association is redundant, given that whenever there is an antitrust
conviction, those criteria are automatically fulfilled. Besides, the
mere incapacity to pay back creditors should not be sufficient grounds

182 BARELLI, Amanda Fabbri. A aplicação da teoria da desconsideração da


personalidade jurídica no processo administrativo: uma análise sob a perspectiva
do direito antitruste. Universidade de São Paulo: dissertação (mestrado), 2015, p. 135.

183 FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade


civil de controladores e administradores de S/As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011. p. 18.

184 BARELLI, Amanda Fabbri. A aplicação da teoria da desconsideração da


personalidade jurídica no processo administrativo: uma análise sob a perspectiva
do direito antitruste. Universidade de São Paulo: dissertação (mestrado), 2015, p. 133.
185 FRAZÃO, Ana. Responsabilidade limitada: as distorções da sua (não) aplicação na
realidade brasileira. JOTA, 2017. Available at: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/
colunas/constituicao-empresa-e- mercado/responsabilidade-limitada-18102017. Last
Accessed on: April 4, 2022.

Estudos em Direito da Concorrência 141


Amanda Athayde

for lifting the corporate veil. That is also true to raise questions about
the sufficiency of bankruptcy or judicial reorganization for lifting the
corporate veil. Indeed, if the failing firm186 arguments do not generally
apply to mitigate sanctions, and should not be applicable to allow the
corporate veil tobe lifted.

5.3 CIVIL LIABILITY OF CONTROLLING


SHAREHOLDERS AND ADMINISTRATORS

Civil suits initiated by shareholders against controlling


shareholders and administrators triggered by the disclosure to the
public about antitrust claims, as well as about State prosecution of anti-
competitive conduct,187 are provided in the Brazilian Corporations Act
(Law No. 6,404/76). The Brazilian Corporation Act provides the rights

186 Regarding the failing firm theory application in Antitrust, see, for example:
OLIVEIRA JUNIOR, Fernando Antônio Alves de. A empresa em crise e o direito da
concorrência: a aplicação da teoria da Failing Firm no controle brasileiro de estruturas
e seus reflexos no processo de recuperação judicial e de falência (mestrado). UnB.
2014. Available at: https://repositorio.unb.br/handle/10482/16424. Last Accessed on
April 4, 2022.; e GURGEL, Gabriela Silva de C. Brasil. O incremento da Failing Firm
Defense dentre os argumentos utilizados em julgamentos de operações econômicas
pela autoridade antitruste na pandemia do COVID-19 (Projeto de Iniciação Científica).
UnB. 2021. Available at: https://www.amandaathayde.com.br/orientacoesdepesquisa.
Last Accessed on April 4, 2022..
187 For this paper, those appointed by the corporate bylaws as administrators will
be seen as those responsible for conducting the company’s day-to-day business.
They are elected by the corporation’s general assembly, as stated in article 122, II, of
the CORPORATIONS ACT: “The general meeting has exclusive authority: II – to elect or
discharge corporation officers and auditors at any time, subject to the provisions of item II of
Section 142;” and article 132, III “An annual general meeting of shareholders shall be held
every year during the first four months after the closing of the fiscal year in order: III - to
elect the officers and the members of the statutory audit committee, if any;”. They must act
as representatives and administrators of a company and have an obligation to work
with care, loyalty, good faith, and diligence in all acts performed for the company’s
sake. Administrators may or may not be shareholders, as it is prescribed by article
146: “Individuals may be elected as members of the administrative bodies; the members of
the administrative council must be shareholders, while the directors residing in Brazil may,
or may not, be shareholders.”. Their nomination is ruled by article 149, as it follows:
“Council members and directors shall take up their appointments by signing an instrument
of appointment in the book of minutes of administrative council meetings or of the board of
directors’ meetings, as the case may be.”.

142 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

and responsibilities of those individuals and establishes the cases in


which they will be subject to private litigation.
Regarding administrators, the duties they are subject to are
established under articles 153 through 157 of the Brazilian Corporations
Act. Such responsibilities include the duty of diligence (article 153);
the duty of loyalty towards the company, to act in its best interest
and preserve confidentiality (article 155); the responsibility to, while
performing the company’s corporate purposes, pursue the fulfillment
of the social meaning of the corporation (article 154); and the duty
to disclose relevant information, in publicly held corporations (article
157). If an administrator fails to fulfill suchduties, they will be subject
to liability, as established under articles 158 through 160.
As for controlling shareholders, articles 115 and 116 of the
Brazilian Corporations Act establish, respectively, the right to vote
and the controlling shareholders’ primary duties, which include the
obligation to use its controlling power to help the corporation execute
its purposes and perform its social function. Article 117 of the same
legal diploma clarifies that the controlling shareholder will be liable
when they misuse their rights by abusing their power.188
ATHAYDE and CRUVINEL189 mention that the two types
of wrongdoers addressed by the Brazilian Corporations Act are
administrators and controlling shareholders. Administrators and
controlling shareholders are generally subject to private litigation,
including subsidiary lawsuits190, upon cases of violation of their

188 When referring to the possibilities of administrators and controllers’ liabilities,


the Law highlights the damage caused by the wrongdoer’s actions. It is an instrument
in the civil liability lawsuit that makes it more efficient in reassuring good corporate
management and protecting the rights of the concerned parties, protected by the
Brazilian Constitution. See, for example: FRAZÃO, Ana. Função social da empresa:
repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/
As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 229.
189 ATHAYDE, Amanda; OLIVEIRA, Renan Cruvinel de. Sanções não pecuniárias no
antitruste /organização Amanda Athayde. -- 1. ed. -- São Paulo: Editora Singular, 2022.
Pp. 11-74.
190 The corporate litigation claim is filed by a shareholder on the company’s behalf
to execute a right or present claims in circumstances in which the company cannot
act on its behalf. Given that the purpose of the claims is to reimburse costs that the

Estudos em Direito da Concorrência 143


Amanda Athayde

fiduciary duties of loyalty and diligence191. When administrators and


controlling shareholders participate in the antitrust violation, claims
can be filed. It is possible to file claims when administrators and
controlling shareholders are complicit/aware of antitrust violations
perpetrated by other administrators and/or controlling shareholders
and do not take action. Finally, claims can be filed when administrators
and controlling shareholders fail to prevent wrongdoings due to
negligence – which can take various forms in different cases.
According to the authors, shareholders may file claims on
behalf of companies when administrators and/or the controlling
shareholders fulfill the liability requirements established under
article 158, I, of the Brazilian Corporations Act, i.e., violating the Law
or the company’s bylaws by fault or willful misconduct. In this case,
the conduct would violate Act. The authors also state that there are
difficulties in identifying fault or willful misconduct in the conduct of
the administrators and/or controlling shareholders. Under article 159,
paragraph 6 of the Brazilian Corporations Act, the judge may excuse
the administrator from liability when convinced that he acted in good
faith and the corporation’s best interests. However, the provision

corporation endured, it would be expected that the company would file such claims
as a legal entity. However, the Law provides two possibilities in which an individual
must represent the corporation in the litigation. The first hypothesis is called
secondary replacement, which may happen when the corporation only files claims
within three months after an assembly meeting. In this specific case, any shareholder
may file claims. The second hypothesis is called original replacement. When the
general assembly decides not to file claims, the shareholders who own at least 5%
of the invested capital may file it. In antitrust, a company might refrain from filing
lawsuits when, for example, the wrongdoer is someone dear to the company – such
as current or former company administrators and controlling shareholders. Even if
the liability claims filed by a shareholder (paragraph 3) or a group of shareholders
(paragraph 4) are successful, the company’s positive results will be collected, not by the
shareholders who initiated the litigation. The plaintiff shareholders are only entitled
to be reimbursed for the legal costs. That is clearly stated by article 159, paragraph 5,
of the Corporations Act. COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercial. Volume
2 (Direito de Empresa). São Paulo: Saraiva, 2007. P. 265.
191 FRAZÃO dedicates an important section of her book to the discussion about
administrators’ duties of loyalty and caution. FRAZÃO, ANA. Função social da empresa:
repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/
As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, pp. 332-404.

144 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

referred to as the Brazilian business judgment rule is subject to harsh


criticism from legal scholars.
Even though the authors support the need to further discussions
on corporate litigation, CADE’s role in deterring antitrust violations
through it would be indirect, since it is an instrument established
under Brazilian Corporate Law and by the shareholders themselves.

CONCLUSION

Various conclusions may be drawn from the investigation carried


out in this paper, which alludes to the book dedicated to this subject.
Non-monetary sanctions are seen over the years as complementary
to fines and, by default, applied cumulatively. This is related to the
lack of concerns the competition authorities tipycally have with
overdeterrence and to a significant focus on the underdeterrence
perspective, which seldom meets the general aspect mentioned
throughout this paper. Therefore, there is a need to question the
need of such a punitive approach and whether it has to advance in
proportionality and reasoning of the decisions.
Another conclusion intimately related to the focus on
underdeterrence is that more attention is given to the severity of
unlawful conduct rather than the effects that the sanctions imposed may
have on the markets affected by the wrongdoing. In other words, there
is no structured and organized concernregarding the consequences of
the imposition of non-monetary sanctions. That is why a substantive
analysis is needed, for example, to prevent the general perspective
from being exclusively associated with recidivism, as the authors
identified in some cases, in a way that allows decisions to reach their
maximal deterrence power while causing minimal adverse impacts.
The authors remark that the sole imposition of non-monetary
sanctions without the application of fines could also be possible and
potentially an alternative in some cases to prevent overdetterence
and to effectivelly asses the core of the wrongoing, alhought it could

Estudos em Direito da Concorrência 145


Amanda Athayde

eventually lead to questioning, either administratively or in the judicial


system, if the non-monetary sanction would be too innovative.

146 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

DIREITO DA CONCORRÊNCIA E SUPERMERCADOS: COMO


ESSAS PLATAFORMAS DE DOIS LADOS PODEM
TRAZER RISCOS AOS CONSUMIDORES?

Publicado originalmente em: Revista de Direito FGV, v. 16, n. 1, 2020.

Amanda Athayde

Resumo
O presente artigo propõe, à luz da evolução da tradicional
visão antitruste dos supermercados varejistas, uma moderna análise
antitruste do setor. Busca-se superar a ideia de que os supermercados
figuram como agentes neutros de mercado, evidenciando que o poder
de mercado no varejo supermercadista pode impactar negativamente
na concorrência. Assim, o presente artigo estuda os supermercados
como plataformas de dois lados com características de gargalo à
concorrência. Nos termos da teoria da plataforma de dois lados, propõe-
se que os supermercados sejam analisados como prestadores de
serviços para consumidores finais e para os fornecedores, ressaltando
que esses dois grupos distintos dependem do supermercado para o
intermédio de transações, o que faz com que existam externalidades
indiretas entre os dois grupos e, consequentemente, confere poder de
barganha à plataforma. Por sua vez, nos termos da teoria dos gargalos
à concorrência, defende-se que o supermercado varejista detém um
poder monopolista de prover ou não o acesso de um grupo a outro. Tal
proposta, como este artigo busca demonstrar, traz consigo um novo
modo de compreensão das possíveis relações jurídicas dos agentes
no varejo supermercadista, tanto em suas relações verticais quanto
horizontais e diagonais.
Palavras-chave: Direito da concorrência; varejo supermercadista;
plataforma de dois lados; teoria do gargalo à concorrência

Estudos em Direito da Concorrência 147


Amanda Athayde

Abstract
This article proposes, in the light of the evolution of the
traditional vision of retail supermarkets, a modern antitrust analysis of
this sector, seeking to overcome the idea that supermarkets appear as
neutral agents of the market, hence the market power in supermarket
retailer can impact on the competition field. Thus, this article studies
the supermarkets as two-sided platforms with characteristics of the
competitive bottleneck. According to the two-sided platform theory,
the supermarkets should be analyzed as service providers for final
consumers and suppliers, noting that these two distinct groups
depend on the supermarket for the intermediation of transactions,
which means that there are indirect externalities between the two
groups and, consequently, confers bargaining power to the platform.
Furthermore, according to the theory of bottlenecks to competition,
it can be argued that the retail supermarket has a monopoly power to
provide access to one group or another. This proposal, as this article
seeks to demonstrate, brings with it a new way of understanding the
possible legal relationships of the agents in the retail supermarket, in
their vertical, horizontal and diagonal relations.
Keywords: Antitrust law; supermarket retailer; two-sided
platform; competitive bottleneck model

INTRODUÇÃO

Em janeiro de 2020, a rede varejista Walmart anunciou que


passará não apenas a vender carnes em seus supermercados, mas
também a atuar em toda a cadeia de processamento, desde o corte
até a embalagem e a aposição da marca própria desses produtos.
Trata-se de um movimento alinhado com outras experiências
recentes nos Estados Unidos e em outros países do mundo, a partir
do qual os supermercados saem de sua posição tradicional de
revendedores e passam a assumir um papel mais ativo na cadeia de
suprimentos de alimentos. Será que esse movimento traz benefícios

148 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

aos consumidores? E, se trouxer, será que tais benefícios superam


os eventuais riscos tanto aos consumidores quanto à concorrência
no varejo supermercadista? Para responder a essa pergunta, deve-se
inicialmente superar a tradicional visão do varejo supermercadista,
outrora visto como um agente neutro no mercado, que simplesmente
transmite a demanda do consumidor final aos fabricantes da indústria,
e adotar uma moderna visão do varejo supermercadista, atentando-se
para suas relações verticais, horizontais e diagonais no mercado.
O pressuposto dessa moderna análise antitruste dos
supermercados é que é necessário levar em conta, além de preços,
fatores como inovação, qualidade e variedade, a fim de criar e preservar
o ambiente concorrencial e proteger o interesse da coletividade.
Uma concorrência qualitativa resulta na redistribuição dos efeitos
concorrenciais para os consumidores e para a sociedade, atingindo o
fim último da justiça social apregoada na Constituição brasileira.
A visão tradicional coloca o varejo supermercadista como um
agente/representante dos consumidores quando decide adquirir
mercadorias dos fornecedores. Nesse sentido, entende-se que o
varejista não tem poder de mercado ou, se o tem, exerce esse poder
para o estrito benefício do consumidor final. Sob tal prisma, o exercício
desse poder resultaria em menores preços de compra, que seriam
repassados na forma de menores preços de venda no varejo, o que
aumentaria a demanda do consumidor final sem restrição de oferta.
Eventual tensão entre os fabricantes e os varejistas teria um resultado
final neutro ou positivo para os consumidores finais. Sustenta tal visão
tradicional que as autoridades de defesa da concorrência deveriam,
portanto, se preocupar menos com o exercício do poder de mercado
pela ótica da compra do que da venda, presumindo-se que pela
primeira o poder de mercado seria utilizado como um mecanismo
compensatório.
A análise antitruste tradicional aplica uma visão benéfica
sobre o poder de compra (“buyer power”), até mesmo em termos de

Estudos em Direito da Concorrência 149


Amanda Athayde

nomenclatura.192No varejo supermercadista, essa análise tradicional


pressupõe que os menores preços de compra resultantes do poder
dos varejistas seriam totalmente repassados aos consumidores finais,
significando maior output e bem-estar do consumidor. O poder de
compra é visto como oriundo da habilidade de o varejista obter de seus
fornecedores condições mais favoráveis do que aquelas disponíveis
a outros compradores ou ao mercado em uma condição normal de
competição. Esses termos mais favoráveis, por sua vez, dizem respeito
tanto a preço quanto a condições contratuais que são relacionadas,
por exemplo, a pagamento, qualidade, rotulagem, embalagem ou
qualquer atividade de marketing/promoção.
Galbraith (1970) foi quem identificou pela primeira vez, ainda
em 1952, as possibilidades de benefícios sociais associados ao poder
compensatório.193Para o autor, poder-se-ia gerar aumento de bem-estar
por meio do poder compensatório, pois haveria o enfrentamento aos
efeitos negativos do poder de mercado existente, bem como resultaria
em ganhos que seriam repassados aos consumidores finais194.
Similarmente, Maitland-Walker (2000) sustenta que os grandes

192 Tem-se um tratamento diferenciado dado ao poder de mercado na compra (viés


positivo) daquele na venda. Ao passo que o poder de mercado na venda é denominado
genericamente poder de mercado (“market power”), o poder de mercado na compra é
denominado especificamente poder de compra (“buyer power”), poder compensatório
(“countervailing power”) ou poder de monopsônio (“monopsony power”). Essa diferença
de nomenclatura é observada, por exemplo, na medida em que, por um lado, para
avaliar o poder de mercado de um fabricante (vendedor) de produtos, a linguagem
utilizada é simplesmente de poder de mercado, sem se definir que é o poder de
mercado na venda. Por outro lado, para avaliar o poder de mercado de um distribuidor
(atacadista/varejista) na compra, o termo utilizado não é o do poder de mercado,
mas sim a nomenclatura específica do poder de compra ou do poder de barganha,
em contraposição implícita ao poder dos fabricantes (poder compensatório). Essa
diferenciação, por sua vez, leva a diversas tentativas de delimitação e aprofundamento
sobre o conceito de poder de compra e sobre suas relações jurídicas, em contraposição
à reconhecida - ainda que não necessariamente pacífica - definição do conceito de
poder de mercado na venda.
193 Sob o prisma da demanda, a união de compradores, seja via associações de
compra, seja via fusões, seria um novo mecanismo “autorregulador” do mercado, pois
equilibraria forças com os fornecedores.
194 A tese de Galbraith foi e continua sendo contestada na definição de como os
ganhos derivados do poder de compra seriam repassados para os consumidores. Um
dos primeiros críticos a essa tese foi Whitney (1953).

150 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

varejistas valer-se-iam do seu poder de compra para pressionar os


fabricantes ao rebaixamento de preços ou a melhores condições de
comercialização, que acabariam sendo revertidos ao consumidor.195
Especificamente sobre o varejo supermercadista, a análise
tradicional indica que os possíveis efeitos negativos do poder de
compra ao bem-estar do consumidor surgiriam apenas em situações
bastante restritas. No mercado varejista (“output market”),196 tais efeitos
negativos seriam observados unicamente se o menor preço de compra
obtido por um varejista resultasse na saída de outros concorrentes do
mercado ou no aumento de preços a outros varejistas. Por sua vez,
no mercado de aprovisionamento (“input market”), os efeitos negativos
apenas apareceriam nas hipóteses restritas de saída dos fabricantes
do mercado ou de redução de seus investimentos a ponto de aumentar
os preços de venda ao consumidor. É dada preferência, pela ótica
tradicional, aos benefícios estáticos de curto prazo relacionados a
preço, sem levar necessariamente em conta os efeitos dinâmicos
de médio e longo prazo na concorrência no mercado, tais como os
relacionados a qualidade, inovação e variedade.
Berasategi (2014) discute que esse tipo de análise negligencia
evidências do exercício de poder de mercado pelos varejistas e que, com
base nesses argumentos tradicionais, as autoridades de concorrência
estariam restringindo sua atuação no setor do varejo supermercadista
(por vezes denominado “varejo alimentar”) a atos de concentração
econômica ou a tarefas de advocacia da concorrência, sem se adentrar
na análise de eventuais condutas anticompetitivas praticadas nesse

195 Ainda, segundo o autor, o desenvolvimento de marcas próprias resultaria na


comercialização de produtos a preços mais convenientes aos consumidores, e
essa maior diversidade de produtos nas gôndolas representaria mais opções aos
consumidores, que se beneficiariam da concorrência entre os produtos. Assim, a
realização de guerras de preços e promoções entre os varejistas seria benéfica ao
bem-estar do consumidor.
196 O termo “mercado varejista” será utilizado para referir-se ao mercado pela ótica
da venda, cujas expressões em inglês são “output market” ou “downstream market”.
Essa expressão é normalmente empregada como contraponto ao termo “mercado de
aprovisionamento”, que se refere ao mercado pela ótica da compra dos supermercados
- em que os fabricantes realizam suas vendas. Esse termo reflete as expressões em
inglês “input market” e “upstream market”.

Estudos em Direito da Concorrência 151


Amanda Athayde

mercado. Tal restrição apontada pelo autor é realidade no Brasil. A


normativa197,198 e a jurisprudência administrativas brasileira a respeito
do poder de compra (e, consequentemente, no poder de compra no varejo
supermercadista) praticamente se restringem aos atos de concentração,
e parecem se alinhar à visão tradicional. Mesmo nas operações de
concentração econômica nas quais se esboçou alguma preocupação
em relação ao poder de compra no Brasil, a análise realizada não foi
aprofundada.199Ademais, não há processo administrativo instaurado
ou julgado pelo Plenário do Cade que avalie com profundidade as
preocupações concorrenciais com as práticas comerciais horizontais
ou verticais praticadas por supermercados.200Em que pese terem

197 O Guia de Análise Econômica dos Atos de Concentração Horizontal das Secretarias
de Acompanhamento Econômico (doravante “Seae”) e de Direito Econômico (doravante
“SDE”) encampava a visão, ainda que implícita, de que o poder de compra, como poder
compensatório, seria positivo para a concorrência, tratado como uma eficiência
da operação (BRASIL, 2001). No parágrafo 74, que trata da análise das eficiências
econômicas resultantes da operação, aponta-se que pode ser considerada eficiência
específica da operação a geração de um poder de mercado compensatório. Esse
posicionamento também parece ser adotado, por exemplo, nos Guias de Restrições
Verticais e de Acordos Anticoncorrenciais da União Europeia, em que o poder de
compra é sinalizado sob o viés positivo. O Guia de Análise de Restrições Verticais
da União Europeia avança um pouco ao mencionar, no capítulo relativo aos acordos
de gestão de categoria, a possibilidade de fechamento de mercado aos fabricantes
detentores de marcas independentes em decorrência das práticas dos supermercados
detentores de poder de compra relacionadas a acesso às lojas (COMISSÃO EUROPEIA,
2010a). Ainda na União Europeia, o Guia de Acordos Anticoncorrenciais da União
Europeia associa o termo “consumidor” ao termo “distribuidor” (atacadista/varejista),
implicitamente considerando-o como um intermediário neutro no mercado
(COMISSÃO EUROPEIA, 2004).
198 O Guia de Análise dos Atos de Concentração Horizontal (“doravante Guia H”)
ainda corrobora essa visão tradicional, em que pese dar um passo adiante e mostrar
atenção ao tema do poder de compra, com um capítulo específico subdividido entre
poder compensatório e poder de monopsônio (BRASIL, 2016).
199 Os principais motivos para levarem essa constatação pelos autores seriam: foco
das análises na oferta, em detrimento da avaliação sobre a demanda (compra);
participação na compra era considerada insuficiente para causar danos sobre o
mercado; desnecessidade de avaliação dos efeitos do poder de compra quando
comprovado o cartel; e celebração de Termo de Cessação de Conduta que resulta no
arquivamento do caso sem aprofundamento sobre o tema (RAGAZZO e MACHADO,
2013).
200 Essa informação também é corroborada pelas pesquisas de casos realizadas
por Berardo e Becker (2015, p. 95-106). “In the grocery sector, however, there is no record
of a decision or even an investigation for any type of horizontal conduct, such as collective

152 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

sido realizadas algumas poucas investigações preliminares, estas


não prosseguiram sob o argumento de supostamente serem relações
privadas, que não caracterizariam infração à ordem econômica.
Ao contrário do que se observa no Brasil, no exterior a análise
tradicional centrada nos efeitos estáticos de curto prazo relacionados
a preço vem sendo superada por estudos de autoridades antitruste
estrangeiras, organismos internacionais e acadêmicos, que aportam
evidências práticas para a mudança de paradigma.
Propõe-se, nesse sentido, que os supermercados sejam
analisados concorrencialmente como plataformas de dois lados,
com características de gargalo à concorrência (“gatekeeper”), como
prestadores de serviços para consumidores finais e para fornecedores.
Essa proposta traz consigo um novo modo de compreensão das
possíveis relações jurídicas dos agentes no varejo supermercadista,
tanto em suas relações verticais quanto horizontais, movimento
necessário para alcançar a análise qualitativa da concorrência,
superando a ultrapassada visão da concorrência apenas como disputa
por preço.
A aplicação dessa nova compreensão do varejo supermercadista
ao contexto brasileiro tem relevância jurídica ao propor uma análise
que observe o varejista como um agente de mercado que pode
influenciar nas variáveis preço, qualidade e quantidade ofertada dos

boycotts or price-fixing practices. No investigation of cases involving joint retaliation from


suppliers, especially small-sized ones, has actually taken place, at least publicly”. “There have
been no precedents recommended resale prices in the retail grocery sector. The CADE, however,
has recently condemned a company for resale price fixing [SKF Brasil Ltda., Administrative
Proceeding n. 08012.001271/2001-44]”. “The CADE has never, however, found an
infringement of the competition law on the basis of an abuse of buying power. [...] In the past,
several cases have dealt with dependency, but the CADE highlighted that dependency, i.e. one
seller depending exclusively or almost exclusively on purchases made by one purchaser, does
not in itself necessarily correspond to buying power, which obviously depends on aggregate
market output and purchases. Nonetheless, there is no precedent regarding infringements
involving buying power or dependency. There have been a number of dependency cases in the
early 2000s that superficially discuss the manufacturer-distributor relationship. These cases
discuss the extent to which the private relation should be governed by competition law and
state that it the plaintiff cannot show harm or potential harm to competition (as opposed to
private harm to a single distributor), it should not be subject to the CADE’s analysis. At the
same time, there has been no case of ‘waterbed effect’ related to retailers in Brazil”.

Estudos em Direito da Concorrência 153


Amanda Athayde

produtos comercializados e, consequentemente, no bem-estar do


consumidor.
Como forma de explicar essa proposta, o presente artigo se
dividirá nos seguintes tópicos: (1) breve exposição da teoria da
plataforma de dois lados, explicando a ideia das empresas que
atendem, simultaneamente, dois grupos interdependentes de
adquirentes para, a partir disso, (2) caracterizar os supermercados
como plataformas de dois lados, visto que prestam serviços para
consumidores finais e fornecedores, grupos interdependentes entre
si. Após, analisaremos (3) a teoria do “gargalo à concorrência” e como
ela se aplica ao supermercado como plataforma de dois lados, para,
com base nesses estudos, verificarmos (4) as relações jurídicas do
varejo supermercadista e os novos paradigmas dessas relações.

1. BREVE TEORIA DA PLATAFORMA DE DOIS LADOS

A teoria da plataforma de dois lados tem como alguns de seus


principais autores Rochet e Tirole (2002, 2003, 2004 e 2006), Evans
(2003a e 2003b), Parker e Van Alstayne (2005), Caillaud e Jullien
(2001 e 2003), Armstrong (2006) e Schmalensee (2016). A expressão,
oriunda do inglês “two-sided platforms”, foi usada inicialmente por
Rochet e Tirole (2004) para se referir a situações em que as empresas
atendem, simultaneamente, dois grupos interdependentes de
adquirentes. Para os autores, a plataforma pode afetar o volume de
transações ao cobrar mais de um lado do mercado e reduzir o preço pago
do outro lado na mesma proporção. Ou seja, haveria uma adaptação da
estrutura de preço (LLANES e RUIZ-ALISEDA, 2015), sob a presunção
de manutenção do “price level” geral. Um dos lados da plataforma,
portanto, subsidiaria o negócio do outro lado (“loss leader”) (ROCHET
e TIROLE, 2006). Segundo os autores, a plataforma existiria, então,
quando houvesse (i) dois grupos distintos que precisam interagir um
com o outro e (ii) externalidades indiretas positivas entre esses dois
grupos de consumidores.

154 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Por sua vez, Evans (2003a) usa o conceito de plataforma de dois


lados para se referir genericamente a situações em que existem dois
grupos de consumidores que se beneficiam da interação e para quem
a plataforma pode oferecer uma intermediação eficiente de serviços.
Assim, seriam condições para uma plataforma de dois lados: (i) dois ou
mais grupos distintos de consumidores; (ii) externalidades associadas
ao fato de dois ou mais grupos estarem conectados ou coordenados de
algum modo; e (iii) um intermediário que internalize as externalidades
criadas por um grupo ao outro grupo.
Ainda, Weyl (2008) adota uma definição mais flexível, segundo
a qual mercados de dois lados seriam modelos de comportamentos
de empresas em que a interdependência entre eles se mostra uma
importante ferramenta de análise. Em termos de interdependência,
a plataforma precisa que os dois grupos estejam “a bordo” para
propriamente operar, uma vez que, sem um lado da plataforma, o
outro lado não aderiria. Em termos simples, um mercado de dois lados
seria aquele em que uma empresa vende produtos ou presta serviços
distintos a dois grupos diferentes de consumidores, e reconhece que
vender mais para um grupo afeta a demanda do outro, e vice-versa
(FILISTRUCCHI, GERADIN e VAN DAMME, 2012). Geralmente,
esses grupos - ou um deles - não conseguem obter o mesmo valor,
ou pelo menos não conseguem obtê-lo na mesma extensão, sem se
utilizarem da plataforma. É nesse sentido que Caillaud e Jullien
(2003) definem essa situação como o problema da “galinha e do ovo”,
pois, para atrair compradores, o intermediário deve ter uma grande
base de vendedores, porém, para que os vendedores possam aderir
à plataforma, é necessário ter, no mínimo, expectativa de que há ou
haverá compradores do outro lado.
Filistrucchi, Geradin e Van Damme (2012), após analisarem
as definições da literatura, apontam para as seguintes características
identificadoras dos mercados de dois lados: (i) a existência de uma
empresa intermediadora que vende mais de um produto ou serviço;
(ii) a presença de dois grupos distintos, cada um comprando diferentes
produtos ou serviços; e (iii) a interdependência entre as demandas e

Estudos em Direito da Concorrência 155


Amanda Athayde

a ausência de completa transferência dos benefícios (“pass-through”)


entre os grupos no caso de transações no mercado.
Finalmente, Hagiu (2007) alerta no sentido de que há uma
miríade de cenários entre os dois extremos que caracterizam uma
relação de compra e venda simples e uma plataforma de dois lados.
A caracterização de um intermediário como plataforma de dois lados,
portanto, estaria menos ligada à natureza da plataforma e mais ligada
às decisões que são tomadas pelas empresas que dela fazem parte. É
por esse motivo que Rysman (2009) propõe a utilização da expressão
“estratégias de dois lados” em vez de “mercados de dois lados”.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) (2009), com fundamento na doutrina e na
experiência das autoridades antitruste ao redor do mundo, realizou
amplo estudo em 2009 sobre essa teoria e apontou que não há uma
definição universalmente aceita para o conceito de “mercado de dois
lados”. Existiria, porém, um consenso a respeito dos três aspectos
fundamentais que caracterizariam uma plataforma de dois lados: (i)
a existência de dois grupos distintos, que precisam um do outro de
alguma maneira e que confiam na plataforma para intermediar as
transações entre eles, sendo a plataforma o provedor de produtos
e/ou serviços simultaneamente; (ii) a existência de externalidades
indiretas201 entre os grupos de adquirentes, de modo que o valor que

201 Segundo a OCDE (2017, p. 3, tradução nossa), os efeitos de rede, quando


considerados em mercados de vários lados, “são as externalidades entre plataformas
ocorridas quando resultam das ações dos participantes em qualquer lado da
plataforma, ou da plataforma em si mesma, afetando participantes dos outros lados da
plataforma (ou da plataforma em funcionamento em si mesma). Essas externalidades
podem ser diretas - como quando um aumento de provedores de conteúdo torna a
plataforma mais cara aos consumidores de conteúdo -, ou indiretas - como quando
uma melhora qualitativa aos usuários torna a plataforma mais atrativa aos provedores
de conteúdo ou serviços e para anunciantes”. Assim como no paper da OCDE, este
artigo tratará as externalidades entre plataformas simplesmente como “efeitos de
rede”. A respeito da diferença entre externalidades diretas e indiretas: “Direct Network
effects arise when the value of a good to a consumer increases directly with the number of
people using that good. Telephony services are more valuable for a given consumer, the larger
the number of other consumers that also use them, because he can communicate with more
people. Indirect Network effects arise when the value of a good to a consumer increases with
the number of people using that good, but only indirectly” (OCDE, 2009, p. 29). Nos termos
de LIM (2015), a diferença estaria no fato de que as externalidades diretas seriam

156 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

um dos lados da plataforma atribui a ela aumenta o número do outro


lado da plataforma; e (iii) a não neutralidade da estrutura de preço,
ou seja, a plataforma afeta o volume das transações - por exemplo,
aumentando os preços de um lado para diminuir do outro e induzindo
ambos a aderir à plataforma -, não sendo um intermediário neutro no
mercado.
Ademais, a OCDE sinaliza a necessidade de se considerarem
ambos os lados na definição e na análise concorrencial dos mercados
relevantes. Sugere-se a superação dos métodos de análise tradicionais e
das fórmulas aplicáveis a análises de mercados de um lado, como o teste
do monopolista hipotético. Estes, segundo se indica, não se aplicariam
aos mercados de dois lados, a não ser que fossem reformulados/
adaptados (WRIGHT, 2004). Algumas condutas anticompetitivas que
poderiam surgir no bojo de plataformas de dois lados, relacionadas a
preço - como preços predatórios ou excessivos -, deveriam considerar
os níveis de preços somando os praticados em ambos os lados da
plataforma, e não os preços individuais ou a estrutura de preços
separadamente. Por sua vez, condutas não relacionadas a preço -
como acordos de exclusividade e venda casada - estariam no centro
das discussões antitruste, pelos riscos de limitação da concorrência e
do fechamento de mercado para rivais. Nesses casos, a análise deveria
considerar como a conduta em um lado da plataforma afeta o outro
lado do mercado, bem como o efeito geral da prática para o bem-estar
da sociedade.
O compilado da OCDE também indica que algumas atividades
econômicas foram consideradas plataformas de dois lados pelas autoridades
antitruste ao redor do mundo, sendo objeto de análise concorrencial e/ou
de remédios concorrenciais e/ou regulatórios por autoridades. Entre elas,
citam-se as seguintes: sistemas operacionais de computador (intermedeiam
desenvolvedores de software e usuários de computador); sistemas

encontradas dentro do grupo (“within”), ao passo que as externalidades indiretas


seriam encontradas entre os grupos (“between”).

Estudos em Direito da Concorrência 157


Amanda Athayde

informatizados de reserva (“computerized reservation systems”);202 cartões


de crédito (intermedeiam possuidores de cartões e comerciantes) (“card
payment networks”);203 corretagem imobiliária (intermedeia inquilinos
e proprietários); provedores de serviço de internet (“internet service
providers”);204 portais de internet e sistemas de busca (intermedeiam sites e
internautas) (“internet search engines”);205 registro de nome de domínio na
internet (“internet domain name registration”),206 plataformas de mídia (“media
platforms”),207 redes de comunicação móveis (“mobile communications

202 Sobre o mercado de sistemas informatizados de reserva (“computerized reservation


systems”) como plataforma de dois lados, ver: Europa (1989, revogada em 2009). Council
Regulation 2299/1989, de 24.07.1989, subsequentemente emendada pelas Regulations
3089/1993 e 323/1999. Essa regulamentação setorial foi recentemente revogada
pela Regulation 80/2009 of the European Parliament and of the Council of 14 January 2009
on a Code of Conduct for computerized reservation systems.
203 Sobre o mercado de redes de pagamento por cartão (“card payment networks”)
como plataforma de dois lados, Europa e Estados Unidos intervieram para suprimir
ou reduzir as restrições impostas. Na Europa (2012), inclusive, foi proposta uma
regulamentação dos pagamentos nesse mercado na Commission Green Paper, “Towards
an integrated European market for card, internet and mobile payments”, COM/2011/0941
final, 11.01.2012, Proposal for a Regulation of the European Parliament and of the Council
on interchange fees for card-based payment transactions, COM/2013/5503, 24.07.2013.
204 Sobre o mercado de provedores de serviço de internet (“internet service providers”)
como plataforma de dois lados, observa-se a tentativa da Comissão Europeia de
expressamente regular a denominada “neutralidade das redes” no European Parliament
Resolution of 17 November 2011 on the open internet and net neutrality in Europe, P7_TA-
PROV(2011)0511 and Connected Continent legislative package. Por sua vez, nos Estados
Unidos (2010) também há a imposição da neutralidade das redes.
205 Sobre o mercado de sites de busca na internet (“internet search engines”) como
plataforma de dois lados, existe investigação sobre práticas do Google na Europa
(COMISSÃO EUROPEIA, 2010b e 2013a) e também no Brasil (onde há três casos
instaurados para investigar conduta anticompetitiva do Google nesse mercado: o
Processo Administrativo 08700.009082/2013-03, que investiga conduta de screping;
o Processo Administrativo 08700.010483/2011-94, que investiga a conduta de search
bias e de restrições de anúncios com foto, em detrimento de sites de comparação de
preço; e o Processo Administrativo 08700.005694/2013-19, que investiga restrições à
interoperabilidade entre plataformas de busca patrocinada que o Google teria imposto
por meio dos Termos e Condições da API do AdWords).
206 Sobre o mercado de registro de nome de domínio na internet (“internet domain
name registration”) como plataforma de dois lados, houve discussão nos Estados
Unidos e na Europa sobre a eficiência ou não da proibição da Internet Corporation for
Assigned Names and Numbers (ICANN) sobre os riscos concorrenciais da integração
vertical das atividades de registro.
207 Sobre o mercado de plataformas de mídia (“media platforms”) como plataforma
de dois lados, autoridades de concorrência consideram que as empresas que fazem

158 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

networks”),208 revistas (intermedeiam leitores e escritores); páginas amarelas


(intermedeiam leitores e empresas); shoppings (intermedeiam lojas e
compradores), softwares de publicação (intermedeiam autores e leitores),
consoles de videogame (intermedeiam jogadores e desenvolvedores),
mercados de reposição de peças (“aftermarkets”);209 bem como vários
tipos de serviços de intermediação, como agências de correspondência
e de emprego, casas de leilão, redes de vouchers de serviços, sistemas de
pagamento, alguns sistemas de telecomunicações, publicações científicas,
das redes de pagamento por cartão. Evans e Schmalensee (2016) indicam
algumas das “multisided platforms” mais recentes, como Facebook, Visa,
Open Table, Airbnb, Uber, etc., e descrevem seu modo de funcionamento
e sucesso.

2. SUPERMERCADOS COMO PLATAFORMAS DE


DOIS LADOS: PRESTADORES DE SERVIÇOS PARA
CONSUMIDORES FINAIS E PARA FORNECEDORES

Acadêmicos como Armstrong (2006 e 2007) e Berasategi (2014),


bem como autoridades antitruste estrangeiras, como o Tribunal
Vasco de Defensa de la Competencia (2009), a Autoridade Russa de
Concorrência (OCDE, 2009, p. 201), a Comissão Europeia (2010c),
o documento para discussão da United Nations Conference on
Trade and Development (UNCTAD) (2014) e o documento da OCDE

propaganda na plataforma de mídia estão em posição igualitária em comparação com


os usuários que leem, escutam ou visualizam a plataforma. No Canadá, inclusive,
para a aprovação da fusão entre Carlton/Granada, foram impostas regras de proteção
contra práticas desleais e discriminatórias.
208 Sobre o mercado de redes de comunicação móveis (“mobile communications
networks”) como plataforma de dois lados: Europa. Regulation 531/2012 of the European
Parliament and of the Council of 13 June 2012, on roaming on public mobile communication
networks within the Union, que revogou a legislação anterior, Regulation 717/2007 of
the European Parliament and of the Council of 27 June 2007, on public mobile telephone
networks within the Community and amending Directive 2002/21/EC.
209 Sobre os mercados de reposição de peças (“aftermarkets”) como plataforma de
dois lados, na Europa já se determinou, no mercado automotivo especificamente, a
obrigação de acesso não discriminatório a oficinas por parte das fabricantes de peças
automotivas para reposição.

Estudos em Direito da Concorrência 159


Amanda Athayde

(2018), sinalizam no sentido de caracterizar os supermercados como


plataformas de dois lados. Similarmente, propõe-se neste artigo
que se tenham os supermercados como plataformas de dois lados
nas análises concorrenciais, pois preenchem as três características
fundamentais desse conceito: (i) a existência de dois grupos distintos
que precisam um do outro de alguma maneira e que confiam na
plataforma para intermediar as transações entre eles; (ii) a existência
de externalidades indiretas entre os grupos de consumidores; e (iii) a
não neutralidade da estrutura de preço.
Quanto à característica (i) de fornecer produtos e/ou serviços
simultaneamente para dois grupos distintos que precisam um do outro
de alguma maneira e que confiam na plataforma para intermediar
as transações entre eles, verifica-se que os supermercados prestam
serviços a dois grupos: os consumidores finais e os fornecedores
de marcas independentes. Ambos precisam uns dos outros - os
consumidores precisam dos produtos e os fabricantes precisam
escoar sua produção de produtos de marca independente no mercado
-, de modo que o supermercado intermedeia um e outro.
De um lado da plataforma, o supermercado presta serviços aos
consumidores finais consistentes na disponibilização de produtos no
modelo de negócios one-stop shopping. Esse modo de fazer compras
influenciou a mudança no padrão de compra dos consumidores, pois
permite realizá-las em um só local, com maior variedade de produtos.
Também possibilita comparar preços, obter economias de custos e
ganho de tempo (por exemplo, decorrente da intensificação do trânsito),
evitar riscos com a inflação e usufruir de estacionamento gratuito,
entre outras facilidades (FORGIONI, 2008, p. 573). A maior ou menor
valorização do modelo one-stop stopping pelos consumidores varia de
acordo com fatores como tempo, acesso a transporte e habilidade
de estocar itens perecíveis até a próxima ida aos supermercados.
Assim, mesmo oferecendo esse modelo one-stop shopping, nenhum
supermercado disponibiliza aos consumidores exatamente a mesma
experiência de compra, pois esta resulta da combinação de fatores
como localização, preços, seleção (pluralidade de produtos), qualidade

160 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

e outras variáveis que afetam a escolha do consumidor (BASKER e


NOEL, 2013).
Do outro lado da plataforma, o supermercado presta serviços aos
fornecedores de marcas independentes. Essa prestação de serviços
está relacionada ao acesso à loja e também aos serviços dentro desta,
“access to and competition within supermarket platform” (BERASATEGI,
2014). O preço cobrado pelos supermercados de seus fornecedores é,
então, uma tarifa bipartite, exigida não apenas por aderir à plataforma,
mas também por usá-la, nos termos de Filistrucchi, Geradin e Van
Damme (2012). Esses fornecedores apenas atingirão os consumidores
- ou apenas os alcançarão na mesma extensão - se intermediados pela
plataforma dos supermercados.
Assim, essa intermediação de transações realizada pelos
supermercados a ambos os lados da plataforma, com as demais
características a seguir mencionadas, os qualifica como plataforma de
dois lados, por seu papel de prestador de serviços one-stop shopping aos
consumidores e também de prestador de serviços de acesso à e dentro
da plataforma aos fornecedores.
Quanto à característica (ii) de existirem externalidades indiretas entre
os grupos, tem-se que o valor que um grupo atribui à plataforma de um
lado aumenta o número de consumidores do outro lado. Por um lado,
verifica-se que os consumidores finais valorizam o supermercado pelo
modelo de negócios one-stop shopping, que reúne variedade e conforto
em uma única localidade, consistente em uma das explicações da
emergência global dos supermercados (RICHARDS e HAMILTON,
2012). Por outro lado, os fabricantes fornecedores valorizam os
supermercados pela habilidade de atrair a maior quantidade possível
de clientes, e o maior número de consumidores finais em uma cadeia
de supermercados tende a atrair o fornecimento por parte de mais
fabricantes de produtos de marca independente (VIANNINI, 2008).
Assim, quanto maior seu alcance junto aos consumidores finais, maior
o poder dos supermercados perante seus fornecedores (GORDILHO
JR., 2012, p. 51). Essas externalidades indiretas promovidas pelos
varejistas, com as demais características supra e inframencionadas,

Estudos em Direito da Concorrência 161


Amanda Athayde

os qualificam como plataforma de dois lados, pelo valor dado ao one-


stop shopping pelos consumidores e pelas repercussões geométricas de
atração de fornecedores.
Finalmente, quanto à característica (iii) da estrutura de preço
da plataforma afetar a dimensão das transações, os supermercados
alteram a estrutura de preços dos fornecedores aos consumidores
finais. Os varejistas tendem a cobrar dos consumidores finais menores
preços para enfrentar a concorrência horizontal a jusante. Ao mesmo
tempo, porém, tendem a cobrar dos fornecedores taxas e condições
de acesso cada vez mais altas, bem como exigir o cumprimento de
cláusulas/práticas que aumentam sua rentabilidade. O supermercado
atua, então, como um intermediário não neutro no mercado, que altera
a estrutura de preços ao longo da plataforma, possuindo a capacidade
de defini-los em praticamente ambos os lados (ARMSTRONG, 2007).
A análise passa a ter contornos ainda mais cinzentos ao se levar em
conta o crescimento das marcas próprias, que concorrem com os
produtos das marcas independentes dos fornecedores e que podem
suscitar alterações ainda mais significativas na estrutura de preços na
plataforma. Essa diferenciação na estrutura de preços realizada pelos
supermercados a ambos os lados da plataforma, junto com as demais
características supramencionadas, os qualifica como plataforma de
dois lados, em que os preços menores obtidos pelos supermercados
na compra de produtos nem sempre são repassados para os
consumidores. Nesse sentido, quanto menor a taxa de transferência
dos benefícios, mais importante é a natureza da plataforma como de
dois lados (FILISTRUCCHI, GERADIN e VAN DAMME, 2012, p. 10).
A evidência de ser o supermercado uma plataforma de dois lados
torna os instrumentos tradicionais da análise antitruste inválidos
ou, no mínimo, demandantes de reformulação. A visão tradicional
dos supermercados como agentes neutros de mercado evolui e dá
lugar a um novo paradigma, em que os serviços oferecidos pelos

162 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

supermercados transcendem a uma relação comercial210 e devem ser


vistos sob a ótica dos dois mercados da plataforma.

3. PLATAFORMA DE DOIS LADOS COM CARACTERÍSTICAS


DE “GARGALO À CONCORRÊNCIA”

3.1. BREVE TEORIA DO “GARGALO À


CONCORRÊNCIA” (“COMPETITIVE BOTTLENECK
MODEL”/“GATEKEEPER”)

A teoria do gargalo à concorrência (competitive bottleneck model)


foi desenvolvida inicialmente por Armstrong (2006) em seu artigo
sobre plataformas de dois lados que servem a dois grupos diferentes
de consumidores. Segundo essa teoria, enquanto um primeiro grupo
tem acesso a diversas plataformas (multi-home), um segundo tem
acesso apenas a uma plataforma (single-home). O primeiro grupo, que
costuma ser dos vendedores, só consegue acessar o segundo grupo,
que tende a ser dos compradores, por meio da plataforma escolhida
pelo grupo single-home. A plataforma passa, então, a deter o poder
monopolista de prover ou não acesso dos multi-home aos single-
home. A plataforma se torna, dessa maneira, um competitive bottleneck,
ou seja, um gargalo à concorrência, que pode cobrar e explorar o
primeiro grupo (multi-home) para o benefício - ou não - do segundo
grupo (single-home).
210 Alguns dos exemplos que justificam a afirmação de que a relação entre
supermercados e fornecedores transcende a uma mera relação comercial e passa
a ser de intermediação na base de uma plataforma de dois lados. Em um primeiro
exemplo, os supermercados alugam espaço em gôndola para os fornecedores, sem
necessariamente passar a deter a propriedade dos bens que distribuem. Em outro
exemplo, os supermercados começam a alocar produtos de marca própria e de marcas
independentes com base em fatores variados, que não apenas preço. Em um terceiro
exemplo, os supermercados, além de comprarem os produtos dos fornecedores de
marcas independentes após uma negociação bilateral, oferecem outros serviços
remunerados, o que faz que a escolha do produto do fornecedor pelo supermercado
vá além do preço de compra do produto, e leve em conta - principalmente, a nosso
ver - os outros serviços que são por ele prestados e a ele remunerados (“serviços de
acesso”, que podem incluir serviços logísticos, serviços de “listagem”, serviços dentro
da loja).

Estudos em Direito da Concorrência 163


Amanda Athayde

A Figura 1, a seguir, ilustra um gargalo à concorrência.


FIGURA1: GARGALO À CONCORRÊNCIA

Nos termos de Armstrong (2006), as plataformas de dois lados


com gargalos à concorrência teriam três características principais:
(i) operam em mercados concentrados e que possuem algum poder
de mercado, ainda que pela análise tradicional não tenham posição
dominante; (ii) possuem alto nível de fidelidade dos compradores de
um lado da plataforma (single-home); e (iii) são capazes de explorar o
grupo do outro lado da plataforma (multi-home), pois os vendedores
precisam de acesso à plataforma para alcançar os consumidores finais
de maneira economicamente viável.
O próprio autor alude que sua teoria do gargalo à concorrência é
análoga ao chamado “mixed equilibria” (CAILLAUD e JULLIEN, 2003).
Esses autores argumentam que o grupo single-home é beneficiado
pela plataforma quanto a preços, ao passo que se extrai ao máximo o
lucro do grupo multi-home, com o que Armstrong concorda. Rochet e
Tirole (2003) também possuem argumentação semelhante - mesmo
que específica para o mercado de cartão de crédito, mas que pode ser
aplicada de modo mais abrangente - no sentido de que é característica
da teoria do gargalo à concorrência a verificação de que o grupo single-
home é privilegiado, enquanto os interesses do grupo multi-home são
ignorados em uma situação de equilíbrio (ARMSTRONG, 2006).

164 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Similarmente, Armstrong e Wright (2005) discorrem que, nesses casos


de gargalo à concorrência, as plataformas competem agressivamente
para atrair compradores (single-home). Estes, então, pagam pouco ou até
mesmo nada para se registrarem à plataforma, e os lucros são advindos
dos vendedores (multi-home), que, para acessarem tais compradores,
precisam utilizar-se da plataforma. Grimes (2005) também denomina
essa situação de gatekeeper power (FTC, 2001), em sintonia com as
terminologias mencionadas por algumas autoridades antitruste
estrangeiras. Certos mercados são identificados na literatura como
gargalos à concorrência, entre eles jornais, agências de turismo
(ARMSTRONG, 2006)211 e supermercados, como se passa a expor a
seguir.

3.2. SUPERMERCADO COMO “GARGALO À CONCORRÊNCIA”


PARA CONSUMIDORES FINAIS E PARA FORNECEDORES

Acadêmicos e autoridades de defesa da concorrência já


destacaram a característica dos supermercados como gargalos à
concorrência, utilizando para tanto a nomenclatura “competitive
bottleneck” ou “gatekeepers”. Entre os acadêmicos mencionam-se, por
exemplo, Armstrong (2006), Savrin apudFTC (2000)212 e Berasategi
(2014). Entre as autoridades antitruste estrangeiras citam-se, por
exemplo, a Australian Competition and Consumer Commission
(AUSTRÁLIA, 2008), a Autoridade de Concorrência de Portugal

211 As agências de turismo seriam competitive botllenecks, pois os agentes de turismo


podem usar apenas um sistema aéreo de reserva (single-home), ao passo que as
companhias aéreas são forçadas a transacionar com todas as plataformas possíveis
para ter acesso aos clientes dos agentes de turismo (multi-home) (ARMSTRONG, 2006).
212 O autor, em evento organizado pela Federal Trade Commission, em 2000,
mencionou a discussão do papel dos grandes varejistas como “gatekeepers”, pelo
papel exercido tanto com os fornecedores no lado do aprovisionamento quanto
com os consumidores do lado da venda. Para essa análise, apontou - mencionando
a discussão na União Europeia envolvendo o caso Kesko/Tuko na Finlândia - que do
lado do aprovisionamento havia sido realizada análise a respeito da existência de
alternativas apropriadas para os fornecedores para as suas vendas aos varejistas.

Estudos em Direito da Concorrência 165


Amanda Athayde

(PORTUGAL, 2010), a Finnish Competition Authority (2012, p. 23)213 e


o documento para discussão da UNCTAD (2014).
Similarmente à Figura 1, identifica-se da seguinte maneira o
supermercado como um gargalo à concorrência (Figura 2):
FIGURA 2: SUPERMERCADO COMO GARGALO À CONCORRÊNCIA

Propõe-se que os supermercados sejam analisados


concorrencialmente como plataformas de dois lados com
características de gargalo à concorrência, pois preenchem as três
características fundamentais desse conceito. Primeiro porque (i)
operam em mercados concentrados e possuem poder de mercado,
ainda que pela análise tradicional não tenham posição dominante.
Segundo porque (ii) têm alto nível de fidelidade dos consumidores
de um lado da plataforma (single-home). E terceiro porque (iii) são
capazes de explorar os grupos do outro lado da plataforma (multi-
home), pois vendedores precisam de acesso a esta para alcançarem os
consumidores finais de maneira economicamente viável.

213 “It acts as a gatekeeper in managing shelfspace and selection and in deciding which
products should be marketed”; “Private labels emphasize the role of the trade as a gatekeeper.
The trade manages selection, pricing and display. The trade also obtains information on the
cost structure of products through the private labels. Considering all these things it may be
stated that private labels do not necessarily compete with branded products in a competition
neutral way.”.

166 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Quanto ao (i) poder de mercado, os supermercados operam em


mercado com histórico e tendência de consolidação, cujas práticas
comerciais evidenciam o poder destes tanto nos mercados varejistas
(venda) quanto nos de aprovisionamento (compra), ainda que pela
análise tradicional não tenham posição dominante. A concentração
é um importante poder de mercado dos varejistas, mesmo que os
percentuais de participação de mercado individualmente considerados
sejam abaixo dos níveis de dominância tradicionais.
Quanto à (ii) fidelidade dos consumidores de um lado da plataforma,
tem-se que os consumidores finais tendem a visitar apenas um
supermercado (single-home) e tê-lo como um gargalo por diversos
fatores cumulados. Os consumidores tendem a se fidelizar a um
único varejista por diversos fatores, entre eles: (i) pela restrição das
opções de supermercados, tendo em vista a concentração econômica
e as barreiras à entrada e à expansão nos mercados locais; (ii) pela
redução da percepção sobre diferenças de preços, decorrente da
transparência das condições de mercado e também da entrada das
marcas próprias; (iii) pela crescente tomada de decisões dentro da loja
do supermercado e diante das gôndolas, o que aumenta a influência
das práticas comerciais implementadas pelo varejista; e (iv) pela
crescente aceitação das marcas próprias pelos consumidores finais.
Ainda, quanto à (iii) capacidade de explorar o grupo do outro lado
da plataforma, tem-se que os supermercados conseguem estrangular
os fornecedores (multi-home) que desejam inserir seus produtos nas
gôndolas dos supermercados. O modelo exitoso de one-stop shop faz que
os fornecedores de produtos de marcas independentes não consigam
alcançar os consumidores finais senão por meio da plataforma do
supermercado. Uma vez acessada a plataforma, diversas variáveis
importantes para a competitividade de um produto (como preço,
apresentação e marketing) são controladas pelos supermercados
dentro da loja, que podem influenciar os consumidores finais a favor
das marcas próprias, em detrimento das marcas independentes do
fornecedor. Em que pese isso, há o risco de retaliações, que deixa os
fornecedores sem alternativas razoáveis para escoamento dos seus

Estudos em Direito da Concorrência 167


Amanda Athayde

produtos senão pelos supermercados, em especial diante de um


varejo on-line ainda incipiente (FRIEDERISZICK e GŁOWICKA, 2015).
Assim, sob a perspectiva dos fornecedores, Berasategi
(2014) assevera que os produtos de marcas independentes precisam
superar pelo menos duas dificuldades para alcançar sucesso no
mercado: primeiro, o acesso aos supermercados, para em seguida
passar ao segundo, que é a própria aceitação do produto pelos
consumidores finais. O acesso a uma rede de distribuição é condição sine
qua non para um negócio viável da indústria, para que, assim, possa
alcançar um número suficiente de consumidores. A aceitação do
produto pelos consumidores finais, porém, depende não apenas
de suas características intrínsecas, mas também de diversas outras
variáveis (como preço, apresentação e marketing), que são controladas
pelos supermercados dentro da loja. Como já observado, esse mesmo
supermercado é não apenas um simples comprador, mas sim um
prestador de serviços para acesso à loja, com interesses possivelmente
obtusos, em um cenário de marcas próprias. Assim, a superação de
ambas as dificuldades depende do relacionamento dos fornecedores
com os supermercados, o que dá a estes significativo poder e reforça
seu papel de gargalo quase intransponível à concorrência entre
produtos de marca. Bell (2009) alude que esse gargalo surge tanto
em casos de novos produtos, que precisam de uma ampla rede de
distribuição para serem capazes de alcançar os consumidores finais
e crescer, quanto em casos de produtos existentes, quando qualquer
perda repentina de acesso e/ou de vendas para um supermercado
específico não é compensada por eventual aumento de vendas para
outro supermercado, de modo que a rentabilidade é drasticamente
reduzida.
Essa característica de gargalo à concorrência foi mencionada,
por exemplo, no caso concreto da fusão entre as redes varejistas
finlandesas Kesko/Tuko, analisada pela Comissão Europeia (1996).
Nessa análise, foi utilizada a expressão “gatekeepers” para representar
o poder único que os supermercados, em um cenário pós-operação de
concentração econômica, deteriam no mercado. O anúncio da fusão

168 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

entre as duas varejistas de alimentos da Finlândia foi realizado em maio


de 1996, e, em novembro, a Comissão determinou sua reprovação.
Em sua análise, apontou-se que a empresa resultante da fusão teria a
habilidade de exercer seu poder de mercado para determinar a extensão
do acesso que um fornecedor teria no mercado varejista e em quais
termos esse acesso estaria disponível. Esse gatekeeper effect seria ainda
maior diante da existência dos produtos de marca própria da Tuko,
que poderiam ser utilizados como uma ferramenta de negociação em
face dos fornecedores para conseguir concessões adicionais, o que
poderia servir como uma barreira à entrada e permitiria à empresa
adquirente Kesko atuar no mercado varejista sem preocupações com
os demais concorrentes. A maioria dos fornecedores - com exceção
de multinacionais, que têm marcas altamente reconhecidas dos seus
produtos - estaria, então, dependente dos dois supermercados e não
seria capaz de resistir ao poder de mercado das compradoras.
Na opinião de Curtin, Goldberg e Savrin (1998), o modo pelo qual
a Comissão Europeia analisou essa fusão superou a maneira tradicional
- voltada para a perspectiva dos consumidores e dos competidores
- e alcançou um novo paradigma, voltado para a perspectiva dos
fornecedores das empresas em concentração econômica.
Considerando tanto a doutrina acadêmica quanto a experiência
antitruste internacional, propõe-se neste artigo que o supermercado
é uma plataforma de dois lados com características de gargalo à
concorrência, e que as tradicionais funções por ele exercidas não
refletem toda a sua extensão de relações jurídicas, pelo que se passa a
expor a seguir.

4. AS RELAÇÕES JURÍDICAS DO VAREJO SUPERMERCADISTA

No contexto de uma moderna análise antitruste que visualiza os


supermercados como plataformas de dois lados com características de
gargalo à concorrência, será proposto um novo modo de compreensão
das possíveis relações jurídicas dos agentes no varejo supermercadista.

Estudos em Direito da Concorrência 169


Amanda Athayde

Para além das tradicionais relações horizontais entre varejista e


varejista (concorrentes) e fornecedor e fornecedor (concorrentes),
e vertical entre varejista e fornecedor (comprador/prestador de
serviços de acesso à plataforma), há também dois novos paradigmas
“híbridos”214 de relação vertical entre varejista e fornecedor que
são pouco mencionados: primeiro do supermercado concorrente
dos seus fornecedores (detentor de marcas próprias), e segundo do
supermercado como fornecedor da indústria fornecedora (detentor
do espaço nas gôndolas/prestador de serviços dentro da plataforma).
Esses dois últimos paradigmas da relação vertical, por sua vez, podem
também ter repercussões horizontais e diagonais. Esse emaranhado
de relações jurídicas, possivelmente conflitantes, pode ser observado
na Figura 3, a seguir.
FIGURA 3: RELAÇÕES JURÍDICAS DO VAREJO SUPERMERCADISTA

214 Esse emaranhado “híbrido” de relações horizontais e verticais foi estudado


por Lianos (2009, p. 99-124). “The competition assessment of hybrid commercial practices
in distribution, such as dual distribution and private labels, unveils the conceptual
weakness of the vertical/horizontal dichotomy and the risks of a formalistic approach in
characterizing the restraints. The main reason for introducing this dichotomy was the shift
towards an effects-based economic oriented approach. The labels, vertical and horizontal,
do not, however, always correspond to clear presumptions of anti- or pro-competitive effects
and are subject to manipulation. The risk is that competition authorities and courts focus
on the vertical or horizontal character of the restriction, instead of examining the actual or
potential anticompetitive effects and the economic context of the agreement”. Outro autor
que tratou do tema, especificamente sob a perspectiva da comunidade europeia,
foi Gilo (2009, p. 140-160).

170 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

4.1. AS RELAÇÕES JURÍDICAS DO VAREJO


SUPERMERCADISTA NAS RELAÇÕES VERTICAIS

Diversos acadêmicos, como Dobson (2005) e Gordilho Jr. (2012),


e autoridades antitruste estrangeiras, como a Comissão Europeia
(2010c), apontam no sentido de que os supermercados não podem
mais ser vistos como meros compradores no mercado, nos termos
da tradicional análise do varejo supermercadista. Em uma moderna
visão do setor, considerando o supermercado como plataforma de
dois lados com características de gargalo à concorrência, observa-
se que, nas relações verticais entre varejista e fornecedor, o supermercado
possui a capacidade de exercer, individual ou conjuntamente, pelo menos três
relações jurídicas: comprador/prestador de serviços de acesso à plataforma,
fornecedor da indústria fornecedora/prestador de serviços dentro da
plataforma e concorrente/detentor de marcas próprias. No exercício
dessas três relações jurídicas, os objetivos do varejista podem não
ser coincidentes - ou seja, podem ser conflitantes -, o que pode trazer
questionamentos concorrenciais e reforça o papel não neutro desse
agente no mercado. Essas três relações jurídicas do varejista com o
fornecedor nas relações verticais serão detalhadas a seguir.

4.1.1 VAREJISTA COMO PRESTADOR DE SERVIÇOS AO FORNECEDOR


PARA ACESSO À PLATAFORMA (COMPRADOR DO FORNECEDOR)

A primeira relação jurídica do varejista na relação vertical


com os fornecedores é a mais comumente mencionada pela visão
tradicional, do supermercado como comprador de produtos de marca
independente do fornecedor. Considerando o novo paradigma dos
supermercados como plataformas de dois lados com características
de gargalo à concorrência, essa função dissocia-se apenas da sua visão
como comprador e alia-se à visão do varejista como prestador de
serviços para fornecedores e consumidores finais na plataforma. Isso
significa que o supermercado não simplesmente compra o produto,

Estudos em Direito da Concorrência 171


Amanda Athayde

embute sua margem de lucro e revende, como um simples revendedor.


Ele, sob essa moderna visão, tem uma atuação mais abrangente, de
prestador de serviços, autorizando ou não, em cada caso e a partir do
cumprimento ou não de determinadas exigências, que produtos
entrem em sua plataforma - ou seja, em suas lojas.
No exercício dessa primeira relação jurídica, o varejista
implementa práticas comerciais verticais possivelmente questionáveis
em termos concorrenciais, como as transferências de custos e de
riscos, a alteração de cláusulas contratuais de modo retroativo e a
influência nos fornecedores dos fornecedores.

4.1.2 VAREJISTA COMO PRESTADOR DE SERVIÇOS


AO FORNECEDOR DENTRO DA PLATAFORMA
(FORNECEDOR DA INDÚSTRIA FORNECEDORA)

Uma segunda relação jurídica do varejista na relação vertical com


os fornecedores diz respeito à sua atuação ao comercializar espaços
em gôndolas para a venda dos produtos de marca independente.
O supermercado, ao ser o gargalo à concorrência que intermedeia
consumidores finais e fornecedores, controla elementos essenciais
para o sucesso de um produto (como preço, apresentação e marketing),
e passa a ser um prestador de serviços dentro da plataforma, ou seja,
dentro da loja.
No exercício dessa segunda relação jurídica, o varejista
implementa práticas comerciais verticais possivelmente questionáveis
em termos concorrenciais, genericamente denominadas pagamentos
de taxas e condições de acesso (“access fees and terms”) para espaço
em gôndola, que incluem não apenas os efetivos pagamentos, mas
também práticas como a gestão de categorias, relacionadas também
ao modo de exposição dos produtos nas prateleiras de suas lojas
(“planogram”).215

215 Por “planogram” entende-se a representação gráfica do layout dos produtos de uma
categoria em determinada área (gôndola) da loja (ESPANHA, 2011, p. 93). Ademais,

172 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

4.1.3. VAREJISTA COMO CONCORRENTE DO


FORNECEDOR (CONCORRENTE DO FORNECEDOR)

A terceira relação jurídica do varejista na relação vertical com


os fornecedores surge com a criação das marcas próprias, por meio
da qual os grandes supermercados se tornaram um dos concorrentes
mais importantes da indústria fornecedora. O varejista deixa de ser um
mero distribuidor de produtos aos consumidores e sua atuação como
detentor de produtos de marcas próprias o leva, automaticamente, a
ser concorrente dos fornecedores detentores de produtos de marca
independente. Os incentivos do supermercado, portanto, evidenciam-
se ainda mais conflitantes na medida em que, de uma relação verticial,
passa-se a repercussões horizontais no mercado.
No exercício dessa terceira relação jurídica, o varejista
implementa práticas comerciais verticais possivelmente questionáveis
em termos concorrenciais, como aquelas que alteram a dinâmica de
acesso à e dentro da plataforma aos fornecedores concorrentes das
marcas próprias.

4.2. AS RELAÇÕES JURÍDICAS DO VAREJO


SUPERMERCADISTA NAS RELAÇÕES HORIZONTAIS

Além das relações verticais entre varejista e fornecedor, existem


no varejo supermercadista as tradicionais relações horizontais entre
os agentes econômicos no mercado, que serão abordadas a seguir.

pode ser entendida como a diagramação ilustrativa da localização dos produtos nas
gôndolas do varejista, a quantidade de espaço em que o produto será alocado e quantas
faces/exposições cada produto vai ter na ilha da categoria (AUSTRÁLIA, 2008, p. 337).

Estudos em Direito da Concorrência 173


Amanda Athayde

4.2.1 VAREJISTA CONCORRENTE DO VAREJISTA

Uma quarta relação jurídica, na relação horizontal no mercado


de varejista (venda), diz respeito ao fato de os supermercados
se encontrarem em posição de concorrência horizontal com os
demais supermercados. Nesse exercício, os varejistas são capazes
de implementar práticas que podem prejudicar a concorrência
horizontal.

4.2.2 FORNECEDOR CONCORRENTE DO FORNECEDOR

Uma quinta relação jurídica, na relação horizontal no mercado


de aprovisionamento (compra), diz respeito aos fornecedores que se
encontram em posição de concorrência horizontal com os demais
fornecedores. A visão antitruste tradicional centra suas preocupações
nessa área, considerando as eventuais restrições impostas pelos
fabricantes no mercado em termos de oferta no mercado216. No
exercício dessa quinta relação jurídica os fornecedores são capazes
de implementar práticas que podem prejudicar a concorrência
horizontal.

CONCLUSÃO

A proposta de uma moderna análise antitruste do varejo


supermercadista contempla os supermercados como plataformas de
dois lados com características de gargalo à concorrência. Ao adotar
essa nova visão, supera-se a análise tradicional segundo a qual os

216 Borghesani, Cruz e Berry (1998) apontam que, historicamente, as preocupações


concorrenciais se concentravam nas discrepâncias causadas pelos fabricantes no
mercado (“manufacturer push market”). Porém, de maneira crescente, estar-se-ia
observando que a mudança de poder está tendendo sua balança para os varejistas
(“consumer pull market”). Advertem, no entanto, que as políticas antitruste e seus casos
julgados, no entanto, refletiriam apenas o poder dos fabricantes, sem se atentar para
essa alteração no jogo de poder.

174 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

supermercados seriam agentes neutros no mercado que simplesmente


transmitiriam a demanda dos consumidores para os fornecedores,
com resultados nulos ou positivos para o mercado, privilegiando-
se, portanto, os resultados dinâmicos no mercado de médio e longo
prazo, especialmente em um mercado tão afeto ao consumidor, que
atende às demandas mais básicas, como alimentação (produtos não
duráveis) e bens (produtos duráveis).
Conforme a teoria do “two-sided platforms”, plataformas de dois
lados possuem três características fundamentais: (i) a existência de
dois grupos distintos que precisam um do outro de alguma maneira
e que confiam na plataforma para intermediar as transações entre
eles; (ii) a existência de externalidades indiretas entre os grupos de
consumidores; e (iii) a não neutralidade da estrutura de preço. Por
sua vez, essas plataformas de dois lados se configuram como gargalos
à concorrência se: (iv) operam em mercados concentrados e que
possuem algum poder de mercado, ainda que pela análise tradicional
não tenham posição dominante; (v) possuem alto nível de fidelidade/
lock in dos consumidores de um lado da plataforma (single-home); e (vi)
são capazes de explorar o grupo do outro lado da plataforma (multi-
home), pois esses vendedores precisam de acesso à plataforma para
alcançar os consumidores finais de maneira economicamente viável.
A evolução da análise antitruste do varejo supermercadista se
imbui do novo paradigma dos supermercados como plataformas de
dois lados. De um lado da plataforma, o supermercado presta serviços
de one-stop shopping aos consumidores finais. Do outro, o supermercado
também presta serviços de acesso à e dentro da loja aos fornecedores.
A existência desses dois grupos distintos que precisam um do outro
e que confiam na plataforma do supermercado para intermediar as
transações entre eles marca uma das características fundamentais da
plataforma de dois lados. Outro ponto marcante dessa plataforma dos
supermercados é a existência de externalidades indiretas entre os dois
grupos, uma vez que o valor dos supermercados para os consumidores
finais aumenta o seu valor para os fornecedores, e vice-versa. Quanto
à característica da não neutralidade da estrutura de preço das

Estudos em Direito da Concorrência 175


Amanda Athayde

plataformas de dois lados, foi possível notar que os supermercados


alteram a estrutura de preços dos fornecedores aos consumidores
finais e não são agentes neutros nesse mercado.
Os supermercados, como plataformas de dois lados, também
têm características de gargalo à concorrência (“gatekeepers”). Estão
em mercados concentrados, têm alto nível de fidelidade/lock in dos
consumidores finais (single-home) e são capazes de explorar os
fornecedores (multi-home).
Nesse contexto, propõe-se um novo modo de compreensão das
possíveis relações jurídicas dos agentes no varejo supermercadista.
Para além das tradicionais relações horizontais entre varejista e
varejista (concorrentes) e fornecedor e fornecedor (concorrentes), e
vertical entre varejista e fornecedor (comprador/prestador de serviços
de acesso à plataforma), há também dois novos paradigmas “híbridos”
de relação vertical entre varejista e fornecedor que são pouco
mencionados: primeiro, o paradigma do supermercado concorrente
dos seus fornecedores (detentor de marcas próprias), e, segundo, o do
supermercado como fornecedor da indústria fornecedora (detentor
do espaço nas gôndolas/prestador de serviços dentro da plataforma).
A partir da compreensão desses novos paradigmas, o direito da
concorrência pode desenvolver novas ferramentas e, assim, alcançar
melhores resultados para garantir a concorrência qualitativa e, ao fim
e ao cabo, a justiça social, fins constitucionais atribuídos a esse ramo
do direito.

176 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

INTERFACES ENTRE SEGUROS D&O, ACORDOS


DE LENIÊNCIA, TERMOS DE COMPROMISSO
E GOVERNANÇA CORPORATIVA

Publicado originalmente em: Temas atuais de Direito dos Seguros:


Tomo II/ Coordenação Ilan Goldberg, Thiago Junqueira. 1ª ed. São Paulo:
Thomson Reuteurs Brasil, 2020. Capítulo 15.

Amanda Athayde

Matheus Vinícius Aguiar Rodrigues

Resumo: Os seguros Directors and Officers Liability Insurance


(D&O) e os Acordos de Leniência se depararam com o mesmo
catalisador na histórica brasileira: a Operação Lava-Jato. A operação
aumentou a percepção de risco patrimonial pelos administradores e
impactou o ramo D&O: as seguradoras se tornaram mais criteriosas,
atualizaram as perdas com a elevada sinistralidade e limitaram
coberturas. Por sua vez, a operação também foi o primeiro grande
teste para os Acordos de Leniência Anticorrupção (Lei 12.846/2013),
tendo se utilizado fortemente dos Acordos de Leniência Antitruste
(Lei 12.529/2011). Nesse contexto, o presente artigo busca responder
duas perguntas. A primeira delas é a seguinte: a existência de seguro
D&O, notadamente aquele contratado pela empresa em benefício
primário do administrador, é elemento relevante na tomada de
decisão empresarial sobre a propositura de um Acordo de Leniência
ou de um acordo subsequente, como um Termo de Compromisso
(TC)? Já a segunda pergunta é a seguinte: a existência do seguro D&O
pode ser elemento relevante para fortalecer os pilares de efetividade
de um Programa de Leniência? Ao final, argumenta-se que o seguro
D&O, além de ser capaz de contribuir com a finalidade reparatória e
ressarcitória de um Programa de Leniência, é também instrumento
relevante nas justificativas estatais de criação desses instrumentos
consensuais no direito administrativo sancionador, porquanto atua

Estudos em Direito da Concorrência 177


Amanda Athayde

como um instrumento de gerenciamento de riscos e de governança


corporativa, incrementando a possibilidade de autodenúncia de
ilícitos de difícil detecção objeto dos Programas de Leniência.
Palavras-chave: Seguro D&O. Acordo de Leniência. Termo de
Compromisso. Governança Corporativa.
Sumário: 1. Do encontro do Seguro D&O e dos Acordos de
Leniência no âmbito da Operação Lava-Jato. 2. Da cobertura do
Seguro D&O quanto às práticas objeto de Acordos de Leniência e TCs.
2.1. Da cobertura do Seguro D&O quanto às práticas objeto de Acordo
de Leniência. 2.2Da cobertura do Seguro D&O quanto às práticas
objeto de TCs: proposta de requisitos 3. Da governança corporativa
como elemento de convergência entre Acordos de Leniência e D&O.
Considerações Finais

1.DO ENCONTRO DO SEGURO D&O E DOS ACORDOS DE


LENIÊNCIA NO ÂMBITO DA OPERAÇÃO LAVA-JATO

Seguros D&O (Directors and Officers Liability Insurance) são


“apólices multirriscos de natureza mista”, destinadas à cobertura
dos “riscos de administração” em uma sociedade empresarial217. O
principal efeito jurídico decorrente da contratação do seguro D&O é
a transferência de um risco patrimonial a uma seguradora, mediante

217 A SUSEP (Superintendência de Seguros Privados) classifica o seguro D&O como


um ramo específico de seguro de responsabilidade civil, denominando-o como
um seguro RC D&O. Não obstante, além de privilegiar a precisão terminológica,
é importante diferenciá-los. O seguro D&O é mais amplo que um mero seguro de
responsabilidade, prevendo (i) coberturas para a própria companhia tomadora (side
C; entity coverage), (ii) coberturas atípicas a um seguro de responsabilidade civil (eg.,
gastos com publicidade, penhora online, indisponibilidade de bens do administrador
e dos familiares, multas, extradição etc) e, ainda, coberturas a um amplo leque de
responsabilidades (eg., trabalhista, antitruste, tributária, civil etc), assegurando,
portanto, uma cobertura genérica ao risco de administrar uma sociedade empresarial.
Nesse sentido: LACERDA, Maurício Andere Von Bruck. O seguro dos administradores
no Brasil: o D&O Insurance brasileiro. Curitiba: Juruá, 2013.p. 106-110. Em recente
obra, Ilan Goldberg também diferencia o Seguro D&O e o seguro de responsabilidade
civil com fulcro na teoria pugliattiana da causa do negócio jurídico. (GOLDBERG, Ilan.
O contrato de seguro D&O. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 154).

178 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

uma contraprestação financeira (prêmio), em virtude de eventuais


processos de responsabilização (eg., trabalhista, antitruste, tributária,
societária, administrativa, civil etc.). O risco patrimonial transferido
pode ser tanto dos administradores (side a) quanto da própria sociedade
(side b e, possivelmente, side c)218.
Acordos de Leniência são instrumentos celebrados entre uma
autoridade pública investigadora e um agente privado (seja este
uma pessoa jurídica ou física), por meio do qual aquela concede
a extinção ou o abrandamento da penalidade aplicável ao agente,
recebendo em troca provas e a colaboração material e processual
ao longo das investigações219. O Programa de Leniência, por sua vez,
consiste no arcabouço jurídico que provê incentivos da autoridade
pública investigadora para que os agentes privados a procurem para a
negociação dos referidos Acordos de Leniência.
Em comum, verifica-se que esses instrumentos se depararam
com o mesmo catalisador na história brasileira: a Operação Lava-
Jato. Desde 2014220, essa investigação engendrou um contexto que
transformou os arranjos regulatórios dos Acordos de Leniência e dos
seguros D&O, que popularizou e iluminou o D&O como a principal
garantia patrimonial dos administradores e que impulsionou a procura
e a celebração dos Acordos de Leniência disponíveis na legislação
brasileira.

218 Há, em síntese, duas coberturas básicas nas apólices D&O: (i) a cobertura A
(side a), na qual a seguradora se compromete a pagar, em nome do segurado, os
prejuízos financeiros resultante de determinado sinistro (art. 5º, caput, da Circular
SUSEP nº 553/2017); e (ii) a cobertura B (side b), na qual a seguradora se compromete a
reembolsar à sociedade tomadora os dispêndios realizados em benefício do segurado
diante de determinado sinistro (art. 5º, §2º, inc. II, da Circular SUSEP nº 553/2017).
Há, ainda, a cobertura C (side c), notadamente comercializada no mercado brasileiro
como uma cobertura adicional destinada às reclamações relacionadas aos valores
mobiliários.
219 ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordo de Leniência no Brasil: teoria e prática
– CADE, BC, CVM, CGU, AGU, TCU, MP. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 30
220 Segundo o Ministério Público Federal, a fase ostensiva da operação iniciou em
17 de março de 2014, quando se deflagrou a “primeira fase” da operação. Disponível
em: http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/entenda-o-caso/entenda-o-caso.
Acesso em: 08 de junho de 2020.

Estudos em Direito da Concorrência 179


Amanda Athayde

Dessa maneira, apesar de permanecer em verdadeiro estado de


latência por aproximadamente duas décadas221, a partir da Operação
Lava-Jato as apólices D&O se demonstraram imprescindíveis,
sobretudo diante do aumento da percepção de risco patrimonial pelos
administradores222. Esse cenário é ilustrado pelos atuais números

221 Entre as razões que, paulatinamente, concorreram à popularização do seguro


D&O, destacam-se: (i) a previsão da desconsideração da personalidade jurídica, no
Código Civil de 2002, o que fez aumentar a procura dessas apólices por sociedades
limitadas, sociedades sem fins lucrativos e instituições financeiras; (ii) a edição da
Lei Complementar n. 126, de 15 de janeiro de 2007, que encerrou o monopólio da
estatal IRB-Brasil Resseguros S.A.; (iii) a crise mundial de 2008, que aumentou a
percepção de risco, por parte dos administradores, quanto à possibilidade de serem
responsabilizados pessoal (vg., caso Aracruz S.A. e o Caso Sadia S.A.); e, por fim, (iv)
os reflexos da operação Lava-Jato. (FARIA, Clara Beatriz Lourenço de. O seguro D&O
e a proteção ao patrimônio dos administradores. 2. ed. São Paulo: Almeida, 2015 p.
79-82).
222 O aumento do risco patrimonial dos administradores é consequência (i) da erosão
dos filtros tradicionais de reparação, por um lado, e (ii) do surgimento/recrudescimento
de novas hipóteses de responsabilização/penalidades dos administradores. O
primeiro aspecto é reflexo, sobretudo, da “crise na responsabilidade civil”, que
impacta, nas ações de responsabilidade ajuizadas contra os administradores, o
direito societário e o mercado de capitais. Essa crise se notabiliza pela progressiva
“erosão dos filtros tradicionais de reparação”, em um contexto de arrefecimento da
importância da culpa (ocaso da culpa) e do nexo de causalidade na obrigação de
indenizar (SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da
erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2015,
p. 11, 12). Em sentido análogo, Orlando Gomes descreve esse fenômeno como o “giro
conceitual da responsabilidade civil” (GOMES, Orlando. Tendências modernas na
teoria da responsabilidade civil. In: DI FRANCESCO, José Roberto Pacheco (Org.).
Estudos em homenagem ao Professor Silvio Rodrigues. São Paulo: Saraiva, 1989,
p. 293). Em relação às novas hipóteses de responsabilização/recrudescimento da
responsabilidade societária dos administradores, ressaltam-se as alterações da Lei n.
13.506/2017. Esse recente estatuto é encarado pela ABRASCA (Associação Brasileira das
Companhias Abertas) como um dos principais motivos pelos quais as seguradoras se
tornaram mais criteriosas em novas subscrições de apólices, concorrendo como uma
das causas ao período de hard market no ramo de D&O (PLOGER, Alfried. Contrato de
Indenidade para as Companhias Abertas. Revista RI – Relação com Investidores, n.
217, 2017. Disponível em: https://www.revistari.com.br/217/1290>. Acesso em: 10 jun.
2020.). Além dos fenômenos já descritos, destacam-se, como fator capaz de reforçar
o risco patrimonial e a complexidade da administração societária, (i) a ampliação
dos destinatários do dever de lealdade (FRAZÃO, Ana. Função social de empresa:
repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de
S/As. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 343, 345); (ii) o grau de incerteza, generalidade
e fluidez do dever de diligência (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial:
Direito de Empresa [livro eletrônico]. vol. 2, 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters
Brasil, 2019, RB-9.4); e (iii) a insuficiência da business judgment rule no direito
brasileiro (PARGENDLER, Mariana. Responsabilidade Civil dos Administradores e

180 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

no ramo D&O: a sinistralidade saltou de 32%, em 2013, para 152%


em 2019, ao passo que os prêmios diretos auferidos pela seguradora
aumentaram cerca de 51%223. Esses números exemplificam um
período de hard market224 nesse ramo: as seguradoras se tornaram
mais criteriosas, atualizaram as perdas com a elevada sinistralidade,
limitaram e excluíram coberturas225.
Esse protagonismo do seguro D&O despertou a atenção dos
órgãos reguladores. Em 2016226, a Superintendência de Seguros

Business Judgment Rule no Direito Brasileiro. Revista dos Tribunais. vol. 953, 2015, p.
51-74). Nesse cenário, a administração de sociedades anônimas se torna um desafio
complexo e com elevados riscos patrimoniais, mesmo diante de uma administração
leal e diligente.
223 Dados retirados do SES (Sistema de Estatísticas da SUSEP). Disponível em: http://
www2.susep.gov.br/menuestatistica/SES/premiosesinistros.aspx?id=54. Acesso em:
09 jun. 2020.
224 O mercado de seguros, em geral, é cíclico; e os termos hard maket e soft market
são usados para descrever esse fenômeno. O período de hard market é assim definido
pelo International Risk Management Institute: “in the insurance industry, the upswing
in a market cycle, when premiums increase and capacity for most types of insurance
decreases. Can be caused by a number of factors, including falling investment returns
for insurers, increases in frequency or severity of losses, and regulatory intervention
deemed to be against the interests of insurers”. Disponível em: https://www.irmi.com/
term/insurance-definitions/hard-market. Acesso em: 17 jun. 2020. Para descrever
esse ciclo de subscrição de seguros no ramo D&O, destaca-se a seguinte leitura:
BAKER, Tom; GRIFFITH, Sean J. Predicting Corporate Governance Risk: Evidence
from the Directors’ and Officers’ Liability Insurance Market. Chicago Law Review,
vol. 74, p. 506, 507. Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_
id=909346. Acesso em: 09 jun. 2019.
225 Uma das principais transformações na comercialização dessas apólices, após as
denúncias da Lava-Jato, foi a adoção de uma apólice com “riscos nomeados”, afastando-
se a apólice “all risks”: “Até então, o que prevalecia no mercado era uma apólice na
base ‘all­risks’. Isso significa que tudo aquilo que não está descrito explicitamente no
contrato como coberturas excluídas ou ações excluídas é passível de cobertura. Só que
com a explosão das denúncias da Lava­Jato e a recessão da economia, tudo começou
a ser questionado, e a Susep passou a apólice de ‘all risks’ para ‘riscos nomeados’,
determinando as coberturas.” BUENO, Denise. Lava-Jato provoca mudanças no D&O.
Jornal Valor Econômico, 21 mar. 2019. Disponível em: https://valor.globo.com/
financas/noticia/2017/03/21/lava-jato-provoca-mudancas-no-d-o.ghtml. Acesso em: 12
jun. 2020.
226 No dia 14 de outubro de 2016, a SUSEP publicou a primeira diretriz aplicável aos
seguros D&O, qual seja a Circular SUSEP n. 541. Não obstante, após diversas críticas
das seguradoras, a SUSEP publicou, no dia 23 de fevereiro de 2017, a Circular n. 546,
suspendendo por 90 (noventa) dias os efeitos da Circular n. 541. Desse modo, a Circular
SUSEP n. 541 sequer chegou a ter eficácia, pois as regras outrora estabelecidas somente
se aplicariam para a comercialização de apólices após o dia 01/06/2017 (art. 14).

Estudos em Direito da Concorrência 181


Amanda Athayde

Privados (SUSEP), ao consignar a necessidade de regulamentação


específica desse ramo, publicou a Circular SUSEP n. 553, de 23 de maio
de 2017, diferenciando-o dos demais seguros de responsabilidade
civil geral. Em paralelo, a Operação Lava-Jato, que impulsionou
uma agenda legislativa de combate à corrupção, também impactou
profundamente o desenvolvimento dos Programas de Leniência já
existentes no Brasil227.
Na área da defesa da concorrência, o Programa de Leniência
Antitruste, existente desde os anos 2000, foi impactado pela Operação
Lava-Jato nas negociações e nos acordos celebrados, sobretudo
voltados a cartéis em licitações públicas. Segundo dados do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE), entre o período de 2003
a 2019, 31% de todos os Acordos de Leniência assinados decorreram
dos ilícitos investigados no âmbito da Operação Lava-Jato228 (31 dentre
99 no total). Quando comparados no período de 2015 a 2019, constata-
se que 52% dos Acordos de Leniência assinados decorrem desta
operação (31 dentre 59).

Posteriormente, após alterações importantes, a SUSEP dispôs da Circular mº 553, em


23 de maio de 2017, que se tornou o principal regramento aplicável à comercialização
dessas apólices atualmente.
227 Nesse sentido, ao destacar a importância da coexistência do regime antitruste, da
lei anticorrupção e da lei de combate ao crime organizado na detecção e punição de
ilícitos, Paulo Burnier e Victor Fernandes destacam que a Lava-Jato (i) ressignificou a
importância, sobretudo, da Leniência Antitruste na detecção de carteis, (ii) colaborou
com a proliferação de programas de compliance e (iii) apontou desafios que devem
ser observados na preservação dos incentivos às futuras propostas de leniência:
“In conclusion, the ‘Car Wash’ investigations have transformed the way leniency
agreements are perceived in Brazil. The investigations have also fostered significant
support for the fight against cartels, in particular big rigging. Follow-up damages
claims will also increase, which will require careful legal treatment of documents in
order to preserve the proper incentives for future leniency applications. The full effect
of these investigations is yet to be determined but certain benefits are already widely
observed.” (DA SILVEIRA, Paulo Burnier; FERNANDES, Victor Oliveira. The ‘Car Wash
Operation’ in Brazil: Challenges and Perspectives in the Fight against Big Rigging. In:
DA SILVEIRA, Paulo Burnier; KOVACIC, William Evan (Coord.). Global Competition
Enforcement: New Players, New Challenges. West Sussex: Wolters Kluwer, 2019, p.
154).
228 Disponível em: http://www.cade.gov.br/assuntos/programa-de-leniencia/
estatisticas. Acesso em 14 jun. 2020.

182 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Ainda, a Lei n. 12.846/13, que passou a disciplinar o Programa


de Leniência Anticorrupção, tornou possível à autoridade máxima
de cada órgão ou entidade pública federal, estadual ou municipal
celebrar Acordos de Leniência com as pessoas jurídicas responsáveis
pelas práticas dos ilícitos disciplinados nesta lei. Segundo dados da
CGU (Controladoria-Geral da União), o programa de leniência foi
impactado pela Operação Lava-Jato na medida em que 82% dos Acordos
de Leniência celebrados pela CGU em conjunto com a Advocacia-Geral
da União (AGU) foram firmados com empresas investigadas na Lava-
Jato229 (9 dentre os 11 no total).
Os efeitos positivos para a sociedade brasileira decorrentes da
existência dos Programas de Leniência fomentaram a inserção de
novos instrumentos em outras áreas. A Lei n. 13.506/17 inaugurou
a discussão dos Acordos de Leniência no Banco Central (BC) e na
Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Mais recentemente, a Lei
n. 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), impactando o Programa de
Leniência do Ministério Público, inseriu a possibilidade do “acordo
de não persecução cível” em relação às infrações administrativas
dispostas na Lei n. 8.429/92.
Estabelecida essa convergência entre a Operação Lava-Jato
e os dois institutos —o seguro D&O e os Acordos de Leniência —, o
presente artigo se propõe a apresentar duas interfaces entre esses
instrumentos contratuais. A primeira pergunta que se pretende
responder neste artigo é a seguinte: a existência de seguro D&O,
notadamente aquele contratado pela empresa em benefício primário
do administrador230, é elemento relevante na tomada de decisão
empresarial sobre a propositura de um Acordo de Leniência ou de um
acordo subsequente, como um TC? A hipótese seria de que, dadas as

229 Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/responsabilizacao-de-


empresas/lei-anticorrupcao/acordo-leniencia. Acesso em 14 jun. 2020.
230 O advérbio “notadamente” não é um despropósito, tendo em vista que a Circular
SUSEP nº 553/2017 possibilita que esta apólice seja contratada diretamente pelos
administradores (pessoa física), conforme art. 4º, §3º. Em que pese essa facultatividade
conferida pela SUSEP, cabe destacar que, após monitoramento de Ilan Goldberg, não
existe até o momento esse mercado no Brasil (GOLDBERG, Ilan., Op. cit., p. 350).

Estudos em Direito da Concorrência 183


Amanda Athayde

coberturas dos seguros D&O (eg., indenizações em consequência de


processos judiciais e custos de defesa), as empresas se sentiriam mais
seguras na propositura e celebração dos acordos.
Para tanto, em um primeiro momento, serão apresentados
os limites e as possíveis coberturas do seguro D&O em relação às
práticas inseridas nos Acordos de Leniência (Seção 2.1). Em seguida,
será apresentada proposta de requisitos para os limites e as possíveis
coberturas do seguro D&O em relação às práticas inseridas nos
TCs, considerando a natureza das “contribuições pecuniárias” e das
“indenizações” pactuadas neste instrumento (Seção 2.2).
A segunda pergunta que se pretende endereçar neste artigo,
a partir da resposta anterior, é a seguinte: a existência do seguro
D&O pode ser elemento relevante para fortalecer os pilares de
efetividade de um Programa de Leniência? A hipótese seria de que
os seguros D&O incrementariam a possibilidade de autodenúncia
de ilícitos, beneficiando os pilares de eficiência de um Programa de
Leniência. Para tanto, à luz da função preventiva da responsabilidade
societária231, apresentar-se-á o seguro D&O como um instrumento de
gerenciamento de riscos e de governança corporativa, defendendo-se,
por conseguinte, que esse instituto é capaz de reforçar a efetividade
dos pilares de um Programa de Leniência (Seção 3)

231 O termo é utilizado em analogia à “responsabilidade civil preventiva”. Esse


termo é utilizado, por exemplo, pelo professor Ilan Goldberg, a partir do qual ele
descreve doutrinariamente a mudança de paradigma na responsabilidade civil (“giro
conceitual” ou “erosão dos filtros tradicionais de reparação”), também fundada em uma
responsabilidade alicerçada na presunção de causalidade (cf. também apresentado
por essa obra na roda de rodapé 4). (GOLDBERG, Ilan., Op. cit., p. 25-58). A finalidade
preventiva da responsabilidade a partir da adoção de seguros é descrita também na
doutrina norte-americana: TRAUTMAN, Lawrence J.; ALTENBAUMER-PRICE, Kara.
D&O insurance: a primer. American University Business Law Review, vol. 1, 2012.

184 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

2. DA COBERTURA DO SEGURO D&O QUANTO ÀS


PRÁTICAS OBJETO DE ACORDOS DE LENIÊNCIA E TCS

Conforme mencionado, a primeira pergunta que se pretende


responder neste artigo é a seguinte: a existência de seguro D&O,
notadamente aquele contratado pela empresa em benefício primário
do administrador, é elemento relevante na tomada de decisão
empresarial sobre a propositura de um Acordo de Leniência (2.1.) ou
de um acordo subsequente, como um Termo de Compromisso (2.2.)?

2.1 DA COBERTURA DO SEGURO D&O QUANTO ÀS


PRÁTICAS OBJETO DE ACORDO DE LENIÊNCIA

Inicialmente, é necessário o estabelecimento de duas premissas


na interface entre o D&O e a finalidade repressiva de um Programa
de Leniência. Por um lado, deve-se ressaltar que o debate se restringe
apenas à análise das principais coberturas disponibilizadas nas
apólices D&O (os custos de defesa e as indenizações)232. Por outro, deve-
se ressaltar que essa resposta perpassa, necessariamente, pela análise
da exclusão causal do seguro D&O, uma vez que essas apólices não
asseguram coberturas a atos de gestão praticados com dolo ou culpa
grave na administração da companhia233. Desse modo, nessa interface

232 Notadamente o custo de defesa é a cobertura mais importante nas apólices D&O.
Nesse sentido, destaca-se, por exemplo, a crítica de Ilan Goldberg relacionada à
redação dessa cobertura na Circular SUSEP n. 553: “Critica-se a posição adotada pela
mesma [SUSEP] quando afirma que ‘a garantia poderá abranger os custos de defesa’.
Ora, verificando-se que o custo de defesa é da essência do seguro D&O a norma deveria
ter imposto uma obrigação às seguradoras, jamais uma mera faculdade.” (GOLDBERG,
Ilan., Op. cit., p. 398).
233 A doutrina aponta que o seguro D&O possui 4 (quatro) tipos de exclusões.
Em relação às (i) exclusões subjetivas, as apólices D&O somente asseguram os
administradores e, eventualmente, as pessoas contratadas para a realização de atos de
gestão; (ii) em relação às exclusões temporais, verifica-se o seguro D&O é uma apólice
à base de reclamações, podendo estar sujeito, conforme a contratação, a cláusulas
de notificação, a prazos complementares e a prazos suplementares; (iii) já no que
tange às as exclusões causais, conforme disposto no texto, verifica-se que o seguro
D&O não assegura cobertura a atos de gestão praticados com dolo ou culpa grave na

Estudos em Direito da Concorrência 185


Amanda Athayde

haverá um diálogo natural entre a exclusão causal nas apólices D&O e a


natureza das indenizações e das contribuições pactuadas nos Acordos
de Leniência e nos TCs.
Não obstante a Circular SUSEP n. 553 dispor expressamente
sobre a exclusão das coberturas a atos dolosos e equiparados (art. 3,
inc. XVII, Circular SUSEP n. 553), verifica-se que as próprias apólices
se preocupam em exemplificar hipóteses dessa exclusão234. Dessa
maneira, embora não exaustivamente, as apólices D&O dispõem que
não asseguram os seguintes ilícitos e condutas: fraude, dolo, simulação,
lavagem de dinheiro, evasão ou sonegação fiscal, enriquecimento
ilícito, vantagens indevidas, crime contra a ordem tributária, evasão de
divisas, peculato, falsidade ideológica, contrabando ou descaminho,
falsificação de documentos ou de produtos.
Em respeito à presunção de inocência, as seguradoras, em regra,
antecipam os desembolsos com os custos de defesa do segurado,
ainda que diante de processos de responsabilização por atos dolosos
ou equiparados. Ao final, diante superveniência de sentença definitiva
( judicial, administrativa ou arbitral) ou diante da confissão desses
ilícitos, os segurados e a sociedade tomadora são obrigados a ressarcir
os valores adiantados pela seguradora. Após a Operação Lava-Jato,
contudo, algumas seguradoras passaram a introduzir a chamada
“cláusula de atos lesivos à Administração Pública”, que permitiu que,

administração da companhia; por fim, (iv) as exclusões geográficas destacam que o


seguro D&O, na ausência de coberturas adicionais, não está destinado a assegurar os
riscos decorrentes de sinistros em outros países. (GOLDBERG, Ilan., Op. cit., p. 452-
517)
234 Nesse sentido, destaca-se cláusula de exclusão da apólice padrão da ZURICH
MINAS BRASIL SEGUROS S.A: “5.1.1 Reclamações resultantes de, baseadas em,
atribuíveis a, ou em consequência de atos intencionais ilícitos dolosos ou por culpa
grave equiparável ao dolo atribuídos ao Segurado, beneficiário ou representante, de
um ou de outro, incluindo, porém não se limitando, à: fraude, dolo, simulação, lavagem
de dinheiro, evasão ou sonegação fiscal, enriquecimento ilícito, vantagens indevidas,
crime contra a ordem tributária, evasão de divisas, peculato, falsidade ideológica,
contrabando ou descaminho, falsificação de documentos ou de produtos, bem como
quaisquer outros atos ilícitos dolosos cometidos ou alegadamente cometidos pelo
Segurado.”. Disponível em: https://www.zurich.com.br/-/media/project/zwp/brazil/
docs/do-cg/v-2.pdf?la=ptr&hash=50CC11235914EAB29ABF7275A4617BEF. Acesso em
15 jun. 2020.

186 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

ao invés de antecipar os custos de defesa, as seguradoras passassem a


reembolsar o segurado pelas despesas contraídas na superveniência
de sentença definitiva que o inocente e/ou que afaste a prática de atos
ilícitos dolosos ou equiparáveis235. Trata-se, portanto, de uma alteração
na lógica securitária tradicional.
Além dessa condicionante, as seguradoras também se tornaram
mais criteriosas, dispondo de cláusulas específicas para exclusão de
reclamações decorrentes de ilícitos contra a Administração Pública.
É possível mencionar os seguintes exemplos: (i) cláusula específica
de exclusão de abuso de mercado; (ii) cláusula específica de exclusão
de reclamações de órgãos oficiais (assim entendido como qualquer
órgão ou agência governamental ou administrativa com poderes
regulatórios, normativos e fiscalizatórios); (iii) cláusula específica
de exclusão de coberturas referente a qualquer indenização disposta
em Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) ou em Termos de
Compromisso (TC); (iv) cláusula específica de exclusão de qualquer
indenização decorrente de processos administrativos em Tribunais
de Contas; (v) cláusula específica de exclusão de atos lesivos contra a
administração pública ou privada, nacional ou estrangeira, inclusive
custos de defesa; e (vi) cláusula específica de exclusão de reclamações
decorrentes de práticas anticoncorrenciais236.
Dessa maneira, a interface entre os eventuais benefícios
administrativos e cíveis nos Programas de Leniência e as coberturas
D&O será ontologicamente restrita. Isso porque as infrações inseridas
nesses acordos, a depender dos requisitos do instrumento consensual

235 Nesse sentido: “Em vez de antecipar os custos de defesa e determinar o direito à
repetição se, ao final, restar reconhecido o dolo do segurado, a cláusula determina a
sistemática inversa: demonstrada a condição — inexistência de dolo do administrador
por decisão final — a seguradora reembolsará os custos de defesa.” (GOLDBERG, Ilan.,
Op. cit., p. 507). Esse autor ainda traz um exemplo ilustrativo dessa cláusula em uma
apólice, na nota de rodapé 430. A legalidade dessa cláusula pode ser questionada à luz
da eficácia irradiante da presunção de inocência (art. 5º, inc. LVII, da Constituição
Federal).
236 Para ilustrar os modelos de cláusulas específicas de exclusão, destacam-se as
redações modelos da apólice padrão da ZURICH MINAS BRASIL SEGUROS S.A..
Disponível em: https://www.zurich.com.br/-/media/project/zwp/brazil/docs/do-cg/v-2.
pdf?la=ptr&hash=50CC11235914EAB29ABF7275A4617BEF. Acesso em 15 jun. 2020.

Estudos em Direito da Concorrência 187


Amanda Athayde

celebrado (seja Acordo de Leniência, seja TC), poderão esbarrar


justamente na exclusão causal dessas apólices D&O. Essa constatação
se torna clarividente, eg., na medida em que o Acordo de Leniência
exige a confissão do signatário, ao passo que o TC demanda tão
somente o reconhecimento de participação nos fatos.
Evidencia-se, portanto, que a natureza do Acordo de Leniência
(instrumento de investigação e meio de produção de prova) afasta as
coberturas do D&O, uma vez que exige a confissão237, pelos signatários, da
prática de ilícitos dolosos ou equiparáveis. Essa natureza ontologicamente
incompatível entre os institutos se reverbera mesmo no Acordo de
Leniência total, na qual a autoridade estatal confere imunidade
administrativa ao signatário. Nessa hipótese, a apólice D&O não irá
assegurar os desembolsos com a defesa de advogados, ao longo do
processo de negociação do instrumento, bem como não assegurará
eventuais desembolsos com possíveis condenações de natureza cível
subsequentes, dado que não há a quitação integral do dano nesse
acordo238.
Por outro lado, em relação aos TCs atualmente existentes
(no Sistema Financeiro Nacional e na Lei Antitruste), há caminho
para eventual compatibilização entre os institutos, sobretudo
diante da natureza desse instrumento, que é encerrar de forma
eficaz e proporcional um processo de responsabilização em face do
compromissário239. Esse diálogo pressupõe parcimônia e equilíbrio,

237 Vide nota de rodapé 28.


238 Nenhum Programa de Leniência confere quitação integração dos danos ao
signatário/compromissário. A Leniência Antitruste, por exemplo, expressamente
declara o direito de ação que eventuais prejudicados possuem, na defesa de
interesses individuais ou individuais homogêneos, na persecução de indenizações
em decorrência de perdas e danos suportados, independentemente de inquérito ou
processo administrativo (art. 47, da Lei n. 12.529/2011). Em sentido semelhante a
Leniência no Sistema Financeiro Nacional (art. 87, §7º, da Circular BC n. 3.857/2017
e o art. 101, §8º, da Instrução CVM n. 607/2019) Proposta de Instrução da CVM) e a
Leniência Anticorrupção (art. 16, §3º, da Lei n. 12.846/2013).
239 Nesse sentido: “[...] é importante que se tenha clara a distinção de objetivos de
ambos os acordos: os Acordos de Leniência são instrumentos de investigação, ao
passo que os Termos de Compromisso são instrumentos de encerramento eficaz e
proporcional dos processos em curso no BC e na CVM (à exceção dos casos de infração

188 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

capaz de compatibilizar o mutualismo nesse ramo securitário240 e a


função repressiva (punitiva e reparatória) da responsabilidade. Para
tanto, a seguir serão propostos requisitos para eventuais coberturas
securitárias do D&O quanto às infrações objeto de TCs.

2.2 DA COBERTURA DO SEGURO D&O QUANTO ÀS


PRÁTICAS OBJETO DE TCS: PROPOSTA DE REQUISITOS

Conforme supramencionado, uma vez que o Acordo de Leniência


exige a confissão, pelos signatários, da prática de ilícitos dolosos ou
equiparáveis, afastam-se as coberturas do D&O. Isso não acontece de modo
tão evidente nos TCs, ante a inexistência de confissão de ilícitos dolosos
ou equiparáveis pelos administradores ou pelas sociedades beneficiárias.
Há, portanto, a possibilidade, em abstrato, de existir a cobertura
securitária. Essa cobertura do seguro D&O a (i) multas administrativas
(“contribuições pecuniárias”), a (ii) eventuais indenizações impostas
(reparação de danos) e a (iii) custos de defesa, no processo de
negociação desse instrumento, deve se submeter, porém, a requisitos
minuciosos241.

grave, nos quais não cabe celebração de Termos de Compromisso no BC).”. (ATHAYDE,
Amanda., Op. cit., p. 175)
240 Sobre a definição e importância do mutualismo no direito securitário, destaca-se:
“Ao efetuar o pagamento do prêmio relacionado a determinado contrato de seguro,
deve-se compreender que esta quantia será destinada a um fundo cuja administração
deverá ficar a cargo da seguradora. É justamente trabalhando com milhares de
pagamentos diferentes, classificados por ramos, grupos, entre outras diversas
variantes que as seguradoras terão condições de administrar as suas carteiras,
regulando e liquidando os sinistros cobertos. O mutualismo, assim, relaciona-se
diretamente com a chamada ‘Lei dos Grandes Números’, que remete ao cálculo
atuarial. A operação técnica do contrato de seguro é examinada a partir de grandes
grupos de segurados e de sinistros em série, o que permite ao subscritor do
risco analisar, com certa margem de previsibilidade, os acontecimentos futuros,
prevendo, portanto, as chamadas taxas de sinistralidade.” (GOLDBERG, Ilan.
Reflexões a Respeito do Contrato de Seguro. In: CARVALHOSA, Modesto. Contratos
Mercantis [livro eletrônico]. Coleção Tratado de Direito Empresarial, vol. IV. 1. ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, grifo nosso).
241 Art. 5º, da Circular SUSEP n. 553: “Art. 5º. [...] § 5º. A garantia poderá́ abranger
cobertura de multas e penalidades cíveis e administrativas impostas aos segurados
quando no exercício de suas funções, no tomador, e/ou em suas subsidiárias, e/ou em

Estudos em Direito da Concorrência 189


Amanda Athayde

Em síntese, propõe-se no presente artigo que eventual cobertura


do seguro D&O a práticas abarcadas por TCs deva pressupor,
necessariamente, o seguinte cenário fático:

i. os compromissários não tenham confessado a prática


de atos ilícitos dolosos ou equiparáveis, inclusive em
outros instrumentos contratuais sobre os mesmos fatos
investigados242;
ii. a apólice D&O não disponha de cláusulas específicas
de exclusão das coberturas referentes aos “prejuízos
financeiros” decorrentes de termos de compromisso;
iii. o fato e os eventuais ilícitos inseridos no escopo de TCs
estejam diretamente relacionados às responsabilidades
societárias dos administradores;

suas coligadas.”. Do outro lado, deve-se destacar que a Circular SUSEP n. 553 restou
silente quanto à cobertura de multas criminais. Sobre a doutrina que busca suprimir
essa lacuna, sugere-se a seguinte obra: GOLDBERG, Ilan., Op. cit., p. 444-452.
242 Os Termos de Compromisso no Sistema Financeiro Nacional e no CADE não
exige a confissão quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da
conduta analisada, conforme exegese do art. 11, §6º, da Lei n. 13.506/17 (BACEN); art.
11, §6º, da Lei n. 6.395/76 (CVM); e art. 183, do Regimento Interno do CADE. Nesse
sentido, em consideração sobre esse requisito na Leniência Antitruste, destaca-se:
“Primeiramente, cumpre ressaltar que a exigência contida no Regimento Interno
do Cade do reconhecimento de participação na conduta investigada — exigência
esta considerada legítima e confirmada pelos tribunais brasileiros — pode ser
interpretada como não representativa, necessariamente, de confissão formal nos
moldes criminais (prevista no artigo 64, III, ‘d’ do Código Penal e nos artigos 197 a
200 do Código de Processo Penal). Isso porque a confissão pressupõe o elemento
subjetivo do agente (culpa e/ou dolo), com o reconhecimento da imputação legal que
lhe é feita no crime, ao passo que o TCC exige simplesmente o reconhecimento de
participação nos fatos, sem esse elemento subjetivo. Trata-se, portanto, de forma
mais tênue de reconhecimento, que pode ser interpretada como resultante apenas
em efeitos administrativos, sem repercussões criminais imediatas. O reconhecimento
da participação na conduta investigada, em sede do TCC no processo administrativo,
portanto, não poderia ser processualmente utilizado como se confissão formal fosse
no processo criminal” (ATHAYDE, Amanda; DE GRANDIS, Rodrigo. Programa de
leniência antitruste e repercussões criminais: desafios e oportunidades recentes. In:
CARVALHO, Vinicius Marques de (Org.). A lei 12.529/2011 e a nova política de defesa
de concorrência. 1 ed. São Paulo: Singular, 2015. v.1. p. 287-304)

190 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

iv. os ilícitos inseridos no âmbito do TC não estejam relacionados


a danos ambientais243; e,
v. haja prévia anuência da sociedade seguradora ao termo.

Uma vez disposto os requisitos gerais que, a nosso ver, são


capazes de assegurar a observância ao mutualismo e à função social
do contrato de seguro e, também, são capazes de colaborar com a
efetividade da função reparatória e ressarcitória de Programas de
Leniência, deve-se verificar a natureza jurídica das verbas pecuniárias
assumidas pelos compromissários nos TCs. A inquirição da natureza
jurídica de tais verbas não é importante ao direito administrativo
sancionador, uma vez que estas pressupõem um acordo de vontade
entre o compromissário e o órgão administrativo. No entanto,
perquirir essa natureza jurídica é importante para a construção das
“torres de proteção D&O” e dos eventuais (sub)limites de coberturas
nessas apólices.
Na busca da natureza jurídica das verbas pecuniárias dispostas
nos TCs existentes, deve-se ressaltar que esses acordos possuem
nomenclaturas diferentes: (i) os TCs junto ao CADE dispõem apenas de
verbas pecuniárias a título de “contribuições pecuniárias” (art. 85, §1º,
inc. III, da Lei n. 12.529/11, e art. 183 do RICade); (ii) os TCs junto ao BC
dispõem, simultaneamente, de verbas a título de “indenização” (art.
11, inc. II, da Lei n. 13.506/2017) e de verbas a título de “contribuições
pecuniárias” (art. 11, inc. III, da Lei n. 13.506/2017); e (iii) os TCs junto
ao CVM dispõem apenas de verbas a título de “indenização” (art. 11,

243 As condicionantes (iv) e (v) decorrem das exclusões do seguro D&O, conforme art.
6º, da Circular SUSEP n. 553: “Além de outras exclusões previstas em lei, o seguro de
RC D&O não cobre os riscos de responsabilização civil dos segurados em decorrência
de: I - danos causados a terceiros, pelos segurados, na qualidade de cidadãos, quando
não estiverem no exercício de seus cargos no tomador, e/ou em suas subsidiárias, e/
ou em suas coligadas, situação que se enquadra em outro ramo de seguro, o seguro
de responsabilidade civil geral (RC Geral); II - danos causados a terceiros quando no
exercício de profissões liberais, fora do exercício de seus cargos no tomador, e/ou em
suas subsidiárias, e/ou em suas coligadas, que são enquadrados em outro ramo de
seguro, o seguro de responsabilidade civil profissional (RC Profissional); III - danos
ambientais, que são enquadrados em outro ramo de seguro, denominado seguro de
responsabilidade civil de riscos ambientais (RC Riscos Ambientais).”.

Estudos em Direito da Concorrência 191


Amanda Athayde

§5º, inc. II, da Lei n. 6.385/76, e art. 82, inc. II, da Instrução CVM nº 607,
de 17 de junho de 2019). Dessa maneira, a partir das especificidades e
das condições da apólice, as “contribuições pecuniárias” — presentes
no TCCs junto ao CADE e no TCs junto ao BC — e as “indenizações” —
presentes apenas no TCs junto ao BC e à CVM — podem ser inseridas em
diferentes (sub)limites para fins de cobertura por parte da seguradora.
Imagem 1 – tipo de verba pecuniária contida nos termos de compromisso do
CADE, do BC e da CVM

Fonte: elaboração pelos autores.

Dúvida não parece surgir sobre o enquadramento das


indenizações pelos prejuízos provocados (natureza reparatória), no
âmbito no âmbito do TC no BC (art. 11, inc. II, da Lei n. 13.506/17)
e na CVM (art. 11, §5º, inc. II, da Lei n. 6.385/76). A indenização, no
âmbito do processo administrativo sancionador, ainda que com
eventual finalidade “intimidatória”, não se confunde com o elemento
aflitivo ou disciplinar que caracteriza a repressão punitiva das multas

192 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

administrativas244. Essas indenizações encontram cobertura expressa


e genérica na Circular SUSEP n. 553 (“reembolso das indenizações que
forem obrigados a pagar, a título de reparação, [...] por acordo com
os terceiros prejudicados, com a anuência da sociedade seguradora”)
e se aproximam dos pressupostos da responsabilidade civil, sendo
destinada, portanto, a reparar eventuais danos sociais ou difusos245
(vg., ao mercado mobiliário, aos direitos dos consumidores ou ao
sistema financeiro nacional) e/ou danos patrimoniais individuais
em decorrência dos ilícitos inseridos no escopo do termo de
compromisso246. Há que se preencher, portanto, os cinco requisitos
fáticos supramencionados.

244 Nesse sentido: “De fato, medidas ressarcitórias, ainda que dotadas de finalidades
intimidatórias, não podem, pura e simplesmente, ser tratadas como sanções
administrativas. Tal é o caso, por exemplo, de medidas fiscais gravosas e de tantas
outras que eventualmente ostentem apenas a aparência sancionatória, carecendo,
sempre, de algum de seus pressupostos, entre os quais assume vulto o elemento
finalístico ou teleológico. O que importa ressaltar, nesse contexto, é que as medidas
de cunho ressarcitório não se integram no conceito de sanção administrativa, pois
não assumem efeito aflitivo ou disciplinar, não ambicionam a repressão, mas sim
a reparação do dano, assumindo conteúdo restituitório, reparatório, submetendo-
se, nesse passo, a princípios próprios, específicos, mais próximos, naturalmente,
do Direito Civil.” (OSÓRIO, Fábio Medina. Direito administrativo sancionador [livro
eletrônico]. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, RB-2.1, grifo nosso)
245 Sobre a emergência de novos tipos de danos, na responsabilidade civil, dentre
os quais o dano social ou difuso, destaca-se: “[...] a nossa tese é bem clara: a
responsabilidade civil deve impor indenizações por danos individuais e por danos
sociais. Os danos individuais são os patrimoniais, avaliáveis em dinheiro — danos
emergentes e lucros cessantes —, e os morais — caracterizados por exclusão e arbitrados
como compensação para a dor, para lesões de direito de personalidade e para danos
patrimoniais de quantificação precisa impossível. Os danos sociais, por sua vez, são
lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio
moral — principalmente a respeito da segurança — quanto por diminuição de sua
qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo
ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas
de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral de pessoa jurídica, que
trazem diminuição da qualidade de vida da população.” (JUNQUEIRA DE AZEVEDO,
Antonio. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social.
Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 5, n. 19, p. 216, grifo nosso). Nota-
se, portanto, que os danos sociais são difusos, nos quais as vítimas são indeterminadas
ou indetermináveis (vg., art. 6º, inc. VI, do Código de Defesa do Consumidor). Nesse
sentido: TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das obrigações e responsabilidade
civil. vol. 2, 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 504-515.
246 A título exemplificativo, destaca-se a decisão do colegiado da CVM, de
05.05.2020, na Apreciação de Proposta de Termo de Compromisso, no Processo SEI

Estudos em Direito da Concorrência 193


Amanda Athayde

Por sua vez, em relação à “contribuição pecuniária” destinada ao


Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD) — nos termos dos artigos
85, §1º, inc. III, da Lei n. 12.529/11, e art. 183 do RICade, aplicáveis
ao TCC junto ao CADE —, verifica-se que essa verba possui a mesma
finalidade e destinação de uma multa administrativa. Isso porque, em
uma interpretação sistemática, essas contribuições são calculadas
com base na multa esperada pela prática do ilícito (art. 85, §2º c/c art.
37, da Lei n. 12.529/11, e art. 186 do RICade), sendo destinadas ao FDD.
O mesmo raciocínio se estende à natureza punitiva da “contribuição
pecuniária” no âmbito do TC no BC, conforme exegese do art. 11, inc.
III, da Lei n. 13.506/17.
As contribuições pecuniárias estão para as multas assim como
as empresas colaboradoras estão para as empresas investigadas/
condenadas. Trata-se apenas de nomenclaturas pelas quais o legislador
busca afastar eventuais prejuízos à reputação dos compromissários,
beneficiando-os pela colaboração com as autoridades administrativas.
Dessa maneira, essas “contribuições” devem estar abarcadas no
mesmo (sub)limite das multas administrativas nas apólices D&O e,
por conseguinte, suscitam um sexto requisito específico para que o
Seguro D&O assegure essa cobertura, qual seja a de que:

i.
a apólice D&O destine cobertura para multas e penalidades
administrativas aplicadas às pessoas físicas (empregados ou
administradores segurados) e às pessoas jurídicas (sociedade
beneficiária).
Isto posto, didaticamente, a natureza jurídica das verbas
pecuniárias assumidas pelos compromissários nos TCs pode ser
exemplificada na tabela abaixo:

n. 19957.004471/2019-34, no qual se pode verificar claramente a reparação de um


dano difuso e de um dano patrimonial individual no âmbito do TC junto à CVM. Isso
porque, nesse TC analisado, os compromissários passariam a ressarcir, diretamente,
(i) os fundos de investimento (dano individual) e, ainda, passariam a reparar os danos
difusos ao mercado de valores mobiliário (dano social ou difuso). Disponível em:
http://www.cvm.gov.br/decisoes/2020/20200505_R1/20200505_D1790.html. Acesso
em: 23 jun. 2020.

194 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Tabela 1 – verbas pecuniárias assumidas nos termos de compromissos

TERMO DE VERBAS PE- PREVISÃO NATUREZA COBERTU-


COMPRO- CUNIÁRIAS NORMATIVA JURÍDICA RA D&O
MISSO

Termo de “Contribui- Art. 85, §1º, Multa Ad- Cobertura


Compromisso ções pe- inc. III, da Lei ministrativa Específica
de Cessação cuniárias” n. 12.529/11 (6 requisitos)
(TCC) - CADE para o FDD

Termo de “Contribui- Art. 11, inc. Multa Ad- Cobertura


Compromisso ções pe- III da Lei n. ministrativa Específica
junto ao BC cuniárias” 13.506/17 (6 requisitos)

“Indeni- Art. 11, inc. Reparação Cobertura


zações” II, da Lei n. de danos Genérica
13.506/17 (5 requisitos)

Termo de “Indeni- Art. 11, §5º, Reparação Cobertura


Compromisso zações” inc. II, da Lei de danos Genérica
junto à CVM n. 6.385/76 (5 requisitos)

Fonte: elaboração pelos autores.

Diante do exposto, ainda que seja bastante estreita a janela de


interface entre a finalidade repressiva do Programa de Leniência e o
seguro D&O (circunscrita, por conseguinte, apenas às indenizações e
às multas eventualmente inseridas nos TCs), essas apólices, sobretudo
diante dos receios da CVM em relação ao Contrato de Indenidade247,

247 Os contratos de indenidade invariavelmente são também denominados


pela doutrina brasileira como “carta de conforto” (vg. FERNANDES, Jean Carlos;
GUERRA, Ricardo Henrique e Silva. O seguro D&O como instrumento de proteção
dos administradores de sociedades empresariais. Revista Eletrônica de Direito do
Centro Universitário Newton Paiva, n. 34, Belo Horizonte, 2018, p. 112-113), o que
entendemos que deveria ser evitado, vez que esse instrumento não corresponde
à confort letter nos EUA. O instrumento utilizado como proteção patrimonial dos
administradores no Brasil corresponde, no direito norte-americano, aos hold
harmless letters ou aos indemnification agreements. No Parecer de Orientação n. 38,
a CVM define o contrato de indenidade como instrumentos: “[...] celebrados entre
as companhias abertas e seus administradores, por meio dos quais as primeiras se
comprometem a garantir o pagamento, reembolso ou adiantamento de recursos para
fazer frente a determinadas despesas relacionadas a processos arbitrais, judiciais ou
administrativos que envolvam atos praticados por seus administradores no exercício
de suas atribuições ou poderes.”. Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/
pareceres-orientacao/pare038.html. Acesso em 15 jun. 2020.

Estudos em Direito da Concorrência 195


Amanda Athayde

são importantes na proteção patrimonial dos administradores


nos atos de gestão. Dessa forma, ao tempo que a CVM consigna a
impossibilidade de a companhia tornar os administradores indenes
pelas despesas decorrentes de TCs248, as apólices D&O, uma vez
respeitados os requisitos propostos nesse trabalho, representam
um caminho potencialmente fértil para garantir essa proteção. Para
deixar mais clara essa estreita janela, apresenta-se a imagem abaixo:

248 A CVM, conforme Parecer de Orientação n. 38, indica que entende que o Contrato
de Indenidade não é capaz de assegurar as indenização e despesas decorrentes de
atos dos administradores praticados: (i) fora do exercício das atribuições destes; (ii)
com má-fé, dolo, culpa grave ou mediante fraude; ou (iii) em interesse próprio ou
de terceiros, em detrimento do interesse social da companhia — incluindo neste
aspecto as indenizações decorrentes das ações sociais previstas no art. 159 da LSA
e ao ressarcimento do art. 11, § 5º, da Lei n. 6385/1976 (termo de compromisso com
a CVM). Disponível em: http://www.cvm.gov.br/legislacao/pareceres-orientacao/
pare038.html. Acesso em 15 jun. 2020.

196 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Imagem 2 – coberturas do seguro D&O nos acordos de leniência e nos termos


de compromisso: tipo de verba pecuniária e requisitos gerais e específicos

Fonte: elaboração pelos autores.

Portanto, verifica-se que essa interface acaba por infirmar


parcialmente a primeira hipótese desta pesquisa. A hipótese inicial
era de que, dadas as coberturas dos seguros D&O (eg., indenizações
em consequência de processos judiciais e custos de defesa), as
empresas se sentiriam mais seguras na propositura e celebração dos
acordos. Após os fundamentos apresentados nesta Seção, nota-se que
a existência do seguro D&O é um elemento potencialmente relevante
à tomada de decisão empresarial de propor tão somente um TC, sendo
ontologicamente incompatível com os Acordos de Leniência, uma vez
que este exige a confissão de ilícitos dolosos e equiparáveis neste tipo
de acordo.
Isto posto, o presente artigo passa a analisar a interface de
cooperação entre elementos que justificam a criação de um Programa

Estudos em Direito da Concorrência 197


Amanda Athayde

de Leniência e as funções de gerenciamento de riscos e de governança


corporativa do D&O.

3. DA GOVERNANÇA CORPORATIVA COMO ELEMENTO DE


CONVERGÊNCIA ENTRE ACORDOS DE LENIÊNCIA E D&O

É inegável que há diversas peculiaridades em cada um dos


Programas de Leniência previstos na legislação brasileira, sobretudo
no que tange aos objetos jurídicos tutelados. Não obstante, quando o
Estado dispõe de um Programa de Leniência, a finalidade precípua
é apenas uma: criar um mecanismo capaz de induzir as empresas à
conformidade legal, imediatamente após a (auto)descoberta de ilícitos
de difícil persecução cível, administrativa e/ou penal249.
Implementar um Programa de Leniência efetivo é criar um
arcabouço jurídico que faça com que a administração societária
conclua, após detectar um ilícito, que há apenas uma única opção
empresarial diligente e viável250: (i) a conformidade com a legislação

249 OCDE. Use of markers in leniency programmes. 2014, p. 4. Disponível em:


http://www.cade.gov.br/cade_english/topics/leniency-program/publications/2014_
ocde_use-of-markers-in-leniency-programmes.pdf/view. Acesso em: 15 jun. 2016.
Nesse sentido: “The main objective of these programmes is to uncover conspiracies
that would otherwise go undetected. They elicit confessions, direct evidence about
other participants, and leads that investigators can follow for other evidence too.
The evidence is obtained more quickly, and at lower direct cost, compared to other
methods of investigation, leading to prompt and efficient resolution of cases. To
get this information, the parties who provide it are promised lower fines, shorter
sentences, less restrictive orders, or even complete amnesty.”.
250 Nesse sentido, não propor um Acordo de Leniência ou um acordo subsequente,
após a descoberta e apuração dos ilícitos internamente, consubstancia-se, em regra, em
uma decisão empresarial negligente (presumindo-se a violação ao dever de diligência
disposto no art. 153, da Lei n. 6.404/1976). Por outro lado, se a não proposição desses
acordos estiver fundada em interesses pessoais dos administradores (vg., a proteção
do administrador envolvido nos ilícitos), evidenciando-se a conivência destes com
o ilícito perpetrado pelo administrador faltoso, haverá a violação ao dever lealdade
(art. 155, da Lei n. 6.404/1976), incorrendo em responsabilidade pessoal nos termos
do art. 158, §1º, da Lei n. 6.404/1976. Em situação análoga, destacam-se as seguintes
conclusões da coautora deste artigo: “Those corporate officers hence implicitly
allowed an antitrust violation to develop and continue, which exposed the corporation
to enormous legal liability. They violated the duty of loyalty established in Article 155
of the Brazilian Corporation Law, since they privileged the Commercial Director’

198 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

aplicável; e (ii) a propositura de um Acordo de Leniência ou acordo


subsequente à autoridade competente, que terá o condão de arrefecer
ou isentar as penas aplicáveis251. A efetividade de um Programa de
Leniência se consubstancia, ao fim, em uma indução empresarial
irresistível à conformidade e à tentativa de a companhia, ao menos,
propor um Acordo de Leniência ou um acordo subsequente252.

and not the corporation’s interests. In this context, those Financial Director and
Vice President of the company A may exceptionally be liable for the unlawful acts of
other officers because they acted in connivance with them, as provided in Article 158
paragraph 1st of the Brazilian Corporation Law. […] This officer’s corporate liability
would be especially interesting if the Financial Director and the Vice President,
learning the antitrust violation, fail to consider the application of the company for the
Leniency or the Settlement Programs of the CADE. It is possible to understand that if
those corporate officers had taken action immediately upon notice of the wrongdoing,
company A could have reached CADE earlier and could have been granted full
immunity in the Leniency Program or at least a significant file reduction depending on
its arrival time to apply for a settlement.” (ATHAYDE, Amanda. Shareholders’ Damage
Claims Against Company Directors for Antitrust Violations? The Japanese Experience
and Possible Lessons to Brazil and Latin. In: DA SILVEIRA, Paulo Burnier (Coord.).
Competition Law and Policy in Latin America: Recent Developments. West Sussex:
Wolters Kluwer, 2017, p. 247, 248).
251 Em sentido semelhante, destaca-se o discurso do ex-procurador-geral adjunto
da Divisão Antitruste do Departamento de Justiça norte-americano (DOJ), Scott D.
Hammond, em palestra sobre Programas de Leniência realizada pelo International
Competition Network (ICN), no qual relata sobre os desafios na implementação de
efetividade a esses programas: “Creating a program on paper is the easy part. However,
implementing an effective leniency program — one that the business community
and the private bar have confidence in and will rush to take advantage of — is much
harder. Creating an effective leniency program is what I will talk about, and it is really,
in essence, the theme of this entire Workshop. How do you build a leniency program
that will cause a company to come forward and voluntarily report its participation
in a cartel that has gone previously undetected? What inducements and concessions
must a competition authority be willing to make to overcome the perceived risks and
costs to the company of reporting the violation? How do you create an enforcement
regime that causes management to conclude after it discovers a violation that it has
but one viable option — the company must self-report and cooperate or face certain
and severe penalties?” (HAMMOND, Scott D. Conerstones of an effective leniency
program. Justice News, Washington, D.C., nov. 22, 2004. Disponível em: https://www.
justice.gov/atr/speech/cornerstones-effective-leniency-program. Acesso em: 14 jun.
2020).
252 Segundo International Competition Network (ICN), haveria um consenso entre as
autoridades da concorrência de que há, ao menos, três requisitos para o sucesso/
efetividade de um Programa de Leniência: (i) alto risco de detecção dos ilícitos
pelas autoridades governamentais; (ii) o receio de punições severas e, por fim, (iii) a
transparência e previsibilidade em relação à negociação e ao acordo (ICN. Drafting and
Implementing an Effective Leniency Program. In: Anti-Cartel Enforcement Manual:

Estudos em Direito da Concorrência 199


Amanda Athayde

É diante da responsabilidade preventiva que se estabelece essa


interface entre o seguro D&O e os Programas de Leniência, sobretudo
no que tange a duas justificativas estatais para a criação destes: a
descoberta de ilícitos de difícil detecção e a eficiência e efetividade na
gestão da investigação253.
Dessa maneira, além de pressupor um equilíbrio entre requisitos
legais (interesse público) e benefícios (interesse privado), a efetividade
da leniência se condiciona ao desenvolvimento e ao amadurecimento
dos parâmetros de governança corporativa. O interesse público na
adoção do instrumento contratual aumenta na medida em que as
companhias (auto)denunciem ilícitos complexos sequer conhecidos
pelas autoridades, racionalizando a gestão administrativa a partir
de uma persecução e investigação cada vez mais robusta e menos
dispendiosa254. Por outro lado, o interesse público na adoção desses
acordos arrefece (e, por vezes, até se torna inexistente) na medida
em que as autoridades já detém notável acervo probatório dos ilícitos
cometidos pela companhia.

Drafting and implementing an effective leniency policy - Subgroup 2: Enforcement


techniques. May 2009. Cap. 2. Disponível em: http://en.cade.gov.br/topics/leniency-
program/publications/2009_-icn-anti-cartel-enforcement-manual_drafting-and-
implementing-an-effective-leniency-program.pdf/view. Acesso em: 13 jul. 2020. Esses
requisitos para a efetividade de um Programa de Leniência se estendem a todos os
demais, não se restringindo à Leniência Antitruste (ATHAYDE, Amanda., Op. cit., p.
63).
253 Didaticamente, esta coautora aponta sete justificativas para a instituição de um
Programa de Leniência: (i) aumentar a chance de ilícitos (mormente ilícitos de difícil
detecção); (ii) ser instrumento para a obtenção de provas para a investigação; (iii)
aumentar a eficiência e efetividade investigativa; (iv) cessar imediatamente a conduta
ilícita; (v) permitir, a partir das provas produzidas, a sanção aos demais infratores; (vi)
permitir a reparação ou o ressarcimento dos danos decorrentes da prática delitiva; e,
por fim, (vii) dissuadir prática ilícitas futuras (“elemento adicional de instabilidade”).
Nesse sentido: ATHAYDE, Amanda., Op. cit., p. 29-62).
254 Nesse sentido, sobre o interesse público depositado na possibilidade de a Leniência
aumentar a eficiência e efetividade investigativa: “[...] os Programas de Leniência
resultam em maior eficiência na gestão administrativa, haja vista que viabilizam uma
investigação mais robusta em tempo menor, com menos dispêndio de recursos —
humanos e financeiros — e com maior efetividade, aumentando significativamente as
chances de se obter melhores resultados na investigação da autoridade.” (ATHAYDE,
Amanda., Op. cit., p. 45, 46).

200 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Destaca-se, por exemplo, que, com fundamento nessa


colaboração entre a governança corporativa e a efetividade de um
Programa de Leniência, que a Leniência Anticorrupção (art. 37, inc.
IV, do Decreto n. 8.420/2015) e a Leniência do Ministério Público
condiciona a adesão aos acordos ao aperfeiçoamento e à criação
de programas de compliance255,256. Não há nenhuma autoridade que
detenha mais recursos para detectar esses ilícitos do que a própria
companhia. Isso requer, não obstante, o desenvolvimento e o
amadurecimento da governança corporativa.
No atual desenvolvimento da governança corporativa,
notadamente influenciado pela incorporação de mecanismos

255 Nesse sentido: “Este é um diferencial do Acordo de Leniência Anticorrupção [...] e


do Acordo de Leniência do MP, uma vez que a adoção de Programas de Integridade não
é um requisito obrigatório para os proponentes e signatários dos Acordos de Leniência
Antitruste [...] e dos Acordos de Leniência do SFN [...].” (ATHAYDE, Amanda., Op. cit.,
p. 346).
256 Nesse sentido, o presente artigo adota a relação proposta pelo Instituto Brasileiro
de Governança Corporativa (IBGC) entre governança corporativa e compliance, na
qual se aponta que este instrumento deve refletir os princípios básicos de governança
corporativa (transparência, equidade, accountability e responsabilidade corporativa):
“Dessa forma, o sistema de compliance deve ser entendido como um conjunto de
processos interdependentes que contribuem para a efetividade do sistema de
governança e que permeiam a organização, norteando as iniciativas e as ações dos
agentes de governança no desempenho de suas funções. Em sua base, devem estar
os princípios básicos de governança corporativa apoiados, por sua vez, na prática
constante da deliberação ética. Em resumo: de acordo com as melhores práticas
de governança corporativa, o compliance deve ser tratado sob o ponto de vista da
deliberação ética, como mecanismo de cumprimento de leis, normas internas e
externas, de proteção contra desvios de conduta e de preservação e geração de
valor econômico.” (IBGC. Compliance à luz da governança corporativa (Série IBGC
Orienta). São Paulo: IBGC, 2017, p. 10)
56 p. Doutrinariamente, destaca-se a definição da professora e advogada Ana Frazão
(“[...] compliance diz respeito ao conjunto de ações a serem adotadas no ambiente
corporativo para que se reforce a anuência da empresa à legislação vigente, de
modo a prevenir a ocorrência de infrações ou, já tendo ocorrido o ilícito, propiciar
o imediato retorno ao contexto de normalidade e legalidade.” (FRAZÃO, Ana.
Programas de compliance e critérios de responsabilização de pessoas jurídicas por
ilícitos administrativos. In: ROSSETTI, Maristela Abla; PITTA, Andre Grunspun
(Coord.). Governança corporativa: avanços e retrocessos. São Paulo: Quartier
Latin, 2017. p.18); e o alerta de Alexandre da Cunha Serpa, no qual afirma que
“programas de compliance não são sobre as leis, mas sim sobre querer seguir as leis”
(SERPA, Alexandre da Cunha. Guia descomplicado: um guia simples e direto sobre
Programas de Compliance. 2016. p. 12).

Estudos em Direito da Concorrência 201


Amanda Athayde

exigidos pelos segmentos de listagem da B3257, há uma correlação


estatisticamente relevante entre as empresas com padrões mais
rígidos de governança — listadas no segmento Novo Mercado — e a
adoção do D&O (97%)258. Ademais, há uma correlação relevante entre
as companhias mais importantes do mercado de capitais brasileiro
(integrantes do Ibovespa) e a adoção dessas apólices D&O259. Além

257 Segundo Nelson Eizirik, a incorporação de mecanismos de governança


corporativa por exigência dos segmentos de listagem seria uma terceira fase na
evolução dos órgãos sociais: “Podemos reconhecer 3 (três) fases na evolução do
conselho de administração, em nossa prática empresarial. Num primeiro momento,
dada a dificuldade de compreensão de suas reais funções por parte do empresariado,
sua composição abrigava predominantemente membros da família do acionista
controlador e diretores, justificando as acerbas críticas doutrinárias que existiam no
regime legal anterior. Num segundo momento, passou-se a convidar para o conselho
também membros externos, ‘independentes, mas não tanto’, usualmente pessoas
que já prestavam serviços à companhia, como advogados ou consultores econômicos
e financeiros. Atualmente, podemos perceber uma terceira fase, bastante positiva,
em que as companhias abertas, seja por imposição do Regulamento de listagem
da BM&FBovespa, seja por seguirem as recomendações do Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa (IBGC), chamam para integrar seus conselhos profissionais
efetivamente independentes, sem qualquer vínculo com os controladores ou com a
própria companhia.” (EIZIRIK, Nelson. A lei das S/A comentada: artigos 138 a 205.
vol. 3, 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 23).
258 Segundo o monitoramento anual da KPMG, denominado “A governança
corporativa e o mercado de capitais – 14ª edição (2019/2020)”, 97% (noventa e sete
por cento) das companhias listadas no Novo Mercado aderem a alguma apólice D&O.
Esses números caem para 95% (noventa e cinco por cento), 88% (oitenta e oito por
cento) e 67% (sessenta e sete por cento), respectivamente, para as empresas listadas no
segmento N2, N1 e no segmento Básico. Esse resultado possui uma margem de erro,
visto que não foram todas as empresas que responderam ao questionário ou estão
obrigadas a divulgarem essas informações no Formulário de Referência, conforme
regulamento da IN n. 480 da CVM. Nesse sentido, das 128 empresas integrantes do NM,
25 empresas não divulgaram a informação (aproximadamente 19%); das 19 empresas
que integram o Nível 2, 2 não divulgaram a informação (exatamente 10%); das 26
empresas que integram o Nível 1, 8 não divulgaram a informação (aproximadamente
30%); por fim, das 50 empresas mais negociadas no nível Básico, 24 delas não
divulgaram a informação (exatamente 48%). Além disso, o estudo não analisou todas
as empresas listadas na bolsa, restringindo-se a análise do Formulário de Referência
às companhias que integram o Novo Mercado, N2, N1 e apenas àquelas companhias
cujas ações estão entre as 50 mais negociadas no segmento Básico. Dessa maneira,
analisaram-se apenas 223 empresas listadas na bolsa em um universo à época de 328
empresas. Disponível em: https://assets.kpmg/content/dam/kpmg/br/pdf/2019/12/br-
governan%C3%A7a-corporativa.pdf. Acesso em: 14 jun. 2020.
259 A partir de consulta ao Formulário de Referência das companhias integrantes da
carteira teórica do Ibovespa para o quadrimestre de maio à agosto de 2020, verificou-
se que apenas a Bradespar S.A. não possui nenhuma apólice D&O. A carteira do índice

202 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

dessa constatação, deve-se ressaltar o potencial que essas apólices


possuem em se tornarem verdadeiros mecanismos de gerenciamento
de riscos e de governança.
Esse “potencial regulatório” do D&O decorre de elementos
essenciais relacionados à empresarialidade das seguradoras,
mormente no que tange ao processo de subscrição do contrato
de seguro (underwriting and risk assessment)260. Esse processo, que
caracteriza e qualifica juridicamente as seguradoras, se traduz em um
instrumento regulatório capaz de gerenciar os riscos patrimoniais dos
administradores e os riscos de violações societárias (traduzidas, ao
fim e a cabo, na fixação do prêmio da apólice), tornando a seguradora
uma importante gerenciadora de riscos (insurance as a risk managment
tool261). Nesse sentido, o próprio Código Civil brasileiro dispõe de

Ibovespa está disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/


indices/indices-amplos/indice-ibovespa-ibovespa-composicao-da-carteira.htm.
Acesso em: 10 jun. 2020.
260 Nesse sentido: “A definição de contrato de seguro acolhida pela norma comentada
é construída a partir de cinco elementos: garantia, interesse, risco, prêmio e
empresarialidade.”. Ainda dispondo sobre a fixação do prêmio e a interconexão com a
empresarialidade e ao risco assegurável: “O prêmio é prestação essencial do segurado
ou do estipulante. É o preço da garantia. Quem focar a indenização como elemento
essencial do seguro – e não a garantia – deparará com absurda desproporção.
Uma prestação ínfima (prêmio) e outra agigantada (indenização). Esse equívoco
induz à ilusória aleatoriedade e a solução estranhas à comutatividade das relações
negociais, ideia esta especialmente cara para o negócio securitário. [...] Com base
no conhecimento da regularidade dos sinistros e da intensidade de seus efeitos,
pelo estudo do risco, deve ser achado o valor adequado para fazer frente aos eventos
(prêmio puro de risco). Tal só é possível por meio de massificação e homogeneização
dos riscos, que depende, de forma inafastável, da empresarialidade, elemento adiante
comentado.” (TZIRULNIK, Ernesto et al. O contrato de seguro de acordo com o novo
Código Civil brasileiro. 3. Ed. São Paulo: Editora Roncarati, 2016, p. 43, 60)
261 A doutrina aponta quatro funções principais ao Seguro D&O. A função econômica
é descrita nesse trabalho, e consiste no custeio das indenizações e dos custos de
defesa por eventuais ilícitos culposos dos administradores na gestão da companhia.
Além de proteger também a companhia (side c), o Seguro D&O possibilita que a
sociedade empresária invista patrimônio que estaria imobilizado em virtude de
eventuais processuais judiciais. Há, ainda, a função desenvolvida neste artigo, qual
seja a de gerenciar riscos. Há ainda a função de atrair gestores qualificados. E, por
fim, importante doutrina estrangeira relaciona o Seguro D&O ao desenvolvimento da
governança corporativa no ambiente empresarial. Essas quatro funções são descritas,
por exemplo, em: MENDONÇA, Vinícius de Carvalho P., Op. cit., p. 86-92. Além disso,
a doutrina securitária concebe três papéis ao contrato de seguro, o que também pode
ser estendido às apólices D&O com alguma parcimônia: (i) o seguro proporcionaria

Estudos em Direito da Concorrência 203


Amanda Athayde

dispositivos destinados a regular essa ferramenta regulatória de


subscrição do risco, com o escopo de possibilitar a fixação dos prêmios
adequados (arts. 759, 765 e 766262).
Além disso, o Código Civil também dispõe de diversas hipóteses
nas quais a seguradora pode rejeitar a concessão do seguro263 (arts.

ao segurado uma sensação de confiança sobre o futuro, arrefecendo a ansiedade


sobre o desconhecido (função subjetiva); (ii) o seguro proporcionaria previsibilidade
na atividade econômica, transformando riscos imprevisíveis em custos (prêmios)
determinados (função objetiva); e, por fim, (iii) o seguro proporciona uma maior
segurança social e econômica (função socioeconômica), sendo, ainda, um grande
vetor no desenvolvimento econômico. Nesse sentido: “Insurance performs important
functions in social life, with both objective and subjective aspects. Objectively it
provides a mechanism for solving many of the problems inherent in the unpredictable
character of human life. It ensures that if a home bums another will take its place,
that if a breadwinner dies prematurely his children will not starve or go without an
education, that if a ship sinks its owner and the owners of its cargo may continue
in business without the traumatic experience of bankruptcy In short, it provides a
degree of objective certainty in an uncertain world, it converts unpredictable risk
to predictable cost, it smooths the path of economic activity Subjectively insurance
gives the buyer confidence that if his home burns he can build another, that if he
dies prematurely his children can go to college, or that if his ship sinks he will not
need to go through bankruptcy proceedings. In short, insurance also provides the
policyholder with a sense of security, a feeling of confidence about the future, a
freedom from anxiety about parts of the unknown. The more perceptive spokesmen
for the industry recognize this dual role of insurance.” (KIMBALL, Spencer L. The
Purpose of Insurance Regulation: A Preliminary Inquiry in the Theory of Insurance
Law. Minnesota Law Review, vol. 2324, 1961. Disponível em: https://scholarship.law.
umn.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3323&context=mlr.Acesso em: 20 out. 2019).
262 Artigos 759, 765 e 766, do Código Civil: “Art. 759. A emissão da apólice deverá ser
precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse
a ser garantido e do risco. Art. 765. O segurado e o segurador são obrigados a guardar
na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a
respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes. Art. 766.
Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir
circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio,
perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido. Parágrafo
único. Se a inexatidão ou omissão nas declarações não resultar de má-fé do segurado,
o segurador terá direito a resolver o contrato, ou a cobrar, mesmo após o sinistro, a
diferença do prêmio.”.
263 FILHO, Péricles Gonçalves. Seguro e risco moral: o seguro de responsabilidade
civil dos administradores (directors & officers liability insurance) e as ferramentas
regulatórias para mitigar o risco moral no contexto corporativo. 2018. 143f.
Dissertação (Mestrado em Direito) – FGV Direito Rio, Escola de Direito do Rio de
Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, p. 62, 63.

204 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

762, 768 e 769264). Esse mecanismo regulatório de recusa ao seguro


(refusal to insure) se manifesta por meio do cancelamento, rescisão ou
recusa à renovação da apólice existente. Na atual prática empresarial
demonstrada na introdução da presente pesquisa, contextualizada pela
Operação Lava Jato, na qual a apólice D&O se tornou imprescindível
na administração societária, as seguradoras se tornam verdadeiras
sentinelas (gatekeepers)265. Nessa posição, elas podem determinar quem

264 Arts. 762, 768 e 769 do Código Civil: “Art. 762. Nulo será o contrato para garantia
de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante
de um ou de outro. Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar
intencionalmente o risco objeto do contrato. Art. 769. O segurado é obrigado a
comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar
consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar
que silenciou de má-fé.”.
265 Em relação às ferramentas regulatórias dispostas à seguradora na regulação
do risco, destaca-se a seguinte obra: BEN-SHAHAR, O.; LOGUE, K. D. Outsourcing
Regulation: How Insurance Reduces Moral Hazard. Law & Economics Working
Papers, paper 47, 2012. Disponível em: https://repository.law.umich.edu/cgi/
viewcontent.cgi?article=1157&context=law_econ_current>. Acesso em 10 nov. 2019.
Nesta os autores discorrem sobre algumas ferramentas regulatórias ex ante (i.
Underwriting Risk: Differentiated Premiums; ii. Deductibles and Copayments; iii. Refusal to
Insure; iv. Coaching Safer Conduct; v. Implementing Private Safety Codes; vi. Research and
Development of Safety Methods; vii. Motivating Government Regulation) e ex post regulation
(i. Claims Management; ii. Mitigation of Loss; iii. Exclusions; iv. Ex post Underwriting).
O objetivo dessa obra é estabelecer um diálogo entre duas concepções inerentes ao
seguro: por um lado, o conceito de moral hazard; por outro, a capacidade regulatória
das seguradoras. Em relação, especificamente, à ferramenta regulatória da refusal to
insure, os autores dispõem: “Some activities will not be undertaken without insurance,
either because people are highly risk averse or because insurance is mandated by law
or by contract. As a result, insurers have de facto control over access to some primary
activities, and can leverage this power to induce safer behavior. For example, insurers
often will not issue product liability coverage to a manufacturer who does not have a
system in place for maintaining quality control with respect to safety issues, or does
not have a program of safety testing its product. Likewise, liability insurers that cover
ski resorts require insureds to have their lifts periodically inspected by the insurer’s
safety experts as condition of obtaining a policy (which, it‐ self, is usually a condition
for getting a license to operate). A common type of refusal to insure is the cancellation
or rescission of, or the refusal to renew, an existing policy. For most property‐casualty
insurance policies, insurers under state law have 60 days to cancel a new policy for
any reason not explicitly prohibited by law, and the right to cancel or rescind the
policy anytime if the insured made a material misrepresentation on its application
on which the insurer relied. In addition, even if there is no misrepresentation in the
application process, insurers can cancel or decline to renew a policy if they determine
that an insured has engaged in some activity (or failed to take some safety measure)
that results in a material increase in the hazard insured. Finally, through the use
of exclusions, insurers refuse to insure particular risks—e.g., intentional ones—for

Estudos em Direito da Concorrência 205


Amanda Athayde

exercerá as atividades de risco e quais são as atitudes obrigatórias da


companhia e do segurado na minimização de riscos e perdas.
As seguradoras são verdadeiras interessadas na prevenção
de sinistros (prevenção de violações societárias, no caso) e, por
conseguinte, dispõem de ferramentas regulatórias para (i) controlar
o risco moral dos administradores266; para (ii) impor obrigações
como condições à adesão contratual (gatekeepers) e para (iii) cancelar,
rescindir ou recusar a adesão/renovação dessas apólices (refusal to
insure). As seguradoras nesse ramo possuirão vantagens competitivas
na medida em que consigam reintroduzir a função dissuasória da
legislação societária, subscrevendo adequadamente o risco dessas
apólices e evitando a deflagração de sinistros.
Dessa maneira, o seguro D&O, além de atrair e manter
profissionais qualificados, de proteger o patrimônio do administrador
e de criar uma cultura de risco que permita a inovação empresarial267,
torna-se um verdadeiro instrumento capaz de promover o
monitoramento e a prevenção do risco e de promover a governança
corporativa. A nosso ver, isto certamente aumenta as possibilidades
de autodescoberta e, consequentemente, de autodenúncias de ilícitos,
intensificando o interesse público na adesão de acordos consensuais

which coverage would destroy incentives for care.” (BEN-SHAHAR, O.; LOGUE, K. D..,
Op. cit., p. 110-112).
266 Sobre a análise da dissuasão do risco moral societário a partir das ferramentas
do seguro D&O: AGUIAR RODRIGUES, Matheus Vinícius. Seguro D&O e Contrato de
Indenidade: o controle do risco moral na responsabilidade societária. 2019. 170f.
Monografia (Graduação em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, p. 101-139.
267 Nesse sentido, sobre a necessidade de proteger o patrimônio do administrador
ao estimular uma cultura empresarial de inovação que admita o erro: “Há ainda um
último tempero nesse caldeirão de dificuldades que é administrar uma sociedade
anônima aberta: nas escolhas dos atos de gestão, o administrador deve ter uma boa
dose de aptidão ao risco. Empresa que não arrisca, não petisca. Diferenciar-se no
mercado e inovar no mundo dos negócios requer uma cultura empresarial que
admita o erro. Os administradores, na busca do que julgarem ser o melhor interesse
da sociedade, não podem ter medo de errar. Esse nível de aptidão de risco ao qual o
administrador escolherá se expor em uma decisão empresarial possui relação direta
com as garantias legais e facultativas que a sociedade e o ordenamento jurídico os
concedem na gestão societária.” (AGUIAR RODRIGUES, Matheus Vinícius., Op. cit.,
p. 59)

206 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

que tenham por objeto práticas delitivas sequer conhecidas pelas


autoridades.
Portanto, verifica-se que essa interface acaba por confirmar
integralmente a segunda hipótese desta pesquisa. A hipótese inicial
era de que os seguros D&O incrementariam a possibilidade de
autodenúncia de ilícitos, beneficiando os pilares de eficiência de
um Programa de Leniência. Após os fundamentos apresentados
nesta seção, nota-se que há colaboração entre as funções do D&O e
as justificativas estatais na criação de um Programa de Leniência
efetivo, o que evidencia a convergência entre os interesses público
e privado. A existência do seguro D&O, enquanto instrumento de
governança corporativa, pode ser elemento relevante para os pilares
de efetividade de Programas de Leniência, possuindo, portanto, o
condão de concorrer ao incremento da autodenúncia de ilícitos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dessa maneira, extraem-se as seguintes conclusões do presente


estudo:
1.Inicialmente, o presente estudo destacou que os institutos
analisados se depararam com o mesmo catalisador na história recente
brasileira. A Operação Lava-Jato engendrou um contexto social e
político que transformou os arranjos regulatórios dos Acordos de
Leniência e dos seguros D&O; que iluminou o D&O como a principal
garantia patrimonial dos administradores; e, por fim, que impulsionou
a celebração dos Acordos de Leniência e acordos subsequentes
disponíveis na legislação brasileira.
2.Posteriormente, o artigo demonstrou a interface restrita entre
os Programas de Leniência e as coberturas D&O. As infrações inseridas
nesses acordos invariavelmente esbarram nas exclusões causais
do Seguro D&O. O Acordo de Leniência, por ser um instrumento de
investigação (meio de produção probatória), exige a confissão dos
signatários em relação aos ilícitos dolosos ou equiparáveis, o que afasta

Estudos em Direito da Concorrência 207


Amanda Athayde

a cobertura do D&O. Por outro lado, em relação aos TCs existentes


(no Sistema Financeiro Nacional e na Leniência Antitruste), o artigo
demonstrou que há uma possibilidade estreita para as coberturas
D&O assegurarem os desembolsos com as multas administrativas
(“contribuições pecuniárias”), indenizações e custos de defesa no
processo de celebração desses acordos, desde que preenchidos alguns
requisitos.
3.O artigo sugeriu cinco requisitos gerais para a cobertura do
D&O assegurar os desembolsos nos TCs: (i) os compromissários não
devem confessar a prática de atos ilícitos dolosos ou equiparáveis,
inclusive em outros instrumentos contratuais que investigam os
mesmos fatos; (ii) a apólice D&O não deve dispor de cláusulas
específicas de exclusão das coberturas referentes aos “prejuízos
financeiros” decorrentes de termos de compromisso; (iii) o fato e os
eventuais ilícitos inseridos no escopo de TCs devem estar diretamente
relacionados às responsabilidades societárias dos administradores;
(iv) os ilícitos inseridos no âmbito do TC não devem se relacionar a
danos ambientais; e, por fim, (v) a seguradora deve anuir previamente
ao termo a ser aderido.
4.Em seguida, o artigo passou a perquirir a natureza jurídica das
verbas pecuniárias inseridas no âmbito dos TCs existentes no Brasil,
sobretudo diante da importância disso para a construção das torres de
proteção na apólice D&O. Isso porque as “contribuições pecuniárias”
e as “indenizações” podem ser inseridas em diferentes (sub)limites
para fins de cobertura por parte da seguradora. Concluiu-se que as
“indenizações” têm natureza jurídica de reparação de danos, e estariam
cobertas pelo seguro D&O desde que preenchidos os cinco requisitos
supramencionados. Por sua vez, as “indenizações” têm natureza de
multa administrativa, razão pela qual só serão passíveis de cobertura
se preenchido um sexto requisito adicional: (vi) a apólice D&O destine
cobertura para multas e penalidades administrativas aplicadas às
pessoas físicas (empregados ou administradores segurados) e às
pessoas jurídicas (sociedade beneficiária).

208 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

5.Na última seção, o presente artigo defendeu que há uma


interface potencialmente mais ampla entre o Seguro D&O e os
Programas de Leniência. Apresentou-se o seguro D&O como um
instrumento de gerenciamento de riscos e de governança corporativa,
capaz de reforçar, ainda que indiretamente, a efetividade dos pilares
de um Programa de Leniência. Dessa maneira, ressaltou-se que as
seguradoras são verdadeiras interessadas na prevenção de sinistros
(prevenção de violações societárias, no caso) e, por conseguinte,
o Seguro D&O se torna um instrumento capaz de promover o
monitoramento e a prevenção do risco e de promover a governança
corporativa. Ao fim, defendeu-se que isso aumenta as possibilidades
de autodescoberta e, consequentemente, de autodenúncias de ilícitos,
intensificando o interesse público na adesão de acordos consensuais.
6.Em conclusão às hipóteses desta pesquisa, portanto, verificou-
se que a primeira hipótese foi parcialmente infirmada: a existência
do Seguro D&O é um elemento potencialmente relevante à tomada
de decisão empresarial de propor tão somente um TC, sendo
ontologicamente incompatível com os Acordos de Leniência, dada a
exigência obrigatória de confissão de ilícitos dolosos e equiparáveis
neste tipo de acordo. Em relação à segunda hipótese, o presente artigo
apresentou arcabouço teórico capaz de corroborar a hipótese inicial:
há uma colaboração entre as funções do D&O e as justificativas estatais
na criação de um Programa de Leniência efetiva. A existência do
seguro D&O, enquanto instrumento de governança corporativa, pode
ser elemento relevante para os pilares de efetividade de Programas
de Leniência, possuindo, portanto, o condão de incrementar a
autodenúncia de ilícitos.

Estudos em Direito da Concorrência 209


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

BUMBLEBEE ANTITRUSTE? A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL


E SEUS IMPACTOS NO DIREITO DA CONCORRÊNCIA

Publicado originalmente em: Inteligência artificial e direito: ética,


regulação e responsabilidade / Coordenação: Ana Frazão e Caitlin
Mulholland. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019.

Amanda Athayde

Marcelo Guimarães

Resumo: Bumblebee se consagrou no filme Transformers como


um robô inteligente e gigante, capaz de se transformar em carro.
Robôs semelhantes a este não em termos físicos, mas sim intelectuais,
têm transformado a realidade da economia digital, alterando de forma
substancial a vida humana. Muito embora haja inúmeros benefícios
decorrentes da adoção da inteligência para a sociedade, seu emprego tem
gerado uma série de preocupações, inclusive sob a ótica do antitruste.
Nesse contexto, o presente artigo visa a apresentar nossas primeiras
reflexões sobre os impactos da inteligência artificial para o Direito da
Concorrência no Brasil. Para tanto, inicialmente será feita uma breve
revisão de literatura. Em seguida, serão examinadas especificamente
as repercussões da inteligência artificial nas condutas colusivas
(colusão algorítmica) e unilaterais (discriminação comportamental de
preços). Ao final, serão apontados alguns questionamentos, sobretudo
sob a seguinte perspectiva: o emprego de máquinas irá realmente
transformar as práticas anticompetitivas hoje conhecidas, bem como
introduzir novas práticas lesivas à concorrência?
Palavras-chave: inteligência artificial; antitruste; algoritmos
inteligentes; direito da concorrência; condutas colusivas;
discriminação de preços.
Abstract: Bumbleblee is an intelligent and giant robot from
Transformers movie that can transform into a car or a truck. Robots
similar to this one, in non-physical terms, but intellectual ones, have

Estudos em Direito da Concorrência 211


Amanda Athayde

been changing the reality of the digital economy and substantially


altering human life. Although it brings countless benefits to society,
the use of artificial intelligence has generated a number of concerns,
including from an antitrust perspective. In this context, this article
aims to present our initial thoughts on the impacts of artificial
intelligence on Competition Law in Brazil. To this end, it will present
a brief review of the literature on the matter. Then, it will examine
the repercussions of artificial intelligence on collusive (algorithmic
collusion) and unilateral (behavioral price discrimination) practices.
In the end, the paper will indicate some questions, especially under
the following perspective: will the use of machines really change the
current anti-competitive behavior, as well as introduce new antitrust
practices?
Keywords: artificial intelligence; antitrust; intelligent
algorithms; competition law; collusive behavior; price discrimination.

INTRODUÇÃO

Quando da concepção do antitruste, há mais de 125 anos, a palavra


“robô” sequer existia268. Toda a teoria do direito da concorrência (tanto
seus conceitos como seus mecanismos de enforcement), portanto, foi
fundada tendo como base a ação humana. Essa premissa se mostra
evidente quando se pensa nos conceitos básicos do direito antitruste,
como o acordo, a desconfiança e o receio de sanções.
Ocorre que as decisões empresariais não são mais,
necessariamente, tomadas por seres humanos (ao menos de forma
imediata). De fato, a emergência das novas tecnologias, dentre as
quais a inteligência artificial, tem mudado de forma substancial a vida
humana, encontrando aplicação em variadas esferas269. Assim, ainda

268 MCSWEENY, Terrell; O’DEA, Brian. The Implications of Algorithmic Pricing


for Coordinated Effects Analysis and Price Discrimination Markets in Antitrust
Enforcement. Antitrust, Vol. 32, No. 1, Fall 2017. pp. 75.
269 MEHRA, Salil K. Antitrust and the Robo-Seller: Competition in the Time of
Algorithms. Minnesota Law Review. v. 100, n. 4, pp. 1323-1375, 2016. pp. 1331-1334.

212 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

que produza muitos benefícios sociais, o uso da inteligência artificial


também traz preocupações, inclusive sob o prisma da concorrência.
Com os recentes aprimoramentos da inteligência artificial e
do machine learning, os algoritmos são desenvolvidos para executar
automaticamente tarefas repetitivas envolvendo cálculos complexos
e processamento de dados que poderiam ser custosos para humanos
realizarem270. Nesse sentido, alguns falam até mesmo no “fim da
concorrência como conhecemos”271, dado que a nova realidade da
economia digital exige que certos paradigmas do antitruste sejam
repensados272. Isso porque o objetivo primordial da inteligência
artificial é justamente ensinar os computadores a fazerem o que,
atualmente, os seres humanos fazem melhor que as máquinas273. Para
tanto, algoritmos sofisticados passam a adotar decisões autônomas e
aprendem por meio da experiência274. Decisões passam a ser tomadas,
então, por robo-sellers e algoritmos, de modo que a inteligência artificial
parece representar um desafio para o antitruste do século XXI275.
Essa não é mais, portanto, uma discussão de ficção científica276.
Se tradicionalmente a única forma de fazer um computador executar

270 ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT (OECD).


Algorithms and Collusion – Background Note by the Secretariat. 9 jun. 2017. Disponível
em: <https://one.oecd.org/document/DAF/COMP(2017)4/en/pdf>. Acesso em: 04 fev.
2018. p. 6.
271 EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition: The Promise and Perils
of the Algorithm-Driven Economy. Cambridge, Massachusetts: Harvard University
Press, 2016. p. 233.
272 De acordo com Stucke e Grunes, é um mito acreditar que as ferramentas de que
dispõem as autoridades de defesa da concorrência atualmente podem endereçar
completamente todas questões relacionadas ao big data (STUCKE, Maurice; GRUNES,
Allen. Big Data and Competition Policy. Oxford: Oxford University Press, 2016. pp. 4-5).
273 DOMINGOS, Pedro. O Algoritmo Mestre: Como a Busca pelo Algoritmo de Machine
Learning Definitivo Recriará Nosso Mundo. São Paulo: Novatec, 2017. p. 31.
274 EZRACHI, op. cit., p. 71.
275 MEHRA, op. cit, 2016, pp. 1352-1361; WISKING, Stephen; HERRON, Molly.
Algorithmic Pricing – The New Competition Law Frontier? Digital Business Lawyer,
September 2017. Disponível em: <https://www.herbertsmithfreehills.com/latest-
thinking/algorithmic-pricing-the-newcompetition-law-frontier>. Acesso em: 15 mai.
2018.
276 CAPOBIANCO, Antonio; GONZAGA, Pedro. Algorithms and Competition: Friends
or Foes? Competition Policy International, 14 ago. 2017; GAL, Michal S.; ELKIN-KOREN,

Estudos em Direito da Concorrência 213


Amanda Athayde

uma operação era por meio da criação de um algoritmo277, essa


realidade já mudou. Com o desenvolvimento tecnológico, têm
emergido os chamados algoritmos de machine learning (“algoritmos
aprendizes”), que criam por si só outros algoritmos278. Quanto mais
dados possuem, mais eficientes os algoritmos aprendizes se tornam
em descobrir tudo sozinhos. Dessa forma, os computadores passam a
escrever seus próprios programas, sem a necessidade de humanos279.
Essa realidade, como se pode imaginar, altera substancialmente a
lógica antitruste, fundamentalmente baseada na tomada de decisão
humana.
Tal reflexão não está adstrita à academia. Cada vez mais
autoridades antitruste pelo mundo têm se dedicado ao estudo da
matéria, como nos Estados Unidos280, União Europeia281, França

Niva. Algorithmic Consumers. Harvard Journal of Law and Technology, Vol. 30, Number
2, Spring 2017. pp. 310.
277 Nos algoritmos tradicionais, desenvolvia-se um algoritmo com uma entrada e uma
saída, de modo que os dados ingressavam no computador e o algoritmo fazia o que era
preciso com eles, de modo que um resultado fosse produzido (DOMINGOS, op. cit., pp.
13, 29).
278 Nos algoritmos aprendizes, os dados e o resultado desejado ingressam no
computador, sendo criado o algoritmo que transforma um no outro (DOMINGOS, op.
cit., pp. 13, 29).
279 DOMINGOS, op. cit., pp. 13, 29.
280 OHLHAUSEN, Maureen K. Should We Fear The Things That Go Beep In the Night? Some
Initial Thoughts on the Intersection of Antitrust Law and Algorithmic Pricing. Remarks
da Acting Chairman da Federal Trade Commission na Antitrust in the Financial Sector
Conference. New York, 23 mai. 2017. Disponível em: <https://www.ftc.gov/system/
files/documents/public_statements/1220893/ohlhausen_-_concurrences_5-23-17.
pdf>. Acesso em: 20 jun. 2018.
281 VESTAGER, Margrethe. Algorithms and competition. Discurso proferido no
Bundeskartellamt 18th Conference on Competition, em Berlin, 16 mar. 2017.
Disponível em: <https://ec.europa.eu/commission/commissioners/2014-2019/
vestager/announcements/bundeskartellamt-18th-conference-competition-berlin-6-
march-2017_en>. Acesso em 12 mai. 2018.

214 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

e Alemanha282, Reino Unido283, Canadá284 e Japão285, além de


organizações internacionais, como a Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE)286. Nesse cenário, o presente
trabalho visa a apresentar nossas primeiras reflexões a respeito dos
impactos da inteligência artificial para o antitruste.
Inicialmente será realizada uma breve revisão da literatura
sobre o tema, (Seção I). Na sequência, serão apresentadas as principais
questões levantadas sobre dois aspectos do antitruste: condutas
colusivas (Seção II) e discriminação de preços (Seção III). Ao final,
serão indicados alguns questionamentos, sobretudo sobre a seguinte
perspectiva: o emprego de máquinas irá realmente transformar as
práticas anticompetitivas hoje conhecidas, bem como introduzir
novas práticas lesivas à concorrência?

282 AUTORITÉ DE LA CONCURRENCE; BUNDESKARTELLAMT. Competition Law and


Data. 10 mai. 2016. Disponível em: <http://www.autoritedelaconcurrence.fr/doc/
reportcompetitionlawanddatafinal.pdf>
. Acesso em: 15 mai. 2018; ARANZE, Janith. France and Germany team up to study
algorithms. Global Competition Review, 19 jun. 2018. Disponível em: <https://
globalcompetitionreview.com/article/1170723/france-and-germany-team-up-to-
study-algorithms>. Acesso em: 20 jun. 2018.
283 NEWMAN, Matthew. Artificial intelligence could catch antitrust laws flat-
footed, CMA’s Currie says. Mlex, Market Insight, 3 fev. 2017. Disponível em: <https://
mlexmarketinsight.com/insights-center/editors-picks/antitrust/europe/artificial-
intelligence-could-catch-antitrust-laws-flat-footed-cmas-currie-says>. Acesso em: 15
mai. 2018.
284 COMPETITION BUREAU. Big data and innovation: key themes for competition policy
in Canada. 19 fev. 2018. Disponível em: <http://www.competitionbureau.gc.ca/eic/site/
cb-bc.nsf/eng/04342.html>. Acesso em: 15 mai. 2018.
285 JAPAN FAIR TRADE COM MISSION; COMPETITION POLICY RESEARCH CENTER.
Report of Study Group on Data and Competition Policy. 6 jun. 2017. Disponível em:
<http://www.jftc.go.jp/en/pressreleases/yearly-2017/June/170606.files/170606-4.pdf>.
Acesso em: 15 mai. 2018.
286 ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT (OECD).
Algorithms and Collusion – Background Note by the Secretariat. 9 jun. 2017. Disponível
em: <https://one.oecd.org/document/DAF/COMP(2017)4/en/pdf>. Acesso em: 04 fev.
2018.

Estudos em Direito da Concorrência 215


Amanda Athayde

1. BREVE REVISÃO DE LITERATURA SOBRE INTELIGÊNCIA


ARTIFICIAL E DIREITO DA CONCORRÊNCIA

As repercussões concorrenciais da inteligência artificial têm


sido objeto de discussões pela doutrina especializada287. Trata-se
de tema bastante recente na doutrina (não apenas nacional, como
também internacional), como se passa a apresentar.
Mehra realizou um dos primeiros estudos sobre as implicações
das máquinas para o antitruste288. Levando em consideração seu uso
crescente pelas empresas de mecanismos de coleta de dados em
massa, bem como o poder interconectivo impulsionado pela internet e
as vendas mediante algoritmos automatizados, o autor descreve que as
vendas tradicionais têm sido delegadas para robo-sellers. Essa situação
potencializa, segundo Mehra, fragilidades já existentes do antitruste,
além de criar novos problemas. O autor ressalta que os robo-sellers serão
melhores que os humanos em alcançar preços supracompetitivos sem
qualquer comunicação, de sorte a provocar, com maior probabilidade,
danos aos consumidores. Ademais, os robo-sellers não apenas
agravariam os problemas de oligopólios, potencialmente conferindo a
firmas individuais o incentivo de aumentar preços mesmo na ausência
de coordenação, como também permitiriam que os cartéis fossem
mais prováveis de se formar e mais estáveis e duradouros.

287 Destaque-se que a presente revisão de literatura não é exaustiva, tendo-se


centrado nos principais escritos sobre a temática, os quais têm servido de base para
as pesquisas e reverberado nos demais escritos sobre a matéria. Além de consulta
aos principais periódicos científicos, serviram como guia a lista de bibliografia
desenvolvida por Ritter (RITTER, Cyril. Bibliography on Antitrust and Algorithms.
Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=2982397>. Acesso em: 09 fev. 2019) e por
Pohlmann e Schüttte (POHLMANN, Petra; SCHÜTTE, David. Algorithms As Cartel
Infringements – A Bibliography. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=3200004>.
Acesso em: 09 fev. 2019).
288 MEHRA, Salil K. De-Humanizing Antitrust: The Rise of the Machines and the
Regulation of Competition. Temple University Legal Studies Research Paper No. 2014-43.
Ago. 2014. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=2490651>. Acesso em: 09 fev.
2019. Posteriormente este estudo foi publicado como MEHRA, Salil K. Antitrust and
the Robo-Seller: Competition in the Time of Algorithms. Minnesota Law Review, Vol.
100, Issue 4, 2016. pp. 1323-1375.

216 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Nesse contexto, Mehra apresenta uma reflexão sobre o direito


da concorrência e sua habilidade em lidar com essas novas práticas,
sobretudo tendo em vista que, de regra, o paralelismo consciente
não é punível, o que impediria que as condutas das máquinas fossem
controladas pelo antitruste. Após discutir uma série de possíveis
soluções para o direito concorrencial se adaptar ao novo desafio dos
robo-sellers, o autor conclui que uma opção sub-ótima, ou seja, um
“second-best” talvez fosse a mais adequada. Trata-se da implementação
da regulação jurídica do comportamento empresarial por meio dos
programas regulatórios consumeristas já existentes a respeito da
coleta de dados, da privacidade e da discriminação de preços.
Ezrachi e Stucke também adentraram na temática, e elaboraram
um dos estudos mais relevantes sobre a matéria289. Os autores destacam
que os mecanismos de preço, ao modificarem-se para “algoritmos
de preço computacionais”, alteram substancialmente as formas de
colusão até então conhecidas pelo direito da concorrência. Isso porque
se passa de um mundo onde executivos expressamente coludem (ou
seja, um mundo em que a premissa do “acordo” é necessária para
o antitruste) para uma nova realidade, em que algoritmos de preço
continuamente monitoram e ajustam-se aos preços dos concorrentes
e dados do mercado290, ao melhor estilo machine learning.
Sob esse prisma, os autores apresentam sua proposta de como o
direito antitruste pode ser, ainda assim, aplicado nesse novo ambiente
empresarial computadorizado. Para tanto, são explorados quatro
cenários nos quais a inteligência artificial pode fomentar práticas
concertadas. Na primeira hipótese (Messenger), Ezrachi e Stucke

289 EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Artificial Intelligence & Collusion: When
Computers Inhibit Competition. Oxford Legal Studies Research Paper No. 18/2015;
University of Tennessee Legal Studies Research Paper No. 267, posteriormente publicado
como EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Artificial Intelligence & Collusion: When
Computers Inhibit Competition. University of Illinois Law Review, Vol. 2017, No. 5,
2017. pp. 1775-1810. Este artigo também serviu de base para a seção respective do
livro EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition: The Promise and Perils
of the Algorithm-Driven Economy. Cambridge, Massachusetts: Harvard University
Press, 2016.
290 Nas palavras de Ezrachi e Stucke, a colusão passa de “smoke-filled hotel rooms” para
“vapor-filled data centers” (EZRACHI, op. cit., 2016, p. 29)

Estudos em Direito da Concorrência 217


Amanda Athayde

explicam que há a utilização de algoritmos para implementar e/ou


monitorar um acordo expresso entre concorrentes. Já no segundo
cenário (Hub and Spoke), os autores indicam que se usa um mesmo
algoritmo como hub para determinar os preços de mercado de
agentes concorrentes. Por sua vez, no terceiro cenário, denominado
Predictable Agent, Ezrachi e Stucke sinalizam que cada concorrente
adota um algoritmo de preço independente, que é codificado para
continuamente monitorar e ajustar preços com base em variações do
mercado, levando a um paralelismo consciente sem qualquer acordo
prévio entre os competidores. Finalmente, os autores apresentam o
quarto cenário, chamado de Digital Eye, em que os algoritmos, com
maior capacidade de processamento de dados e uso de inteligência
artificial, passam a decidir autonomamente os meios de otimizar os
lucros, levando a resultados anticompetitivos291.
Ezrachi e Stucke explicam que as duas primeiras hipóteses
(Messenger e Hub and Spoke), apesar de apresentarem particularidades,
não desafiam de fato a lógica do direito da concorrência, eis que os
algoritmos apenas funcionam como um meio para a realização do
comportamento anticompetitivo humano. Por sua vez, as duas últimas
hipóteses (Predictable Agent e Digital Eye) parecem não ser facilmente
respondidas pelo atual toolkit do antitruste. Isso porque, segundo
os autores, nesses casos inexiste qualquer acordo humano entre os
concorrentes, de sorte que o paralelismo consciente pode fazer tais
condutas não serem suscetíveis, a priori e sob a ótica tradicional, a
contestação por autoridades concorrenciais. Além disso, em termos
de enforcement, tais instrumentos de inteligência artificial não
estariam sujeitos aos mecanismos tradicionais, como prisão e multas
pecuniárias, o que poderia ter impactos em termos de dissuasão
futura. Os autores ressaltam, ainda, que a separação entre as ações dos

291 Para interessante estudo acerca da aplicação desses quatro cenários no Brasil,
veja COELHO, Maria Camilla Arnez Ribeiro. Algoritmos, colusão e “novos agentes”: os
quatro cenários de Stucke e Ezrachi sob a ótica da legislação antitruste brasileira. In
MACEDO, Agnes et al. (org.) Mulheres no Antitruste – Vol. I. São Paulo: Singular, 2018.
pp. 117-131.

218 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

algoritmos e de seus designers e operadores pode acarretar problemas


relevantes no que se refere à atribuição de eventual responsabilidade292.
Ezarchi e Stucke adentram, outrossim, em outras possíveis
repercussões concorrenciais da ascensão da internet, do big data,
dos algoritmos computacionais, da inteligência artificial e do machine
learning293. Nesse sentido, investigam a expansão da propaganda
comportamental e o uso da tecnologia avançada para empreender
discriminações comportamentais quase-perfeitas. Segundo os
autores, é possível que a inteligência artificial faça uso das inúmeras
informações que são coletadas das pessoas (big data) para cobrar
preços diferentes a consumidores distintos, o que produz graves
efeitos anticompetitivos.
Ballard e Naik294, por sua vez, também destacam a progressiva
habilidade dos algoritmos e da inteligência artificial em monitorar e
estabelecer preços, o que tem crescido em sofisticação, efetividade
e independência do envolvimento humano. Segundo os autores,
o aperfeiçoamento nessa seara tem sido tanto que nem mesmo
os criadores dos algoritmos poderiam apreciar ex ante todas as
capacidades da inteligência artificial.
Nesse sentido, Ballard e Naik destacam que os algoritmos de
preço já são hábeis para adotar comportamentos que, caso praticados
por humanos, seriam considerados condutas paralelas ilícitas. Seria
possível, assim, identificar uma colusão entre os algoritmos de preço
de empresas concorrentes, o que não seria muito diferente de um
cartel praticado por humanos. Os autores ressaltam, porém, que os

292 Vejam-se algumas reflexões iniciais sobre a questão, com foco no direito brasileiro,
em: FRAZÃO, Ana. Algoritmos e Inteligência Artificial: Repercussões da sua utilização
sobre a responsabilidade civil e punitiva das empresas. Disponível em: <https://www.
jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/algoritmos-e-
inteligencia-artificial-16052018>. Acesso em: 17 mai. 2018.
293 EZRACHI, Ariel; STUCKE, Maurice E. Virtual Competition: The Promise and Perils
of the Algorithm-Driven Economy. Cambridge, Massachusetts: Harvard University
Press, 2016.
294 BALLARD, Dylan I.; NAIK, Amar S. Algorithms, Artificial Intelligence, and Joint
Conduct. Competition Policy International, Antitrust Chronicle, Volume 2, Spring 2017.
pp. 29-35.

Estudos em Direito da Concorrência 219


Amanda Athayde

casos antitruste envolvendo algoritmos de preço investigados até o


presente momento trataram de casos envolvendo seres humanos
efetuando tradicionais acordos de fixação de preço e implementando-
os por meio de algoritmos. Não teria havido ainda discussão a
respeito de um comportamento coordenado de robôs. Apesar de tais
casos não terem apresentado problemas a respeito da detecção e do
material probatório, Ballard e Naik sinalizam que tal situação deve vir
a se modificar no futuro, já que condutas conjuntas de robôs serão
possivelmente distintas, mais difíceis de detecção, mais efetivas e mais
estáveis. Logo, concluem os autores que essas mudanças tecnológicas
podem exigir atualizações do ponto de vista do direito antitruste, tanto
material como processual.
Capobianco e Gonzaga, a seu turno, asseveram que o
desenvolvimento do machine learning e dos algoritmos de preço tem
levado as empresas a adotarem novas e sofisticadas estratégias para
implementar acordos anticompetitivos fora do “radar” das agências
antitruste. Embora acreditem que seja exagerado afirmar que os
algoritmos computacionais irão mudar dramaticamente tudo o que
se conhece sobre a concorrência, os autores demonstram que não se
pode ignorar os sinais claros de que os mercados estão mudando, com
consequências imediatas para a política de defesa da concorrência.
Os autores concluem que a situação dos elaboradores de
políticas públicas é bastante delicada, tendo em vista que, apesar de
a inação apresentar riscos, também a intervenção excessiva pode ser
perigosa. Isso porque o desenvolvimento da economia digital tem
resultado em ganhos extraordinários para os consumidores, de modo
que uma atuação regulatória incisiva sobre a inteligência artificial
pode representar barreiras substanciais à concorrência, permitindo
substituir a colusão por formas ainda mais lesivas ao processo
competitivo. Assim, Capobianco e Gonzaga entendem que é preciso
alcançar uma abordagem balanceada a respeito da inteligência
artificial, que permita, de fato, proteger a concorrência em mercados
digitais.

220 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

McSweeny e O’Dea295, por sua vez, destacam que os “criadores”


do direito antitruste ficariam surpresos pelas tecnologias cada
vez mais poderosas e autônomas. Algoritmos, machine learning
e inteligência artificial têm tido um papel de destaque nos
comportamentos competitivos das empresas, de modo que podem
aportar benefícios significativos aos consumidores, em que pese
também poderem apresentar novos desafios para as autoridades
de defesa da concorrência. Ressaltam, por exemplo, os riscos de os
algoritmos facilitarem colusões expressas, bem como levarem a
colusões tácitas entre concorrentes. Visto que as novas tecnologias
tornam mais provável a interação coordenada, os autores defendem
que os aplicadores do antitruste tenham um foco especial nos efeitos
coordenados quando da análise de atos de concentração. Ademais,
asseveram que pode ser necessário repensar os conceitos focados
no ato humano, como a ideia de “acordo” do antitruste. Os autores
realçam que essas novas tecnologias podem produzir formas cada
vez mais sofisticadas de discriminação de preços, o que também pode
ensejar mudanças no método usado no controle de concentrações, eis
que tendem a reduzir o escopo do mercado relevante sob a ótica do
produto.
Já Petit296 sintetiza as três principais afirmações do que chama
de “literatura sobre antitruste e inteligência artificial”, quais sejam: (i)
os algoritmos ampliam as instâncias em que formas já conhecidas de
condutas anticompetitivas ocorrem, como colusão expressa e tácita
e discriminação comportamental; (ii) os algoritmos vão acarretar
novas formas de comportamentos anticoncorrenciais referentes a
dimensões distintas do preço, como captura de dados e coopetição entre
superplataformas, as quais vão desafiar a doutrina já estabelecida do
antitruste; e (iii) por trás da fachada de concorrência dos algoritmos,
os consumidores estão imersos em transações explorativas.

295 MCSWEENY, op. cit, pp. 75-81.


296 PETIT, Nicolas. Antitrust and Artificial Intelligence: A Research Agenda. Journal of
European Competition Law & Practice, 2017, Vol. 8, No. 6. pp. 361-362.

Estudos em Direito da Concorrência 221


Amanda Athayde

Nesse contexto, o autor faz um alerta para o exagero das conclusões


das pesquisas acadêmicas até então desenvolvidas, sugerindo que os
estudos não consideram os potenciais efeitos desestabilizadores dos
algoritmos nas condutas anticoncorrenciais. Petit também aduz que
os escritos fazem previsões com base em suposições estritas, sendo
preciso uma pesquisa mais ampla para entender se elas são, de fato,
robustas. Dessa forma, segundo o autor, antes de os cenários descritos
pela literatura sobre inteligência artificial serem integrados às políticas
públicas, é preciso uma maior discussão, com a realização de testes
para provar se aquelas afirmações merecem efetiva preocupação.
Nesse mesmo sentido, Schwalbe297 afirma que a literatura da
ciência da computação sobre cooperação entre algoritmos, bem
como pesquisas da economia sobre colusão em oligopólios indicam
que a coordenação (e, mais especificamente, a colusão tácita) entre
robôs é mais difícil de ocorrer do que a literatura jurídica costuma
pressupor. O autor aponta estudos demonstrativos de que algoritmos
aprendem a se comunicar apenas de modo muito limitado, de sorte
que as máquinas ainda estariam longe de serem capazes de alcançar
um resultado colusivo. Desse modo, o autor aduz que os problemas
associados à colusão algorítmica residem ainda no domínio da ficção
científica, de modo que não é uma preocupação relevante para o
antitruste. Assim, Schwalbe defende que os recursos escassos das
autoridades de defesa da concorrência sejam aplicados em problemas
mais relevantes, como o abuso de posição dominante por grandes
plataformas online.
Diante de posições acadêmicas tão fortes e conflitantes, o tema
foi considerado prioritário e, em 2017, o Comitê de Concorrência
da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) organizou uma roundtable para discutir os benefícios e riscos
do crescente uso de algoritmos pelas empresas para aperfeiçoar
seus modelos de precificação, personalizar seus serviços, prever

297 SCHWALBE, Ulrich. Algorithms, Machine Learning, and Collusion. Junho de 2018.
Disponível em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3232631>.
Acesso em: 07 fev. 2019.

222 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

tendências de mercado e otimizar processos298. No debate realizado,


foram destacados que os algoritmos e a inteligência artificial aportam
ganhos relevantes para a sociedade (tanto para as empresas como para
os consumidores), apesar de em algumas circunstâncias poderem
acarretar preocupações concorrenciais.
A OCDE identificou dois riscos principais: (i) os algoritmos
poderiam tornar os mercados mais propenso à colusão, ao
modificarem características estruturais como transparência e
frequência das interações; e (ii) os algoritmos poderiam substituir a
colusão expressa pela coordenação tácita, ao fornecer às empresas
ferramentas automáticas para implementar acordos colusivos sem
qualquer comunicação direta. Diante dessas preocupações, constatou-
se que apesar de o direito da concorrência poder endereçar o cenário
da colusão explícita, as regras atuais encontrariam maior dificuldade
de utilização para lidar com as formas de colusão tácita pura, de modo
que alguns dos conceitos fundamentais do antitruste podem ter de ser
repensados.
Nesse contexto, a OCDE asseverou que as autoridades de
defesa da concorrência devem agir com cautela, sem que sejam
obstaculizados os investimentos e as inovações nos mercados digitais,
independentemente de adaptarem as ferramentas já existentes do
antitruste ou desenvolverem novas medidas alternativas para lidarem
com os desafios impostos pelos algoritmos e pela inteligência artificial.
Diante de todo o exposto, constata-se que os algoritmos trazem,
em princípio, inúmeros efeitos pró-competitivos, tanto no âmbito da
oferta como no da demanda. Em relação à oferta, o uso de algoritmos
permite que as empresas otimizem suas estratégias econômicas
de forma instantânea. Já no lado da demanda, eles possibilitam o
incremento da qualidade das escolhas, que podem ser tomadas de
forma mais rápida, sofisticada e menos custosa e tendenciosa299.

298 Todos os documentos que serviram de apoio para a discussão encontram-se


disponíveis em: <http://www.oecd.org/competition/algorithms-and-collusion.htm>.
Acesso em: 10 fev. 2019.
299 GAL, op. cit, pp. 318-322; OECD, op. cit, pp. 12-16; ŠMEJKAL, Václav. Cartels by
Robots – Current Antitrust Law in Search of an Answer. InterEULawEast: Journal for

Estudos em Direito da Concorrência 223


Amanda Athayde

Nessa perspectiva, com base na abundante coleta e análise de


dados, os algoritmos, de forma autônoma e em tempo real, efetuam
decisões referentes a preços e produção com base nas condições
de mercado (inclusive a flutuação de preços dos concorrentes e as
preferências dos consumidores), funcionando como verdadeiros
robo-sellers300. Desse modo, o crescimento do uso de algoritmos para
fixação de preços, sobretudo com o incremento e aperfeiçoamento
da inteligência artificial, pode melhorar o mercado, criando novas
formas de comércio e concorrência. Ora, com algoritmos de preço
analisando e respondendo em tempo real a um volume de dados
outrora inimaginável, o mercado se tornaria mais dinâmico,
transparente e com menos barreiras à entrada, de sorte que os
problemas concorrenciais tradicionais (como colusão, monopólio e
discriminação de preços) seriam raros na economia digital301.
Todavia, embora os benefícios dos algoritmos sejam
indiscutíveis, os riscos concorrenciais (dentre inúmeros outros
possíveis efeitos perniciosos) que eles podem trazer podem ser mais
sérios e reais do que muitos imaginam302. Nesse sentido, a sequência
deste trabalho analisará especificamente duas possíveis repercussões
concorrenciais da inteligência artificial: a colusão algorítmica (Seção
II) e a discriminação comportamental de preços (Seção III).

2. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E CONDUTAS


COLUSIVAS: A COLUSÃO ALGORÍTMICA

No que concerne a condutas conclusivas empreendidas por


algoritmos inteligentes, este tem sido o principal foco das pesquisas
acadêmicas envolvendo concorrência e inteligência artificial, sendo

the International and European Law, Economics and Market Integrations, Vol. IV, Issue
2, Dec. 2017. p. 6.
300 MEHRA, op. cit, 2016, pp. 1334-1337; OECD, op. cit. p. 14.
301 EZRACHI, op. cit., 2016, p. 23.
302 Idem. pp. 83-143.

224 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

indicadas como problemas sérios a serem enfrentados pelo antitruste


na nova realidade.
Tal como assentado na doutrina antitruste tradicional, a
maior transparência do mercado e a frequência de interações são
consideradas elementos facilitadores de cartéis. Na economia
digital, considerando que o mercado é mais transparente não apenas
pela quantidade de informações disponíveis, como também pela
capacidade dos algoritmos de realizarem previsões e reduzirem
incertezas estratégicas, nota-se que os mecanismos de monitoramento
e retaliação a eventuais deserções de acordos colusivos são mais
facilmente executáveis, ocorrendo, inclusive, de forma autônoma303.
Outrossim, ao fornecer às empresas ferramentas para monitorar
preços, implementar políticas comuns e enviar sinais ao mercado
ou otimizar lucros conjuntos, os algoritmos podem permitir que os
agentes econômicos alcancem os mesmos resultados de cartéis hard
core tradicionais, mas por meio da colusão tácita. Nesse sentido, os
algoritmos de preço podem aumentar o poder de oligopolistas de
cobrarem preços supracompetitivos, sem que haja qualquer interação
formal entre os concorrentes304. Diante disso, tendo em vista que
a fixação de preços passa a ser realizada por computadores, e não
mais por humanos, as condutas colusivas também se alteram. Como
visto, vive-se um período de transição, em que se passa de um mundo
onde executivos expressamente concertam-se para um no qual os
algoritmos facilitam a colusão305.
A inteligência artificial, conjugando sua grande capacidade de
obter e processar volumes de dados em tempo real e sendo capaz de
possuir uma visão ainda mais ampla e detalhada do mercado, com

303 OECD, op. cit., pp. 18-22; ŠMEJKAL, op. cit., pp. 3-4. Vale ressaltar, contudo,
que o impacto dos algoritmos sobre outros elementos facilitadores de cartéis,
como o número de agentes no mercado e as barreiras à entrada, ainda é ambíguo
(CAPOBIANCO, op. cit.).
304 SALCEDO, Bruno. Pricing Algorithms and Tacit Collusion. Pennsylvania State
University Working Paper, 2015. Disponível em: <http://brunosalcedo.com/docs/
collusion.pdf>. Acesso em: 15 mai. 2018; MEHRA, op. cit., 2016, pp. 1339-1351; OECD,
op. cit. pp. 33-35; ŠMEJKAL, Václav. op. cit. pp. 4-5.
305 EZRACHI, op. cit., 2016, pp. 29-30.

Estudos em Direito da Concorrência 225


Amanda Athayde

reações imediatas a iniciativas competitivas e implementação de


estratégias dinâmicas, pode expandir a colusão tácita para além do
preço, de mercados oligopolísticos e de fácil detecção. Trata-se do já
comentado cenário do Digital Eye dos autores Ezrachi e Stucke, em que
os algoritmos passam a decidir autonomamente os meios de otimizar
os lucros, levando a resultados anticompetitivos. Os algoritmos não
mais operam por meio de sequências lineares, portanto, mas como
supostas black boxes306.
Sob esse prisma, um robo-seller, que atua por meio de uma
profunda coleta de dados, machine learning e algoritmos de preço,
não terá a habilidade de comunicar-se diretamente com outro robo-
seller da mesma forma que as pessoas fazem307. Nesse cenário, os
humanos podem se descolar das decisões estratégicas dos algoritmos
(inclusive aqueles que eventualmente criaram os algoritmos), não
tendo conhecimento se, como ou durante quanto tempo os algoritmos
têm coludido tacitamente, de sorte a inexistir qualquer prova de um
animus anticoncorrencial308. Assim, a inteligência artificial pode vir a
causar danos à concorrência de uma forma muito mais eficiente que
qualquer humano jamais aspirou fazer309.
Caso implementada tal colusão, questiona-se a efetividade do
antitruste. Isso porque, tradicionalmente, os diversos ordenamentos
jurídicos exigem prova, ainda que indireta, de alguma comunicação
entre concorrentes (humanos) para que se considere existir um
cartel. Essa comunicação tem como base a premissa já mencionada
do “acordo” entre competidores, não se considerando ilícita a colusão
tácita se inexistir um plus fator310.
Nesse sentido, muitos defendem que o toolkit de que as
autoridades de defesa da concorrência dispõem não é hábil para lidar
com as condutas coordenadas pela inteligência artificial. Com efeito,

306 Idem. p. 71.


307 MEHRA, op. cit, 2016, pp. 1359-1360.
308 EZRACHI, op. cit., 2016, p. 78.
309 CAPOBIANCO, op. cit.
310 MEHRA, op. cit., 2016, pp. 1359-1360.

226 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

várias podem ser as dificuldades enfrentadas para tratar desse tipo


de conduta colusiva sem o contato humano, tanto no que se refere à
prevenção quanto à detecção e ao enforcement311.
Apesar do relativo consenso sobre a gravidade dos problemas
concorrenciais que podem surgir no enfrentamento aos cartéis
empreendidos pela inteligência artificial312, não existe qualquer
unanimidade sobre qual seria a melhor solução para combater tais
práticas. Pelo menos quatro são as alternativas apresentadas pela
doutrina especializada para endereçar esses riscos concorrenciais.
Primeiramente, há alternativa drástica de sustentar que os robo-
sellers deveriam ser proibidos de operar, devendo-se aplicar a regra de
análise de uma ilicitude per se313. Todavia, essa solução mostra-se, a
nosso ver, inadequada pelo seu excesso. Isso porque a automatização
de decisões empresariais pode ser bastante eficiente, produzindo
inúmeros benefícios concorrenciais ao auxiliar empresários a
tomarem decisões de forma melhor e mais rápida, com uma grande
redução de custos, bem como ao permitir a inovação com utilidade
aos consumidores314.
Uma segunda alternativa, menos drástica do que a primeira,
seria instituir pequenas alterações na legislação, como a proibição
de ajustes automáticos de preço pelos agentes econômicos mais de
uma vez em menos de 24 horas ou a criação de uma nova conduta
anticompetitiva para enquadramento de práticas abusivas dos robo-
sellers (como, por exemplo, um abuso de excessiva transparência de

311 SCHWALBE, op. cit. p. 24.


312 Ressalte-se, entretanto, que a questão está longe de ser pacificada, havendo
discussões acaloradas sobre a matéria. Nesta linha, como já aduzido quando da
revisão de literatura, parcela dos estudiosos defendem que a colusão algorítmica é
muito mais difícil de ser alcançada do que tem sido imaginado, de sorte que não se
trata de uma preocupação concorrencial relevante (SCHWALBE, Ulrich. op. cit.).
313 Sobre as distinções entre a regra da razão e a ilicitude per se, veja-se MENDES,
Francisco Schertel. O controle de condutas no direito concorrencial brasileiro:
características e especificidades. 2012. 109 fls. Dissertação de Mestrado em Direito –
Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2012. Disponível em: <http://
repositorio.unb.br/bitstream/10482/14731/1/2013_FranciscoSchertelMendes.pdf>.
Acesso em: 15 mai. 2018. pp. 60 e ss.
314 MEHRA, op. cit.., 2016, pp. 1361-1363.

Estudos em Direito da Concorrência 227


Amanda Athayde

mercado ou um paralelismo algorítmico anticoncorrencial)315. A


nosso ver, porém, trata-se ainda de intervenção excessiva do Estado
na esfera da tomada de decisão privada.
Uma terceira alternativa seria considerar o uso de determinados
algoritmos como plus factors. Dessa forma, caso sejam detectados
movimentos coordenados de preço em um dado mercado por
empresas que se utilizam dos mesmos algoritmos ou de um mesmo
centro de processamento de dados de terceiro, restará caracterizado
um ilícito antitruste316. Contudo, essa postura parece ser restrita, pois
se concentra unicamente naqueles casos (menos problemáticos) em
que os algoritmos são apenas um instrumento nas mãos de humanos
(notadamente os dois primeiros cenários descritos por Ezrachi e
Stucke: Messenger e Hub and Spoke)317. A nosso ver, portanto, seria
uma alterativa ineficaz para os casos de efetiva ação da inteligência
artificial.
Por fim, uma quarta alternativa, menos interventiva, tende
a se centrar na advocacia da concorrência, incentivando os agentes
econômicos a adotarem “melhores práticas” na codificação das
máquinas, isto é, no sentido de que o design dos algoritmos fosse
desenvolvido para impedi-los de praticar condutas que produzam
efeitos anticompetitivos. A nosso ver, porém, trata-se de hipótese de
baixo índice provável de eficácia, e até mesmo de difícil execução
técnica, notadamente levando em conta o machine learning, que
permite que a máquina aja de forma não necessariamente idealizada
inicialmente pelo seu criador318.
Como se pode notar, portanto, o endereçamento às práticas
colusivas, em que pese as alternativas existentes, não parece
consensual, o que evidencia a necessidade imperiosa de aprofundar
o exame para refletir se de fato alguma ou um conjunto delas

315 ŠMEJKAL, op. cit., p. 12.


316 CAPOBIANCO, op. cit.
317 ŠMEJKAL, op. cit., pp. 11-12.
318 EZRACHI, op. cit., 2016, pp. 79-80; MEHRA, op. cit., 2016, p. 1371; ŠMEJKAL, op. cit.
p. 13; GAL, op. cit. p. 351.

228 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

pode representar uma modelagem adequada para a preocupação


concorrencial ora examinada.

3. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E CONDUTAS UNILATERAIS:


A DISCRIMINAÇÃO COMPORTAMENTAL DE PREÇOS

No que concerne a condutas unilaterais, as inquietações da


doutrina antitruste centram primordialmente na discriminação
comportamental de preços. A discriminação de preços ocorre quando
produtos ou serviços similares, que possuem o mesmo custo marginal
de produção, são vendidos por um agente econômico a preços
diferentes para compradores (ou grupos de compradores) distintos,
com base no quantum que cada um deles está disposto a pagar por
cada produto ou serviço (o denominado “preço de reserva”)319.
A discriminação de preços costuma ser classificada pela
literatura especializada em discriminação de primeiro grau/perfeita
e discriminação de terceiro grau/imperfeita320. Na discriminação
perfeita, a empresa cobra de cada cliente o preço máximo que ele
está disposto a pagar. Nesse caso, o vendedor maximiza seus lucros
pela captura de todo o excedente do consumidor. Já na discriminação
imperfeita, o agente econômico segmenta os consumidores em
categorias mais amplas (conforme características comuns daqueles),
às quais são cobrados preços diferentes. Nessa hipótese, ainda que o
agente econômico não se apodere de todo o excedente do consumidor,
o vendedor detém quantia maior àquela que capturaria caso o preço
fosse fixo321.

319 ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD).


Price Discrimination - Background note by the Secretariat. 13 out. 2016. Disponível
em: <https://one.oecd.org/document/DAF/COMP(2016)15/en/pdf>; Acesso em: 25 jul.
2018. p. 6; EZRACHI, op. cit., 2016, p. 85.
320 Por sua vez, a discriminação de segundo grau é aquela por meio da qual uma
empresa estabelece preços distintos para versões diferentes do produto. Nesse caso, a
discriminação é indireta, visto que é o próprio comprador quem realiza a escolha da
versão e não o vendedor (OECD, op. cit., 2016, p. 7).
321 EZRACHI, op. cit., 2016, pp. 85-88; OECD, op. cit., 2016, p. 7.

Estudos em Direito da Concorrência 229


Amanda Athayde

Nesse contexto, com o aperfeiçoamento dos algoritmos


inteligentes, sobretudo em decorrência da intensificação do big data e
do data mining, os agentes econômicos passam a ser capazes de melhor
prever as preferências e os comportamentos dos consumidores322.
Desse modo, as empresas ficam cada vez mais próximas do “preço de
reserva”323 dos indivíduos, sendo capazes de segregá-los em grupos cada
vez menores, com base em sensibilidade ao preço e comportamento
de compra similares324.
Logo, a implementação de formas de discriminação de preços
mais sofisticadas, muito mais próximas daquele cenário inicialmente
teórico da discriminação perfeita, já é uma realidade325. Trata-se da
discriminação comportamental de preços, pela qual a inteligência
artificial combina o big data com a economia comportamental, cujos
postulados estabelecem que a vontade humana é imperfeita e suas
decisões são variáveis e até imprevisíveis326. Por meio do rastreio
dos dados pessoais dos consumidores, portanto, são identificados os
vieses, sensibilidades, hábitos e desejos dos indivíduos. A seu turno,
tais informações podem ser utilizadas pela inteligência artificial para
manipular as pessoas por meio dos seus vieses cognitivos e tendências

322 Ressalte-se que a obtenção dos dados dos consumidores ocorre por variadas formas
(como por meio de cartões de fidelidade, registros de compra, wi-fi, recognição facial,
sinais emitidos por smartphones), frequentemente sem o conhecimento das pessoas
(EZRACHI, op. cit., 2016, pp. 94-96).
323 Relembre-se que “preço de reserva” refere-se ao quantum que cada um dos
consumidores está disposto a pagar por cada produto ou serviço.
324 Invoca-se, nesse sentido, o surpreendente caso da Target, que rastreia os
consumidores por meio de programas de fidelidade, tendo descoberto em 2012 que
uma adolescente estava grávida antes de seu pai, com base em uma fórmula que levava
em consideração cerca de 25 produtos adquiridos (EZRACHI, op. cit., 2016, pp. 92-93).
325 EZRACHI, op. cit., 2016, pp. 90-96. Os autores ressaltam, porém, que a
discriminação perfeita não parece provável de ser implementada mesmo num futuro
próximo. Ora, para a determinação do preço de reserva seria necessário não apenas
o aceso a uma infinidade de dados das pessoas, mas também a previsão das decisões
das pessoas, que muitas vezes são variáveis e imprevisíveis. Assim, questiona-se se um
computador, por mais sofisticado que seja, será de fato capaz de determinar o preço
de reserva das pessoas.
326 KAHNEMAN, Daniel. Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2012. pp. 513-515; THALER, Richard H. Misbehaving: The Making of
Behavioural Economics. London: Penguin Books, 2016. pp. 257-260.

230 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

psicológicas, cobrando de cada consumidor um preço mais próximo do


que ele está disposto a pagar, bem como levando-o a adquirir produtos
de que não necessita ou que não deseja327. Assim, há um aumento
do lucro dos agentes econômicos, com o incremento do consumo
(modificando a curva da demanda para a direita e discriminando os
adquirentes) e a consequente redução do excedente do consumidor328,
pelo menos em termos econômicos.
Sob esse prisma, a prática de discriminação comportamental
de preços pode configurar, segundo a doutrina do direito da
concorrência, um ilícito antitruste. Para tanto, é preciso examinar, por
meio da regra da razão329, se os efeitos anticompetitivos (efetivos ou
potenciais) produzidos no mercado por aquelas condutas superam as
eventuais eficiências geradas. Ocorre que os efeitos da discriminação
comportamental de preços são ambíguos e variáveis de acordo as
condições específicas de cada mercado330.
Por um lado, a discriminação comportamental de preços pode
ser pró-competitiva, com a produção de eficiências e ganhos de bem-
estar social. Por exemplo, tal comportamento pode ser uma resposta
“racional” das máquinas para o aumento do output, facilitando a
recuperação de altos custos fixos, de modo a assegurar que os agentes
econômicos operem lucrativamente e tenham incentivos para investir
em inovação331.
Por outro lado, pode acarretar inúmeros efeitos
anticoncorrenciais. Com efeito, discriminações em geral podem
ser lesivas quando levam à exploração dos consumidores (cobrando
preços maiores e provocando o aumento do consumo), à exclusão
de concorrentes, ao aumento de barreias à entrada ou à expansão e
à manutenção de outras práticas abusivas ou exclusionárias, o que

327 AKERLOF, George A.; SHILLER, Robert J. Pescando Tolos: A Economia da


Manipulação e Fraude. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016. pp. 7, 45-53.
328 EZRACHI, op. cit., 2016, pp. 101-105.
329 Remete-se, para essa análise, a MENDES, op. cit., pp. 60 e ss.
330 OECD, op. cit., 2016, p. 12; EZRACHI, op. cit., 2016, pp. 117-118.
331 OECD, op. cit., 2016, pp. 9-12; EZRACHI, op. cit., 2016, pp. 117-118.

Estudos em Direito da Concorrência 231


Amanda Athayde

pode levar à monopolização. Tais riscos são mais suscetíveis de se


concretizarem quando a conduta é praticada por um monopolista,
de forma muito complexa e/ou ignorada pelos consumidores332. Tais
efeitos concorrencialmente negativos podem ser ainda mais lesivos
quando a discriminação é praticada pela inteligência artificial, com
o uso do big data e das técnicas da economia comportamental. Como
visto, nesse cenário são empreendidas formas mais sofisticadas de
discriminação, com a utilização de dados pessoais dos consumidores,
muitas vezes sem a sua ciência ou autorização informada, visando
à manipulação da demanda para se alcançar objetivos estritamente
econômicos333.
Nesse sentido, os agentes econômicos podem fazer uso das
inúmeras assimetrias informacionais existentes entre as empresas e
os consumidores na economia digital para potencializar seu respectivo
poder de mercado. De fato, se de um lado os agentes econômicos
coletam dados e utilizam algoritmos, tendo consciência de que eles
são utilizados para uma melhor discriminação de preços (ainda que
de forma indireta – por meio da inteligência artificial), de outro, os
consumidores estão “no escuro”, muitas vezes nem tendo conhecimento
de que estão sendo discriminados334. Sob essa perspectiva, uma vez
verificada a produção de efeitos anticompetitivos irrazoáveis (isto é,
não justificados por eficiências), a discriminação comportamental de
preços poderá configurar um ilícito anticoncorrencial. Nesse sentido,
é fundamental que seja perquirido se distorções da demanda por
meio da utilização do big data e de algoritmos inteligentes configuram
um abuso de poder de mercado, lesando o ambiente competitivo e
aumentando os lucros das empresas dominantes, com a redução do
bem-estar dos consumidores335.
Para a análise concorrencial, pela regra da razão, da conduta
de discriminação comportamental de preços, deve ser considerado

332 EZRACHI, op. cit., 2016, pp. 118-119.


333 Idem, pp. 119-120.
334 Idem, p. 113.
335 OECD, op. cit., 2016, p. 15.

232 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

se a prática discriminatória tem o objetivo unicamente de capturar o


máximo de riquezas dos consumidores (não gerando uma melhoria na
qualidade do produto ou serviço, nem fomentando objetivos sociais)
e se ela é exercida de forma não-transparente e pela manipulação dos
vieses cognitivos dos indivíduos, com impactos negativos no ambiente
competitivo e social, na confiança nas empresas, na privacidade, na
autonomia e até mesmo na liberdade das pessoas336.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inteligência artificial é uma realidade incontornável. Apesar


dos inúmeros benefícios que traz para a sociedade, tal tecnologia
também tem gerado preocupações relevantes no antitruste.
O principal foco das reflexões da doutrina especializada tem sido
no impacto dos algoritmos inteligentes nas condutas colusivas, não
só como instrumento para acordos anticompetitivos expressos entre
concorrentes, mas também como um operador de colusão tácita. Neste
ponto, uma questão que necessita ser melhor estudada diz respeito ao
regime de responsabilidade antitruste aplicável, nos termos do art. 36,
§3º, inciso I, da Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/2011). De
fato, ainda que ultrapassada a primeira barreira (licitude-ilicitude) e se
considere um ilícito concorrencial determinada conduta, o problema
da responsabilização emerge. Ora, em caso de atos praticados
pela inteligência artificial, quem seria o responsável pela conduta?
Seria estabelecida uma personalidade jurídica para a inteligência
artificial, como um centro autônomo de imputação, o que permitiria
responsabilizar os robôs por atos ilícitos por eles praticados337? Seria

336 EZRACHI, op. cit., 2016, pp. 129-130.


337 Essa discussão tem sido travada na União Europeia, destacando-se a Resolução
do Parlamento Europeu, de 16 de fevereiro de 2018, que contém recomendações à
Comissão Europeia sobre disposições de Direito Civil sobre Robótica. Nesse sentido,
é afirmado no documento que devem ser analisadas e exploradas, na avaliação de
impacto que fizer do futuro instrumento legislativo, as implicações de todas as
soluções jurídicas possíveis, dentre as quais a criação de “um estatuto jurídico
específico para os robôs a longo prazo, de modo a que, pelo menos, os robôs

Estudos em Direito da Concorrência 233


Amanda Athayde

necessário adaptar os critérios de responsabilização das pessoas


físicas e jurídicas atualmente vigentes338?
Quanto à implementação possível de conduta unilateral,
sinalizamos a possível discriminação comportamental de preços,
viabilizada pela associação da inteligência artificial, do big data e
dos postulados da economia comportamental. A própria legislação
antitruste brasileira já prevê a referida conduta em seu art. 36, § 3º,
inciso X, referente à discriminação de adquirentes ou fornecedores
de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços ou
de condições operacionais de venda ou prestação de serviços. Ainda
não se tem, porém, estudos (ao menos robustos) sobre os impactos da
inteligência artificial em outras condutas unilaterais.
Da mesma forma, notamos que ainda é incipiente o exame
das consequências da inteligência artificial para a análise de atos de
concentração. De que modo os algoritmos e os dados detidos pelas
empresas virão a se tornar seus principais ativos, responsáveis pelas
concentrações econômicas futuras? Em que medida a privacidade
dos dados pode ser considerada um elemento decisivo para a tomada
de decisão da autoridade antitruste? É preciso pensar em novos
critérios de notificação para concentrações econômicas que envolvam
empresas detentoras de tecnologias de inteligência artificial?
Por fim, um último questionamento diz respeito aos remédios a
serem aplicados a eventuais ilícitos anticompetitivos praticados com
base em inteligência artificial. Isso porque as sanções tradicionais
referem-se sobretudo a multas (no caso da responsabilização
administrativa e civil) e a penas privativas de liberdade (na hipótese de
responsabilização penal, também combinadas com multa), as quais
visam sobretudo à dissuasão da prática ilícita. Contudo, tendo em vista

autônomos mais sofisticados possam ser determinados como detentores do estatuto


de pessoas eletrônicas responsáveis por sanar quaisquer danos que possam causar e,
eventualmente, aplicar a personalidade eletrônica a casos em que os robôs tomam
decisões autônomas ou em que interagem por qualquer outro modo com terceiros de
forma independente”.
338 Como aduzido, esta questão já vem sendo estudada no Brasil, com destaque para:
FRAZÃO, op. cit.

234 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

que as decisões que acarretam comportamentos anticompetitivos


passam a ser “tomadas” por algoritmos e não por humanos (ao menos
de forma imediata), questiona-se se as comentadas sanções podem
produzir um resultado efetivamente dissuasório. Ora, as máquinas
não respondem a tais elementos intimidatórios, fundados sobretudo
no temor de prisão ou de perda patrimonial. Logo, é preciso refletir se
sanções comportamentais, como obrigação de fazer para conformar o
design dos algoritmos ao antitruste, podem se mostrar mais adequadas
para garantir um ambiente concorrencialmente são no mundo digital.
Pelo que se pode notar, a relação entre antitruste e inteligência
artificial é um campo novo e promissor, em que há mais perguntas
do que respostas. Sem dúvidas, a identificação dos questionamentos
é um primeiro passo para a evolução do tema. Nesse sentido, se o
Bumblebee do filme Transformers inicialmente causou estranhamento
ao se transformar em carro, acreditamos que a inteligência artificial
deverá ser objeto de aprofundamento das pesquisas antitruste,
preferencialmente associando-se as expertises do direito, da economia
e da ciência da computação, para que se transforme o estranhamento
inicial com o tema em propostas de endereçamento eficaz aos possíveis
riscos concorrenciais.
O questionamento que fica, ao final, é o seguinte: o emprego
de máquinas irá realmente transformar as práticas anticompetitivas
hoje conhecidas, bem como introduzir novas práticas lesivas à
concorrência? Se sim, qual a maneira que os agentes econômicos
podem se precaver de eventuais riscos concorrenciais, sem deixar de
aproveitar das vantagens que a inteligência artificial pode trazer para
a empresa e para a sociedade? Se não, como reinterpretar a legislação
antitruste vigente a fim de permitir a responsabilização dos agentes
econômicos que implementarem condutas que tenham por objeto ou
efeitos anticompetitivos?

Estudos em Direito da Concorrência 235


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

O QUE O VIDEOGAME TEM A VER COM O


CADE? OPERAÇÕES NA INDÚSTRIA DE JOGOS
ELETRÔNICOS E ANÁLISES ANTITRUSTE

Publicado originalmente em: Portal Jota em 25/02/2023.

Amanda Athayde

Leonardo Rocha e Silva

Igor Marques Caldas Machado

De acordo com estudo da Deloitte Global339, o número de fusões


e aquisições (M&A) de empresas envolvidas na indústria de jogos
eletrônicos (games) deve aumentar cerca de 25% em 2023. Ainda de
acordo com tal estudo, além de um crescimento superdinâmico baseado
em investimentos em inovação, há um movimento de consolidação que
engloba não só as empresas que desenvolvem os games, mas também
as publishers, ou publicadoras, as distribuidoras e as fornecedoras de
serviços para o ecossistema dos games. Tal movimento também deverá
envolver empresas de mídia e entretenimento que estão procurando
expandir seus portfólios para manter as gerações mais jovens como
seus clientes.
Movimentos de consolidação entre empresas concorrentes
ou verticalmente relacionadas, principalmente quando afetam
consumidores hipossuficientes, geram preocupações das autoridades
de defesa da concorrência. Tais autoridades passam a examinar com
muito mais cuidado não só as operações de M&A em si, visando a evitar
o aumento do poder de mercado que poderia facilitar a implementação
de condutas abusivas das empresas resultantes das fusões, mas
também outras práticas comerciais potencialmente exclusionárias,

339 Disponível em <https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/br/Documents/


technology-media-telecommunications/deloitte-tendencias-midias-digitais-2022-16-
ed.pd>.

Estudos em Direito da Concorrência 237


Amanda Athayde

como, contratos de exclusividade, cláusulas de paridade340, recusa de


contratar, discriminação, entre outras.
A autoridade brasileira de defesa da concorrência, o Cade,
parece estar acompanhando esse movimento. Ainda que não tenha
iniciado investigações a respeito de condutas específicas de empresas
da indústria dos jogos eletrônicos, o Cade já analisou operações de
aquisição no setor e emitiu pareceres que indicam algumas balizas para
as suas análises futuras, no contexto das peculiaridades da economia
brasileira, permitindo aos players antecipar preocupações.341
Essas análises recentes do Cade foram feitas porque os grupos
econômicos envolvidos nessas operações faturaram, de um lado,
mais do que R$ 750 milhões e, de outro, mais de R$ 75 milhões, no
ano anterior à assinatura dos contratos. Por terem envolvido grupos
com esses portes econômicos, as operações foram consideradas de
notificação obrigatória ao Cade. Mas vale observar que é possível
que operações envolvendo desenvolvedoras de menor porte, que não
preencham esse critério de notificação obrigatória, sejam analisadas
pelo Cade, se a autoridade entender que tem interesse na análise,
determinando a sua notificação para exame em até um ano da sua
consumação.
Recentemente, sem fixar ainda definições de mercados relevantes
precisas, o Cade fez um exame dos cenários de concentração horizontal
e integração vertical envolvidos no segmento de comercialização dos
jogos eletrônicos em todas as plataformas (PCs, dispositivos móveis e
consoles como PlayStation e Xbox)342. O quadro abaixo indica os jogos

340 ATHAYDE, Amanda. Novos rumos para as Cláusulas de Paridade-MFN no Brasil?


Disponível em: <https://www.amandaathayde.com.br/single-post/2018/04/06/novos-
rumos-para-as-cl%C3%A1usulas-de-paridade-mfn-clauses-no-brasil>
341 Atos de Concentração nº 08700.003361/2022-46 (Requerentes: Microsoft
Corporation e Activision Blizzard, Inc.), nº 08700.006064/2020-91 (Requerentes:
Microsoft Corporation e Zenimax Media Inc.) e nº 08700.005843/2016-92 (Requerentes:
Ubisoft Entertainment S.A. e Vivendi S.A.).
342 “De todo modo, esta SG/Cade entende que a análise da Operação em tela
prescinde de uma definição exata do mercado relevante, uma vez que as informações
apresentadas pelas Requerentes e coletadas ao longo da instrução permitem o
exame tanto de um cenário mais amplo – considerando a publicação de jogos para
todos os dispositivos, sem segmentação – quanto de recortes mais específicos –

238 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

mais populares para uso em computadores pessoais e nos principais


consoles disponíveis no mercado brasileiro:

PC PlayStation 5 Xbox Series X|S

Minecraft (Microsoft) Fornite (Epic) Fornite (Epic)

Call of Duty: MW
Grand Theft Auto
The Sims 4 (EA) / Warzone (Acti-
V (Take Two)
vision Blizzard)

Call of Duty: MW / War- Grand Theft Auto


Fortnite (Epic)
zone (Activision Blizzard) V (Take Two)

Counter-Strike: Glo-
FIFA 22 (EA) Fall Guys (Epic)
bal Offensive (Valve)

League of Legends (Riot) Fall Guys (Epic) MultiVersus (Warner)

Roblox (Roblox) MultiVersus (Warner) Minecraft (Microsoft)

Valorant (Riot) Apex Legends (EA) Apex Legends (EA)

Grand Theft Auto


NBA 2K22 (Take-Two) Roblox (Roblox)
V (Take Two)

Forza Horizon
Fall Guys (Epic) Minecraft (Microsoft)
5 (Microsoft)

Tom Clancy’s
Call of Duty: MW / War- Tony Hawk’s Pro Skater
Rainbow Six: Sie-
zone (Activision Blizzard) 1+2 (Activision Blizzard)
ge (Ubisoft)

Fonte: Elaboração própria com base na tabela da SG/


Cade nos autos do AC 08700.003361/2022-46

Em seu exame dos mercados relevantes afetados pelas operações


que lhes foram submetidas, o Cade não considerou necessário
examinar um cenário de definição de um “mercado de atenção”343 mais

publicação de jogos para (i) PCs, (ii) consoles e (iii) dispositivos móveis. Além disso,
como se verá adiante, as conclusões da análise concorrencial seriam as mesmas
independentemente do cenário adotado.” Ato de Concentração nº 08700.003361/2022-
46 (Requerentes: Microsoft Corporation e Activision Blizzard, Inc.).
343 NEWMAN, John M. Antitrust in Attention Markets: Definition, Power,
Harm. University of Miami Legal Studies Research Paper No. 3745839. Disponível
em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3745839

Estudos em Direito da Concorrência 239


Amanda Athayde

amplo (em que seriam reunidas como concorrentes diretas todas as


empresas que disputam a atenção dos usuários dos jogos eletrônicos)
apesar de existir, em tese, a possibilidade de substituição dos jogos
eletrônicos por outros produtos de entretenimento, do ponto de vista
dos usuários344.
Ademais, o Cade não fez distinção entre jogos eletrônicos
“AAA” e “indie”345. Sobre o tema, cabe mencionar que os jogos
“indie” normalmente demandam, para sua produção, um orçamento
significativamente menor do que os jogos “AAA”, que são famosos por
suas produções gráficas sofisticadas, dependentes de investimentos
elevados em questões técnicas e em marketing.
Assim, vale acompanhar a atuação futura do Cade em relação
a definições de mercados relevantes afetados por eventuais novas
operações envolvendo desenvolvedoras e distribuidoras de jogos
eletrônicos, principalmente levando em consideração as diferenças
entre serviços de jogos em nuvem e consoles.
Quanto a preocupações a respeito de fechamento de mercado,
no caso de operações com integrações verticais, como aquelas
envolvendo, por exemplo, desenvolvedoras, publishers e distribuidoras,

344 [6] “As Requerentes sustentam que, no mercado de licenciamento, os publicadores de


jogos competem não apenas com outros players da indústria de videogames, mas “com
quaisquer detentores de direitos de conteúdo de entretenimento licenciável – como, filmes,
programas de TV, desenhos animados, direitos de imagem de celebridades, times esportivos,
etc. – que poderiam ser usados para produzir produtos licenciados, como, roupas, acessórios,
livros, itens para casa, etc.”. Nessa senda, defendem que o licenciamento de direitos para
produtos de consumo constituiria um mercado relevante único, independentemente
do tipo de produto ou de conteúdo licenciado. […] O que se observa, portanto, é que
a definição de mercado produto sugerida pelas Requerentes – e não contestada por
nenhum dos agentes oficiados ao longo da instrução processual – vai ao encontro
daquela considerada pelo Cade nos precedentes Disney/Fox e Microsoft/Zenimax,
não havendo, por ora, qualquer razão apta a justificar a adoção de posicionamento
distinto. Dessa forma, define-se o mercado de licenciamento para produtos de
consumo sob a dimensão produto.” Ato de Concentração nº 08700.003361/2022-46
(Requerentes: Microsoft Corporation e Activision Blizzard, Inc.).
345 A classificação “AAA” “é utilizada pela indústria de videogames para designar
os jogos com maiores orçamentos e valores de produção e promoção.” (AC
08700.003361/2022-46). Os jogos “indie” são aqueles produzidos por desenvolvedores/
estúdios independentes, normalmente sem o subsídio financeiro elevado.

240 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

o Cade tem se mostrado cauteloso, avaliando, corretamente, a nosso


ver, vários cenários de mercados relevantes.
Seguindo os parâmetros da Resolução Cade 33/2022 (artigos
6º e 8º, inciso IV) e do Guia de Análise de Atos de Concentração, o
Conselho tem decidido que as concentrações envolvendo partes
verticalmente relacionadas que não detenham participações nos
mercados relevantes de sua atuação superiores a 30% não suscitam
preocupações concorrenciais, decidindo pela aprovação de tais
concentrações.
Daí a importância de o Cade se dedicar ainda mais a entender
as peculiaridades do setor de jogos eletrônicos e se debruçar sobre
as definições de mercados relevantes a serem usadas em suas
análises, dado que as condições de concorrência podem mudar muito
rapidamente, sobretudo em decorrência dos níveis crescentes de
investimentos para a atração de usuários dos jogos eletrônicos para
suas plataformas de distribuição e os rendimentos gerados nessas
relações de distribuição.
Em outra análise recente, o Cade manifestou-se no sentido
de que as características da indústria de jogos eletrônicos no Brasil
dificultam que uma desenvolvedora tenha incentivos econômicos
para disponibilizar seus jogos a apenas uma distribuidora, mitigando
os riscos de exclusividade.346 O Cade considerou um contexto em que
os usuários estão cada vez mais interessados em conteúdos digitais e
menos interessados nas mídias físicas dos jogos eletrônicos.
Dada essa constatação, a autarquia não reconheceu como
plausível a ideia de que haveria a adoção de exclusividade na distribuição
de determinados jogos eletrônicos, a partir da operação de aquisição
da distribuidora pela desenvolvedora. Muito relevante, portanto, foi a
capacidade das empresas de demonstrar as características da indústria

346 “Com efeito, os resultados da investigação de mercado conduzida pela SG/Cade


sugerem que o catálogo de jogos disponíveis para cada plataforma, considerado em
termos de qualidade e quantidade, é um dos fatores que exercem maior influência
sobre a escolha do consumidor por um determinado hardware de jogos”. Ato de
Concentração nº 08700.003361/2022-46 (Requerentes: Microsoft Corporation e
Activision Blizzard, Inc.).

Estudos em Direito da Concorrência 241


Amanda Athayde

de jogos eletrônicos no Brasil e os incentivos econômicos relacionados


à manutenção, ou não, de cláusulas de exclusividade.
Nesse diapasão, vale observar que operações de M&A envolvendo
produção e distribuição de jogos eletrônicos também trazem discussões
importantes e sofisticadas sobre o incentivo à inovação, não só nos
enredos e artes visuais aplicadas no desenvolvimento dos produtos,
mas também no uso de novas tecnologias.
Se por um lado, a aquisição de uma desenvolvedora por uma
empresa (seja desenvolvedora, seja distribuidora) que não tenha o
compromisso em manter os incentivos adequados para a produção de
novos títulos pode afetar a variedade dos jogos eletrônicos à disposição
dos usuários, prejudicando tais consumidores, por outro, aquisições de
desenvolvedoras de jogos podem gerar apropriação de investimentos
relevantes e efeitos positivos no que tange à garantia de produção de
novos e melhores jogos, ainda mais diferenciados e apreciados pelos
consumidores. Há estudos, inclusive, que indicam que a qualidade
dos jogos tende a aumentar após a aquisição das desenvolvedoras,
impactando a performance de vendas.347
Faz sentido, assim, que as empresas da indústria dos jogos
eletrônicos se preocupem em se aproximar das autoridades de
defesa da concorrência com o objetivo de explicar, com detalhes, as
características do setor, para que tais autoridades tenham os elementos
necessários para cumprir o papel de proteger a livre concorrência,
de modo a gerar ainda mais escolhas para os consumidores, sem, no
entanto, interferir demasiadamente nos incentivos à inovação.

347 “We further find that publishers fail to leverage developers’ capabilities for
ongoing innovation as product innovativeness decreased post-acquisition. Lastly,
acquisitions create value through enhanced inter-firm coordination resulting in
higher quality products and increased sales performance.” Ishihara, Masakazu and
Rietveld, Joost, The Effect of Acquisitions on Product Innovativeness, Quality, and
Sales Performance: Evidence from the Console Video Game Industry (2002-2010)
(January 10, 2017). Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2897264 ou http://dx.doi.
org/10.2139/ssrn.2897264

242 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA:


INTERFACES ENTRE ANTITRUSTE E DIREITO
DO TRABALHO NO BRASIL E NOS EUA

Amanda Athayde

Manuela Mendes Prata

André Peyneau Cúrcio

Em grandes linhas, cláusulas de não concorrência (também


conhecidas como “non-compete” na nomenclatura estrangeira) são
aquelas que estabelecem que um indivíduo ou uma empresa não
poderá concorrer com outra por um determinado período, sob um
determinado escopo e em um determinado local. As cláusulas de não
concorrência são tipicamente utilizadas em dois principais contextos,
(i) contratos empresariais e em (ii) contratos de trabalho. Este artigo
trará breves reflexões sobre essas cláusulas pela ótica antitruste, tanto
no Brasil quanto nos desenvolvimentos recentes sobre o tema nos
EUA.
Quando envolvem (i) contratos empresariais, as cláusulas de não
concorrência são tipicamente utilizadas para impedir que o alienante
de estabelecimento comercial faça concorrência com o adquirente
nos 5 (cinco) anos subsequentes à transferência. O próprio Código
Civil brasileiro já estabelece o impedimento à concorrência quando
há alienação de estabelecimentos comerciais em seu art. 1.147348. O
objetivo principal desse tipo cláusula é a proteção do investimento
realizado pelo adquirente. Ou seja, busca preservar o valor do bem
alienado a partir do impedimento da concorrência desleal entre
alienante e adquirente.

348 Art. 1.147. Não havendo autorização expressa, o alienante do


estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos
subseqüentes à transferência. Parágrafo único. No caso de arrendamento ou usufruto
do estabelecimento, a proibição prevista neste artigo persistirá durante o prazo do
contrato.

Estudos em Direito da Concorrência 243


Amanda Athayde

O entendimento do Conselho Administrativo de Defesa


Econômica (CADE) acerca das regras de não concorrência em
contratos empresariais é no sentido de que elas devem ter: (i)
limitação do escopo: apenas abranger os mercados em que o alienante
atuava; (ii) limitação geográfica: incluir apenas o espaço de atuação
do alienante; e (iii) limitação temporal: não podem, também, via de
regra, ultrapassar 5 anos (em casos de joint-venture, os 5 anos são
contados a partir do término da joint-venture).
Contudo, há exceções a esse entendimento. O CADE, em caso
julgado em 1998, aprovou operação que continha cláusula de não
concorrência com duração de 10 anos.349 O caso envolvia o mercado
petroquímico, sobre o qual o CADE entendeu que havia uma dinâmica
que exigia altos investimentos, planejamento de longo prazo e
uma maturação mais lenta, e, por isso, a cláusula de dez anos seria
justificável. Ademais, no setor hospitalar, o CADE350 já entendeu que
as cláusulas de não concorrência deveriam ser limitadas a dois anos,
pelo fato do mercado ser suficientemente dinâmico. Há também
outros casos relevantes do CADE que envolveram cláusulas de não
concorrência, como aquele351 em a cláusula foi reduzida de dez para
cinco anos, pois não visava “a simples proteção da viabilidade do
negócio, mas sim a restrição indevida da concorrência no mercado”,

349 BRASIL. CADE. Ato de Concentração nº 08012.005349/1997-16 (anteriormente, Ato


de Concentração nº 177/97). Requerentes: Unigel Participações, Serviços Industriais
e Representação Ltda (Monsanto do Brasil Ltda) e Companhia Brasileira de Estireno.
Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_
exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1TUu08mg6wxLt0JzW5
350 BRASIL. CADE. Ato de Concentração nº 08012.011602/2011-26. Requerentes:
Hospital e Maternidade São Luiz S.A. Centro Hospitalar São Marcos S.A. MAIS-
Multi Assistência Incorporada à Saúde Ltda. Disponível em: https://sei.cade.gov.
br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.php?KOXi3eEqJC73dCc3G_
MH5w73G76ivtXYDDG65Jr7vK4fhNNdRnnFDgAfJTIfRn8_ywCudV1gCNGrQiNgXFAc
nRH5cAve2QX0GVq5zQGmb4B4-76gAj_Yyz02W7Vt7WyP
351 BRASIL. CADE. Ato de Concentração nº 08012.002921/2000-98. Requerentes:
Brink’s Segurança e Transporte de Valores Ltda. e TGV - Transportadora de Valores
e Vigilância Ltda. Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/
md_pesq_processo_exibir.php?0c62g277GvPsZDAxAO1tMiVcL9FcFMR5UuJ6rLqPE
JuTUu08mg6wxLt0JzWxCor9mNcMYP8UAjTVP9dxRfPBcaD34qx-rhhF6dfvyVaBIx_
Y3oxmO41Z_SL3s9fFd22O

244 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

e também outro352 em que se entendeu que joint ventures podem ter


cláusulas de não concorrência com prazos maiores.
Interessante mencionar que esse tema também já chegou ao
judiciário. Em novembro de 2022, a 1ª Câmara Reservada de Direito
Empresarial do TJSP353 reconheceu a validade de uma cláusula de não
concorrência de dez anos. Tal dispositivo contratual impedia que, pelo
prazo estipulado, os cedentes e a interveniente anuente concorressem,
direta ou indiretamente, no ramo de salas cofre e salas seguras para
determinados segmentos, sob pena de multa de R$ 15 milhões. Na
decisão, o TJSP considerou a experiência das partes no momento da
alocação de riscos, para garantir a validade de tal cláusula.
Por sua vez, quando as cláusulas envolvem (ii) contratos de
trabalho, as cláusulas de não concorrência podem ser usadas tanto
para reforçar a obrigação de não concorrência durante a vigência dos
contratos, como para impossibilitar que um funcionário migre para
um concorrente por determinado período após a sua saída de uma
empresa.
Em termos trabalhistas, durante a relação de emprego, há
vedação ao ato de concorrência, que pode inclusive caracterizar
hipótese de rescisão do contrato de trabalho por justa causa (artigo
482, alínea “c”, da CLT).
Após a relação de emprego, as cláusulas podem impedir que o
ex-empregado inicie um novo negócio naquele mesmo mercado, com
certas delimitações geográficas e temporais. Nesses casos, o objetivo
principal da cláusula é impedir que um funcionário transfira a um
concorrente os conhecimentos específicos e inteligência de mercado da
empresa da qual era empregado. A doutrina e a jurisprudência admitem

352 BRASIL. CADE. Ato de Concentração nº 08012.008850/2006-22. Requerentes:


CHS Inc. e Multigrain Comercio, Exportação e Importação S.A. Disponível
em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.
php?0c62g277GvPsZDAxAO1BcQCA2nVVtd3_WKLcrwH_uargISKNFb8GhYXgx8x7_vn-
353 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 0034036-
35.2018.8.26.0100. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial. Apelante:
Sparch Tecnologia, Segurança Em Engenharia Térmica Ltda. Apelada Aceco Ti S.A.
Relator: Azuma Nishi. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/show.do?processo.
codigo=RI006DA7W0000

Estudos em Direito da Concorrência 245


Amanda Athayde

a inclusão de cláusula de não concorrência no contrato de trabalho


após a relação de emprego, ainda que não exista previsão expressa
no ordenamento jurídico brasileiro. Os requisitos para determinar a
validade das cláusulas após o término da relação empregatícia visam a
garantir que a restrição da liberdade de trabalho do empregado esteja
dentro da razoabilidade. Para tanto, os seguintes requisitos devem ser
observados: legítimo interesse, delimitação material, razoabilidade
temporal, compensação adequada e delimitação territorial.
Diante da possível discussão sobre o momento de negociação e
inclusão da cláusula de não concorrência aos contratos de trabalho, o
mais seguro juridicamente é a inclusão da cláusula de não concorrência
desde o início dos contratos de trabalho, com previsão de validade
pós término do contrato, sendo possível a previsão de cláusula de
desistência da obrigação, a critério do empregador.
Todavia, muitas vezes, a cláusula é negociada apenas no momento
de rescisão do contrato, o que pode dificultar sua aceitação pelos
tribunais trabalhistas, na hipótese de discussão judicial. Esse risco é
minimizado na hipótese dos chamados trabalhadores hipersuficientes
(art. 444, parágrafo único, da CLT), e do cumprimento dos requisitos
acima mencionados, sendo recomendável que o empregado esteja
assistido por advogado e tenha prazo para análise e negociação.
Diferentemente do que acontece nos casos de cláusula de não
concorrência envolvendo contratos empresariais, o CADE não possui
precedentes específicos no que se refere aos efeitos de cláusulas não
concorrência envolvendo contratos com trabalhadores. Reconhece-se
que há precedentes relacionados à cláusula de non solicitation, cujo
escopo é diferente da cláusula de non compete.354 Nesses precedentes

354 A cláusula de non solicitation, assim como a de non compete, possui dois escopos:
(i) contratos empresariais: meio de garantir que o alienante de determinada empresa
ou ativo operacional não irá recrutar os empregados da empresa alienada, ou aliciar
os clientes dela; e (ii) contratos de trabalho: meio de garantir que um ex-funcionário
não irá contratar empregados ou clientes ao sair da empresa.

246 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

de non solicitation, o entendimento do CADE355-356 segue na linha de


que boa reputação individual do empregado não pode ser considerada
como parte do fundo de comércio da empresa, por isso a cláusula deve
ser restrita a funcionários que detenham segredos de negócio e/ou
informações sigilosas.
Se no Brasil o tema das cláusulas de não concorrência envolvendo
contratos de trabalho encontra-se relativamente calmo, nos Estados
Unidos a discussão está em franco debate público.
Em janeiro de 2023, a Federal Trade Commission (“FTC”)
iniciou uma consulta pública, em janeiro de 2023, para ouvir
comentários acerca de uma proposta de legislação que passaria a
pressupor que as cláusulas de non compete para trabalhadores seriam
anticompetitivas. Como contexto, a FTC sinalizou entendimento de
que aproximadamente 30 milhões de trabalhadores americanos (em
torno de 20% do total de trabalhadores do país) possuíam cláusulas de
non-compete em seus contratos de trabalho.357 Essas cláusulas de non
compete causariam os seguintes danos: (a) diminuição da inovação e do
dinamismo empresarial; (b) impedimentos para que os trabalhadores
busquem melhores oportunidades; e (c) impedimentos para que os
empregadores contratem os melhores talentos disponíveis. Com essa
proposta, o FTC previu aumentar em USD 300 bilhões os ganhos dos
empregados, por ano; possibilitar que os consumidores economizem
um total de USD 148 bilhões em custos de saúde, por ano; e dobrar o
número de empresas abertas na mesma indústria, fundadas por um
ex-empregado.
A proposta da nova legislação foi, portanto, tornar todas as
cláusulas de non compete ilegais, com uma exceção envolvendo

355 BRASIL. CADE. Ato de Concentração nº 08012.013200/2010-85. Requerentes:


Hospital das Clínicas De Niterói Ltda., Clínica Médico Cirúrgica Botafogo S.A.
Disponível em: https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/
356 BRASIL. CADE. Ato de Concentração nº 08012.004902/2010-78. Requerentes:
Empresa de Serviços Hospitalares Ltda. e Hospital Pró-Cardíaco S.A. Disponível
em:https://sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_exibir.
php?KOXi3eEqJC73dCc3G_
357 Vide: https://www.ftc.gov/news-events/news/press-releases/2023/01/ftc-proposes-
rule-ban-noncompete-clauses-which-hurt-workers-harm-competition

Estudos em Direito da Concorrência 247


Amanda Athayde

pessoas que venderam o ativo operacional, mas que continuam


trabalhando na empresa. Além disso, a proposta previu que as
cláusulas existentes deveriam ser rescindidas pelos empregadores e os
empregados deveriam ser avisados da rescisão; que a regra se aplicaria
a empregados, contratados de forma independente, e qualquer pessoa
que trabalhe para o empregador, de forma remunerada ou não; e que
seguiriam autorizadas cláusulas de non disclosure (não divulgação de
informações) e non solicitation (não se utilizar de contatos/clientes
após o desligamento), uma vez que não impediriam que o empregado
trabalhasse para outro empregador ou iniciasse um negócio próprio.
A consulta ocorreu até 20.4.2023 e recebeu 26.813 comentário,
sendo que o FTC buscava entender as possíveis alternativas para o que
foi estabelecido na proposta, como por exemplo:

• A aplicação de diferentes parâmetros para a proibição das


cláusulas non compete em relação diferentes categorias de
trabalhadores;
• Possibilidade de aplicação de regras diferentes
baseadas no (i) valor da remuneração; (ii) funções
desempenhadas; (iii) ocupações; e/ou (iv) outros fatores.
• Aplicação de parâmetros diferenciados em relação a
executivos sêniores
• Aplicação da regra em relação a franqueadores e franqueados;
• Abordagens alternativas, como:
• Obrigação do empregador de divulgar a existência de
cláusulas non compete ao empregado; e
• Obrigação do empregador de reportar a existência de
cláusulas ao FTC.

O Departamento de Justiça (“DOJ”) dos Estados Unidos também


se manifestou sobre o tema da consulta pública, indicando que
entende que as cláusulas de non compete causariam danos ao mercado
de trabalho por promover a redução da mobilidade dos trabalhadores
e que também prejudicam as empresas.

248 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Mais adiante, evidenciando como o tema do antitruste e sua


interface com o direito do trabalho seguem no cerne do debate norte-
americano, o final Merger Guidelines358 elaborado em parceria pelo FTC
e o DOJ, publicado em dezembro de 2023, indicou que os mercados de
trabalho são importantes mercados de compradores e que deveriam
ser analisados: “When a merger involves competing buyers, the agencies
examine whether it may substantially lessen competition for workers,
creators, suppliers, or other providers.” De acordo com o Guia, um ato de
concentração entre compradores teria, entre outros, o potencial de: (i)
eliminar a concorrência entre os players na contratação de determinada
categoria de trabalhadores; (ii) elevar os riscos de coordenação entre
os players do mercado; e (iii) incrementar a posição dominante de
um agente econômico em determinado mercado relevante. Mais
detalhadamente, o prejuízo à concorrência nos mercados de trabalho
pode levar a diversos danos ao trabalhador, como salários mais baixos,
progressão salarial mais lenta e piora nos benefícios ou na qualidade
do local de trabalho
O Guia do FTC com o DOJ ainda indica que o nível de concentração
necessário para que preocupações concorrenciais surjam nos
mercados de trabalho podem ser menores do que em mercados de
produtos, em razão das características únicas de alguns mercados
de trabalho. Por fim, cabe ressaltar que o Guia deixa claro que os a
concorrência nos mercados de trabalho será analisada caso a caso.
Diante disso, apesar da estrutura e dos objetivos serem parecidos
entre as cláusulas de não concorrência em contratos empresariais
e de contratos trabalhistas, podemos perceber uma diferenciação
no entendimento das consequências e da aceitação das cláusulas.
Enquanto as cláusulas em contratos empresariais são mais aceitas,
incluindo a possibilidade de longos períodos de não concorrência,
como visto nos precedentes acima, as cláusulas em contratos

358 U.S. DEPARTMENT OF JUSTICE AND THE FEDERAL TRADE COMMISSION. Merger
Guidelines. Disponível em: https://www.justice.gov/d9/2023-12/2023%20Merger%20
Guidelines.pdf

Estudos em Direito da Concorrência 249


Amanda Athayde

trabalhistas vêm sendo objeto de análise internacionalmente com


discussões inclusive para proibi-las, como é o caso da consulta do FTC.
Portanto, é importante ficar atento aos próximos passos do CADE
em relação a tais cláusulas, para entender qual será o posicionamento
da autoridade brasileira sobre o tema, e se o CADE se alinhará ao
entendimento do FTC ou formará um entendimento próprio. Apesar
de a consulta pública do FTC ou o Guia de Atos de Concentração não
serem aplicáveis ao Brasil, é possível antecipar algumas repercussões,
como: (i) possível influência na opinião do CADE, que pode vir a
alterar a direção das decisões, daqui para frente; (ii) possíveis efeitos
sobre contratos com trabalhadores no Estados Unidos, vinculados a
empresas brasileiras; e (iii) possível reforço à inclusão de cláusulas
com conteúdo semelhante como remédios não comportamental em
Acordos em Controle de Concentrações (ACCs).
É preciso ter cautela, portanto, na análise dessas cláusulas.
Isso porque pode haver racionalidade econômica na imposição de
obrigações de não concorrência em contratos de trabalho. Proibir
uma cláusula contratual que possui racionalidade econômica,
objetivo legítimo e razoabilidade, pode impactar negativamente o
desenvolvimento dos negócios no Brasil e representar um transplante
açodado de discussões estrangeiras, cujos efeitos ainda são ambíguos.

250 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Concentrações Econômicas
(Atos de Concentração)

Estudos em Direito da Concorrência 251


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

FUSÕES VERTICAIS E CONGLOMERAIS NO BRASIL:


LIÇÕES DO PASSADO PARA CONSTRUIR O FUTURO

Publicado originalmente em: Revista IBRAC, 2023.

Amanda Athayde

RESUMO: Historicamente, fusões verticais e conglomeradas


têm recebido menos escrutínio antitruste em comparação com suas
contrapartes horizontais. No entanto, nos tempos recentes, tanto
a comunidade acadêmica quanto algumas autoridades antitruste
têm expressado crescentes preocupações em relação às implicações
concorrenciais dessas fusões. Para obter uma perspectiva mais
clara sobre o futuro, é imperativo investigar o passado. Este artigo
busca explorar as principais teorias do dano em fusões verticais e
conglomeradas, conforme delineado na versão preliminar do “Guia
V+” da Cade. Essas teorias abrangem fechamento de mercado de
insumos e clientes, aumento do custo de rivais, acesso a informações
concorrencialmente sensíveis, efeitos coordenados. Além disso, este
artigo explora os desafios e considerações específicas que as fusões
conglomeradas apresentam, lançando luz sobre suas características
distintivas e implicações para a competição. Esse quadro teórico é
ainda fortalecido por exemplos concretos que ilustram como tais
preocupações têm sido avaliadas no contexto do Brasil. Em conclusão,
a análise desde artigo conta com uma breve evolução histórica da
prática antitruste no Brasil em fusões verticais e conglomeradas, mas
também oferece insights sobre a perspectiva prospectiva de como
abordar este tema em constante evolução.

ABSTRACT: Historically, vertical and conglomerate mergers


have received less antitrust scrutiny than their horizontal counterparts.
However, in recent times, both the academic community and some antitrust
authorities have begun to express heightened concerns regarding the potential
competitive implications of such mergers. To gain a clearer perspective on

Estudos em Direito da Concorrência 253


Amanda Athayde

the future, it is imperative to delve into the past. This article seeks to provide
a framework of the predominant theories of harm surrounding the vertical
and conglomerate mergers, as outlined in the preliminary version of Cade’s
“V+ Guidelines” These theories encompass a range of aspects, including the
impact on input suppliers and customers, the potential to raise rivals’ costs,
and the implications for access to competitive information, along with the
examination of coordinated effects. This theoretical framework is further
bolstered by concrete examples illustrating how such concerns have been
assessed in the context of Brazil. Moreover, this article delves into the specific
challenges and considerations that conglomerate mergers pose, shedding
light on their distinctive characteristics and implications for competition.
In conclusion, this comprehensive analysis not only presents the historical
evolution of antitrust scrutiny in Brazil but also offers valuable insights into
the prospective outlook for addressing vertical and conglomerate mergers in
the country’s evolving regulatory landscape.
PALAVRAS-CHAVE: fusão vertical – fusão conglomeral – teoria
do dano – jurisprudência – Cade – Brasil.
KEY-WORDS: vertical merger – conglomerate merger – theory
of harm – case law – Brazilian Antitrust Authority – Cade.

INTRODUÇÃO

Em 20 de julho de 2023, a Superintendência-Geral do Conselho


Administrativo de Defesa Econômica (SG/Cade) publicou, para
consulta pública, versão preliminar do chamado “Guia V+”, documento
consolidado com melhores práticas e procedimentos usualmente
adotados na análise prévia de operações de fusão, aquisição e joint-
venture que envolvem empresas com atuação em distintos elos da
cadeia produtiva. A publicação da versão preliminar do Guia V+ vem a
consolidar a experiência nacional na análise de atos de concentração
verticais e conglomerais indo ao encontro das melhores práticas
internacionais.

254 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Trata-se de Guia longamente esperado pela comunidade


antitruste brasileira, já que, até então, o Brasil contava apenas com
o Guia de Concentrações Horizontais (Guia H)359 – envolvendo
empresas que concorrem diretamente – e com o Manual Interno da
Superintendência-Geral para atos de concentração apresentados sob
o rito ordinário360 – aquelas operações que tendem a gerar impactos
significativos nos mercados de atuação das empresas envolvidas nas
operações de fusão, aquisição e joint-venture. Durante o período de
consulta pública, em agosto de 2023, o DEE/Cade também publicou
Documento de Trabalho sobre “Fusões conglomerais: teorias do dano
e jurisprudência do Cade entre 2012 e 2022”.361
Como evidência da atualidade do Guia V+ do Cade, vale observar
que, também em julho de 2023, o Departamento de Justiça (DOJ) e
a Federal Trade Commission (FTC) dos Estados Unidos publicaram
o Merger Guidelines, que visa a consolidar os guias de análise de
concentrações horizontais e de integrações verticais atualmente
existentes naquele país.362 Interessante notar que a escolha realizada
nos Estados Unidos foi diferente da realizada no Brasil. Explico.
Relevante notar, de pronto, que diferentemente do Brasil, que
optou por ter dois Guias, um voltado para concentrações horizontais
e outro para concentrações verticais e conglomerais, no Merger
Guidelines dos Estados Unidos as operações não são mais apresentadas
de modo segmentado. O Merger Guidelines norte-americano apresenta

359 As concentrações horizontais já são objeto de Guia específico do Cade. Cade. Guia
de Análise de Atos de Concentração Horizontal. 2016. Disponível em: https://cdn.cade.
gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-para-analise-de-
atos-de-concentracao-horizontal.pdf.
360 Manual Interno da Superintendência-Geral para atos de concentração apresentados
sob o rito ordinário. 2017. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-
conteudo/publicacoes/guias-e-manuais-administrativos-e-procedimentais/manual-
interno-da-sg-para-casos-ordinarios.pdf.
361 CADE. Documento de Trabalho n. 006/2023. Fusões conglomerais: teorias do
dano e jurisprudência do Cade entre 2012 e 2022. Disponível em: https://cdn.cade.gov.
br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/documentos-de-
trabalho/2023/Documento-de-Trabalho-Fusoes-Conglomerais.pdf
362 DOJ e FTC. Merger Guidelines. 19.7.2023. Disponível em: https://www.justice.gov/
opa/pr/justice-department-and-ftc-seek-comment-draft-merger-guidelines

Estudos em Direito da Concorrência 255


Amanda Athayde

treze orientações gerais, aplicáveis a todos os tipos de operações,


independentemente da forma de sua implementação. Em termos de
estrutura, é dividido em quatro seções: 1) visão geral a respeito das
principais preocupações concorrenciais com as fusões, 2) aplicação
detalhada das treze orientações gerais, 3) ferramentas que FTC e DOJ
possuem para a definição de mercados relevantes, 4) possíveis defesas
passíveis de apresentação durante a instrução antitruste nestas
autoridades norte-americanas.
Mas o que são fusões363 (tecnicamente mais bem denominadas
como “integrações”) verticais e conglomerais?
Uma integração vertical envolve o segmento (atividade) a
montante (upstream) e o segmento a jusante (downstream) de uma
determinada cadeia produtiva. Assim, pode-se dizer que uma
integração vertical ocorre quando, em decorrência de uma dada
operação de concentração econômica, uma organização produtiva
passa a atuar em níveis diferentes de uma mesma cadeia produtiva
de modo interligado, de maneira que a concorrência em um mercado
pode ser diretamente afetada pelos resultados do outro. Uma relação
empresarial vertical possui um conceito abrangente, compreendendo
não apenas os elos diferentes da cadeia produtiva de um bem tangível,
mas também a prestação de serviços, a transação de fatores de
produção (know-how, direitos de propriedade etc.) entre diferentes
agentes econômicos, desde que os elos envolvidos na operação
possuam uma relação de interdependência.
Por sua vez, as concentrações conglomerais tendem a ser
definidas por exclusão, ou seja, aquelas que não abarcam relações
horizontais (entre concorrentes diretos), verticais ou quase verticais
entre si. Hovenkamp, “a merger that is neither horizontal nor vertical

363 De acordo com o artigo 90 da Lei 12.529/2011, os atos de concentração representam


fusões, aquisições, incorporações, a celebração de contrato associativo, consórcio
ou joint venture entre duas ou mais empresas. Apenas não são considerados atos
de concentração, para os efeitos legais, os consórcios ou associações destinadas às
licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos
delas decorrentes.

256 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

is generally called ‘conglomerate’”364. A Organização para Cooperação


e Desenvolvimento Econômico (OCDE) define atos de concentração
conglomerados como aqueles que envolvem empresas que não são
concorrentes no mercado relevante de produto e que também não
possuam uma relação de fornecimento – ou seja, um produto não é
insumo do outro.365 A Comissão Europeia, por seu lado, trata os atos de
concentração conglomerais no documento Guidelines on the assessment
of non-horizontal mergers under the Council Regulation on the control of
concentration between undertakings.366
São, assim, operações nas quais as atividades das empresas
envolvidas estão de alguma forma relacionadas (e.g., destinam-se aos
mesmos clientes intermediários ou consumidores finais; envolvem
produtos utilizados ou consumidos em conjunto ou envolvem produtos
de processos produtivos similares). Church, por exemplo, classifica
as operações conglomerais em (1) complementares, (2) vizinhos
(neighboring) ou (3) não relacionados.367 A OCDE, por sua vez, sinaliza
que a relação entre os produtos, nesse tipo de fusão, pode acontecer
de três maneiras: (i) complementar, na qual os produtos podem ou
devem ser usados de maneira conjunta, adquirindo um maior valor
agregado; (ii) substitutos fracos, em que os produtos possuem algumas
semelhanças, porém não o suficiente para constituírem o mesmo
nicho de consumo; (iii) ou sem relação alguma entre os produtos, sem

364 HOVENKAMP, Herbert. Federal Antitrust Policy: The Law Of Competition And Its
Practice. 3. ed. West Group, 2005, p. 551.
365 “Conglomerate mergers involve firms that are not product market competitors,
and which are not in a supply
relationship” (OECD. Roundtable on Conglomerate Effects of Mergers – Background
Note. 2020, p. 6).
366 “3. Two broad types of non-horizontal mergers can be distinguished: vertical
mergers and conglomerate mergers. [...] 5. Conglomerate mergers are mergers
between firms that are in a relationship in which is neither horizontal (as competitors
in the same relevant market) nor vertical (as suppliers or customers)”. (EUROPEAN
COMMISSION. Guidelines on the assessment of non-horizontal mergers under the
Council Regulation on the control of concentration between undertakings. Official
Journal of the European Union, 18 out. 2008.).
367 CHURCH, Jeffrey. Conglomerate Mergers. Issues In Competition Law and Policy.
ABA Section of Antitrust
Law, v. 2, 2008, p. 1503.

Estudos em Direito da Concorrência 257


Amanda Athayde

possibilidade de serem substitutos ou complementarem, porém em


alguns casos podem ter a mesma base para sua produção.368
Pode-se dizer, assim, que uma integração conglomeral ou com
efeito conglomeral ocorre quando, em decorrência de uma dada
operação de concentração econômica, uma organização produtiva
passa a estar, de alguma forma, relacionada em sua cadeia produtiva,
mas que não atua em níveis diferentes da cadeia produtiva (ou seja,
uma empresa a montante e uma empresa a jusante). É por essa
dificuldade que, nos termos do Documento de Trabalho sobre “Fusões
conglomerais: teorias do dano e jurisprudência do Cade entre 2012 e
2022” 369, o termo “fusões conglomerais” geralmente é usado para se
referir a fusões que podem ser puramente conglomerais (ou seja, sem
vínculos horizontais ou verticais), bem como ao elemento conglomeral
de fusões mais complexas. Interessante mencionar que, nos termos
do Documento de Trabalho sobre “Fusões conglomerais: teorias do
dano e jurisprudência do Cade entre 2012 e 2022”370, as autoridades
antitruste norte-americanas passaram a enxergar com preocupação a
emergência de conglomerados empresariais sobretudo nas décadas de
1960 e 1970. Apesar disso, teóricos da escola de Chicago ao analisarem
o risco de dano ao consumidor (em oposição ao concorrente) nessas
situações, argumentaram que esse dano era improvável e que as
eficiências dessas fusões poderiam ser substanciais.
Uma vez compreendidas o que são as concentrações verticais
e conglomerais, é possível notar que, caso empresas que preencham
os critérios de faturamento para fins de notificação de atos de
concentração no Brasil estejam realizando operações que envolvam
outras relações que não um concorrente, devem estar atentas às

368 OECD. Roundtable on Conglomerate Effects of Mergers – Background Note. 2020.


369 CADE. Documento de Trabalho n. 006/2023. Fusões conglomerais: teorias do
dano e jurisprudência do Cade entre 2012 e 2022. Disponível em: https://cdn.cade.gov.
br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/documentos-de-
trabalho/2023/Documento-de-Trabalho-Fusoes-Conglomerais.pdf
370 CADE. Documento de Trabalho n. 006/2023. Fusões conglomerais: teorias do
dano e jurisprudência do Cade entre 2012 e 2022. Disponível em: https://cdn.cade.gov.
br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/documentos-de-
trabalho/2023/Documento-de-Trabalho-Fusoes-Conglomerais.pdf

258 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

preocupações que o Cade aponta na minuta do Guia V+. Diante disso,


o presente artigo será estruturado da seguinte forma: o Capítulo 2
detalhará as principais teorias do dano em integrações verticais e
conglomerais, sempre cotejado pela experiência brasileira no tema.
Ao final, o Capítulo 3 apresentará primeiras conclusões.

1. TEORIAS DO DANO EM FUSÕES VERTICAIS E CONGLOMERAIS

O fluxo de análise de uma operação vertical ou conglomeral


segue basicamente o mesmo passo a passo de análise já previsto
anteriormente no Guia H e consolidado na experiência, mas com
relevantes peculiaridades. São basicamente 5 etapas a serem
percorridas: Etapa 1: Definição do(s) mercado(s) relevante(s); Etapa
2: Determinação da participação no mercado e dos Índices de
Concentração; Etapa 3: Análise do potencial lesivo à concorrência;
Etapa 4: Análise dos benefícios econômicos líquidos decorrentes da
operação e Etapa 5: Remédios antitruste. Neste artigo, destacaremos
justamente as peculiaridades. Quando da Etapa 3, cada uma dessas
teorias do dano será detalhadamente analisada em artigos posteriores
desta série. Uma segunda peculiaridade decorre do fato de que a análise
dessas teorias do dano passa pelos seguintes passos: (1) capacidade,
(2) incentivo e (3) efeitos.
Na análise de (1) capacidade, a pergunta que se faz é a seguinte:
existe capacidade de implementação de estratégias anticoncorrenciais
por parte da empresa integrada? Por sua vez, na análise de (2)
incentivos, a pergunta que se faz é a seguinte: a integração gera
alterações na estrutura de incentivos para a prática de estratégias
anticoncorrenciais? Ainda que as requerentes possuam capacidade
(vide tópico anterior), há geração de incentivos para implementação
de tais estratégias? Por fim, na análise de (3) efeitos, a pergunta é: caso
haja capacidade e incentivos, a implementação de tais práticas gera
impactos efetivos à concorrência, com prejuízos aos consumidores

Estudos em Direito da Concorrência 259


Amanda Athayde

finais? Há efeitos anticoncorrenciais? Assim, para o exame de todas as


teorias do dano, sempre será seguido esse tripé de análise.
Imagem 1 – Os três elementos para a análise do potencial lesivo à concorrência
a jusante e a montante em fusões verticais e conglomerais

As preocupações com atos de concentração verticais e


conglomerais circunscrevem-se a duas principais espécies de possíveis
efeitos anticompetitivos, a saber: os (3.1.) efeitos não coordenados/
unilaterais e os (3.2.) coordenados. Retoma-se, aqui, uma explicação
rápida sobre o que seriam efeitos unilaterais e coordenados.
Por um lado, entre os (3.1) efeitos não coordenados/unilaterais371
estão aqueles que podem ser decorrentes da atuação de uma única
empresa, individual e unilateralmente. Seria o caso de analisar se a
empresa resultante da operação, com posição dominante372, poderia
implementar determinadas práticas comerciais que teriam o efeito
de prejudicar o mercado. Recorda-se, como exemplo de práticas
unilaterais, a exigência de exclusividade, a recusa de contratar, a
discriminação, a criação de dificuldades à atividade de concorrentes,
entre outros.
Pesquisa empírica de Ianelli sinaliza que, entre 2014 e 2018, o
Cade apontou a existência dos seguintes principais tipos de efeitos

371 Efeitos não coordenados/unilaterais das integrações verticais podem ocorrer


quando as empresas exercem poder de mercado, aumentando de forma lucrativa
e sustentável os preços (ou diminuindo quantidades, qualidade ou inovação) sem
depender necessariamente do comportamento das demais. A autoridade antitruste
deve avaliar se a operação diminui as pressões concorrenciais enfrentadas pelas
requerentes no mercado (e.g., eliminação de concorrente), de modo que as requerentes
teriam incentivos para aumentar os preços (ou diminuir a oferta, qualidade ou
inovação) dos produtos após a operação.
372 Nos termos do §2º do art. 36, §2o da Lei 12.529/2011, presume-se posição
dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar
unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20%
(vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado
pelo Cade para setores específicos da economia.

260 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

unilaterais no voto vencedor dos casos de integração vertical analisados


pelo Tribunal: (i) discriminação a montante, (ii) discriminação a
jusante; (iii) aumento de custo a montante; (iv) aumento de custo a
jusante, (v) acordo de exclusividade.373
Por sua vez, quanto aos efeitos não coordenados/unilaterais
das integrações conglomerais, Binotto aponta que quatro teorias do
dano são usadas para identificar os danos potenciais decorrentes
de operações com efeitos conglomerados, que até hoje, têm sido
chamadas a responder às preocupações com efeitos conglomerados,
são elas: (i) atuação transversal (reciprocity dealings); (ii) fortalecimento
do poder econômico (entrenchment doctrine); (iii) redução substancial
da concorrência (subtantial lessening of competition); e (iv) aumento da
concentração agregada.374 O Documento de Trabalho sobre “Fusões
conglomerais: teorias do dano e jurisprudência do Cade entre 2012
e 2022” 375 inclusive reconhece que, até o momento, o Cade tem se
valido principalmente da teoria da atuação transversal (reciprocity
dealings) para avaliar os riscos concorrenciais associados ao aumento
de poder de portfólio em fusões que unem empresas com produtos
complementares.
Exemplos identificados pela literatura são o bundling puro ou
misto, a venda casada técnica ou a vinculação contratual. Para além da
estratégia de exclusão dos concorrentes em integrações conglomerais,
outras práticas mais sutis podem ser adotadas. Práticas como,
celebração de acordos de reciprocidade entre concorrentes, venda

373 IANELLI, Vívian Salomão. Análise empírica dos atos de concentrações verticais:
como o Cade tem endereçado os efeitos unilaterais e coordenados em seus julgados?.
2019. 74 f., il. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito). Universidade
de Brasília, Brasília, 2019. p. 41.
374 BINOTTO, Anna. Efeitos conglomerados em concentrações econômicas:
caracterização e desdobramento. In: JESUS, Agnes M. et al. (Org.). Mulheres no
antitruste. São Paulo: Editora Singular, 2018. pp. 48 a 65.
375 CADE. Documento de Trabalho n. 006/2023. Fusões conglomerais: teorias do
dano e jurisprudência do Cade entre 2012 e 2022. Disponível em: https://cdn.cade.gov.
br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/documentos-de-
trabalho/2023/Documento-de-Trabalho-Fusoes-Conglomerais.pdf

Estudos em Direito da Concorrência 261


Amanda Athayde

casada, preço predatório e exercício de poder de portfólio costumam


ser objeto de análise nestes casos.
Pesquisa de Renzetti sinaliza, a partir da análise qualitativa de
operações de integração conglomeral examinadas pelo Tribunal do
Cade entre 2017 e 2022, que a possibilidade de fechamento de mercado
é recorrente nos votos e pareceres divulgados pela autoridade. O
fechamento de mercado está, segundo o autor, intrinsicamente ligado
à preocupação relacionada ao aumento de poder de portfólio das
empresas requerentes, capazes de alavancar o poder de mercado de
um agente econômico para outro segmento pouco relacionado.376
Por sua vez, entre os (3.2) efeitos coordenados377 estão as
preocupações de que, ao aprovar uma determinada operação, os
agentes econômicos teriam maiores incentivos para atuarem de
modo coordenado, ou seja, em conjunto, em um arranjo colusivo.
Como exemplo de condutas coordenadas estão, por exemplo, o
cartel e a influência de conduta comercial uniforme. Portanto,
diferentemente dos efeitos unilaterais, os efeitos coordenados
dependem necessariamente do comportamento das demais empresas
do mercado.
Pesquisa empírica de Ianelli sinaliza que, entre 2014 e 2018, o
Cade apontou a existência dos seguintes principais tipos de efeitos
unilaterais no voto vencedor dos casos de integração vertical analisados
pelo Tribunal: (i) verificação de desvios, (ii) mecanismos de dissuasão;
(iii) reação de empresas terceiras.378

376 RENZETTI, Bruno Polonio. Atos de concentração conglomerados e ecossistemas


digitais: Nova teoria para o controle de estruturas no Brasil./ Bruno Polonio Renzetti;
orientador, José Marcelo Martins Proença - São Paulo, 2023. 247 f. p. 126.
377 Efeitos coordenados das integrações verticais podem advir do favorecimento
à colusão, uma vez que (i) em função da redução de número de concorrentes no
mercado a integração pode facilitar a coordenação entre as empresas; (ii) aumentam
a possibilidade de mecanismos de dissuasão por parte da empresa integrada e (iii)
reduzem a possibilidade de reação de empresas que não participam da coordenação e
não são integradas, entre outros fatores.
378 IANELLI, Vívian Salomão. Análise empírica dos atos de concentrações verticais:
como o Cade tem endereçado os efeitos unilaterais e coordenados em seus julgados?.
2019. 74 f., il. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito). Universidade
de Brasília, Brasília, 2019. p. 41.

262 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Entre os efeitos coordenados das integrações conglomerais, a


preocupação surge com o risco de a operação influenciar a probabilidade
de um comportamento coordenado em um determinado mercado ao
reduzir o número de concorrentes efetivos a ponto de que a coordenação
tácita passe a ser uma possibilidade. Além disso, os concorrentes não
excluídos do mercado podem ter menos propensão à contestabilidade
do conglomerado, preferindo a proteção que lhes é proporcionada
por preços mais elevados. Uma concentração conglomeral poderia
aumentar o âmbito e a importância da concorrência multimercados,
dado que a interação concorrencial em diversos mercados poderia
aumentar a gama e a eficácia dos mecanismos disciplinadores para
garantir o respeito às condições de coordenação.
Entre as operações de integração conglomeral analisadas pelo
Cade, as principais teorias do dano por efeitos coordenados em
integrações verticais e conglomerais são:

• criação/favorecimento das condições da coordenação;


• possibilidade de monitoramento/verificação de desvios;
• existência de mecanismos de dissuasão e
• probabilidade de reação das empresas não participantes.

A tabela a seguir apresenta uma síntese didática das principais


teorias do dano em integrações verticais e conglomerais.

Estudos em Direito da Concorrência 263


Amanda Athayde

Teorias do dano Integração Vertical ou Conglomeral

(3.1.) Efeitos não Efeitos não Fechamento de insu-


coordenados/ coordenados mos (input foreclosure)
unilaterais - fechamento

Fechamento de clientes (cos-


tumer foreclosure)

Outros efeitos Elevação de custos de rivais


não coorde-
nados (para
além do fe- Acesso a informações sensíveis
chamento)

(3.2.) Efeitos coordenados Condições da coordenação

Possibilidade de monitoramen-
to/verificação de desvios

Existência de mecanismos de dissuasão

Probabilidade de reação das em-


presas não participantes

Além dessas, há outras teorias do dano possíveis, ainda que


menos estruturadas e recorrentes, como: (i) menores incentivos
à concorrência, redução de incentivos à inovação ou a melhores
preços e produtos dos serviços; (ii) riscos concorrenciais potenciais e
dinâmicos se, por conta da operação, as empresas deixarem de lançar
produtos concorrentes ou se a operação visar a eliminar um agente
de mercado disruptivo ou inovador; (iii) circunvenção de normas
regulatórias (evading regulation) ou de acordos privados de longo
prazo; (iv) impedimento à interoperabilidade e multi-homing e (v)
alterações em parâmetros concorrenciais não relacionados a preços
(especialmente relevantes em mercados em que os consumidores
não pagam um valor monetário para adquirir ou utilizar determinado

264 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

serviço ou em mercados nos quais os preços são regulados); entre


outras.
Ao se realizar uma análise quantitativa da experiência nacional
quanto a atos de concentração não horizontais, com base em 242
processos de concentração econômica não horizontais analisados
pelo CADE (tanto SG/Cade quanto Tribunal) entre 2012 e julho
2022379, houve a identificação das principais preocupações em casos
de concentrações não horizontais: (1) fechamento de mercado; (2)
aumento de custos de rivais; (3) discriminação; (4) alavancagem de
posição de mercado; (5) acesso a informações sensíveis de rivais; (6)
efeitos coordenados; (7) efeitos de portifólio ou conglomerados; (8)
potenciais reações de empresas terceiras.
O gráfico abaixo resume os dados encontrados a partir das
respostas preenchidas na tabela em Excel.

Fonte: elaboração própria, a partir de dados consolidados pela SG/Cade.

Ademais, de acordo com o Documento de Trabalho sobre


“Fusões conglomerais: teorias do dano e jurisprudência do Cade

379 Dentre os 242 processos consolidados, todos foram analisados pelo rito ordinário,
sendo que apenas 13 foram declarados complexos.

Estudos em Direito da Concorrência 265


Amanda Athayde

entre 2012 e 2022” 380, o Cade tem se valido principalmente da teoria


da atuação transversal (reciprocity dealings) para avaliar os riscos
concorrenciais associados ao aumento de poder de portfólio em
fusões que unem empresas com produtos complementares, tendo
como base três principais casos que foram analisados em maiores
detalhes no documento: (i) Stone/Linx381, (ii) Magalu/Hub382 e (iii)
Microsoft/Activision Blizzard383. Interessante pontuar que, segundo o
documento, apenas os anos de 2021 e 2022 representaram cerca de
33% dos casos analisados desde 2012.
Passa-se, a seguir, às preocupações com atos de concentração
verticais e conglomerais quanto aos efeitos não coordenados/
unilaterais.

3.1.EFEITOS NÃO COORDENADOS/UNILATERAIS TEORIAS


DO DANO EM FUSÕES VERTICAIS E CONGLOMERAIS

Ao se realizar uma análise quantitativa da experiência nacional


quanto a atos de concentração não horizontais, com base em 242
processos de concentração econômica não horizontais analisados
pelo CADE (tanto SG/Cade quanto Tribunal) entre 2012 e julho 2022384,
já apresentamos no Capítulo anterior que houve 180 casos da em que
se identificou o risco de fechamento de mercado. As preocupações

380 CADE. Documento de Trabalho n. 006/2023. Fusões conglomerais: teorias do


dano e jurisprudência do Cade entre 2012 e 2022. Disponível em: https://cdn.cade.gov.
br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-economicos/documentos-de-
trabalho/2023/Documento-de-Trabalho-Fusoes-Conglomerais.pdf
381 Cade. Ato de Concentração n° 08700.003969/2020-17 - STNE Participações S.A.
(¨STONE”) e a Linx S.A. (¨LINX”)
382 Cade. Ato de Concentração nº 08700.000059/2021-55 – Magalu Pagamentos Ltda. e
Hub Prepaid Participações S.A.
383 Cade. Ato de Concentração nº 08700.003361/2022-46 – Microsoft Corporation e
Activision Blizzard, Inc.
384 Dentre os 242 processos consolidados, todos foram analisados pelo rito ordinário,
sendo que apenas 13 foram declarados complexos.

266 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

foram tanto isoladamente com o fechamento (i) upstream385-386-387-388


quanto isoladamente com o (ii) downstream389-390-391, mas também com
o fechamento concomitante em (iiii) ambos os mercados392-393-394-395-
385 08700.007114/2014-09
386 “Com relação ao mercado upstream, eventuais preocupações de fechamento
de mercado podem ser mitigadas por alguns fatores (...) de modo que é improvável
que haja fechamento do mercado upstream em decorrência desta operação.”.
08700.003502/2016-82
387 “A participação da Patheon nos três mercados à jusante em que a empresa
registra faturamento no Brasil é extremamente baixa, sendo menor que 1% nos três
segmentos considerados. Tal cenário torna altamente improvável a possibilidade de
que as Requerentes tenham condições de efetuar o fechamento de mercado à jusante,
num cenário pós-operação, dada a pouca relevância da Patheon nos segmentos
downstream no Brasil.”. 08700.004128/2017-13
388 Hipótese de fechamento do mercado de insumos (upstream). 08700.004955/2019-
79.
389 “a presente operação poderá acarretar dificuldades de acesso aos serviços de
transporte de carga aérea para concorrentes da ECT no mercado de encomenda e se
eixariam de ter empresas de encomendas demandando-lhes serviços, resultando em
um fechamento do mercado downstream.”. 08700.003530/2014-38
390 “fechamento do mercado downstream para concorrentes da Mexichem”.
08700.000756/2016-49
391 Risco de fechamento do mercado à jusante, de varejo de materiais de construção.
08700.006291/2016-30
392 “possibilidade de fechamento do mercado à montante (upstream): quando
a empresa à jusante detém poder de mercado, esse agente tem incentivos para
adquirir insumos apenas da empresa verticalizada, acarretando prejuízos aos demais
agentes do mercado à montante; possibilidade de fechamento do mercado à jusante
(downstream): quando a empresa à montante possui poder de mercado, esse agente
tem incentivos para direcionar sua produção para a empresa verticalizada, ou ainda,
praticar condutas tendentes ao fechamento de mercado, tal como a discriminação de
preços.”. 08700.012652/2015-04
393 “i. possibilidade de fechamento do mercado à montante/upstream: quando a
empresa à jusante detém poder de mercado, esse agente tem incentivos para adquirir
insumos apenas da empresa verticalizada, acarretando prejuízos aos demais agentes
do mercado à montante; ii. possibilidade de fechamento do mercado à jusante/
downstream: quando a empresa à montante possui poder de mercado, esse agente
tem incentivos para direcionar sua produção para a empresa verticalizada, ou ainda,
praticar condutas tendentes ao fechamento de mercado, tal como a discriminação de
preços.” 08700.000266/2016-42
394 “fechamento do mercado upstream (mercado de direitos creditórios) e refere ao
mercado a jusante” 08700.000374/2016-15
395 “De fato, a larga oferta do produto (ACESSO RESTRITO) em face da demanda
mundial da DCC de apenas ACESSO RESTRITO afasta preocupação com estratégias de
elevação do custo de rivais ou fechamento de mercado, tanto no sentido downstream,
como no sentido upstream.”. 08700.000958/2016-91

Estudos em Direito da Concorrência 267


Amanda Athayde

- . Além disso, as análises sobre fechamento tendem a concentrar


396 397

sobretudo nos riscos do fechamento a concorrentes398-399-400-401-402-

396 “De todo modo, apesar da relevância da Cryptera, a operação não é capaz de gerar
fechamento de mercado upstream ou downstream.”. 08700.003045/2016-26
397 “ I – possibilidade de fechamento do mercado de exames de medicina laboratorial
(downstream) para os demais prestadores de serviços de apoio a outros laboratórios,
impedindo ou dificultando a concorrentes não verticalizados o acesso a clientes; II –
possibilidade de fechamento do mercado de serviços de apoio a outros laboratórios
(upstream) para estabelecimentos de medicina diagnóstica concorrentes da empresa
verticalizada (ofertantes de exames de medicina laboratorial que não tenham
capacidade de processamento desses exames), impedindo ou dificultando o acesso
dos estabelecimentos independentes aos laboratórios de grande porte que oferecem
o serviço de processamento de exames.”. 08700.005609/2019-16
398 “se a Odontoprev, operadora de plano odontológico e detentora de empresas
de radiologia, fosse capaz, após a operação, de direcionar seus beneficiários para
prestadores próprios (a Clidec e a Papaiz), fechando o seu plano odontológico (e seus
respectivos beneficiários) para prestadores de serviços de radiologia concorrentes da
Clidec e da Papaiz”. 08700.010125/2012-12
399 “De toda forma, as Requerentes destacaram que não há previsão de exclusividade
no fornecimento de aço pela CSN à Armco, não havendo impedimentos para que a
Armco adquira o aço de outros fornecedores.” 08700.006539/2015-81
400 “fechamento do mercado downstream para concorrentes da Mexichem”.
08700.000756/2016-49
401 “Com base no exposto nessa seção, considerando a instrução realizada junto a
clientes e concorrentes, bem como a análise das informações disponíveis sobre o
mercado, é pouco provável que a entidade resultante da presente operação tenha
o incentivo de adotar uma estratégia de fechamento de mercado ou mesmo de
discriminação de concorrentes da Dell no mercado de servidores.”. 08700.003054/2016-
17
402 “Ao longo da instrução, alguns concorrentes oficiados levantaram preocupações
relacionadas ao reforço de poder de portfólio, que poderia, segundo arguido, levar a
um fechamento de canais de distribuição para outros concorrentes das Requerentes.”.
08700.006269/2016-90

268 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

- - , de modo que não foram identificadas análises detidas nos


403 404 405

possíveis efeitos de fechamento aos clientes406.


As principais teorias do dano por efeitos não coordenados/
unilaterais em integrações verticais e conglomerais são as seguintes:
(3.1.1.) Fechamento de insumos (input foreclosure); (3.1.2.) Fechamento
de clientes (costumer foreclosure); (3.1.3.) Elevação de custos de rivais e
(3.1.4.) Acesso a informações concorrencialmente sensíveis.
Quanto ao (3.1.1.) Fechamento de insumos (input foreclosure) e ao
(3.1.2.) Fechamento de clientes (costumer foreclosure), recentemente,
por exemplo, quando da análise do Ato de Concentração envolvendo
a formação de uma joint-venture entre HLAG e Starnav no mercado
de transportes marítimos407, nem se alcançou a análise de incentivos
para dois mercados relevantes. A SG/Cade indicou que, no mercado
relevante de serviços de transporte marítimo de contêineres de longo
curso e de agenciamento de frete bem como no mercado de cabotagem

403 “A possibilidade de fechamento de mercado para concorrentes tanto no mercado à


jusante (downstream), quanto no mercado à montante (upstream), pode vir a resultar
na exclusão ou prejuízo de competidores e, assim, na redução da oferta e degradação
de qualidade de produtos e serviços, bem como nas condições de preço dos mesmos.”.
08700.005455/2017-92
404 “Fechamento de mercado para os demais concorrentes da JDB, no tocante a
fornecimento de peças originais para colhedoras; Fechamento de mercado para os
demais concorrentes da Unimil, no tocante ao acesso a clientes de peças genuínas
para colhedoras; Fechamento de mercado para outros concorrentes da Unimil no
mercado de peças de reposição, caso os clientes da JDB passem a adquirir peças de
reposição apenas da Unimil; Fechamento de mercado para outros concorrentes da
JDB no mercado de colhedoras, diante da eventual indisponibilidade de peças de
reposição Unimil;”. 08700.005767/2019-68
405 “Hipótese de a Microsoft passar a distribuir apenas os jogos da Zenimax e os por
ela própria publicados, fechando, por consequência, o mercado de distribuição para
outros publicadores.”. 08700.006064/2020-91
406 “Portanto, conclui-se que a operação não tem o condão de possibilitar o fechamento
de mercado, seja do acesso a insumos do mercado de licenciamento de eventos de
milho a concorrentes no mercado downstream de melhoramento genétrico de milho,
seja o fechamento do acesso a clientes no mercado de melhoramento genético de
milho a concorrentes no mercado upstream de licenciamento de eventos transgênicos
de milho.”. 08700.002495/2018-63
407 Ato de Concentração HLAG/Starnav. 08700.002769/2023-81. “Integrações verticais
envolvendo, de um lado, o mercado de cabotagem de contêineres e cabotagem feeder de
contêineres, e de outro, os mercados de (i) transporte marítimo regular de contêineres
de longo curso; (ii) serviços de reboque portuário; e (iii) agenciamento de frete”.

Estudos em Direito da Concorrência 269


Amanda Athayde

e cabotagem feeder de contêineres, a participação das empresas “não


supera a referência de 30% em termos de participação de mercado. Assim
sendo, nos termos do inciso IV, do art. 8º da Resolução Cade nº 33/2022,
tem-se por desnecessário aprofundar as investigações sobre tais mercados,
posto que, com base na participação de mercado detida [pelas empresas],
entende-se que tais Partes não seriam capazes de fechá-los.”.
Quando há, portanto, capacidade, e passa-se à análise de
incentivos, deve-se analisar uma série de fatores, entre os quais
se destaca: o grau de rentabilidade nos elos a montante e a jusante
e o aumento de vendas a jusante, a taxa de desvio para a empresa
integrada, e o aumento de vendas a jusante assim como a perda de
vendas a montante. Neste mesmo caso mencionado, envolvendo
o mercado de transportes marítimos, a SG/Cade entendeu que, no
mercado relevante de reboque portuário, “os dados mostraram que um
possível direcionamento dos serviços de apoio portuário [...] apenas para a
JV (em prejuízo aos demais players no segmento de cabotagem e cabotagem
feeder de contêineres, concorrentes da JV) não constituiria uma estratégia
economicamente vantajosa [...] no pós-Operação, [...]. Assim, conclui-se pela
ausência de incentivos e de racionalidade econômica em eventual tentativa
nesse sentido, o que torna improvável tal possibilidade.”
Ademais, no Ato de Concentração Magalu/Hub408, considerado
como um dos exemplos de análise de fusão conglomeral pelo Cade,
o caso suscitou preocupações concorrenciais não-horizontais que
poderiam advir da operação, especialmente em relação às atividades
de comércio varejista online e marketplace prestadas pelo Magazine
Luiza e às atividades de gestão de meios de pagamento prestadas pelas
empresas do grupo Hub. O principal risco concorrencial discutido
consistia no fechamento de mercado decorrente da integração entre
as atividades de comércio varejista online e marketplace prestadas
pelo Magazine Luiza e as atividades de gestão de meios de pagamento
prestadas pelas empresas do grupo Hub. Ao final, o risco de fechamento
de mercado foi afastado no caso concreto principalmente por conta da

408 Ato de Concentração nº 08700.000059/2021-55 – Magalu Pagamentos Ltda. e Hub


Prepaid Participações S.A.

270 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

baixa participação de mercado das empresas nos mercados relevantes


afetados pela operação, que possuíam estruturas significativamente
pulverizadas.
Em resumo, pode-se apresentar o seguinte quadro consolidado
com os principais elementos de análise quando do aprofundamento
das teorias do dano:
Tabela 1 – Efeitos não coordenados/unilaterais –
Fechamento de insumos (input foreclosure).

CAPACIDADE INCENTIVOS EFEITOS

(3.1.) Efei- Efeitos (3.1.1.) • o grau de


tos não não coor- Fecha- rentabili-
coorde- denados men- • a impor- dade nos
nados/ - fecha- to de tância do elos a
unila- mento insumos insumo montan-
terais (input • o poder de te e a
foreclo- mercado a jusante
sure) montante • a taxa de
• o realinha- desvio
Fatores de
mento dos para a
compen-
padrões de empresa
sação
compra integrada
• o reforço • o au-
do poder mento de
de mer- vendas a
cado de jusan-
terceiros a te e a
montante perda de
vendas a
montante

Estudos em Direito da Concorrência 271


Amanda Athayde

(3.1.) Efei- Efeitos (3.1.2.) • o grau de


tos não não coor- Fecha- rentabili-
coorde- denados men- dade nos
nados - fecha- to de elos a
mento clientes jusante e
(cos- montante
tumer • poder de • o au-
foreclo- mercado mento de
sure) a jusante vendas a
• importância montante
da escala e e redução Fatores de
dos efeitos de com- compen-
de rede pras junto sação
• alterna- a forne-
tivas no cedores
mercado concor-
a jusante rentes a
montante
• o au-
mento de
preços a
montante

Fonte: elaboração própria.

272 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Tabela 2 – Efeitos não coordenados/unilaterais –


Fechamento de clientes (costumer foreclosure).

CAPACIDADE INCENTIVOS EFEITOS

(3.1.) Efei- (3.1.2.) • poder de • o grau de Fato-


Efeitos tos não Fecha- mercado rentabili- res de
não co- coorde- mento de a jusante dade nos compen-
orde- nados clientes • impor- elos a sação
nados - fecha- (costumer tância da jusante e
mento foreclo- escala montante
sure) e dos • o au-
efeitos mento de
de rede vendas a
• alterna- montante
tivas no e redu-
mercado ção de
a jusante compras
junto a
forne-
cedores
concor-
rentes a
montante
• o au-
mento de
preços a
montante

Fonte: elaboração própria.

3.1.3.ELEVAÇÃO DE CUSTO DE RIVAIS COMO EFEITO


NÃO COORDENADO/UNILATERAL TEORIAS DO DANO
EM FUSÕES VERTICAIS E CONGLOMERAIS

A elevação do custo de rivais é uma das hipóteses possíveis


de fechamento de mercado, classificado na categoria de teorias
do dano de efeitos não coordenados/unilaterais.409 A análise dessa

409 Entre os (1) efeitos não coordenados/unilaterais estão aqueles que podem ser
decorrentes da atuação de uma única empresa, individual e unilateralmente. Seria
o caso de analisar se a empresa resultante da operação, com posição dominante,
poderia implementar determinadas práticas comerciais que teriam o efeito de
prejudicar o mercado. Recorda-se, como exemplo de práticas unilaterais, a exigência

Estudos em Direito da Concorrência 273


Amanda Athayde

teoria do dano concentra-se na atuação dos demais fornecedores não


integrados verticalmente que, em decorrência da operação, podem ter
capacidade de elevar seu poder de mercado e, com isso, pressionar os
custos dos competidores a jusante.
Steven Salop é um dos teóricos mais importantes para essa
análise. Segundo o autor, algumas condutas empresariais poderiam
ser mais bem explicadas pela elevação de custos de rivais, e não
necessariamente por suas condutas de fechamento de mercado de
insumos ou clientes. “A firm can induce its rivals to exit the industry by
raising their costs. Some non-price predatory conduct can best be understood
as action that raises competitors’ costs”. 410
Com o objetivo de avaliar os riscos de a operação resultar em
aumento de custos de rivais, o Guia V+ sinaliza que se deve considerar
alguns pontos, tais como: número de empresas remanescentes
nos mercados afetados pela operação; número de concorrentes
verticalmente integrados nos mercados afetados (quanto maior o
número, maior a probabilidade de que um entrante tenha que iniciar
suas operações nos dois mercados verticalmente integrados ao mesmo
tempo); homogeneidade dos produtos; rivalidade nos mercados
afetados antes da operação e histórico dos preços dos concorrentes,
entre outros. Para essa análise, devem ser percorridos os mesmos
passos já conhecidos: (1) capacidade411, (2) incentivo412 e (3) efeitos413.

de exclusividade, a recusa de contratar, a discriminação, a criação de dificuldades à


atividade de concorrentes, entre outros.
410 SALOP, Steven C., and David T. Scheffman. “Raising rivals’ costs.” The American
economic review 73, no. 2 (1983): 267-271. Disponível em: https://www.ftc.gov/system/
files/documents/reports/raising-rivals-costs/wp081.pdf
411 Na análise de (1) capacidade, a pergunta que se faz é a seguinte: existe capacidade
de implementação de estratégias anticoncorrenciais por parte da empresa integrada?
Existe capacidade para isso?
412 Na análise de (2) incentivos, a pergunta que se faz é a seguinte: a integração gera
alterações na estrutura de incentivos para a prática de estratégias anticoncorrenciais?
Ainda que as requerentes possuam capacidade (vide tópico anterior), há geração de
incentivos para implementação de tais estratégias?
413 Na análise de (3) efeitos, a pergunta que se faz é a seguinte: em caso de existência de
capacidade e de incentivos, a implementação de tais práticas gera impactos efetivos à
concorrência, com prejuízos aos consumidores finais? Há efeitos anticoncorrenciais?
Assim, para todas as teorias do dano, sempre será seguido esse tripé de análise.

274 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Ao se realizar uma análise quantitativa da experiência nacional


quanto a atos de concentração não horizontais, com base em 242
processos de concentração econômica não horizontais analisados
pelo CADE (tanto SG/Cade quanto Tribunal) entre 2012 e julho 2022414,
já apresentamos que houve 27 casos em que se identificou o risco de
aumento de custos de rivais. Tais casos foram assim classificados pela
existência de análises de rivalidade ou por menções a reduções de
custos resultantes da operação, mas não necessariamente específica
sobre aumento de custos de rivais. Em um dos casos em que a
preocupação com o aumento de custos de rivais foi específica, esta foi
centrada nos mercados downstream da operação.415
No caso do Ato de Concentração MWM e Tupy, entendeu-
se que o “risco associado à integração vertical no presente caso refere-se
ao fechamento de mercado a jusante (elo downstream). Ou seja, o risco
ocorreria na situação de criação de dificuldades [...] ao acesso de concorrentes
[...] a i) blocos e ii) cabeçotes de motores de ferro a diesel para aplicações
médias, pesadas e off road ou aumentos dos custos de competidores para
acessar esses insumos”416.
Similarmente, no caso envolvendo Dow Chemicals e Dow
Corning, a SG/Cade concluiu que era reduzida a probabilidade de
elevação do custo dos rivais decorrente das relações verticais como
resultado da operação envolvendo o segmento de produtos à base
de silicone. Segundo seus termos, “a larga oferta do produto (ACESSO
RESTRITO) em face da demanda mundial [...] afasta preocupação com
estratégias de elevação do custo de rivais ou fechamento de mercado, tanto
no sentido downstream como no sentido upstream.”. Isso, porque “ainda
que [...] passe a comprar apenas da [empresa verticalmente integrada...],
a demanda direcionada para esta seria irrelevante em termos de efeito ao

414 Dentre os 242 processos consolidados, todos foram analisados pelo rito ordinário,
sendo que apenas 13 foram declarados complexos.
415 “ainda que a DCC passe a comprar apenas da Dow, a demanda direcionada para esta
seria irrelevante em termos de efeito ao mercado upstream e sem qualquer incentivo
para a Dow no sentido de elevar custos dos rivais da DCC no mercado downstream.”.
08700.000958/2016-91
416 Ato de Concentração MWM e Tupy. 08700.005611/2022-82.

Estudos em Direito da Concorrência 275


Amanda Athayde

mercado upstream e sem qualquer incentivo [...] no sentido de elevar custos


dos rivais [...] no mercado downstream”.417
Nota-se, portanto, que apesar de ser mencionada como uma
teoria do dano adicional, tende a ser vista como uma forma mais sutil
da implementação de uma estratégia de fechamento. Tipicamente,
estratégias de fechamento parcial podem acabar resultando em
aumento de custos de rivais, de modo que, por vezes, nas análises
antitruste, as teorias do dano acabam se sobrepondo. Essa lógica
indireta de que o aumento de custos de rivais seria uma variável
mais sutil da estratégia de fechamento de mercado fica evidente na
análise do Ato de Concentração Mafra e Flexicotton. Segundo a SG/
Cade, “quanto a esta possibilidade, esta SG entende não ser necessário
maior aprofundamento na análise, haja vista que, como dito neste
parecer, as atuações da Mafra e da Flexicotton no mercado de algodão são
complementares, pois atendem a nichos diferentes de mercado. Ademais,
como visto anteriormente, há rivalidade suficiente para mitigar uma
eventual probabilidade de exercício unilateral de poder de mercado pela
Mafra nos mercados de fabricação de algodão e hastes flexíveis pós-operação,
havendo, ainda, a possibilidade de novas entradas e até mesmo o desvio da
demanda para importações. Por fim, como as participações da Mafra nos
três mercados downstream assinalados acima são relativamente reduzidas
(sempre abaixo de 30%), não haveria sequer racionalidade econômica para
uma eventual tentativa de aumento do custo dos rivais da Mafra naqueles
mercados, muito menos fechamento de mercado, por conta da participação
adquirida no mercado upstream de fabricação de algodão, em que as partes
teriam participação ligeiramente superior a 30%. Tentativas nesse sentido
levariam a perda de lucratividade da Mafra neste mercado de fornecimento
de algodão, por todas as razões expostas neste parecer”. 418
A mesma lógica apresentada sob a lente das integrações verticais
aplica-se às integrações conglomerais. Ou seja, práticas como,
celebração de acordos de reciprocidade entre concorrentes, venda

417 Ato de Concentração Dow Chemical e Dow Corning. 08700.000958/2016-91.


418 Ato de Concentração Mafra e Flexicotton. 08700.003018/2020-30.

276 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

casada, preço predatório e exercício de poder de portfólio costumam


ser objeto de análise nestes casos.
Em resumo, pode-se apresentar o seguinte quadro consolidado
com os principais elementos de análise quando do aprofundamento
da teoria do dano de efeitos não coordenados/unilaterais de elevação
de custo de rivais:
Tabela 3 – Efeitos não coordenados/unilaterais – Elevação de custos de rivais

CAPACIDADE INCEN- EFEITOS


TIVOS

(3.1.) Efei- Efeitos (3.1.3.) Fatores a considerar:


tos não não coor- Eleva- • Número de empresas rema-
coorde- denados ção de nescentes nos mercados afe-
nados - fecha- custos tados pela operação
mento de rivais • Número de concorrentes vertical-
mente integrados nos mercados
afetados. Quanto maior o número,
maior a probabilidade de que um
entrante tenha que iniciar suas ope-
rações nos dois mercados vertical-
mente integrados ao mesmo tempo
• Homogeneidade dos produtos
• Rivalidade nos mercados afe-
tados antes da operação
• Histórico dos preços dos con-
correntes, entre outros

Fonte: elaboração própria.

3.1.4.ACESSO A INFORMAÇÕES CONCORRENCIALMENTE


SENSÍVEIS COMO EFEITO NÃO COORDENADO/UNILATERAL
TEORIAS DO DANO EM FUSÕES VERTICAIS E CONGLOMERAIS

O acesso e uso de informações concorrencialmente sensíveis é


uma das hipóteses possíveis de fechamento de mercado, classificado na
categoria de teorias do dano de efeitos não coordenados/unilaterais.419

419 Dentre os (1) efeitos não coordenados/unilaterais estão aqueles que podem ser
decorrentes da atuação de uma única empresa, individual e unilateralmente. Seria

Estudos em Direito da Concorrência 277


Amanda Athayde

A análise dessa teoria do dano compreende a verificação se a entidade


resultante da concentração pode, através de uma integração vertical,
obter acesso a informações concorrencialmente sensíveis relativas
às atividades a montante ou a jusante dos seus concorrentes que
não estavam disponíveis para pelo menos uma das partes antes
da operação. Isso porque, após uma operação vertical, a empresa
integrada/verticalizada passa a ter acesso a informações de seus
concorrentes (ao menos daqueles que já eram clientes/fornecedores
de uma das partes antes da operação).
Imagem 3 – Acesso e uso de informações concorrencialmente sensíveis de
rivais

Fonte: Guia V+, elaboração Consultoria PNUD.

Essa é também a preocupação da autoridade antitruste do Reino


Unido, para quem a obtenção pelas Requerentes de informações
sensíveis sobre rivais (e.g., preços; vendas específicas; ofertas;

o caso de analisar se a empresa resultante da operação, com posição dominante,


poderia implementar determinadas práticas comerciais que teriam o efeito de
prejudicar o mercado. Recorda-se, como exemplo de práticas unilaterais, a exigência
de exclusividade, a recusa de contratar, a discriminação, a criação de dificuldades à
atividade de concorrentes, dentre outros.

278 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

especificações técnicas de produtos; planos de inovação) pode


permitir que elas compitam de forma menos acirrada no mercado
(e.g., podem cobrar preços apenas marginalmente mais atrativos
que seus rivais, ao invés de preços bem mais baixos). Similarmente
a Comissão Europeia, que acrescenta que o acesso a informações
concorrencialmente sensíveis pelas requerentes pode colocar os
concorrentes em desvantagem competitiva, inibindo sua expansão ou
até mesmo entrada no mercado.
O Guia V+ sinaliza que a análise que visa identificar as situações
em que o compartilhamento poderá ser prejudicial à concorrência
deve ser pautada por parâmetros como: (i) Estrutura do mercado; (ii)
O tipo de informação compartilhada e sua relevância concorrencial;420
(iii) Seu nível de desagregação; (iv) Sua contemporaneidade/
historicidade; (v) Se a fonte da informação é pública ou privada; (vi)
Se a disponibilização da informação é ou não compartilhada; e (vii) A
frequência/periodicidade do acesso/uso da informação.
Ao se realizar uma análise quantitativa da experiência nacional
quanto a atos de concentração não horizontais, com base em 242
processos de concentração econômica não horizontais analisados
pelo CADE (tanto SG/Cade quanto Tribunal) entre 2012 e julho
2022421, já apresentamos que houve 7 casos em que se identificou o
risco de acesso a informações sensíveis de rivais, em 2 deles houve a

420 De acordo com o Guia para Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração
Econômica do Cade as informações concorrencialmente sensíveis são informações
específicas (por exemplo, não agregadas) e que versam diretamente sobre o
desempenho das atividades-fim dos agentes econômicos. Conforme o referido Guia,
essas informações englobam dados específicos sobre: custos das empresas envolvidas;
nível de capacidade e planos de expansão; estratégias de marketing; precificação de
produtos (preços e descontos); principais clientes e descontos assegurados; salários
de funcionários; principais fornecedores e termos de contratos com eles celebrados;
informações não públicas sobre marcas e patentes e Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D); planos de aquisições futuras; estratégias concorrenciais, etc. CADE. Guia para
Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica do Cade. 2015.
Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/
guias-do-cade/gun-jumping-versao-final.pdf
421 Dentre os 242 processos consolidados, todos foram analisados pelo rito ordinário,
sendo que apenas 13 foram declarados complexos.

Estudos em Direito da Concorrência 279


Amanda Athayde

identificação de salvaguardas/políticas comerciais e contratuais que


mitigavam tais preocupações.422-423
Esse tipo de análise ocorreu, por exemplo, no Ato de Concentração
de formação da joint-venture “Juntos Somos Mais”, envolvendo Tigre,
Gerdau e Votorantim. A SG/Cade verificou, porém, que desde o início da
Operação foi apresentado o “Acordo de Investimento e Outras Avenças”,
em que as Requerentes “preocuparam-se em estabelecer parâmetros que
visam impedir a troca de qualquer informação concorrencialmente sensível
entre elas por meio da NewCo, já que, acima de tudo, a troca de informações
concorrencialmente sensíveis entre empresas é punível pelo Cade nos termos
da Lei Federal nº 12.529/2011. A partir do exposto, a constituição da
NewCo, por ora, não suscita preocupação concorrencial no que tange à
troca de informações concorrencialmente sensíveis entre as Requerentes.”.424
No mesmo sentido, a SG/Cade também afastou preocupações
com o acesso e o uso de informações concorrencialmente sensíveis
no âmbito do Ato de Concentração envolvendo Axionlog / BFFC
/ CiaTC / Giraffas / Halipar / Outback / Bramex / Rei do Mate / 4all,
referente à criação de joint-venture para a criação de plataforma de
pedidos online de comida e operações de foodservice. Novamente,
as medidas tomadas pelas Requerenetes previamente à Operação
foram consideradas relevantes para a SG/Cade: “Além disso, a própria
plataforma a ser desenvolvida pela 4All, continuam as Requerentes,
será construída com tecnologia que impedirá que acionistas e futuros
contratantes tenham acesso às informações concorrencialmente sensíveis
uns dos outros. De acordo com as informações apresentadas, o sistema
adotado pela plataforma permitirá a implementação de restrições de acesso
e controle sobre o fluxo de dados, por meio da autenticação de usuários,
criptografia e anonimização dos dados. A plataforma ainda contará com

422 “A esse respeito, a conclusão a que se chegou foi de que esse aspecto parece já
ser objeto de tratamento adequado pelo das políticas comerciais e contratuais das
Requerentes.” 08700.005611/2022-82
423 Existência de salvaguardas contra a troca de informações concorrencialmente
sensíveis. 08700.001462/2022-82
424 Ato de Concentração Juntos Somos Mais – Tigre, Gerdau e Votorantim.
08700.002327/2018-78.

280 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

mecanismos de monitoramento, que registrarão todos os dados acessados


pelos usuários. Por fim, as Requerentes estabeleceram uma política de portas
abertas ao CADE, para que esta Autarquia possa monitorar as atividades da
joint venture sempre que julgar necessário.”. 425
O caso mais recente do Cade que enfrentou, de modo central, esse
tema do acesso e uso de informações concorrencialmente sensíveis
no âmbito de integrações verticais foi em sede do Ato de Concentração
envolvendo Sulamérica e Rede D’Or. Em seu parecer, a SG/Cade relatou
a manifestação de diversos terceiros interessados, preocupados com o
acesso às informações sensíveis de concorrentes, mas sinalizou que as
informações poderiam ser descaracterizadas como sensíveis e, mesmo
se o fossem, não “há evidências que indiquem tais agentes mitigaram a
capacidade de competir de grupos não verticalizados que não teriam acesso
a esse conjunto de informações.”. Já no Tribunal do Cade, essa teoria do
dano foi detalhadamente analisada pelos Conselheiros, tendo-se, ao
final, aprovado a operação. 426 Não obstante, a título de advocacia da
concorrência, foi recomendada à ANS a edição de norma específica
sobre o tema de fluxo de informações entre agentes verticalizados

425 Ato de Concentração Axionlog / BFFC / CiaTC / Giraffas / Halipar / Outback /


Bramex / Rei do Mate / 4all. 08700.006662/2020-60.
426 Ato de Concentração Sulamérica e Rede D’Or. 08700.003959/2022-35. Voto Gab 6,
Conselheiro Luiz Augusto Hoffmann. “Ante o exposto, considerando as teorias de dano
ventiladas e sopesando as argumentações das Recorrentes vis-à-vis os demais aspectos
pertinentes, ao meu ver, não há elementos que justifiquem uma intervenção do
CADE neste momento sobre este ponto, sob pena até mesmo de inviabilizar possíveis
eficiências decorrentes da operação que seriam benéficas ao consumidor, tendo em
vista: (i) a padronização das rubricas e informações que devem ser trocadas entre
OPS e estabelecimentos médico-hospitalares e os esforços de reduzir a assimetria
de informação, em observância ao Padrão TISS, da ANS; (ii) haver parâmetros
amplamente disponíveis a todos players do mercado que norteiam a precificação de
componentes importantes do mercado (e.g., Brasíndice; SIMPRO); (iii) as dificuldades
práticas de replicação de condições comerciais para outros agentes econômicos; (iv)
o fato de haver diversos agentes verticalizados no setor que já possuem informações
de diferentes OPS e hospitais, mitigando o potencial do uso pelas Requerentes das
informações adicionais obtidas como instrumento para obtenção de vantagem
anticompetitiva para prejudicar rivais; (v) os desenvolvimentos nas modalidades de
contratação entre OPS e prestadores de serviços médico-hospitalares, com aumento
de modalidades menos sujeitas à troca de informações sensíveis; e (vi) o risco de
se prejudicar ou inviabilizar eficiências resultantes das integrações verticais ora
examinadas.”.

Estudos em Direito da Concorrência 281


Amanda Athayde

no setor de saúde suplementar, a exemplo do que já aconteceria em


outros mercados regulados.
A mesma lógica apresentada sobre a lente das integrações
verticais segue quanto às integrações conglomerais. No Ato de
Concentração envolvendo Stone e Linx427, uma das teorias do dano
estava relacionada à obtenção de acesso privilegiado, por parte da Stone,
de dados estratégicos e informações sensíveis dos clientes da Linx, o
que poderia gerar vantagens competitivas indevidas no mercado de
meios de pagamento. A SG e o Tribunal do CADE avaliaram que diversas
particularidades do setor afastavam a eventual obtenção de vantagem
competitiva. Primeiro, as informações gerencias eram relativamente
limitadas, envolvendo dados como: lista de adquirentes que prestam
serviço a um cliente; o volume transacionado e os recebíveis nessa
adquirente; e as taxas cobras, como MDR e antecipação. Foi verificado
que essas informações, além de oturas, são disponibilizadas para todos
os agentes do mercado pelo Open Banking, mediante autorização do
estabelecimento. Além disso, o acesso a esses dados via Open Banking
tem o potencial de melhorar a eficiência e competitividade nos
mercados de produtos financeiros. Dessa forma, o CADE concluiu não
ser necessário a aplicação de remédios que limitassem o uso e acesso
dessas informações.
Ainda, no Ato de Concentração Magalu/Hub428, havia preocupação
destacada sobre a possibilidade de a Magalu Pagamentos obter
acesso à base de dados bancários da Hub, configurando um exemplo
de “data-driven merger”, e assim extrair vantagens competitivas
indevidas em relação a seus concorrentes, incluindo o Mercado Pago.
O Tribunal considerou que havia robustas salvaguardas de natureza
contratual, legal e regulatória que impediam o compartilhamento
de dados de rivais entre Hub e Magalu Pagamentos. O voto observou
que o compartilhamento desses dados configuraria descumprimento

427 Ato de Concentração n° 08700.003969/2020-17 - STNE Participações S.A. (¨STONE”)


e a Linx S.A. (¨LINX”)
428 Ato de Concentração nº 08700.000059/2021-55 – Magalu Pagamentos Ltda. e Hub
Prepaid Participações S.A.

282 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

das obrigações impostas pela regulamentação do Banco Central às


instituições financeiras e de pagamento, como a Hub, assim como
violação de cláusulas contratuais de confidencialidade e dos princípios
e regras estabelecidos pela Lei Geral de Proteção de Dados. Portanto,
ainda que não tenha havido investigação aprofundada da relevância
competitiva dos dados, restou evidenciado que sua transferência
para a Magalu Pagamentos encontraria barreiras legais e contratuais
difíceis de serem contornadas pelas requerentes.
Importante mencionar que, para além da existência de
mecanismos de prevenção ao acesso e uso de informações
concorrencialmente sensíveis no contexto do próprio acordo da
Operação, o Cade já aprovou atos de concentração com fundamento
no fato de que havia legislação específica que vedava a troca de
informações sensíveis no setor.429
Em resumo, pode-se apresentar o seguinte quadro consolidado
com os principais elementos de análise quando do aprofundamento
da teoria do dano de efeitos não coordenados/unilaterais de acesso e
uso de informações concorrencialmente sensíveis:

429 Por exemplo, no Ato de Concentração SBF e Centauro/Nike. 08700.000627/2020-37


e no Ato de Concentração Compass e Petrobrás/Gaspetro. 08700.004540/2021-10.

Estudos em Direito da Concorrência 283


Amanda Athayde

Tabela 4 – Efeitos não coordenados/unilaterais – Acesso


a informações concorrencialmente sensíveis

CAPACIDADE INCENTIVOS EFEITOS

(3.1.) Efei- (3.1.4.) Parâmetros de análise:


Efei- tos não Acesso • A possibilidade e a probabilidade
tos não coorde- e uso de de obtenção de vantagem com-
coorde- nados informa- petitiva em decorrência do com-
nados - fecha- ções con- partilhamento dessa informação;
mento corren- • A dimensão da vantagem com-
cialmente petitiva que pode ser obtida em
sensíveis decorrência do compartilhamen-
to dessa informação, dado que
demais agentes não dispõem do
mesmo conjunto informacional;
• A possibilidade de se evitar ou
restringir a abrangência do com-
partilhamento, tanto por meio da
redução da quantidade de infor-
mação compartilhada, quanto em
termos de estabelecimento de
mecanismos internos de restrição
de acesso a esse tipo de informação

Fonte: elaboração própria.

Passa-se, a seguir, às preocupações com atos de concentração


verticais e conglomerais quanto aos efeitos coordenados.

3.2.EFEITOS COORDENADOS TEORIAS DO DANO


EM FUSÕES VERTICAIS E CONGLOMERAIS

Diferentemente do que vínhamos apresentando até aqui, sobre


teorias do dano de efeitos não coordenados/unilaterais430, passa-se a
descrever as preocupações concorrenciais resultantes de possíveis

430 Dentre os (1) efeitos não coordenados/unilaterais estão aqueles que podem ser
decorrentes da atuação de uma única empresa, individual e unilateralmente. Seria
o caso de analisar se a empresa resultante da operação, com posição dominante,
poderia implementar determinadas práticas comerciais que teriam o efeito de
prejudicar o mercado. Recorda-se, como exemplo de práticas unilaterais, a exigência
de exclusividade, a recusa de contratar, a discriminação, a criação de dificuldades à
atividade de concorrentes, dentre outros.

284 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

efeitos coordenados. Isso porque as integrações verticais podem


elevar a probabilidade de coordenação explícita ou tácita entre
concorrentes, ou intensificar ou facilitar a coordenação de estratégias
colusivas que já existiam no mercado antes da operação. Como ações
coordenadas entre concorrentes podem afetar negativamente o bem-
estar dos consumidores, a autoridade antitruste avalia eventuais riscos
de coordenação decorrentes da operação.
De acordo com o Guia de concentrações não-horizontais da
União Europeia431, uma operação vertical gera redução do número
de concorrentes no mercado, e por isso, pode haver um aumento
do grau de simetria entre as empresas atuantes no mercado. Além
disso, integrar-se verticalmente com uma empresa contrária a uma
coordenação já existente no mercado possibilita a imposição a ela
desse modelo de mercado acordado entre concorrentes.
Ou seja, além de verificar as atuais características do mercado
antes da operação, o Guia V+ sinaliza que se deve analisar se e como
a operação afetará tais condições de mercado, tornando eventual
colusão mais propensa a ocorrer. Argumenta-se que integrações
verticais podem favorecer a colusão, uma vez que (i) em função da
redução de número de concorrentes no mercado, podem facilitar a
coordenação entre as empresas; (ii) aumentam a possibilidade de
mecanismos de dissuasão por parte da empresa integrada; e (iii)
reduzem a possibilidade de reação de empresas que não participam
da coordenação e não são integradas, dentre outros fatores. As
hipóteses de efeitos anticoncorrenciais coordenados decorrentes
de atos de concentração verticais são variadas, dentre as quais,
destacam-se os seguintes: condições da coordenação, possibilidade de
monitoramento/verificação de desvios, existência de mecanismos de
dissuasão e probabilidade de reação das empresas não participantes.

431 Guia da Comissão Europeia para Concentrações Não Horizontais. Disponível em:
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52008XC1018(03)

Estudos em Direito da Concorrência 285


Amanda Athayde

Ianelli432 identificou, em sua pesquisa empírica envolvendo


atos de concentração verticais julgados pelo Tribunal do Cade entre
2014 e 2018, que o Tribunal tende a ser mais relutante em declarar
preocupações de efeitos coordenados quando comparado com efeitos
unilaterais. Isso porque a possibilidade de comprovação de que a
operação seria capaz de facilitar ou incentivar um conluio entre
concorrentes seria muito baixa. Essa análise dependeria das condições
do mercado, das empresas envolvidas, da atividade praticada, ou seja,
de fatores específicos ao caso concreto e à situação mercadológica do
momento.
No ato de concentração JBJ/Mataboi, por exemplo, uma
preocupação concorrencial poderia ser levantada pela existência de
vínculos familiares. A relação de parentesco motivou o Tribunal do
Cade a reprovar a operação pois, um aumento do poder de mercado da
empresa poderia influenciar significativamente o poder de mercado da
outra empresa, de forma a diminuir a concorrência no mercado. Essa
diminuição ocorreria devido à possibilidade de troca de informações
concorrencialmente sensíveis entre empresas com considerável
atuação no mercado. A consequência dessa troca de informações seria
a capacidade de verificação dos desvios das empresas coordenadas.
As empresas teriam informações que ampliariam a possibilidade de
controlar a oferta e os preços de forma que os consumidores sairiam
prejudicados.433
Outro caso que trouxe a preocupação de coordenação em
sede de um ato de concentração vertical foi na operação conhecida
como “AC das editoras”.434 O Conselheiro, em sua análise, apontou a

432 IANELLI, Vivian Salomão. Análise empírica dos atos de concentrações verticais:
como o CADE tem endereçado os efeitos unilaterais e coordenados em seus julgados?.
2019. 74 f., il. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito). Universidade
de Brasília, Brasília, 2019. p. 48.
433 Ato de Concentração JBJ/Mataboi. 08700.007553/2016-83.
434 Ato de Concentração Editora Objetiva Ltda. (“Objetiva”); Editora Arqueiro Ltda.
(“Arqueiro”); Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S.A. (“Record”); Editora
Planeta do Brasil Ltda. (“Planeta”); Editora Rocco Ltda. (“Rocco”) e ublibook Livros
e Papéis S.A. (“LP&M”) – e a DLD Distribuidora de Livros Digitais S.A. (“DLD”).
08700.004872/2013-94.

286 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

real possibilidade de ocorrência de uma coordenação, mas concluiu


no sentido de que não havia encontrado indícios suficientes para
comprovar a probabilidade do acontecimento.
A mesma lógica apresentada sobre a lente das integrações
verticais segue quanto às integrações conglomerais.
Em resumo, pode-se apresentar o seguinte quadro consolidado
com os principais elementos de análise quando do aprofundamento
da teoria do dano de efeitos coordenados:
Tabela 5 – Efeitos coordenados

CAPACIDADE INCENTIVOS EFEITOS

(3.2.) Efeitos coordenados Condições da coordenação

Possibilidade de monitoramen-
to/verificação de desvios

Existência de mecanismos de dissuasão

Probabilidade de reação das em-


presas não participantes

Fonte: elaboração própria.

4. CONCLUSÕES

Neste artigo foi possível avançar na apresentação das principais


teorias do dano oriundas de fusões verticais e conglomerais, cotejado
pela apresentação de dados consolidados da experiência do Cade e de
exemplos concretos de análises realizadas em Atos de Concentração.
O “aprimoramento incremental em relação à análise antitruste
tradicional” 435 do Cade fica claro quando se passa ao operacional, ou

435 CADE. Documento de Trabalho n. 006/2023. Fusões conglomerais: teorias do dano


e jurisprudência do Cade entre 2012 e 2022. p. 27.

Estudos em Direito da Concorrência 287


Amanda Athayde

seja, à identificação de qual o ferramental analítico utilizado para


que se verifique (ou não) cada um desses riscos concorrenciais. Ao
se realizar uma análise quantitativa da experiência nacional quanto
a atos de concentração não horizontais, com base em 242 processos
de concentração econômica não horizontais analisados pelo CADE
(tanto SG/Cade quanto Tribunal) entre 2012 e julho 2022436, foi
possível consolidar certa preponderância nas seguintes respostas: (1)
possibilidade de exercício de poder de mercado; (2) probabilidade de
exercício de poder de mercado; (3) análise de entrada; (4) análise de
rivalidade; (5) poder de compra; (5) possibilidade de fechamento de
mercado; (6) existência de cláusula de não concorrência; (7) estrutura
de governança; (8) eficiências. Não houve estruturação, na tabela em
Excel, da ordem de uso desse ferramental analítico pelo CADE.

Fonte: elaboração própria, a partir de dados consolidados pela SG/Cade.

Assim, é possível inferir certa confusão entre as teorias do dano


a serem identificadas e endereçadas no parecer com o ferramental
analítico utilizado justamente para se avaliar o risco de implementação

436 Dentre os 242 processos consolidados, todos foram analisados pelo rito ordinário,
sendo que apenas 13 foram declarados complexos.

288 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

dessas teorias do dano. Isso é possível notar, por exemplo, na medida


em que o “fechamento de mercado” é mencionado em ambas as
seções, praticamente como sinônimos.
Para concluirmos sobre o passado e pensarmos sobre o futuro,
sugere-se, em termos metodológicos, a adoção do seguinte passo a
passo analítico para fusões verticais e conglomerais:
Imagem 4 – Resumo da proposta de passo a passo analítico para concentrações
não horizontais

Fonte: elaboração própria.

Ainda, especificamente sobre a análise dos efeitos não


coordenados/unilaterais e dos efeitos coordenados, apresenta-se
imagem para evidenciar as principais teorias do dano que tendem
a ser levantadas na análise, adicionada às novas teorias aportadas
sobretudo em fusões conglomerais:

Estudos em Direito da Concorrência 289


Amanda Athayde

Imagem 5 – Resumo das principais teorias do dano em concentrações não


horizontais (verticais e conglomerais)

Fonte: elaboração própria.

A partir do exposto, foi possível notar que a tentativa brasileira


de avanço no tema das fusões verticais e conglomerais – explicitado
pela publicação da versão preliminar do Guia V+, em julho de 2023, e
do Documento de Trabalho sobre Fusões conglomerais, em agosto de
2023 – decorre justamente pela atuação tímida da autoridade antitruste
brasileira neste tema. Esse fato é reconhecido por integrantes do
próprio Cade, para quem “a autoridade antitruste brasileira parece ter
adotado uma postura cautelosa na avaliação dos riscos concorrenciais
de fusões conglomerais, inclusive nos mercados digitais”.437 Parece-nos,
assim, que em termos de maturidade institucional em análises de
fusões, com base no que o Cade já julgou no passado, seria possível
traçar a seguinte conclusão:

437 CADE. Documento de Trabalho n. 006/2023. Fusões conglomerais: teorias do dano


e jurisprudência do Cade entre 2012 e 2022. p. 27.

290 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Imagem 6 – Nível de maturidade do Cade na análise de fusões

Estudos em Direito da Concorrência 291


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

FUSÕES VERTICAIS E CONGLOMERAIS PELA


PERSPECTIVA DO MERCADO DE TRABALHO

Publicado originalmente em: Portal Migalhas em 16/10/2023.

Amanda Athayde

Julia Braga

Conforme mencionado nos oito artigos anteriores,438 a versão


preliminar do chamado “Guia V+” do Cade consolida os procedimentos
e as melhores práticas usualmente adotados pela autarquia na análise
de efeitos não horizontais em atos de concentração. Como evidência
da atualidade do Guia V+ do Cade, vale observar que, também
em julho de 2023, o Departamento de Justiça (DOJ) e a Federal

438 (1) ATHAYDE, Amanda. Fusões verticais e conglomerais: O que são e como
isso pode impactar a atuação das empresas no Brasil? Portal Migalhas, 22.8.2023.
Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/392130/fusoes-verticais-e-
conglomerais-o-que-sao-e-como-impacta-as-empresas>. (2) ATHAYDE, Amanda.
Fluxo de análise concorrencial de fusões verticais e conglomerais: o que muda? Portal
Migalhas, 28.8.2023. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/392490/
fluxo-de-analise-concorrencial-de-fusoes-verticais-e-conglomerais>. (3) ATHAYDE,
Amanda. Teorias do dano concorrencial em integrações verticais e conglomerais:
quais os riscos? Portal Migalhas, 4.9.2023. Disponível em: https://www.migalhas.
com.br/depeso/392957/teorias-do-dano-concorrencial-em-integracoes-verticais-
e-conglomerais. (4) Fechamento de mercado de insumos como teoria do dano
concorrencial em integrações verticais e conglomerais: o que analisar? Portal
Migalhas, 11.9.2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/393212/
fechamento-de-mercado-de-insumos-teorias. ATHAYDE, Amanda. (5) Fechamento
de mercado de clientes como teoria do dano concorrencial em integrações verticais
e conglomerais: o que analisar? Portal Migalhas, 18.9.2023. Disponível em: https://
www.migalhas.com.br/depeso/393687/teoria-do-dano-concorrencial-em-integracoes-
verticais-e-conglomerais (6) Elevação de custo de rivais como teoria do dano
concorrencial em integrações verticais e conglomerais: o que analisar? Portal
Migalhas, 25.9.2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/394061/
elevacao-de-custo-de-rivais-como-teoria-do-dano-concorrencial (7) Acesso e uso de
informações concorrencialmente sensíveis como teoria do dano concorrencial em
integrações verticais e conglomerais: o que analisar? Portal Migalhas, 2.10.2023.
Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/394483/acesso-e-uso-de-
informacoes-concorrencialmente-sensiveis (8) Colusão futura como teoria do dano
concorrencial em integrações verticais e conglomerais: o que analisar? Portal
Migalhas, 9.10.2023. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/394942/
colusao-futura-como-teoria-do-dano-concorrencial.

Estudos em Direito da Concorrência 293


Amanda Athayde

Trade Commission (FTC) dos Estados Unidos publicaram o Merger


Guidelines, que visa a consolidar os guias de análise de concentrações
horizontais e de integrações verticais atualmente existentes naquele
país.439 Interessante notar que a escolha realizada nos Estados Unidos
foi diferente da realizada no Brasil. Explicamos.
Percebe-se, de pronto, que diferentemente do Brasil – que
optou por ter dois Guias, um voltado para concentrações horizontais
e outro para concentrações verticais e conglomerais –, no Merger
Guidelines dos Estados Unidos, as guidelines não são apresentadas de
modo segmentado. O Merger Guidelines norte-americano apresenta
treze orientações gerais, aplicáveis a todos os tipos de operações,
independentemente da forma de sua implementação. Em relação à
estrutura, é dividido em quatro seções: 1) visão geral a respeito das
principais preocupações concorrenciais com as fusões; 2) aplicação
detalhada das treze orientações gerais; 3) ferramentas que o FTC e o
DOJ possuem para a definição de mercados relevantes e 4) potenciais
defesas passíveis de apresentação durante a instrução antitruste
nestas autoridades norte-americanas. Nesse documento, deixou-se
claro, ainda, pela primeira vez, que a proteção da concorrência nos
mercados de trabalho é prioridade para a política antitruste.
O guia surge, justamente, em um contexto em que diversos
doutrinadores sustentam que o exame dos efeitos de uma operação
também deve abranger mercados de trabalho e que a autoridade
antitruste deve atuar preventivamente diante da formação de
monopsônio (i.e., poder de mercado do player empregador com
relação à contratação de mão de obra)440. Estudos recentes apontam,

439 DOJ e FTC. Merger Guidelines. 19.7.2023. Disponível em: https://www.justice.gov/


opa/pr/justice-department-and-ftc-seek-comment-draft-merger-guidelines
440 Em documento da OCDE sobre o tema, publicado em 2020, discute-se o fato de
que a ausência de atenção a mercados de trabalho pode ter encorajado empresas a
se coordenar ou a se concentrar no sentido de reduzir salários. (OECD. Competition
in Labour Markets. 2020). A título de exemplo, outros doutrinadores relevantes
publicaram papers com a mesma posição: NAIDU, Suresh; POSNER, Eric A.; WEYL,
Glen E. Antitrust Remedies for Labor Market Power. Harvard Law Review, v. 132,
2018; HOVENKAMP, Herbert; MARINESCU, Ioana. Anticompetitive Mergers in Labor
Markets. Penn Law: Legal Scholarship Repository, 2019; MARINESCU, Ioana; POSNER,
Eric. Why Has Antitrust Law Failed Workers? Social Science Research Network, 2019;

294 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

por exemplo, que a forte atuação do DOJ tende a gerar aumento nos
níveis de emprego e na folha de pagamento de funcionários441.
Nos termos da nova proposta de guia estadunidense, mercados
de trabalho são importantes mercados de compra (“important buyer
markets”), tendo um ato de concentração o potencial de, entre
outros, (i) eliminar a concorrência entre os players na contratação
de determinada categoria de trabalhadores; (ii) elevar os riscos de
coordenação entre os players do mercado de trabalho e (iii) incrementar
a posição dominante de um agente econômico.
Mais detalhadamente, o guia aponta que mercados de trabalho
frequentemente apresentam elevados custos de troca e atritos de
busca (search frictions), especialmente em razão do esforço que um
trabalhador deve fazer para encontrar, candidatar-se e adaptar-se a
um novo emprego. Além disso, há necessidades pessoais que podem
limitar ainda mais a mobilidade dos trabalhadores, tanto com relação à
ocupação desempenhada quanto à localização geográfica do trabalho.
É nessa linha que o guia aponta que mercados de trabalho tendem
a ser estreitos e, como resultado da limitada concorrência, diversos
danos ao trabalhador podem ser verificados – como, remunerações
mais baixas, progressão salarial mais lenta ao longo dos anos e piora
nos benefícios ou na qualidade do local de trabalho442.
Além disso, a proposta de atualização do guia vem depois
de a Corte do Distrito de Columbia, nos Estados Unidos, bloquear

DOMINGUES, Juliana O.; RIVERA, Amanda A. L M.; SOUZA, Nayara. M. S. O Improvável


Encontro entre o Direito Trabalhista e o Direito Antitruste. Revista do IBRAC, Volume
24 - Número 2 - 201, 2019; AZAR, José; MARINESCU, Ioana; STEINBAUM, Marshall;
TASKA, Bledi. Concentration in US Labor Markets: Evidence from Online Vacancy
Data. Labour Economics, v. 66, 2020; HAFIZ, Hiba M.; Interagency Merger Review in
Labor Markets. Boston College Law School Faculty Papers, 2020; e MARQUES, Verônica
do Nascimento. Concorrência nos mercados de trabalho: os desafios na delimitação
do mercado relevante antitruste. Mulheres no Antitruste, Volume 4, pp. 241-268, 2021.
441 BABINA, Tania et. al. Antitrust Enforcement Increases Economic Activity. National
Bureau of Economic Research, Agosto de 2023. Disponível em: https://www.nber.org/
papers/w31597.
442 DEPARTMENT OF JUSTICE; FEDERAL TRADE COMMISSION. Draft Merger
Guidelines. Washington, D.C., Estados Unidos da América, 2023, p. 26. Disponível em:
https://www.ftc.gov/system/files/ftc_gov/pdf/p859910draftmergerguidelines2023.pdf.

Estudos em Direito da Concorrência 295


Amanda Athayde

uma operação em razão de potenciais efeitos anticompetitivos


especificamente voltados ao mercado de trabalho, em agosto de 2022443.
A operação proposta entre a Simon & Schuster (S&S) e a Penguin
Random House (PRH), avaliada em USD 2,175 bilhões, envolvia a fusão
de duas das maiores editoras de livros do mundo e foi proibida após
longa instrução e julgamento, com fundamento na Seção 7 do Clayton
Act. Após doze dias de discussão (incluindo depoimentos de autores,
experts econômicos, agentes literários e executivos do setor), concluiu-
se que esta operação levaria a significativo incremento no poder de
monopsônio das requerentes em relação ao mercado mundial de
aquisição de direitos de publicação dos autores mais vendidos (relevant
market for the acquisition of U.S. publishing rights to anticipated top-
selling books). Entendeu-se que a operação aumentaria a concentração
de mercado na indústria editorial, permitindo que as grandes editoras
pagassem menores valores a determinados autores pela aquisição dos
direitos de publicação de seus livros.
Na linha das principais preocupações de concentrações
econômicas destacadas na nova proposta de Merger Guidelines, a Corte
estadunidense concluiu que a operação resultaria em uma “empresa
capaz de controlar uma indevida parcela do mercado relevante e em
um aumento significativo da concentração dos players atuantes”444.
Somado a isso, entendeu-se que a maior concentração do mercado
no cenário pós-operação elevaria o risco de práticas anticompetitivas
e de coordenação pelas grandes editoras, arrefeceria a concorrência
entre os players e, em última instância, prejudicaria os leitores (i.e.,
consumidores finais) ao reduzir a quantidade e a variedade de livros
publicados. Nessa esteira, verifica-se que – apesar de constar de forma

443 A ação apresentada pelo DOJ centra-se nas alegações de poder de monopsônio, isto
é, no poder de compra da entidade combinada em relação aos direitos de publicação
de best sellers – e não em eventual poder de mercado relacionado à venda de livros
ao público. A ação visa a proteger principalmente os autores de livros best sellers,
embora também aponte para o fato de que a operação, em última instância, também
prejudica os leitores (i.e., consumidores) ao reduzir a “quantidade e variedade de
livros publicados”.
444 Vide Memorandum Opinion do United States v. United States v. Bertelsmann Se &
Co. KgaA et al.

296 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

inédita em guia publicado por autoridades de defesa da concorrência


– as preocupações identificadas em relação a impactos de operações
em mercados de trabalho já foram consideradas, em 2022, em caso
concreto analisado pela agência e Corte estadunidense.
No Brasil, o debate ainda deve começar445. Não há, até o momento,
caso em que impactos concorrenciais especialmente voltados a
trabalhadores tenham sido detidamente analisados pelo Cade em
atos de concentração446. Além disso, a autoridade não disponibilizou
quaisquer orientações voltadas a mercados de trabalho em seu Guia
de Concentrações Horizontais (Guia H)447, no Manual Interno da
Superintendência-Geral para atos de concentração apresentados sob o
rito ordinário448 ou no recente Guia V+. Recorde-se, porém, que houve
menção, em 2019, ao fato de que o Cade estaria elaborando guia sobre
o assunto (Labor Antitrust Guideline)449. Nesse contexto, não se nega
que precedentes são importantes pontos de partida para qualquer
discussão, mas igualmente (ou mais) importante é o desenvolvimento

445 BRAGA, Julia. Mercados de trabalho no controle de estruturas do Cade: O Direito


da Concorrência na consecução da valorização do trabalho humano. Dissertação
(Mestrado em Direito), Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília/DF, p.
48, 2023.
446 Até o momento, (i) as medidas adotadas pelo Cade relacionadas a políticas de
emprego incluídas em TCDs são antigas e datam da época de vigência da Lei nº
8.884/1994, cuja redação expressamente previa que alterações no nível de emprego
deveriam ser consideradas na análise e (ii) remédios mais recentes que mencionam
questões de emprego visam essencialmente a garantir a efetividade de um
desinvestimento (i.e., remédio estrutural) (Atos de Concentração nº 08012.004423/2009-
18; nº 08012.002259/2012-18; e nº 08700.004150/2012-59) ou a implementação de
programas de treinamento profissional (Atos de Concentração nº 24/1995; nº 27/1995;
nº 08700.001642/2017-05; e 08700.010790/2015-41).
447 As concentrações horizontais já são objeto de Guia específico do Cade. Cade. Guia
de Análise de Atos de Concentração Horizontal. 2016. Disponível em: https://cdn.cade.
gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-para-analise-de-
atos-de-concentracao-horizontal.pdf.
448 Manual Interno da Superintendência-Geral para atos de concentração apresentados
sob o rito ordinário. 2017. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-
conteudo/publicacoes/guias-e-manuais-administrativos-e-procedimentais/manual-
interno-da-sg-para-casos-ordinarios.pdf.
449 Em junho de 2019, a OCDE publicou contribuições fornecidas pela autoridade
brasileira em relação ao enfrentamento do poder de monopsônio no mercado de
trabalho, no qual há indicativo de que o Cade estaria trabalhando em um guia sobre o
tema (OECD. Competition Issues in Labor Markets – Note by Brazil, 2019, p. 2).

Estudos em Direito da Concorrência 297


Amanda Athayde

de guias visando à promoção de orientações e esclarecimentos a


respeito do tema, sendo, portanto, de grande relevância a recente
iniciativa estadunidense.

298 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

INTERLOCKING DIRECTORATES IN BRAZIL: IS


THERE AN ANTITRUST CONCERN IN LIGHT OF
THE RECENT DISCUSSIONS IN THE USA?

Publicado originalmente em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/


artigos/interlocking-directorates-e-as-novas-perspectivas-do-direito-
concorrencial-02062023 em 02/06/2023.

Renê Guilherme S. Medrado

Amanda Athayde

Catarina Lobo Cordão

By the end of 2022, much was said about the proactive approach of
the United States Department of Justice (DoJ)450 involving interlocking
directorates.451 That resulted in the unprecedented resignation of
seven directors of five US companies from different sectors.452
This DoJ action was grounded on Section 8 of the Clayton Act.
According to its terms, interlocking directorates constitutes a per se
violation in the United States, except for three situations deemed to
be less risky, i.e., de minimis.453 After many years without intervention

450 See the United States Department of Justice (DoJ) official statement of October
19, 2022, available at: https://www.justice.gov/opa/pr/directors-resign-boards-five-
companies-response-justice-department-concerns-about-potentially. Accessed on
February 12, 2023.
451 Also known in Portuguese as “conselhos entrelaçados” (intertwined boards),
according to the definition adopted by Sérgio G. Lazzarini in LAZZARINI, Sérgio G.
Capitalismo de laços: os donos do Brasil e suas conexões. Rio de Janeiro: Elsevier,
2011.
452 About discussions on interlocking directorates in Europe, see: THÉPOT, Florence.
Interlocking Directorates in Europe – An Enforcement Gap? In: CORRADI, Marco;
NOWAG, Julian (org.), The Intersections between Competition Law and Corporate Law
and Finance. Cambridge: Cambridge University Press, 2021.
453 “(1) No person shall, at the same time, serve as a director or officer in any two
corporations (other than banks, banking associations, and trust companies) that
are (a) engaged in whole or in part in commerce; and (b) by virtue of their business
and location of operation, competitors, so that the elimination of competition by
agreement between them would constitute a violation of any of the antitrust laws (…)

Estudos em Direito da Concorrência 299


Amanda Athayde

in this area, the issue has caught the antitrust world’s eye again as
interlocking directorates was included as one of the eight priority
antitrust enforcement areas by the Federal Trade Commission (FTC)
in 2021,454 within a wider sphere of action attributed to the Neo-
Brandeisians, attributed to FTC chair, Lina Khan.
According to the Organization for Economic Co-operation and
Development (OECD), interlocking directorates can be harmful to
competition by facilitating the exchange of sensitive information and
the collusion/coordination between competitors explicitly or implicitly
(in case of horizontal interlocking), and causing market foreclosure
(in case of vertical interlocking).455
In order to shed light on the matter, we must first understand the
concept of interlocking directorates in the antitrust context (I). It will
be then possible to analyze the Brazilian context on this matter (II).
Conceptually speaking (I), under competition law, interlocking
directorate occurs when a person - or persons with direct kinship

(2) Notwithstanding the provisions of paragraph (1), simultaneous service as a director


or officer in any two corporations shall not be prohibited by this section if (a) the
competitive sales of either corporation are less than $1,000,000, as adjusted pursuant
to paragraph (5) of this subsection; (b) the competitive sales of either corporation are
less than 2 per centum of that corporation’s total sales; or (c) the competitive sales of
each corporation are less than 4 per centum of that corporation’s total sales.” (ABA.
Interlocking Directorates: Handbook on Section 8 of the Clayton Act, 2011, p. 3) This
rule was a legislative response to competition concerns raised from investigations that
revealed a large number of interlocking directorates between the country’s banking,
rail and industrial sectors. .
454 FTC disclosed the priority antitrust enforcement areas over the next ten years in
2021: https://www.ftc.gov/news-events/news/press-releases/2021/09/ftc-streamlines-
consumer-protection-competition-investigations-eight-key-enforcement-areas-
enable. Accessed on February 12, 2023.
455 OCDE. Antitrust issues involving minority shareholdings and interlocking
directorates. Competition Committee Policy Roundtables, 2008, pp. 11-12. “In particular,
the concerns are that interlocking directorates could lead to horizontal coordination
of the business conduct of competing firms through the exchanges of information,
parallel behavior, or a number of other activities that might affect competition
adversely to the detriment of consumers’ welfare. Interlocking directorates can also
be vertical. Vertical interlocks traditionally have been criticized on the ground that
they can lead to preferential treatment and foreclose rivals, by facilitating reciprocal
or exclusive dealing, tying arrangements, and vertical integration.”

300 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

– serves on the boards of directors456 of more than one company, and


these companies have horizontally or vertically related activities.457
In general, interlocking directorates may (i) be a natural
consequence of the scarcity of qualified labor; (ii) be the result of the
director’s own interest; (iii) arise from third-party actions; or (iv) arise
from the direct actions of one or more companies involved.458
Interlocking directorates may be classified into several types.
Firstly, it is possible to differentiate between horizontal or vertical
interlocking, depending on the relationship between the interlocking
companies, i.e., whether it is a horizontal relationship (competing
companies) or a vertical relationship (companies that are suppliers/
customers of each other).459
Moreover, interlocking directorates can be classified as
direct or indirect. Interlocking will be direct when the same
person simultaneously holds management positions in vertically
or horizontally related companies. On the other hand, indirect
interlocking occurs when there is a bond between executives of
distinct companies, such as, for example, a family relationship.460

456 For Ana Paula Martinez and Mariana Tavares: “historically, the competition
authorities’ concern has focused on the occurrence of the phenomenon within the
Board of Directors, but it can also involve members of the Fiscal Board (Conselho
Fiscal) and Executive Office (Diretoria).” MARTINEZ, Ana Paula; ARAUJO, Mariana
Tavares de. Aquisição de participações minoritárias em concorrentes e interlocking
directorates: aspectos concorrenciais. In MARTINEZ, Ana Paula (org.). Temas atuais
de direito da concorrência. São Paulo: Editora Singular, 2012, p. 18.
457 Thiago Reis further defines: “It is argued, for competition purposes, that
interlocking directorates refers to situations in which competitively related market
players have their management or supervisory bodies linked because of the
accumulation of positions, whether coincident or not, by the same person - or related
persons - or due to the unilateral or reciprocal representation in these bodies.” REIS,
Thiago Nascimento dos. Interligação decisória e o controle das estruturas no Direito
Brasileiro. Revista do Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e
Comércio Internacional - IBRAC, v. 26, pp. 53 - 71, 2014, p. 2.
458 RODRIGUES, Fernanda Sá. Análise dos Interlocking Directorates segundo a
legislação concorrencial brasileira. Faculdade de Direito, Universidade de Brasília
(UnB), Brasília, 2015, p. 20.
459 In general, the per se rule of Section 8 of the Clayton Act is only applicable to
horizontal interlocking.
460 About indirect interlocking, see MENDONÇA, Elvino de Carvalho et al. Interlocking
directorates e o Direito da Concorrência no Brasil: a prática entre rivais e seus aspectos

Estudos em Direito da Concorrência 301


Amanda Athayde

It is important to note that in the United States, most investigations


into interlocking directorates have arisen from information provided
in merger notifications.461 In Brazil, the Administrative Council for
Economic Defense (CADE) requires that applicants provide, upon
notification of the transaction, “a list of members of their management
bodies who are also members of the management or supervisory bodies of
any other companies engaged in the same economic activities”.462 Thus,
the question is: could CADE analyze the information it already has
to begin investigations into interlocking directorates, following the
American stand?
However, unlike the United States, there is no provision in the
Brazilian competition law that prohibits interlocking directorates.463
In this context, it is interesting to mention the recent prohibition
imposed in the Law on Football Corporations (Sociedades Anônimas
do Futebol - SAFs) that a member of a board of directors, fiscal board
(conselho fiscal) or executive office (diretoria) of an SAF cannot be a
member of any management, decision-making or supervisory body,
as well as of an executive body (I) of another SAF or (II) of the original

anticompetitivos. In: MENDONÇA, Elvino de Carvalho et al (orgs.). Compêndio de


Direito da Concorrência: temas de fronteira. São Paulo: Migalhas, 2015.
461 WILBERFORCE, Nana; GREENFIELD, Leon B.; ALONSO, Álvaro Mateo. Interlocking
Directorates under Section 8 of the Clayton Act: driving a 100-year old statute past its
limits? Antitrust Chronicle, v. 3, n. 1, 2023, p. 24.
462 Item II.11 of a Notification Form, pursuant to CADE Resolution 33/2022.
463 In corporate terms, there are two provisions that may address this discussion.
Firstly, Law 1,521/1951 (which deals with crimes against the public welfare) provides,
in its article 3, VIII, that “to hold office in the directorate, board or management of
more than one company or firm in the same branch of industry or commerce with
the purpose of preventing or hindering competition” is a crime against the public
welfare. However, such provision requires specific malice on the part of the agent
and there is no record of a criminal investigation into such conduct. Secondly,
article 147, paragraph 3 of Law 6,404/1976 (known as “Corporation Law”) prohibits
the appointment of a director who also holds office in a competing company as a
member of the company’s board of directors, except when expressly permitted by
the shareholders’ meeting. On the one hand, the rule demonstrates the lawmaker’s
recognition of the potential conflicts involving interlocking directorates and, on the
other hand, it evidences the focus of the restriction on the shareholders’ interests,
rather than on the defense of competition.

302 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

club or legal entity, except the one that originated or set up the SAF
(article 5, paragraph I of Law 14,193/2021).
Once the concept is understood, we move on to analyze the
Brazilian context on this matter (II).
Although interlocking directorates are quite common in Brazil,464
CADE has few decisions on this matter. Moreover, interlocking
directorates are more often investigated in the structural control - a
trend also found in other jurisdictions. 465
In general, in the structural control, the existence of interlocking
directorates is seen as a feature that facilitates the exchange of sensitive
information between companies and is subject to specific competition
remedies.
The negotiation of remedies to mitigate competition concerns
involving interlocking directorates occurred in the following
concentration acts (merger deals): Case No. 08012.002335/00-43 (TAM /

464 Rafael Liza Santos and Alexandre Di Miceli da Silveira analyzed 320 companies
listed on Bovespa between 2003 and 2005 and concluded that 40% of the cases analyzed
involved some kind of interlocking (see SANTOS, Rafael Liza; SILVEIRA, Alexandre Di
Miceli da. Board Interlocking no Brasil: A participação de conselheiros em múltiplas
companhias e seu efeito sobre o valor das empresas. Revista Brasileira de Finanças, v.
5, n. 2, pp. 125–163, 2007, p. 17). Sérgio G. Lazzarini demonstrated, in its research, that
69% of Brazilian companies have one or more directors who also hold management
positions in other companies (see LAZZARINI, Sérgio G. Capitalismo de laços: os
donos do Brasil e suas conexões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 104).
465 OECD. Antitrust issues involving minority shareholdings and interlocking
directorates. Competition Committee Policy Roundtables, 2008, p. 12.

Estudos em Direito da Concorrência 303


Amanda Athayde

Varig case),466 Case No. 53500.012487/2007 (Telefónica / Telecom Italia


case),467 and Case No. 08700.005719/2014-65 (Rumo / ALL case).468
On reviewing Case No. 08700.008532/2013-32 (FI-FGTS / VLI
case), CADE’s General Superintendence (SG/CADE) indicated as
barriers to market coordination the corporate legislation prohibiting
interlocking directorates and Brazilian Securities Commission Ruling
367, which provides for conflicts of interest.469
In Case No. 08700.000658/2014-40 (Minerva / BRF case), SG/
CADE reported that the absence of clear rules prohibiting interlocking
directorates made the incentives and possibility of coordination in
the post-merger scenario considerably greater than in the pre-merger
scenario.470
More recently, in Case No. 08700.004540/2021-10 (Petrobrás /
Compass case), CADE decided not to negotiate competition remedies

466 Applicants: Varig S/A – Viação Aérea Rio Grandense and TAM – Transportes Aéreos
Meridionais S/A. Reporting Commissioner Celso Fernandes Campilongo. Clearance
with conditions on May 2, 2001. CADE approved the transaction on the condition of
execution of a behavioral remedy so as to include in the bylaws of the joint venture to
be formed a prohibition on the accumulation of management or supervisory positions
by persons common to the applicants and the joint venture.
467 Applicants: Mediobanca – Banca di Credito Finanziario S.p.A Intensa Sanpaolo
S.p.A, Sintonia S/A, Assicurazioni Generali S.p.A, and Telefónica S.A. Reporting
Commissioner Carlos Ragazzo. Clearance with conditions on April 28, 2010. CADE
established as one of the conditions of the Performance Commitment Agreement
(TCD) the prohibition on interlocking directorates between the companies. The
TCD also provided for quarantine periods that established that directors and board
members could not work in the other company during a certain period, even after
they leave the original company.
468 Applicants: Rumo Logística Operadora Multimodal S/A and ALL – América Latina
Logística S.A. Reporting Commissioner Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araujo.
Clearance with conditions on February 19, 2015. The prohibition on interlocking
directorates was included in the Merger Control Settlement (ACC) negotiated as a
mechanism to prevent the exchange of sensitive information between the parties.
469 Applicants: VLI S.A and Fundo de Investimento do Fundo de Garantia por Tempo
de Serviço. Clearance without conditions on March 20, 2014.
470 Applicants: BRFS.A. and Minerva S.A. Reporting Commissioner Gilvandro
Vasconcelos Coelho de Araujo. Clearance with conditions on August 26, 2014. The case
was approved upon execution of an ACC, but it is not possible to conclude whether the
problems of interlocking directorates have been addressed.

304 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

involving interlocking directorates as it held that the sector regulation


already limited the practice. 471472
On the other hand, CADE has also signaled the possibility of
reviewing interlocking directorates in the context of behavioral control
in Consultation No. 08700.003340/2013-30. In that consultation, Mr.
Abilio Diniz informed that he held a seat in the Board of Directors of
Companhia Brasileira de Distribuição (CBD) and was the Chairman
of the Board of Directors of BRF, companies that had a vertical
relationship. The case became moot after Mr. Abilio Diniz having
voluntarily discontinued the consultation, informing that he had
resigned from his office at CBD. However, reporting commissioner
Ana Frazão pointed out that: “if any act that characterizes or may
characterize an event of merger deal (article 88 of Law 12,529/2011) or an
anticompetitive practice (article 37 of Law 12,529/2011) is found, it must
be investigated in keeping with the legal provisions”. 473
In investigations involving cartels in public procurement, CADE
has considered (direct or indirect) interlocking directorates as an
indication of the conduct and an element that facilitates collusion.474
This was what happened, for example, in Administrative Proceeding
No. 08012.008184/2011-90, involving a cartel in public procurement in
the municipality of Jahu, State of São Paulo475 and in Administrative

471 Applicants: Compass Gás e Energia S.A. and Petróleo Brasileiro S.A. Reporting
Commissioner Luiz Augusto Azevedo de Almeida Hoffmann. Clearance without
conditions on June 29, 2022.
472 CADE has incidentally dealt with interlocking directorates in other merger deals,
such as in Case No. 08012.003886/2011-87 (Applicants: Novatec – Serviços Educacionais
Ltda., Instituto Grande ABC de Educação e Ensino S/C Ltda., and Anhanguera
Educacional Ltda.) and Case No. 08700.003553/2020-9 (Applicants: Hypera S.A and
Takeda Pharmaceuticals International AG).
473 Inquirer: Abílio dos Santos Diniz. Reporting Commissioner Ana de Oliveira
Frazão. Consultation judged on April 11, 2013.
474 As regards discussions involving the role of independent directors in the
enforcement of fight against cartels, see: CAMPELLO, Murillo; FERRÉS, Daniel;
ORMAZABAL, Gaizka. Whistleblowers on the board? The role of independent directors
in cartel prosecutions, 2015.
475 Complainant: City Council of Jahu/São Paulo. Respondents: Consladel Construtora
e Laços Detetores e Eletrônica Ltda., Ensin Empresa Nacional de Sinalização
e Eletrificação Ltda., Arco-Íris Sinalização Viária Ltda., Faconstru Construção,

Estudos em Direito da Concorrência 305


Amanda Athayde

Proceeding No. 08012.006199/2009-07, involving a cartel in the


procurement of construction materials by the municipality of Lages,
State of Santa Catarina.476
In 2022, CADE set up a preparatory procedure - later converted
into an administrative investigation - to probe into the conducts of
abuse of dominant position, refusal to contract and the interaction
existing between the directors of two companies that, despite not
holding equity interests between them, have common directors.477
In conclusion, Brazil still does not have a clear stand on
interlocking directorates from a competition standpoint. The
American trend of greater focus on conduct may create a global trend,
as it already happened in other conducts (like in conducts involving the
labor market). Thus, we must follow up this matter to see if it will be
back on the Brazilian antitrust radar screen. One should note, however,
the stark distinction as to the lawfulness in both jurisdictions, since in
Brazil there is no provision in the competition law that directly bans
interlocking directorates, although the corporate law imposes certain
restrictions that were used by CADE as sufficient to allay the concerns
raised. A case-by-case review - in light of the corporate and competition
context of the situation - will be crucial to identify possible risks for
publicly or closely-held companies that have interlocking directorates
among their managers.

Sinalização, Administração e Participações Ltda., Ilumi-Tech Construtora Civil


e Iluminação Ltda. and Orbstar Indústria, Comércio e Serviços Ltda. Reporting
Commissioner Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araujo, judged on April 8, 2015.
476 Complainant: Economic Law Office (SDE) ex officio. Respondents: Auto Tintas
Lages Ltda.; Clima Service Refrigeração Ltda.; Climatintas Ltda.; Zago Ferragens
e Materiais de Construção Ltda.; JZago Materiais de Construção Ltda.; Tiago Sandi;
Marcelo Pedro Possamai; Ivandel Cordova Burigo Junior; José Carlos Zago; Carlos
Luciano Zago. Reporting Commissioner Márcio de Oliveira Júnior, judged on
December 17, 2014.
477 Administrative Inquiry No. 08700.004509/2022-60. Complainant: Instituto do
Câncer de Sorriso LTDA. Respondents: Unimed Norte Do Mato Grosso - Cooperativa
De Trabalho Médico (Unimed), CECANS – Centro do Câncer de Sinop LTDA, CECANS
– Centro do Câncer de Sorriso LTDA et al. Case under SG/CADE’s review.

306 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

VENTRÍLOQUOS ANTITRUSTE NO BRASIL?


DAS PARTICIPAÇÕES MINORITÁRIAS INDIRETAS
DE INVESTIDORES INSTITUCIONAIS EM
CONCORRENTES (“COMMON OWNERSHIP”)

Publicado originalmente em: Revista do IBRAC, Volume 24, Número 2,


2018.

Amanda Athayde

Mônica Tiemy Fujimoto

RESUMO
O artigo apresenta debate teórico internacional sobre riscos
concorrenciais das participações minoritárias indiretas de investidores
institucionais em concorrentes (common ownership). Investidores
institucionais têm incentivos para arrefecer a concorrência? Possuem
capacidade de ativamente influenciar as decisões, por meio de
instrumentos diretos (voto e voz), ou passivamente (ausência de ação)?
Há tais preocupações no Brasil? As autoras realizam breve pesquisa
empírica da experiência recente do Cade, e concluem que os critérios
de notificação e análise dos atos de concentração da Lei nº. 12.529/2011
não são suficientes (são ventríloquos). Ao final, sinalizam alternativas
para trazer luz ao tema no debate antitruste nacional.

PALAVRAS-CHAVE
Participações minoritárias indiretas; investidores institucionais;
fundos de investimento; Atos de Concentração; Cade.

KEY WORDS
Common ownership; institutional investors; investment funds;
merger control; Brazilian Competition Authority.

Estudos em Direito da Concorrência 307


Amanda Athayde

1. INTRODUÇÃO

Para COMPARATO (1970), o verdadeiro fulcro do poder, na grande


empresa, é a sua capacidade de investimento. Mas qual a origem
do investimento nos dias atuais? Com a crise de 2008 (FICHTNER;
HEEMSKERK; GARCIA-BERNARDO, 2017), houve um movimento
mundial de transição do investimento direto em ações para o
investimento indireto em fundos (OCDE, 2017). Concomitantemente,
houve a expansão da estratégia de investimento passivo (WILLIAMS;
ORTEGA, 2012), notadamente por parte das “Bid Three” (BlackRock,
Vanguard e State Street). Os investidores perceberam que, ao invés
de investirem diretamente nas empresas, poderiam diversificar seu
portfólio e reduzir sua exposição ao risco se investissem indireta
e passivamente. Cresceram então investimentos dos “investidores
institucionais”.478 Nesse contexto, os anos de 2017 e 2018 vêm sendo
marcados por discussões acadêmicas teóricas e empíricas sobre
os impactos à concorrência de participações minoritárias desses
investidores institucionais em sociedades empresárias concorrentes
(“common ownership”).
No Brasil, a tendência mundial de investimento indireto e
passivo também é verificada, apesar de as empresas familiares ainda
serem dominantes (GORGA, 2009). Investidores institucionais já detêm
relevante importância nas companhias brasileiras (FERREIRA, 2013),
financiam a atividade econômica, propiciam a necessária liquidez às
empresas investidas e pulverizam o capital acionário (AZEVEDO, 2010).
Nesse sentido, questiona-se se apesar de consistirem em investimentos
minoritários, indiretos e passivos, os atos de concentração envolvendo
investidores institucionais, por movimentarem grande monta de
capital, podem alterar a dinâmica concorrencial nos mercados

478 Para fins do presente artigo, “investidores institucionais” são as pessoas jurídicas
com alto poder de investimento, quais sejam: fundos de investimento, fundos de
pensão e seguradoras. Contribuição do Brasil para a OCDE, “The Role of Institutional
Investors in Promoting Good Corporate Governance Practices in Latin America: The
Case of Brasil”, 2008.

308 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

brasileiros? Promoveriam os investidores institucionais um ambiente


pró-competitivo, com a aplicação de recursos e a diluição do poder
de controle479 da empresa? Ou será que, diante da estrutura do poder
econômico altamente concentrada (não pulverizada), entrelaçada
(“capitalismo de laços”, LAZZARINI, 2010) e de perfil familiar, ainda
não teríamos motivos para nos preocupar com esse tema no Brasil?
Para tanto, apresentaremos a discussão teórica estrangeira
sobre participações minoritárias diretas e indiretas de investidores
institucionais em concorrentes (II). Em seguida, exporemos a teoria
e a prática da notificação de atos de concentração de investidores
institucionais no Brasil, para verificar se estas preocupações estão
sendo endereçadas (III). Por fim, apresentaremos conclusões
preliminares (IV).

2. PARTICIPAÇÕES MINORITÁRIAS DIRETAS


E INDIRETAS EM CONCORRENTES: BREVES
ACENOS SOBRE A TEORIA ESTRANGEIRA

As participações minoritárias são subdivididas em três


categorias: (a) participação minoritária unilateral de uma empresa na
outra; (b) participações minoritárias recíprocas entre concorrentes,
e (c) participações minoritárias de investidores institucionais em
concorrentes.
O debate atual tem sua origem nas discussões iniciadas em 2008,
quando a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) realizou roundtable para discutir participações minoritárias
diretas em e entre concorrentes, bem como a questão dos interlocking
directorates (OCDE, 2008b). Neste, centrou-se (a) na participação

479 De acordo com COMPARATO e SALOMÃO FILHO (2005), até a Lei nº. 6.404/1976,
faltava na legislação brasileira uma definição de poder de controle. O conceito previsto
pela lei possui inspiração na definição dada ao poder de controle pela legislação alemã,
de acordo com a qual, a existência de uma situação de controle é reconhecida não só
na hipótese de participação majoritária no capital votante, mas também quando uma
sociedade exerce influência dominante (“beherrshender Einfluss”).

Estudos em Direito da Concorrência 309


Amanda Athayde

minoritária unilateral de uma empresa na outra e (b) nas participações


minoritárias recíprocas entre concorrentes.480 Em que pese tais riscos
das participações diretas em concorrentes (unilateral ou recíproca), a
OCDE sinalizou que a ocorrência de efeitos anticompetitivos depende
de inúmeros fatores que influenciam significativamente os incentivos
da empresa para concorrer, como características estruturais do
mercado e especificidades das partes envolvidas na transação. No
Brasil, essa discussão também foi verificada em pelo menos dois atos
de concentração.481
Mas e os riscos das (c) participações minoritárias indiretas em
concorrentes, por meio dos investidores institucionais, cerne das
novas discussões da OCDE (OCDE, 2017)? Participações indiretas de
investidores institucionais em concorrentes podem fazer com que
as firmas investidas compitam entre si menos intensamente do que
fariam se tivessem diferentes investidores? Apresenta-se a seguir
imagem da evolução da discussão no âmbito da OCDE:

480 Em relação aos possíveis efeitos coordenados ocasionados pelas participações


minoritárias diretas em concorrentes, a OCDE (2008b) observou que conexões
estruturais entre concorrentes podem facilitar a colusão tácita ou expressa, uma
vez que ao acionista minoritário pode ser concedido acesso a informações sobre
a empresa concorrente investida, o que facilita a colusão e o monitoramento
ao acordado. A detenção de participações minoritárias também pode alterar os
incentivos da empresa para descumprir um acordo anticompetitivo ou para entrar em
uma guerra de preços para punir a empresas que descumpram tal acordo. Quanto aos
efeitos unilaterais resultantes de participações minoritárias diretas em concorrentes,
a OCDE (2008b) apontou que, em certas circunstâncias, pode induzir a definição de
políticas de redução da produção no mercado, além de criar incentivos para a empresa
adotar posturas favoráveis ao aumento conjunto da margem de lucro. De acordo com
o relatório, o motivo é simples: se uma empresa adquire ações de um concorrente e,
ao mesmo tempo, concorre de forma agressiva contra ele, as perdas financeiras irão
afetar o investimento.
481 CADE. Ato de Concentração 535500.021373/2010 (Tim/Telefônica) e
08012.009198/2011-21 (CSN/Usiminas). Também, MARTINEZ; TAVARES, 2012.

310 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Preocupação da OCDE em 2008

Preocupação da OCDE em 2017/2018

Estudos em Direito da Concorrência 311


Amanda Athayde

A teoria antitruste estrangeira avançou no sentido de responder


a estes questionamentos. Para PATEL (2017), a preocupação com os
investidores institucionais nos Estados Unidos advém da participação
significativa destes agentes nas companhias: de 70 a 80% do total
das ações ordinárias no país são de investidores institucionais. Além
disso, uma parcela dessas ações é detida em empresas que competem
ativamente entre si no mercado. O autor aponta que esse cenário pode
reduzir os incentivos à concorrência e causar prejuízos à concorrência.
AZAR, TECU e SCHAMLZ (2017) foram pioneiros nos estudos
sobre o tema, tendo realizado pesquisa empírica que correlacionou o
aumento dos preços no mercado com o common ownership. Após este
primeiro trabalho, outros estudos discutiram os possíveis problemas
concorrenciais gerados por investidores institucionais. AZAR, RAINA e
SCHMALZ (2016), por exemplo, constataram, via análise econométrica,
que o common ownership estava associado à cobrança de maiores taxas
de serviços bancários. Estudo subsequente, voltado ao mercado aéreo,
também verificou que o common ownership estava associado a maiores
preços para as passagens, variando de 4% a 12%. ELHAUGE (2016), por
sua vez, relacionou o common ownership à concentração de riqueza nos
Estados Unidos.
Diante de toda essa discussão acadêmica e doutrinária, teórica
e econômica, ao final de 2017 a OCDE realizou roundtable e divulgou
a Nota do Secretariado “Common Ownership by Institutional Investors
and its Impact on Competition” (OCDE, 2017). Segundo o documento,
a aquisição simultânea de participações acionárias em empresas
concorrentes por investidores institucionais tem crescido em diversos
mercados. Isso se devia à crescente popularidade da gestão passiva dos
fundos de investimento, que permite aos investidores a diversificação
das ações e a redução da exposição ao risco de investir em empresas
específicas.
Nesse cenário, POSNER; SCOTT MORTON; WEYL (2017)
correlacionaram em termos econométricos participações
minoritárias indiretas de investidores institucionais em concorrentes
a preocupações competitivas, em especial em mercados concentrados

312 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

(como o setor aéreo, farmacêutico, bancário, de cereais matinais


e de bebidas não alcoólicas). Apontou-se o possível incentivo dos
investidores institucionais em arrefecer a concorrência no mercado,
seja por meio da facilitação à colusão, seja pelo encorajamento a
decisões de negócio unilaterais que beneficiem empresas do próprio
portfólio, possivelmente resultando em maiores preços. Ao privilegiar
as “sinergias” das empresas investidas pelo mesmo investidor
institucional, haveria prejuízo às demais empresas não investidas.
Ademais, o possível arrefecimento da concorrência poderia ser
resultante tanto de práticas diretas do investidor quanto pelo simples
fato de que os gestores das empresas investidas podem ter incentivos
próprios para levar em consideração, na sua tomada de decisão, os
interesses financeiros do investidor.
Assim, o debate atual gira em torno de duas questões principais:
(i) os investidores institucionais que têm participações minoritárias
em diversas empresas concorrentes no mesmo mercado têm
incentivos para arrefecer a concorrência?; e (ii) ainda que tenham
incentivos, esses investidores institucionais possuem a capacidade de
efetivamente influenciar as decisões do conselho de administração e
da diretoria das companhias investidas? POSNER; SCOTT MORTON;
WEYL (2017, p. 14) respondem a estas perguntas dizendo que, “when
institutions have incentive and ability to soften competition, it is likely they
will find a way”.
Para os autores, os (i) incentivos dos investidores institucionais
em arrefecer a concorrência podem ser decorrentes da redução
da competitividade no setor, que resultam em maior lucratividade
e acabam gerando efeitos unilaterais482 ou coordenados483 na
concorrência.

482 Efeitos unilaterais referem-se a aumentos de preço, redução da qualidade, da


variedade e da inovação, sem coordenação com os concorrentes. AZAR, SCHMALZ e
TECU (2014) apontam que esses efeitos unilaterais podem decorrer da passividade do
investidor em não incentivar investimentos em P&D, pesquisas de mercado, guerras
de preço com entrantes no mercado e expansão da capacidade produtiva, que é
prejudicial para a indústria e pode causar o aumento de preços.
483 Efeitos coordenados referem-se às práticas adotadas de modo conjunto pelos
concorrentes. No caso dos investidores institucionais, eles podem atuar como o “mestre

Estudos em Direito da Concorrência 313


Amanda Athayde

Por sua vez, esses investidores institucionais teriam (ii) a


capacidade de ativamente implementar esses incentivos tanto (ii.1)
por meio de instrumentos diretos quanto (ii.2.) por meio de incentivos
implícitos. Dente os (ii.1.) instrumentos diretos que evidenciariam a
capacidade de o investidor institucional influenciar na tomada de
decisão da investida, AZAR, SCHMALZ e TECU (2017) apontam que
dois seriam os principais: (ii.1.1.) voto e (ii.1.2.) voz.
O (ii.1.1.) voto pode ser utilizado para diversos fins, como
escolher o conselho de administração que representará os interesses
do investidor nas decisões de cunho comercial; definir mudanças
substanciais na estratégia empresarial consistentes com seus
objetivos; autorizar ou impedir decisões estruturais ou de aquisições
empresariais; pressionar os administradores, ao usar o voto como
moeda de troca relativamente aos pacotes remuneração destes,
etc. (AZAR, SCHMALZ e TECU; 2017). O voto tende a ser a “última
instância” de instrumentos de influência detidos pelos investidores,
utilizado apenas quando não foi possível utilizar dos mecanismos
mais sutis, como a voz ou a influência implícita. Esse voto também
pode ser utilizado na forma de coalizões com votos detidos por
outros investidores institucionais minoritários (MURACA, FREEMAN;
2017)484.
Por sua vez, a (ii.1.2.) voz também é apontada como um
instrumento direto da capacidade dos investidores institucionais em
influenciar suas investidas. A voz tende a ser exercida por investidores
institucionais preferencialmente em reuniões privativas com CEO’s
das empresas, fora das reuniões formais com acionistas (MCCAHERY;
SAUTNER; STARKS; 2015). Essa voz pode ser manifestada por meio da
divulgação de declarações públicas do investidor institucional sobre o

de cerimônias” (ringmaster) do cartel, passando informações entre as empresas


concorrentes e monitorando o cumprimento das decisões. Assim, o investidor seria
beneficiado com os maiores lucros obtidos por cada uma das empresas investidas.
(ROCK; RUBINFELD, 2017).
484 Há diversos artigos, porém, que questionam a ideia de que o voto pode ser um
canal direto dos investidores institucionais para encorajarem a implementação de
condutas anticompetitivas das suas investidas (O’BRIEN, WAEHRER; 2017).

314 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

encaminhamento preferido em uma determinada tomada de decisão,


solicitando a representação do conselho de administração (CHEN;
2016).485
Para além do voto e da voz, há também os já mencionados
instrumentos de (ii.2.) incentivo implícito para a tomada de decisão
da companhia investida (AZAR, SCHMALZ e TECU, 2017). Nesse
sentido, diversos autores (AZAR, 2017; PATEL, 2017; e ELHAUGE,
2016) apontam que comunicações diretas entre os investidores e a
gestão da empresa investida não são necessárias para que os efeitos à
concorrência se manifestem. Os autores apontam para a pressão que
pode ser exercida pela ameaça implícita de o investidor vender suas
ações caso o administrador não siga a estratégia de mercado sugerida
pelo investidor, fato que poderia ensejar na queda do preço das ações
e teria um impacto direto nos incentivos da gestão da empresa (AZAR,
SCHMALZ, TECU; 2017). Ademais, a gestão da companhia investida
tende a não desejar manifestações públicas de descontentamento de
investidores institucionais com suas tomadas de decisão, influenciando
implicitamente, portanto, a própria tomada de decisão. Ainda,
ELHAUGE (2016) aponta que pode haver um senso de que a tomada de
decisão alinhada com o investidor institucional pode garantir suporte
deste para futuras eleições do gestor em futuras eleições, aumentando
chances de trabalho futuras aos indivíduos envolvidos nas transações
(como os administradores) e de melhores compensações financeiras.
POSNER, MORTON e WEYL (2017), nessa mesma linha, sobre
o uso do voto, da voz e dos incentivos implícitos por investidores
institucionais sobre empresas investidas, apontam para algumas
possíveis estratégias comuns verificáveis no mercado. Primeiro, os
investidores institucionais podem recomendar aos CEO’s estratégias
de aumento de lucros mediante elevação dos preços. Como os CEO’s
da companhia sabem que o investidor institucional pode se comunicar

485 Há diversos artigos, porém, que questionam a ideia de que a voz também possa
ser um canal direto de os investidores institucionais encorajarem a implementação
de condutas anticompetitivas das suas investidas (ROCK; RUBINFELD, 2017; ÇELIK,
ISAKSSON, 2014)

Estudos em Direito da Concorrência 315


Amanda Athayde

com o CEO da outra empresa concorrente, há uma maior segurança


quanto a esse aumento de preços paralelo. Caso um dos CEOs não
siga a política sugerida pelo investidor institucional, este investidor
pode utilizar votos contrários e influenciar os votos dos outros
membros do conselho. Uma segunda estratégia seria aquela em que
o investidor institucional propõe pacotes de incentivos para o CEO,
de modo a reduzir seus incentivos em concorrer contra rivais. Isso é
especialmente relevante em mercados oligopolísticos, em que, ao invés
de concorrer para conquistar parcela de mercado do concorrente em
determinado mercado, os administradores escolham aumentar o nível
total de lucros, de modo que este mecanismo de compensação reduz a
concorrência no mercado. Ademais, uma terceira estratégia apontada
pelos autores é a de que o investidor pode bloquear, por meio do seu
voto, lances de investidores ativos interessados em estabelecer uma
concorrência agressiva.
Por fim, os autores AZAR, SCHMALZ e TECU (2017) apontam
que, para além das atitudes que evidenciam a capacidade de
efetivamente influenciar as decisões do conselho de administração e
da diretoria das companhias investidas, seja por meio de instrumentos
diretos (como voto e voz) ou por incentivos implícitos, (ii.3.), existe a
capacidade de passivamente implementar esses incentivos (ausência
de ação de um investidor institucional), que pode resultar em efeitos
anticompetitivos. “Investidores preguiçosos”486 podem não insistir na
implementação de determinadas estratégias que sejam determinantes
para a expansão da empresa e, dessa forma, o nível de competitividade
em um determinado mercado é arrefecido. Por exemplo, a passividade
do investidor em não incentivar investimentos em P&D, pesquisas de
mercado, guerras de preço com entrantes no mercado e expansão da
capacidade produtiva tende a ser prejudicial para a indústria e pode
causar o aumento de preços.
Diante do exposto, e com base nas pesquisas acadêmicas
realizadas na literatura estrangeira, as autoras consolidam na

486 Tradução livre de “Lazy investors”.

316 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

imagem e na tabela abaixo as principais preocupações concorrenciais


quanto aos incentivos à capacidade dos investidores institucionais de
influenciar a tomada de decisão das investidas, tanto por meio de uma
atuação ativa (direta, utilizando voto e voz, ou por meio de incentivos
implícitos) quanto passiva, em possíveis riscos à concorrência.

Tipo de atuação Instrumento Meio de implementação Exemplos

(I) Vota em mem-


bros do Conselho
de Administração
alinhados às suas
estratégias, que
representarão
seus interesses
nas decisões de
cunho comercial
(II) Vota para alterar
a remuneração dos
administradores
para pressionar a
Investidor institucional
ATUAÇÃO ATI- gestão da empresa
utiliza do seu direito
VA do investidor (III) Vota de modo
(ii.1.1.) voto para fim de
institucional para contrário ao CEO
garantir que determina-
incentivar as em- que não implemen-
(ii.1.) Ins- da estratégia (como o
presas a compe- tou sua estraté-
trumentos aumento de lucros me-
tirem de forma gia e se utiliza de
diretos diante elevação dos pre-
menos agressiva votos contrários e
ços) seja implementada
no mesmo sentido
influenciar os votos
dos outros mem-
bros do Conselho
de Administração.
(IV) Vota para
bloquear lances
de investidores
ativos interessados
em estabelecer
uma concorrên-
cia agressiva.

Estudos em Direito da Concorrência 317


Amanda Athayde

(I) Requisita assen-


Investidor institucio-
ATUAÇÃO ATI- tos no Conselho
nal utiliza da (ii.1.2) voz
VA do investidor de Administração
para fim de garantir que
institucional para (ii.1.) Ins- (II) Comunica-se
determinada estraté-
incentivar as em- trumentos com o CEO da so-
gia (como o aumento
presas a compe- diretos ciedade investida
de lucros mediante
tirem de forma concorrente para
elevação dos preços)
menos agressiva permitir o alinha-
seja implementada
mento estratégico

(I) Propõe pacotes


de incentivo para
o CEO reduzir seus
incentivos para
concorrer contra
rivais e aumen-
tar o nível total de
Investidor institucional lucros (sobretu-
ATUAÇÃO ATI-
utiliza de incentivos do em mercados
VA do investidor
implícitos para fim de oligopolísticos)
institucional para
garantir que determina- (II) Ameaça vender
incentivar as em- (ii.2.) Incenti-
da estratégia (como o suas ações caso o
presas a compe- vos implícitos
aumento de lucros me- administrador não
tirem de forma
diante elevação dos pre- siga a estratégia de
menos agressiva
ços) seja implementada mercado sugerida
pelo investidor, fato
que poderia ensejar
na queda do preço
das ações e teria
um impacto direto
nos incentivos da
gestão da empresa

ATUAÇÃO PASSI- Não incentivar investi-


VA do investidor mentos em P&D, pesqui-
(I) Postura não
institucional para sas de mercado, guerras
proativa na suges-
incentivar as em- (ii.3.) Ausên- de preço com entrantes
tão de medidas
presas a compe- cia de ação no mercado e expansão
que poderiam
tirem de forma da capacidade produ-
gerar eficiências
menos agressiva ou tiva, que pode causar
incentivar a colusão o aumento de preços

Em contraste à literatura apresentada, que identifica riscos


concorrenciais do common ownership, há autores que descrevem
possíveis efeitos benéficos da participação minoritária de investidores
institucionais em concorrentes. HE e HUANG (2017) apontam para
a geração de eficiências similares àquelas associadas à realização de

318 Estudos em Direito da Concorrência


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uma operação de concentração econômica, com a redução de custos,


coordenação de pesquisa e desenvolvimento e compartilhamento de
conhecimento. Ademais, BAKER (2016) sinaliza benefícios potenciais
da diversificação acionária no mercado de capitais. Tais alegados
benefícios, porém, também são alvo de críticas de outros autores,
como ELHAUGE (2016), para quem as alegadas eficiências não seriam
benéficas aos consumidores.
Uma vez apresentada a discussão acadêmica estrangeira sobre
as participações minoritárias indiretas de investidores institucionais e
seus possíveis riscos à concorrência, cumpre discutir: trata-se de um
problema antitruste no Brasil?

3. TEORIA E PRÁTICA SOBRE ATOS DE CONCENTRAÇÃO


ENVOLVENDO INVESTIDORES INSTITUCIONAIS NO BRASIL

No Brasil, quando da realização de um investimento que possa


resultar em concentração econômica, caso sejam preenchidos os
critérios de notificação da Lei de Defesa da Concorrência (artigo 88
da Lei nº. 12.529/2011), estes devem ser apresentados ao Cade. Ocorre
que, semelhantemente à maioria das jurisdições antitruste no mundo
(OCDE, 2017, p. 6), o Brasil não aplica o controle de estruturas à simples
aquisição de participação minoritária na empresa investida, quando
esse investimento não confere o poder de materialmente influenciar
a empresa investida. Trata-se da tradicional distinção antitruste
entre participação acionária com controle (“controlling minority
shareholdings”) e participação acionária sem controle (“non-controlling
minority shareholdings”) – com outras nuances no direito societário.
No caso específico das notificações de operações envolvendo
fundos de investimento (que é um dos tipos de investidores
institucionais), há regulamentação específica a ser seguida pelos
agentes econômicos no mercado no Brasil. Inicialmente era aplicável

Estudos em Direito da Concorrência 319


Amanda Athayde

o art. 4º, §2º da Resolução 2/2012487, que deu lugar à Resolução 9/2014,
que restringiu a compreensão do que se considerava grupo econômico
no caso dos fundos de investimento.488 A nova mudança limitou o
número dos atos de concentração a serem notificados ao Cade, na
medida que restringiu as empresas que seriam englobadas no mesmo
grupo no cálculo do faturamento.489 Apesar de tal modificação, os
fundos sob a mesma gestão e o gestor do fundo continuaram como
informações a serem prestadas no formulário de notificação.490
Dentre as informações a serem apresentadas no formulário
de notificação, o fundo de investimento deverá indicar os grupos
econômicos a que pertencem as partes diretamente envolvidas na
operação e fornecer uma lista de todas as pessoas físicas ou jurídicas
pertencentes aos grupos econômicos, com atividades no território
nacional. Apesar da exigência de apresentar a estrutura societária do

487 A Resolução 2/2012 considerava como parte integrante do grupo econômico,


para fins de cálculo de faturamento para notificação dos atos de concentração que
envolvessem fundos de investimento, cumulativamente: Os fundos que estivessem
sob a mesma gestão; I O gestor; II Os cotistas que detivessem direta ou indiretamente
mais de 20% das cotas de pelo menos um dos fundos do inciso I; e III As empresas
integrantes do portfólio dos fundos em que a participação direta ou indiretamente
detida pelo fundo seja igual ou superior a 20% do capital social ou votante.
488 Nos termos da nova redação pela Resolução 9/2014 dada ao art. 4º, §2º da
Resolução 2/2012, no caso dos fundos de investimento, são considerados integrantes
do mesmo grupo econômico, cumulativamente: I O grupo econômico de cada cotista
que detenha direta ou indiretamente participação igual ou superior a 50% das cotas
do fundo envolvido na operação via participação individual ou por meio de qualquer
tipo de acordo de cotistas; e II As empresas controladas pelo fundo envolvido na
operação e as empresas nas quais o referido fundo detenha direta ou indiretamente
participação igual ou superior a 20% do capital social ou votante.
489 Foram retiradas do grupo econômico o gestor, os fundos sob a mesma gestão e
o critério do inciso III (“Os cotistas que detivessem direta ou indiretamente mais de 20%
das cotas de pelo menos um dos fundos do inciso I”), que foi substituído por critério
mais restrito, qual seja: (I. “O grupo econômico de cada cotista que detenha direta ou
indiretamente participação igual ou superior a 50% das cotas do fundo envolvido na
operação via participação individual ou por meio de qualquer tipo de acordo de cotistas”).
490 Relembra-se que os critérios apontados são parâmetros para a notificação ou não
de um ato de concentração ao Cade, e servem como um filtro das operações que são
analisadas pela autoridade. Cumpridos tais requisitos, quando da notificação do ato
de concentração, o fundo de investimento que for parte na operação – sumária ou
ordinária – deverá apresentar uma série de informações, tal qual identificado no item
II.5. dos Anexos I e II da Resolução 2/2012 do Cade.

320 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

grupo econômico, os requisitos para inclusão de empresas no mesmo


grupo econômico ainda recaem sobre o critério de controle.491
Por sua vez, na análise dos grupos econômicos para o cálculo
de faturamento e na apresentação de informações sobre o grupo
econômico no formulário de notificação dos outros investidores
institucionais (tais como fundos de pensão e seguradoras), adota-se o
mesmo critério aplicável às demais empresas, nos termos do artigo 4º,
§ 1 da Resolução 2/2012, após alterações da Resolução 9/2014.492
Conforme se pode notar, os critérios para análise do faturamento
do grupo econômico são bem distintos quando se trata de fundos
de investimento. Enquanto para as empresas em geral não se aplica
o critério do inciso I, do art. 4º, §2º da Resolução 2/2012 e não se
consideram “as empresas nas quais o referido fundo detenha direta ou
indiretamente participação igual ou superior a 20% do capital social ou
votante”, no caso dos fundos não são consideradas as participações
entre 20-50% detidas pelas empresas controladas pelo fundo. Isso
porque se considera “o grupo econômico de cada cotista que detenha
direta ou indiretamente participação igual ou superior a 50% das cotas do
fundo envolvido na operação via participação individual ou por meio de
qualquer tipo de acordo de cotistas”.
Observa-se que, apesar do critério mais amplo de análise do
grupo econômico no formulário de notificação, é possível que, com
os critérios de submissão e de cálculo de faturamento constantes no
artigo 88 da Lei nº. 12.529/2011 e no artigo 4º da Resolução 2/2012, as

491 Critérios: (a) o fundo envolvido na operação; (b) os fundos que estejam sob a
mesma gestão do grupo envolvido na operação; (c) o gestor; (d) os grupos dos cotistas,
conforme definidos no item II.5.1, que detenham direta ou indiretamente mais de
20% das cotas do fundo envolvido na operação; (e) as empresas controladas pelo
fundo envolvido na operação e as empresas nas quais o referido fundo detenha direta
ou indiretamente participação igual ou superior a 20% do capital social ou votante; e
(f) as empresas controladas pelos fundos que estejam sob a mesma gestão do fundo
envolvido na operação e as empresas nas quais esses fundos detenham direta ou
indiretamente participação igual ou superior a 20% do capital social ou votante.
492 Art. 4º, §1º da Resolução 2/2012Resolução 2/2012: I As empresas que estejam sob
controle comum, interno ou externo; II As empresas nas quais qualquer das empresas
do inciso I seja titular, direta ou indiretamente, de pelo menos 20% (vinte por cento)
do capital social ou votante.

Estudos em Direito da Concorrência 321


Amanda Athayde

aquisições de participações minoritárias em concorrentes inferiores


ao piso de 20% sequer cheguem a ser analisadas pelo Cade. Isso porque,
apesar de o artigo 10º da Resolução 2/2012 endereçar o problema de
aquisições diretas em concorrentes estabelecendo um piso de 5% para
as operações nas quais um concorrente adquire ações de outro, não
são abarcadas as hipóteses de aquisição por investidor comum entre
os concorrentes.
Ante o exposto, observa-se que, apesar de fundos de investimento,
seguradoras e fundos de pensão serem investidores institucionais,
critérios diversos de notificação e análise dos atos de concentração
são aplicados para tais agentes, alterando os casos que passam pelo
crivo do Cade. Ainda assim, em nenhum dos casos a participação do
investidor institucional em empresas concorrentes é analisada quando
abaixo do piso de 20%, dado que a preocupação tradicional se centra
na detenção de participações em empresas concorrentes e se aplica
apenas às participações diretas detidas pelo próprio concorrente,
e não aos casos nos quais os concorrentes possuem um investidor
comum ( justamente o cenário de “common ownership”).
Os critérios estabelecidos para análise da concentração oriunda
de fundos de investimento no âmbito do Cade centram-se sobretudo
na noção de controle prevista na Lei nº. 6404/76 (art. 116), ou exigem
uma participação acionária de no mínimo 20% do capital social
ou votante – caracterizadoras, nos termos da LSA, de “influência
significativa” (art. 243). Se considerado o mínimo de 20% insuficiente
para análise dos possíveis efeitos anticompetitivos gerados pelos
investidores institucionais, o critério de 5% de participação acionária
entre concorrentes deveria ser aplicado aos casos nos quais existe
um investidor comum? Ora, existem nuances quanto ao exercício de
poder na sociedade empresária, não vinculadas ao conceito de poder
de controle, tais como influência significativa, influência relevante,
interesses financeiros e contatos interpessoais, nos termos de
RODRIGUES (2016).
Será que esse tipo de influência mais sutil, resultante do
processo de “fragmentação do controle”, não estaria passando ao largo

322 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

das preocupações antitruste no Brasil no que tange às participações


minoritárias indiretas de investidores institucionais em concorrentes?
A hipótese das autoras é que os atuais critérios de notificação não são
suficientes para análise de atos de concentração com participações
minoritárias de investidores institucionais em concorrentes. Para
evidenciar tal hipótese, as autoras passam a uma breve pesquisa
empírica.

4. PESQUISA EMPÍRICA DA EXPERIÊNCIA RECENTE


DO CADE NA NOTIFICAÇÃO E ANÁLISE DE ATOS DE
CONCENTRAÇÃO ENVOLVENDO INVESTIDORES
INSTITUCIONAIS (FUNDOS DE INVESTIMENTO) NO BRASIL

Da pesquisa empírica realizada por estas autoras, entre junho de


2012 e setembro de 2014494 (ou seja, nos vinte e oito meses de vigência
493

da redação anterior da Resolução 2/2012 do Cade), foram notificados


pelo menos 84 atos de concentração por fundos de investimento.495
Por sua vez, entre outubro de 2014496 e setembro de 2017497 (ou seja, nos
vinte e quatro meses de vigência da nova redação da Resolução 2/2012
do Cade), foram notificados pelo menos 78 atos de concentração por

493 A amostra considera os dados a partir de junho de 2012 tendo em vista que a Lei
nº. 12.529/2011 entrou em vigor a partir de 29 de maio de 2012.
494 A amostra considera os dados até setembro de 2014 dado que a nova redação da
Resolução 2/2012 do Cade entrou em vigor a partir de 1º de outubro de 2014.
495 Dentre estes 84 atos de concentração, 14 consubstanciavam aquisição/
consolidação de controle (16,6%), 61 tratavam de aquisição de participação acionária
sem aquisição/consolidação de controle (62,6%) e 9 refletiam outro tipo de operação
(10,7%). Dentre as 14 operações relativas a aquisição/consolidação de controle, 5
delas eram referentes ao mercado de incorporação imobiliária e os outros 9 a outros
mercados. Por sua vez, das 61 operações de aquisição de participação acionária sem
aquisição/consolidação de controle, 13 também estavam relacionadas ao mercado de
incorporação imobiliária, 5 de energia elétrica, 3 de hotelaria e 2 de saúde, sendo que
todos as demais 39 operações em mercados variados.
496 A amostra considera os dados a partir de outubro de 2014 dado que a nova redação
da Resolução 2/2012 do Cade entrou em vigor a partir de 1º de outubro de 2014.
497 A amostra considera os dados até setembro de 2017 dado que o mesmo foi
elaborado em outubro de 2017.

Estudos em Direito da Concorrência 323


Amanda Athayde

fundos de investimento.498 499 Diante de um cenário global, dos 162500


atos de concentração notificados ao Cade por fundos de investimento,
é possível se alcançar as seguintes conclusões preliminares a respeito
dos atos de concentração notificados ao Cade que, das operações que
envolvem diretamente fundos de investimento:

• a maioria (107 operações, 66%) trata da aquisição de


participação acionária sem aquisição/consolidação de
controle, e apenas uma pequena parcela (37 operações,
22,8%) consubstancia aquisição/consolidação de controle;
• não se observa um setor econômico de atuação mais intensa
dos fundos de investimento, com destaque para operações
no mercado de incorporação imobiliária (29 operações,
17,9%) e energia elétrica (13 operações, 8%);
• apesar da alteração dos critérios de abrangência do grupo
econômico dos fundos de investimento, houve uma redução
pequena do número de operações notificadas (84 operações
se reduziram para 78).

Pela pesquisa jurisprudencial das autoras, não foi possível


identificar ainda nenhum ato de concentração julgado em que
houvesse a sinalização da preocupação com a participação minoritária
indireta de investidores institucionais em concorrentes (common

498 Dentre estes 78 atos de concentração, 23 consubstanciavam aquisição/


consolidação de controle (29,4%), 46 tratavam de aquisição de participação acionária
sem aquisição/consolidação de controle (58,9%) e 9 refletiam outro tipo de operação
(11,5%). Dentre as 23 operações relativas à aquisição/consolidação de controle, 6
estavam relacionadas ao mercado de incorporação imobiliária, 3 de energia elétrica
e 14 em mercados variados. Por sua vez, das 46 operações que tratavam de aquisição
de participação acionária sem aquisição/consolidação de controle, 5 tratavam do
mercado de incorporação imobiliária, 5 de energia elétrica e todos os 35 restantes
variados.
499 Os atos de concentração foram classificados utilizando-se as palavras-chave
“fundos”, “fund”, “FIP”, “FII” e “equity” no banco de pesquisa da Superintendência-
Geral do Cade:
500 Esclarece-se que essas conclusões não representam necessariamente a realidade
completa dos investimentos realizados pelos fundos de investimento no Brasil, já que
apenas uma parcela dessas concentrações econômicas é notificada ao Cade.

324 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

ownership). Esse fato se dá, possivelmente, pelo fato de os critérios


para notificação de fundos de investimento serem bastante restritos, e
a análise realizada pela autarquia não abarcar participações inferiores
a 20%, centrando-se no poder de controle. Ademais, como o critério
de notificação por aumento de, pelo menos, 5% no capital votante,
inclui apenas as empresas concorrentes ou que atuem em mercados
verticalmente relacionados, tais casos não vêm sendo analisados pelo
Cade.
Em que pese este cenário, a preocupação com o common
ownsership poderia ser suscitada em um caso recente julgado pelo
Cade. Trata-se da tentativa de Ato de Concentração entre as empresas
Kroton e Estácio, ambas atuantes no mercado de educação presencial
e à distância no Brasil (AC 08700.006185/2016-56)501. As causas da
reprovação disseram respeito a riscos concorrenciais da própria
operação, mas para além das preocupações antitruste apontadas, é
notar a participação minoritária de um mesmo investidor institucional
em ambas as concorrentes Kroton e Estácio: 10,3% das ações da Estácio
e 4,5% da Kroton502.
Este investidor institucional (a Coronation Fund Managers)
opinou publicamente com relação ao valor da oferta: “a oferta da
Kroton representa a opção preferível para acionistas da Estácio no longo
prazo”, complementando, ainda que “gostaria de alertar a administração
da Estácio a não exigir um prêmio injustificado que colocasse a operação
proposta pela Kroton em risco”, evidenciando interesse em um prêmio
“justo”. Ademais, antes da submissão da operação ao Cade, este
investidor institucional votou favoravelmente à fusão na assembleia
geral de acionistas de ambas as sociedades concorrentes503, o que
evidencia a sua capacidade de influenciar diretamente, por meio

501 O caso foi julgado pelo CADE na sessão de julgamento do dia 28/06/2017, quando
se decidiu pela reprovação da operação. Fonte http://www.cade.gov.br/noticias/
aquisicao-da-estacio-pela-kroton-e-vetada-pelo-cade
502 Ver matéria publicada na revista Exame, em 01/07/2016. https://exame.abril.com.
br/negocios/quem-e-o-coronation-fundo-com-acoes-da-estacio-e-da-kroton/
503 Op. Cit.

Estudos em Direito da Concorrência 325


Amanda Athayde

do exercício do direito de voto, as companhias investidas, tal qual


apontado pelos autores AZAR, SCHMALZ e TECU (2017).
Assim, questiona-se: a decisão de apoio à operação pelo investidor
institucional foi motivada pela eficiência que ela acarretaria para as
empresas ou pelos lucros que o investidor obteria individualmente
em cada sociedade investida? Será que a decisão pela operação, desde
o primeiro momento, foi influenciada justamente por conta dessas
participações minoritárias indiretas dos investidores institucionais,
que já poderiam estar arrefecendo a concorrência entre as empresas,
seja por meio de sua atuação ativa ou por sua atuação passiva?
Apesar de a análise da participação do investidor institucional
não ter sido objeto de discussão do Cade, este Ato de Concentração
envolvendo Kroton, Estácio e a Coronation Fund Managers é um
relevante indicativo de como é possível que investidores institucionais
tenham incentivos e capacidade de influenciar processos decisórios
nas empresas investidas, ainda que com participações minoritárias
indiretas em concorrentes, com a potencialidade de ocasionar efeitos
anticompetitivos no Brasil. Diante do incremento das atividades
no mercado de capitais no Brasil, é possível então que novos casos
notificados ao Cade, no futuro, tenham que enfrentar essa discussão,
da mesma forma que a Comissão Europeia teve que enfrentar pela
primeira vez o tema em 2017, na recente análise do caso Dow/DuPont504.

5. CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, conclui-se que um investidor


institucional detentor de participações minoritárias indiretas pode
alterar a dinâmica concorrencial do mercado mesmo sem deter o
poder de controle. Existem nuances quanto ao exercício de poder
na sociedade empresária, não vinculadas ao conceito de poder de

504 Cf. matéria publicada em 19/02/218 no site Global Competition Review, “DG
Comp looking into common ownership, says Vestager”, disponível em: https://
globalcompetitionreview.com/article/1159160/dg-comp-looking-into-common-
ownership-says-vestager (Acesso em 04/09/2018).

326 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

controle, tais como influência significativa, influência relevante,


interesses financeiros e contatos interpessoais, que podem resultar
em estratégias comerciais com potenciais efeitos anticompetitivos.
Além de possuir incentivos para influenciar a tomada de decisão
nas investidas, o investidor institucional pode deter a capacidade de
efetivamente exercer tal influência, seja por meio de instrumentos
diretos (como voto e voz), por meio de incentivos implícitos ou por
meio da sua atuação passiva (ausência de ação). Em que pese isso,
a legislação antitruste brasileira e a jurisprudência do Cade ainda
não endereçam de modo apropriado a questão dos investidores
institucionais. O atuais critérios de notificação não são suficientes
para análise de atos de concentração com participações minoritárias
de investidores institucionais em concorrentes.
Como incluir então essa pauta de preocupação com o common
ownership na análise dos atos de concentração? O debate internacional
aponta para alternativas do ponto de vista das leis existentes e para
alterações legislativas para endereçar claramente essa preocupação,
seja pelo estabelecimento de limites máximos de participação no
capital social, seja pela criação de “safe harbours” abaixo dos quais não
haveria preocupações antitruste505. Há debates, ademais, no sentido
de que o controle de atos de concentração talvez não seja a única
fundamentação legal possível para se analisar os desafios decorrentes
dessas participações minoritárias indiretas de investidores
institucionais em concorrentes. Suscita-se, por exemplo, a aplicação de
regras que vedam acordos anticompetitivos quando a participação no
capital social for um instrumento para influência a conduta comercial
do concorrente, ou mesmo a aplicação de regras que vedam o abuso
de posição dominante (OCDE, 2017, p. 8). Além disso, no âmbito das

505 Sobre a proposta de criação de safe harhours para o “common ownership”, ROCK e
RUBINFELD propõem que participações minoritárias abaixo de 15%, sem que haja
representatividade do investidor institucional no conselho de administração, seria
considerado seguro e não levantaria preocupações antitruste.( ROCK, RUBINFELD,
2017). Por sua vez, uma proposta mais restrita de safe harbour é proposta por O’BRIEN,
WAEHRER (2017). Essa proposta, porém, tampouco está imune a críticas: ELHAUGE,
2017.

Estudos em Direito da Concorrência 327


Amanda Athayde

ações que podem ser realizadas por meio de iniciativas das empresas
para evitar possíveis efeitos coordenados, a literatura internacional
sugere (ROCK, RUBINFELD, 2017) que os investidores institucionais
implementem uma política de compliance que minimize os riscos de
coordenação entre as investidas (ex. abstendo-se de discutir preços ou
variáveis concorrencialmente sensíveis que favorecem colusivos).
E no Brasil, como incluir então essa pauta de preocupação com
o common ownership na análise dos atos de concentração? A nosso
ver, não é possível evitar o debate, em que pese o mercado de capitais
brasileiro não possuir, ainda, estrutura notoriamente pulverizada, que
favorece a atuação dos investidores institucionais. Diante da análise
da legislação antitruste brasileira (Lei nº. 12.529/2011 e Resolução
9/2014) e da jurisprudência do Cade (evidenciada pela pesquisa
empírica conduzida pelas autoras), os critérios de notificação
mostraram-se insuficientes para a análise de atos de concentração
envolvendo participações minoritárias de investidores institucionais
em concorrentes. Talvez sejam, então, necessários parâmetros mais
rigorosos para os critérios de notificação e de análise dos atos de
concentração envolvendo investidores institucionais, para que os
investidores institucionais não ajam como ventríloquos passíveis de
disfarçar problemas antitruste advindos de participações indiretas
em concorrentes. No entanto, a nosso ver esse debate deve ser
multidisciplinar, e não circunscrito à seara antitruste. Isso porque, em
termos societários, por exemplo, é possível que esse mesmo fato gere
questionamentos sobre um possível abuso do direito de voto e/ou o
voto em conflito de interesses do investidor institucional (Art. 115 Lei
nº. 6404/76), já que tinha interesse em ambas as sociedades envolvidas
na operação de concentração econômica.
Dessa forma, esperamos que este trabalho seja um ponto de
partida para a discussão, que ainda se encontra incipiente no Brasil.
Entendemos ser imperiosa uma análise multidisciplinar sobre o tema
da participação minoritária indireta de investidores institucionais em
concorrentes (“common ownership”), aliando especialistas públicos
e privados da seara antitruste com outros do direito societário, do

328 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

mercado de capitais, do mercado financeiro, de seguros, economistas,


econometristas, bem como da comunidade acadêmica. Apenas com
esse esforço coordenado de compreensão é que será possível, na visão
das autoras, responder satisfatoriamente uma pergunta subsequente
àquela inicial proposta e respondida neste trabalho: cientes que as
participações minoritárias indiretas de investidores institucionais
em concorrentes podem causar impactos à concorrência no Brasil,
qual deve ser o grau dessa preocupação e quais os meios mais
adequados para endereçá-la, uma vez constatados que os possíveis
efeitos anticompetitivos das participações minoritárias indiretas dos
investidores institucionais em concorrentes ainda não estejam sendo
endereçados?

Estudos em Direito da Concorrência 329


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

GUN JUMPING, CONTROLE PRÉVIO


DE ESTRUTURAS E O CADE

Publicado originalmente em: Revista do IBRAC, Ano 19, julho/dezembro


2012.

Amanda Athayde

RESUMO: A Lei n. 12.529/2011 alterou a dinâmica de apresentação


dos atos de concentração no Brasil, ao exigir a notificação prévia dos
atos de concentração. Anteriormente, sob a égide da Lei n. 8.884/94,
existia um sistema de controle posterior de estruturas, em que as
empresas submetiam o negócio jurídico à análise da autoridade
concorrencial apenas após a sua consumação. A partir de 29 de maio
de 2012, porém, o artigo 88, §§2º e 3º, desta Lei n. 12.529/2011 entrou
em vigor para exigir que o controle dos atos de concentração no Brasil
seja prévio e que as operações não possam ser consumadas antes
de apreciadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(CADE). Essa alteração legislativa trouxe consigo um novo desafio
para o CADE, que é delinear, em casos concretos, os limites entre um
processo de concentração econômica legítimo e uma prática ilegal de
Gun Jumping. Nesse contexto, o presente artigo visa a analisar essa
suposta conduta anticompetitiva praticada em sede de controle de
estruturas, decorrente, sobretudo, da troca indevida de informações
e/ou da integração prematura entre as empresas em processo de
concentração econômica. Para tanto, inicialmente faz-se uma breve
exposição sobre a teoria e a prática do Gun Jumping na experiência
internacional, tanto norte-americana quanto em outras jurisdições
(Bélgica, Canadá, Espanha, Grécia, Israel, Holanda, República Tcheca,
Rússia, União Européia). Em seguida, são propostos critérios para uma
análise de Gun Jumping pelo CADE, considerando as preocupações
com a manutenção do nível de concorrência durante o controle prévio
de estruturas. A proposição consiste em lista não exaustiva de itens
passíveis de gerar – ou não – preocupação concorrencial, relativamente

Estudos em Direito da Concorrência 331


Amanda Athayde

a (i) cláusulas do acordo de concentração econômica, (ii) atividades


realizadas pelas partes em processo de concentração econômica e (iii)
troca de informações entre essas partes. Desse modo, com o presente
artigo espera-se contribuir para a promoção de maior segurança
jurídica às partes em processo de concentração econômica, por meio
da sugestão de critérios para se considerar ilegal ou não uma suposta
prática de Gun Jumping.
PALAVRAS-CHAVE: Notificação prévia de atos de concentração
– Conduta anticompetitiva – Lei n. 12.529/2011 – Gun Jumping.

ABSTRACT: The Law N. 12.529/2011 changed the dynamics


of presentation of merger reviews in Brazil, by requiring previous
notification. Previously, under the aegis of the Law N. 8.884/94, there
was an ex post system of merger reviews, in which the enterprises
subjected the legal deals to analysis from competitive authority only
after consummation. From May 29th, 2012, however, Article 88, §§2
and 3, of this Law N. 12.529/2011 took effect to require that the control
of merger reviews in Brazil is previous and that operations cannot
be consummated before analyzed by the Administrative Council for
Economic Defense (CADE). This legislative change has brought a new
challenge to CADE, which is to outline, in concrete cases, the limits
between a legitimate process of economic concentration and an illegal
practice of Gun Jumping. In this context, this article aims to analyze
this possible anticompetitive conduct practiced in merger reviews, due
mainly to the improper exchange of information between enterprises
and/or beneficial ownership. For this, it is initially presented a
brief statement about the theory and practice of Gun Jumping on
international experience in the United States of America and in other
jurisdictions (Belgium, Canada, Spain, Greece, Israel, Netherlands,
Czech Republic, Russia, European Union). Then, criteria are proposed
for analysis of Gun Jumping by CADE, considering concerns about the
maintenance of the level of competition during the process of merger
review. The proposition consists of a non-exhaustive list of items
that can generate – or not – competitive concern, in respect of (i) the

332 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

clauses of the agreement of economic concentration, (ii) activities


carried out by the parts in the process of economic concentration and
(iii) exchange of information between these parts. Thus, it is expected
that this article contributes to the promotion of greater legal certainty
to the parts in the process of economic concentration, through the
suggestion of criteria in order to consider illegal or not a supposed
practice of Gun Jumping.
KEY WORDS: Previous notification of merger reviews –
Anticompetitive conduct – Law N. 12.529/2011 – Gun Jumping.

1. INTRODUÇÃO

Por Gun Jumping, entende-se a teoria que se presta a analisar a


suposta conduta anticompetitiva praticada em sede de controle de estruturas,
decorrente, sobretudo, da troca indevida de informações e/ou da integração
prematura506 entre as empresas em processo de concentração econômica507.
Existe recente proposição de se traduzir o termo Gun Jumping por
“queimar a linha de largada” e avançar na realização do negócio jurídico
antes da aprovação da autoridade antitruste508, mas, por uma questão de
referibilidade à doutrina e à jurisprudência internacional relativa ao tema,
que serão utilizadas no presente trabalho, pede-se licença para permanecer
utilizando o termo em inglês, ou seja, Gun Jumping509.

506 “Integração prematura” foi a tradução proposta para a expressão beneficial


ownership, que abarca tanto a transferência/usufruto de ativos e dos valores mobiliários
com direito de voto quanto a influência exercida pela empresa adquirente sobre a
empresa a ser adquirida antes de aprovada a operação.
507 “Concentração econômica” é utilizada no sentido de abranger, em sentido amplo,
as operações de fusão, aquisição, formação de joint-venture, etc. Nesse sentido é que
se utilizarão, genericamente, as expressões “empresa adquirente” e “empresa a ser
adquirida”, ainda que não se trate, estritamente, de aquisição.
508 CAMINATI, Eduardo A.; CORDOVIL, Leonor; DE CARVALHO, Vinícius Marques;
BAGNOLI, Vicente. Nova Lei de Defesa da Concorrência Comentada. São Paulo: Ed. RT,
2012. p. 212.
509 Outra expressão sinônima em inglês a Gun Jumping é Premerger Coordination.

Estudos em Direito da Concorrência 333


Amanda Athayde

Há pouco mais de três anos, CORDOVIL se perguntava se o Brasil


estava preparado para uma análise sobre Gun Jumping.510 Ocorre que desde
29 de maio de 2012 a resposta a essa pergunta deve ser um categórico “sim”,
dada a adoção do sistema de notificação prévia dos atos de concentração
pela Lei n. 12.529/2011511. De acordo com o artigo 88, §§2º e 3º dessa lei, o
controle dos atos de concentração no Brasil será prévio, e as operações não
podem ser consumadas antes de apreciadas pelo Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (CADE). Mas em que consiste a consumação? Quais
os limites do negócio jurídico antes da aprovação do CADE? Fora desses
limites, se pratica Gun Jumping.
A modificação do sistema de notificação brasileiro está em
consonância com as melhores práticas internacionais, como aquelas da
Divisão Antitruste do Departamento de Justiça (DOJ) e da Federal Trade
Comission (FTC), ambas nos Estados Unidos da América, e da Direção
Geral de Concorrência, na União Europeia. Nesse sistema de análise prévia,
o negócio jurídico submete-se a uma espécie de cláusula suspensiva, de modo
que o negócio não se consuma até que a autoridade de concorrência assim
decida pela aprovação.
Assim, com a mudança legislativa, o Brasil não está mais na
companhia do Egito e do Paquistão como um dos três países no mundo que
utiliza o sistema posterior de notificação dos atos de concentração.512 Em
um sistema de controle posterior de estruturas – como aquele aceito pela Lei
n. 8.884/94, anteriormente vigente no Brasil513 – as empresas submetiam o
negócio jurídico à análise da autoridade concorrencial apenas após a sua

510 CORDOVIL, Leonor. Gun Jumping or cartel: is Brazil prepared for this analysis?,
Competition Law and Policy in Latin America, Eleanor M. Fox and D. Daniel Sokol,
eds., Hart, 2009.
511 Lei n. 12.529/2011, que estrutura o “novo” Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência e dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem
econômica, revoga os dispositivos da Lei n. 8.884/1994 e dá outras providências.
512 ANDERS, Eduardo Caminati; CORDOVIL, Leonor; DE CARVALHO, Vinícius
Marques; BAGNOLI, Vicente. Nova Lei de Defesa da Concorrência Comentada. São Paulo:
Ed. RT, 2012. p. 208.
513 Nos termos do artigo 54 da Lei n. 8.884/94, o sistema era facultativamente prévio e
a posteriori, de modo que as empresas poderiam submeter à análise do CADE o ato de
concentração previamente ou em até quinze dias da data de celebração do primeiro
documento vinculativo (artigo 98 do antigo Regimento Interno do CADE).

334 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

consumação. Desse modo, praticamente todos os atos durante o processo de


negociação (diálogos, comunicações e troca de informações, etc.) pareciam
ter um “salvo conduto”514, pois estariam, em tese, abarcados pelo “manto
sagrado” das negociações para realização do ato de concentração. Esse
tendia a ser, no entanto, um período delicado para a manutenção do
nível concorrencial no mercado, pois agentes econômicos – possivelmente
concorrentes – teriam a possibilidade de trocar informações e articular-se
sem a observância efetiva dos órgãos antitruste.
Finalmente, portanto, em 29 de maio de 2012 o Brasil se despediu
desse pequeno grupo de países que contam com o sistema de notificação
posterior dos atos de concentração e passou a adotar o controle prévio de
estruturas. A regulamentação desse controle consta no Regimento Interno do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (RICADE)515, que, no artigo
108, §1º, determina que as notificações dos atos de concentração devem ser
protocoladas, preferencialmente, após a assinatura do instrumento formal
que vincule as partes e antes de consumado qualquer ato relativo à operação.
Ademais, de acordo com o §2º, as partes deverão manter as estruturas físicas
e as condições competitivas inalteradas até a apreciação final do CADE,
sendo vedadas, inclusive, quaisquer transferências de ativos e qualquer tipo
de influência de uma parte sobre a outra, bem como a troca de informações
concorrencialmente sensíveis que não seja estritamente necessária para a
celebração do instrumento formal que vincule as partes. Constata-se, então,
que o artigo 108 do RICADE retrata a preocupação do CADE com o Gun
Jumping no Brasil.
Essa preocupação concorrencial surgiu nos Estados Unidos –
país com ampla tradição em direito antitruste e com experiência no
sistema de notificação prévia dos atos de concentração –, em situações
em que o comportamento das empresas possibilitava a limitação da
conduta da empresa a ser adquirida pela adquirente antes mesmo da

514 CORDOVIL, Leonor. Gun Jumping or cartel: is Brazil prepared for this analysis?,
Competition Law and Policy in Latin America, Eleanor M. Fox and D. Daniel Sokol,
eds., Hart, 2009.
515 Regimento Interno do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
Disponível em: <http://www.cade.gov.br/upload/Resolu%C3%A7%C3%A3o%20
1_2012%20-%20RICADE%20%282%29.pdf>.

Estudos em Direito da Concorrência 335


Amanda Athayde

concretização da operação. A preocupação também era verificada em


casos de inibição da capacidade da empresa a ser adquirida em manter
sua competitividade e independência operacional.516
Diante do exposto, considerando tratar-se de um tema bastante
recente no Brasil, que altera profundamente a dinâmica de notificação
e de análise dos atos de concentração, que ainda não tem possui limites
definidos pela doutrina ou pela jurisprudência e que pode resultar em
abertura de processo administrativo para a persecução de eventual conduta
anticompetitiva de Gun Jumping (artigo 108, §3º, do RICADE), o objetivo
do presente trabalho é sugerir ao CADE critérios a serem aplicados, no caso
concreto, para se definir o tênue limiar entre um processo de concentração
econômica legítimo e uma prática ilegal de Gun Jumping.
Para atingir o objetivo deste estudo, passa-se, a seguir, a uma breve
exposição sobre o Gun Jumping na experiência internacional (II), para que
em seguida sejam sugeridos critérios a serem utilizados pelo CADE diante
de um caso concreto sobre Gun Jumping (III).

2. ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL


SOBRE O GUN JUMPING

A breve análise descritiva da teoria do Gun Jumping começará


pela experiência norte-americana (II.1), para em seguida ser discutida no
âmbito de outras jurisdições (II.2).

2.1. A TEORIA DO GUN JUMPING NOS ESTADOS UNIDOS

Nos Estados Unidos, o grau de contato permitido entre as partes em


processo de coordenação econômica é definido em sede de lei federal. Compete
ao governo federal garantir que as negociações de potenciais concentrações
econômicas não arrefeçam a concorrência, especialmente durante o período

516 SCHLOSSBERG, Robert. Issues of Premature Control and Premerger Coordination.


Information Sharing by Competitors: Minimizing Antitrust Liability in Mergers and
Competitor Collaborations. A live 90-Minute Teleconference. Janeiro, 2010.

336 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

em que a operação não tenha sido “fechada”. O objetivo é que seja mantida
a concorrência entre as partes em concentração e que se evite uma indevida
troca de informações ou integração prematura que possa prejudicar a
concorrência. Assim, a teoria do Gun Jumping encontra seu fundamento
em três textos legais.
O primeiro deles é a Seção 7A do Clayton Act, conhecido como Hart-
Scott-Rodino Antitrust Improvements Act of 1976 (HSR Act)517. Até
a entrada em vigor desse texto legal, os atos de concentração nos Estados
Unidos podiam se consumar sem que o governo tivesse a oportunidade de
questionar a legalidade da operação em juízo. Essa situação permitia que as
empresas em processo de concentração econômica se integrassem antes mesmo
da aprovação da autoridade competente, o que dificultava a imposição
de remédios antitruste efetivos pelas agências518 norte-americanas (FTC e
DOJ). Essa problemática é semelhante àquela vivenciada pelo CADE sobre
a égide da anterior Lei n. 8.884/1994 e seu controle posterior de estruturas.
Com a entrada em vigor do HSR Act, foi criado um mecanismo que
exige notificação prévia, às agências, do ato de concentração que esteja
inserido em uma determinada faixa de valor. Também foram proibidas
certas aquisições de ativos ou valores mobiliários com direito de voto em até
30 (trinta) dias, ou seja, durante um “período de espera”. Os objetivos desses
dispositivos eram preservar a habilidade de o governo questionar uma
operação potencialmente lesiva à concorrência, oportunizar às agências o
momento para obterem informações relevantes sobre a operação antes da sua
consumação e garantir a possibilidade de se impor um remédio antitruste
efetivo519. Estas também foram, de modo análogo, aspirações da alteração
legislativa promovida no Brasil, com o advento da Lei n. 12.529/2011.
O que o HSR Act passou a exigir, portanto, é que as partes mantivessem
suas operações separadamente, até a autorização da autoridade antitruste.
Nesse sentido, apesar de ser autorizada alguma coordenação prévia entre

517 Clayton Act 7A, 15 USC 18a: “[…] no person shall acquire, directly or indirectly, any
voting securities or assets of any other person, unless both persons (or in the case of a tender
offer, the acquiring person) file notification […] and the waiting period […] has expired […]”.
518 FTC e DOJ serão genericamente mencionadas como “as agências”.
519 ABA Section of Antitrust Law. Premerger Coordination: The Emerging Law of Gun
Jumping and Information Exchange. Chicago: ABA Publishing, 2006. p. 13.

Estudos em Direito da Concorrência 337


Amanda Athayde

as partes520, esta seria considerada ilícita se estivessem presentes indícios


suficientes de integração prematura entre as empresas em concentração
econômica, antes do mencionado período de espera. Caso isso ocorresse,
restaria configurada a conduta anticompetitiva do Gun Jumping, sob a
égide do HSR Act.
A expressão integração prematura521 (beneficial ownership) pode
ser entendida como o usufruto dos ativos e dos valores mobiliários com
direito de voto – da empresa a ser adquirida pela empresa adquirente –,
antes de aprovada a operação. Essa situação configuraria, de fato, uma
integração prematura entre as empresas em processo de concentração
econômica. Atenta-se, então, para a existência de indícios suficientes
de que o “feixe” de direitos que inicialmente é detido pela empresa a ser
adquirida foi transferido, ao longo da transação, para a adquirente, antes
da autorização pela autoridade competente.
Alguns dos indícios de integração prematura, nos termos do HSR Act,
são constatados em casos de interesses pecuniários da empresa adquirente
na empresa a ser adquirida, como os seguintes: (a) o direito de se beneficiar
pelo aumento no valor da empresa ou dos seus dividendos; (b) o risco
de perda de valor da empresa, e/ou em casos de interesses de controle da
empresa adquirente na empresa a ser adquirida; (c) a posse de ações com
direito de voto ou poder de determinar a forma como será a votação; (d)
a não discricionariedade da empresa a ser adquirida sobre seus próprios
investimentos522.
A questão principal em sede do HSR Act, portanto, é a definição dos
indícios – quantitativa e qualitativamente – suficientes para se definir que a
empresa adquirente está no usufruto dos ativos e de valores mobiliários com

520 Ibidem. p. 11.


521 Relembre-se novamente que “integração prematura” foi a tradução proposta para
a expressão beneficial ownership, que abarca tanto a transferência/usufruto de ativos e
dos valores mobiliários com direito de voto quanto a influência exercida pela empresa
adquirente sobre a empresa a ser adquirida antes de aprovada a operação.
522 ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit. p. 15. Tradução livre de: “(1) the right to
obtain the benefit of any increase in value or dividends, (2) the risk of loss of value, (3) the
right to vote the stock or to determine who may vote the stock, (4) the investment discretion
(including the power to dispose of the stock)”.

338 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

direito de voto da empresa a ser adquirida, de forma a configurar integração


prematura e, consequentemente, Gun Jumping.
O segundo texto legal que trata do tema nos Estados Unidos é a Seção 1
do Sherman Act (Section 1)523, que proíbe acordos que desarrazoadamente
restrinjam o comércio e que se aplica a todas as transações, estejam elas
ou não na faixa de valor que requer apresentação do ato de concentração
pelo HSR Act. Nesse sentido, para que o Gun Jumping seja questionado
com fundamento da Seção 1 do Sherman Act, deve existir (a) um contrato,
combinação ou conspiração entre duas ou mais empresas separadas, que
(b) desarrazoadamente restrinja o comércio e que (c) afete o comércio
interestatal.
Assim, para que as atividades das empresas em processo de
concentração econômica não sejam questionadas com fundamento na
Seção 1 do Sherman Act, as entidades econômicas independentes devem
manter identidades separadas e competir, não podendo coordenar suas
atividades até a aprovação da operação. Elas podem, por exemplo, proceder
à due diligence, mas apenas nos limites do razoável, e podem também
planejar-se para a integração, mas devem permanecer como concorrentes
independentes no mercado.
Constata-se, nesse contexto, que a Seção 1 do Sherman Act estatui
uma proibição material, exigindo a manutenção do status de concorrentes
das empresas em processo de concentração econômica, enquanto o HSR Act
exige um requerimento procedimental, que proíbe a integração prematura
entre as empresas apenas durante o período de espera524.
Por fim, o terceiro texto legal é a Seção 5 do Federal Trade
Commission Act (Section 5)525, que proíbe métodos desleais de competição

523 Section 1 of the Sherman Act: “Every contract, combination in the form of trust or
otherwise, or conspiracy, in restraint of trade or commerce among the several States,
or with foreign nations, is declared to be illegal. […]”.
524 BLUMENTHAL, William. The Road to Omnicare: the evolution of antitrust standards
on premerger coordination. April 16, 2009. Disponível em: <http://media.straffordpub.
com/products/information-sharing-by-competitors-minimizing-antitrust-
liability-2010-01-12/speaker-handouts.pdf> (ultimo acesso em 10.03.2011).
525 Federal Trade Commission Act (Section 5). “Under this Act, the Commission is
empowered, among other things, to (a) prevent unfair methods of competition, and unfair
or deceptive acts or practices in or affecting commerce”.

Estudos em Direito da Concorrência 339


Amanda Athayde

que afetem o comércio. Ainda que de maneira menos incisiva que os demais
diplomas legais, ele também se aplica para impugnar quaisquer atividades
prévias à aprovação ao ato de concentração que sejam concorrencialmente
desleais e que configurem Gun Jumping.
Diante do exposto, observa-se que nesses três textos legais norte-
americanos existem dois focos principais de preocupação em relação ao Gun
Jumping. O primeiro diz respeito à troca de informações entre as partes,
preocupação esta que se justifica pelo risco de coordenação prejudicial à
concorrência no mercado. O segundo foco de preocupação é com a integração
prematura entre as empresas em processo de concentração econômica, que
se justifica pelo risco de as empresas em concentração econômica deixarem
de agir independentemente antes da aprovação da autoridade antitruste.
Para que se entenda como ambas as preocupações são verificadas nos
Estados Unidos, passa-se a uma análise da jurisprudência norte-americana
sobre a configuração ou não de Gun Jumping em sede desses três textos
legais.

2.1.1. JURISPRUDÊNCIA SOBRE GUN JUMPING


SOB A ÉGIDE DO HSR ACT

Relembre-se que o HSR Act é um diploma legal cujo objetivo é


garantir que as partes em processo de concentração econômica continuem
competindo durante o período de espera (30 dias) ou que, caso se abandone
operação, elas sejam capazes de continuar competindo526.
Desse modo, sob a égide do HSR Act a imputação de responsabilidade
pela prática de Gun Jumping está ligada a fatores como a troca e a
transferência de informações entre as empresas, as cláusulas contidas no
acordo de concentração econômica, a transferência de controle operacional
ou de gestão da empresa a ser adquirida à empresa adquirente, a acordos
de não concorrência e a atividades coordenadas entre as empresas.527

526 BLUMENTHAL, William. The Scope of Permissible Coordination Between Merging


Entities prior to Consummation, 63 Antitrust L.J. 1, 36 (1994).
527 ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit. p. 19.

340 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Considerando que várias são as formas de se configurar integração


prematura528, redundando em Gun Jumping e responsabilidade sob o
HSR Act529, expor-se-ão’ alguns dos julgados mais importantes, a fim de
se entender os critérios utilizados para se definir a ilegalidade ou não da
conduta.
A conduta de executar o acordo de concentração econômica pode, por
si só, desafiar o HSR Act. No caso United States v. Atlantic Richfield Co.
(ARCO I)530, entendeu-se que a exigência de um pré-pagamento do preço da
compra com caráter não reembolsável, contida no acordo de concentração
econômica, teria o efeito, quando da execução do contrato, de integrar
prematuramente as empresas. De modo similar, no caso United States v.
Atlantic Richfield Co. (ARCO II)531, observou-se que a execução do acordo
viabilizava o direito de voto pela empresa adquirente sobre aquela a ser
adquirida de forma imediata e permanente. Ademais, nesse mesmo caso,
o acordo também permitia à empresa adquirente receber os ganhos da
participação societária da empresa a ser adquirida, o que foi considerado
indício suficiente de integração prematura entre ambas pela existência de
interesses pecuniários. Ainda, no caso Titan Wheel532 as cláusulas que
permitiam que a empresa adquirente obtivesse a posse e o gozo dos negócios

528 Relembra-se que integração prematura (beneficial ownership) é entendida como


usufruto dos ativos e dos valores mobiliários com direito de voto da empresa a ser
adquirida, pela empresa adquirente, antes de aprovada a operação.
529 Ressalte-se que a data em que as partes notificam a autoridade competente do
ato de concentração é irrelevante para a configuração de Gun Jumping, e independe
também de as partes serem ou não concorrentes. Estados Unidos. United States v.
Titan Wheel Int’l, Inc., 1996-1 Trade Cas. (CCH) ¶ 71,406 (D.D.C. 1996) (No. 96-01040)
(complaint), 19, 20, 23, 41, 45, 93, 128, 129, 229, 263, 266; (final judgment) 40, 120, 128,
129. Apud ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit. p. 19.
530 Estados Unidos. United States v. Atlantic Richfield Co. (ARCO I), 1991-1 Trade Cas.
(CCH), ¶ 69,318 (D.D.C. 1991) (No. 91-0205) (complaint), 20, 42, 43, 46, 107, 108, 109,
112, 124; (final judgment), 107, 114, 120, 123, 124, 125. Apud ABA Section of Antitrust
Law. Op. Cit.
531 Estados Unidos. United States v. Atlantic Richfield Co. (ARCO II), 1992-1 Trade Cas.
(CCH), ¶ 69,695 (D.D.C. 1992) (No. 91-3267) (complaint), 20, 41, 107, 108, 112, 125, 126,
254; (final judgment for ARCO); (final judgment for U.F. Genetics), 108, 114, 115, 120,
125, 126. Apud ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit.
532 Estados Unidos. United States v. Titan Wheel Int’l, Inc., 1996-1. Op. Cit.

Estudos em Direito da Concorrência 341


Amanda Athayde

da empresa a ser adquirida antes da autorização da autoridade antitruste


foram consideradas violadoras do HSR Act.
O HSR Act também pode ser desafiado em caso de integração
prematura antes mesmo da execução do acordo de concentração econômica.
No caso United States v. Gemstar-TV Guide International, Inc.533 as
agências alegaram que antes mesmo da assinatura do acordo de concentração
econômica as partes já teriam reduzido e/ou eliminado a concorrência entre
as empresas, o que seria cabalmente comprovado pela existência de uma
cláusula de não concorrência prévia à execução do acordo.
A assinatura do contrato, portanto, transfere algum indício de
integração prematura, mas que esse ato não é, por si só, suficiente para ser
considerado incompatível com o HSR Act, conforme se afirmou em United
States v. Input/Output, In.534. Haveria a necessidade de atos outros que,
em conexão com a assinatura de um acordo de concentração econômica,
configurassem indícios suficientes de integração prematura. Nesse sentido,
a assinatura de um contrato de gestão com outra empresa qualquer não
necessariamente implicaria em integração prematura, mas assiná-lo após
ou durante a negociação de uma concentração econômica pode contrariar
as regras do HSR Act.
Ademais, a troca e a transferência de informações também podem
constituir violação ao HSR Act. As agências norte-americanas reconhecem
a importância de as partes, em processo de concentração econômica,
trocarem e transferirem informações em si, mas em algumas circunstâncias
essa prática pode suscitar questionamentos. Isso ocorreu, por exemplo,
no caso United States v. Computer Associates535. O DOJ alegou que a

533 Estados Unidos. United States v. Gemstar-TV Guide Int’l, Inc., 2003-2 Trade Cas.
(CCH) ¶ 74,082 (D.D.C. 2003) (No. 03-00198) (complaint), 13, 18, 20, 21, 23, 24, 25, 27,
28, 30, 33, 34, 44, 47, 48, 51, 64, 67, 68, 71, 77, 78, 88, 140, 141, 142, 143, 202, 210, 213,
216, 219, 221, 232, 248, 259, 272, 276, 292; (final judgment impact statement), 14, 16, 21,
23, 27, 29, 30, 37, 43, 46, 50, 51, 79, 81, 82, 83, 84, 85, 114, 115, 117, 140, 143, 144, 185,
191, 195, 196, 211, 213, 216, 219, 221, 225, 232, 239, 248, 276, 283. Apud ABA Section of
Antitrust Law. Op. Cit.
534 Estados Unidos. United States v. Input/Output Inc., 1999-1 Trade Cas. (CCH) ¶
72,528 (D.D.C. 1999) (No. 99-00912) (complaint), 13, 15, 18, 19, 21, 23, 25, 28, 36, 45, 51,
70, 132, 133, 134, 280. Apud ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit.
535 Estados Unidos. United States v. Computer Assocs. Int’l, Inc., 2002-2 Trade Cas.
(CCH) ¶ 73,883 (D.D.C. 2002) (No. 01-02062) (complaint), 4, 13, 18, 23, 24, 25, 27, 30, 38,

342 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

empresa adquirente detinha controle suficiente das operações da empresa a


ser adquirida, inclusive com acesso a informações comercialmente sensíveis
– tais como nome dos clientes, dos serviços e produtos oferecidos, da lista
de preços e de descontos. A empresa adquirente ainda teria restringido
a capacidade de a empresa a ser adquirida conceder descontos e oferecer
vantagens contratuais a seus clientes, o que foi considerado integração
prematura em violação ao HSR Act.
Em Gemstar536, o DOJ também alegou que as partes em processo
concentração econômica teriam compartilhado informações confidenciais
sobre preços e marketing, o que seria ilícito e configuraria Gun Jumping.
Adiante, no caso Input/Output537, questionou-se o fato de a empresa
adquirente assumir o controle operacional da empresa a ser adquirida
antes mesmo do período de espera, sendo que esse controle incluía tanto
o acesso aos relatórios internos da empresa e aos sistemas de email, como
a influência nos planos de aquisições futuras da empresa a ser adquirida.
Essa transferência do “feixe” de direitos foi considerada indício suficiente de
integração prematura entre as partes.
Finalmente, no caso Insilco538 o FTC apontou especial preocupação
concorrencial com três tipos de informações trocadas ou transferidas pelas
partes em processo de concentração econômica, sob a égide do HSR Act539:

39, 40, 41, 44, 48, 64, 67, 71 77, 78, 80, 85, 86, 87, 88, 134, 135, 136, 137, 138, 210, 213, 216,
219, 220, 221, 222, 235, 242, 243, 246, 251, 263; (final judgment and competitive impact
statement), 23, 29, 30, 31, 37, 38, 39, 40, 41, 45, 49, 63, 78, 81, 82, 84, 85, 87, 90, 114, 115,
117, 134, 137, 138, 139, 184, 188, 195, 196, 210, 213, 216, 219, 221, 225, 237, 239, 240, 242,
246, 263, 276, 283, 285, 287, 291. Apud ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit.
536 Estados Unidos. United States v. Gemstar-TV Guide Int’l, Inc., 2003-2, Op. Cit.
537 Estados Unidos. United States v. Input/Output Inc., 1999-1, Op. Cit.
538 Estados Unidos. In re Insilco Corp., 125 F.T.C. 293 (1998), (complaint and decision
and order), 25, 26, 28, 29, 30, 31, 105, 106, 118, 119, 129, 130, 185, 188, 189, 190, 206,
201, 211, 213, 216, 219, 221, 225, 226, 232. Apud ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit.
539 Pontue-se que alguns autores argúem ser inapropriado utilizar-se do HSR Act para
questionar uma troca ou transferência de informações entre as empresas, pois seria
necessário que dessa troca resultasse integração prematura antes do período de espera.
Segundo tal corrente doutrinária, isso só poderia ocorrer se a informação obtida
fosse utilizada para exercer controle e/ou influência nas operações da empresa a ser
adquirida, ou se restasse claro que a empresa adquirente tinha controle sobre aquela
a ser adquirida (ou seja, se já ocorreu integração prematura). Assim, argumentam que
seria mais adequado questionar a troca ou transferência de informações sob a égide
da Seção 1 do Sherman Act ou da Seção 5 do FTC Act. WHITENER, M. D. Remarks at a

Estudos em Direito da Concorrência 343


Amanda Athayde

as informações não agregadas, as estratégias e políticas relacionadas à


concorrência e as fórmulas ou análises que determinam custos ou preços540.

2.1.2. JURISPRUDÊNCIA SOBRE GUN JUMPING SOB


A ÉGIDE DA SEÇÃO 1 DO SHERMAN ACT

Conforme supramencionado, a Seção 1 do Sherman Act proíbe


acordos que desarrazoadamente restrinjam o comércio. Sua aplicação em
casos de Gun Jumping depende, assim, de um robusto conjunto fático sobre
o contexto prévio à concentração econômica, razão pela qual em apenas
um caso se questionou atos de empresas no contexto de pré-concentração
econômica com fundamento no texto legal da Seção 1 do Sherman Act.
No caso United States v. Computer Associates541, questionou-se o
fato de o acordo proibir a empresa a ser adquirida, sem o consentimento da
empresa adquirente, de oferecer descontos em percentual superior a 20%.
Para o DOJ, atividades de uma empresa que afetem ou controlem as decisões
da outra em relação a preço, produção ou outra variável competitiva, podem
violar a Seção 1 do Sherman Act.

roundtable sponsored by the Bureau of Economics, Understanding Mergers: Strategy &


Planning, Implementation and Outcomes 323 (Dec. 9-10, 2002). Apud ABA Section of
Antitrust Law. Op. Cit. p. 26.
540 Estados Unidos. In re Insilco Corp., 125 F.T.C. 293 (1998), (order) “[1] Informação
não agregada, específica de seus clientes, que permitia a identificação sobre o custo e
o preço dos produtos em relação a cada cliente; [2] Estratégias e políticas relacionadas
à concorrência, que se refere às informações relacionadas a negociação com clientes
específicos, estratégias de atração ou retenção de determinados clientes, o risco de
perda dos clientes, além de relatórios de venda, estudos de mercado, previsões e
pesquisas com tais informações; [3] Fórmulas ou análises que determinam custos ou
preços, que significa o acesso ao método, estudo, teste, programa, exame, ferramenta
ou outro tipo de raciocínio lógico que seja usado para determinar o custo ou o preço
de um determinado cliente individual.
541 Estados Unidos. United States v. Computer Assocs. Int’l, Inc., 2002-2, Op. Cit.

344 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

2.1.3. JURISPRUDÊNCIA SOBRE GUN JUMPING


SOB A ÉGIDE DA SEÇÃO 5 DO FTC ACT

Relembre-se que a Seção 5 do FTC Act proíbe métodos desleais


de concorrência que afetem o comércio e, quando aplicada a questões de
Gun Jumping, o foco da Seção 5 é nas atividades que envolvam efeitos
anticompetitivos efetivos ou potenciais, como a transferência e a troca
de informações e as demais atividades de pré-concentração econômica.
São observados, por exemplo, os efeitos adversos do planejamento entre
as empresas, a robustez da justificativa empresarial para as atividades e
a existência de meios alternativos que poderiam ter sido usados para a
obtenção do mesmo resultado, sob a ótica da regra da razão.
O FTC já questionou três casos por suposto Gun Jumping com
fundamento na Seção 5 do FTC Act. No caso Torrington Co.542 a agência
alegou que as empresas em processo de concentração econômica teriam
restringido a concorrência e prejudicado os consumidores na medida em
que os preços entre elas tinham sido estabilizados, fixados e influenciados,
e também porque a competição entre ambas as empresas tinha sido
impedida, contida, encerrada e frustrada. Dessa forma, as empresas teriam
alocado consumidores e trocado informações que permitiam a cessação
da concorrência, razão pela qual teria sido constatada deslealdade na
concorrência e consequente Gun Jumping.
Em Insilco543, as informações da empresa a ser adquirida que teriam
sido recebidas pela empresa adquirente teriam tido o condão de afetar
negativamente os mercados relevantes, pois eram informações específicas
de preços para clientes, planos de precificação atual e futura, estratégias de
concorrência, fórmulas de preço e estratégias de preço.

542 Estados Unidos. In re Torrington Co., 114 F.T.C. 283 (1991) (complaint and decision
and order), 93, 101, 102, 103, 104, 106, 107, 110, 126, 127, 206, 174. Apud ABA Section of
Antitrust Law. Op. Cit.
543 Estados Unidos. In re Insilco Corp., 125 F.T.C. 293 (1998), Op. Cit.

Estudos em Direito da Concorrência 345


Amanda Athayde

Finalmente, no caso Commonwealth Land Title544, o FTC firmou


posição no sentido de que a responsabilidade sob a égide dessa Seção 5 se
inicia no primeiro contato entre as partes, e perdura até a consumação da
operação.
Diante do exposto, e entendida a dinâmica da análise do Gun
Jumping nos Estados Unidos, que é a jurisdição com mais tradição sobre o
tema, procede-se a seguir a uma breve exposição sobre a experiência prática
dessa teoria em outras jurisdições que também adotam o sistema de controle
prévio de estruturas.

2.2. A TEORIA DO GUN JUMPING EM OUTRAS JURISDIÇÕES

Na Bélgica, um ato de concentração notificável deve ser submetido


ao Conselho de Concorrência Belga antes de as empresas adotarem medidas
que impeçam sua reversibilidade ou que alterem a estrutura do mercado
de maneira definitiva. No caso Bodycote International plc/HIT S.A.545,
o Conselho verificou que as partes em processo de concentração econômica
indicaram membros para o Conselho da nova entidade a ser formada, o
que foi considerado como exercício implícito de direito de voto e, como
consequência, violação da obrigação de suspender a operação até a decisão
da autoridade antitruste nacional.
No Canadá, um ato de concentração deve ser submetido ao Escritório
Canadense de Concorrência antes mesmo de ser fechado entre as partes, e
deve assim permanecer durante o prazo de espera. Existe a obrigação de
suspender o ato de concentração até a decisão da autoridade, de modo que
a violação desta obrigação é considerada uma ofensa criminal. No caso R.
v. Béton Regional Inc.546, por exemplo, a empresa adquirente assumiu

544 Estados Unidos. In re Commonwealth Land Title Ins. Co., 126 F.T.C. 680 (1998)
(complaint and decision and order), 63, 101, 102, 111, 112, 118, 119, 121, 130, 131, 132,
290.
545 Bélgica. Bodycote International plc/HIT S.A., Decision of May 26, 1998, No. 98-
C/C-10, OG01/07/1998, 149. Apud ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit.
546 Canadá. R. v. Béton Regional Inc., Federal Court Trial Division, No. T-58-95,
January 16, 1995, 151. Apud ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit.

346 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

a produção e a venda de produtos da empresa a ser adquirida durante o


processo de negociação. Além disso, a empresa adquirente solicitou que
a empresa a ser adquirida aumentasse seus preços para determinados
produtos, solicitação esta que foi obedecida. As negociações da operação,
no entanto, fracassaram, e o Escritório Canadense de Concorrência iniciou
investigação para apurar os efeitos adversos das práticas à concorrência. Por
fim, a decisão judicial se limitou a determinar a impossibilidade de ambas
as empresas acordarem futuramente sobre preços e a exigir que quaisquer
planos de aquisição fossem notificados ao órgão antitruste.
Na Espanha547, um ato de concentração notificável deve ser submetido
à Autoridade de Concorrência Espanhola antes mesmo de ser fechado e
assinado entre as partes. Nesse processo entende-se que as empresas podem
trocar informações desde que estas sejam proporcionais e relevantes para a
transação, nos limites permitidos pela lei espanhola.
Na Grécia, um ato de concentração notificável deve ser submetido
à Comissão de Concorrência Grega antes mesmo de ser fechado entre
as partes, e existe a obrigação de suspender o ato de concentração até a
decisão da autoridade. No caso Diamantis Masoutis AS Super Market/
Super Market Alpha Delta SA548, o memorando de entendimentos concedia
aos representantes legais das empresas o direito de voto em cada uma das
empresas em concentração, o que foi considerado como uma violação à
obrigação suspensiva do ato de concentração. Já no caso Perstorp GmbH/
Degussa-Huls AG549, o contrato expressamente previa que a operação não
seria implementada na Grécia até a autorização da autoridade grega,
mas constatou-se que, de fato, a aquisição de controle em locais externos à
Grécia teria influenciado a política comercial da empresa a ser adquirida.
Ainda, em Societé Nouvelle dês Basaltes/Nobel Sports550, o memorando

547 Apud. ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit. p. 174/175.


548 Grécia. Diamantis Masoutis AS Super Market/Super Market Alpha Delta AS,
Decision No. 204/III/2001, Official Gazette B’ 189/2001, 160. Apud. ABA Section of
Antitrust Law. Op. Cit.
549 Grécia. Perstorp GmbH/Degussa-Huls AG, Decision No. 174/III/2000, Official
Gazette B’ 191/2011, 159. Apud. ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit.
550 Grécia. Societé Nouvelle dês Basaltes/Nobel Sports, Decision No. 153/II/2000,
Official Gazette B’ 189/2001, 160. Apud. ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit.

Estudos em Direito da Concorrência 347


Amanda Athayde

de entendimentos previa que a empresa adquirente teria o direito de indicar


três dos cinco membros da diretoria da empresa a ser adquirida, considerado
aquisição de controle prévio à autorização da Comissão Grega.
Em Israel, um ato de concentração notificável deve ser submetido à
Comissão de Concorrência Israelense antes da sua execução, e deve assim
permanecer durante o prazo de espera (30 dias). No caso Ofek/Eropan551,
as empresas combinaram sua política decisória, e uma delas inclusive
transferiu seu escritório, empregados e produção para o estabelecimento da
outra, antes da aprovação da comissão, o que suscitou questionamento de
Gun Jumping.
Na Holanda, um ato de concentração notificável deve ser submetido
à Comissão de Concorrência antes mesmo de ser fechado entre as partes, e
deve assim permanecer durante o prazo de espera (quatro semanas). No caso
AEGON N.V./Jast/Kamerbeek B.V.552 as partes notificaram a operação após
a transferência de participação societária, mas a operação foi aceita pela
Comissão de Concorrência porque foi inserida uma proibição de exercício
dos direitos de voto respectivos.
Na República Tcheca, um ato de concentração notificável deve ser
submetido à Autoridade Tcheca de Concorrência antes que a empresa
adquirente influencie o comportamento competitivo da empresa a ser
adquirida, ou antes que aquela tome medidas que tornem a concentração
econômica irreversível ou que modifiquem permanentemente a estrutura
do mercado. No caso Lassersberger/Rako553, a autoridade antitruste
tcheca entendeu que a empresa adquirente violou a obrigação suspensiva
ao exercer os direitos de voto em reunião geral da empresa a ser adquirida,
pois esse ato teria influenciado o comportamento competitivo da empresa a
ser adquirida no mercado.
Na Rússia, um ato de concentração notificável deve ser submetido
ao Serviço Federal Russo Anti-Monopólio antes mesmo de ser fechado

551 Israel. Ofek Aerial Photography and Mapping Ltd./European Geographic


Applications 1997 Ltd. Apud. ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit. p. 163.
552 Holanda. AEGON N.V./Jast/Kamerbeek B.B., Case No. 1712 of February 25, 2000,
167. Apud. ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit. p. 166-169.
553 República Theca. Lassersberger/Radko640, Decision No. S 97/02-2440/02 of July
15, 2002, 152. Apud. ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit. p. 152-153.

348 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

entre as partes. De acordo com a lei russa, as partes podem até transferir
empregados entre as empresas em processo de concentração econômica,
trocar informações e adotar outras condutas que configurem integração ou
controle prematuro, desde que não constituam um acordo anticompetitivo
em violação às regras russas de concentração554.
Em sede da União Europeia, a Regulação de Controle de Concentrações
adota o sistema prévio de notificação e proíbe a execução do acordo de
concentração econômica antes de uma decisão da Comissão Europeia que
declare a operação compatível com o mercado comum europeu. Antes da
aprovação, acordos prévios e cooperação entre concorrentes que se refiram
a níveis de preço, restrições quanto a investimentos ou produção, alocação
territorial e de clientes são considerados violação ao artigo 81 – atual artigo
101 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) –, que
trata das condutas anticompetitivas. Outra possível alegação de violação
ao artigo 81 diz respeito ao nível de troca de informações entre as partes em
processo de concentração econômica555.

3. ANÁLISE PROPOSITIVA SOBRE O GUN JUMPING NO BRASIL:


SUGESTÃO DE CRITÉRIOS A SEREM UTILIZADOS PELO CADE

Diante do cenário atual de alteração legislativa no Brasil, que


passa a adotar o sistema de controle prévio de estruturas (art. 88 da Lei
n. 12.529/2011), um dos grandes desafios do CADE é delinear os limites
entre um processo de concentração econômica legítimo e uma prática ilegal
de Gun Jumping. Tais limites são de suma importância para garantir a
segurança jurídica e a previsibilidade aos administrados no Brasil.
Em termos práticos, as empresas e os advogados necessitam de um
esclarecimento do CADE sobre os seguintes itens, elencados por CAMINATI:
(i) quais medidas que as partes de um ato de concentração poderão
adotar antes da aprovação do CADE; (ii) quais informações poderão ser
compartilhadas entre as partes no curso de uma due diligence e até a

554 Apud. ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit. p. 171-172.


555 Apud. ABA Section of Antitrust Law. Op. Cit. p. 153-156.

Estudos em Direito da Concorrência 349


Amanda Athayde

decisão final do CADE; (iii) como e em qual medida, se alguma, as partes


poderão integrar ativos e/ou a administração das empresas (especialmente
a administração relacionada às questões comerciais e de marketing); e (iv)
como caracterizar e identificar a unificação do exercício do poder dentro
das empresas antes da aprovação do ato pelo CADE.556
Visando a responder tais questionamentos – e considerando que o
CADE não definiu balizas estritas no RICADE e preferiu o combate ao Gun
Jumping no caso a caso –, sugere-se que o CADE concentre sua análise em
três critérios principais: (III.1.) cláusulas do acordo; (III.2.) atividades das
partes; e (III.3.) troca de informações.

3.1. DAS CLÁUSULAS DO INSTRUMENTO FORMAL


DE CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA

Com base na experiência internacional supramencionada e


considerando as preocupações com o nível de concorrência no Brasil, propõe-
se que as seguintes cláusulas, eventualmente contidas no instrumento
formal que vincule as partes, sejam detidamente analisadas pelo CADE, por
gerarem, em princípio, preocupação antitruste:

i. Cláusula de não concorrência;

ii. Cláusula de fixação de preços;

iii. Cláusula de divisão de mercado;

iv. Cláusula que permite à empresa adquirente emitir, vender, penhorar ou


onerar os valores mobiliários da empresa a ser adquirida;
v. Qualquer outra cláusula extraordinária na condução do negócio que não é
normalmente encontrada em acordos de concentração econômica.

Propõe-se, em contrapartida, que as seguintes cláusulas,


eventualmente contidas no instrumento formal que vincule as partes, não
gerem, pelo menos em princípio, preocupação concorrencial do CADE:
556 CAMINATI, Eduardo A.; CORDOVIL, Leonor; DE CARVALHO, Vinícius Marques;
BAGNOLI, Vicente. Nova Lei de Defesa da Concorrência Comentada. São Paulo: Ed. RT,
2012. p. 212.

350 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

i. Cláusula de curso normal das atividades (ordinary course of business provi-


sion), para que a empresa a ser adquirida opere de acordo com suas atividades
normais;

ii. Cláusula que proíbe alterações materiais adversas (material adverse change
clause);

iii. Cláusula que proíbe a empresa a ser adquirida de oferecer ou conceder a


qualquer pessoa direitos de privilégio ou reembolso quando da transferência do
controle para a empresa adquirente;

iv. Cláusula de break-up fees;

v. Cláusula de indenização por despesas judiciais;

vi. Cláusula que permite à empresa adquirente declarar ou pagar dividendos/


distribuições para os acionistas da empresa a ser adquirida;

vii. Cláusula que permite à empresa adquirente promover emendas nos docu-
mentos organizacionais da empresa a ser adquirida;

viii. Cláusula que permite à empresa adquirente impedir que a empresa a ser ad-
quirida adquira outros negócios;

ix. Cláusula que permite à empresa adquirente hipotecar ou onerar os direitos de


propriedade intelectual ou outros ativos da empresa a ser adquirida fora dos pa-
drões normais da atividade empresarial;

x. Cláusula em que as empresas acordam o dispêndio de alto montante de ca-


pital;

xi. Cláusula em que as empresas promovem a eleição do domicílio fiscal ou se


comprometem a obrigações tributárias;

xii. Cláusula em que as empresas acordam o pagamento de demandas judiciais


ou responsabilidades fora dos padrões normais da atividade empresarial;

xiii. Cláusula em que as empresas decidem começar ações judiciais.

3.2. DAS ATIVIDADES DAS PARTES EM PROCESSO


DE CONCENTRAÇÃO ECONÔMICA

Novamente com base na experiência internacional e visando a


manter o nível de concorrência no Brasil em sede de controle de estruturas,

Estudos em Direito da Concorrência 351


Amanda Athayde

propõe-se que as seguintes atividades, dentre outras, gerem, em princípio,


preocupação antitruste do CADE:

i. Restringir negócios da empresa a ser adquirida;

ii. Restringir a política de descontos da empresa a ser adquirida;

iii. Limitar a possibilidade de a empresa a ser adquirida negociar certos contra-


tos com clientes e contratos de longa duração;

iv. Limitar a possibilidade de a empresa a ser adquirida oferecer certos serviços


aos seus clientes;

v. Atrasar as negociações da empresa a ser adquirida com certos clientes;

vi. Exigir a obtenção de autorização prévia da empresa adquirente para deci-


sões de rotina da empresa a ser adquirida;

vii. Coordenar estratégias de negócios, produção, vendas, distribuição e políti-


cas de descontos da empresa a ser adquirida;

viii. Exigir a revisão ou aprovação das atividades ordinárias da empresa a ser ad-
quirida em áreas em que ambas concorrem;

ix. Realocar os funcionários no espaço físico de forma a ocupar o estabeleci-


mento da empresa a ser adquirida ou integrar as instalações;

x. Apresentar conjuntamente proposta em licitação;

xi. Presenciar reuniões com clientes ou reuniões internas da empresa a ser ad-
quirida;

xii. Discutir estratégias a serem adotadas após a concretização da operação, em


relação a vendas, marketing ou clientes557;

xiii. Transferir o poder de decisão da empresa a ser adquirida sobre os preços e os


contratos da empresa para a empresa adquirente;

xiv. Assumir o poder de decisão sobre as atividades de marketing da empresa a


ser adquirida.

Novamente em contrapartida, propõe-se que as seguintes atividades,


dentre outras, não gerem, em princípio, preocupação antitruste:

557 SCHLOSSBERG, Robert. Op. cit.

352 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

i. Realizar acordos normais no curso dos negócios, consistentes com as práti-


cas empresariais anteriores de mercado;

ii. Executar operações conjuntas que ocorreriam independente de uma concen-


tração econômica;

iii. Promover ações de divulgação e marketing que beneficiem a imagem da ope-


ração de concentração econômica;

iv. Entrar em contato com os consumidores para discutir os benefícios da opera-


ção;

v. Revelar informações comerciais confidenciais relacionadas a produtos de con-


correntes, caso ocorra um litígio558.

3.3. DA TROCA OU TRANSFERÊNCIA DE INFORMAÇÕES

Finalmente, e ainda com base na experiência internacional


supramencionada e nas preocupações com a manutenção do nível
concorrencial em sede de controle de estruturas, propõe-se que gere, em
princípio, preocupação antitruste a troca ou transferência de informações
concorrencialmente sensíveis relativas a:

i. Preço atual ou futuro, tabela de preço, política de preço, plano ou outros ter-
mos competitivos em relação a vendas;

ii. Margem de lucro atual ou futura ou meta de lucratividade em determinados


produtos;

iii. Custos de produtos específicos;

iv. Estratégias ou políticas competitivas;

v. Plano futuro de negócio, incluindo aqueles relativos a marketing, vendas,


promoções, investimentos, expansão e contratação, orçamento ou inserção de no-
vos produtos;

vi. Identidade de clientes ou fornecedores em potencial;

558 SCHLOSSBERG, Robert. Issues of Premature Control and Premerger Coordination.


Information Sharing by Competitors: Minimizing Antitrust Liability in Mergers and
Competitor Collaborations. A live 90-Minute Teleconference. Janeiro, 2010.

Estudos em Direito da Concorrência 353


Amanda Athayde

vii. Negociações atuais com clientes;

viii. Licitações em que a empresa a ser adquirida participa ou que pretende par-
ticipar;

ix. Clientes específicos relativos a custo, preço, lucratividade, margem de lucro,


plano de marketing ou desenvolvimento de produto;

x. Tecnologias detidas pela empresa a ser adquirida;

xi. Potenciais fusões, aquisições ou joint-ventures;

Assuntos de cunho comercial;

xii. Qualquer informação de negócio que pode ser usada para restringir a con-
corrência – ainda mais se a transação não se consumar;

xiii. Qualquer informação que concede uma vantagem competitiva ou que en-
coraja a empresa a alterar sua estratégia de negócios em detrimento dos consu-
midores;

xiv. Informações que, se conhecidas pelo concorrente, elevam a capacidade


deste de prever os preços e estratégias de produção do outro, ou estratégias de
inovação com certo grau de certeza e especificidade;

xv. Informações que não estão razoavelmente relacionadas com a condução de


due diligence ou planejamento de integração;

xvi. Informações que promovem alteração na estratégia de negócios da empre-


sa adquirente antes da consumação da transação;

xvii. Informações que interferem na capacidade do CADE obter um remédio efe-


tivo.

Propõe-se, por fim, que a troca ou transferência das seguintes


informações concorrencialmente sensíveis, dentre outras, não gere, em
princípio, preocupação antitruste:

i. Informações razoavelmente relacionadas às previsões sobre ganhos futu-


ros ou prospectos;

ii. Informações agregadas ou antigas, que não revelam detalhes sobre clientes
específicos;

354 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

iii. Informações reveladas mediante a assinatura de um acordo de confidencia-


lidade (non-disclosure agreement) que limita o uso da informação à condução
de due diligence e que proíbe a transmissão da informação a qualquer pessoa da
área de marketing, atribuição de preço ou vendas da empresa adquirente;

iv. Informações reveladas mediante o uso de um agente independente que co-


leta a informação da empresa a ser adquirida e que apresenta à empresa adqui-
rente de forma agregada;

v. Informações financeiras gerais, como balanço patrimonial ou dados simila-


res;

vi. Informações gerais sobre os produtos e suas linhas de produção, bem como
sobre as atividades gerais do negócio;

vii. Informações gerais sobre processamento de dados e sistemas de informá-


tica;

viii. Relatórios e dados sobre segurança e saúde do trabalho;

ix. Informações gerais sobre planos de saúde médico e dentário e outros dados
de recursos humanos que não sejam específicos dos empregados (como salários
e benefícios recebidos);

x. Informações relacionadas a organização operacional, gerencial e de pessoal;

xi. Informações gerais sobre joint-ventures ou arranjos societários que a empre-


sa a ser adquirida é parte;

xii. Quaisquer informações que normalmente são disponibilizadas a terceiros


(por exemplo, análise das ações da empresa).

4. CONCLUSÃO

O tema do Gun Jumping é recente no contexto brasileiro, dada a


entrada em vigor do sistema de notificação prévia dos atos de concentração
pela Lei n. 12.529 apenas em 29 de maio de 2012. Não existe, portanto, até
o momento, nenhum caso julgado pelo CADE sobre a temática e, tampouco,
diretrizes propostas pelo Conselho no seu Regimento Interno. Por essa razão,
e antevendo a possível dúvida entre os administrados, bem como a possível
dificuldade do próprio CADE na análise de situações limiares e tênues de
coordenação prévia à concentração econômica, o presente trabalho analisou
a experiência internacional considerada mais relevante e seus respectivos

Estudos em Direito da Concorrência 355


Amanda Athayde

entendimentos quanto a investigações e condenações por Gun Jumping.


A partir desse fundamento teórico, foi possível a propositura de critérios
para a análise do Gun Jumping no Brasil, considerando as preocupações
com a manutenção do nível de concorrência durante o controle prévio de
estruturas.
Portanto, em um caso concreto, quando da análise dos fatos pelo
CADE, o Conselheiro e seus assessores terão uma lista não exaustiva,
portanto, exemplificativa, com condutas passíveis de gerar ou não
preocupação concorrencial, notadamente quanto às cláusulas do
acordo de concentração econômica, às atividades das partes e à troca
ou transferência de informações comercialmente sensíveis.

356 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Desse modo, com o presente trabalho espera-se contribuir para o


aprimoramento do trabalho do CADE e dos profissionais atuantes em
Direito da Concorrência e para a defesa da concorrência no Brasil, ao
conferir maior segurança jurídica às partes em processo de concentração
econômica, por meio da sugestão de critérios para se constatar ilegal uma
prática de Gun Jumping.

Condutas Unilaterais

Estudos em Direito da Concorrência 357


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

MEDIDAS PREVENTIVAS NO ANTITRUSTE: QUANDO E COMO


APLICAR, À LUZ DA EXPERIÊNCIA RECENTE DO CADE

Publicado originalmente em: CADE. Revista de Defesa da Concorrência,


v. 11, n. 1, 2023.

Amanda Athayde

Cristianne Zarzur

Jackson Ferreira

Contexto: As medidas preventivas no antitruste podem ser


instrumentos essenciais para combater os efeitos de condutas
anticompetitivas quando não se pode aguardar o desfecho de
uma investigação completa. Por outro lado, tais medidas suscitam
preocupações, na medida em que, se erroneamente adotadas, podem
provocar sérios danos às partes envolvidas e, eventualmente, deixar
a dinâmica concorrencial em situação pior do que antes da sua
aplicação.
Objetivo: Para que se possa avançar nas discussões sobre
o tema, serão discutidos seus critérios-chave de aplicação (fumus
boni iuris e periculum in mora), os princípios gerais fundamentais
(temporariedade, reversibilidade, adaptabilidade, imediatidade,
eficácia e proporcionalidade) e alguns aspectos de política pública
concorrencial associados às medidas preventivas overenforcement,
underenforcment e teorias do dano), sempre ilustrados com os
precedentes do CADE entre 2020 e 2022 sobre a aplicação ou não de
medidas preventivas. O objetivo do artigo é analisar, portanto, os
fundamentos para a aplicação das medidas preventivas e, em especial,
como eles têm sido abordados nos casos recentes do CADE.
PALAVRAS-CHAVE: medidas preventivas; antitruste; critérios;
princípios.
Método: Método exploratório e jurisprudencial.

Estudos em Direito da Concorrência 359


Amanda Athayde

Conclusões: Dos 8 (oito) casos do CADE entre 2020 e 2022


contabilizados para fins do presente estudo, verifica-se que em
3 (37,5%) houve o indeferimento do pedido de preventiva, em 3
(37,5%) houve o deferimento parcial do pedido e em 2 (25%) houve o
deferimento integral do pedido de medida preventiva, sendo que em
um destes, porém, houve a reversão da medida judicialmente. Tanto
a Nota da OCDE de 2022 quanto a própria experiência da autoridade
concorrencial brasileira apontam para a consolidação e – por que não
dizer – para a popularização das medidas preventivas, sendo que ele
adquire uma importância especial em face dos mercados digitais e dos
desafios que eles impõem à análise antitruste.

INTERIM MEASURES IN ANTITRUST: WHEN AND HOW TO


APPLY IN THE LIGHT OF CADE’S RECENT EXPERIENCE

Context: Interim measures in antitrust may be essential tools


to deter the effects of anticompetitive practices when one cannot wait
for the outcome of an investigation. On the other hand, such measures
may raise concerns, insofar as, if wrongly adopted, they can cause
serious damage to the parties involved and, eventually, the competitive
dynamics in the markets would be better off without them.
Objective: This paper aims to discuss the key criteria to apply
interim measures, the fundamental general principles, and some
public policy aspects. Throughout the paper, those theoretical issues
will be illustrated with CADE’s case law between 2020 and 2022 on the
application or not of interim measures.
Method: Exploratory and jurisprudential method.
Conclusions: Out of the 8 (eight) CADE cases between 2020
and 2022, in 3 (37.5%) there was a denial of the interim measure, in 3
(37.5%) %) the request was partially granted and in 2 (25%) the interim
measure was were fully granted, but in one these two latter cases,
however, the measure was reversed in court. Both the 2022 OECD Note
and the experience of the Brazilian competition authority point to

360 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

the consolidation and to the popularization of interim measures. It is


worth noting that this tool acquires special importance in the face of
digital markets and the challenges they impose on antitrust analysis.
KEY-WORDS: interim measures; antitrust; criteria; principles.

1. INTRODUÇÃO

As medidas preventivas em matéria concorrencial – também


conhecidas como medidas de urgência ou cautelares, ou interim
measures – podem ser instrumentos essenciais para combater os
efeitos de condutas anticompetitivas quando não se pode aguardar o
desfecho de uma investigação completa. Por outro lado, tais medidas
suscitam preocupações, na medida em que, se erroneamente adotadas,
podem provocar sérios danos às partes envolvidas e, eventualmente,
deixar a dinâmica concorrencial em situação pior do que antes da sua
aplicação.
Em documento de junho de 2022, a Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE (OECD Competition
Policy Roundtable Background Note – Interim Measures in Antitrust
Investigations) – “Nota da OCDE” (OCDE, 2022), revelou o resultado de
uma pesquisa sobre medidas preventivas em diferentes jurisdições
e abordou seus contornos fundamentais e discussões atuais quanto
às melhores práticas nesse tema. Novamente, em 2023, o tema das
medidas preventivas em investigações antitruste foi abordado pela
OCDE, na 5ª edição do OECD Competition Day, realizado em Paris,
o que evidencia como este tema está sob o foco das reflexões pelas
autoridades antitruste.559
Neste artigo, comentaremos alguns dos principais resultados
da pesquisa da OCDE, passando pelos requisitos fundamentais
de consideração e aplicação de medidas preventivas, até

559 A Nota da OCDE de 2022 foi referenciada como um “Key Material” para as
discussões de 2023. Mais informações sobre o evento estão disponíveis no link: https://
www.oecd.org/daf/competition/interim-measures-in-antitrust-investigations.htm,
acesso em 1.3.2023.

Estudos em Direito da Concorrência 361


Amanda Athayde

considerações de política pública concorrencial associadas a elas.


Para fins de concretude, a análise será cotejada com alguns casos
recentes envolvendo medidas preventivas no âmbito do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica – CADE, de modo a responder
à seguinte pergunta: quais os fundamentos das medidas preventivas
e, em especial, como eles têm sido abordados nos casos recentes do
CADE? Espera-se contribuir para a compreensão desse importante
instituto e chamar atenção para a necessidade de ponderação no seu
uso, sem deixar de lado importantes reflexões sobre seu papel em
searas ainda pouco exploradas, como mercados digitais.
Diante do exposto, vamos apresentar o trabalho em três seções. A
primeira abordará o conceito de medidas preventivas e seus critérios-
chave de aplicação no direito concorrencial (Seção II). A segunda se
dedicará aos princípios gerais das medidas preventivas, tidos como
fundamentais nas diversas jurisdições em que o instituto em questão
está presente (Seção III). Por sua vez, a terceira sessão abordará
aspectos de política pública concorrencial associados às medidas
preventivas (Seção IV). Ao final, será apresentada a conclusão (Seção
V).

2. CRITÉRIOS-CHAVE DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS


PREVENTIVAS NO DIREITO CONCORRENCIAL

Segundo a OCDE, medidas preventivas são decisões protetivas e/


ou corretivas emanadas de autoridades administrativas ou do Judiciário
com o objetivo de conceder alívio temporário até a finalização de uma
investigação antitruste (OCDE, 2022, p. 6).
A Nota da OCDE é clara em indicar que as medidas preventivas
ao redor do mundo dependem de dois critérios-chave (“key criteria”)
– que seriam seus requisitos fundamentais, ou essenciais – para sua
aplicação, qual sejam: (I.1.) fumus boni iuris, e (I.2.) periculum in mora.
Os mesmos requisitos se aplicam nos termos do direito processual
civil brasileiro, conforme o art. 300 da Lei nº 13.105/2015, (Código de

362 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Processo Civil – “CPC”) 560 cujas regras se aplicam, em geral, de forma


subsidiária aos processos administrativos do CADE. 561
Nas subseções abaixo, abordaremos, primeiramente, o requisito
do fumus boni iuris para as medidas preventivas concorrenciais
(Subseção II.1.), e, na sequência, abordaremos o periculum in mora
(Subseção II.2.). A última subseção cobrirá algumas considerações
interessantes sobre a dinâmica envolvendo esses dois requisitos na
prática (Subseção II.3.).

2.1. FUMUS BONI IURIS PARA MEDIDAS PREVENTIVAS


NO DIREITO CONCORRENCIAL

O fumus boni iuris (também conhecido como “fumaça do bom


direito”) pode ser entendido como a existência de probabilidade de
determinada conduta ser anticompetitiva, ou “probabilidade do
direito”. Sua presença indica que a conduta alvo da medida preventiva
parece, à primeira vista, uma conduta ilícita de fato, de modo que,
em tese, haveria mais chances de a investigação ao final confirmar
essa ilicitude do que a legitimidade da conduta. Um ponto importante
indicado pela Nota da OCDE é que a análise de fumus boni iuris se
estende também a aspectos como a definição de mercado, market shares
e dominância, ou seja, uma visão preliminar sobre esses aspectos é
necessária para a concessão de uma medida preventiva, ainda que
haja alterações da percepção sobre esses aspectos no curso da análise
pela autoridade (OCDE, 2022, p. 12).

560 Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que
evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil
do processo.
561 Art. 115 da Lei 12.529/2011: Art. 115. Aplicam-se subsidiariamente aos processos
administrativo e judicial previstos nesta Lei as disposições das Leis nºs 5.869, de 11
de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil, 7.347, de 24 de julho de 1985 [Lei da
Ação Civil Pública], 8.078, de 11 de setembro de 1990 7.347, de 24 de julho de 1985
[Código de Defesa do Consumidor], e 9.784, de 29 de janeiro de 1999 [Lei de Processo
Administrativo Federal].

Estudos em Direito da Concorrência 363


Amanda Athayde

Para Cândido Rangel Dinamarco, tratando do fumus boni iuris


no Direito Processual Civil – mas cujos fundamentos conceituais
também são aplicáveis ao Direito Concorrencial – é patente o aspecto
da probabilidade como determinante para a decisão do julgador em
sede de tutela cautelar: “Resolve-se em mera probabilidade, que é menos
que a certeza subjetiva necessária para decidir o mérito, porém mais que
a mera verossimilhança.” E conclui: “Na prática, o juiz deve raciocinar
mais ou menos assim: se eu fosse julgar agora, minha vontade seria julgar
procedente a demanda.” (DINAMARCO, 2014, p. 338 e 339).

2.2. PERICULUM IN MORA PARA MEDIDAS


PREVENTIVAS NO DIREITO CONCORRENCIAL

O periculum in mora (também chamado de “perigo da demora”)


pode ser entendido como a urgência da medida para se evitar a
continuidade de um dano já verificado ou iminente. A ideia é que, caso
a autoridade se quedasse inerte diante dessa situação de urgência,
haveria o risco de ineficácia da própria investigação antitruste e de sua
conclusão, em decorrência da consumação do dano. Nesse ponto, vale
também entender a irreparabilidade versus a irreversibilidade do dano:
enquanto algumas jurisdições autorizam medidas de urgência apenas
diante da impossibilidade de reparação do dano, mesmo que pela via
pecuniária (damages) – irreparabilidade – outras jurisdições adotam o
critério da irreversibilidade, ou seja, as medidas preventivas deveriam
ser concedidas sempre que o dano for irreversível, impossibilitando a
volta ao status quo ante (situação prévia à conduta anticompetitiva).562
Dinamarco chama atenção para o chamado “juízo do mal maior”
na análise do periculum in mora, no âmbito do Direito Processual Civil,
“indagando, em cada caso, se o autor sofreria mais se nada fosse feito para
conter os males do tempo, ou se sofreria mais o réu em virtude da medida
que o autor postula”. Da mesma forma o CADE deve avaliar a posição

562 No Brasil, fala-se em dano como “lesão irreparável ou de difícil reparação” (art.
84, caput, da Lei no. 12.529/2011).

364 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

do requerente em face do requerido e conceder a medida preventiva


sempre que o primeiro sofrer mais com os “males do tempo” na
pendência da decisão definitiva (DINAMARCO, 2014, p. 381 e 382).

2.3. CONSIDERAÇÕES ASSOCIADAS AOS REQUISITOS


DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN
MORA NO DIREITO CONCORRENCIAL

Outra discussão importante é a questão de se o dano causado


por ato sujeito à medida preventiva seria um dano contra a ordem
concorrencial, ou se bastaria o dano contra um ou mais concorrentes.
É verdade que o objetivo do antitruste, como direito público, seja a
defesa da concorrência, e não, diretamente, dos concorrentes. Por
outro lado, como indicado pela OCDE, é possível que o dano a um ou
mais concorrentes afetados pela provável conduta anticompetitiva
seja um indicativo de um problema maior no mercado – ou seja, à
concorrência – e considerando que o ônus da prova deste último
cenário poderia ser muito gravoso (OCDE, 2022, p. 13). Ou seja, para
fins de uma medida preventiva, o dano a um concorrente e não
necessariamente à toda a concorrência, pode ser suficiente.
Esses requisitos são exigidos, em geral, pelas diversas jurisdições,
como requisitos cumulativos, e com um “trade off”: ainda que tanto o
fumus boni iuris e o periculum in mora devam estar concomitantemente
presentes, a força de um dos requisitos pode eventualmente
compensar a fraqueza do outro – por exemplo, quanto mais forte o
caso seja, prima facie, menos exigente poderá ser o critério para se
demonstrar urgência para evitar o dano, e vice-versa (OCDE, 2022, p.
11). Em outras palavras, se o fumus boni iuris for muito forte e evidente,
talvez o periculum in mora seja um pouco mais fraco, para compensar
a dualidade.
A legislação antitruste brasileira (art. 84 da Lei no. 12.529/2011)
prevê que o CADE, seja por meio da Superintendência Geral - SG,
seja por seu Tribunal, pode aplicar medida preventiva sempre

Estudos em Direito da Concorrência 365


Amanda Athayde

que os requisitos de fumus boni iuris e periculum in mora estiverem


concomitantemente presentes. Além disso, há menção expressa ao
objetivo de se voltar ao status quo sempre que possível, por meio da
aplicação da medida.563
Em mercados dinâmicos, especialmente os digitais, discute-se em
que medida o periculum in mora poderia ser abordado pelas autoridades
antitruste sob uma perspectiva menos rigorosa para permitir que
intervenham mais cedo e bloqueiem condutas potencialmente
anticompetitivas antes que os mercados passem pelo chamado
“tipping”, pelo qual as empesas inovadoras podem acabar dominando
o mercado e gerando barreiras à entrada, ou os concorrentes sejam
forçados a deixar o mercado. Ou seja, as autoridades empregariam
procedimento e padrões de prova atenuados para estabelecer a
existência de periculum in mora e, assim, evitar o “underenforcement”
contra potenciais abusos em mercados dinâmicos.
Da mesma forma, na medida em que o fumus boni iuris pode ser
analisado sob a perspectiva dos seus efeitos potenciais e futuros, e não
apenas efeitos já evidenciados ou presentes (tendo em vista que, em
mercados dinâmicos, muitas vezes não há clareza sobre a dimensão
desses possíveis efeitos ab initio) discute-se sobre a oportunidade
e conveniência de as autoridades imporem medidas mais duras à
medida que a clareza sobre os efeitos negativos de uma conduta
específica aumente (LANCIERI, PEREIRA NETO, 2022, p. 51), em um
exercício também dinâmico de enforcement.

563 Art. 84. Em qualquer fase do inquérito administrativo para apuração de infrações
ou do processo administrativo para imposição de sanções por infrações à ordem
econômica, poderá o Conselheiro-Relator ou o Superintendente-Geral, por iniciativa
própria ou mediante provocação do Procurador-Chefe do Cade, adotar medida
preventiva, quando houver indício ou fundado receio de que o representado, direta
ou indiretamente, cause ou possa causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil
reparação, ou torne ineficaz o resultado final do processo. § 1º Na medida preventiva,
determinar-se-á a imediata cessação da prática e será ordenada, quando materialmente
possível, a reversão à situação anterior, fixando multa diária nos termos do art. 39
desta Lei. § 2º Da decisão que adotar medida preventiva caberá recurso voluntário ao
Plenário do Tribunal, em 5 (cinco) dias, sem efeito suspensivo.

366 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Esses aspectos controversos e sua verificação em alguns casos


concretos serão abordados com mais detalhes na Subseções III.3 e
IV.2, abaixo.

3. PRINCÍPIOS GERAIS DAS MEDIDAS PREVENTIVAS


NO DIREITO CONCORRENCIAL

Para além dos requisitos fundamentais abordados acima – fumus


boni iuris e periculum in mora –, as medidas preventivas devem seguir
determinados princípios que funcionam como linhas mestras da sua
aplicação.
A OCDE elenca alguns desses princípios orientadores, que
são destacados conforme abaixo: (Subseção III.1) temporariedade,
reversibilidade e adaptabilidade; (Subseção III.2) imediatidade
e eficácia (enforceability); (Subseção III.3) proporcionalidade; e
(Subseção III.4) salvaguarda processual.
Imagem 1 – Princípios gerais das medidas preventivas no direito concorrencial

Fonte: elaboração própria.

Estudos em Direito da Concorrência 367


Amanda Athayde

3.1. TEMPORARIEDADE, REVERSIBILIDADE E ADAPTABILIDADE


DAS MEDIDAS PREVENTIVAS NO DIREITO CONCORRENCIAL

Medidas preventivas, justamente por não constituírem decisões


finais no âmbito dos processos, incluindo os processos antitruste,
inevitavelmente devem ser temporárias (ainda que, em algumas
jurisdições, elas possam perdurar pelo curso de todo o processo, ou
possam ser renovadas mediante análises recorrentes). Na mesma
linha, essas medidas devem ser reversíveis, ou seja, estão sujeitas a
revogação, por exemplo, em caso de desaparecimento ou ausência
de confirmação dos requisitos fundamentais que justificaram sua
aplicação. Por fim, essas medidas são também adaptáveis, na medida
em que estão sujeitas a ajustes, incluindo reduções ou ampliações de
escopo, na medida em que a investigação antitruste evolui e novos
elementos de convicção da autoridade concorrencial são agregados.
No Brasil, o caso WhatsApp Pay é um exemplo ilustrativo da
transitoriedade e reversibilidade inerentes ao instituto da medida
preventiva. De ofício, a SG havia instaurado procedimento investigativo
e, no mesmo dia, imposto medida preventiva determinando a
suspensão da implementação do acordo entre Meta (então Facebook)
e Cielo para a oferta de meio de pagamento via WhatsApp (“WhatsApp
Pay”). Para tanto, foram consideradas, entre outras, preocupações
relacionadas ao possível fechamento do mercado desse meio de
pagamento considerando a representatividade do WhatsApp como
plataforma digital e a amplitude de seu alcance via número de usuários
e o alegado poder de mercado da Cielo como credenciadora.564
Uma semana depois, considerando esclarecimentos prestados
por Meta e Cielo, a SG revogou a medida preventiva, entendendo que
não haveria incentivos para a exclusão de concorrentes ou redução
de escolha dos usuários (afastando-se o fumus boni iuris), e que a
qualquer momento a parceria relativa ao WhatsApp Pay poderia

564 Apuração de Ato de Concentração nº 08700.002871/2020-34, e Despacho SG nº


672/2020 (SEI nº 0771106).

368 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

ser revertida (afastando-se o periculum in mora). Nesse sentido, um


fundamento relevante para a decisão da SG foi que a parceria entre
Meta e Cielo (e, consequentemente, a própria plataforma WhatsApp
Pay) tinha um modelo aberto, de modo que outros agentes de meios
de pagamento que não fossem parte do grupo econômico da Cielo
também poderiam atuar como emissores de cartões aptos a operar
na plataforma.565 Parece ter sido aplicado, portanto, o princípio da
reversibilidade indicado pela OCDE, apesar de poder ser questionado,
ainda assim, o efeito negativo da medida preventiva na ferramenta,
dado um incremento no receio do consumidor em seu uso.

3.2. IMEDIATIDADE E EFICÁCIA (ENFORCEABILITY)

Medidas preventivas devem ser de aplicação imediata, para que


possam adequadamente endereçar a situação de dano presente ou
iminente. Da mesma forma, devem ser enforceable, ou seja, precisa haver
a viabilidade de sua aplicação, de forma que possam ser obedecidas
e postas em prática, para que sejam eficazes – nesse sentido, como
indicado pela OCDE, é comum que as diversas jurisdições prevejam
a aplicação de multas em caso de desobediência à decisão, e/ou que
estabeleçam mecanismos de monitoramento de sua aplicação (OCDE,
2022, p. 14), como, por exemplo, por meio do envio de relatórios pela
parte sobre a qual a medida foi aplicada.566

565 Cf. Nota Técnica SG nº 7/2020 (SEI nº 0773338).


566 Por exemplo, no Termo de Compromisso de Cessação (TCC) celebrado entre
Gympass e CADE no tocante a práticas restritivas no setor de plataformas agregadoras
de academias de ginástica (Inquérito Administrativo nº 08700.004136/2020-5), o CADE
estabeleceu que o monitoramento do acordo se dará pela autarquia em conjunto
com um Trustee de monitoramento (que enviará relatórios sobre o cumprimento das
medidas acordadas), tendo sido fixada multa em caso de descumprimento.

Estudos em Direito da Concorrência 369


Amanda Athayde

3.3. PROPORCIONALIDADE DAS MEDIDAS


PREVENTIVAS NO DIREITO CONCORRENCIAL

Idealmente, as medidas preventivas devem endereçar os


aspectos urgentes da conduta sob análise, o que frequentemente
resulta num escopo mais restrito do que o escopo da investigação
como um todo (OCDE, 2022, p. 14). Devem-se evitar, portanto, medidas
excessivas que, como tais, possam provocar um dano à concorrência
ainda maior do que aquele que se pretende evitar, ou uma antecipação
do juízo de valor sobre o mérito do caso. Isso não significa que as
medidas preventivas devam se limitar a reverter a situação ao status
quo ante, mas elas devem ser proporcionais ainda que imponham
obrigações novas ou futuras, “inovando”, assim, em relação à dinâmica
concorrencial sob análise.
Um exemplo neste tema refere-se ao caso dos pacotes de
incentivo a agências de publicidade. Em investigação aberta de
ofício pela SG relacionada a esse segmento, havia sido imposta
medida preventiva determinando à Globo que se abstivesse de
celebrar novos contratos de plano de incentivo, estabelecendo
políticas de bonificação relacionadas aos investimentos das agências
de publicidade na emissora; e de realizar qualquer adiantamento
nos planos de incentivo, em contratos vigentes ou futuros.567 A
medida foi confirmada pelo Tribunal do CADE no âmbito de recurso
administrativo, mas foi revertida na esfera judicial, sob o fundamento
de que as obrigações impostas seriam sobremaneira gravosas ainda
pendente o aprofundamento da investigação e sem que tivessem sido
asseguradas oportunidades de contraditório e ampla defesa à parte
representada.568
No caso da distribuição de produtos de investimento,
determinados agentes autônomos de investimento (AAIs) acusaram a

567 Despacho SG nº 34/2020 (SEI no. 0838036).


568 Mandado de Segurança nº 97.2020.4.01.3400, 16a. Vara Federal Cível da SJDF,
18.12.2020.

370 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

XP de impor obrigações de exclusividade e não concorrência em seus


contratos com agentes do mercado, e requereram à SG a imposição
de medida preventiva para suspender a prática. A SG concluiu não
estarem presentes os requisitos de fumus boni iuris e periculum in mora,
e questionou especificamente o escopo da medida pretendida em face
do universo limitado de evidências trazido aos autos: “trata-se de um
pedido de abrangência bastante mais ampla (abstenção geral de imposição
ou cumprimento de cláusulas de não-concorrência e não-solicitação por
parte da XP) na comparação com o conjunto de evidências trazido pela
Arton ao conhecimento desta SG (cláusulas do contrato entre a XP e dois
sócios da Arton).”569
No caso dos aplicativos de delivery de comida, no qual a SG
investigou possível abuso de posição dominante do iFood, a SG optou,
em sede de medida preventiva, por limitar a suspensão das pactuações
de exclusividade do iFood com restaurantes de sua plataforma aos
contratos futuros. Essa limitação pode ser entendida como calibração
de proporcionalidade, na medida em que contratos exclusivos já
firmados pelo iFood restariam preservados, caso a medida preventiva
se verificasse descabida. 570
Por outro lado, no caso das plataformas agregadoras de
academias de ginástica, a SG optou por deferir (parcialmente)
a medida preventiva requerida pela Total Pass, proibindo novas
pactuações de exclusividade da Gympass com academias de ginástica,
bem como cláusulas de “nação mais favorcedida”, após ouvir a
representada Gympass.571 Em sede de recurso movido pela Total Pass,

569 Inquérito Administrativo nº 08700.006476/2022-92. Despacho SG nº 44/2022 (SEI


no. 1110796).
570 Inquérito Administrativo nº 08700.004588/2020-47, Nota Técnica SG nº 4/2021 (SEI
no. 0875341). Note-se que, na 208ª Sessão Ordinária de Julgamento do CADE, ocorrida
em 8.2.2023, o Plenário do Tribunal do CADE homologou Termo de Compromisso de
Cessação (TCC) assinado entre o iFood e a SG, pelo qual acordou-se que os compromissos
de exclusividade terão duração máxima de 2 (dois) anos, O TCC estabelece, ainda, que
o iFood não condicione o credenciamento de restaurante à aceitação de compromisso
de exclusividade. Cf. Requerimento de TCC nº 08700.005597/2022-17, Ata da 208ª
Sessão Ordinária de Julgamento do CADE, SEI nº 1185722.
571 Inquérito Administrativo nº 08700.004136/2020-65, Despacho SG nº 1865/2021 (SEI
nº 0998834).

Estudos em Direito da Concorrência 371


Amanda Athayde

o CADE ampliou o escopo da medida preventiva conforme requerido


pela representante, estendendo a proibição de exclusividade também
para os contratos vigentes (não apenas os futuros).572
Na Sessão de Julgamento do dia 21.9.2022, o CADE homologou
TCC celebrado com a Gympass abarcando o escopo da referida
medida preventiva. Conforme o TCC, as cláusulas de exclusividade
da Gympass com as academias ficam limitadas à comprovação de
eficiências econômicas e, no máximo, a 20% da sua base de academias
em municípios ou zonas de municípios, sendo que também ficam
proibidas cláusulas de nação mais favorecida e outras disposições
restritivas.573 Nessa Sessão de Julgamento, destacou-se a fala do
Conselheiro Victor Fernandes, em seu Voto-Vogal, dando ênfase ao fato
de diversos relatórios especializados em mercados digitais tratarem do
uso frequente de instrumentos preventivos que, em mercados digitais,
podem ser importantes instrumentos de enforcement (principalmente
em casos de periculum in mora e com efeitos de rede).

3.4. SALVAGUARDA PROCESSUAL DAS MEDIDAS


PREVENTIVAS NO DIREITO CONCORRENCIAL

Deve haver regras processuais claras que disciplinem a análise


e concessão de medidas preventivas, de modo a garantir segurança
jurídica mínima e o respeito ao contraditório e à ampla defesa (OCDE,
2022, p. 16). Nesse aspecto, há jurisdições que oportunizam a oitiva da
parte sobre a qual se busca a imposição de medida preventiva antes da
sua imposição (e.g. “statement of objections” da Comissão Europeia),
enquanto outras jurisdições permitem a concessão de medidas
“inaudita altera parte” (e.g. Brasil).
O caso de programas de exclusividade é um exemplo da
aplicação de salvaguardas processuais, em sede de representação. A

572 Recurso Voluntário nº 08700.007228/2021-88. Decisão na Ata de Julgamento da 191ª


SOJ, no Diário Oficial da União de 04/03/2022, seção 1 p. 48.
573 Cf. Requerimento de TCC nº 08700.006611/2021-19, Ata da 202ª Sessão Ordinária de
Julgamento do CADE, SEI nº 1125218.

372 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Heineken havia requerido medida preventiva que impedisse a Ambev


de adotar cláusulas de exclusividade de venda e/ou exposição, ou
quaisquer mecanismos que tivessem por efeito a exclusividade de
vendas com pontos de venda de cervejas. A SG, todavia, optou por
apenas instaurar a investigação574 e ouvir a representada antes de
apreciar o pedido de medida preventiva. Após, a SG acabou indeferindo
a medida preventiva, por entender precisar de elementos adicionais
para determinar a existência de fumus boni iuris e periculum in mora.575
A Heineken então apresentou recurso administrativo no âmbito do
Tribunal do CADE, sendo que este também oportunizou à Ambev a
apresentação de esclarecimentos, notadamente mais detalhes sobre
seus programas de exclusividade e políticas de preços e descontos.576
Em 22.9.2022, o Conselheiro-Relator desse caso, Gustavo Augusto,
concedeu a medida preventiva requerida (ainda sujeita a recurso
voluntário ao Plenário), estabelecendo, entre outros, que apenas 20%
dos bares, restaurantes e casas noturnas, que comercializem cervejas
da Ambev, poderiam ter contratos de exclusividade. Nos demais,
a Ambev deveria permitir que cervejas de outras marcas fossem
comercializadas.577
Igualmente, no caso dos cartões de desconto odontológicos, a
SG recebeu denúncia da Clínica Odontocompany Capelinha e optou
por ouvir a parte representada (Conselho Regional de Odontologia
de Minas Gerais) antes de impor medida preventiva, obrigando a
referida entidade e o Conselho Federal de Odontologia a cessarem

574 Inquérito Administrativo nº 08700.001992/2022-21. Despacho SG Instauração


Inquérito Administrativo nº 11/2022 (SEI nº 1039451).
575 Inquérito Administrativo nº 08700.001992/2022-21. Nota Técnica SG nº 10/2022 (SEI
nº 1096158).
576 Recurso Voluntário nº 08700.005936/2022-65, Despacho Decisório nº 12/2022,
Conselheiro Relator Gustavo Augusto (SEI nº 1104854).
577 Recurso Voluntário nº 08700.005936/2022-65, Despacho Decisório SG nº 19/2022
(SEI nº 1122936). Em decisão plenária de 25.10.2022, o Tribunal do CADE concedeu
parcial provimento ao pedido da Ambev no âmbito do Recurso Voluntário nº
08700.007547/2022-74, reconsiderando em parte a medida preventiva, mas mantendo
as restrições aos contratos de exclusividade (Voto do Relator Gustavo Augusto, SEI
nº 1142784; Certidão de Julgamento da 204ª Sessão Ordinária de Julgamento, SEI nº
1143343).

Estudos em Direito da Concorrência 373


Amanda Athayde

imediatamente a proibição da utilização de cartões de descontos em


serviços odontológicos.578

4. ASPECTOS DE POLÍTICA PÚBLICA CONCORRENCIAL


ASSOCIADOS ÀS MEDIDAS PREVENTIVAS

A aplicação de medidas preventivas gera, naturalmente, reações


opostas. Assim, há que se atentar para aspectos de política pública
concorrencial associadas a tais medidas. Assim, apresentaremos
a seguir reflexões sobre os argumentos de (Subseção IV.1.)
Overenforcement versus underenforcement das medidas preventivas no
direito concorrencial, bem como sobre as (Subseção IV.2.) teorias do
dano aplicáveis às medidas preventivas no direito concorrencial e o
caso dos mercados digitais.

4.1. OVERENFORCEMENT VERSUS UNDERENFORCEMENT DAS


MEDIDAS PREVENTIVAS NO DIREITO CONCORRENCIAL

Sendo as medidas preventivas um instrumento de política


pública indispensável para a proteção da concorrência em situações
de urgência, o desafio das autoridades antitruste ao redor do mundo
é evitar o emprego excessivo de tais medidas (overenforcement) e, por
outro lado, sua subutilização (underenforcement).579 No primeiro caso,
as autoridades enfrentam os chamados erros do tipo 1, dando-se lugar

578 Processo Administrativo nº 08700.002535/2020-91, Despacho SG nº 11/2022 (SEI nº


1093144).
579 Essa importante dicotomia já foi abordada em outros trabalhos, como, por
exemplo: Lancieri, Filippo; Pereira Neto, Caio Mario S., Designing Remedies for Digital
Markets: The Interplay Between Antitrust and Regulation, Journal of Competition Law
& Economics, Vol. 18, Issue 3, September 2022, pages 613–669, available at https://
papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3704763, p. 24. Vide também Fonseca
Jr., Marco Antonio. Política Antitruste Brasileira e sua Capacidade de Enfrentamento
dos Mercados Digitais: uma Proposta de Regulação Concorrencial das Plataformas
Digitais. Dissertação (Mestrado), Universidade de Brasília, 2022, p. 76; e Griebeler,
Patricia. O caso Google Shopping: a Defesa da Concorrência na Economia Digital.
Monografia (Graduação), Universidade Federal do Paraná, 2021, p. 39.

374 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

a falsos positivos, ou seja, situações em que a medida preventiva não


era devida e mesmo assim foi aplicada. No segundo caso, um excesso
de conservadorismo levaria aos chamados erros do tipo 2, ou falsos
negativos, em que uma medida preventiva era cabível e necessária,
mas deixou de ser aplicada. A preservação da ordem concorrencial
exige equilíbrio e parcimônia no uso do poder associado às medidas
preventivas, de modo a se evitar o overenforcement, mas também não
deixar de adotar suficientemente essas medidas em razão de um
conservadorismo excessivo que poderia levar à ineficácia da tutela
antitruste.
No que tange ao overenforcement, deve-se ter cautela
especialmente em face de grandes empresas, já que se poderia
(erroneamente) pensar que seu tamanho e poder econômico, de
alguma forma, “compensariam” eventuais excessos ou erros do tipo 1,
quando na verdade os efeitos de uma medida preventiva mal calculada
inevitavelmente tendem a gerar reflexos negativos no seu desempenho
e na oferta ao consumidores.580 Por outro lado, mais recentemente
tem crescido a corrente que entende que um mercado com pequenas
empresas seria mais saudável, e que, portanto, monitorar e
“neutralizar” atos e condutas de grandes empresas seria necessário,
a menos que a empresa objeto de restrições prove a inexistência de
efeitos anti-concorrenciais, ainda que potenciais. Preconizar-se-ia
uma regulação ex ante, portanto.
Os critérios básicos e princípios orientadores da adoção de
medidas preventivas abordados nas subseções II e III, acima, são
importantes aliados das autoridades concorrenciais a encontrarem um
equilíbrio no que se refere à adoção de medidas preventivas, evitando
situar-se nos extremos do overenforcement ou do underenforcement.

580 Pertinente ao tema, Ana Sofia Monteiro, em artigo para o Valor, abordou o que
entende ser uma postura conservadora do CADE, entre 2015 e 2020, em relação a
medidas preventivas em geral, indicando que essa postura evitaria intervenções
excessivas e beneficiaria o mercado e os consumidores (Monteiro, Ana Sofia. A nova
era das preventivas no CADE. Valor, 16.4.2021, disponível em https://valor.globo.com/
legislacao/noticia/2021/04/16/a-nova-era-das-preventivas-no-cade.ghtml, acesso em
20.9.2022)

Estudos em Direito da Concorrência 375


Amanda Athayde

A devida observação, mas também eventual calibração dos


standards de fumus boni iuris e periculum in mora (especialmente em
face de mercados dinâmicos) conforme cabível e em análise casuística
são essenciais para se evitar decisões açodadas – ou a ausência de
tomada de decisão em tempo hábil – que acabem por frustrar os
propósitos da defesa da concorrência.
Igualmente, a observação, principalmente, dos princípios
da temporariedade, reversibilidade e adaptabilidade, da
proporcionalidade e da salvaguarda processual são essenciais para
ponderar a aplicação de medidas preventivas, seu escopo e também
a sua devida duração e possível modulação ao longo do tempo. Tendo
esses princípios em vista, reduz-se a probabilidade de erros do tipo 1
e tipo 2 ou, ainda que uma medida preventiva seja imposta de forma
eventualmente excessiva, ela será revisitada e modulada em tempo
hábil, evitando efeitos adversos à concorrência.

4.2. TEORIAS DE DANO APLICÁVEIS ÀS MEDIDAS PREVENTIVAS NO


DIREITO CONCORRENCIAL E O CASO DOS MERCADOS DIGITAIS

No que se refere aos pontos centrais de consideração de política


pública, a Nota da OCDE aborda em especial as teorias do dano
comumente associadas às medidas preventivas (OCDE, 2022, p. 18).
Teorias do dano podem ser entendidas como os fundamentos pelos
quais se entende que determinada conduta seria (ou poderia ser)
anticompetitiva. No caso de medidas preventivas, a discussão seria se
sua concessão deveria se pautar apenas no caso de teorias do dano
bem-estabelecidas ou consolidadas, em relação à provável prática
concorrencial em questão, ou se teorias de dano novas ou ainda em
desenvolvimento/teste poderiam ser tidas como suficientes para
embasar uma medida preventiva.
Como indicado pela OCDE, essa discussão adquire especial
importância no contexto de condutas anticompetitivas envolvendo
mercados digitais, já que essa seara desafia teorias de dano tradicionais

376 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

e demanda análises mais sofisticadas e até mesmo inovadoras. Em


sede cautelar como são as medidas preventivas, e considerando
sua importância para preservar a concorrência justamente nesses
mercados tão sensíveis e de importância crescente, essa discussão se
mostra ainda mais premente.581
Ainda, a OCDE chama atenção a que os mercados digitais podem
ser entendidos como mais “prone to tipping”, no sentido de que, muitas
vezes, um player que inove num mercado tenderia a dominá-lo, sendo
que os demais players e entrantes teriam dificuldades de se consolidar
como rivais competitivos (OCDE, 2022, p. 19). Essa particularidade
tornaria especialmente relevante a aplicação de medidas preventivas
como um instrumento importante para a preservação da concorrência
e de modo a se evitarem distorções na estrutura de mercado.
Para a viabilidade dessa estratégia, seria especialmente
importante considerar o emprego de novas teorias de dano pouco
consolidadas, já que a permanência de uma conduta anticompetitiva
poderia dar origem a um dano ainda maior, dadas as características
desses mercados. Esse contexto também chama atenção ao elemento
de urgência (periculum in mora), que pode ser ainda maior nesses em
comparação com outros segmentos (OCDE, 2022, p. 27).
A OCDE também indica que, em mercados digitais, a assimetria
entre o dano à concorrência ausente a medida preventiva e o dano à
parte sobre a qual a medida se impõe (por exemplo, uma “big tech”)
pode ser maior, e isso poderia, em tese, flexibilizar um pouco mais
o standard para a aplicação de medidas preventivas de maneira mais
frequente nesses mercados. Por outro lado, destaca-se a dificuldade de
aferir o dano, ainda que preliminarmente, em termos de diminuição e
qualidade ou da inovação, fatores esses que costumam ser relevantes

581 Citando o Documento de Trabalho nº. 005/2020 – Concorrência em mercados


digitais: uma revisão dos relatórios especializados (2020), do CADE, Marco Antonio
Fonseca Jr. comenta que a dificuldade na intervenção em casos de consolidação em
mercados digitais é a eficiência gerada pelo movimento dos agentes econômicos, num
primeiro momento. Cf. Fonseca Jr., Marco Antonio. Política Antitruste Brasileira e
sua Capacidade de Enfrentamento dos Mercados Digitais: uma Proposta de Regulação
Concorrencial das Plataformas Digitais. Dissertação (Mestrado), Universidade de
Brasília, 2022, p. 183.

Estudos em Direito da Concorrência 377


Amanda Athayde

na teoria do dano em se tratando de mercados digitais (OCDE, 2022,


p. 20).
Alguns precedentes brasileiros que ilustram a discussão
acima são, de um lado, a investigação de supostas práticas de self-
preferencing e subsídios cruzados no segmento de vouchers/vale-
benefícios, e, de outro, o caso dos aplicativos de delivery de comida.
No primeiro caso, de investigação de supostas práticas de self-
preferencing e subsídios cruzados no segmento de vouchers/vale-
benefícios, a SG entendeu que precisaria aprofundar a investigação
de modo a potencialmente identificar os elementos de fumus boni iuris
(incluindo as teorias do dano potencialmente aplicáveis) e periculum in
mora, portanto rejeitou o pedido de medida preventiva da Associação
Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT)
contra o iFood Benefícios para que a empresa deixasse de oferecer
determinadas vantagens às companhias no setor de vale-benefícios e
aos usuários.582
No segundo caso, por outro lado, dos aplicativos de delivery
de comida, a SG entendeu haver elementos de potencialidade lesiva
e perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, especialmente
considerando-se tratar-se de mercado de plataforma online sujeito a
tipping effects, considerando-se o alegado poder de mercado já detido
pelo iFood, e impôs limitações à prática de exclusividade do iFood em
relação aos restaurantes credenciados à sua base.583
Pertinente à discussão envolvendo medidas preventivas é a
recente Recomendação CNJ nº 135, de 12 de setembro de 2022, que

582 Inquérito Administrativo nº 08700.001797/2022-09, Nota Técnica SG nº 7/2022 (SEI


no. 1051738). Esta investigação foi arquivada pelo CADE em 11.10.2022 conforme
Despacho SG nº 20/20211. Em 2.1.2023, o Conselheiro Gustavo Augusto avocou o caso
para análise no âmbito do Tribunal do CADE, nos termos do Despacho Decisório nº
1/2023 (SEI nº 1170709). Na Sessão Ordinária de Julgamento de 8.2.2023, o Plenário, por
unanimidade, homologou a proposta de avocação do Inquérito Administrativo com a
determinação de retorno à Superintendência-Geral para que o caso continue a ser
investigado em sede de Inquérito Administrativo, nos termos do Despacho Decisório
nº 1/2023 do Conselheiro Gustavo Augusto (cf. publicação do Referendo do Plenário no
Diário Oficial da União em 15.2.2023 – SEI nº 1190619).
583 Inquérito Administrativo nº 08700.004588/2020-47, Nota Técnica SG nº 4/2021 (SEI
no. 0875341) e Despacho SG nº 342/2021 (SEI no. 0876798).

378 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

recomenda aos magistrados ouvirem o CADE antes de concederem


tutelas de urgência relacionadas a processos administrativos do
CADE, com o objetivo de minimizar eventual abuso do direito de
demandar.584 Essa recente – e controversa – Recomendação CNJ
confirma a sensibilidade do tema de medidas preventivas em matéria
concorrencial.

5. CONCLUSÃO

Não há dúvidas de que as medidas preventivas são um instituto


fundamental para o direito concorrencial e para a própria eficácia
da política pública de defesa da concorrência. Tanto a Nota da
OCDE quanto a própria experiência da autoridade concorrencial
brasileira apontam para a consolidação e – por que não dizer – para a
popularização desse instituto, sendo que ele adquire uma importância
especial em face dos mercados digitais e dos desafios que eles impõem
à análise antitruste.
Considerando o período recente no Brasil, percebe-se o seguinte
cenário sobre a concessão de medidas preventivas, explicitado na
tabela a seguir:

584 Art. 1º. Recomendar aos magistrados, com o objetivo de maximizar a segurança
jurídica e de impedir o comprometimento da política de defesa da concorrência,
prevista na Lei no 12.529/2011, que, sempre que possível, realizem a oitiva do órgão
de defesa da concorrência, em especial a sua Procuradoria Federal Especializada,
antes de concederem tutelas de urgência relacionadas a processos administrativos
em tramitação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), assim
minimizando efeitos danosos decorrentes de eventual abuso do direito de demandar

Estudos em Direito da Concorrência 379


Amanda Athayde

Tabela 1 – Destaques de precedentes do CADE entre


2020 e 2022 sobre medidas preventivas585

Destaques de casos recentes de medidas preventivas no CADE

Empre-
Mercados
Caso Nº do processo sas/partes Decisão
envolvidos
envolvidas

Instrumentos
Apuração de Ato de de pagamen- Indeferi-
Meta
WhatsA- Concentração nº to/ creden- mento (após
(Facebook)
pp Pay 08700.002871/2020- ciamento reconsid-
/ Cielo
34 (adquirência) eração)
de transações

Plataformas
Inquérito Ad- Plataformas
agregadoras
ministrativo nº Gympass / agregadoras Deferimen-
de acade-
08700.004136/2020- Total Pass de academias to parcial
mias de
65 de ginástica
ginástica

Associação
Inquérito Ad- Nacional de
Aplicativos
ministrativo nº Restauran- Delivery de Deferimen-
de delivery
08700.004588/2020- tes / Rappi comida to parcial
de comida
47 /iFood /
outros

585 A tabela traz uma seleção de casos recentes em que, na visão dos autores, o tema
das medidas preventivas e suas questões mais centrais e prementes, a exemplo dos
princípios abordados no presente artigo, puderam ser identificados de forma mais
emblemática. Além disso, muitos desses casos referem-se a mercados dinâmicos,
especialmente mercados digitais, exemplificando, assim, a complexidade adicional
que eles trazem na seara das medidas preventivas. A seleção não pretende, portanto,
ser uma listagem exaustiva dos precedentes recentes envolvendo medidas preventivas.
Todos os casos citados foram localizados em pesquisa no sistema de busca de
jurisprudência do CADE (https://jurisprudencia.cade.gov.br/resultado-pesquisa),
entre 20.9.2022 e 1.3.2023, utilizando-se o termo de busca “medida preventiva”.
Todos os processos são também localizáveis no sistema de pesquisa processual geral
do “SEI”, pelo critério de busca “Nº do Processo ou Documento”, na página: https://
sei.cade.gov.br/sei/modulos/pesquisa/md_pesq_processo_pesquisar.php?acao_
externa=protocolo_pesquisar&acao_origem_externa=protocolo_pesquisar&id_
orgao_acesso_externo=0 (acesso em 1.3.2023).

380 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Cartões de Processo Ad- Clínica Cartões de


desconto ministrativo nº Odonto- descontos
Deferimento
odonto- 08700.002535/2020- company para serviços
lógicos 91 Capelinha odontológicos
/ CRO/MG

Serviços de
publicidade
e mercado
Pacotes de Procedimento Deferimen-
de venda de
incentivo a preparatório nº TVSBT / to (com
tempo/espaço
agências de 08700.000529/2020- Globo reversão
para publi-
publicidade 08 judicial)
cidade em
veículos de
comunicação.

Associação
Brasileira
Inquérito Ad- das Em-
Vouchers/
ministrativo nº presas de Indeferi-
vale-be- Vales-benefício
08700.001797/2022- Benefícios mento
nefícios
09 ao Trabalha-
dor – ABBT
/ iFood

Distribuição Inquérito Ad-


Distribuição de
de produtos ministrativo nº Indeferi-
XP produtos de
de inves- 08700.006476/2022- mento
investimento
timento 92.

Inquérito Ad-
Programas
ministrativo nº Heineken Deferimen-
de exclu- Cervejas
08700.001992/2022- / Ambev to parcial
sividade
21

Fonte: elaboração própria

Dos 8 (oito) casos do CADE entre 2020 e 2022 contabilizados


para fins do presente estudo das medidas preventivas, verifica-se que
em 3 (37,5%) houve o indeferimento do pedido de preventiva, em 3
(37,5%) houve o deferimento parcial do pedido e em 2 (25%) houve
o deferimento integral, sendo que em um destes, porém, houve a
reversão da medida judicialmente.
Considerando sua aplicação enquanto ainda pendente o
desfecho da investigação, a medida preventiva constitui ato de grande

Estudos em Direito da Concorrência 381


Amanda Athayde

poder que deve ser utilizado com parcimônia, de modo a se evitar o


overenforcement e causar mais mal do que bem à ordem concorrencial.
Da mesma forma, as autoridades concorrenciais devem evitar o
underenforcement, isto é, o conservadorismo levando à rigidez excessiva
na análise dos pressupostos que autorizariam a concessão de medidas
preventivas. Trata-se de um equilíbrio nada fácil de se manter, mas
certamente um objetivo a ser seguido em prol da eficácia da tutela
concorrencial.

382 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

BREVES ACENOS SOBRE AS POSSÍVEIS CONDUTAS


ANTICOMPETITIVAS HORIZONTAIS E VERTICAIS
IMPLEMENTADAS VIA BLOCKCHAIN

Publicado originalmente em: Direito, Empresas e Empreendedorismo


/ Organizadores: Vicente Bagnoli, et al. 1ª Ed. São Paulo: Eseni Editora,
2020.

Amanda Athayde

Bárbara Mendes Peres

Resumo: O presente estudo tem como objetivo apresentar breves


acenos sobre as possíveis condutas anticompetitivas horizontais e
verticais que podem ser implementadas via blockchain. Para tanto,
conceitua esta tecnologia, diferenciando blockchain pública e privada
e as categorias de blockchain 1.0, 2.0 e 3.0. Elenca, em seguida,
possíveis condutas horizontais implementadas na plataforma, quais
sejam, cartel e troca de informações comercialmente sensíveis. Elenca
ainda possíveis condutas verticais, como preços predatórios, venda
casada, recusa em negociar, margin squeeze, inovação predatória
e discriminação de preços. Expõe, por fim, a discussão acerca da
definição do mercado relevante e do poder de mercado no âmbito
da blockchain, com foco na theory of granularity, desenvolvida por
Thibault Schrepel.
Palavras-chave: Direito Antitruste. Blockchain. Definição do
mercado relevante. Poder de mercado. Condutas anticompetitivas.
Práticas restritivas verticais. Práticas restritivas horizontais.

Sumário: 1. Introdução; 2. Breves conceitos relacionados a


blockchain; 3. Possíveis condutas via blockchain; 3.1 Práticas restritivas
horizontais via blockchain; 3.1.1 Cartéis via blockchain; 3.1.2 Troca
de informações sensíveis entre concorrentes via blockchain; 3.2
Práticas restritivas verticais via blockchain; 3.2.1 Preços predatórios

Estudos em Direito da Concorrência 383


Amanda Athayde

via blockchain; 3.2.2 Venda casada via blockchain; 3.2.3 Recusa em


negociar via blockchain; 3.2.4 Margin squeeze via blockchain; 3.2.5
Inovação predatória via blockchain; 3.2.6 Discriminação de preços via
blockchain; 3.3. Quadro resumo das condutas horizontais e verticais
implementadas via blockchain; 4. Caracterização do mercado relevante
e do poder de mercado no âmbito da blockchain diante da theory of
granularity, desenvolvida por Thibault Schrepel; 5. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

O conceito de blockchain foi descrito pela primeira vez


em 2008 no artigo “Bitcoin: a Peer-to-Peer Electronic Cash System”,
de Satoshi Nakamoto – suposto pseudônimo do seu criador.
Segundo Zheng, essa tecnologia pode ser conceituada como um livro-
razão (ledger), no qual há o armazenamento de todas as transações
efetuadas em uma cadeia que cresce progressivamente à medida que
novas transações são confirmadas (ZHENG, 2018).
Desse modo, é possível a realização de operações entre
participantes que estão dispersos em uma rede que se diferencia
do modelo tradicional, na qual os fornecedores possuem o papel
de disponibilizar serviços, e os usuários atuam somente como
beneficiários. Na realidade, utiliza-se a rede peer-to-peer, em que cada
nó (peer) desempenha funções como cliente e também como servidor
(LOPES, 2014). Assim, a comunicação ocorre diretamente, inexistindo
um ponto central capaz de controlar as informações ou decidir
unilateralmente alterá-las.
As transações são vistas por todos os usuários, mas as razões
pelas quais foram efetuadas e os polos participantes são sigilosos,
tendo em vista a utilização do sistema de criptografia. Além disso,
quando efetuadas, são inseridas em blocos e registradas na blockchain
em formato de um “código alfanumérico”, denominado hash, que
é gerado automaticamente e, à medida que operações são feitas, as
informações anteriores são inseridas em um novo bloco juntamente

384 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

com as novas, criando-se um novo hash. Tendo em vista essas e outras


características da blockchain, a modificação de um bloco na cadeia é
quase impossível. Em sua essência, os dados não podem ser apagados,
somente atualizados (MOUGAYAR, 2016), e essa imutabilidade participa
da criação de confiança, cujo estabelecimento é fundamental para a
viabilidade da tecnologia e motivo de sua ampla adoção.
Assim, a blockchain oferece uma alternativa para o modelo
tradicional de negócios, pois possibilita a criação de confiança,
sem a necessidade de participação de um terceiro. No âmbito
empresarial, a referida tecnologia possui diversas aplicações, como
a possibilidade de utilização de smart contracts586 e a realização
de transações diretas587, de modo rápido e seguro (CATALINI;
TUCKER, 2018). Ademais, proporciona aos usuários um sistema
composto por dados criptografados e descentralizados, gerando
maior confiabilidade, criando uma infraestrutura de pagamento588
e reduzindo a burocratização e os custos (ALLESSIE; SOBOLEWSKI;
VACCARI, 2019). Desse modo, a blockchain tem o potencial de criar
eficiências substanciais na maneira pela qual as transações ocorrem e
as informações são registradas (NAZZINI, 2018).
Embora a blockchain apresente a capacidade de proporcionar
as mencionadas melhorias, está longe de ser perfeita (MASSAROTTO,

586 O termo smart contract, cunhado por Nick Szabo no artigo intitulado “Smart
Conctracts”, publicado em 1994, foi conceituado à época como um protocolo de
transação computadorizado que executa os termos de um contrato (SZABO, 1994).
A definição é constantemente retrabalhada e, atualmente, inexiste consenso acerca
de sua exata conceituação. Entretanto, smart contract pode ser definido como a
manifestação digital de um contrato, no sentido de que o acordado entre as partes
é transformado em um código computacional auto-executável quando cumpridas
determinadas condições (SCHECHTMAN, 2019).
587 Enquanto nas transações indiretas faz-se necessário a existência de um
intermediário para realização de operações, nas transações diretas estas são realizadas
de modo direto entre os polos.
588 A blockchain pode melhorar o sistema de pagamentos. Primeiro porque, ao
reduzir o número de intermediários, diminui os custos. Ademais, a visibilidade
e imutabilidade do banco de dados geram maior confiança. Além disso, facilita
transações internacionais, as quais podem ser realizadas mais rapidamente
(MUSIENKO, 2019).

Estudos em Direito da Concorrência 385


Amanda Athayde

2019). Dentre as razões de sua imperfeição encontram-se a dificuldade


de compreensão acerca do funcionamento da tecnologia pelo homem
médio, a menor velocidade que as transações nacionais são realizadas
em comparação com as que envolvem dinheiro ou cartão de crédito,
por exemplo, bem como o fato de que a falta de regulamentação
acarreta insegurança jurídica (MARR, 2020). Outra imperfeição
consiste no objeto deste estudo, qual seja, a possibilidade de utilização
da blockchain como meio para prática de condutas anticompetitivas
(SCHREPEL, 2019).
Diante desse cenário, serão inicialmente apresentados, de modo
breve, alguns conceitos relacionados a blockchain, como sua tipologia
de blockchain pública/aberta/sem permissão e de blockchain privada/
fechada/com permissão, bem como as suas categorias de blockchain
1.0, 2.0 e 3.0 (Seção 2). Em seguida, serão elencadas possíveis práticas
horizontais e verticais anticompetitivas implementadas na plataforma
(Seção 3). Feito isso, passa-se à análise de mercado relevante e poder
de mercado, a fim de que se possa investigar, se for o caso, as condutas
verticais implementadas via blockchain. Para tanto, será abordada a
theory of granularity, desenvolvida por Thibault Schrepel (Seção 4). Por
fim, serão apresentadas as conclusões.

2. BREVES CONCEITOS RELACIONADOS A BLOCKCHAIN

Na blockchain pública, também chamada de blockchain


aberta ou sem permissão, não é necessária permissão para acessar
as transações, efetuá-las ou fazer parte do processo de consenso.
Destarte, inexiste uma autoridade que detém poder de regulamentar
as atividades realizadas dentro da rede, visto que a validação é realizada
pelos próprios usuários, por meio do processo de consenso em cadeia.
Além da descentralização e da distribuição, outro ponto essencial é a
transparência, pois as transferências podem ser auditadas por todos
os usuários.

386 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Por sua vez, a blockchain privada, também denominada


blockchain fechada ou com permissão, traz a necessidade de
autorização para obter acesso às informações contidas em sua
cadeia, ou seja, o convite deve ser validado de acordo com as regras
implementadas inicialmente. Este sistema é subdividido em duas
categorias: (i) blockchain de entidade única, na qual uma única
entidade configurará o protocolo e executará o blockchain, enquanto
a permissão de leitura pode ser pública ou restrita aos membros (ii)
blockchain de consórcio, em que o processo de consenso é controlado
por um conjunto pré-selecionado de nós (SCHREPEL, 2018). Quanto às
blockchains semi-privadas, é importante frisar que são administradas
por uma única empresa, que concede acesso a qualquer usuário que
atenda aos critérios preestabelecidos. Diferentemente da blockchain
privada, em que, nos casos de leitura restrita aos membros, estes
estão presentes desde a implementação da blockchain, na blockchain
semi-privada os usuários qualificados são posteriormente aprovados
(SCHREPEL, 2018).
Ademais, de acordo com Swan, a tecnologia pode ser dividida
em três categorias: (i) blockchain 1.0, que possui como principal
característica a criação do conceito de criptomoedas virtuais;
(ii) blockchain 2.0, que se refere aos smart contracts e aplicações
descentralizadas, implementando operações automatizadas entre
usuários quando executados algoritmos predefinidos e (iii) blockchain
3.0, que cinge-se à difusão da tecnologia em toda a economia e
sociedade, sendo marcada pela sua utilização pelas ciências de forma
geral (SWAN, 2015).
Tais diferenciações conceituais serão relevantes para que
se analise, adiante, como suas implicações podem possibilitar a
implementação de condutas anticompetitivas via blockchain, sejam
elas horizontais ou verticais.

Estudos em Direito da Concorrência 387


Amanda Athayde

3. POSSÍVEIS CONDUTAS ANTICOMPETITIVAS VIA BLOCKCHAIN

A blockchain pode fomentar condutas que violam as leis


concorrenciais, seja por meio de práticas restritivas horizontais
(v.g., cartel e troca de informações) (3.1.), seja por meio de práticas
restritivas verticais (v.g., preços predatórios, venda casada, recusa
em negociar, margin squeeze, inovação predatória e discriminação de
preços) (3.2.).

3.1 POSSÍVEIS CONDUTAS HORIZONTAIS VIA BLOCKCHAIN

Será apresentado a seguir como a blockchain pode facilitar


a formação de cartéis (3.1.1.), bem como a troca de informações
sensíveis (3.1.2.) entre os usuários da tecnologia.

3.1.1 CARTÉIS VIA BLOCKCHAIN

O cartel pode ser definido como a realização de acordos explícitos


ou tácitos entre concorrentes do mesmo mercado, envolvendo parte
substancial do mercado relevante, em torno de itens como preços,
distribuição e divisão territorial, na tentativa de aumentar preços e
lucros conjuntamente para níveis mais próximos dos de monopólio
(CADE, 2009).
Há autores que dizem, inclusive, que a blockchain facilita o
gerenciamento de cartéis para grupos que não confiam uns nos
outros, mas que precisam atuar conjuntamente para proteger o valor
e a estabilidade dos mercados que atuam (KAMINSKA, 2015). Outros,
entendem que essa preocupação é superestimada (NAZZINI, 2018).
Um dos principais motivos dessa possibilidade é a transparência
da tecnologia, uma vez que, em princípio, os membros da blockchain
podem ter acesso às informações presentes na plataforma. Isso
sugere que a coordenação de preços pode surgir à medida que os

388 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

concorrentes em uma blockchain veem os preços mudarem com


maior velocidade e precisão do que antes, e adaptam suas ações
futuras como resultado (DESAI, 2018). A ocorrência desta prática
pode se dar, inclusive, através de um smart contract que imponha o
conluio, principalmente se associado a algoritmos de precificação
que são ajustados automaticamente quando satisfeitas determinadas
condições (LIANOS, 2019).
Thibault Schrepel aduz que a blockchain pode constituir em
si um cartel, se criada com o único fim de implementar práticas
anticoncorrenciais futuras ou pode ser um meio para posteriormente
ocorrer essas práticas, caso haja um acordo entre concorrentes para
fixar preços e dividir mercados, por exemplo. Como exemplo, o referido
autor dispõe que pode haver união de empresas com o fim de criar um
cartel para dividir o mercado entre elas e, para efetivar e garantir o
cumprimento do acordado, utilizam smart contracts (SCHREPEL, 2019).
Alguns autores, porém, sustentam que os cartéis podem ser mais
facilmente estabelecidos em blockchains privadas, uma vez que esta
oferece imutabilidade e publicidade aos usuários e, ao mesmo tempo,
detém opacidade em relação ao exterior (TAUFICK, 2020).

3.1.2 TROCA DE INFORMAÇÕES SENSÍVEIS ENTRE


CONCORRENTES VIA BLOCKCHAIN

A troca de informações constitui elemento fundamental da


blockchain, e seus efeitos serão benéficos ou danosos589 à sociedade a
depender das características dos dados compartilhados e da natureza
da concorrência no mercado (NITSCHE; HINTEN-REED, 2004).
Informações estratégicas relacionadas, por exemplo, a investimentos,
produção, preços, vendas e custos, são mais prováveis que produzam
efeitos restritivos a concorrência (NAZZINI, 2018).

589 Os principais motivos para levarem essa constatação pelos autores seria o fato de
que, em que pese a blockchain promover avanços tecnológicos e institucionais, pode
viabilizar a prática de condutas anticompetitivas.

Estudos em Direito da Concorrência 389


Amanda Athayde

Na obra “Collusion by Blockchain and Smart Contracts”, inclusive,


Schrepel aduz que a criação da blockchain pode constituir acordo
proibido ou prática colusória, se concebida com o único fim de
compartilhar informações sensíveis à concorrência. Ainda que criada
com finalidade distinta, é possível, posteriormente, a implementação
de práticas anticoncorrenciais, uma vez que podem ser compartilhadas
na plataforma informações sensíveis. Se na blockchain pública, todos
terão acesso aos dados, se na blockchain privada, apenas as empresas
participantes (SCHREPEL, 2019).
É certo que, na maioria das vezes, o alto grau de confiança entre
as empresas em conluio torna mais difícil a identificação de práticas
colusivas. No âmbito da blockchain isso pode ser ainda mais difícil,
tendo em vista que essa tecnologia pode aprimorar a cooperação entre
os participantes envolvidos na prática anticompetitiva. Tal conduta
pode ser reforçada por smart contracts, os quais podem ser desenhados
para instituir punições automatizadas e direcionadas à parte que violou
o acordo, além de diminuir a necessidade de as partes confiarem na
ameaça de estratégias de punição, o que torna os resultados colusivos
mais estáveis (MASSAROTTO, 2019). Isso ressoa ainda mais evidente
nas blockchains privadas, que podem, ainda, garantir a exclusão de
dados incriminadores, já que nesse âmbito é possível modificar a
maneira como a próprio blockchain opera.
Desse modo, as sociedades empresárias devem estar cientes
dos riscos de trocar informações competitivas por meio de transações
registradas em blockchain e garantir que nos blocos que contenham
esses dados a criptografia seja usada adequadamente (SIMPSON, 2016).
Percebe-se, portanto, que o compartilhamento de informações
sensíveis via blockchain pode constituir uma prática anticompetitiva.
Entretanto, deve-se averiguar a natureza dos dados que serão
disponibilizados na plataforma, uma vez que, se de natureza pública
ou não prejudicial à competição, muito possivelmente não constituirá
violação às regras concorrenciais (SCHREPEL, 2019).

390 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

3.2 POSSÍVEIS CONDUTAS VERTICAIS VIA BLOCKCHAIN

Além das práticas restritivas horizontais que podem ser


implementadas via blockchain, é possível a ocorrência de práticas
verticais nesse âmbito, como preços predatórios (3.2.1.), venda casada
(3.2.2.), recusa em negociar (3.2.3.), margin squeeze (3.2.4.), inovação
predatória (3.2.5.) e discriminação de preços (3.2.6.).

3.2.1 PREÇOS PREDATÓRIOS VIA BLOCKCHAIN

Preço predatório é a deliberação por parte de uma empresa


dominante em incorrer em perdas no curto prazo para eliminar
concorrentes e auferir lucros a longo prazo através da cobrança de
preços de monopólio (NIELS, G.; JENKINS, H.; KAVANAGH, 2011).
Assim, esta prática pressupõe preços baixos, credibilidade e ausência
de reentrada (EDLIN, 2012).
Nas blockchains públicas é improvável a ocorrência desta prática,
tendo em vista a dificuldade de alterar a estrutura de governança após
sua implementação, de modo que ela deveria ser criada de forma
a possibilitar a posterior implementação da conduta. Entretanto,
como nas blockchains privadas o protocolo pode ser modificado
sem a autorização dos usuários, é possível que, com finalidades
anticoncorrenciais, as taxas de transação sejam alteradas facilmente
em resposta ao do concorrente, objetivando o encerramento das
empresas concorrentes (SINANIOTIS, 2018).
Assim, como Østbye observa, o preço predatório pode ser uma
preocupação quando estabelecidas taxas de transação abaixo do custo
nas blockchain privadas, de modo a excluir concorrentes ou subsidiar
cruzadamente certos comerciantes com o fulcro de inviabilizar
a obtenção de lucros no mercado por determinado concorrente
(ØSTBYE, 2017).

Estudos em Direito da Concorrência 391


Amanda Athayde

3.2.2 VENDA CASADA VIA BLOCKCHAIN

A venda casada pode ser definida como a prática que retira


do consumidor a liberdade e a oportunidade de adquirir o bem ou
serviço que deseja sem que seja compelido a adquirir outro bem ou
serviço590. No ambiente virtual, essa conduta pode ser utilizada por
empresas dominantes que almejam estender seu poder de mercado
para produtos ou serviços adjacentes (SAITO, 2016).
Considerando a dificuldade de modificar o modo de
funcionamento da blockchain pública e o fato de que é da sua própria
natureza o livre acesso, a ocorrência dessa prática é improvável nesse
âmbito. A implementação demandaria a incorporação a partir da
criação da plataforma, o que resultaria redução no número potencial
de usuários (SCHREPEL, 2019).
Entretanto, como as blockchains privadas podem posteriormente
incorporar novas regras de governança (TAUFICK, 2020), podendo seu
protocolo ser facilmente modificado, pois independe da aprovação
dos demais usuários, é possível a ocorrência de venda casada.
Assim, se determinada blockchain condiciona a participação do
usuário na plataforma ou a aquisição de criptmoedas à contratação
de determinados serviços adicionais, isso pode constituir uma prática
anticompetitiva (ØSTBYE, 2017). No mesmo sentido, Schrepel dispõe
que a venda casada pode ocorrer nos casos em que é exigida uma
conta em outra plataforma para conectar-se à blockchain.
É certo que a verificação desta prática deve se pautar em uma
análise casuística, a qual deve considerar se: (i) o representado possui
poder de mercado no setor do bem principal; (ii) o bem principal
e o complementar são diferentes; (iii) os produtos são vendidos
conjuntamente; (iv) a venda casada obsta a entrada de concorrentes; (v)

590 Segundo Forgioni, a venda casada ocorre nas hipóteses em que um sujeito
subordina a venda de um bem à aquisição de outro, ou à utilização de um serviço
(produto ou serviço vinculado, subordinado ou tied product). FORGIONI, Paula A.
Direito Concorrencial e Restrições Verticais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2007, p. 245.

392 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

a venda casada gera prejuízos ao consumidor; (vi) surgem eficiências


dessa integração (EDELMAN, 2015 apud SAITO, 2016).

3.2.3 RECUSA EM NEGOCIAR VIA BLOCKCHAIN

É certo que as sociedades empresárias possuem autonomia


privada para optarem por quais negócios irão obter eficiência
econômica. Entretanto, essa liberdade é mitigada nas hipóteses
em que o player é fornecedor de um insumo ou uma infraestrutura
considerada essencial ao agente econômico que sofreu a recusa,
ocasionando a retirada deste do mercado ou onerando os custos de
sua permanência (FRAZÃO, 2017).
Essa conduta é incompatível com a natureza das blockchains
públicas, pois, como inexiste seleção de usuários, a recusa em
conceder acesso nesse âmbito teria que ser implementada dentro de
seu design de governança, o que é inviável. Por outro lado, a natureza
das blockchains privadas facilita a prática, uma vez que a recusa ao
acesso geral é característica essencial dessa modalidade, uma vez que
a integração na plataforma imprescinde de convite ou autorização
de determinado(s) usuário(s). Segundo Ioannis Lianos, os riscos
aumentam à medida que o acesso à blockchain se torna indispensável
para não-membros competirem (LIANOS, 2019).
Destarte, devem-se estabelecer parâmetros mínimos para
considerar em quais circunstâncias não é possível a recusa em
negociar nas blockchains privadas, ou seja, nas hipóteses em que o
acesso constitui elemento essencial para viabilizar a competição,
é compulsória a submissão dessa plataforma às regras de acesso
obrigatório e não discriminatório a terceiros (DOMINGUES; FRAGA;
GABAN, 2019).

Estudos em Direito da Concorrência 393


Amanda Athayde

3.2.4 MARGIN SQUEEZE VIA BLOCKCHAIN

O margin squeeze ocorre quando uma empresa dominante


verticalmente integrada, que atua no mercado a montante e a jusante,
define um preço para inviabilizar a sobrevivência das empresas e a
competição no mercado a jusante, tendo em vista o alto valor cobrado
pelo do insumo em comparação ao valor do bem final (OCDE, 2009).
As blockchains públicas são descentralizadas e impedem o
exercício vertical, inexistindo uma entidade que a controle, uma vez
que as regras emergem do consenso dos participantes. Destarte, é
improvável a implementação da conduta nesse âmbito.
Por outro lado, é possível a ocorrência de margin squeeze nas
blockchains privadas, dada sua natureza verticalizada. Soma-se a
isso o fato de que os diferentes tipos de blockchain (1.0, 2.0 e 3.0)
possibilitam a execução de aplicativos na blockchain. Nesse sentido,
Schrepel dispõe que a existência desses aplicativos possibilitam que a
empresa dominante altere o preço cobrado na blockchain, culminando
na ocorrência de margin squeeze na blockchain privada (SCHREPEL,
2019).

3.2.5 INOVAÇÃO PREDATÓRIA VIA BLOCKCHAIN

A inovação predatória pode ser conceituada como a alteração


de um ou mais elementos técnicos de um produto com o objetivo de
limitar ou eliminar a concorrência (SCHREPEL, 2018). Ana Frazão
destaca que, para fins de averiguação desta prática, a inovação não
deve ser considerada algo necessariamente benéfico, caso contrário,
não restaria caracterizado tal comportamento, mas apenas disfarces
para encobrir condutas que, na sua essência, são anticoncorrenciais.
Deveras, na inovação predatória as repercussões concorrenciais
negativas superam consideravelmente os eventuais benefícios
(FRAZÃO, 2017).

394 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Schrepel dispõe que na blockchain pública essa prática


somente pode ser implementada se um novo design de governança
for adotado pela maioria dos mineradores, o que é improvável, pois,
além de demandar o consenso dos usuários, não é possível substituir
a blockchain original. Entretanto, ele aduz que a futura introdução de
novos modelos de governança pode facilitar a inovação predatória.
Por outro lado, como na blockchain privada o design de
governança pode ser facilmente modificado para impedir o acesso
de determinado usuário ou impossibilitar a consulta às informações
da tecnologia, o registro de transações e a participação no processo
de validação de bloco, é possível implementação dessa prática
(SCHREPEL, 2019).

3.2.6 DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS VIA BLOCKCHAIN

A discriminação de preços ocorre quando o produtor utiliza o seu


poder de mercado para fixar preços diferentes para o mesmo produto
ou serviço, discriminando os compradores, apropriando-se de parcela
do excedente do consumidor e, consequentemente, elevando seu
lucro (CADE, 2016). A discriminação de preços não é intrinsecamente
anticompetitiva, eis que, se vista sob sua forma mais ordinária, por
exemplo, nos casos de descontos concedidos, é uma prática inerente
às relações de mercado. Porém, em certas situações, a conduta
acarreta efeitos anticoncorrenciais, pois permite ao vendedor, sob
determinadas condições, comercializar o produto pelo valor máximo
que cada consumidor aceita pagar (LEAL, 2003).
O visible effect591 das blockchains públicas dificulta a ocorrência
de discriminação de preços, uma vez que a visibilidade das
atividades pelos demais usuários permitiria a identificação da prática
anticompetitiva, bem como poderia reduzir o interesse na utilização
da plataforma.

591 Expressão utilizada por Schrepel para elucidar o fato de que as atividades
realizadas na blockchain pública são visíveis pelos demais usuários.

Estudos em Direito da Concorrência 395


Amanda Athayde

Schrepel aduz que a realidade nas blockchains privadas é diversa,


pois a diferenciação de tratamento dos participantes é uma estratégia
para estimular determinados usuários a ingressarem e utilizarem
a blockchain privada. Assim, a discriminação de preços poderia ser
utilizada como instrumento para obstar a entrada de alguns usuários
e incentivar outros a permanecerem na plataforma. A título de
exemplificação, o mencionado autor dispõe que a empresa que executa
a blockchain privada pode implementar preços discriminatórios
como forma de retribuir determinado participante por uma vantagem
comercial concedida (SCHREPEL, 2019).

3.3. QUADRO RESUMO DAS CONDUTAS HORIZONTAIS E


VERTICAIS IMPLEMENTADAS VIA BLOCKCHAIN

Diante de todo o apresentado nas seções 3.1. e 3.2., apresenta-


se um esquema que elenca as possíveis condutas anticompetitivas
implementadas via blockchain, nos termos da doutrina:

396 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Quadro 1 – Possíveis condutas anticompetitivas implementadas via blockchain

Fonte: elaboração própria.

4. CARACTERIZAÇÃO DO MERCADO RELEVANTE E DO PODER


DE MERCADO NO ÂMBITO DA BLOCKCHAIN DIANTE DA THEORY
OF GRANULARITY, DESENVOLVIDA POR THIBAULT SCHREPEL

Uma vez apresentadas as possíveis condutas anticompetitivas


implementadas via blockchain, cumpre também superar o passo da
análise de mercado relevante e poder de mercado, a fim de que se
possa investigar, se for o caso, as condutas verticais.
A determinação da existência de uma posição dominante requer
a definição do mercado relevante e do poder de mercado exercido
pelas entidades (LIANOS, 2019). Entretanto, os mercados digitais

Estudos em Direito da Concorrência 397


Amanda Athayde

nem sempre se amoldam à ideia de recorte material e espacial para


viabilizar a análise dos efeitos de determinado comportamento
(GABAN; DOMINGUES; SILVA, 2019).
Para que as eventuais práticas anticompetitivas que
eventualmente ocorram na blockchain sejam sancionadas, a recente
obra intitulada “The Theory of Granularity: A Path for Antitrust in
Blockchain Ecosystems”, do autor Thibault Schrepel, busca traçar
parâmetros que viabilizem a caracterização do mercado relevante e do
poder de mercado no âmbito da blockchain. O referido autor assenta
que a lei antitruste é baseada na teoria da empresa de Ronald Coase592,
a qual está apoiada no controle vertical que as sociedades empresárias
exercem, bastando, portanto, a análise do topo da pirâmide. Entretanto,
a natureza horizontal da blockchain pública impossibilita o exame
anticoncorrencial nos mesmos moldes tradicionais593. Soma-se a isso
o fato de que a liberdade dos usuários para entrarem ou saírem da
plataforma dificulta a delimitação de fronteiras com vistas a punir
eventuais práticas (SCHREPEL, 2020).
Segundo Schrepel, a delimitação de fronteiras da empresa é
essencial, pois possibilita (i) identificar a empresa e definir o tipo
de atividade realizada, averiguando se a lei antitruste é aplicável; (ii)
avaliar o poder de mercado e a legalidade de práticas e (iii) atribuir
responsabilidade quando caracterizada violação às leis antitruste.
Como mencionado, na teoria tradicional, a averiguação
dos pontos supracitados se baseia na análise do controle vertical

592 A teoria da empresa foi desenvolvida pelo economista britânico Ronald Coase,
em seu artigo The Nature of the Firm, em 1937. Ao estudar a natureza da empresa e
suas características, o autor aduz que a organização das sociedades empresárias é
necessária para diminuir os custos de transação que recaem sobre o empreendedor.
O principal motivo para tanto é o fato de que nas sociedades empresárias há o
exercício de comando e controle, ou seja, o poder é exercido verticalmente.
593 Catalini e Tucker dispõem que a natureza descentralizada da blockchain
dificulta identificação da(s) entidade(s) para fins de responsabilização, pois a lei
antitruste baseia-se na premissa de que houve prévia delimitação da(s) empresa(s)
que executaram práticas anticoncorrenciais (CATALINI; TUCKER, 2018). Da mesma
forma, Østbye aduz que a incidência da referida legislação pressupõe a existência de
uma entidade responsável e a blockchain se diferencia da organização padrão das
empresas (ØSTBYE, 2017).

398 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

exercido pelas empresas. Contudo, o mesmo raciocínio não pode


ser transposto para o contexto da blockchain, pois a inexistência de
comando e controle verticalizado neste âmbito, bem como a ausência
de bordas bem definidas, dificulta a responsabilização por práticas
anticompetitivas.
Assim, a aplicação da lei antitruste e a definição do mercado
relevante no contexto dessa tecnologia somente seria possível através
da utilização da denominada “theory of granularity”, a qual visa a
analisar os menores organismos da blockchain, o papel que eles
desempenham e seu dinamismo, pois somente alcançando o nível
de granularidade, a governança pode ser entendida adequadamente
(SCHREPEL, 2020).
A fim de elucidar a teoria, o referido autor discorre que os
participantes da blockchain podem ser divididos essencialmente em
três grupos distintos: fundadores, usuários e mineradores, os quais
garantem o funcionamento e o estabelecimento de confiança na
blockchain. Contudo, não são capazes de exercer individualmente o
controle completo sobre a plataforma, tendo em vista a descentralização
da blockchain.
Schrepel destaca que a ausência de estrutura verticalizada não
significa que inexiste exercício de controle, pois, no contexto da
blockchain pública, há um conjunto de participantes que colaboram
para garantir e maximizar a sobrevivência da plataforma, como nos
casos daqueles que despenderam alto investimento nesse âmbito.
Desse modo, mesmo com governança descentralizada, um grupo
de participantes pode obter uma forma de controle direto sobre o
blockchain contornando restrições imposta a eles (SCHREPEL, 2020).
Destarte, apesar de ser possível que os interesses a curto
prazo desses usuários sejam diferentes, eles cooperam entre si para
garantir a sobrevivência da blockchain. Esse conjunto de usuários
é denominado por Schrepel de “blockchain nucleus”, o qual pode ser
identificado a partir da aferição de três elementos: (i) capacidade
técnica para desfrutar de um poder restrito e horizontal de comando

Estudos em Direito da Concorrência 399


Amanda Athayde

e controle; (ii) capacidade de interferir com o valor econômico da


blockchain e (iii) capacidade de influenciar as normas da blockchain.
Saliente-se que os atributos que devem ser levados em
consideração para avaliar os elementos supracitados dependem
da análise casuística. O mesmo ocorre na aferição da dimensão
geográfica dos mercados relevantes, pois, em que pese a utilização do
idioma universal nas blockchains e o seu potencial para exceder as
fronteiras físicas legais, nem todas competem em âmbito global, mas
podem estar restritas a áreas locais (SCHREPEL, 2019).
Feita a caracterização do “blockchain nucleus”, torna-se possível
determinar o mercado relevante e o poder de mercado, uma vez que
é criada uma ficção jurídica à qual a lei possa ser aplicada, ou seja, a
partir dessa definição resta possibilitada a delimitação de fronteiras
para fins de responsabilização.
Note-se, portanto, que a natureza descentralizada da blockchain
é um elemento diferenciador em relação às sociedades empresárias
e impede a análise antitruste nos moldes tradicionais. Entretanto,
em que pese a governança horizontal, é possível que um grupo tenha
controle direto sobre a plataforma (blockchain nucleus).
A mencionada teoria, ao criar uma ficção jurídica, possibilita
a identificação dos participantes que podem ser responsabilizados
por uma violação ao direito antitruste, quando praticadas condutas
anticoncorrenciais via blockchain.
É um desafio definir com precisão o tamanho do núcleo, pois
sua caracterização não é feita nos mesmos moldes das sociedades
empresárias. Entretanto, a delimitação compete aos tribunais e as
autoridades antitruste, os quais, ao delineá-lo, observarão os critérios
elencados acima, com base em elementos concretos, a fim de ​garantir
segurança jurídica e impedir falhas (SCHREPEL, 2020).
Identificado o núcleo da blockchain, pode-se determinar o
tipo de atividades em torno das quais ela é construída, bem como a
dimensão geográfica na qual são exercidas. Delimitado o mercado
relevante nas dimensões material e geográfica, cria-se condições
para mensurar não apenas a participação dos agentes econômicos no

400 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

mercado em geral, mas para identificar o poder de mercado (FERRAZ


JR., 2018).
A definição de mercado relevante é de suma importância e
possibilita aferir o poder de mercado. Assim, através de análise
casuística, ao comparar os diferentes núcleos da blockchain no mesmo
mercado relevante, bem como investigar a existência de posição
dominante e outras variáveis, como a existência de competição, torna-
se possível averiguar a existência de poder de mercado (CADE, 2016).
Com base nessa análise, portanto, é possível investigar, se for o caso,
as condutas verticais, que demandam a verificação prévia do mercado
relevante e do poder de mercado do agente que implementa a suposta
prática anticompetitiva.

5. CONCLUSÃO

A blockchain é uma tecnologia que permite o registro seguro


e transparente de dados. Por outro lado, podem ocorrer práticas
anticompetitivas na plataforma, merecendo, portanto, análise sob a
ótica do Direito Antitruste. É baixa probabilidade de implemento de
práticas anticompetitivas nas blockchains públicas, pois estas possuem
o denominado visible effect, em que as operações realizadas neste
âmbito são visíveis pelos demais usuários. Soma-se a isso dificuldade
de modificar o protocolo após sua criação, de modo que a plataforma
deveria ser instaurada como instrumento de implementação da
conduta, o que é improvável.
Diversa é a realidade das blockchains privadas, nas quais é
provável a implementação de condutas anticoncorrenciais, pois,
além de inexistir visible effect, é possível modificar o funcionamento
da blockchain sem a aprovação dos demais membros, pois o processo
de consenso é controlado por um conjunto pré-selecionado de nós. É
nesse contexto que foram apresentadas as possíveis práticas restritivas
horizontais implementadas na plataforma, quais sejam, cartel e
troca de informações comercialmente sensíveis, além das possíveis

Estudos em Direito da Concorrência 401


Amanda Athayde

condutas verticais, como preços predatórios, venda casada, recusa


em negociar, margin squeeze, inovação predatória e discriminação de
preços.
Identificada a ocorrência das possíveis condutas anticompetitivas
horizontais e verticais implementadas via blockchain, para fins de
responsabilização do agente que implementa a prática é essencial a
definição do mercado relevante e do poder de mercado na blockchain,
a qual é possível através da utilização theory of granularity, que
visa analisar os menores organismos da blockchain, o papel que
eles desempenham e seu dinamismo, a fim de alcançar o nível de
granularidade e entender a governança neste âmbito (SCHREPEL,
2020).

402 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

HOW GOVERNMENT SUBSIDIES CAN CHANGE


PREDATORY PRICING ANTITRUST INVESTIGATIONS:
FINDING THE ANTITRUST ‘CODFISH HEAD’

Publicado originalmente em: SSRN em 01/12/2023. Disponível em:


< https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=4640428>

Amanda Athayde

Luis Henrique Perroni Fernandes

ABSTRACT: The records show only one single case, in 1987,


in which Brazilian antitrust authority (CADE) condemned predatory
pricing. Under new Brazilian Competition Act (Law 12,529/2011),
CADE has never convicted companies nor individuals in the various
investigations undertaken. There is a mystic around predatory pricing
in Brazil, being humorous called by scholars a “codfish head” of
the antitrust. Is this the destiny of predatory pricing in Brazil? This
paper challenges the many views in the sense that the accusations
of predatory in Brazil to CADE are doomed to failure by presenting
new developments in the international outlook, especially in Europe,
concerning the concession of government subsidies. It is an innovative
angle, we hope fresher, regarding this topic that aims at inspiring
changes in the way that predatory pricing is currently persecuted in
Brazil.
KEYWORDS: Predatory Pricing – CADE – Brazil – International
Scenario – Government Subsidies – – Competitive Analysis – Changes.
SUMMARY: I. Introduction; II. Brief History of Predatory Prices
in Brazil: How the Codfish Head Disappeared; III. New Movements on
Predatory Prices Abroad and How to Find the Cod’s Head in the Face of
Government Subsidies; IV – Final Considerations; V. References.

Estudos em Direito da Concorrência 403


Amanda Athayde

1. INTRODUCTION

The practice of predatory pricing has already been considered


by scholars as the codfish head of antitrust.594 It could also be
considered the caviar antitrust practice, a la Zeca Pagodinho, “Never
seen, ain’t eaten, I only hear about it”. This is because, despite being
much commented on by businessmen complaining about competition
and always explained on university benches, the practice of predatory
pricing finds a dilemma between theory and practice.
The practice of predatory pricing consists of the sale of goods or
provision of services at prices unjustifiably below cost, as defined in
item XV of article 36 of Law No. 12,529/2011. It is an antitrust conduct
with the potential to violate the economic order, insofar as the
intentional practice of excessively low prices allows the predatory firm
to harm competition and gain (or maintain) market power through the
exclusion of competitors, or the disincentive for new firms to enter the
market. As a result, there is a limitation to free competition and free
enterprise, as well as an artificial and predatory increase in profits and
market share.
To be able to charge prices below their cost, the predatory
undertaking must also be able to internalize the excess costs and
temporary losses resulting from the unjustified reduction, so that it can
recover them in the future, with which the anti-competitive practice
is consummated. The illegality is not in the behavior itself (price
reduction), but in the anti-competitive strategy, aimed at eliminating
the competitor from the market.
Pursuant to Annex I of CADE Resolution No. 20/1999595, predatory
pricing is defined as horizontal restrictive practice aimed at reducing

594 JASPER, Eric Hadmann. CAUHY, Bárbara de’Carli. Cabeça de bacalhau do


antitruste. Portal Jota, 10 Dez. 2022. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-
analise/artigos/cabeca-de-bacalhau-do-antitruste-10122022
595 Although CADE’s Resolution 20/1999 was revoked by CADE’s Resolution 45/2007,
Annex I was not expressly revoked, so it has been understood that it remains a valid
document to assist in the interpretation of practices that restrict competition. We will
take the guide contained in Annex I into consideration, but not as a decisive guideline,

404 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

or eliminating competition in the market. It is generally seen as a


deliberate practice of pricing below the average variable cost, aiming
to eliminate competitors to be able to practice prices and profits
closer to the monopoly level later. The examination of predatory
pricing requires, according to the document, a detailed analysis of
effective cost conditions and price behavior over time to rule out the
hypothesis of normal seasonal practices (such as discounts for stock
spawning, for example) or other legitimate business policies of the
company (such as entry strategies, for example), in addition to the
analysis of strategic behavior, assessing the objective conditions of
potentially extraordinary future gains sufficiently high and capable
of compensating for the losses arising from sales below cost (the loss
incurred during the predation period would constitute an “investment”
to be offset by future extraordinary profits).596 It is, therefore, a long-
term analysis.597
In turn, the Annex to CADE’s Ordinance 104/2022 provides a
Guide to the Economic Analysis of the Practice of Predatory Pricing,
which replaced SEAE Ordinance No. 70/2002. The contents are similar,
but there have been adaptations to reflect the provisions of Law No.
12,529/2011.598 The Guide is divided into five sections that contain
the five stages of analysis recommended by CADE for the correct
assessment of predatory pricing. Different hypothetical scenarios are
presented and, following each of them, the Guide points out the reasons
why predatory pricing would or not be characterized. In addition to
the relationship between average total cost of production and price,
also due to the criticisms directed at it by CADE’s own Department of Economic Studies,
as will be seen below. Available at: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=96756.
It should be noted that the fact that CADE has recently republished the Guide for the
Economic Analysis of the practice of Predatory Pricing through CADE Ordinance
No. 104/2022, without having made any substantive change, is a firm indication that
CADE should not, at least in the short and medium term, change the way it analyzes
predatory prices.

596 Item A.4 of Annex I of CADE Resolution 20/1996.


597 Item B.3.1.1. Annex I of CADE’s Resolution 20/1996.
598 EEAS Ordinance No. 70/2002 is available at: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-
de-conteudo/publicacoes/normas-e-legislacao/portarias/Portaria70_2002.pdf.

Estudos em Direito da Concorrência 405


Amanda Athayde

the Guide indicates that it is necessary to consider the structure of the


affected market when analyzing whether certain prices are predatory.
Thus, entry conditions, offer conditions and financing capacity are
elements to be examined by CADE. According to the Guide, in order
to assess whether predatory pricing conduct represents a competitive
offence, it is necessary to (i) define a relevant market; (ii) in which
entries are not easy; (iii) there is idle capacity; (iv) the accused company
is able to finance it; and (v) the price is lower than the average variable
cost, (vi) without justification, such as a sudden contraction in demand
or sudden excess capacity.
It is known that the predatory pricing is the hardest
anticompetitive practice to prove and prosecute in the world, in view
of its complex methodology and high standard of proof, aggravated
by the fact that it deals directly with the freedom of pricing by market
agents, an element that the antitrust authorities, including CADE, are
reluctant to intervene. In fact, there are few foreign cases of predatory
pricing.
Despite the conceptual scenario presented herein, Brazilian
antitrust practice has been reticent with predatory price investigations.
According to the Jasper and Cauhy’s spoiler, there is a historical decision
of predatory prices in Brazil. To understand the development of the
matter, the Chapter II will present some of the main cases of predatory
pricing in Brazil, explaining the background of the cod head of antitrust
status. Then, in the Chapter III, to contribute to the discussion, we
will present recent developments in the international context on this
practice, especially from the point of view of government subsidies.
With this new perspective, the first lines will be drawn on how both
issues meet and how new cases of predatory pricing may arise in the
face of a global increase in the granting of government subsidies.
Maybe we can finally see the head of the cod.

406 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

2.BRIEF HISTORY OF PREDATORY PRICES IN BRAZIL:


HOW THE HEAD OF COD DISAPPEARED

In relation to the case law, there is a record of a single conviction


dated 1987 in which CADE concluded, after accusation filed by Nortox
Agro Química S.A., that the Central de Cooperativas de Produtores
Rurais do Rio Grande do Sul Ltda. (“Centrasul”) and the company
Defensa – Indústria de Defensivo S.A. (“Defensa”) would have abused
their economic power by selling herbicide “for prices lower than the
real price that caused monopolistic conditions.”
Although there have been no new convictions since 1987,
there are a reasonable number of CADE decisions that provide some
guidance regarding the standard of proof and the most relevant aspects
considered by the authority in the analysis of alleged predatory prices.
We highlight below emblematic cases that deserve special attention,
and, at the end of this section, we present a summary table containing
the cases of predatory prices examined by CADE during the term of
Law No. 12,529/2011:
The first of them had as its starting point the complaint of the
Sindicato da Indústria da Extração do Sal no Estado do RN (“SIESAL”)
and the Federação das Indústrias do Estado do RN (“FIERN”), and CADE
analyzed on a preliminary basis whether Empremar S.A. (“Empremar”)
would have practiced predatory prices, via undercutting of maritime
fronts, in the market for the supply of salt in bulk.599 CADE’s analysis
observed the stages of the Guide for the Economic Analysis of the
practice of Predatory Pricing mentioned above, having overcome the
phases of definition of the relevant market and (unfavorable) entry
conditions. When evaluating the possibility of re-entry of competitors
that allegedly had been excluded from the market because of the
practice of predatory pricing, CADE concluded that the fact that such
competitors operate in other salt production markets (other than in
bulk) makes their subsequent re-entry, in the event of an eventual

599 CADE. Preliminary Investigation No. 08012.001022/2008-25.

Estudos em Direito da Concorrência 407


Amanda Athayde

increase in Empremar’s prices, possible. There would therefore be no


economic rationality. It is worth mentioning that CADE considered, in
its analysis, information from different companies of the Empremar
economic group in view of its vertical operation.
The second case consists of an administrative proceeding
initiated by CADE after a complaint of predatory pricing practices filed
by Bann Química against Dystar in the indigo market blue reduced.600
On that occasion, CADE indicated that the conditions of entry and the
practice’s ability to self-finance were important aspects to be analyzed,
and in the end concluded that the entry into that market was likely and
timely – corroborated by the very recent entry of a new competitor –
and that Dystar would not have the capacity to self-finance in view of
the judicial reorganization process it was facing.
The third case concerns the complain of Ipiranga and the
Manguinhos refinery against Petrobras, in which CADE once again
examined the issue preliminarily.601 With regard to the accusation of
predatory pricing, although one of CADE’s Board members voted to
continue the investigations in the face of evidence of predatory pricing
practiced by Petrobras, the other Board members decided to dismiss it,
due to the nature of the oil refining market, without a detailed analysis
of the specifics of the case.
The fourth case refers to an administrative proceeding in which
CADE examined whether Itaú Unibanco S.A. and Redecard S.A.
practiced predatory pricing in the domestic accreditation market.
CADE recommended the termination of the case602, in view of the
lack of clarity that the revenues obtained would have been lower
than the costs or even that the alleged practice resulted in losses. In
addition, the investigation revealed that the main competitors of the
represented companies continued to obtain significant profits in the

600 CADE. Administrative Proceeding No. 08012.007189/2008-08.


601 CADE. Preliminary Investigation No. 08012.007897/2005-98. Information extracted
from chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://cdn.cade.
gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/contribuicoes-do-cade/ambiente-
concorrencial-setor-refino-cade.pdf.
602 CADE. Technical Note No. 54/2022, of 7.11.2022.

408 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

market throughout the period, thus ruling out the characterization


of predatory prices. The interesting thing about this case is that, in
the course of the evidentiary instruction, CADE’s SG/General asked
CADE’s Department of Economic Studies (“DEE”) to examine the
case and, despite having concluded that the case should be archived,
it asked relevant questions regarding the Guide for the Economic
Analysis of the Predatory Pricing practice.603 The DEE discussed the
difficulties in assessing the financing capacity and indicated that the
comparison between price and average variable cost proposed by the
Guide is controversial. He also argued that the Guide should be read as
a starting point only, and not as an immutable set of rules.604
Despite this history with more filings of predatory prices than
convictions, The SG/CADE has already signaled, in a recent case on
this subject, that the fact that there has been no condemnation of
predatory prices so far does not mean that there cannot be future
cases.605
The table below consolidates CADE’s case law (as of 2010)
regarding predatory pricing, indicating at which stage of the Guide the
investigation encountered the greatest difficulties:

603 CADE. Technical Note No. 21/2022, dated 26.7.2022.


604 “Therefore, while it is possible to use the logic and teachings of the Guide to
Predatory Price Analysis to assess whether the applicants’ conduct is capable of being
characterized as such, the important thing is to assess whether it is possible to have
some kind of feasible theory of harm, rather than wanting to apply the Guide as a
set of immutable or even indisputable rules. The Analysis Guide is only an analytical
starting point, but not an exhaustive list of procedures, much less steps that must be
followed in a sequential and mandatory manner.”
605 Technical Note No. 54/2022 issued by CADE’s General Superintendence on 11.7.2022
within the scope of the Administrative Proceeding No. 08700.002066/2019-77.

Estudos em Direito da Concorrência 409


Amanda Athayde

Table 1 – Consolidated CADE precedents on


predatory pricing under Law 12,529/2011606

Deci-
Repre- Relevant
sion Conclusion Decision
sented Market
Year

2012 Employ Salt for The economic rationale of the con- Filing
chemi- duct was not demonstrated, ruling
cal use out the need for intervention by
CADE. Conditions facilitating the
re-entry of competitors in the event
of a price increase were verified.

2012 AMBEV Soft drinks Defendant has no dominant position, Filing


preventing it from successfully impo-
sing the practice of predatory pricing.

2012 Petrobras Diesel Oil There was no analysis of the steps Filing
in São Luís of the Guide. CADE ordered the filing
(MA) and due to Petrobras’ offer structure, and
Araucá- the price reduction was the result
ria (PR) of logistical issues in the market.

2013 SPAL Soft drinks The economic rationale of the con- Filing
Indústria duct was not demonstrated, ruling out
de Bebi- the need for intervention by CADE
das (Sim- There are no barriers to entry,
ba Soft preventing the recovery of the
Drink) losses obtained during the pre-
dation period in the future.

606 The table above has been prepared based on the judgments under Law No.
12,529/2011. Prior to that, under Law No. 8,8884/1994, there were certain relevant
judgments involving the practice of predatory pricing. One of them is Administrative
Proceeding No. 08000.013002/95-97, in which Counselor Mércio Felsky chose to make
a price-cost comparison and concluded, in the end, that the prices charged by Labnew
were not below the average variable cost.

410 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Deci-
Repre- Relevant
sion Conclusion Decision
sented Market
Year

2013 Dystar Indigo Blue A market with low barriers to entry, Filing
which prevents the enjoyment of
extraordinary future profits, en-
courages predatory pricing.
In view of the restrictive defini-
tion of the relevant market ad-
opted by the Rapporteur, Dys-
tar does not have a dominant
position in the market, ruling out
the characterization of conduct.
There are other companies in
the market with the capacity to
meet consumer demand. Dys-
tar filed for Judicial Reorganiza-
tion and Bankruptcy in 2009.

2016 Support PKU Pro- There is no Dominant Position Filing


Produtos ducts
Nutricio-
nais Ltda

2016 White MS Indus- The defendant’s market share Filing


Martins trial & Me- remains stable, and the practice
dical Gases of predatory pricing has not been
proven, as the price in most ca-
ses was above the average cost.

2016 Nuchte- X-Ray Preparatory Procedure in which Filing


ch Brazil Scanners no evidence of predatory pricing
has been demonstrated. Nuchtech
was an entrant in the market and
was able to offer lower prices.

2017 Several Type C CADE did not follow the step-by-s- Filing
Pasteurized tep instructions of the Guide. There
Milk in the was condemnation of other con-
South of ducts, but not of predatory pricing.
Rio Grande SG-CADE understood that there
do Sul were not enough elements to prove
prices below cost. The accusation
is that the lower prices would have
been used to force the participa-
tion of players in the alleged cartel.

Estudos em Direito da Concorrência 411


Amanda Athayde

Deci-
Repre- Relevant
sion Conclusion Decision
sented Market
Year

2017 Cascol Regular The accusation of predatory pricing Filing


Com- Gasoline in has not been proven and the Guide
bustíveis the Federal has not been followed. CADE’s sus-
para District picion was that the low prices were
Veículos not the result of predatory pricing,
Ltda but rather the effect of cartelization
on the sector that would be keep-
ing prices at artificially high levels.

2018 Uber do Transporta- In the Preparatory Procedure, the Filing


Brasil tion by App steps of the Guide were not followed,
Tecnolo- and CADE identified few barriers to
gia Ltda market entry, which would hinder
the practice of predatory pricing.

2019 Abbott Antire- Price Difference was not con- Filing


Labora- trovirals sistent with practice.
tories

2019 Rodope- Distribution There is no dominant position Filing


tro and of Hydrous
others Ethanol
and Type C
Gasoline RJ

Sus- Petrobras Refining _ Cease


pen- Market and De-
ded sist Agre-
ement

Source: IBRAC Magazine No. 1/2022 and prepared by the authors.

3. NEW MOVES ON PREDATORY PRICES ABROAD AND HOW TO


FIND THE CODFISH HEAD IN LIGHT OF GOVERNMENT SUBSIDIES

Recently, there are at least two movements that show a


resumption of attention to the issue of predatory pricing and indicate
that there are also controversial aspects in the analysis of predatory
prices in other countries. In a recent case involving alleged predatory
pricing practices by the company Qualcomm in the Europe, the

412 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

methodology for calculating the cost in comparison with the price


is being rediscussed.607 Us United States, predatory pricing is also in
evidence, after the FTC published new guidelines related to Section 5
of the FTC Act, which strengthen the fight against unfair competition
practices, including predatory pricing.608
Part of the skepticism surrounding predatory pricing cases
stems from the idea that pricing below cost to drive competitors out
of the market is considered irrational (and therefore not even worthy
of the attention of antitrust authorities), basically for two reasons: (1)
there would be more profitable ways (e.g., acquisitions) to eliminate
competitors, and (2) future price increases would result in new
entrants (markets with exorbitant profits attract new entrants)609.
However, as will be discussed later, in the case of government
subsidies, there may be other factors at play that make the second
reason for making predatory prices irrational (i.e., future price
increases) less relevant. Certain subsidized enterprises, including
state-owned enterprises, may implement explicit or implicit
government industrial policy rather than seeking to maximize profit.
Companies that do not seek to maximize their long-term profits may
engage in predation without recovery.610 This means that the recipient
of such subsidies may not (need and/or want) to increase prices after
the predatory period, even if it eventually leads to allocative and
dynamic inefficiencies.
As presented in previous paper611, subsidies can be granted
under different guises, such as direct government spending, tax
incentives, capital injections, subsidized loans, price support, among

607 https://content.mlex.com/#/content/1456133?referrer=search_linkclick
608 https://content.mlex.com/#/content/1424559?referrer=search_linkclick
609 Gomez, R., J. Goeree and C. Holt (2008), “Predatory Pricing Rare Like A Unicorn,”
Handbook of Experimental Economics Results, Vol. Volume 1, pp. 178-184, https://doi.
org/10.1016/S15740722(07)00022-4.
610 Capobianco, A. and H. Christiansen (2011), Competitive Neutrality and State-
Owned Enterprises: Challenges and Policy Options.
611 ATHAYDE, Amanda. MEDRADO, Renê. MARSSOLA, Julia. Subsídios, comércio
internacional e concorrência - Novos ventos na União Europeia e na OCDE e possíveis
impactos para o Brasil. Migalhas, 02 de Fevereiro de 2023.

Estudos em Direito da Concorrência 413


Amanda Athayde

others.612 The provision of subsidies is a relevant aspect of any


industrial policy and has grown in recent years due to different events,
such as the need for economic recovery after the adverse effects of
the COVID-19 pandemic and incentives linked to climate change and
digital transformation.
There are those who consider subsidies to be tools of market
imbalance because they can cause inefficiencies, price distortions
and altered incentives. For example, it is not uncommon for exports
to be driven by government subsidies, affecting the market position
of the beneficiary while harming the affected domestic industry,
with the effects being propagated in the production chain and in the
decision-making of the market agents directly and indirectly involved.
As a result, the granting of subsidies may have repercussions on
international trade and competition.
This is the two-pronged aspect of subsidies: on the one hand,
governments provide subsidies and, on the other, in order to address
the distortions caused, they regulate them. The competitive prospect
of subsidies, which until then had gone unnoticed613, began to attract
attention. Progress is being noted with the introduction and use of
foreign investment screening (FDI) mechanisms in the European
Union (EU).614
On April 22, 2022, a joint study by the International Monetary
Fund (IMF), OECD, World Bank (WB) and WTO entitled “Subsidies,

612 International Monetary Fund (IMF), Organisation for Economic Co-operation and
Development (OECD), World Bank (WB) and Organization World Trade Union (WTO).
Subsidies, Trade, and International Cooperation, OECD Publishing, Paris. Apr. 2022.
Available at: https://www.oecd-ilibrary.org/trade/subsidies-trade-and-international-
cooperation_a4f01ddb-en
613 It is not to be confused here with the internal control mechanism of state aid of
the UniEU State Aid Law, implemented by the European Commission’s Directorate-
General for Competition. WTO rules on subsidies and EU state aid law are not
equivalent and differ substantially in scope and application. For a detailed analysis
of these differences, see LUENGO, Gustavo, Regulation of Subsidies and State Aids in
WTO and EC Law: Conflicts in International Trade Law, Kluwer Law International,
2006, and RUBINI, Luca.The definition of subsidy and state aid: WTO and EC Law in
comparative perspective. Oxford University Press, 2009.
614 European Union. Foreign Direct Investment (FDI). Available at: https://policy.
trade.ec.europa.eu/help-exporters-and-importers/accessing-markets/investment_en

414 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Trade and International Cooperation” was published.615 The work


suggests that the increasing use of distortive subsidies alters trade and
investment flows, decreases the value of tariff obligations and other
market access commitments, and reduces public support for open
trade.
In September 2022, the United States Congress passed the
Merger Notification Modernization Act,616 not yet sanctioned by the
Presidency, which includes the Decree for the Disclosure of Foreign
Subsidies in Merger Acts. The new regulation establishes that
companies involved in economic concentration operations in the
United States must report financial contributions or subsidies received
by a foreign government.617
Similar to the United States, on November 28, 2022, the Council
of the European Union adopted the Foreign Subsidy Regulation,
which will enter into force and apply from mid-2023. The Regulation
will have repercussions on mergers and acquisitions and public
tenders in the European internal market.618 Thus, the investigation of
foreign subsidies619 in the European Union it is no longer limited to
the European Commission’s international trade area, as it is now also
notified and analyzed by the competition protection system.
In macro-regional terms, at the end of 2022, the OECD addressed
this issue in its Competition Committee.620 The document points out that
the issue of subsidies is usually dissociated from cartel investigations,

615 IMF, OECD, the World Bank, WTO, Subsidies, Trade and International Cooperation,
April 2022. Available at: https://www.imf.org/en/Publications/analytical-notes/
Issues/2022/04/22/Subsidies-Trade-and-International-Cooperation-516660
616 In the original, “Merger Filing Fee Modernization Act of 2022”.
617 Read more at: White&Case, US Merger Filing Fees to Increase Dramatically for
Large Deals, 27 December 2022, available at: https://www.whitecase.com/insight-
alert/us-merger-filing-fees-increase-dramatically-large-deals
618 European Commission. Regulation on Foreign Subsidies. 2022. Available at:
https://competition-policy.ec.europa.eu/international/foreign-subsidies_en
619 It should be recalled that this does not cover the rules on State aid.EU State aid)
implemented by the European Commission’s Directorate-General for Competition
and therefore dealt with in the legal and institutional framework for competition.
620 OECD. Subsidies, Competition and Trade. 2022. Available at: www.oecd.org/daf/
competition/subsidies-competition-and-trade-2022.pdf

Estudos em Direito da Concorrência 415


Amanda Athayde

since for this type of conduct what matters is whether there was an
agreement between competitors. There are, however, new interfaces
that can be explored from this perspective of the intersection between
subsidies and competition.
A first point concerns the possibility of subsidies financially
strengthening economic agents to create, maintain or improve the
dominant position of certain economic agents.621 In other words, in a
market where the granting of credit is restricted, obtaining subsidies
can be shown to be an instrument for strengthening the market
position. An economic concentration operation, for example, can be
made feasible precisely based on the financial support of a subsidy,
distorting competition.
In addition, the existence of companies with “deep pockets” from
subsidies could be treated as a barrier to entry for other competitors
in the market, impacting, for example, analyses in investigations of
unilateral conduct and merger acts. This financial strength made
possible by subsidies can also be potentially anticompetitive, both
as an autonomous unilateral conduct, and as an analysis of skill and
incentive in economic concentrations, insofar as it enables strategies
such as predatory pricing (below cost, in general terms) for a given
period, offsetting revenue losses with higher prices in a future period.
or even in a different market than the predation product. In addition,
it should be borne in mind that, especially for state-owned companies
that benefit from subsidies, the objective of recovering revenue losses
during the predation period is not a precondition for the configuration
of the conduct, since there is not necessarily an objective of maximizing
the profits of these companies (simply because the losses are already
being compensated in the present).
In other words, in the practice of predatory pricing, to be able to
charge prices below its cost, the predatory company must be able to

621 At this point, it should be recalled that one of the elements considered in the
analysis of predation is the self-financing capacity of the practice. The provision of
public, external funding through subsidies (through subsidized credit or other forms
of subsidy) would enhance the possibility of predatory behavior.

416 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

internalize the excess costs and temporary losses resulting from the
unjustified reduction. The granting of subsidies allows the conduct of
predatory pricing to be sustained by the company without significantly
burdening it in the present, which is even more effective when the
company does not aim to maximize its profits, such as those benefited
by subsidies.622
In this OECD document from 2022, have been identified four
Challenges to integrating the analysis of subsidies from an antitrust
perspective: (i) determining the existence of subsidies is not trivial; (ii)
acquisitions with subsidies from state-owned enterprises may create
specific elements for the M&A transaction; (iii) subsidies may make
the determination of costs for predatory price analysis more complex;
(iv) in jurisdictions where recovery is a precondition for predation,
attention should be paid to the fact that subsidies from state-owned
enterprises may not be aimed at maximizing profits.
For the purposes of this article, we will initially focus on in the
challenge of (iii), that subsidies can make the determination of costs
for predatory price analysis more complex. It must be considered that
the competition authority needs to determine that the agent holding
a dominant position abuses its condition by charging prices below
costs. Thus, recognizing that the main difficulty in predatory pricing
investigations is to establish the cost that will be used as a basis for the
analysis, in cases involving subsidies, there is an additional variable.
That is, the difference between price and cost in cases involving
subsidies is the difference between price and cost that the company
would incur in a scenario without subsidies, i.e., with the “true” cost.
The Annex to CADE Ordinance No. 104/2022 presents a Guide
for the Economic Analysis of the practice of Predatory Pricing.623

622 In this sense, publication “Subsidies, Competition and Trade” of the Organization
for Economic Co-operation and Development (OECD). Available at: https://www.
oecd.org/competition/subsidies-competition-and-trade.htm. See also the article
“Subsidies, international trade and competition - New winds in the European Union
and OECD and possible impacts for Brazil”. Available at: https://www.migalhas.com.
br/depeso/381032/subsidios-comercio-internacional-e-concorrencia
623 CADE. CADE Ordinance No. 104/2022. Available at: https://cdn.cade.gov.br/Portal/
centrais-de-conteudo/publicacoes/normas-e-legislacao/portarias/Portaria70_2002.pdf.

Estudos em Direito da Concorrência 417


Amanda Athayde

According to its terms, five (5) elements would be necessary for a


recommendation to condemn for predatory pricing: (1) definition
of the relevant product and geographic market; (2) analysis of entry
conditions; (3) analysis of the conditions of offer; (4) analysis of
financing conditions; and (5) analysis of the price vs. cost ratio.
Thus, it seems to us that, in view of the situation posed, there would
be a modification in item (5) of the analysis flow. The amount of the
subsidy would be added to the company’s cost, which would constitute
a recalculation of the cost, which would be high when compared to the
price. The following image shows how, in our view, the change in the
analysis of predatory pricing would occur when subsidies are granted:
Figure 2 – Price-cost analysis in traditional and subsidy predatory pricing
cases

Source: CADE Guide, adapted by the authors.

That said, we will focus on the challenge of (iv) loss recovery


being a precondition for predation. The OECD explains that in some

418 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

jurisdictions there is an understanding that, for predation to achieve


the desired results, a company should have sufficient market power
to be able to recover the financial losses resulting from the predation
period. This factor could lead to erroneous conclusions in certain
cases when there are factors other than loss recovery as a factor for
predation.
There are several criticisms of the theory of recovery as a
necessary element for the configuration of predation, and one of
these criticisms comes from the argument that recovery can be done
in several ways, which can have nothing to do with a direct economic
recovery of losses. The first form of recovery may be to build a
reputation for Crazy Firm (“crazy company”), which would be willing
to risk its own survival to gain market share. The second form of
recovery would be not in the market where predation occurs, but in
other markets, insofar as the reputation created in one market makes
competitors in other markets think twice before adopting aggressive
competitive strategies against the predator.
It should be recalled that the State programs granted by a
government they show that the granting of subsidies is not aimed
at maximizing profits, so that predation is not aimed at recovering
spending on predation in the short term. Thus, the difficulty presented
by the OECD, therefore, in evidencing the strategy of recovering
profits after the period of predation624 It becomes more subtle in cases
involving subsidies. In the case of government subsidies, there may
be other factors at play that make irrational predatory pricing (i.e.,
future price increases) less relevant. Certain subsidized enterprises,
including state-owned enterprises, may implement explicit or implicit

624 Thus, the requirement of cost recovery – identified as a condition for an


investigation in Brazil, under the terms of the 2008 ICN document on predatory pricing
(footnote 58). ICN. Report on Predatory Pricing. 2008. – is now automatically filled in
with the finding of the existence of subsidies. According to Calixto Salomão Filho, the
neoclassical criteria for the possibility of recovery are based on mistaken premises.
According to the author, financial power and accumulated profits comparatively
much higher than those of the victim of predation would already be enough to carry
out a predation with good chances of success. SALOMÃO FILHO, Calixto. Competition
law: conduct. 2007.

Estudos em Direito da Concorrência 419


Amanda Athayde

government industrial policy rather than seeking to maximize profit.


That is, the predatory firm may be a firm that executes a government
industrial policy and therefore does not seek to maximize its long-
term profits, so it may engage in predation without recovering losses.
This means that the recipient of such subsidies may not (need and/
or want) to increase prices after the predatory period, but this may
nevertheless lead to allocative and dynamic inefficiencies.

4. FINAL THOUGHTS

The thesis presented in this article, although highly complex, can


be examined within a context of new contours and challenges of the
competition defense policy in Brazil, being aligned with the concerns
that the leading foreign authorities (in particular, the European
Commission) have presented, in the light of the complexities currently
present in the field of International Trade, in particular about the
granting of distorting subsidies to the competitive process.
In a brief summary, we see that, based on a representation based
on article 36, paragraph 3, item XV, of Law No. 12,529/2011 (“selling
goods or providing services unjustifiably below the cost price”) and
presented to CADE, it is possible to open an Administrative Inquiry to
investigate, albeit in an unprecedented way, a case of predatory prices
involving foreign subsidies granted to foreign companies that export
to Brazil. Who knows, maybe we might finally find the cod head that
was lost in antitrust.

420 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS POR ALGORITMO NO VAREJO


ONLINE: PECULIARIDADES, CONDIÇÕES, OBSTÁCULOS
E DESAFIOS DA DISCRIMINAÇÃO COMPORTAMENTAL

Amanda Athayde

Carlos Roberto da Rocha Reis

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo descrever o


fenômeno da discriminação de preços por algoritmo, operada por atores
do varejo online. São inicialmente apresentadas as peculiaridades da
discriminação de preços por algoritmo em relação a uma estratégia
discriminatória “tradicional”. Em seguida, são elencadas as condições
propícias para a efetuação dessa discriminação e os obstáculos para
a implementação de uma política discriminatória eficiente. Por
fim, apresenta-se o conceito de discriminação comportamental,
apresentando-a como uma modalidade de discriminação de preços
por algoritmo, que pode resultar na possível manipulação dos
consumidores que naveguem no varejo online. Ao final, são apontados
alguns dos desafios que essa nova modalidade de discriminação de
preços apresenta para os aplicadores das normas jurídicas, como
o ramo do direito aplicável e a eventual responsabilização de quem
implementou a discriminação de preços por algoritmo.
Palavras-chave: Discriminação de preços; discriminação de
preços por algoritmo; discriminação comportamental; comércio
eletrônico; varejo online.
ABSTRACT: This paper aims to describe a traditional
phenomenon in commerce - price discrimination - but which is
currently under a new modality: algorithm-driven price discrimination,
operated by e-retail players. The distinctive features of algorithm-
driven price discrimination in comparison with a “traditional”
discriminatory strategy are presented, as well as the conditions
conducive to discrimination and the obstacles to the implementation
of an efficient discriminatory policy. Finally, the concept of behavioral

Estudos em Direito da Concorrência 421


Amanda Athayde

discrimination is presented, which in this paper is considered a


modality of algorithm-driven price discrimination.
Key words: Price discrimination; algorithm-driven price
discrimination; behavioral discrimination; e-commerce; online retail
market.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Discriminação de preços por
algoritmo: peculiaridades, condições e obstáculos. 5. A discriminação
comportamental: um novo tipo de discriminação de preços? 6. As
táticas de manipulação dos consumidores. 7. Conclusão.

1. DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS POR ALGORITMO:


PECULIARIDADES, CONDIÇÕES E OBSTÁCULOS

A discriminação de preços por algoritmo opera, conceitualmente,


com base nos mesmos princípios informadores da discriminação de
preços praticada por varejistas físicos. No âmbito do varejo online625,
essa prática adquire novos contornos decorrentes da própria
infraestrutura da internet, que possibilita a implementação de táticas
discriminatórias mais eficientes e mais dinâmicas, graças à grande
quantidade de dados disponibilizados por meio da observação do
comportamento dos consumidores virtuais. Além disso, devido
justamente ao enorme volume de informações, tais informações
acabam sendo analisadas por algoritmos, que tomam as decisões
de precificação com base em suas avaliações determinadas pelos
objetivos a serem perseguidos pelo varejista discriminante.

625 É importante esclarecer o significado do termo “varejo online”, e como ele se


inscreve dentro do fenômeno mais abrangente do comércio eletrônico. Quando se
fala de comércio eletrônico, refere-se a um fenômeno extremamente abrangente,
que pode ser definido como a compra e venda de bens e serviços ou a transmissão
de fundos e dados por meio de uma rede eletrônica, principalmente a internet.
Dentro do comércio eletrônico, a literatura identifica categorias, que por sua vez são
divididas em subcategorias. O varejo online é uma subcategoria da categoria business
to consumer. Os atores de varejo eletrônico são varejistas que operam lojas na internet,
monetizando sua atividade por meio da venda de bens a consumidores finais. Ver
LAUDON, K,; TRAVER, C.G. E-commerce – business, technology, Society. 10. Ed.
Upper Saddle River: Pearson, 2014.

422 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Diante desse cenário, serão apresentados a seguir algumas


das peculiaridades da discriminação de preços por algoritmo em
comparação com a discriminação de preços tradicional (1.1.). Em
seguida, serão elencadas as condições propícias para a efetuação
dessa discriminação (1.2) e os obstáculos para a implementação de
uma política discriminatória eficiente (1.3).

1.1. DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS POR


ALGORITMO: PECULIARIDADES

A primeira peculiaridade da discriminação de preços por


algoritmo é a maior acuidade das avaliações feitas, seu direcionamento
mais eficaz e a dinamicidade possibilitada ao processo de precificação
por conta das ferramentas de inteligência artificial626. A vigilância
constante do comportamento online de consumidores permite aos
varejistas de e-commerce criar perfis detalhados dos gostos, hábitos
e preferências aquisitivas de seus clientes a um nível extremamente
pessoal627. Os grupos criados pelos varejistas podem ter diferentes
critérios de segmentação, como idade, gênero, renda e comportamento
de consumo, que podem ser cruzados entre si para se chegar a uma
acurácia cada vez maior do preço de reserva do consumidor. Isso é
feito pela ação dos algoritmos de precificação, que utilizam os dados
coletados e as segmentações inferidas para observar o comportamento
dos consumidores agrupados sob um perfil específico de modo a
prever sua reação provável sob circunstâncias semelhantes628.
Uma segunda peculiaridade da discriminação de preços por
algoritmo em comparação com a discriminação de preços “tradicional”

626 MORRISON, E.; TOWNLEY, C.; YEUNG, K. Big Data and Personalised Price
Discrimination in EU Competition Law. King’s College London Law School Research
Paper nº 2017-37, 2017. Disponível em: < https://poseidon01.ssrn.com/delivery.
php?ID=17302210111906709707109402711121077073&EXT=pdf> Acesso em 07 de
junho de 2019.
627 Ibid.
628 EZRACHI, A; STUCKE, M. E. The Rise of Behavioural Discrimination. European
Competition Law Review, 2016, volume 36, número 12. pp. 485-492.

Estudos em Direito da Concorrência 423


Amanda Athayde

decorre do próprio ambiente de compras online. A personalização de


ofertas de acordo com os hábitos e preferências dos consumidores
possibilita que cada cliente tenha uma vitrine digital feita para si629.
Tal fato diminui a transparência dos preços, ao dificultar que os
clientes comparem entre si as ofertas apresentadas, o que funciona
como facilitador de uma política de discriminação de preços que
passe despercebida630.
Essa redução da transparência do varejo online contraria
expectativas de comportamento estabelecidas pela prática do varejo
IRL (in real life), como a pressuposição de uniformidade dos preços e
de apresentação de produtos. Consequentemente, essa nova realidade
influi nos processos de tomada de decisões aquisitivas baseados
nesses pressupostos. Tudo isso traz novos elementos para a análise
econômica, que problematizam a assunção da microeconomia de que
o preço é um indicador de valor de um bem decorrente da relação
entre a sua oferta e a demanda do mercado.
Uma terceira peculiaridade da discriminação de preços por
algoritmo em comparação com a discriminação de preços “tradicional”
decorre dos agentes que a efetuam. Se no varejo físico, as decisões
comerciais mais relevantes costumam ser tomadas por seres humanos,
no ambiente comercial virtual as decisões de precificação são tomadas
exclusivamente por algoritmos631. Essa é mais uma das características
que decorre dos usos comerciais do Big Data: a escala de dados
coletados e a sua ininterrupta atualização impedem que estes possam
ser processados por seres humanos, que não possuem capacidades
cognitivas para tanto. Esse grande espaço amostral de dados detido
por grandes varejistas atua como um insumo que reforça a acurácia

629 A respeito, os autores sugerem o documentário Privacidade hackeada, disponível


no Netflix.
630 MORRISON, E.; TOWNLEY, C.; YEUNG, K. op. cit., Acesso em 07 de junho de 2019.
631 MORRISON, E.; TOWNLEY, C.; YEUNG, K. Big Data and Personalised Price
Discrimination in EU Competition Law. King’s College London Law School Research
Paper nº 2017-37, 2017. Disponível em: < https://poseidon01.ssrn.com/delivery.
php?1006004024111124122127028018042026073XT=pdf> Acesso em 07 de junho de
2019.

424 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

da discriminação. Ao ser combinado com algoritmos de precificação


cada vez mais inteligentes, os grandes acervos de dados possibilitam
mais experimentações estratégicas para aferirem preferências,
comportamento e a potencial disposição dos consumidores digitais
para gastar seu dinheiro632.
A seguir, são resumidas as principais peculiaridades da
discriminação de preços por algoritmo ante à discriminação de preços
tradicional:

TABELA I – Peculiaridades da discriminação de preços por al-


goritmo vis a vis a discriminação de preços tradicional

Discriminação de preços por algoritmo Discriminação de preços tradicional

• Segmentações de consumi- • As segmentações contam com


dores mais eficientes, obtidas insumos muito menos abrangen-
por meio da coleta de dados tes e detalhados. Também é mui-
pessoais e comportamentais to mais difícil coletar informações
dos consumidores enquan- comportamentais dos consumi-
to navegam na internet. dores acuradas em comparação
à vigilância constante na web.
• Personalização da vitrine que
é apresentada a cada consu- • Maior transparência dos pre-
midor, que consiste na interfa- ços, decorrente da dificuldade
ce do sítio eletrônico que lhe é de segmentar explicitamente os
apresentada em seu dispositi- preços cobrados em espaços va-
vo. Isso diminui a transparência rejistas físicos. Não é possível di-
informacional e possibilita uma recionar preços individualmente.
precificação extremamente dire-
cionada, quase personalizada. • As decisões de preço não são
tomadas por algoritmos. Isso di-
• Decisões tomadas por algorit- minui a dinamicidade e, por isso,
mos, que possibilitam mudanças a eficiência da estratégia de dis-
de preço muito mais dinâmicas, criminação de preços, que pode
já que a base de dados que in- entrar em descompasso com a
forma as decisões de precifica- realidade do mercado varejista.
ção é atualizada em tempo real.

Nota-se, portanto, que o elemento unificador da peculiaridade


da discriminação de preços por algoritmo em comparação com a
discriminação de preços “tradicional” é o emprego de algoritmos
combinado com o uso comercial do Big Data. Diante disso, resta
necessário
632 Ibid. analisar as condições dos mercados digitais que facilitam

Estudos em Direito da Concorrência 425


Amanda Athayde

a implementação de uma política de discriminação de preços por


algoritmo bem-sucedida.

1.2. DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS POR ALGORITMO: CONDIÇÕES

Stucke e Ezrachi apontam que a quantidade de tempo dispendido


por consumidores em uma plataforma é uma primeira condição para
o sucesso da discriminação de preços por algoritmos. Isso porque,
quanto maior a quantidade de tempo dispendido, maior a quantidade e
a qualidade dos dados coletados. Além disso, considerando o que já foi
dito sobre a necessidade de espaço amostral grande para a realização
de experimentos sociais, o número de clientes que acessam o site de
um varejista online também influencia na eficiência da discriminação
de preços que este promove633.
Uma segunda condição para o sucesso da discriminação de
preços por algoritmo é a capacidade de agregação e análise dos dados
coletados (a qualidade dos algoritmos) de um varejista ante seus
concorrentes. Isso porque os efeitos de rede, típicos de mercados
online, atuam reforçando todas as condições mencionadas: o acúmulo
cada vez maior de clientes e transações propiciados a uma plataforma
em decorrência de efeitos de rede atua aumentando o seu número
de clientes, ampliando seu espaço amostral e elevando os recursos
do vendedor disponíveis para o investimento no desenvolvimento de
novas ferramentas de análise de dados634.
Além disso, uma terceira condição para o sucesso da discriminação
de preços por algoritmo consiste na identificação de clientes que
reiteradamente tendem a gastar mais ou a procurar menos por
ofertas melhores daqueles que apresentam um comportamento mais
econômico. Ezrachi e Stucke chamam de “sleepers” os consumidores
que por indolência ou ignorância tendem a pesquisar menos durante

633 EZRACHI, A; STUCKE, M. E. The Rise of Behavioural Discrimination. European


Competition Law Review, 2016, volume 36, número 12. pp. 485-492.
634 Ibid.

426 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

o seu processo de compra e por isso são mais suscetíveis à exploração


de preços635.
A quarta condição apontada pela literatura é descrita por Akiva
Miller, que destaca a relevância da identificação desses diferentes
perfis de consumidores para a implementação de uma política de
discriminação de preços e a capacidade de predição por parte do
agente discriminante da resposta desses clientes a eventuais descontos
oferecidos por concorrentes. Assim, a discriminação de preços por
algoritmo envolverá a identificação do mercado forte da empresa
discriminante (clientes insensíveis a preço e dispostos a pagar mais)
e do mercado fraco (aqueles clientes sensíveis a preços e dispostos a
pagar menos).
A definição de qual desses mercados estará mais sujeito à
extração de renda, no entanto, não envolverá apenas essa primeira
segmentação. É importante também que as empresas engajadas
na discriminação de preços por algoritmo afiram corretamente
qual desses dois segmentos tem maior probabilidade de trocar de
fornecedor. A depender desse dado, o varejista pode escolher uma
estratégia em que a melhor resposta é “simétrica” ou “assimétrica”.
A melhor resposta simétrica ocorre quando o mercado forte
do varejista discriminante também é o mercado forte de seus
concorrentes. Nesses casos, a estratégia a ser adotada envolverá a
concessão de descontos ao mercado forte de modo a reter negócios,
o que, num contexto de mercado online pode ser feito utilizando os
históricos de consumo de modo a possibilitar recomendações de
compra mais personalizadas e eficientes.
A melhor resposta assimétrica, por sua vez, ocorre quando o
mercado forte do varejista discriminante é o mercado fraco da sua
concorrência. Nesse caso, os descontos devem ser direcionados
a clientes novos, de modo a ganhar negócios. Esse tipo de resposta

635 EZRACHI, A; STUCKE, M. E. The Rise of Behavioural Discrimination. European


Competition Law Review, 2016, volume 36, número 12. pp. 485-492.

Estudos em Direito da Concorrência 427


Amanda Athayde

costuma estimular uma competição mais saudável do ponto de vista


de uma política concorrencial tradicional636.
Essas considerações serão relevantes para analisar o impacto
de uma estratégia de discriminação de preços no bem-estar dos
consumidores, já que uma estratégia calcada num esquema de melhor
resposta simétrica terá efeitos sobre os consumidores diferentes dos
decorrentes de um esquema de melhor resposta assimétrica.
Por fim, o autor ressalta que alguns incrementos típicos do
comércio eletrônico, como a capacidade de fazer compras com
apenas um clique ou recomendações personalizadas, que à primeira
vista podem parecer banais, possuem um poderoso efeito de retenção
de clientes, tornando-os menos suscetíveis à exposição de ofertas
concorrentes e mais vulneráveis à extração do seu excedente637.
Também opera como uma sexta condição para a implementação
da política de discriminação de preços por algoritmo a adoção de uma
série de ações pelos varejistas online, com o objetivo de segregar os
consumidores e induzi-los ao fornecimento de dados e à aquisição dos
produtos precificados acima do seu valor de mercado. Ezrachi e Stucke
fazem uma síntese das ações a serem adotadas para a implementação
de discriminação de preços, um conjunto de atos que não são fáceis de
se concretizar e que podem resultar em um incremento significativo
de custos ao vendedor.
De acordo com os autores, funcionam como condições propícias
para a existência de uma política de discriminação de preços por
algoritmo o rastreamento dos consumidores, a coleta de dados sobre
seu comportamento, a identificação das variações de elasticidades
de demanda, a redução da transparência de mercado, o aumento
dos custos de busca dos consumidores, a prevenção de transações
de um bem entre consumidores posteriores à aquisição feita junta

636 MILLER, A. What Do We Worry About When We Worry About Price Discrimination?
The Law and Ethics of Using Personal Information for Pricing. Journal of Technology Law
and Policy, 2014, volume 19,. pp. 41-104.
637 MILLER, A. What Do We Worry About When We Worry About Price Discrimination?
The Law and Ethics of Using Personal Information for Pricing. Journal of Technology Law
and Policy, 2014, volume 19,. pp. 41-104.

428 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

ao varejista discriminante, a restrição ao crescimento de tecnologias


que incrementem a privacidade de internautas, o estabelecimento
de políticas de privacidade impostas aos consumidores que sejam
de difícil compreensão, o estabelecimento do padrão de privacidade
dos indivíduos que acessam o site do e-varejista como opt-in638, e a
realização de lobby contra o aumento da privacidade639. A seguir, são
esquematizadas as condições propícias à discriminação de preços
por algoritmo e comparadas com as que possibilitam uma tática de
discriminação de preços em ambientes varejistas “tradicionais”.

638 Quando um site ou plataforma estabelece como política de privacidade padrão um


consentimento prévio generalista dado pelo consumidor que possibilita um acesso
amplo a seus dados pessoais e grande liberdade de tratamento destes.
639 EZRACHI, A; STUCKE, M. E. The Rise of Behavioural Discrimination. European
Competition Law Review, 2016, volume 36, número 12. pp. 485-492.

Estudos em Direito da Concorrência 429


Amanda Athayde

TABELA II - Condições propícias à discriminação de preços por algoritmo e


tradicional

Discriminação de preços por algorit- Discriminação de preços tradicional


mo

• Consumidores que passem • A coleta de informações sobre


uma quantidade grande de os grupos nos quais os consumi-
tempo interagindo com espa- dores serão segmentados para
ços virtuais que possibilitem a promoção da discriminação
aos varejistas eletrônicos cole- não possui a mesma extensão
tarem dados pessoais e com- em sua vigilância sobre os há-
portamentais dos primeiros. bitos dos clientes do varejista.

• A utilização de um algoritmo com • Obviamente, a capacidade do


grande capacidade de análi- varejista de reunir e analisar os
se e agregação dos dados, de dados sobre os consumidores
modo que tanto a segmentação sujeitos à política discriminató-
quanto o processo de precifica- ria é importante. O que muda é
ção se tornem mais eficientes. que essas decisões não serão
tomadas por inteligência artificial.
• A identificação de consumidores
que tendem a gastar mais e a • A organização dos mercados
procurar menos ofertas e daque- varejistas físicos dificulta a indi-
les que são mais econômicos, de vidualização dos consumidores,
modo a otimizar a política discri- o que diminui as chances de
minatória e consequentemente varejistas físicos efetuarem seg-
as vendas do varejista online. mentações com base no perfil de
consumo de cada consumidor.
• A partir da identificação dos
consumidores perdulários e dos • O varejista físico também tem
econômicos, o varejista eletrô- que saber quais consumidores
nico deve prever qual desses são mais suscetíveis à mudanças
segmentos tem maior proba- nos seus padrões de consumo.
bilidade de trocar de fornece- Entretanto, essa tarefa é substan-
dor, de modo a otimizar a sua cialmente mais difícil e resulta em
resposta na precificação. diagnósticos menos confiáveis.

Expostas as condições propícias ao florescimento da


discriminação de preços por algoritmo, passa-se à discussão sobre
variáveis de mercado que podem criar obstáculos o sucesso de uma
política de preços discriminatória.

430 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

1.3. DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS POR ALGORITMO: OBSTÁCULOS

Apesar das inúmeras vantagens dos atores de e-commerce frente


aos varejistas tradicionais para a implementação de uma estratégia
de discriminação de preços orientada por algoritmos muito mais
eficiente do que a realizada antes do advento do Big Data, a literatura
aponta alguns obstáculos importantes para que essa discriminação se
dê de modo perfeito.
Alguns entraves são de ordem técnica. Akiva Muller destaca,
como um primeiro obstáculo, a dificuldade que varejistas têm de obter
um perfil do consumidor com um nível elevado de acurácia, o que
diminui a eficácia da política de discriminação640. Ezrachi e Stucke,
nessa linha, apontam para a impossibilidade de aferir todos os preços
de reserva de todos os consumidores, já que estes são uma latente
variável que nunca pode ser exatamente constatada, apenas inferida,
dada a incerteza que caracteriza as variáveis determinantes do preço
de reserva641.
Um segundo obstáculo ressaltado pelos pesquisadores anglo-
saxões são as próprias heurísticas que possibilitam a extração de um
excedente do consumidor mais elevado por meio da discriminação
comportamental (conceito explicado na próxima seção) e dificultam
uma estimação perfeita do preço de reserva dos clientes em todas as
ocasiões. Essa conclusão decorre da imperfeição da força de vontade
e não linearidade do processo decisório de seres humanos, o que
dificulta a exatidão da estimação do preço de reserva de algoritmos,
que operam necessariamente a partir de funções matemáticas.
Um terceiro obstáculo apontado à eficiência das políticas
discriminatória decorre da escala das operações dos varejistas de
e-commerce. Um grande espaço amostral é essencial para que as

640 MILLER, A. What Do We Worry About When We Worry About Price Discrimination?
The Law and Ethics of Using Personal Information for Pricing. Journal of Technology Law
and Policy, 2014, volume 19,. pp. 41-104.
641 EZRACHI, A. STUCKE, M.E. Virtual Competition – The promise and Perils of the
Algorithm-Driven Economy. Cambridge, Harvard University Press, 2016.

Estudos em Direito da Concorrência 431


Amanda Athayde

empresas discriminantes sejam capazes de executar experimentos


que lhes permitam estimar resultados confiáveis para as mais diversas
situações de consumo. Isso, no entanto, nem sempre é possível,
principalmente para a compra de produtos com valores de mercado
mais elevados, como eletrodomésticos e eletroeletrônicos, cuja
aquisição costuma ser eventual642.
O quarto obstáculo à discriminação de preços por algoritmos
é o comportamento dos próprios consumidores, se estes tiverem a
capacidade de perceber as políticas discriminatórias e de atuar de
modo a manipular os mecanismos que orientam a precificação no
ambiente de varejo online. Isso pode ser feito se os consumidores
deliberadamente se apresentarem como consumidores mais avarentos
ou hesitantes, estimulando os algoritmos a lhes apresentarem
descontos. Os compradores também podem ser mais zelosos com a
própria privacidade, esforçando-se para eliminar seus rastros virtuais
de modo que as plataformas não consigam inferir com precisão seus
preços de reserva nem tenham uma noção acurada de seus hábitos de
consumo643.
Além da adoção de comportamentos que induzam os algoritmos
a identificá-los como detentores de uma alta sensibilidade a preços,
a capacidade de resistência dos compradores a estratégias de
discriminação de preços estará relacionada à força da competitividade
no mercado de varejo online, ao engajamento desses em multi
homing644, a sua habilidade de transacionar bens entre si após a

642 Ibid.
643 MORRISON, E.; TOWNLEY, C.; YEUNG, K. Big Data and Personalised Price
Discrimination in EU Competition Law. King’s College London Law School Research
Paper nº 2017-37, 2017. Disponível em: < https://poseidon01.ssrn.com/delivery.
php?ID=173022101119067097071570720380391005121077073&EXT=pdf> Acesso em 07
de junho de 2019.
644 O “multi-homing” ocorre quando os consumidores utilizam diversos servidores
para obter o mesmo tipo de serviço. O multi-homing é apontado como um fato que
tende a diminuir o poder de mercado, mas uma situação de multi-homing perfeito
é rara, devido à existência de custos de troca. Um exemplo de multi-homing é um
consumidor que utiliza tanto o WhatsApp quanto o Telegram (serviços de troca de
mensagens online), ou que assina simultaneamente o Netflix e o Amazon Prime
(serviços de streaming de vídeo).

432 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

aquisição original junto a varejistas, e à capacidade de compradores de


identificarem a discriminação de preços de algoritmo e se organizarem
para questionar publicamente a legitimidade dessa prática, de modo a
prejudicar a reputação do ente discriminante.645
A seguir, são elencados os principais obstáculos à implementação
de uma política de discriminação de preços por algoritmo e uma
tradicional.

645 EZRACHI, A; STUCKE, M. E. The Rise of Behavioural Discrimination. European


Competition Law Review, 2016, volume 36, número 12. pp. 485-492.

Estudos em Direito da Concorrência 433


Amanda Athayde

TABELA III - Obstáculos propícias à discriminação de preços por algoritmo e


tradicional

Discriminação de preços por algoritmo Discriminação de preços tradicional

• A dificuldade na obtenção de um • No caso de uma política de


perfil digital de um consumidor que discriminação de preços im-
seja totalmente congruente com o plementada por um varejista
perfil real desse mesmo consumidor. físico, a principal dificuldade
consiste na identificação exata
• A impossibilidade de aferir todos de quais são as suscetibilidades
os preços de reserva dos consu- de preço de cada consumidor.
midores, dada a variabilidade dos
diversos fatores que informam esse • Em um ambiente de varejo
preço. Essa variabilidade inclui as físico, os preços exibidos e
heurísticas do processo decisório negociados serão necessaria-
dos consumidores, que não necessa- mente os mesmos para todos
riamente ocorre de maneira linear. os consumidores, dificultando
sobremaneira a possibilidade de
• A necessidade de um espaço que um lojista aufira o exceden-
amostral grande o suficiente para te do consumidor máximo de
que os varejistas discriminantes cada comprador individual.
efetuem experimentos que lhes
possibilite estimar a sensibilida-
de dos consumidores a mudanças
de preços e ao modo como estas
mudanças são apresentadas.

• A possibilidade de que os consumi-


dores se mobilizem contra a impo-
sição de uma política de discrimi-
nação de preços por algoritmo, seja
pela adoção de comportamentos no
ambiente virtual de compras que
dificultem a prática discriminatória
pelos algoritmos, seja pela mobi-
lização pública contra a prática.

• A estrutura do mercado em que o


varejista eletrônico está inserido. Em
mercados com maior competitivi-
dade, obviamente a implementação
de uma política de discriminação
de preços se torna mais difícil.

434 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

3. DESAFIOS DA DISCRIMINAÇÃO COMPORTAMENTAL COMO


UM NOVO TIPO DE DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS E ESTUDO
SOBRE AS TÁTICAS DE MANIPULAÇÃO DOS CONSUMIDORES

Considerando as especificidades dos mercados online, Ezrachi e


Stucke desenvolveram o conceito de discriminação comportamental,
que define um tipo específico de discriminação de preços promovida
por algoritmos. A discriminação comportamental consiste na coleta
de dados que permitem a identificação de emoções ou impulsos
que possibilitem uma compra, bem como o valor máximo que
os consumidores estão dispostos a despender a depender desses
diferentes estímulos. Trata-se, portanto, da implementação de
uma tática de discriminação de preços por algoritmo tal como vem
sendo discutida, com a aplicação de insights do campo da economia
comportamental.646 647
Ainda de acordo com os autores, a discriminação comportamental
possibilitaria a implementação de um modelo de discriminação de
preços de primeiro grau “quase perfeita”, ou seja, quase totalmente

646 A expressão economia comportamental se refere a um campo de estudos surgido


na década de 1970 que agrega inferências da psicologia à análise econômica. A
principal ideia subjacente a esse ramo de estudos é a crítica ao conceito clássico da
racionalidade econômica. De acordo com os estudiosos da economia comportamental,
não é evidente que os indivíduos se comportem de acordo com as assunções de
como pessoas racionais devem se comportar no processo de tomada de decisões, e
o mundo real, que extrapola o modelo econômico, é tão complexo que a teoria da
utilidade marginal teria pouca relevância para as escolhas reais. Herbert Simon é
apontado como um pioneiro do ramo, e muitas das ideias que ele desenvolveu são
relevantes para as considerações feitas por Ezrachi e Stucke sobre a “discriminação
comportamental”, que é referenciada nesse trabalho. As ideias relevantes para a
análise feita neste artigo são a de racionalidade limitada e a percepção de Simon sobre
a influência no comportamento dos agentes econômicos exercida pela maneira como
uma informação é apresentada (ou o “framing” de uma variável econômica). Ver
MEHTA, J (Ed). Behavioural Economics in Competition and Consumer Policy. Centre for
Competition Policy, University of East Anglia, Norwich, 2013. Disponível em: <http://
competitionpolicy.ac.uk/documents/8158338/8193541/CCP+economics+book+Final+
digital+version+-+colour.pdf/30214557-cace-4b0b-8aac-a801bbde87bc >. Acesso em 19
de junho de 2019.
647 EZRACHI, A. STUCKE, M.E. Virtual Competition – The promise and Perils of the
Algorithm-Driven Economy. Cambridge, Harvard University Press, 2016.

Estudos em Direito da Concorrência 435


Amanda Athayde

capaz de estimar os preços de reserva de diferentes tipos de


consumidores. O modelo proposto por Ezrachi e Stucke caracteriza-
se não pela identificação inequívoca dos preços de reserva de cada
consumidor, como seria o caso de uma discriminação de preços de
primeiro grau perfeita, mas pela segregação de consumidores em
grupos de referência cada vez menores e pelo refinamento para cada
um desses grupos das variáveis capazes de capturar seus vieses e os
fatores situacionais que influenciam seus processos aquisitivos648.
Dessa forma, as segmentações excessivamente abrangentes usadas
como base para a efetivação de uma política de discriminação de
preços de terceiro grau serão refinadas até a obtenção de categorias
bem mais específicas, formadas por indivíduos com sensibilidades a
preço similares e comportamentos de consumo semelhantes.
Além da segmentação, como já foi dito, a discriminação
comportamental implica em estimular nos consumidores demandas
por bens e aquisições de impulso que resultam na contestação
da assunção da teoria econômica de que agentes econômicos são
racionais e tomam decisões levando em conta benefícios e custos
marginais.649 650
A prática de discriminação comportamental adiciona elementos
relevantes à discussão sobre a discriminação de preços por algoritmo.
A implementação desse tipo específico de estratégia discriminatória
envolve a manipulação do comportamento e dos vieses dos seus
consumidores, tanto quanto informações sobre sua disponibilidade
de pagamento. Esse tipo de discriminação aumenta a probabilidade de
que os consumidores sejam cobrados a mais por um produto não por
conta de uma disposição maior de gastar seu dinheiro de fato fundada
no quanto esse comprador deseja um produto específico, mas pela

648 Ibid.
649 MANKIW, G. Introdução à Economia. São Paulo, Cengage Learning Brasil, 6ª edição,
2013.
650 EZRACHI, A. STUCKE, M.E. Virtual Competition – The promise and Perils of the
Algorithm-Driven Economy. Cambridge, Harvard University Press, 2016.

436 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

simples indução com base em hábitos e atos dos quais os compradores


podem nem ter ciência.
Além da questão possivelmente ética de manipular consumidores
com base em seus próprios hábitos para extrair a maior quantidade de
renda possível de cada um, esse tipo de discriminação torna mais fácil
que um consumidor seja explorado por conta da sua inexperiência
com o ambiente online ou sua ignorância sobre como ele funciona.
Devido a esse viés indutor, a discriminação comportamental
acaba abrangendo certas táticas comerciais que não necessariamente
se enquadram perfeitamente à definição de discriminação de preços
por algoritmo, mas que acabam tendo os mesmos efeitos práticos no
que se refere à maximização da extração do excedente do consumidor.
Até por conta da crescente complexidade envolvida nos processos de
precificação de mercados online, torna-se difícil até mesmo para as
autoridades competentes distinguir uma estratégia de precificação
dinâmica, por exemplo, de uma tática de discriminação de preços
deliberada. Por conta disso, essas táticas são incluídas neste estudo
como parte da conduta de discriminação de preços por algoritmo.
Elas se inscrevem dentro de várias outras estratégias adotadas por
comerciantes eletrônicos que podem ter como resultado justamente
induzir consumidores diferentes a adquirir os mesmos produtos a
preços diferentes de acordo com os interesses de maximização de
extração do excedente do consumidor do varejista, e não com os
interesses de consumo do cliente.
Quatro são as principais estratégias adotadas no varejo online
que envolvem a manipulação da percepção dos consumidores e de
seus hábitos de compras quando navegam na internet, por meio dessa
discriminação de preços via algoritmo. Ezrachi e Stucke indicam
maneiras pelas quais varejistas são capazes de induzir consumidores
a tomarem decisões de consumo ineficientes do ponto de vista de
maximização de sua renda.
Os autores elencam como estratégias de manipulação da
percepção dos consumidores e de seus hábitos o uso de produtos
“isca”, a discriminação de buscas, o aumento da complexidade da

Estudos em Direito da Concorrência 437


Amanda Athayde

avaliação do preço de um produto, a exploração dos diferentes níveis


de força de vontade apresentados por diferentes consumidores, e
o emprego dos chamados “framing effects” – efeitos de moldura -
,expressão que designa as diferentes reações de consumidores a uma
decisão de precificação a depender da maneira como essa decisão lhes
é apresentada.651
O uso de produtos “isca” explora a tendência cognitiva dos seres
humanos de valorarem coisas levando em consideração seu valor
relativo frente a outros itens considerados numa mesma análise.
Desse modo, os varejistas podem apresentar produtos de qualidade
baixa com preços claramente acima de seu valor de mercado junto a
produtos com qualidade superior, mas com um preço que, ainda que
mais elevado do que o preço de mercado, não seja tão discrepante.
Assim, os consumidores são induzidos a escolherem o segundo
produto, que se apresenta mais vantajoso do que realmente é.
Essa tática pode ser combinada com as segmentações promovidas
como base em fatores comportamentais e demográficos de modo que
os próprios produtos “isca” apresentados sejam personalizados e a
estratégia comercial seja mais eficiente do ponto de vista de extração
do excedente do consumidor.652
Uma segunda estratégia de manipulação da percepção dos
consumidores e de seus hábitos consiste na discriminação de buscas,
que consiste na apresentação de produtos diferentes a depender do
consumidor. O varejista online pode tanto restringir os produtos que
serão apresentados quanto alterar a ordem dos bens que são listados
no site. A decisão de quais ofertas serão apresentadas também será
tomada com base nos dados coletados dos consumidores, e variará
conforme a avaliação algorítmica de variáveis como CEP, renda
domiciliar, gênero e idade do consumidor considerado653.

651 EZRACHI, A; STUCKE, M. E. The Rise of Behavioural Discrimination. European


Competition Law Review, 2016, volume 36, número 12. pp. 485-492.
652 Ibid.
653 EZRACHI, A. STUCKE, M.E. Virtual Competition – The promise and Perils of the
Algorithm-Driven Economy. Cambridge, Harvard University Press, 2016.

438 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Os vendedores também podem direcionar descontos apenas para


compradores que utilizam sites de comparação de preços, enquanto
ofertam produtos com o preço-base aos clientes que foram direto ao
site da varejista, e por isso são percebidos como menos sensíveis a
preços654.
Uma terceira estratégia de manipulação da percepção dos
consumidores e de seus hábitos é o aumento da complexidade do ato
de compra, que ocorre quando vendedores dificultam a estimação
imediata do preço final da mercadoria adquirida pelo consumidor. É
possível atingir esse fito por meio da criação de várias versões de um
mesmo produto ou serviço com diferenças desprezíveis entre si, mas
que aumentam as considerações e avaliações necessárias para que o
consumidor tome sua decisão, e assim aumentam as chances de que
ele seja induzido ao resultado esperado pelo varejista655.
Ezrachi e Stucke dão outros exemplos de outros modos passíveis
de serem utilizados por varejistas de e-commerce para aumentar
a complexidade das decisões tomadas por varejistas, como: (1)
precificação por etapas, quando o vendedor apresenta um preço inicial
do bem que não corresponde ao valor efetivo da compra, com novas
cobranças sendo adicionadas conforme o ato aquisitivo progride; (2)
anúncios de venda de um bem a um preço menor do que o praticado
anteriormente; (3) “baiting”, quando os vendedores promovem ofertas
especiais com um número limitado de bens de fato em promoção; (4)
ofertas por tempo limitado, quando preços especiais ficam disponíveis
apenas por um período muito curto de tempo.656
De acordo com relatório feito pelo Escritório da Presidência
dos Estados Unidos, a complexificação dos preços e escolhas durante
compras tende a prejudicar especialmente os consumidores com
rendas menores, dada sua menor experiência com o consumo online.

654 MILLER, A. What Do We Worry About When We Worry About Price Discrimination?
The Law and Ethics of Using Personal Information for Pricing. Journal of Technology Law
and Policy, 2014, volume 19,. pp. 41-104.
655 EZRACHI, A; STUCKE, M. E. The Rise of Behavioural Discrimination. European
Competition Law Review, 2016, volume 36, número 12. pp. 485-492.
656 EZRACHI, A. STUCKE, M.E., op. cit.

Estudos em Direito da Concorrência 439


Amanda Athayde

Há, ainda, uma quarta estratégia de manipulação da percepção


dos consumidores e de seus hábitos, que consiste na exploração
de diferentes níveis de força de vontade e de suscetibilidade dos
consumidores a incitações ao consumo é operada a partir de
informações detidas pelos varejistas relativas ao histórico de buscas
e aquisições dos primeiros. Os consumidores mais impulsivos podem
ser instados a fazer compras se apresentados a anúncios que os
induzam a pensar que o produto está escasso. Aqueles clientes que
se apresentam mais resistentes à efetivação da compra, por sua vez,
obtém descontos maiores e condições de compra mais vantajosas657.
É importante ressaltar, como já deve ter ficado implícito, que
a implementação de uma estratégia comercial de discriminação
de preços por algoritmo provavelmente não será transparente, seja
do ponto de vista dos critérios que orientam essa discriminação,
seja em relação à honestidade dos varejistas da existência de uma
política discriminatória. Considerando prováveis reações adversas
dos consumidores à percepção de que suas informações pessoais
podem estar sendo usadas para orientar a captura de sua renda de
modo potencialmente ilegítimo, os varejistas deverão empregar os
chamados “framing effects”, de modo que os preços diferenciados se
apresentem mais razoáveis aos consumidores.
A manipulação dos vieses dos consumidores levará em conta as
heurísticas658 que levam consumidores a perceber políticas de preços
que do ponto de vista econômico possuem os mesmos efeitos como
diferentes de um ponto de vista moral.
Os preços diferenciados, por exemplo, não seriam aplicados
de modo explícito, ou descontextualizados. A discriminação será
implementada disfarçadamente por meio da concessão de diferentes

657 EZRACHI, A; STUCKE, M. E. The Rise of Behavioural Discrimination. European


Competition Law Review, 2016, volume 36, número 12. pp. 485-492.
658 Heurísticas são estratégias cognitivas empregadas em decisões não racionais,
empregadas pelo agente que decide de modo que este ignore parte das informações
a serem consideradas no processo decisório com o objetivo de facilitar sua escolha e
torná-la mais rápida.

440 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

níveis de desconto a depender do consumidor considerado659,


contrariando o pressuposto microeconômico de que o preço é um
indicativo de mercado que decorre da relação entre a demanda e a
oferta de um produto. Assim, o preço-base dos serviços e bens ofertados
pela empresa discriminante não corresponderá ao respectivo preço
de mercado “real”.
Além da camuflagem da discriminação de preços por algoritmo
por meio da concessão de descontos seletivos, os varejistas que se
engajam nessa prática podem apresentá-la de modo mais palatável
ao consumidor alterando não o preço do produto adquirido, mas de
serviços anexos à compra, como a concessão de descontos no frete,
ou melhores termos de garantia ou serviços para consumidores
identificados como mais exigentes ou menos impulsivos, ou que
tenham acesso maior a opções da concorrência660.
Por fim, outro modo de disfarçar o emprego de táticas
discriminatórias é atribuir os diferentes níveis de preço a variáveis de
mercado alheias ao controle do varejista. Nesse caso, a precificação
dinâmica determinada por algoritmos, apresentada pelos varejistas
como um meio de otimização de suas decisões comerciais, acaba
servindo de fachada a uma política discriminatória, e distinguir uma
da outra pode ser desafiador inclusive para autoridades regulatórias661.

659 EZRACHI, A; STUCKE, M. E. The Rise of Behavioural Discrimination. European


Competition Law Review, 2016, volume 36, número 12. pp. 485-492.
660 EZRACHI, A; STUCKE, M. E. The Rise of Behavioural Discrimination. European
Competition Law Review, 2016, volume 36, número 12. pp. 485-492.
661 Ibid.

Estudos em Direito da Concorrência 441


Amanda Athayde

TABELA IV – Principais estratégias de manipulação de consumidores


adotadas por varejistas eletrônicos

• Uso de produtos-isca: varejistas apresentam produtos claramente sobre-


precificados junto a produtos levemente sobreprecificados. Essa estratégia
explora a tendência humana de fazer avaliações considerando não um bem
em si mesmo, mas um bem em comparação a outros próximos.

• Discriminação de buscas: varejistas apresentam produtos diferentes em


sua página a depender do consumidor, a partir de avaliações algorítmicas
sobre a renda, o gênero e o CEP presumidos do comprador.

• Aumento da complexidade do ato de compra: varejistas dificultam que o


consumidor estime o preço final que irá pagar pelo produto adquirido. Isso
pode ser feito de diversas formas, como, por exemplo, por meio da precifi-
cação por etapas, ou pela divulgação de ofertas por tempo limitado, dentre
outras maneiras.

• Exploração dos diferentes níveis de força de vontade dos consumidores:


por meio da observação do histórico de navegação de consumidores, os
varejistas eletrônicos conseguem identificar quais são mais econômicos e
quais são mais impulsivos, e assim, impulsionar ofertas direcionadas para
cada um deles de modo a capturar o maior excedente possível de cada
consumidor.

4. CONCLUSÃO

A discriminação de preços por algoritmo é um fenômeno recente,


que tende a adquirir novas feições conforme o desenvolvimento da
economia da internet, que é marcada pelo aspecto disruptivo. Por
conta disso, é um desafio para legisladores e aplicadores do Direito
encontrarem os meios mais adequados para o endereçamento dessa
conduta e a proteção dos consumidores atingidos por ela.
Diante do cenário, há quem questione se o Direito tem um
papel no endereçamento desse tipo de prática empresarial. Para
estes, seria sempre benéfica a prática por conta da possibilidade de
que a discriminação de preços gere externalidades positivas para os
consumidores como um todo, por meio da otimização do processo
de precificação e da geração de economias de escala, faz com que a

442 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

adoção de uma postura legal muito peremptória seja alvo de críticas


relevantes. Não haveria espaço, portanto, para intervenção jurídica.
A posição dos autores deste artigo, porém, é a que o Direito não
apenas pode, como deve se preocupar com as práticas de discriminação
de preços por algoritmo no varejo online. A discussão que se impõe,
porém, é a seguinte: mas qual ramo do Direito deve ter incidência
preponderante? Direito da Concorrência? Direito do Consumidor?
Direito de Proteção de Dados Pessoais?
Milita em favor da aplicação do Direito da Concorrência o fato
de que essa seara é particularmente sensível à variabilidade inerente
aos fenômenos econômicos. A possibilidade de aplicação de um
Direito eminentemente consequencialista, como costuma ser o
Direito Concorrencial, pode permitir que o Estado enderece eventuais
condutas abusivas ao mesmo tempo que preserve eventuais eficiências
econômicas propiciadas pela discriminação de preços por algoritmo.
Contra a aplicação do Direito Antitruste, porém, conta o fato
de que é difícil associar uma conduta de discriminação de preços
por algoritmo a algum dano ao processo competitivo considerado
em si mesmo. Além disso, as definições de poder de mercado
tradicionalmente aceitas pela prática concorrencial podem ser
insuficientes para lidar com situações em que um ator do varejo
online discriminante não necessariamente detenha uma posição
óbvia de dominância econômica. O uso das ferramentas antitruste
pode ser criticado como uma descaracterização do próprio Direito
Concorrencial, que para muitos deve prioritariamente tratar da
competição em si, relegando a proteção ao consumidor a uma posição
secundária, acionada apenas quando ela estiver relacionada com um
abuso de posição dominante que implique em prejuízos à competição.
A favor da incidência do Direito Consumerista está a possibilidade
de conferir a proteção máxima ao consumidor final. A existência do
Direito do Consumidor está intimamente ligada ao desenvolvimento
da economia capitalista e à percepção de que os usuários de serviços
e adquirentes de produtos necessitavam de proteção ante o poder
cada vez maior de grandes conglomerados empresariais de regular

Estudos em Direito da Concorrência 443


Amanda Athayde

a organização da sociedade e impor condições injustas de contrato.


Existe uma ampla construção jurídica em torno dos contratos de
adesão, que poderia ser utilizada para contrabalancear o poder dos
oligopolistas da internet de impor aos internautas termos de uso que
resultem na exploração comercial desarrazoada de seus hábitos e
dados pessoais para a extração de excedente do consumidor.
Por sua vez, pela aplicação do Direito da Proteção de Dados à
hipótese desse artigo, argumenta-se que ele pode ser utilizado em
moldes semelhantes ao Direito do Consumidor, no sentido de proteger
os consumidores em sua posição de hipossuficiência ante os grandes
players da internet, mas com uma vantagem específica: o Direito
da Proteção de Dados existe exatamente para fornecer às pessoas
controle sobre seus dados pessoais. A depender do desenvolvimento
da regulação da internet, essa seara pode ser utilizada de modo a
permitir que os consumidores usufruam de maneira menos desigual
em comparação às empresas do valor econômico de seus dados, o que
pode mitigar os danos econômicos causados pela discriminação de
preços com o objetivo de extração do excedente do consumidor.
O Direito do Consumidor e da Proteção de Dados, por sua vez,
têm como contrapontos na sua aplicação justamente a dificuldade de
adotar uma análise econômica do Direito quando de sua aplicação.
Além disso, a experiência recente tem demonstrado obstáculos
encontrados por autoridades em regular as relações entre empresas
da internet e seus clientes nos moldes de hipossuficiência e proteção
à autonomia decisória tradicionalmente incorporados pelo Direito
consumerista. A situação atual tem inclusive levantado dúvidas sobre
a capacidade do Estado de pôr limites à atuação de grandes grupos
empresariais.
Por fim, sinaliza-se que a transferência da responsabilidade
de tomadas de importantes decisões comerciais para algoritmos
possui repercussões relevantes do ponto de vista da accountability
jurídico empresarial. O desenvolvimento da tecnologia de inteligência
artificial, com a ascensão de softwares de machine learning, faz com
que os algoritmos tomem decisões econômicas de modo independente

444 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

e cada vez mais criativo, com base na sua própria experiência com o
tratamento dos dados e do propósito para o qual foi programado: a
maximização dos lucros dos varejistas662.
Esse processo dificulta a aferição da legitimidade das decisões
de precificação tomadas pelo algoritmo tanto do ponto de vista
econômico (isto é, a verificação da existência de relação entre o
preço definido e as condições de mercado), quanto de um ponto de
vista ético, considerando a possibilidade de repercussões sociais
negativas decorrentes de segmentações de consumidores com base
em informações sensíveis663. Além das devassas decorrentes de
acervos de dados exclusivos de um varejista específico, as companhias
que tenham intenção de implementar políticas discriminantes
podem obter novos insights e inferências sobre os comportamentos
de seus clientes cruzando dados provenientes de diferentes acervos,
caracterizando o fenômeno de “data fusion”664.
A questão que se impõe, nesse cenário, é a seguinte: como se
dará a responsabilização das práticas eventualmente ilícitas (seja pelo
Direito da Concorrência, seja pelo Direito do Consumidor, seja pelo
Direito da Proteção de Dados) implementadas por algoritmos?
Diante de tantas controvérsias, parece incontroverso que o
fenômeno precisa de mais atenção acadêmica, que exigirá análise
sob várias perspectivas jurídicas e políticas diferentes, até para
que fique claro os limites de cada uma das searas mencionadas no

662 SOUZA LIMA, J.M.T.; Inteligência artificial na competição: os limites da


responsabilidade de um agente econômico em função de atos de concentração operados por
programas sofisticados de computador no comércio eletrônico brasileiro. Revista de Defesa
da Concorrência, volume 5, número 2, 2017, pp. 5- 29. Disponível em: < http://revista.
cade.gov.br/index.php/revistadedefesadaconcorrencia/article/view/328/166> Acesso
em 09 de julho de 2019
663 MORRISON, E.; TOWNLEY, C.; YEUNG, K. Big Data and Personalised Price
Discrimination in EU Competition Law. King’s College London Law School Research
Paper nº 2017-37, 2017. Disponível em: < https://poseidon01.ssrn.com/delivery.
php?ID=173022178113081069013111022081091005121077073&EXT=pdf> Acesso em 07
de junho de 2019.
664 EZRACHI, A. STUCKE, M.E. Virtual Competition – The promise and Perils of the
Algorithm-Driven Economy. Cambridge, Harvard University Press, 2016.

Estudos em Direito da Concorrência 445


Amanda Athayde

endereçamento não só dessa conduta, mas de diversos outros novos


fenômenos que emergem do desenvolvimento da economia digital.

446 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Condutas Coordenadas

Estudos em Direito da Concorrência 447


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

ANTITRUSTE E ANÚNCIOS PÚBLICOS FEITOS POR


EMPRESAS, ASSOCIAÇÕES E SINDICATOS

Publicado originalmente em: Portal Conjur em 24/02/2023.

Amanda Athayde

Leonardo Rocha e Silva

Luís Henrique Perroni Fernandes

“O preço da gasolina aumentará mais R$ 0,10 no DF a partir


desta terça-feira.” Esta frase, dita publicamente pelo presidente do
Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes
do Distrito Federal (Sindicombustíveis/DF) em 16/2/2021, é objeto do
mais novo processo administrativo instaurado pelo Cade (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica)665 para apurar a ocorrência
de infração à ordem econômica, mais uma vez no mercado de
combustíveis666.
Após quase um ano de investigação preliminar, o Cade entendeu
que havia indícios de que diferentes declarações públicas do
presidente do Sindicombustíveis/DF relacionadas a reajustes futuros
nos preços, somadas a circulares publicadas periodicamente pelo
sindicato a respeito do mesmo tema, poderiam revelar uma tentativa
de influenciar o mercado revendedor de combustíveis a se comportar
uniformemente, o que é vedado pela Lei de Defesa da Concorrência
(Lei nº 12.529/11)667.

665 Processo Administrativo n° 08700.000899/2021-18, instaurado em 11.1.2023.


666 O mercado de combustíveis tem sido alvo constante de preocupações no sistema
brasileiro de defesa da concorrência, tendo sido objeto de estudos na Cartilha da
SDE de Combate a Cartéis na Revenda de Combustíveis e no Caderno Cade sobre os
Mercados de Distribuição e varejo de combustíveis líquidos. Maio de 2022.
667 A infração concorrencial é intitulada “influência à conduta comercial uniforme”,
inserida dentro do gênero mais amplo das condutas coordenadas. Artigo 36.
Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos
sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os
seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer

Estudos em Direito da Concorrência 449


Amanda Athayde

A preocupação externada pela Superintendência Geral do Cade,


ao iniciar a investigação é a de que, ao receberem a notícia de aumento
de preços, os revendedores de combustíveis teriam grandes incentivos
para repassar imediatamente aos consumidores o acréscimo,
exatamente no mesmo patamar anunciado, mesmo antes de terem
realmente sido afetados por ele, em suas negociações privadas com os
distribuidores.
Pelo que consta dos autos públicos, o Sindicombustíveis/
DF defende que tais declarações decorrem do dever público de
comunicação do sindicato, sendo que havia razões concretas e
excepcionais para os anúncios feitos, tais como o impacto do conflito
entre Rússia e Ucrânia, majoração dos preços da gasolina e do álcool
anidro nas refinarias, alteração do valor do ICMS, elevação de tributos
decorrente do fim da desoneração de tributos federais, entre outras
questões.
Embora o Cade reconheça o papel fundamental das associações
de classe e sindicatos na sociedade, que podem inclusive contribuir
para maior eficiência do mercado em que suas associadas atuem
ao promoverem ações que sejam pró-competitivas, está claro que,
em determinadas situações, as condutas das associações de classe
podem ultrapassar os limites — as vezes tênues — impostos pela Lei
de Defesa da Concorrência no que tange à proibição de medidas que
gerem uniformização de condutas de agentes econômicos que devem
competir diretamente668. Não há “autorização especial” para que as
associações de classe e sindicatos deixem de observar os termos da Lei
de Defesa da Concorrência, mesmo sob o argumento de atender a sua

forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; […] IV – exercer de forma


abusiva posição dominante. §3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em
que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam
infração da ordem econômica: II – promover, obter ou influenciar a adoção de conduta
comercial uniforme ou concertada entre concorrentes;

668 A preocupação histórica do sistema brasileiro de defesa da concorrência com


condutas anticompetitivas no bojo de associações e sindicatos é evidenciada pela
publicação da Cartilha SDE de combate a cartéis em associações e sindicatos. 2009.
Disponível em: < https://www.abitam.com.br/site/download/cartilha_sindicatos.
pdf >.

450 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

função institucional ou constitucional. Aliás, muito pelo contrário: a


Lei de Defesa da Concorrência deixa claro que se aplica a quaisquer
associações de entidade ou pessoas669.
Essa não é a primeira vez em que o Cade entende que anúncios
públicos podem ser considerados ilegais. Em 2010, no mercado de
avicultura, por exemplo, foi firmado um acordo, ou seja, um Termo
de Compromisso de Cessação de Prática (TCC) entre o Cade, a União
Brasileira de Avicultura (UBA) e o seu presidente, após recomendação
para que empresas produtoras de frango afiliadas diminuíssem a
produção em 20% e limitassem o plantel a 400 milhões de frangos até
determinado período.
Já em 2013, no mercado de chocolates, foi celebrado um acordo
entre o Cade, a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates,
Cacau, Amendoim, Balas e derivados (Abicac) e seu presidente, após
este dizer publicamente que a Páscoa estaria 8% mais cara naquele
ano de 2009. Naquele caso, nos termos do acordo firmado, foi admitido
que a declaração pública teria sido ilegal, ou seja, uma violação aos
termos da Lei de Defesa da Concorrência.
Ainda em 2013, o Sindicato do Comércio Varejista de Material
de Escritório, Escolar e Papelaria do Estado de São Paulo e Região
(Simpa/SP) também celebrou um acordo com o Cade, em razão de fala
pública do seu presidente de que os pais deveriam antecipar a compra
de material escolar para evitar alta de 7% decorrente do índice de
inflação.
Tais casos deixam claro que os anúncios públicos podem ser
considerados ilícitos pelo Cade, sendo necessário uma análise crítica
específica dos líderes das associações de classe e diretores que avaliam
os momentos e os conteúdos das manifestações de tais entidades, para
evitar conflitos com a Lei de Defesa da Concorrência.

669 Artigo 31. Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou
privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de
fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica,
mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal.

Estudos em Direito da Concorrência 451


Amanda Athayde

Como regra geral, divulgações ao público em geral de dados


dos setores, pelo fato de diminuírem a assimetria entre os diferentes
agentes econômicos, aumentam a transparência e contribuem para
uma maior eficiência do mercado, podendo ser consideradas pró-
competitivas. Não por outra razão, são comumente vistos com
bons olhos pelas autoridades de concorrência e são preferidos às
comunicações privadas.
No entanto, há situações em que os anúncios públicos deixam
de ser bem vindos, na medida em que podem a) influenciar a adoção
de prática comercial uniforme; ou b) aumentar a probabilidade de
colusão.
Em relação à possibilidade específica de anúncio público de
preços, em especial aqueles voltados para políticas de preços, o risco
é de que tais anúncios levem à uniformização de conduta no mercado
afetado, fazendo com que as associações de classe e sindicatos
sirvam de price maker, estabelecendo diretrizes a serem seguidas
pelos agentes de mercado. Os efeitos da adoção de conduta uniforme
entre concorrentes podem ser semelhantes aos efeitos de um cartel,
na medida em que há um arrefecimento da concorrência com a
implementação de políticas comerciais semelhantes e não definidas
unilateralmente670.
Para além dessa preocupação mais tradicional, uma teoria
do dano mais recente é a de que o anúncio público de informações
pode também servir de sinalização entre concorrentes, substituindo
os acordos anticompetitivos explícitos que na história do direito
da concorrência têm aparecido com mais frequência. Trata-se,
portanto, de forma alternativa de implementação de cartel, mas com
os mesmos efeitos deletérios, na medida em que a colusão, seja ela
implícita ou explícita, diminui a concorrência no mercado e aumenta
artificialmente os preços praticados.

670 Sobre os possíveis enquadramentos de condutas anticompetitivas no âmbito de


associações, sugere-se: ATHAYDE, Amanda. Prova indireta de cartel no âmbito das
associações: comportamento paralelo e plus factors. EALR, Brasília, V. 2, nº 1, p. 41-64,
Jan-Jun, 2011. Disponível em: < file:///C:/Users/aat/Downloads/1761-Article%20Text-
7586-5-10-20110807.pdf >.

452 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Artigo publicado em 2022, de autoria de Joseph E. Harrington Jr.,


indicado como um dos melhores artigos pelo prêmio Concurrences
de 2023671, sugere que acordos entre concorrentes podem ser
realizados por meio de anúncios públicos. Esse anúncio traria uma
dificuldade adicional de persecução antitruste, pela ausência de um
acordo expresso e pela justificativa mais genérica de que o anúncio é
voltado para participantes de mercado, e não para os concorrentes.
Nesse sentido, John Kepler inclusive sugere que esses anúncios
públicos poderiam até mesmo substituir as comunicações privadas na
coordenação entre concorrentes672.
Nesse contexto, empresas, associações de classe e sindicatos
devem, portanto, ser cautelosos e fazer um exame prévio dos termos
e do contexto no qual o anúncio público pretendido está inserido. O
enfrentamento de sete perguntas básicas pode auxiliar no processo
de identificação e mitigação de riscos relacionados à violação à Lei de
Defesa da Concorrência, quais sejam: 1) O anúncio público pretendido
decorre de exigência legal? 2) O anúncio público pretendido tem como
objetivo atender interesses ou exigências de investidores, clientes
ou consumidores finais? 3) Há justificativa legítima para o anúncio
público pretendido? Quem serão os beneficiados? 4) Há necessidade
de se fazer um anúncio público anterior à ocorrência do evento a ser
noticiado? 5) Para atingir o objetivo desejado com o anúncio público,
todas as informações nele contida são estritamente necessárias? 6)
O anúncio público pretendido contém informações comercialmente
sensíveis673 7) Qual é a estrutura da indústria a ser potencialmente
afetada pelo anúncio público pretendido?

671 HARRINGTON JR., Joseph E. Collusion in Plain Sight: firm’s use of public
announcements to restrain competition. ABA, June 2022, Vol, 84, Issue 2.
Disponível em: < https://awards.concurrences.com/IMG/pdf/alj22.pdf?103460/
d3ded543799c5510bd1383b6732c1a851cdd154ae7e9779c2b54f98b9f155ff2>.
672 KEPLER, John D., Private Communication Among Competitors and Public Disclosure,
71 J. ACCT. & ECON. 1, 1 (2021).
673 A lista exemplificativa de informações comercialmente sensíveis contempla:
1) custos das empresas envolvidas; 2) nível de capacidade e planos de expansão;
3) estratégias de marketing; 4) precificação de produtos (preços e descontos); 5)
principais clientes e descontos assegurados; 6) salários/benefícios de funcionários;

Estudos em Direito da Concorrência 453


Amanda Athayde

Essas são perguntas importantes e necessárias para evitar


investigações e condenações pelo Cade, mas também por parte de outras
autoridades de defesa da concorrência, que igualmente se preocupam
com esses anúncios públicos e os seus efeitos nos comportamentos
dos concorrentes, mesmo quando esses anúncios não são feitos por
associações de classe, mas pelas empresas, unilateralmente.
Em 2018, por exemplo, o Tribunal de Concorrência do Reino
Unido manteve a imposição de multa no valor de 50 milhões de libras
à empresa Royal Mail por abuso de posição dominante, pelo fato de
tal empresa ter publicamente anunciado a sua nova estrutura de
preços674. Decidiu-se que o anúncio dessa nova estrutura de preços
seria uma forma de afastar competidores que pretendiam entrar no
mercado de serviços postais, diminuindo por tanto, a concorrência
potencial que a Royal Mail poderia enfrentar.
Ainda no Reino Unido, a autoridade de concorrência (CMA)
local, após conduzir uma investigação detalhada no mercado de
cimentos, decidiu em 2012 proibir o envio, por parte das empresas
do setor, de cartas genéricas aos consumidores contendo anúncio
de preços a serem praticados. Por meio de acordo, ficou consignado
que cartas contendo anúncio de preços deveriam ser específicas
com detalhamento dos preços antigos e novos, além da descrição de
eventuais outras cobranças aplicadas ao consumidor destinatário da
carta.
Os anúncios públicos também foram considerados ilícitos
pela Comissão Europeia em investigação relacionada ao mercado de
transporte marítimo de carga (container liner shipping), iniciada em
2013 e concluída em 2016. A autoridade europeia entendeu que os
anúncios públicos dos valores de frete a serem cobrados futuramente,
feitos periodicamente pelas transportadoras em seus sites ou via
imprensa, tinham o efeito de sinalizar aos concorrentes as respectivas

7) principais fornecedores e termos de contratos com eles celebrados; 8) informações


não públicas sobre marcas e patentes e Pesquisa e Desenvolvimento (P&D); 9) planos
de aquisições futuras; e 10) estratégias competitivas, etc.
674 https://www.catribunal.org.uk/judgments/12991318-royal-mail-plc-v-office-
communications-judgment-2019-cat-27-12-nov-2019

454 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

estratégias comerciais. A Comissão Europeia não identificou ganhos


relevantes para os consumidores finais, na medida em que as
informações publicadas não eram úteis a eles da forma apresentada.
As transportadoras celebraram acordo para encerrar o processo,
interrompendo a conduta675.
Nos Estados Unidos676, há um número limitado de casos
relacionados a anúncios públicos unilaterais, sendo que na grande
maioria deles houve acordo. Por exemplo, em 2010, o Federal Trade
Commission (FTC) entendeu que a estratégia comercial adotada pela
empresa U-Haul International no mercado de aluguel de caminhões,
de aumentar os seus preços, incentivar o aumento de preços de
concorrentes, e ameaçar abaixar novamente os seus preços caso
concorrentes não fizessem o mesmo, poderia resultar em um menor
grau de concorrência no setor.
Em outro caso envolvendo publicidade de anúncios em jornais
no mesmo ano, o CEO da empresa Valassis Communications, listada
em bolsa, sabendo que seu concorrente estaria acompanhando
conferência telefônica, anunciou nova estratégia de aumento de
preços sem qualquer justificativa comercial legítima. Na ocasião,
o FTC concluiu que a empresa pretendeu viabilizar um conluio por
meio do anúncio.
Estes casos ilustram, portanto, que a preocupação externada pelo
Cade no caso recentemente anunciado é também uma preocupação
de outras autoridades, o que gera ainda mais riscos a associações de
classe e empresas que percebem valor na comunicação pública de
informações que são sensíveis do ponto de vista da concorrência.
O processo administrativo de Sindicombustíveis/DF revela que
o Cade está acompanhando de perto, com interesse, os anúncios

675 https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/IP_16_2446;
https://www.gov.uk/government/news/cma-publishes-f inal-cement-price-
announcement-order
676 https://www.oecd.org/daf/competition/Unilateraldisclosureofinformation2012.
pdf
http://www.ftc.gov/os/caselist/0810157/100720uhaulcmpt.pdf; http://www.ftc.gov/os/
caselist/0510008/0510008c4160ValassisDecisionandOrder.pdf

Estudos em Direito da Concorrência 455


Amanda Athayde

públicos de preços. O fato de os anúncios públicos terem diferentes


formatos, conteúdos e extensão faz com que o Cade, nos precedentes
existentes até aqui, não tenha respondido todas as perguntas que
surgem, deixando importante espaço para debate.
As investigações do Cade referentes a anúncios públicos têm
se concentrado, ainda, nas manifestações realizadas por líderes de
associações e sindicatos. Pela atuação das autoridades europeias e
norte-americana, nota-se, contudo, que o escrutínio dos anúncios
públicos já chegou no nível da empresa. Novos desdobramentos
tendem a surgir ao longo dos anos, de modo que empresas, associações
e sindicatos devem ser cautelosos antes da realização de anúncios
públicos.

456 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

A PRIMEIRA CONDENAÇÃO DE ACORDOS HUB-AND-


SPOKE NO BRASIL E SUA SINALIZAÇÃO ANTITRUSTE

Publicado originalmente em: Portal Migalhas 31/05/2023.

Amanda Athayde

Sofia de Medeiros Vergara

Em 12 de abril de 2023 o Conselho Administrativo de Defesa


Econômica (CADE) condenou um acordo entre concorrentes
conhecido como “hub-and-spoke”. Mas afinal, o que é um acordo hub-
and-spoke?
Conforme o relatório da Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre hub-and-spokes,
publicado em novembro de 2019, o referido arranjo é caracterizado
por um acordo entre concorrentes de um mercado (“spokes” ou
“raios”) coordenado por intermediários verticalmente relacionados
(“hub”), através da troca de informações. O grande diferencial do cartel
hub-and-spoke para o cartel tradicional está na falta de comunicação
direta e horizontal entre os concorrentes, havendo, pelo contrário,
uma comunicação indireta, permitida pelas trocas bilaterais dos
concorrentes com um player comum externo ao mercado.
Segundo ATHAYDE, acordos hub-and-spoke são também
chamados acordos de coordenação de A, B e C, e dizem respeito
à situação em que informações concorrencialmente sensíveis são
passadas entre duas ou mais empresas que operam no mesmo nível da
cadeia de produção/distribuição (entre B e C) por meio de um parceiro
comum, operando a um nível diferente da produção/distribuição
(A).677 Nesta configuração, passam a existir acordos horizontais entre
os que operam no mesmo nível, facilitado pela empresa atuante no

677 ATHAYDE, Amanda. Antitruste, Varejo e Infrações à Ordem Econômica Ed.


Singular: São Paulo, 2017. p. 228.

Estudos em Direito da Concorrência 457


Amanda Athayde

outro nível da cadeia.678 Em arranjos anticompetitivos como este, o


foco central do problema é a troca de informações comercialmente
sensíveis, que, mesmo quando realizada por meio de um terceiro
intermediário, pode ser comparada à troca direta de informações.
Nesse contexto, a Nota Técnica da Superintendência-Geral do
CADE (SG/CADE), que instaurou o referido caso condenado em maio
de 2023, sinalizou que “o arranjo hub-and-spoke nada mais é do que
uma modalidade de cartel em que um uma determinada empresa
funciona como ponto focal (“hub”) organizador da colusão (“rim”
ou aro) entre empresas, à jusante ou à montante (“spokes”), através
de relações verticais”.679 Assim entendeu o Conselheiro Relator Luiz
Augusto Hoffmann, ao apontar que a conduta imputada consistiu
em acordo anticompetitivo entre revendedores de lousas digitais
e projetores de uma marca (“spokes”), que eram distribuídos por
outras empresas (“hubs”), visando a fraudar o caráter competitivo do
mercado de licitações e vendas privadas. O modus operandi do acordo
em questão dividia-se em três fases, quais sejam: (i) mapeamento e
pedido de proteção, na qual uma revendedora comunica-se com a
distribuidora a fim de solicitar proteção de um cliente potencial; (ii)
proteção e compartilhamento de informações concorrencialmente
sensíveis com os demais revendedores, na qual a distribuidora
solicitava às demais revendedoras que fixassem preços mais altos do
que a oferta inicial para aquele cliente mapeado; (iii) acordo colusivo,
na qual a distribuidora garantia o cumprimento do acordo, mantendo
os preços artificialmente elevados e impedindo a redução na cotação
dos seus produtos.
Logo, identificados os elementos para sua caracterização, o
Tribunal do CADE entendeu que a conformação em questão tratava
de um cartel hub-and-spoke, ressaltando a semelhança entre o modus

678 Uruguai. Comisión de Promoción y defensa de la Competencia. N. 18/2010 -


Mercado de Alimentos Congelados. 2014. Disponível em: https://www.mef.gub.uy/
innovaportal/file/9847/1/20140820_resolucion_80-14.pdf. Acesso em: 8 nov. 2015.
679 Nota Técnica 56 (SEI 079489). Processo Administrativo nº 08012.007043/2010-79.
Publicada em 19.08.2020.

458 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

operandi da conduta e a teoria hub-and-spoke, como se pode verificar


da imagem abaixo:

(Imagem: Fonte: Elaborado pelas autoras (2023)

Este foi, de fato, o primeiro caso condenado com base na teoria


hub-and-spoke. Antes, já houve investigações no CADE que usaram
essa teoria como pano de fundo, mas nunca como elemento central e
decisivo para a condenação. Em dois processos decididos pelo Tribunal
do CADE no mercado de revenda de combustíveis, um em Joinville/SC
(PA nº 08700.009879/2015-64), julgado em maio de 2021, e o outro na
região metropolitana de Belo Horizonte/MG (PA nº 08700.010769/2014-
64), julgado em abril de 2019680, a SG/CADE e a Procuradoria Federal
Especializada junto ao CADE (ProCade) já tinham apontado possíveis
indícios de configuração de um cartel hub-and-spoke. Em ambos
os casos foram apontados indícios de elementos constitutivos do
intercâmbio indireto de informações estratégicas entre concorrentes,
com participação das distribuidoras, sindicato e de revendedores de
combustíveis. Entendeu-se que a pulverização do mercado de revenda

680 VERGARA, Sofia de Medeiros. Cartéis hub-and-spoke: o que são, quando estão
configurados e como enquadrá-los? Uma análise da experiência estrangeira e nacional
em termos quantitativos e qualitativos.

Estudos em Direito da Concorrência 459


Amanda Athayde

representaria uma dificuldade para a coordenação horizontal, de modo


que a atuação de agentes não participantes e externos ao mercado
seria essencial para o funcionamento do acordo colusivo. Tais práticas
poderiam ser abrangidas, em tese, pelo conceito de cartel hub-and-
spoke.
Não obstante a temática dos cartéis hub-and-spoke ter sido
travada nesses dois casos anteriores, o Tribunal entendeu, à época,
haver muita discussão teórica em torno do tema e pouca jurisprudência
sedimentada sobre o padrão de prova necessário para a caracterização
desse ilícito, e concluiu não ser “necessário discutir se a dinâmica de
estruturação do cartel se deu ou não no formato de um cartel hub-and-
spoke”681
Além dos casos mencionados acima, o Tribunal do CADE também
iniciou, na sessão ordinária do dia 24 de maio de 2023, o julgamento
do Processo Administrativo nº 08700.005639/2020-58, que tem como
objeto de investigação suposto cartel nos mercados de revenda
de combustíveis no oeste de Santa Catarina. Conforme apontou a
Superintendência Geral, o cartel em questão operava através de um
intermediário pessoa física, entendido como representante informal
de distribuidora de combustíveis (“hub”), em decorrência de relação
direta de parentesco deste com um dos sócios. O intermediário
operacionalizava o compartilhamento de informações entre os
revendedores locais de combustíveis (“spokes”). O caso foi remetido
ao Tribunal Administrativo com recomendação de condenação de
todos os representados, observada a existência de uma colusão do tipo
hub-and-spoke.
Durante a sessão de julgamento, o Conselheiro Relator Luis
Henrique Bertolino Braido apontou que, apesar da SG ter entendido
se tratar de um cartel hub-and-spoke, coordenado pela distribuidora,
o fato de o intermediário possuir relação de parentesco com a
distribuidora seria insuficiente para caracterizar envolvimento da
empresa. Assim, afirmou não ter ficado convencido da existência de

681 Voto do Conselheiro Relator João Paulo de Resende, SEI 0580229. Processo
Administrativo. Publicado em 15.04.2019.

460 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

uma conformação do tipo hub-and-spoke, votando pelo arquivamento


do processo em relação a distribuidora. Observa-se que o caso em
questão trava uma discussão interessante sobre o conjunto probatório
necessário para a caracterização de um cartel hub-and-spoke. O
processo está atualmente suspenso em razão de pedido de vista
do Conselheiro Gustavo Augusto, que citou a ausência de um
aprofundamento jurisprudencial sobre o tema como justificativa para
o pedido.
Outra autoridade antitruste que condenou, recentemente, um
cartel hub-and-spoke, foi a Autoridade da Concorrência (AdC), de
Portugal. Em 26 de abril de 2023, a AdC aplicou multas às empresas
Auchan, Modelo Continente, Pingo Doce (concorrentes) e à JNTL
Consumer Health Portugal (fornecedora), por acordo no mercado
de cosméticos e higiene pessoal, produtos fornecidos pela JNTL,
durando cerca de 15 anos. De modo similar ao que se viu no caso
julgado pelo CADE, a AdC entendeu que a empresa fornecedora teria
adotado comportamentos com o objetivo de fixar preços de varejo
em seus supermercados, prejudicando a concorrência através do
compartilhamento de informações por meio de fornecedor comum,
sem necessidade de comunicação direta. Concluiu também que tais
práticas eliminam a competição e retiram a opção do consumidor por
melhores preços.
Trata-se de atuação da AdC que continua reconhecendo colusões
hub-and-spoke no mercado de supermercados, que desde 2020 resultou
em mais de uma dúzia de processos e multas aplicadas a seis cadeias
de supermercados e fez fornecedores682. A investigação concluiu que
as redes de supermercados teriam estabelecido contato através de um
terceiro fornecedor, afastando a necessidade de comunicação direta e
garantindo o alinhamento de preços.683

682 Autoridade da concorrência. AdC fines three supermarket chains and a product
supplier for price fixing. Publicado em 26.04.2023. Disponível em: https://www.
concorrencia.pt/en/articles/adc-fines-three-supermarket-chains-and-product-
supplier-price-fixing
683 The Portugal News. ?130 million in fines issued to Portuguese supermarket chains:
The supermarkets were fined alongside Unilever, for taking part in a price fixing

Estudos em Direito da Concorrência 461


Amanda Athayde

As investigações e condenações por hub-and-spoke envolvendo


o mercado varejista também são recorrentes na experiência
internacional.684
A configuração de hub and spoke com o elo a jusante (distribuidor)
sendo o hub foi verificada pela antiga OFT, no Reino Unido, no caso
Tobacco, de 2010. A autoridade concluiu que cada fornecedor de cigarro
possuía uma rede de acordos com cada varejista que permitia que os
fornecedores se coordenassem para a definição dos seus respectivos
preços no varejo. O arranjo entre os fornecedores e os varejistas era
sobretudo contratual, com cláusulas que podiam definir a paridade de
preços (ex.: o preço do cigarro da marca A deveria ser o mesmo preço
do cigarro da marca B) ou parâmetros de diferenciação (ex.: o preço da
marca A deveria ser x% menor do que o preço da marca C, ou o preço
da marca A deveria ser no máximo z% mais caro do que o preço da
marca D). Assim, por meio de contratos - que foram avaliados como
paralelos e simétricos -, os fornecedores A, B, C e D conseguiam trocar
informações comercialmente sensíveis, sendo o varejista responsável
pelo monitoramento e consequente alinhamento dos preços. Nesse
sentido, na hipótese de um fornecedor, por exemplo, aumentar seu
preço, já era possível antecipadamente prever o comportamento dos
concorrentes no mercado, dadas as cláusulas de paridade ou com
parâmetros de diferenciação dos preços. O resultado desse arranjo,
segundo o OFT, teria sido similar àquele obtido por uma coordenação
horizontal entre concorrentes. Nesse caso, portanto, o hub foi o
varejista e os spokes foram os fornecedores.
Similarmente, no Uruguai, a Comisión de Promoción y Defensa de
la Competencia685 condenou, em 2014, quatro fornecedores de comidas
congeladas pela adoção coordenada de preços mínimos de revenda
que eram monitorados com o auxílio do varejista Supermercados Disco

scheme over the course of a decade. Publicado em 10 de junho de 2022.


684 ATHAYDE, Amanda. Antitruste, Varejo e Infrações à Ordem Econômica Ed.
Singular: São Paulo, 2017. p. 228.
685 STEINER, R. L. The nature and benefits of national brand/private label competition.
Review of Industrial Organization, 24, p. 105-127, 2004.

462 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

del Uruguay S.A. O varejista, nesse caso, atuava como o coordenador


(“hub”) do acordo entre os fornecedores (“spokes”).
Em maio de 2016, a corte federal na Austrália também condenou
um cartel do tipo “hub-and-spoke” entre fornecedores e varejista.686
Naquele caso, os fornecedores de detergentes Colgate-Palmolive,
Unilever e Cussons acordaram em trocar informações confidenciais
e sensíveis relacionadas ao preço dos seus respectivos produtos e
também a conjuntamente alterar a oferta dos seus produtos (de
detergentes “standard-concentrate” para aqueles “ultra-concentrate”).
A troca de informações que afetou o mercado foi facilitada pela atuação
dos Supermercados Woolworths and Coles.
Por sua vez, a configuração de hub and spoke com o elo a
montante (fornecedor) sendo o hub, a aplicação dessa teoria dos cartéis
“hub and spoke” no varejo supermercadista já foi realizada pela antiga
OFT, no Reino Unido, em 2011, no caso Dairy retail price initiatives.
A autoridade antitruste condenou a prática anticompetitiva de troca
indireta de informações sobre intenções de preço dos varejistas por
meio de um ou mais fornecedores, configurando hipótese de colusão
entre varejistas. A autoridade verificou que os principais varejistas do
país (Asda, Safeway, Sainsbury e Tesco) se coordenavam por meio da
troca indireta de informações entre seus fornecedores (como Dairy
Crest, Glanbia, McLelland e Wiseman). Naquele caso, o varejista A
passava informações para o fornecedor B, prevendo que esse mesmo
fornecedor usaria essa informação para influenciar condições de
mercado com outros varejistas. Assim, o fornecedor B, de fato, passava
tais informações para o varejista C, em circunstâncias em que C estava
consciente - ou poderia razoavelmente prever - de que as informações
eram oriundas do varejista concorrente A. Assim, C usava essa
informação para balizar suas decisões sobre preços futuros no varejo.
Trata-se, portanto, de hipótese em que o “hub” é o fornecedor e os
“spokes”, os varejistas.

686 Austrália. Australian Competition and Consumer Commission v Colgate-Palmolive


Pty Ltd (No 2) [2016] FCA 528 (16 May 2016). Disponível em: http://www.austlii.edu.au/
au/cases/cth/FCA/2016/528.html. Acesso em: 8 out. 2016.

Estudos em Direito da Concorrência 463


Amanda Athayde

Na Bélgica, por sua vez, a Autorité Belge de la Concurrence


condenou, em junho de 2015, sete varejistas (Carrefour, Colruyt, Cora,
Delhaize, Intermarché, Makro e Mestdagh) por coordenarem preços
de venda de diversos produtos de drogaria, higiene e perfumaria, com
o auxílio de diversos fornecedores (Beiersdorf, Bolton, Belgium Retail
Trading, Colgate-Palmolive, D.E HBC Belgium, GSK, Henkel, L’Oréal,
Procter & Gamble, Reckitt Benckiser e Unilever), entre 2002 e 2007.
Novamente, os varejistas atuaram como “spokes” e os fornecedores
como “hubs” no cartel, viabilizado por meio da troca de informações
entre os agentes.
No Chile, a Fiscalía Nacional Económica (FNE)687 investigou
supostos acordos de preço entre as cadeias varejistas Walmart,
Cencosud e SMU, auxiliados por fornecedores de carne de frango688. Os
varejistas teriam atuado como “spokes” e os fornecedores como “hubs”
no cartel, que teria durado de 2008 a 2011. A investigação iniciou-se no
mercado de frangos, e envolveu os fornecedores Agrosuper, Ariztía,
Don Pollo e a Associação de Produtores de Aves do Chile, que sofreram
busca e apreensão em 2011. Foram então encontradas evidências de que
os supermercados implementavam prática concertada e se utilizavam
dos fornecedores para monitorar e detectar o descumprimento do
acordo de preços com o outro supermercado. Na justificativa para
o prosseguimento das investigações, apontou-se que “a supressão
da vontade individual de dois ou mais agentes concorrentes e sua

687 Chile. Disponível em: https://www.competitionpolicyinternational.com/chile-


cencosud-y-wal-mart-acusados-por-coludirse-en-precios-de-pollo/. Acesso em: 23 jun.
2016.
688 Conforme mencionado anteriormente, os produtos de marcas independentes
precisam superar pelo menos duas dificuldades para alcançar sucesso no mercado:
acesso aos supermercados e aceitação dos consumidores finais. O acesso a uma rede
de distribuição é condição sine qua non para um negócio viável do fabricante, para
que assim possa alcançar um número suficiente de consumidores finais. Ademais,
a aceitação do produto pelos consumidores finais depende não apenas de suas
características intrínsecas, mas também de diversas outras variáveis (como preço,
apresentação e marketing) que são controladas pelos supermercados dentro da loja.
Assim, a superação de ambas essas dificuldades depende do relacionamento dos
fornecedores com os supermercados, o que dá, a estes, significativo poder no mercado
e torna os supermercados gargalos quase que intransponíveis à concorrência entre
produtos de marcas independentes.

464 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

substituição por uma vontade coletiva unificadora das decisões é,


em sede do Direito da Concorrência, considerado como um ‘acordo’,
independentemente do modo em que é manifestado”.689
Em janeiro de 2016,690 a Fiscalía apresentou parecer solicitando
ao Tribunal de Defensa de la Competencia que condenessa os
varejistas à multa máxima contemplada na lei para casos de colusão
(equivalente a US$ 22,9 milhões). O caso chegou na Suprema Corte
Chilena, tendo sido encerrado em 2020, com decisão unanime pela
aplicação de penalidades às redes de supermercado pela participação
em colusão hub-and-spoke691.
Verifica-se, portanto, uma retomada dos debates sobre carteis
hub-and-spoke não apenas em âmbito nacional, como também no
âmbito internacional. Apesar de ainda ser um assunto relativamente
novo, principalmente nos países aqui abordados, cada vez mais vai se
formando uma teoria coerente e jurisprudência consolidada acerca do
conjunto probatório necessário para o reconhecimento desse tipo de
conduta colusiva.
Embora as teorias aplicadas nos julgados analisados possam
divergir quanto à nomenclatura (carteis hub-and-spoke ou acordos de
coordenação de A, B e C), ou mesmo sobre os requisitos necessários
para sua configuração, o ponto em comum entre todas é justamente o
compartilhamento de informações sensíveis através de uma estrutura
verticalizada. Ademais, verificou-se também uma prevalência

689 Chile. Fiscalía Nacional Económica (FNE). Disponível em: http://compemedia.org/


chile-fne-acusaria-a-cencosud-walmart-smu-y-tottus-por-colusion.html. Acesso em: 8
nov. 2015. “la supresión de la voluntad individual de dos o más agentes competidores
y su cambio por uma voluntad colectiva unificadora de sus decisiones es, en sede de
libre competencia, considerado un ‘acuerdo’, cualquiera sea el modo em que éste se
manifeste”.
690 BORGHESANI JR., William H.; CRUZ, Peter L. de La; BERRY, David. Food for
thought: the emergence of power buyers and its challenge to competition analysis.
Stan. JL Bus. & Fin., v. 4, p. 61, 1998.
691 FNE. Chilean Supreme Court fines three main supermarket chains for fixing a
minimum price on fresh poultry meat. 2020. Disponível em: https://www.fne.gob.cl/
en/corte-suprema-condena-a-cencosud-smu-y-walmart-por-colusion-en-el-mercado-
de-la-carne-de-pollo-fresca-y-duplica-multa-impuesta-por-el-tdlc-con-sancion-total-
de-us-21-millones/

Estudos em Direito da Concorrência 465


Amanda Athayde

desse tipo de colusão no mercado downstream, principalmente nos


mercados varejistas e de revenda, com coordenação dos respectivos
fornecedores e/ou distribuidores.
Nesse cenário, a experiência internacional se coloca como um
importante parâmetro para guiar as discussões no âmbito do CADE,
tendo sido citada não apenas no caso recém-julgado pelo Tribunal,
mas também introduzida nas manifestações da ProCade e SG nos dois
outros casos mencionados. Resta-nos aguardar o julgamento de casos
similares, a fim de obter um quadro mais completo de como o CADE
pretende enfrentar tais desafios.

466 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

DOING THE MATH OF CARTELS: UNPUZZLING


ORGANIZED CORPORATE CRIMES

A MATEMÁTICA DOS CARTÉIS: DESFAZENDO O QUEBRA-


CABEÇA DOS CRIMES CORPORATIVOS ORGANIZADOS

Publicado originalmente em: Portal SSRN em 11/05/2022

Amanda Athayde

Bruna Piazera

Priscila Craveiro

João Victor Freitas

Luiz Guilherme Ros

ABSTRACT: To assess whether one or more cartel violations


have taken place in real life investigations is not an easy task. Are there
any parameters to determine whether collusive behaviors are multiple
or single infringements, when those organized corporate crimes seem
intertwined like a puzzle? Based on the international literature and on
a review of the experience of the United States and of the European
Union, this paper aims to scrutinize the ten parameters developed
by some scholars to unpuzzle those organized corporate crimes. The
“Car Wash Operation”, which uncovered a large corruption and cartel
scheme in Brazil, is a live example of difficulty to understand if the
investigation concerns one single cartel or multiple separate cartels.
By an empirical analysis of all public proceedings related to the Car
Wash Operation at the Antitrust Authority in Brazil, it will be possible
to understand if the ten parameters developed by the scholars were
fulfilled or not in real life investigations.
KEY WORDS: collusion; cartel; multiple infringements; antitrust
enforcement.

Estudos em Direito da Concorrência 467


Amanda Athayde

RESUMO: Existem parâmetros para determinar se


comportamentos colusivos como os cartéis são colusões múltiplas
ou únicas, quando esses crimes corporativos organizados parecem
tão entrelaçados como um quebra-cabeça? Com base na literatura
internacional e em uma revisão da experiência dos Estados Unidos
e da União Europeia, bem como em investigações concretas, como a
“Operação Lava-Jato” no Brasil, este trabalho propõe dez parâmetros
para auxiliar os profissionais antitruste a tomar decisões sólidas à luz
de fatos e evidências reunidas pela investigação. O principal objetivo
é proporcionar segurança jurídica e previsibilidade, o que não anula a
subjetividade inerente a esse tipo de análise, que de toda forma também
deve se basear em critérios de razoabilidade, proporcionalidade e
técnica.
PALAVRAS CHAVE: conluio; cartel; infrações múltiplas; lei de
defesa da concorrência.

1. NTRODUCTION

Are there any parameters to determine whether collusive


behaviors are multiple or single infringements when those organized
corporate crimes seem intertwined like a puzzle? The antitrust
experience in the United States and in Europe classify cartel practices
as “chain” or “wheel” conspiracies692, referencing violations whose
implementation is continuous. In Brazil, authors such as ATHAYDE et
al (2017)693 and COUTINHO and SAITO (2020) brought this discussion.
Although generically applicable, such concepts might not suffice
to assess whether one or more cartel violations have taken place in
real-life investigations, such as in the “Car Wash Operation”, which

692 Grand Jury Practice Manual, of the United States Department of Justice Antitrust
Division. 2011. VII-50.
693 The current work is based on the conclusions of the paper written by ATHAYDE,
CRAVEIRO, and PIAZERA, (2017) and tries to analyze, based on the methodology
proposed, how the Brazilian Antitrust Authority has dealt with the discussion of a
single or multiple collusion in the Car Wash Operation.

468 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

uncovered a large corruption and cartel schemes in Brazil over the


last years.
The current paper will develop upon the methodology proposed
by ATHAYDE et al (2017). That methodology proposes ten parameters
to support the decision-making process on the “single versus multiple
infringement” dilemma. The parameters indicated were based on
international literature and on a review of international experience.
To do so, this paper intends to scrutinize the position the
Administrative Council for Economic Defense (CADE) is taking about
multiple or single infringements in the context of the “Car Wash
Operation”. 694 It will be examined all public proceedings related to the
Car Wash Operation at CADE695 to verify which of the ten parameters
developed by the methodology proposed by ATHAYDE et al (2017)
were fulfilled.

2. INTERNATIONAL EXPERIENCE ON SINGLE


OR MULTIPLE INFRINGMENTS

The existence of single or multiple infringements is a topic


analyzed in several jurisdictions. This section aims to present the
doctrine on the topic the USA and in Canada (II.1.), as well as the case
law in USA. Additionally, it will be presented the judicial experience
on single or multiple infringements in Europe (II.3.). The following
analysis will explore approaches for this definition, such as the (i)

694 In Brazil, there is no academic research on the topic, so the authors understand
that this is a relevant and contemporary issue to be discussed in the country. There
is an enormous amount of cartel investigations conducted by the Brazilian Antitrust
Authority – the CADE (Administrative Council of Economic Defense) - that may foster
this discussion, especially in bid-rigging cartels, such as those in the broader frame
of the “Operation Car Wash”. The “Operation Car Wash” is an ongoing investigation in
Brazil conducted by the Federal Public Prosecutors and the Federal Police alongside
with other government bodies, such as the Brazilian Antitrust Authority (CADE). It
initiated as a money laundering investigation and was expanded to cover allegations
of corruption and bid rigging. For official information, see: http://www.mpf.mp.br/
atuacao-tematica/sci/car-wash-case/car-wash-case-brasilia-april-2016.pdf.
695 The final deadline of the analysis is March 21st of 2022.

Estudos em Direito da Concorrência 469


Amanda Athayde

nature of enterprise analysis; (ii) totality of circumstances analysis;


(iii) single and continuous infringement.
The discussion about single or multiple infringement has
several implications to Competition Authorities and also for those
who are investigated. As mentioned by, COUTINHO and SAITO (2020)
and taking into consideration the Brazilian perspective, when the
competition authority deals with the discussion of single or multiple
infringements in an investigation, they are also dealing with the
possibility of subjecting the participant to multiple fines. In other
words, if CADE defines certain collusive behavior as a single cartel,
they can only apply a fine that, in the worst scenario, will impose the
application of a penalty of twenty percent of the gross sales of the
company. If CADE considers that it is not just one cartel, they might
impose more than one fine on the participant and each fine could
reach a maximum of twenty percent of the gross sales of the company.
If we are dealing with three cartels initiated in the same year, for
example, the fine imposed could reach sixty percent of the gross sales
of the company.
Another important discussion, as mentioned by COUTINHO
and SAITO (2020) refers to the possibility of adopting the definition
of a single infringement can affect the calculation of the statute of
limitations applicable to the case. In this scenario, adopting a single
infringement theory could enhance the possibility of the antitrust
authority to punish cartels that are affected by the statute of limitations.
Also, if the competition authority has a narrower view and is
stricter when considering a single infringement, they will have the
possibility to celebrate more agreements. However, the authority
will concede the extinction of any punitive action of the public
administration or reduction for more individuals and companies. On
the other way, if the authority has a wider and lenient perspective
about single infringement, the fewer agreements they will celebrate,
but also the fewer rewards they will concede for the participants.
That is why is so relevant that the administrative authority has
a determined view of when they are dealing with single or multiple

470 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

cartels and can provide legal certainty for those who eventually engaged
in the wrongdoing. Taking that into consideration, it is important to
expose how the different authorities deals with this dilemma.

2.1. THE U.S. AND CANADA’S DOCTRINE ON


SINGLE OR MULTIPLE INFRINGEMENTS

In the U.S., scholars and courts have discussed the problem


of distinguishing single from multiple collusion when assessing
multiple charges for conspiracy. The so-called “single versus multiple
conspiracies” dilemma is a useful starting point for the single versus
multiple cartels problem. In general, conspiracy is understood as an
agreement between two or more persons aiming the commitment of
a crime696. In this sense, a conviction for conspiracy is only possible if
prosecutors prove that, with a certain extension and aiming a criminal
goal, an agreement among the defendants had taken place with a
common goal.
MARCUS (1992) discusses the complexity of conspiracy cases
when considering the increasing number of defendants and complex
evidentiary issues arising during trials. COHEN (1974) explains that
wrongly determining whether a certain case is a single or multiple
conspiracy is detrimental to defendants’ rights in both ways. If a case
is prosecuted as a single conspiracy case and the court ultimately
finds out it is actually a multiple conspiracy case, there are problems
involving variance and prejudicial joinder. On the other hand, if
multiple conspiracies are prosecuted as a single conspiracy, there is a
violation of double jeopardy protection. The existence of multiple goals
in a conspiracy and the quality of evidence gathered by prosecutors
also put challenges on the decision made by prosecutors (COHEN,
1974; GROBERMAN, 1982).

696 SACHAROFF (2016) advocates for a definition of criminal conspiracy based on


a contractual notion, where co-conspirators exchange promises to commit a crime.

Estudos em Direito da Concorrência 471


Amanda Athayde

Looking into the U.S. experience, it is possible to identify at least


three different propositions on the single versus multiple conspiracies
problem. The first approach, proposed by GALVIN and VENOKOUR
(1975), is the nature of the enterprise analysis, which states that a single
agreement took place if the various links uncovered had knowledge of
the greater enterprise and if there is a relation of dependence among
those parts and the global criminal enterprise. This approach however
risks leading to legal fictions resulting in culpability-by-association
convictions (GROBERMAN, 1982; MINNESOTA LAW REVIEW, 1981).
The second approach is the totality of the circumstances analysis
where courts rely on the following elements to make a decision: (a) the
number of alleged overt acts in common, (b) the overlap in personnel,
(c) the period during which the alleged acts took place; (d) the similarity
in methods of operation; (e) the locations in which the alleged acts took
place; (f) the extent to which purported conspiracies have a common
objective and (g) the degree of interdependence needed for the overall
operation to succeed. GROBERMAN (1982) criticizes the totality of the
circumstances analysis for being too vague, stating that courts should
count on a more definitive test.
THEIS (1996), addressing the variance and double jeopardy
concerns involved in multiple charges for conspiracies, criticizes the
use of multi-factor analysis for not being tied to any standard, relying
on factors that are not material elements of the offense. The author
states that, instead, courts should focus on answering the question on
whether the defendant entered into one essential agreement or two.
In this sense, when dealing with bid riggings conspiracies
it seems necessary that there is an organized and temporal-based
structure with permanent action to promote market division and
price-fixing between competitors. In the absence a common objective
in a certain time-period, the existence of prior strategic planning that
allows the priority identification of the extension of different bids, it
seems to be difficult to precise the existence of a single conspiracy.
The third approach, proposed by GROBERMAN (1982), is the
guilt based on the culpability. By such proposition, the author states

472 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

that being part of an agreement should mean more than having


knowledge or even knowledge coupled with dependence. According to
GROBERMAN (1982), a conviction is only possible after demonstrating
the defendant had an active role in promoting the object of the
agreement.
Moreover, the single versus multiple conspiracies dilemma
may also lead to unlawful re-prosecution when prosecutors carve up
a specific set of facts belonging to a broader conspiracy and bring
it before courts as a single and autonomous conspiracy. The “same
evidence test”697 then may not suffice to grant protection against
abusive prosecution. Since the accusation can vary its narratives
to extract several conspiracies out of a single conspiracy, isolating
pieces of evidence, the above-referred test would keep defendants
unprotected. For that reason, the “same transaction test”698 was
developed as a strategy to avoid a new prosecution. However, applying
such test may only result in mandatory joinder without necessarily
avoiding an illegal prosecution for multiple conspiracies in place of
one (MINNESOTA LAW REVIEW, 1981).

2.2. U.S. CASE LAW ON SINGLE OR MULTIPLE CONSPIRACIES

In the U.S., the discussion of “single v. multiple conspiracies” is


not recent. For instance, the Grand Jury Practice Manual (therefore
“Manual”) of the Antitrust Division of the Department of Justice
(DOJ)699 provides guidelines for considering the existence of a single

697 The “same evidence test” was adopted by the U.S. Supreme Court in Blockburger
v. United States (1932), when the Court held that in order to define whether a single
conduct consisted of the violation of different statutory provisions, one must look
into whether there are different requirements of “proof of a fact” for each provision
(DURELL, 1978).
698 The “same transaction test” consists of blocking further prosecutions for crimes
emerging from a “transaction” (a specific set of facts) for which the defendant has
already faced trial (Minnesota Law Reveiw, 1981).
699 The Grand Jury Practice Manual of the Department of Justice Antitrust Division
consists in a single up-to-date source of legal and procedural guidelines for the
exercise of Grand Jury responsibilities.

Estudos em Direito da Concorrência 473


Amanda Athayde

conspiracy or multiple conspiracies. According to the Manual, because


of the secret nature of criminal conspiracies, the proof of the existence
of an illegal agreement usually depends on circumstantial evidence.
Also, according to the Manual, whether to charge the defendants’
infringement as a single conspiracy or as multiple conspiracies may be
difficult to assess, primarily because it is a mixed question of law and
fact. In general, the final charging decision rests on an analysis of the
facts. The Manual suggests that regardless of the definition adopted by
the authority in a particular case (either considering the conspiracy as
single or multiple), the decision is likely to be questioned.
In this context, US courts700 have used the “totality of the
circumstances test”701 to define whether the object of analysis is
consistent with a single conspiracy or whether there are multiple
conspiracies. This test attempts to list the main factors that must be
taken into account before making a decision regarding the criminal
charge: (1) the number of alleged overt acts in common, (2) the
overlap in personnel, (3) the time period during which the alleged acts
took place, (4) the similarity in methods of operation, (5) the locations
in which the alleged acts took place, (6) the extent to which the
purported conspiracies share a common objective, and (7) the degree
of interdependence needed for the overall operation to succeed.
In Braverman v. United States (1942)702, Braverman and other
defendants were charged for several separate violations of tax laws
for illegally manufacturing and distributing alcoholic beverages. The
Court found that there was a single continuous agreement between

700 Some of the cases described in this paper to present the US court experience
are the following ones: Braverman v. U.S., 317 U.S. 49 (1942); Kotteakos v. U.S., 328
U.S. 750, 750 (1946); Blumenthal v. U.S., 332 U.S. 539, 541 (1947); U.S. v. Palermo, 410
F.2d 468, 469 (7th Cir. 1969); U.S. v. Varelli, 407 F.2d 735, 739 (7th Cir. 1969); U.S. v.
Licausi, 413 F.2d 1118 (1969); State v. Louf, 314 A.2d 376, (1973);U.S. v. Richerson, 833
F.2d 1147, 1153 (5th Cir. 1987); U.S. v. Ghazaleh, 58 F.3d 240, 245 (6th Cir. 1995); U.S. v.
Maliszewski, 161 F.3d 992, (1998).
701 Recent cases have used a “totality of the circumstances” test to resolve the single/multiple
conspiracy question. This test requires the consideration of all of the available evidence to
determine whether there is one conspiracy or several. Grand Jury Manual, 1991, p. VII-54.
702 See Braverman v. United States, 317 U.S. 49 (1942).

474 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

the individuals to commit all the infringements for which they were
indicted.703 The Supreme Court upheld the ruling stating that a single
continuous offense had taken place According to the Braverman
rule, the number of conspiracies equals the number of agreements.
The terms of a given agreement however are usually inferred from
the evidence brought to trial and it is not uncommon that criminal
conspiracies are drawn over blurred lines.
In United States v. Palermo704, 1969, the defendants, including the
CEO Nick Palermo, were indicted for conspiring to violate the Hobbs
Act705, by forcing some construction company to subcontract Palermo’s
company in all his construction projects. The court ruled that there was
a general agreement involving Palermo and others to extort money
and even though the incidents took place across the years given the
single goal was to extort him as much money as possible. Thus, this
case was treated as a single conspiracy.
In United States v. Ghazaleh706, 1995, Reda Gazaleh and 10 others
were charged of conspiring to possess contraband with the intent to
distribute. The defendant claimed that the evidence showed that there
were two conspiracies: a Chicago-Lexington conspiracy and a Tampa-
Lexington conspiracy. The Court ruled that the co-perpetrators were
involved in a single conspiracy for the general purpose of cocaine and
marijuana distribution in Lexington, Kentucky, and the fact that the
defendant had two drug suppliers, one in Chicago and one in Tampa,
did not alter its single conspiracy nature.

703 The scope of a conspiracy is determined by what the parties agreed to do rather than by
how many overt acts were involved or what the objects of the agreement might have been.
Grand Jury Manual, 1991, p. VII-49
704 See U.S. v. Palermo, 410 F.2d 468, 469 (7th Cir. 1969). Available at: https://casetext.
com/case/united-states-v-palermo-2
705 The Hobbs Act establishes: “Whoever in any way or degree obstructs, delays, or affects
commerce or the movement of any article or commodity in commerce, by robbery or extortion
or attempts or conspires so to do, or commits or threatens physical violence to any person or
property in furtherance of a plan or purpose to do anything in violation of this section shall
be fined under this title or imprisoned not more than twenty years, or both”. Interference
with Commerce by Threats or Violence, 18 U.S.C. § 1951 (2017)
706 See U.S. v. Ghazaleh, 58 F.3d 240, 245 (6th Cir. 1995). Available at: https://casetext.
com/case/us-v-ghazaleh

Estudos em Direito da Concorrência 475


Amanda Athayde

In Kotteakos v. United States707, 1947, the Supreme Court discusses


the “hub-and-spoke conspiracy” in a non-antitrust case. One of the
defendants (hub) helped all others (spokes) to defraud loans from
the Federal Housing Administration using false and fraudulent
information. There was no evidence that any of the spokes knew
that the others existed. Because of this lack of interdependence and
knowledge between agents (rim requirement), except for the hub, the
Court understood that there was no single conspiracy. The case was
therefore treated as multiple conspiracies.
The Court reached a different conclusion in Blumenthal v. United
States , 1947. it has been proved that the intermediaries, though
708

working independently, had a general knowledge of each other’s


existence and were acting the same way. Therefore, it was ruled that
all of them colluded in one single conspiracy.
More recently, Toys “R” Us709, 2000, articulated the legal
standards for and popularized the use of the concept of an antitrust
hub-and-spoke conspiracy. Responding to the emergence of low-
priced warehouse clubs, in the late 1980s, Toys “R” Us (TRU) started
aggressively negotiating vertical agreements with toy manufacturers
pressing them not to deal with warehouse clubs. The US Federal Trade
Commission (FTC) determined that these vertical agreements violated
provisions of the Federal Trade Commission Act. It also concluded that
“TRU organized and enforced a horizontal agreement among its various
suppliers.” The FTC found that TRU “acted as the central player in the
middle of what might be called a hub-and-spoke conspiracy, shuttling
commitments back and forth between toy manufacturers and helping
to hammer out points of shared understanding.” The Seventh Circuit
affirmed the FTC’s determination that a hub-and-spoke conspiracy

707 See Kotteakos v. United States, 328 U.S. 750, 750 (1946). Available at: https://
casetext.com/case/kotteakos-v-united-states-regenboge-v-same
708 See Blumenthal v. U.S., 332 U.S. 539, 541 (1947). Available at: https://casetext.com/
case/blumenthal-v-united-states-7
709 Toys “R” Us, 126 F.T.C. (7th Cir.2000).

476 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

may be illegal per se, though the court did not use the term “hub-and-
spoke” itself. The case was considered a single conspiracy.
Recent case law has established the “rim requirement” to
prove a hub and spoke conspiracy as a single scheme involving all
the spokes and the hub710. Following the case law, what separates an
unlawful conspiracy facilitated through vertical relationships from a
lawful vertical agreement is proof of a horizontal agreement among
competitors. Therefore, in hub-and-spoke conspiracies, the latter
agreement is the “rim” that connects the spokes.
Specifically, in the scenario of antitrust infringements, the
Antitrust Resource Manual of 2017711 reinforces the need to determine
the scope of the conspiracy and the actors who participated in it. DOJ
already foresees the difficulty in determining what constitutes the
conspiracy, especially in price fixing and bid rigging cases.712

710 ORBACH, Barak. Hub-and-Spoke Conspiracies. Arizona Legal Studies. Discussion


Paper No. 16-11. See Toys “R” Us (7th Cir.2000), Dickson (4th Cir. 2002), PepsiCo (2nd Cir.
2002), The eBook Case (2nd Cir. 2015) and Guitar Center (9th Cir. 2015).
711 Manual of procedures to be adopted by prosecutors in pursuit of collusive
practices at the local level, edited by the DOJ US Attorneys, and revised in 2017.
Available at: https://www.justice.gov/archives/usam/antitrust-resource-manual-7-
elements-offense
712 Concerning specifically the Antitrust Division’s Leniency Program, in a speech at
the GCR Live Antitrust Law Forum, held on February 3, 2017, DOJ Deputy Assistant
Attorney General, Brent Snyder, stressed out that it will be necessary to slow the
process for determining the breadth of leniency to grant an applicant. The DOJ
Antitrust Division would eventually need to take more time at the outset, when it
receives the initial query on marker availability, to decide the appropriate scope of the
affected market. In his opinion, a more careful analysis before granting the marker
“prevents any risk of confusion or potential for delay that otherwise might take place”
when broad markers are given. DOJ has stated that under these circumstances it
will work with the companies to define the appropriate scope of a leniency marker.
Available at: http://globalcompetitionreview.com/article/1080948/doj-takes-more-
care-with-leniency-markers-says-acting-antitrust-head?utm_source=Law%20
Business%20Research&utm_medium=email&utm_campaign=7981978_GCR%20
USA%20Headlines%2006%2F02%2F2017&dm_i=1KSF,4R2XM,NP6372,HU6AX,1

Estudos em Direito da Concorrência 477


Amanda Athayde

2.3. THE EUROPEAN JUDICIAL EXPERIENCE ON


SINGLE OR MULTIPLE COLLUSIONS

In the European Union, this discussion is not entirely new


either. The concept of “single and continuous infringement” enables
the European Commission (E.C.) and national competition authorities
in general to consider a series of infringements of Article 101 of the
Treaty on the Functioning of the European Union (TFEU) under the
same cartel charges. The establishment of a company’s participation
and liability for the “single and continuous infringement” encompasses
all anti-competitive behavior practiced by all parties involved in the
single infringement, and attributes liability to all companies to an
equal extent713. The undertaking’s liability is limited to the duration of
its participation in the cartel and the extent of its involvement, which
is assessed only when calculating the fines.
In Polypropylene714, 1986, the E.C. stated that fifteen petrochemical
producers had set up a complex collusion aimed at controlling
the price of polypropylene in Europe between 1977 and 1982. The
Commission concluded that the infringements were connected
by their common objective and the case was analyzed as a single
continuous infringement. At the appeal, the General Court affirmed
this finding, indicating that “those schemes were part of a series of
efforts made by the companies in question, in pursuit of a single
economic aim, namely, to distort the normal movement of prices on
the market in polypropylene”715. The Court considered the existence of
a single infringement in a given period of time and involving a specific

713 Concurrences N° 4-2016. Article 10. P. Alexiadis, D. G. Swanson, A. Guerrero.


Raising the EU evidentiary bar for the “single and continuous infringement” doctrine.
714 See Commission Decision of 23 April 1986 related to a proceeding under Article
85 of the EEC Treaty (IV/31.149 – Polypropylene) (86/398/ECC). Available at: http://eur-
lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:31986D0398&from=EN
715 See Anic Partecipazioni, op. § 42. Available at: http://eur-lex.europa.eu/legal-
content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:61992CJ0049&from=EN

478 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

number of companies, “not only from an isolated act but also from a
series of acts or from continuous infringment”716.
In Cimenteries CBR and others v Commission717, 1994, a single
and continuous general agreement was demonstrated to the extent
that “each party whose participation in the Cembureau agreement is
established contributed, at its own level, to the pursuit of the common
objective by participating in one or more of the implementing
measures referred to in the contested decision”.
In JFE Engineering Corp., formerly NKK Corp., Nippon Steel Corp.,
JFE Steel Corp. and Sumitomo Metal Industries Ltd v Commission718, 1999,
the E.C. fined eight companies producing seamless steel tubes having
committed a single and continuous infringement by entering into two
agreements with competitors: one among European and Japanese
manufacturers and another solely among European manufacturers.
In its decision, the Commission first considered that the eight
investigated companies had reached an agreement, which, inter alia,
sought to ensure “mutual respect” for the allocated national markets.
Under such agreement, each company was prevented to sell ordinary
Oil Country Tubular Goods (OCTG) tubes and project pipelines for its
competitors’ domestic markets.
When reviewing the investigation concerning the alleged
cartel involving seamless steel tubes, the General Court decided that
although there were parallel connected agreements and that the
evidence showed all cartel members had or could have knowledge of
the it. Additionally, all cartel members complied with the core rules
of the agreement: the mutual respect for other members’ domestic
markets. The Court ultimately ruled for single violation despite the
existence of smaller groups within its dynamics.
Around 2000, the European Courts started narrowing its approach
on the “single and continuous infringement” doctrine, especially

716 See Anic Partecipazioni, op. § 81. Available at: http://eur-lex.europa.eu/legal-


content/EN/m=EN
717 http://curia.europa.eu/juEN&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=85319
718 http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf?texdir=&occ=first&part=1&cid=784635

Estudos em Direito da Concorrência 479


Amanda Athayde

in cases where a cartel lasted for a long period and conditions and
members varied.
In Quinn Barlo v. E.C.719, 2006, the Court vacated a conviction for
single and continuous infringement of the European Competition
Laws720 given the evidence of limited participation it had in the
collusion and the absence of an indication that the company was aware
and consented to the broader goals pursued by other cartel members.
Discussions on the “single and continuous infringement”
doctrine were also part of the decision’s rational for Trelleborg Industrie
SAS and Trelleborg AB v Commission721, 2009, concerning a cartel in the
marine hose market, in which the E.C. considered that a single and
continuous infringement happened from 1986 to 2007. Trelleborg
Industrie and Trelleborg AB challenged the decision before the
General Court, which held that the Commission erred in classifying
the infringement as continuous since there was no evidence of cartel
activities from May 1997 to June 1999 and therefore continuity could
not be presumed for this time lapse.
When reviewing the appeal, the Court confirmed Trelleborg
Industrie committed a single and repeated infringement from April
1986 to 13 May 1997 and from 21 June 1999 to May 2007 and that
Trelleborg AB committed a single and repeated infringement, from
March 28, 1996 to May 13, 1997, and from June 21, 1999 to May 2007. The
ruling considered the existence of evidence indicating a permanent
cartel structure for the referred period.
In Almamet GmbH Handel mit Spänen und Pulvern aus Metall722,
2009, the E.C. concluded that the main suppliers of calcium and
magnesium carbide for the steel and gas industries had infringed
European Competition Laws and had participated in a single and

719 Court Decision (Third Session) from November 30, 2011. Quinn Barlo Ltd, Quinn
Plastics NV and Quinn Plastics GmbH against E.C.. §150.
720 Article 81 EC and Article 53 of the European Economic Area (EEA) Agreement.
721 Available at: http://curia.europa.eu/juris/celex.
jsf?celex=62009TJ0147&lang1=en&type=TXT&ancre=
722 Available at: http://curia.europa.eu/juris/document/document.
jsf?text=&docid=131702&pageIndex=0&doclang=EN&m10

480 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

continuous infringement from 7 April 2004 to 16 January 2007. The


Commission considered that even though the illegalities affected
two markets and covered three products, they constituted a set of
agreements and concerted practices which were linked in such a way
as to constitute a single and continuous infringement. Defendants
appealed.
The General Court rejected the appeal ruling that the appellant’s
reasoning was based implicitly on the premises that a single
infringement could relate only to a product or, at most, to substitutable
products, a view the Court rejected. The Court also ruled that the mere
fact that separate meetings were held for each of the three products
covered by the cartel would not be sufficient to rule out a single and
continuous infringement, especially with meetings regarding one of
them taking place immediately after those discussing another. Since
none of the cartel participants sold all three of the products, the lack
of meetings covering all products could the result of practical reasons
and not necessarily to the absence of a comprehensive cartel.
This evolution in the application of the doctrine by the E.C. led
to the development of a new standard for a “single and continuous
infringement”, comprising three criteria, according to ALEXIADIS,
SWANSON and GUERRERO723:

I. Same purpose or object. It must be demonstrated


that what might appear to be a different
infringement has an object or purpose “identical”
to the allegedly intended anti-competitive
objectives, so that the various concerted practices
and agreements detected in the investigation
can be considered “a series of efforts by the
undertakings concerned to achieve a single
goal”724;

723 Concurrences N° 4-2016. Article 10. P. Alexiadis, D. G. Swanson, A. Guerrero.


Raising the EU evidentiary bar for the “single and continuous infringement” doctrine.
724 Anic Partecipazioni, op. § 197

Estudos em Direito da Concorrência 481


Amanda Athayde

II. Identical common goal behind different types


of activity. It is necessary to establish evidence
that each company contributed, through its
behavior, to the achievement of the common
anti-competitive objective;
III. Knowledge or science or risk assumption
for the wider illegal practice. It should be
shown that each investigated company “was
aware of the unlawful infringement of other
participants or could reasonably have foreseen
such infringement and was willing to accept the
risk”725.

In this context, a study from 2014726 produced by Lexis Nexis,


in partnership with the law firm Steptoe and Johnson LLP, draws
from the E.C.’s case law the current criteria for single and continuous
infringements. Initially, two basic elements for the correlation of
infringements are identified: (i) objective correlation (existence
of a global objective) and (ii) subjective correlation (awareness of
participation in a larger conspiracy).727
Regarding the (i) objective correlation (existence of a global
objective), two criteria are applicable. The first would be a correlation by
identity, i.e. whether the infringements have identical characteristics.
To do so, the following elements are assessed on whether they are
identical or have identical natures: the objectives of the enterprise;
the affected products and/or services; the participating companies;
the rules of implementation; the geographic scope of the behavior;
725 Anic Partecipazioni, op. § 203
726 Lexis Nexis, in partnership with Steptoe and Johnson LLP. December 2014. Jean-
Nicolas Maillard and Camille Keres. “Single Continuous Infringement”.
727 In the original: “According to the case-law, for a set of agreements and/or concerted
practices to be regarded as an SCI, they must be interlinked by: an objective link, i.e. the
existence of an overall objective, and a subjective link, i.e. the awareness as to the participation
in a wider conspiracy.” “Where the conditions explained above are met, each undertaking
may be held liable for the entire infringement (although, of course, its liability would be
limited to the duration of its participation in the infringement), regardless of the extent of
its involvement in it (which shall only be taken into account when determining the level of
the fine).”.

482 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

and the timeline of the practices in question. The second criterion


is correlation by complementarity, i.e. whether infringements are
complementary in their nature, but not identical. In order to do so,
each practice at issue is designed to address one or more aspects of the
“normal pattern” of competition contributing to the achievement of a
set of anticompetitive effects envisioned by those involved in a single
anticompetitive plan728.
As for the (ii) subjective correlation (awareness of participation
in a wider conspiracy), there are also two possible applicable criteria.
The first concerns to the company’s intention to contribute with its own
infringement to the overall objective sought by the collusion, which
can be inferred based on at least one element of the infringement.
Should a company have its participation limited to minor aspects of
the infringement, it is still the case it is liable for the infringement
perpetrated by its co-conspirators during the time it participated in the
anticompetitive practice, since it would be aware of the unlawful acts
of the other participants. The second refers to the company’s knowledge
of the unlawful acts committed by the participants in pursuit of the
same objective, or if that company could reasonably have foreseen that
such wrongdoing. The mere predictability of unlawful acts committed
by other participants satisfies this requirement. In this sense, for
ending its liability for further illegalities, a company would have to
openly and unambiguously distance itself from the cartel so that other
participants know that it no longer supports the general objectives of
the collusion.

3. A TEN PARAMETERS’ PROPOSAL FOR SINGLE OR


MULTIPLE INFRINGEMENTS IN ANTITRUST LAW

To assess whether one or more cartel violations have taken place


in real life investigations is not an easy task. The “Car Wash Operation”,

728 In Gas Insulation Switchgear (2007), the Court expressly excluded the need for the
criterion of complementarity to be fulfilled.

Estudos em Direito da Concorrência 483


Amanda Athayde

which uncovered a large corruption and cartel scheme in Brazil729, is a


live example of this attempt to unpuzzle organized corporate crimes.
Considering the need for reliability and predictability in the decision-
making process, this paper aims to verify, based on decisions and public
proceedings related to the Car Wash Operation, which of parameters
are being used to support the decision on the “single versus multiple
infringement” dilemma. Also, it will be made a comparison of the
parameters adopted and the ten parameters proposed by ATHAYDE et
al (2017)730. The parameters are based on international literature and
on a review of international experience.731

729 In Brazil, in the context of civil and administrative proceedings, there is a set of
legal provisions aiming to address situations where multiple facts are under discussion.
In this sense, parallel lawsuits may be jointly adjudicated in case of connection and
belongingness under Brazilian civil proceeding rules. Under Brazilian civil procedure
laws, connection takes place when parallel lawsuits have the same cause of action and
complaints. Under Brazilian civil procedure laws, belongingness takes place when
parallel lawsuits have the same parties but one of them is greater in scope in such a
way that the remaining ones can be deemed part of it. On the other hand, when there
is an asymmetry among the facts under discussion dismemberment is a possibility
for the civil, criminal and administrative spheres, which subsidizes the processing
of accusations against the defendants as multiple infringements. In criminal law, it
is possible to indicate two doctrines that can bring light to the question put under
discussion: the notions of continuous crime and permanent crime. In fact, the Brazil’s
Competition Law directly mentions the existence of continuous and permanent
practices in Article 46. We take the view that when continuity or permanence is
identified, under the terms criminal law doctrine, the set of facts under discussion
must be seen as a single violation. Notwithstanding, such parameters may not suffice
to solve the single versus multiple violations dilemma. In such cases, the below
mentioned parameters may be useful for interpreting the facts under the applicable
law.
730 The current paper does not consider that CADE necessarily uses the ten parameters
solely based on the methodology proposed by ATHAYDE et al (2017). However, as will
be shown below, after the analysis of the administrative proceedings initiated by the
Car Wash Operation, CADE has a similar methodology while facing this dilemma.
731 In Brazil, there is no academic research on the topic, so the authors understand
that this is a relevant and contemporary issue to be discussed in the country. There
is an enormous amount of cartel investigations conducted by the Brazilian Antitrust
Authority – the CADE (Administrative Council of Economic Defense) - that may foster
this discussion, especially in bid-rigging cartels, such as those in the broader frame
of the “Operation Car Wash”. The “Operation Car Wash” is an ongoing investigation in
Brazil conducted by the Federal Public Prosecutors and the Federal Police alongside
with other government bodies, such as the Brazilian Antitrust Authority (CADE). It
initiated as a money laundering investigation and was expanded to cover allegations

484 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

As seen above, there is almost a common sense in which the


discussion of single or multiple infringements must be guided by
objective parameters and subjective parameters, especially after
the development of the doctrine of the Single and Continuous
Infringement. In the absence of a common objective of the members
of the practice in a certain time-period, the existence of prior strategic
planning that allows the priority identification of the extension of
the cartel, it seems to be difficult to precise the existence of a single
conspiracy. In this sense, the existence of objective parameters
(common objective) and subjective parameters (participation in a
bigger practice) as a standard to precise when an infringement must
be analyzed as a single or multiple practice seems a good starting
point for a presumption.
Adopting parameters to define single or multiple infringements is
quite relevant to give legal certainty to those who are been investigated
by the competition authority. However, as mentioned by COUTINHO
and SAITO (2020), the competition authority must carefully weigh
the use of presumptions because they can be associated with “false
positives” if they are not supported by evidence that proves the object
of the accusation, beyond any reasonable doubt.
Also, the parameters proposed should not be considered as a per
se rule. Because of that, the participants of the alleged practice must
have the possibility to disprove the allegation of a single or multiple
collusion adopted by the authority. In other words, the parameters
give legal certainty and indicate the path that should be pursued by
the authority, although is not a rule that is immutable and watertight.
The parameters proposed by ATHAYDE et al (2017) are examples
and should not be read as an exhaustive checklist or a “one size fits all”
formula. Just as adopted in the Europe with the single and continuous
infringement (SCI), these parameters may be divided into two groups:
(i) objective parameters, related to the elements of the infringement,
and (ii) subjective parameters, related to the companies or individuals

of corruption and bid rigging. For official information, see: http://www.mpf.mp.br/


atuacao-tematica/sci/car-wash-case/car-wash-case-brasilia-april-2016.pdf.

Estudos em Direito da Concorrência 485


Amanda Athayde

involved in the infringement. Also, the authors mention that this


analysis should be done considering the preponderance criterion.
What is key to the conclusion is therefore the weight given to each
parameter, when assessing the uncovered facts and material evidence
available at the moment of the decision-making. The table below lists
the proposed ten parameters:

Source: by ATHAYDE et al (2017)

The next subsections discuss each of these parameters and their


elements. It will be analyzed all the publicized proceedings regarding
the Car Wash Operation, once the discussion about single or multiple
cartels took a special dimension with this investigation, which
started in 2015. It is a live example of difficulty to understand if the
investigation concerns one single cartel or multiple separate cartels.
By an empirical analysis of all public proceedings related to the Car
Wash Operation at the Antitrust Authority in Brazil, it will be possible

486 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

to understand if the ten parameters developed by the scholars were


fulfilled or not in real life investigations.

4. THE “CAR WASH OPERATION”: WHERE DOES BRAZIL STAND


AT THE DILEMNA OF SINGLE VS MULTIPLE INFRINGEMENT?

The Car Wash Operation is considered the main collusive


investigation in Brazil, and several administrative proceedings have
been initiated by the Brazilian Competition Authority. As indicated
in Appendix I, CADE has initiated 22 administrative processes
regarding supposed practices of collusive behaviors. Of these, 18
are Administrative Proceedings and 4 Administrative Investigations.
Appendix I summarizes the methodology used to ascertain whether
CADE’s investigative actions have provided legal certainty while
investigating cartels. The Appendix indicates that considering only
the Car Wash Operation, CADE is taking into consideration objective
and subjective parameters to define a practice as single or multiple
infringements.
The following subtopics will analyze, based on the ten parameters
proposed by ATHAYDE et al (2017), how CADE is dealing with this
dilemma considering the administrative proceedings initiated with the
Car Wash Operation. Since 2015, CADE has initiated 22 administrative
processes regarding supposed practices of collusive behaviors.
Of these, 18 are Administrative Proceedings and 4 Administrative
Investigations. Considering that, it is worth mentioning that the
analysis will take into consideration only the 12 are public cases.
The first Proceeding initiated (case n. 08700.002086/2015-14) was
the alleged bid-rigging in public bids conducted by Petróleo Brasileiro
S.A. (Petrobras), for contracting onshore industrial engineering,
construction, and assembly services. The alleged practice, according
to the General Superintendence (General Superintendence of Cade)
took place from 1998 to 2011, and there was a global goal in the practice.

Estudos em Direito da Concorrência 487


Amanda Athayde

After that, CADE initiated the administrative proceeding


n. 08700.007351/2015-51, in which the affected market was the
electromechanical assembly works for Angra 3 plant, in public
bids conducted by Eletrobrás Termonuclear S.A. – Electronuclear.
According to the General Superintendence of Cade the practice took
place between 2009 to 2014.
In 2016, CADE publicized the administrative proceeding n.
08700.006377/2016-62 regarding an alleged cartel practice on the Public
Bid for Granting the concession for the use of public assets for the
exploitation of the Plant Belo Monte hydroelectric plant. According to
the General Superintendence of Cade, the practice took place between
2009 to 2011.
Also in 2016, CADE initiated the administrative proceeding n.
08700.6630/2016-88 regarding an alleged bid-rigging cartel for civil
construction, modernization, or renovation services of sports facilities
for the FIFA World Cup of 2014. The practice took place between 2007
and 2011 and affected 8 different cities in Brazil and several different
clients.
The Administrative proceeding n. 08700.007777/2016-95
investigates an alleged practice of cartel that took place between 2006
and 2008 regarding Engineering and civil construction services for
Large Buildings with Special Features in bids conducted by Petrobras.
The Administrative proceeding n. 08700.003243/2017-71 refers
to an alleged cartel for infrastructure works and services for urban
requalification and implementation of road corridors that supposedly
took place between 2013 and 2014 and affected three different clients.
The Administrative proceeding n. 08700.001836/2016-11
refers to an alleged practice of cartel that, according to the General
Superintendence of Cade, took place from 2000 to 2011 and affected
the market for of railway infrastructure and superstructure, special
works of art and engineering services for the implementation of the
North and South Railroad and the West and East Integration Railroad.
The Administrative Proceeding 08700.003252/2017-
61 refers t an alleged practice of bid-rigging which

488 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

supposedly affected the market for civil works and


airport infrastructure carried out by Infraero and took place from
2003 to 2007.
The following proceedings are Classified: n. 08700.007776/2016-41,
n. 08700.003341/2017-16, n. 08700.003237/2017-13, n. 08700.000489/2017-
91, n. 08700.003251/2017-17, n. 08700.007277/2013-00, n.
08700.003226/2017-33, n. 08700.004468/2017-44, n. 08700.003240/2017-
37, n. 08700.003262/2017-05, and n. 08700.003244/2017-15.
As discussed above, ATHAYDE et al (2017) propose ten parameters
to analyze, as a non-exhaustive list, when a certain collusion practice
is considered single or multiple infringements. In a nutshell, the
preponderant parameters are (III.1) the existence of a common goal by
the participants; (III.2) the maintenance of similarly modus operandi;
and (III.3) the existence of a hub that facilitates the infringement
(III.9). Also, it is also considered standard parameters (III.4) if the
relevant market, both in the product and geographic perspective, are
similar; and (III.5) if the companies (III.7) and individuals involved
(III.8) are the same or if there is a common core. Lastly, there are also
ancillary parameters such as the existence of an identical or similar
infringement both in time, customer affected (III.10), and typology
(III.6) of the malpractice.
By an empirical analysis of all public proceedings related to the
“Car Wash Operation” at the Antitrust Authority in Brazil, it will be
possible to understand if the ten parameters developed by the scholars
were fulfilled or not in real-life investigations.

4.1. OBJECTIVE PARAMETER – COMMON GOAL


IN THE “CAR WASH OPERATION”

According to the parameters proposed by ATHAYDE et al (2017),


in the analysis of the common goal of the infringement, one must
investigate whether the participants (companies and individuals)
aimed and contributed, through their individual actions, to reach the

Estudos em Direito da Concorrência 489


Amanda Athayde

same global objective or purpose. It should be analyzed whether each


of the participants was aware or at least could reasonably have inferred
that there was a global objective or a common goal of collusion732.
In the paper above mentioned, the authors argue that the
following elements suggest the existence of a single collusion: (a)
participants are aware that there is an overarching objective or
common purpose or goal of cartelizing a product or service market
in a given geographic area - “mission”, “vision”, “values” and, or
“rules” of joint action, or market division of all customers (or major
customers) and/or price fixing; (b) participants direct their efforts
towards the achievement of a single objective or common purpose
or goal (existence of an “unified concerted action”); (c) a given
participant acts only in some of the schemes but knows and is aware
of the other participants’ existence (all of them or some of them, even
if only the “hard core”) and of the terms of the overall objective or
common purpose or goal of cartelization (“collective venture directed
toward a common goal”); (d) a given participant acts only in some
of the schemes, does not know the other participants (all of them or
some of them) nor the terms of the overall objective or the common
purpose or goal of cartelization, but has specific knowledge that its
action contributes to the broader agreement or could reasonably
infer that there was a global objective of cartelization, even if it did
not know exactly the terms of this broader agreement; (e) a given
participant acts only in some of the schemes, does not know the other
participants (all of them or some of them) nor the terms of the overall
objective of cartelization, but has specific knowledge that its action
is important, indispensable or helps to achieve the overall objective
of cartelization, even if it does not know exactly the terms of it; and
or (f) the agreement contemplates the achievement of a continuous
result, which does not proceed without the continued cooperation of
the participants to maintain it.
On the other hand, ATHAYDE et al (2017) argue that there are
elements that suggest the existence of multiple collusions when: (a)

732 The levels of awareness must be considered in the moment of possibly imposing
sanctions.

490 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

the participants in collusion act separately, parallel and independently


from the participants of another collusion, with their own specific
objectives and without a single purpose or common goal; and, or (b) the
participants in collusion act separately, in parallel and independently
of the participants of another collusion, with different modus operandi
and in a disconnected manner.
The analysis of this parameter, especially when based on
evidence of the specific case, can be considered as a preponderant
element in the decision-making, with strong weight against the
remaining parameters.
In all the public cases initiated, CADE has considered that there
was a common goal in the practice. Although is not adequately defined
or established how the General Superintendence of Cade reached this
conclusion, CADE usually defines in all the cases that there was a
common objective in the practice for all the alleged participants which
contributed to the collusion and acted with the same modus operandi
in the bids. The following table provides a clear understanding of the
fulfillment of this parameter proposed by ATHAYDE et al (2017) on the
public proceedings related to the “Car Wash Operation”:

Common Goal

AP
AP AP AP AP AP
08700.007
08700.002086 08700.007351 08700.006377 08700.6630 08700.007777
776/2016-
/2015-14 /2015-51 /2016-62 /2016-88 /2016-95
41

Global Global Global Global Global Global


Goal Goal Goal Goal Goal Goal

AP AP AP AP
AP 08700.003252
08700.003240 08700.003243 08700.001836 08700.001101
/2017-61
/2017-37 /2017-71 /2016-11 /2021-55

Common Goal Common Goal Common Goal Common Goal Global Goal

Estudos em Direito da Concorrência 491


Amanda Athayde

4.2. OBJECTIVE PARAMETER – MODUS OPERANDI


IN THE “CAR WASH OPERATION”

According to the parameters proposed by ATHAYDE et al (2017),


in the analysis of the modus operandi of the infringement, one should
verify whether the instruments and ways of implementation of the
violation are the same or similar among the different facts uncovered.
It is necessary to analyze the evidence gathered in the specific
investigation verifying whether there are any substantial similarities
in the way of implementation/modus operandi of the cartel.
There are elements that suggest the existence of a single collusion
when: (a) participants draw up and use identical or similar tools or
methods with the overall purpose or common goal of cartelizing
a given product or service market in a given geographic area – i.e.
spreadsheets with priority submarkets, customer, bidding, monitoring
sheets for compliance with cartel decisions, groups for definition of
prices or division of customers, system of rotation or compensation,
etc. On the other hand, multiple collusions characterizing elements
are present when: (a) the participants have substantially different and
disconnected tools for the implementation of the infringements.
The analysis of this parameter, especially when based on evidence
of the specific case, can also be considered as a preponderant element
in the decision-making, with strong weight in comparison with the
other parameters. The following table provides a clear understanding
of the fulfillment of this parameter proposed by ATHAYDE et al (2017)
on the public proceedings related to the “Car Wash Operation”:

Common Goal

AP
AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.
08700.
002086 006377 6630 007776 007777
007351
/2015-14 /2016-62 /2016-88 /2016-41 /2016-95
/2015-51

Similar Similar Similar Similar Similar Similar

492 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

AP
AP 08700. AP 08700. AP 08700.
08700. AP 08700.003252
003240 001836 001101
003243 /2017-61
/2017-37 /2016-11 /2021-55
/2017-71

Distinct Modus Ope-


Common Common randi during the pe- Common Common
riod of the practice

4.3. OBJECTIVE PARAMETER – PRODUCT/SERVICES


MARKET IN THE “CAR WASH OPERATION”

According to the parameters proposed by ATHAYDE et al


(2017), in the analysis of the product or service market affected by the
infringement, it should be investigated whether the practices affect
the same, similar or complementary markets, in which the cartel
members (companies and individuals) compete. The existence of
different sectors of a single market should also be considered.
The authors argue that there are elements that suggest the
existence of a single collusion when: (a) barriers to entry exist, and
only (or mainly) the collusion participants are able to enter and
remain in the market; in order to do so, they use their market power
in submarkets to retaliate or prevent access by competitors that act in
other submarkets; (b) the supply of the product or the rendering of the
service is linked to the fulfillment of a certain technical requirement
(i.e. attestations in bids), so that the collusion participants are the
only or practically the only ones to fulfill this requirement in a series
of contracts; (c) there is a potential for expanding the scope of the
investigation in that product or service market, affecting not only a
particular submarket, customer, bidding, but several others that may
have been the target of the anticompetitive infringement participants
that operated under the same modus operandi; and (d) there are
negotiating groups for each product - even if they are not perfect
substitutes - but with very similar dynamics and involving (although
not all) common participants.

Estudos em Direito da Concorrência 493


Amanda Athayde

On the other hand, there are elements that suggest the existence
of multiple collusions when: (a) there are regulatory/technical barriers
that substantially influence the entry and maintenance capacity
of companies in the market, and the different groups of companies
operate in different markets; and (b) the supply of the product or
the rendering of the service is linked to the fulfillment of a certain
technical requirement (i.e. certifications in public tenders), but the
group actively competing is more limited or specific, suggesting a
quid pro quo arrangement (of compensations) between the companies
impossible.
In the eleven public cases, the General Superintendence of Cade
has defined the relevant market in ten cases and indicated that there
was no necessity for defining the product market in the administrative
proceeding n. 08700.007776/2016-41. The following table provides a
clear understanding of the fulfillment of this parameter proposed by
ATHAYDE et al (2017) on the public proceedings related to the “Car
Wash Operation”:

Product Market

AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.


002086 007351 006377 6630 007776 007777
/2015-14 /2015-51 /2016-62 /2016-88 /2016-41 /2016-95

Public bid Electrome-


Public Bid
conduct- chanical
for Grant-
ed by assem-
ing the Civil con-
Petrobras, bly works
concession struction, Engineer-
for con- “Angra 3
for the use modern- ing and civil
tracting plant” in Lack of defi-
of public ization construction
onshore public ten- nition by the
assets for and/or services for
industrial ders con- Competition
the ex- renovation “Large Build-
engi- ducted by Authority
ploitation services ings with Spe-
neering, Eletrobrás
of the Plant of sports cial Features”
construc- Termonu-
Belo Monte facilities
tion and clear S.A.
hydroelec-
assembly – Electro-
tric plant
services. nuclear

494 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.


003240 003243 001836 001101 003252
/2017-37 /2017-71 /2016-11 /2021-55 /2017-61

Civil works
of railway
Civil
infrastruc-
works
Infrastruc- ture and
related to
ture and super-
Market for metro-
road trans- structure,
infra- politan
port civil special
structure train lines
works for works of
works and (stations,
the con- art and en-
services yards and
struction gineering Public bid for Civil works
for urban perma-
of the São services and airport infrastructure
requalifi- nent
Paulo Met- for the im- carried out by Infraero
cation and ways)
ropolitan plementa-
imple- used by
Strategic tion of the
mentation Com-
Road Sys- North and
of road panhia
tem Devel- South Rail-
corridors Paulista
opment road and
de Trens
Program the West
Metropol-
and East
itanos
Integration
Railroad

4.4. OBJECTIVE PARAMETER – GEOGRAPHIC


MARKET IN THE “CAR WASH OPERATION”

According to the parameters proposed by ATHAYDE et al (2017),


in the analysis of the geographic market affected by the infringement,
one should investigate whether the practice took place in the same
geographic area or in correlated regions, in order to make possible
eventual coordination (including compensation and division of cartel
profits) among the participants.
The authors argue that there are elements that suggest the
existence of a single collusion when: (a) collusive parties are able to
sell products or provide services in a number of locations in order to
allow a market division of customers, projects, acting regions among
each participant. On the other hand, there are elements that suggest

Estudos em Direito da Concorrência 495


Amanda Athayde

the existence of multiple collusions when: (a) the participants in


collusion act in different geographic markets in a separate, parallel
and independent way from the participants of another collusion, with
their own specific objectives and without a common purpose or goal.
The analysis of this parameter may get more complicated
nuances in endemic collusion environments since the historicity of
non-competing may distort the way competitors are spread over the
possible geographic markets. Moreover, other kinds of violations – such
as corrupt practices – may have influence over the way competitors
act in multiple geographic regions.
Out of the eleven public cases, the General Superintendence of
Cade indicated that there was no necessity for defining the geographic
market in four cases, which are: Administrative proceeding n.
08700.007777/2016-95, n. 08700.007776/2016-41, n. 08700.007351/2015-
51, and n. 08700.002086/2015-14. This definition is especially
relevant to the administrative proceeding n. 08700.007777/2016-95,
and 08700.002086/2015-14 which allegedly affected the same client
during the same period (2006-2008). The following table provides a
clear understanding of the fulfillment of this parameter proposed by
ATHAYDE et al (2017) on the public proceedings related to the “Car
Wash Operation”:

Geographic Market

AP
08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.
002086 007351 006377 6630 007776 007777
/2015- /2015-51 /2016-62 /2016-88 /2016-41 /2016-95
14

Brasília,
Lack of
Manaus,
defi- Lack of
Recife, Rio
nition definition Lack of defi- Lack of defi-
de Janei-
by the by the UHE Belo nition by the nition by the
ro, Belo
Com- Com- Monte Competition Competition
Horizonte,
petition petition Authority Authority
Fortaleza,
Au- Authority
Natal and
thority
Salvador

496 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

AP
08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.
003240 003243 001836 001101 003252
/2017- /2017-71 /2016-11 /2021-55 /2017-61
37

State
City of Sal- State of
of São Brazil Brazil
vador/BA São Paulo
Paulo

4.5. OBJECTIVE PARAMETER – PERIOD OF


INFRINGEMENT IN THE “CAR WASH OPERATION”

According to the parameters proposed by ATHAYDE et al (2017),


in the analysis of the period of the infringement, one should verify if
the illegal acts were implemented during the same period, for partially
or totally coincident periods. The situations presented below illustrate
the usage of such parameter.
The authors argue that there are elements that suggest the
existence of a single collusion when: (a) the acts are implemented
simultaneously, under the same common objective and same mode
of implementation; (b) the acts, practiced in partially coincident
periods, reflect the continuity of collusive practices over time, even
with temporary interruptions; (c) a company stops its participation
in the infringement, but participates in it before and after that
interruption and contributes to its general purpose; (d) the periods
of implementation of the infringement are complementary, a way of
division or rotation between companies. On the other hand, there are
elements that suggest the existence of multiple collusions when: (a)
collusive infringement takes place in significantly different periods,
without the previous having an impact, either explicit or implicit, in
the later, and without a common goal or a goal identity.
The analysis of this parameter tends to be ancillary, given that it
only configures a reinforcing element in the preponderance analysis
of all other parameters presented.

Estudos em Direito da Concorrência 497


Amanda Athayde

In all the eleven public cases CADE has mentioned the period of
the infringement as an objective requisite for defining a single cartel.
It is worth mentioning in this requisite, the lack of explanation in the
definition, especially considering that the General Superintendence
of Cade analyzes the cartel in phases. The totally absence of an
explanation indicates a difficulty to assess and give legal certainty
about how CADE is dealing with these parameters. The following table
provides a clear understanding of the fulfillment of this parameter
proposed by ATHAYDE et al (2017) on the public proceedings related
to the “Car Wash Operation”:

Period of the Infringement

AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.


002086 007351 006377 6630 007776 007777
/2015-14 /2015-51 /2016-62 /2016-88 /2016-41 /2016-95

2009-
1998-2011 2009-2014 2007-2011 2007-2011 2007-2008
2011

AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.


003240 003243 001836 001101 003252
/2017-37 /2017-71 /2016-11 /2021-55 /2017-61

2008 –
2000-
2011 and 2013-2014 2008-2010 2003-2007
2011
2014-2015

4.6. OBJECTIVE PARAMETER – TYPOLOGY OF


INFRINGEMENT IN THE “CAR WASH OPERATION”

According to the parameters proposed by ATHAYDE et al


(2017), in the analysis of the type of infringement, there should be
determined if the types of anti-competitive adjustments carried out
by the participants are equal or similar. Among the main types of
collusion, it is possible to mention: agreements for price fixing, market
sharing, hub-and-spoke agreements, agreements facilitated by a third

498 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

party stimulating uniform commercial practices and their respective


nuances.
The authors argue that there are elements that suggest the
existence of a single collusion when: (a) the same type of infringement
is implemented by the participants (companies and individuals),
operated by the same type of instrument or modus operandi. In its turn,
there are elements that suggest the existence of multiple collusions
when: (a) a group of participants adopts substantially different
types of anti-competitive behavior and disconnected from the types
of infringement implemented by another group of participants,
although in the same market – i.e. a group of participants exchange
commercially and competitively sensitive information on price
readjustments through one association, while another group of
participants (although there is a certain coincidence) holds weekly
meetings for client-wide distribution across the market.
The analysis of this parameter tends to be ancillary, given it
is a reinforcing element in the preponderance analysis of all other
parameters presented.
In all the eleven public cases CADE considered that the
participants have incurred the same typology for the practice. The
following table provides a clear understanding of the fulfillment
of this parameter proposed by ATHAYDE et al (2017) on the public
proceedings related to the “Car Wash Operation”:

Typology of the Infringement

AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.


002086 007351 006377 6630 007776 007777
/2015-14 /2015-51 /2016-62 /2016-88 /2016-41 /2016-95

Same Same Same Same Same Same

AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.


003240 003243 001836 001101 AP 08700.003252/2017-61
/2017-37 /2017-71 /2016-11 /2021-55

Same Same Same Same Same

Estudos em Direito da Concorrência 499


Amanda Athayde

4.7. SUBJECTIVE PARAMETER – PARTICIPATING


COMPANIES IN THE “CAR WASH OPERATION”

According to the parameters proposed by ATHAYDE et al (2017),


in the analysis of the participating companies, one should consider
whether the same companies, in a whole or in part, participate in the
anti-competitive infringement.
The authors argue that there are elements that suggest the
existence of a single collusion when the main participants in the
collusion are virtually the same over time in that product or service
market, so there is a “hard core” or “inner group” of decision-making,
which coordinates, organizes, encourages anti-competitive discussions
and, depending on the specific circumstances, other satellite-
companies also participate. It is not necessary for all participants to
engage in all steps of the infringement, so that participants can change
over time, as long as the characteristic of decision making “hard core”
remains. In addition, it is not necessary that all participants know all
the activities of cartelization and/or the role of all other participants in
order to have a single collusion.
On the other hand, there are elements that suggest the existence
of multiple collusions when: (a) the participants in different sets of
facts act separately and independently within each collusion (even if
there is some overlap), with their own specific objectives and without
a common purpose or goal, without implicit or explicit compensating
mechanisms between the multiple groups’ ways of acting.
Analyzing the cases initiated with the car wash operation
it is worth mentioning the lack of definition in these parameters.
Considering eleven public cases, CADE has considered the existence
of a common core in six cases and in five cases has considered the
same participants while defining the infringement as a single cartel.
The following table provides a clear understanding of the fulfillment
of this parameter proposed by ATHAYDE et al (2017) on the public
proceedings related to the “Car Wash Operation”:

500 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Participating Companies

AP
AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.
08700.
002086 007351 006377 6630 007776
007777
/2015-14 /2015-51 /2016-62 /2016-88 /2016-41
/2016-95

Common Common Common Common


Same Same
Core Core Core Core

AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.


AP 08700.003252
003240 003243 001836 001101
/2017-61
/2017-37 /2017-71 /2016-11 /2021-55

Common Common
Same Same Common Core
Core Core

4.8. SUBJECTIVE PARAMETER – PARTICIPATING


INDIVIDUALS IN THE “CAR WASH OPERATION”

According to the parameters proposed by ATHAYDE et al (2017),


in the analysis of the participants, one should consider whether
the same individuals, in a whole or in part, participate in the anti-
competitive infringement. The situations presented below illustrate
the usage of such parameter.
The authors argue that there are elements that suggest the
existence of a single collusion when: (a) the main individuals jointly
define an overall objective or common purpose or goal to cartelize a
given product or service market in a given geographic area; (b) the main
individuals of the collusion are practically the same over time in a given
market, so there is a “hard core” or “inner group” of decision making
(be it the person himself or the position occupied by the individual
in charge of commercial decisions), which coordinates, organizes,
encourages anti-competitive discussions and interacts, depending on
the specific circumstances, with other smaller companies members. It
is not necessary that all individuals engage in all phases, so individuals
can change over time as long as the characteristic of decision-making

Estudos em Direito da Concorrência 501


Amanda Athayde

“hard core” remains. Nor is it necessary for all individuals to know all
the activities of cartelization and / or the role of all other individuals in
order to have a single collusion.
On the other hand, there are elements that suggest the existence
of multiple collusions when: (a) the main individuals of the collusion
vary according to the product or service submarkets, so that there
is no hard core decision making (whether it is to the person himself
or to the position held by the individual making the decision in the
companies) that coordinates, organizes, encourages anti-competitive
discussions and aggregates, depending on the specific circumstances,
other local companies, even though there is some overlap regarding
people of the highest echelon of companies.
In the eleven public cases, the General Superintendence of
Cade has defined this requisite as the following: in two cases there
were distinct individuals participating in the infringement during the
practice. In five proceedings there was a common core investigated
and in four cases there were the same individuals during the practice.
The following table provides a clear understanding of the fulfillment
of this parameter proposed by ATHAYDE et al (2017) on the public
proceedings related to the “Car Wash Operation”:

Participating Individuals

AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.


002086 007351 006377 6630 007776 007777
/2015-14 /2015-51 /2016-62 /2016-88 /2016-41 /2016-95

Distinct
Indi-
Common Common Common Common
viduals Same
Core Core Core Core
over the
practice

AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.


AP
003240 003243 001836 001101
08700.003252/2017-61
/2017-37 /2017-71 /2016-11 /2021-55

502 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Distinct
Common Individuals Distinct Individuals
Same Same
Core over the over the practice
practice

4.9. SUBJECTIVE PARAMETER – EXISTENCE OF AN


INTERCONNECTION IN THE “CAR WASH OPERATION”

According to the parameters proposed by ATHAYDE et al (2017),


in the analysis of the common links of interconnection, one should
consider whether there is any link, connection or hub facilitating the
implementation of parallel set of collusive practices.
The authors argue that there are elements that suggest
the existence of a single collusion when: (a) association, union,
consultancy, vertically integrated company, public or political agent,
“key” individual acts as a link, connector, hub, organizing, facilitating,
encouraging, enabling contacts and monitoring of the collusive
agreement between the other participants involved in (the spokes),
and ensuring the existence and implementation of the overall goal
or common purpose. On the other hand, there are elements that
suggest the existence of a multiple collusions when: (a) the hub, link
or connection facilitating different sets of anticompetitive behavior
does not work as the center of a common goal, in such a way that
multiple interactions among competitors take place separately and
independently.
The analysis of this parameter, especially when based on
evidence of the specific case, can be considered as a preponderant
element in the decision-making, with strong weight in comparison
with the other parameters.
Analyzing the eleven public cases of the Car Wash Operation,
just two of them fulfil this parameter. The following table provides a
clear understanding of the fulfillment of this parameter proposed by
ATHAYDE et al (2017) on the public proceedings related to the “Car
Wash Operation”:

Estudos em Direito da Concorrência 503


Amanda Athayde

Interconnection

AP AP
AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.
08700. 08700.
002086 006377 007776 007777
007351 6630
/2015-14 /2016-62 /2016-41 /2016-95
/2015-51 /2016-88

Yes No No Yes No No

AP AP
AP 08700. AP 08700.
08700. 08700.
003240 001836 AP 08700.003252/2017-61
003243 001101
/2017-37 /2016-11
/2017-71 /2021-55

No No Yes No Yes

4.10. SUBJECTIVE PARAMETER – AFFECTED


CUSTOMERS IN THE “CAR WASH OPERATION”

According to the parameters proposed by ATHAYDE et al (2017),


in the analysis of the affected customers, one should investigate
whether the practices affected the same customers (or types of clients),
if there are similar purchase processes (including bids) and or if those
clients belong to a same market in such a way that cartel members
could have allocated them or compensated and shared cartel profits.
The authors argue that there are elements that suggest the
existence of a single collusion when: (a) the customer is the same (or
the same type of customer) and the acquisition is carried out in several
rounds, bids, lots, but all of them constitutes parts of the same type of
product or service; (b) there is an acquisition/hiring of the same type
of product or service, with a similar demand and buying process, even
if there are different customers, and there are compensating deals
(including costumers allocation) among the participants. In its turn,
there are elements that suggest the existence of multiple collusions
when: (a) there is an acquisition/hiring of different types of products
or services, with different customers, even when there is a similar
purchasing process or demand.

504 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

The analysis of this parameter tends to be ancillary, given that it


only configures a reinforcing element in the preponderance analysis
of all other parameters presented.
This requisite is worth mentioning because demonstrate the
lack of parameter in the analyses. Four cases have the same client
as affected by the practice (Petrobras). Also, two of the cases have
different clients being affected by the same infringement, while nine
of the has just one client affected by the collusion. Again, there is a
lack of information to precise how CADE has dealt with this parameter.
The following table provides a clear understanding of the fulfillment
of this parameter proposed by ATHAYDE et al (2017) on the public
proceedings related to the “Car Wash Operation”:

Interconnection

AP
AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.
08700.
002086 006377 6630 007776 007777
007351
/2015-14 /2016-62 /2016-88 /2016-41 /2016-95
/2015-51

Petróleo
Eletro- Norte Different SEO- Petróleo
Brasilei-
nuclear Energia Clients BRAS/RJ Brasileiro S.A.
ro S.A.

AP
AP 08700. AP 08700. AP 08700. AP 08700.
08700.
003240 001836 001101 003252
003243
/2017-37 /2016-11 /2021-55 /2017-61
/2017-71

(I) Supe-
rinten-
dência de
Conser- Valec En-
vação genharia,
(I) Dersa.;
e Obras Cons-
(II) SIURB; CPTM/SP Infraero
Públi- truções
(III) Emurb
cas; (II) e Ferro-
SEMUT, vias S.A.
atual SU-
COM; (III)
CONDER

Estudos em Direito da Concorrência 505


Amanda Athayde

4.11. AN OVERVIEW OF THE TEN PARAMETERS APPLIED BY


CADE’S PRECEDENTS ON THE CAR WASH OPERATION

The following table provides a full understanding of the


fulfillment of the ten parameters proposed by ATHAYDE et al (2017) on
the public proceedings related to cartel on the “Car Wash Operation”,
as provided in Appendix I.
Although, as seen above, the authority is applying an analysis
based on subjective and objective parameters, there are some cases in
which we can visualize the real dimension of this discussion and the
impacts of the dilemma of single or multiple cartels.
For example, when analyzing the administrative processes
n. 08700.003226/2017-33733, n. 08700.6630/2016-88734, and n.
08700.007776/2016-41735. CADE has considered that there were
three different cartels, with different objectives, distinct modus
operandi, companies, among others, which would justify splitting
those investigations. However, the judiciary system at the criminal
prosecution n. 0017513-21.2014.4.02.5101, has analyzed the collusive
behavior of a single cartel, analyzing the three cases in a single
investigation.
The clash between investigative parameters used by CADE and
the Judiciary System highlights a dilemma. This is especially true as
the documents filed by companies before CADE and Legal Courts were
identical, as they originated in the Leniency Agreement signed with
CADE. So, the only difference between the cases was the interpretation
given by two authorities regarding the same documents.

733 Which investigates a cartel in the market Road works, including at least the
construction, maintenance and repair works of highways of the Arco Metropolitano
Rodoviário do Rio de Janeiro
734 Which investigates a cartel in the market of Civil construction, modernization
and/or renovation services of sports facilities
735 Which investigates a cartel for the revitalization of Favelas in Rio de Janeiro

506 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

While analyzing the administrative proceeding n.


08700.001101/2021-55736, CADE has considered that this case should
be considered a different infringement than the one analyzed in the
administrative proceeding 08700.003262/2017-05. However, both cases
refer to the construction of projects on rails, the cases differ in the
following parameters: “I. Objective; ii. Implementation of the Conduct;
iii. Product/service market; iv. Geographic market; v. Time course; saw.
Companies involved (leaders and non-leaders); vii. Customer control;
and viii. Project Values”.
As we can see in the Car Wash Operation, CADE defines several
parameters that are, in a certain way, quite like the ten parameters
proposed. In this way, it is worth mentioning that CADE decided in
the administrative proceeding n. 08700.003243/2017-71 that three
different bid riggings should be considered as a single cartel, although
some particularities differ in the modus operandi and clients affected
by the practice.
According to the competition authority this case should be
analyzed as a single cartel because (a) the relevant market product
was identical or similar; (b) the geographic market was identical; (iii)
the typology of the practice was identical or similar; (iv) the practice
implementation was similar; (v) the period of the practice was
complementary; (vi) the companies are similar; (vii) individuals are
similar, and (viii) the clients affected were similar. Finally, as we can
see in this analysis of the eight parameters proposed by the Brazilian
Competition Authority, CADE has approached the ten parameters
proposed by ATHAYDE et al (2017).

736 Which investigates a cartel in the Market of civil works related to metropolitan
train lines (stations, yards and permanent ways) used by Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos

Estudos em Direito da Concorrência 507


Amanda Athayde

5. CONCLUSION

This paper aimed to verify if the ten parameters proposed by


ATHAYDE et al (2017) to assess the existence of single or multiple
infringements in unpuzzled organized corporate crimes such as
cartels. The analysis of the parameters must be carried out based on
the preponderance criterion. This means that, faced to the case, the
legal practitioner must interpret which parameters preponderate over
the others, bearing in mind that, in most cases, there will be elements
pointing in both directions. Foreseeing that crossroad, the paper also
provides guidance to the application of those parameters, generally
identifying those parameters as preponderant, standard or ancillary.
Such process is, obviously, driven by the evidence gathered. The result
therefore depends on what is known by the antitrust practitioners
at the moment of the decision making, and new information and
documents may lead to the need of revisit the assessment.
These parameters are expected to give greater reliability and
predictability to decision-making and gives legal certainty for the
ones investigated by the authority, but this does not rule out the
inexorable subjectivity of this type of analysis, as pointed out in the
DOJ Grand Jury Manual in the U.S. What is expected, therefore, is
that the decision is technically motivated, considers the facts that
are known by the investigation and supported by evidence. As a
policy recommendation, legal systems fighting against cartels must
be somehow flexible, without creating instability and uncertainty,
permitting that a decision made upon a certain sort of information
is revised when new facts become known by the authority. Different
legal systems, and even different legal liabilities, given specific legal
provisions, may lead to asymmetric solutions as well. In this case,
cooperation among authorities, either national and international, is
crucial for minimizing the distortion that may take place.
Moreover, adjudicative bodies play the role of granting stability
to the system by consolidating the criteria used in solving such

508 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

dilemmas. Tribunals (both administrative and judicial) must therefore


be careful about the consistency of its case law. On the other hand,
such bodies are also ultimately responsible for granting fundamental
rights – including the protection against double jeopardy –, which
means that an incorrect decision that led to double punishment or
over punishment must always be subject to be reconsidered in light
of new evidence pointing to the inaccurateness of the first decision.
This scenario was quite clear as we can see that in the Car Wash
Operation CADE has dealt with this discussion several times and has
reached different conclusion than others investigative bodies in the
judiciary system, for example. Also CADE is usually adopting similar
criteria to the ten parameters proposed.
As a final remark, it is remarkable that this is a interpretative
exercise, and therefore subject to personal aspects and tendencies,
non-legal aspects involving past experiences, the authorities’ agenda,
among other unwritten conditions. Those ten parameters presented
here are therefore an attempt to draw a plan of the mental process
of decision in order to obtain a more technical and well-informed
decision,but are far from being a rigid and “one size fits all” solution.

Estudos em Direito da Concorrência 509


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

10 ANOS DA LEI 12.529/2011: DA IMPROVÁVEL


À INCONTORNÁVEL INTERFACE ENTRE
CONCORRÊNCIA E TRABALHO

Publicado originalmente em: CADE. Revista de Defesa da Concorrência,


v. 10, n. 1, 2022.

Amanda Athayde

Juliana Oliveira Domingues

Nayara Mendonça Silva e Souza

RESUMO: Historicamente, o direito do trabalho e o direito


antitruste mantiveram-se distantes. Utilizando-se o método
comparativo e exploratório, o presente artigo foca na análise de
condutas anticompetitivas, notadamente (i) cartéis de fixação salarial
(wage-fixing cartels), (ii) acordos de não contratação de trabalhadores
(no poach agreements), (iii) cláusulas de não concorrência nos contratos
de trabalho e (iv) trocas de informações sensíveis entre concorrentes
sobre termos e condições de trabalho. Portanto, o presente estudo traz
uma abordagem interdisciplinar, atualizada em especial entre 2018 e
2021, com referência às recentes experiências internacionais (OCDE,
EUA, UE, Portugal, Holanda, Reino Unido, México, Japão e Hong Kong)
e discussões sobre o tema no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Antitruste. Direito do Trabalho.
Carteis de fixação salarial. Acordos de não contratar. Cláusulas de não
concorrência.

FROM THE IMPROBABLE TO THE INESCAPABLE


INTERFACE BETWEEN ANTITRUST AND LABOR

ABSTRACT: Historically, labor law and antitrust law were rarely


analyzed in a connected way. Through the comparative and exploratory

Estudos em Direito da Concorrência 511


Amanda Athayde

method, the perspective of antitrust law is provided to address issues regarding


to labor law. This article focuses on the analysis of anticompetitive conducts,
notably (i) wage-fixing cartels, (ii) no poach agreements, (iii) non-compete
clauses in employment contracts and (iv) exchanges of sensitive information
between competitors about terms and conditions of employment. Therefore,
this study brings an interdisciplinary approach, updated especially between
2018 and 2021, with reference to recent international experiences (OECD,
USA, EU, Portugal, Netherlands, United Kingdom, Mexico, Japan and
Hong Kong) and discussions on the topic in Brazil..
KEY WORDS: Competition Law. Labor Law. Mergers.
Anticompetitive Practices. Wage-Fixing Cartels. No-poach agreements.
Non-compete clauses.

INTRODUÇÃO

Se as interfaces entre direito da concorrência e direito trabalhista


eram improváveis737, tal caminho já se mostra, no período recente,
incontornável. De modo a avançar nas discussões apresentadas
em estudo preliminar (ATHAYDE, DOMINGUES e SOUZA, 2018) e
aproveitando-se dos 10 anos de entrada em vigor da Lei 12.259/2011,
o presente trabalho teve como foco aprofundar os argumentos que
serviram como molas propulsoras ao encurtamento da distância
geralmente estabelecida – em países de cultura greco-romana - entre
as áreas do direito antitruste e o direito trabalhista, diante dos desafios
transdisciplinares das demandas que surgiram.
Se o tema era pouco debatido no Brasil, vale observar que
de 2018 a 2021 este tema evoluiu de forma que as autoras, que
acompanham a doutrina e a jurisprudência na OCDE, nos EUA, na UE,
e em países como Portugal, Holanda, Reino Unido, México, Japão e
Hong Kong, amadureceram reflexões que não são triviais em nossa
tradição jurídica. Do ponto de vista acadêmico, em 2022, por exemplo,

737 As primeiras reflexões das autoras a respeito do tema foram realizadas em 2018.
(ATHAYDE, DOMINGUES e SOUZA, 2018)

512 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

observamos novas reflexões como a de Hovenkamp (sobre como as


condutas anticoncorrenciais podem resultar em restrição de produção
que reflete na demanda por mão de obra). Além disso, em maio de 2022
foi publicada uma edição da Competition Policy International Antitrust
Chronicle inteiramente dedicada ao tema.738
O presente artigo, portanto, vem a agregar uma discussão
importante no contexto de celebração da Lei 12.529/2011, assim
como atualiza a discussão e confirma a hipótese de que as questões
trabalhistas também têm o potencial de afetar e distorcer a
concorrência de modo a atrair a competência das autoridades e da
análise antitruste no Brasil. Para tanto, na Seção 2 é apresentado o
histórico das discussões mais amplas sobre tais interfaces, para que
na Seção 3 seja possível aprofundar na descrição de precedentes
relacionados a condutas anticompetitivas neste tema. Em seguida, a
Seção 4 apresenta os desenvolvimentos recentes no Brasil.
A DIFERENÇA DO HISTÓRICO DO DIREITO ANTITRUSTE E DO
DIREITO TRABALHISTA
A interdisciplinaridade entre o Direito Antitruste e o Direito
Trabalhista avançou muito desde 2018. Nossa análise demonstrará as
evoluções recentes nos EUA (2.1), na Europa, no Japão e em Hong Kong
(2.2). Em seguida, apresentaremos a evolução que também culminou
com o caso mais atual de encontro do direito do trabalho e do direito
antitruste no Brasil (2.3).

BREVE HISTÓRICO DA DISCUSSÃO NOS EUA

Conforme buscamos remontar em estudo preliminar de 2018


(ATHAYDE, DOMINGUES e SOUZA, 2018), do ponto de vista histórico,
nos EUA, nas décadas de 50 e 60, o encontro do direito trabalhista
com o direito antitruste esteve centrado na concentração do poder

738 Antitrust Chronicle. No Poace. CPI, May 2022. Disponível em: < https://www.google.
com/search?q=Antitrust+Chronicle.+No+Poace.+CPI%2C+May+2022.&rlz=1C1GCEA_
enBR1003BR1003&oq=Antitrust+UTF-8>. Acesso em 11 Mai. 2022.

Estudos em Direito da Concorrência 513


Amanda Athayde

econômico identificado dentro dos sindicatos (FORDHAM LAW


REVIEW, 1962). Na década de 70, passou-se a debater que seus objetivos
eram opostos, sendo que, naquele tempo, já se sustentava a existência
de sobreposição entre as regras trabalhistas e as de direito antitruste
(ANTOINE, 1976, p. 630). Uma análise interdisciplinar mais específica
dessas áreas só começou a ser realizada, então, a partir da década de
90739.
Em um contexto de abertura comercial, o direito antitruste
tendia a ver como secundárias tanto a questão da mobilidade do
empregado no mercado de trabalho quanto a possibilidade de colusão
entre empregadores para a diminuição dos salários dos empregados
ou para a fixação de termos contratuais. Segundo Naidu, Posner e Weyl
(2018, p. 25), como as ações antitruste relativas ao mercado de trabalho
eram menos frequentes, foi reforçada a premissa dos economistas de
que os mercados de trabalho são normalmente competitivos.
Entre 2016 e 2018, notou-se a concentração dos empregadores, o
uso intenso de cláusulas de não concorrência, bem como evidências
empíricas de que houve uma estagnação dos salários e uma concentração
do mercado de trabalho, funcionaram como propulsores da atividade
jurídica e regulatória sobre o tema (NAIDU, POSNER e WEYL, 2018, p.
25). Percebeu-se que alguns empregadores têm condições de restringir
os salários e a mobilidade de seus empregados.740 É nesse contexto que,
em maio de 2016, foi publicado em conjunto pelo Department of Justice
(“DOJ”) e o Federal Trade Commission (“FTC”) o “Antitrust Guidance
for HR Professionals” (Guia Antitruste para profissionais de Recursos
Humanos, doravante “Guia Antitruste para RH do DOJ/FTC” (U.S. DOJ;

739 Encontramos artigo de 1991 que trata das consequências das ações antitruste
nos EUA no mercado de trabalho e, por conseguinte, no bem-estar econômico. Veja-
se: “The Employment Consequences of the Sherman and Clayton Acts”, William F.
Shughart II and Robert D. Tollison. Journal of Institutional and Theoretical Economics
(JITE) / Zeitschrift für diegesamte Staatswissenschaft, Vol. 147, No. 1, The New
Institutional Economics New Viewson Antitrust (Mar. 1991), p. 38-52.
740 Isto se dá, por exemplo, pela via contratual (cláusulas de não concorrência),
pela concentração de poder de compra de mão-de-obra (poder de monopsônio) ou
colusiva (por acordos anticompetitivos entre empregadores), em possível prejuízo à
concorrência. (NAIDU, POSNER e WEYL, 2018, p. 6-8).

514 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

FTC, 2016). No documento, reconhece-se que na análise antitruste, o


direito trabalhista e o mercado de trabalho devem ser analisados como
variáveis importantes. Isto porque beneficiam tanto os empregados
quanto os consumidores741 (U.S. DOJ; FTC, 2016). Ademais, não é
preciso que uma prática seja formal para ser investigada (v.g., não há
necessidade de estar fixada contratualmente), mas tão somente que
seja constatada na prática pelas autoridades antitruste (HOLLAND,
2018, p. 4).
Mais recentemente entre 2018 e 2022, autoridades e especialistas
demonstraram estar procurando formas de enfrentar melhor o tema
diante de diversos casos finalizados nos últimos anos. Em janeiro de
2020, o FTC organizou um workshop público destinado a determinar se
haveria embasamento jurídico suficiente para a promulgação de uma
regra da FTC que restringisse o uso de cláusulas de não concorrência
em contratos de trabalho (FEDERAL TRADE COMMISSION, 2020).
Ademais, em ordem executiva de julho de 2021, o Presidente dos EUA,
Joe Biden, tornou-se o primeiro presidente no mundo a comprometer
recursos do governo para garantir que as leis antitruste sejam usadas
para apoiar os trabalhadores. (POSNER, 2021). Em sua Ordem Executiva
para Promoção de Concorrência no Mercado dos EUA, há um destaque
específico para o mercado de trabalho. Em seus termos, Biden sugeriu
que as autoridades antitruste americanas revisem o Guia Antitruste
para RH do DOJ/FTC, e que a Presidente do FTC atue para reduzir o
uso injusto de cláusulas de não concorrência ou de outras cláusulas
ou acordos que possam limitar a mobilidade dos trabalhadores. (U.S.
WHITE HOUSE, 2021)
Vale observar, também, o memorando encaminhado à sua
equipe pela presidente da FTC, Lina Khan, em setembro de 2021:
novamente o tema do mercado de trabalho foi colocado em evidência.

741 Como bem destacado pelo DOJ e pelo FTC, “[...] just as competition among sellers in
an open marketplace gives consumers the benefits of lower prices, higher quality products
and services, more choices, and greater innovation, competition among employers helps
actual and potential employees through higher wages, better benefits, or other terms of
employment. Consumers can also gain from competition among employers because a more
competitive workforce may create more or better goods and services”. (U.S. DOJ; FTC, 2016)

Estudos em Direito da Concorrência 515


Amanda Athayde

Segundo seus termos, uma abordagem holística deve ser tomada pelo
FTC para identificar danos, reconhecendo que ilícitos antitruste e
consumeristas prejudicam trabalhadores e negócios independentes,
além dos consumidores. (KHAN, 2021)
O tema também chama a atenção de autores clássicos do direito
concorrencial. Como exemplo recente, veja-se que, em janeiro de
2022, Herbert Hovenkamp publicou estudo em que questiona a
representatividade das condutas anticompetitivas no mercado de
trabalho na diminuição do bem-estar do trabalhador. Segundo o
texto, as condutas anticompetitivas que resultem em restrição do
mercado relevante dimensão produto são mais significativas em
termos de redução salarial e de tamanho do mercado de trabalho do
que aquelas que restringem o mercado relevante dimensão trabalho.
(HOVENKAMP, 2022, p. 14)
Recentemente, em março de 2022, o Departamento de Tesouro
dos EUA, com o apoio do Departamento de Justiça, do Departamento
de Trabalho e da Federal Trade Commission, editou um novo relatório
sobre a concorrência no mercado de trabalho. No documento, é
apresentada uma estimativa de que a ausência de concorrência causada
pela concentração de empregadores e as práticas anticompetitivas
por eles praticadas resultaram em salários aproximadamente
20% mais baixos, condições de trabalho precárias e ausência de
promoção para os funcionários. O relatório ainda demonstra que o
efeito da falta de poder de barganha do trabalhador (com o declínio
da sindicalização, por exemplo) é ainda mais significativo para
pessoas socioeconomicamente vulneráveis, como trabalhadores de
baixa renda, negros, mulheres e imigrantes. Além disso, para toda a
economia, o reflexo é de diminuição da inovação, aumento de preços
e menor crescimento econômico. O relatório trata também das
políticas do governo Biden para combater o declínio da concorrência
no mercado de trabalho, incluindo uma política que favoreça a plena
aplicação das leis antitruste nos mercados de trabalho, expandindo
as oportunidades de negociação coletiva, aumentando o salário
mínimo e estendendo a cobertura do seguro de saúde para aumentar

516 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

a mobilidade dos trabalhadores. (US DEPARTMENT OF TREASURY,


2022, p. 3-4)

BREVE HISTÓRICO DA DISCUSSÃO EM OUTRAS


JURISDIÇÕES: JAPÃO, HONG KONG E UNIÃO EUROPEIA

A Japan Fair Trade Commission (“JFTC”) elaborou, em 2018, um


relatório de um grupo de estudos em Recursos Humanos e Política de
Concorrência em que concluiu que obrigações de não concorrência e
de confidencialidade, acordos de não contratação e de fixação salarial
poderiam ser considerados condutas anticompetitivas segundo o Anti-
monopoly Act. (BRASS, LIMARZI, et al., 2020)
No mesmo ano de 2018, a autoridade de concorrência de
Hong Kong publicou um boletim consultivo para profissionais de
recursos humanos, em que tratou das condutas de não contratação,
fixação de salários e troca de informações sensíveis com potencial
anticoncorrencial. (BRASS, LIMARZI, et al., 2020)
Por sua vez, a Comissão Europeia, apesar de ainda não ter atacado
diretamente o tema da interface entre o direito antitruste e o direito
do trabalho, nota que os Estados-Membros da União Europeia venham
tomando decisões sobre o assunto (como, por exemplo, França,
Espanha e Portugal). Os acordos de não contratação são encarados
como forma de colusão e têm sido condenados como infrações por

Estudos em Direito da Concorrência 517


Amanda Athayde

objeto proibidas pelas leis antitruste nacionais e pelo artigo 101742 do


Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”)743.
Também é importante destacar que, em junho de 2019 e em
fevereiro de 2020, o Comitê de Concorrência da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) organizou dois
eventos para discutir o tema da interface entre o direito antitruste e
o direito do trabalho, que teria se tornado importante porque a queda
dos salários dos trabalhadores aumentou a demanda por reformas nas
leis antitruste e gerou um debate sobre quando o exercício do poder
de monopsônio dos empregadores poderia infringir as leis antitruste.
Em resumo, as conclusões da discussão dos eventos da OCDE
foram as seguintes: (i) o poder de monopsônio é análogo ao poder
de monopólio na medida em que cria ineficiência econômica e uma
redução na produção da empresa, levando a salários mais baixos ou
piores condições de trabalho para os trabalhadores e a preços mais
altos para os consumidores; (ii) estudos recentes conduzidos em países
da OCDE (Estados Unidos, Reino Unido, França e Portugal) sugerem
que pode haver altos níveis de concentração do lado do empregador
em certos mercados de trabalho. Além disso, pesquisas conduzidas
nos Estados Unidos sugerem que operações societárias que levam
a maiores níveis de concentração podem levar a uma redução no
nível de salários ou no aumento de salários para certas categorias

742 “1. São incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre
empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas
que sejam suscetíveis de afetar o comércio entre os Estados-Membros e que tenham
por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno,
designadamente as que consistam em: a) Fixar, de forma direta ou indireta, os preços
de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transação; b) Limitar ou
controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;
c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento; d) Aplicar, relativamente
a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes
colocando-os, por esse facto, em desvantagem na concorrência; e) Subordinar a
celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações
suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm
ligação com o objeto desses contratos”.
743 Na visão da autoridade de concorrência portuguesa, tais práticas se assemelham
a acordos de fixação de preços de compra ou divisão de mercado na compra de
insumos, ou até mesmo um cartel de compra. (AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA DE
PORTUGAL, 2021, p. 23-28)

518 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

de trabalhadores envolvidas; (iii) existem várias maneiras com as


quais os empregadores podem descumprir as leis concorrenciais744
e as autoridades de concorrência têm competência para endereça-
las, mesmo que seja concorrente com outros reguladores; (iv) outros
fatores podem contribuir para o exercício de poder de monopsônio
de empregadores além das práticas anticoncorrenciais e das
concentrações de mercado, e estas podem ser endereçadas por ações
de advocacia da concorrência; (v) as autoridades de concorrência
enfrentam desafios na aplicação do direito antitruste aos mercado de
trabalho, sobretudo quando o dano ao bem estar do consumidor não
pode ser demonstrado relativamente a uma determinada conduta745, o
que restringiu a sua atuação nesta seara até o momento. (OCDE, 2021,
p. 1-4)

BREVE RETOMADA HISTÓRICA DA DISCUSSÃO NO BRASIL

Quando tratamos do “encontro” do direito trabalhista com o


direito antitruste, em 2018, havia pouquíssima discussão sobre o tema
mesmo à luz da Lei 12.529/20111. Atualmente, como se verá na seção 4,
o Brasil já tem o primeiro caso de conduta estritamente ligada a troca
de informações sensíveis no âmbito de departamentos de recursos
humanos. (CADE, 2020).
Cientes de que, conforme nossa tradição de análise antitruste no
Brasil, a tutela jurídica pode se dar ao menos de três formas distintas746:
(i) preventivamente, diante de formação de monopsônios, por meio

744 A OCDE aborda acordos de fixação salarial, de não contratação, ou outros acordos
entre competidores para evitar a competição por trabalhadores, cláusulas de não
concorrência injustificadas nos contratos de trabalho e recrutamento predatório
visando impedir a entrada de concorrentes no mercado (OCDE, 2021, p. 2-3).
745 Professor Hebert Hovenkamp esclarece que a maioria das jurisdições com leis
antitruste define seu objetivo – bem-estar do consumidor – como baixos preços
ao consumidor. Sugere, entretanto, que uma melhor definição de bem-estar do
consumidor viria com a maximização da produção (“output”), que implicaria
consequentemente em menores preços. (HOVENKAMP, 2021, p. 2)
746 Ademais, as autoridades trabalhistas podem enfrentar o tema concorrencial por
meio da análise casuística da aplicabilidade de cláusulas de não concorrência e de

Estudos em Direito da Concorrência 519


Amanda Athayde

da análise dos atos de concentração, (ii) repressivamente, por meio


do controle de condutas anticoncorrenciais consubstanciadas em
acordos com concorrentes no mercado de trabalho; e (iii) por meio
de instrumentos de advocacy, como construção de mecanismos
preventivos e de conscientização das empresas e seus funcionários
para os efeitos da restrição da concorrência no mercado de trabalho
(ATHAYDE, DOMINGUES e SOUZA, 2018, p. 66) , e considerando
a primeira década de vigor da Lei. 12.529/2011, trouxemos uma
contribuição neste artigo para as discussões mais recentes sob o ponto
de vista do controle de condutas, tanto internacionais (Seções 2.1 e
2.2) quanto nacionais (Seção 2.3).

CONTROLE DE CONDUTAS: INTERFACES DIRETAS


ENTRE O DIREITO ANTITRUSTE E O DIREITO
TRABALHISTA AO REDOR DO MUNDO

Como tratamos em 2018 (ATHAYDE, DOMINGUES e SOUZA,


2018, p. 72-73) , a perspectiva do controle de condutas pode ser
subdividida em quatro grandes grupos de análise: acordos realizados
entre empregadores para fixação de salários dos empregados (“Wage
Fixing Cartels”) (3.1), acordos para não contratação de empregados
(“No Poach Agreements”) (3.2) (U.S. DOJ; FTC, 2016, p. 3).
No âmbito da União Europeia, essas condutas são condenáveis
pelo artigo 101 do TFUE. Também são objeto de preocupação, pela
restrição causada na mobilidade dos empregados; as cláusulas de não
concorrência em contratos de trabalho, sobretudo de empregados que
não têm acesso a segredo de negócios (3.3); e trocas de informações
sensíveis sobre termos e condições de trabalho (3.4). O presente artigo
irá atualizar o que tem havido de discussões entre 2018 e 2021, em
especial, sobre estas quatro espécies de condutas.

acordos de confidencialidade, por exemplo, em todas as três formas distintas acima


mencionadas.

520 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

O QUE HÁ DE NOVO SOBRE CARTÉIS DE FIXAÇÃO


SALARIAL (“WAGE FIXING CARTELS”)

Como já definimos em 2018 (ATHAYDE, DOMINGUES e SOUZA,


2018, p. 73-75) , os cartéis de fixação salarial, ou “Wage Fixing Cartels”,
podem ser entendidos como acordos realizados entre empregadores
para fixação de salários dos empregados. A fixação de faixa salarial
com o concorrente, ainda que não se chegue ao valor salarial exato,
pode ser considerada como um ilícito antitruste (U.S. DOJ; FTC, 2016,
p. 3).
Nesse contexto, fazemos breve remissão a alguns casos dos EUA,
especialmente a partir da década de 90, que reforçam a compreensão
das autoridades americanas sobre o tema. Mencionamos, por
exemplo, o caso U.S. v. Debes Corp, de 1992, em que o FTC processou
administradores de lares de idosos de Rockford, Illinois, que se
uniram para impedir que uma empresa de intermediação de trabalho
temporário aumentasse o preço dos serviços de seus enfermeiros
terceirizados. (FTC, 1992, p. 701-709). Já o caso U.S. v. Utah Society for
Healthcare Human Resources, de 1994, envolvia a associação comercial
de hospitais do estado de Utah, e a associação profissional de diretores
de RH dos hospitais deste estado, além dos hospitais membros destas
associações, diante de acordo para estabilização da remuneração
paga aos enfermeiros. (DOJ, 1994). Em 1995, no caso U.S. v. Council of
Fashion Designers of America, a FTC coibiu um acordo de preços que
visava a diminuição dos valores dos cachês pagos aos modelos em
desfiles de moda. (FTC, 1995, p. 817-828). Ademais, em 2007 o DOJ
questionou a conduta da Arizona Hospital and Healthcare Association,
que passou a agir em nome da maioria dos hospitais do Arizona
para uniformizar os preços pagos por enfermeiras temporárias e
suas diárias. (NEIDERMEYER, 2018, p. 2). Entre dezembro de 2020 e
dezembro de 2021, a Divisão Antitruste do DOJ iniciou cinco processos
criminais por suposto conluio no mercado de trabalho, incluindo
quatro empresas e nove indivíduos. Em janeiro de 2022, a Divisão

Estudos em Direito da Concorrência 521


Amanda Athayde

Antitruste do DOJ apresentou outra acusação contra quatro gerentes


de agências de assistência médica domiciliar por participar de um
conluio para suprimir os salários e restringir a mobilidade profissional
de trabalhadores essenciais durante a pandemia de COVID-19747. (US
DEPARTMENT OF TREASURY, 2022, p. 54)
Em adição ao que foi apresentado por estas autoras anteriormente
(ATHAYDE, DOMINGUES e SOUZA, 2018, p. 73-75), sob a perspectiva
europeia, o primeiro caso de fixação salarial ocorreu na Holanda,
quando, em 2010 foi objeto de condenação com base nas leis antitruste.
Um acordo entre 15 hospitais relacionado a condições de emprego e
formação de médicos anestesistas e assistentes de operação previa
que o valor do pagamento de horas extras desta classe de funcionários
seria de até 75% do salário por hora748. Os hospitais foram condenados
por violação por objeto da legislação antitruste holandesa no caso da
fixação salarial. (AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA DE PORTUGAL,
2021, p. 25)
Em 2016 e 2017, as autoridades de concorrência do Reino Unido,
da França e da Itália investigaram acordos de fixação de preços no
setor da moda. Os acordos envolviam a fixação da remuneração das
modelos e das comissões das agências e foram condenados pelas
leis de concorrência dos países membros e pelo artigo 101 do TFUE.
(AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA DE PORTUGAL, 2021, p. 43)
Em Portugal, a autoridade antitruste recomendou à Federação
Portuguesa de Portugal, em junho de 2020, que se abstivesse de impor
um limite ao valor total da massa salarial de cada clube participante
da liga feminina. (AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA DE PORTUGAL,
2021, p. 42)
O caso mais recente de condenação por acordos de fixação
salarial ocorreu no México. A Comissão Federal de Concorrência

747 United States v. Jindal; United States v. Surgical Care Afiliates; United States v. Hee
et al.; United States v. DaVita, Inc.; and United States v. Patel et al.
748 Ademais, os hospitais acordaram que não contratariam anestesistas dos outros
membros do acordo. Sobre este ponto, a condenação dos hospitais foi de que,
apesar de o acordo não tem objetivo de restringir a concorrência, houve este efeito.
(AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA DE PORTUGAL, 2021, p. 25)

522 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Econômica (“COFECE”) impôs multas de 117,6 milhões de pesos749 a


dezessete clubes de futebol de uma liga mexicana, a MX, à Federação
Mexicana de Futebol e pessoa físicas. As condutas condenadas
envolviam a imposição de limites máximos de salários às jogadoras, e
na segmentação do mercado de jogadores750. O caso chama a atenção
porque, além de causar uma redução artificial dos salários das
jogadoras mulheres da Liga MX, ainda ensejou um recrudescimento da
diferença salarial já latente entre gêneros, sem qualquer justificativa
razoável. (COFECE, 2021)
Os casos acima nos ensinam que os casos de cartéis de fixação
salarial, ou “wage-fixing cartels” foram fruto de trocas de informações,
acordos ou até mesmo negociação conjunta de associações
de empregadores (inclusive no ramo futebolístico), visando a
uniformização da remuneração paga aos empregados. Vê-se que as
condutas prejudicaram especialmente os trabalhadores temporários,
que, em tese, teriam maior mobilidade entre empregadores. Chama
a atenção o caso de fixação salarial de jogadoras de futebol, que
indica incentivos à desigualdade de gênero entre homens e mulheres,
sobretudo no tocante às remunerações das trabalhadoras.

O QUE HÁ DE NOVO SOBRE ACORDOS DE NÃO CONTRATAÇÃO


DE TRABALHADORES (“NO POACH AGREEMENTS”)

Como definimos em 2018 (ATHAYDE, DOMINGUES e SOUZA, 2018,


p. 75-79) , “No Poach Agreements” podem ser entendidos como acordos
para não contratação de empregados de outra empresa concorrente
no mesmo mercado relevante na dimensão trabalho, mesmo que estas

749 Equivalente a R$46.868.640,00 em 04 de outubro de 2021. Fonte: https://www.bcb.


gov.br/conversao .
750 Um “acordo de cavalheiros” entre os clubes fazia com que os clubes tivessem que
obter autorização do clube anterior do jogador antes de fazer uma oferta a ele, além de
ter que pagar para o clube anterior em caso de contratação. (COFECE, 2021)

Estudos em Direito da Concorrência 523


Amanda Athayde

não sejam concorrentes na dimensão produto751 (U.S. DOJ; FTC, 2016,


p. 3). Esses acordos podem ser implementados de diversas maneiras,
tais como: i) não oferta do emprego, ii) monitoramento e repasse
de informações sobre ofertas de emprego, iii) não apresentação
de contraproposta a ofertas de emprego, e iv) negativa de seleção e
recrutamento de um empregado de um concorrente.
Vale destacar que os acordos de no-poach também podem estar
inseridos no contexto de um contrato de franquia752. Considera-se
em alguns casos a existência de razoabilidade como ocorreu no caso
Eichorn v. AT&T, de 2001, em que foi realizado um acordo para não
contratar empregados no contexto de um desinvestimento. O tribunal
julgou a cláusula válida, por ser acessória à venda dos negócios e pela
razoabilidade do escopo e da duração (profissionais mais qualificados e
estratégicos para as empresas, em um período de tempo determinado).
(U.S. COURT OF APPEALS FOR THE THIRD CIRCUIT, 2001). Portanto,
é importante que os acordos de não contratar, no contexto de atos de
concentração, sejam limitados em duração (da due diligence até um
período razoável após a consumação do negócio) e no seu escopo, i.e.
os profissionais visados (LINDSAY, STILSON e BERNHARD, 2016, p.
12).
Nos EUA, em 1957, o caso Union Circulation Company v. FTC
tratou da contratação de vendedores de assinaturas de revistas porta-
a-porta, cujo trabalho era intermediado por agências de terceirização.
Os casos interdisciplinares entre direito do trabalho e direito antitruste

751 Nos termos do Guia Antitruste para RH do DOJ/FTC, “é provável que um indivíduo
viole as leis antitruste se ele ou ela concordar com indivíduo(s) de outra empresa em
negar o assédio ou a contratação de funcionários da outra empresa. Tradução livre
do original: “an individual likely is breaking the antitrust laws if he or she agrees with
individual(s) at another company to refuse to solicit or hire that other company’s employees”.
(U.S. DOJ; FTC, 2016, p. 3)
752 Restaurantes fast-food como Carl’s Jr. Burguer King, Pizza Hut, Domino’s e Mc
Donald’s têm - ou tinham - cláusulas de no-poach em seus contratos com os franqueados.
Também entre as franquias das academias de ginástica Curves e Anytime Fitness
vigora esse tipo de cláusula contratual. Como exemplo, temos uma ação coletiva
proposta por empregados da franquia de hamburguerias Carl’s Jr em 2017. Estes
empregados questionavam uma cláusula contratual imposta pelo franqueador a seus
franqueados impedindo que estes contratem supervisores de outros restaurantes
(HELTZER, DUBROW, et al., 2017).

524 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

se tornaram mais emblemáticos ao envolverem seis empresas de alta


tecnologia (Adobe, Apple, Google, Intel, Intuit e Pixar).753
Em adição ao que foi apresentado por estas autoras anteriormente
(ATHAYDE, DOMINGUES e SOUZA, 2018, p. 73-75) , menciona-se que
na Espanha, em 2010 e 2011 a autoridade de concorrência condenou
dois carteis que envolviam acordos de não contratação: um no
mercado de empresas transportadoras de mercadorias e outro na
venda de produtos para cabeleireiros tradicionais. (AUTORIDADE DA
CONCORRÊNCIA DE PORTUGAL, 2021, p. 23-24)
Em 2012, novamente nos EUA, a eBay também foi processada
por acordos de “no-poach” ou “no cold-calling” celebrados com a Intuit
754
(U.S. v. eBay, Inc.). No acordo informal realizado entre executivos
sêniores, entre 2006 e 2011, as empresas acordavam não recrutar
empregados uns dos outros, mesmo se procurados pelos funcionários
da concorrente. Esses acordos não eram públicos, nem mesmo
para os empregados das duas empresas (U.S. DISTRICT COURT FOR
THE NORTHERN DISTRICT OF CALIFORNIA, 2014). Após as ações
propostas pelo DOJ, várias ações privadas de reparação de danos

753 Os casos, genericamente intitulados “high-tech employees”, tratam da investigação


iniciada pelo DOJ com relação a cinco acordos bilaterais que supostamente impediam
as empresas de tecnologia envolvidas de contratar funcionários extremamente
qualificados no setor de tecnologia umas das outras (United States v. Adobe Systems,
Inc., et al.). (U.S. DISTRICT COURT FOR THE DISTRICT OF COLUMBIA, 2011)
Segundo a investigação iniciada em 2010, não havia qualquer justificativa razoável
de colaboração entre as empresas sem o conhecimento de seus empregados.
(NEIDERMEYER, 2018, p. 3). Nestes casos, não houve alegação de que os produtos
ou serviços oferecidos pelas empresas competiam entre si, mas sim que os acordos
resultaram em diminuição das oportunidades de carreiras dos profissionais de alta
tecnologia e, por conseguinte, impactavam em seus salários de modo não razoável
(LINDSAY, STILSON e BERNHARD, 2016, p. 6). No ano de 2010, o DOJ abriu nova
investigação contra as empresas Lucasfilm e Pixar (United States v. Lucasfilm Ltd.). As
empresas acordaram entre si, sem informar aos seus empregados, que (i) evitariam
oferecer empregos a funcionários uma da outra; (ii) informariam eventual oferta de
trabalho a um empregado da concorrente e (iii) não tentariam cobrir uma possível
contraproposta. Tais acordos foram entendidos como restrições horizontais entre
competidores diretos no mercado de trabalho, que deveriam ser considerados ilegais
per se. O caso foi encerrado em 2011, com um acordo entre o DOJ e Lucasfilm,
impedindo-a de celebrar acordos anticompetitivos com consequências no mercado
de trabalho (U.S. DISTRICT COURT FOR THE DISTRICT OF COLUMBIA, 2010).
754 A Intuit não foi processada no caso em questão por já ter assinado acordo para
cessar a prática de no-poach em 2011 no caso United States v. Adobe Systems.

Estudos em Direito da Concorrência 525


Amanda Athayde

contra as empresas de tecnologia (Adobe, Apple, Google, Intel, Intuit


e Lucasfilm) se seguiram, tendo se concluído que os acordos secretos
combatidos pelos casos prejudicaram a competição entre empregados
qualificados dessas empresas, diminuindo sua mobilidade. Intuit,
Lucasfilm e Pixar celebraram acordos no valor de 20 milhões de
dólares, e as demais empresas fizeram acordo no montante de 415
milhões de dólares para a reparação de danos causados pela conduta
praticada (LINDSAY, STILSON e BERNHARD, 2016, p. 6-7).
Em 2015, uma empresa de suporte de TI (Gemicro) entrou em
acordo com a autoridade de concorrência da Croácia para encerrar
um processo em que era acusada de abuso de posição dominante.
Segundo a denúncia, a empresa só firmava contratos de prestação de
serviços caso seus contratantes aceitassem obrigações suplementares
em que eram proibidos de contratar ex-funcionários da Gemicro que
atualmente estivessem trabalhando em seus concorrentes. (OCDE,
2019, p. 2)
Em 2017, o DOJ investigou as empresas Knorr-Bremse (“Knorr”)
e Westinghouse Air Brake Technologies (“Wabtec”) pelos acordos de não
contratar profissionais do mercado de suprimentos ferroviários.755
No mesmo ano, a Autorité de la Concurrence na França condenou
um grupo de empresas e um sindicato setorial por um cartel que
envolvia, entre outras práticas, um acordo relacionado à política de
recrutamento das empresas, em que os membros orientavam seus
profissionais de recursos humanos e recrutadores externos a não
procurar funcionários de empresas que fizessem parte do cartel756.
(AUTORITÉ DE LA CONCURRENCE, 2017, p. 45)

755 As empresas firmaram acordo com o DOJ, em que não assumiram a ilicitude das
condutas, mas concordaram em cessar a prática. Em contrapartida, o DOJ deixou
de processar as empresas tanto civil como criminalmente, o que não impediu o
ajuizamento de ação coletiva proposta por empregados das duas empresas. Segundo
os termos dessa ação privada de reparação de danos, tais acordos de “No Poach” teriam
causado a diminuição da remuneração dos empregados, limitado a mobilidade dos
empregados e impedido a inovação (GLOBENEWSWIRE, 2018).
756 Inclusive contratos entre uma das empresas praticantes do cartel e recrutadores
externos (headhunters) previa que funcionários de determinada empresa não poderiam
ser recrutados. (AUTORITÉ DE LA CONCURRENCE, 2017, p. 45)

526 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Em 2019, o DOJ, nos EUA, manifestou-se em uma ação


coletiva iniciada por uma professora da Faculdade de Medicina da
Duke University, que denunciou a existência de um acordo de não
contratação de professores de medicina entre esta universidade e
a University of North Carolina. (U.S. DISTRICT COURT FOR THE
DISTRICT OF MIDDLE DISTRICT OF NORTH CAROLINA, 2019) A
manifestação do DOJ foi no sentido de que o acordo configuraria
um ilícito concorrencial per se. O processo foi encerrado em acordo
em que a professora recebeu indenização da Duke University que
se comprometeu a não mais praticar acordos de não contratação.
(AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA DE PORTUGAL, 2021)
No início de 2021, o DOJ iniciou a primeira acusação criminal
relacionada a acordos no-poach, contra a empresa Surgical Care
Affiliates, que atua no mercado de operação de atendimento médico
ambulatorial nos EUA. Segundo a acusação, a empresa acordou com
seus concorrentes em não contratar profissionais sêniores entre si e
possuía, inclusive, uma “lista de quem não chamar” direcionada aos
recrutadores. (U.S. DISTRICT COURT FOR THE NORTHERN DISTRICT
OF TEXAS DALLAS DIVISION, 2021, p. 5)
Regra geral, os no-poach agreements vêm sendo considerados
ilegais per se nos EUA. Na Europa, por sua vez, os acordos de não
contratação são atacados sob a ótica do direito nacional antitruste dos
Estados-Membros da União Europeia e também sob o artigo 101 do
TFUE. (AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA DE PORTUGAL, 2021).

O QUE HÁ DE NOVO SOBRE CLÁUSULAS DE NÃO


CONCORRÊNCIA EM CONTRATOS DE TRABALHO

Conforme indicamos em estudo anterior (ATHAYDE,


DOMINGUES e SOUZA, 2018, p. 79-80), nos EUA, cláusulas de não
concorrência têm gerado discussões há mais de 600 anos. Quando
presentes nos contratos de trabalho, historicamente eram permitidas,
desde que razoáveis em seu escopo e duração. Esse tipo de cláusula é

Estudos em Direito da Concorrência 527


Amanda Athayde

tipicamente justificada pelo investimento em capital humano realizado


pelo empregador em relação ao empregado. Caso uma cláusula de não
concorrência seja incluída no contrato de trabalho, esta aumentaria
o incentivo do empregador de compartilhar segredos de comércio e
prover treinamentos caros para seus funcionários, gerando, portanto,
eficiências para toda a economia. (DÉCHAMPS, DESCAMPS, et al.,
2020, p. 7)
A questão é que muitas dessas cláusulas só são apresentadas
aos trabalhadores após o aceite da proposta de emprego, aumentando
a chance de sua assinatura e diminuindo o poder de barganha do
empregado em sua negociação. Essa prática é proibida em países como
França e Alemanha (DÉCHAMPS, DESCAMPS, et al., 2020, p. 8) . Nos
EUA, a proibição dessas cláusulas ocorre, com nuances diferentes em
leis que já entraram ou vão entrar em vigor nos estados da Califórnia
(2020), Distrito de Columbia (2021), Oregon (2021), Nevada (2021),
Illinois (2022). (O’BRIEN, ROSE, et al., 2021)
Em agosto de 2016, a Casa Branca emitiu relatório em que
apontou cinco principais problemas identificados nas cláusulas
de não concorrência757 recomendando aos empregadores758 que:
(i) fossem banidas as cláusulas de não concorrência para certas
categorias de empregados; (ii) melhorassem a transparência; (iii)
fornecessem contrapartida para além da manutenção de emprego
para trabalhadores que assinem acordos de não concorrência. Em
adição, foi incentivado aos empregadores a elaboração de contratos

757 Segundo os termos do documento, tais seriam os principais problemas: (i)


imposição da cláusula ao empregado em contratos de adesão; (ii) menor poder de
barganha dos empregados após aceitar um novo emprego; (iii) falta de compreensão
dos empregados de como são executáveis os acordos de não concorrência e as suas
implicações; (iv) ausência de contrapartida adicional aos empregados, isto é, ao
admitir a cláusula não há nada a não ser a promessa de continuar com seus empregos;
(v) imposição de contratos bem mais amplos fixados pelos empregadores, com
a confiança de que os tribunais irão “corrigí-los” em um possível processo judicial
. (WHITE HOUSE, 2016). Ou seja, os aspectos listados acima denotam evidente
assimetria de informação entre empregados e empregadores em suas relações
contratuais.
758 Office of the Press Secretary, the White House, State Call to Action on Non-Compete
Agreements (October 25, 2016).

528 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

executáveis, desencorajando o uso de cláusulas inexequíveis com


o objetivo de coação do empregado supostamente desinformado da
ilegalidade (ERNST, 2018, p. 1). No mesmo ano nos Estados Unidos, a
empresa Law360 fez um acordo com o Procurador Geral de Nova York
para liberar todos os seus executivos de cláusulas de não concorrência.
(BRASS, LIMARZI, et al., 2020, p. 26)
Em 2017 a Comissão Europeia condenou a International Skating
Union (“ISU”) por violação do artigo 101 do TFUE. A ISU impôs
penalidades severas a atletas que participassem de competições não
autorizadas por ela, de forma semelhante a uma cláusula de não-
concorrência. (DÉCHAMPS, DESCAMPS, et al., 2020, p. 8)759Em 2018,
novo acordo foi feito com o Procurador Geral de Nova York sobre
cláusulas de não concorrência, desta vez pela empresa WeWork, que
liberou 1.400 empregados em todos os Estados Unidos dessas cláusulas
e estreitou o escopo de centenas de outros empregados. Em 2019,
novo acordo, desta vez com o Procurador Geral do estado de Illinois,
proibiu a empresa Check into Cash de incluir esse tipo de cláusula
para contratos com trabalhadores de lojas. (BRASS, LIMARZI, et al.,
2020, p. 26)
As cláusulas de não concorrência foram objeto importante de
discussão nas primárias presidenciais de 2020 do Partido Democrata
nos Estados Unidos. (DÉCHAMPS, DESCAMPS, et al., 2020, p. 6-8). A
Ordem Executiva de 2021 da Casa Branca encoraja que o FTC atue
editando regras que impeçam condutas que restrinjam a mobilidade
de empregados no mercado de trabalho, sobretudo as cláusulas de
não concorrência. No mesmo sentido, a nova Presidente do FTC,
Lina Khan, afirma que certos termos contratuais, sobretudo aqueles
impostos, constituem métodos desleais que podem prejudicar
trabalhadores. (KHAN, 2021)

759 Veja-se mais sobre o tema em ATHAYDE, DOMINGUES e SOUZA, 2018, p. 79-80.

Estudos em Direito da Concorrência 529


Amanda Athayde

O QUE HÁ DE NOVO SOBRE TROCAS DE INFORMAÇÕES


SENSÍVEIS SOBRE TERMOS E CONDIÇÕES DE TRABALHO

Como já trouxemos em 2018 (ATHAYDE, DOMINGUES e SOUZA,


2018, p. 80-81) , nos EUA as trocas de informações sensíveis sobre
termos e condições de emprego são objeto de análise pela regra da
razão, diferentemente dos acordos realizados entre empregadores
para fixação de salários dos empregados (“Wage Fixing Cartels”) e dos
acordos para não contratação de empregados (“No Poach Agreements”),
que, conforme apresentado acima, geralmente são considerados
ilegais per se.760 Em adição, a OCDE apontou em 2020 que “as autoridades
de concorrência mundiais tomaram poucas ou nenhuma ação para
endereçar monopsônio do trabalho e para garantir a competição em
mercados relevantes na dimensão trabalho” (OCDE, 2020, p. 55). Foi
sugerido, em 2019, que as autoridades deveriam garantir o status de
trabalhador para grupos que estão na “zona cinzenta” entre empregado
e autônomo, permitindo que negociem coletivamente com forma de

760 Nos termos do Guia Antitruste para RH do DOJ/FTC, as empresas não devem trocar
informações sobre sua política de recrutamento de empregados e/ou salários e outros
benefícios praticados (planos de saúde, estacionamento, auxílio-alimentação ou
refeição, auxílio-moradia, auxílio-transporte, entre outros). As trocas de informações
são consideradas lícitas se preencherem algumas condições, ou seja, quando: (i) forem
realizadas por uma terceira parte neutra; (ii) envolverem dados antigos; (iii) houver
uma junção das informações para proteção da identidade das fontes; (iv) existirem
fontes suficientes agregadas para prevenir que competidores possam identificar qual
seria a fonte em particular de cada uma das informações; (v) relacionadas a uma due
diligence prévia a um ato de concentração, com precauções prévias a serem tomadas
para evitar compartilhamento de informações. Por sua vez, as trocas de informações
sensíveis sobre termos e condições de emprego são consideradas potencialmente
ilícitas se forem periódicas e, especialmente, se tiverem o efeito de diminuir o valor
dos salários. (U.S. DOJ; FTC, 2016). Quanto ao item (v), tem-se que o impedimento de
compartilhar informações não afeta o direito das empresas de reunir informações
sobre empresas-alvo em operações de fusões, aquisições ou incorporações, desde
que sejam tomadas as devidas precauções para o compartilhamento de informações,
evitando o gun jumping. Tal compartilhamento é inclusive esperado, uma vez que o
comprador precisa ter acesso aos custos com funcionários da empresa-alvo A troca
de informações sensíveis sobre termos e condições de trabalho pode representar uma
conduta anticompetitiva no contexto em que é usada por empregadores para diminuir
e uniformizar salários de determinada categoria de empregados. Existem exceções a
essa proibição, quais sejam (i) um contexto de ato de concentração ou (ii) tratamento
específico prévio para retirar da informação o potencial de causar colusão.

530 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

resolver o poder de monopsônio entre empregadores. (OCDE, 2020, p.


44)
Além disso, a autoridade de concorrência portuguesa lançou
recentemente, em setembro de 2021, um “Guia de Boas Práticas -
Prevenção de Acordos Anticoncorrenciais nos Mercados de Trabalho”
(“Guia de Portugal”). Nos termos do Guia de Portugal, um acordo
anticoncorrencial no mercado de trabalho pode assumir várias
denominações: acordo de não-angariação, acordo de cavalheiros,
acordo de não contratação, acordo de fixação de salários, pactos de não
agressão e acordo de não solicitação. O Guia de Portugal recomenda
que as empresas eliminem políticas de recrutamento ou definição
de condições salariais que envolvam acordos com outras empresas
fora de contextos legítimos. (AUTORIDADE DA CONCORRÊNCIA DE
PORTUGAL, 2021b, p. 6-7)

CONTEXTO DE PANDEMIA

A pandemia trouxe enormes incertezas para os empregadores


em termos de tratamento com os funcionários (políticas de home-office,
licenças para tratamento da COVID-19 e outras doenças relacionadas,
controle de jornada, testagem e vacinação, etc). Nesse sentido,
aumentaram as trocas de informações e a colaboração entre empresas
relacionadas a estes e outros temas. Para endereçar o assunto, DOJ e
FTC emitiram em 2020 um comunicado antitruste conjunto relacionado
ao COVID-19, esclarecendo as formas de cooperação que as empresa,
inclusive concorrentes, poderiam colaborar neste momento singular.
Alguns dos exemplos fornecidos foram: colaboração em pesquisa
e desenvolvimento; compartilhamento razoável de conhecimento
técnico, compartilhamento de informações sobre parâmetros de
protocolos médicos clínicos, acordos de compra conjunta de insumos
médicos, entre outros. (U.S. DEPARTMENT OF JUSTICE, 2020).
Ademais, a pandemia reforçou a competição por trabalhadores da
linha de frente do combate ao COVID-19, motivo pelo qual DOJ e FTC

Estudos em Direito da Concorrência 531


Amanda Athayde

emitiram nota em abril de 2020 informando que “aplicaria as leis


antitruste [dos Estados Unidos] contra aqueles que visassem explorar
a pandemia para engajar em condutas anticompetitivas no mercado
de trabalho”. (U.S. DOJ, 2020)
O DOJ e o FTC estão trabalhando para atualizar o Guia de
RH de 2016, após casos recentes e pesquisas que mostraram que o
compartilhamento de informações, principalmente em mercados
concentrados, pode ter efeitos anticompetitivos potencialmente
significativos, mesmo quando supostamente anonimizados. (US
DEPARTMENT OF TREASURY, 2022, p. 56)
No Brasil, o artigo 14 da Lei 14.010/2020 abrangeu o regime
concorrencial em período de pandemia, incluindo algumas exceções.
O CADE, por sua vez, emitiu uma Nota Informativa Temporária
sobre Colaboração entre Empresas para Enfrentamento da Crise de
COVID-19 (“Nota Informativa”) “com o objetivo de fornecer orientações
sobre procedimentos aos quais agentes econômicos poderão recorrer
para receber um pronunciamento do CADE acerca da adoção de
estratégias voltadas ao combate da crise, e garantir o cumprimento
da Lei nº 12.529/2011, de 30 de novembro de 2011”. A Nota Informativa
não trata especificamente de trabalho ou emprego, mas orienta que
concorrentes que queiram colaborar entre si respeitem diretrizes de
escopo, duração, território e, governança, transparência e boa-fé na
celebração de acordos com concorrentes no âmbito da pandemia.
Ademais, a nota informa que, caso haja necessidade de troca de
informações concorrencialmente sensíveis para se atingir os fins
desejados pela colaboração frente à pandemia, deve ser organizado
um grupo desvinculado das empresas concorrentes que possa acessar
as informações e realizar seu tratamento. (CADE, 2020b, p. 4-6)
A União Europeia também divulgou comunicado sobre o tema
em 2020, em que ressalta que pode haver troca de informações entre
empresas para fins e combate à pandemia, mas que estas, quando
concorrencialmente sensíveis, devem ser agregadas. (COMISSÃO
EUROPEIA, 2020, p. 3)

532 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

CONTROLE DE CONDUTAS: INTERFACES DIRETAS ENTRE O


DIREITO ANTITRUSTE E O DIREITO TRABALHISTA NO BRASIL

Diante do exposto a respeito da experiência nos demais países,


sobretudo a mais recente, serão apresentadas perspectivas para o
Brasil – atualizadas em relação às nossas análises de 2018 (ATHAYDE,
DOMINGUES e SOUZA, 2018, p. 82-85), envolvendo especificamente
a persecução de condutas anticompetitivas envolvendo o direito
trabalhista. Ainda que questões mais complexas não tenham sido
enfrentadas de modo definitivo no Brasil, há processos administrativos
nos quais o CADE enfrentou o tema de modo coadjuvante761, bem
como caso recente que trata apenas dessa interface entre antitruste e
trabalho.
No ano de 2020, o CADE iniciou a primeira grande investigação
relacionada a departamentos de recursos humanos no Brasil, após
celebração de acordo de leniência. Nesta, 37 empresas do setor de saúde
do estado de São Paulo são investigadas pela possível prática de condutas
anticompetitivas incluindo acordos de fixação de remuneração e
acordos de não contratação de trabalhadores, assim como trocas de

761 No Processo Administrativo n. 08012.003021/2005-72, o CADE investigou um


suposto cartel em licitações públicas e privadas para contratação de serviços de
tecnologia da informação. Um dos acertos entre os concorrentes, membros de um
sindicato patronal, era a “política de ‘respeitar’ o funcionário da empresa concorrente, por
meio da não realização de ofertas para trabalho, conduta essa que poderia impor condições
artificiais para o mercado de trabalho para as empresas prestadoras de serviços de tecnologia
da informação”. Trata-se, ao nosso ver, de conduta assemelhada à prática de No
Poach Agreements. Também houve alegação de existência de acordo de não contratar
empregados de concorrentes no Processo Administrativo n. 08012.002812/2010-42,
que investigou cartel no mercado de distribuição de recarga eletrônica de celulares
pré-pagos. Sobre trocas de informações concorrencialmente sensíveis, o primeiro
caso foi o PA n. 08700.006386/2016-53, envolvendo o mercado independente de peças
automotivas de reposição. A conduta envolvia, supostamente, o compartilhamento
de informações relevantes na configuração de estratégia empresarial, tais como a
estrutura comercial; número de representantes e seus salários/benefícios. (CADE,
2016) Ainda, vale mencionar um PA em curso no CADE que abordou variáveis de RH
que surgiram da denúncia feita pelo Nubank contra os cinco principais bancos do país:
Itaú, Bradesco, Santander, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Neste caso o
Nubank alega que o Itaú teria praticado assédio aos seus funcionários estratégicos da
área de tecnologia.

Estudos em Direito da Concorrência 533


Amanda Athayde

informações concorrencialmente sensíveis relacionadas a salários,


benefícios e compensações em geral. As trocas de informações e
acordos ocorriam por meio do grupo “MedTech” entre 2009 e 2018,
cujo objetivo era “promover a troca de experiências, tendências de
mercado e informações sensíveis principalmente relacionadas à
gestão de pessoas e ao departamento de RH (remuneração/bonificação
de funcionários, além de outros benefícios), a fim de apoiar o processo
de tomada de decisão das Participantes da Conduta Relatada nas suas
respectivas atividades corporativas voltadas ao ambiente do Mercado
de Trabalho Afetado (i.e., temas que permeiam decisões referentes a
contratação, remuneração e manutenção de funcionários)”. (CADE,
2021, p. 44)
A Superintendência Geral do CADE, no Despacho de Instauração
do Inquérito Administrativo, decidiu pela instauração de Inquérito
Administrativo para apuração de condutas anticompetitivas nos termos
do art. 36, incisos I a IV c/c §3º, inciso I, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, e inciso
II da Lei 12.259/2011, nos termos dos arts. 13, III, 49 e 66, caput e §10,
e seguintes da Lei nº 12.529/2011762. (CADE, 2020). Assim, nota-se que
em seu decenário a Lei 12.529/2011 apresenta-se como instrumento
válido e passível de aplicação para as questões que envolvem labor
markets quando há trocas de informações sensíveis entre concorrentes
relacionadas à gestão de pessoas e ao departamento de RH.

762 Em 2018, em nosso primeiro artigo sobre o tema, inclusive citado no Anexo da
Nota Técnica de Instauração do Inquérito Administrativo em questão, entendemos
que “O CADE, num possível caso de acordo entre concorrentes para restrição do
mercado de trabalho, poderia enquadrar referida conduta em seu artigo 36, incisos I
ou III. O inciso III, aumento arbitrário de lucros, poderia ser justificado pela diferença
existente entre o valor justo que deveria ser pago de salário ao empregado de um
mercado afetado pela conduta e o valor efetivamente pago, fruto desse arranjo entre
concorrentes. Já o enquadramento no inciso I deveria considerar que o mercado
em que a livre concorrência afetada é no mercado de trabalho dos profissionais
de determinada função. Também é possível que seja vista essa prática como uma
conduta comercial concertada nos termos do inciso II do § 3º do art. 36 da Lei n.
12.529”. (ATHAYDE, DOMINGUES e SOUZA, 2018, p. 83-84)

534 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em todo mundo, o desenvolvimento dos assuntos relacionados


a direito concorrencial e direito trabalhista pela doutrina e
jurisprudência demonstra que os fatores trabalhistas de fato ganharam
cada vez mais importância na análise concorrencial763. Isto não foi
diferente no Brasil.
A abertura do primeiro grande processo administrativo, em 2020,
que investiga supostas práticas envolvendo departamentos de recursos
humanos, reforça nossa hipótese, aventada em 2018, de o CADE por
meio da Lei 12.529/2011 ter capacidade técnica e instrumental passível
de investigação de condutas relevantes.
Da mesma forma, diante do enfoque crescente em acordos de no-
poach, os empregadores devem considerar a adoção ou implementação
de melhores práticas. Ainda que o arcabouço legislativo atual alcance
as condutas anticompetitivas analisadas, entende-se que um eventual
guia pode ser útil no futuro para aproximar ainda mais as áreas
jurídicas que sempre foram vistas como estanques pelo ensino jurídico
tradicional764, a exemplo do que foi realizado nos Estados Unidos,

763 As empresas norte-americanas vêm buscando se adequar à nova política antitruste


em cinco frentes: (i) revisão de compliance antitruste do nível de informação trocada
em associações de RH às quais pertença e dos pedidos de benchmarking; (ii) revisão
de políticas de contratação e trocas de informações sobre Recursos Humanos; (iii)
percepção de que é estranho que o mercado tenha uma mesma prática de contratação,
solicitação ou troca de informações de RH; (iv) treinamentos regulares de pessoal
para os empregados da área de Recursos Humanos para identificar como cumprir as
normas antitruste e saber identificar quais são seus competidores diretos por pessoal;
(v) treinamento de todo Jurídico (advogados trabalhistas, de M&A, contratuais) da
empresa para entendimento da legislação antitruste. (NEIDERMEYER, 2018, p. 8-10).
764 Das melhores práticas depreendidas da experiência mundial que poderiam ser
exploradas num guia do CADE, destacamos algumas: (i) os empregadores deveriam
informar e treinar todos os funcionários com responsabilidades no RH para
compreender os fundamentos da lei antitruste; (ii) os funcionários não deveriam entrar
em acordos escritos ou verbais sobre remuneração (ou outros termos relacionados
ao emprego), ou sobre recrutamento de funcionários, com profissionais de empresas
concorrentes; (iii) ao compartilhar informações confidenciais de funcionários,
quando há uma transação que resulte em Ato de Concentração, as empresas deveriam
considerar o uso de um terceiro (agente neutro) para gerenciar a troca de dados,
anonimizar os dados (apresentando-os por posição ou de forma agregada) e limitar

Estudos em Direito da Concorrência 535


Amanda Athayde

na OCDE e em Portugal. Este ponto é relevante já que podem ser


aduzidos, como argumento de defesa nos processos administrativos
instaurados pela autoridade antitruste, que não havia clareza sobre a
ilicitude dessas práticas por quem não tem afinidade com o direito
concorrencial.
Registre-se, ainda, posição no sentido de que o CADE
possui, de fato, competência para analisar essas possíveis práticas
anticompetitivas. No caso das infrações de cartéis de fixação
salarial, de acordos de não contratação de funcionários e de trocas
de informações sensíveis sobre termos e condições de trabalho, o
enquadramento é possível com base no art. 36, §3º, incisos I e II da Lei
12.529/2011. Por sua vez, no caso das cláusulas de não concorrência
em contratos de trabalho, caso não realizadas de modo coordenado,
poderia ser consideradas condutas unilaterais, ainda assim passíveis
de enquadramento nos incisos III, IV e/ou V do §3º do art. 36 da Lei
12.529/2011. Neste último caso, porém, haveria uma discussão sobre
os efeitos da prática, que podem ser bastante difíceis – ou até mesmo
impossíveis – de prova para a autoridade.
É fato que em mercados em que o trabalho pode ser visto
como um insumo preponderante – pela necessidade de extrema
qualificação de profissionais e investimento na capacidade intelectual
dos empregados – troca de informações de variáveis relacionadas a
Recursos Humanos entre empresas, mesmo que não concorrentes,
deve ser analisada com cautela tanto em atos de concentração quanto
em processos administrativos. Nesse contexto, também as cláusulas
de não concorrência devem ser analisadas levando em conta seu
potencial restritivo de mobilidade no mercado relevante na dimensão
trabalho.
Registre-se uma discussão que pode ser levantada nestes casos:
qual seria o melhor remédio a ser aplicado, como sanção a esse tipo de
infração? As multas, tradicionalmente privilegiadas pelo CADE, seriam

o acesso a tais dados ou informações; (iv) as empresas deveriam garantir que as


disposições de não-concorrência nos documentos da transação estejam adaptadas ao
negócio e sejam razoáveis em duração e escopo.

536 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

as medidas mais adequadas em caso de uma eventual condenação


dos envolvidos? Ou seria o caso de se aplicar, prioritariamente, ou em
complementação, uma penalidade não pecuniária prevista no art. 38
da Lei 12.529/2011?765
Tais são as reflexões para o futuro e parte dos desafios que serão
enfrentados pela Lei 12.529/2011 e pelo CADE na próxima década.

765 Em todo caso, na hipótese de ser celebrado um Termo de Compromisso de


Cessação (TCC) nesse tipo de investigação, passa a ser interessante a avaliação de
eventual exigência da implementação de um programa de compliance específico
para fins de se evitar futuras práticas anticompetitivas, em especial voltadas para o
mercado de trabalho.

Estudos em Direito da Concorrência 537


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

PIPOCA COM GUARANÁ: COMBINANDO ACORDOS


DE LENIÊNCIA COM OS DO TIPO SECOND BEST

Publicado originalmente em: Portal Conjur em 17/04/2021.

Amanda Athayde

Sarah Roriz de Freitas

Os acordos de leniência antitruste e os termos de


compromisso de cessação antitruste (TCCs)766, previstos na Lei nº
12.529/2011, “representam os principais pilares da persecução pública aos
cartéis no Brasil”767. Ambos possuem requisitos próprios, são negociados
em momentos e em fases específicas, bem como resultam em
diferentes benefícios às pessoas físicas e/ou jurídicas colaboradoras.
A combinação entre ambos os instrumentos representa a pipoca com
guaraná no antitruste brasileiro, como se observará adiante.
Desde 2000, quando foi inserido na legislação brasileira, e até o
ano de 2020, foram celebrados pelo Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) 101 acordos de leniência Antitruste (sendo 76 entre
2012 e 2019)768. Quanto aos TCCs, segundo dados consolidados pelo
Cade no documento de trabalho “TCC na Lei 12.529/2011”769, foram 349
celebrados entre 2012 e 2019.

766 Acordo de leniência é o acordo celebrado entre uma autoridade pública


investigadora e um agente privado (seja este uma pessoa jurídica ou física), por meio
do qual a autoridade concede a extinção ou o abrandamento da penalidade aplicável
ao agente, recebendo em troca provas e a colaboração material e processual ao longo
das investigações. O Programa de Leniência, por sua vez, consiste no arcabouço
jurídico que provê incentivos da autoridade pública investigadora para que os
agentes privados a procurem para a negociação dos referidos Acordos de Leniência.
ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordos de Leniência no Brasil Teoria e Prática. 1.
ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.
767 ATHAYDE, Amanda; FIDELIS, Andressa. Discovery, Leniência, TCC e persecução
privada a cartéis: too much of a good thing?. Revista do Ibrac, 2016; Vol. 22. pp. 89-116.
768 CADE. https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/programa-de-leniencia/
estatisticas/estatisticas-do-programa-de-leniencia-do-cade
769 CADE. Documento de Trabalho “TCC na Lei 12.529/2011”. Fev. 2021. Disponível
em: < https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/TCC%20

Estudos em Direito da Concorrência 539


Amanda Athayde

A premissa básica dos acordos de leniência é a de que seus


signatários confessem e colaborem com as investigações770, trazendo
informações e documentos que permitam à autoridade identificar
os demais coautores e comprovar a infração noticiada ou sob
investigação771. Os requisitos para sua assinatura são elencados
nos artigos 86 da Lei nº 12.529/2011 e 197 do Regimento Interno do
Cade (RICade), segundo os quais é necessário que: 1) a empresa seja
a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob
investigação (“primazia”); 2) a empresa e/ou pessoa física cesse sua
participação na infração noticiada ou sob investigação; 3) no momento
da propositura do acordo, a superintendência-geral não disponha de
provas suficientes para assegurar a condenação da empresa e/ou da
pessoa física; 4) “confissão” — a empresa e/ou pessoa física confesse sua
participação no ilícito; 5) — a empresa e/ou pessoa física coopere plena
e permanentemente com a investigação e o processo administrativo,
comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitado, a todos
os atos processuais, até a decisão final sobre a infração noticiada
proferida pelo Cade; e 6) da cooperação da empresa e/ou pessoa física
resulte a identificação dos demais envolvidos na infração e a obtenção
de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou
sob investigação.
O TCC antitruste (artigo 85 da Lei nº 12.529/11 e nos artigos 178 a
195 do RICade), por seu turno, visa a coibir a conduta anticompetitiva

na%20Lei%20n%C2%BA%2012.52911/TCC%20na%20Lei%20n%C2%BA%2012.529-
11.pdf>. Acesso em: 08 Mar. 2021. Consultora Pnud no Cade Carolina Saito.
770 “The challenge in attacking hard-core cartels is to penetrate their cloak of secrecy.
To encourage a member of a cartel to confess and implicate its co-conspirators with first-
hand, direct ‘insider’ evidence about their clandestine meetings and communications, an
enforcement agency may promise a smaller fine, shorter sentence, less restrictive order, or
complete amnesty” (OCDE. Fighting hard core cartels: harm, effective sanctions and
leniency programmes. Paris: OCDE, 2002. Disponível em: <http://www.oecd.org/
competition/cartels/1841891.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2018).
771 Para mais informações acerca das características de um Programa de Leniência
eficiente e efetivo, ver: ICN. Checklist for efficient and effective leniency programmes. ICN,
2017. Disponível em: <https://www.internationalcompetitionnetwork.org/portfolio/
leniency-program-checklist/>. Acesso em: 17 jul. 2020.

540 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

sob investigação ou seus efeitos lesivos. Ao contrário do acordo


de leniência antitruste, não se trata de instrumento de detecção de
condutas, tendo em vista que pressupõe o conhecimento prévio
da infração ou que o Cade detenha provas suficientes da conduta
ilícita, seja pela existência de um acordo de leniência anterior, seja
por outros meios de investigação. Trata-se, assim, de um acordo do
tipo second best. Sua celebração está sujeita ao juízo discricionário,
de conveniência e oportunidade, da autoridade antitruste, que pode
rejeitar a proposta mesmo se preenchidos todos os requisitos.
Para os TCCs antitruste, em geral, são exigidos dois requisitos:
1) obrigação de não praticar a conduta investigada ou agir de forma a
gerar os seus efeitos lesivos; e 2) pagamento de multa para o caso de
descumprimento, total ou parcial, das obrigações compromissadas.
Três outros requisitos são adicionados caso o TCC seja proposto no
âmbito de investigações de acordo, combinação, manipulação ou
ajuste entre concorrentes (como é caso de cartel); 3) colaboração com
a instrução processual; 4) reconhecimento de participação na conduta
investigada; e 5) pagamento de contribuição pecuniária ao Fundo
de Defesa de Direitos Difusos. Ainda é possível que haja exigências
específicas para alguns TCCs, tendo em vista as circunstâncias do caso
concreto.
Os TCCs antitruste podem contribuir para a investigação, a
depender do momento de sua propositura, que pode ocorrer tanto na SG
quanto no tribunal do Cade. A esse respeito, o documento de trabalho
Cade “TCC na Lei 12.529/2011”772, que analisou 349 TCCs celebrados
entre 2012 e 2019, evidencia que os TCCs ocorrem, principalmente,
quando o processo principal ainda tramita na SG/Cade (65% dos casos,
ou 226 TCCs), e menos quando o processo já foi remetido ao tribunal
(35% dos casos, ou 123 TCCs). Athayde e Fonseca apontam que, em
razão da possibilidade de celebração em diferentes momentos da

772 CADE. Documento de Trabalho “TCC na Lei 12.529/2011”. Fev. 2021. Disponível
em: < https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/TCC%20
na%20Lei%20n%C2%BA%2012.52911/TCC%20na%20Lei%20n%C2%BA%2012.529-
11.pdf>. Acesso em: 08 Mar. 2021. Consultora Pnud no Cade Carolina Saito.

Estudos em Direito da Concorrência 541


Amanda Athayde

instrução processual e com diferentes autoridades (superintendência-


geral ou tribunal), os TCCs em casos de cartel “possuem finalidade
híbrida”: ora de meio de obtenção de prova, quando firmados com a SG/
Cade, diante da exigência de colaboração com a autoridade antitruste,
ou quando firmados com o tribunal, se houver colaboração; ora de
pacto de ajustamento de conduta, quando firmados com o tribunal e
não houver colaboração773.
Quanto aos benefícios, o acordo de leniência antitruste oferece
benefícios tanto administrativos quanto criminais (artigo 86, §4º,
c/c artigo 87 da Lei nº 12.529/2011), tratando-se de instrumento
disponível apenas ao primeiro agente infrator a reportar a conduta
anticoncorrencial ao Cade (artigo 86, §1º, I). O TCC, por sua vez, é
acessível a todos os demais investigados na conduta anticompetitiva
(artigo 85), gerando benefícios na seara administrativa, mas sem
benefícios automáticos na seara criminal. Para tanto, é necessária
cooperação interinstitucional entre o Cade e o Ministério Público,
com a celebração de eventuais acordos em paralelo.
Por oferecerem melhores benefícios, os acordos de leniência
antitruste possuem requisitos mais rígidos que os dos TCCs antitruste,
tais como a confissão de participação no ilícito e a ausência de provas
suficientes contra o proponente da colaboração no momento da
propositura do acordo. Os acordos de leniência, em razão do requisito
da primazia, geram uma espécie de “corrida” entre os participantes da
conduta anticompetitiva, enquanto os TCCs podem ser celebrados até
após concluída a instrução do processo administrativo — a “corrida”,
nesse caso, será para obter melhores descontos na contribuição
pecuniária, já que não há óbice para a celebração de TCC com mais de
um, ou até mesmo com todos, os participantes da conduta investigada.
Ainda, os TCCs, especificamente aqueles firmados em investigações
de cartéis, obrigam ao pagamento de contribuição pecuniária pelo

773 ATHAYDE, Amanda; FONSECA, Marco Antonio. TCCs em casos de cartel no CADE:
meios de obtenção de prova ou pactos de ajustamento de conduta? Portal Jota, 24
dezembro 2020. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/tccs-
em-casos-de-cartel-no-cade-24122020. Acesso em: 11 abr. 2021.

542 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

colaborador, além de estarem sujeitos ao juízo de conveniência e


oportunidade do Cade. Os TCCs, portanto, são considerados acordos
do tipo second best, já que concedem benefícios significativamente
inferiores aos seus compromissários, justamente com a finalidade de
manter a atratividade do primeiro que procura a autoridade antitruste.
Apesar de serem instrumentos distintos, a celebração de um
acordo de leniência pode ser observada como elemento catalizador da
celebração de TCCs antitruste, como afirma Craveiro774, para quem “a
assinatura de TCCs é considerada um efeito esperado e benéfico dos acordos
de leniência”. Ainda segundo a autora, “acordos (de leniência) mais
robustos tendem a gerar mais condenações e, como decorrência, também
mais Termos de Compromisso de Cessação (TCC)”.
Essa conclusão também pode ser extraída da pesquisa de
Chíxaro775. A partir de pesquisa empírica com os 60 processos
administrativos instaurados entre 2015 e 2019 para apurar infrações
relacionadas a cartéis, o autor constatou que 36 foram decorrentes
da celebração de acordos de leniência (60%), ao passo que outros
24 originaram-se de outras formas (denúncias, apurações ex
officio etc.) — 40%. Eentre esses 60 processos administrativos,
constatou-se que em 39 houve a celebração de TCCs antitruste.
Desses 39 processos em que se celebrou TCCs, em 31 havia acordo
de leniência anterior (81,5%) e em oito, apenas, não havia acordo
de leniência (18,5%). De acordo com esses dados, em apenas cinco
(13,9%) dos 36 processos administrativos decorrentes de acordo
de leniência não foi celebrado nenhum TCC. Assim, há indicativos
de que: 1) os TCCs são mais presentes em processos originados por
acordos de leniência do que por outros meios; e 2) entre os processos
instaurados em decorrência de acordos de leniência, há mais casos

774 Craveiro, Priscila. Uma régua na Leniência Antitruste: as taxas de sucesso e de


declaração de cumprimento como medidas de efetividade do Programa de Leniência
do Cade. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora da Escola
de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Brasília, setembro de 2020. No prelo.
775 CHÍXARO, Fernando Martins. Os Acordos depois do Acordo: Da comparação entre
Termos de Cessação Conduta homologados no Cade em processo com e sem Acordos
de Leniência, entre de 2015 a 2019. Trabalho de Conclusão da Pós Graduação na FGV.
Dezembro 2020.

Estudos em Direito da Concorrência 543


Amanda Athayde

com TCCs celebrados do que casos sem nenhum TCC. O mesmo autor
aponta que, dos 59 acordos de leniência antitruste celebrados entre
2015 e 2019, 26 (44%) propiciaram a celebração de, pelo menos, um
TCC posterior.
Diante do exposto, é possível concluir que os acordos de
leniência antitruste criam ambiente favorável para a negociação e
celebração de TCCs antitruste, que são acordos do tipo second best no
direito concorrencial brasileiro. Assim, acordos de leniência e TCCs
antitruste são importantes ferramentas da política de combate a cartéis
não só quando considerados isoladamente, mas também quando
apreciados pelo prisma de sua interrelação, evidenciando, com dados
empíricos, a hipótese inicial deste trabalho de que a combinação
entre os instrumentos representa a pipoca com guaraná no antitruste
brasileiro.
Essa constatação no contexto antitruste mostra-se relevante
diante da sua possível replicação para outras searas do Direito
brasileiro, diante da comparação entre os acordos de leniência e os
acordos do tipo second best em suas respectivas legislações776. No
Sistema Financeiro Nacional, há previsão de que o Banco Central
(BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) podem celebrar
acordo administrativo em processo de supervisão (artigo 30 da Lei nº
13.506/2017) e termo de compromisso (artigo 11 da Lei nº 13.506/2017
e artigo 11, §5º, da Lei nº 6.385/1976). Na prática, entretanto, somente
foram celebrados termos de compromisso. Já na Lei Anticorrupção
(Lei nº 12.846/2013), pode-se celebrar apenas acordo de leniência, sem
a existência de instrumentos de acordo do tipo second best. A experiência
empírica do Cade evidencia que a existência simultânea desses dois
tipos de acordos cria uma combinação ótima para a persecução de
ilícitos na seara antitruste, de modo que a replicação desse modelo de
incentivos para outras áreas, com as devidas adaptações para que se
amoldem à especificidade de cada matéria, pode ser útil à persecução

776 Para maiores informações a respeito dos demais Acordos de Leniência no Brasil
e seus respectivos acordos second best, sugere-se ATHAYDE, Amanda. Manual dos
Acordos de Leniência no Brasil Teoria e Prática. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.

544 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

pública de ilícitos, servindo também para consolidar e fortalecer os


respectivos programas de leniência existentes.

Estudos em Direito da Concorrência 545


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Estudos em Direito da Concorrência


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TCCS EM CASOS DE CARTEL NO CADE: MEIOS DE OBTENÇÃO


DE PROVAS E/OU PACTOS DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA?

Publicado originalmente em: Portal Jota em 24/12/2020.

Amanda Athayde

Marco Antonio Fonseca Júnior

Diferentemente do Acordo de Leniência Antitruste, que consiste


em instrumento disponível apenas ao primeiro agente infrator a
reportar a conduta anticoncorrencial ao Conselho Administrativo
de Defesa Econômica – Cade (art. 86, §1º, I, da Lei nº 12.529/2011) e
cujos benefícios são tanto administrativos quanto criminais (art. 86,
§4º, c/c art. 87 da Lei nº 12.529/2011), o Termo de Compromisso de
Cessação – TCC, consiste em instrumento acessível a todos os demais
investigados na conduta anticompetitiva (art. 85 da Lei nº 12.529/2011),
cujos benefícios estão restritos à seara administrativa, sem benefícios
automáticos na seara criminal. Assim, ATHAYDE adverte que os
incentivos para TCCs tendem a ser diferentes daqueles para Acordos
de Leniência, por conta dessa possível exposição do compromissário
em relação à seara criminal.777
O Acordo de Leniência tem como clara finalidade a obtenção de
provas, dada a expressa dicção legal do art. 86, incisos I e II, da Lei nº
12.529/2011: “desde que (...) dessa colaboração resulte: I – a identificação
dos demais envolvidos na infração; e II – a obtenção de informações e
documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação”).
Os TCCs, por seu turno, não possuem finalidade tão facilmente
identificável nos termos da Lei nº 12.529/2011, que deve ser também

777 ATHAYDE, Amanda. Manual dos Acordos de Leniência no Brasil – teoria e


prática. São Paulo: Ed. Fórum, 2018. Nota-se, quanto à terminologia, que quem
celebra o Acordo de Leniência é denominado signatário, ao passo que quem celebra o
TCC é denominado compromissário.

Estudos em Direito da Concorrência 547


Amanda Athayde

analisada sob a luz do Regimento Interno do Cade (RICade)778. Diante


de tal cenário, qual a finalidade dos TCCs? Seriam meios de obtenção
provas ou pactos de ajustamento de conduta, i.e., meros instrumentos
para a abreviação de investigações de natureza antitruste?
O art. 85 da Lei nº 12.529/2011779 estabelece que o Cade poderá
tomar do investigado compromisso de cessação da prática investigada,
sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade, entender que
atende aos interesses protegidos por lei. O RICade especifica que, para
fins de TCCs em casos de cartel, é obrigatório o recolhimento de valor
pecuniário (art. 183), o reconhecimento de participação na conduta
investigada (art. 184) e a previsão de colaboração do compromissário
com a instrução processual, no caso de proposta encaminhada pelo
Superintendente-Geral (art. 185). O artigo 186 do RICade, ao tratar
dos parâmetros para cálculo das contribuições pecuniárias a serem
pagas, determina que devem ser levadas em consideração a amplitude
e a utilidade da colaboração com a instrução processual. O Guia de
TCCs para casos de cartel780 ainda adverte que um TCC celebrado
em fase prematura do processo terá maior capacidade de auxiliar
na investigação, agregando informações ainda desconhecidas ou pouco
compreendidas pela autoridade e, com isso, indicando melhores caminhos
de instrução.
Nota-se, portanto, que apesar de a Lei nº 12.529/2011
aparentemente conferir ao instrumento do TCC uma roupagem
de pacto de ajustamento de conduta, i.e., mero instrumento para a
abreviação de investigações de natureza antitruste, a regulamentação

778 Aprovado pela Resolução nº 22 de 19 de junho de 2019 e atualizado pela Emenda


Regimental nº 01/2020 de 02 de abril de 2020.
779 Importante, ainda, fazer alguns destaques em termos de terminologia. Este
dispositivo determina que o Cade poderá “tomar” compromisso de cessação do
representado. Note-se que a lei não fala em “celebrar” acordo, como o faz quando trata
dos Acordos de Leniência ou como fazia, sob a égide da Lei 8.884/1994, quando falava-
se em celebração de TCCs. Ademais, o §1º do art. 85, ao tratar dos requisitos dos TCCs,
fixa quais são os seus “elementos” obrigatórios, mas não cláusulas mandatórias, como
estabelecia o art. 53 da Lei 8.884/1994.
780 Disponível em: <http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-
institucionais/guias_do_Cade/guia-tcc-atualizado-11-09-17.pdf>

548 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

infralegal, mormente o RICade, tende a conduzir a discricionariedade


administrativa para que este instrumento seja utilizado como meio
de obtenção de provas de condutas ilícitas. Registre-se que houve
questionamento judicial desse dispositivo infralegal, mas o judiciário
decidiu pela legalidade da exigência contida no RICade, por considerar
que fazia parte da conveniência e da oportunidade da Administração
Pública na celebração dos TCCs, e não de um direito das partes.781
Esse alcance se assemelha ao do plea agreement norte americano,
que tem como objetivos receber cooperação, criar e manter o ímpeto das
investigações e resolver casos de cartel rapidamente, sem a necessidade
de litígio, geralmente incluindo a apresentação de documentos e
indicação de testemunhas para auxiliar na investigação.782
Destaca-se, porém, que a obrigatoriedade de colaboração do
compromissário com a instrução processual restringe-se aos TCCs
tomados com a Superintendência-Geral do Cade (SG/Cade). O Guia
de TCCs expressamente confirma que a colaboração é requisito para a
celebração de TCCs quando o processo ainda estiver em trâmite perante a
Superintendência-Geral do órgão. Para os acordos firmados já durante
a tramitação do Processo Administrativo no Tribunal, tal requisito
não se aplica. O Guia adverte, porém, que TCCs celebrados em fase
processual avançada têm pouca ou quase nenhuma possibilidade de

781 BRASIL. Tribunal Regional Federal (1ª Região TRF-1). Apelação Cível nº
2002.34.00.001802-8. Relator: Osmane Antonio Dos Santos. Julgado em: 16 jul. 2013.
e-DJF1: 19 ago. 2013. JusBrasil, 2013. Disponível em: <https://trf-1.jusbrasil.com.br/
jurisprudencia/24028084/apelacao-civel-ac-200234000027983-df-20023400002798-3-
trf1>. Acesso em: 24 out. 2018; BRASIL. Tribunal Regional Federal (1ª Região TRF-1).
Agravo de Instrumento nº 2007.01.00.059730-8. Relator: Luciano Tolentino Amaral.
Julgado em: 28 abr. 2008. e-DJF1: 19 maio 2008. JusBrasil, 2008. Disponível em: <https://
trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/984114/agravo-de-instrumento-ag-59730-df-
20070100059730-8?ref=serp>. Acesso em: 24 out. 2018.
782 “In the U.S., from the Division’s perspective, the goals of cartel settlements are to: 1)
receive cooperation; 2) […] create and sustain momentum in its investigations; and 3) resolve
cartel cases quickly without the need for litigation. […] The specific types of cooperation a
pleading corporation is required to provide to the Division are specified in the plea agreement
and usually include providing documents and witnesses (including those located abroad) to
assist the Division in its investigation.” (O’BRIEN, Ann. Cartel Settlements In The U.S.
And EU: Similarities, Differences & Remaining Questions. Disponível em: https://
www.justice.gov/atr/speech/cartel-settlements-us-and-eu-similarities-differences-remaining-
questions)

Estudos em Direito da Concorrência 549


Amanda Athayde

agregar informações relevantes à instrução, sendo que sua principal


utilidade, em termos de redução de custos, seria atingida por meio
da resolução antecipada do processo, evitando futuras disputas
judiciais. Recorde-se que o Supremo Tribunal Federal783 já decidiu que
a confissão, quando desacompanhada de elementos adicionais, não
constitui prova suficiente à condenação dos demais investigados.
Nesse aspecto específico, nos Estados Unidos a questão da redução
de custos quanto às disputas judiciais é, de fato, perceptível, posto que
que a autoridade encarregada da persecução antitruste é a mesma
a cargo da análise criminal. Portanto, um acordo com a autoridade
encerra a investigação sob diversas ópticas. Na Europa, igualmente, os
acordos são vistos como instrumentos de eficiência processual, e não
como meios de obtenção de provas. A Comissão Europeia enxerga tais
pactos como ferramentas aptas a simplificar e acelerar a resolução dos
casos, poupando recursos da autoridade. 784 Lembre-se que a Comissão
Europeia usualmente aplica o “everyone or no one approcah” quando
avalia a conveniência de se firmar acordos, pois entende que só faz
sentido se falar em eficiência processual quando todos os investigados
celebram acordos, encerrando-se, de fato, a investigação. Na visão
europeia, caso a autoridade tenha que prosseguir a investigação em
relação a parte dos investigados, não há que se falar em eficiência,
haja vista a continuidade do processo. Nesse sentido, bem explicou
Ann O’Brien que, uma vez que o sistema de acordos da Comissão
Europeia tem o objetivo de obter eficiência processual, mas não
induzir cooperação ou impulsionar suas investigações, o “everyone or
no one approcah” faz sentido, pois uma solução híbrida, levando-se em

783 Vide, por exemplo, STF, HC 127.483 e Inq. 3.994.


784 “[…] settlement is a tool that aims to simplify, speed up and shorten the procedure leading
to the adoption of a formal decision, thus saving human resources in the cartel department.
The “Settlement Notice” rewards concrete contributions to procedural efficiency. All parties
settling in the same case will receive the same reduction of the fine (10%), because their
contribution to procedural savings will be the same.” Disponível em: <https://ec.europa.eu/
competition/cartels/legislation/cartels_settlements/settlements_en.html>

550 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

conta a efetiva colaboração, não alcançaria os resultados processuais


e ganhos de eficiência esperados.785
Diante do apresentado, parece ser possível constatar que os
TCCs em casos de cartel do Cade possuem finalidade híbrida, dado
que podem possuir tanto finalidade de meio de obtenção provas
ou pacto de ajustamento de conduta, i.e., meros instrumentos para
a abreviação de investigações de natureza antitruste, a depender
do momento da instrução processual e da autoridade com a qual é
firmado o TCC. A fim de melhor apresentar o argumento, apresenta-se
a imagem abaixo:

Ou seja, quando firmado com a SG/Cade, o TCC parece ter


finalidade de meio de obtenção de prova, nos termos do RICade,
diante da exigência de colaboração com a autoridade antitruste. Por
sua vez, quando firmado com o Tribunal do Cade, a finalidade pode
ser híbrida: de um lado, se houver colaboração (recorde-se que não

785 “Since the Commission’s settlement procedure is set up with the goal of obtaining
procedural efficiencies, rather than inducing cooperation or creating momentum in its
investigations, an “everyone or no one” approach is appealing from the Commission’s
viewpoint because a hybrid settlement will not achieve the procedural efficiencies the
Commission hopes to gain through settlement.” (O’BRIEN, Ann. Cartel Settlements In The
U.S. And EU: Similarities, Differences & Remaining Questions. Disponível em: https://
www.justice.gov/atr/speech/cartel-settlements-us-and-eu-similarities-differences-remaining-
questions)

Estudos em Direito da Concorrência 551


Amanda Athayde

há tal exigência no RICade, mas tampouco há vedação), será meio de


obtenção de prova; de outro lado, se não houver colaboração, será
pacto de ajustamento de conduta, alinhando-se à prescrição mais
ampla da Lei nº 12.529/2011.

552 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

O IMPROVÁVEL ENCONTRO DO DIREITO


TRABALHISTA COM O DIREITO ANTITRUSTE

Publicado originalmente em: Revista do IBRAC, Volume 24, Número 2,


2018.

Amanda Athayde

Juliana Oliveira Domingues

Nayara Mendonça Silva e Souza

RESUMO: Direito do trabalho e direito antitruste nunca


caminharam juntos, mas questões recentes passaram a destacar a
importância da análise interdisciplinar. Este estudo, por meio do
método comparativo e exploratório, aponta recentes questões que
relacionam o direito do trabalho com o direito antitruste nos EUA,
tais como cartéis de fixação salarial (wage-fixing cartels), acordos de
não contratação de trabalhadores (no poach agreements), cláusulas de
não concorrência nos contratos de trabalho e trocas de informações
sensíveis entre concorrentes sobre termos e condições de trabalho.
Ao final, é apresentada uma reflexão do tema dentro do contexto
brasileiro.

ABSTRACT: Labor law and antitrust law have never gone


together, but recent issues have highlighted the importance of
interdisciplinary analysis in situations. This study, through the
comparative and exploratory method, points out current concerns
regarding labor law and antitrust law in the United States (US), such
as wage-fixing cartels, no-poach agreements, non-compete clauses
in labor agreements and information exchange between competitors
about terms and conditions of work. In conclusion, we carried out a
reflection of the theme within the Brazilian context.

Estudos em Direito da Concorrência 553


Amanda Athayde

PALAVRAS-CHAVE: Direito Antitruste. Direito do Trabalho.


Atos de Concentração. Condutas Anticompetitivas. Carteis de fixação
salarial. Acordos de não contratar. Cláusulas de não concorrência.

KEY WORDS: Competition Law. Labor Law. Mergers.


Anticompetitive Practices. Wage-Fixing Cartels. No-poach agreements.
Non-compete clauses.

INTRODUÇÃO

A evolução dos estudos jurídicos e econômicos evidenciam


que a distância antes imaginada entre o direito antitruste e o direito
trabalhista não existe mais. A interdisciplinaridade denota que
estamos diante inter-relações e sobreposições: uma abordagem pode
e deve se beneficiar da outra, com o objetivo de tutelar o trabalhador
(STEINBAUM, 2018, p. 6) e, ao mesmo tempo, motivar um ambiente
concorrencialmente mais saudável786.
De modo preliminar, as autoridades antitruste podem enfrentar
o mercado laboral pelo menos de três formas bastante distintas: (i)
preventivamente, diante de formação de monopsônios, por meio
da análise dos atos de concentração, (ii) repressivamente, por meio
do controle de condutas anticoncorrenciais consubstanciadas em
acordos com concorrentes no mercado de trabalho; e (iii) por meio
de instrumentos de advocacy, como construção de mecanismos
preventivos e de conscientização das empresas e seus funcionários
para os efeitos da restrição da concorrência no mercado de trabalho.
Desta forma, este trabalho apresenta o atual debate acerca deste
tema do ponto de vista da doutrina e jurisprudência norte-americana,
assim como, de modo propositivo, apresenta os desafios e perspectivas
para o Brasil. Portanto, é imperioso analisar “se” e “em que medida”

786 Por exemplo, o direito antitruste moderno não comporta a visão de que as
empresas devem treinar apenas seu setor de vendas para identificar possíveis práticas
anticoncorrenciais. Até mesmo o RH precisa de um suporte jurídico-concorrencial
para a tomada de decisões. (TORPEY e FAHEY, 2015, p. 1)

554 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

questões trabalhistas têm o potencial de se tornarem objeto da análise


antitruste no Brasil.

1. BREVE HISTÓRICO DA INTERFACE ENTRE O DIREITO


ANTITRUSTE E O DIREITO TRABALHISTA NOS EUA E NO BRASIL

A interdisciplinaridade entre o Direito Antitruste e o Direito


Trabalhista já está sendo pesquisada e observada em outras jurisdições,
tal como no Japão787, mas nossa análise será centrada nos EUA, onde
se tem observado avanços recentes (I.1.). A seguir, apresentaremos o
modo ainda incipiente que o Brasil tem lidado com o tema (I.2.).

I.1. BREVE HISTÓRICO NOS EUA

Do ponto de vista histórico, nos EUA, nas décadas de 50 e 60,


o encontro do direito trabalhista com o direito antitruste esteve
centrado na concentração do poder econômico dentro dos sindicatos
(FORDHAM LAW REVIEW, 1962). Na década de 70, passou-se a
debater que seus objetivos eram opostos788, sendo que, naquele
tempo, já se sustentava a existência de sobreposição entre as regras

787 A autoridade antitruste japonesa vem estudando o tema desde 2015. Ver mais
em: Japan Fair Trade Commission. Report of Study Group on Human Resource
and Competition Policy Disponível em: < https://www.jftc.go.jp/en/pressreleases/
yearly-2018/February/180215.html>. Acesso em 12 de abril de 2018.
788 “From the outset, the difficulty in applying the antitrust concept to organized labor
has been that the two are intrinsically incompatible. The antitrust laws are designed
to promote competition, and unions, avowedly and unabashedly, are designed to limit
it. According to classical trade union theory, the objective is the elimination of wage
competition among all employees doing the same job in the same industry. […] the
policy against restraint of trade must condemn the very existence of labor organizations,
since their minimum aim has always been the sup- pression of any inclination on the
part of working people to offer their services to employers at different prices. Indeed,
the initial reaction of the common law was to brand the concerted activities of labor
unions, even those we today would term primary strikes, as criminal conspiracies. If
labor organizations were to be legitimated despite our usual policies favoring wide-
open competition, it would have to be on the basis of other, quite different societal
values. By the time the Sherman Antitrust Act was passed in 1890, the courts had come
to recognize the existence of those other, collective values, and had generally accepted

Estudos em Direito da Concorrência 555


Amanda Athayde

trabalhistas e as de direito antitruste (ANTOINE, 1976, p. 630). Uma


análise interdisciplinar mais específica dessas áreas só começou a
ser realizada, então, a partir da década de 90789. Em um contexto de
abertura comercial, o direito antitruste tendia a ver como secundárias
tanto a questão da mobilidade do empregado no mercado de trabalho
quanto a possibilidade de colusão entre empregadores para a
diminuição dos salários dos empregados ou para a fixação de termos
contratuais. Segundo Naidu, Posner e Weyl (2018, p. 25), como as ações
antitruste relativas ao mercado de trabalho eram menos frequentes,
foi reforçada a premissa dos economistas de que os mercados de
trabalho são normalmente competitivos.
Nos últimos anos, a concentração dos empregadores, o uso
intenso - e injustificado - de cláusulas de não concorrência, bem como
as evidências empíricas de que houve uma estagnação dos salários e
uma concentração do mercado de trabalho, funcionaram como mola
propulsora da atividade jurídica e regulatória sobre o tema (NAIDU,
POSNER e WEYL, 2018, p. 25). Passou a ser denotado que alguns
empregadores têm condições de restringir os salários e a mobilidade
de seus empregados. Isto se dá pela via contratual (cláusulas de não
concorrência), pela concentração de poder de compra de mão-de-obra
(poder de monopsônio) ou colusiva (por acordos anticompetitivos
entre empregadores), em possível prejuízo à concorrência. (NAIDU,
POSNER e WEYL, 2018, p. 6-8). É nesse contexto que, em maio de
2016, foi publicado em conjunto pelo Department of Justice (“DOJ”)
e o Federal Trade Commission (“FTC”) o “Antitrust Guidance for
HR Professionals” (Guia Antitruste para profissionais de Recursos
Humanos, doravante “Guia Antitruste para RH do DOJ/FTC” (U.S. DOJ;
FTC, 2016). No documento, reconhece-se que. na análise antitruste, o

the legality of peaceful strikes by employees against their employer for such purposes
” (ANTOINE, 1976, p. 603-631)
as higher wages and shorter hours.
789 Encontramos artigo de 1991 que trata das consequências das ações antitruste
nos EUA no mercado de trabalho e, por conseguinte, no bem-estar econômico. Veja-
se: “The Employment Consequences of the Sherman and Clayton Acts”, William F.
Shughart II and Robert D. Tollison. Journal of Institutional and Theoretical Economics
(JITE) / Zeitschrift für diegesamte Staatswissenschaft, Vol. 147, No. 1, The New
Institutional Economics New Viewson Antitrust (Mar. 1991), p. 38-52.

556 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

direito trabalhista e o mercado de trabalho devem ser analisados como


variáveis importantes. Isto porque beneficiam tanto os empregados
quanto os consumidores790 (U.S. DOJ; FTC, 2016). Ademais, não é
preciso que uma prática seja formal para ser investigada (v.g., não há
necessidade de estar fixada contratualmente), mas tão somente que
seja constatada na prática pelas autoridades antitruste (HOLLAND,
2018, p. 4).
Mais recentemente, autoridades e especialistas demonstraram
estar procurando formas de enfrentar melhor o tema diante de
diversos casos finalizados nos últimos anos791. As investigações têm
trazido à tona este debate, como será detalhado adiante.

1.2. BREVE HISTÓRICO NO BRASIL

No Brasil, o encontro do direito trabalhista com o direito


antitruste tem pouquíssima discussão792. No Direito do Trabalho
brasileiro, o princípio de livre associação sindical793, presente tanto
790 Como bem destacado pelo DOJ e pelo FTC, “[...] just as competition among sellers in
an open marketplace gives consumers the benefits of lower prices, higher quality products
and services, more choices, and greater innovation, competition among employers helps
actual and potential employees through higher wages, better benefits, or other terms of
employment. Consumers can also gain from competition among employers because a more
competitive workforce may create more or better goods and services”. (U.S. DOJ; FTC, 2016)
791 Em abril de 2018, foi realizado um painel sobre temas afetos ao direito trabalhista
no “Antitrust Spring Meeting” da American Bar Association, que é o maior evento
anual em número de inscritos envolvendo profissionais (autoridades e advogados) do
antitruste do mundo todo.
792 Entre as discussões, temos: PROL, HADDAD e GRETSCHISCHKIN (2018), com
discussão sobre os efeitos da concentração do poder de compra de empresas em
relação a trabalhadores, LUCENA FILHO (2016), tratando sobre a função concorrencial
do direito do trabalho, e ATHIAS (2016), que avalia o limite da atuação do CADE em
questões trabalhistas.
793 No Brasil, o direito de associação dos trabalhadores aparece no Decreto 21.761,
de 1932. “[o]s sindicatos foram considerados não só órgãos de defesa dos interesses da
profissão e dos direitos dos seus associados, mas também entidades de coordenação
dos direitos e deveres recíprocos de trabalhadores e empregadores, bem como órgãos
de colaboração do Estado”. Com a Constituição de 1988, houve a adoção dos princípios
de auto-organização sindical e autonomia da administração dos sindicatos, dando
maior liberdade às associações de empregados para atuação conjunta de interesse
dos seus representados”. (NASCIMENTO, 2014, p. 107).

Estudos em Direito da Concorrência 557


Amanda Athayde

na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) quanto no artigo 8º da


Constituição Federal, é tido como importante para a composição
de forças entre trabalhadores e detentores dos meios de produção.
Paralelamente, a nossa Constituição Federal também baliza os
fundamentos do direito antitruste, uma vez que a livre concorrência e a
livre iniciativa são princípios constitucionais (art. 170, IV, Constituição
Federal)794795.
A atual Lei de Defesa da Concorrência (LDC) não faz qualquer
menção ao mercado de trabalho ou manutenção de nível de emprego
na análise de atos de concentração ou na aplicação de remédios
antitruste. Entretanto, do ponto de vista do controle de estruturas, a Lei
8.884/94 previa a possibilidade de celebração de Acordo de Preservação
de Reversibilidade da Operação (APRO) 796 e de Termo de Compromisso

794 “Avaliando a Constituição, observa-se que atrelada à liberdade da livre-iniciativa


encontra-se uma finalidade social [art. 170, caput: “(...) conforme os ditames da
justiça social (...)”], o que permite reforçar a assertiva do limite de seu exercício.
Com fundamento na faceta social do princípio da livre-iniciativa é que se embasa a
elaboração de normas com o escopo de assegurar e preservar a questão de acesso
ao mercado: seja por meio de investimento pecuniário ou de oferecimento de força
de trabalho. E sobre essa faceta social do mencionado princípio, fundamentam-se
atividades de polícia do Estado, voltadas a concretizar outro princípio posto também
como edificante da ordem econômica constitucional brasileira. É justamente nesse
ponto que se resgata na Constituição o princípio da livre concorrência, diretriz
valorativa antagônica e ao mesmo tempo complementar (no esquema de interações e
tensões) ao princípio da livre-iniciativa, em diplomas legais como a Lei Antitruste, em
uma de suas grandes finalidades.” In. (DOMINGUES e GABAN, 2016, p. 55)
795 Em adição, “[...] o princípio da livre concorrência limita a expressão absoluta do
princípio da livre-iniciativa por parte de um agente econômico ou um grupo de agentes
econômicos em busca da aplicação universal da livre-iniciativa, i. e., a todos os agentes
de mercado. Cuida-se, destarte, de estritamente favorecer condutas competitivas
entre os agentes econômicos, motivo pelo qual está sabiamente insculpido no rol de
princípios fundamentais corolários da ordem econômica brasileira, cuja premissa
sedimenta-se na livre-iniciativa, revestida de cunho social. A relevância do princípio
da livre concorrência é clara, conquanto serve de fundamento maior à LDC (Lei de
Defesa da Concorrência).” (DOMINGUES e GABAN, 2016, p. 57)
796 O Acordo de Preservação de Reversibilidade da Operação (APRO) era celebrado
em operações notificadas sob a égide da Lei 8.8884/94, época em que a notificação de
atos de concentração era posterior à consumação. Para preservar a eficácia da decisão
do CADE, os APROs eram firmados com as requerentes de operações que poderiam
resultar em elevadas concentrações, com o fito de preservar a eficácia da decisão do
CADE quando o ato de concentração fosse efetivamente julgado. Eram disciplinados
pelo art. 139 da Resolução 45/2007, Regimento Interno do CADE. “Art. 139 - Até a
decisão que conceder ou negar a Medida Cautelar poderá ser celebrado Acordo de

558 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

de Desempenho (TCD)797 considerando dentro das circunstâncias


relevantes “as alterações no nível de emprego”798.Por exemplo, a
empresa AmBev, resultante da fusão entre Antártica e Brahma (Ato de
Concentração nº 080012.005846/99-12) precisou submeter à aprovação
da Secretaria de Políticas Públicas de Emprego os seus programas de
qualificação e recolocação profissional desenvolvidos e apresentados
aos trabalhadores demitidos em razão da reestruturação da empresa.
A existência dos programas decorreu da obrigação atrelada ao TCD
assinado com o CADE799.
Do ponto de vista do controle de condutas, cabe relembrar
que as associações e sindicatos são, muitas vezes, foco de atenção
da autoridade antitruste. Estudos e dados empíricos indicam que
sindicatos e associações são ambientes propícios para trocas de
informações concorrencialmente sensíveis entre agentes econômicos

Preservação de Reversibilidade da Operação (APRO), que será registrado na capa dos


autos.
Parágrafo único - O acordo, conforme os arts. 55 e 83 da Lei n. 8.884/94 e os arts.
5º e 6º da Lei n. 7.347/85, estabelecerá as medidas aptas a preservar inalteradas as
condições de mercado, prevenindo alteração irreversível ou de difícil reparação, até
o julgamento do mérito do Ato de Concentração, evitando o risco de tornar ineficaz o
resultado final do procedimento”.
797 Termo de Compromisso de Desempenho (TCD) era um acordo firmado entre
CADE e Requerentes de atos de concentração, nos termos do artigo 58 da Lei 8.884/94.
Nesses acordos o CADE determinava medidas que deveriam ser tomadas pelas
requerentes após o ato de concentração para que fosse preservada a livre concorrência
nos mercados relevantes mais afetados ela operação.
798 Em adição, vale recordar que, em 2000, o CADE celebrou com o Ministério
do Trabalho e Emprego um acordo de parceria para “avaliação de programas de
requalificação e recolocação profissional para trabalhadores cuja perda de emprego esteja
relacionada à reestruturação e fusão de empresas” (MARTINEZ, 2012, p. 45).
799 Cabe mencionar que a definição dos termos do acordo foi negociada entre o
então presidente do CADE, Gesner Oliveira, e o então ministro do Trabalho, Francisco
Dornelles. Assim, ficou definido que caberia à Secretaria a avaliação dos programas
de treinamento e de recolocação dos trabalhadores, isto é, se estes eram eficientes
para manter o nível de emprego no setor cervejeiro. O acordo foi necessário diante
das condições impostas pelo CADE a operação de aprovação da fusão da Brahma com
a Antarctica. (FOLHA DE S. PAULO, 2000). A cláusula do TCD não obrigava a AMBEV
a “[...] manter ou readmitir funcionários e nem garantir emprego em outras empresas
aos empregados dispensados, mas sim realizar todos os esforços necessários para elevar a
probabilidade de que o empregado dispensado obtenha novo emprego” (CADE, 2007, p. 49).
Após quatro anos da aprovação da operação, os dados indicaram um ganho líquido de
emprego da empresa diante dos ajustes decorrentes da criação da AMBEV (Id. Ibid.).

Estudos em Direito da Concorrência 559


Amanda Athayde

(tais como formação de preços, relações com fornecedores etc.) e


sistematização de práticas de conluio (SDE; DPDE, 2009, p. 14). Logo,
ainda que reconheçamos a independência de ambas as disciplinas e
as particularidades de cada uma delas, uma vez que a Constituição
Brasileira valoriza, igualmente, a economia de mercado e o trabalho
humano, é imperioso analisar em que medida questões trabalhistas
têm o potencial de se tornarem objeto da análise antitruste no Brasil.

2. O CONTROLE DE CONDUTAS E AS INTERFACES DIRETAS ENTRE


O DIREITO ANTITRUSTE E O DIREITO TRABALHISTA NOS EUA

O Guia Antitruste para Recursos Humanos do DOJ/FTC trouxe


à tona na comunidade antitruste a possibilidade de se considerar
ilícito concorrencial os acordos entre empregadores (sejam eles
competidores, no sentido clássico do antitruste, ou não) que tenham
como resultado a redução de custos com salários de empregados. O Guia
também sinalizou que o DOJ tem intenção de processar criminalmente
aqueles que se envolverem em condutas anticompetitivas relacionadas
ao setor de RH, tais como acordos para não contratar e fixação de
salários. Até mesmo a troca de informações sensíveis sobre termos
e condições de emprego em um mercado com poucos empregadores
pode ser considerada ilícito antitruste. As exceções apontadas pelo Guia
são relacionadas aos atos de concentração, diante de circunstâncias
específicas.
Portanto, nos EUA, acordos realizados entre empregadores para
fixação de salários dos empregados (“Wage Fixing Cartels”) (II.1.) e
acordos para não contratação de empregados (“No Poach Agreements”)
(II.2.) são considerados ilegais per se800 (U.S. DOJ; FTC, 2016, p. 3).
Também são objeto de preocupação, pela restrição causada na

800 Ou seja, numa análise per se não há necessidade de análise aprofundada pela regra
da razão sobre seus efeitos anticompetitivos, pois eles são presumidos. O Guia aponta
como exceções à regra per se os casos de contratos de colaboração e de joint ventures,
desde que o acordo seja necessário para que exista a colaboração interempresarial.
Nesses casos, a regra da razão deve ser aplicada. (U.S. DOJ; FTC, 2016, p. 3)

560 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

mobilidade dos empregados, as cláusulas de não concorrência em


contratos de trabalho, sobretudo de empregados que não têm acesso
a segredo de negócios (II.3.). Por sua vez, as trocas de informações
sensíveis sobre termos e condições de trabalho são analisadas sob a
regra da razão (II.4).

2.1. CARTÉIS DE FIXAÇÃO SALARIAL (“WAGE FIXING CARTELS”)

Os cartéis e fixação salarial, ou “Wage Fixing Cartels”, podem


ser entendidos como acordos realizados entre empregadores para
fixação de salários dos empregados801 A fixação de faixa salarial com o
concorrente, ainda que não se chegue ao valor salarial exato, pode ser
considerada como um ilícito antitruste (U.S. DOJ; FTC, 2016, p. 3). Nesse
contexto, vale trazer alguns casos, especialmente a partir da década de
90, que reforçam a compreensão das autoridades americanas sobre o
tema.
No caso U.S. v. Debes Corp, de 1992, o FTC processou administradores
de lares de idosos de Rockford, Illinois, que se uniram para impedir que
uma empresa de intermediação de trabalho temporário aumentasse o
preço dos serviços de seus enfermeiros terceirizados. A união entre
esses lares de idosos eliminou a concorrência na compra de serviço
de enfermeiros, causando um controle no preço dessa mão-de-obra
especializada. A conduta foi iniciada em 1988, quando uma das
empresas de terceirização de enfermeiros, Alpha Christian, anunciou
um incremento substancial no preço cobrado pela mão-de-obra
temporária de enfermeiros. As administradoras de lares de idosos
reuniram-se e definiram um boicote aos serviços da Alpha Christian,
marcado pelo envio de uma carta à empresa. As administradoras
ameaçaram as demais empresas de terceirização a não mais adquirir
seus serviços caso houvesse reajuste de preços, inclusive com a cópia

801 Nos termos do Guia Antitruste para RH do DOJ/FTC, “an individual likely is breaking
the antitrust laws if he or she agrees with individual(s) at another company about employee
salary or other terms of compensation, either at a specific level or within a range”. US/DOJ;
FTC, 2016, p. 3.

Estudos em Direito da Concorrência 561


Amanda Athayde

da carta enviada à Alpha Christian. Ao final do processo, foi celebrado


acordo judicial com o FTC, sem admissão de responsabilidade, e os
lares de idosos se comprometeram a não praticar mais esse tipo de
conduta. As partes ficaram proibidas de celebrar qualquer acordo com
qualquer serviço de trabalho temporário de enfermeiros por dez anos,
e de trocar qualquer informação sobre o uso de serviços de trabalho
temporário de enfermeiros com as empresas envolvidas na conduta
(FTC, 1992, p. 701-709).
Já o caso U.S. v. Utah Society for Healthcare Human Resources, de
1994, envolvia a associação comercial de hospitais do estado de Utah,
e a associação profissional de diretores de RH dos hospitais deste
estado, além dos hospitais membros destas associações, diante de
acordo para estabilização da remuneração paga aos enfermeiros. A
conduta, ocorrida entre 1984 e 1992, consistia na troca de informações
sigilosas sobre orçamento geral dos hospitais, do orçamento dedicado
ao pagamento de enfermeiros, e do salário inicial dos enfermeiros
recém-formados802 (LINDSAY, STILSON e BERNHARD, 2016, p. 5).
Segundo o DOJ803, no período da prática, o estado de Utah enfrentava
uma diminuição severa do número de enfermeiros, que não foi
acompanhada pela valorização do salário dos profissionais da área. O

802 O salário inicial dos enfermeiros recém-formados baseava todos os salários da


carreira de enfermeiro nesses hospitais, que era aumentado proporcionalmente à
experiência dos profissionais. O DOJ processou a associação comercial de hospitais
do Utah, e a associação profissional de diretores de RH dos hospitais deste estado,
além dos hospitais membros destas associações, por acordo para estabilização da
remuneração paga aos enfermeiros. A conduta, ocorrida entre 1984 e 1992, consistia
na troca de informações sigilosas sobre orçamento geral dos hospitais, do orçamento
dedicado para pagamento de enfermeiros, e do salário inicial dos enfermeiros
recém-formados. As informações eram trocadas por ligações telefônicas, encontros
regulares da associação de diretores de RH, e pelas publicações de pesquisas de
salários publicadas pelas associações de hospitais.
803 “The combination and conspiracy had the following effects, among others: unreasonably
restrained wage competition for the purchase of registered-nursing services; deprived
registered nurses of the benefits of free and open competition in the purchase of registered-
nursing services; stabilized registered-nurse entry wages; resulted in smaller annual increases
in the registered-nurse entry wage, as well as the hourly wage paid to registered nurses at
all levels of experience, than would have been paid absent the combination and conspiracy;
and promoted interdependent wage setting strategies among the hospital defendants”.
(DEPARTMENT OF JUSTICE, 1994)

562 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

desfecho do caso se deu em outubro de 1994, por meio de acordo no qual


os requeridos concordaram em não acordar fixação de remuneração
de enfermeiros, atual ou futura, e não trocar com concorrentes
informações referentes a essas remunerações (DOJ, 1994).
Em 1995, no caso U.S. v. Council of Fashion Designers of America, a
FTC coibiu um acordo de preços que visava a diminuição dos valores
dos cachês pagos aos modelos em desfiles de moda. Na ocasião,
alguns estilistas haviam se unido para produzir dois desfiles ao ano,
compartilhando custos e realizando a compra coletiva de serviços.
Assim, a FTC questionou a licitude do acordo realizado entre os
estilistas para fixar a remuneração dos modelos. Tal questionamento
foi motivado por não ter qualquer relação com a organização dos
desfiles e, também, porque a contratação de modelos era feita
individualmente por estilista, e não por todos em conjunto (LINDSAY,
STILSON e BERNHARD, 2016, p. 4). O caso foi encerrado por meio
de acordo firmado em junho de 1995, em que o Council of Fashion
Designers of America se comprometeu a impedir seus membros de fixar
os cachês dos modelos e de conscientizar os estilistas de que a fixação
de preços é ilegal (FTC, 1995, p. 817-828).
Os casos acima nos ensinam que, nos EUA, os cartéis de fixação
salarial, ou “wage-fixing cartels” foram fruto de trocas de informações,
acordos ou até mesmo negociação conjunta de associações de
empregadores, visando a uniformização da remuneração paga aos
empregados. Vê-se que as condutas prejudicaram especialmente os
trabalhadores temporários, que, em tese, teriam maior mobilidade
entre empregadores. Em sua maioria, as condutas prejudicaram
também as agências de trabalho temporário que faziam a intermediação
entre os profissionais e os empregadores eventuais.

Estudos em Direito da Concorrência 563


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2.2. ACORDOS DE NÃO CONTRATAÇÃO DE


TRABALHADORES (“NO POACH AGREEMENTS”)

“No Poach Agreements” podem ser entendidos como acordos


para não contratação de empregados de outra empresa concorrente
no mesmo mercado relevante na dimensão trabalho, mesmo que estas
não sejam concorrentes na dimensão produto804(U.S. DOJ; FTC, 2016,
p. 3).
Em 1957, o caso Union Circulation Company v. FTC tratou da
contratação de vendedores de assinaturas de revistas porta-a-porta, cujo
trabalho era intermediado por agências de terceirização. As agências
não poderiam contratar os vendedores de revista de seus concorrentes,
nem mesmo aqueles que já tivessem trabalhado para concorrentes no
último ano (“no-switching”). Na oportunidade, decidiu-se que, como a
organização representava uma parte substancial do mercado de venda
de revistas, o acordo representaria um “congelamento da oferta de
trabalho”, com o efeito de desencorajar a mobilidade dos empregados
e aumentar o poder de mercado da indústria de venda de revistas, sem
qualquer justificativa pró-competitiva (TORPEY e FAHEY, 2015, p. 2).
Os casos interdisciplinares entre direito do trabalho e direito
antitruste se tornaram mais emblemáticos recentemente, ao
envolverem seis empresas de alta tecnologia (Adobe, Apple, Google,
Intel, Intuit e Pixar). Os casos, genericamente intitulados “high-tech
employees”, tratam da investigação iniciada pelo DOJ com relação a
cinco acordos bilaterais805 que supostamente impediam as empresas
de tecnologia envolvidas de contratar funcionários extremamente
qualificados no setor de tecnologia umas das outras (United States v.

804 Nos termos do Guia Antitruste para RH do DOJ/FTC, “é provável que um indivíduo
viole as leis antitruste se ele ou ela concordar com indivíduo(s) de outra empresa em
negar o assédio ou a contratação de funcionários da outra empresa. Tradução livre
do original: “an individual likely is breaking the antitrust laws if he or she agrees with
individual(s) at another company to refuse to solicit or hire that other company’s employees”.
(U.S. DOJ; FTC, 2016, p. 3)
805 As partes em acordos bilaterais eram Apple e Google, Apple e Adobe, Apple e
Pixar, Google e Intel e Google e Intuit.

564 Estudos em Direito da Concorrência


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Adobe Systems, Inc., et al.). (U.S. DISTRICT COURT FOR THE DISTRICT
OF COLUMBIA, 2011) Segundo a investigação iniciada em 2010, não
havia qualquer justificativa razoável de colaboração entre as empresas
sem o conhecimento de seus empregados. (NEIDERMEYER, 2018, p.
3). Nestes casos, não houve alegação de que os produtos ou serviços
oferecidos pelas empresas competiam entre si, mas sim que os
acordos resultaram em diminuição das oportunidades de carreiras dos
profissionais de alta tecnologia e, por conseguinte, impactavam em
seus salários de modo não razoável (LINDSAY, STILSON e BERNHARD,
2016, p. 6).
Em 2012, a eBay também foi processada por acordos de “no-
poach” ou “no cold-calling” celebrados com a Intuit 806(U.S. v. eBay,
Inc.). No acordo informal realizado entre executivos sêniores, entre
2006 e 2011, as empresas acordavam não recrutar empregados uns
dos outros, mesmo se procurados pelos funcionários da concorrente.
Esses acordos não eram públicos, nem mesmo para os empregados
das duas empresas (U.S. DISTRICT COURT FOR THE NORTHERN
DISTRICT OF CALIFORNIA, 2014). Após as ações propostas pelo DOJ,
várias ações privadas de reparação de danos contra as empresas
de tecnologia (Adobe, Apple, Google, Intel, Intuit e Lucasfilm) se
seguiram, tendo se concluído que os acordos secretos combatidos
pelos casos prejudicaram a competição entre empregados qualificados
dessas empresas, diminuindo sua mobilidade. Intuit, Lucasfilm e Pixar
celebraram acordos no valor de 20 milhões de dólares, e as demais
empresas fizeram acordo no montante de 415 milhões de dólares para
a reparação de danos causados pela conduta praticada (LINDSAY,
STILSON e BERNHARD, 2016, p. 6-7).
No ano de 2010, o DOJ abriu nova investigação contra as
empresas Lucasfilm e Pixar (United States v. Lucasfilm Ltd.). As
empresas acordaram entre si, sem informar aos seus empregados,
que (i) evitariam oferecer empregos a funcionários uma da outra;
(ii) informariam eventual oferta de trabalho a um empregado da

806 A Intuit não foi processada no caso em questão por já ter assinado acordo para
cessar a prática de no-poach em 2011 no caso United States v. Adobe Systems.

Estudos em Direito da Concorrência 565


Amanda Athayde

concorrente e (iii) não tentariam cobrir uma possível contraproposta.


Tais acordos foram entendidos como restrições horizontais entre
competidores diretos no mercado de trabalho, que deveriam ser
considerados ilegais per se (U.S. DISTRICT COURT FOR THE DISTRICT
OF COLUMBIA, 2010). O caso foi encerrado em 2011, com um
acordo entre o DOJ e Lucasfilm, impedindo-a de celebrar acordos
anticompetitivos com consequências no mercado de trabalho (U.S.
DISTRICT COURT FOR THE DISTRICT OF COLUMBIA, 2010).
Em 2017, o DOJ investigou as empresas Knorr-Bremse (“Knorr”)
e Westinghouse Air Brake Technologies (“Wabtec”) pelos acordos de
não contratar profissionais do mercado de suprimentos ferroviários.
As empresas firmaram acordo com o DOJ, em que não assumiram
a ilicitude das condutas, mas concordaram em cessar a prática. Em
contrapartida, o DOJ deixou de processar as empresas tanto civil como
criminalmente (GLOBAL COMPETITION REVIEW, 2018), o que não
impediu o ajuizamento de ação coletiva proposta por empregados das
duas empresas. Segundo os termos dessa ação privada de reparação
de danos, tais acordos de “No Poach” teriam causado a diminuição da
remuneração dos empregados, limitado a mobilidade dos empregados
e impedido a inovação(GLOBENEWSWIRE, 2018).807
Vale destacar que os acordos de no-poach também podem
estar inseridos no contexto de um contrato de franquia, muito
comuns no setor alimentício808 ou entre as franquias das academias

807 Este foi o primeiro acordo com o DOJ relativo a no poach após a edição do Guia
de RH. A opção do DOJ foi de não processar criminalmente as empresas porque os
acordos iniciaram e tiveram fim antes da edição do Guia. Acordos que tenham iniciado
ou continuado a valer desde outubro de 2016 têm maior chance de serem perseguidos
criminalmente (ARTEAGA e STELLA, 2018).
808 Restaurantes fast-food como Carl’s Jr. Burguer King, Pizza Hut, Domino’s e Mc
Donald’s têm - ou tinham - cláusulas de no-poach em seus contratos com os franqueados.
Também entre as franquias das academias de ginástica Curves e Anytime Fitness
vigora esse tipo de cláusula contratual. Como exemplo, temos uma ação coletiva
proposta por empregados da franquia de hamburguerias Carl’s Jr em 2017. Estes
empregados questionavam uma cláusula contratual imposta pelo franqueador a seus
franqueados impedindo que estes contratem supervisores de outros restaurantes
(HELTZER, DUBROW, et al., 2017).

566 Estudos em Direito da Concorrência


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de ginástica809. Considera-se em alguns casos a existência de


razoabilidade como ocorreu no caso Eichorn v. AT&T, de 2001, em que
foi realizado um acordo para não contratar empregados no contexto
de um desinvestimento810. O tribunal julgou a cláusula válida, por
ser acessória à venda dos negócios e pela razoabilidade do escopo
e da duração (profissionais mais qualificados e estratégicos para as
empresas, em um período de tempo determinado). (U.S. COURT OF
APPEALS FOR THE THIRD CIRCUIT, 2001). Portanto, é importante
que os acordos de não contratar, no contexto de atos de concentração,
sejam limitados em duração (da due diligence até um período razoável
após a consumação do negócio) e no seu escopo, i.e. os profissionais
visados (LINDSAY, STILSON e BERNHARD, 2016, p. 12).
Regra geral, os no-poach agreements vêm sendo considerados
ilegais per se nos EUA. Esses acordos podem ser implementados
de diversas maneiras, tais como: i) não oferta do emprego, ii)
monitoramento e repasse de informações sobre ofertas de emprego, iii)
não apresentação de contraproposta a ofertas de emprego, e iv) negativa
de seleção e recrutamento de um empregado de um concorrente. O
DOJ reforçou a interpretação de que não é necessário que as empresas
sejam concorrentes entre si no mercado relevante dimensão produto
para que pratiquem condutas nocivas à concorrência no mercado
de trabalho. Em que pese isso, é possível que tais acordos sejam
considerados razoáveis no contexto do controle de concentrações, a
depender do seu prazo e do seu escopo de abrangência.

809 Curves e Anytime Fitness vigora esse tipo de cláusula contratual. Segundo estudo
recente realizado por Krueger e Ashenfelter (2018, p. 1-4), 58% das maiores empresas
franqueadoras dos EUA possuem cláusulas de no-poach, que impedem que um
franqueado possa contratar funcionários de outra loja da mesma rede.
810 A vendedora acordou com suas antigas subsidiárias que não contratariam
profissionais (com salários superiores a 50 mil dólares anuais) umas das outras num
período de oito meses após o desinvestimento.

Estudos em Direito da Concorrência 567


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2.3. CLÁUSULAS DE NÃO CONCORRÊNCIA


EM CONTRATOS DE TRABALHO

Nos EUA, cláusulas de não concorrência811 têm gerado discussões


há mais de 600 anos812. Quando presentes nos contratos de trabalho,
historicamente eram permitidas, desde que razoáveis em seu escopo
e duração. Em agosto de 2016, a Casa Branca emitiu relatório em
que apontou cinco principais problemas identificados nas cláusulas
de não concorrência813 recomendando aos empregadores814 que:
(i) fossem banidas as cláusulas de não concorrência para certas
categorias de empregados; (ii) melhorassem a transparência; (iii)
fornecessem contrapartida para além da manutenção de emprego
para trabalhadores que assinem acordos de não concorrência. Em
adição, foi incentivado aos empregadores a elaboração de contratos

811 As cláusulas de não concorrência foram introduzidas no Brasil por influência do


direito anglo-saxão e têm como objetivo garantir a proteção dos segredos de negócios.
A confidencialidade dos contratos de trabalho (sobretudo de grandes executivos,
que geralmente são os detentores das informações) e o sigilo dos processos judiciais
trabalhistas que envolvem assuntos estratégicos das empresas dificultam a pesquisa
empírica. Essa dificuldade não existe somente no Brasil. Para um bom recorte
empírico realizado nos EUA, em casos de CEOs, ver BISHARA, Norman D; MARTIN,
Kenneth J; THOMAS, Randall S. An Empirical Analysis of Noncompetition Clauses and
Other Restrictive Postemployment Covenants. Vanderbilt Law Review, v. 68, n. 1, p.
1–51, 2015.
812 Em 1414, um tribunal inglês ouviu o caso de John Dyer, um aprendiz cujo dono o
impedira de exercer sua profissão por seis meses. “O contrato é contrário à lei comum”,
decidiu o juiz, para quem os indivíduos devem ser livres. Cf. Dyer’s case (1414) 2 Hen.
V, fol. 5, pl. 26. Mais sobre o tema, veja-se: (LETWIN, 1965, p. 39-42).
813 Segundo os termos do documento, tais seriam os principais problemas: (i)
imposição da cláusula ao empregado em contratos de adesão; (ii) menor poder de
barganha dos empregados após aceitar um novo emprego; (iii) falta de compreensão
dos empregados de como são executáveis os acordos de não concorrência e as suas
implicações; (iv) ausência de contrapartida adicional aos empregados, isto é, ao
admitir a cláusula não há nada a não ser a promessa de continuar com seus empregos;
(v) imposição de contratos bem mais amplos fixados pelos empregadores, com
a confiança de que os tribunais irão “corrigí-los” em um possível processo judicial
. (WHITE HOUSE, 2016). Ou seja, os aspectos listados acima denotam evidente
assimetria de informação entre empregados e empregadores em suas relações
contratuais.
814 Office of the Press Secretary, the White House, State Call to Action on Non-Compete
Agreements (October 25, 2016).

568 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

executáveis, desencorajando o uso de cláusulas inexequíveis com


o objetivo de coação do empregado supostamente desinformado da
ilegalidade (ERNST, 2018, p. 1).

2.4. TROCAS DE INFORMAÇÕES SENSÍVEIS SOBRE


TERMOS E CONDIÇÕES DE TRABALHO

As trocas de informações sensíveis sobre termos e condições


de emprego são objeto de análise pela regra da razão, diferentemente
dos acordos realizados entre empregadores para fixação de salários
dos empregados (“Wage Fixing Cartels”) e dos acordos para não
contratação de empregados (“No Poach Agreements”), que, conforme
apresentado acima, geralmente são considerados ilegais per se. Nos
termos do Guia Antitruste para RH do DOJ/FTC, as empresas não
devem trocar informações sobre sua política de recrutamento de
empregados e/ou salários e outros benefícios praticados (planos de
saúde, estacionamento, auxílio-alimentação ou refeição, auxílio-
moradia, auxílio-transporte, entre outros). As trocas de informações
são consideradas lícitas se preencherem algumas condições, ou
seja, quando: (i) forem realizadas por uma terceira parte neutra; (ii)
envolverem dados antigos; (iii) houver uma junção das informações
para proteção da identidade das fontes; (iv) existir fontes suficientes
agregadas para prevenir que competidores possam identificar
qual seria a fonte em particular de cada uma das informações; (v)
relacionadas a uma due diligence prévia a um ato de concentração, com
precauções prévias a serem tomadas para evitar compartilhamento de
informações815. Por sua vez, as trocas de informações sensíveis sobre

815 O Guia também faz referência à Seção 6 do Statements of Antitrust Enforcement


Policy in Health Care, lançado por DOJ e FTC em 1996, que trata das trocas de
informações de preço e custo no setor de saúde. Como trocas de informação de
mercado saudáveis no âmbito antitruste, o documento aponta pesquisas escritas
sobre remuneração ou benefícios de profissionais de saúde podem ser trocadas se (i) a
informação for tratada por um terceiro (comprador, agência do governo, consultor do
setor, instituição acadêmica ou associação de comércio); (ii) a informação fornecida
pelos participantes da pesquisa seja baseada em dados anteriores a três meses;

Estudos em Direito da Concorrência 569


Amanda Athayde

termos e condições de emprego são consideradas potencialmente


ilícitas se forem periódicas, e especialmente se tiverem o efeito de
diminuir o valor dos salários. (U.S. DOJ; FTC, 2016)
Quanto ao item (v), tem-se que o impedimento de compartilhar
informações não afeta o direito das empresas de reunir informações
sobre empresas-alvo em operações de fusões, aquisições ou
incorporações, desde que sejam tomadas as devidas precauções816
para o compartilhamento de informações, evitando o gun jumping817.
Tal compartilhamento é inclusive esperado, uma vez que o comprador
precisa ter acesso aos custos com funcionários da empresa-alvo.818 A
troca de informações sensíveis sobre termos e condições de trabalho
pode representar uma conduta anticompetitiva no contexto em que
é usada por empregadores para diminuir e uniformizar salários de
determinada categoria de empregados. Existem exceções a essa
proibição, quais sejam (i) um contexto de ato de concentração ou (ii)

(iii) haja no mínimo cinco participantes reportando os dados sobre os quais cada
estatística divulgada é baseada, nenhum dado individual provido represente mais de
25% em uma base ponderada dessa estatística, e qualquer informação disseminada
seja suficientemente agregada de tal forma que não permitiria que os destinatários
identificassem os dados. preços cobrados ou compensação paga por qualquer
provedor em particular. (tradução livre). (U.S. DEPARTMENT OF JUSTICE; FEDERAL
TRADE COMMISSION, 1996)
816 Em linhas gerais, isso significa a assinatura de acordos de confidencialidade e a
limitação das pessoas que têm acesso às informações sensíveis sobre remuneração e
benefícios de empregados (“clean team”), e a avaliação das informações do “mercado
de trabalho a jusante” ou “mercado relevante dimensão trabalho” por advogados
antitruste antes de seu compartilhamento. (DEVLIN e JACKSON, 2018, p. 5).
817 “Por Gun Jumping entende-se a teoria que se presta a analisar a suposta conduta
anticompetitiva praticada em sede de controle de estruturas, decorrente, sobretudo,
da troca indevida de informações e/ou da integração prematura entre as empresas em
processo de concentração econômica”. (ATHAYDE, 2012, p. 58-59). No Brasil, o CADE
publicou um guia que sugere procedimentos para diminuição do risco de consumação
prévia de atos de concentração econômica. (CADE, 2015)
prévia de atos de concentração econômica
818 Como exemplo de combate ao compartilhamento de informações sensíveis nos
EUA, tem-se o caso U.S. v. Utah Society for Healthcare Human Resources, de 1994 que
já exploramos acima (no item II.1), em que além de combinação de salários (wage-
fixing), eram trocadas informações sobre orçamento para pessoal e planejamento de
futuras remunerações dos enfermeiros.

570 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

tratamento específico prévio para retirar da informação o potencial de


causar colusão.

3. PERSPECTIVAS PARA O BRASIL DIANTE


DAS INTERFACES DIRETAS ENTRE O DIREITO
ANTITRUSTE E O DIREITO TRABALHISTA

Ainda que questões mais complexas não tenham sido enfrentadas


no Brasil, como nos EUA, há alguns processos administrativos nos
quais o CADE enfrentou o tema de modo coadjuvante. No Processo
Administrativo n. 08012.003021/2005-72, o CADE investigou um suposto
cartel em licitações públicas e privadas para contratação de serviços
de tecnologia da informação. Um dos acertos entre os concorrentes,
membros de um sindicato patronal, era a “política de ‘respeitar’ o
funcionário da empresa concorrente, por meio da não realização de ofertas
para trabalho, conduta essa que poderia impor condições artificiais para o
mercado de trabalho para as empresas prestadoras de serviços de tecnologia
da informação”. Segundo a Nota Técnica da Superintendência Geral,
essa conduta “imporia condições artificiais para o mercado de trabalho
para as empresas prestadoras de serviços de tecnologia da informação,”
sendo que, essas condições artificiais “[...] teriam por objeto ou efeito, por
exemplo, manter os salários de seus empregados mais baixos do que seria
verificado em um ambiente de competição efetiva”819 (CADE, 2014). Trata-
se de conduta assemelhada à prática de No Poach Agreements. Também
houve alegação de existência de acordo de não contratar empregados
de concorrentes no Processo Administrativo n. 08012.002812/2010-42,
que investigou cartel no mercado de distribuição de recarga eletrônica
de celulares pré-pagos. Um dos alegados sistemas de operacionalização
do cartel foi a redução do mercado de trabalho dos funcionários das
empresas participantes. A prática não foi comprovada, mesmo com

819 O Processo Administrativo n. 08012.003021/2005-72 teve sua tramitação prejudicada


pela impetração de Mandado de Segurança contra o CADE cuja sentença declarou a
declarou a extinção da pretensão punitiva da Administração Pública. Por esse motivo,
houve julgamento do Tribunal do CADE sobre o caso.

Estudos em Direito da Concorrência 571


Amanda Athayde

Acordos de Leniência e Termos de Compromisso de Cessação820, e nos


votos apresentados no caso não houve menção à conduta ao acordo de
não contratar funcionários de concorrentes (CADE, 2010).
Sobre trocas de informações concorrencialmente sensíveis há
o PA n. 08700.006386/2016-53, envolvendo o mercado independente
de peças automotivas de reposição. A conduta envolve o
compartilhamento de informações relevantes na configuração de
estratégia empresarial, tais como a estrutura comercial; número de
representantes e seus salários/benefícios. O processo segue em análise
pela Superintendência-Geral. (CADE, 2016)
Por fim, vale mencionar um Inquérito Administrativo em curso
no CADE que abordou variáveis de RH que surgiram da denúncia feita
pelo Nubank contra os cinco principais bancos do país: Itaú, Bradesco,
Santander, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil. Neste caso o
Nubank alega que o Itaú teria praticado assédio aos seus funcionários
estratégicos da área de tecnologia. A Nota Técnica da SG considerou
que o “[...] episódio narrado [..] está inserido em um quadro natural de
prospecção de profissionais no mercado de trabalho”, e optou por não
continuar investigação relacionada à prática. O caso continua em
andamento no CADE, mas sem investigações relacionadas ao capital
humano de profissionais de tecnologia das instituições financeiras.
(CADE, 2014).
O CADE, num possível caso de acordo entre concorrentes para
restrição do mercado de trabalho, poderia enquadrar referida conduta
em seu artigo 36, incisos I ou III821. O inciso III, aumento arbitrário de

820 “Quanto ao suposto acordo de que os participantes do cartel não contratariam


ex-funcionários uns dos outros, os indícios não puderam ser comprovados quando
da instrução probatória, tendo as testemunhas, ainda, indicado que não havia
qualquer restrição para a contratação de empregados que já trabalharam para
uma das empresas”. Parecer n. 49/2016/CGEP/PFE-CADE-CADE/PGF/AGU. Processo
Administrativo. n. 08012.002812/2010-42.
821 Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de
culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam
produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou
de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar
mercado relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e
IV - exercer de forma abusiva posição dominante” (g.n).

572 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

lucros, poderia ser justificado pela diferença existente entre o valor


justo que deveria ser pago de salário ao empregado de um mercado
afetado pela conduta e o valor efetivamente pago, fruto desse arranjo
entre concorrentes. Já o enquadramento no inciso I deveria considerar
que o mercado em que a livre concorrência afetada é no mercado de
trabalho dos profissionais de determinada função. Também é possível
que seja vista essa prática como uma conduta comercial concertada
nos termos do inciso II do § 3º do art. 36 da Lei n. 12.529822.
Na perspectiva do controle de concentrações econômicas
envolvendo o direito trabalhista no Brasil, as análises com base
na teoria clássica e guias de análise, tendem a definir os mercados
relevantes na dimensão produto e geográfico823, mas não costumam

822 Esse tipo de conduta ocorre em entidades de classe ou sindicatos, como se viu
no PA n. 08000.011520/1994-40 – Comitê de Integração de Entidades Fechadas de
Assistência à Saúde (CIEFAS) v. Associação Médica Brasileira (AMB) em Alagoas.
“[...] As provas que foram consideradas pelo CADE como suficientes à caracterização
da conduta foram: (i) Ofício subscrito pelas Representadas, dirigido aos Diretores
das Cooperativas de Trabalho, empresas de Seguro Saúde e Medicinas de Grupo,
no qual informam as decisões das deliberações da AGE de 7 de junho de 1994; (ii)
Comunicado da Sociedade Alagoana de Radiologia emitido em 23/05/1994 no qual
informa deliberação de AGE que determinou a “paralização de todos os serviços de
imagem e radioterapia em Maceió, para os convênios que não acatarem a Tabela da
AMB”; e (iii) Ofício assinado pelos presidentes das Representadas, informando que
os procedimentos deveriam seguir tabela referencial única e que esta deveria ser
confirmada, sob pena de suspensão do atendimento dos conveniados com relação a
todos os serviços médicos, inclusive hospitalares. [...] O Plenário do CADE, decidiu por
unanimidade [...] pela caracterização da conduta das Representadas como infrativa à
ordem econômica, [...] determinou a abstenção, a partir da publicação da decisão, de
elaborar e divulgar quaisquer tabelas de preços, ou qualquer outra informação sobre
preços dos serviços médicos e hospitalares, entre seus associados, como também
de influenciá-los de qualquer outra forma que possa resultar na uniformização de
conduta entre os ofertantes destes serviços. (DOMINGUES e GABAN, 2016, p. 512-513).
No mesmo sentido: PA n. 08000.010318/1994-73 – Comitê de Integração de Entidades
Fechadas de Assistência à Saúde (CIEFAS) v. Associação Médica Brasileira (AMB) em
Brasília, DF. PA n. 08000.011518/1994-06 – Comitê de Integração de Entidades Fechadas
de Assistência à Saúde (CIEFAS) v. AMB em Sergipe. PA n. 08012.002153/2000-72 –
Associação dos Médicos de Santos (AMS) v. UNIDAS – União Nacional das Instituições
de Autogestão em Saúde (antiga CIEFAS – Comitê de Integração de Entidades Fechadas de
Assistência à Saú- de) et al. Cf: DOMINGUES; GABAN, 2016, p. 523-526.
823 “Na definição do mercado relevante antitruste, limita-se o conjunto de empresas
que geram forças competitivas frente a aumentos de preços pelas empresas em
foco, ou seja, aquelas que participaram de um ato de concentração ou processo
administrativo. Este mercado relevante apresenta dimensões de produto e espaço.”
(DEPARTAMENTO DE ESTUDOS ECONÔMICOS DO CADE - DEE, 2010, p. 3)

Estudos em Direito da Concorrência 573


Amanda Athayde

verificar a criação de monopsônios ou oligopsônios no mercado


relevante na dimensão trabalho e seus possíveis efeitos adversos.824
Uma variável que não é explorada na análise dos atos de concentração
no Brasil é o que chamaremos aqui de “mercado relevante na dimensão
trabalho”, i.e. o mercado de empresas que compete por empregados
com o mesmo tipo de especialização825. Por fim, vale recordar que
o CADE considera em seu Guia de Gun Jumping a remuneração de
funcionários como uma hipótese de troca de informações ilícita entre
concorrentes no âmbito de atos de concentração (CADE, 2015, p. 7).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos EUA, o desenvolvimento do tema pela doutrina e


jurisprudência demonstra que os fatores trabalhistas tendem a
ganhar cada vez mais importância na análise concorrencial. No
Brasil, entretanto, a quantidade esparsa de decisões pode demonstrar
tanto uma política da autoridade de concorrência de não perseguir
esse tipo de conduta, quanto, também, a ausência de percepção do
teor antitruste do tema. Existe também a hipótese de que os recursos
escassos do CADE levem à escolha de um enfoque em condutas que a
autarquia considera mais relevantes do ponto de vista do dilema do
“cobertor-curto”.
De todo modo, dado o enfoque crescente em acordos de no-poach,
os empregadores devem considerar a adoção ou implementação de

824 Da mesma maneira, são muito mais comuns as condutas anticompetitivas e os atos
de concentração analisados tenham como foco principal o bem-estar social ligado aos
efeitos ao consumidor, sobretudo verificando a variação dos preços dos produtos, do
que a salários de empregados ou a sua possibilidade de mudança de empregador.
825 As autoridades dos EUA já perceberam a existência desses “upstream labor
markets” (mercados de trabalho a montante), que se opõem à tradicional análise dos
“downstream good markets” (mercados relevantes de produtos a jusante) (DEVLIN e
JACKSON, 2018, p. 5).

574 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

melhores práticas. Estas também podem vir a ser sistematizadas em


um guia a ser elaborado pelo CADE826 no futuro.
Seja qual for a decisão de enfrentamento de condutas relacionadas
ao direito do trabalho pelo CADE, é fato que em mercados em que
o trabalho pode ser visto como um insumo preponderante - pela
necessidade de extrema qualificação de profissionais e investimento
na capacidade intelectual dos empregados - troca de informações de
variáveis relacionadas a Recursos Humanos entre empresas, mesmo
que não concorrentes, deve ser analisada com cautela tanto em atos de
concentração quanto em processos administrativos. Nesse contexto,
também as cláusulas de não concorrência devem ser analisadas
levando em conta seu potencial restritivo de mobilidade no mercado
relevante na dimensão trabalho.

826 Dentre as melhores práticas: I) os empregadores devem informar e treinar todos os


funcionários com responsabilidades no RH para compreender os fundamentos da lei
antitruste; II) Os funcionários não devem entrar em acordos escritos ou verbais sobre
remuneração (ou outros termos relacionado ao emprego), ou sobre recrutamento
de funcionários, com profissionais de empresas concorrentes; III) ao compartilhar
informações confidenciais de funcionários, quando há uma transação que resulte em
Ato de Concentração, as empresas devem considerar o uso de um terceiro (agente
neutro) para gerenciar a troca de dados, anonimizar os dados (apresentando-os por
posição ou de forma agregada) e limitar o acesso a tais dados ou informações; IV) as
empresas devem garantir que as disposições de não-concorrência nos documentos da
transação sejam adaptadas ao negócio e razoáveis ​​em duração e escopo.

Estudos em Direito da Concorrência 575


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

DENUNCIANTE PREMIADO? WHISTLEBLOWER


NO BRASIL E O DIREITO ANTITRUSTE

Publicado originalmente em: Portal Jota em 28/03/2018.

Amanda Athayde

Mylena Matos

Em 10 de janeiro de 2018 foi publicada a Lei nº. 13.608/2018,


que a nosso ver instituiu formalmente a figura do whistleblower no
ordenamento jurídico brasileiro.827 Cumpre primeiro entender o
que vem a ser propriamente um whistleblower, denominado aqui
como “denunciante premiado”, antes mesmo de analisar a lei e a sua
interface com o direito antitruste. Em suma, trata-se de um terceiro,
não participante do ilícito ou crime, que decide reportá-lo à autoridade
competente828, com vistas à obtenção de alguma recompensa (como
uma retribuição pecuniária).
Diz a “lenda” que essa figura teria nascido ainda na Idade
Média, na Inglaterra, quando o Rei Wihtred of Kent estabeleceu que,
se um homem livre trabalhasse durante o período proibido (the
sabbath), ele perderia seu emprego. A fim de desincentivar a prática
proibida, instituiu-se que o homem e/ou a mulher que reportasse às
autoridades este fato obteria metade dos bens e lucros decorrentes
do trabalho proibido executado829. Posteriormente, essa figura foi
institucionalizada pelo Common Informers Act, na Inglaterra, e pelo
False Claims Act e pelo U.S Securities and Exchange Comission – SEC830,

827 A Lei nº. 13.608/2018 dispõe sobre o serviço telefônico de recebimento de


denúncias e sobre recompensa por informações que auxiliem nas investigações
policiais; e altera o art. 4o da Lei nº 10.201, de 14 de fevereiro de 2001, para prover
recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública para esses fins.
828 STUCKE, Maurice E. Leniency, Whistleblowing and the individual: Should we
create another race to the competition agency. Hart Publishing, 2015.
829 WHITAKER, L. Paige; The whistleblower protection act: an overview.
Washington: Congressional Research Service. 2007.
830 Ibid., p. 7.

Estudos em Direito da Concorrência 577


Amanda Athayde

nos Estados Unidos. A experiência internacional assevera, assim, que


para uma adequada implementação do instituto do whistleblower é
necessária a criação de um robusto sistema de incentivos.
O primeiro incentivo ao whistleblower é a proteção de sua
identidade, justamente para evitar possíveis retaliações diretas e
indiretas.831
Nos Estados Unidos, um whistleblower pode realizar uma denúncia
anônima no âmbito da SEC, desde que devidamente representado
por seu advogado, e caso identifique-se, a SEC é obrigada a manter o
sigilo da identidade do whistleblower, salvo em determinadas situações
excepcionais.832 No Brasil, no âmbito da Lei nº. 13.608/2018, também
foi assegurado o sigilo dos dados do informante833, que deve ser
interpretada, a nosso ver, como uma garantia de sigilo da identidade
do informante.
Por sua vez, o segundo incentivo ao whistleblower é a existência de
uma recompensa, tipicamente na forma de retribuição pecuniária.
Nos Estados Unidos, a SEC pode recompensar um whistleblower
com determinado percentual (de 10% a 30%) sob o valor final da
multa aplicada aos infratores denunciados caso a informação resulte
em sanções pecuniárias superiores a USD 1.000.000,00 (um milhão
de dólares). No Brasil, no âmbito da Lei nº. 13.608/2018, também
foi autorizado o estabelecimento de formas de recompensa pelo
oferecimento de informações úteis à prevenção, repressão ou apuração
de crimes ou ilícitos administrativos.834 Não foram definidas, porém,

831 BANISAR, David. Whistleblowing: International Standards and Developments.


2011. O autor aponta que alguns dos principais receios de se realizar uma denúncia
são: o medo de retaliações internas e externas e da perda do seu emprego ou da
exclusão da área de trabalho em que atuava; a existência de barreiras em vários
países que impõem obrigação de lealdade e fidelidade; leis criminais que proíbem a
revelação de segredos militares e/ou de Estado; bem como a própria barreira cultural,
sob a qual os whistleblowers são considerados “traidores”.
832 Uma das exceções previstas ao sigilo é, por exemplo, o compartilhamento de tais
informações com outras autoridades, como o DOJ (Departament of Justice).
833 Lei nº 13.608/2018. “Art. 3º. O informante que se identificar terá assegurado, pelo órgão
que receber a denúncia, o sigilo dos seus dados”.
834 Lei nº 13.608/2018. “Art. 4º. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no
âmbito de suas competências, poderão estabelecer formas de recompensa pelo oferecimento

578 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

em quais circunstâncias tais recompensas serão aplicáveis: ficará


condicionada ao resultado? O resultado deverá ter cunho financeiro?
Será um percentual desse resultado? Tais condicionantes deverão ser
regulamentadas, portanto, de modo infralegal, pela União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito de suas respectivas
competências.
Diante disso, e considerando que o cartel é um ilícito
administrativo e criminal, respectivamente previstos na Lei nº.
12.529/2011 e na Lei nº. 8.837/90, pergunta-se: seria interessante que
a União regulamentasse o instituto do whistleblower especificamente
para o direito da concorrência brasileiro? Em nossa opinião, esse
pode ser um sim um novo e interessante instrumento de combate
às infrações à ordem econômica no Brasil, em especial aos cartéis
(condutas plurissubjetivas), na medida em que incentiva denúncias
qualificadas às autoridades competentes835.
Alguns autores836 sustentam que o whistleblower serviria como
mais um método de detecção de cartéis, dado que os programas
existes (especialmente o Programa de Leniência837), em que pese
exitosos, não chegam a impedir a realização de cartéis, que tendem
a ser identificados pelos órgãos competentes muito após o seu início.
Assim, o whistleblower poderia ser um instrumento de detecção deste
ilícito ainda no estágio inicial de sua operação. Esse é o entendimento,

de informações que sejam úteis para a prevenção, a repressão ou a apuração de crimes ou


ilícitos administrativos. ”.
835 Maria BIGONI, Sven-Olof FRIDOLFSSON, Chloé Le COQ e Giancarlo SPAGNOLO
defendem que embora a aplicação de multa e as políticas antitruste modernas
(notadamente a leniência) sejam instrumentos bem sucedidos na dissuasão de
formação de cartéis, estes não parecem reduzir preços e/ou aumentar o bem-estar da
sociedade, motivo pelo qual a recompensa pecuniária de whistleblowers pode mostrar-
se mais efetiva.. BIGONE, FRIDOLFSSON, LE COQ, SPAGNOLO; Maria, Sven-Olof,
Chloé and Giancarlo. Fines, Leniency and Rewards in Antitrust. Research Institute
of Industrial Economics, 2011.
836 Ibid.
837 A respeito do Programa de Leniência no Brasil, dados oficiais do Cade indicam
que, em 2018, foi assinado um número recorde de Acordos de Leniência. Ao total,
foram celebrados 21 novos Acordos de Leniência, sendo que o maior recorde até
então tinha sido de 2017, com 11 novos Acordos de Leniência. Vide: <http://www.cade.
gov.br/assuntos/programa-de-leniencia>.

Estudos em Direito da Concorrência 579


Amanda Athayde

inclusive, da Comissão Europeia, cujo Diretor-Geral de Concorrência


recentemente se manifestou no sentido de que o Programa de
whistleblower compensaria um recente decréscimo percebido nos
pedidos de Acordo de Leniência no bloco europeu.838
É certo que hoje já existem canais de denúncia disponíveis, tanto
nos sites do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE),
via “Clique Denúncia”, quanto nos sites dos Ministérios Públicos e das
Polícias. Apesar de essas denúncias poderem ser feitas anonimamente,
caso as partes queiram se identificar, não há garantia legal específica
ao sigilo da identidade do denunciante. Assim, há um desincentivo
à autoidentificação na denúncia, o que pode prejudicar que a
autoridade competente interaja com o informante para a obtenção
de maiores informações. Ademais, não há previsão legal a respeito
de recompensas de qualquer tipo pelo oferecimento de informações,
o que reforça o incentivo perverso a denúncias anônimas e pouco
qualificadas. A título de exemplo, observa-se dos dados oficiais do
Cade839 que em 2017 foram feitas 831 denúncias via “Clique Denúncia”,
e, destas, 651 foram arquivadas (78%). Esses dados sinalizam, portanto,
a baixa relevância dessa denúncia simples como ferramenta efetiva
de detecção de condutas anticompetitivas no Brasil, bem como o
“espaço” para melhora das denúncias ao Cade caso elas passem a ser
qualificadas, como é o caso de um whistleblower.
O denunciante whistleblower, nesse sentido, poderia se
beneficiar da proteção de sua identidade e de uma recompensa
(possivelmente na forma de retribuição pecuniária) no âmbito do
direito da concorrência. Importante, porém, que este whistleblower
não se confunda, de forma alguma, com o colaborador em um Acordo
de Leniência ou em um Termo de Compromisso de Cessação (TCC).

838 Global Competition Review. Leniency Applications are “not going up”,
says DG Comp Official. Disponpivel em: https://globalcompetitionreview.
c o m /ar t i cl e/ 1 1 5 9 2 1 9 / l e n i e n c y- appl i c a t i o n s - are - % E 2 % 8 0 % 9 C n ot - go i n g -
up%E2%80%9D-says-dg-comp-official?utm_source=Law+Business+Research&utm_
medium=email&utm_campaign=9196583_GCR+Headlines+21%2F02%2F2018&dm_
i=1KSF%2C5H44N%2CPBZBAX%2CL7VHZ%2C1#.Wo3yOb4QbWs.email.
839 Vide www.cade.gov.br, na Aba “Cade em Números”.

580 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Nos termos da art. 86 da Lei nº 12.529/2011, o Signatário de um Acordo


de Leniência é participante do ilícito, sendo o primeiro a reportar ao
Cade conduta anticompetitiva, em momento no qual a autoridade
não dispunha de provas suficientes para assegurar a condenação da
empresa e/ou pessoa física. O Compromissário de um TCC, por sua
vez, nos termos da art. 85 da Lei nº 12.529/2011, também é participante
do ilícito, mas não foi o primeiro a procurar a autoridade competente
com informações e documentos sobre a infração840.
Assim, é preciso que se estabeleça uma regra clara para essa
futura legislação que regulamente um whistleblower no direito da
concorrência brasileira: se participou da infração à ordem econômica,
não é cabível habilitar-se como whistleblower e, em consequência,
receber especial qualquer tipo de recompensa (como na forma de
retribuição pecuniária). A este participante do ilícito antitruste caberá
apenas o Acordo de Leniência ou o TCC, nos termos previstos na Lei
nº 12.529/2011. O diagrama abaixo evidencia a distinção entre cada um
dos instrumentos:

840 Segundo o “Guia: Programa de Leniência Antitruste do Cade”, fl. 20: “24. Qual a
diferença do Acordo de Leniência para o Termo de Compromisso de Cessação (TCC)?”
“O Acordo de Leniência é instrumento disponível apenas ao primeiro agente infrator
a reportar a conduta anticoncorrencial entre concorrentes ao Cade (art. 86, p. 1o, I da
Lei n. 12.529/11) (...) e cujos os benefícios são tanto administrativos quanto criminais
(art. 86, p. 4o c/c art. 87 da Lei n. 12.529/11). O TCC, por sua vez, é acessível a todos os
demais investigados na conduta anticompetitiva (art. 85 da Lei n. 12.529/11), gerando
benefícios na seara administrativa, mas sem previsão de benefícios automáticos na
seara criminal (...)”.

Estudos em Direito da Concorrência 581


Amanda Athayde

Em suma, a Lei nº. 13.608/2018 represente de modo amplo


a instituição do whistleblower no ordenamento jurídico brasileiro
como meio à persecução de crimes e infrações administrativas.
Nesse sentido, vislumbra-se a possibilidade de que uma futura
regulamentação específica da União que permita sua previsão no
âmbito do direito da concorrência no Brasil. Assim, poder-se-ia com o
whistleblower antitruste instituir um método novo meio de detecção de
infrações contra a ordem econômica, administrativa e criminalmente,
que deverá se distinguir claramente do simples “Clique Denúncia” e
dos Acordos de Leniência e TCC, já previstos na Lei nº 12.529/2011,
retroalimentando positivamente os demais métodos de detecção de
condutas anticompetitivas no Brasil.841

841 Nesse sentido, sugere-se a leitura de HARRINGTON Jr., Joseph E., CHANG,
Myong-Hun. When can we expect a corporate leniency Program to result in fewer cartels?
2015. Disponível em: <http://assets.wharton.upenn.edu/~harrij/pdf/Leniency_01.15.
pdf>. p. 3.

582 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

A EVOLUÇÃO DOS ACORDOS DE LENIÊNCIA E DOS


TCCS NOS 5 ANOS DE VIGÊNCIA DA LEI 12.529/2011

Publicado originalmente em: Evolução do Antitruste no Brasil /


Organizadores: Celso Campilongo, Roberto Pfeiffer. São Paulo: Editora
Singular, 2018.

Eduardo Frade

Diogo Thomson

Amanda Athayde

1. INTRODUÇÃO

A ideia de que os cartéis constituem as mais gravosas condutas


anticompetitivas tem se expandido internacionalmente pari passu à
expansão da própria cultura da livre concorrência no mundo, com
a respectiva adoção de legislações e mecanismos estatais voltados à
promoção desta cultura. Cresce também a consciência de que essa
persecução deve merecer das autoridades responsáveis pela detecção
e punição deste tipo de ilícito uma ação prioritária e rigorosa. Nesta
linha, na esteira da experiência americana da promoção da livre
concorrência e do combate a cartéis, viu-se desenvolver, nas últimas
três décadas, uma centena de autoridades antitruste nos mais diversos
países, as quais, para serem efetivas, necessitam de um cabedal de
instrumentos e mecanismos de atuação.
É fato que, diretamente proporcional à gravidade dos cartéis,
está a dificuldade de sua detecção e punição. Normalmente se tratam
de acordos clandestinos e sofisticados, enredados por meio de
mecanismos de organização, monitoramento e retaliação, bem como
por uma consciência da ilicitude e a respectiva cautela na execução do
ajuste. Ao mesmo tempo, como o “fim” de um cartel é proporcionar

Estudos em Direito da Concorrência 583


Amanda Athayde

aos seus membros o maior ganho possível por meio da eliminação


da competição entre estes, é natural que, ao longo do tempo, as
desconfianças e instabilidades desenvolvam-se naturalmente entre
seus membros. E é exatamente sobre este aspecto da existência
dos cartéis, ou seja, sua inerente instabilidade, que nasce, para as
autoridades antitruste, a oportunidade de valer-se de mecanismos de
incentivos que permitam, ao mesmo tempo, que se descubra o cartel
e que se encontre evidências suficientes para punir seus membros.
O principal mecanismo deste tipo é o acordo de leniência, hoje
bastante difundido entre as autoridades de defesa da concorrência no
mundo, e previsto expressamente pela legislação de diversos países.
A lógica subjacente deste acordo é incentivar, por meio de imunidade
na punição ou descontos nas multas e outros benefícios, que algum
dos membros do cartel colabore com a autoridade, identificando
os demais participantes e trazendo elementos da constituição da
conduta, permitindo assim tanto o desbaratamento do mesmo como a
sua efetiva punição.
Para além, porém, de mecanismos de leniência, que dão
imunidade ou outros benefícios diferenciados ao primeiro agente que
traga à autoridade a notícia da existência de um cartel e evidências
que o comprovem, as principais autoridades antitruste do mundo
também se valem de outras espécies de acordos. Estes outros acordos
são oferecidos a outros participantes da conduta anticompetitiva
que também queiram colaborar com as investigações, em troca de
algum benefício, conquanto inferior às benesses de um de acordo
de leniência. Na prática da autoridade de concorrência brasileira,
essa espécie de acordo é conhecida como Termo de Compromisso de
Cessação – TCC.
A evolução desses dois mecanismos – acordos de leniência e
TCCs – no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade), nos últimos 5 anos, foi vertiginosa. Viu-se a consolidação
e um crescimento significativo do uso do programa de leniência da
autoridade antitruste, bem como, em especial a partir de 2013, o
início de um uso intenso do programa de TCCs pelas pessoas físicas e

584 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

jurídicas investigadas pela autarquia. Essa evolução verdadeiramente


alterou, de forma substancial, as feições da autoridade concorrencial
no âmbito da nova Lei de Defesa da Concorrência, no que diz respeito
ao uso de acordos na política de combate a cartéis, conforme se passa
a expor.

2. DOS ACORDOS DE LENIÊNCIA

Hoje é cediço que o Programa de Leniência Antitruste é


reconhecido nacional842 e internacionalmente843 844 como um dos
instrumentos mais eficazes para detectar, investigar e coibir condutas
anticompetitivas com potencial lesivo à concorrência e ao bem-estar
social. Constitui, assim, um importante pilar da política de combate
a cartéis845. O Programa de Leniência foi introduzido, no Brasil, pela

842 CADE. Requerimento nº 08700.004992/2007-43, Relator Conselheiro Paulo


Furquim de Azevedo, julgado em 17/12/2008. “O Programa de Leniência não é um fim
em si mesmo, mas um importante mecanismo para dissuadir condutas uniformes lesivas
à concorrência, este sim um fim da política de defesa da concorrência. O mesmo se aplica à
eliminação de ‘obstáculos à persecução administrativa e criminal de cartéis’, mandados de
busca e apreensão, métodos estatísticos para detecção de cartéis e o próprio TCC que, como
visto, é parte do programa de combate a cartéis”.
843 OCDE. Fighting Hard Core Cartels: Harm, Effective Sanctions and Leniency
Programmes. 2002. p. 11. “Some jurisdictions have developed programs that offer leniency in
order to encourage violators to tell these secrets, to confess and implicate their co-conspirators
with first-hand, direct “insider” evidence that provides convincing proof of conduct parties
want to conceal. The programs uncover conspiracies that would otherwise go undetected.
They elicit confessions, direct evidence about other participants, and leads that investigators
can follow for other evidence too. The evidence is obtained more quickly, and at lower direct
cost, compared to other methods of investigation, leading to prompt and efficient resolution
of cases. To get this information, the parties who provide it are promised lower fines, shorter
sentences, less restrictive orders, or even complete amnesty.”
844 Terminologicamente, em algumas jurisdições se utiliza os termos “amnesty” ou
“immunity” para se referir às hipóteses de acordo em que há imunidade total, ao passo
que “leniency” é o termo utilizado para aqueles acordos em que há apenas redução da
penalidade aplicável.
845 Em linhas gerais, cartel é um acordo explícito ou implícito entre concorrentes
para, principalmente, fixação de preços ou quotas de produção, divisão de clientes
e de mercados de atuação, bem como para a troca de informações comercialmente
sensíveis.

Estudos em Direito da Concorrência 585


Amanda Athayde

Lei nº 10.149/2000, que alterou a Lei nº 8.884/94 (artigos 35-B e C)846,


com o objetivo de fortalecer a atividade de repressão de infrações à
ordem econômica do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.
Atualmente, o Programa de Leniência Antitruste brasileiro encontra
previsão legal nos artigos 86 e 87 da Lei de Defesa da Concorrência
(Lei nº 12.529/11)847 848, além de ser objeto de um Guia do Cade para
detalhar cada uma das fases de sua negociação849.
A exigência básica no Programa de Leniência Antitruste é que
o proponente – empresa e/ou indivíduo850 – do Acordo de Leniência
seja o primeiro a trazer ao conhecimento do Cade a infração
noticiada. Caso assim aconteça, o proponente deve confessar sua

846 Na vigência da Lei nº 8.884/1994, o Programa de Leniência foi disciplinado pela


Portaria do Ministério da Justiça nº 4/2006 (artigo 61) e pela Portaria do Ministério da
Justiça nº 456/2010 (artigo 59).
847 Nos termos dos artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011e nos artigos 197 a 210 do
Regimento Interno do CADE (RICADE), o Programa de Leniência Antitruste é um
conjunto de iniciativas com vistas a detectar, investigar e punir infrações contra a
ordem econômica; informar e orientar permanentemente as empresas e os cidadãos
em geral a respeito dos direitos e garantias previstos na legislação; e incentivar,
orientar e assistir os proponentes à celebração de Acordo de Leniência.
848 A Lei nº 12.529/11 trouxe algumas sutis - mas importantes - modificações do
Programa de Leniência Antitruste em relação à Lei anterior, notadamente: (i) a
alteração da autoridade competente para celebrar o acordo (na Lei 8.884/94 era a
União, por intermédio da Secretaria de Direito Econômico e na Lei 12.529/2011 é o
CADE, por intermédio da Superintendência-Geral); (ii) o fim do impedimento para
que o líder do cartel seja Proponente do acordo; e (iii) a ampliação dos ilícitos penais
cobertos pela imunidade concedida ao Signatário (na Lei 8.884/94 eram apenas os
ilícitos da Lei 8.137/90 e na Lei 12.529/2011 são ilícitos tais como os da Lei 8.137/90, da
Lei 8.666/93 e do art. 288 do Código Penal).
849 CADE. Guia do Programa de Leniência Antitruste do Cade. Disponível em: <http://
www.Cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/
guia_programa-de-leniencia-do-Cade-final.pdf >.
850 Cumpre ressaltar que, nos termos do art. 86 §1º, inciso I da Lei 12.529/2011 c/c
art. 198 do RICADE, a proposta de acordo de leniência realizada pela empresa será
estendida às empresas do mesmo grupo, de fato ou de direito, e aos seus dirigentes,
administradores e empregados envolvidos na infração, desde que o firmem em
conjunto. Terá o mesmo efeito da assinatura em conjunto a adesão ao acordo
formalizada em documento apartado e em momento subsequente, quando admitida
pela autoridade, segundo critério de conveniência e oportunidade. Por sua vez, se
a proposta de acordo de leniência for realizada separada e antecipadamente pelo
indivíduo funcionário e/ou ex-funcionário da empresa, os efeitos não se estenderão
à empresa, no que se destaca ser uma “corrida pelo marker” também entre empresa e
indivíduos.

586 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

participação no ilícito, colaborar plena e permanentemente com as


investigações e cessar completamente seu envolvimento na infração
a partir da propositura do acordo. Da sua colaboração, deve resultar
a identificação dos demais envolvidos na infração e a obtenção de
informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou
sob investigação.
O Programa de Leniência Antitruste brasileiro resulta então em
benefícios significativos às investigações, na medida em que o Cade
passa a ter conhecimento sobre um cartel antes desconhecido, além
de ter também acesso “direto” a informações, provas e detalhes da
conduta anticompetitiva. Há, ainda, benefícios à política concorrencial
em geral, pois, em termos da função repressiva, o Cade passa a ter
acesso a provas de difícil obtenção, e em termos da função preventiva,
insere-se um elemento adicional na incerteza inerente dos conluios.
Por sua vez, há também benefícios para os proponentes, na medida
em que a legislação oferece imunidade tanto administrativa quanto
criminal em relação às penas aplicáveis (art. 87 da Lei 12.529/2011),
uma vez que cartéis, além de reprimidos administrativamente pelo
Cade (artigo 36 da Lei 12.529/2011851), também são alvo de persecuções
no âmbito penal (artigo 4º da Lei nº 8.137/1990852).

851 Lei 12.529/2011, Art. 36 “Constituem infração da ordem econômica, independentemente


de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam
produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de
qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado
relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma
abusiva posição dominante. (...)§ 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em
que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração
da ordem econômica: I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob
qualquer forma: a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente; b) a produção
ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um
número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços; c) a divisão de partes ou
segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a
distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos; d) preços, condições, vantagens ou
abstenção em licitação pública”.
852 Lei 8.137/1990, Art. 4º “Constitui crime contra a ordem econômica: I - abusar do poder
econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência
mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas; II - formar acordo, convênio,
ajuste ou aliança entre ofertantes, visando: a) à fixação artificial de preços ou quantidades
vendidas ou produzidas; b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo
de empresas; c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de

Estudos em Direito da Concorrência 587


Amanda Athayde

Ao longo dos quase dezoito anos de existência legislativa do


Programa de Leniência Antitruste brasileiro – quinze destes de efetivo
uso do instrumento, dado que o primeiro acordo foi assinado apenas
em 2003853 – até maio de 2017, foram assinados 67 novos Acordos de
Leniência (vide Figura I abaixo).
Figura I

Cabe então se questionar: já há um novo legado do Programa de


Leniência nesses 5 anos da Lei 12.529/2011? Seria possível observar
alguma mudança de padrão desses acordos comparativamente com
aqueles assinados durante a vigência da Lei 8.884/94? Para responder
essa pergunta, são adotadas duas variáveis como metodologia de
análise para fins do presente artigo: (i) a nacionalidade dos cartéis
denunciados no Acordo de Leniência e (ii) o tipo de cliente afetado
pelo cartel, seja público ou privado.

fornecedores. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.”. Essa sanção pode, ainda,
ser aumentada de um terço até metade se o crime causar grave dano à coletividade,
for cometido por um servidor público ou se relacionar a bens ou serviços essenciais
para a vida ou para a saúde.
853 A respeito dos avanços e desafios do Programa de Leniência brasileiro, sugere-se:
ATHAYDE, Amanda. FIDELIS, Andressa. Nearly 16 years of the Leniency Program in
Brazil: Breakthroughs and challenges in cartel prosecution. CPI Antitrust Chronicle,
v.3, p.39 - 45, 2016.

588 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Quando se analisa a nacionalidade dos cartéis em nacionais,


internacionais ou mistos854, é possível se verificar que, durante a
vigência da Lei 8.884/94, mais de 60% dos Acordos de Leniência dizia
respeito a cartéis internacionais (25% no todo internacional e 38%
pelo menos em parte internacional).
Figura II

Por sua vez, nesses 5 anos da Lei 12.529/2011 é possível notar uma
mudança substancial quanto à nacionalidade dos cartéis investigados,
já que mais de 80% dos Acordos de Leniência passa a tratar de cartéis
nacionais (80% no todo nacional e 6% em parte nacional).

854 A respeito dessa classificação, sugere-se também a leitura: ATHAYDE, Amanda.


FERNANDES, Marcela. A glimpse into Brazil’s experience in International cartel
investigations. In. Revue des Droits de la Concurrence. Concurrences n. 3-2016.

Estudos em Direito da Concorrência 589


Amanda Athayde

Figura III

Diversas são as possíveis razões para essa mudança de padrão


quanto à nacionalidade dos Acordos de Leniência, mas a nosso ver,
trata-se de um reflexo do amadurecimento do Programa de Leniência
brasileiro. Se no início da sua trajetória histórica o Brasil “bebia em
águas estrangeiras” para iniciar suas principais investigações de
cartéis, atualmente o Cade é capaz de perseguir cartéis nacionais. Esse
também é um reflexo, na nossa opinião, do aumento da percepção de
risco de detecção pelas empresas no Brasil, que puderam observar,
ao longo dos anos, um aumento nas taxas de condenação de condutas
anticompetitivas e, também, um aumento significativo nos valores das
multas855.

855 A partir de 2007, ainda sob a vigência da Lei 8.884/94 começou a se consolidar
na jurisprudência do CADE um maior rigor nas multas aplicadas a cartel. Dentro
de um espectro previsto de 1 a 30% do faturamento bruto, previsto na legislação
vigente, verifica-se, sobretudo a partir do julgamento do cartel dos vigilantes (PA nº
08012.001826/2003-10) um mínimo de 15% para cartéis, alíquota esta que deveria ser
agravada para os líderes do cartel e que foi sendo gradativamente aumentada até
atingir o patamar mais alto no caso do cartel dos Peróxidos (PA nº 08012.007818/2004-
68). A mesma gradação ocorreu nas multas para os administradores (que são baseadas
na multa da pessoa jurídica), assim como se passou, também, a aplicar outras penas,
como, por exemplo a de proibição de licitar. Após o advento da Lei 12.529/11, mesmo
com a alteração da base de cálculo para 0,1 a 20% do faturamento bruto no ramo de

590 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

O advento da nova Lei trouxe consigo duas mudanças


fundamentais: a notificação prévia dos atos de concentração
econômica, e uma nova estrutura institucional, inclusive no que
diz respeito a cargos e unidades. A notificação prévia dos atos de
concentração, embora não diretamente relacionada ao combate
aos cartéis acabou por permitir, como consequência, uma maior
efetividade na análise destes casos, sendo que a grande maioria
sequer tem a necessidade de ser julgada pelo Tribunal do CADE,
encerrando-se na Superintendência-Geral. Neste sentido, o Tribunal
passou a ter um menor estoque de atos de concentração e uma maior
disponibilidade para priorizar o julgamento de casos de conduta
anticompetitiva. Com isso, uma parte importante do enforcement, que
ainda não havia atingido um grau satisfatório de desenvolvimento no
Brasil pode ser alcançado, qual seja, o julgamento e condenação dos
cartéis, inclusive e principalmente, aqueles detectados por leniência.
Se a existência do programa de leniência e a investigação proativa
da autoridade são elementos que aumentam o risco de detecção de
condutas, aumentando os incentivos ao Programa de Leniência, a
condenação e a efetiva punição destas condutas, com a definição de
critérios claros de ilegalidade e de standard probatório pelo Tribunal
tornam a ameaça de ser detectado real e imediata. O impacto disto
nos programa de leniência justifica em grande parte o aumento da
procura por estes acordos nos últimos 5 anos.
Por outro lado, a existência de uma melhor estrutura para
investigação, incluindo uma unidade fortalecida responsável pelo
Programa de Leniência permitiu ao “novo” Cade, uma reformulação da
prática e até normativa, no âmbito regimental, do próprio programa.
Isso aumentou a segurança aos proponentes e signatários deste tipo
de acordo e também a transparência do processo em si, aumentando
consequentemente os incentivos de se colaborar com o Cade. Sem
dúvida, aumentando-se a previsibilidade e transparência dos critérios,

atividade, o que poderia parecer uma redução in abstrato das multas, a jurisprudência
manteve o patamar alto das condenações por cartel, considerando hoje, como patamar
base 15% para cartéis clássicos (vide, p.ex., o disposto no Guia de TCC do CADE).

Estudos em Direito da Concorrência 591


Amanda Athayde

aumenta-se a capacidade de uma empresa decidir que o custo-benefício


de um acordo de leniência é melhor do que o do risco de continuar
engajando-se em uma conduta anticompetitiva, promovendo, assim,
um incremento geral no compliance. A consolidação destes critérios
resultou tanto em alterações regimentais (como as promovidas pela
Resolução nº 15, de 2016) como, principalmente, na edição de um Guia
do Programa de Leniência856, em português e inglês e disponível no
sítio eletrônico do CADE. Este Guia permite que qualquer interessado
em negociar um acordo de leniência com o CADE possa avaliar de
antemão o custo-benefício de fazê-lo, seus requisitos, direitos e
deveres, bem como permite que a sociedade saiba como funciona este
programa.
Quando se analisa o tipo de cliente afetado pelo cartel, seja
público ou privado, é possível se verificar que, durante a vigência da
Lei 8.884/94, mais de 90% dos Acordos de Leniência dizia respeito a
cartéis para clientes privados (82% no todo voltado a clientes privados
e 9% em parte para clientes privados
Figura IV

856 Disponível para consulta em <http://www.Cade.gov.br/acesso-a-informacao/


publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia_programa-de-leniencia-do-Cade-
final.pdf>.

592 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Por sua vez, nesses 5 anos da Lei 12.529/2011 é possível se notar


uma mudança substancial quanto aos clientes dos cartéis investigados,
já que aproximadamente 50% dos Acordos de Leniência passa a tratar
de cartéis públicos (43% no todo para clientes públicos e 9% em parte
para clientes públicos). Em outras palavras, cresceram os acordos de
leniência reportando cartéis dirigidos a licitações públicas.
Figura V

Diversas também são as possíveis razões para essa mudança


de padrão quanto ao tipo de cliente objeto da conduta delatada no
Acordo de Leniência, mas a nosso ver se trata de uma comprovação
do incremento das políticas de combate a cartéis e fraudes a licitação.
No âmbito do Cade, essa política se traduz em diversos esforços
focados na detecção e punição desse tipo de ilícito: a fixação de uma
unidade de análise antitruste focada em cartéis em licitações; a criação
de uma unidade de investigação com treinamento e instrumentos
voltados à detecção pró-ativa de cartéis e análise aprofundada de
provas; o desenvolvimento de filtros para análise de dados de licitações
com vistas a detectar possíveis cartéis; o estreitamento dos contatos e

Estudos em Direito da Concorrência 593


Amanda Athayde

colaboração com diferentes autoridades de controle e de investigação,


como CGU, tribunais de contas e membros do Ministério Público
espalhados pelo Brasil. Sem dúvida, os esforços de autoridades de
combate a fraudes e corrupção relacionadas a licitações, comumente
vinculadas a conluios, também tem contribuído para o acirramento
dessas políticas.
Ademais, nos últimos anos, a experiência e sucesso do
Programa de Leniência do Cade tem inspirado a que outras
autoridades administrativas e criminais, que também analisam ilícitos
relacionados a licitações tenham adotado mecanismos similares de
colaboração premiada ou leniência. Ainda que seja necessária uma
coordenação maior entre estes diferentes mecanismos, respeitando
as competências e expertises de cada órgão – o que, certamente, é um
dos principais desafios do Cade no futuro próximo -, a mera existência
destas novas possibilidades também, por certo, contribuiu para o
aumento de acordos de leniência em casos de cartéis de licitações
publicas no âmbito do Cade.
Concluindo, esta mudança de padrão dos acordos de leniência
do Cade nos últimos 5 anos, tanto quanto sua nacionalidade, como
pela sua maior capacidade de abranger também cartéis voltados a
clientes públicos, nos parece um resultado quase que inexorável da
maturidade do Programa de Leniência do CADE, para a qual o advento
da Lei 12.529/11 contribuiu de maneira fundamental, permitindo uma
maior capacidade e estrutura para, aproveitando-se da experiência
acumulada nos anos anteriores, direcionar os esforços da autoridade
para tornar o Programa de Leniência Antitruste brasileiro mais efetivo,
mais abrangente e mais transparente.

3. DOS TERMOS DE COMPROMISSO DE CESSAÇÃO

A outra forma de “solução antecipada” para resolução dos


casos do Cade prevista na legislação é a celebração de um Termo de
Compromisso de Cessação (TCC). Este tipo de acordo está previsto

594 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

desde a edição da Lei 8.884/94. A ideia geral deste tipo de acordo


consiste, como o nome já diz, na obtenção da cessação da conduta
por parte dos agentes que, ao se comprometerem a fazê-lo e mediante
o preenchimento de outros requisitos, podem com isso obter a
suspensão do processo administrativo e o posterior arquivamento do
mesmo, cumpridas as obrigações previstas no acordo.
Não obstante sua previsão legal inicial para todos os tipos de
conduta anticompetitiva, com a adoção, em 2000 (Lei 10.149/00) do
Programa de Leniência, entendeu-se que, da forma como dispostas
as obrigações do TCC na redação original, a permissão do mesmo
para cartel acabaria com qualquer incentivo à leniência. Isso
porque no TCC a parte poderia, sem reconhecer a conduta e apenas
se comprometendo a cessar a conduta, ter o processo suspenso e
arquivado, enquanto que o signatário da leniência, além de confessar
e colaborar desde o início do processo teria de ficar no polo passivo
do mesmo até o seu julgamento final pelo Cade, quando confirmado o
cumprimento do acordo.
Com o passar dos anos, a experiência demonstrou que, para
além daquele que tinha sido o primeiro a se apresentar ao Cade e obter
a leniência, outros representados e investigados teriam condições e
vontade de colaborar com as investigações ou, ao menos, encerrar o
caso antecipadamente, ainda na via administrativa. Neste sentido, em
2007, uma nova alteração legislativa incluiu novamente a possibilidade
de celebração de TCCs em cartéis, exigindo-se, para estes casos, o
recolhimento de uma contribuição pecuniária baseada na multa.
Além disso, por meio de regulamento buscou-se alinhar os incentivos
da leniência com os do TCC em cartéis, exigindo que, quando houvesse
leniência anterior, o TCC também deveria exigir o reconhecimento de
participação na conduta investigada de seu compromissário.
Esta alteração representou uma mudança significativa à
época e permitiu que o Cade (então responsável pela negociação
dos TCCs, em detrimento da então Secretaria de Direito Econômico
– SDE) consolidasse um conhecimento técnico aprofundado sobre
negociações e soluções antecipadas, de modo que o TCC passou a

Estudos em Direito da Concorrência 595


Amanda Athayde

ser parte importante do enforcement. O desenho legislativo na época


ainda continha imperfeições, sobretudo porque não incentivava o
TCC como complemento à leniência (pela exigência de confissão
sem uma contrapartida proporcional como ocorria com a imunidade
da leniência) e tampouco como forma de obtenção de evidências e
colaboração com as investigações (tanto em razão de ser negociado
pela autoridade julgadora – Cade – e não pela investigadora – SDE,
como porque a colaboração não era um requisito de celebração e não
havia contrapartida proporcional prevista caso realizada).
O modelo de TCC em cartel então vigente se constituiu em um
tipo de acordo denominado “pay-to-go”, que embora representasse um
avanço em termos de solução antecipada e “economia administrativa”
(evitando discussões judiciais alongadas), não se constituía em um
elemento de obtenção de provas e tampouco um complemento à
leniência. Ao contrário, chegou-se a observar que, nas vezes em que
houve TCCs após a leniência durante a vigência da Lei 8.884/94, o
arquivamento prematuro do processo em relação ao compromissário,
ainda que pagando multa e confessando, trazia questionamentos em
relação a desigualdade de tratamento com relação ao beneficiário da
leniência, que permaneceria no processo até o final.
Esta experiência, no entanto, foi fundamental para que se
pudesse, com o marco legal trazido na Lei 12.529/11, promover os
avanços necessários e aperfeiçoar os TCCs em casos de cartel. A
primeira grande mudança da Lei 12.529/11 foi expressar, de forma
bastante objetiva, que o TCC é celebrado conforme a conveniência e
oportunidade do CADE857. Assim retirando-se qualquer discussão sobre
ser o acordo direito subjetivo do investigado, deixou-se claro que o
Cade poderia, para cada tipo de conduta e em cada caso estabelecer
seus próprios requisitos de conveniência e oportunidade, incluindo aí
não somente os benefícios da solução antecipada no caso concreto,
mas também em termos de incentivos futuros, dissuasão, preservação
do enforcement e alinhamento com o Acordo de Leniência. Some-se a

857 Art. 85, caput, da Lei 12.529/11.

596 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

esta alteração, em reforço, outra inovação da Lei 12529/11, que foi alçar
ao patamar legislativo o dispositivo normativo que permite ao Cade
propor, via regimento, normas complementares para a negociação e
celebração dos TCC´s, abrindo-se assim, espaço para que o próprio
Cade decida seus requisitos de conveniência e oportunidade.858 Por
fim, a nova estrutura, que uniu Cade e SDE em um único órgão, o
“Super Cade”, também foi fundamental para o aperfeiçoamento do
modelo. Isto porque na Lei 12.29/11 fica claro que os TCCs podem ser
firmados pelo Cade como um todo, o que, naturalmente, inclui tanto
SG como Tribunal859.
Todas estas mudanças trazidas pela Lei 12.529/11, aliadas
à experiência anterior do Cade com TCCs em casos de cartéis,
permitiram que, em março de 2013, um ano após a entrada em vigência
da Lei, o CADE editasse a Resolução nº 5, alterando o seu Regimento
Interno, trazendo normas complementares sobre TCC, sobretudo em
relação aos TCCs em cartéis. O que norteou a Resolução foi justamente
a necessidade de se incentivar um novo modelo de acordo em cartéis,
voltado à colaboração com a instrução (e não somente pay-to-go) e que
pudesse ser negociado pelo órgão instrutor (Superintendência-Geral),
tendo como incentivo, em contrapartida, a previsão expressa de
descontos na contribuição pecuniária (que na Lei 12.529/11 continuou
sendo exigência obrigatória nos casos de cartel) por colaboração e
pelo momento processual.
Além disso, de maneira geral, a exigência de reconhecimento
de participação na conduta investigada para todo os TCCs em casos
de cartel, sejam negociados na Superintência-Geral com colaboração,
seja no Tribunal do Cade, bem como o arquivamento do processo com
relação ao compromissário também apenas quando do julgamento
final do processo administrativo, delimitou de maneira definitiva o
TCC em cartel como efetivo mecanismo de enforcement, complementar
ao Acordo de Leniência.

858 Art. 85, § 14, da Lei 12.529/11.


859 Art. 85, caput, da Lei 12.529/11.

Estudos em Direito da Concorrência 597


Amanda Athayde

Conforme mencionado anteriormente, o Acordo de Leniência no


Cade está disponível apenas àqueles que forem os primeiros a reportar
à autoridade antitruste a ocorrência de uma infração concorrencial da
qual o Cade não tenha conhecimento prévio (leniência total) ou não
tenha suficientes para assegurar a condenação (leniência parcial),
nos termos do art. 86 §1º c/c §4º, incisos I e II da Lei 12.529/2011. O
que acontece, porém, com as empresas e/ou indivíduos que queiram
colaborar com as investigações de cartel, mas que não tenham chegado
a tempo de obter um marker? A opção para tais investigados, então, é
propor a negociação de um TCC.
Nos termos do artigo 85 da Lei nº 12.529/2011, o Cade poderá
tomar compromisso de cessação da prática investigada ou de seus
efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade,
entender que tal compromisso atende aos interesses protegidos
por lei. O §1º deste mesmo dispositivo legal estabelece os requisitos
mínimos que deverão constar do referido termo de compromisso, a
saber: (i) a especificação das obrigações do representado no sentido de
não praticar a conduta investigada ou seus efeitos lesivos, bem como
obrigações que julgar cabíveis; (ii) fixação do valor da contribuição
pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos quando cabível;
e (iii) a fixação do valor da multa para o caso de descumprimento,
total ou parcial, das obrigações compromissadas. Outros requisitos, a
serem observados tratando-se de investigação de acordo, combinação,
manipulação ou ajuste entre concorrentes (ou seja, em casos de cartel),
são: (iv) reconhecimento de participação na conduta investigada
por parte do compromissário, nos termos do art. 185 do RICADE860
– exigência esta considerada legítima e confirmada pelos tribunais
brasileiros861 –, (v) colaboração do compromissário com a instrução

860 RICADE. Regimento Interno do CADE. Art. 185. “Tratando-se de investigação de


acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre concorrentes, o compromisso de cessação
deverá, necessariamente, conter reconhecimento de participação na conduta investigada por
parte do compromissário”.
861 Sobre a exigência de reconhecimento da participação na conduta, o Tribunal
Regional Federal da 1a Região já decidiu no sentido de que “a norma inserta no Regimento
Interno do CADE não extrapolou os limites estabelecidos na legislação de regência, mas
apenas veio regulamentar, com base em critérios objetivos, em que situações seria possível a

598 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

processual, nos termos do art. 186 do RICADE862 e (vi) obrigação de


recolhimento de contribuição pecuniária, nos termos do art. 85, §2º
da Lei 12.529/11.
Note-se que estes requisitos regimentais de colaboração e
reconhecimento de participação na conduta investigada para os
casos de cartel foram introduzidos pela Resolução nº 5 de 2013,
com fundamento no art. 85, § 14, da Lei 12.529/11, e constituem-se
em elementos de conveniência e oportunidade da autoridade para
a aceitação dos acordos em cartel. Esta Resolução, conforme já
mencionado, buscou trazer aos acordos de cartéis no CADE simetria
com as melhores práticas internacionais, além de aumentar os
incentivos e possibilidades de acordo a depender da fase processual
e do grau de colaboração dos proponentes, constituindo-se assim em
verdadeiro marco da política de acordos na vigência da Lei 12529/11.
O novo regramento dos TCCs em cartel, trazido pela Resolução,
consolida a utilização deste mecanismo não apenas como forma
de solução antecipada de conflitos, mas também como efetivo
instrumento de investigação, complementar ao acordo de leniência,
alinhando os incentivos entre os dois tipos de acordo. Além disso,
a prática posterior à Resolução, e o sucesso deste mecanismo como
elemento de enforcement fez com que, atualmente, a negociação dos
TCCs em casos de cartel seja objeto de um Guia do Cade863, cujo objetivo
e dar ainda mais transparência e previsibilidade ao instrumento.

celebração de Termo de Compromisso de Cessação, sendo que, no caso, é condição essencial


para tanto o reconhecimento da participação na conduta por parte do compromissário.”.
Agravo de Instrumento 0070598-57.2013.4.01.0000/DF (30.01.2014) e Agravo de
Instrumento 0004708-40.2014.4.01.0000 (03.02.2014), Relator Desembargador Federal
Jirair Aram Meguerian.
862 RICADE. Regimento Interno do CADE. Art. 186. “Tratando-se de investigação
de acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre concorrentes, a proposta final
encaminhada pelo Superintendente-Geral ao Presidente do Tribunal, termos do Art. 181, §4º
deste Regimento Interno, deverá, necessariamente, contar com previsão de colaboração do
compromissário com a instrução”.
863 CADE. Guia dos Termos de Compromisso de Cessação para os casos de cartel.
Disponível em: <http://www.Cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-
institucionais/guias_do_Cade/guia-tcc-versao-final-1.pdf>.

Estudos em Direito da Concorrência 599


Amanda Athayde

Ao longo dos anos de existência legislativa do Programa de TCCs


do Cade, até a presente data, foram homologados mais de 160 TCCs
referentes à conduta anticompetitiva de cartel (vide figura abaixo).
Figura VI

Novamente, cabe então se questionar: já há um novo legado


do Programa de TCCs nesses 5 anos da Lei 12.529/2011? Seria
possível observar alguma mudança de padrão desses acordos
comparativamente com aqueles homologados durante a vigência
da Lei 8.884/94? Para responder essa pergunta, adotam-se quatro
variáveis como metodologia de análise: (i) a nacionalidade dos cartéis
denunciados no TCC, (ii) o tipo de cliente afetado pelo cartel, seja
público ou privado, (iii) o elevado crescimento do número de TCCs
homologados pelo Cade, especialmente a partir de 2013; e (iv) a
mudança do conteúdo dos acordos e a maior variedade dos tipos de
TCCs homologados pelo Cade a partir de 2013 nos casos de cartel.
Quando se analisa a nacionalidade dos cartéis em nacionais,
internacionais ou mistos864, é possível se verificar que, durante

864 A respeito dessa classificação, sugere-se novamente a leitura: ATHAYDE,


Amanda. FERNANDES, Marcela. A glimpse into Brazil’s experience in International cartel

600 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

a vigência da Lei 8.884/94, quase 90% dos TCCs dizia respeito a


cartéis internacionais (33% no todo internacional e 56% em parte
internacional).
Figura VII

Por sua vez, nesses 5 anos da Lei 12.529/2011 é possível se


notar uma mudança substancial quanto à nacionalidade dos cartéis
investigados, já que quase 80% dos TCCs passa a tratar de cartéis
nacionais (59% no todo nacional e 19% em parte nacional).

investigations. In. Revue des Droits de la Concurrence. Concurrences n. 3-2016.

Estudos em Direito da Concorrência 601


Amanda Athayde

Figura VIII

Diversas são as possíveis razões para essa mudança de padrão


quanto à nacionalidade dos TCCs, mas a nosso ver, trata de um
reflexo do amadurecimento do Programa de Leniência brasileiro,
supramencionado. Conforme já manifestado, com a transformação
dos TCCs em instrumento complementar à leniência, é natural que o
aumento de leniências voltados aos casos nacionais também gere um
aumento de TCCs em casos de cartéis nacionais. Mas, para além disso,
cumpre ressaltar que esta mudança de padrão também se relaciona,
diretamente, à transformação da gestão dos casos de cartel e da
investigação deste tipo de ilícito proporcionada pela nova estrutura do
Cade, após a alteração da legislação.
Neste sentido, procurou-se especializar o combate a cartéis
internamente, promovendo-se uma separação funcional das
coordenações responsáveis pelos casos de cartel das demais
coordenações e outra separação entre as coordenações de cartéis
responsáveis pelo processamento dos casos, i.e., após a abertura
do processo administrativo, e aquelas responsáveis pela iniciação

602 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

dos casos. Assim, fortaleceu-se a unidade de leniência, criou-se


mecanismos de triagem e unidades de análise de informações e
inteligência. Isto permitiu uma maior eficiência para, ao mesmo
tempo, concluir casos importantes e iniciar casos robustos e de setores
diversificados.
Basta ver que, neste período, o número de acordos de leniência
firmados é muito superior ao número de acordos firmados na vigência
da lei anterior (v. Figura I acima), além do fato de que a metade das
medidas de buscas e apreensões realizadas pelo CADE ocorreram nos
últimos 5 anos (sendo que o instrumento é previsto na lei desde o ano
2000)865. Ademais, procurou-se diversificar esta atuação proativa entre
os mais diversos e importantes setores da economia nacional, o que,
certamente, aumentou a consciência do risco nestes setores, levando
a mais casos de acordo.
Por sua vez, quando se analisa o tipo de cliente afetado pelo
cartel, seja público ou privado, é possível se verificar que, durante a
vigência da Lei 8.884/94, mais de 90% dos TCCs dizia respeito a cartéis
para clientes privados (89% no todo voltado a clientes privados).

865 Fonte: Balanço do CADE - 2016, disponível em <http://www.Cade.gov.br/servicos/


imprensa/balancos-e-apresentacoes/apresentacao-balanco-2016.pdf/view>

Estudos em Direito da Concorrência 603


Amanda Athayde

Figura IX

Por sua vez, nesses 5 anos da Lei 12.529/2011 é possível se notar


uma mudança razoável quanto ao tipo de cliente afetado pelo cartel,
seja público ou privado, já que aproximadamente 25% dos Acordos de
Leniência passa a tratar de cartéis para clientes públicos (14% no todo
voltado para clientes públicos e 11% em parte para clientes públicos).

604 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Figura X

Diversas também são as possíveis razões para essa mudança de


padrão quanto ao tipo de cliente objeto da conduta delatada no TCC,
mas a nosso ver a taxa em TCCs em cartéis voltados a clientes públicos
não é tão elevada tendo em vista a inexistência de repercussões
criminais imediatas desse tipo de acordo – diferentemente do Acordo
de Leniência, que possui imunidade criminal (art. 87 da Lei 12.529/2011)
– concomitantemente à maior sensibilidade dos Ministérios Públicos
quanto a cartéis em licitação. De fato, cartéis em licitação são, em
muitos casos, partes de novelos criminosos muito maiores e que
envolvem diversos outros tipos de ilícitos administrativos e criminais.
Neste sentido, o risco, principalmente para pessoas físicas, de
celebrar um TCC com reconhecimento da participação nos fatos,
pode ser bastante alto a depender da complexidade do ilícito. De uma
maneira geral, porém, o aumento do interesse dos órgãos criminais e
de controle no combate aos ilícitos relacionados à licitação, aliado à
expertise do Cade na detecção destes ilícitos e ao desenvolvimento de
espécies de colaboração premiada no âmbito criminal e administrativo

Estudos em Direito da Concorrência 605


Amanda Athayde

por diversas legislações, deve resultar, em breve, no aumento ainda


mais significativo deste tipo de acordo no Cade.
Nesta linha, esforços recentes têm sido implementados pelo
Cade, em conjunto com o Ministério Público, com o intuito de sanar
essa potencial lacuna, nos casos em que a autoridade administrativa
e a criminal entendam que a assinatura de um TCC seguido de
colaboração seja útil para as investigações. A título de exemplo, em
15 de março de 2016 foi firmado entre o Cade e o Ministério Público
Federal em São Paulo um Memorando de Entendimentos866, que,
basicamente, consigna que uma empresa ou indivíduo que tenha
interesse em assinar um TCC com o Cade possa procurar o Ministério
Público, ou vice-versa, a fim de verificar a possibilidade de obter,
concomitantemente, um acordo com o Parquet que lhe garanta algum
benefício na esfera penal. É de se ressaltar que o leading case que levou
a este memorando foi justamente um caso de cartel em licitações, em
que o MPF/SP havia assinado a leniência em conjunto com o Cade e,
para preservação da leniência e pela necessidade de se obter provas
complementares, realizou acordos de colaboração premiada e delação
premiada concomitantes aos TCC´s assinados pelo Cade pelas mesmas
pessoas físicas. Note-se, ademais, que no mais substancioso caso de
cartel em licitações relacionado a outros ilícitos, a Operação “Lava-
Jato”, o mesmo sistema vem sendo adotado, qual seja, este “casamento”
entre os TCCs firmados com o Cade e acordos de colaboração criminal
com o MPF.
Note-se, finalmente, que especialmente após a edição da
Resolução nº 5 de 2013, que regulamentou os TCCs em casos de cartel
no Cade, houve um crescimento exponencial das negociações e
homologações dessa espécie de acordo no âmbito da autarquia. Isso
ocorreu mesmo diante da fixação de exigências relativamente severas,
como o reconhecimento de participação da conduta, a necessidade
de contribuição pecuniária e a obrigatoriedade de colaboração com

866 Disponível para consulta em: <http://www.Cade.gov.br/assuntos/programa-


de-leniencia/memorando-de-entendimentos-sg-e-mpfsp_tcc-e-acordos-de-
colaboracao_15-03-2016.pdf>.

606 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

as investigações. Ainda assim, aparentemente, a maior clareza sobre


parâmetros de negociação e aplicação dos acordos (inclusive prevendo
faixas de desconto a depender do proponente ter sido o primeiro,
segundo ou terceiro, etc., a requerer um acordo) foi suficiente para
atrair as partes à uma solução negociada. O sucesso da nova política
de TCCs pós Resolução de 2013 e a experiência prática colhida nos seus
primeiros anos de existência fez com que, em 2016 fosse editado um
Guia para este tipo de acordo em cartel867, aumentando a transparência
e previsibilidade dos parâmetros dos TCC´s neste tipo de conduta.
Do ponto de vista privado, para além da obtenção de um desconto
da multa, o TCC significa uma oportunidade de resolver, de forma
mais célere e bilateral, um processo em relação à parte acusada. Do
ponto de vista público, significa, também, maior celeridade, redução
de custos administrativos e menos questionamentos judiciais. Mais
do que isso, porém, a exigência de colaboração com as investigações
contribui significativamente para a obtenção de provas e robustez do
processo administrativo.
Além disso, talvez a mudança mais significativa no padrão dos
TCCs em cartel na vigência da nova legislação, seja a mudança de
conteúdo dos acordos e a variedade de modelos complementares de
TCCs hoje disponíveis em casos de cartel. Como antes mencionado,
mesmo após a mudança legislativa de 2007, que reincorporou a
possibilidade de TCCs em casos de cartéis na Lei 8.884/94, o instituto
ainda continha imperfeições, sobretudo por somente se constituir em
um modelo pay-to-go e também por um certo desalinhamento com os
incentivos à leniência. A maior prova destas imperfeições era o fato
de que praticamente inexistiam acordos que encerravam obrigações
de colaboração com a investigação, mesmo quando firmados com o
processo ainda em instrução, e também o fato de que em pouquíssimos

867 Disponível para consulta em: <http://www.Cade.gov.br/acesso-a-informacao/


publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-tcc-versao-final.pdf>.

Estudos em Direito da Concorrência 607


Amanda Athayde

casos houve TCCs firmados de maneira subsequente à leniência868 até


a edição da Resolução nº 5 de 2013.
Hoje, no entanto, todos os acordos em cartel firmados na SG (que
representam praticamente 90% dos acordos celebrados pelo Cade em
casos de cartel) tem como requisito de aceitação a colaboração com
as investigações, mediante apresentação de evidências da conduta
e da autoria da mesma, com rigor semelhante ao de uma leniência.
Mesmo no Tribunal, embora não seja obrigatório, tem se exigido (e as
partes tem atendido) alguma colaboração pontual ou processual ainda
restante e que repercute em desconto na contribuição pecuniária.
O resultado disso são casos mais robustos, céleres e tendentes a
condenação severa daqueles implicados que não desejam colaborar.
No longo prazo, aumenta-se o awareness e gera-se maior incentivo
ao compliance. Da mesma forma, hoje as estatísticas constatam que,
para cada acordo de leniência assinado, se tem ao menos um TCC
subsequente. Isso resulta tanto do maior rigor na leniência, que gera
casos mais robustos, como do fato de que, hoje o TCC se apresenta
como um instrumento complementar bastante eficaz como resposta
rápida à sociedade e ao mesmo tempo, como porta de saída para
aquels que desejam adotar um compliance.
Mas, para além disso, continua coexistindo com esse crescente
número de acordos, a possibilidade de, ao final do processo, se obter
um acordo mais próximo do que seria um pay-to-go, com a diferença de
que se tem que reconhecer a participação no ilícito e de que há um teto
máximo de desconto no Tribunal, além, é claro de uma diminuição da
conveniência e oportunidade conforme mais robusto (pela colaboração
de outros TCCs) se torne o caso. Esta variedade de tipos de TCCs em
cartel, conforme o momento processual e os requisitos e interesses

868 Chama a atenção neste sentido o caso do cartel da carga aérea (PA nº
08012.011027/2006-02), caso de cartel internacional e que nas diversas autoridades que
o investigaram tiveram em média 5 acordos posteriores à leniência que continham
colaboração com as investigações e no Brasil, cujas empresas envolvidas eram as
mesmas que haviam fechado acordos no exterior, nenhuma empresa havia acorrido
ao CADE para celebrar TCC até a edição da Resolução. Apenas após a publicação da
Resolução é foram firmados alguns acordos no caso e já na fase de julgamento final
pelo Tribunal do CADE.

608 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

das partes é, sem dúvida, uma das causas do aumento exponencial no


número de acordos, conforme acima mencionado.
Finalmente, ao contrário do que poderia se pensar, o aumento
de soluções via acordos, com descontos na contribuição pecuniária
a ser paga pelas empresas e indivíduos, não significou uma redução
do enforcement antitruste. Pelo contrário, conforme demonstrado na
Figura XI abaixo, a política de TCCs significou um aumento elevado das
contribuições pecuniárias pagas ao Cade por empresas e executivos
acusados de cartel, em proporção muito maior do que o patamar de
multas impostas pelo Cade anteriormente ao acirramento da política
de TCCs.
Figura XI

Além disso, verifica-se que o aumento dos TCCs em cartel


coincide também com o aumento dos números de acordos de
leniência e de leniência plus869, o que demonstra claramente que
também a resposta rápida à sociedade que é dada com a aplicação das
contribuições pecuniárias e o aumento da robustez dos casos mediante
a colaboração sucessiva de diversos dos investigados, aumenta o risco
de ser detectado como participante da conduta, demonstrando que tais
instrumentos também contribuem para a dissuasão e para incentivar
o compliance. É claro que esta evolução ainda representa um primeiro,
porém importantíssimo passo. A manutenção dos incentivos e da
869 V. Figuras I e VI , acima.

Estudos em Direito da Concorrência 609


Amanda Athayde

capacidade dissuasória do instrumento dependem de sua constante


atualização e revisão, principalmente diante dos desafios que já se
apresentam, como, por exemplo, um maior interesse pelo enforcement
privado por parte dos agentes econômicos, a necessidade de se
coordenar com diversos outros órgãos investigadores que possuem
mecanismos semelhantes nos casos em que os cartéis se relacionam
com outros ilícitos e o equilíbrio entre os benefícios da solução
negociada e a atuação proativa de investigação e punição.

4. CONCLUSÃO

Neste artigo foi possível verificar que a nova sistemática


introduzida pela Lei 12.529/2011 trouxe alterações significativas
nos resultados dos programas de acordos no âmbito do Cade –
leniências e TCCs. Aproveitou-se, evidentemente, as bases e avanços
passados, introduzindo-se incrementos relevantes, com resultados
aparentemente positivos. Curiosamente, grande parte dos resultados
se deveram a políticas e regramentos internos, e não propriamente de
alterações legais.
Os resultados demonstram uma maior maturidade e estabilidade
do programa de leniência, com o aumento do número de pedidos de
marker e de celebração de acordos, combinada com a geração de casos
robustos. Ao mesmo tempo, verifica-se um incremento exponencial
do uso dos TCCs como meio de resolução dos processos de cartel mas,
em especial, como meio para obtenção de provas e crescimento do
enforcement antitruste e de sua capacidade dissuasória. Os 5 primeiros
anos da Lei 12.529/11 parecem ter sido, portanto, de evolução dos
Programas de Leniência e TCC, restando ver os novos desafios e as
novas respostas a serem dadas pelo Cade nos próximos anos.

610 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

LENIÊNCIA, COMPLIANCE E O PARADOXO DO OVO OU


DA GALINHA: DO COMPLIANCE COMO INSTRUMENTO
DE AUTORREGULAÇÃO EMPRESARIAL

Publicado originalmente em: Compliance Perspectivas e desafios dos


programas de conformidade / Coordenadores: Ana Frazão, Ricardo Villas
Bôas Cueva. 1ª Edição. Editora Fórum. 2019.

Amanda Athayde

Ana Frazão

RESUMO: O que acontece primeiro no âmbito de uma empresa:


um acordo de leniência ou um programa de compliance? Com base na
perspectiva das autoras de que é possível se ter ambos os cenários,
o presente artigo visa a identificar e expor a existência de incentivos
públicos e privados que fazem que com a Leniência seja tanto causa
quanto consequência dos Programas de Compliance. Ademais,
introduz-se a noção de compliance como instrumento de autorregulação
empresarial. Ao final, faz-se uma avaliação das consequências
desse novo cenário na postura dos advogados, trabalhadores,
administradores e controladores das sociedades empresárias, da
própria empresa e dos servidores públicos.
ABSTRACT: What happens first within a company: a leniency
agreement or a compliance program? Based on the authors’
perspective that it is possible to have both scenarios, this article aims
to identify and expose the existence of public and private incentives
responsible for making Leniency as both cause and consequence of
Compliance Programs. Furthermore, it is introduced the notion of
compliance as an instrument of corporate self-regulation. Finally, the
article evaluates the consequences of this new scenario in the attitude
of lawyers, workers, companies’ administrators and controllers, the
company itself and the public servants.

Estudos em Direito da Concorrência 611


Amanda Athayde

1. INTRODUÇÃO

O famoso paradoxo do ovo ou da galinha traz o seguinte


questionamento: quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha? Para
alguns o ovo veio primeiro, pois a galinha, para nascer, teria que surgir
a partir de um ovo. Para outros, a galinha veio primeiro, pois o próprio
ovo, para ser colocado, demandaria a existência de uma galinha.
Analogicamente, esse paradoxo pode ser trazido para a realidade
empresarial em algumas situações, nas quais igualmente haverá
pergunta semelhante: quem “nasce” primeiro, um acordo de leniência
ou um programa de compliance? Para alguns, a descoberta de um ilícito
leva à busca pela negociação de um acordo de leniência e, em seguida,
conduz à instituição de um programa de compliance empresarial. Por
outros, o programa de compliance existente é que levaria à descoberta
das infrações e, consequentemente, a um acordo de leniência. Trata-se,
portanto, de uma discussão sobre causa e consequência. A leniência é
causa ou consequência de um Programa de Compliance?
A nosso ver, sob a perspectiva dos acordos de leniência, é
possível se ter ambos os cenários, e tentaremos identificar e expor
neste artigo a existência de incentivos públicos e privados que levam
a cada uma das situações. Em seguida, faremos breves considerações
sobre o compliance como mecanismo de autorregulação empresarial,
bem como as suas consequências na postura dos administradores
das sociedades empresárias. Ao final, serão apresentadas nossas
conclusões preliminares sobre essa reflexão.870

2. LENIÊNCIA COMO CAUSA E COMPLIANCE COMO CONSEQUÊNCIA

A leniência pode ser a causa da instituição de Programas de


Compliance. Pense-se na situação hipotética de uma sociedade
empresária que identificou, mesmo sem existir um compliance

870 Agradecemos à pesquisadora Agnes Macedo de Jesus pela pesquisa bibliográfica


que subsidiou a elaboração desse artigo pelas autoras.

612 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

prévio, o cometimento de um ilícito. Ao solicitar aconselhamento


jurídico do seu advogado, foi recomendado que procurasse as
autoridades competentes para que iniciasse, desde logo, a negociação
de uma leniência. A depender do tipo de ilícito detectado, a decisão
empresarial por procurar um Programa de Leniência pode resultar no
início de uma multiplicidade de negociações, com diferentes órgãos.
Assim, como requisito para a celebração final do referido acordo,
algum (ou alguns) órgão(os) exigiu(ram) que a empresa871 instituísse
um Programa de Compliance. O fluxo que se observa nestes casos,
portanto, é o seguinte, no qual o compliance é uma consequência da
negociação de acordos de leniência:

Tal iter pode ser verificado no Decreto regulamentar da Lei


Anticorrupção (Lei nº. 12.846/2013), Decreto de nº. 8.420/2015, no qual
há a previsão de que eventual Acordo de Leniência celebrado deverá
conter, necessariamente, cláusula que verse sobre a adoção, aplicação
ou aperfeiçoamento do programa de integridade (art. 37, inciso IV do
Decreto nº. 8.420/2015).
Assim, independentemente da prévia existência de um programa
de compliance ser critério para redução da penalidade aplicável872, na

871 A referência à empresa é proposital – e não às sociedades empresárias - para


designar o agente econômico, qualquer que seja o meio de sua organização e
independentemente das formas jurídicas, especialmente da personalidade jurídica.
É com esse sentido que a expressão “empresa” será utilizada ao longo de todo o artigo.
872 Exemplificativamente, na “Lei Anticorrupção” (Lei nº. 12.846/2013), o art. 7º,
VIII prevê que a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade,
auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos
de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica serão levados em consideração
na aplicação das sanções. Nos termos da Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº.
12.529/2011), por sua vez, não há previsão legal de que a existência de um Programa de
Compliance possa ser considerado no âmbito da aplicação das penas. Em que pese isso,
no Guia de Compliance do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), há a
sinalização de que esse fator pode ser levado em conta no momento da dosimetria da

Estudos em Direito da Concorrência 613


Amanda Athayde

ausência deste, a sua implementação será requisito necessário para


a celebração do Acordo de Leniência Anticorrupção873 em âmbito
federal. Igualmente, nos “Acordos de Leniência com o Ministério
Público”, a Orientação 7 da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do
Ministério Público Federal é que os Acordos de Leniência com efeitos
cíveis e criminais terão como requisito mínimo o compromisso de

pena, enquanto elemento caracterizador de “boa-fé” do infrator, nos termos amplos


do art. 45 desta Lei nº. 12.529/2011.
873 A competência para celebração dos Acordos de Leniência Anticorrupção, no
âmbito federal, é da Controladoria Geral da União (CGU), mas diante de controvérsias
jurídicas, a Advocacia-Geral da União (AGU) também tem atuado nessas negociações,
que em seguida são submetidos ao Tribunal de Contas da União (TCU). O art. 16 da
Lei nº 12.846/2013 prevê que: “§10. A Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão
competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo
federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública
estrangeira”. A portaria interministerial CGU/AGU, de 15 de dezembro de 2016,
determina que, assim que receber a solicitação, a CGU deverá comunicará a AGU,
que indicará membros para compor a comissão de negociação (art. 3º, §2º). Ainda,
conforme o art. 5º da referida portaria, “§4º No âmbito da comissão de negociação,
compete especificamente aos membros indicados pela Advocacia-Geral da União
avaliar a vantagem e procedência da proposta da empresa em face da possibilidade
de propositura de eventuais ações judiciais”; “§5º O relatório final conterá capítulo
próprio com a análise das questões jurídicas realizada pelos membros indicados da
Advocacia-Geral da União”. Por sua vez, a Instrução Normativa nº 74 do TCU dispõe
sobre a fiscalização do Tribunal de Contas da União quanto à organização do processo
de celebração de acordo de leniência pela administração pública federal. “A fiscalização
dos processos de celebração de acordos de leniência inseridos na competência do
Tribunal de Contas da União, inclusive suas alterações, será realizada com a análise
de documentos e informações [...]” (art. 1º). Veja que “a apreciação do Tribunal sobre
as etapas que compõem a celebração de acordos de leniência [...] constituirá condição
necessária para a eficácia dos atos subsequentes” (art. 3º). Importante ressaltar ainda
que Leniência Anticorrupção depende do preenchimento de alguns requisitos, nos
termos da legislação atualmente vigente no Brasil: (I) ser primeira: que a empresa
candidata seja a primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração do
ato lesivo específico, quando tal circunstância for relevante; (II) cessar a conduta:
que a empresa cesse sua participação na infração noticiada ou sob investigação a
partir da data de propositura do acordo; (III) admitir participação: que a empresa
admita sua participação no ilícito; (IV) cooperar: que a empresa coopere plena e
permanentemente com a investigação e o processo administrativo, comparecendo,
sob suas expensas, sempre que solicitado, a todos os atos processuais, até a decisão
final (inclusive com o cálculo dos valores); (V) cooperar e obter resultado: que da
cooperação resulte a identificação dos demais envolvidos na infração e a obtenção
célere de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob
investigação; e (VI) existir um programa de integridade: que a empresa institua ou
aperfeiçoe o Programa de Integridade empresarial.

614 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

implementar programa de compliance/conformidade/integridade ou


equivalente.874
Em linha com essas iniciativas, que relacionam diretamente a
leniência ao compliance, verifica-se também o crescimento de incentivos
públicos à criação de programas de compliance empresariais. Ora,
diante da definição da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à
Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) de que uma de suas prioridades seria
a criação de mecanismos que incentivassem a adoção de programas
de integridade em contratações públicas (Ação 5/2016)875, este modelo

874 Item 7.5. “Obrigações da colaboradora (mínimas), da Orientação 7 da 5ª


Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal: “compromisso de
implementar programa de compliance (conformidade ou integridade) ou equivalente
e de se submeter a auditoria externa, às suas expensas, se for o caso”. A Orientação 7
da CCR do MPF traz ainda os requisitos para o chamado Acordo de Leniência “Cìvel-
Criminal”, quais sejam (I) oportunidade: a circunstância de ser a primeira empresa
a revelar os fatos desconhecidos à investigação; (II) efetividade: a capacidade real de
contribuição da colaboradora à investigação, por meio do fornecimento de elementos
concretos que possam servir de prova; (III) utilidade: devendo ficar explicitados
quantos e quais são os fatos ilícitos e pessoas envolvidas, que ainda não sejam de
conhecimento do MPF, bem como quais são os meios pelos quais se fará a respectiva
prova; (IV) informações e provas: apresentação de informações e provas relevantes;
(V) cessação: cessar as condutas ilícitas; (VI) compliance: implementar programa
de compliance/conformidade/integridade/equivalente e se submeter a auditoria
externa; (VII) colaboração: Colaborar de forma plena, sem qualquer reserva, com
as investigações, durante toda a vigência do Acordo de Leniência, portando-se com
honestidade, lealdade e boa-fé; (VIII) reparação de danos: pagamento de valor
relativo à antecipação de reparação de danos, ressalvado o direito de outros órgãos
buscarem o ressarcimento adicional, prestando garantias; e (IX) multa: pagamento
da multa, prestando garantias. Veja que a Leniência “Cível-Criminal” não se confunde
com a Colaboração Premiada, de cujos requisitos são (conforme o art. 4º da Lei
12.850/2013): (I) colaboração: colaboração efetiva e voluntária com a investigação e
o processo criminal; (II) resultado 1 – coautores e partícipes: da colaboração resulte
a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das
infrações penais por eles praticas; (III) resultado 2 – estrutura hierárquica e divisão
de tarefas: da colaboração resulte a revelação da estrutura hierárquica e da divisão
de tarefas da organização criminosa; (IV) resultado 3 – prevenção: da colaboração
resulte a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização
criminosa; (V) resultado 4 – recuperação do proveito ou produto: da colaboração
resulte a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais
praticadas pela organização criminosa; e (VI) resultado 5 – localização da vítima:
da colaboração resulte a localização de eventual vítima com a sua integridade física
preservada.
875 Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA).
Ações de 2016, XIII Reunião Plenária. Disponível em: <http://enccla.camara.leg.br/
acoes/acoes-de-2016>.

Estudos em Direito da Concorrência 615


Amanda Athayde

de incentivos públicos para a criação de programas de compliance tem


se espalhado em legislações federais e estaduais ao redor do Brasil.
Na nova “Lei das Estatais” (Lei nº. 13.303/2016), são exigidas
regras de governança corporativa e práticas de compliance no estatuto
das companhias estatais876. Ainda, o Ministério da Fazenda passou
a condicionar, a partir de 2017, a concessão de seguro de crédito à
exportação877 às empresas que demonstrassem ter Programa de
Compliance anticorrupção instituído, visando a promover um ambiente
de negócios mais íntegro, nacional e internacionalmente.878
A Lei Estadual do Rio de Janeiro nº. 7.753/2017, por exemplo,
sancionada em outubro de 2017, dispõe sobre a obrigatoriedade
de instituição de Programa de Integridade879 nas empresas que

876 É o que dispões o art. 6º da Lei n.º 13.303/2016, in verbis: “O estatuto da empresa
pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias deverá observar
regras de governança corporativa, de transparência e de estruturas, práticas de
gestão de riscos e de controle interno, composição da administração e, havendo
acionistas, mecanismos para sua proteção, todos constantes desta Lei”. A referida
Lei, no que concerne às práticas de governança exigidas, determina a criação e
divulgação de um Código de Conduta e Integridade (art. 9º, §1º), de um “canal de
denúncias que possibilite o recebimento de denúncias internas e externas relativas ao
descumprimento do Código de Conduta e Integridade e das demais normas internas
de ética e obrigacionais” (art. 9º, §1º, inciso III), de “mecanismos de proteção que
impeçam qualquer espécie de retaliação a pessoa que utilize o canal de denúncias” (art.
9º, §1º, inciso IV), realização de treinamentos periódicos sobre o Código de Conduta a
seus empregados (art. 9º, §1º, inciso VI), análise de pré-qualificação de fornecedores
com a exigência de consulta ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas (art. 37) e
presença da matriz de riscos como cláusula contratual (art. 69, inciso X).
877 O seguro de crédito à exportação provê cobertura da União para operações
de crédito à exportação contra riscos comerciais, políticos e extraordinários para
quaisquer bens e serviços exportados a partir do Brasil. Encontra previsão legal na
Lei nº. 6.704/1979
878 Para maiores informações: <http://www.fazenda.gov.br/noticias/2017/dezembro/
em-evento-sobre-anticorrupcao-sain-apresenta-medidas-para-fortalecer-seguro-
de-credito-a-exportacao>; <http://www. camex.gov.br/noticias-da-camex/1946-
definicao-de-diretrizes-para-o-sistema-de-compliance-do-seguro-de-credito-a-
exportacao>; <http://www.fazenda.gov.br/noticias/2016/maio/sain-apresenta-novos-
procedimentos-de-compliance-a-exportadores>; e <http://www.sain.fazenda.gov.
br/assuntos/credito-e-garantia-as-exportacoes/compliance-no-seguro-de- credito-a-
exportacao>.
879 Lei Estadual do Rio de Janeiro nº. 7.753/2017, que dispõe sobre a instituição do
Programa de Integridade nas empresas que contratarem com a Administração Pública
do Estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. O Programa de Integridade consiste,
no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de

616 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

contratarem com o Poder Público fluminense. Essa exigência tem por


objetivo, segundo o art. 2º da Lei, (I) proteger a administração pública
estadual dos atos lesivos que resultem em prejuízos financeiros
causados por irregularidades, desvios de ética e de conduta e fraudes
contratuais; (II) garantir a execução dos contratos em conformidade
com a Lei e regulamentos pertinentes a cada atividade contratada; (III)
reduzir os riscos inerentes aos contratos, provendo maior segurança e
transparência na sua consecução; e (IV) obter melhores desempenhos
e garantir a qualidade nas relações contratuais.
O mesmo se verifica no Distrito Federal, onde a Lei 1806/2017,
sancionada em fevereiro de 2018, também torna obrigatória a
implantação de programas de integridade para empresas que celebrem
contratos acima de determinado valor com o Distrito Federal.880 Nota-
se, nesse contexto, que a redação de ambas as legislações estaduais
é basicamente idêntica, o que sugere um padrão que pode vir a se
espalhar para outros estados e municípios no país.
Há divergências na doutrina quanto aos efeitos dessa exigência.
Por um lado, autores como BEATON-WELLS e TRAN881 sustentam que
seria plenamente razoável exigir que a criação de um Programa de

integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de


códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios,
fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública do Estado
do Rio de Janeiro.
880 Projeto de Lei Distrital n. 1.806/2017, que dispõe sobre a obrigatoriedade da
implantação do Programa de Integridade nas empresas que contratarem com
a Administração do Distrito Federal, em todas as esferas de Poder, e dá outras
providências. O Programa de Integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica,
no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria,
controle e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos
de ética e de conduta, políticas e diretrizes com o objetivo de detectar e sanar desvios,
fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública do
Distrito Federal.
881 BEATON-WELLS C, TRAN C (eds) (2015) Anti-cartel enforcement in a contemporary
age. Hart Publishing, Oxford. p. 192. Segundo os autores, as discussões sobre esse tema
giram em torno de cinco pontos: (A) o Programa de Compliance como uma condição
para o programa de leniência corporativo e o mecanismo de auto-regulação; (B) a
exigência de um “programa de leniência adequado”; (C) ações disciplinares internas
com relação à conduta de cartel sujeita ao Programa de Leniência; (D) políticas de
leniência internas; (E) tentativas do proponente da leniência para obstruir, sonegar
ou manipular informações para o Programa de Leniência.

Estudos em Direito da Concorrência 617


Amanda Athayde

Compliance seja uma condição necessária para a celebração de Acordos


de Leniência, dado que o benefício do acordo supera sobremaneira os
custos da instituição de um programa de compliance. Por outro lado,
William J. Kolasky, ex-procurador-geral adjunto da Divisão Antitruste
do DOJ (Department of justice) entende que “the true benefit of compliance
programs is to prevent the commission of antitrust crimes, not to enable
organizations that commit such violations to avoid prosecution for them”882.
É importante ressaltar, entretanto, que a exigência de adoção
de programas de compliance em acordos de leniência não tem como
objetivo propriamente evitar investigações, mas sim o objetivo mais
amplo de evitar a prática do ilícito, mantendo-se a legalidade e a ética
nas práticas empresariais. Por mais que a própria OCDE ressalte que
não existe um consenso global sobre o peso legal dos programas de
compliance na avaliação da responsabilidade e da multa apropriada
a serem impostas ao infrator883, parte-se da premissa de que tais
programas, se consistentes e efetivos, podem ter importante papel na
modificação da própria cultura empresarial.
Nota-se, portanto, que há boas razões para que a leniência possa
ser a causa para a instituição de programas de compliance, dado que
instituições públicas ou mesmo legislações estatais condicionam um
determinado ato (celebração de um acordo de leniência, contratação
pública, etc.) à existência do programa.
Apesar de louváveis as iniciativas, nota-se que o compliance, nestes
casos, acaba indo a reboque das legislações, ou seja, se torna uma
consequência de incentivos públicos, que induzem o comportamento
empresarial nesta direção. Dessa maneira, o compliance acaba se
tornando um bilhete de ingresso para a obtenção de benefícios perante

882 Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/speech/antitrust-compliance-


programs-government-perspective>. Acesso em: 11 abril 2018.
883 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
Policy Roundtable: Promoting Compliance with Competition Law. 2011, OCDE, 27
de março de 2012, p. 14. Disponível em: <http://www.oecd.org/daf/competition/
promotingcompliancewithcompetitionlaw2011.pdf>. Acesso em: 11 abril 2018.
Segundo a OCDE, “there is no international consensus on whether competition law
violators that had compliance programmes in place at the time of the violation should
be given lighter sanctions”.

618 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

o Poder Público. Quer celebrar contrato com a Administração Pública?


Institua um Programa de Integridade. Quer obter seguro de crédito
à exportação? Demonstre-me que tem um Programa de Compliance.
Quer celebrar um acordo de leniência? Mostre-me que já possui ou
que vai criar um Programa de Compliance/Conformidade/Integridade.
Trata-se, a nosso ver, de estratégia que leva o Compliance “à força”
as empresas, como solução de curto prazo, o que pode resultar em
diversos riscos, como a criação de um Programa de Integridade “de
fachada”, sem o efetivo comprometimento da alta administração e dos
funcionários.
Isso mostra aspecto delicado da questão da exigência, ainda que
indireta, do compliance em qualquer circunstância, e especialmente
como requisito para a celebração de acordos de leniência. Como
a obrigatoriedade, mesmo que transversa, é algo incompatível
com a espontaneidade que deve caracterizar a autorregulação, a
sua consequência prática pode ser a proliferação de programas de
compliance com pouco potencial para efetivamente mudar as práticas
e a cultura corporativa das empresas afetadas.

3. COMPLIANCE COMO CAUSA E LENIÊNCIA COMO CONSEQUÊNCIA

O compliance, por sua vez, também pode ser causa da celebração


de acordos de leniência. Pense-se, por exemplo, em uma situação
hipotética em que a sociedade empresária instituiu um Programa
de Compliance no Brasil, em decorrência da orientação da matriz
estrangeira. Com isso, uma série de procedimentos é iniciada, dentre
eles os treinamentos e as entrevistas, desde o mais alto escalão até
o escalão operacional. Nestes, foi possível identificar os principais
riscos a ilícitos e instituir mecanismos para se prevenir riscos
futuros de práticas indevidas por seus funcionários. Ademais, com a
instituição de um “canal direto” de denúncias (“hot line”), por exemplo,
foi possível que outras informações tenham sido obtidas diretamente

Estudos em Direito da Concorrência 619


Amanda Athayde

dos funcionários envolvidos ou daqueles próximos, que tiveram


conhecimento da infração.
Diante disso, é possível que a empresa identifique que alguns de
seus funcionários e executivos pratica ou praticou ilícitos. Em casos
assim, a empresa pode decidir por não apenas cessar sua participação
e evitar que isso aconteça novamente no futuro, mas também iniciar
negociações com as autoridades competentes para Acordos de
Leniência, por exemplo. O fluxo que se observa nestes casos, portanto,
é o seguinte, no qual o compliance é a causa da negociação de acordos
de leniência:

Este parece ser o cenário, a nosso ver, na seara antitruste. Nem


o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) no Brasil884,
nem o Departamento de Justiça dos Estados Unidos885, nem a Comissão

884 No âmbito do direito da concorrência, o Programa de Leniência Antitruste


encontra previsão na Lei nº. 12.529/2011, e visa a combater infrações à ordem
econômica. O órgão competente para celebrar os acordos é a Superintendência-
Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Nos termos do
art. 86 da Lei nº. 12.529/2011, “o Cade, por intermédio da Superintendência-Geral,
poderá celebrar acordo de leniência [...]”. A referida Lei traz ainda os requisitos
para a celebração do Acordo de Leniência Antitruste, quais sejam: (I) primeira:
que a empresa seja a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou
sob investigação; (II) cessação: que a empresa cesse sua participação na infração
noticiada ou sob investigação a partir da data de propositura do acordo; (III) provas
da SG/CADE: que no momento da propositura do acordo, a Superintendência-Geral
não disponha de provas suficientes para assegurar a condenação do Proponente;
(IV) confissão: que a empresa confesse sua participação no ilícito; (V) cooperação:
que a empresa coopere plena e permanentemente com a investigação e o processo
administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitado, a todos os
atos processuais, até a decisão final sobre a infração noticiada proferida pelo Cade; e
(VI) resultado da cooperação: que da cooperação resulte a identificação dos demais
envolvidos na infração e a obtenção de informações e documentos que comprovem a
infração noticiada ou sob investigação.
885 Requisitos da Leniência nos Estados Unidos antes do início das investigações:
(I) ineditismo na denúncia fornecida ao órgão antitruste; (II) após a denúncia, que a
empresa cesse sua participação na prática ilícita; (III) cooperação total da empresa
leniente nas investigações; (IV) o crime denunciado deve ser um ato da própria empresa
e não atos isolados de funcionários ou executivos da mesma; (V) quando possível, a

620 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Europeia na Europa886, nem o Bundeskartellamt na Alemanha887, exigem

empresa deve indenizar as partes lesadas; e (VI) necessidade de a empresa delatora


não ter coagido outras empresas a participarem da atividade ilegal, bem como não
ter liderado ou incentivado a prática infratora. Requisitos da Leniência nos Estados
Unidos no curso da investigação: (I) ser a primeira empresa a apresentar a denúncia,
e que esta a habilite a ingressar no Programa de Leniência; (II) necessidade de o órgão
antitruste não ter provas contra a empresa delatora no momento em que esta decide
fazer a denúncia; (III) após a denúncia, que a empresa cesse sua participação na
atividade ilícita; (IV) cooperação total da empresa nas investigações; (V) possibilidade
de a empresa indenizar a parte lesada (restitution clause); (VI) o crime denunciado deve
ser um ato da própria empresa, e não atos isolados de seus funcionários ou executivos;
(VII) a Divisão Antitruste deve determinar que a concessão de leniência para esta
empresa não seja injusta com outros; para tanto, deve considerar a natureza da
atividade ilegal, isto é, do crime antitruste, além do papel que a empresa denunciante
desempenhou na atividade ilícita, bem como o momento em que decidiu apresentar-
se ao órgão responsável pela punição. Disponível em: <https://www.justice.gov/atr/
file/810281/download>. Acesso em: 11 abril 2018.
886 Na União Europeia, os requisitos para o Acordo de Leniência Antitruste são os
seguintes: (I) a empresa é a primeira a fornecer evidências que permitem a Autoridade
da Concorrência (AC) investigar o suposto cartel; (II) a AC, quando do momento do
pedido de leniência, ainda não tinha evidências suficientes para iniciar a investigação
ou ainda não tinha iniciado uma investigação relacionada ao alegado cartel; e (III)
cumprimento das condições associadas à leniência, quais sejam: (a) encerrar o
envolvimento com o suposto cartel imediatamente após o pedido de leniência, salvo
se a continuidade do envolvimento seja necessária para preservar as investigações;
(b) que a empresa coopere genuinamente, inteiramente e de forma contínua, desde
o pedido de leniência até o encerramento do caso; e (c) a empresa não ter destruído
evidências importantes para o caso nem divulgado o cartel ou qualquer conteúdo
contemplado pelo requerimento de leniência (salvo para outras ACs, sejam elas da
UE ou não). Disponível em: <http://ec.europa.eu/competition/ecn/mlp_revised_2012_
en.pdf>. Acesso em: 11 abril 2018.
887 O Bundeskartellamt (autoridade da concorrência alemã) prevê como requisitos dos
Acordos de Leniência: Parágrafo 3 - (I) que o participante seja o primeiro do cartel a
contatar a autoridade alemã e antes que esta tenha evidências suficientes para obter
um mandado de busca; (II) que o participante forneça informações verbais e escritas
e, quando possíveis, evidências que permitam a obtenção do mandado de busca; (III)
que o participante não tenha sido o único líder do cartel e nem tenho coagido outros
participantes a entrar no conluio; e (IV) que o participante coopere inteiramente e
de forma contínua com a autoridade alemã. Se quando da requisição do acordo de
leniência o Bundeskartellamt já tiver obtido um mandato de busca, o participante
receberá imunidade se: Parágrafo 4 - (I) for o primeiro do cartel a contatar a autoridade
alemã e antes que esta tenha evidências suficientes para provar a existência do
ilícito; (II) que o participante forneça informações verbais e escritas e, quando
possíveis, evidências que permitam a comprovação da existência do ilícito; (III) que
o participante não tenha sido o único líder do cartel e nem tenho coagido outros
participantes a entrar no conluio; (IV) que o participante coopere inteiramente e de
forma contínua com a autoridade alemã; e (V) nenhum outro participante do cartel
obtenha a imunidade do parágrafo 3. Disponível em: < http://www.bundeskartellamt.

Estudos em Direito da Concorrência 621


Amanda Athayde

como pré-requisito para a celebração de um Acordo de Leniência a


existência de um Programa de Compliance. Todos eles tendem a ver a
negociação de um acordo de leniência como consequência da adoção
de comportamentos empresariais adequados, sem a necessidade de
vincular a negociação à existência de um programa de compliance.888
Tampouco se trata da realidade dos Acordos de Leniência no Sistema
Financeiro Nacional, recentemente previstos na Lei nº. 13.506/2017, a

de/SharedDocs/Publikation/EN/Leitlinien/Notice%20-%20Leniency%20Guidelines.
pdf?__blob=publicationFile&v=5>. Acesso em: 11 abril 2018.
888 Ressalva-se, porém, o fato de que, por vezes, o CADE tem celebrado Termos
de Compromisso de Cessação (TCCs) com empresas investigadas que contêm
como cláusulas do acordo a instituição de programas de compliance. Para maiores
informações sobre o TCCs, sugere-se a leitura do Guia de TCCs do CADE. Disponível
em: <>. Acesso em: 16 de abril de 2018.

622 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

serem celebrados pelo Banco Central do Brasil (BC) e pela Comissão


de Valores Mobiliários (CVM)889-890.
Nestes casos, o compliance decorre dos próprios agentes
privados. Essa tomada de decisão pode ser resultado de diversos

889 No sistema financeiro nacional, os Acordos de Leniência foram instituídos


por meio da Lei nº. 13.506/2017, sob a denominação de “Acordos em Processo de
Supervisão”. São competentes para celebrar este tipo de acordo tanto o Banco Central
do Brasil (BACEN) quanto a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O art. 30 da Lei nº.
13.506/2017 prevê que “o Banco Central do Brasil poderá celebrar acordo administrativo
em processo de supervisão com pessoas físicas ou jurídicas que confessarem a
prática de infração às normas legais ou regulamentares cujo cumprimento lhe caiba
fiscalizar, com extinção de sua ação punitiva ou redução de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois
terços) da penalidade aplicável, mediante efetiva, plena e permanente cooperação
para a apuração dos fatos, da qual resulte utilidade para o processo, em especial [...]”.
Em seu art. 34, a Lei nº. 13.506/2017 determina que “aos processos administrativos
sancionadores conduzidos no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários aplica-se,
no que couber, o disposto no § 3º do art. 19 e nos arts. 21, 22, 24, 25, 29, 30, 31 e 32
desta Lei [...]”. Em outras palavras, o referido artigo permite à CVM firmar acordos
de leniência. A Lei nº. 13.506/2017 traz também alguns requisitos para a Leniência no
âmbito do Sistema Financeiro Nacional: (I) primeira: que a empresa seja a primeira a
se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação (mas pode não ser
a primeira também – art. 30, §4º); (II) cessação: que a empresa cesse sua participação
na infração noticiada ou sob investigação a partir da data de propositura do acordo;
(III) provas do BACEN/CVM: que no momento da propositura do acordo, a autoridade
não disponha de provas suficientes para assegurar a condenação do Proponente;
(IV) confissão: que a empresa confesse sua participação no ilícito; (V) cooperação:
que a empresa coopere plena e permanentemente com a investigação e o processo
administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitado, a todos
os atos processuais, até a decisão final sobre a infração noticiada proferida pelo
Bacen/CVM; e (VI) resultado da cooperação: que da cooperação resulte utilidade
para o processo, a identificação dos demais envolvidos na infração e a obtenção de
informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação.
890 Na SEC (Securities and Exchange Commission) dos Estados Unidos, em
contrapartida, os requisitos para a concessão da leniência às companhias são: (I)
auto-policiamento antes da descoberta do ilícito, incluindo o estabelecimento de
procedimentos eficazes de compliance e um tone at the top (exemplo de cima) apropriado;
(II) reportar a conduta ilícita quando esta for descoberta, incluindo a realização de um
relatório completo acerca da natureza, extensão, origens e consequências da conduta
inadequada, bem como a divulgação completa, efetiva, imediata da má conduta ao
público, às agências reguladoras e às organizações autorreguladas; (III) remediação,
incluído a demissão ou o disciplinamento apropriado dos infratores, modificando e
melhorando os controles e procedimentos internos para prevenir a reincidência da
má conduta, e compensando adequadamente os prejudicados; e (IV) cooperação
com as autoridades responsáveis ​​pela aplicação da lei, incluindo o fornecimento ao
pessoal da SEC de toda a informação relevante para as violações subjacentes e bem
como informações acerca dos esforços da empresa para reparar os danos do ilícito.
Disponível em: <https://www.sec.gov/spotlight/enforcement-cooperation-initiative.
shtml>. Acesso em: 11 abril 2018.

Estudos em Direito da Concorrência 623


Amanda Athayde

fatores, como, por exemplo, obrigações societárias e de governança


corporativa em bolsas de valores, análises internas sobre os riscos
de não cumprimento das leis e seus custos financeiros, instituição de
um programa global para o grupo econômico empresarial, exigência
de fornecedores ou contrapartes contratuais, fatores reputacionais,
elementos morais/éticos da alta direção, investigações e processos
em curso ou anteriores, dentre outros. Independentemente da origem
da tomada de decisão, o mais importante resultado é a mudança da
cultura organizacional da empresa.
Nesse sentido, o compliance começa a se consolidar como uma
cultura, e não uma política891. O Programa de Compliance passa a ser,
assim, por iniciativa própria do agente privado, o elemento motriz das
mudanças, e não uma simples consequência de incentivos públicos. Ao
se colocar como causa dos acordos de leniência, o compliance mostra
todo o seu potencial de efetividade, possibilitando que o ilícito seja
reportado às autoridades quando elas não têm sequer conhecimento
ou quando ainda não têm provas suficientes para a sua identificação.

4. COMPLIANCE COMO INSTRUMENTO DE


AUTORREGULAÇÃO EMPRESARIAL

Pode-se dizer ainda que o compliance é uma importante ferramenta


para a autorregulação892 das empresas. Esta autorregulação, como

891 SNYDER, Brent. Compliance is a Culture, Not Just a Policy. Remarks as Prepared
for the International Chamber of Commerce/ United States Council of International
Business Joint Antitrust Compliance Workshop. New York, Sept. 2014.
892 Dentre as possíveis formas de autorregulação, o modelo de autorregulação regulada
(ou, na doutrina anglo-saxônica, self-regulation) é a mais comum e importante forma
de manifestação da participação privada no processo regulatório, sendo destacados
três possíveis modelos para sua implementação: delegated self-regulation, devolved-self-
regulation e cooperative self-regulation. A autorregulação regulada é caracterizada pela
intervenção dos entes privados no processo de regulação, de forma subordinada aos
fins de interesse público estabelecidos pelo Estado. Este, titular do direito de regular,
recorre às empresas para que colaborem com a elaboração de normas. Neste sentido,
ver mais em: OGUS, Anthony. Self-regulation, in PARISI, Francesco (org.) Production
of Legal Rules. Encyclopedia of Law and Economics, 2ª ed. Edward Elgar, vol. 7, 2011.

624 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

bem coloca STUCKE893, deve ser uma grande frente a ser explorada,
a fim de se buscar uma mudança nos valores e práticas empresariais,
por meio da criação de uma nova cultura empresarial, baseada na
ética e no cumprimento das normas legais. Mesmo que a regulação
pelo Estado e suas multas continuem tendo papel essencial894, veja que
o Estado já não é capaz de, por si só, garantir um mercado livre de
práticas anticoncorrenciais, atos de corrupção e ilícitos financeiros,
i.e. condutas ilegais e antiéticas.
Cada vez mais se torna claro, portanto, que a adesão e o
comprometimento voluntário dos agentes econômicos é crucial
para o efetivo e eficaz combate à tais ilegalidades. Neste ponto, os
programas de compliance como instrumentos de autorregulação
ganham grande destaque na medida em que, como defendem RILEY e
SOKOL895, o enforcement tradicional, por si só, não é capaz de produzir
o comprometimento com a lei que os programas de compliance
pretendem construir. A aplicação de sanções, por si só, não consegue
alcançar a percepção de moralidade do comportamento que está
sendo regulado ao meramente colocar um preço no descumprimento
das normas. De acordo com os autores, há então a necessidade de tirar
o debate do papel do Estado e voltá-lo às necessárias mudanças dos
valores sociais. A autorregulação e, especificamente, o compliance,
procuram fazer parte da construção dessa cultura de respeito

893 STUCKE, Maurice. Search of Effective Ethics & Compliance Programs. Journal of
Corporation Law. v. 39, n.4, 2014. p. 771-772. Disponível em: <https://cclg.rutgers.edu/
wp-content/uploads/39JCorpL769.pdf>. Acesso em: 12 abril 2018.
894 FRAZÃO (em FRAZÃO, Ana (Org.). Constituição, Empresa e Mercado. Brasília:
Faculdade de Direito - UnB, 2017, p. 18. Disponível em: <http://www.docs.ndsr.
org/livrogecem.pdf>. Acesso em: 12 abril 2018) ressalta que para que haja um real
engajamento dos agentes do mercado nessa cruzada ética é crucial que o Estado
promova os devidos incentivos. Daí porque, para a autora, a extensão e a eficácia
da autorregulação dependem necessariamente da heterorregulação (a regulação
tradicional do Estado). Nas palavras da autora, “Com efeito, a autorregulação apenas
faz sentido se a sua eficácia puder ser atestada e monitorada. Consequentemente, a
mera adesão a um programa de compliance não deixa de ser um protocolo de boas
intenções, as quais dependerão de certo tempo para a comprovação da sua eficácia”.
895 RILEY, Anne; SOKOL, D. Daniel. Rethinking Compliance. Journal of Antitrust Law,
p. 45. Disponível em: <http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2475959>
Acesso em: 12 abril 2018.

Estudos em Direito da Concorrência 625


Amanda Athayde

voluntário à legalidade. Assim, RILEY e SOKOL reforçam: “compliance


is on the agenda not because of a fear of enforcement, but rather because
ethical and compliant business is “the right thing to do””896.
Isso posto, ainda assim é possível se questionar: tendo em vista
que a regulação provoca relativo cerceamento de liberdade, por que
os agentes econômicos teriam incentivos para se autorregular? A
lógica é a de que a autorregulação permite aos agentes, como maiores
conhecedores de sua atividade e dia-a-dia empresarial, estabelecer
padrões de qualidade e normas de conduta de forma mais efetiva e
eficiente. Daí, mais uma vez, a importância da adoção de incentivos
para programas de compliance, vistos como instrumentos de uma
mudança “de dentro para fora”, como controles da ilicitude através de
“sistemas autorreferenciais de autorregulação regulada”897, capazes de
fornecer diretrizes adequadas à estrutura interna das empresas para
que os ilícitos sejam prevenidos de maneira mais efetiva, muitas vezes
antes de projetarem seus efeitos898.
Nesse ponto, FRAZÃO899 ressalta a importância do Estado
na eficácia dos programas de compliance, por meio da criação de
estímulos, incentivos, legitimação e segurança para que os agentes
econômicos tomem medidas de autorregulação, como o compliance,
que, ainda que benéfico, é normalmente custoso e trabalhoso.
Nesse sentido, o Estado, por meio da heterorregulação, deve i)
esclarecer os principais objetivos de um programa de compliance, os
critérios materiais que devem ser atendidos, bem como os sistemas
de monitoramento e readequações; ii) ser sensível à necessária
adaptação desta exigências de acordo com o porte e o perfil dos

896 Idem.
897 SIEBER, Ulrich. Programas de “compliance” en el Derecho Penal de la empresa: Una
nueva concepción para controlar la criminalidad económica. In: OLAECHEA, Urquizo;
VÁSQUEZ, Abanto SÁNCHEZ, Salazar. Homenaje a Klaus Tiedemann. Dogmática
penal de Derecho penal económico y política criminal. v.1., p. Lima: Fondo, 2001. p.
205-246.
898 FRAZÃO, op. cit., 2017, p. 17 e 18.
899 FRAZÃO, Ana (Org.). Constituição, Empresa e Mercado. Brasília: Faculdade de
Direito - UnB, 2017, p. 18. Disponível em: <http://www.docs.ndsr.org/livrogecem.pdf>.
Acesso em: 12 abril 2018

626 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

agentes econômicos, a fim de não criar custos excessivos ou mesmo


inexequíveis, especialmente para os pequenos e médios empresários;
iii) criar canais de comunicação com os agentes econômicos; e iv)
fiscalizar adequadamente a eficácia dos referidos programas.
Todos esses objetivos, como é intuitivo, estão muito além das
discussões relacionadas aos acordos de leniência, mas se aplicam
igualmente a tais hipóteses, já que provavelmente apenas será causa
da leniência um programa de compliance que atenda aos requisitos
já mencionados e que possa identificar rapidamente a prática ilícita.
Da mesma forma, só faz sentido que um programa de compliance seja
consequência da leniência se for para atender aos referidos requisitos,
evitando a reincidência e ainda prevenindo, de forma mais ampla, os
ilícitos corporativos.

5. CONCLUSÃO

Uma vez superada a apresentação do paradoxo do ovo ou da


galinha entre leniência e compliance, bem como a introdução da noção
de compliance como instrumento de autorregulação empresarial,
cumpre avaliar as consequências desse novo cenário na postura dos
advogados, dos trabalhadores, administradores e controladores das
sociedades empresárias, da própria empresa e dos servidores públicos.
Há alguns anos, podia-se dizer com relativa serenidade que o
padrão da advocacia tradicional em casos de investigação de ilícitos
de “colarinho branco”, no exterior900 e no Brasil901, era de dificultar

900 Esse padrão internacional da advocacia tradicional é reconhecido, por exemplo,


por SCHROEDER, Dirk. Squaring the circle in cartel cases: compliance, fines, leniency
and settlement from a private practitioner’s perspective. Competition L. Int’l 39 (2008).
901 De acordo com Antonio Rodrigo Machado, presidente da Comissão Anticorrupção
e Compliance, o cenário brasileiro de crise e escândalos de corrupção demanda
uma nova postura dos advogados: “a nossa atuação vai se dar no Poder Judiciário,
nas instâncias administrativas, mas também com criatividade e inovação na busca
de um mercado empresarial cada vez mais voltado à atuação responsável e eficiente
perante o Poder Público. Por isso, o setor de compliance torna-se tão importante para
a atuação do profissional da advocacia, agindo de forma preventiva e colaborando
com a proteção do dinheiro público e uma concorrência empresarial cada vez mais

Estudos em Direito da Concorrência 627


Amanda Athayde

ao máximo o acesso às evidências pela autoridade investigadora e,


após eventual condenação, recorrer ao Judiciário para questionar
todos possíveis vícios formais e materiais da decisão, em todas as
instâncias cabíveis. Esses tempos, porém, parecem estar mudando, e
repercutindo também na definição de novas estruturas das sociedades
empresárias e no comportamento dos seus administradores.
Tem-se notado que, em ilícitos como o cartel e a fraude a
licitação, por exemplo, as multas aplicadas pelas autoridades públicas
têm crescido exponencialmente. Ademais, nestes ilícitos e também
em outros, como os de corrupção e lavagem de dinheiro, a persecução
criminal tem se tornado concreta902, e trazido riscos reais quanto ao

voltada à responsabilidade social”. (<http://www.oabdf.org.br/noticias/compliance-


representa-o-futuro-das-pessoas-juridicas-no-brasil/>). Veja que os “Escritórios de
advocacia e consultorias chegaram a quadruplicar as equipes que oferecem serviços
para empresas que querem corrigir ou prevenir condutas irregulares” (<https://
g1.globo.com/economia/negocios/noticia/compliance-vira-mercado-em-alta-para-
escritorios-de-advocacia-e-consultorias.ghtml>).
902 Nos Estados Unidos, dá-se grande importância à criminalização de cartéis, pois
“Criminalization has many investigative and prosecutorial advantages. Criminalization
results in enhanced domestic investigative powers, the use of Mutual Legal Assistance
Treaties for investigative assistance between jurisdictions, greater possibilities for
extradition, increased incentives for individuals to cooperate with investigations,
and increased incentives for leniency applications.” (<https://www.justice.gov/sites/
default/files/atr/legacy/2009/07/10/247824.pdf>). Por isso, nos EUA “prosecuting
cartel offenses – and deterring the formation of cartels and the activities of cartelists
– continues to be our [Antitrust Division of the U.S. Department of Justice] highest
priority” (<https://www.justice.gov/atr/speech/global-antitrust-enforcement>). No
Brasil, “though in the books for over 20 years, the crime of cartels was very seldom
prosecuted until the last ten years, having really taken off in the last five years, before
reaching the point today where over 300 individuals are currently facing criminal
prosecution in Brazil” (Disponível em: <https://www.competitionpolicyinternational.
com/assets/Uploads/CalliariSep-151.pdf>. Acesso em: 11 abril 2018). De acordo com
Ana Paula Martinez (em MARTINEZ, Ana Paula. Repressão a Cartéis: Interface entre
Direito Administrativo e Direito Penal. São Paulo: Singular, 2013, apêndice IV), as
sanções mais significativas aplicadas a cartéis pelo Cade entre 1994 e 2012 foram
nos cartéis de Aço, Combustíveis em Lages, Companhias Aéreas, Jornais no Rio de
Janeiro, Vergalhões de Aço, Pedra Britada, Laboratórios de referência, Vitaminas,
Vigilância privada, Frigoríficos, Extração de Areia, Gases Industriais e hospitalares
e Peróxido de Hidrogênio. As multas para as empresas vão de R$ 3.034,41 (multa da
COMPROVE Consultoria Cível e Contábil no cartel de extração de areia) e chegam a R$
1.758.545.326,50 (multa da White Martins Gases Ind. Ltda no cartel de gases industriais
e hospitalares). Veja também dados da Operação Lava Jato acerca da quantidade de
tempo de prisão dos indivíduos condenados: <http://infograficos.oglobo.globo.com/
brasil/lava-jato-personagens.html?mobi=1>.

628 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

efetivo cumprimento de tempo de pena de reclusão pelos indivíduos.903


As ações de reparação de dano, públicas e privadas, vêm sendo ajuizadas
e começam a ter suas decisões proferidas e cumpridas904. Buscas e
apreensões se tornam de certo modo uma realidade cotidiana905, e o
oferecimento de denúncias cíveis e criminais, a abertura de processos
administrativos, todos noticiados pela mídia em tempo real, têm
tornado as investigações de certo modo palpáveis e palatáveis para a
sociedade.
Essa nova realidade traz, consigo, um novo padrão da advocacia,
preocupado com a prevenção de ilícitos e com a mitigação dos danos
em caso de seu cometimento prévio. Os chamados profissionais de
Compliance906 passam então a atuar fortemente dentro das empresas,

903 Exemplificadamente, pode-se mencionar: “Foram condenados por corrupção


ativa e associação criminosa os ex-executivos da Andrade Gutierrez Antônio Pedro
Campello de Souza Dias (15 anos, somando as penas de três crimes, pois ele também
foi condenado por lavagem de dinheiro), Elton Negrão de Azevedo Júnior (oito anos,
dois meses e 29 dias), Flávio Gomes Machado Filho (oito anos, dois meses e 20 dias)
e Paulo Roberto Dalmazzo (oito anos, dois meses e 20 dias)” (<http://agenciabrasil.
ebc.com.br/politica/noticia/2017-08/lava-jato-moro-condena-renato-duque-e-ex-
executivos-da-andrade-gutierrez>). Ainda, “A Justiça Federal em Curitiba condenou
nesta quarta-feira (5 de agosto de 2015) executivos e ex-executivos da OAS, empreiteira
investigada na Operação Lava Jato” (<http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2015/08/
justica-condena-executivos-da-oas-por-crimes-investigados-na-lava-jato.html>). E
mais: “Executivos da Galvão Engenharia têm pena aumentada em processo da Lava
Jato” (<https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/executivos-da-galvao-
engenharia-tem-pena-aumentada-em-processo-da-lava-jato.ghtml>)
904 As ações de reparação de dano podem ser postuladas tanto pelos clientes
prejudicados pela conduta, com base no CPC e na responsabilidade civil do CC
(comprovado dano individual, nexo de causalidade e culpa), bem como pelo Ministério
Público, com base na Lei de Ação Civil Pública (comprovado o dano social).
905 Só no âmbito da Operação Lava Jato, deflagrada em 2014 e que continua até os dias
atuais, já foram cumpridos, pelo menos, 844 mandados de busca e apreensão, tanto
no Brasil quanto no exterior (<http://www.pf.gov.br/imprensa/lava-jato/numeros-da-
operacao-lava-jato>). Ademais, o caso de corrupção e fraude nos Fundos de Pensão
contou também com aproximadamente 106 mandados de busca e apreensão (<http://
g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2016/09/operacao-contra-fraude-em-fundos-de-
pensao-leva-pf-8-estados-e-df.html>).
906 O termo “compliance” advém do verbo inglês “to comply”, que significa “to act
according to an order, set of rules, or request” (<https://dictionary.cambridge.org/pt/
dicionario/ingles/comply>). Assim, compliance denota estar em conformidade com
as leis, cumprir com os regulamentos internos e externos das instituições, e tem
como função principal garantir que as exigências dos órgãos de regulamentação e
seus padrões estejam efetivamente sendo colocados em prática, em todos os níveis

Estudos em Direito da Concorrência 629


Amanda Athayde

tanto na estruturação quanto na manutenção dos chamados


Programas de Compliance. Ao invés de dificultar o acesso às evidências
pela autoridade investigadora, esse novo perfil de advogado pode
recomendar que a empresa e os indivíduos procurem pró-ativamente
a autoridade investigadora para colaborar, antes mesmo desta ter
conhecimento da infração. Pode, ademais, recomendar que seu
cliente abra mão de recursos judiciais, caso essa seja uma condição
para a celebração de um acordo de colaboração, por exemplo. O
advogado reconhece então que a diferença de minutos, horas ou dias
pode ser crucial para determinar o nível de redução de pena que um
colaborador pode ter907, de modo que a leniência passa a ser objeto de

existentes da empresa (previdenciário, trabalhista, contábil, fiscal, ambiental,


financeiro, jurídico, etc.). A gestão de compliance garante a existência de um
sistema de controles internos que demonstre, de forma transparente, que a estrutura
organizacional adotada e os procedimento internos estão em conformidade com os
regulamentos externos e afetos à organização. Tal atividade não se confunde com
a auditoria interna (atividade objetiva e sistemática que, por meio de amostragens,
busca acrescentar valor e melhorar as operações e o desempenho econômico de
uma organização) e a gestão de risco (voltada à identificação, avaliação, mitigação e
monitoramento de riscos). Antes, tais áreas são complementares e formam os pilares
de uma boa governança coorporativa (adoção de boas práticas em uma entidade –
em especial, transparência, princípios de equidade, accountability e responsabilidade
corporativa – visando atender às necessidades e interesses ligados a exigências
econômicas, regulatórias e jurídicas).
907 Veja que no Cade, por exemplo, existe uma ordem de chegada para a negociação
do Acordo de Leniência. Assim, havendo disponibilidade para a propositura do
acordo de leniência a respeito de uma determinada conduta, o primeiro proponente a
comparecer perante a SG para denunciar tal infração poderá apresentar ao órgão uma
proposta de Acordo de Leniência. Caso mais tarde apareçam outros proponentes,
estes entrarão em uma “fila de espera”, organizada por ordem de chegada (2º, 3º
e 4º colocados, por exemplo). Importante pontuar que os proponentes não têm
conhecimento da posição exata em que se encontram na fila de espera. Conforte
o Guia do Cade para Acordo de Leniência, (<http://www.cade.gov.br/acesso-a-
informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia_programa -de-leniencia-
do-cade-final.pdf>) “constar em ‘fila de espera’ pode ser importante por pelo menos
dois motivos. Em primeiro lugar porque o próximo proponente da fila (2º, 3º, 4º, etc.,
conforme a ordem cronológica) será convidado a negociar novo Acordo de Leniência
caso a negociação do Acordo de Leniência Antitruste em andamento seja rejeitada”.
Em segundo lugar, “porque, caso a negociação do Acordo de Leniência em andamento
seja aceita e o acordo seja assinado, os proponentes que ainda estiverem ‘em fila
de espera’ terão seus pedidos de senha automaticamente convertidos em pedidos
para negociação de Termo de Compromisso de Cessação (TCC) [...]. Nesse caso, os
proponentes serão convocados, também segundo a ordem dos pedidos de senha para
negociação de leniência, para manifestar interesse na negociação de TCC”.

630 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

discussões entre amigos em conversas informais e internamente nas


tomadas de decisão empresariais.
Com isso, a postura dos investigados também parece mudar. O
dilema do prisioneiro908, que antes era desconhecido por muitos, passa
a ser assunto discutido entre amigos em rodas de conversas informais.
Qual o risco de ser pego cometendo um ilícito? Vale a pena delatá-
lo, “entregar” os coautores e obter reduções de pena? Em quais
circunstâncias? Qual o melhor momento para colaborar com uma
investigação? Será que o trabalhador que tem conhecimento de uma
determinada infração tem o dever de denunciar? Ou será que esse
dever é exigido dos administradores e controladores, enquanto faceta
do dever de diligência909 destes exigido nos termos da lei societária?910
Essa mudança de mentalidade, por sua vez, passa também
a influenciar a estruturação interna das empresas, que passam a se
preocupar com o eventual cometimento de ilícitos por seus funcionários
e executivos, diante das múltiplas repercussões daí decorrentes. Quais
as áreas mais sensíveis ao cometimento de ilícitos na empresa? Quais
as cautelas que devem ser adotadas? Há treinamentos específicos a
serem realizados a fim de prevenir os ilícitos? E diante da constatação

908 O dilema do prisioneiro, jogo que simula o impasse entre cooperar e trair, se
estrutura da seguinte maneira: dois criminosos, A e B, são presos e interrogados
separadamente. A polícia não possui provas suficientes para os condenar, então
oferece a ambos um acordo: (i) se um dos criminosos trair e o outro permanecer em
silêncio, o que traiu sai livre e o silente cumpre 10 anos de prisão; (ii) se ambos ficarem
em silêncio (cooperarem entre si), serão condenados a 1 ano de prisão cada; e (iii)
se ambos traírem, cada um leva 5 anos de prisão. Logicamente, o melhor resultado
conjunto a ser obtido pelos criminosos seria se os dois quedassem silentes, pois
assim ambos serão soltos. Porém, o melhor resultado individual (para um prisioneiro
apenas e não para outro) é a traição: caso “A” traia e “B” não, “A” sairá livre; se “A” trai
e “B” também, “A” pegará uma pena menor.
909
910 Para maiores discussões a respeito do assunto, sugere-se a leitura de artigos
anteriores destas autoras: ATHAYDE, Amanda. Can shareholders claim damages against
company officers and directors for antitrust violations? The Japanese experience and possible
lessons to Brazil. in, Competition Law and Policy in Latin America: recent experiences.
Paulo Burnier da Silveira (Org.). Editora Kluwer, 2017, 244. FRAZÃO, Ana. Dever de
diligência: novas perspectivas em face de programas de compliance e de atingimento
de metas. Portal Jota, 15 de Fevereiro de 2017. Disponível em: <http://jota.info/
colunas/constituicao-empresa-emercado/dever-de-diligencia-15022017>. Acesso em
16 de Abril de 2018.

Estudos em Direito da Concorrência 631


Amanda Athayde

de que um ilícito foi cometido, qual deve ser a postura empresarial?


Quais os mecanismos de governança interna que são possíveis a sim
de se mitigar tais riscos?
Essa nova realidade também traz consigo um novo padrão de
servidores públicos, que têm que estar preparados para a negociação
de acordos com as empresas e os indivíduos que pretenderem
colaborar, respeitados, sempre, os limites previstos nas respectivas
legislações. Uma mentalidade estritamente punitivista destes deve
dar espaço a uma compreensão mais ampla de que os acordos de
leniência e os programas de compliance podem ser relevantes aliados
para a obtenção de resultados sociais promissores de médio e longo
prazo no Brasil.
Por fim, destacamos que há de se ter muita cautela ao lidar com
o problema da corrupção e dos ilícitos corporativos, a fim de que as
soluções enderecem não apenas as consequências atuais e pontuais
do problema, mas sobretudo as suas causas. Daí a importância de
medidas que, como a cooperação e a autorregulação em favor do
compliance, possam modificar as instituições vigentes, que propiciam,
incentivam ou toleram excessivamente as práticas de corrupção911.
Somente por meio da alteração das regras do jogo, da dinâmica
competitiva dos mercados e da reformulação dos espaços de ação
tanto do Estado como dos agentes econômicos é que se poderá pensar
em uma solução isonômica, prospectiva e eficaz para o problema dos
ilícitos corporativos.

911 Ver FRAZÃO, Ana. Arquitetura da corrupção e as relações de mercado: Somente uma
mudança institucional profunda pode gerar frutos consistentes e duradouros. Portal
Jota, 30 de Maio de 2016. Disponível em: <http://jota.info/artigos/arquitetura-da-
corrupcao-e-relacoesde-mercado-30052016. >. Acesso em 16 de Abril de 2018.

632 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

A GLIMPSE INTO BRAZIL’S EXPERIENCE IN INTERNATIONAL


CARTEL INVESTIGATIONS: LEGAL FRAMEWORK,
INVESTIGATORY POWERS AND RECENT DEVELOPMENTS
IN LENIENCY AND SETTLEMENTS POLICY

Publicado originalmente em: Concurrences. Competition Law Review,


n° 3, 2016.

Amanda Athayde

Marcela Campos Gomes Fernandes

INTRODUCTION

International cartels can cause harmful effects to consumers


and to the economy, possibly leading to higher overcharges than
domestic ones912. Their impact can be especially severe for developing
countries.913 In Latin America only, the estimated overcharges due to
the 84 global cartels discovered between 1990 and 2000 are worth at
least 35 billion dollars914. International cartel enforcement, which has
been considered a top priority by competition authorities in North
America and Europe for several decades, has been on the rise in the
so-called “Rest of the World” (ROW): Africa, Asia and Latin America.915

912 J. M. Connor, Price-Fixing Overcharges: Revised 3rd Edition (February 24, 2014).
Available at SSRN: http://ssrn. com/abstract=2400780 or http://dx.doi.org/10.2139/
ssrn.2400780.
913 M. Levenstein, V. Suslow and L. Oswald, International Price-Fixing Cartels and
Developing Countries: A Discussion of Effects and Policy Remedies, Cambridge:
National Bureau of Economic Research, 2003. Available at: http://www.nber.org/
papers/w9511.pdf.
914 J. M. Connor, Latin America Cartel Control (March 14, 2008). Chapter XIV pp.
291–324, in Competition Law and Policy in Latin America, E. M. Fox and D. D. Sokol
(eds.), Oxford: Hart Publishing (July 2009). Available at SSRN: http://ssrn.com/
abstract=1156401 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1156401.
915 J. M. Connor, The Rise of Anti-Cartel Enforcement in Africa, Asia, and Latin
America (January 6, 2016). Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=2711972 or

Estudos em Direito da Concorrência 633


Amanda Athayde

In this paper, the authors present a brief overview of Brazil’s


experience in this area,916 examining improvements and challenges
to overcome. As the statis- tics917 show, the Brazilian Competition
Authority (the Administrative Council for Economic Defense — CADE,
in its Portuguese acronym) has made important improvements in
the prosecution of international cartels in the last decade and a half.
From 2000 to April 2016, the Authority opened 43 new proceedings
to investigate international cartels (see figure 1 below). Even though
the first two investiga- tions started in the year 2000, the prosecution
of inter- national cartels in Brazil truly took off in 2009, with the
opening of 7 new proceedings in the same year. Likewise, 35 of the
43 proceedings were initiated between 2009 and April 2016, which
indicates that in the last seven years Brazil has opened 81% of the total
number of investiga- tions into international cartels. This leads to the
inference that the enforcement of international cartels in Brazil has
only really started recently and is rising.

http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2711972.
916 For the purposes of this paper and due to limitations of our research, we will
consider as international cartel investi- gations only the ones in which the alleged
violations are international in a geographic sense and have alleged poten- tial effects in
Brazil. They include cartels that operated nationally, but were part of an international
agreement. They do not include national cartels with one or more offenders located
outside Brazil.

917 All the numbers presented in this paper were extracted from CADE’s proceedings
and information, and aggregated by the authors. They have been updated to April 30,
2016. Any inaccuracy is the authors’ responsibility only.

634 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Figure 1. Number of new proceedings per year in Brazil (international cartels


only)

Within the same time frame (i.e., from 2000 to April 2016),
27 leniency agreements regarding either fully or at least partially
international cartels allowed the initiation and/or the continuation
of the international cartel inves- tigations (see figure 4 below), and
44 settlement agreements were signed related to international cartel
proceed- ings (see figure 5 below).
However, challenges associated with the investigation of this
kind of violation still need to be dealt with by the Authority.918 As the
numbers indicate, only 14 of the 43 proceedings against international
cartels resulted in a formal final decision by CADE’s Tribunal919 by April

918 In these cross-border violations, companies and individuals involved are typi-
cally located in different countries, all around the world, as well as are most of the
evidences and the witnesses, making it difficult to the authorities to get together all
the pieces of the puzzle. Besides, language barriers and procedural obstacles can also
represent a great burden when dealing with transnational investigations.
919 At the end of each investigation, CADE’s General Superintendence (hereafter “SG/
CADE”), which is the investigative body, issues an opinion either on the condemnation

Estudos em Direito da Concorrência 635


Amanda Athayde

2016 (32%). 10 of them ended convicted (23%) and 4 closed (9%)920. In 14


cases, the authorities are still trying to locate all the companies and/or
individuals involved and notify them of being subject to investigation
in order to initiate the legal deadline for presenting their defenses
(32%).921 9 further cases are under investigation by CADE’s investi-
gative body (the General Superintendence—SG/CADE in its Portuguese
acronym) (21%) and 6 are awaiting a final decision by CADE’s Tribunal
(14%) (see figure 2 below).

or the closing of the case and submits it for judgment by CADE’s Tribunal (which is the
final decision body).
920 By convicted, we also considered the proceedings closed after a settlement. By
closed, we also considered cases that are still under investigation, but already had
their international part closed.
921 According to Art. 70 of Law 12,529/2011, in “the decision initiating the admin- istrative
proceeding, the respondent shall be notified so that, within thirty (30) days, he presents a
defense and specifies the evidence to be produced, and pres- ents the complete qualifications of
up to three (03) witnesses. The initial notice shall contain the entire contents of the decision
approving the initiation of the administrative proceeding and representation, as the case
may be.” In case of international cartels, individual defendants residing outside Brazil
also have to be notified. The exact location of foreign individuals is often an obstacle
for the Authority, especially when they are former employees of the companies being
investigated or when they live in countries with personal data protection laws that
forbid the employers to provide their addresses.

636 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Figure 2. Current phases of the proceedings per year (international cartels


only)

Older Cases Newer Cases


(2000-2009): 15 (2010-2016*): 28

When it comes to the 15 older cases, i.e. those started between


2000 and 2009, SG/CADE has already made a recommendation for
14 (93%). The majority of those 14 cases have already been judged
by CADE’s Tribunal (12), the majority with conviction (9) and a few
closed (3). There are other 2 cases awaiting final decision by CADE’s
Tribunal. However, when it comes to the 28 newer cases, i.e. those
started from 2010 to April 2016, the majority of those (22) are either
pending notification of the defendants (14) or under the regular
proceeding of this eviden- tiary stage (8). 4 of them are awaiting a final
decision by CADE’s Tribunal, 1 was convicted and 1 closed. Therefore,
the bottleneck associated with locating and notifying the defendants
seems to have narrowed since 2010.
The bottleneck was probably caused by at least two factors. One
is that the above period coincided with the Brazilian Competition

Estudos em Direito da Concorrência 637


Amanda Athayde

Authority’s decision to intensify investigations against individuals922.


In turn, this increased the burden of locating individual defendants.
The other factor was related to legal issues regarding having the
notification documents translated into the defendants’ language923.
These translation issues slowed down the noti- fication process of
individual and corporate defendants.
To deal with this bottleneck, the Authority first chose to split
the proceedings between defendants notified and not yet notified,
but this division had the effect of multi- plying the number of cases.
Additionally, since 2015 the Authority has resorted to shifting the
burden of providing the translation of the notification documents to
the leniency and settlement applicants. The solution was achieved
by introducing clauses of procedural coop- eration for document
translation in the Leniency and Settlement Agreements. Since this shift
was only intro- duced last year, however, the results are not yet reflected
in the numbers. An additional tool for speeding up investigations was
incentivizing defendants to negotiate settlements with SG/CADE even
if the proceed- ings were still pending notification of the defendants
or under proceeding of this evidentiary stage. The incen- tive came
in the form of offering discounts on penal- ties for approaching the
Authority as early as possible (as detailed in section III).
Below, the authors analyze in more detail Brazil’s international
cartel enforcement. In the first section, the authors give a quick
overview of the legal framework on cartels in Brazil, as well as of

922 This tendency of prosecution against individuals is also verified in the United States,
for instance. According to the Deputy Assistant Attorney General of the Department
of Justice, Brent Snyder, “During the 1990s, the Antitrust Division prosecuted almost equal
numbers of individuals (476) as corporations (480). From 2000–2009, we prosecuted more
than twice as many individuals (453) as corporations (220). And during the most recent five-
year period, we pros- ecuted almost three times as many individuals (352) as corporations
(123).”B. Snyder, Individual Accountability for Antitrust Crimes, Remarks as Prepared
for the Yale School of Management—Global Antitrust Enforcement Conference, Feb.
19, 2016.
923 In order to resort to international legal cooperation mechanisms, based in Mutual
Legal Assistance Treaties or reciprocity agreements, it is usually required a certified
or official translation of the proceedings documents into the requested country official
language. Specific requirements related to the translation are those of the requested
country.

638 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

CADE’s main investiga- tory powers. In the second and third sections,
the authors describe CADE’s Leniency Program and Settlement Policy,
respectively, which are the two main pillars of Brazilian international
cartel investigations. In the last section, the authors present their final
considerations about the issues discussed in the paper.

LEGAL FRAMEWORK ON CARTELS IN BRAZIL AND


CADE’S MAIN INVESTIGATORY POWERS

In Brazil, cartels are an administrative924 as well as a criminal925


violation. Regarding the administrative prose- cution of international
cartels, the Brazilian Competition Law adopts the “effects doctrine”
and therefore applies it to any practice performed, in full or in part,
on the national territory, or that produces or may produce effects

924 In the administrative area, the Brazilian Competition Law (Law No. 12.529/2011)
is the legislation governing the prosecution. The administrative prosecution focus on
companies and individuals that agree, join, manipulate or adjust with competitors, in
any way, on one of the following market variants: (i) the prices of goods or services
individually offered; (ii) the production or sale of a restricted or limited amount of
goods or the provision of a limited or restricted number, volume or frequency of
services; (iii) the division of parts or segments of a potential or current market of
goods or services by means of, among others, the distribution of customers, suppliers,
regions or time periods; or (iv) the prices, conditions, privileges or refusal to participate
in public bidding. Those acts will be considered administrative violations in Brazil
under any circumstance if they have as an objective or may have, regardless of fault,
even if not achieved, one of the following effects: (a) to limit, restrain or in any way
injure free competi- tion or free initiative; (b) to control the relevant market of goods
or services; (c) to arbitrarily increase profits; and (d) to exercise a dominant position
abusively. Law 12.529/2011 (Brazilian Competition Law), Article 36, § 3º, I. Available
at: http://www.cade.gov.br/assuntos/internacional/legislacao/law-no-12529-2011-
english-version-from-18-05-2012.pdf/view
925 In the criminal area, the Brazilian Economic Crimes Law (Law No. 8.137/1990,
Article 4, II) is the legislation governing the prosecution. The criminal prosecu- tion
focus only on the individuals that reach an agreement, compromise, adjust- ment or
alliance among offers aiming at one of the following objectives: (a) arti- ficially fixing
prices or quantities sold or produced; (b) regional control of the market by a company
or group of companies; (c) or control of a distribution or supply network, detrimental
to the competition. Those acts of the individ- uals face a penalty in Brazil of two to
five years of imprisonment and fines, and the prosecution is charge of the Public
Prosecution Service—either by the State Prosecutors or the Federal Prosecutors.

Estudos em Direito da Concorrência 639


Amanda Athayde

thereon.926 It is also relevant to note that CADE considers cartels as


a violation by its object, and therefore it is not required to prove its
actual effects927.
Although Brazilian Law could theoretically reach a wide scope
of national and international cartels around the world with any kind
of actual or potential direct/ indirect impact on the Brazilian economy,
CADE only prosecutes the ones that fulfill the minimum require- ments
established by the Authority. In a recent leading case,928 SG/CADE made
public what those requirements are, providing a clear position on at
least three types of international cartels. These are: (i) international
cartels of global scope or involving specific regions or countries in
which there is evidence of the inclusion of Brazil in the scope of the
agreement—this type of cartel can be prosecuted and punished under
Brazilian jurisdiction; (ii) international cartels of global scope or
involving specific regions or countries in which there is evidence that
some or all of the participants in the collusion exported the cartelized
product directly to Brazil—this type of cartel can be prosecuted and
punished under Brazilian juris- diction, and even companies that did
not export their products directly to Brazil may be subject to liability;
(iii) cartels involving regions of the world or specific countries in
which there is no evidence that its members exported the cartelized
product directly to Brazil, but only indirectly929—this type of cartel may
or may not be prosecuted and punished under Brazilian jurisdiction
depending on the materiality and substantiality of the potential effects
of the conduct in Brazil.
To investigate domestic and/or international cartels, CADE has
the most common and relevant investigatory powers available for
926 Law No. 12.529/2011 (Brazilian Competition Law), Article 2.
927 Leading Cases: Administrative Proceedings (PA) No. 08012.002127/2002-14,
08012.004702/2004-77 and 08012.004472/2000-12.
928 The document in which that position was first stated was the SG/CADE’s final
conclusion in the CRT glass’ Administrative Proceeding (PA) No. 08012.005930/2009-
79, dated from November 2015.
929 For “indirectly” exporting we refer the entry into Brazil of final products manu-
factured with intermediate products sold by the cartel members outside Brazilian
territory.

640 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

competition authorities around the world. Since 2000, Brazil has had
a well-structured and strong Leniency Program930 as well as the power
to request search and seizure warrants.931 Additionally, in 2012, Brazil
acquired the power to make unannounced inspections,932 and in 2013 it
introduced a major change in its Settlements Policy,933 which resulted
in an impressive increase in the use of this investigative tool.
When it comes to international cartels, Brazil usually relies
intensively, even though not exclusively, on Leniency and Settlements
Agreements. In addition, the Authority often resorts to the use of
decisions and settlements from other jurisdictions as an investigative
resource. Moreover, international cooperation with other antitrust
author- ities is being intensified. For instance, when a case origi- nates
from a leniency agreement, international cooper- ation is commonly
established if the leniency applicant provides SG/CADE with a waiver,934
either procedural or full, which may continue during the entire
proceeding. Finally, informal cooperation to exchange impressions
and non-confidential information about the case is usual too.
Through the use of all of these instruments, Brazil has
investigated some of the most well-known international cartels, such

930 Law 12.529/2011 (Brazilian Antitrust Law), Articles 86 and 87, and CADE’s Internal
Rules Articles 197 to 210. For further information, check the English version of
the draft of CADE’s Guidelines on the Leniency Program: http://www. cade.gov.br/
acesso-a-informacao/participacao-social-1/contribuicoes-da-socie- dade/arquivos/
guidelines-cades-antitrust-leniency-program.pdf
931 Law 12.529/2011 (Brazilian Antitrust Law), Article 13, VI, d).
932 Law 12.529/2011 (Brazilian Antitrust Law), Article 13, VI, c).
933 Law 12.529/2011 (Brazilian Antitrust Law), Article 85 and CADE’s Internal Rules
Articles 179 to 196. For further information, check the English version of the draft
of CADE’s Guidelines on the Settlements in Cartel cases: http://www. cade.gov.br/
acesso-a-informacao/participacao-social-1/contribuicoes-da-socie- dade/arquivos/
guidelines_tcc.pdf
934 CADE does not share information from a leniency agreement with antitrust
authorities of other countries, except if the leniency applicants and/or recipients
expressly allow the sharing of the provided information with the authorities of other
jurisdictions (waiver). The waiver can involve both formal aspects (proce- dural
waiver) and material aspects of the investigation (full waiver).

Estudos em Direito da Concorrência 641


Amanda Athayde

as the ones in the lysine,935 vitamins,936 hydrogen peroxide,937 gas and


air insulated switch- gears (GIS938 and AIS939), marine hoses,940 air
cargo,941 compressors,942 sodium perborate,943 graphite electrodes,944
TFT-LCD,945 CRT glass,946 soda ash,947 Cathode Ray Tube for television

935 Lysine’s Administrative Proceeding (PA) No. 08012.004897/2000-23. Closed by


CADE’s Tribunal.
936 Vitamins’ Administrative Proceeding (PA) No. 08012.004599/1999-18.Convicted by
CADE’s Tribunal.
937 Hydrogen Peroxide’s Administrative Proceedings (PA) No. 08012.004702/ 2004-77
and 08012.007818/2004-68. Both convicted by CADE’s Tribunal.
938 Gas Insulated Switchgear’s Administrative Proceeding (PA) No. 08012.001376/2006-
16. Awaiting final decision by CADE’s Tribunal.
939 Air Insulated Switchgear’s Administrative Proceeding (PA) No. 08012.001377/2006-
52. Although the proceeding is still under investigation by the SG/CADE, the probe
about a possible international aspect of the violation was closed by CADE’s Tribunal.
940 Marine Hoses’ Administrative Proceedings (PA) No. 08012.010932/2007-18 and
08012.001127/2010-07. Both convicted by CADE’s Tribunal.
941 Air Cargo’s Administrative Proceedings (PA) No. 08012.011027/2006-02 and
08012.000084/2010-34. Both convicted by CADE`s Tribunal. The first one was convicted
in formal final decision. The other was archived after a settlement with recognition of
participation on the cartel (considered in this paper as convicted).
942 Compressors’ Administrative Proceeding (PA) No. 08012.001104/2009-51.
Convicted by CADE’s Tribunal.
943 Sodium Perborate’s Administrative Proceeding (PA) No. 08012.001029/2007.
Convicted by CADE’s Tribunal.
944 Graphite Electrodes’ Administrative Proceedings (PA No.08012.009264/2002-71,
08700.007247/2014-85 and 08700.009509/2012-84.The first two were closed by CADE’s
Tribunal due to procedural issues. The third one was archived after a settlement with
recognition of the participation on the cartel (considered in this paper as convicted).
945 TFT-LCD Administrative Proceedings (PA) No. 08012.011980/2008-12 and
08012.008871/2011-13. Both under investigation by the SG/CADE. The first one in
under regular proceeding of investigation by the SG/CADE. The second is pending
notification of the defendants.
946 CRT glass’ Administrative Proceeding (PA) No. 08012.005930/2009-79. Awaiting
final decision by CADE’s Tribunal.
947 Soda ash’ Administrative Proceeding (PA) No. 08012.008881/2010-60. Under
investigation by the SG/CADE—regular proceeding.

642 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

sets (CPT948), Color Display Tubes for computer monitors (CDT949),


DRAM,950 submarine cables,951 air and sea international transport

948 CPT’s Administrative Proceedings (PA) No. 08012.002414/2009-92 and


08700.010731/2013-00. Both under investigation by the SG/CADE. The first one in
under regular proceeding of investigation by the SG/CADE. The second is pending
notification of the defendants.
949 CDT’s Administrative Proceeding (PA) No. 08012.010338/2009-99 and
08700.010979/2013-71. Both under investigation by the SG/CADE. The first one in
under regular proceeding of investigation by the SG/CADE. The second is pending
notification of the defendants.
950 DRAM’s Administrative Proceeding (PA) No. 08012.005255/2010-11. Awaiting final
decision by CADE’s Tribunal.
951 Submarine Cable’s Administrative Proceedings(PA) No. 08012.003970/2010-10 and
08700.008576/2012-81. The first one in under regular proceeding of investigation by
the SG/CADE. The second is pending notification of the defendants.

Estudos em Direito da Concorrência 643


Amanda Athayde

services/freight forwarding,952methionine,953ODD,954TPE plastic,955 ABS


plastic,956 auto parts,957 capacitors958, FOREX959 and shipping960 markets.
In the light of recent developments, in the next two sections we
will focus our analysis on the impact of two of CADE’s investigatory
powers in international cartel investigations: the Brazilian Leniency
Program (II.) and the Brazilian Settlement Policy (III.).

952 Air and sea international transport services/freight forwarding’s Administrative


Proceeding (PA) No. 08012.001183/2009-08. Under investiga- tion by the SG/CADE—
regular proceeding.
953 Methionine’s Administrative Proceeding (PA) No. 08012.009581/2010-06. Under
investigation by the SG/CADE—regular proceeding.
954 ODD’s Administrative Proceedings (PA) No. 08012.001395/2011-00 and
08012.011403/2011-18. Both under investigation by the SG/CADE. The first one in
under regular proceeding of investigation by the SG/CADE. The second is pending
notification of the defendants.
955 TPE Plastic Administrative Proceeding (PA) No. 08012.000773/2011-20. Awaiting
final decision by CADE’s Tribunal.
956 ABS Plastic Administrative Proceedings (PA) No. 08012.000774/2011-74 and
08700.009161/2014-97. Both are awaiting final decision by CADE’s Tribunal.
957 In 2014, 2015 and 2016, the General Superintendence opened eight Administrative
Proceedings to investigate cartels from different automo- bile parts, domestic and/or
international. Among them, there are international cartels, such as those related to:
The sparking plugs market (Administrative Proceeding (PA) No. 08700.005789/2014-
13)—under investigation by the SG/CADE, pending notification of the defendants—; The
anti-friction bear- ings market (Administrative Proceeding (PA) No. 08012.005324/2012-
59 and 08700007052/2015-16) — the first one in under regular proceeding of inves-
tigation by the SG/CADE. The second is pending notification of the defen- dants.—;
The clutch coating market (Administrative Proceeding (PA) No. 08700.010321/2012-
89)—under investigation by the SG/CADE, pending notification of the defendants—;
The wire harnesses market (Administrative Proceeding (PA) No. 08700.009029/2015-
66)—under investigation by the SG/ CADE, pending notification of the defendants—;
The honeycombs market (Administrative Proceeding (PA) No. 08700.009167/2015-
45)—under investi- gation by the SG/CADE, pending notification of the defendants;
The steering systems (Administrative Proceeding (PA) 08700.003735/2015-02) —under
investigation by the SG/CADE, pending notification of the defendants The auto parts
market was already the object from dawn raids complied by the SG/CADE in August
2014. There are still other investigations ongoing in the sector.
958 Capacitors’ Administrative Proceeding (PA) No. 08700.0010056/2014-09. Under
investigation by the SG/CADE. Pending notification of the defendants.
959 FOREX’s Administrative Proceeding (PA) No. 08700.004633/2015-04. Under
investigation by the SG/CADE. Pending notification of the defendants.
960 Shipping’s Administrative Proceeding (PA) No. 08700.001094/2016-26. Under
investigation by the SG/CADE. Pending notification of the defendants.

644 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

BRAZILIAN LENIENCY PROGRAM

Leniency961 Programs are an important, if not the most


important, investigatory tool designed to fight cartels.962 The Brazilian
Leniency Program was started in 2000, and since then it has been able
to attract different companies and/or individuals in different markets
and provide them with relevant benefits to cooperate963 with the
Authority.964

961 For the purpose of this paper, “leniency” refers to full immunity, amnesty or
reduction in fine in the case CADE is already aware of the reported violation but still
doesn’t have enough evidence against the candidate. According to article 86, paragraph
4, of Law No. 12.529/2011, combined with article 208 of the Internal Rules of CADE,
once CADE’s Tribunal declares that the leniency agreement has been fulfilled, the
leniency recipients will benefit from: (i) admin- istrative immunity under Law No.
12.529/2011, in cases in which the leniency agreement’s proposal is submitted to
CADE’s General Superintendence when this authority was not aware of the reported
violation; or (ii) a reduction by one to two-thirds of the applicable fine under Law No.
12.529/2011, in cases in which the leniency agreement’s proposal is submitted to the
SG/CADE after this authority becomes aware of the reported violation.
962 S. D. Hammond. Cornerstones of an Effective Leniency Program. In: ICN Workshop
on Leniency Programs, Sydney, 2004, pp. 22–23. Available at: http:// www.justice.gov/
atr/speech/cornerstones-effective-leniency-program.
963 According to the Brazilian Competition Law, there are six cumulative require-
ments to apply for a leniency agreement, which are the following: “(i) the company
must be the first in with respect to the violation reported or under investigation; (ii) the
company and/or individual must cease its participa- tion in the violation reported or under
investigation; (iii) when the agree- ment is proposed, CADE’s General Superintendence must
not have sufficient evidence to ensure the conviction of the company and/or the individuals;
(iv) the company and/or individuals must confess the wrongdoing; (v) the company and/
or individual must fully and permanently cooperate with the investigation and the
administrative proceeding, and attend, at their own expenses, whenever requested, at all
procedural acts, until a final decision is rendered by CADE on the reported violation; and (vi)
the cooperation must result on the identification of the others involved in the violation and
the collection of evidentiary informa- tion and documents of the offense reported or under
investigation.”
964 “According to article 86 of Law No. 12.529/2011, the government body respon- sible
for negotiation and execution of Leniency Agreements is [SG/CADE]. CADE’s Tribunal does
not participate in the negotiation and/or execution of Leniency Agreements and is only
responsible for issuing a final decision as to whether or not the agreement has been fulfilled,
at the time of the judgment of the administrative proceeding (art. 86, paragraph 4, of Law
No. 12.529/2011). Although arts. 86 and 87 of Law No. 12.529/2011 do not expressly require
the participation of the state and/or federal Prosecution Services for entering into a Leniency
Agreement, CADE’s consolidated experience shows that, in light of the criminal repercussions
of a cartel, the Prosecution Service should be invited to co-sign, as it is the competent entity to

Estudos em Direito da Concorrência 645


Amanda Athayde

In the administrative sphere, the first candidate entering into


a leniency agreement can obtain full immunity or a reduction of
the applicable fine. In the criminal sphere, entering into a leniency
agreement leads to the suspension of the limitation periods965 and
prevents the criminal prosecution of the candidate with respect to
the antitrust crimes set forth in the Economic Crimes Act (Law No.
8.137/1990) and other crimes directly related to participation in a
cartel, such as those set forth in the General Procurement Act (Law
No. 8.666/1993) and in Article 288 of the Criminal Code (criminal
conspiracy). It is important to stress that the Brazilian Leniency
Program offers this benefit only to the first company and/or individual
who approaches the Competition Authority, and all the others who
later approach CADE can negotiate settlements with benefits that are
quite different than those offered to leniency applicants (see section
III below).
Over the years, domestic and international corpora- tions and/
or individuals became aware of the Brazilian Leniency Program and
started applying for Leniency— perhaps realizing the threat of severe
sanctions and fearing detection. From 2000 to April 2016, Brazil has
signed 54 new leniency agreements and 17 addendums,966referring

bring criminal charges and initiate a public criminal action. Hence, the state and/or federal
Prosecution Services can participate in the agreement as an interested party, in order to grant
greater legal security for the leniency recipients and facilitate the criminal investigation
of the cartel.” In this sense, the administrative and the criminal investigations are
independent in both spheres, including in international cartel investigations.
965 In Brazil, Article 46 of Law No. 12.529/2011 provides for a five-year limitation
period determined either from the date when the anticompetitive practice took place
or, in the event of a permanent or continued violation, the date on which it ceases. In
situations where the conduct investigated under the Antitrust Law is also a criminal
violation (such as cartels), the limitation period is twelve years, applied both to the
Criminal Public Prosecutor and to CADE.
966 An addendum to the leniency agreement means signing of a document to include
individuals to the original leniency agreement. “It should be noted that an Addendum to
the Leniency Agreement will be possible only upon the fulfill- ment of the requirements for
execution of a Leniency Agreement, such as having participated in the conduct, confessing
the wrongdoing, and collaborating with the investigations, and as long as the SG/CADE does
not have sufficient evidence to ensure a conviction.”

646 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

to domestic, international and mixed967 cartels (see figure 3 below).


Even though the legislation came into force in 2000, the first leniency
agreement was signed only in 2003, paving the way for the first ever
cartel search and seizure warrant in Brazil. Of the more than fifteen
years of the Leniency Program, twelve of which included signing
leniency agreements, the last four need to be highlighted. From
2012968 to April 2016, 31 new leniency agreements were signed, which
represent 57% of the total number of new leniency agreements signed
in the history of the Brazilian Program. These numbers clearly demon-
strate the importance of the Brazilian Leniency Program in detecting
cartels.
Among the new leniency agreements, Brazil has a diversified
portfolio of domestic, international or mixed (domestic and
international) cartel investiga- tions (see figure 4 below). Twenty-seven
of the total of 54 new leniency agreements relate to domestic cartels

967 For “mixed” cartels, we refer to those investigations in which the alleged viola-
tion operated both domestic and internationally.
968 Before the entry into force of the Law No. 12.529/2011 (Brazilian Competition
Law), the law governing the competition issues was the Law No. 8.884/1994.

Estudos em Direito da Concorrência 647


Amanda Athayde

Figure 3. Number of new leniency agreements/ addendums per year in Brazil


(including domestic, international and mixed cartels)

(50%), 13 to international cartels (24%) and 14 to mixed ones


(16%). Whereas in the beginning of the Brazilian Leniency Program
the new Agreements were mostly related to international cartels, this
is no longer the case in recent years even though Brazil continues to
use leniency agreements to detect international violations. From 2003
to 2011, 30% of the total of 23 new leniency agreements were domestic
cartels, 35% international and 35% mixed ones. On the other hand,
from 2012 to April 2016, 65% of the total of 31 new leniency agreements
were domestic cartels, 16% international and 19% mixed ones.

648 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Figure 4. Types of cartels investigated as a result of leniency agreements per


year in Brazil

The above numbers clearly reveal some important features in


the Brazilian Leniency Program, especially regarding the direction
it has been taking in the last four years. The first feature is that the
leniency applicants have to provide strong information and evidence
not only on the existence of the collusion, but also about the potential
anticompetitive effects of the international cartel in Brazil.969 The
second feature is that Brazil is prosecuting a wide range of types
of cartels, including domestic, international and mixed ones, in
different markets. The third one is that the Brazilian investigations

969 B. Rosenberg, S. Terepins, L. Galvao and M. Exposto, Recent Trends in Leniency


Agreements in Brazil, CPI, Feb 26, 2014.

Estudos em Direito da Concorrência 649


Amanda Athayde

of inter- national cartels are not reliant exclusively on the Leniency


Program.970 The fourth feature is that the new leniency agreements,
each time more robust, are generating external impacts on the
Settlements Policy in Brazil, which is visible from the fact that, in
2015, 90% of the new leniency agreements were followed by at least
one request to settle. And the fifth feature is that the domestic and
international business community — including lawyers, business
employees, compliance staff, indi- viduals, etc.—is becoming more
aware of Brazil’s activities on the prosecution of cartels, which in turn
increases the effec- tiveness of the Brazilian Leniency Program.
To further enhance transparency, accessibility, predict- ability
and legal certainty in the Brazilian Leniency Program, in 2015 CADE
released the preliminary version of its Frequently Asked Questions
(also available in English971). The FAQs are meant to provide further
insight for the national and international competition community into
the Brazilian Leniency Program.

BRAZILIAN SETTLEMENT POLICY

In Brazil, the Settlement Agreement signed with the Competition


Authority in a cartel investigation is called TCC, which is the
Portuguese acronym for Termo de Compromisso de Cessação (Cease
and Desist Consent/ Agreement). Through this instrument CADE can
suspend and afterwards close the investigations against companies
and/or individuals charged for collusive violations under certain
circumstances and subject to the commitment of ceasing the practice

970 In 2015, for example, CADE received 244 new claims of anticompetitive conducts
and opened 37 formal proceedings to investigate them, among which only a few were
originated from the leniency agreements. This means that the Brazilian Competition
Authority not only relies on leniency applications to pros- ecute cartels.
971 English version of the draft of CADE’s Guidelines on the Leniency Program:
http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/participacao-social-1/ contribuicoes-da-
sociedade/arquivos/guidelines-cades-antitrust-leniency-pro- gram.pdf

650 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

and paying a pecu- niary contribution. The TCC, unlike the leniency
agree- ment, does not offer any automatic criminal benefits.972
Until 2013, there were few cartel cases in which TCCs were
actually used since the regulation of the instrument did not provide
enough incentives for the Authority and for the defendants to settle.
On the one hand, the TCC did not require an obligation on the
defendants’ part to cooperate with the investigations, making it less
attrac- tive for the Authority to settle when there was enough evidence
for a conviction. On the other hand, there were no clear rules on how
the amount of the pecuniary contribution would be defined, making
it less attractive for defendants to settle due to a lack of legal certainty
about the outcomes of the negotiations.
In 2013, however, CADE changed its Settlement Policy.973The
goal was to make TCCs more similar to leniency agreements in terms
of incentives and thus to encourage companies and/or individuals
involved in cartel cases to cooperate with the Authority when they
were not the first in and therefore did not qualify for a leniency
agreement.974Accordingly, more stringent requirements were
established to sign a TCC in a cartel investigation. To settle in such a
case, defendants now have not only to (i) cease their involvement and
(ii) pay a pecuniary contribution, but also to (iii) admit the practice that
is being investigated, and, in order to have greater financial benefits,
they have to (iv) cooperate with the investigations by providing
evidence and/or explaining, translating and supplying details about
documents and information.

972 Since the TCC does not generate automatic benefits in the criminal sphere, the
Prosecution Service does not participate in the agreement and may bring criminal
action against the parties to the TCC. Nevertheless, if the person interested. in entering
into a TCC with CADE also wishes to concurrently negotiate a cooperation agreement
with the Prosecution Service and/or the Federal Police, then SG/CADE can assist in the
interaction with the Prosecution Service and/or Federal Police, and the negotiation
and execution of any agreements will be up to the discretion of such authorities.
973 Article 179 and following of Cade’s Internal Rules.
974 As explained above, in Brazil, only the first one to contact the Authority is eligible
to a leniency agreement.

Estudos em Direito da Concorrência 651


Amanda Athayde

The new Settlement Policy also introduced clear discount


slots975 related to the expected fine. While a proceeding is still being
investigated by SG/CADE, the first TCC applicant can be granted a
reduction of 30 to 50% of the expected fine, the second one can receive
a reduction of 25 to 40% and the others a reduction of up to 25%. The
exact amount of the discount is primarily determined by the quality
of the cooperation with the investigation as whole. If, however, the
proceeding is already at CADE’s Tribunal to be decided, coopera- tion
is not required by the regulation (although it can be requested by the
Authority) and the TCC applicant can receive a reduction of up to only
15% of the expected fine.
In the context of those changes, Brazil has seen an impressive
increase in the number of TCCs signed. Regarding international
cartels, until 2013, Brazil had 14 TCCs in international cartel cases (see
figure 5 below).976 After the new Settlement Policy came into force, that
is from 2013 to April 2016, the country had 30 TCCs, which is more
than a twofold increase.977

975 The Department of Justice of the United States uses the expression “cooperation
discounts” to refer to the “discount slots” mentioned in this paper.
976 Before 2008, there wasn’t any TCC signed on cartel investigations.
977 It is relevant to note that the number of TCC’s subscribers had an even bigger
increase, given that, after the entry into force of the new Settlement Policy, companies
and their employees can sign the TCC jointly, what was not an option before.

652 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Figure 5. Number of TCCs per year in Brazil (international cartels only)

This shift in Brazil’s Settlement Policy represents important steps


for the country’s cartel enforcement as more TCCs translate into less
procedural costs, into shorter proceedings, into better-documented
cases with high chances to result in convictions and into advance
payment of pecuniary contributions for the Authority. The
impact for international cartel investigations is particularly relevant,
as the cooperation can help the Competition Authority to break
territorial barriers to access evidences, to locate offenders and to
collect advanced payments of fines from companies and/or indi-
viduals with no assets in Brazil.978
Finally, it is worth mentioning that another devel- opment in
Brazil’s Settlement Policy was announced in January 2016, when CADE
released the preliminary version of its Guidelines for TCC negotiations

978 In fact, today it is common to have defendants presenting themselves sponta-


neously to CADE in the early stages of an investigation, what did not used to happen
before, especially in international cartel cases.

Estudos em Direito da Concorrência 653


Amanda Athayde

in cartel cases.979 The Guidelines contain CADE’s best practices in the


field and also aim to provide more transparency and predictability for
the negotiations. The document explains all the steps of the negotiation
process and indi cates clearly the Authority’s criteria for establishing
the base amount and the percentages of the expected fine,980and for
calculating the exact percentage of the discount on the expected fine
within the established discount slots. This step forward might also
help the international competition community gain a clearer insight
into the Brazilian Settlement Policy.

FINAL OBSERVATIONS

In this paper, we attempted to provide a glimpse into the


Brazilian experience in international cartel investi- gations. Recent
improvements in the Leniency Program and Settlement Policy seem
to have boosted Brazil’s results. In our opinion, some factors provided
the incen- tives and legal certainty that the parties involved in anti-
competitive misconducts need to “become clean” with Brazilian
authorities. Among those factors, the relentless cartel enforcement
promoted by CADE`s Tribunal with its increasingly heavy fines
evince the threat of severe sanctions and the high risk of detection.
Additionally, the above-mentioned definition and consolidation of

979 English version of the draft of CADE`s TCC Guidelines on cartel investiga-
tions:http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/participacao-social-1/
contribuicoes-da-sociedade/arquivos/guidelines_tcc.pdf
980 According to Brazilian Law (Article 37), antitrust infringements subjects the ones
responsible to the following fines, among other penalties: (i) in the case of a company,
a fine of 0.1% to 20% of the gross sales of the company, group or conglomerate, in
the last fiscal year before the establishment of the admin- istrative proceeding, in
the field of the business activity in which the violation occurred, which will never
be less than the advantage obtained, when possible the estimation thereof; (ii) in the
case of the administrator, directly or indirectly responsible for the violation, when
negligence or willful misconduct is proven, a fine of 1% to 20% of that applied to the
company or to legal entity; (iii) in the case of other individuals or public or private
legal entities, as well as any association of persons or de facto or the jure legal entities,
even if temporary, or unin- corporated, which do not perform business activity, not
being possible to use the gross sales criteria, a fine between fifty thousand reais and
two billion reais.

654 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

clearer and more objective applicable criteria regarding requirements


and internal proceedings of the Leniency and Settlement programs
provided transparency, predict- ability and certainty, This context
has resulted in a greater number of investigations and has provided
even more incentives for the companies and/or individuals currently
investigated to settle up and to early approach the competition
authority for leniency. Hence, that has helped improving of the quality
of CADE’s international cartel cases, as they have been able to count
on more confessions and on robust evidences. In a virtuous circle, this
has paved the way to even better decisions and higher penalties.
However, due to the specificities of this kind of investigation,
access to evidence, location of offenders, enforcement of decisions and,
above all, deterrence of international cartels may remain challenges
to overcome in Brazil. These challenges are likely to be shared by other
competition authorities from developing coun- tries—and may also be
faced by the ones in developed countries. Additionally, it is important
to note that 29 of the 43 proceedings opened to investigate interna-
tional cartels in Brazil have not had yet a final decision of CADE’s
Tribunal (67%). These cases might provide further basis for even
deeper discussions on the Brazilian policy regarding the prosecution
of international cartels and the criminal prosecution of those involved.
One of the keys to overcoming the above challenges can be the
strengthening of cooperation between compe- tition authorities. To
deal with global suboptimal deter- rence, in our opinion, it is crucial
that competition authorities join their resources in the fight against
such a geographically dispersed violation. Important traditional
strategies such as Leniency and Settlement Agreements may reach
some limit and new approaches in this field should be considered,
especially in multi-jurisdiction investigations, where there is the
risk of global expo- sure.981 We advocate the establishment of an

981 B. Snyder, Leniency in Multi-Jurisdictional Investigations: Too Much of a Good


Thing?, Remarks as Prepared for Delivery at the Sixth Annual Chicago Forum on
International Antitrust, Chicago, Illinois June 8, 2015. Available at: http:// www.justice.
gov/sites/default/files/atr/legacy/2015/06/30/315474.pdf.

Estudos em Direito da Concorrência 655


Amanda Athayde

international intelligence network to share non-confidential filings of


international cartel cases, non-confidential information of interest to
specific countries, successful strategies, etc., through the creation of
an appropriate data ware- house. In our view, this could have a huge
impact on the performance and results, especially those of competition
authorities from developing countries, such as Brazil.

656 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

PROGRAMA DE LENIÊNCIA ANTITRUSTE E REPERCUSSÕES


CRIMINAIS: DESAFIOS E OPORTUNIDADES RECENTES

Publicado originalmente em: A Lei 12.529 e a Nova Política de Defesa


da Concorrência / Organizador: Vinícius Marques de Carvalho. Editora
Singular. 2015.

Amanda Athayde

Rodrigo de Grandis

RESUMO
O Acordo de Leniência Antitruste, previsto no Brasil nos artigos
86 e 87 da Lei nº 12.529/2011, concede imunidade total ou parcial em
relação às penas administrativas e criminais aplicáveis àquele que
confessar e colaborar com as investigações, trazendo informações
e documentos que permitam à autoridade identificar os demais
coautores e comprovar a infração. As repercussões criminais imediatas
desse acordo são a suspensão do curso do prazo prescricional e o
impedimento a oferecer a denúncia, sendo que, ao final do processo
– ou seja, quando declarado o cumprimento do acordo –, ter-se-á a
extinção da punibilidade. Nesse contexto, o presente artigo visa a
apresentar algumas das discussões recentes acerta da repercussão
criminal do Acordo de Leniência Antitruste. Qual seria a abrangência
dos crimes contidos na imunidade criminal do artigo 87 da Lei nº
12.529/2011? Ademais, como compatibilizar e coordenar o Acordo
de Leniência Antitruste com outros instrumentos de colaboração
premiada previstos na legislação brasileira, especialmente aqueles
recentes da Lei de Organizações Criminosas (Lei n.º 12.850/2013) e da
Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013)? Ainda, haveria a possibilidade
de celebrar um acordo de colaboração diante de infrações relacionadas
à Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92)? Por fim, quais
seriam as repercussões criminais do Termo de Compromisso de
Cessação (TCC) celebrado no Cade e algumas maneiras de também se

Estudos em Direito da Concorrência 657


Amanda Athayde

coordenar com outros órgãos competentes? No entender dos autores,


todos esses desafios representam, inexoravelmente, oportunidades
para o Programa de Leniência Antitruste brasileiro, tanto na seara
administrativa quanto criminal, continuar se consolidando cada vez
mais no cenário nacional e internacional.

1. INTRODUÇÃO

O Programa de Leniência Antitruste é reconhecido nacional982


e internacionalmente983 984 como um dos instrumentos mais eficazes
para detectar, investigar e coibir condutas anticompetitivas com
potencial lesivo à concorrência e ao bem-estar social. Constitui, assim,
um importante pilar da política de combate a cartéis985. O Programa de
Leniência foi introduzido, no Brasil, pela Lei nº 10.149/2000, que alterou

982 CADE. Requerimento nº 08700.004992/2007-43, Relator Conselheiro Paulo


Furquim de Azevedo, julgado em 17/12/2008. “O Programa de Leniência não é um fim
em si mesmo, mas um importante mecanismo para dissuadir condutas uniformes lesivas
à concorrência, este sim um fim da política de defesa da concorrência. O mesmo se aplica à
eliminação de ‘obstáculos à persecução administrativa e criminal de cartéis’, mandados de
busca e apreensão, métodos estatísticos para detecção de cartéis e o próprio TCC que, como
visto, é parte do programa de combate a cartéis”.
983 OCDE. Fighting Hard Core Cartels: Harm, Effective Sanctions and Leniency
Programmes. 2002. p. 11. “Some jurisdictions have developed programs that offer leniency in
order to encourage violators to tell these secrets, to confess and implicate their co-conspirators
with first-hand, direct “insider” evidence that provides convincing proof of conduct parties
want to conceal. The programs uncover conspiracies that would otherwise go undetected.
They elicit confessions, direct evidence about other participants, and leads that investigators
can follow for other evidence too. The evidence is obtained more quickly, and at lower direct
cost, compared to other methods of investigation, leading to prompt and efficient resolution
of cases. To get this information, the parties who provide it are promised lower fines, shorter
sentences, less restrictive orders, or even complete amnesty.”
984 Terminologicamente, existe em algumas jurisdições diferença entre os termos
“leniency” e “amnesty”, para se referir às hipóteses em que há apenas redução da
penalidade aplicável para aquelas em que há imunidade total, respectivamente.
985 Em linhas gerais, cartel é um acordo explícito ou implícito entre concorrentes
para, principalmente, fixação de preços ou quotas de produção, divisão de clientes
e de mercados de atuação, bem como para a troca de informações comercialmente
sensíveis.

658 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

a Lei nº 8.884/94 (artigos 35-B e C)986, com o objetivo de fortalecer a


atividade de repressão de infrações à ordem econômica do Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC). Atualmente, o Programa
de Leniência Antitruste brasileiro encontra previsão legal nos artigos
86 e 87 da Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº 12.529/11).987 988
Sua premissa básica é a de que os denominados “Signatários”
do Acordo de Leniência confessem e colaborem com as investigações,
trazendo informações e documentos que permitam à autoridade
identificar os demais coautores e comprovar a infração noticiada
ou sob investigação. O Programa de Leniência Antitruste brasileiro
oferece, em troca, imunidade tanto administrativa quanto criminal em
relação às penas aplicáveis, uma vez que cartéis, além de reprimidos

986 Na vigência da Lei nº 8.884/1994, o Programa de Leniência foi disciplinado pela


Portaria do Ministério da Justiça nº 4/2006 (artigo 61) e pela Portaria do Ministério da
Justiça nº 456/2010 (artigo 59).
987 Nos termos dos artigos 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011e nos artigos 197 a 210 do
Regimento Interno do CADE (RICADE), o Programa de Leniência Antitruste é um
conjunto de iniciativas com vistas a detectar, investigar e punir infrações contra a
ordem econômica; informar e orientar permanentemente as empresas e os cidadãos
em geral a respeito dos direitos e garantias previstos na legislação; e incentivar,
orientar e assistir os proponentes à celebração de Acordo de Leniência.
988 A Lei nº 12.529/11 trouxe algumas sutis - mas importantes - modificações do
Programa de Leniência Antitruste em relação à Lei anterior, notadamente: (i) a
alteração da autoridade competente para celebrar o acordo (na Lei 8.884/94 era a
União, por intermédio da Superintendência-Geral e na Lei 12.529/2011 é o CADE, por
intermédio da Superintendência-Geral); (ii) o fim do impedimento para que o líder do
cartel seja Proponente do acordo; e (iii) a ampliação dos ilícitos penais cobertos pela
imunidade concedida ao Signatário (na Lei 8.884/94 eram apenas os ilícitos da Lei
8.137/90 e na Lei 12.529/2011 são ilícitos tais como os da Lei 8.137/90, da Lei 8.666/93 e
do art. 288 do Código Penal).

Estudos em Direito da Concorrência 659


Amanda Athayde

administrativamente pelo Cade (art. 36 da Lei 12.529/2011989), também


são alvo de persecuções no âmbito penal (art. 4º da Lei nº 8.137/1990990).
Os arts. 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011 não exigem, para a
celebração do acordo de leniência antitruste, a participação do
Ministério Público, dado que, pela dicção legal, a competência para
tal celebração é apenas da Superintendência-Geral do Cade. Em que
pese isso, tendo em vista as repercussões criminais derivadas da
leniência, a experiência consolidada do Cade é no sentido de viabilizar
a participação do Ministério Público, titular privativo da ação penal
pública e detentor de atribuição criminal. Assim, o Ministério Público
Estadual e/ou o Federal participa como agente interveniente no
acordo, a fim de conferir maior segurança jurídica aos Signatários do
Acordo de Leniência.
Para que fique evidente essa experiência consolidada do Cade
na atuação conjunta e coordenada com os Ministérios Públicos,
cumpre pontuar que, dos 45 (quarenta e cinco) Acordos de Leniência
Antitruste celebrados pelo Cade até junho de 2015, aproximadamente

989 Lei 12.529/2011, Art. 36º “Constituem infração da ordem econômica, independentemente
de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam
produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de
qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II - dominar mercado
relevante de bens ou serviços; III - aumentar arbitrariamente os lucros; e IV - exercer de forma
abusiva posição dominante. (...)§ 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em
que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração
da ordem econômica: I - acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob
qualquer forma: a) os preços de bens ou serviços ofertados individualmente; b) a produção
ou a comercialização de uma quantidade restrita ou limitada de bens ou a prestação de um
número, volume ou frequência restrita ou limitada de serviços; c) a divisão de partes ou
segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, dentre outros, a
distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos; d) preços, condições, vantagens ou
abstenção em licitação pública”.
990 Lei 8.137/1990, Art. 4º “Constitui crime contra a ordem econômica: I - abusar do poder
econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência
mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas; II - formar acordo, convênio,
ajuste ou aliança entre ofertantes, visando: a) à fixação artificial de preços ou quantidades
vendidas ou produzidas; b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo
de empresas; c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de
fornecedores. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.”. Essa sanção pode, ainda,
ser aumentada de um terço até metade se o crime causar grave dano à coletividade,
for cometido por um servidor público ou se relacionar a bens ou serviços essenciais
para a vida ou para a saúde.

660 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

95% dos casos envolveram a participação do Ministério Público, sendo


que nos demais casos não houve a participação do Ministério Público
porque o acordo envolvia somente pessoas jurídicas, o que não atrairia
a competência criminal.
Assim, uma vez estabelecida a premissa de que o Cade
(competente para a investigação administrativa do ilícito de cartel)
e o Ministério Público (incumbido para a investigação criminal do
crime de cartel) atuam conjuntamente na celebração dos Acordos
de Leniência Antitruste, passa-se à análise de alguns dos desafios
relacionados às repercussões criminais desse tipo de acordo.

2. REPERCUSSÕES CRIMINAIS DO ACORDO DE


LENIÊNCIA ANTITRUSTE E SEUS DESAFIOS

Dentre várias discussões recentes sobre as repercussões criminais


do Acordo de Leniência Antitruste, destacam-se, no presente artigo,
três, consideradas bastante relevantes na atual realidade brasileira,
quais sejam: (II.1.) a análise sobre a abrangência criminal do artigo 87
da Lei nº 12.529/2011; (II.2.) a conciliação e a coordenação do Acordo
de Leniência Antitruste com outros instrumentos de colaboração
premiada; e (II.3.) a interpretação do reconhecimento de participação
da conduta em casos de Termo de Compromisso de Cessação com sua
repercussão criminal.

2.1. A ABRANGÊNCIA DO ARTIGO 87 DA LEI Nº 12.529/2011

Um primeiro desafio recente da repercussão criminal do Acordo


de Leniência diz respeito à análise sobre a abrangência criminal
do artigo 87 da Lei nº 12.529/2011. Nos termos do artigo 87 da Lei nº
12.529/2011, são duas as repercussões criminais imediatas do Acordo
de Leniência Antitruste: (i) a suspensão do curso do prazo prescricional

Estudos em Direito da Concorrência 661


Amanda Athayde

e (ii) o impedimento a oferecer a denúncia991. Ambas as repercussões


criminais se aplicam ao agente Signatário da leniência, nos crimes
tipificados na Lei nº 8.137/1990 (crimes contra a ordem tributária,
econômica e relações de consumo, em seu art. 4º) e nos demais crimes
diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados

991 Sobre o impedimento a oferecer a denúncia, entende-se que essa repercussão


criminal independe da participação do Ministério Público, mas, como já mencionado,
a experiência consolidada do Cade é no sentido de promover a participação dos
Ministérios Públicos na celebração dos Acordos de Leniência Antitruste. Nesse
sentido, Ana Carolina Pereira Cesarino Faraco Lamy aduz: “se o Ministério Público,
como titular da ação penal pública incondicionada, apresentar denúncia contra o
leniente sob o argumento de que o Acordo não possui validade no âmbito judicial, estar-
se-á patrocinando uma brutal afronta ao devido processo legal constitucional. 9...0 O
argumento formal trazido pelo Ministério Público a respeito de sua legitimidade privativa
e a indisponibilidade da ação penal não se equiparam ao direito fundamental à liberdade
individual, à paridade de armas - a perfectibilização do princípio da igualdade em seu viés
material - e à autorização de não produzir provas contra si mesmo. (...) Com efeito, o reflexo
penal do Acordo de Leniência é incondicionado, não havendo proibição penal quanto à
plenitude desse dispositivo legal”. LAMY, Ana Carolina Pereira Cesarino Faraco. Reflexos
do Acordo de Leniência no Processo Penal - a implementação do instituto ao Direito Penal
Econômico Brasileiro e a necessária adaptação ao regramento constitucional. Rio de
Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2014. p. 148.

662 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

na Lei nº 8.666/1993 (Lei das Licitações, em seus arts. 89 a 99992) e no


art. 288993 do Código Penal (crime de associação criminosa).
Assim, MENDRONI leciona que, “no curso das investigações e do
processo administrativo, o órgão acusador é impedido de oferecer denúncia
penal contra o beneficiário da leniência, garantindo, assim, eficácia para
o instituto. Entretanto, o prazo prescricional da pretensão punitiva estatal
fica suspenso durante tal período, o que afasta a possibilidade do beneficiário
não auxiliar a administração na persecução do ilícito administrativo e
penal, e ainda ter em seu favor o transcurso do prazo prescricional, que
poderia levar à extinção da punibilidade”994.

992 Lei 8.666/93. “Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas
em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
(...) Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro
expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para
si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: (...) Art.
91. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando
causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser
decretada pelo Poder Judiciário: (...) Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer
modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário,
durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei,
no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda,
pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto
no art. 121 desta Lei: (...) Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer
ato de procedimento licitatório: (...) Art. 94. Devassar o sigilo de proposta apresentada
em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo: (...) Art.
95. Afastar ou procurar afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou
oferecimento de vantagem de qualquer tipo: (...) Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda
Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato
dela decorrente: I - elevando arbitrariamente os preços; II - vendendo, como verdadeira ou
perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada; III - entregando uma mercadoria por outra;
IV - alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida; V - tornando,
por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato: (...)
Art. 97. Admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado
inidôneo: (...) Art. 98. Obstar, impedir ou dificultar, injustamente, a inscrição de qualquer
interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a alteração, suspensão ou
cancelamento de registro do inscrito: (...)”
993 Art. 288 “Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade
se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.”.
994 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado, Aspectos Gerais e Mecanismos
Legais. 5a Ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2015. p. 174.

Estudos em Direito da Concorrência 663


Amanda Athayde

Essa nova redação, dada pelo artigo 87 da Lei nº 12.529/2011 (em


contraponto à redação anterior, do artigo 35-C da Lei nº 8.884/1994995),
amplia a lista exemplificativa996 de crimes abrangidos pelo Acordo
de Leniência Antitruste – tanto que chega a usar a expressão “tais
como”. Surge, assim, uma discussão: quais seriam os outros “crimes
diretamente relacionados à prática de cartel” que não estão expressamente
nominados?
Imagine-se, por exemplo, o caso de um grupo de agentes
que se reúnem em cartel e, sob esse contexto, praticam crimes de
corrupção ativa997, prometendo vantagens indevidas a funcionários
públicos visando a alguma facilitação na realização de um contrato
administrativo. Estaria ou não a corrupção ativa compreendida no
Acordo de Leniência? Ainda, pense-se, por exemplo, em um grupo de
pessoas que, após fraudar uma licitação, oculta os recursos advindos
da fraude no exterior por intermédio de uma conta bancária aberta
em nome de uma pessoa jurídica offshore. Neste caso, além do crime
do artigo 90 da Lei n.º 8.666/1993, incidiriam, também, os delitos de
lavagem de dinheiro998 e de evasão de divisas999. Estariam ou não essas

995 Essa redação do artigo 87 da Lei nº 12.529/2011 consiste em uma ampliação da


repercussão criminal do acordo de leniência antitruste quando comparado com o
dispositivo da lei anterior, Lei nº 8.884/94. Vide Lei 8.884/94, Art. 35-C. “Nos crimes
contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de novembro de 1990, a
celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso
do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia. Parágrafo único. Cumprido o
acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a
que se refere o caput deste artigo”.
996 Sobre a discussão a respeito da extensão dos efeitos do acordo de leniência para
outros delitos, MENDRONI apresenta alguns pontos sobre a discussão, indicando a
existência de uma análise sistemática e de uma análise lógica. MENDRONI, Batlouni.
Op. Cit. p. 325.
997 Código Penal “Art. 333. Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário
público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. Pena – reclusão, de 2
(dois) a 12 (doze) anos, e multa. Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se, em
razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica
infringindo dever funcional.”
998 Lei n.º 9.613/1998. “Art. 1º. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização,
disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta
ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.”
999 Lei n.º 7.492/1986. “Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim
de promover evasão de divisas do País. Pena: Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

664 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

infrações penais compreendidas no Acordo de Leniência? Ao extremo,


um participante do cartel agride fisicamente outro participante
do cartel, causando-o lesão corporal grave ou até mesmo a morte,
cometendo crime de homicídio1000. Estariam ou não essas infrações
penais abrangidas no Acordo de Leniência? Este, sem dúvida, é um
terreno fértil para discussão.
Parece-nos que o cerne do debate está na interpretação da
expressão legal “crimes diretamente relacionados à prática do cartel”,
que pode ser interpretada tanto do aspecto processual penal como do
Direito Penal. Dessa forma, a resposta ao problema da abrangência do
Acordo de Leniência Antitruste passa pela escolha do melhor e mais
seguro critério de resolução.
Sob o aspecto processual penal, estariam abrangidos pelo
acordo aqueles crimes que ostentam vínculo de conexão com o
cartel, a qual, segundo o Código de Processo Penal, pode ser tanto
teleológica1001 como probatória ou instrumental1002. Por esse critério,
em especial pela conexão probatória, é possível a interpretação de
que praticamente todos os crimes relacionados ao cartel estariam
abrangidos pela leniência, inclusive aqueles que possuem natureza
jurídica completamente distinta do cartel, como é o caso da corrupção
ativa, da lavagem de dinheiro, da evasão de divisas e do homicídio.
De outro lado, sob o aspecto do Direito Penal, ao indicar o
legislador que os crimes diretamente relacionados ao cartel são –
embora não exclusivamente – os previstos na Lei de Licitações e o de
associação criminosa, ele parece indicar uma relação de meio para
fim. Nesse sentido, note-se que os elementos típicos que compõem os

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização
legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados
à repartição federal competente.”
1000 Código Penal. “Homicídio simples Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a
vinte anos.”
1001 Código de Processo Penal “Art. 76, II: A competência será determinada pela conexão:
II - se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou
para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas.”
1002 Código de Processo Penal “Art. 76, III: quando a prova de uma infração ou de
qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.”

Estudos em Direito da Concorrência 665


Amanda Athayde

crimes da Lei n.º 8.666/1993 e, principalmente, o delito de associação


criminosa, podem ser encontrados no artigo 4º da Lei n.º 8.137/1990.
Em relação aos crimes licitatórios, o elemento típico estaria em
razão da natureza do bem jurídico tutelado, intrinsecamente ligado à
isonomia e à livre concorrência1003. Em relação à associação criminosa,
por sua vez, o elemento típico estaria em virtude de a pluralidade de
pessoas configurar um pressuposto de ambas as condutas criminosas.
Assim, o Acordo de Leniência Antitruste abrangeria todas
as infrações penais que representam um fato prévio normal ou
necessário à formação do cartel, em uma típica relação de consunção
ou de absorção. Esse critério, originariamente estabelecido para a
resolução do conflito aparente de normas penais1004, tem o mérito
de impedir que o Signatário do Acordo de Leniência Antitruste sofra
punição por um crime que, em verdade, foi absorvido pelo cartel,
considerado delito mais grave, e, ao mesmo tempo, assegurar ao
Estado o direito de perseguir penalmente as condutas que não guardam
nenhuma correspondência substantiva com a infração contra a ordem
econômica.
Assim, no caso do exemplo figurado proposto neste artigo,
entendemos que a corrupção ativa, a lavagem de dinheiro, a evasão
de divisas e o homicídio não constituem, sob o aspecto típico, uma
normal fase de preparação ou de execução do delito de cartel, de
modo que não estariam, pelo menos em tese, alcançados pelo Acordo
de Leniência Antitruste.

Ademais, outra discussão possível é a seguinte: a redação


do artigo 87 da Lei nº 12.529/2011 pode abarcar apenas crimes

1003 A doutrina brasileira tem destacado que, em geral, os crimes da Lei n.º 8.666/1993
tutelam a moralidade administrativa, a lisura e a regularidade das concorrências e,
em alguns casos específicos, como sucede com o tipo penal do art. 90, protege-se
também a igualdade e a competitividade do certame. Nesse sentido: GRECO FILHO,
Vicente. Dos crimes da lei de licitações, São Paulo: Saraiva, 1994, p. 16; COSTA JÚNIOR,
Paulo José da. Direito penal das licitações: comentários aos arts. 89 a 99 da Lei n. 8.666, de
21-6-1993. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 19.
1004 FIANDACA, Giovanni; MUSCO, Enzo. Derecho penal, parte general, Bogotá-
Colombia: Editorial Themis, 2006, p. 676.

666 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

diretamente relacionados à prática de cartel ou também outros


ilícitos administrativos?1005 Ora, considerando que o Direito Penal é a
ultima ratio, ou seja, somente tem incidência quando constatada a
insuficiência dos demais ramos do Direito, se a legislação possibilitou
a abrangência de outros crimes na concessão de imunidade dada
pelo Acordo de Leniência, parece-nos que seria razoável interpretar
que outros ilícitos administrativos, em razão de uma questão de
proporcionalidade, também poderiam ser considerados abrangidos.
Essa abrangência, novamente, dependeria, a nosso ver, da
interpretação sobre o ilícito administrativo em questão estar ou não
diretamente relacionado à prática de cartel. Novamente, entendemos
que se trata de uma discussão a ser amadurecida pelo debate.
Dito isso, e cientes de que ao longo do processo a repercussão
criminal imediata é a suspensão do curso do prazo prescricional e o
impedimento a oferecer a denúncia, tem-se que, ao final do processo,
uma vez declarado cumprido o Acordo de Leniência Antitruste,
extingue-se automaticamente a punibilidade criminal do agente em
relação aos crimes referidos. O cumprimento do acordo, por sua vez, se
dá mediante declaração do Tribunal do Cade, nos termos do art. 86, §4º
da Lei nº 12.529/2011, o que ocorre apenas ao final de toda a instrução
processual do respectivo Processo Administrativo para a Imposição de
Sanções Administrativas por Infrações à Ordem Econômica (artigos 69
a 83 da Lei nº 12.529/2011).

1005 “Ao contrário do que ocorre com os ilícitos penais relacionados a cartel, a assinatura de
um acordo de leniência com o Cade não afasta a incidência de sanções para o signatário com
relação a outros ilícitos administrativos, o que pode diminuir a atratividade do instituto,
especialmente em caso de cartel em licitações.”. MARTINEZ, Ana Paula. Repressão a
cartéis: interface entre Direito Administrativo e Direito Penal. São Paulo: Ed. Singular,
2013. p. 280.

Estudos em Direito da Concorrência 667


Amanda Athayde

2.2. ACORDO DE LENIÊNCIA ANTITRUSTE E OUTROS


INSTITUTOS DE COLABORAÇÃO PREMIADA

Um segundo desafio recente da repercussão criminal do Acordo


de Leniência diz respeito à conciliação e à coordenação do Acordo
de Leniência Antitruste com outros instrumentos de colaboração
premiada. A nosso entender, o Acordo de Leniência Antitruste,
previsto na Lei nº 12.529/2011, pode ser compreendido como uma
das espécies do gênero denominado “colaboração premiada” 1006,
constante em diferentes leis especiais do ordenamento jurídico
brasileiro, como na Lei nº 7.492/86 (sobre os crimes contra o sistema
financeiro nacional, em seu art. 25, § 2º1007), Lei nº 8.072/90 (sobre
crimes hediondos, em seu art. 8º, § único1008), Lei nº 8.137/90 (crimes
contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo, art. 16, §
único1009), Lei nº 9.613/1998 (sobre os crimes de “lavagem” e ocultação
de bens, direitos e valores, em seu art. 1º, §5º1010), Lei nº 9.807/1999

1006 Em linhas gerais, a colaboração premiada é um acordo entre as partes do


processo penal (Ministério Público e investigado ou acusado, sempre assistido por
seu defensor), através do qual o agente criminoso confessa sua responsabilidade
na conduta criminosa e se compromete a contribuir com a (i) identificação dos
demais co-autores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por
ele praticadas, com a (ii) revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas
da organização criminosa, com a (iii) prevenção de infrações penais decorrentes
das atividades da organização criminosa, com a (iv) recuperação total ou parcial do
produto ou do proveito das infrações penais e com a (v) localização de eventual vítima
com a sua integridade física preservada.
1007 Lei nº 7.492/1986, Art. 25, § 2º, alterada pela Lei nº 9.080/95. “Nos crimes previstos
nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de
confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a
sua pena reduzida de um a dois terços”.
1008 Lei 8.0872/1990, Art. 8º, § único “O participante e o associado que denunciar à
autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida
de um a dois terços.”.
1009 Lei 8.137/1990, Art. 16, § único: “Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em
quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através de confissão espontânea revelar
à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a
dois terços.”.
1010 Lei 9.613/1988. Art. 1º, §5º. “A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser
cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou
substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe

668 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

(sobre a organização e a manutenção de programas especiais de


proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, em seu art. 141011), Lei
nº 11.343/2006 (sobre crimes previstos na lei de drogas, art. 411012), no
Código Penal (em seu art. 1591013) e na Lei n.º 12.850/2013 (sobre crimes
de organização criminosa, em seu art. 4º1014).

colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam


à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à
localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.”.
1011 Lei 9.807/1999. Art. 14. “O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente
com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou
partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do
produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.”.
1012 Lei 11.343/2006, Art. 41. “O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente
com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores
ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de
condenação, terá pena reduzida de um terço a dois terços.”.
1013 Código Penal, Decreto-Lei 2.848/1940, Art. 159, §4º, alterada pela Lei nº 9.269/96.
“Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando
a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”.
1014 Lei 12.850/2013. Art. 4º “O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o
perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-
la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a
investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais
dos seguintes resultados: I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização
criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II - a revelação da estrutura hierárquica
e da divisão de tarefas da organização criminosa; III - a prevenção de infrações penais
decorrentes das atividades da organização criminosa; IV - a recuperação total ou parcial
do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. § 1o Em
qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a
natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia
da colaboração. § 2o Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério
Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a
manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão
de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na
proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de
outubro de 1941 (Código de Processo Penal). § 3o O prazo para oferecimento de denúncia ou
o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis
por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o
respectivo prazo prescricional. § 4o Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público
poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador: I - não for o líder da organização
criminosa; II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo. § 5o
Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será
admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos. § 6o O juiz
não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo
de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com

Estudos em Direito da Concorrência 669


Amanda Athayde

Nestes dispositivos legais de colaboração premiada, observa-se


que o benefício ao autor denunciante tende a ser, na grande maioria
dos casos, uma redução de um a dois terços da pena, podendo, em
alguns casos, chegar ao perdão judicial. No Acordo de Leniência
Antitruste da Lei nº 12.529/2011, o benefício será da imunidade total
administrativa e criminal, no caso de não se ter conhecimento prévio
da infração notificada, ou a redução de um a dois terços das penas
aplicáveis, no caso de os órgãos investigadores já terem, quando da
proposta de acordo de leniência antitruste, conhecimento da infração.
Recentemente, uma nova espécie do gênero “colaboração
premiada” surgiu na legislação brasileira, qual seja: o acordo de
leniência na Lei nº 12.846/2013 (“Lei Anticorrupção”, sobre os atos
lesivos à administração pública nacional ou estrangeiras, em seu art.
16). Agora, portanto, a depender da natureza das condutas praticadas,
poderão incidir, ao mesmo tempo, três diferentes diplomas legais: a
Lei do Cade (Lei n.º 12.529/2011), a Lei de Organizações Criminosas
(Lei n.º 12.850/2013) e a Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013). Basta,

a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público


e o investigado ou acusado e seu defensor. § 7o Realizado o acordo na forma do § 6o, o
respectivo termo, acompanhado das declarações do colaborador e de cópia da investigação,
será remetido ao juiz para homologação, o qual deverá verificar sua regularidade, legalidade
e voluntariedade, podendo para este fim, sigilosamente, ouvir o colaborador, na presença
de seu defensor. § 8o O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos
requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto. § 9o Depois de homologado o acordo, o
colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do
Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações. § 10. As partes
podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo
colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor. § 11. A sentença
apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia. § 12. Ainda que beneficiado por
perdão judicial ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento
das partes ou por iniciativa da autoridade judicial. § 13. Sempre que possível, o registro dos
atos de colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia,
digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das
informações. § 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de
seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.
§ 15. Em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador
deverá estar assistido por defensor. § 16. Nenhuma sentença condenatória será proferida
com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador.”. Essa lei revogou a Lei nº
9.034/95, que previa, em seu art. 6º “Nos crimes praticados em organização criminosa, a
pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao
esclarecimento de infrações penais e sua autoria.”.

670 Estudos em Direito da Concorrência


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por exemplo, que um grupo de sociedades empresárias se ajuste


sob um cartel e que uma delas ofereça vantagens a um funcionário
público visando à obtenção de alguma facilitação para existir espaço
legislativo para a utilização dos três institutos de modo concomitante.
Trata-se, portanto, de um grande desafio, reconhecido inclusive pelo
atual Presidente do Cade, Vinícius Marques de Carvalho.1015
Quanto ao acordo de colaboração premiada da Lei sobre crimes
de organização criminosa (Lei nº 12.850/2013, 4º), trata-se de instituto
que deve ser objeto de homologação pelo juiz1016, por meio de
requerimento do Delegado de Polícia, do Ministério Público ou do
colaborador, sempre assistido por seu defensor. Este tipo de acordo
poderá ser celebrado apenas por pessoas físicas, e não apenas com a
primeira delas: se for a primeira a prestar efetiva colaboração, poderá
inclusive não ser denunciada, mas se forem mais pessoas físicas e
estas colaborarem efetivamente e voluntariamente com a investigação
e com o processo criminal, podem se beneficiar do perdão judicial ou
a redução de até 2/3 da pena privativa de liberdade ou a substituição
por restritiva de direitos.
Assim, a grande novidade instituída pela Lei n.º 12.850/2013
foi a implementação de um verdadeiro sistema delineando, em
termos precisos e particularizados, o procedimento da colaboração

1015 Global Competition Review. “ CADE president: overlapping leniency regimes “a


huge challenge””. 17.04.2015. Disponível em: < http://globalcompetitionreview.com/
news/article/38435/cade-president-overlapping-leniency-regimes-a-huge-challenge>
(último acesso em 18.07.2015).
1016 Há autores, como Douglas Fischer e Eugênio Paccelli, que entendem que ainda
que não ocorra homologação, o juiz pode considerar a postura do réu na dosimetria
da pena ou mesmo para a aplicação dos benefícios constituídos pelo caput do art. 4º da
Lei 12.850/2013, independentemente da existência de acordo formal de colaboração:
“Para bem logo, porém, esclareça-se que os benefícios constantes do caput do art. 4º da
referida legislação poderão ser aplicados até mesmo no caso de inexistir a formalização do
acordo de colaboração. O que é decisivo para a respectiva incidência é a efetiva colaboração
em juízo (ou na investigação) e da qual tenham resultado os objetivos definidos nos incisos I
a V do mesmo dispositivo legal (art. 4º). Ou seja, a eficácia da colaboração constitui matéria
ao alcance da jurisdição, independentemente da formalização do acordo, podendo ser
reconhecida na sentença e mesmo após ela, no que respeita, por exemplo, à afirmação do
direito do colaborador a cumprir pena em estabelecimento diverso dos demais corréus ou
condenados (art. 5º, VI)”. PACELLI, Eugênio e FISCHER, Douglas. Comentários ao Código
de Processo Penal e sua Jurisprudência. 5ª ed. Atlas, 2013.

Estudos em Direito da Concorrência 671


Amanda Athayde

premiada.1017 1018 O art. 4º da citada lei amplia o campo da licitude penal


e, desse modo, veicula uma norma penal mais benéfica, verdadeira
lex mitior ou norma permissiva de aplicação retroativa e ultra ativa,
sujeitando-se, inclusive, à analogia e à interpretação analógica.
Acredita-se, assim, que sua incidência seja ampla e irrestrita a todos
as infrações penais, perpetradas ou não sob o contexto de uma
organização criminosa, conceituada na forma do artigo 1º, § 1º, da Lei
n.º 12.850/2013.
A colaboração premiada, portanto, na forma estipulada na Lei n.º
12.850/2013, tem um caráter híbrido. Trata-se, ao mesmo tempo, de um
instituto de Direito Penal e de Direito Processual Penal1019, na medida
em que proporciona ao agente colaborador benefícios de natureza
material (perdão judicial, redução ou substituição da pena privativa de

1017 BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, 3ª edição, revista e atualizada, São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 453.
1018 Discute-se doutrinariamente se a colaboração premiada seria exclusiva dos
delitos perpetrados sob o contexto de uma organização criminosa - ou ainda sob uma
das hipóteses definidas no art. 1º, § 2º - caracterizada nos termos do art. 1º, § 1º, da
Lei n.º 12.850/2013, ou poderia aplicar-se sobre toda e qualquer modalidade delitiva.
Cezar Roberto Bittencourt e Paulo César Busato sustentam que a colaboração incide
exclusivamente sobre as condutas penais relacionadas às organizações criminosas,
haja vista tratar-se de norma incriminadora. BITTENCOURT, Cezar Roberto. BUSATO,
Paulo César. Comentários à lei de organização criminosa, Lei n. 12.850/2013. São Paulo:
Saraiva, 2014, p. 124-125. Em sentido oposto, assinala Gustavo Badaró que a colaboração
processual delineada na Lei de ORCRIM não ficará restrita ao âmbito da criminalidade
organizada, na exata medida em que inexiste peculiaridade ou especificidade nas
outras condutas delituosas que justifique tratamento diverso. BADARÓ, Gustavo
Henrique. Processo penal, Op. Cit., p. 453. Esclarece Badaró, no ponto: “Não é, pois, um
caso de lex specialis derrogat generali. O que inspira a indigitada regra é a necessidade
de maior cuidado e preocupação com o risco de erro judiciário, quando a fonte de
prova é um coimputado. E isso não é diferente se o agente colaborador participa de
organização criminosa, de tráfico de drogas, de lavagem de dinheiro ou de crime
contra o sistema financeiro nacional” (Op. Cit., p. 453).
1019 Sob a óptica processual penal, as informações fornecidas pelo agente colaborador
ingressarão na ação penal, na maioria das vezes, por intermédio da oralidade. Assim,
dar-se-ão as informações por ocasião do interrogatório, se o colaborador também
vier a ser imputado, ou durante a instrução processual, ouvindo-se o colaborador na
condição de testemunha anômala. É imperioso, contudo, segundo observa Gustavo
Badaró, que, dado o seu caráter de prova oral, será da essência do ato a sua produção
sob contraditório judicial, “assegurando-se o direito à perguntas e reperguntas das partes
e, em especial, daquele que foi delatado. Sem isso, resta inviabilizado o direito à prova do
delatado, no caso, o direito de se defender provando”. BADARÓ, Gustavo. Processo penal.
Op. Cit., p. 457.

672 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

liberdade), e de índole processual penal, relacionados intimamente à


persecução penal, espaço onde ganha destaque a sua condição de meio
de obtenção de prova e de causa suspensiva ou impeditiva do oferecimento
da denúncia (imunidade processual) pelo Ministério Público1020.
Quanto ao acordo de leniência da Lei Anticorrupção (Lei nº
12.846/2013, art. 161021), trata-se de instituto que pode ser celebrado
pela autoridade máxima de cada órgão ou entidade, de modo que, no
âmbito do poder executivo federal, a Controladoria-Geral da União é
o órgão competente para celebrar os acordos de leniência. Este tipo
de acordo pode ser celebrado apenas com pessoas jurídicas, não se
aplicando a pessoas físicas. Ademais, seus efeitos são restritos à esfera

1020 Lei n.º 12.850/2013. Art. 4º, §§ 3º e 4º


1021 Lei 12.846/2013, Art. 16 “A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública
poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática
dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo
administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: I - a identificação dos demais
envolvidos na infração, quando couber; e II - a obtenção célere de informações e documentos
que comprovem o ilícito sob apuração. § 1o O acordo de que trata o caput somente poderá
ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: I - a pessoa jurídica
seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato
ilícito; II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada
a partir da data de propositura do acordo; III - a pessoa jurídica admita sua participação no
ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo,
comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu
encerramento. § 2o A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções
previstas no inciso II do art. 6o e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o
valor da multa aplicável. § 3o O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação
de reparar integralmente o dano causado. § 4o O acordo de leniência estipulará as condições
necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo. § 5o
Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo
grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as
condições nele estabelecidas. § 6o A proposta de acordo de leniência somente se tornará pública
após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo
administrativo. § 7o Não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado
a proposta de acordo de leniência rejeitada. § 8o Em caso de descumprimento do acordo de
leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três)
anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.§
9o A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos
previstos nesta Lei. § 10. A Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para
celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de
atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira. Art. 17. A administração
pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela
prática de ilícitos previstos na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, com vistas à isenção ou
atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88.”.

Estudos em Direito da Concorrência 673


Amanda Athayde

administrativa, e isenta a pessoa jurídica da sanção de publicação


de decisão condenatória (art. 6º, inciso II) e da proibição de receber
incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos
ou entidades públicas e de instituições financeiras controladas pelo
poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco)
anos (art. 19, inciso IV). Ainda, reduz em até 2/3 do valor da multa
aplicável, mas não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar
integralmente o dano causado.
Essa lei foi recentemente regulamentada pelo Decreto
8.420/2015, estando em fase plena fase de consolidação no Brasil.
Alguns questionamentos vêm surgindo sobre o modo de sua aplicação
e a compatibilização com as demais legislações já existentes. Haveria
repercussão criminal imediata do acordo de leniência anticorrupção?
Haveria a necessidade de intervenção do Ministério Público? Como
compatibilizar o fato de a Lei Anticorrupção não conferir imunidade
às pessoas físicas, com a imunidade concedida pela Lei Antitruste,
em um Acordo de Leniência celebrado em ambos os órgãos? Como se
sabe, são desafios em franco processo de elaboração de respostas, que
estão sendo alvo de debate e reflexão.
Diante do exposto, retomamos o exemplo acima, de um grupo
de sociedades empresárias que se ajustam sob um cartel e que uma
delas oferece vantagens a um funcionário público visando à obtenção
de alguma facilitação. Nessa situação, como já dito, existe espaço
legislativo para a utilização dos três institutos de modo concomitante:
a Lei do Cade (Lei n.º 12.529/2011), a Lei de Organizações Criminosas
(Lei n.º 12.850/2013) e a Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846/2013). Como,
portanto, conciliá-las, caso se entenda que o crime de corrupção
não está diretamente relacionado à prática de cartel e que o ilícito
administrativo da corrupção também não é abarcado pelo artigo 87 da
Lei nº 12.529/2011?
A nosso ver, a conciliação entre os três institutos será possível e
dependerá dos esforços de coordenação entre os órgãos competentes
no caso concreto, bem como da atuação dos proponentes e seus
procuradores. Por se tratar de um desafio recente, por algum período

674 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

inicial, é possível que algumas dúvidas existam, mas à medida


que os primeiros casos forem surgindo e a prática, bem como a
jurisprudência, se consolidando, a imperiosa segurança jurídica
se sobressairá, em benefício de toda a sociedade. Aos advogados
que representam as pessoas jurídicas e/ou físicas, caberá analisar
previamente a “predominância” do tipo de ilícito, de modo que o
proponente à colaboração premiada direcionará seu pedido ao Cade,
ao Ministério Público e/ou à Controladoria Geral da União (CGU)/
Tribunal de Contas da União (TCU).
Ao que nos cabe (ou seja, quanto ao relacionamento do crime
de cartel com outros possíveis crimes e ilícitos administrativos),
parece-nos que, caso se trate mais de cartel do que de outros ilícitos,
procura-se primeiramente o Cade, que faz a intermediação com
o Ministério Público para a celebração do Acordo de Leniência
Antitruste com repercussões criminais imediatas ao crime de cartel
e aos demais diretamente relacionados. Por outro lado, caso se trate
mais de outros ilícitos (como lavagem de dinheiro e organização
criminosa), sendo o cartel apenas uma pequena parcela diante de
todos os crimes praticados, pode-se entender ser mais interessante
procurar o Ministério Público, que poderá imediatamente contatar o
Cade para que seja iniciada a negociação de um Acordo de Leniência
Antitruste – isso, claro, se estiverem preenchidos os requisitos legais
da Lei nº 12.529/2011. Ainda, caso se trate mais de corrupção do que de
cartel, ao proponente caberá avaliar como levar seu caso ao Ministério
Público e/ou à CGU/TCU, que também poderão, em seguida, contatar o
Cade, mantidas as garantias de sigilo legal exigidas pela legislação do
Acordo de Leniência Antitruste (art. 86 da Lei nº 12.529/2011).
Finalmente, cabe-nos discutir mais uma situação que se põe
como desafio: seria possível realizar acordo do gênero “colaboração
premiada” em infrações relacionadas à Lei de Improbidade Administrativa
(Lei nº 8.429/92)? De fato, tendo presente que os crimes contra a
administração pública, como, por exemplo, o peculato e a corrupção
passiva, representam também atos de improbidade administrativa
que importam enriquecimento ilícito (cf. art. 9º da Lei n.º 8.429/1992),

Estudos em Direito da Concorrência 675


Amanda Athayde

o agente público estará submetido, ao mesmo tempo, ao Código Penal


e à Lei de Improbidade Administrativa. Seria o caso, por exemplo, de
um ato de enriquecimento ilícito, em prejuízo ao erário, do agente
privado em coautoria com um agente público, que implementa, dentre
seus objetivos, um cartel para fraudar uma licitação pública. Diante da
previsão legal do art. 17, §1º da Lei nº 8.429/1992, que veda transação,
acordo ou conciliação nesse tipo de ação, questiona-se: seria possível
celebrar um acordo de colaboração premiada quanto às infrações que
caracterizam improbidade administrativa?
Em que pese a existência de corrente doutrinária que nega
essa possibilidade, cumpre pontuar o argumento vanguardista de
MENDONÇA no sentido da sua viabilidade: “a interpretação teleológica
nos conduz nesse mesmo sentido. É induvidoso que a vedação da lei de
improbidade visa impedir que o interesse público seja lesionado. Porém,
em casos de colaboração, sobretudo quando auxilia na recomposição no
patrimônio público lesionado, o interesse público está sendo mais bem
protegido, pois a Administração atingida é a mesma, as partes são as mesmas
e o acordo acelera a reparação do dano causado ao erário e recuperação de
ativos”.1022 Assim, é possível, sim, que se vislumbre a celebração de um
acordo de colaboração premiada, sendo que, nesse caso, o Ministério
Público ou a pessoa jurídica interessada, autores da ação, realizarão
pedido meramente declaratório quanto à ação de improbidade em
face do colaborador, sem demandar a efetiva aplicação das sanções.
1023

Esse raciocínio já foi aceito, por exemplo, em sede da Ação


de Improbidade Administrativa n. 2006.50.01.009819-5113, que
tramitou perante a Justiça Federal de Vitória/ES, em que se aplicou
a colaboração premiada no âmbito da improbidade administrativa

1022 MENDONÇA, Andrey Borges de, Roteiro de Colaboração Premiada, São Paulo:
Mimeo, 2012.
1023 No sentido da existência de dois pedidos principais quando de uma ação de
improbidade administrativa: “primeiramente, o pedido de que o juiz reconheça a conduta
de improbidade (pedido originário, de natureza declaratória); depois, o pedido de que, sendo
procedente a ação, sejam aplicadas ao réu as respectivas sanções (pedido subsequente, de
natureza condenatória)”. CARVALHO FILHO, Jose dos Santos. Direito Administrativo. 24
ed. São Paulo: Ed. Lumen Juris, 2011.

676 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

aos réus.1024 Ademais, vem sendo também pleiteado, por exemplo, na


Ação de Improbidade Administrativa n. 5006628-92.2015.4.04.7000,
que tramita perante a Justiça Federal do Paraná, na denominada
“Operação Lava Jato”.1025

2.3. ACORDO DE LENIÊNCIA ANTITRUSTE E


TERMO DE COMPROMISSO DE CESSAÇÃO

Um terceiro desafio recente da repercussão criminal do Acordo


de Leniência diz respeito à celebração dos Termos de Compromisso
de Cessação com o Cade (TCC): qual seria sua repercussão criminal,
especialmente quando comparado com as repercussões criminais
imediatas do Acordo de Leniência Antitruste?
Nos termos do artigo 85 da Lei nº 12.529/2011, o Cade poderá
tomar compromisso de cessação da prática investigada ou de seus
efeitos lesivos, sempre que, em juízo de conveniência e oportunidade,
entender que tal compromisso atende aos interesses protegidos
por lei. O §1º deste mesmo dispositivo legal estabelece os requisitos
mínimos que deverão constar do referido termo de compromisso, a

1024 Ação de Improbidade Administrativa n. 2006.50.01.009819-5113, Justiça Federal


de Vitória/ES: “a utilização da delação premiada, para fixação de sanção mínima, redução
ou até afastamento de algumas das sanções, além de poder contribuir com as investigações
e a instrução processual, mostra-se princípio de equidade e de igualdade jurídica, já que,
em diversas outras situações legais, a renúncia ao direito constitucional de manter-se em
silêncio converte-se em benefícios, com redução expressiva da sanção imposta”.
1025 Ação de Improbidade Administrativa n. 5006628-92.2015.4.04.7000, Justiça
Federal do Paraná: “É de se ver também o que dispõe o art. 37 da Convenção das Nações
Unidas contra a Corrupção, categoria na qual, mutatis mutandis, enquadram-se os atos
de improbidade administrativa: (...) O raciocínio é aplicável para a extensão dos efeitos
penais de um acordo de colaboração à esfera cível, ainda que o contrário não possa ser feito.
As normas penais, dado seu caráter fragmentário e residual, representam a tutela mais
extrema dos bens jurídicos mais relevantes para a sociedade. Se uma sanção penal, mais
grave, pode ser afastada ou mitigada para alcançar um bem maior, uma penalidade menos
grave também pode, especialmente quando isso é necessário para manter a coerência da
atuação do Estado e criar um ambiente favorável à descoberta e comprovação de novos fatos
criminosos por meio de acordos de colaboração futuros. Por fim, destaca-se que, em caso de
quebra do acordo firmado, o MPF poderá, a qualquer momento, pleitear a aplicação das
sanções correspondentes aos atos de improbidade praticados.”.

Estudos em Direito da Concorrência 677


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saber: (i) a especificação das obrigações do representado no sentido de


não praticar a conduta investigada ou seus efeitos lesivos, bem como
obrigações que julgar cabíveis; (ii) fixação do valor da contribuição
pecuniária ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos quando cabível;
e (iii) a fixação do valor da multa para o caso de descumprimento,
total ou parcial, das obrigações compromissadas. Outros requisitos, a
serem observados tratando-se de investigação de acordo, combinação,
manipulação ou ajuste entre concorrentes (ou seja, em casos de cartel),
são: (iv) reconhecimento de participação na conduta investigada por
parte do compromissário, nos termos do art. 185 do RICADE1026, e
(v) colaboração do compromissário com a instrução processual, nos
termos do art. 186 do RICADE1027.
Primeiramente, cumpre ressaltar que a exigência contida no
Regimento Interno do Cade do reconhecimento de participação
na conduta investigada – exigência esta considerada legítima e
confirmada pelos tribunais brasileiros1028 – pode ser interpretada
como não representativa, necessariamente, de confissão formal nos
moldes criminais (prevista no artigo 65, III, “d” do Código Penal e nos
artigos 197 a 200 do Código de Processo Penal). Isso porque a confissão
pressupõe o elemento subjetivo do agente (culpa e/ou dolo), com o
reconhecimento da imputação legal que lhe é feita no crime, ao passo

1026 RICADE. Regimento Interno do CADE. Art. 185. “Tratando-se de investigação de


acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre concorrentes, o compromisso de cessação
deverá, necessariamente, conter reconhecimento de participação na conduta investigada por
parte do compromissário”.
1027 RICADE. Regimento Interno do CADE. Art. 186. “Tratando-se de investigação
de acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre concorrentes, a proposta final
encaminhada pelo Superintendente-Geral ao Presidente do Tribunal, termos do Art. 181, §4º
deste Regimento Interno, deverá, necessariamente, contar com previsão de colaboração do
compromissário com a instrução”.
1028 Sobre a exigência de reconhecimento da participação na conduta, o Tribunal
Regional Federal da 1a Região já decidiu no sentido de que “a norma inserta no Regimento
Interno do CADE não extrapolou os limites estabelecidos na legislação de regência, mas
apenas veio regulamentar,com base em critérios objetivos, em que situações seria possível a
celebração de Termo de Compromisso de Cessação, sendo que, no caso, é condição essencial
para tanto o reconhecimento da participação na conduta por parte do compromissário.”.
Agravo de Instrumento 0070598-57.2013.4.01.0000/DF (30.01.2014) e Agravo de
Instrumento 0004708-40.2014.4.01.0000 (03.02.2014), Relator Desembargador Federal
Jirair Aram Meguerian.

678 Estudos em Direito da Concorrência


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que o TCC exige simplesmente o reconhecimento de participação nos


fatos, sem esse elemento subjetivo. Trata-se, portanto, de forma mais
tênue de reconhecimento, que pode ser interpretada como resultante
apenas em efeitos administrativos, sem repercussões criminais
imediatas. O reconhecimento da participação na conduta investigada,
em sede do TCC no processo administrativo, portanto, não poderia ser
processualmente utilizado como se confissão formal fosse no processo
criminal.
Em que pese isso, caso o Compromissário em sede do TCC
queira colaborar também com a investigação criminal, será necessário
conciliar a celebração do TCC no Cade com um acordo de colaboração
premiada no âmbito criminal. Nesse contexto, tem-se a oportunidade
de o infrator da legislação antitruste, querendo colaborar em ambas
as investigações, solicitar ao Cade que intermedeie seu contato com o
órgão do Ministério Público que detém atribuição para a persecução
criminal. Havendo espaço e interesse na colaboração premiada, esta
poderá ser negociada com o Ministério Público e homologada pelo juiz.
Cumpre pontuar que, nesse caso, ao contrário do que acontece com
o Acordo de Leniência, cada órgão atuará de maneira independente,
respeitando suas respectivas legislações específicas, não sendo
necessário – apesar de não ser impossível – a assinatura de um único
documento com efeitos em ambas as esferas. A coordenação entre os
dois órgãos, mais uma vez, deve imperar, para a garantia da segurança
jurídica e para o benefício dos administrados e da sociedade brasileira.

3. CONCLUSÃO

O Programa de Leniência Antitruste brasileiro comemora neste


ano quinze anos. Ao total, até o presente momento - junho de 2015 -,
foram celebrados 45 (quarenta e cinco) novos acordos, que permitiram
o desmantelamento de cartéis em diversos mercados e que, dada a
natureza secreta do ilícito, muito dificilmente seriam descobertos de
outro modo. Com fundamento, dentre outros fatores, no Programa de

Estudos em Direito da Concorrência 679


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Leniência Antitruste, o Cade foi reconhecido, em 2015, como a melhor


autoridade antitruste das Américas: “the development of CADE’s work
also produced na increase in the leniency agreements number in Brazil and
forced companies to improve their compliance programmes”1029.
Em paralelo, recentemente tem-se verificado uma onda de
colaborações processuais no Brasil, que tem permitido a descoberta
e a persecução de crimes que muito possivelmente também não
seriam descobertos se não fosse pela utilização desses institutos de
“colaboração premiada”. Observa-se, também, que o ilícito do cartel
está muitas vezes relacionado à prática de outros crimes, como o
de fraude à licitação, corrupção, lavagem de dinheiro, associação
criminosa, falsificação de documentos, dentre outros, o que evidencia
a interface recente e crescente dos Acordos de Leniência Antitruste
com aquelas “colaborações premiadas” previstas em outras legislações
especiais no Brasil.
Foram propostas no presente artigo breves considerações
– mais em forma de questionamentos do que de apresentação e
respostas objetivas – a respeito de alguns dos desafios que se impõem
na atualidade ao Programa de Leniência Antitruste brasileiro em sua
interface criminal. Todos esses desafios representam importantes
oportunidades para que o Cade continue consolidando seu
posicionamento nacional e internacional como órgão de excelência
na persecução a cartéis, capaz de se coordenar com diversos órgãos
da Administração Pública de maneira eficiente e eficaz, notadamente
o Ministério Público.
Além destes desafios, outros não deixam de aparecer e também
merecem ser debatidos com profundidade e seriedade pela doutrina
jurídica brasileira, como por exemplo, a necessidade de definição
clara, pela jurisprudência brasileira, sobre a competência na justiça

1029 Global Competition Review. CADE receives award of Agency of the Year – Americas
(15.05.2015). Disponível em: <http://globalcompetitionreview.com/> e <http://www.
cade.gov.br/Default.aspx?3df00108190ee220ea58eb471f28 > (último acesso em
18.07.2015).

680 Estudos em Direito da Concorrência


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criminal para a investigação dos crimes de cartel1030, bem como e a


possibilidade de se coordenar com outras autoridades antitruste no
exterior em casos de leniência multijurisdicional, tanto para na fase
de negociação do Acordo de Leniência Antitruste quanto na fase de
eventual condenação e prisão dos infratores1031. Ainda, ao longo
dos próximos anos, certamente novos desafios irão surgir, de modo
que a força do Programa de Leniência brasileiro continuará a ser
evidenciada não tanto pelos eventuais problemas e/ou desafios, mas
sim pelo posicionamento firme, inovador e juridicamente seguro de
agir diante dessas situações, tornando os desafios em oportunidades.

1030 MARTINEZ, Ana Paula. Repressão a cartéis: interface entre Direito Administrativo
e Direito Penal. São Paulo: Ed. Singular, 2013. p. 280.
1031 SNYDER, Brent. Leniency in Multi-Jurisdictional Investigations: Too Much of
a Good Thing?, 06.07.2015. Disponível em: <http://www.justice.gov/atr/public/
speeches/315474.pdf> (último acesso em 18.07.2015).

Estudos em Direito da Concorrência 681


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Estudos em Direito da Concorrência


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CARTÉIS INTERNACIONAIS E DEFESA


DA CONCORRÊNCIA NO BRASIL

Publicado originalmente em: Defesa da Concorrência: estudos e votos /


Organizador: Vinícius Marques de Carvalho. Editora Singular. 2015.

Vinícius Marques de Carvalho

Amanda Athayde

Bernardo Becker Fontana

RESUMO: Este artigo pretende analisar a estratégia de combate


a cartéis internacionais adotada pelo Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência (SBDC). Inicialmente, demonstra-se a importância da
tarefa de investigação, persecução e punição de cartéis, fundamentada
na legislação brasileira, e defini-se o conceito de cartel internacional.
Em seguida, o objetivo de combate aos cartéis internacionais é
inserido no contexto de formulação de políticas públicas no Brasil.
Adiante, promove-se uma breve exposição do histórico brasileiro de
combate aos cartéis internacionais. Após, são expostas as dificuldades
enfrentadas pelas autoridades antitruste na persecução de cartéis
internacionais, e são listados os instrumentos à disposição do SBDC
para realizar a tarefa. Por fim, o artigo apresenta as perspectivas da
estratégia de combate a cartéis internacionais para o Novo CADE,
levando em consideração a sanção presidencial da Lei nº. 12.529, de 1º
de dezembro de 2011, que reformula o SBDC.
ABSTRACT: This essay aims to assess the work of the
Brazilian Competition Policy System (BCPS) towards fighting
international cartels. First, it demonstrates the importance of the
task of investigating, prosecuting and punishing cartels, according to
Brazilian Law, and it gives a definition to the concept of international
cartel. Second, it displays the fight against international cartels within
the context of public policy-making in Brazil. Third, it presents a brief
historical overview of the fight against international cartels in Brazil.

Estudos em Direito da Concorrência 683


Amanda Athayde

Forth, the difficulties faced by antitrust authorities when prosecuting


international cartels are exposed, as well as the tools available for
BCPS to tackle them. Finally, the essay presents the perspectives for
the fight against international cartels in the New CADE, taking in
regard the presidential sanction to Law No. 12,529 of January 1st, 2011,
which reformulates BCPS.

PALAVRAS-CHAVE: Brasil – concorrência – antitruste – política


pública – cartel – internacional
KEYWORDS: Brazil – competition – antitrust – public policy –
cartel – international

1. A ESTRATÉGIA DE COMBATE A CARTÉIS NO BRASIL

Cartel é um acordo entre concorrentes para, principalmente,


fixar preços e/ou quotas de produção e dividir clientes e/ou mercados
de atuação.1032 Trata-se, portanto, de qualquer ato que tenha por
objeto ou efeito limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a
concorrência ou a livre iniciativa. Essa conduta anticompetitiva pode
envolver as seguintes práticas: (a) fixação de preços, por meio da
qual as partes definem, direta ou indiretamente, os preços a serem
cobrados no mercado; (b) estabelecimento de restrições e/ou quotas
na produção, que envolve restrições à oferta ou à produção de bens
ou serviços; (c) adoção de prática concertada com concorrente em
licitações públicas – por exemplo, combinação quanto ao teor de cada

1032 Essa definição de cartel vem sendo usualmente utilizada pela Secretaria de Direito
Econômico em suas Notas Técnicas e também nas cartilhas de difusão da cultura da
concorrência. Nesse sentido também afirma HOVENKAMP, para quem “cartel é um
acordo entre empresas concorrentes para reduzir sua produção aos níveis acordados
ou vender a um preço acordado”. Tradução livre de “A cartel is na agreement among
otherwise competing firms to reduce their output to agreed upon levels, or sell at an agreed
upon price”. HOVENKAMP, H. Federal Antitrust Policy: the law of competition and its
practice. St. Paul: West Group, 1999. para. 4.1.

684 Estudos em Direito da Concorrência


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uma das propostas; e (d) divisão e/ou alocação de mercados por áreas
ou grupos de consumidores.1033
Considerado a mais grave lesão à concorrência dentre as condutas
anticompetitivas, o cartel prejudica seriamente os consumidores ao
aumentar preços e restringir a oferta, tornando os bens e serviços mais
caros ou indisponíveis. Além disso, tal conduta limita artificialmente
a concorrência e traz prejuízos à inovação, por impedir que outros
concorrentes aprimorem seus processos produtivos e lancem novos
e melhores produtos no mercado. O resultado é a perda de bem-estar
do consumidor e, no longo prazo, a perda da competitividade da
economia nacional. Os objetivos primordiais da persecução de cartéis
são, assim, a cessação da conduta, a compensação das vítimas e a
dissuasão de práticas similares no futuro.
Segundo a OCDE, os cartéis geram um sobrepreço estimado
entre 10% e 20% comparado ao preço em um mercado competitivo,1034
causando perdas anuais de centenas de bilhões de reais aos
consumidores. A literatura econômica também é unânime em apontar
que os efeitos líquidos do cartel à sociedade são sempre negativos.
Ademais, a experiência em jurisdições com grande tradição antitruste
é uníssona na constatação de que os prejuízos à economia são sempre
significativos, e qualquer modelo teórico de livro-texto aponta como
lição básica os prejuízos líquidos na alocação ineficiente dos recursos
produzidos na sociedade pelos cartéis. O Sistema Brasileiro de Defesa
da Concorrência (SBDC) também presume os efeitos negativos à
sociedade decorrentes de acordos de cartéis.1035
No Brasil, a persecução aos cartéis encontra fundamentação
legislativa no artigo 1º, “caput”, da Lei nº 8.884/94 (artigo 1º, “caput”,

1033 SDE. Combate a cartéis e programa de leniência. Coleção SDE/CADE n. 01/2009.


p. 25.
1034 OCDE. Fighting Hard Core Cartels: Harm, Effective Sanctions and Leniency
Programs. Paris: OCDE, 2002, p. 77. Disponível em: <http://www.oecd.org/
dataoecd/49/16/2474442.pdf>. Acesso em: 02.12.2011. Tradução livre de “[...] estimatives
that on average, cartels produce overcharges amouting to 10% of the affected commerce and
cause overall harm amouting to 20% of affected commerce ”.
1035 Vide, por exemplo, Processo Administrativo n° 08012.002127/2002-14 (Cartel das
Britas).

Estudos em Direito da Concorrência 685


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da recém sancionada Lei nº 12.529/11), em linha com os preceitos


contidos nos artigos 170 e 173, §4º, da Constituição Federal de
1988. Preceitua-se que constituem função estatal a prevenção e a
repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos
ditames de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social
da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do
poder econômico. Há, desta feita, um poder-dever do Estado de agir
para investigar, com todos os recursos possíveis, práticas que possam
representar utilização abusiva do poder de mercado, como é o caso
dos cartéis.
O combate a cartéis no Brasil deve incrementar, cada vez mais,
seus resultados, e sensibilizar um maior contingente da sociedade,
e para isso é preciso garantir ações estruturantes em três eixos:
administrativo, criminal e civil.
Para a persecução dos cartéis no eixo administrativo, o
incremento de resultados é possível por meio da intensificação das
investigações, da melhoria da gestão dos processos e da detecção
dos setores mais propícios à prática do conluio. Considerando
que em 1º de dezembro de 2011 foi sancionada e publicada a nova
lei que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
(Lei nº 12.529/11), mais vigor é dado à investigação administrativa
das condutas anticompetitivas de cartel. Isso porque a estrutura
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“Novo CADE”)
será reformulada, e passará a ser composta pela Superintendência-
Geral, pelo Departamento de Estudos Econômicos, pelo Tribunal
Administrativo de Defesa Econômica e pela Procuradoria Federal. A
Superintendência-Geral será o órgão responsável pela investigação dos
casos de cartel, e incorporará as atividades de combate às condutas
anticompetitivas atualmente exercidas pela Secretaria de Direito
Econômico do Ministério da Justiça (SDE). De acordo com dados de
dezembro de 2011, a SDE conta com 509 processos administrativos em
instrução (incluindo Procedimentos Administrativos, Averiguações
Preliminares e Processos Administrativos stricto sensu), sendo que,
destes, 209 são investigações de cartel e 31 tratam de influência de

686 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

conduta uniforme entre concorrentes. Mais estrutura e maior corpo


técnico possibilitarão um incremento da capacidade investigativa
desses conluios pelo Novo CADE.
No eixo criminal, cumpre pontuar que a Lei nº 12.529/11
alterou a tipificação dos crimes contra a ordem econômica previstos
na Lei nº 8.137/901036 e manteve a regra de competência atualmente
vigente1037. Ademais, encontra-se em fase de consulta pública a
proposta de alteração da Lei nº 8.137/90 que iguala a pena de cartel
à de furto qualificado. Hoje, a pena é de dois a cinco anos de prisão
ou pagamento de multa, e a proposta é de que a punição passe a ser
de dois a oito anos de prisão, acrescida necessariamente de multa.
Até 2010 contabilizou-se que 250 pessoas, entre donos e diretores de
empresas, respondiam a processos por formação de cartel, sendo
que ao menos 29 executivos já haviam sido condenados em decisão
final – de primeiro ou segundo grau – por crime de cartel, a penas
que superaram os cinco anos previstos na lei específica, em vista de
aplicação de agravantes previstas no Código Penal.
Outros países também reconhecem a importância da persecução
criminal para o combate efetivo a cartéis. Nos Estados Unidos, por
exemplo, um administrador pode ser condenado a até 10 anos de
prisão e ao pagamento de multa de até US$ 1 milhão. A pena média
aplicada para cartéis nos Estados Unidos é de 31 meses de prisão, sendo
que desde 2000 mais de 150 executivos já cumpriram pena no país por
prática de cartel, inclusive executivos estrangeiros. Tanto é assim
que, em outubro de 2011, a mídia1038 noticiou que o Departamento
de Justiça norte-americano (DoJ) está processando criminalmente
dois executivos brasileiros (presidentes, no Brasil, da Whirlpool e da

1036 Lei nº 8.137/90, artigo 4º.


1037 Veto ao artigo 120 da Lei nº 12.529/11.
1038 DoJ. Disponível em: <http://www.justice.gov/atr/public/press_
releases/2011/275408.htm>. Acesso em: 02.12.2011. Matéria também publicada no
jornal Valor Econômico. Disponível em:
<http://www.valor.com.br/brasil/1043438/eua-estao-processando-brasileiros-por-
cartel>. Acesso: 02.12.2011.

Estudos em Direito da Concorrência 687


Amanda Athayde

Tecumseh), por terem participado como gestores de empresas com


participação no cartel internacional dos compressores.1039
Paralelamente, no eixo civil, se aposta em um salto de qualidade
que advirá do estímulo à cultura da reparação de danos causados por
cartéis. Essas ações privadas de ressarcimento permitem que pessoas
prejudicadas por cartéis sejam ressarcidas pelos prejuízos sofridos,
via ação reparatória de iniciativa do Ministério Público, de entidades
de defesa do consumidor ou dos próprios consumidores.1040
Esses três eixos de ação – administrativo, criminal e civil – têm um
papel a desempenhar no âmbito do combate a cartéis internacionais.
Segundo o artigo 2º da Lei nº 8.884/941041 (artigo 2º da Lei nº 12.529/11),
estão sujeitos à jurisdição da autoridade brasileira os atos que
possam gerar efeitos reais ou potenciais no território brasileiro. Em
se tratando, portanto, de um cartel que cause impactos negativos
ao mercado interno, ainda que os atores não sejam brasileiros ou a
prática não seja diretamente perpetrada no Brasil, com fundamento
na “teoria dos efeitos” a SDE – e futuramente a Superintendência-
Geral do Novo CADE – possui competência para, e dever de, perseguir
os cartéis internacionais que causem danos à sociedade brasileira.
A preocupação com os cartéis internacionais não é exclusiva
do Brasil. Nos últimos anos organizações multilaterais e autoridades
antitruste ao redor do mundo – como a Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o DoJ e a Comissão Européia
– mostraram-se cada vez mais preocupados com as distorções no
mercado internacional resultantes da manipulação dos preços e dos
mercados perpetradas por cartéis privados de empresas localizadas

1039 No Brasil, o cartel dos compressores é investigado em sede do Processo


Administrativo n° 08012.000820/2009-11.
1040 Segundo John M. Connor, a presença de um esquema institucional e legal que
propicie ações privadas de reparação de danos por prejuízos advindos de cartel é
determinante como fator dissuasório da conduta (Global antitrust prosecutions of
modern international cartels, in: Journal of industry, competition and trade, 4:3, 239-
267, 2004, pp. 24/25).
1041 Lei nº 8.884/94, Art. 2º Aplica-se esta lei, sem prejuízo de convenções e tratados
de que seja signatário o Brasil, às práticas cometidas no todo ou em parte no território
nacional ou que nele produzam ou possam produzir efeitos.

688 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

em países industrializados, que reprimem a concorrência nos próprios


países industrializados e também naqueles em desenvolvimento.1042
Para que um cartel seja tratado como internacional, a conduta
deve envolver potenciais impactos competitivos no mercado interno
do país ou nas suas relações de comércio exterior. Assim, apesar de
os comportamentos anticompetitivos em um cartel internacional
afetarem vários países, a persecução deve ser realizada por cada
autoridade antitruste nacional, de acordo com o dano que a prática
causa no mercado relevante doméstico.
Dessa forma, para fins do presente artigo, define-se cartel
internacional como a conspiração para restringir o comércio,
implementada por participantes – indivíduos e/ou empresas – que
têm ou supostamente têm sede, residência ou nacionalidade fora da
jurisdição da autoridade antitruste investigadora. Nesse sentido, o
DoJ exige o preenchimento de pelo menos um dos seguintes critérios
para que um dado cartel seja considerado internacional: (i) pelo menos
uma das partes envolvidas não ser nacional do país; (ii) pelo menos
uma das partes envolvidas não estar situada no país; (iii) a conduta
considerada ilegal pela lei do país ter sido praticada fora de seu
território; e (iv) para a análise ou investigação do caso ser necessária a
cooperação de autoridades antitruste estrangeiras. 1043
Os cartéis internacionais prejudicam os consumidores, que
sofrem com o aumento do preço do produto e/ou do serviço, e também
os produtores nacionais (especialmente de países em desenvolvimento
como o Brasil), que são impedidos de exportar para os mercados em
que atuam os membros do cartel1044. Estudo publicado no ano de
2006 indica que 79% dos casos de cartel internacional são relativos a

1042 YU, Yinne. The impact of private international cartels on developing coutries.
Stanford University, 2003, p. 3. Disponível em: < http://economics.stanford.edu/files/
Theses/Theses_2003/Yu.pdf >. Acesso em: 02.12.2011.
1043 DoJ. Antitrust Division. International Competition Policy Advisory Committee.
Final Report, 2000. Disponível em: <http://www.justice.gov/atr/icpac/finalreport.
html>. Acesso em: 02.12.2002.
1044 YU. The impact of private international cartels on developing coutries, 2003,
p. 6.

Estudos em Direito da Concorrência 689


Amanda Athayde

produtos manufaturados (químicos, minerais não metálicos, papéis,


impressões e dispositivos eletrônicos, nesta ordem), sendo que os
21% restantes se referem a serviços (construção, sistema financeiro e
comunicações, nesta ordem).1045

2. CARTEIS INTERNACIONAIS E POLÍTICA DE


DEFESA DA CONCORRENCIA NO BRASIL

Quando o Estado interfere nos padrões institucionais da


alocação de recursos econômicos, de algum modo ele está intervindo
no processo de transformação da liberdade formal de iniciativa em
liberdade material que caracteriza o poder na esfera econômica. Como
aponta Celso Furtado1046, o poder econômico revela-se pela capacidade
do agente influenciar e modificar o meio em que atua, apresentando
no seu comportamento um fator volitivo criador de novo contexto. O
comportamento de quem não tem poder é meramente adaptativo, já
a faculdade de transformar o contexto em que atua eleva o agente à
posição de elemento motor do sistema econômico. A empresa com
elevado poder econômico planifica setorialmente uma parte da
atividade de um sistema econômico.
Em tese, quanto mais atomizado o poder econômico, mais espaço
para uma ação coordenada macroeconômica, na medida em que maior
poder se confere ao centro decisório nacional e mais distante essa
racionalidade fica da soma das racionalidades individuais. Por outro
lado, quanto maior a concentração de poder econômico, maior o espaço
de influência dos agentes na racionalidade macroeconômica, e mais
próxima ela se torna da soma das racionalidades microeconômicas.
Enfim, o poder econômico concentrado pode limitar a capacidade

1045 CONNOR, John. M. Statistics on modern private international cartels, 1990-


2005. Purdue University, Department of Agricultural Economics. 2006, p. 17-18.
Disponível em:
<http://www.agecon.purdue.edu/working_papers/workingpaper.connor.11.10.06.pdf
>. Acesso em: 02.12.2011.
1046 Criatividade e Dependência na Civilização Industrial. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008, p. 36 e ss.

690 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

de o Estado ordenar variáveis macroeconômicas, e de formular e


implementar um conjunto coerente de diretrizes chamado política
econômica.
Tomando como ponto de partida esse diagnóstico, o Estado pode
dimensionar políticas públicas que tenham por objetivo: (i) regular os
agentes detentores de poder econômico, controlando variáveis como
preços, quantidades, entrada e saída do mercado; (ii) estabelecer a
participação do Estado na produção econômica por meio de empresas
estatais de modo a compensar ou equilibrar as relações de poder
(poder compensatório) ou ainda criar novos mercados; e (iii) por
fim, atuar no controle do abuso do poder econômico, preservando a
liberdade de concorrência, através do direito antitruste.
Por quaisquer desses caminhos revela-se a inadequação da noção
de “mercado livre”. Aliás, todos os países têm regulamentações estatais
definindo quem pode participar de que mercados e em que termos.
Como aponta Chang1047, é unicamente porque certas regulamentações
estatais (e os direitos e obrigações que elas apóiam ou até mesmo
criam) são totalmente aceitas (pelos que fazem a observação, assim
como pelos que participam do mercado), que alguns mercados
parecem não ter “intervenção” nenhuma e, portanto, ser “livres”.
Na história brasileira nem sempre houve coerência na
organização desses vetores de ação pública. Até hoje convivemos
com uma aparente sobreposição de instituições responsáveis pela
implementação de políticas de intervenção do Estado que nem
sempre conversam entre si e, por isso, muitas vezes, atuam em
sentidos opostos. Buscar essa interação e fazer da sobreposição e
conflito um estímulo ao diálogo institucional e à complementaridade
é um dos desafios da atual geração de gestores estatais. Definir o
combate a cartéis internacionais como uma prioridade da defesa da

1047 “Rompendo o Modelo. Um economia política institucionalista alternativa à teoria


neoliberal do mercado e do Estado”. In: ARBIX, Glauco et alli (org.). Brasil, México,
Afríca do Sul, India e China: diálogo entre os que chegaram depois. São Paulo: Unesp/
Edusp, 2002, p. 107.

Estudos em Direito da Concorrência 691


Amanda Athayde

concorrência no Brasil é uma tentativa nessa direção. Nos próximos


parágrafos tentaremos explicar o porquê.
As diversas interpretações sobre o que causou o desenvolvimento
do Brasil repousam, em geral, em uma discussão sobre o processo de
industrialização e suas condicionantes. Quatro interpretações são as
mais conhecidas: (i) teoria dos “choques adversos”; (ii) industrialização
liderada pela expansão das exportações; (iii) teoria do capitalismo
tardio; (iv) e industrialização intencionalmente promovida por
políticas de governo. Não é nosso objetivo aqui descrever cada uma
delas, muito menos pugnar pela exatidão de uma visão específica,1048
mas apenas ressaltar um traço comum a todas, qual seja, o de que o
processo de desenvolvimento brasileiro dependeu de como a sociedade
(Estado e Mercado) reagiu aos sinais recebidos do exterior.
De maneira consciente ou não, pouco importa, os atores sociais
conquistaram relativa autonomia na organização de um sistema
econômico razoavelmente complexo, a partir da “digestão” de sinais
externos e da acumulação de capital gerada pela atividade exportadora
brasileira, notadamente de commodities como o café. Talvez a nossa
realidade não tenha mudado tanto nos últimos anos no que se refere
ao “caminho para o desenvolvimento”. O desafio que se impõe a cada
momento histórico singular é o mesmo e consiste em identificar e
aproveitar, no contexto internacional, as brechas e transformá-las em
verdadeiras oportunidades. Trata-se, de fato, de uma visão heterodoxa,
baseada na idéia de “improviso”1049 (bootstrapping)1050 do crescimento.
Ela pressupõe que economias em desenvolvimento possuem muitas
das instituições e capacidades necessárias ao crescimento e que sua
obstrução se deve, em geral, a uma combinação de dois obstáculos:
(i) impedimentos diretos às trocas no mercado; e (ii) ausência de bens

1048 Para um estudo aprofundado sobre o tema ver: SUSIGAN, Wilson. Indústria
Brasileira, origem e desenvolvimento. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 25-46.
1049 Não uma tradução direta. O sentido buscado é o desenvolvimento de uma solução
não padrão e específica às circunstâncias.
1050 SABEL, Charles. “Bootstrapping Development: Rethinking the Role of Public
Intervention in Promoting Growth”. In: http://law.wisc.edu/gls/documents/lands_
canons/bootstrapping_development_sabel.pdf

692 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

públicos de apoio, necessários à exploração do potencial. A visão


de processo ou “improviso” assume que, mesmo quando ausentes
distorções de mercado, o desenvolvimento requer aprendizado social
contínuo. O objetivo é, portanto, criar instituições que consigam
aprender a identificar e mitigar obstáculos diversos ao crescimento.
Ao invés de buscar instituições públicas perfeitas, o processo busca
promover a auto-correção das mesmas.
O sistema de defesa da concorrência talvez seja o exemplo
mais contumaz de uma política pública com incidência nas relações
econômicas em que prevalece o caráter residual, reativo e eventual.
Por meio dela é possível encontrar atalhos institucionais indutivos,
menos custosos socialmente e adaptáveis a momentos históricos
específicos. Nesse sentido, explorar o papel da defesa da concorrência,
no contexto atual, significa interagir com duas dinâmicas: (i) um
contexto de crise econômica mundial; e (ii) a conseqüente busca
de estratégias de proteção nacionais contra os seus efeitos. Uma
interpretação talvez um pouco açodada dessas circunstâncias poderia
realçar o papel do Estado na organização de uma estrutura regulatória
mais interventiva e na intensificação direta da sua atuação na economia
como reação natural à crise, constatando uma perda de protagonismo
da defesa da concorrência.
No entanto, o nosso aprendizado recente em termos de
enforcement concorrencial já é suficiente para encontrarmos um
espaço razoavelmente amplo para a defesa da concorrência, inclusive
nos dias atuais, por vários motivos. Em primeiro lugar porque é
bastante conhecida a aliança entre abuso de poder econômico no
Brasil e resiliência a políticas anti-inflacionárias. Quanto maior a
concentração de poder, maior o poder de planejamento setorial nas
mãos dos agentes privados; maior o poder de determinar os preços
de produtos essenciais; maior a resistência a reduzi-los diante do
combate à inflação. Em segundo lugar, por mais que se busquem
alternativas para “blindar” o país dos efeitos de uma crise, não se
considera como alternativa viável, ou mesmo desejável, abortar ou
desestimular as relações comerciais internacionais, de modo que

Estudos em Direito da Concorrência 693


Amanda Athayde

práticas anticompetitivas continuarão acontecendo em âmbito interno


ou externo. Por fim, quando nos debruçamos sobre a recente política
industrial, chamada “Brasil Maior”, percebemos que o almejado
aumento de produtividade e competitividade da indústria nacional
ancora-se em medidas de estímulo à inovação tecnológica, motor
essencial da competição.
Há também, é claro, um esforço no aprimoramento das medidas
de defesa comercial como instrumento de proteção do mercado
interno. E é exatamente nesse aspecto que encontramos espaço
para conjugar a política industrial com a defesa da concorrência,
especificamente reforçando nossa capacidade de detecção e
investigação de cartéis internacionais. Reafirmamos, assim, que a
proteção do mercado interno não se faz apenas com a proteção da
indústria vítima de prática predatória, mas também com a proteção
do mercado interno de consumo. E isso deve ocorrer mesmo quando
há um cartel internacional que, ao aumentar os preços para o
consumidor brasileiro, torna o bem produzido aqui competitivo, ou
torna substitutos produtos que não o eram, ampliando determinados
mercados relevantes. Ainda que isso ocorresse, seria muito raro, na
medida em que o cartel tende a elevar o preço até um nível em que
não haja substitutos viáveis. Isso não significa que a conduta não
extraia renda do consumidor e, que, portanto, não deva ser punida,
simplesmente porque não houve uma alteração no mercado relevante.
Explica-se.
De acordo com o Guia de Análise de Atos de Concentração
da SEAE e da SDE, utiliza-se o teste do monopolista hipotético para
definição do mercado relevante. Referido teste consiste na busca
pela menor delimitação de mercado em que uma suposta estrutura
monopolística – criada artificialmente no mercado – conseguiria
impor um “pequeno porém significativo e não transitório aumento dos
preços”. Para implementá-lo, é possível proceder a análises formais
envolvendo simulações, testes de perda crítica, testes de cointegração
de preços, dentre outros.

694 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

No entanto, quando se analisam condutas anticompetitivas, é


possível que os efeitos da prática já tenham ocorrido no mercado, não
sendo razoável supor que a análise prognóstica utilizada em atos de
concentração seja a mais adequada. Tal questão é conhecida como
“falácia do celofane”. Com efeito, esta falácia diz respeito à crítica a
uma decisão da Suprema Corte Norte-americana no caso United States
v. E.I. du Pont de Nemours & Co.,(ou simplesmente caso du Pont)1051.
Na prática, isso quer dizer que um cartel internacional pode, ao
aumentar o preço de um produto, causar um impacto negativo não
só ao consumidor, como à industria nacional, seja quando o produto
passar a fazer parte de outro mercado relevante, seja quando se tratar
de um insumo usado na cadeia produtiva. Nesse último caso, a conduta
pode implicar aumento de preço no produto final, tornando-o menos
competitivo em relação ao produto final importado de um país em que
o impacto do cartel internacional é inexistente ou menor.
Após definirmos cartéis, seu impacto na vida econômica, e
fundamentarmos como opção de policy o fortalecimento das estratégias
de combate a cartéis internacionais, passaremos a uma breve análise
descritiva dos casos mais importantes de persecução administrativa
desta conduta anticompetitiva pelas autoridades brasileiras.

3. O BRASIL NA PERSECUÇÃO DOS CARTÉIS INTERNACIONAIS

Ao longo dos últimos anos, pôde-se verificar que a experiência


brasileira relativa à persecução e à punição de cartéis internacionais

1051 No referido caso, a empresa Du Pont havia sido acusada de tentar monopolizar
o mercado de celofane. Por outro lado, a Du Pont argumentou que havia grande
elasticidade cruzada da demanda entre o celofane e outros papéis para embrulhos.
Assim, em razão disto, a Du Pont passaria a ter apenas 17% do mercado, o que
demonstrava a inexistência de poder de mercado e, portanto, a impossibilidade de ter
monopolizado o mercado. De acordo com alguns doutrinadores, o erro da Suprema
Corte foi ter utilizado o teste do monopolista hipotético em um caso de investigação de
prática anticoncorrencial, já que antes da prática anticompetiva, não havia a referida
elevada substitutibilidade entre celofane e outros papéis. Aliás, foi justamente o
aumento do preço do celofane que teria possibilitado a reconceituação do próprio
mercado relevante.

Estudos em Direito da Concorrência 695


Amanda Athayde

perpassa, necessariamente, o julgamento do Cartel Internacional


das Vitaminas, dado que este foi o primeiro cartel internacional
investigado e punido pelo SBDC.1052 Entre 1990 e 1999, as nove maiores
fabricantes mundiais de vitaminas (incluindo BASF AG, F. Hoffman
La Roche AG, Aventis S.A, Merck KgaA e Solvay Pharmaceuticals)
dividiram o mundo em regiões de atuação e discutiram preços e
volume de vendas das vitaminas A, E, B2, B5, C e beta-caroteno.
Pelo teor dos documentos norte-americanos, verificou-se que
a formação do cartel se deu por meio de participação em reuniões
e conversas, realizadas tanto nos Estados Unidos quanto em outros
países. Durante os encontros, pactuavam-se o aumento e a manutenção
de preços das vitaminas; a divisão entre co-autores corporativos
dos respectivos volumes aproximados a serem comercializados; o
intercâmbio de informações acerca das vendas e dos clientes com
o objetivo de monitorar e reforçar a adesão dos participantes do
cartel; a divulgação de preços e cotações segundo o acordado entre os
participantes; e a venda dessas vitaminas pelos preços pactuados e de
acordo com os volumes decididos em comum entre os participantes.
Quanto aos complexos vitamínicos, pactuavam-se formas de fraudar
licitações – como, por exemplo, por meio da abstenção de apresentação
de propostas ou apresentação de propostas intencionalmente
altas, tudo de forma a antecipar, entre os participantes, o vencedor
selecionado para aquelas licitações.1053
O cartel foi descoberto porque um dos participantes, a empresa
Rhone-Poulenc (atual Aventis), confessou a prática às autoridades
norte-americanas e européias e colaborou com as investigações em
troca de imunidade. Como resultado da investigação, o DoJ fez acordos
com as investigadas F. Hoffman La Roche e BASF, que resultaram
na confissão da prática por tais empresas e no pagamento de,
respectivamente, US$ 500 milhões e US$ 225 milhões de multa. Houve
também prisão dos executivos envolvidos. Na mesma linha, em 2011

1052 Processo Administrativo nº 08012.004599/1999-18.


1053 Voto do então Conselheiro Relator Ricardo Villas Boas Cueva, Processo
Administrativo n° 08012.004599/1999-18, p. 11.

696 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

a Comissão Européia multou participantes do cartel em mais de € 850


milhões, tendo a Rhone-Poulenc recebido imunidade administrativa
por confessar a prática no âmbito do programa de leniência.
No Brasil, a SDE iniciou investigação do Cartel das Vitaminas em
maio de 1999, após a veiculação de matérias em jornais informando
acerca das ações do DoJ em face das empresas formadoras desse cartel
internacional no mercado de vitaminas. No processo administrativo,
figuraram como representadas as empresas que comercializavam
vitaminas no Brasil, pertencentes ao grupo econômico das empresas
condenadas.1054 Em 2007 o CADE condenou as empresas BASF, F.
Hoffman La Roche e Aventis em mais de R$ 15 milhões pela prática de
cartel com efeitos no mercado brasileiro. Segundo o Conselho, essas
empresas teriam restringido a oferta e elevado preços de vitaminas
na segunda metade da década de 90 no Brasil, além terem impedido a
entrada de vitaminas chinesas a preços mais baratos no Brasil.
Estudo publicado em 2003, realizado por pesquisadores
estrangeiros, estimou que o impacto desse cartel no Brasil ao longo
de toda a sua duração (1990 a 1999) teria levado a um prejuízo de mais
de US$ 183 milhões com o sobrepreço pago sobre as importações de
numerosos tipos de vitaminas.1055 Essa diferença de valor entre a multa
aplicada pelo CADE e os cálculos econômicos registram a dificuldade
de se definir o montante exato do dano causado à sociedade brasileira
como decorrência do cartel.
No âmbito do suposto cartel internacional no setor de mangueiras
marítimas, a opção adotada pelo CADE em 2008 foi a celebração de
Termo de Compromisso de Cessação (TCC).1056 Por força desse acordo,
a Administração Pública, por meio do CADE, com a intervenção
do Ministério Público, abriu mão do prosseguimento do processo

1054 Parecer da SDE no Processo Administrativo n° 08012.004599/1999-18, p. 11.


1055 CLARKE, J. L. SIMON, J. E. The deterrent effects of national anticartel laws:
evidence from the international vitamins cartel. Antitrust Bulletin, 2003. pp. 720-
723. Apud Voto do então Conselheiro Relator Ricardo Villas Boas Cueva. Processo
Administrativo n° 08012.004599/1999-18, p. 18.
1056 Vide Requerimentos nº 08700.005321/2008-81, nº 08700.001882/2008-19 e nº
08700.002312/2009-19.

Estudos em Direito da Concorrência 697


Amanda Athayde

administrativo enquanto estivessem sendo cumpridos os termos do


compromisso,1057 ao passo que os administrados se comprometeram
às obrigações nele expressamente previstas.1058 Essa pode ser uma
alternativa interessante tanto para a Administração Pública quanto
para o administrado, e compõe um dos instrumentos utilizados pelo
SBDC voltado a elevar o grau de eficácia material da legislação.1059
Atualmente está em análise do Conselho, sob a relatoria do
Conselheiro Carlos Emmanuel Ragazzo, processo administrativo que
busca avaliar se houve ou não colusão internacional com efeitos no
Brasil no setor de lisinas, um aminoácido obtido da soja e utilizado em
diversos aditivos de alimentos.1060 Segundo parecer da SEAE, o cartel
– já condenado em países como Estados Unidos e México e na União
Européia – teria ocorrido entre junho de 1992 e junho de 1995 com o
objetivo de: acordar em nível mundial o patamar de preços da lisina
para ração animal e seus incrementos; acordar o volume de vendas
de cada participante no mercado mundial; acordar a forma e as datas
para o anúncio dos preços; impedir a entrada de novas empresas no
mercado; e participar de reuniões para vigiar e forçar a adesão aos
acordos anteriores.
Também pendente de análise do CADE está o processo
administrativo que investiga suposto cartel internacional no setor
de peróxidos.1061 Neste, as empresas teriam participado de um cartel
internacional entre os anos de 1992 e 2004 com o intuito de combinar
o preço do peróxido de hidrogênio e dividir o mercado.

1057 FORGIONI, Paula A. Os Fundamentos do Antitruste. 4. ed. São Paulo: RT, 2010, pp.
144/145.
1058 Eros Grau e Paula Forgioni sustentam que o administrado comprometer-se-ia a
fazer cessar imediatamente a prática, sem confessar matéria de fato ou reconhecer
eventual ilicitude (Compromisso de Cessação e Compromisso de Desempenho na Lei
Antitruste Brasileira. O Estado, a Empresa e o Contrato. São Paulo: Malheiros, 2005, pp.
232/233).
1059 GRAU; FORGIONI. Compromisso de Cessação e Compromisso de Desempenho
na Lei Antitruste Brasileira, 2005, p. 231.
1060 Processo Administrativo nº 08012.004897/2000-23.
1061 Processo Administrativo nº 08012.004702/2004-77.

698 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Outro caso que merece atenção é o suposto cartel dos


compressores (Processo Administrativo 08012.000820/2009-11).1062
Trata-se de um case de sucesso em sede de persecução de cartéis
internacionais, dado que a obtenção de provas do conluio foi possível
graças à realização de busca e apreensão simultaneamente pelas
autoridades antitruste do Brasil, pelo DoJ e pela Comissão Européia.
As buscas foram feitas em São Paulo, São Carlos e Joinville e em
empresas nos Estados Unidos, na Itália e na Dinamarca. Até o presente
momento foram firmados TCCs com 18 representados – 15 pessoas
físicas e 3 pessoas jurídicas – dentre os 20 investigados no total.
Atualmente, há 209 processos administrativos cuja conduta
é cartel em sede de instrução na SDE – dado de dezembro de 2011.
Destes, 23 analisam supostos cartéis internacionais com efeitos no
Brasil. A instauração de todos esses processos decorreu da celebração
de acordos de leniência, o que confirma a importância desse programa
institucional para a estratégia de combate a cartéis, conforme será
salientado adiante. Algumas dessas principais investigações são as
seguintes: Processo Administrativo nº 08012.003267/2008-97 sobre
fertilizantes; Processo Administrativo nº 08012.010932/2007-18, sobre
mangueiras marítimas; Processo Administrativo nº 08012.009264/2002-
71, sobre eletrodos de grafite; e Processo Administrativo nº
08012.011980/2008-12, sobre painéis de TFT-LCD.
Observa-se, com base no exposto, que o SBDC vem acumulando
experiência na persecução dos cartéis internacionais ao longo
dos anos. A evolução recente do Brasil nessa seara é digna de nota,
como bem ressaltado por autoridades internacionais1063 e também

1062 SDE. Nota de instauração do Processo Administrativo 08012.000820/2009-11,


versão pública. “Compressores herméticos para refrigeração são equipamentos
concebidos para comprimir fluído refrigerante. Os compressores são utilizados
para diversas aplicações da indústria de refrigeração, incluindo os produtos da
chamada “linha branca” (refrigeradores e freezers, “R&F”), além de outras, tais
quais, resfriadores de líquidos, vending machines, bebedouros, tanto para aplicação
doméstica quanto comercial.”.
1063 Durante a Conferência da Rede Internacional de Concorrência (International
Competition Network – ICN) de 2008, o representante do DoJ, Scott Hammond,
ressaltou que o programa brasileiro de leniência era um modelo a ser seguido. Esse
posicionamento foi reafirmado em 2011, em palestra interna apresentada pelo mesmo

Estudos em Direito da Concorrência 699


Amanda Athayde

por advogados atuantes no sistema1064. Ocorre que, pela sua própria


natureza internacional, o combate a essas condutas demanda da
autoridade antitruste brasileira instrumentos processuais e de
investigação mais complexos. Além disso, a criação do Novo CADE
apresenta perspectivas interessantes para essa tarefa, que pode contar
com um fortalecimento dos instrumentos já existentes, como será
demonstrado a seguir.

4. A PERSECUÇÃO DE CARTÉIS INTERNACIONAIS NA


PRÁTICA: DIFICULDADES E INSTRUMENTOS

Atualmente, o Brasil ocupa papel de destaque na comunidade


internacional pelos resultados obtidos em seu programa de combate
a cartéis, e qualquer observador atento reconhecerá que muito já foi
feito em nosso país. Apesar disso, ainda há muito que ser aprimorado,
especificamente no que se refere a cartéis internacionais. Nessa
tarefa, a experiência das jurisdições estrangeiras com longa tradição
antitruste é de extrema valia para nosso aprendizado.
Cientes disso, cumpre-nos pontuar, inicialmente, algumas das
dificuldades enfrentadas pelas autoridades nacionais nessa tarefa de
persecução à conduta anticompetitiva considerada a mais danosa para
a sociedade (4.1). Em seguida, passar-se-á à exposição dos instrumentos
considerados mais relevantes para a eficácia dessa estratégia (4.2).

representante ao corpo técnico da SDE. Ainda, pontue-se que, em dezembro de 2010,


em painel que discutia cartéis internacionais no Seminário do IBRAC, dois advogados
estrangeiros afirmaram que seus clientes consideram a relevância do programa de
leniência brasileiro em mesmo patamar daqueles realizados nos Estados Unidos e na
União Européia.
1064 MEDRADO, René G. S. TORRE, Eduardo Felisoni. Cooperação Internacional no
Combate a Cartéis. 2009. Disponível em: <http://www.pinheironeto.com.br/upload/
tb_pinheironeto_artigo/pdf/130509155121anexo_bi2056.pdf>. Acesso em: 02.12.2011.

700 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

4.1. DIFICULDADES INERENTES À PERSECUÇÃO


DE CARTÉIS INTERNACIONAIS

Segundo o guia de melhores práticas de combate a cartéis


da Rede Internacional de Concorrência (International Competition
Network – ICN)1065, a cooperação internacional entre as autoridades de
concorrência pode ocorrer em todas as fases do processo investigativo
e persecutório.1066 Na fase prévia à efetiva investigação, o auxílio seria
mais informal, relativo ao modo de coleta de informações, à definição
dos mercados relevantes, à seleção de empresas-alvo e à indicação
das medidas que visam à preservação das provas. Durante o processo
investigativo propriamente dito, os órgãos poderiam, por exemplo,
realizar concomitantemente operações de busca e apreensão (o que
aconteceu no caso do suposto cartel internacional dos compressores,
supra mencionado) ou mesmo realizar intimações e depoimentos
de executivos que estejam localizados em outras jurisdições. Ainda,
na fase pós-investigação, as autoridades poderiam colaborar por
meio da discussão do caso entre membros do corpo técnico de cada
órgão e também pelo intercâmbio de documentos obtidos durante a
investigação.
Existe verdadeira celeuma, no entanto, a respeito da utilização
desses documentos obtidos em sede de investigação do cartel em outra
jurisdição, especialmente quando decorrentes de leniência em outro

1065 A ICN tem por objetivo a troca de experiências e melhores práticas em defesa da
concorrência, bem como fomentar a cultura de defesa da concorrência em países em
desenvolvimento e prestar assistência às agências mais jovens, criadas recentemente.
A rede promove estratégias de convergência, referentes aos procedimentos e forma
de tratamento dos casos, visando à geração de benefícios tanto para empresas
nacionais e internacionais, quanto para as agências antitruste, por meio de uma
política de concorrência internacional inequívoca. Site oficial da ICN: < http://www.
internationalcompetitionnetwork.org/>.
1066 International Competition Network: Cartel Working Group – Subgroup 1
– General framework: Co-operation between Competition agencies in Cartel
investigations. Sixth Annual ICN conferente, Moscow, Russia (May 30 – June 1,
2007). Disponível em: <http://en.fas.gov.ru/netcat_files/Analitical%20materials/MKS/
Report%20on%20Co-operation%20between%20competition%20agencies%20in%20
cartel%20investigations.pdf>. Acesso em: 02.12.2011

Estudos em Direito da Concorrência 701


Amanda Athayde

país. Levantam-se possíveis nulidades processuais, como a garantia


de o acusado não ser obrigado a produzir provas contra si mesmo; a
ilegalidade na utilização de provas que, mesmo importadas, tenham
sido produzidas em condições não aceitas pelo ordenamento jurídico
brasileiro; além da dificuldade de se coordenarem processos com
graus diversos de complexidade entre agências com graus distintos
de maturidade institucional.1067 A par dessas dificuldades, sugere-se a
possibilidade de serem intercambiadas as seguintes informações:1068

i. Informações públicas: nesse caso, uma agência simplesmente


auxilia a outra a otimizar seu tempo e repassa informações
que já estão no domínio público, como, por exemplo, um
relatório de marketing, divulgado pela própria empresa, o
qual seja de difícil obtenção;
ii. Informações da agência/órgão: são informações que não
estão necessariamente em domínio público, mas que são
produzidas pela própria agência, como, por exemplo, o
estágio da investigação, os próximos passos que foram
planejados, uma orientação preliminar sobre o caso, ou as
conclusões alcançadas sobre o mercado e sobre a natureza
da conduta;
iii. Informações das partes envolvidas em domínio da agência
investigadora: essas informações podem ter sido fornecidas
voluntariamente (em sede de acordo de leniência) ou
compulsoriamente (por exemplo, decorrentes de buscas
e apreensões ou de respostas a ofícios encaminhados pela
autoridade);
iv. Informações das partes obtidas por outra agência: são aquelas
obtidas quando duas agências investigativas possuem
estreitos laços de cooperação e uma delas obtém a informação
a pedido da outra.

1067 MEDRADO, René G. S. TORRE, Eduardo Felisoni. Cooperação Internacional no


Combate a Cartéis, p. 3.
1068 ICN. Co-operation between Competition agencies in Cartel investigations, p. 7.

702 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Outra difícil tarefa na atividade de investigação e persecução de


cartéis é a quantificação dos ganhos ilícitos obtidos pelas empresas em
colusão, bem como o esforço de mensuração dos danos provocados
pelo cartel internacional à economia nacional. Isso porque não se tem,
de forma exata, a quantidade de produtos e/ou serviços que foram
importados e/ou vendidos no país com sobrepreço, especialmente
quando se trata de um produto intermediário ou um serviço. Como
auferir, por exemplo, o impacto de um sobrepreço decorrente de
cartel internacional no mercado de borracha? Caso o mercado tenha
produção apenas internacional e o Brasil obtenha a borracha apenas
por meio de importações – o que já é uma simplificação da realidade
– não se poderia utilizar simplesmente o montante total de produto
importado e seu respectivo valor. Isso porque a borracha é utilizada
como insumo de diversos produtos, que devem ser indiretamente
considerados na análise, por também resultarem em sobrepreço.
A maneira simplificada de se quantificar o ganho ilícito
decorrente do cartel é multiplicar o aumento do preço resultante do
acordo cartelizante pelo montante de receita, em unidades, sujeita ao
acordo. Ocorre que, para a quantificação da margem de lucro ilícita,
é necessária a determinação do preço hipoteticamente competitivo,
para ser comparado com o efetivamente cobrado e, assim, se obter
o overcharge. Para tanto, pode-se fazer uma previsão de qual seria o
preço de mercado ou utilizar um marco de preço (benchmark price),
determinado a partir do exame de um ou mais mercados comparáveis
àquele afetado pela colusão.1069 Ambas as simplificações podem
resultar em erro de cálculo, o que dificulta a análise dos incentivos das
empresas à perpetração da conduta.
Quanto à mensuração dos danos provocados pelo cartel no
mercado, esta tampouco constitui tarefa fácil.1070 É nesse sentido que
afirma a OCDE, in verbis:

1069 OCDE, Fighting hard core cartels, 2002, p. 72. Disponível em:
<http://www.oecd.org/dataoecd/49/16/2474442.pdf>. Acesso em: 02.12.2011.
1070 Ainda que, na esteira da jurisprudência do CADE, não seja necessário provar a
ocorrência desses prejuízos aos consumidores para condenar o cartel, já que seus

Estudos em Direito da Concorrência 703


Amanda Athayde

“Não é, no entanto, fácil quantificar esses efeitos. Isso requer


uma comparação da situação atual do mercado sob o cartel com a
que existiria em um hipotético mercado competitivo. Autoridades de
defesa da concorrência normalmente não tentam realizar tais cálculos,
porque eles são igualmente difíceis e desnecessários na maioria das
legislações”.1071
Particularmente no que diz respeito aos cartéis internacionais e
seus danos provocados aos países em desenvolvimento , o exercício
de mensuração se mostra ainda mais árduo. A par da atuação secreta
dos cartéis, fato é que a ausência de persecução antitruste em diversos
países em desenvolvimento leva à falta de informação sobre as
atividades dos cartéis nestes mercados e à falta geral de dados sobre
transações individuais que possam ter sido influenciadas pela atuação
do cartel em tais países.1072 Nesse contexto, uma das saídas apontadas
pela doutrina é o aprimoramento dos mecanismos governamentais
nacionais destinados à coleta de dados sobre o comércio ao nível dos
produtos (product level).1073
Não obstante a dificuldade da realização desse cálculo
econômico acerca de danos causados por um suposto cartel,
potencializado pelo fato de ele ser internacional, constata-se uma
notável perda social decorrente dessa prática. Sabe-se que uma
elevação artificial de preços sustentável a longo-prazo implica
redução da quantidade comercializada, de forma que a magnitude
dessa redução terá relação direta com os prejuízos impostos pela
cartelização. Assim, considerando a Lei de Demanda – em que
aumentos de preço são acompanhados por reduções na quantidade

efeitos deletérios são presumidos (Voto Vogal do então Conselheiro Luiz Delorme
Prado no Processo Administrativo nº 08012.004599/1999-18).
1071 OCDE, Hard Core Cartels: Recent Progress and Challenges, Paris: 2003, p. 8.
1072 LEVENSTEIN; SUSLOW; OSWALD. Contemporary International Cartels and
Developing Countries: Economic Effects and Implications for Competition Policy,
2003, p. 40. Disponível em:
<http://ageconsearch.umn.edu/bitstream/14590/1/wp03-10.pdf>. Acesso em:
02.12.2011.
1073 LEVENSTEIN; SUSLOW; OSWALD. Contemporary International Cartels and
Developing Countries, p. 50.

704 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

demandada – esta se reduzirá em decorrência do aumento do preço


do cartel internacional.1074 Disso, dois são os principais efeitos
nocivos à sociedade: (i) a transferência de renda dos consumidores
que continuam adquirindo o bem ou serviço, mas agora a um preço
mais elevado; e (ii) a sonegação de oportunidades de negócios aos
consumidores que deixaram de consumir o bem ou serviço por
considerar o preço muito alto.
No caso dos países em desenvolvimento, há dados seguros que
comprovam os prejuízos causados especialmente a essas nações pelos
cartéis internacionais. Do ponto de vista dos ofertantes, companhias
em colusão em países desenvolvidos podem fechar o mercado para
empresas oriundas de países em desenvolvimento que queiram
passar a comercializar em nível internacional. Do ponto de vista dos
consumidores, há estudos que comprovam o sobrepreço suportado
por consumidores de países em desenvolvimento na importação de
produtos ou serviços objeto de cartelização nos países de origem.1075
Em que pesem esses obstáculos e tendo em vista os comprovados
prejuízos causados por esses acordos ilícitos, há razões convincentes
para se empreender a tarefa de quantificação dos ganhos ilícitos
e de mensuração dos danos ocasionados pela ação de cartéis
internacionais no Brasil. No estágio atual de difusão da cultura da
concorrência no país, a razão primordial é de cunho pedagógico e
informativo, qual seja, informar aos consumidores e aos formuladores
de políticas públicas sobre a importância da implementação de um
programa governamental agressivo contra essa prática. Também,
pode ser necessário calcular o dano para proporcionar reparação aos
consumidores que sofrem os efeitos do cartel, por meio de ações de
ressarcimento de iniciativa do Ministério Público, de entidades de

1074 Essa afirmação tem como pressuposto a elasticidade preço-demanda do produto/


serviço. A respeito da relação entre sobrepreço dos cartéis, multas previstas pela
legislação e efeito dissuasório, ver CONNOR, John M. Global antitrust prosecutions
of modern international cartels, in: Journal of industry, competition and trade, 4:3,
239-267, 2004, p. 1/2.
1075 LEVENSTEIN; SUSLOW; OSWALD. International price-fixing cartels and
developing countries: A discussion of effects and policy remedies. Political Economy
Research Institute, Working Paper Series, n. 53, 2003, pp. 10ss.

Estudos em Direito da Concorrência 705


Amanda Athayde

defesa do consumidor ou dos próprios consumidores. Ainda, porque


somente mediante a compreensão do incentivo econômico das
empresas (ou seja, dos ganhos esperados pela empresa com a conduta
anticompetitiva) é que se poderá aplicar sanções apropriadas que
tenham um real efeito dissuasório.1076

4.2. DOS INSTRUMENTOS DE PERSECUÇÃO


AOS CARTÉIS INTERNACIONAIS

Vários são os instrumentos que vêm sendo utilizados pela SDE e


que, futuramente, continuarão a ser empregados pela Superintendência-
Geral do CADE na investigação de cartéis internacionais. O primeiro
e mais notório deles é o acordo de leniência, por ser um dos mais
efetivos instrumentos para se prevenirem e punirem os cartéis.
Introduzido na legislação brasileira no ano 2000, o artigo 35-B da Lei
nº 8.884/94 (artigo 86 da Lei n. 12.529/11) autoriza que a União, por
intermédio da SDE, celebre acordo de leniência com pessoas físicas e
jurídicas que forem autoras de infração à ordem econômica, em troca
de confissão e colaboração na investigação da prática denunciada, com
a conseqüente extinção da ação punitiva da administração pública ou
a redução de um a dois terços da penalidade aplicável ao infrator.
O primeiro acordo de leniência no Brasil foi firmado em
2003, com um dos membros do cartel promovido por empresas de
serviços de vigilância do Rio Grande do Sul.1077 Atualmente a SDE
tem a experiência acumulada de 23 (vinte e três) leniências firmadas,
sendo que 100% delas tratam de cartel. Destas, 18 (dezoito) referem-
se a cartéis internacionais (ou seja, quase 80% dos casos), sejam
eles decorrentes de conduta praticada efetivamente no Brasil ou
apenas com efeitos no país. Observa-se, portanto, que o programa de
leniência, calcado no reconhecimento de que é do interesse público
conceder benefícios ao participante do cartel que queira pôr fim à

1076 OCDE, Fighting hard core cartels, 2002, p. 72.


1077 Cartel dos Vigilantes, Processo Administrativo n° 08012.001826/2003-10.

706 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

conduta e de que o interesse no desmantelamento no cartel supera o


interesse de sancionar-se uma única empresa ou indivíduo que trouxe
a infração ao conhecimento das autoridades, é uma das ferramentas
mais importantes para o incremento e para a eficácia condenatória
dos processos administrativos investigando cartéis internacionais. 1078
Além disso, cumpre trazer à tona o fato de que a SDE está
viabilizando a contratação da Private International Cartels data set, uma
ampla base de dados sobre cartéis internacionais, elaborada por John
M. Connor.1079 O documento consiste em uma planilha com uma lista
de mais de 600 (seiscentos) cartéis ao redor do mundo, contabilizando
cerca de 1,6 milhões de células, que identificam, de forma atualizada,
(i) quais foram as empresas condenadas por cartéis em outros países;
(ii) qual sua participação de mercado (iii) quais foram as punições que
tais empresas receberam; (iv) se há líderes no cartel; (v) a duração do
cartel; (vi) o sobrepreço estimado do cartel; e (vii) a nacionalidade
de cada empresa. Com a aquisição desse estudo, ter-se-á uma
ferramenta que poderá auxiliar na identificação dos cartéis que já
foram condenados em outras jurisdições e que requerem a abertura
de processo administrativo no Brasil, pelos efeitos que causam em
nosso território. Ademais, o documento poderá ser utilizado como
um instrumento que permitirá a realização – internamente à SDE e
futuramente ao Novo CADE – de estudos aprofundados sobre setores e
mercados de amplitude internacional.1080
Existe, ainda, a perspectiva de fortalecimento da articulação
entre diferentes atores do Poder Público nacional. A investigação

1078 Maiores informações sobre o Programa de Leniência


estão disponíveis em: <http://portal.mj.gov.br/sde/ data/Pages/
MJ9F537202ITEMIDA0C5C3163D834AB588C7651A10B74C32PTBRIE.htm>.
1079 John M. Connor é Professor da Purdue University, EUA. Uma amostra de seu
trabalho pode ser conferida em: <http://www.agecon.purdue.edu/staff/connor/papers/
Zimmerman_Connor_Determinants_of_Cartel_Duration_04_04_05.pdf>. Acesso em:
02.12.2011.
1080 Em meados de 2010, o CADE enviou à SDE a Nota Técnica 001/2010/GRI, na qual
o recém formado Grupo Técnico de Relações Internacionais (GTI/CADE) sugeriu
algumas medidas a serem tomadas para fortalecer o combate a condutas colusivas
transfronteiriças. Dentre as referidas medidas, o GTI sugeriu a aquisição da base de
dados elaborada por John M. Connor pela SDE.

Estudos em Direito da Concorrência 707


Amanda Athayde

e persecução de cartéis internacionais pode depender de variáveis


como a obtenção de provas resultantes de interceptação telefônica
e/ou de busca e apreensão autorizada pelo Judiciário (possivelmente
realizada em parceria com as polícias), da existência de dados sobre
os produtos e serviços importados e/ou exportados pelo Brasil para
a quantificação dos danos à sociedade (obtidos, por exemplo, no
ALICE-Web do Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio
Exterior1081). Por isso se almeja firmar parcerias institucionais ou
mesmo informais com outros atores do Poder Executivo Federal,
como a Polícia Federal, a Advocacia Geral da União e os Ministérios
setoriais, e também com entes dos demais Poderes da União, além da
coordenação de atividades com o Ministério Público (por exemplo, via
MPCrim). O primeiro passo já foi dado em 2009, mediante a criação
da Estratégia Nacional de Combate a Cartéis (ENACC). Na medida que
a ENACC ressalta o papel do combate a cartéis no contexto de uma
política de Estado, ela possibilita uma mudança de rumo no tratamento
da criminalidade organizada no Brasil, implicando atuação efetiva e
articulada de todos os agentes públicos envolvidos com o tema.
Outro instrumento imprescindível para uma efetiva persecução
internacional de cartéis diz respeito à cooperação internacional.
Os processos de produção e comercialização de bens e serviços cada
vez mais se baseiam em cadeias que se espalham pelos territórios de
diferentes países, aumentando a interdependência econômica entre
diversas regiões do globo. Assim, a cooperação internacional permite
que a autoridade concorrencial nacional melhor compreenda a forma
de estruturação das cadeias produtivas e o modo de atuação dos agentes
econômicos ao redor do globo. Para além disso – e também por isso –,

1081 O Sistema de Análise das Informações de Comércio Exterior via Internet,


denominado ALICE-Web, da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), do Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), foi desenvolvido com
vistas a modernizar as formas de acesso e a sistemática de disseminação dos dados
estatísticos das exportações e importações brasileiras. De acesso gratuito, O ALICE-
Web é atualizado mensalmente, quando da divulgação da balança comercial, e
tem por base os dados obtidos a partir do Sistema Integrado de Comércio Exterior
(SISCOMEX), que administra o comércio exterior brasileiro. Disponível em:
<http://aliceweb.mdic.gov.br/>. Acesso em: 02.12.2011.

708 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

a cooperação internacional vem a desempenhar papel fundamental,


dado que a troca de informações de maneira bilateral ou em fóruns
multilaterais permite que sejam identificadas aquelas condutas que
transbordam os limites de um único Estado nacional e que se apurem
as maneiras mais eficazes para a persecução dos responsáveis pelas
práticas.
Assim, imbuída do intuito de incrementar a estratégia de combate
aos cartéis internacionais, a SDE vem participando ativamente nos
mais importantes fóruns internacionais de discussão de políticas de
defesa da concorrência, como a UNCTAD (Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, da sigla em inglês), a OCDE
(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) –
em que o Brasil é membro observador do Grupo de Concorrência –
e a ICN. Em tais fóruns, a SDE (i) apresenta suas experiências com
a investigação de cartéis e outras práticas anticoncorrenciais que
possam ser úteis a outros países, principalmente aqueles nos quais
a política de concorrência está em fase inicial de implementação;
(ii) identifica boas práticas de condução de investigações de ilícitos
anticoncorrenciais e de análise de concentrações econômicas que
possam ser incorporadas à realidade brasileira de forma a melhorar
sua atuação; e (iii) dialoga com outras autoridades concorrenciais
para buscar formas de cooperação para lidar com problemas comuns,
tais como a investigação de cartéis internacionais.
Além dos fóruns internacionais, a SDE também participa
ativamente nos trabalhos do Comitê Técnico de Trabalho nº 5 do
Mercosul, que tem como objetivo a harmonização das regras de defesa
da concorrência dos países membros, assim como a gradual integração
e cooperação das autoridades. Em vista da atuação no Comitê, foi
criado o Protocolo de Defesa da Concorrência,1082 que prevê obrigações
que devem ser assumidas por cada um dos Estados Membros, além
de definir quais condutas constituem infrações à ordem econômica.
Ademais, a participação no Comitê levou à realização de projetos

1082 Disponível em: <http://www.cade.gov.br/internacional/Protocolo_Defesa_


Concorrencia_Mercosul.pdf>. Acesso em: 02.12.2011.

Estudos em Direito da Concorrência 709


Amanda Athayde

de cooperação e estabeleceu canais para a troca de informações e


experiências. Os projetos mais relevantes do Comitê incluem: (i) o
levantamento de dados para avaliação dos setores julgados sensíveis
para a concorrência regional; (ii) o acompanhamento da criação de
órgãos de defesa da concorrência em países como Uruguai e Paraguai; e
(iii) a apresentação de casos e a troca de informações. Essa experiência
tem caminhado na direção de harmonizar as práticas das autoridades
nos países membros do Mercosul. Além disso, a participação da SDE
nesse arranjo levou a um avanço significativo na área dos acordos
bilaterais, qual seja, a inclusão de cláusulas de defesa da concorrência
nos acordos bilaterais negociados pelo Mercosul. O primeiro acordo
bilateral a conter tal previsão foi assinado em novembro de 2007 entre
o Mercosul e Israel, e outros em fase de negociação deverão se atentar
à política de defesa da concorrência.
Além da participação em fóruns multilaterais, a SDE também
coopera mais de perto com autoridades concorrenciais de países
com os quais o Brasil possui tratado bilateral ou protocolo específico
na área de aplicação do direito da concorrência. Atualmente, há
acordos bilaterais, memorandos de entendimento ou protocolos de
cooperação técnica firmados entre, de um lado, os três órgãos do SBDC
e, de outro, sete autoridades nacionais e supranacionais de defesa da
concorrência.1083 Para o futuro, o desafio do SBDC é fazer com que os
acordos já existentes permaneçam ativos e sejam renovados, além de
buscar novas parcerias com nações que crescem em importância para
o comércio bilateral brasileiro, ou ainda com aquelas cujos nacionais,
historicamente, têm figurado em grande número como representados
em processos administrativos do SBDC.

1083 Os órgãos do SBDC firmaram acordo conjunto, memorando de entendimentos ou


protocolos de cooperação técnica com as seguintes autoridades: Comissão Européia
(2009); Argentina (2003); Canadá (2008); Chile (2008); Estados Unidos (1999); Portugal
(2005; 2010); e Rússia (2001; 2006/2007; 2010/2011). Disponível em: <portal.mj.gov.br/
sde>.

710 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: PERSPECTIVAS PARA A PERSECUÇÃO


DE CARTÉIS INTERNACIONAIS NO “NOVO CADE”

No dia 30 de novembro de 2011 a Presidenta Dilma Rousseff


sancionou a Lei nº 12.529, que reestrutura o Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência. Após anos de expectativa, é chegada a
hora em que a arquitetura institucional do SBDC sofrerá as maiores
mudanças desde a promulgação da Lei nº 8.884 de 1994. As atribuições
que hoje pertencem à SDE serão exercidas por uma Superintendência-
Geral que, juntamente com a Procuradoria Federal e o Departamento
de Estudos Econômicos, somar-se-ão ao Tribunal Administrativo
de Defesa Econômica para compor o Novo CADE. À Secretaria de
Acompanhamento do Ministério da Fazenda caberá a promoção da
concorrência em órgãos de governo e perante a sociedade civil.
Nesse espírito de mudança e renovação, é preciso reforçar alguns
ideais que já balizavam a atuação do SBDC e que serão encampados pela
nova estrutura. Esse é o caso do combate aos cartéis internacionais.
Como visto, o fenômeno da globalização econômica impõe uma
forte vertente internacional à política de defesa da concorrência, e
a doutrina especializada parece ser unânime no sentido de apontar
como significativos os efeitos ocasionados pela atuação de cartéis
internacionais sobre a economia de países em desenvolvimento –
tanto do ponto de vista da perda de bem-estar do consumidor, quanto
da diminuição da competitividade da economia nacional. No caso
do Brasil, uma vez constatados os reais perigos à economia nacional
representados por esses acordos ilícitos, levados a cabo em outras
jurisdições, impõe-se a necessidade cada vez maior de preveni-los,
persegui-los e puni-los.
A junção das estruturas atuais de SDE e CADE, apoiados pela
SEAE, potencializarão a experiência já adquirida pelos órgãos do SBDC
com cartéis internacionais. Uma estrutura mais ampla e, sobretudo,
um maior contingente humano serão essenciais para dar ainda mais

Estudos em Direito da Concorrência 711


Amanda Athayde

impulso às ações estruturantes nos eixos administrativo, criminal e


civil.
O fortalecimento do programa de leniência, juntamente com o
aumento dos esforços tendentes à maior cooperação com autoridades
estrangeiras e organismos multilaterais, desempenhará papel
essencial nesse esquema. A isso se somará um empreendimento
inédito de maior articulação institucional do SBDC com outros órgãos
do Poder Público. Acredita-se que um trabalho reforçado com os
demais entes da Administração Pública – para sensibilizar tanto os
órgãos persecutórios quanto aqueles que podem fornecer dados
essenciais sobre o ambiente de negócios – será fundamental para
tornar o combate aos cartéis internacionais, pelo Brasil, ainda mais
exitoso.

712 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

ANÚNCIOS PÚBLICOS FEITOS POR EMPRESAS, ASSOCIAÇÕES


E SINDICATOS: É PRECISO TER CUIDADO PARA NÃO
INFRINGIR A LEI DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA

Amanda Athayde

Leonardo Rocha e Silva

Luis Henrique Perroni Fernandes

“O preço da gasolina aumentará mais R$ 0,10 no DF a partir


desta terça-feira”. Esta frase, dita publicamente pelo Presidente do
Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes do DF
(Sindicombustíveis/DF) em 16.2.2021, é objeto do mais novo processo
administrativo instaurado pelo Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE)1084 para apurar a ocorrência de infração à ordem
econômica, mais uma vez no mercado de combustíveis.1085
Após quase um ano de investigação preliminar, o CADE
entendeu que havia indícios de que diferentes declarações públicas do
Presidente do Sindicombustíveis/DF relacionadas a reajustes futuros
nos preços, somadas a circulares publicadas periodicamente pelo
sindicato a respeito do mesmo tema, poderiam revelar uma tentativa
de influenciar o mercado revendedor de combustíveis a se comportar
uniformemente, o que é vedado pela Lei de Defesa da Concorrência
(Lei nº 12.529/11).1086

1084 Processo Administrativo n° 08700.000899/2021-18, instaurado em 11.1.2023.


1085 O mercado de combustíveis tem sido alvo constante de preocupações no sistema
brasileiro de defesa da concorrência, tendo sido objeto de estudos na Cartilha da SDE de
Combate a Cartéis na Revenda de Combustíveis e no Caderno CADE sobre os Mercados
de Distribuição e varejo de combustíveis líquidos. Maio de 2022. Disponível em: <
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/CarteisRevendaCombustiveis.
pdf > e < https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/estudos-
economicos/cadernos-do-cade/Caderno_Mercados-de-distribuicao-e-varejo-de-
combustiveis-liquidos.pdf >.
1086 A infração concorrencial é intitulada “influência à conduta comercial uniforme”,
inserida dentro do gênero mais amplo das condutas coordenadas. Art. 36. Constituem
infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer

Estudos em Direito da Concorrência 713


Amanda Athayde

A preocupação externada pela Superintendência Geral do CADE,


ao iniciar a investigação é a de que, ao receberem a notícia de aumento
de preços, os revendedores de combustíveis teriam grandes incentivos
para repassar imediatamente aos consumidores o acréscimo,
exatamente no mesmo patamar anunciado, mesmo antes de terem
realmente sido afetados por ele, em suas negociações privadas com os
distribuidores.
Pelo que consta dos autos públicos, o Sindicombustíveis/
DF defende que tais declarações decorrem do dever público de
comunicação do sindicato, sendo que havia razões concretas e
excepcionais para os anúncios feitos, tais como o impacto do conflito
entre Rússia e Ucrânia, majoração dos preços da gasolina e do álcool
anidro nas refinarias, alteração do valor do ICMS, elevação de tributos
decorrente do fim da desoneração de tributos federais, entre outras
questões.
Embora o CADE reconheça o papel fundamental das associações
de classe e sindicatos na sociedade, que podem inclusive contribuir
para maior eficiência do mercado em que suas associadas atuem
ao promoverem ações que sejam pró-competitivas, está claro que,
em determinadas situações, as condutas das associações de classe
podem ultrapassar os limites – as vezes tênues – impostos pela Lei
de Defesa da Concorrência no que tange à proibição de medidas que
gerem uniformização de condutas de agentes econômicos que devem
competir diretamente.1087 Não há “autorização especial” para que as
associações de classe e sindicatos deixem de observar os termos da Lei
de Defesa da Concorrência, mesmo sob o argumento de atender a sua

forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos,
ainda que não sejam alcançados: I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar
a livre concorrência ou a livre iniciativa; [...] IV - exercer de forma abusiva posição
dominante. § 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem
hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da
ordem econômica: II - promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial
uniforme ou concertada entre concorrentes;
1087 A preocupação histórica do sistema brasileiro de defesa da concorrência com
condutas anticompetitivas no bojo de associações e sindicatos é evidenciada pela
publicação da Cartilha SDE de combate a cartéis em associações e sindicatos. 2009.
Disponível em: < https://www.abitam.com.br/site/download/cartilha_sindicatos.pdf>.

714 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

função institucional ou constitucional. Aliás, muito pelo contrário: a


Lei de Defesa da Concorrência deixa claro que se aplica a quaisquer
associações de entidade ou pessoas.1088
Essa não é a primeira vez em que o CADE entende que anúncios
públicos podem ser considerados ilegais. Em 2010, no mercado de
avicultura, por exemplo, foi firmado um acordo, ou seja, um Termo
de Compromisso de Cessação de Prática (TCC) entre o CADE, a União
Brasileira de Avicultura (UBA) e o seu presidente, após recomendação
para que empresas produtoras de frango afiliadas diminuíssem a
produção em 20% e limitassem o plantel a 400 milhões de frangos até
determinado período.
Já em 2013, no mercado de chocolates, foi celebrado um acordo
entre o CADE, a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates,
Cacau, Amendoim, Balas e derivados (ABICAB) e seu presidente, após
este dizer publicamente que a Páscoa estaria 8% mais cara naquele
ano de 2009. Naquele caso, nos termos do acordo firmado, foi admitido
que a declaração pública teria sido ilegal, ou seja, uma violação aos
termos da Lei de Defesa da Concorrência.
Ainda em 2013, o Sindicato do Comércio Varejista de Material
de Escritório, Escolar e Papelaria do Estado de São Paulo e Região
(Simpa/SP) também celebrou um acordo com o CADE, em razão de fala
pública do seu presidente de que os pais deveriam antecipar a compra
de material escolar para evitar alta de 7% decorrente do índice de
inflação.
Tais casos deixam claro que os anúncios públicos podem ser
considerados ilícitos pelo CADE, sendo necessário uma análise crítica
específica dos líderes das associações de classe e diretores que avaliam
os momentos e os conteúdos das manifestações de tais entidades, para
evitar conflitos com a Lei de Defesa da Concorrência.

1088 Art. 31. Esta Lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou
privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de
fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica,
mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal.

Estudos em Direito da Concorrência 715


Amanda Athayde

Como regra geral, divulgações ao público em geral de dados


dos setores, pelo fato de diminuírem a assimetria entre os diferentes
agentes econômicos, aumentam a transparência e contribuem para
uma maior eficiência do mercado, podendo ser consideradas pró-
competitivas. Não por outra razão, são comumente vistos com
bons olhos pelas autoridades de concorrência e são preferidos às
comunicações privadas.
No entanto, há situações em que os anúncios públicos deixam
de ser bem vindos, na medida em que podem (a) influenciar a adoção
de prática comercial uniforme; ou (b) aumentar a probabilidade de
colusão.
Em relação à possibilidade específica de anúncio público de
preços, em especial aqueles voltados para políticas de preços, o risco
é de que tais anúncios levem à uniformização de conduta no mercado
afetado, fazendo com que as associações de classe e sindicatos
sirvam de price maker, estabelecendo diretrizes a serem seguidas
pelos agentes de mercado. Os efeitos da adoção de conduta uniforme
entre concorrentes podem ser semelhantes aos efeitos de um cartel,
na medida em que há um arrefecimento da concorrência com a
implementação de políticas comerciais semelhantes e não definidas
unilateralmente.1089
Para além dessa preocupação mais tradicional, uma teoria
do dano mais recente é a de que o anúncio público de informações
pode também servir de sinalização entre concorrentes, substituindo
os acordos anticompetitivos explícitos que na história do direito
da concorrência têm aparecido com mais frequência. Trata-se,
portanto, de forma alternativa de implementação de cartel, mas com
os mesmos efeitos deletérios, na medida em que a colusão, seja ela
implícita ou explícita, diminui a concorrência no mercado e aumenta
artificialmente os preços praticados.

1089 Sobre os possíveis enquadramentos de condutas anticompetitivas no âmbito de


associações, sugere-se: ATHAYDE, Amanda. Prova indireta de cartel no âmbito das
associações: comportamento paralelo e plus factors. EALR, Brasília, V. 2, nº 1, p. 41-64,
Jan-Jun, 2011. Disponível em: < file:///C:/Users/aat/Downloads/1761-Article%20Text-
7586-5-10-20110807.pdf >.

716 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Artigo publicado em 2022, de autoria de Joseph E. Harrington Jr.,


indicado como um dos melhores artigos pelo prêmio Concurrences
de 2023,1090 sugere que acordos entre concorrentes podem ser
realizados por meio de anúncios públicos. Esse anúncio traria uma
dificuldade adicional de persecução antitruste, pela ausência de um
acordo expresso e pela justificativa mais genérica de que o anúncio é
voltado para participantes de mercado, e não para os concorrentes.
Nesse sentido, John Kepler inclusive sugere que esses anúncios
públicos poderiam até mesmo substituir as comunicações privadas na
coordenação entre concorrentes.1091
Nesse contexto, empresas, associações de classe e sindicatos
devem, portanto, ser cautelosos e fazer um exame prévio dos termos
e do contexto no qual o anúncio público pretendido está inserido. O
enfrentamento de sete perguntas básicas pode auxiliar no processo
de identificação e mitigação de riscos relacionados à violação à Lei de
Defesa da Concorrência, quais sejam: (1) O anúncio público pretendido
decorre de exigência legal? (2) O anúncio público pretendido tem como
objetivo atender interesses ou exigências de investidores, clientes
ou consumidores finais? (3) Há justificativa legítima para o anúncio
público pretendido? Quem serão os beneficiados? (4) Há necessidade
de se fazer um anúncio público anterior à ocorrência do evento a ser
noticiado? (5) Para atingir o objetivo desejado com o anúncio público,
todas as informações nele contida são estritamente necessárias? (6)
O anúncio público pretendido contém informações comercialmente
sensíveis? 1092 (7) Qual é a estrutura da indústria a ser potencialmente
afetada pelo anúncio público pretendido?

1090 HARRINGTON JR., Joseph E. Collusion in Plain Sight: firm’s use of public
announcements to restrain competition. ABA, June 2022, Vol, 84, Issue 2.
Disponível em: < https://awards.concurrences.com/IMG/pdf/alj22.pdf?103460/
d3ded543799c5510bd1383b6732c1a851cdd154ae7e9779c2b54f98b9f155ff2>.
1091 KEPLER, John D., Private Communication Among Competitors and Public
Disclosure, 71 J. ACCT. & ECON. 1, 1 (2021).
1092 A lista exemplificativa de informações comercialmente sensíveis contempla:
(i) custos das empresas envolvidas; (ii) nível de capacidade e planos de expansão;
(iii) estratégias de marketing; (iv) precificação de produtos (preços e descontos); (v)
principais clientes e descontos assegurados; (vi) salários/benefícios de funcionários;

Estudos em Direito da Concorrência 717


Amanda Athayde

Essas são perguntas importantes e necessárias para evitar


investigações e condenações pelo CADE, mas também por parte
de outras autoridades de defesa da concorrência, que igualmente
se preocupam com esses anúncios públicos e os seus efeitos nos
comportamentos dos concorrentes, mesmo quando esses anúncios
não são feitos por associações de classe, mas pelas empresas,
unilateralmente.
Em 2018, por exemplo, o Tribunal de Concorrência do Reino
Unido manteve a imposição de multa no valor de 50 milhões de libras
à empresa Royal Mail por abuso de posição dominante, pelo fato de
tal empresa ter publicamente anunciado a sua nova estrutura de
preços.1093 Decidiu-se que o anúncio dessa nova estrutura de preços
seria uma forma de afastar competidores que pretendiam entrar no
mercado de serviços postais, diminuindo por tanto, a concorrência
potencial que a Royal Mail poderia enfrentar.
Ainda no Reino Unido, a autoridade de concorrência (CMA)
local, após conduzir uma investigação detalhada no mercado de
cimentos, decidiu em 2012 proibir o envio, por parte das empresas
do setor, cartas genéricas aos consumidores contendo anúncio de
preços a serem praticados. Por meio de acordo, ficou consignado
que cartas contendo anúncio de preços deveriam ser específicas
com detalhamento dos preços antigos e novos, além da descrição de
eventuais outras cobranças aplicadas ao consumidor destinatário da
carta.
Os anúncios públicos também foram considerados ilícitos
pela Comissão Europeia em investigação relacionada ao mercado de
transporte marítimo de carga (container liner shipping), iniciada em
2013 e concluída em 2016. A autoridade europeia entendeu que os
anúncios públicos dos valores de frete a serem cobrados futuramente,
feitos periodicamente pelas transportadoras em seus sites ou via

(vii) principais fornecedores e termos de contratos com eles celebrados; (viii)


informações não públicas sobre marcas e patentes e Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D); (ix) planos de aquisições futuras; e (x) estratégias competitivas, etc.
1093 https://www.catribunal.org.uk/judgments/12991318-royal-mail-plc-v-office-
communications-judgment-2019-cat-27-12-nov-2019

718 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

imprensa, tinham o efeito de sinalizar aos concorrentes as respectivas


estratégias comerciais. A Comissão Europeia não identificou ganhos
relevantes para os consumidores finais, na medida em que as
informações publicadas não eram úteis a eles da forma apresentada.
As transportadoras celebraram acordo para encerrar o processo,
interrompendo a conduta.1094
Nos Estados Unidos1095, há um número limitado de casos
relacionados a anúncios públicos unilaterais, sendo que na grande
maioria deles houve acordo. Por exemplo, em 2010, o Federal Trade
Commission (FTC) entendeu que a estratégia comercial adotada pela
empresa U-Haul International no mercado de aluguel de caminhões,
de aumentar os seus preços, incentivar o aumento de preços de
concorrentes, e ameaçar abaixar novamente os seus preços caso
concorrentes não fizessem o mesmo, poderia resultar em um menor
grau de concorrência no setor.
Em outro caso envolvendo publicidade de anúncios em jornais
no mesmo ano, o CEO da empresa Valassis Communications, listada
em bolsa, sabendo que seu concorrente estaria acompanhando
conferência telefônica, anunciou nova estratégia de aumento de
preços sem qualquer justificativa comercial legítima. Na ocasião,
o FTC concluiu que a empresa pretendeu viabilizar um conluio por
meio do anúncio.
Estes casos ilustram, portanto, que a preocupação externada pelo
CADE no caso recentemente anunciado é também uma preocupação
de outras autoridades, o que gera ainda mais riscos a associações de
classe e empresas que percebem valor na comunicação pública de
informações que são sensíveis do ponto de vista da concorrência.
O processo administrativo de Sindicombustíveis/DF revela que
o CADE está acompanhando de perto, com interesse, os anúncios

1094 https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/IP_16_2446;https://www.
gov.uk/government/news/cma-publishes-final-cement-price-announcement-order
1095 https://www.oecd.org/daf/competitionUnilaterasclosureofinformation2012.pdf;
http://www.ftc.gov/os/caselist/0810157/100720uhaulcmpt.pdf; http://www.ftc.gov/os/
caselist/0510008/0510008c4160ValassisDecisionandOrder.pdf.

Estudos em Direito da Concorrência 719


Amanda Athayde

públicos de preços. O fato de os anúncios públicos terem diferentes


formatos, conteúdos e extensão faz com que o CADE, nos precedentes
existentes até aqui, não tenha respondido todas as perguntas que
surgem, deixando importante espaço para debate.
As investigações do CADE referentes a anúncios públicos têm
se concentrado, ainda, nas manifestações realizadas por líderes de
associações e sindicatos. Pela atuação das autoridades europeias e
norte-americana, nota-se, contudo, que o escrutínio dos anúncios
públicos já chegou no nível da empresa. Novos desdobramentos
tendem a surgir ao longo dos anos, de modo que empresas, associações
e sindicatos devem ser cautelosos antes da realização de anúncios
públicos.

720 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Ações Privadas em
Reparação Cível

Estudos em Direito da Concorrência 721


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

SE, QUANDO E COMO APLICAR A LEI Nº 14.470/2022 NAS


AÇÕES REPARATÓRIAS POR DANOS CONCORRENCIAIS?
UMA ANÁLISE SOBRE A APLICABILIDADE NO TEMPO
DAS NORMAS DE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL

Publicado originalmente em: https://revista.cade.gov.br/index.php/


revistadedefesadaconcorrencia/article/view/1029 em 11/01/2023.

Amanda Athayde

Carolina Trevizo

RESUMO ESTRUTURADO
Contextualização: Apesar de a Lei nº 14.470/2022 endereçar
algumas das dificuldades enfrentadas no âmbito do private
enforcement no direito concorrencial brasileiro, trouxe consigo novas
dúvidas sobre aplicabilidade da nova lei no tempo, pois não consagrou
em seu texto uma norma de direito intertemporal que regulasse essa
questão. Em quais hipóteses, em que momento e como aplicar a Lei
nº 14.470/2022 ou a lei antiga nas ações indenizatórias por danos
concorrenciais (“ARDCs”) já extintas, ainda pendentes, e que ainda
não foram iniciadas? A resposta a tais perguntas sobre a aplicabilidade
imediata da Lei nº 14.470/2022 poderá determinar a viabilidade das
ARDCs ou tornará o processo menos oneroso/mais compensatório
para as vítimas.
Objetivo: O artigo tem como objetivo analisar como se dará a
aplicabilidade das disposições novas da Lei nº 14.470/2022.
Método: As autoras analisaram a natureza das novas normas
trazidas pela Lei nº 14.470/2022, classificando-as como de direito
material e processual. A partir disso, examinaram as hipóteses de
aplicação dessas disposições nas ARDCs já extintas, ainda pendentes,
e que ainda não foram iniciadas.
Resultado: Verificou-se que as ARDCs pendentes são o foco
das maiores controvérsias de aplicabilidade da Lei nº 14.470/2022,

Estudos em Direito da Concorrência 723


Amanda Athayde

em suma, devido à incerteza sobre a existência de situação jurídica


pendente, o que permitiria a aplicação da nova lei, ou de formação de
ato jurídico perfeito/direito adquirido nos processos ainda em curso,
obrigando a observância à lei antiga.
Conclusões: A aplicação das disposições da Lei nº 14.470/2022
devem ser analisadas com cautela tanto pela doutrina quanto pelos
tribunais brasileiros, vez que irão impactar a grande maioria das
ARDCs ainda pendentes no Judiciário Brasileiro.
Palavras-chave: direito intertemporal; aplicabilidade; norma;
processual; material; Lei nº 14.470/2022.

IF, WHEN AND HOW TO APPLY THE NEW PRIVATE ENFORCEMENT


LAW NO. 14,470/2022 IN COMPETITION DAMAGE CLAIMS
IN BRAZIL? AN ANALYSIS ON THE APPLICABILITY OVER
TIME OF SUBSTANTIVE AND PROCEDURAL LAW RULES

STRUCTURED ABSTRACT
Conceptualization: Law No. 14,470/2022 was enacted to address
some of the difficulties faced in the context of private enforcement in
Brazilian antitrust law. At the same time, however, difficulties began
to be arise about the applicability of the new law over time, as it did
not enshrine in its text a rule of intertemporal law that regulates this
issue. The difficulty is even greater in the numerous competition
damage claims (“ARDCs”) pending in the Brazilian Judiciary, in which
the matters addressed by the new law are being discussed. Indeed,
the proposed analysis is extremely important since the immediate
applicability of the new law could determine the viability of these
ARDCs or make the process less burdensome/more rewarding for the
victims.
Objective: The article aims to analyze how the applicability of
the new provisions of Law nº 14.470/2022 will take place.
Methodology: The authors analyzed the nature of the new
provisions introduced by Law nº 14.470/2022, classifying them
as substantive and procedural law. From this, they examined the

724 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

hypotheses of application of these provisions in the ARDCs that are


already extinct, still pending, and that have not yet been initiated.
Results: It was verified that the pending ARDCs are the focus
of the biggest controversies regarding the applicability of Law nº
14.470/2022, in short, due to the uncertainty about the existence of a
pending legal situation, which would allow the application of the new
law, or the formation of a perfect legal act/an acquired right in these
ongoing proceedings, obliging the compliance with the ancient law.
Conclusion: The applicability of Law nº 14.470/2022’s new
provisions must be analyzed with caution both by the doctrine and
by the Brazilian courts, because they will impact the vast majority of
ARDCs, which are still pending in the Brazilian Judiciary, in which is
being discussed, mainly, the matters addressed by the new law.
Keywords: intertemporal law; applicability; provision; material;
procedural; Law No. 14,470/2022.
Classificação JEL: K2; K13; K15; K41; K42; Y10

Sumário: 1. Qual a natureza dos dispositivos da Lei


nº 14.470/2022: processual ou material? 2. Como se
aplicam as disposições de natureza processual em
ARDCs com a entrada em vigor da Lei nº 14.470/2022?
2.1. Art. 47-A: Decisão condenatória do CADE é apta
a fundamentar a concessão liminar de tutela de
evidência. 2.2. Art. 47, §4º: Distribuição do ônus da
prova do repasse do sobrepreço ao réu, vedando a sua
presunção . 3. Como ficam as disposições de natureza
material em ARDCs no caso de os fatores geradores
serem anteriores ou posteriores à Lei nº 14.470/2022?
3.1. Art. 46-A, §§1º e 2º: Prazo prescricional para as
ações reparatória é de 5 anos e o termo inicial é a
data da publicação final do CADE. 3.2. Art. 47, §1º:
Sistema de double damages em caso de cartel. 3.3.
Art. 47, §3º: Exclusão da responsabilidade solidária
para infratores signatários de Acordo de Leniência
e TCC/02. 4. Conclusões preliminares.

Estudos em Direito da Concorrência 725


Amanda Athayde

INTRODUÇÃO

A tão esperada1096 Lei nº 14.470/2022, que alterou a Lei de


Defesa da Concorrência Brasileira (Lei Federal nº 12.529/11) (“LDC”)
para prever novas disposições com o intuito de aprimorar o cenário
da repressão privada de infrações à ordem econômica no Brasil,1097
entrou em vigor em 16/11/2022. Algumas primeiras reflexões sobre
aspectos processuais decorrentes dessa nova lei já começaram a ser
apresentados (ATHAYDE et al, 2023), principalmente porque a nova
lei não trouxe uma norma de direito intertemporal que regulasse sua
aplicação, em especial nas ações já em curso.
Considerando que as Ações Reparatórias por Danos
Concorrenciais (ARDCs), seguindo uma infeliz situação de outros
processos, ainda se arrastam durante anos no judiciário brasileiro,
cumpre perguntar: como se dará a aplicabilidade imediata ou a
retroatividade da Lei nº 14.470/2022?
Para responder a essa pergunta, serão feitas breves
considerações iniciais sobre o conteúdo e a aplicação de normas de
direito material e processual, que serão fundamentais para auxiliar na
posterior classificação das normas contidas na nova Lei nº 14.470/2022
(1). Então, será possível analisar as diferentes hipóteses de aplicação

1096 De fato, a lei se tornou um marco para o private enforcement, na medida em


que tratou de algumas dificuldades enfrentadas nas Ações Reparatórias por Danos
Concorrenciais (“ARDCs”) e, pois, criou incentivos para que aqueles lesados por
infrações concorrenciais, especialmente cartel, pleiteiem ressarcimento pelos danos
sofridos.
1097 Em suma, a nova lei visou estimular o ajuizamento das ARDCs ao: (a) estipular que
a decisão final do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, autarquia
concorrencial brasileira, é capaz de fundamentar a concessão de tutela de evidência
(art. 47-A); (b) determinar que o repasse de sobrepreço pela parte autora (passing-on
defense) nos casos das infrações à ordem econômica previstas nos incisos I e II do §3º
do art. 36 da Lei nº 12.529/11 (i.e., nos casos de cartéis) não se presume, atribuindo ao
réu o ônus da sua prova (Art. 47, §4º); (c) estabelecer o prazo prescricional de 5 (cinco)
anos para as demandas reparatórias, a partir da publicação da decisão final do CADE,
pois somente então considera-se ocorrida a ciência inequívoca do ilícito (art. 46-A e
§1º); e (d) propor a criação de um sistema de double damage (art. 47, §1º), isentando
os signatários de Leniência ou Termo de Compromisso de Cessação (“TCC/02”) (art.
47, §2º).

726 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

das disposições de natureza processual em ARDCs com a entrada em


vigor Lei nº 14.470/2022 (2). E, por fim, serão estudadas as hipóteses
de aplicação das disposições de natureza material em ARDCs,
considerando ambos os fatores geradores anteriores e posteriores à
Lei nº 14.470/2022 (3).

1. QUAL A NATUREZA DOS DISPOSITIVOS DA LEI Nº


14.470/2022: PROCESSUAL OU MATERIAL?

A distinção entre normas processuais e materiais não só é


clássica na teoria da norma jurídica, como também importante em
razão das particularidades que devem ser observadas quando da sua
interpretação e aplicação.
Tradicionalmente, as normas materiais são caracterizadas como
aquelas que atribuem direitos aos indivíduos, tratando das relações
jurídicas entre as partes referentes a bens e utilizados da vida. As
normas processuais, por sua vez, são meramente instrumentais, vez
que somente regulam a forma de tutela jurídica dos direitos através do
processo, ou seja, a aplicação do direito material.1098-1099

1098 “O direito processual é, assim, do ponto de vista de sua função jurídica, um instrumento
a serviço do direito material: todos os seus institutos básicos (jurisdição, ação, exceção,
processo) são concebidos e justificam-se no quadro das instituições do Estado pela necessidade
de garantir a autoridade do ordenamento jurídico. O objeto do direito processual reside
precisamente nesses institutos e eles concordarem decisivamente para dar-lhe sua própria
individualidade e distingui-lo do direito material” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO,
2006, 46).
1099 “As normas de direito material são aquelas que indicam quais os direitos de cada
um. Por exemplo, a que diz que determinadas pessoas têm direito de postular alimentos
de outras é material: atribui um interesse primário ao seu titular. As normas de processo
são meramente instrumentais. Pressupõe que o titular de um direito material entenda que
ele não foi respeitado, e recorra ao Judiciário para que o faça valer. O direito material pode
ser espontaneamente respeitado, ou pode não ser. Se a vítima quiser fazê-lo valer com força
coercitiva, deve recorrer ao Estado, do que resultará a instauração do processo. Ele não é um
fim em si mesmo, nem o que almeja quem ingressou em juízo, mas um meio, um instrumento,
para fazer valer o direito desrespeitado. As normas de direito processual regulamentam o
instrumento de que se vale o Estado-juiz para fazer valer os direitos não respeitados dos que
a ele recorreram.” (GONÇALVES, 2011, p. 36)

Estudos em Direito da Concorrência 727


Amanda Athayde

Diante dessa contextualização teórica, como classificar,


portanto, os novos dispositivos trazidos na Lei nº 14.470/2022?
A nosso ver, é possível se vislumbrar que as normas contidas
no art. 47-A e Art. 47, §4º são predominantemente processuais, pois
instrumentalizam as questões da tutela de evidência e do ônus da prova
do repasse do sobrepreço nas ARDCs,1100 ao passo em que as normas
contidas no art. 46-A, §§1º e 2º, art. 47, §1º e §3º são normas materiais,
vez que disciplinam, respectivamente, (até) quando a pretensão
daqueles lesados por danos concorrenciais poderá ser exercida, a
extensão da indenização/quantum debeatur que a vítima tem direito
pelo dano concorrencial sofrido, e a solidariedade passiva ou não na
totalidade do dano causado à vítima do infrator que celebrou Acordo
de Leniência ou Termo de Compromisso de Cessação (“TCC”).
Tabela 1 – Classificação dos dispositivos da Lei nº
14.470/2022 enquanto norma processual ou material

Dispositivo Redação Classificação

Art. 46-A, § 1º Prescreve em 5 (cinco) anos a preten- Norma material


§§1º e 2º são à reparação pelos danos causados pe-
las infrações à ordem econômica previstas
no art. 36 desta Lei, iniciando-se sua conta-
gem a partir da ciência inequívoca do ilícito.
§ 2º Considera-se ocorrida a ciência ine-
quívoca do ilícito por ocasião da pu-
blicação do julgamento final do pro-
cesso administrativo pelo Cade.

Art. 47 §1º § 1º Os prejudicados terão direito a ressar- Norma material


cimento em dobro pelos prejuízos sofridos
em razão de infrações à ordem econômica
previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36
desta Lei, sem prejuízo das sanções aplica-
das nas esferas administrativa e penal.

1100 Entendemos que o art. 47, §4º da Lei nº 14.470/2022 trata de norma processual
devido à sua clara finalidade de impulso processual das ARDCs. O dispositivo
esclarece, desde logo, que não se pode presumir o repasse do sobrepreço, atribuindo
o ônus de provar esse tipo de defesa ao réu, vez que tratar-se-ia de fato extintivo do
direito à parte autora.

728 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Art. 47 §3º § 3º Os signatários do acordo de leniên- Norma material


cia e do termo de compromisso de cessa-
ção de prática são responsáveis apenas pelo
dano que causaram aos prejudicados, não
incidindo sobre eles responsabilidade soli-
dária pelos danos causados pelos demais
autores da infração à ordem econômica.

Art. 47 §4º § 4º Não se presume o repasse de sobrepre- Norma processual


ço nos casos das infrações à ordem econômi-
ca previstas nos incisos I e II do § 3º do art. 36
desta Lei, cabendo a prova ao réu que o alegar.

Art. 47-A Art. 47-A. A decisão do Plenário do Tribunal Norma processual


referida no art. 93 desta Lei é apta a funda-
mentar a concessão de tutela da evidên-
cia, permitindo ao juiz decidir liminarmente
nas ações previstas no art. 47 desta Lei.

Fonte: elaboração própria.

2. COMO SE APLICAM AS DISPOSIÇÕES DE NATUREZA PROCESSUAL


EM ARDCS COM A ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 14.470/2022?

Com relação a sua aplicação, a norma processual se aplica de


imediato, desde o início da sua vigência, aos processos em andamento,
mas devem ser respeitados os atos processuais já realizados, ou
situações consolidadas (i.e., ato jurídico perfeito, o direito adquirido e
a coisa julgada), de acordo com a lei anterior (art. 14, CPC/15).
Note-se que a simplicidade da aplicação de novas normas
processuais (e materiais, como ver-se-á a seguir) é apenas aparente.
Conforme apontam Yarshell e Pessoa (2016, p. 56), “o difícil é saber em
que hipóteses haverá uma situação processual consolidada”.
Alguns conceitos, tais como os de situação jurídica consolidada
e direito adquirido, não gozam de consenso na doutrina (BUENO,
2017, pp. 200-202). E, mesmo aqueles que estão mais estabelecidos, tal
qual o de ato jurídico processual perfeito (i.e., aqueles já praticados
sob a égide da lei antiga), são de difícil interpretação no caso concreto,
principalmente quando há situação jurídica pendente (NERY JUNIOR;
NERY, 2016, p. 241).

Estudos em Direito da Concorrência 729


Amanda Athayde

Não bastasse, alguns atos processuais não se aperfeiçoam com


a simples prática, pois, ao longo do processo, alguns deles produzem
efeito que se prolongam no tempo. Ademais, há atos posteriores
que guardam tanta conexão com atos antigos que não podem ser
submetidos a regimes jurídicos distintos (YARSHELL; PESSOA, 2016,
pp. 56-57).
Sobre esse ponto, a doutrina do direito processual civil
intertemporal criou um norte a ser seguido quando da verificação da
lei aplicável – nova ou velha – em um processo pendente: a regra do
isolamento dos atos processuais.
Nas palavras de Dinamarco: “Cada ato é considerado em si mesmo,
isoladamente, preservando-se a eficácia dos que houverem sido praticados
antes segundo a lei velha e impondo a aplicação da nova aos que vierem a
ser praticados a partir de sua vigência” (DINAMARCO, 2018, pp. 143-144).
Dessa forma, à luz do art. 14, do CPC/15, deve-se tentar resguardar
as situações jurídicas processuais consolidadas, que envolvem os
respectivos fatos constitutivos ou extintivos, bem como efeitos já
produzidos, ao passo que, os efeitos pendentes de produção serão de
regra regidos pela lei nova (BUENO, 2017, p. 202).
Como aplicar, portanto, os dispositivos do art. 47 da Lei nº
14.470/2022 que foram classificados como normas processuais? É o
que se passa a apresentar.

2.1 ART. 47-A: DECISÃO CONDENATÓRIA DO


CADE É APTA A FUNDAMENTAR A CONCESSÃO
LIMINAR DE TUTELA DE EVIDÊNCIA

Por escolha metodológica, passa-se a analisar a aplicação desse


dispositivo sob a perspectiva de ARDCs (i) já extintas, (ii) pendentes,
ou (iii) a serem iniciadas.
Com base nas ponderações acima, em (2.1.i.) ARDCs já extintas,
a Lei nº 14.470/2022 não poderá retroagir, vez que foram formadas
situações jurídicas já consolidadas, independentemente se foi

730 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

concedida ou não a tutela de evidência e qual foi o seu fundamento


jurídico. Além disso, a concessão de tutela de evidência pressupõe a
existência de ação ajuizada para que seja possível a dedução de que o
direito do autor é de fato evidente.1101
Note-se que, antes da entrada em vigor da lei nova, a tutela de
evidência já podia ser concedida liminarmente à vítima por dano
concorrencial, com base na hipótese genérica do inciso IV, do art. 311,
do CPC/15. Todavia, na grande maioria das ARDCs até hoje ajuizadas,
o tipo de tutela provisória geralmente requerido é o de urgência, em
razão da maior facilidade, até então, em comprovar os fundamentos
do art. 300, do CPC/15 (probabilidade do direito e o perigo de dano/
risco ao resultado útil do processo).
Conforme explica Adriano Camargo Gomes, a inclusão do art.
47-A na LDC foi muito positiva por 3 (três) motivos: (i) o dispositivo
possibilita a concessão de tutela de evidência em caráter liminar; (ii)
a tutela se presta a incentivar as vítimas a buscaram reparação no
Judiciário, pois inverte o ônus decorrente do tempo do processo, que
tende a demorar entre 10-15 anos; (iii) ao contrário do que dispõe o
inciso IV do art. 311, do CC/02, o art. 47-A condiciona a concessão da
liminar ao fato do réu não conseguir não impõe a condição de que
o réu não seja capaz de opor “prova capaz de gerar dúvida razoável”,
tornando, pois, mais difícil a tarefa do réu de impedir que a tutela de
evidência seja concedida (2022, pp. 426-427).
No que tange à incidência da norma do art. 47-A nas (2.1.ii)
ARDCs que estavam pendentes quando da entrada em vigor da Lei
nº 14.470/2022, não se verifica a mesma dificuldade encontrada na
aplicação das outras disposições novas. Isso se observa, na medida
em que a concessão de tutela de evidência não se confunde com o
julgamento antecipado de mérito, porque decorre de atividade de
cognição sumária do magistrado. Com efeito, não é apta a fazer coisa
julgada material (THEODORO, 2016, p. 379).

1101 “[...] a tutela de evidência, por sua própria natureza, pressupõe ação já ajuizada, pois
é através da dedução da pretensão posta em juízo e da análise dos documentos apresentados
que é possível avaliar se o direito do autor é, de fato evidente” (THEODORO, 2016, p. 379)

Estudos em Direito da Concorrência 731


Amanda Athayde

Não bastasse, a nova norma trata de tutela de evidência, que


é uma tutela provisória (art. 294, CPC/15), de maneira que a sua
concessão pode vir a ser revogada ou modificada a qualquer momento
(art. 296, CPC/15) (CASELTA, 2022).
Diante do exposto, é possível concluir que a norma nova deve:

(2.1.ii.a) ser aplicada imediatamente às ARDCs


pendentes em que a tutela de evidência ainda está
em discussão, i.e., (2.1.ii.a.1) naquelas em que não
houve nenhum juízo sobre o pedido de tutela de evidência
ainda, e (2.1.ii.a.2) naquelas que estão sendo discutidas
em sede de agravo de instrumento,1102 tendo em vista a
natureza instável da tutela provisória e a aplicabilidade
imediata da lei processual aos processos pendentes,
de acordo com o art. 14, do CPC/15;
(2.1.ii.a) mas também poderia retroagir nas
ARDCs em que a tutela provisória de evidência foi
indeferida por decisão interlocutória transitada em
julgado, se a decisão condenatória do CADE for apta
a fundamentar a concessão de tutela de evidência.
Isso porque, conforme analisado anteriormente, não
apenas inexiste a formação de coisa julgada material
em se tratando de concessão ou rejeição de tutela de
evidência, mas também a tutela é provisória, podendo
vir a ser revogada ou modificada a qualquer tempo.

Por fim, e de compreensão mais simples, é incontroversa a


aplicação imediata da Lei nº 14.470/2022 para (2.1.iii.) ARDCs ainda não
iniciadas, em que não se cogita a existência de nenhum ato jurídico
perfeito, direito adquirido, e muito menos de coisa julgada. Nesse
caso, nos termos do art. 14, do CPC/15, o processo será inteiramente
regido pelas normas processuais da lei nova e, portanto, eventual
decisão condenatória proferida pelo CADE será apta a fundamentar a

1102 Concedida ou negada a tutela provisória de evidência por decisão interlocutória


cabe agravo de instrumento para o respectivo tribunal (art. 1.015, inciso I, CPC/15).

732 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

concessão de tutela de evidência, pois comprova o ilícito concorrencial


do qual decorreu o dano.

2.2 ART. 47, §4º: DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA DO REPASSE


DO SOBREPREÇO AO RÉU, VEDANDO A SUA PRESUNÇÃO

Nas ações reparatórias por danos à ordem econômica, o autor


tem o ônus de provar a ocorrência da infração, do dano e o nexo causal;
ao passo que ao réu cabe o ônus de provar fatos que impediriam a
configuração de sua conduta como infração ou modificariam seus
efeitos, tal como o passing-on defense. A esse respeito, o novo §4º do art.
47 procurou eliminar uma das fontes de incerteza da responsabilidade
civil concorrencial, ao distribuir claramente o ônus da prova em caso
de alegação de repasse do sobrepreço ao réu, embora isso já fosse
dedutível do art. 373, II, do CPC/15 (GOMES, 2022, p. 300).
Tendo isso esclarecido, passa-se a analisar pela metodologia
proposta a aplicação desse dispositivo sob a perspectiva de ARDCs (i)
já extintas, (ii) pendentes, ou (iii) a serem iniciadas.
No que diz respeito à norma que veda a presunção do repasse de
sobrepreço e atribui ao réu o ônus da sua prova, as conclusões diferem
parcialmente daquelas postas acima (item 2.1). Isso porque, para as
(2.2.i.) ARDCs já extintas com base no passing-on defense, impossível
a Lei nº 14.470/2022 retroagir, na medida em que já se formou a coisa
julgada.1103 Da mesma forma, os processos das (2.2.iii) ARDCs ainda a
serem iniciadas serão regidos integralmente pela Lei nº 14.470/2022,
de maneira que, o repasse do sobrepreço não poderá ser presumido,
e a comprovação da sua ocorrência será dever do réu mediante prova
técnica.
Em relação às (2.2.ii.) ARDCs pendentes, todavia, a seguinte
distinção merece ser feita entre aquelas em que:

1103 Vide: TJSP, Apelação Cível nº 1077205-89.2017.8.26.0100, 30ª Câmara de Direito


Privado, Rel. Des. Carlos Russo, DJ 27/11/2019.

Estudos em Direito da Concorrência 733


Amanda Athayde

(2.2.ii.a.) o repasse do sobrepreço foi presumido


por decisão transitada em julgado: nessa hipótese,
há a formação de coisa julgada e, portanto, a Lei nº
14.470/2022 não retroage.
(2.2.ii.b) o repasse do sobrepreço ainda está em
discussão: essas ações ainda podem ser divididas
entre:
(2.2.ii.b.1) aquelas em que não houve ainda
nenhum juízo sobre a questão do repasse e seu ônus de
prova: não havendo nenhuma apreciação sobre a
questão, ela resta pendente, sendo aplicável a Lei nº
14.470/2022. Isto é, a comprovação do repasse é não
pode ser presumido e deve ser comprovado mediante
prova técnica pelo réu.
(2.2.ii.b.2) aquelas que estão em sede de recurso:
essa é a situação de muitas ARDCs atualmente
pendentes. Observe-se que, antes da entrada em
vigor da lei nova, em vários casos, os Tribunais de
Justiça brasileiros, especialmente do Estado de São
Paulo, acabavam julgando a ação improcedente,
pois invertiam o ônus e presumiam a ocorrência
do repassa, por diversos motivos descabidos: (i)
seria fato notório/regra de experiência1104, (ii) a
autora não teria demonstrado nenhuma evidência
de que não repassou o sobrepreço,1105 ou (iii) com
fundamentado na análise do INCC.1106 Esses casos
encontram-se pendente de julgamento no Superior
Tribunal de Justiça (STJ). Nesse contexto, para fins de
aplicabilidade da lei nova e, consequente viabilidade

1104 TJSP, Apelação nº 1049985-19.2017.8.26.0100, 32ª Câmara de Direito Privado, Rel.


Des. Caio Marcelo Mendes de Oliveira, Dj 13/05/2021 (pendente de julgamento no STJ
– Em segredo de justiça); TJSP, Apelação nº 1076730-36.2017.8.26.0100, 5ª Câmara de
Direito Privado, Rel. Des. Fábio Podestá, Dj 29/05/2019 (pendente de julgamento no
STJ – REsp nº 1741194/SP);
1105 TJSP, Apelação nº 1076386-55.2017.8.26.0100, 4ª Câmara de Direito Privado, Rel.
Des. Alcides Leopoldo, Dj 10/02/2022 (interposição de REsp, que ainda não subiu ao
STJ).
1106 TJSP, Apelação nº 1076944-27.2017.8.26.0100, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel.
Des. Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, Dj 09/12/2020 (pendente de julgamento
no STJ – Em segredo de Justiça).

734 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

dessas ARDCs pendentes, entende-se pertinente o


questionamento feito a seguir: a decisão, em primeira
ou segunda instância, que inverteu o ônus da prova
e presumiu a ocorrência do repasse do sobrepreço
é ato jurídico processual perfeito e/ou advém para
qualquer dos participantes direito adquirido? Com
efeito, vislumbra-se uma controvérsia: no caso de
uma resposta afirmativa, a Lei nº 14.470/2022 não
retroage, e a ação está fadada à improcedência; do
contrário, permanece uma situação jurídica pendente
e, pois, nesses casos, caberia o retorno dos autos à
origem para que o réu comprovasse a ocorrência do
repasse do sobrepreço. Seguindo o entendimento da
jurisprudência majoritária dos Tribunais de Justiça,
no sentido de que não se opera a preclusão da decisão
anterior que distribuiu ou inverteu o ônus da prova
desde que a parte interessada recorra da decisão,1107
faz sentido a Lei nº 14.470/2022 ser aplicável nesses
casos. Todavia, é preciso levar em consideração que
há decisões no sentido de que a decisão que defere,
indefere ou revoga a dinâmica instrutória pode ser
altera pelo julgador, desde que antes da prolação da
sentença, pois trata de regra de instrução, e não de
julgamento.1108

1107 Vide: TJSP, Agravo de Instrumento nº 2043052-51.2019.8.26.0000, 29ª Câmara


de Direito Privado, Des. Rel. Carlos Henrique Miguel Trevisan, DJ 26/04/2019; TJSP,
Agravo de Instrumento nº º 2118438-24.2018.8.26.0000, 31ª Câmara de Direito Privado,
Des. Rel. Paulo Ayrosa, Dj 11/07/2018.
1108 Vide: TJRS, Agravo de Instrumento nº 0015994-39.2018.8.19.0000, 16ª Câmara
Cível, Des. Rel. Mauro Disckstein, Dj 11/05/2018.

Estudos em Direito da Concorrência 735


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3. COMO FICAM AS DISPOSIÇÕES DE NATUREZA MATERIAL


EM ARDCS NO CASO DE OS FATORES GERADORES SEREM
ANTERIORES OU POSTERIORES À LEI Nº 14.470/2022?

Com relação a sua aplicação, o direito material é, em regra,


avaliado e julgado conforme a lei vigente no seu tempo, refletindo os
princípios da irretroatividade e imediatidade das leis, consagrados no
art. XXXVI, da CF/88, e no art. 5 da LINDB. Significa dizer que quando
da vigência da lei nova, essa terá eficácia imediata, podendo atingir
somente situações futuras e pendentes, respeitados as situações
consolidadas no tempo: ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa
julgada (NERY JUNIOR; NERY, 2017, p. 226).
Como de praxe, o princípio da irretroatividade não é absoluto.
Conforme explica Carlos Roberto Gonçalves, a lei poderá retroagir em
2 (dois) casos: (i) para atingir fatos já consumados somente quando
não ofender as situações já consolidadas no tempo e (ii) quando o
legislador expressamente mandar aplicar a lei nova às situações
passadas (GONÇALVES, 2017, p. 84)
A impossibilidade de uma nova lei retroagir para alcançar
situações jurídicas já consolidadas é vedada em razão do princípio
da segurança jurídica, com a finalidade essencial de preservar as
situações consolidadas sob a égide da lei anterior.1109
As hipóteses de aplicação das normas materiais são ainda mais
complexas, na medida em que o direito material deve ser analisado
e julgado conforme a lei vigente no seu tempo, devendo ser levado
em consideração, em regra, não o curso do processo, mas os fatos
geradores do direito, se são anteriores ou posteriores à lei nova.

1109 “O direito segurança jurídica no processo constitui direito certeza, estabilidade,


confiabilidade e efetividade das situaç es jurídicas processuais. Ainda, a segurança jurídica
determina não só segurança no processo, mas também segurança pelo processo.” (SARLET;
MARINONI; MITIDIERO, 2017, p. 281)

736 Estudos em Direito da Concorrência


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3.1 ART. 46-A, §§1º E 2º: PRAZO PRESCRICIONAL PARA


AS AÇÕES REPARATÓRIA É DE 5 ANOS E O TERMO
INICIAL É A DATA DA PUBLICAÇÃO FINAL DO CADE

Em se tratando de normas de natureza material, será realizada


uma subdivisão na análise para se avaliar a aplicabilidade no caso de
fatos geradores anteriores ou posteriores à Lei nº 14.470/2022.

3.1.1 ANÁLISE DA APLICABILIDADE NO CASO DE FATOS


GERADORES ANTERIORES À LEI Nº 14.470/2022

Por metodologia, passa-se novamente a analisar a aplicação


desse dispositivo sob a perspectiva de ARDCs (i) já extintas, (ii)
pendentes, ou (iii) a serem iniciadas, com nuances modificações.
A regra é clara sobre as ARDCs (3.1.1.i) já extintas: a nova lei não
pode retroagir devido à coisa julgada formada. No que diz respeito às
ARDCs que já foram extintas preliminarmente com base em prescrição,
o entendimento jurisprudencial sobre o prazo prescricional e o termo
inicial aplicáveis variavam conforme o entendimento dos tribunais
acerca da natureza da responsabilidade civil, i.e., extracontratual
(aquiliana) ou contratual.
Nos casos em que entendeu equivocadamente tratar-se de ilícito
contratual, o prazo prescricional aplicável seria de 10 (dez) anos,
conforme regra do art. 205, do CC/02, e o termo inicial seria a celebração
do contrato ou do aditamento (art. 189, CC/02).1110 Em contrapartida,
quanto os tribunais acertavam a natureza extracontratual do ilícito,
aplicavam a regra geral para fins de reparação civil extracontratual
para as ações individuais prevista no 206, §3º, inciso V, do CC/02, 3 (três)
anos. O desentendimento, todavia, era com relação ao termo a quo da
prescrição, alternando entre: (i) a data da violação do direito (art. 189,
CC/02), e (ii) a data da ciência da violação do direito e da extensão dos

1110 E.g., TJSP, Apelação Cível nº 1013093-40.2015.8.26.0114, 14ª Câmara de Direito


Privado, Rel. Des. Thiago de Siqueira, Dj 31/08/2018.

Estudos em Direito da Concorrência 737


Amanda Athayde

danos, que pode ocorrer após ação penal (art. 200, CC/02),1111 após a
decisão condenatória final do CADE,1112 ou quando da celebração ou
rescisão do contrato.1113
Caso o (3.1.1.ii) processo esteja pendente no momento da
entrada em vigor da lei nova (i.e., a ação tenha sido ajuizada até
15/11/2022, dia anterior à entrada em vigor da Lei nº 14.470/2022), o
prazo prescricional aplicável é o da lei antiga, ou seja, 3 (três) anos
(art. 206, §3º, V, CC/02).
Se extrai da jurisprudência do c. STJ que inexiste direito
adquirido a prazo prescricional em curso (mas apenas expectativa
de direito), cabendo às partes se submeterem ao regimento jurídico
novo. Segundo a Corte Especial, a contagem do novo prazo, por
óbvio, só tem início com a entrada em vigor da inovação legislativa.
A jurisprudência, no entanto, estabelece 2 (duas) exceções para a
incidência do prazo definido pelo novo diploma legal: (i) se o prazo
de prescrição aplicável anteriormente já tiver se consumado; ou (ii) se
a ação já tiver sido ajuizada antes da entrada em vigor da lei nova.1114
Recentemente, a Terceira Turma do STJ analisou a prescrição de
pretensão de reparação de dano concorrencial decorrente de conduta
anticompetitiva no Recurso Especial nº 2.095.107/SP, referente a uma
ação ajuizada em 2016, e entendeu que se aplicava ao caso dos autos
a regra prevista no art. 206, §3º, V, do CC/02, que define a prazo de
prescrição de 3 (três) anos. Isso porque “quando da entrada em vigor do

1111 Vide: TJSP, Agravo de Instrumento nº 2066435-97.2015.8.26.0000, 27ª Câmara de


Direito Privado, Rel. Des. Sergio Alfieri, Dj 15/09/2015.
1112 Vide: TJSP, Apelação nº 1076386-55.2017.8.26.0100, 4ª Câmara de Direito
Privado, Rel. Des. Alcides Leopoldo, Dj 10/02/2022; TJSP, Apelação Cível nº 1076706-
08.2017.8.26.0100, 30ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Lino Machado, Dj
01/12/2021; etc.
1113 Vide: TJMG, Apelação Cível nº 1.0024.06.984815-8/033, 11ª Câmara Cível,
Des. Rel. Mariza de Melo Porto, DJe 06/07/2016; TJSP, Apelação Cível nº 1000180-
60.2021.8.26.0067, 34ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Lígia Araújo Bisogni, Dj
08/08/2022; etc.
1114 Vide: STJ, Recurso Especial nº 2.022.552/RS, Terceira Turma, Min. Rel. Nancy
Andrighi, Dje 09/12/2022.

738 Estudos em Direito da Concorrência


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prazo estabelecido pela nova legislação, a presente ação já se encontrava em


andamento”.1115
Por fim, com relação às (3.1.1.iii) ARDCs ainda não iniciadas,
que dizem respeito a ilícitos anticoncorrenciais ocorridos antes da
entrada em vigor da Lei nº 14.470/2022, conforme entendimento do c.
STJ, há a incidência imediata do novo prazo de prescrição trazido por
ela, desde que a prescrição ainda não tenha sido consumada.
No julgamento do recurso supramencionado, o Min. Rel. Villas
Boâs Cueva acompanha o entendimento da doutrina no sentido de
que deve ser computado o decurso do tempo já transcorrido durante
a vigência da norma anterior (i.e., até 3 anos), estando o novo prazo
limitado ao tempo restante do período pretérito, quando mais reduzido
em relação ao novo regramento.
Ou seja, para que seja aplicável o prazo prescricional de 5 (cinco)
anos para os fatores geradores anteriores à Lei nº 14.470/2022, o termo
inicial da pretensão indenizatória tem que se dar dentro de 3 (três)
anos anteriores à entrada em vigor da nova lei (i.e. 16/11/2022). Isso
porque, se a pretensão for exercitável antes desses 3 (anos), o prazo
prescricional será integralmente regido pela lei antiga (art. 206, §3º,
V, do CC/02). Do contrário, se o prazo prescricional começar a correr
dentro dos 3 (três) anos, há tempo suficiente para a Lei nº 14.470/2022
(e o prazo prescricional abrangente) incidir na pretensão.

3.1.2 ANÁLISE DA APLICABILIDADE NO CASO DE FATOS


GERADORES POSTERIORES À LEI Nº 14.470/2022

Para as ARDCs que concernem fatos geradores posteriores à Lei


nº 14.470/2022, segundo ATHAYDE et al (2023), o prazo prescricional

1115 STJ, REsp nº 2.095.107/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva,
DJe 06/10/2023.

Estudos em Direito da Concorrência 739


Amanda Athayde

e seu respectivo termo inicial muda de acordo com a modalidade da


ARDC:1116

(3.1.2.i) para as ações follow-on,1117 é clara a imediata


aplicação da Lei nº 14.470/2022 nos termos do §2º do
art. 46-A, e, pois, aplicável o prazo prescricional de 5
(cinco) anos, sendo seu termo inicial a publicação da
decisão condenatória do CADE. Esse entendimento
não destoa daquele proferido no julgamento do REsp
2.095.107/SP;1118
(3.1.2.ii) para as ações stand-alone,1119 haveria uma
nova controvérsia:
(3.1.2.ii.1) poder-se-ia defender a aplicação
do prazo prescricional de 5 (cinco) anos da Lei nº
14.470/2022, com o termo inicial sendo o exato
momento em que a vítima teve ciência inequívoca
do ato lesivo e de sua extensão, estipulado pelo STJ no

1116 “Em relação à prescrição, a Lei nº 14.470/2022 é clara quando se trata de ações de
indenização por danos concorrenciais que sejam derivadas de decisão condenatória do
Cade (ações follow-on). Nesses casos, a prescrição é de cinco anos a partir da publicação
do julgamento final do processo administrativo pelo Cade. [...] Para as ações stand-alone de
reparação de danos posteriores à Lei nº 14.470/2022, há quem defenda que o prazo
prescricional de cinco anos estabelecido na Lei nº 14.470/2022 continua sendo aplicado, com
a mudança apenas do termo inicial da prescrição. Por outro lado, há também quem defenda
que, em não havendo decisão condenatória do Cade, a melhor orientação não viria da Lei
nº 14.470/2022, mas sim do julgado do STJ, ao determinar a aplicação da regra geral de três
anos estabelecida no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil.” (ATHAYDE et al., 2023)
1117 ARDCs baseadas em uma condenação prévia do CADE.
1118 “[…] 4. A prescrição da pretensão de natureza reparatória de dano oriundo de infração
à ordem econômica possui regulamentação na Lei nº 12.529/2011, que teve sua redação
alterada pela Lei nº 14.470/2022. O prazo aplicado antes da alteração legislativa era o da
regra geral para fins de reparação civil extracontratual prevista no art. 206, § 3º, inciso
V, do Código Civil, ou seja, 3 (três) anos. A nova lei ampliou o prazo prescricional para 5
(cinco) anos e estabeleceu regras específicas para sua contagem, conforme redação do art. 46-
A, caput e parágrafos, da Lei nº 12.529/2011. [...] 7. O termo inicial da contagem do prazo
prescricional para as ações follow-on, conforme dispõem os §§ 1º e 2º do art. 46-A, inicia-se
apenas com a ciência inequívoca do ilícito. A lei esclarece que a ciência inequívoca se refere à
publicação da decisão definitiva do CADE reconhecendo o ilícito.” (STJ, REsp nº 2.095.107/
SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 06/10/2023)
1119 ARDCs ajuizadas diretamente no Poder Judiciário, para comprovar conduta
anticoncorrencial que não foi objeto de investigação ou condenação do CADE.

740 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

julgado do REsp 1.971.316/SP;1120 Esse entendimento


é o mesmo extraído do REsp 2.095.107/SP, pois o
acórdão trata o prazo prescricional de 5 (cinco) anos
como um só para ambas as modalidades de ARDC;1121
(3.1.2.ii.2) ao passo que, também é possível
defender que a melhor orientação do prazo
prescricional viria do julgamento do REsp nº
1.971.316/SP pelo STJ, ao determinar a aplicação do
prazo do art. 206, §3º, V, do CC/02 (3 anos).

3.2 ART. 47, §1º: SISTEMA DE DOUBLE


DAMAGES EM CASO DE CARTEL

Por se tratar também de natureza material, repetir-se-á a


subdivisão na análise para se avaliar a aplicabilidade no caso de fatos
geradores anteriores ou posteriores à nova lei.

3.2.1 ANÁLISE DA APLICABILIDADE NO CASO DE FATOS


GERADORES ANTERIORES À LEI Nº 14.470/2022

Mais uma vez, por metodologia, passa-se a analisar a aplicação


desse dispositivo sob a perspectiva de ARDCs (i) já extintas, (ii)
pendentes, ou (iii) a serem iniciadas.
Sem delongas, a Lei nº 14.470/2022 não pode retroagir para as
(3.2.1.i) ações já extintas, em razão da formação de coisa julgada.
Com relação às (3.2.1.ii) ARDCs pendentes não há jurisprudência
e/ou doutrina acerca da existência ou não de direito adquirido ao
cálculo da indenização devida. Por isso, propõe-se uma separação
teórica dessas ações, entre aquelas em que:
1120 STJ, REsp nº 1.971.316/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Dje
14/12/2022.
1121 “A nova lei ampliou o prazo prescricional para 5 (cinco) anos e estabeleceu regras
específicas para sua contagem, conforme redação do art. 46-A, caput e parágrafos, da Lei nº
12.529/2011.” STJ, REsp nº 2.095.107/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, DJe 06/10/2023

Estudos em Direito da Concorrência 741


Amanda Athayde

(3.2.1.ii.a) houve prolação de sentença condenatória


transitada em julgado: a separação é teórica
na medida em que não há registros de ações
ressarcitórias por danos concorrenciais em que
houve a prolação de sentença condenatória transitada
em julgado. Na verdade, a grande maioria das
ARDCs que já estão extintas não tiveram a chance
de chegar à fase decisória, sendo julgadas extintas
preliminarmente, em razão da suposta prescrição,
ou ausência de demonstração de algum elemento
de responsabilidade civil – geralmente, o dano.
Todavia, para fins de completude, as ARDCs ajuizadas
anteriormente à Lei nº 14.470/2022 fundamentaram
o valor da sua pretensão indenizatória pela extensão
do dano, nos termos do art. 944, CC/02.
(3.2.1.ii.b.) o quantum debeatur ainda está em
discussão: essas, por sua vez, podem ser separadas
entre aquelas em que:
(3.2.1.ii.b.1) não houve ainda nenhum juízo
sobre o quantum indenizatório: para esses casos, as
autoras vislumbram 2 (duas) possibilidades, com base
na existência ou inexistência de situação jurídica
consolidada, ou formação de ato jurídico perfeito e/ou
direito adquirido, bem como em respeito ao princípio
da segurança jurídica: (i) a aplicação imediata da
norma do §1º do art. 47 da Lei nº 14.470/2022, que
institui o sistema de double damages; ou (ii) a
aplicação da lei antiga, que estipula que a indenização
realizar-se-á pela extensão dos danos sofridos (art.
944, CC/02);
(3.2.1.ii.b.2) estão em sede de recurso: caso
haja alguma sentença condenatória com base no
art. 944, CC/02, que estivesse sendo discutida em
sede de recurso, não seria possível aplicar a Lei nº
14.470/2022 retroativamente para incidir o sistema
de double damages, tendo em vista a violação do
princípio de segurança jurídica.

742 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

No caso de (3.2.1.iii) ARDCs ainda não iniciadas, que concernem


ilícitos concorrenciais ocorridos anteriormente da vigência da Lei
nº 14.470/2022, se vislumbra a mesma problemática existente nas
ARDCs em curso em que não houve ainda nenhum juízo sobre o valor
indenizatório (item 3.2.1.ii.b.1)

3.2.2 ANÁLISE DA APLICABILIDADE NO CASO DE FATOS


GERADORES POSTERIORES À LEI Nº 14.470/2022

Finalmente, para as ARDCs que concernem fatos geradores


posteriores à Lei nº 14.470/2022, aplica-se imediatamente a nova lei,
adotando o sistema de double damages para as decisões condenatórias
supervenientes.

3.3 ART. 47, §3º: EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE


SOLIDÁRIA PARA INFRATORES SIGNATÁRIOS
DE ACORDO DE LENIÊNCIA E TCC/02

Por fim, como o último dispositivo a ser analisado também trata


de norma material, cabível a diferenciação entre a aplicabilidade
nos casos em que os fatos geradores antecedem ou sucedem a Lei nº
14.470/2022.

3.3.1 ANÁLISE DA APLICABILIDADE NO CASO DE FATOS


GERADORES ANTERIORES À LEI Nº 14.470/2022

De praxe, passa-se novamente a analisar a aplicação do §3º do


art. 47 sob a perspectiva de ARDCs (i) já extintas, (ii) pendentes, ou (iii)
a serem iniciadas.
Tendo em vista a determinação constitucional de que a lei nova
não retroagirá o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa

Estudos em Direito da Concorrência 743


Amanda Athayde

julgada, por óbvio, a Lei nº 14.470/2022 não tem aplicação em ARDCs


já extintas (3.3.1.i).
Já com relação às ARDCs ainda em curso (3.3.1.ii) a situação é
mais complicada, podendo essas serem divididas entre aquelas em
que:

(3.3.1.ii.a) a solidariedade passiva dos infratores


foi reconhecida por decisão declaratória transitada
em julgado: aqui, a divisão também é apenas para
fins de completude, vez que não há registros de
ações ressarcitórias por danos concorrenciais em
que o juízo proferiu alguma decisão, interlocutória
ou não, analisando se os infratores pelos danos
concorrenciais são solidariamente responsáveis
pelo dano total ocasionado. De qualquer forma,
pensando na situação hipotética de existir decisão
com esse conteúdo transitada em julgado, a Lei nº
14.470/2022 não poderia retroagir. Nesse contexto,
mesmo os infratores que firmaram com o CADE
acordos premiados (Leniência ou TCC/02), em
busca de extinção da punibilidade e desconto de
multa, poderiam ser considerados solidariamente
responsáveis pelos danos causados às vítimas, caso
tivessem concorrido diretamente para os ilícitos
concorrenciais. A solidariedade passiva entre eles
seria inequívoca e encontra fundamento no art. 942,
do CC/02 e art. 33, da LDC.
(3.3.1.ii.b) a solidariedade passiva dos infratores
ainda está em discussão: essas, por sua vez, podem
ser separadas entre aquelas em que:
(3.3.1.ii.b.1) não houve ainda nenhum
juízo sobre a questão da solidariedade passiva: de
igual forma, quando não houve ainda nenhuma
apreciação sobre a quota-parte dos codevedores
na obrigação ressarcitória, é possível pensar em 2
(duas) alternativas: (i) a possibilidade da aplicação
imediata do dispositivo em questão, por meio do qual
o investigado que cooperou com o CADE responde

744 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

apenas pelos danos que causou; ou (ii) a aplicação do


instituto da solidariedade passiva entre os infratores,
independentemente de celebração de Leniência ou
TCC (art. 942, CC/02 c/c art. 33, LDC).
(3.3.1.ii.b.2) estão em sede de recurso: caso já houvesse
alguma decisão exauriente sobre o assunto, com base
nos dispositivos anteriores à Lei nº 14.470/2022, difícil
seria argumentar pela sua retroatividade para retirar
o infrator que colaborou da obrigação solidária pelos
danos totais resultantes, à luz da potencial formação
de direito adquirido da vítima de ser ressarcida por
qualquer um dos codevedores (art. 275, do CC/02).

Analisando, pois, as (3.3.1.iii) ARDCs ainda não iniciadas,


que dizem respeito ilícitos anticoncorrenciais ocorridos antes da
entrada em vigor da Lei nº 14.470/2022, entende-se pela existência da
mesma controvérsia nas ações pendentes em que não foi proferido
ainda nenhum juízo sobre a questão da solidariedade passiva (item
3.2.1.ii.b.1).

3.3.2 ANÁLISE DA APLICABILIDADE NO CASO DE FATOS


GERADORES POSTERIORES À LEI Nº 14.470/2022

Enfim, no que concerne as ARDCs ainda não ajuizadas, que se


referem à fatos geradores posteriores à Lei nº 14.470/2022, aplica-
se imediatamente a nova lei, os infratores que celebraram acordos
premiados com o CADE poderão somente ser responsabilizados pelo
dano que causaram aos prejudicados, não respondendo pelos danos
causados pelos demais co-infratores da infração à ordem econômica.

4. CONCLUSÕES PRELIMINARES

Diante de tudo que foi exposto, as hipóteses acerca da aplicação


das disposições contidas na Lei nº 14.470/2022 devem ser analisadas

Estudos em Direito da Concorrência 745


Amanda Athayde

cuidadosamente pela doutrina e tribunais brasileiros, na medida


em que terão um grande impacto no curso da maioria das ações
reparatórias, que estão ainda em curso atualmente no Judiciário
brasileiro.
A maior dificuldade parece residir, como já se poderia esperar,
nas normas de natureza material, em especial, nas ARDCs ainda
em curso e naquelas a serem iniciadas referentes à fatos geradores
anteriores à entrada em vigor da Lei nº 14.470/2022. Já para aquelas
extintas ou a serem iniciadas referentes a fatos geradores posteriores
à entrada em vigor da lei nova, as reflexões oriundas do direito
processual parecem ser bem menos controversas.
A imagem a seguir apresenta todo o passo a passo a ser seguido
quando da análise da aplicabilidade da Lei nº 14.470/2022, quando
interpretada pela sua natureza material ou processual.

746 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Organograma 1: Mapa mental da análise da aplicabilidade da Lei nº


14.470/2022 nas ARDCs extintas, pendentes e ainda não ajuizadas

Fonte: elaboração própria.

Estudos em Direito da Concorrência 747


Amanda Athayde

Em suma, portanto, é possível chegar a algumas conclusões


preliminares sobre a aplicação da Lei nº 14.470/2022. No caso de
processos já extintos, a Lei nº 14.470/2022 não retroage em nenhuma
hipótese, tendo em vista a constituição de coisa julgada, ou, no caso da
norma do art. 47-A, em razão da ausência de ação em trâmite para que
seja possível a dedução de que o direito do autor é de fato evidente.
Para os processos ainda pendentes, é possível dissecar as
hipóteses em 3 (três), de acordo com o momento processual da ARDC:

• Se houve decisão transitada em julgado, a Lei


nº 14.470/2022 não retroage, tendo em vista a
existência de coisa julgada. O art. 47-A se destaca
como uma exceção a esse entendimento, vez que
a concessão de tutela de evidência decorre de
atividade de cognição sumária, e não exauriente
e, portanto, não é apta a fazer coisa julgada
material.
• Se a ação ainda está em curso, e ainda não foi
proferido nenhum juízo sobre a matéria:
◊ Para as normas processuais: aqui há uma
situação jurídica pendente, portanto, aplica-
se a Lei nº 14.470/2022.
◊ Para as normas materiais: para as normas sobre
double damages e solidariedade passiva, há
uma controvérsia – se há a aplicação imediata
da Lei nº 14.470/2022, ou aplicação da lei
vigente ao tempo da conduta, tendo em vista
os institutos do ato jurídico perfeito, direito
adquirido, e em respeito ao princípio da
segurança jurídica. Já no caso de prescrição,
é entendimento da jurisprudência e doutrina
que lei nova sobre prazo prescricional incide
imediatamente, com exceção de ações já
ajuizadas antes da entrada em vigor da lei
nova.
• Se a ação está em curso, porém em fase de
recurso:

748 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

◊ Para as normas processuais: aplica-se as


normas da Lei nº 14.470/222. No caso
da tutela de evidência, trata-se de tutela
provisória, podendo ser revogada ou
modificada a qualquer tempo; no caso do
repasse do sobrepreço, é entendimento da
jurisprudência que não opera a preclusão da
decisão anterior que distribuiu ou inverteu o
ônus da prova se a parte interessada recorreu
da decisão.
◊ Para as normas materiais: as decisões que
declaram as pretensões prescritas, definem
o quantum debeatur e que reconhecem a
responsabilidade solidária dos infratores
podem ser caracterizados como atos jurídicos
perfeitos ou resultam em direito adquirido,
portanto, a Lei nº 14.470/2022 não retroage.

E, para os processos ainda não iniciados, a aplicabilidade das


normas da Lei nº 14.470/2022 vai depender da sua natureza:

• Para as normas de direito processual (tutela de


evidência e vedação do repasse do sobrepreço),
a Lei nº 14.470/2022 incide desde logo, tendo
em vista a aplicabilidade imediata do direito
processual;
• Já para as normas de direito material (prescrição,
double damages e exclusão da responsabilidade
solidária) terão aplicabilidade imediata se os fatos
geradores foram posteriores à Lei nº 14.470/2022.
Caso os fatos geradores sejam anteriores à Lei nº
14.470/2022, nas normas sobre double damages
e solidariedade passiva, vislumbra-se a mesma
polêmica existente nas ações em curso em que
ainda não foi proferido nenhum juízo sobre
a matéria. No caso do prazo prescricional,
todavia, há a incidência imediata do novo prazo

Estudos em Direito da Concorrência 749


Amanda Athayde

prescricional mais abrangente, desde que não


consumada a prescrição.

Há que se acompanhar, portanto, a aplicação concreta das


normas pelo judiciário, tendo em vista a certeza de que endereça
inúmeros desafios não apenas para os profissionais atuantes no direito
da concorrência, mas em especial para os processualistas.

750 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

HÁ EMBATE ENTRE A LEI 14.470/22 E A DECISÃO


DO STJ NO RESP Nº 1.971.316/SP?

Publicado originalmente em: Portal Conjur em 11/01/2023.

Renê Guilherme S. Medrado

Amanda Athayde

Gianvito Ardito

Luís Henrique Perroni Fernandes

Em 25/10/2022, a 4ª Turma do STJ julgou o Recurso Especial nº


1.971.316/SP, com considerações a respeito do prazo prescricional e
de seu respectivo termo inicial para ações de reparação por danos
concorrenciais.
Poucos dias depois, em 16/11/2022, foi promulgada a Lei
14.470/2022, que alterou disposições da Lei de Defesa da Concorrência
no Brasil (Lei nº 12.529/2011), após aproximadamente quatro anos de
tramitação legislativa , que trata justamente sobre ações de reparação
por danos concorrenciais e que define de forma expressa o prazo
prescricional e o respectivo termo inicial dessas ações.
Para que se possa responder à pergunta do título desse artigo,
sobre a existência ou não de embate entre a nova Lei e a decisão do
STJ, serão brevemente apresentados, alguns aspectos salientes sobre
o Recurso Especial nº 1.971.316/SP (1) e sobre a Lei nº 14.470/2022 (2).
Após, será possível avançar para responder a algumas das perguntas
que surgem: qual a força do julgado do STJ diante da Lei nº 14.470/2022
para ações de reparação por danos concorrenciais posteriores à Lei nº
14.470/2022? (3) E qual a força do julgado do STJ para a reparação por
danos concorrenciais cujos fatos geradores são anteriores à Lei? (4)

Estudos em Direito da Concorrência 751


Amanda Athayde

1. ASPECTOS SALIENTES DO RECURSO ESPECIAL Nº 1.971.316/SP

Em sessão de julgamento realizada 25/10’2022, o STJ manteve


decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que declarou
prescrita a pretensão indenizatória por perdas e danos decorrentes
de um suposto cartel no mercado de compra de laranjas, em que
fabricantes de suco de laranja teriam supostamente combinado
preços e volume de produção no Estado de São Paulo, o que seria
proibido pela legislação concorrencial. O Cade instaurou processo
administrativo para investigar o caso, tendo encerrado, sem decisão
condenatória, diante da celebração de Termo de Cessação de Conduta
(TCC) no qual as empresas acusadas confessaram a prática de cartel
entre os anos de 1995 e 2006.
Em primeiro lugar, chamam a atenção as considerações feitas a
respeito do marco inicial para a contagem do prazo prescricional, que
tem sido objeto de intensa discussão nas últimas décadas. A decisão
do STJ é didática e faz uma gradação do nível de dificuldade para
identificar o marco inicial para a contagem do prazo prescricional:

(a) para situações singelas, deve-se considerar o “momento da


lesão propriamente dita ao direito subjetivo patrimonial, o que coincide
com o nascimento da pretensão ou do exercício do direito de ação”;
(b) para situações em que há certa complexidade, deve-se
haver uma “interpretação e análise adequada para o seu deslinde”.
E, em relação às (b) situações complexas, a decisão propõe nova
classificação:
(b.1) em se tratando de obrigação contratual, deve-se considerar
o momento da violação do direito, ou seja, do descumprimento do
contrato, independentemente da ciência do credor (princípio da actio
nata); e
(b.2) em se tratando de obrigação extracontratual, deve-se
considerar o momento em que o prejudicado teve ciência da conduta
que afirma ser ilícita, da sua extensão e da autoria da lesão. Trata-se

752 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

de exceção à regra geral do artigo 189 do CC/02, para que não seja
cometida injustiça ao se punir a vítima por uma negligência aparente,
já que não há inércia quando há absoluta falta de conhecimento do
dano.
O STJ entendeu, ainda, que em ações de indenização por danos
concorrenciais stand alone, em que não há decisão condenatória do
CADE, o termo inicial da prescrição seguirá a regra aplicada para
ações de indenização por danos extracontratuais (b.2.), ou seja, que
é o momento em que o ato ilícito causador do dano é propriamente
conhecido pela vítima. Quanto às ações de follow-on, o julgado deixa
claro que o termo inicial da prescrição seria a decisão definitiva do
Cade.
Em segundo lugar, a decisão do STJ trata também dos diferentes
tipos de prazo de prescrição, já que até então havia dúvida acerca
da aplicação do prazo trienal ou quinquenal. Nos termos do voto do
ministro relator, as ações reparatórias têm natureza extracontratual e,
portanto, nos termos da jurisprudência do STJ, o prazo prescricional
é de três anos (artigo 206, § 3º, V, do Código Civil).
Em terceiro lugar, ainda que não seja o foco da decisão do STJ,
é preciso destacar as ponderações contidas na decisão a respeito da
inexistência de correlação entre a caracterização de cartel e a ocorrência
de danos individuais deles decorrentes: “a revelação do cartel, enquanto
instituto do direito concorrencial, não induz, necessariamente à afirmação
de ocorrência dos danos individuais referidos”. E, ainda, “do mesmo modo,
a afirmação de que o cartel não se verificou não significa, por si só, que as
condutas investigadas não possam ter causado prejuízos às empresas nas
transações obrigacionais”. Tais afirmações estimulam o ajuizamento de
ações de reparação de danos por condutas concorrenciais, mesmo
sem ter havido decisão condenatória do Cade, ao mesmo tempo em
que exigem responsabilidade daqueles que se dizem vítimas de cartel.
Ainda que esse argumento fosse explorado por empresas e vítimas,
o STJ não havia dito isso de forma tão clara, não havendo qualquer
menção a esse assunto na Lei nº 14.470/2022.
Ou seja, em resumo:

Estudos em Direito da Concorrência 753


Amanda Athayde

2. ASPECTOS SALIENTES DA LEI Nº 14.470/2022

A Lei nº 14.470/2022 apresenta inovações tanto processuais


quanto materiais em relação às disposições da Lei nº 12.529/2011. Para
fins do presente artigo, destacamos a definição, no texto da Lei nº
14.470/2022, com relação à prescrição, que define o prazo de 5 (cinco)
anos para que vítimas de infrações à ordem econômica, como cartel,
ingressem com ações judiciais de reparação de danos. Fica também
determinado que o marco inicial da prescrição se dá com a ciência
inequívoca do ilícito, qual seja, publicação da decisão do Cade.
Ou seja, em resumo:

754 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Diante disso, surgem algumas perguntas: qual a força do julgado


do STJ diante da Lei nº 14.470/2022 para ações de reparação por danos
concorrenciais posteriores à Lei nº 14.470/2022? (3) E qual a força do
julgado do STJ para a reparação por danos concorrenciais cujos fatos
geradores são anteriores à Lei? (4)

3. QUAL A FORÇA DO JULGADO DO STJ PARA A PRESCRIÇÃO


EM AÇÕES STAND-ALONE DE REPARAÇÃO POR DANOS
CONCORRENCIAIS POSTERIORES À LEI Nº 14.470/2022?

Em relação à prescrição, a Lei nº 14.470/2022 é clara quando se


trata de ações de indenização por danos concorrenciais que sejam
derivadas de decisão condenatória do Cade (ações follow-on). Nesses
casos, a prescrição é de cinco anos a partir da publicação do julgamento
final do processo administrativo pelo Cade.
A dúvida que fica é em relação ao termo inicial da prescrição
para as ações de indenização por danos concorrenciais em que não
há decisão condenatória do Cade (stand-alone actions), seja porque
sequer há processo administrativo em curso, seja porque o processo

Estudos em Direito da Concorrência 755


Amanda Athayde

administrativo está em andamento, seja porque houve celebração de


TCC.
Para as ações stand-alone de reparação de danos posteriores à Lei
nº 14.470/2022, há quem defenda que o prazo prescricional de cinco
anos estabelecido na Lei nº 14.470/2022 continua sendo aplicado, com
a mudança apenas do termo inicial da prescrição. Por outro lado, há
também quem defenda que, em não havendo decisão condenatória do
Cade, a melhor orientação não viria da Lei nº 14.470/2022, mas sim do
julgado do STJ, ao determinar a aplicação da regra geral de três anos
estabelecida no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil.
Vale notar que a decisão do STJ faz referência ao então Projeto
de Lei nº 11.275/2018, que culminou na Lei nº 14.470/2022, no que diz
respeito ao prazo prescricional. O ministro Luis Felipe Salomão infere,
em sua decisão, que o novo artigo 46-A, que determina a prescrição de
cinco anos para a reparação de danos concorrenciais, estaria limitado
aos casos em que há julgamento final do processo administrativo do
Cade pela forma como está construído.
Parece-nos, portanto, haver uma lacuna, conforme explicitado
abaixo:

756 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

4. COMO FICA A PRESCRIÇÃO EM AÇÕES DE REPARAÇÃO


POR DANOS CONCORRENCIAIS CUJOS FATOS GERADORES
SÃO ANTERIORES À LEI Nº 14.470/2022?

Para as ações em que a prescrição foi decretada por decisão


transitada em julgado, parece-nos que nem a Lei nº 14.470/2022, nem
o julgado do STJ se aplicam diante da imutabilidade da coisa julgada.
Não haveria espaço para a repristinação de uma pretensão que já fora
declarada prescrita.
Para os casos em curso em que não há prescrição reconhecida,
há, ao menos, duas possibilidades. A primeira corrente defende a
aplicação do prazo prescricional e do respectivo termo inicial da
nova Lei nº 14.470/2022 para os casos cuja prescrição ainda não teria
ocorrido.
Já para a segunda corrente, a Lei nº 14.470/2022 só se aplicaria
para os casos posteriores à sua vigência, aplicando-se a lei vigente

Estudos em Direito da Concorrência 757


Amanda Athayde

ao tempo da conduta lesiva ante o ato jurídico perfeito e segurança


jurídica.
Parece-nos, portanto, haver uma lacuna, conforme explicitado
abaixo:

758 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

PRIMEIRAS CONCLUSÕES

Com base nas ponderações acima, a conclusão parece ser de


que a aguardada Lei nº 14.470/2022 veio em boa hora e sanou lacunas
processuais e materiais importantes, dando um passo largo para a
efetividade das ações de reparação civil por danos concorrenciais no
Brasil.
No entanto, está claro que a Lei nº 14.470/2022 não respondeu
integralmente todas as lacunas criadas e que ainda há espaço para
discussão em relação a temas centrais: Quais os parâmetros para
se interpretar o “momento em que o ato ilícito causador do dano é
propriamente conhecido pela vítima” na definição do termo inicial
da prescrição em ações stand-alone? Deve-se aplicar a prescrição
trienal ou quinquenal para tais ações stand-alone? Qual é o efeito da
Lei nº 14.470/2022 nos casos em andamento? Essas e outras várias
questões terão de ser enfrentadas e já começam a aparecer diferentes
possibilidades de resposta.
O recente julgado do STJ no âmbito do Recurso Especial nº
1.971.316/SP é anterior à Lei nº 14.470/2022 e ainda assim dá orientações
importantes de como tratar algumas das situações não cobertas pela
Lei nº 14.470/2022. Além disso, essa mesma decisão comenta, ainda
que brevemente, um ponto interessantíssimo que não pode passar
desapercebido: a não correlação automática entre cartel e danos
individuais dele decorrentes.
Como se sabe, a caracterização de cartel não depende da
comprovação da geração de efeitos anticompetitivos inevitavelmente
derivados de tal prática (visto que a legislação e prática brasileira
interpretam tal prática como sendo ilícito “por objeto”, sendo isso
suficiente para fins da punibilidade de natureza sancionatória
administrativa); todavia, não é demais relembrar – como fez o acórdão
do STJ – que eventual condenação reparatória judicial dependerá
da comprovação dos danos causados pela prática, dissociando-se
claramente da prática administrativa.

Estudos em Direito da Concorrência 759


Amanda Athayde

O acordão do STJ ainda sugere a possibilidade de apreciação


de pleito indenizatório, em vista de impacto nas “transações
obrigacionais” de empresas, mesmo na hipótese de a prática de cartel
não restar verificada. Embora a hipótese vislumbrada – apenas em
obter dictum – pelo mencionado acórdão parecer desafiar a lógica (pois
não caberia pretensão indenizatória quando a prática caracterizadora
do ato ilícito não tenha se verificado), é certo que a intenção do
mencionado acórdão foi a de enfatizar a necessidade de se empreender
análise casuística das pretensões indenizatórias, lastreadas nos fatos
e nas circunstâncias específicos de cada caso. Como se vê, trata-se de
questão que seguramente renderá boas discussões entre empresas e
supostas vítimas de ilícitos concorrenciais.
Essas novas questões e desafios, que se renovam com a Lei nº
14.470/2022 e com o recente posicionamento do STJ, fazem parte de um
amadurecimento natural e necessário do tema, que começa a deixar de
ser novidade no Brasil e passa a ser uma realidade. Acompanharemos
com interesse os próximos capítulos que certamente virão.

760 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

RESSARCIMENTO VOLUNTÁRIO DE DANOS E ACORDOS NO


CADE: O QUE ISSO SIGNIFICA PARA AS AÇÕES DE REPARAÇÃO
DE DANO POR CONDUTA ANTICOMPETITIVA NO BRASIL?

Publicado originalmente em: Portal Jota em 10/12/2018.

Amanda Athayde

Isabela Maiolino

Em 12 de setembro de 2018, o Cade editou a versão final


da Resolução nº 21 de 2018 (“Resolução 21/2018 CADE”), que
regulamentou os procedimentos de acesso aos documentos e às
informações constantes dos Processos Administrativos, em especial
aqueles oriundos de Acordos de Leniência e Termos de Compromisso
de Cessação – TCCs.1122 Tal normativa buscou fomentar as Ações
Civis de Reparação por Danos Concorrenciais, ao mesmo tempo em
que delineou os limites para que não houvesse prejuízo aos exitosos
programas de acordo da autarquia. Trata-se do conhecido debate
entre public and private enforcement1123.
Nos termos do vanguardista art. 12 desta Resolução 21/2018
CADE: “A Superintendência-Geral do Cade e o Plenário do Tribunal do
Cade poderão considerar como circunstância atenuante, no momento
do cálculo da contribuição pecuniária em sede de negociação de
TCC, ou no momento da aplicação das penas previstas nos arts. 37

1122 Sobre o assunto, ver artigo escrito por Amanda Athayde, Andressa Lins
Fidelis e Isabela Maiolino, de título “Da Teoria À Realidade: O Acesso A
Documentos De Acordos De Leniência No Brasil”, publicado no livro Mulheres
no Antitruste – Volume I, disponível em: https://docs.wixstatic.com/ugd/7a78d2_
d373ca0c81564b9193d0c6d0d8bc9f61.pdf
1123 Nesse sentido, destacam-se as discussões em 2015 realizadas no
âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), Relationship Between Public And Private Antitrust Enforcement.
Note by the Secretariat. Disponível em: http://www.oecd.org/officialdocuments/
publicdisplaydocumentpdf/?cote=DAF/COMP/WP3(2015)14&docLanguage=En.
2015; e o documento produzido pela International Competition Network (ICN) em
2007, Interaction Of Public And Private Enforcement In Cartel Cases, disponível em:
http://www.internationalcompetitionnetwork.org/uploads/library/doc349.pdf.

Estudos em Direito da Concorrência 761


Amanda Athayde

e 38 da Lei nº 12.529/2011, o ressarcimento extrajudicial ou judicial,


devidamente comprovado, no âmbito das Ações de Reparação por
Danos Concorrenciais, considerada nos termos do art. 45, incisos V e
VI da Lei 12.529/2011”.
O referido art. 12 foi inspirado em normativas estrangeiras,
como aquelas do Reino Unido e da Alemanha, conforme explicado na
Nota Técnica nº 24/2016/CHEFIAGAB-SG/SG/CADE, produzida pela
Superintendência-Geral do Cade em dezembro de 2016. No Reino
Unido, esse mecanismo é denominado voluntary redress scheme, por
meio do qual os beneficiários da leniência e demais participantes
da conduta podem submeter, voluntariamente, um plano de
ressarcimento às partes lesadas, buscando a aprovação da Competition
and Markets Authority. Se aprovado, o autor da conduta poderá receber, em
contrapartida, descontos de até 20% no valor da multa administrativa a
ser aplicada.
Já na Alemanha, a jurisprudência sugere a adoção de um
procedimento bifásico, que divide a decisão da autoridade de defesa
da concorrência (o Bundeskartellamt) em dois momentos. Primeiro,
há uma decisão preliminar declaratória, que é seguida de um período
designado para facilitar a celebração de acordos com consumidores
lesados. Posteriormente, é proferida a decisão final, que considera tais
acordos como um “bônus” no cálculo da multa administrativa final.
Tal procedimento visa a diminuir os custos do litígio no Judiciário e
a assimetria de informações enfrentada pelos consumidores lesados,
bem como a favorecer o beneficiário da leniência na medida de sua
cooperação.
Fato é que o tema da reparação dos danos decorrentes de
condutas ilícitas tem sido discutido em diversos eventos no Brasil.
No dia 22 de novembro de 2018, por exemplo, ocorreu o “Seminário
IBRAC/IDP: Reparação de Danos por Condutas Anticompetitivas: Onde
estamos, para onde vamos e como?”, em que se discutiu os desafios para a
reparação de danos oriundos de condutas anticompetitivas no Brasil.
Este também foi o tema de debate no “24º Seminário Internacional de
Defesa da Concorrência”, promovido pelo IBRAC em outubro de 2018.

762 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Não se trata, porém, de tema restrito à seara concorrencial, já que o


modo de cálculo do suposto dano causado também tem sido objeto de
calorosa discussão, por exemplo, nas investigações de corrupção.
Tanto é assim que em maio de 2018 foi realizada a “Oficina de
Metodologia de Apuração de Dano e Multa em Acordos de Leniência”, com
a participação do MPF, do TCU, da AGU, do CADE e da CGU. Isso porque
o cálculo de ressarcimento e reparação não é algo trivial1124.
Nesse contexto de debates, cumpre chamar atenção para o
fato de que, no dia 21 de novembro de 2018, durante a 134ª sessão de
julgamento, o Tribunal Administrativo do Cade homologou 16 propostas

1124 Parecer do Departamento de Estudos Econômicos no Processo Administrativo


nº 08012.002568/2005-51 (SEI 0260624): “(…) havendo disponibilidade de dados
adequados, a utilização dos métodos apropriados juntamente com análises de
robustez possibilita estimar valores confiáveis para o dano do cartel. Entretanto, o
trabalho necessário para chegar à especificação mais adequada – que inclui a escolha
do cenário contrafactual, do período do cartel e das variáveis explicativas do modelo
– não é trivial”. Segundo a OCDE: “Accurately measuring harm to competition is
difficult even in the best of cases”. “Measuring harm in practice is difficult even in
straightforward cartel cases because of data requirements and the need to construct a
convincing (…) scenario. The more difficult cases will likely require substantial inputs
from skilled and experienced analysts with detailed knowledge of the industries too.
(…) The most often used methods (…) typically require relatively large data sets”
(OECD. Quantification of harm to competition by national courts and competition
agencies. OCDE, 2011). Ainda sobre o assunto, Hovenkamp: “methods have become
technically quite demanding” (HOVENKAMP, Herbert. Quantification of harm
in private antitrust actions in the United States. University of Iowa Legal Studies
Research Paper, 2011).

Estudos em Direito da Concorrência 763


Amanda Athayde

de TCC1125 em investigações da “Operação Lava Jato”1126 utilizando-


se, pela primeira vez, da previsão do art. 12 da Resolução 21/2018 do
CADE.
Nos termos do press release do Cade, apesar de a contribuição
pecuniária total ter sido fixada em R$ 897,9 milhões, há a possibilidade
de redução de 15% do seu valor, caso os compromissários dos acordos
comprovem ao Cade a reparação judicial ou extrajudicial dos danos
causados pelas condutas anticompetitivas praticadas.
A novidade, portanto, é a definição concreta, pela primeira vez,
da redução de valor de uma contribuição pecuniária em TCC com base
na reparação efetiva dos danos aos prejudicados.
Como o desconto definido foi de 15%, este valor poderá vir
a ser utilizado como parâmetro para as demais empresas e pessoas
físicas investigadas pelo Cade em suas negociações de TCCs. Seria
este percentual muito elevado? Ou muito baixo? Quanto, em termos
pecuniários, vai representar em cada TCC, e quanto haverá de
reparação de danos aos respectivos prejudicados? Seria um benefício
excessivo aos infratores, considerando o dano social que as práticas

1125 Requerimentos nº 08700.001880/2016-21 (Compromissário: OAS S.A.),


08700.002014/2016-58 (Compromissário: Presidente Carioca Christiani – Nielsen
Engenharia S/A), 08700.003677/2016-90 (Compromissários: Construtora OAS S.A., e
José Adelmário Pinheiro Filho.), 08700.003679/2016-89 (Compromissário: Andrade
Gutierrez Engenharia S.A), 08700.004337/2016-86 (Compromissário: Construtora
Norberto Odebrecht S.A), 08700.004341/2016-44 (Compromissário: Construtora
Norberto Odebrecht S.A), 08700.005045/2016-61 (Compromissário: Carioca Christiani
Nielsen Engenharia S.A), 08700.005078/2016-19 (Compromissário: Construtora
Norberto Odebrecht S.A), 08700.007077/2016-09 (Compromissário: Odebrecht
Participações e Investimentos S.A), 08700.007078/2016-45 (Compromissário: Carioca
Christiani Nielsen Engenharia S.A), 08700.008066/2016-38 (Compromissário: Carioca
Christiani Nielsen Engenharia S.A), 08700.008074/2016-84 (Compromissário:
Construtora OAS S.A), 08700.008158/2016-18 (Compromissários: Construtora
Norberto Odebrecht S.A e Carlos José Vieira Machado da Cunha), 08700.008159/2016-
62 (Compromissário: Construtora Norberto Odebrecht S.A), 08700.008223/2016-
13 (Compromissário: Construtora OAS) e 08700.008245/2016-75 (Compromissário:
Andrade Gutierrez Engenharia S.A).
1126 Ver “Por R$ 897 mi, Cade encerra investigações contra empreiteiras da Lava
Jato”, disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/concorrencia/por-
r-897-mi-cade-encerra-investigacoes-contra-empreiteiras-da-lava-jato-21112018; e
“Cade celebra acordos em investigações da Lava Jato”, disponível em: http://www.
cade.gov.br/noticias/cade-celebra-acordos-em-investigacoes-da-lava-jato.

764 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

de tais empresas causaram aos brasileiros, relevadas pela “Operação


Lava Jato”?1127
Recorde-se que, enquanto a legislação alemã prevê um desconto
de até 15%1128 e o Reino Unido prevê um abatimento de até 20% da
multa aplicada1129, a Resolução 21/2018 do CADE não determinou
valores máximos ou mínimos do percentual de abatimento da multa
ou contribuição pecuniária. No mesmo sentido, o Guia de TCC para
casos de cartel1130 não prevê nenhum tipo de redução no valor da
contribuição a ser paga decorrente de pagamentos realizados em
ações de reparação, enquanto o Guia de Compliance1131, apesar de
mencionar a possibilidade de redução do valor da multa a ser aplicada
pelo Tribunal em razão da adoção de programas de integridade,
elencados na boa-fé do infrator, também não apresenta qualquer
percentual para comparação.
Acreditamos que este é um relevante precedente na história do
Cade. A autarquia se alinha com as melhores práticas internacionais,
que buscam a ponderar a adequada reparação dos dados aos
prejudicados (private enforcement) quando da punição pelas condutas
anticompetitivas (public enforcement). Também é relevante porque
sinaliza os esforços do Cade a efetiva cooperação interinstitucional no
Brasil.

1127 Destaca-se que os Conselheiros João Paulo Resende e Cristiane Alkmin rejeitaram
as propostas de TCC e votaram contra a homologação.
1128 OCDE. Relationship Between Public And Private Antitrust Enforcement.
Alemanha. Disponível em: http://www.oecd.org/officialdocuments/
publicdisplaydocumentpdf/?cote=DAF/COMP/WP3/WD(2015)21&docLanguage=En.
2015.
1129 OCDE. Relationship Between Public And Private Antitrust Enforcement.
Reino Unido. Disponível em: http://www.oecd.org/officialdocuments/
publicdisplaydocumentpdf/?cote=DAF/COMP/WP3/WD(2015)8&docLanguage=En.
2015.
1130 Guia: Termo de Compromisso de Cessação para casos de cartel. Maio de 2016.
Atualizado em setembro de 2017. Disponível em: http://www.cade.gov.br/acesso-a-
informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-tcc-atualizado-11-09-17
1131 Guia para Programas de Compliance. Janeiro de 2016. Disponível em: http://
www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/
guia-compliance-versao-oficial.pdf

Estudos em Direito da Concorrência 765


Amanda Athayde

Isso porque a “Operação Lava Jato” é um dos principais casos


de multiplicidade de agências investigativas, e considerar a efetiva
reparação de danos já realizada no âmbito do MPF, da CGU, da AGU
e do TCU parece dar sincronicidade entre as instituições públicas,
e consequentemente previsibilidade e segurança jurídica aos
administrados. Este ponto foi corretamente ressaltado pelo Presidente
do Cade, Alexandre Barreto, que em diversas oportunidades apontou
para a relevância da complementariedade das investigações e a estreita
cooperação.
Diante do exposto, e considerando que estes foram os primeiros
casos em que houve a definição quanto ao percentual de desconto a
ser utilizado (15%), em processos atípicos em termo de exposição à
mídia, dado que relacionados à “Operação Lava Jato”, será necessário
observar como o Cade vai avaliar o cumprimento dessa condição nos
TCCs em concreto.
No caso específico, a partir de qual valor de danos reparado
haverá redução percentual? Qual a faixa de descontos, até atingir o
limite máximo de redução da contribuição até os 15%? E se houver
o ressarcimento extrajudicial ou judicial, devidamente comprovado,
mas apenas parcial, será considerada preenchida a condição para
tal desconto da contribuição pecuniária do TCC ou será considerado
descumprimento?
E nos futuros TCCs homologados e em condenações pelo
Tribunal do Cade, como será a aplicação desse art. 12 da Resolução
12/2018 do Cade? Quais serão os parâmetros concretos e objetivos de
definição dessa redução percentual? Será necessária a elaboração de
eventual Guia sobre quanto do ressarcimento comprovado poderá ser
considerado no desconto dos TCCs e das multas? Ou a análise será
casuística? De plano, entendemos que já é possível atualizar o Guia de
TCC para que conste essa possibilidade no rol de descontos, e também
que essa previsão conste em um futuro Guia sobre Dosimetria das

766 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Penas, de possível elaboração pela autarquia1132.

1132 Nesse sentido, Vinícius Marques de Carvalho: “Cumpre salientar a importância da


edição de um guia de dosimetria das penas a serem aplicadas pelo Cade, instrumento
capaz de traduzir de maneira mais técnica a necessidade em se estabelecer um padrão
de aferimento do dano de modo.” In Com mudanças em sua formação, Cade consolidou
atuação antitruste do Brasil. Revista Consultor Jurídico, 31 de dezembro de 2017. Ver
também artigo publicado pelo Conselheiro João Paulo de Resende no livro “Evolução
Antitruste no Brasil”, organizado por Celso Campilongo e Roberto Pfeiffer, de título
“Ainda falta um Guia de Dosimetria”.

Estudos em Direito da Concorrência 767


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

DA TEORIA À REALIDADE: O ACESSO A DOCUMENTOS


DE ACORDOS DE LENIÊNCIA NO BRASIL

Publicado originalmente em: Mulheres no antitruste / Organização:


Agnes Macedo de Jesus, Amanda Athayde, Isabela Maiolino, Juliana
Oliveira Domingues, Leonor Cordovil e Mylena Augusto de Matos. São
Paulo: Editora Singular, 2018.

Amanda Athayde

Andressa Lins Fidelis

Isabela Maiolino

RESUMO
O presente artigo analisa os casos de cartéis nos quais foram
celebrados acordos de leniência e que foram objeto de julgamento
pelo Tribunal Administrativo do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade) até dezembro de 2017, a fim de mapear
o entendimento da autoridade acerca da concessão de acesso a
documentos obtidos por meio de Acordos de Leniência. Chegou-
se à conclusão de que não houve mudança no padrão de acesso
a documentos e informações referentes à Leniência ao longo do
tempo, mesmo após a realização da primeira consulta pública sobre
a regulamentação do acesso à documentos de acesso restrito, em
dezembro de 2016.
Palavras-chave: leniência; reparação de danos; Cade; cartel;
confidencialidade.

ABSTRACT
This article analyzes the cartel cases in which leniency
agreements were signed and that were tried by the Administrative
Council for Economic Defense (Cade) Tribunal until July 2018. The
paper intends to map the authority’s understanding on the granting

Estudos em Direito da Concorrência 769


Amanda Athayde

of access to documents obtained through leniency agreements. It


arrives to the conclusion that there was no change in the standard of
access to the documents and the information related to the Leniency
Agreement over time, even after the first public consultation held by
Cade about the rules concerning the access to confidential documents
in December 2016.
Keywords: leniency; damage actions; Cade; cartel;
confidentiality.

1. INTRODUÇÃO

O combate a cartéis é um dos centros de atuação do Cade, sendo


primordial para a repressão de ações anticompetitivas praticadas por
agentes econômicos.
Nesse cenário, o Acordo de Leniência, previsto nos arts. 86 e 87
da Lei n. 12.529/11, é considerado “o principal instrumento de detecção
de cartéis à disposição do Cade”1133 e permite que pessoas físicas e
jurídicas envolvidas em um cartel obtenham benefícios na esfera
administrativa e penal através da sua celebração. Em contrapartida,
essas pessoas, denominadas “Signatários”, comprometem-se a cessar
a conduta ilegal, a denunciar e confessar a participação no ilícito
e a cooperar com as investigações, apresentando informações e
documentos relevantes à instrução processual1134.

1133 ANDRADE, D. T. A Lei 12.529/11 e o combate a cartéis no Brasil: avanços e


perspectivas. In: CARVALHO, V. M. (Org.). A lei 12.529/2011 e a nova política de
defesa da concorrência. São Paulo: Singular, 2015. p. 278.
1134 Dados da ferramenta “Cade em números” comprovam a afirmação, já que, de
2014 a 2016, houve um aumento de 86% no número de leniências celebradas: 06 (seis)
em 2014, 10 (dez) em 2015 e 11 (onze) em 2016. Houve, ainda, um aumento de 510% nos
pedidos de markers, tanto concedidos quanto em fila de espera. De acordo com o Guia
de Leniência do Cade, “o pedido de senha (´marker´) é o ato em que o proponente do
Acordo de Leniência entra em contato com a Superintendência-Geral do Cade a fim de
comunicar o interesse em propor Acordo de Leniência em relação a uma determinada
conduta anticoncorrencial coletiva e, assim, garantir que é o primeiro proponente
em relação a essa conduta.” CADE. Guia – Programa de leniência antitruste do Cade.
2016c.

770 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Ou seja, o Acordo de Leniência possui como premissa a


colaboração dos Signatários, que devem trazer informações e
documentos que “permitam à autoridade identificar os demais
coautores e comprovar a infração noticiada ou sob investigação”1135.
Um dos principais aspectos relacionados aos acordos de
leniência é o tratamento sigiloso conferido aos documentos e provas
entregues à autoridade pelos Signatários. Isso serve para que os
agentes econômicos tenham incentivo para celebrar acordos com o
Cade, uma vez que evita que os Signatários fiquem em pior situação
que os demais representados, a fim de quebrar o sistema de incentivos
existentes em um cartel.
Além da persecução administrativa pelo Cade1136, compete
ao Ministério Público Federal e/ou Estadual, na esfera criminal,
investigar e oferecer denúncia ao Poder Judiciário1137. Na esfera civil,
há a previsão de ação de reparação de danos por cartel (ARDC), que
consiste no direito de ação dos consumidores lesados para obter a
cessação da prática anticompetitiva e receber reparação pelos danos
sofridos. A ARDC está prevista no art. 47 da Lei nº 12.529/11 (Lei de
Defesa da Concorrência – LDC), que, por sua vez, seguirá as regras do
Código Civil (CC).
Esse dispositivo da Lei nº 12.529/11 determina, expressamente,
que os prejudicados, ou os legitimados do art. 82 da Lei nº 8.078/90
(Lei de Defesa do Consumidor), tais como Ministério Público,
União, Estados, Municípios, Distrito Federal, entidades e órgãos
da Administração Pública direta ou indireta e associações, podem

1135 MARTINS, A. A. L; GRANDIS, R. Programa de leniência antitruste e repercussões


criminais: desafios e oportunidades recentes. In: CARVALHO, V. M. (Org.). A lei
12.529/2011 e a nova política de defesa da concorrência. São Paulo: Singular, 2015.
p. 288.
1136 Conforme o art. 36 da Lei nº 12.529/11.
1137 O Ministério Público Federal e/ou Estadual, tradicionalmente, atua como
interveniente nos Acordos de Leniência celebrados pelo Cade, de modo a garantir o
não oferecimento da denúncia criminal com relação à pessoa física beneficiária do
acordo (cf. art. 4º, II, Lei nº 8.137/1990). Cumprido o Acordo de Leniência, extingue-se
automaticamente a punibilidade dos crimes-objeto do acordo (cf. artigo 87 da Lei nº
12.529/2011).

Estudos em Direito da Concorrência 771


Amanda Athayde

ajuizar ações coletivas de reparação de danos por violação às regras


concorrenciais.
Com o crescimento, ainda que incipiente1138, do ajuizamento de
ARDCs (conhecido como private enforcement, que será visto na seção
02) no Brasil, a articulação entre persecução pública e privada de
condutas anticompetitivas tem se tornado imperiosa.
Nesse cenário, o Cade, enquanto agência de defesa da
concorrência, responsável pelos Programas de Leniência e de
Termo de Compromisso de Cessação (TCC)1139, buscou se posicionar
através do lançamento de consulta pública em dezembro de 2016. A
consulta referia-se a portaria que visava a regulamentar o acesso de
documentos produzidos no âmbito do Acordo de Leniência e do TCC.
Posteriormente, em julho de 2018, foi lançada nova consulta sobre
uma segunda versão da portaria, a partir do feedback recebido na
primeira consulta realizada, que culminou na Resolução nº 21, de 11
de setembro de 20181140.
Nesse contexto, o objetivo do presente artigo é realizar uma
análise de todos os casos de cartel nos quais houve celebração de Acordo
de Leniência e que foram julgados pelo Tribunal Administrativo do
Cade até dezembro de 2017. A análise busca verificar como a autarquia
tem se posicionado quanto ao compartilhamento de documentos

1138 Estudo indica que, até 2011, pouco mais de vinte ARDC haviam sido ajuizadas no
País. Outra pesquisa de 2015 aponta um crescimento de 450% no número de acórdãos
proferidos no bojo de tais ações entre os anos de 2009-2011 (quatro acórdãos) e 2012-
2014 (22 acórdãos). MACHADO, L. A. Programas de leniência e responsabilidade civil
concorrencial: o conflito entre a preservação dos interesses da leniência e o direito à
indenização. Revista de Defesa da Concorrência, v. 3, n. 2, 2015. p. 116.
1139 O Guia – Termo de Compromisso de Cessação para casos de cartel do Cade,
conceitua o TCC da seguinte forma: “Previsto no art. 85 da Lei nº 12.529/2011, o
Termo de Compromisso de Cessação (“TCC”) consiste em uma modalidade de acordo
celebrado entre o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“Cade”) e as
empresas e/ou pessoas físicas investigadas por infrações à ordem econômica a partir
da qual a autoridade antitruste anui em suspender o prosseguimento das investigações
em relação ao(s) Compromissário(s) de TCC enquanto estiverem sendo cumpridos os
termos do compromisso, ao passo que o(s) Compromissário(s) se compromete(m) às
obrigações por ele expressamente previstas”.
1140 Disponível em: <https://bit.ly/2QIZ1nA>.

772 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

oriundos de acordos de leniência e se houve algum tipo de mudança


de posicionamento, em especial após a realização da consulta pública.
O artigo se divide da seguinte forma: a seção dois trata da
teoria sobre o acesso a documentos de acordos de leniência no
Brasil, enquanto a seção três faz a análise da prática sobre o acesso
a documentos, analisando os seguintes casos de cartel: (i) vigilantes;
(ii) peróxidos; (iii) cargas aéreas; (iv) mangueiras marítimas; (v)
perborato de sódio; (vi) compressores; (vii) TPE; (viii) ABS; (ix) CRT;
(x) DRAM; (xi) airbags, cintos e volantes; (xii) sigiloso; (xi) sigiloso;
(xiii) manutenção predial; e (xiv) rolos cerâmicos. É feita, por fim, a
conclusão do estudo.

2. DA TEORIA SOBRE O ACESSO A DOCUMENTOS


DE ACORDOS DE LENIÊNCIA NO BRASIL

Conforme mencionado, no Brasil, a persecução a cartéis é feita


tanto administrativamente quanto penal e civilmente.
Quando a persecução é feita administrativamente pelo Cade1141
ou penalmente pelo Ministério Público1142, ocorre o que a doutrina
optou por chamar de public enforcement, para se referir à atuação
das autoridades de defesa da concorrência e de órgãos públicos na
persecução de práticas anticompetitivas.
Por sua vez, a expressão private enforcement é usada para se referir
às hipóteses de aplicação das normas de defesa da concorrência pelo
Judiciário, no âmbito das ARDC movidas por consumidores lesados
pela prática anticompetitiva. As ARDC estão previstas no art. 47 da
Lei nº 12.529/11 e decorrem da obrigação de indenizar prevista no art.
927 do CC, segundo a qual “aquele que, por ato ilícito, causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Nesse tipo de ação, é preciso não só comprovar o ato ilícito
(nesse caso, o cartel), mas também o dano causado e o nexo causal

1141 Conforme determinado pela Lei nº 12.529/11.


1142 Nos termos da Lei nº 8.137/90.

Estudos em Direito da Concorrência 773


Amanda Athayde

entre dano e conduta. Nesse contexto, o acesso ao material necessário


para comprovar o ato ilícito e o dano causado, muitas vezes de posse
do Cade1143, ainda é uma das principais complicações à obtenção de
evidências1144.
Para viabilizar esse tipo de demanda, seria necessário que fosse
concedido aos interessados em propor a ação o acesso ao material
utilizado pelo Cade para instruir os processos administrativos,
em especial os que envolvem os documentos obtidos por meio da
celebração de Acordo de Leniência.
Surge, aí, o cerne do conflito entre public e private enforcement.
No Brasil, a regra geral prevista no art. 5º, LX, da Constituição Federal
de 1988 é a da publicidade dos atos administrativos. Há, porém,
exceções à regra constitucional, basicamente oriundas das leis que a
regulamentam, quais sejam, a Lei nº 9.784/99 (Lei Geral de Processo
Administrativo) e a Lei nº 12.527/11 (Lei de Acesso à Informação – LAI).
A Lei Geral de Processo Administrativo, por exemplo, estabelece
o sigilo à intimidade e ao interesse público.1145 Ademais, na LAI, há
exceção para a divulgação de informações que possam “representar
vantagem competitiva a outros agentes econômicos”1146 e que possam
“comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação
ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou
repressão de infrações”1147.
A Lei de Defesa da Concorrência também contém exceções à
regra geral constitucional da publicidade dos atos administrativos. O

1143 Nesse sentido, MAIOLINO, I. Alternativas ao uso de documentos provenientes de


acordos de leniência nas ações privadas de reparação pela prática de cartel. Revista
do IBRAC, v. 23, n. 2, 2017. p. 301-302.
1144 OCDE – ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO.
Relationship between public and private antitruste enforcement. 15 Jun. 2015.
1145 Cf. art. 2º, V, Lei nº 9.784/1999 c/c art. 5º, LX, CF/88.
1146 Cf. art. 5º, §2º, do Decreto nº 7.724/2012, que regula a LAI: “não se sujeitam ao
disposto neste Decreto as informações relativas à atividade empresarial de pessoas
físicas ou jurídicas de direito privado obtidas pelo Banco Central do Brasil, pelas
agências reguladoras ou por outros órgãos ou entidades no exercício de atividade
de controle, regulação e supervisão da atividade econômica cuja divulgação possa
representar vantagem competitiva a outros agentes econômicos”.
1147 Cf. art. 23, VIII, da Lei nº 12.527/2011.

774 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

art. 49, por exemplo, garante o tratamento sigiloso de documentos,


informações e atos processuais necessários à elucidação dos
fatos, sendo que as partes podem requerer tratamento sigiloso das
informações submetidas ao Cade no termo e modo definidos no
Ricade.
O art. 49 da referida lei é regulamentado pelos arts. 89 a 95
do Ricade. O art. 89 prevê a possibilidade de que os documentos e
as informações apresentados sejam tratados de quatro modos: (i)
público, quando puderem ser acessados por qualquer pessoa; (ii)
acesso restrito, quando o acesso for exclusivo a algumas partes; (iii)
sigiloso, quando o acesso for exclusivo às autoridades públicas; e (iv)
segredo de justiça, quando o acesso for limitado por decisão judicial.
Segundo o art. 91 do Ricade, no interesse das investigações e
da instrução processual, o Cade assegurará tratamento sigiloso de
autos, documentos, objetos ou informações e atos processuais, dentro
do estritamente necessário à elucidação do fato e em cumprimento
ao interesse social. Antes do encerramento da instrução do processo
administrativo (PA), porém, será dado pleno acesso aos documentos
utilizados para a formação da convicção do Cade, em atendimento aos
princípios do contraditório e da ampla defesa.
Quanto ao tratamento de acesso restrito, esse poderá ser
conferido, conforme o caso e no interesse da instrução processual, às
informações e documentos que estiverem relacionados a alguma das
hipóteses previstas no art. 93 do Ricade1148.
Especificamente quanto aos Acordos de Leniência, a Lei nº
12.529/11 confere tratamento confidencial aos documentos e às
informações fornecidos no âmbito de tais negociações, visando,
justamente, a resguardar os incentivos das partes a buscar ambos os
instrumentos (Acordo de Leniência e TCC), considerados pilares da
persecução pública a cartéis no País.

1148 Existência de sigilo definido por lei, informação relativa à atividade empresarial
cuja divulgação possa representar vantagem competitiva a outros agentes econômicos,
segredos de empresas, faturamento, clientes e fornecedores, custos de produção,
dentre outras.

Estudos em Direito da Concorrência 775


Amanda Athayde

A confidencialidade do Acordo de Leniência está prevista em lei


federal (art. 86, §9º1149), em regulamento infralegal (art. 241, §§ 1º e
2º, do Ricade1150) e também em cláusulas do próprio Acordo celebrado
entre os Signatários e o Cade com a intervenção do Ministério
Público1151.
Observa-se, ainda, que a confidencialidade das informações e
dos documentos consubstancia tanto um direito quanto uma obrigação
do proponente dos acordos, já que o acesso indevido a documentos e
informações pode gerar prejuízos irreversíveis, não apenas às partes,
mas também à investigação do cartel e ao Programa de Leniência do
Cade como um todo.
De um lado, a quebra da confidencialidade com relação
ao signatário do Acordo de Leniência pode expô-lo isolada e
antecipadamente em relação aos demais coautores da conduta
anticompetitiva que não colaboraram com o Cade e pode expor
também informações concorrencialmente sensíveis, tais como
segredos comerciais.
Por outro lado, com relação à investigação do Cade, a quebra
da confidencialidade pode inviabilizar a coleta ulterior de evidências
sobre o cartel, por meio, por exemplo, de uma busca e apreensão.
Ainda, especialmente no que tange à efetividade do Programa de
Leniência, a quebra da confidencialidade pode macular a confiança
na capacidade da agência antitruste em proteger tais informações
e documentos, prejudicando a descoberta e a persecução de novos
cartéis que continuem a ser implementados no País.
Ainda que no contexto das ARDC o acesso a materiais oriundos
de acordos de leniência possa ser justificado pelo caráter de acervo

1149 Cf. art. 86, §9º, da Lei nº 12.529/2011: “Considera-se sigilosa a proposta de
acordo de que trata este artigo, salvo no interesse das investigações e do processo
administrativo”.
1150 Cf. art. 241, §§ 1º e 2º, do Ricade: “A proposta receberá tratamento sigiloso e
acesso somente às pessoas autorizadas pelo Superintendente-Geral.” e “Nos casos de
proposta escrita, esta será autuada como sigilosa e nenhum de seus dados constará do
sistema de gerenciamento de documentos do Cade.”
1151 Modelo de Acordo de Leniência encontra-se disponível no site do Cade: <https://
bit.ly/2LFomPo>.

776 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

probatório necessário para o sucesso da pretensão indenizatória


dos consumidores lesados, pode expor os signatários do Acordo
de Leniência a uma situação pior do que a dos coautores que não
cooperaram com as autoridades antitruste1152, criando assim um
desincentivo ao enforcement público.
Assim, muito embora o enforcement privado possa auxiliar na
promoção da política de defesa da concorrência1153, reconhece-se
que a tendência crescente de ajuizamento de ARDC traz desafios aos
programas de colaboração das autoridades antitruste no mundo e no
Brasil, em especial aos Programas de Leniência.
Se, de um lado, regras que favoreçam excessivamente o private
enforcement podem prejudicar o public enforcement. por outro, regras
que sejam excessivamente restritivas às ARDC podem inviabilizar o
ressarcimento da parte lesada pela infração à ordem econômica e
inviabilizar parte significativa da função dissuasória do enforcement
antitruste1154.
No entanto, muito embora exista previsão legal para a
confidencialidade dos documentos na Lei nº 12.529/11 e no Ricade, a
referida lei é silente no que diz respeito à divulgação dos documentos
obtidos por meio da celebração de acordos de leniência em caso de
solicitação judicial1155 ou em caso de solicitação para proposição de
ARDC.

1152 Nesse sentido, a International Competition Network, em seu Anti-cartel enforcement


manual, elenca que as autoridades antitruste devem salvaguardar os incentivos dos
programas de leniência, sendo um deles a certeza de que o colaborador não vai se
colocar em desvantagem pela sua colaboração.
1153 “(...) No Brasil, porém, quase não se tem notícia de ações privadas em razão de
danos causados por cartéis. Perde-se, assim, um importante fator a desestimular a
prática de conluio. E os prejudicados também deixam de ser ressarcidos pelos danos
causados”. Voto do ex-Conselheiro Fernando Furlan no Processo Administrativo nº
08012.009888/2003-70 (“cartel dos gases industriais”).
1154 Para mais informações, ver Relatório OCDE 2015. OCDE – ORGANIZAÇÃO PARA
COOPERAÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO. Relationship between public
and private antitruste enforcement. 15 Jun. 2015.
1155 SOUZA, N. M. S. Mecanismos de proteção ao programa de leniência brasileiro:
um estudo sobre a confidencialidade dos documentos e a responsabilidade civil do
signatário à luz do Direito Europeu. In: Ideias em Competição – 5 anos do prêmio
IBRAC-TIM. São Paulo: Singular, 2015. p. 434.

Estudos em Direito da Concorrência 777


Amanda Athayde

Favorecer o enforcement privado sem, em contrapartida, regular


as regras de acesso e limitar a responsabilidade civil do signatário
da leniência pode prejudicar o enforcement público. E o desincentivo
aos Programas de Leniência, pela via reflexa, também prejudica o
enforcement privado, ainda incipiente no Brasil.
Se há perda de atratividade do Programa de Leniência, que é uma
das principais ferramentas do Cade para desvendar cartéis, menos
cartéis tendem a ser descobertos e, assim, menos ARDC passam a ter
a chance de serem ajuizadas (com consequente ressarcimento das
partes lesadas).
Ademais, há o risco de o Brasil tornar-se o tortuoso canal de
obtenção indevida de documentos e informações por estrangeiros. Na
hipótese de um cartel internacional que tenha resultado na celebração
de Acordo de Leniência no Brasil, por exemplo, as partes que não
obtiverem acesso aos documentos e informações considerados
necessários para o ajuizamento das ARDC em seus respectivos países
poderão se utilizar indevidamente do Brasil para obter tal acesso,
colocando em risco o Programa de Leniência brasileiro no contexto
internacional do combate a condutas anticompetitivas.
Em uma tentativa de promover a busca pela adequada medida
entre a proteção dos documentos e informações de Acordos de
Leniência e TCC (com vistas à manutenção da atratividade dos
referidos Programas) e o fomento ao ajuizamento das ARDC no Brasil,
a Superintendência-Geral do Cade elaborou uma primeira minuta
de resolução sobre a matéria, que foi submetida ao crivo público por
meio da Consulta Pública nº 05/2016, no dia 07 de dezembro de 2016,
na 96ª Sessão Ordinária de Julgamento do Tribunal1156.
Há, ainda, a exposição de motivos da necessidade de edição
e homologação de uma futura resolução, bem como a Nota Técnica
nº 24/2016/CHEFIA GAB-SG/CADE, que trata da necessidade da
resolução e do panorama do compartilhamento de documentos

1156 Disponível em: <https://bit.ly/2AaGaNS>.

778 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

e responsabilização do Signatário e Compromissário em outras


jurisdições.
No caso, a primeira proposta de resolução previa as hipóteses
de sigilo, bem como a maneira pela qual as informações devem ser
solicitadas, dizendo o art. 12 que “a decisão final do Plenário do Tribunal
do Cade poderá tornar públicos documentos e informações de acesso
restrito referidos no art. 1º que forem considerados relevantes para a
formação do entendimento do Plenário”1157.
No entanto, mesmo após o julgamento do PA pelo Tribunal,
pretende-se que o sigilo seja mantido, dentre outras hipóteses, em
relação ao Histórico da Conduta e seus aditivos elaborados no âmbito
da negociação de Acordo de Leniência e TCC.
A fim de resguardar as investigações ainda em curso na SG/Cade,
também foi sugerido que ocorresse a suspensão de processos judiciais
ou extrajudiciais diante dos processos administrativos. De acordo
com a exposição de motivos, um PA aguarda em média um ano para
ser julgado pelo Tribunal após a distribuição do caso ao Conselheiro
Relator, de forma que, para resguardar a atratividade das ações
negociais, a medida seria proporcional1158.
Ainda em referência às ações de reparação, destacam-se duas
medidas propostas que pretendem estimular o ajuizamento de ações.
A primeira trata do tratamento prioritário a terceiros que busquem
acesso a documentos do Cade, caso esses documentos objetivem
o ajuizamento posterior de ações de indenização. A segunda diz
respeito ao uso da decisão condenatória do Tribunal como título
executivo extrajudicial e prova prima facie da existência da conduta e
do dano, a fim de facilitar o ajuizamento das ações civis. Dessa forma,
as partes lesadas que porventura tiverem interesse em ajuizar ações,
precisariam provar somente a extensão do dano e do nexo causal1159.

1157 CADE. Minuta de Resolução. 2016.


1158 CADE. Exposição de motivos da Consulta Pública Consulta Pública nº 05/2016.
1159 De acordo com a Nota Técnica nº 24/2016/CHEFIA GAB-SG/SG/CADE, diversos
países adotam esse modelo, quais sejam: União Europeia, Reino Unido, Alemanha,
Holanda, Austrália e Canadá. Ainda, foi explicado ainda que “em que pese tal proposta,
ações autônomas continuariam a ser ajuizadas concomitantemente à investigação do

Estudos em Direito da Concorrência 779


Amanda Athayde

Após receber contribuição sobre a primeira minuta da resolução,


o Cade abriu nova consulta sobre uma segunda minuta de resolução
em 04 de julho de 2018, na 126ª Sessão Ordinária de Julgamento. De
acordo com o órgão, ainda que as propostas referentes à primeira
resolução tenham sido recebidas e analisadas, “foi constatada a
necessidade de realizar alterações significativas ao texto, inclusive para
adequar os procedimentos internos de recebimento e processamento
dos pedidos de acesso a informações e documentos. Desse modo, o
Conselho entendeu que seria adequado disponibilizar a nova proposta
para contribuição da sociedade”.1160
As principais alterações da proposta de resolução1161 de 2018,
em comparação à proposta de 2016, consistem na supressão de
dois artigos: um referente ao acesso prioritário aos documentos
confidenciais pelas partes lesadas pela conduta, para proposição de
ARDC, e outro referente à criação, nos autos, de um apartado para
fins de compartilhamento de informações pelo Conselheiro-Relator,
que incluiria os documentos utilizados no voto para formação do
entendimento do Plenário, bem como os que evidenciassem a conduta
anticompetitiva ou que citassem as partes potencialmente lesadas
pela infração.
Destaca-se que a supressão dessa previsão, na segunda proposta
de resolução, mantém a atual situação referente ao procedimento
de acesso a documentos, tendo pouco ou nada alterado, na prática,
aas questões referentes à dificuldade de obtenção de documentos
oriundos de Acordo de Leniência e TCC.
Após o término do prazo para manifestações, a consulta se
concretizou na forma da Resolução nº 21 de 11 de setembro de 2018.

Cade, independentemente do Inquérito ou Processo Administrativo, nos termos do


próprio caput do art. 47 da Lei nº 12.529, de 2011.”
1160 CADE. Aberta nova consulta pública sobre procedimentos de acesso a documentos
provenientes de investigações antitruste. Brasília: Cade, 4 jul. 2018.
1161 Disponível em: <https://bit.ly/2O9NVqu>

780 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Não houve mudanças significativas quanto ao teor da segunda consulta


e a versão final publicada1162.

3. DA PRÁTICA SOBRE O ACESSO A DOCUMENTOS DE ACORDOS DE


LENIÊNCIA NO BRASIL: ANÁLISE EMPÍRICA DOS PAS JULGADOS
PELO CADE ORIGINADOS DE ACORDOS DE LENIÊNCIA

O proferimento do voto pelo Conselheiro-Relator na sessão de


julgamento do Plenário do Tribunal do Cade torna públicos todos
os documentos e informações que forem considerados relevantes
para a imputação da conduta delitiva em face de todas as empresas
e pessoas físicas envolvidas na conduta anticompetitiva investigada,
independentemente de serem oriundos de Acordo de Leniência,
TCC, busca e apreensão ou de outras fontes, nos termos do art. 248 do
Ricade.
Esse voto público tende a qualificar, de modo similar, a
participação de todos os coautores da conduta anticompetitiva,
inclusive em relação ao nível de prova existente contra cada um deles.
Trata-se de documento extenso, que pode até mesmo transcrever as
principais provas que evidenciam a conduta anticompetitiva.
Importante destacar que a definição do proferimento de voto
pelo Conselheiro-Relator como marco temporal para o término da
confidencialidade foi reconhecido, pelo Superior Tribunal de Justiça,
no julgamento dos Embargos de Declaração ao Recurso Especial nº
1.554.986/SP1163.
Inicialmente, o Ministro-Relator entendeu que a confidencialidade
dos documentos oriundos de Acordo de Leniência e TCC estender-se-
ia até o proferimento de decisão final pela Superintendência-Geral.
Após manifestação da Procuradora Federal Especializada junto ao

1162 Para mais informações, consultar Nota Técnica nº 2/2018/GAB-PRES/PRES/


CADE, produzida pela assessoria da Presidência do Cade, disponível em <https://bit.
ly/2D3IJ5Z>.
1163 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.554.986/SP.
Ministro Relator Marco Aurelio Belizze.

Estudos em Direito da Concorrência 781


Amanda Athayde

Cade (ProCade), alterou o seu posicionamento, em sede de embargos,


tendo o voto destacado que o uso de acordos de leniência tem papel
especial na apuração de condutas anticompetitivas, o que justificaria a
extensão do sigilo até o julgamento final pelo Tribunal do Cade.
Em relação à experiência do Cade, antes da submissão da
consulta pública, o Tribunal do Cade havia julgado dez casos
instaurados em decorrência da celebração de acordos de leniência,
a saber: (i) cartel dos vigilantes do Rio Grande do Sul ( julgado em
2007)1164; (ii) cartel internacional dos peróxidos ( julgado em 2012)1165;
(iii) cartel internacional de cargas aéreas ( julgado em 2013)1166; (iv)
cartel internacional de mangueiras marítimas ( julgado em 2015)1167;
(v) cartel internacional de perborato de sódio ( julgado em 2016)1168;
(vi) cartel internacional dos compressores ( julgado em 2016)1169; (vii)
cartel Internacional de Elastômeros Termoplásticos (TPE) ( julgado em
2016)1170; (viii) cartel de Plásticos ABS ( julgado em 2016)1171; (ix) cartel
internacional de CRT ( julgado em 2016)1172; e (x) cartel internacional
de Placas de Memória (DRAM) ( julgado em 2016)1173.

1164 PA nº 08012.001826/2003-10. Leniência celebrada em 8 out. 2003, julgado em 19


set. 2007.
1165 PA nº 08012.004702/2004-77. Acordo de Leniência celebrado em 6 maio
2004, julgado em 9 maio 2012. O processo principal foi desmembrado no PA nº
08012.007818/2004-68.
1166 PA nº 08012.011027/2006-02. Leniência celebrada em 21 dez. 2006, julgado em 28
ago. 2013.
1167 PA nº 08012.010932/2007-18. Leniência celebrada em 13 ago. 2007, julgado em 25
fev. 2015.
1168 PA nº 08012.001029/2007-66. Leniência celebrada em 11 set. 2006, julgado em 25
fev. 2016.
1169 PA nº 08012.000820/2009-11. Leniência celebrada em 30 jan. 2009, julgado em 16
mar. 2016.
1170 PA nº 08012.000773/2011-20. Leniência celebrada em 17 dez. 2010, julgado em 31
ago. 2016.
1171 PA nº 08012.000774/2011-74. Leniência celebrada em 17 dez. 2010, julgado em 14
set. 2016. O processo principal foi desmembrado no PA 08700.009161/2014-97, julgado
em 14 set. 2016.
1172 PA nº 08012.005930/2009-79. Leniência celebrada em 29 jul. 2009, julgado em 9
nov. 2016.
1173 PA nº 08012.005255/2010-11. Leniência celebrado em 24 nov. 2011, julgado em 23
nov. 2016.

782 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Após a submissão da consulta, foram julgados os seguintes


casos: (i) cartel de Airbags, cintos de segurança e volantes ( julgado
em 2017)1174; (ii) sigiloso ( julgado em 2017)1175; (iii) sigiloso ( julgado em
2017)1176; (iv) cartel de manutenção predial ( julgado em 2017)1177 e (v)
cartel de rolos cerâmicos refratários ( julgado em 2017)1178.
A análise desses casos, e da forma com que foi tratada a requisição
de informações, será feita a seguir. Será observado, também, se houve
mudança no tratamento dos dados após a consulta, em especial dos
referentes ao compartilhamento pelo Tribunal.

3.1. CARTEL DOS VIGILANTES

A investigação do cartel dos vigilantes do Rio Grande do Sul


foi resultado do primeiro Acordo de Leniência celebrado no Brasil,
o qual ensejou a realização de operações de busca e apreensão e
interceptações telefônicas.
A Nota Técnica final da extinta Secretaria de Direito Econômico
(SDE) foi assinada em 27 de setembro de 2006, enquanto o voto foi
proferido em 19 de setembro de 2017.
Quando do julgamento do caso pelo Tribunal do Cade, o
Conselheiro-Relator elaborou uma versão pública e uma versão
confidencial de seu voto. No voto público, que continha informações
referentes à identidade dos Signatários, foram transcritos trechos
do Acordo de Leniência e disponibilizados o termo de celebração do

1174 PA nº 08700.004631/2015-15. Leniência celebrada em 29 jun. 2015, julgado em 6


set. 2017.
1175 Inquérito Administrativo nº 08700.010322/2012-23 (autos públicos nº
08700.008005/2017-51). Leniência celebrada em 24 maio 2012. Processo julgado em 13
dez. 2017.
1176 Inquérito Administrativo nº 08700.0010319/2012-18 (autos públicos nº
08700.008004/2017-15). Leniência celebrada em 24 maio 2012. Processo julgado em 13
dez. 2017.
1177 PA nº 08012.006130/2006-22 Leniência celebrada em 23 jun. 2006. Processo
julgado em 6 nov. 2017.
1178 PA nº 08700.004627/2015-49. Leniência celebrada em 29 jun. 2015. Processo
julgado em 22 nov. 2017.

Estudos em Direito da Concorrência 783


Amanda Athayde

referido Acordo (fls. 329 e ss.) e as degravações das interceptações


telefônicas (fls. 6.622 e ss.). Já nos autos de acesso restrito
permaneceram os documentos fornecidos pelos beneficiários da
leniência e os documentos obtidos em sede de busca e apreensão.

3.2. CARTEL DOS PERÓXIDOS

Na investigação referente ao cartel internacional dos peróxidos,


houve operação de busca e apreensão embasada na prévia celebração
de Acordo de Leniência. Inicialmente, durante as investigações, foi
disponibilizado aos representados apenas o “Histórico de Infrações”
(atualmente denominado Histórico da Conduta), contendo o lastro
probatório da infração noticiada.
Posteriormente, porém, para fins de ampla defesa, foi
disponibilizado aos representados também o termo de celebração do
Acordo de Leniência.1179
A Nota Final foi proferida pela SDE em 24 de junho de 2009,
enquanto o voto foi proferido em 09 de maio 2012.
Quando do julgamento do caso pelo Tribunal do Cade, o
Conselheiro-Relator elaborou uma versão pública e uma versão
confidencial do seu voto. Por um lado, na versão pública, houve menção
explícita à identidade dos Signatários, transcrição de diversos trechos
dos documentos da busca e apreensão e também de documentos do
Acordo de Leniência. Por outro, o termo de celebração do Acordo de
Leniência em si, o Histórico de Infrações e as provas colhidas em sede
de busca e apreensão permaneceram em apartado de acesso restrito
às representadas no processo.

1179 As representadas no processo alegaram cerceamento de defesa em razão do


termo de celebração do Acordo de Leniência não ter sido disponibilizado desde
a instauração do processo administrativo, questionamento que foi afastado pelo
Conselheiro-Relator Carlos Emannuel Joppert Ragazzo, para o qual o documento não
seria relevante para a defesa, pois contém “previsão de informações burocráticas que
disciplinam a relação dos beneficiários com a administração pública, em respeito às
regras dos artigos 35-B e 35-C da Lei nº 8.884/94”.

784 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

3.3. CARTEL DAS CARGAS AÉREAS

Na investigação referente ao cartel internacional de cargas


aéreas1180, também ocorreu operação de busca e apreensão após a
celebração de Acordo de Leniência.
O Despacho da SDE que encaminhou o processo para o Cade foi
proferido em 30 de dezembro de 2009.
Na ocasião do julgamento do caso pelo Tribunal do Cade, em
28 de agosto de 2013, o Conselheiro-Relator elaborou uma versão
pública e uma versão confidencial do seu voto. Na versão pública, que
deu publicidade à identidade dos Signatários, havia a transcrição de
diversos trechos dos documentos da busca e apreensão e também de
documentos oriundos do Acordo de Leniência.
Já o termo de celebração do Acordo de Leniência em si, o Histórico
de Infrações e as provas colhidas em sede de busca e apreensão
permaneceram em apartado de acesso restrito às representadas no
processo. Conferiu-se, portanto, o mesmo tratamento, em termos de
acesso, que foi dado ao caso anterior (cartel internacional de peróxidos),
com destaque para o fato de que, aos documentos recebidos por meio
do Acordo de Leniência, foi dispensado o mesmo tratamento que o
conferido aos documentos apreendidos nas sedes das empresas alvos
de busca e apreensão.

3.4. CARTEL DAS MANGUEIRAS MARÍTIMAS

Nesse caso, a exemplo do que ocorreu no caso do cartel


internacional de peróxidos, ao longo do PA, discutiu-se se era
adequado conceder ou não acesso ao termo de celebração do Acordo de
Leniência aos representados. Decidiu-se então, pela disponibilização

1180 Vale observar que um dos gerentes de carga internacional da Varig foi condenado
a reparar os danos causados pelo cartel estimados em R$ 378,9 milhões, conforme
sentença proferida em 29 de janeiro de 2014 pela Juíza Fernanda Afonso de Almeida,
da 27ª Vara Criminal de São Paulo. Tal decisão evidencia a preocupação com a
reparação civil, tal como apontado por Souza (2014).

Estudos em Direito da Concorrência 785


Amanda Athayde

do documento aos representados ainda durante a tramitação do


processo.1181 A Nota Final elaborada pela SDE foi publicada em 13 de
abril de 2012.
O Conselheiro-Relator, no julgamento de 25 de fevereiro 2015, deu
publicidade à identidade dos Signatários, afastou as preliminares de
confidencialidade suscitadas pelas representadas e buscou ponderar
sobre a disponibilização de documentos e informações oriundos de
leniência e TCC versus o fomento às ARDC. Na versão pública do voto,
o Conselheiro-Relator transcreveu trechos de confissão de conduta
dos TCC e trechos do Histórico da Conduta do Acordo de Leniência.1182
Uma peculiaridade desse caso reside no fato de que, até o
momento do voto, as representadas ainda não tinham tido acesso aos
documentos apreendidos nas diligências de busca e apreensão, em
virtude de segredo de justiça ainda mantido na via judicial.1183
Assim, o Conselheiro-Relator, em seu voto, permitiu a
divulgação do material oriundo do Acordo de Leniência a terceiros e
determinou que, após o julgamento do caso, o termo de celebração do
Acordo de Leniência (e demais documentos anexos apresentados pelo
beneficiário) poderia ser disponibilizado a terceiros, em razão dos

1181 Até 09 de novembro de 2007, a averiguação preliminar em curso foi mantida


sigilosa, sendo que com o proferimento da Nota Técnica de instauração do Processo
Administrativo, a extinta SDE sugeriu que o termo de celebração do Acordo de
Leniência fosse mantido em sigilo, com acesso apenas ao Sistema Brasileiro de Defesa
da Concorrência e à beneficiária, e que os demais documentos oriundos da leniência
fossem mantidos no apartado de acesso restrito às representadas, ou seja, com acesso
proibido a terceiros. Cf. fl. 2906: “superada a fase em que a surpresa era ingrediente
essencial para o sucesso das investigações, é de ser declarada a publicidade destes
autos, excluindo-se desta publicidade, entretanto o instrumento do Acordo de
Leniência, com os seus anexos” (PA nº 08012.001127/2010-07). As representadas
alegaram cerceamento de defesa por não terem tido acesso à íntegra das declarações
dos beneficiários, uma vez que o termo da confissão não estaria nos autos de acesso
restrito às representadas, mas tão somente o Histórico da Conduta. Todavia, em 17 de
outubro de 2008, a extinta SDE concedeu acesso à integra do Acordo de Leniência às
representadas. Cf. §§ 69 a 75 do voto do Conselheiro-Relator.
1182 Id., § 3º: “também por razões de publicidade e moralidade”, o Conselheiro-
Relator tornou públicos os anexos aos TCC que tratam das confissões das condutas,
até então mantidos em apartados confidenciais, visto que abordavam a forma pela
qual o cartel se organizou no território brasileiro.
1183 Id., § 76. Havia apelação pendente de julgamento pelo TRF3.

786 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

princípios da publicidade e da moralidade. Segundo o Relator, “fatos


e documentos apresentados pelo beneficiário integram a confissão da
conduta e só podem ser divulgados a terceiros não-representados após
o julgamento do caso em sessão pública”.1184
Em que pese essa decisão pela publicização após o julgamento,
o Conselheiro-Relator destacou que determinados documentos
não usados como base para a acusação deveriam ser mantidos
confidenciais, mesmo após o julgamento do caso, por versarem
sobre segredos de empresa (incluindo especificações técnicas de
produtos).1185
Ademais, foi mantida a confidencialidade dos materiais
apreendidos em medida de busca e apreensão, tendo em vista o
segredo de justiça pendente. Esses documentos, cuja disponibilização
foi autorizada, não se encontram nos autos públicos no Sistema
Eletrônico de Informações (SEI) do Cade, de modo que a íntegra do
termo de celebração do Acordo de Leniência e dos seus anexos ainda
permanecem em acesso restrito aos representados. A princípio,
tais documentos estarão disponíveis apenas às partes que tiverem
autorização judicial de acesso.

3.5. CARTEL PERBORATO DE SÓDIO

No julgamento do cartel internacional de perborato de sódio,


em 25 de fevereiro de 2016, cuja Nota Final da Superintendência-Geral
data de 29 de julho de 2015, excepcionalmente, o voto do Conselheiro-
Relator determinou a publicidade de todo o apartado de acesso restrito

1184 Id. § 74.


1185 Cf. nota de rodapé 13 do voto do Conselheiro-Relator. Ademais, cf. §9º do voto:
“No que se refere à publicidade do julgamento, isto é, do acesso de terceiros ao teor,
é importante registrar que a regra é que os julgamentos do Cade sejam realizados
em sessão pública. Em virtude dessa obrigação de observância dos princípios da
moralidade, do interesse público e da publicidade, entendo que a única restrição à
publicidade plena do presente julgamento é a liminar concedida na Medida Cautelar
de Busca e Apreensão 0024157.07.2007.4.03.6100 para o estrito interesse na realização
das diligências”.

Estudos em Direito da Concorrência 787


Amanda Athayde

às representadas, sob o fundamento de que as informações comerciais


que poderiam ser consideradas sigilosas datavam de muitos anos e,
portanto, não poderiam mais ser consideradas concorrencialmente
sensíveis. Além disso, publicizou a identidade das Signatários.
Contudo, o termo de celebração do Acordo de Leniência, bem
como o Histórico da Conduta e os demais anexos permanecem em
acesso restrito aos representados. A princípio, tais documentos
estarão disponíveis apenas às partes que tiverem autorização judicial
de acesso.

3.6. CARTEL DE COMPRESSORES

No julgamento do cartel dos compressores, em seu voto público,


de 16 de março de 2016, cuja Nota Final da Superintendência-Geral
data de 27 de novembro de 2012, o Conselheiro-Relator transcreveu,
além da identidade dos Signatários, os principais trechos do Histórico
da Conduta e franqueou aos representados o acesso à totalidade dos
documentos probatórios.
Para tal, embasou-se na Súmula Vinculante nº 14 do Supremo
Tribunal Federal (STF), que garante aos representados amplo acesso
aos elementos de prova, em observância ao direito de defesa.1186 Por
sua vez, mesmo após o julgamento do caso, permaneceram nos autos
de acesso restrito informações sobre segredos de empresa, o termo de
celebração do Acordo de Leniência e seus anexos.

1186 Súmula Vinculante nº 14 do STF: “é direito do defensor, no interesse do


representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados
em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia
judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

788 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

3.7. CARTEL DE TPE

No julgamento do cartel de TPE, cuja Nota Final da


Superintendência-Geral é de 29 de fevereiro de 2016, o Conselheiro-
Relator elaborou versão pública e de acesso restrito do voto, proferido
em 31 de agosto de 2016. Muito embora tenha franqueado acesso
aos representados aos documentos comprobatórios, o voto público
continha, além da identidade dos Signatários, apenas alguns trechos do
Histórico da Conduta. O termo de celebração do Acordo de Leniência
não foi disponibilizado nos autos públicos.

3.8. CARTEL DE ABS

No julgamento do cartel de ABS, cuja Nota Técnica final da


Superintendência-Geral data de 19 de fevereiro de 2016, o Conselheiro-
Relator elaborou versão pública e de acesso restrito do voto, tendo
incluído, além da identidade dos Signatários, transcrições de trechos
do Histórico da Conduta no voto público. Disponibilizou o termo de
celebração da Leniência apenas aos representados, no mesmo sentido
que o voto proferido no cartel de TPE.

3.9. CARTEL DE CRT

No julgamento do cartel internacional de CRT, cuja Nota Final


da Superintendência-Geral foi proferida em 13 de novembro de 2015,
o Conselheiro-Relator, cujo voto foi proferido em 09 de novembro de
2016, deixou clara a publicidade da identidade dos Signatários em
razão de previsão regimental.
Elaborou voto público e de acesso restrito e, em seu voto público,
transcreveu provas apresentadas pelos Signatários e Compromissários
e trechos do Acordo de Leniência, cujo inteiro teor foi disponibilizado
ao Representados do processo.

Estudos em Direito da Concorrência 789


Amanda Athayde

3.10. CARTEL DO DRAM

No julgamento do cartel de DRAM, cuja Nota Final da


Superintendência-Geral foi assinada em 28 de março de 2016,
similarmente ao voto proferido no cartel de CRT, o Conselheiro-
Relator deu publicidade à identidade dos signatários da leniência, nos
termos do art. 248 do Ricade (na época art. 207).
O conselheiro produziu votos de acesso público e restrito, em
23 de novembro de 2016, sendo que o primeiro menciona trechos do
Histórico da Conduta do Acordo de Leniência e de TCC, bem como
inclui trechos de documentos apresentados pelos Signatários
Destaca-se que, ao longo da instrução, os representados tiveram
acesso ao inteiro teor do Acordo de Leniência e ao Histórico da
Conduta.
Em relação às informações confidenciais que foram tornadas
públicas, destaca-se que o voto, inclusive, cita os clientes afetados que
foram mencionados nos Históricos da Conduta e faz a ressalva quanto
à existência de outros clientes que não foram mencionados em razão
de confidencialidade.

3.11. CARTEL DE AIRBAGS, CINTOS E VOLANTES

No julgamento do cartel de airbags, cuja Nota-Técnica Final da


Superintendência-Geral é de 19 de junho de 2017, assim como nos
votos proferidos no julgamento dos cartéis de CRT e de DRAM, o
voto do Conselheiro-Relator destacou a publicidade da identidade do
Signatário do Acordo de Leniência, também nos termos do Ricade.
O Conselheiro-Relator elaborou voto público e restrito,
proferidos em 06 de setembro de 2017, mas o primeiro conta com a
transcrição de um único documento do Histórico da Conduta.

790 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

3.12. SIGILOSO

O Inquérito Administrativo nº 08700.008005/2017-51 (acesso


restrito nº 08700.010322/2012-23) foi julgado pelo Tribunal em 13 de
dezembro de 2017 e, apesar de se tratar de investigação relacionada
à prática de cartel, em razão do sigilo, não foi possível identificar o
mercado que estava sob investigação. Nesse caso, a Nota Final foi
proferida pela Superintendência-Geral em 11 de julho de 2017.
Apesar de curto, o voto do Conselheiro-Relator traz importante
entendimento em relação à identificação dos Signatários.
A ProCade manifestou-se pela manutenção do acesso restrito da
identidade dos signatários do Acordo de Leniência e dos documentos
e informações dele constantes, mesmo após o proferimento de voto
pelos Conselheiros, para salvaguardar investigações que pudessem
surgir no futuro.
No caso, como o julgamento era de um Inquérito Administrativo
e não de um processo, a procuradoria entendeu pela não aplicação do
art. 248 do Ricade.
O Tribunal, no entanto, posicionou-se de forma oposta, tendo
o Conselheiro-Relator destacado que não era necessária ou razoável
a manutenção da confidencialidade da existência do Acordo de
Leniência e da identidade dos Signatários de forma perpétua, tão
somente ao conteúdo do referido acordo.
O voto determinou, então, a publicidade da identidade dos
Signatários do acordo.

3.13. SIGILOSO

No mesmo sentido que o Inquérito supramencionado, no


Inquérito Administrativo nº 08700.0010319/2012-18 (autos públicos nº
08700.008004/2017-15), também julgado em 13 de dezembro de 2017,
não foi possível identificar o mercado que estava sob investigação.

Estudos em Direito da Concorrência 791


Amanda Athayde

Nesse caso, a Nota Final foi proferida pela Superintendência-Geral em


30 de junho de 2017.
A posição adotada pelo Conselheiro-Relator foi similar
àquela do outro inquérito, no sentido de que não há necessidade
de manter a confidencialidade da identidade dos Signatários, mas
tão somente do teor do Acordo de Leniência. No caso, entendeu-se
que a confidencialidade só deve ser preservada em benefício das
investigações, em oposição ao entendimento da ProCade.
Assim, apesar de ter publicizado a identidade dos Signatários, o
voto não juntou qualquer informação do Histórico da Conduta ou do
termo da Leniência.

3.14. CARTEL DA MANUTENÇÃO PREDIAL

No julgamento do cartel de manutenção predial, cuja Nota Final


da Superintendência-Geral foi proferida em 16 de janeiro de 2017, o
Conselheiro-Relator elaborou voto público e outro de acesso restrito,
proferidos em 06 de novembro de 2017, optando pela publicidade da
identidade dos Signatários.
O voto público juntou diversos documentos obtidos através do
Acordo de Leniência, como planilhas, e-mails e outros documentos
eletrônicos, bem como documentos obtidos em diligência de busca
e apreensão. O inteiro teor do material apreendido foi juntado aos
apartados de cada representada que foi objeto das operações de busca.
O voto não mencionou a confidencialidade desses documentos
após o voto e, ao que parece, deu o mesmo tratamento, no que se refere
à confidencialidade, aos documentos obtidos por meio de diligência
de busca e apreensão e por meio do Acordo de Leniência, ou seja, tais
documentos não foram juntados aos autos públicos.

792 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

3.15. CARTEL DE ROLOS DE CERÂMICA

No julgamento do cartel de rolos cerâmicos, cuja Nota Final foi


proferida pela Superintendência-Geral em 04 de agosto de 2017, o
Conselheiro-Relator, em seu voto de versão única, de 22 de novembro
de 2017, deu publicidade à identidade dos signatários da leniência,
nos termos do art. 248 do Ricade, tendo juntado trechos do Histórico
da Conduta.
Destaca-se que, ao longo da instrução, os demais representados
tiveram acesso ao Acordo de Leniência e ao Histórico da Conduta, que
foram mantidos em acesso restrito mesmo após o julgamento do feito.

4. CONCLUSÃO

O artigo buscou fazer uma breve revisão dos dispositivos legais


que justificam a confidencialidade do Acordo de Leniência e dos
documentos relacionados, bem como dos dispositivos que podem
embasar requerimentos de acesso aos documentos confidenciais. Foi
feita, também, uma breve explicação sobre o contraponto existente
entre enforcement público e privado.
Para verificar o posicionamento do Cade quanto ao acesso de
documentos oriundos de acordos de leniência, foram analisados todos
os casos de cartel, julgados até dezembro de 2017, nos quais houve
celebração de Acordo de Leniência.
Conclui-se que não houve mudança no padrão de acesso a
informações relacionadas à Leniência ao longo do tempo, mesmo
após a realização da consulta pública sobre a matéria, em dezembro
de 2016, sendo possível sintetizar a análise em seis pontos:

i. Não houve mudança substantiva no entendimento, mas sim


um amadurecimento institucional e maior conscientização
quanto ao tratamento de dados confidenciais: dá-se
publicidade acerca da identidade dos Signatários, mas, na

Estudos em Direito da Concorrência 793


Amanda Athayde

prática, mantém-se o termo de Acordo de Leniência e o


Histórico da Conduta como de acesso restrito;
ii. Ainda que não seja conferido acesso público ao Histórico da
Conduta, os votos contêm trechos e teor suficiente do Acordo
de Leniência para demonstrar a motivação da decisão do
Conselheiro pela existência ou não de cartel;
iii. A identidade dos Signatários só é mantida até o julgamento
do caso pelo Tribunal, ainda que não se trate de PA,
em consonância ao art. 248 do Ricade, em que pese o
entendimento divergente da ProCade. Nesse sentido, todos
os votos analisados decidiram pela publicidade da identidade
dos Signatários;
iv. Em todos os casos, com exceção dos carteis de peróxidos,
cargas aéreas, mangueiras marítimas e compressores, o Cade
demorou menos de um ano a contar da decisão final da SDE
ou Superintendência-Geral para proferir a sua decisão final.
Isso demonstra que a sugestão da proposta de resolução e
a decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio Belizze
em sede de Embargos de Declaração no Recurso Especial
nº 1.554.986, de que a confidencialidade dos documentos
deveria ser mantida até a decisão final pelo Tribunal do
Cade e não até a decisão final pela Superintendência-Geral é
acertada e não prejudicaria as ARDCs;
v. A confidencialidade só é preservada em benefício das
investigações, e não há uma preocupação clara com
possíveis desdobramentos negativos ao enforcement público
em decorrência do acesso às informações no contexto do
enforcement privado;
vi. A maioria dos documentos foi mantida como acesso restrito
mesmo após o julgamento, e os votos não mencionam até
quando perdurará a confidencialidade, o que pode vir a se
tornar um problema para as ARDC.

794 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Por fim, ainda que a criação de uma resolução sobre o


compartilhamento de documentos consista em um esforço normativo
louvável1187, principalmente por ter contado com duas consultas e
feedback do setor privado, critica-se que a versão final somente foi
publicada quase dois anos após a realização da primeira consulta
pública, o que manteve a insegurança quanto à matéria1188.
Além disso, apesar da publicação da resolução, nas hipóteses
de solicitação judicial e de requerimento por terceiros em contexto
de proposição de ARDC, entende-se que o tratamento quanto à
confidencialidade dos materiais relacionados ao Acordo de Leniência
e oriundos de busca e apreensão seguirá casuístico, e sem a devida
sistematização institucional, haja vista o disposto nos arts. 10 e 11 do
referido normativo1189.
Assim, entende-se que a publicação da resolução é apenas
um primeiro passo na normatização e sistematização do possível
acesso de terceiros à documentos, sendo necessário acompanhar a
implementação dos novos procedimentos de compartilhamento de
documentos.

1187 RECHTER, R. D. Do sigilo e do segredo de justiça. In: DRAGO, B. L.; PEIXOTO,


B. L. A livre concorrência e os tribunais brasileiros: análise crítica dos julgados no
Poder Judiciário envolvendo matéria concorrencial. São Paulo: Singular, 2018. p. 38.
1188 Nesse sentido, destaca-se manifestação feita pelo Ministro Marco Aurélio Belizze
no julgamento do Recurso Especial: “Desse modo, as questões relativas a quem pode
requerer, quando será admitida e quais documentos podem ser fornecidos, em
caráter geral e abstrato, como pretende o embargante, refogem ao espoco do recurso
especial apreciado e mesmo ao munus público atribuído ao Poder Judiciário” (p. 08).
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.554.986. Relator Min.
Marco Aurélio Bellizze. DJ: 8 mar. 2016.
1189 Diz o artigo 11: “Art. 11. A decisão final do Plenário do Tribunal do Cade tornará
públicos documentos e informações de acesso restrito previstos no §2º do art. 10º.”.
O § 2º do art. 10, por sua vez: “§ 2º Os documentos e as informações que deverão
ser classificados como de acesso restrito durante a fase de instrução, constituirão
apartado específico e serão classificados conforme os parâmetros estabelecidos no
artigo 9º.

Estudos em Direito da Concorrência 795


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

CAN SHAREHOLDERS CLAIM DAMAGES AGAINST


COMPANY OFFICERS AND DIRECTORS FOR ANTITRUST
VIOLATIONS? THE JAPANESE EXPERIENCE AND
POSSIBLE LESSONS TO BRAZIL AND LATIN AMERICA

Publicado originalmente em: Competition Law and Policy in Latin


America: Recent Developments / Organizador: Paulo Burnier da Silveira.
Kluwer Law International. 2017.

Amanda Athayde

ABSTRACT: This article analyses the lawsuit to claim damages


from the shareholders against corporate officers and directors for antitrust
violations. There are recent precedents in the Japanese experience leading
to the conclusion that this can be an available tool for the corporation to be
reimbursed from its losses. The article proposes that in Brazil officers and
directors may face shareholders derivative suits claiming corporate liability
for antitrust violations at least in three situations. First, when the corporate
officers and directors personally practiced the antitrust wrongdoing. Second,
when the corporate officers and directors are conniving with other officers
and/or directors who practiced the antitrust wrongdoing and fail to take
action – for example, failing to apply for leniency or settlement. Third, when
the corporate officers and directors are negligent to prevent the wrongdoing.
Those situations would constitute a breach of the fiduciary duties of loyalty
and/or diligence, resulting in the personal corporate liability of those
officers and directors, as provided in Article 158 (I) and paragraph 1st of the
Brazilian Corporation Law (Law 6404/1976). This derivative shareholders
lawsuit could claim not only the actual damages and the ceased profit
resulting from the antitrust violation, but also the moral damages caused
by the investigation in itself on the companies’ credibility and reputation.
KEY WORDS: antitrust – corporate law – corporate liability –
corporate officers – corporate directors – shareholders – derivative action.

Estudos em Direito da Concorrência 797


Amanda Athayde

1. INTRODUCTION

Hard core cartels are antitrust violations subject to strict scrutiny


by the public authorities as well as by the private parties. On the one
side, administrative, civil and/or criminal actions typically perform
public enforcement, depending on the jurisdiction’s legislation. On
the other side, the private enforcement can be performed in several
ways, including the private damages lawsuits against the cartelists by
the consumers harmed by the anticompetitive conduct.
Recently, possibly triggered by the public disclosure of
antitrust lawsuits and by the governments’ enforcement actions, the
shareholder derivative suits against corporate officers and directors1190
took off around the globe 1191. This type of derivative lawsuit is brought
by a shareholder of a corporation on its behalf to enforce or defend a
legal right or claim which the corporation has failed to. In the antitrust
context, the failure of the corporation to file the lawsuit may occur for
instance if the potential defendant is someone close to the company
– just as it is typically the case of the current or previous corporate

1190 For the purpose of this article, officers and directors are regarded as the ones
appointed in the company’s by-laws as responsible for carrying out the company’s day-
to-day business operations. They are elected by the General Shareholders` Meeting,
according to Article 122 (II) of the Brazilian Corporation Law: “The general meeting has
the exclusive authority: II – to elect or discharge corporation officers and auditors at any
time, subject to the provisions of item II of Section 142” and Article 132 (III): “An annual
general meeting of shareholders shall be held every year during the first four months after the
closing of the fiscal year in order: III – to elect the officers and the members of the statutory
audit committee”. They have to act as agents and trustees for the corporation, and have
the duty to act with care, loyalty, good will and diligence in all acts done on behalf of
the corporation. The officers and directors may, or not, be shareholders, as provided
in Article 146: “Individuals may be elected as members of the administrative bodies; the
members of the administrative council must be shareholders, while the directors residing in
Brazil may, or may not, be shareholders.”. Their appointment is regulated in Article 149,
as follows: “Council members and directors shall take up their appointments by signing an
instrument of appointment in the book of minutes of administrative council meetings or of
board of directors’ meetings, as the case may be.”.
1191 For instance, recently a shareholder sued Google’s holding company board in
California state court accusing company leadership of violating European antitrust
laws and breaching fiduciary duties to investors with its restrictive Android licensing
terms (Case Robert Jessup v. Larry Page et al., case number CIV538782, in the Superior
Court of the State of California, County of San Mateo).

798 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

officers and directors. Those individuals may face this type of lawsuit
by a breach of its fiduciary duties of loyalty and diligence1192, and if
the shareholder derivative suit is successful, the triumphs go to the
corporation.
Thereby, this article proposes some possible corporate causes
for action of the shareholders against the corporate officers and
directors in the case of antitrust violations. First, when the corporate
officers and directors personally practiced the antitrust wrongdoing.
Second, when the corporate officers and directors are conniving
with other officers and/or directors who practiced the antitrust
wrongdoing and fail to take action – for example, failing to apply
for leniency or settlement. Third, when the corporate officers and
directors are negligent to prevent the wrongdoing. For this purpose,
Section II presents the Japanese experience in shareholders derivative
actions in the antitrust context. Hereupon, Section III points out
some ways through which those lawsuits could be implemented in
Brazil, according to the Brazilian Corporation Act. Finally, Section IV
proposes conclusions and launches some debates.

2. THE JAPANESE EXPERIENCE ON SHAREHOLDER


DERIVATIVE ACTIONS AGAINST OFFICERS AND
DIRECTORS IN THE ANTITRUST CONTEXT

The Japanese Companies Act1193 provides in its Article 423(1)1194


that the negligent corporate officers or directors are liable to the

1192 FRAZÃO dedicates an important part of its book to develop on the duties of
loyalty and due care of the corporate officers. FRAZÃO, Ana. Função social da empresa:
repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores e administradores de S/As. 2011.
pp. 332-404.
1193 Japan. Companies Act. Act. N. 86 of July 26, 2005.
1194 Article 423(1) of the Companies Act in Japan: “(1) If a director, accounting advisor,
company auditor, executive officer or accounting auditor (hereinafter in this Section referred
to as “Officers, Etc.”) neglects his/her duties, he/she shall be liable to such Stock Company for
damages arising as a result thereof.”.

Estudos em Direito da Concorrência 799


Amanda Athayde

company for damages resulting thereof. Article 847(3)1195 gives


individual shareholders the right to file a derivative action1196 in case
the stock company does not file the appropriate action for pursuing
liability against those officers and directors for their intentional or
negligent acts.
According to RAMSEYER and NAKAZATO, derivative suits were
uncommon in Japan, but due to changes in the filling fees that apply to
those suits, they have become increasingly common.1197 In the antitrust
context, KAWAI, SHIMADA and HEIKE1198 point out that the Japanese
society and the legal and business community came to recognize the
derivative shareholder actions as one of the measures to question the
responsibility of corporations in the antitrust field. WALLE1199 describes
that traditionally the shareholders have targeted officers and directors
on the basis that they failed to prevent an antitrust violation from
occurring. In 2010, however, for the first time, shareholders claimed
that the officers and directors of a company were also negligent for not
filing a timely leniency application.1200
According to WALLE1201, around fifteen derivative suits alleging
antitrust violations have been brought in Japan, some of them being

1195 Article 847(3) of the Companies Act in Japan: “When the Stock Company does not file
an Action for Pursuing Liability, etc. within sixty days from the day of the demand under the
provisions of paragraph (1), the shareholder who has made such demand may file an Action
for Pursuing Liability, etc. on behalf of the Stock Company.”
1196 A shareholder must continuously hold a corporation’s shares for a period of six
months in order to file a derivative shareholder action.
1197 RAMSEYER, J. Mark; NAKAZATO, Minoru. Japanese law: An economic approach.
University of Chicago Press, 1999. p. 264.
1198 KAWAI, Kozo; SHIMADA, Madoka; HEIKE, Masahiro. Chapter 16. Japan. The
Private Competition Enforcement Review. 5th Ed. Law Business Research, 2012. p. 251.
Available at: <http://www.jurists.co.jp/en/publication/tractate/docs/PCER_Fifth.pdf >.
1199 SIMON VANDE WALLE. Private Antitrust Litigation in the European Union and
Japan: A Comparative Perspective. Maklu, 2013. pp. 123-126.
1200 The derivative shareholder action was filed against Sumitomo Denko, in the cartel
on optical fiber cable case. Apud KAWAI, Kozo; SHIMADA, Madoka; HEIKE, Masahiro.
Chapter 16. Japan. The Private Competition Enforcement Review. 5th Ed. Law Business
Research, 2012. p. 251. Available at: <http://www.jurists.co.jp/en/publication/tractate/
docs/PCER_Fifth.pdf >.
1201 WALLE. Idbem. p. 124, footnote 49.

800 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

rejected by the court and others resulting in settlements.1202 The


author explains that some of the typical defenses for those officers and
directors in Japan are the following. First, that they were not aware
of the conduct. Second, that they were not aware that the conduct
in question constituted a violation/the unlawfulness conduct, and
therefore its acts lacked of the requisite intent or negligence. Third,
that they did not violate the Antimonopoly Act themselves. Fourth, that
the harm suffered because of fines or surcharges was overweighed by
the profits derived from the antitrust violation.
Besides those possible defenses, two important decisions on
shareholder derivative actions regarding antitrust violations that took
place in 2014 in Japan and resulted in settlements changed landscape
of those derivative lawsuits.
In December 1st, 2010, after condemnation by the JFTC of the
optical fiber cable case, a derivative shareholder action was filed
against the directors of Sumitomo Electric for alleged negligence1203.
The shareholder claimed that the directors had acted negligently

1202 There were cases where the Japanese officers and directors decided to settle,
paying non-negligible amounts (ranging from 80 to 230 million yen), such as in the
bid-rigging cases on steel sigh-way bridge construction orders, on the construction
of a new subway line in Nagoya. WALLE. Idem. According to WEST: “Following
a 1993 reduction of filing fees, the number of shareholder derivative suits filed in Japan
has increased dramatically, creating a database from which to study litigation incentives.
This Article shows that most plaintiffs in Japan lose, few suits settle, settlement amounts
are low, and, as in the United States, shareholders do not receive direct stock price benefits
from suits. Most derivative suits in Japan, as in the United States, can be explained not
by direct benefits to plaintiffs, but by attorney incentives. But derivative suits, like most
things in life, have more than one source of causation. The residuum of suits not explained
by attorney incentives is best explained by a combination of (a) non-monetary factors such
as altruism, spite, and social concerns, (b) corporate troublemakers (sokaiya), (c) insurance,
and (d) close corporation fights. I also find that many derivative actions “piggyback” on
government enforcement actions in Japan, which, especially given the lack of information
available to shareholders and low white-collar crime enforcement rates, raises interesting
questions regarding the relationship of public and private enforcement. These findings
suggest that the difficult and messy issues of derivative suits are not unique to the relatively
“litigious” or “attorney-centered” United States, and instead simply are endemic to the
derivative suit mechanism.”. WEST, Mark D. Why shareholders sue: The evidence from
Japan. Michigan Law and Economics Research Article No. 00-010, 2000.
1203 JFTC. Optical Fiber Cable Case. Cease and Desist Orders and Surcharge Payment
Orders against Manufacturers of Optical Fiber Cable Products. Available at: <http://www.
jftc.go.jp/en/pressreleases/yearly-2010/may/individual-000021.html>.

Estudos em Direito da Concorrência 801


Amanda Athayde

because they (a) had overlooked the cartels, (b) had not established
truly effective compliance systems to prevent cartels beforehand, (c)
had not established effective compliance systems relating to leniency
applications, and (d) had not applied for leniency. The shareholders
sought payment of around 6.7 billion yen (around 630 million dollars),
which corresponded to the penalty imposed on the company by the
JFTC. 1204
A subsequent suit was brought in 2012 by shareholders against
company’s officials of Sumitomo Electric in the automotive wire
harnesses case. In that case, the shareholders alleged negligence of
the officers and directors even though the company was successfully
the leniency applicant in this case.1205 During the process, the court
issued an order to produce some of the evidence the JFTC obtained
during the investigation1206, which enhanced the shareholders claim.
Finally, in 2014, the Osaka District Court combined both
lawsuits and mediated a settlement. According to its terms, twenty-
two ex-officials agreed to recover 520 million yen (around 5 million
dollars) to the company for their negligence. This was the highest ever
settlement amount for a shareholder derivative suit in Japan, justified
by their failure to prevent and/or report the cartel activities in those
two cases.1207

1204 In this context, the Osaka District Court even ordered the JFTC to submit
documents in relation to the shareholder derivative suit. SHIMADA, Madoka; TANAKA,
Nobuhiro. The Osaka District Court orders the Japan Fair Trade Commission to submit
documents in relation to a shareholder derivative suit (Sumitomo Electric), 15 June
2012, e-Competitions Bulletin Japan Antitrust, Art. N° 72453. Available at: <http://www.
concurrences.com/Bulletin/Special-Issues/Japan/A-Japanese-district-court-orders-
72453?lang=en>.
1205 JFTC. Wire harness and related products Case. Cease and Desist Orders and
Surcharge Payment Orders to participants in bid-rigging conspiracies for automotive wire
harness and related products. Available at: < http://www.jftc.go.jp/en/pressreleases/
yearly-2012/jan/individual-000462.html>.
1206 SHIMADA, Madoka. NAKANO, Sumito. Japanese Leniency Program: issues to be
considered. CPI Antitrust Chronicle, Sept. 2015. p. 5.
1207 Nikkei Asian Review. Sumitomo Electric to get record payout from ex-officials, May
8yh, 2014. Available at: <http://asia.nikkei.com/Business/Companies/Sumitomo-
Electric-to-get-record-payout-from-ex-officials>.

802 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Given all that, derivative suits in Japan, which target corporate


directors and officers of companies for antitrust violations, started
being successful, even if by means of settlements. This scenario
brings light to some possible analogies and repercussions of this
understanding in other jurisdictions, such as in Brazil1208 and other
countries in Latin America.

3. ARE SHAREHOLDER DERIVATIVE SUITS AGAINST


OFFICERS AND DIRECTORS FOR ANTITRUST
VIOLATIONS A POSSIBLE REALITY IN BRAZIL?

In Brazil, the Corporation Law1209, in its Article 158 (I), provides


that the officer shall be personally liable to the company for losses
resulting from his acts with fault or fraud within the scope of his
authority.1210 Article 158 paragraph 1st establishes that the corporate
officer shall also exceptionally be liable for the unlawful acts of other
officers when acting in connivance with them, when neglecting to
investigate such acts or when, despite knowledge of them, fails to take
action to prevent such acts.1211
Article 159 paragraph 3rd also provides to individual shareholders
the right to file a derivative action, i.e., an action on behalf of the

1208 Brazil currently investigates those two cartel cases which were the basis for
the shareholders derivative actions in Japan. The optical fiber cable investigation:
Brazil. CADE. Administrative Proceeding (PA) No. 08012.003970/2010-10 and
08700.008576/2012-81. The wire harnesses investigation: Brazil. CADE. Administrative
Proceeding (PA) No. 08700.009029/2015-66).
1209 Brazil. Corporation Law. Law 6.404/1976.
1210 Article 186 (I) of the Corporation Law in Brazil: “An officer shall not be personally
liable for the commitments he undertakes on behalf of the corporation and by virtue of action
taken in the ordinary course of business; he shall, however, be liable for any loss caused
when he acts: I - within the scope of his authority, with fault or fraud; II - contrary to the
provisions of the law or of the bylaws.
1211 Article 158 paragraph 1st. An officer shall not be liable for unlawful acts of the other
officers, except when acting in connivance with them, when neglecting to investigate
such acts or when, despite knowledge of them, he fails to take action to prevent such
acts. A dissenting officer shall be exempt from liability when he makes his dissent to be
recorded in the minutes of a meeting of the administrative body, or, if this is.”.

Estudos em Direito da Concorrência 803


Amanda Athayde

company in case the stock company does not file the appropriate
action for pursuing liability within three months.1212 This lawsuit may
be brought even if the general meeting of the company decides not
to institute proceedings, since any shareholder representing at least
five percent of the capital may file the derivative lawsuit, according to
paragraph 4th of Article 1591213. If the damages are finally recovered, it
shall be transferred to the corporation and not to the shareholder who
initiated the suit, but the expenses incurred with the lawsuit would be
reimbursed, as provided in Article 159 paragraph 5th.1214
The article proposes that in Brazil corporate officers and
directors may face shareholders derivative suits claiming corporate
liability for antitrust violations at least in three situations.

First situation: officers and directors who personally practiced


the antitrust wrongdoing.
Assume there was a bid-rigging cartel in the construction
sector in Brazil and that the Commercial Director of the company A
– who is a corporate officer in the bylaws – agreed to fix prices and
allocate markets with companies B, C and D. The Commercial Director
personally joined the meetings and fostered the anticompetitive
agreements, leading its employees to implement the wrongdoing. An
investigation is initiated in the administrative sphere, by the Brazilian
Competition Authority, the Administrative Council for Economic
Defense (“CADE”, in its Portuguese acronym). An investigation is also
investigated in the criminal sphere, by the State and/or Federal Public

1212 Article 159 paragraph 3rd of the Corporation Law in Brazil: “Article 159. By a
resolution passed in a general meeting, the corporation may bring an action for civil liability
against any officer for the losses caused to the corporation’s property. Paragraph 3. Any
shareholder may bring the action if proceedings are not instituted within three months from
the date of the resolution of the general meeting.”.
1213 Article 159 paragraph 4th of the Corporation Law in Brazil: “Should the general
meeting decide not to institute proceedings, they may be instituted by shareholders
representing at least five per cent of the capital.”.
1214 Article 159 paragraph 5th of the Corporation Law in Brazil: “Paragraph 5. Any
damages recovered by proceedings instituted by a shareholder shall be transferred to the
corporation, but the corporation shall reimburse him for all expenses incurred, including
monetary adjustment and interest on his expenditure, up to the limit of such damages.”

804 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Prosecutors (“MP”, in its Portuguese acronym). Upon final judgment


of the case by CADE’s Tribunal1215, assume that companies A, B, C and
D are convicted, as well as all the individuals involved on behalf of the
companies. Those individuals that practiced the cartel may also face
criminal sanctions, possibly sentenced to jail time.1216 It is possible to
understand that Company A, therefore, suffered losses resulting from
the acts of its Commercial Director.
The above-mentioned Commercial Director of company A, who
practiced the antitrust wrongdoing with the intent to bid-rig, may be
held corporate liable for his acts, notwithstanding the administrative
and criminal sanctions. That is true since he personally practiced the
antitrust wrongdoing with fraud or, at least, with fault, as provided in
Article 158 (I) of the Brazilian Corporation Law. When the Commercial
Director of company A deliberately practiced an illicit conduct, it
exposed the company to damages, frontally violating the fiduciary

1215 In the administrative sphere in Brazil, article 37 of the Brazilian Competition Law
(Law 12.529/2011) states that antitrust infringements subjects the ones responsible
to the following fines, among other penalties: (i) in the case of a company, a fine of
0.1% to 20% of the gross sales of the company, group or conglomerate, in the last
fiscal year before the establishment of the administrative proceeding, in the field of
the business activity in which the violation occurred, which will never be less than
the advantage obtained, when possible the estimation thereof; (ii) in the case of the
administrator, directly or indirectly responsible for the violation, when negligence or
willful misconduct is proven, a fine of 1% to 20% of that applied to the company or
to legal entity; (iii) in the case of other individuals or public or private legal entities,
as well as any association of persons or de facto or the jure legal entities, even if
temporary, or unincorporated, which do not perform business activity, not being
possible to use the gross sales criteria, a fine between fifty thousand reais and two
billion reais. Without prejudice to the penalties set forth in Article 37 of this Law, when
so required according to the seriousness of the facts or public interest, one or more of
the penalties stated in article 38 may be imposed: publication in newsarticles of the
extracts from the conviction; ineligibility for official financing and for participation in
biddings; recommendation to the respective public agencies for compulsory license,
denial of installment payment of federal taxes, company divestiture, transfer of
corporate control, sale of assets or partial interruption of activity, the wrongdoer be
provided from carrying on trade for a period of five years, among other penalties.
1216 In the criminal sphere in Brazil, Article 4 of the Brazilian Economic Crimes Law
(Law 8.137/1990) states that the individuals face a penalty in Brazil of two to five years
of imprisonment and fines for cartel conduct.

Estudos em Direito da Concorrência 805


Amanda Athayde

duties established in Article 1551217 (Duty of Loyalty) of the Brazilian


Corporation Law.
Pursuant to VASCONCELOS1218, the duty of loyalty has a positive
and a negative perspective. The positive perspective relates to the
adoption of practices aiming to achieve company’s scope through
active behaviors. The negative perspective, by its turn, relates to the
abstention of behaviors that would be contrary or harmful to the
company’s social purpose. The author’s conclusion is that the negative
perspective plays a greater role. This article proposes that the example
of the conduct of the Commercial Director of company A represents
an infringement of this negative perspective of the duty of loyalty. He
did not absent to behave contrary to the company’s social purpose,
but instead actively performed anticompetitive acts that harmed and
caused damages to it (even though it might have been targeting profits
to the company).
This corporate liability becomes even more evident when the
Commercial Director of company A, encouraged to confess – for
example after a corporate whistleblower’s tip –, conceals its acts,

1217 Article 155 of the Corporation Law in Brazil: Duty of Loyalty “An officer shall serve
the corporation with loyalty, shall treat its affairs with confidence and shall not: I - use any
commercial opportunity which may come to his knowledge, by virtue of his position, for his
own benefit or that of a third party, whether or not harmful to the corporation; II - fail to
exercise or protect corporation rights or, in seeking to obtain advantages for himself or for
a third party, fail to make use of a commercial opportunity which he knows to be of interest
to the corporation; III - acquire for resale at a profit property or rights which he knows the
corporation needs or which the corporation intends to acquire. Paragraph 1. An officer of a
publicly held corporation shall also treat in confidence any information not yet revealed to
the public, which he obtained by virtue of his position and which may significantly affect the
quotation of securities, and shall not make use of such information to obtain any advantages
for himself or for third parties by purchasing or selling securities. Paragraph 2. An officer
shall ensure that the provisions of paragraph 1, above, are not infringed by a subordinate
or third party enjoying his confidence. Paragraph 3. Any person detrimentally affected in
a purchase or sale of securities contracted contrary to the provisions of paragraphs I and 2,
above, may demand indemnity from the person responsible for the infringement for losses
and damages, unless the person was aware of the information at the time the contract was
made. Paragraph 4 Any officer who may receive any confidential information not yet revealed
to the public shall not make use of such information to obtain any advantages for himself or
for third parties by purchasing or selling securities”
1218 VASCONCELOS, Pedro Pais de. A participação social nas sociedades empresárias.
Coimbra: Almedina, 2006. p. 205.

806 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

destroys evidences and do not collaborate with the company’s internal


investigation efforts. This situation may specially be real if he is the
Commercial Director of company A is in the Brazilian subsidiary and
the internal investigation is conducted by the head office overseas.
The Commercial Director of company A, in this scenario, is in
a strong conflict of interest with the company, potentially violating
also Article 1561219 (Conflict of Interests) of the Brazilian Corporation
Law. The Commercial Director interest is to conceal the wrongdoing,
while the company’s A interest is “clean the house”, uncover all the
wrongdoings and get back to the track of the legal practices. This
conflict of interests, eventually resulting in a lack of collaboration and
even in the implementation of some opposition acts to impair the data
gathering, may lead to the company’s A failure to successfully apply
for a marker and to execute a Leniency Agreement or a settlement that
could have been in the course of negotiations. The duties required in
a situation of conflict of interest are rolled-out from the duty of loyalty
itself.1220 Hence, when the Commercial Director is overlooking the
company’s interests and emphasizing its own personal interests, he is
in a situation of conflict of interest, which also constitutes a fraudulent
breach of the duty of loyalty.
This duty of loyalty is likewise infringed since the officers and
directors have complementary duties of transparency (full disclosure)
and information1221. Those duties are not fulfilled when the Commercial

1219 Article 156 of the Corporation Law in Brazil: Conflict of Interests “An officer shall
not take part in any corporate transaction in which he has an interest which conflicts with an
interest of the corporation, nor in the decisions made by the other officers on the matter. He
shall disclose his disqualification to the other officers and shall cause the nature and extent of
his interest to be recorded in the minutes of the administrative council, or board of directors’
meeting. Paragraph 1. Notwithstanding compliance with the provisions of this article,
an officer may only contract with the corporation under reasonable and fair conditions,
identical to those which prevail in the market or under which the corporation would contract
with third parties. Paragraph 2. Any business contracted otherwise than in accordance with
the provisions of paragraph 1, above, is voidable and the officer concerned shall be obliged to
transfer to the corporation all benefits which he may have obtained in such business.”
1220 FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil
de controladores e administradores de S/As. 2011. p. 336.
1221 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei das Sociedades Anônimas. São Paulo:
Saraiva, 2003. III. p. 331.

Estudos em Direito da Concorrência 807


Amanda Athayde

Director of company A conceals its anticompetitive acts and prevents


the company to be granted immunity or to mitigate the damages by
settling the case with the competition authority.
Therefore, in this first situation, the shareholders of company A
may bring derivative lawsuits against the Commercial Director aiming
his liability and the recovery of the losses caused to the company in
accordance with Article 158 (1) of the Brazilian Corporation Law, due
to the acts practiced with fault or fraud.

Second situation: officers and directors conniving with other


officers and/or directors who practiced the antitrust wrongdoing
and who fail to take action.
Assume once again that there was a bid-rigging cartel in the
construction sector in Brazil and that the Commercial Director of the
company A agreed to fix prices and allocate markets with companies
B, C and D. The Commercial Director personally joined the meetings
and fostered the anticompetitive agreements, leading its employees
to implement the wrongdoing. In a certain point, the Financial
Director and the Vice President, who were not directly involved in the
wrongdoing – but who are corporate officers in the bylaws –, learned
that the Commercial Director was practicing the anticompetitive
conduct of bid rigging. However, they did not take any action. They did
not either cease the Commercial Director’s conduct immediately by
means, for example, of a request of a general meeting with the board
to inform, a temporary removal or even though the dismissal of the
Commercial Director.
Those corporate officers hence implicitly allowed an antitrust
violation to develop and continue, which exposed the corporation to
enormous legal liability. They violated the duty of loyalty established in
Article 155 of the Brazilian Corporation Law, since they privileged the
the Commercial Director’ and not the corporation’s interests. In this
context, those Financial Director and Vice-President of the company
A may exceptionally be liable for the unlawful acts of other officers

808 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

because they acted in connivance with them, as provided in Article


158 paragraph 1st of the Brazilian Corporation Law.
This situation also represents a failure of the corporate officers
with the duty of loyalty, which, according to CLARK1222, is a leftover
concept, which can contain factual situations that no one could predict
or categorize. This officer’s corporate liability would be especially
interesting if the Financial Director and the Vice-President, learning
the antitrust violation, fail to consider the application of the company
for the Leniency1223 or the Settlement1224 Programs of the Brazilian
Competition Authority (CADE). It is possible to understand that if
those corporate officers had taken action immediately upon notice
of the wrongdoing, company A could have reached CADE earlier and
could have been granted full immunity in the Leniency Program or at
least a significant file reduction depending on its arrival time to apply
for a settlement1225.
Therefore, in this second situation, the shareholders of company
A may bring derivative lawsuits aiming liability and the recovery of the
losses caused to the company in accordance with Article 158 paragraph
1st of the Brazilian Corporation Law. This lawsuit would be brought not
only against the Commercial Director who personally performed the

1222 CLARK, Robert Charles. Corporate Law. New York: Aspen Law & Business, 1986.
p. 41.
1223 According to article 86, paragraph 4, of the Brazilian Competition Law (Law No.
12.529/2011) combined with article 208 of the Internal Rules of CADE, once CADE’s
Tribunal declare that the Leniency Agreement has been fulfilled, the leniency
recipients will benefit from: (i) administrative immunity under Law No. 12.529/2011,
in cases in which the Leniency Agreement’s proposal is submitted to CADE’s General
Superintendence when this authority was not aware of the reported violation; or (ii)
a reduction by one to two-thirds of the applicable fine under Law No. 12.529/2011,
in cases in which the Leniency Agreement’s proposal is submitted to the SG/CADE
after this authority becomes aware of the reported violation. For further information
on the Brazilian Guidelines on Leniency Program: <http://www.cade.gov.br/upload/
Guidelines%20CADE’s%20Antitrust%20Leniency%20Program.pdf>.
1224 According to article 85 of the Brazilian Competition Law (Law No. 12.529/2011)
combined with article, For further information on the Brazilian Guidelines on Cease
and Desist Agreement for cartel Cases: <http://www.cade.gov.br/upload/Guidelines_
TCC.pdf>.
1225 The settlement is Brazil is called TCC, which is the Portuguese acronym for
“Termo de Compromisso de Cessação”, i.e., Cease and Desist Agreement.

Estudos em Direito da Concorrência 809


Amanda Athayde

wrongdoing (first situation), but also against the Financial Director and
the Vice-President who were conniving with the Commercial Director
and who did not take any action upon notice of the anticompetitive
practice (second situation).

Third situation: officers and directors negligent to prevent the


wrongdoing.
Assume once more that there was a bid-rigging cartel in the
construction sector in Brazil and that the Commercial Manager of the
company A agreed to fix prices and allocate markets with companies
B, C and D. The Commercial Manager personally joined the meetings
and fostered the anticompetitive agreements. The Commercial
Director, the Vice President and the President – who are corporate
officers in the bylaws –, during the bidding process, received follow up
information about the phases and results by this Commercial Manager.
Even though they did not participate personally on the illegal acts nor
did they specifically knew about the wrongdoing, they recognized
the possibility that this employee was performing anticompetitive
conduct and neglected the fact. This would also be the case when,
for example, of the Ombudsman Director of company A receives an
anonymous complaint from an employee exposing the misconduct of
the Commercial Manager and decides to turn a blind eye on the fact,
without further investigation on the issue. Those corporate officers
acted with negligence in finding out the misconduct and failed to
prevent the antitrust violation, which expose the company to severe
sanctions in the antitrust field.
In this situation, the Commercial Director, Vice President,
President, or even the Ombudsman Director of the company A may
exceptionally be liable for the unlawful acts of other officers because
they were negligent, as provided in Article 158 paragraph 1st of the
Brazilian Corporation Law.

810 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

This negligence would represent a violation of the duty of


diligence, required in 1531226 (Duty of Diligence) of the Brazilian
Corporation Act. In relation to the duty of diligence, the standard
required from the officers are higher than the one of a bonus pater
familias, and is intrinsically related to the social interest of the company,
inclusively in what concerns the social role of the company.1227 It is
clear that the purpose of the companies is to obtain profits – and that a
cartel may enhance, at least temporarily raise those profits. However,
the social role of the company also determines that the officers have to
balance this purpose with other interests involved in the execution of
the company’s activities, not causing unjustifiable or disproportionate
damages. The duty of diligence, hence, is related primarily to the
general duty of respect and prevention of danger, according to
MENEZES CORDEIRO.1228 By fixing prices and allocating markets with
its competitors, the Commercial Manager of company A offended the
social role of the company and violated the duty of diligence.
Additionally, a lack of diligence would be apparent when the
corporate officers of company A, after a condemnation by CADE of
a bid-rigging cartel in the construction sector, fails to implement a
corporate compliance program, which ends up in another cartel in
the energy sector, for instance. The implementation of a surveillance,
supervision and investigation system would be required by the duty
of diligence of the officers, according to COUTO SILVA – which would
have failed in the mentioned situation. The author also argues that
the offices have to take an active attitude towards the company,
monitoring the activities and the information in a way to assure that
the shareholders rights are not being violated by the lower instances

1226 Article 153 of the Corporation Law in Brazil: Duty of Diligence. “In the exercise of
his duties, a corporation officer shall employ the care and diligence which an industrious and
honest man customarily employs in the administration of his own affairs.”
1227 DÍAZ ECHEGARAY, José Juis. Deberes y Responsabilidad de los Administradores de
Sociedades de Capital. Elcano (Navarra): Editorial Aranzadi: 2006. p. 118. Apud FRAZÃO,
Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil de controladores
e administradores de S/As. 2011. p. 352.
1228 CORDEIRO, Antonio Menezes. A lealdade no direito das sociedades. 2007.

Estudos em Direito da Concorrência 811


Amanda Athayde

of the company.1229 In this path, the duty of diligence also prohibits


the adoption of a “calculated infringement”1230, which could be the
defense argument that the cartel was “calculated” to bring more
profits than damages. A failure to implement an adequate compliance
program within company A, even after the first fine imposed by CADE
and in a sector which favors collusive behaviors, resulted in losses for
company A, which were a result of the officers acts with negligence.
According to POSNER, the danger of mismanagement
(negligence) is less serious than that the danger that the managers
will not deal fairly with the shareholders (disloyalty).1231 In a scale of
gravity, a violation of the duty of loyalty would be more detrimental
than a violation of the duty of diligence. Considering the situations
presented of this article, this article proposes the following scale
of gravity. The first and the second situations represent the lack
of loyalty of the officers and directors and are the worst cases – (1)
personally practicing the antitrust wrongdoing and (2) conniving and
failing to take action when taking notice of the violation. The third
situation represents the lack of diligence and is less painful – (3) by the
negligence to prevent the anticompetitive illicit.
This lack of diligence is subject to the analysis of the “business
judgment rule”1232 standard (established in Article 1591233 §6o of the
Brazilian Corporation Law), which does not apply to the lack of the

1229 SILVA, Alexandre Couto. Responsabilidade dos administradores de S/A. Business


judgement rule. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, 252.
1230 FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil
de controladores e administradores de S/As. 2011. p. 358.
1231 POSNER, Richard A. Economic Analysis of Law. New York: Aspen Law & Business,
1988. p. 452.
1232 The BJR creates a presumption that corporate officers and directors “acted on an
informed basis, in good faith and in the honest belief that the action taken was in the
best interests of the company [and its shareholders]. In re Walt Disney Co. Derivative
Litig., 907 A.2d 693, 747 (Del. Ch. 2005).
1233 Article 159(6) of the Corporation Law in Brazil: “By a resolution passed in a general
meeting, the corporation may bring an action for civil liability against any officer for
the losses caused to the corporation’s property. (…) Paragraph 6. A judge may excuse the
officer from liability, when convinced that he acted in good faith and in the interests of the
corporation.”

812 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

duty of loyalty. According to the “business judgment rule”, there is a


presumption that the officers take their decisions in an informed basis
with good faith and in an honest belief that its acts are taken in the
best interest of the company. In addition, there is the understanding
that the corporate officers and directors decisions are unsusceptible of
judicial review, expect if the motivation was fraud, conflict of interests,
illegality and gross negligence.1234 The purpose of this “business
judgment rule”, therefore, is to overcome the difficulties to evaluate
ex post the diligence in the acts of the officers. It provides a shift on
the analysis from the right or wrong parameter to the reasonableness
of the decision-making process, which protects decisions made based
on due information and counselling. This mitigation on the duty of
diligence analysis provides, hence, greater prominence to the duty of
loyalty1235.
In the view of this article, the implementation of a strong
compliance program within the company may be a major asset for the
loyal and diligent officers and directors to rebut claims on a derivative
shareholder action arising from antitrust violations. The stronger is the
adoption of a compliance program, the stronger is the argument that
they were not negligent to prevent such wrongdoings. Additionally,
the fact that the officers and directors had special counselling1236 when
faced with a situation of an antitrust violation may appoint to the
fulfillment of the duty of diligence required in the Brazilian legislation.
To the present day, there is no known precedents in Brazil
of shareholders derivative actions against corporate officers and/
or directors in the antitrust context, which may be inspired by the
experience around the globe.

1234 CLARK, Robert Charles. Corporate Law. New York: Aspen Law & Business, 1986.
p. 123-124.
1235 The lack of the duty of loyalty is subject to a full analysis of the merits of the
officer’s acts. According to NUNES. NUNES, Pedro Caetano. Responsabilidade civil dos
administradores perante os accionistas. Coimbra: Almedina, 2001. p. 24.
1236 RIBEIRO, Renato Ventura. Dever de diligência dos administradores de sociedades.
São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 227.

Estudos em Direito da Concorrência 813


Amanda Athayde

4. CONCLUSION

The shareholders derivative action against officers and


directors due to antitrust violations is a novel feature available for the
accountability of the corporate individuals liable for the infringement.
In Japan there have already been some successful cases resulting
in settlements. Those derivative shareholders lawsuit benefited the
company through the reimbursement of the fines already paid by
officers and directors.
This article proposes a first situation in Brazil in which officers
and directors may face shareholders derivative suits claiming
corporate liability for antitrust violations: when they personally
practiced the antitrust wrongdoing. That would be a breach of the
fiduciary duty of loyalty required by the officers, established in Article
155 of the Brazilian Corporation Act. This would be aggravated when
the corporate officer fails to cooperate with the company’s internal
investigation, conceals documents and impairs data gathering to prove
the collusive agreement, resulting, for example, in the failure for the
company to execute a Leniency Agreement or a settlement with the
Competition Authority. The officers and directors liability would be in
accordance with Article 158 (1) of the Brazilian Corporation Act, since
the acts are performed with fault or fraud.
This article proposes a second situation in Brazil in which
officers and directors may face shareholders derivative suits claiming
corporate liability for antitrust violations: when they are conniving
with other officers and/or directors who practiced the antitrust
wrongdoing and fail to take action. That would also be a breach of the
fiduciary duty of loyalty required by the officers, established in Article
155 of the Brazilian Corporation Act. The failure to take action would be
a evident when the officers who learned the anticompetitive conduct
by another colleague did not take the appropriate actions. This would
be aggravated if the officers, upon notice of the antitrust violation,
fail to timely act and reach the Competition Authority to apply for a

814 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

marker of Leniency or Settlement. If they had done so, they would


had granted the company with full immunity or at least a significant
reduction of the applicable fines, resulting in losses to the corporation.
The officers and directors liability would be in accordance with Article
158 paragraph 1st of the Brazilian Corporation Act, since the acts are
characterized as connivance and/or fail to take action.
This article proposes a third situation in Brazil in which officers
and directors may face shareholders derivative suits claiming
corporate liability for antitrust violations: when they are negligent
to prevent the wrongdoing. That would be a breach of the fiduciary
duty of diligence required by the officers, established in Article 153
of the Brazilian Corporation Act. The officers may have failed to take
an active attitude towards the company, monitoring the activities and
the information in a way to assure that the shareholders rights are not
being violated by the lower instances of the company. However, this
lack of diligence is subject to the analysis of the “business judgment
rule”, which protects decisions made bases on due information and
counselling. The officers and directors liability would be in accordance
with Article 158 paragraph 1st of the Brazilian Corporation Act, since
the acts are characterized as negligence.
In summary, the three situations proposed can be expressed in
this charter:

Estudos em Direito da Concorrência 815


Amanda Athayde

Situations in Brazil in which officers and directors may face sharehold-


ers derivative suits claiming corporate liability for antitrust violations:

(i) when they Failure on Liability ac-


personally prac- the Duty cording to
ticed the antitrust of Loyalty Article 158 (I)
wrongdoing (Article 155)

(ii) when they are Failure on Liability accor-


conniving with other the Duty ding to Article
officers and/or di- of Loyalty 158 paragraph 1st
rectors who prac- (Article 155)
ticed the antitrust
wrongdoing and
fail to take action

(iii) when they are Failure on Liability accord- Subject to the


negligent to prevent the Duty of ing to Article 158 “business judgment
the wrongdoing Diligence paragraph 1st rule” standard
(Article 155)

Some debates may emerge when quantifying those damages


claimed by the shareholders. Typically, the lawsuit could target the
actual damages and the ceased profit resulting from the anticompetitive
practice, as established in Articles 9271237, 1861238 and 1871239 of the Civil
Code. By demanding actual damages, the shareholders may target, for
example, the reimbursement of the antitrust penalties already paid by
the company to CADE. In addition, by demanding ceased profits, the
shareholders may target the compensation for the profits lost during
the period an eventual suspension to participate in the biddings, if that

1237 Article 927 of the Brazilian Civil Code. “Art. 927. If a party, through an unlawful act
(articles 186 and 187), causes a damage to another party, he is obliged to pay compensation.
Sole paragraph. There will be a duty to compensate, irrespective of negligence, when
specifically stated by the law, or when the activity performed by the party who caused the
damage implies, by its nature, a certain risk to third parties”.
1238 Article 186 of the Brazilian Civil Code. “He who by voluntary action or omission,
negligence or recklessness, violate law and harm others, even if only moral, commits an
unlawful act.”.
1239 Article 187 of the Brazilian Civil Code. “It also commits an unlawful act the holder
of a right that, in practice it clearly exceeds the limits imposed by their economic or social
order, good faith or in morals. To use a power, right harm someone brings legal effect as a
duty to indemnify.”.

816 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

was one of the penalties imposed. This case would be especially sharp
if the shareholders, pursuant to above-mentioned Article 187, allege
that the officer or director violated the economic order and exceeded
the limits imposed by the social function of the company1240, embodied
with the understanding that the company not only is imposed by
limitations and abstentions, but also has duties and obligations due to
its social independence.1241
The shareholders may as well claim moral damage. According
to Article 52 of the Brazilian Civil Code, the rights of personality are
applicable, insofar as appropriate, to the legal entities the protection
of the person. The Brazilian Superior Court of Justice (“STJ” in its
Portuguese acronym) also prescribes, in the Summary Statement 227,
that the legal entity may suffer moral damage. FRAZÃO argues that it is
unequivocal that an act of disloyal management violates the company’s
credibility.1242 Considering the fact that an antitrust condemnation in
Brazil made by CADE’s Tribunal is public and attracts great media
attention, the notice that the company was convicted and sentenced
to pay severe fines represents a significant damage to the company’s
reputation. It would be feasible for the companies’ shareholders in
Brazil to target the officers and directors for the moral damages caused
due to the antitrust violation.
In conclusion, corporate officers and directors in Brazil should
be personally concerned with the antitrust violations in its company.
Not only because of the administrative and criminal prosecution,
but also due to their possible corporate liability as provided in the
Brazilian Corporation Act (Law 6404/1976).

1240 COMPARATO, Fábio Konder. Estado, empresa e função social. Revista dos
Tribunais, v. 732, p. 38-46, 1996.
1241 FRAZÃO, Ana. Função social da empresa na Constituição de 1998. Revista Direito,
Estado e Sociedade, n. 29, 2014.
1242 FRAZÃO, Ana. Função social da empresa: repercussões sobre a responsabilidade civil
de controladores e administradores de S/As. 2011. p. 342.

Estudos em Direito da Concorrência 817


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

DISCOVERY, LENIÊNCIA, TCC E PERSECUÇÃO PRIVADA


A CARTÉIS: TOO MUCH OF A GOOD THING?

Publicado original mente em: Revista do IBRAC, v. 22, n. 2, 2016.

Amanda Athayde

Andressa Lin Fidelis

Resumo: O presente trabalho visa a ponderar se a crescente


persecução privada a cartéis no Brasil se tornará “too much of a good
thing”, a ponto de prejudicar os Programas de Leniência e de TCC do
Cade, consistentes em instrumentos da persecução pública a cartéis.
Para tanto, centra-se o estudo nas melhores práticas internacionais dos
Estados Unidos, União Europeia, Canadá e Austrália com relação as
regras de acesso às informações e documentos oriundos de acordos de
leniência e plea agreements, bem como da jurisprudência do Cade e dos
tribunais brasileiros com relação ao tema. Ao final, são apresentadas
propostas infralegais para se encontrar o ponto ótimo na articulação
entre private e public enforcement no Brasil. Estas propostas foram
colocadas em discussão pública pelo Cade em dezembro de 2016, na
forma de uma minuta de Resolução (Consulta Pública nº 05/2016).
Palavras-chave: cartel, acordo de leniência, termo de
compromisso de cessação (TCC), ação privada de reparação,
persecução pública, danos concorrenciais, acesso a documentos.
Abstract: This research aims to consider if the growing trend
related to private enforcement in cartel cases in Brazil would become
“too much of a good thing”, negatively harming the public enforcement,
remarkably through Cade`s Leniency and TCC Programs. The highlight
is on the study of the United States, European Union, Canada and
Australian best practices concerning the discovery rules to immunity/
leniency/plea agreement materials, as well as Cade`s case law and
national jurisprudence on this matter. Finally, this research proposes a
normative solution to find an optimal point in the interaction between

Estudos em Direito da Concorrência 819


Amanda Athayde

private and public enforcement in Brazil. Those proposals were taken


into public discussion by Cade on December 2016, through a draft
Resolution (Public Consultation nº 05/2016).
Keywords: cartel, leniency agreement, cease-and-desist
agreement, private enforcement, public enforcement, antitrust
damages, discovery.

INTRODUÇÃO

Os Acordos de Leniência e os Termo de Compromisso de


Cessação (TCCs) negociados pelo Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) representam os principais pilares da persecução
pública aos cartéis no Brasil (“public enforcement”)1243. De modo
contundente no exterior, ainda que incipiente no Brasil, verifica-se a
tendência crescente de persecução privada a tais condutas, por meio
do ajuizamento de ações civis de reparação por danos concorrenciais
(“private enforcement”). Na esteira do que se observa nos Estados
Unidos (EUA), onde o enforcement privado ocupa papel preponderante
(HOVENKAMP, 2011), as ações privadas de reparação por danos
concorrenciais veem sendo objeto de recentes discussões em fóruns
internacionais (ICN, 2007 e OCDE, 2015) e de alterações legislativas,
tais como na Áustria (2012), Alemanha (2012), União Europeia (UE)
(2015) e Reino Unido (2015).
Recentemente, Brent Snyder do Departamento de Justiça dos
EUA (DOJ) foi questionado sobre as eventuais dificuldades enfrentadas
por empresas proponentes de acordos de leniência em decorrência
do proliferamento de jurisdições e de programas de leniência em
múltiplas jurisdições. Ter-se-ia chegado a um cenário de “too much

1243 A persecução de cartéis e outras condutas anticompetitivas pode ser dividida


em pública (public enforcement) e privada (private enforcement). Enquanto a primeira
é desempenhada pelas autoridades de defesa da concorrência e, eventualmente, por
outros órgãos públicos de investigação, apresentando, em regra, caráter dissuasório e
punitivo, a segunda é desempenhada pelo Poder Judiciário quando chamado a ressarcir
consumidores eventualmente lesados por danos concorrenciais, apresentando, em
regra, caráter compensatório.

820 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

of a good thing”? 1244 Analogamente, este artigo analisa o aumento da


persecução privada a cartéis, indagando se esse enforcement privado
teria se tornado também “too much of a good thing”, de modo a
prejudicar o enforcement público e a persecução antitruste como um
todo. A nosso ver, não se tem (pelo menos ainda) tal excesso no Brasil,
sendo que o principal desafio é justamente encontrar o ponto ótimo
na articulação entre a persecução pública e privada aos cartéis.
A premência desse debate no Brasil pode ser ilustrada pela
recente decisão – ainda não transitada em julgado e sem efeitos
erga omnes – proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em
11 de março de 2016, no bojo de uma ação privada de reparação
por danos concorrenciais fundamentada na investigação do cartel
dos compressores (2016). A nosso ver, trata-se da versão brasileira
da decisão Pfleiderer (2011) na União Europeia (UE)1245. Em ambas,
a discussão centra-se na ponderação entre as ações privadas de
reparação por danos concorrenciais vis a vis os programas de
colaboração antitruste, especificamente sobre conferir ou não o
acesso aos materiais (informações e documentos) apresentados em
sede de “leniency programmes”, ou seja, dos Programas de Leniência e
de TCC no Brasil.
O presente artigo propõe alternativas infralegais que
possibilitem harmonizar a persecução pública e privada de cartéis no
Brasil de forma a manter a atratividade dos Programas de Leniência
e TCCs do Cade, e, ao mesmo tempo, fomentar as ações privadas de
reparação por danos concorrenciais, por meio da estipulação de regras

1244 O título do artigo alude ao discurso de Brent Snyder, Procurador-Geral Adjunto do


DOJ, intitulado “Leniency in Multi-Jurisdictional investigations: Too Much of a Good
Thing?” (Chicago, 2015), disponível em https://www.justice.gov/sites/default/files/atr/
legacy/2015/06/30/315474.pdf.
1245 Em 2008, a autoridade da concorrência da Alemanha condenou um cartel de
fabricantes de papel. Posteriormente, a empresa Pfleiderer teve seu pedido de acesso
aos materiais da leniência negado em primeira instância recorrendo ao Tribunal de
Bonn, o qual encaminhou o processo em consulta para a manifestação do TJUE, o
qual decidiu que caberia às cortes nacionais, com base na legislação de cada Estado
Membro, ponderando as ações privadas de ressarcimento por danos concorrenciais
vis a vis o programa de leniência, conferir ou não o acesso de tais materiais.

Estudos em Direito da Concorrência 821


Amanda Athayde

de acesso às informações e documentos oriundos de tais acordos.


Trata-se da busca em encontrar o ponto ótimo na articulação entre a
persecução pública e privada aos cartéis. Para tanto, a Seção 2 mapeia
a experiência internacional em relação ao acesso de informações e
documentos oriundos de programas de leniência no âmbito das ações
privadas de reparação por danos concorrenciais. A Seção 3 analisa a
jurisprudência do Cade e recentes decisões judiciais acerca do acesso
a tais materiais. Na Seção 4 serão apresentadas propostas das autoras
sobre as regras de acesso no Brasil, cuja versão completa consta na Nota
Técnica 24/2016/Chefia GAB-SG/SG/CADE (que resultou na aprovação
da Consulta Pública de Resolução nº 05/2016 pelo Tribunal do Cade
em dezembro de 2016)1246. Por fim, a Seção 5 enunciará conclusões e
desafios correlatos.

1. EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL SOBRE


ACESSO AOS MATERIAIS DE LENIÊNCIA

1.1 DA EXPERIÊNCIA NORTE-AMERICANA

Nos Estados Unidos, as ações privadas de reparação por danos


concorrenciais representam cerca de 90% do enforcement antitruste
no país (JONES, 2016) e são ajuizadas independente da condenação
no processo criminal (CONNOR, 2012). O difundido uso dessas ações
é explicado, em larga medida, pelo amplo discovery 1247, dentre outros

1246 Para acesso às propostas e ao documento integral da Nota Técnica 24/2016/


Chefia GAB-SG/SG/CADE sugere-se acesso: <http://www.cade.gov.br/cade-submete-
a-consulta-publica-resolucao-sobre-procedimentos-de-acesso-a-documentos-
provenientes-de-investigacoes-antitruste>.
1247 Discovery se refere a um conjunto de dispositivos processuais empregados por
uma parte em um processo civil ou criminal, na fase de produção de provas, com o
objetivo de demandar a parte contrária a divulgação de informação essencial para
a formação da causa de pedir da parte requerente e que apenas a parte adversa tem
conhecimento ou possui. Ver Federal Rules of Civil Procedure, Title 28 of the U.S. Code.

822 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

fatores incentivadores1248. Os seguintes diplomas legais geralmente


se aplicam à questão do discovery nos EUA: (i) Lei de Livre Acesso à
Informação (“FOIA”1249); (ii) Regras Federais do Processo Criminal
(“FRCP”1250); e (iii) Regras Federais do Processo Civil (“FDCP”1251). Tais
diplomas preveem, ao menos, três exceções à regra geral de amplo
acesso aos documentos e informações: o sigilo investigativo, o sigilo
do informante e a informação privilegiada.
Nos termos do FOIA, qualquer cidadão tem o direito de acesso aos
arquivos de agências federais, exceto, por exemplo, se tal divulgação
puder interferir na condução do processo investigativo. Aplicando-
se a FOIA no escopo de eventuais ações privadas de reparação por
danos concorrenciais, o DOJ pode se opor à apresentação de materiais
oriundos de leniência e plea agreements1252 se houver investigação
criminal em curso, fundamentado seu pedido nos sigilos investigativo
e do informante. Para tanto, o DOJ comumente se vale do recurso
processual conhecido como “discovery stay”1253. Trata-se de pedido civil
de suspensão do processo civil até que se conclua os procedimentos

1248 Sobre as causas do difundido uso das ações privadas de ressarcimento por
danos concorrenciais nos EUA, soma-se, além do amplo discovery, o treble damages
(ressarcimento triplicado por danos concorrenciais), a responsabilidade solidária dos
autores da conduta anticompetitiva, bem como a existência de prazos prescricionais
favoráveis aos autores das ações, as quais apresentam caráter compensatório e
punitivo.
1249 Freedom of Information Act, 5 U.S.C., § 552. Disponível em: https://www.justice.
gov/sites/default/files/oip/legacy/2014/07/23/foia-final.pdf (acessado em 30.08.2016).
1250 Federal Rules of Criminal Procedure. Disponível em: https://www.
federalrulesofcriminalprocedure.org (acessado em 30.08.2016).
1251 Federal Rules of Civil Procedure. Disponível em: https://www.
federalrulesofcivilprocedure.org/frcp/ (acessado em 30.08.2016).
1252 Plea agreements são acordos disponíveis para as partes que não puderam celebrar
o acordo de leniência total com o DOJ. Ver Scott Hammond (DOJ) em sessão do Comitê
de Concorrência da OCDE, disponível em https://www.justice.gov/atr/speech/us-
model-negotiated-plea-agreements-good-deal-benefits-all.
1253 Discovery stay é o instrumento processual solicitado pelo DOJ para proteger
a integridade das investigações sobre prática de cartel. O stay pode ser referente a
documentos ou para colheita de depoimentos, sendo que os do segundo tipo costumam
ter longos períodos de duração. Ver Lerner, K. e Friedman, E. (2014).

Estudos em Direito da Concorrência 823


Amanda Athayde

investigativos, tais como as colheitas de depoimentos e provas1254, o


qual é, em regra, deferido pelos tribunais norte-americanos (MILLER,
et al., 2010). Com o “stay”, permite-se a priorização temporária da
persecução pública da conduta anticompetitiva, pelo menos até o
término das investigações do DOJ (LUI, et al., 2008; e SCHWARTZ,
2014)1255.
Por sua vez, as regras criminais do FRCP estipulam que o DOJ
deve disponibilizar quatro1256 categorias de informações e documentos
ao réu da ação penal1257, o que inclui materiais de leniência. Não há
obrigação de discovery, porém, com relação a relatórios, memorandos
ou outros documentos governamentais internos elaborados pelo DOJ
em relação à investigação (FRCP 16.2). Este acesso não é conferido
a terceiros, mas apenas ao réu, que deve manter o dever de sigilo e
usar tais informações estritamente para fins de defesa no processo
criminal, garantido o pedido de “protective order”1258. Ocorre que,
apesar desse regramento, cerca de 90% das investigações criminais
de cartel realizadas pelo DOJ são objeto de acordo e não chegam

1254 Sobre esse tema, o Antitrust Division Manual, disponível em http://www.justice.


gov/atr/file/761166/download.
1255 Esse instrumento foi utilizado, por exemplo, nos casos de cartéis envolvendo
DRAM, LCD e CRT/CPT, em que o DOJ logrou suspender o processo por 6 (seis) meses
ou mais.
1256 Tais informações e documentos se dividem em quatro categorias (artigo 16 e 26.2
do FRCP): (i) informações e documentos sobre o réu; (ii) informações e documentos
de defesa (“exculpatory information”), i.e., qualquer prova favorável ao réu; (iii)
informações e documentos sobre possível contestação da testemunha (“impeachment
information”); e (iv) declarações feitas pelas testemunhas ou de acusação que tenham
relação com a matéria. Para mais informações ver http://www.justice.gov/dag/
memorandum-department-prosecutors.
1257 Em regra, a persecução criminal de carteis nos EUA se inicia com uma fase
investigativa preliminar no âmbito do “grand jury”, na qual o DOJ busca elementos
probatórios suficientes para, posteriormente, requerer a condenação criminal do
autor do cartel no Judiciário, e na qual opera o sigilo absoluto (secrecy). Se os cidadãos
que compõe o grand jury vislumbrarem elementos probatórios suficientes (“probable
cause”), o DOJ leva o caso ao tribunal criminal. Quando o processo criminal chega a
júri, as sessões e decisões são, em regra, públicas. Ver U.S. Attorneys’ Manual (“USAM”),
disponível em: http://www.justice.gov/usam/usam-9-11000-grand-jury.
1258 As partes podem ajuizar pedido de proteção das evidências de modo a restringir
o alcance do discovery.

824 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

a julgamento1259, de modo que a divulgação de tais documentos e


informações no âmbito do processo criminal, apesar de possível, é
pouco frequente na experiência norte-americana.
Finalmente, segundo as regras civis do FDCP, há amplo acesso,
exceto às informações consideradas “privileged”1260. No âmbito das
ações privadas de reparação por danos concorrenciais, os tribunais
norte-americanos buscam ponderar o dever de proteção da
confidencialidade do material da leniência com as amplas garantias
de discovery. Se solicitado pelo tribunal, diferentemente do que
geralmente ocorre em jurisdições de civil law, o réu da ação, seja o
beneficiário do acordo de leniência, seja qualquer coautor da conduta
anticompetitiva, tem o dever legal de disponibilizar documentos
e informações relevantes para embasar a pretensão indenizatória
dos consumidores supostamente lesados. Se o acesso se refere a
materiais estrangeiros, porém, a jurisprudência vem favorecendo o
sigilo investigativo de outras jurisdições1261. Ilustrativamente, no caso
Air Cargo (2011)1262, o juiz norte-americano recusou-se a ordenar a
divulgação dos documentos de leniência que constavam do processo
investigativo da Comissão Europeia, entendendo que a divulgação
prejudicaria os interesses soberanos e a política pública da UE. Por
sua vez, se o acesso vem do exterior para o DOJ, somente mediante
waiver1263 há disponibilização das informações e documentos derivados
de acordos de leniência e plea agreements.

1259 Ver Jones Day Commentary “Federal Jury Returns Verdicts in Rare Price-Fixing
Trial of Global Liquid-Crystal Displays Conspiracy” (Abril, 2012), http://www.jonesday.
com/federal_jury_returns_verdict/.
1260 Considera-se “privileged” informações referentes a determinadas comunicações
entre cliente e advogado, bem como documentos de trabalho elaborados pelos
advogados do próprio DOJ e pelos advogados dos proponentes do Acordo de Leniência
ou plea agreement.
1261 In re Rubber Chems. Antitrust Litig. 486 F. Supp. 2d 1078, 1080 (N. D. Cal. 2007).
1262 Air Cargo Shipping Services Antitrsut Litigation No. MD-06-1775 (E.D.N.Y. Dec. 19,
2011).
1263 Ver Antitrust Division Manual, pág. III-101.

Estudos em Direito da Concorrência 825


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1.2 DA EXPERIÊNCIA EUROPEIA1264

O enforcement privado na União Europeia (EU), diferentemente


dos EUA, até bastante recentemente vinha apresentando papel pouco
expressivo (JONES, 2016; Comissão Europeia, 2013). Antes de 2014, na
ausência de uma norma supranacional que regulasse especificamente
o acesso a materiais de leniência, o Tribunal de Justiça da União
Europeia (TJUE) formou jurisprudência acerca do tema. No caso
Pfleiderer1265 (2011), a questão colocada era se os tribunais nacionais
poderiam conceder acesso, em ações privadas de reparação por
danos concorrenciais, aos documentos recebidos pelas autoridades
antitruste nacionais (NCAs) em Acordos de Imunidade e Leniência.
Até então, a Comissão Europeia vinha adotando a posição de que estes
materiais não poderiam ser objeto de discovery, sob pena de prejudicar
o Programa de Leniência europeu1266. O TJUE, todavia, decidiu que
caberia às cortes nacionais, com base na legislação de cada Estado
Membro, uma análise casuística ponderando as ações indenizatórias
vis a vis a atratividade do programa de leniência, para então conferir ou
não o acesso de tais materiais às partes potencialmente prejudicadas.
Nos casos que se seguiram, a jurisprudência se dividiu (MACHADO,
2015)1267.

1264 Embora países europeus possuam experiências interessantes acerca do tema,


optou-se por relatar apenas as regras da UE, tendo em vista que a Diretiva 2014/104/UE
deve ser implementado até dezembro de 2016 em todos os Estados Membros.
1265 Caso C-360/09, Pfleiderer AG v Bundeskartellamt (2011) ECR I-05161.
1266 Segundo o parecer do Advogado Geral, os documentos produzidos para o acordo
de leniência e aqueles preexistentes ao acordo, mas que foram entregues à autoridade
antitruste, deveriam receber tratamento distinto. Para Mazák, somente a segunda
categoria seria sujeita ao discovery. Em relação aos documentos produzidos para o
acordo de leniência, opinou o seu acesso por parte de terceiros prejudicados deveria
ser vedado de forma a garantir a integridade do programa de leniência.
1267 Cases T-437/08, Cartel Damage Claim Hydrogene Peroxide Cartel Damage Claims v
Commission (Tribunal Geral, 2011); HC08C03243, National Grid v. ABB (Suprema Corte
do UK, 2012); T-344/08, EnBW Energie Baden-Württemberg v Commission (Tribunal
Geral, 2012); C-365/12P, Commission v EnBW Energie Baden-Württemberg AG (TJUE,
2014); E-5/13 DB Schenker v EFTA Surveillance Authority (Corte EFTA, 2014).

826 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

A incerteza jurídica resultante do caso Pfleiderer levou a Comissão


Europeia a buscar uma solução normativa para proteger a eficácia do
seu programa de leniência na alteração do marco regulatório: a Diretiva
de 2014 da UE1268. No que tange às regras de acesso aos documentos e
informações de Acordo de Imunidade e Leniência na União Europeia,
o art. 5º sobre “Divulgação de Elementos de Prova” estabelece, como
regra geral, que os tribunais nacionais têm a prerrogativa de ordenar a
divulgação de elementos de prova, desde que autor tenha apresentado
um pedido considerado plausível, razoável e fundamentado. Os
tribunais nacionais devem então declarar tal pedido “proporcional”,
ou seja, devem considerar tanto os interesses da requerente da
informação, quanto os da parte demandada1269. Ademais, o art. 6º
ao estabelecer três níveis de proteção, quais sejam: (i) proteção total
(“black list”); (ii) proteção temporária (“grey list”); e (iii) sem proteção
necessária (“white list”).
A categoria de (i) proteção total (“black list”) abarca as declarações
de caráter voluntário e autoincriminatórias de uma pessoa física
ou jurídica participante de um cartel com vistas a obter imunidade
ou leniência (“leniency statements”1270) ou outro acordo (“settlement

1268 “Directive on Antitrust Damages Actions”, Diretiva 2014/104/EU, disponível em: http://
eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014L0104&from=DE.
As principais alterações abordaram, dentre outros temas: (a) acesso a evidências;
(b) a responsabilidade solidária ou individual; (c) os prazos prescricionais; (d) o
instrumento de defesa dos compradores indiretos chamado “passing on defense”; (e) a
quantificação do dano; (f) a responsabilização consensual das disputas; e (g) o efeito
das decisões locais.
1269 Segundo os critérios estabelecidos pelo art. 5º da Diretiva da Comissão Europeia,
os tribunais, ao avaliarem um pedido de acesso a materiais de prova, devem considerar:
(i) a medida em que o pedido de indenização é fundamentado em factos e elementos
de prova que justificam o pedido de divulgação dos elementos de prova; (ii) o âmbito
e os custos da divulgação, em especial para os terceiros interessados; e (iii) se os
elementos de prova cuja divulgação é requerida contêm informações confidenciais,
em especial no que respeita a terceiros e quais os procedimentos adotados para
proteger tais informações confidenciais.
1270 Cf. artigo 2(16) da Diretiva: “leniency statement” é qualquer comunicação oral ou
escrita apresentada voluntariamente por uma empresa ou uma pessoa singular, ou em
seu nome, a uma autoridade da concorrência, ou um registo dessa comunicação, que
descreve as informações de que essa empresa ou pessoa singular tem conhecimento
sobre um cartel e o papel que a mesma nele desempenha, elaborada especificamente

Estudos em Direito da Concorrência 827


Amanda Athayde

submissions”). Nos termos da Diretiva, tais documentos não podem


ser divulgados em qualquer hipótese, ainda que sob ordem judicial,
ainda que encerradas as investigações da autoridade. Isso porque tais
documentos apenas existem ou foram obtidos em decorrência do
programa de leniência europeu e exporiam excessivamente a empresa
que colaborou com as investigações, prejudicando os incentivos ao
public enforcement europeu.
Já a categoria (ii) proteção temporária (“grey list”) abrange
documentos e informações preparados no âmbito da investigação e
trocados entre a autoridade da concorrência e as partes investigadas
no curso do processo. São, por exemplo, respostas a pedidos de
informação, statements of objections1271 e análises preliminares da
Comissão. Mediante ordem judicial, tais documentos podem ser
divulgados após a Comissão ou a NCA ter proferido decisão final
sobre o caso. Esta proteção temporária busca resguardar o devido
andamento da persecução pública na UE, sem, porém, prejudicar o
private enforcement.
Finalmente, a categoria (iii) sem proteção necessária (“white
list”) abrange documentos e informações em posse da autoridade da
concorrência que não configurem as hipóteses das categorias acima
e desde que sejam pré-existentes, não preparados no âmbito da
investigação (e.g., tais como contratos escritos, textos de e-mails e atas
de reuniões). Tais documentos podem ser divulgados para os tribunais
no bojo das ações privadas de ressarcimento por danos concorrenciais
a qualquer tempo, desde que o pedido seja pertinente e proporcional.
O acesso aos documentos dessa categoria, por sua vez, pressupõe
a manutenção de outros atrativos ao programa de imunidade e

para apresentação à autoridade da concorrência a fim de obter dispensa ou redução da


multa ao abrigo de um programa de leniência, excluindo as informações preexistente.
1271 Statament of Objections é um passo formal da investigação concorrencial da
Comissão na qual a autoridade informa por escrito as partes investigadas sobre as
condutas imputadas contra elas.

828 Estudos em Direito da Concorrência


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leniência europeu, sendo um dos mais importantes a limitação da


responsabilidade solidária entre os colaboradores.1272

1.3 DA EXPERIÊNCIA CANADENSE

O Canadá conta com extensa experiência em enforcement privado


(OCDE, 2015). O Comunicado de 2007 do Competition Bureau sobre
informações confidenciais1273 afirma que a identidade do beneficiário
da leniência ou de acordos subsequentes, bem como as informações
por eles fornecidas, serão tratadas como confidenciais1274. A Seção 29
do Competition Act inclusive veda a disponibilização para terceiros
das evidências colhidas pelo Bureau. Tanto é assim que o Competition
Bureau não fornece voluntariamente informações para os autores
de ações privadas de reparação por danos concorrenciais (art. 36
do Competition Act). Ademais, o Bureau se opõe ao cumprimento
de intimações para dar acesso a documentos e informações se tal
acesso puder prejudicar uma investigação em curso, ou de qualquer
forma prejudicar o enforcement de seu programa de leniência. Se,
porém, houver uma ordem judicial deferindo o compartilhamento,

1272 A Diretiva 2014 limitou, em seu artigo 11, a regra geral responsabilidade
solidária, como forma de harmonizar os interesses do enforcement público e privado.
O artigo 11(4) definiu então que os beneficiários da imunidade serão responsáveis
apenas perante os seus adquirentes ou fornecedores diretos ou indiretos, sendo
que a responsabilidade perante outros consumidores lesados apenas ocorrerá se a
reparação integral não puder ser obtida das outras empresas implicadas na mesma
infração.
1273 The Communication of Confidential Information under the Competition Act, 10
de outubro de 2007. Disponível em http://www.competitionbureau.gc.ca/eic/site/cb-
bc.nsf/eng/03597.html#s7_1.
1274 Id. As exceções a essa política são as seguintes: (a) informações cuja divulgação é
determinada por lei, (b) informações cuja divulgação é necessária para o exercício dos
poderes investigativos do Bureau ou de outra agência governamental, (c) nos casos
em que a parte concorda com a divulgação ou ela própria já publicou a informação,
e (d) nos casos em que a divulgação é necessária para evitar a prática de algum
crime grave. O Comunicado de 2007 também afirma que a autoridade canadense
não disponibilizará informações a autoridades estrangeiras sem o consentimento da
parte, e que tomará todas as medidas cabíveis para garantir a confidencialidade das
informações recebidas em sede de acordo de leniência.

Estudos em Direito da Concorrência 829


Amanda Athayde

o Bureau concederá tal acesso e solicitará “protective orders” para


manter a confidencialidade das informações apenas ao destinatário
da ordem1275.

1.4 DA EXPERIÊNCIA AUSTRALIANA

O enforcement privado na Austrália tem apresentado crescimento


modesto (OCDE, 2015, Contribuição da Austrália). Ainda assim, o
manual da Australian Competition and Consumer Commission (ACCC)1276
já define que a regra geral é a da confidencialidade dos materiais
de leniência. Essa regra geral, porém, já encontrou decisão judicial
contrária no caso ACCC v Visy Industries (2007)1277, em que foi deferido
tal acesso a documentos.
Objetivando manter a atratividade do programa de leniência
australiano, editou-se o Competition and Consumer Act (CCA)1278 em 2010.
O CCA prevê o acesso amplo a documentos públicos, excepcionando
informações confidenciais em investigações de cartéis (“protected
cartel information”) (Seção 157 do CCA). Ademais, esclarece-se que a
AACC e os tribunais australianos podem negar o pedido de acesso aos
referidos documentos, ponderando alguns fatos, como os seguintes:
(i) a informação ter sido fornecida à AACC de forma confidencial; (ii) a
relação da Austrália com outros países; (iii) a necessidade de se evitar
prejuízos à política nacional e internacional de combate a cartéis;
(iv) a proteção do informante; (v) o risco da divulgação prejudicar o
Programa de Leniência no futuro; e (vi) os legítimos interesses do
requerente da informação.

1275 Contribuição do Canadá ao Relatório da OCDE 2015, p. 4.


1276 Immunity and Cooperation Policy for Cartel Conduct. Disponível em: https://
www.accc.gov.au/system/files/884_ACCC%20immunity%20and%20cooperation%20
policy%20for%20cartel%20conduct_FA2.pdf
1277 ACCC v Visy Industries Holdings Pty Limited (No 3) [2007] FCA 1617. Em consonância
com o previsto no manual ACCC, a autoridade australiana sustentou o interesse
público e o sigilo das informações requeridas.
1278 Disponível em: https://www.accc.gov.au/about-us/australian-competition-
consumer-commission/legislation.

830 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

2. EXPERIÊNCIA BRASILEIRA SOBRE ACESSO


AOS MATERIAIS DE LENIÊNCIA E TCC

O direito de ação dos consumidores lesados para obterem a


cessação da prática anticompetitiva e o recebimento de reparação de
danos é previsto no art. 47 da Lei nº 12.529/2011. Estudos indicam que
a persecução privada a cartéis no Brasil vem crescendo (CARVALHO,
2011)1279, tendo sido observado um crescimento estatístico de 450% no
número de acórdãos proferidos no bojo de tais ações entre os anos de
2009-2011 (4 acórdãos) e 2012-2014 (22 acórdãos) (MACHADO, 2015). O
ajuizamento e o sucesso dessas ações privadas de reparação por danos
concorrenciais, porém, está em larga medida relacionado ao acesso
ou não a documentos e informações oriundos da persecução pública
a cartéis realizada pelo Cade. Embora, por um lado, a quebra de
confidencialidade e o acesso aos materiais de Acordos de Leniência e
TCCs possa ser justificado na medida em que tais materiais poderiam
embasar a pretensão indenizatória de consumidores lesados, por
outro lado, pode expor os signatários do Acordo de Leniência e os
compromissários do TCC a uma situação pior do que a dos coautores
que não cooperaram com o Cade, enfraquecendo o enforcement público
no Brasil e a própria detecção de cartéis.
O art. 5º, LX da Constituição Federal de 1988 é da publicidade
dos atos administrativos. Esta regra é regulamentada, em termos
gerais, pela Lei nº 9.784/1999 (Lei Geral de Processo Administrativo)
e pela Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação – LAI). O
acesso à informações e documentos é excepcionado, por exemplo,

1279 Dentre as razões apontadas para o baixo uso das ações privadas de ressarcimento
por danos concorrenciais no Brasil são listadas, pelo menos, as seguintes: (i) a ausência
de uma cultura de reivindicação de danos por parte dos consumidores lesados no
Judiciário; (ii) elevados custos e morosidade do litígio judicial, somados, por vezes,
a falta de familiaridade do Judiciário brasileiro com a matéria concorrencial;
(iii) indefinição quanto ao termo inicial da prescrição para ajuizamento da ação;
e, principalmente, (iv) dificuldades em obter evidências e em fornecer análises
econômicas e legais complexas comprovando o nexo causal entre a conduta e o dano
sofrido (OCDE, 2015, Contribuição do Brasil).

Estudos em Direito da Concorrência 831


Amanda Athayde

pelo sigilo à intimidade e ao interesse público1280. Ademais, há


exceção para a divulgação de informações que possam “representar
vantagem competitiva a outros agentes econômicos”1281 e que possam
“comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação
ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção
ou repressão de infrações”1282. Especificamente na Lei de Defesa
da Concorrência, a regra geral do tratamento confidencial1283 aos
documentos e às informações de Acordos de Leniência e TCCs está
prevista nos arts. 85, §5º e 86, §9º da Lei nº 12.529/2011 e nos arts.
art. 179, §3º e 200, §§ 1º e 2º do RICADE, além de cláusulas do termo
de celebração do Acordo de Leniência e TCC. É, portanto, premente
encontrar o equilíbrio adequado entre a proteção dos documentos e
informações de Acordos de Leniência e TCCs, mantendo a atratividade
dos referidos Programas e fomentando o ajuizamento das ações
privadas de reparação por danos concorrenciais no Brasil. Trata-se
da busca pelo ponto ótimo na articulação entre a persecução pública
e privada aos cartéis, para que esta não se torne “too much of a goof
thing”.

2.1 JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA DO CADE

Até abril de 20161284, o Plenário do Tribunal Cade julgou seis


casos instaurados em decorrência da celebração de Acordos de

1280 Cf. art. 2º, V, Lei nº 9.784/1999 c/c art. 5º, LX, CF/88.
1281 Cf. art. 5º, §2º do Decreto nº 7.724/2012.
1282 Cf. art. 23, VIII, da Lei nº 12.527/2011.
1283 Exceto mediante waiver do signatário da leniência ou do compromissário do TCC
e a anuência da SG.
1284 Este artigo analisou as seis decisões do Cade em Processos Administrativos
oriundos de Acordos de Leniência até abril de 2016. Após esta data, outros quatro
foram julgados pelo Plenário do Tribunal do Cade: (vii) Cartel Internacional de TPE –
Processo Administrativo nº 08012.000773/2011-20, Acordo de Leniência celebrado em
17/12/2010. Processo julgado em 31/08/2016; (viii) Cartel de Plásticos ABS – Processo
Administrativo nº 08012.000774/2011-74, Acordo de Leniência celebrado em 17/12/2010.
Processo julgado em 14/09/2016. O processo principal foi desmembrado no Processo
Administrativo 08700.009161/2014-97, julgado em 14/09/2016; (ix) Cartel internacional

832 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Leniência: (i) cartel dos vigilantes do Rio Grande do Sul (2007); (ii)
cartel internacional dos peróxidos (2012); (iii) cartel internacional
de cargas aéreas (2013); (iv) internacional de mangueiras marítimas
(2015); (v) cartel internacional de perborato de sódio (fev/2016); e (vi)
cartel internacional dos compressores (mar/2016).
Observa-se que nos três primeiros casos, quando do julgamento
do caso pelo Tribunal, nas respectivas versões públicas dos votos,
houve transcrição de diversos trechos dos documentos da busca e
apreensão e também de documentos do Acordo de Leniência. Já o
termo de celebração do Acordo de Leniência em si, o Histórico de
Infrações e algumas provas colhidas em sede de busca e apreensão
se encontram em apartado de acesso restrito às representadas no
processo. Em todos os casos, ao longo do processo, os representados
tiveram acesso à integra das informações e materiais oriundos dos
Acordos de Leniência e TCC.
Por sua vez, na investigação referente ao cartel de mangueiras
marítimas (2015), evidencia-se clara preocupação do Cade com o
enforcement privado, possivelmente influenciada pelas recentes
discussões sobre o tema na seara internacional. O Conselheiro Relator,
quando do julgamento, afastou as preliminares de confidencialidade
suscitadas pelas representadas e buscou ponderar a disponibilização
de informações e documentos de leniência e de TCCs versus o fomento
às ações privadas de reparação por danos concorrenciais. Na versão
pública do voto, transcreveu-se trechos de confissão de conduta dos
TCCs e do Histórico da Conduta do Acordo de Leniência1285. Segundo
o voto, após o julgamento do caso, o termo de celebração do Acordo
de Leniência, bem como demais documentos anexos apresentados
pelo beneficiário, poderiam ser disponibilizados a terceiros, em razão

de CRT - Processo Administrativo 08012.005930/2009-79, Acordo de Leniência


celebrado em 29/07/2009. Processo julgado em 09/11/2016; (x) Cartel internacional de
Placas de Memória (DRAM) - Processo Administrativo 08012.005255/2010-1, Acordo de
leniência celebrado em 24/11/2011. Processo julgado em 23/11/2016.
1285 Id., § 3º: “também por razoes de publicidade e moralidade”, o Conselheiro Relator
tornou público os anexos aos TCCs que tratam das confissões das condutas, até então
mantidos em apartados confidenciais – vez que abordavam a forma pela qual o cartel
se organizou no território brasileiro.

Estudos em Direito da Concorrência 833


Amanda Athayde

dos princípios da publicidade e moralidade1286. Em que pese essa


decisão pela publicização após o julgamento, o Conselheiro Relator
destacou que determinados documentos não usados como base para a
acusação deveriam ser mantidos confidenciais após o julgamento, por
versarem sobre segredos de empresa, como especificações técnicas
de produto1287.
Já no julgamento da investigação do cartel de perborato de
sódio (fev/2016), o voto do Conselheiro Relator excepcionalmente
determinou a publicidade de todo o apartado de acesso restrito às
representadas, sob o fundamento de que as informações comerciais
que poderiam ser consideradas sigilosas datavam de muitos anos e
não seriam concorrencialmente sensíveis. Por fim, no julgamento do
cartel dos compressores (2016), o Conselheiro Relator transcreveu os
principais trechos do Histórico da Conduta e franqueou o acesso aos
representados à totalidade dos documentos probatórios, embasando-
se na Súmula Vinculante nº 15 do STF1288. Mesmo após o julgamento
do caso, permaneceram nos autos de acesso restrito informações
que versavam sobre segredos de empresa, o termo de celebração do
Acordo de Leniência e seus anexos.

1286 Estes documentos a que se autorizou a disponibilização não se encontram nos


autos públicos no sistema eletrônico de informações do Cade (SEI), de modo que a
íntegra do termo de celebração do Acordo de Leniência e seus anexos ainda parecem
permanecem em acesso restrito aos representados.
1287 Cf. nota de rodapé 13 do voto do Conselheiro Relator. Ademais, cf. §9º do voto:
“No que se refere à publicidade do julgamento, isto é, do acesso de terceiros ao teor,
é importante registrar que a regra é que os julgamentos do CADE sejam realizados
em sessão pública. Em virtude dessa obrigação de observância dos princípios da
moralidade, do interesse público e da publicidade, entendo que a única restrição à
publicidade plena do presente julgamento é a liminar concedida na Medida Cautelar
de Busca e Apreensão 0024157.07.2007.4.03.6100 para o estrito interesse na realização
das diligências.”
1288 Súmula Vinculante nº 15 do STF: “é direito do defensor, no interesse do
representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados
em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia
judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

834 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

2.2 RECENTES DECISÕES JUDICIAIS

O Judiciário se manifestou sobre o acesso de informações e


documentos fornecidos no âmbito do Acordo de Leniência e TCCs em
pelo menos dois casos1289: (i) cartel nacional dos trens e metrôs (2013);
e (ii) cartel internacional dos compressores (2009).
O caso conhecido como cartel dos trens e metrôs teve origem
em Acordo de Leniência1290, que ensejou a realização de buscas e
apreensões cíveis nas sedes das empresas investigadas. Um dos juízes
cíveis que analisou o pedido de busca e apreensão – o juiz de primeira
instância na 3ª Vara Federal Vara de São Bernardo do Campo1291 –,
após o término da operação, ordenou a divulgação das informações e
documentos referentes ao Acordo de Leniência, inclusive o Histórico
da Conduta, sob a justificativa de que os prazos prescricionais para
eventuais ações judiciais já se encontravam em curso1292. Este juiz,
apesar de determinar o acesso, reconheceu a excepcionalidade do caso
ao divulgar as informações e documentos provenientes do Acordo de
Leniência. Frisou que, em regra, o sigilo de tais documentos deve ser

1289 Há ao menos 6 (seis) ações privadas de ressarcimento por danos concorrenciais


decorrentes de processos administrativos não iniciados por Acordo de Leniência.
Tais ações foram ajuizadas por consumidores ou pelo MP e ocorreram nos seguintes
mercados: (i) cartel de cimentos; (ii) cartel dos gases industriais e/ou medicinais; (iii)
cartel dos genéricos; (iv) cartel dos combustíveis; (v) cartel de extração de areia; e (vi)
cartel do aço. Ver Martinez, A.P.; e Araújo, M. T. (2016).
1290 O Acordo de Leniência 01/2013 foi firmado entre a Siemens e o Cade no âmbito
de suposto cartel em licitações dos trens do Metrô, da CPTM e do Metrô DF, que teria
ocorrido no período de 1998 a 2008, afetando, ao menos, São Paulo, Distrito Federal,
Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
1291 Cf. decisão do juiz federal Antônio André Muniz Mascarenhas de Souza, da 3ª Vara
Federal em São Bernardo do Campo, em 9 de agosto de 2013, nos autos do Processo
0004196.2013.4.03.6114, Requerida: MGE Equipamentos e Serviços Ferroviários Ltda.
(MGE); Requerente: CADE.
1292 A MGE interpôs agravo de instrumento contra a decisão de primeira instância
que autorizou o acesso ao Acordo de Leniência e Histórico de Conduta a terceiros. O
TRF3, todavia, negou provimento ao agravo tendo em vista que “o recorrente deveria
ter se insurgido da primeira decisão que apreciou o pedido de decretação de sigilo.”,
cf. ementa proferida no AI nº 0023235-20.2013.4.03.0000, TRF3, 4ª Turma, relatoria da
Des. Fed. Marli Ferreira, Agravante: MGE Equipamentos, Agravado: CADE, decisão
proferida em 22.09.2014.

Estudos em Direito da Concorrência 835


Amanda Athayde

mantido até o julgamento do caso pelo Tribunal do Cade.1293 A decisão


de primeiro grau foi apelada pelo Cade e por uma das empresas
investigadas1294, sendo que na segunda instância a apelação foi
provida. Embora não tenha ordenado o sigilo quanto à tramitação do
processo, o TRF3 reordenou o sigilo dos documentos que instruíram o
pedido inicial de busca e apreensão (Acordo de Leniência e Histórico
da Conduta), de modo a resguardar as atividades de investigação do
Cade1295.
Por sua vez, no caso conhecido como cartel dos compressores1296,
cuja investigação também foi iniciada a partir da celebração de Acordo
de Leniência, uma empresa prejudicada pelo cartel demandou acesso
aos documentos da investigação do Cade para embasar sua ação
privada de reparação por danos concorrenciais. O juiz de primeira
instância da 33ª Vara Cível do Foro Central Cível de SP determinou
inicialmente o envio de “cópias de todos os documentos integrantes do
processo administrativo (...) inclusive aqueles não disponíveis publicamente
na fase de investigação, para fins essenciais de instrução da presente
demanda”1297. Tal solicitação, contudo, englobava documentos

1293 “A identidade do beneficiário de um acordo de leniência é mantida sob sigilo no interesse


das investigações e para proteger aqueles que colaboram com a autoridade antitruste. Essa
confidencialidade, em geral, é mantida até o julgamento do caso pelo Tribunal do Cade,
quando é confirmada a imunidade administrativa e criminal a que a leniência dá direito (...)
Os nomes das pessoas físicas que assinam a leniência, os termos do acordo e os documentos
que o acompanham continuam confidenciais”.
1294 Apelação Cível nº 0004196-28.2013.4.03.6114/SP, TRF3, Quarta Turma, relatoria
da Des. Fed. Marli Ferreira, decisão original nº 2013.61.14.004196-1/SP, Apelante:
CADE e MGE, decisão proferida em 25.09.2015.
1295 “É necessária a preservação do sigilo dos documentos que instruíram a inicial para
o resguardo das atividades de apuração de responsabilidades na esfera administrativa que
estão sendo desenvolvidas a partir de Acordo de Leniência, não havendo que se falar em
qualquer violação da intimidade dos interessados, eis que as diligências e os documentos
apreendidos devem submeter-se ao sigilo necessário à preservação do interesse público.”
1296 Trata-se de cartel ocorrido no período entre 1996 a 2008 no mercado nacional e
internacional de compressores herméticos para refrigeração. Tal processo se originou
de Acordo de Leniência firmado em 30.01.2009, bem como de evidências colhidas em
diligência de busca e apreensão ocorrida em 09.02.2009.
1297 Cf. solicitação da 33ª Vara Cível do Foro Central Cível de SP, processo nº 0116924-
71.2012.8.26.0100, Requerente: Electrolux do Brasil S.A., Requerido: Whirlpool S.A. e
Brasmotor S.A.

836 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

sigilosos, oriundos de Acordo de Leniência. Na segunda instância, a


empresa prejudicada pela conduta anticompetitiva interpôs agravo
de instrumento contra decisão do juiz que indeferiu a expedição de
ofícios ao Cade para a remessa de documentos constantes do Processo
Administrativo. O Tribunal de Justiça de São Paulo deu provimento
a esse recurso, determinando a expedição de tais ofícios. Então, a
partir dessa decisão, as empresas citadas no Processo Administrativo
interpuseram recurso especial para o STJ1298,, recurso esse que não foi
provido. Nesse momento, a Procuradoria Federal Especializada junto
ao Cade (ProCade) opôs embargos de declaração, com fundamento nas
leis que conferem tratamento confidencial ao material de leniência,
bem como na necessidade de preservação da política de combate a
cartéis por meio da proteção ao Programa de Leniência do Cade. Em
09.06.2015, Min. Relator reformou a decisão anterior adotando as
razões mencionadas pela ProCade quanto à necessidade de proteção
da confidencialidade das informações e documentos provenientes de
Acordo de Leniência e TCC.
Todavia, em 11.03.2016 o STJ alterou seu entendimento no
julgamento final da cautelar, pouco antes do julgamento final do
caso pelo plenário do Tribunal do Cade (16.03.2016, ou seja, cinco
dias antes do julgamento administrativo). Ao julgar o REsp1299, o
Min. Relator confirmou que se assegura o sigilo das propostas de
leniência, bem como a possibilidade de extensão desse sigilo, no
interesse das apurações ou em relação a documentos específicos1300.
No entanto, manifestou-se no sentido de que o sigilo não poderia se

1298 Ver manifestação da ProCADE nº 42/205 em resposta ao Ofício nº 71/2015 no


âmbito da medida cautelar nº 24.408, no processo nº 0116924-71.2012.8.26.0100,
Requerente: Whirlpool S.A. e Brasmotor S.A., Requerido: Electrolux do Brasil S.A.,
STJ, relatoria do Min. Marco Aurélio Bellizze.
1299 Cf. decisão do STJ, 3ª Turma de Direito Privado, no Resp nº 1.554.986-SP,
Recorrentes: Electrolux, Whirlpool e Brasmotor, Recorrido: Tecumseh. Decisão
proferida em 08.03.2016. Relator Min. Marco Bellizze.
1300 “4. Nos termos da legislação, assegura-se o sigilo das propostas de acordo de leniência,
as quais, eventualmente rejeitadas, não terão nenhuma divulgação, devendo ser restituídos
todos os documentos ao proponente. 5. Aceito e formalizado o acordo de leniência, a extensão
do sigilo somente se justificará no interesse das apurações ou em relação a documentos
específicos cujo segredo deverá ser guardado também em tutela da concorrência.”

Estudos em Direito da Concorrência 837


Amanda Athayde

estender indefinidamente no tempo, sendo que “o envio do relatório


circunstanciado pela Superintendência-Geral ao Presidente do Tribunal
Administrativo”1301, marcaria, na opinião do Ministro, o fim da fase de
apuração da conduta, e, consequentemente, o termo final do sigilo.
A ProCade, por entender que a decisão do STJ diverge do
entendimento do Cade acerca do tema, opôs Embargos de Declaração,
argumentando omissão do acordão por não considerar que a lei
também confere aos Conselheiros do Tribunal do Cade poder para
requerer diligências de caráter investigatório (art. 11 da Lei nº
12.529/2011), razão pela qual a fase de apuração da conduta não se
restringe à Superintendência-Geral. Ademais, haveria omissão porque
ao Cade seria a dada a competência legal para regular o termo final
do sigilo (art. 49 da Lei nº 12.529/2011), o que já estaria inclusive
determinado no RICADE1302 (art. 207), que prevê a manutenção da
confidencialidade das informações e documentos de Acordo de
Leniência até o julgamento final pelo Plenário do Tribunal do Cade.
Ainda, a decisão embargada teria sido omissa por não considerar os
termos da LAI, a qual garante o sigilo das informações que possam
representar vantagem competitiva a outros agentes e que possam
comprometer atividades de investigação em andamento (art. 23, VIII
da Lei 12.527/2011). Por fim, a ProCADE também argumentou omissão
em face da ausência de contornos jurídicos sobre três pontos: “o
que”, ou seja, quais documentos deveriam ser entregues; “a quem”
seria conferido o acesso a tais documentos, e “para qual” finalidade
específica. O esforço da ProCade reflete a preocupação em se proteger
o Programa de Leniência e de TCC do Cade. Favorecer o enforcement
privado, sem, em contrapartida, regular as regras de acesso e limitar
a responsabilidade civil do beneficiário da leniência, prejudica o

1301 “(...) [T]rata-se do limite a partir do qual entende-se haver elementos probatórios
suficientes, de modo que a possibilidade de interferência nas investigações e no sucesso de
seu resultado se esvai, não mais se justificando a restrição à publicidade (...)Em síntese, o
sigilo do acordo de leniência não pode se protrair no tempo indefinidamente, sob pena de
perpetuar o dano causado a terceiros, garantindo ao signatário do acordo de leniência favor
não assegurado pela lei.” (grifo próprio). Id., pág. 8-9 do voto.
1302 Cf. art. 49, caput e § único do art. 49 c/c art. 86, §11, da Lei nº 12.529/2011.

838 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

enforcement antitruste como um todo. Se há perda de atratividade


ao Programa de Leniência – a principal ferramenta no combate a
cartéis – menos cartéis tendem a ser descobertos e, assim, menos
ações privadas de reparação por danos concorrenciais sequer serão
ajuizadas1303.

3. PROPOSTAS INFRALEGALAIS SOBRE ACESSO AOS MATERIAIS


DE LENIÊNCIA E TCCS: “NOT TOO MUCH OF A GOOD THING!”

Ponderando entre as ações privadas de reparação por danos


concorrenciais vis a vis os programas de colaboração antitruste,
especificamente sobre conferir ou não o acesso aos materiais
(informações e documentos) apresentados em sede dos Programas de
Leniência e TCC no Brasil – ou seja, sobre o “discovery” no Brasil –, as
autoras deste artigo propuseram, em sede da Nota Técnica 24/2016/
Chefia GAB-SG/SG/CADE (que resultou na aprovação da Consulta
Pública de Resolução nº 05/2016 pelo Tribunal do Cade em dezembro
de 2016)1304, que o Cade, por meio de normativa própria, finalmente
definisse um posicionamento institucional claro e transparente, a fim
de minimizar eventuais divergências administrativas e judiciais.
Em consonância com as melhores práticas internacionais
(notadamente inspirado nas categorias de acesso definidas na Diretiva
2014 UE), porém adstritos à realidade e à legislação brasileira, propôs-
se a definição de três fases processuais nas investigações do Cade,
nas quais as regras de acesso se diferenciarão: (Fase I) negociação e

1303 Ademais, na ausência de regulação da matéria, na hipótese de um cartel


internacional em que haja Acordo de Leniência no Brasil, as partes que não
obtiverem acesso as informações necessárias para o ajuizamento das ações privadas
de ressarcimento por danos concorrenciais em seu respectivo país, poderão se utilizar
indevidamente do Brasil para obter tal acesso.
1304 Para acesso às propostas e ao documento integral da Nota Técnica 24/2016/
Chefia GAB-SG/SG/CADE sugere-se acesso: <http://www.cade.gov.br/cade-submete-
a-consulta-publica-resolucao-sobre-procedimentos-de-acesso-a-documentos-
provenientes-de-investigacoes-antitruste>.

Estudos em Direito da Concorrência 839


Amanda Athayde

celebração dos acordos; (Fase II) instrução; e (Fase III) decisão final
pelo Plenário do Tribunal do Cade.
Durante a Fase I, propôs-se a manutenção da regra do sigilo total da
proposta de Acordo de Leniência, dos anexos ao acordo e de quaisquer
documentos apresentados pelo beneficiário da leniência, tal como a
proposta de TCC, os termos do acordo, do andamento processual e de
todo processo de negociação1305. A manutenção do sigilo é da própria
essência dessa fase, sob pena de frustrar, preliminarmente, a tentativa
de cooperação com a autoridade antitruste.
Uma vez celebrado o Acordo de Leniência e iniciada a instrução
processual, inicia-se a Fase II. Durante essa fase, já podem ser
disponibilizadas versões públicas de Notas Técnicas, mas para
preservar possíveis medidas investigativas, como uma eventual medida
de busca e apreensão, todos os documentos e informações oriundos
do Acordo de Leniência e TCC (i.e., termo de celebração do AL, versão
confidencial do TCC, Aditivos, Apêndice da Prova Documental e
demais anexos, tal como o Histórico da Conduta) são, via de regra,
mantidos em apartado de acesso restrito, nos termos dos arts. 44, §2º e
49 da Lei nº 12.529, de 2011, arts. 52 a 54 do Regimento Interno do Cade,
arts. 22 e 23, VIII da Lei nº 12.527, de 2011, e art. 5º, §2º do Decreto nº
7.724, de 2012 1306. Esse tratamento também é mantido quando o caso
é remetido pela SG para decisão pelo Tribunal do Cade, dado que o
posicionamento da SG não é vinculante e o Conselheiro-Relator ainda
pode realizar instrução complementar1307, caracterizando-se instrução
processual, de modo a exigir as mesmas cautelas1308.

1305 Cf. art. 85, §5º e 86, §9º da Lei nº 12.529/2011 c/c arts. 179, §3º, 200, §1º e 207,
RICADE.
1306 Cf. os art. 44, §2º e 49 da Lei nº 12.529, de 2011, arts. 52, 53 e 54 do Regimento
Interno do Cade, arts. 22 e 23, VIII da Lei nº 12.527, de 2011, e art. 5º, §2º do Decreto
nº 7.724, de 2012.
1307 cf. art. 11 da Lei nº 12.529, de 2011.
1308 Vale notar, a nosso ver, que a entrega do relatório circunstanciado pela SG ao
Tribunal não pode ser comparada ao oferecimento de denúncia na seara criminal –
tal como sugerido pela decisão do STJ supramencionada. Parece-nos mais apropriado
comparar a denúncia com o julgamento do Tribunal Administrativo, por representar,
tal como no MP, a palavra final da autarquia sobre a existência ou não de ilícito.

840 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

Tal proteção assemelha-se às regras dos EUA, da Austrália


e do Canadá. Nos EUA, os tribunais em regra não têm acesso às
informações e documentos obtidos no âmbito da leniência e plea
agreements se a investigação criminal conduzida pelo DOJ ainda
estiver em curso. Também se preserva o sigilo do informante e do
sigilo investigativo. Na Austrália, para se afastar a ordem judicial
de acesso à materiais da leniência a qualquer tempo, a ACCC alega
inclusive violação ao interesse público. No Canadá, similarmente,
o Competition Bureau se opõe a divulgar quaisquer documentos de
leniência enquanto houver investigação em curso. O acesso deve ser
concedido para fins do contraditório e da ampla defesa, sendo vedada
a utilização de tais informações em outras esferas e/ou sua divulgação
ou compartilhamento com terceiros. Para fazer valer essa proteção, as
autoras propuseram que a ProCade possa demandar judicialmente, se
necessário, instrumento semelhante ao “discovery stay”.
Finalmente, a Fase III inicia-se após o julgamento e a publicação
da decisão do Plenário do Tribunal do Cade no DOU. A partir dessa fase
passa-se então a propor alterações à prática reiterada do Cade, de modo
a fomentar as ações privadas de reparação por danos concorrenciais
no Brasil. Propôs-se que seja disponibilizado, nos autos públicos do
processo: (i) a íntegra dos documentos e informações que foram
citados nos votos dos Conselheiros para formação do entendimento
do Plenário; e/ou (ii) a íntegra dos demais documentos e informações
que evidenciem a conduta anticompetitiva e nos quais as partes
potencialmente lesadas pela conduta sejam citadas. Ambos serão
tornados públicos, ainda que tais documentos e informações sejam
oriundos de AL, TCC e busca e apreensão.
Por sua vez, propôs-se que sejam mantidos em acesso restrito,
mesmo após a decisão final pelo Plenário do Tribunal do Cade, a saber:
(i) o Histórico da Conduta e seus aditivos, elaborados pela SG com
base em documentos e informações de caráter autoincriminatórios1309
submetidos voluntariamente no âmbito da negociação, que não

1309 Nos termos do considerando 26 da Diretiva, excluir as declarações de caráter


voluntário e auto-incriminatório dos elementos de prova objetiva “assegurar que

Estudos em Direito da Concorrência 841


Amanda Athayde

poderiam ter sido obtidos de qualquer outro modo senão por meio
da colaboração no âmbito de Acordo de Leniência e de TCC, que não
poderiam ter sido obtidos de qualquer outro modo senão por meio da
colaboração no âmbito dos Programas de Leniência e de TCC; e/ou
documentos e informações (a) de acesso restrito nos termos da Lei de
Defesa da Concorrência1310; (b) que constituam segredo industrial1311,
(c) relativos à atividade empresarial de pessoas físicas ou jurídicas
de direito privado cuja divulgação possa representar vantagem
competitiva a outros agentes econômicos e demais hipóteses de sigilo
previstas na legislação1312 e (d) que constituam hipóteses previstas no
Ricade1313. Esse acesso restrito é justificado, na opinião das autoras,
pelo risco à condução de negociações, a atividades de inteligência1314
e à própria efetividade dos Programas de Leniência e de TCC do Cade.
Ademais, a nosso ver duas outras propostas são importantes
para que se tenha um conjunto adequado de incentivos a fim de se
encontrar o ponto ótimo na articulação entre a persecução pública e
privada aos cartéis.
Primeiro, que a análise de eventuais pedidos de acesso a
documentos seja realizada considerando uma ampla gama de aspectos,
tais como a legitimidade do requerente, os fatos e fundamentos
específicos que embasam o requerimento, a razoabilidade e a
proporcionalidade do requerimento, a fase processual da investigação
no Cade, a manutenção do nível de confidencialidade pelo requerente,
a necessidade de preservação da investigação e da identidade do
colaborador, a necessidade de preservação da política nacional de
combate às infrações contra a ordem econômica, notadamente
dos Programas de Leniência e de TCC do Cade, a necessidade de

as empresas continuem dispostas a apresentar voluntariamente às autoridades da


concorrência declarações de leniência ou propostas de acordo”.
1310 arts. 44, §2º, 49, 85, §5º e 86, §9º da Lei nº 12.529, de 2011.
1311 art. 22 da Lei nº 12.527/2011.
1312 art. 5º, §2º e 6º, inciso I do Decreto 7.724/2012.
1313 arts. 52, 53 e 54 do RICADE.
1314 art. 23, II e VIII da Lei nº 12.527/2011.

842 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

preservação da participação do Brasil em programas internacionais


de combate às infrações contra a ordem econômica, e a existência de
informações protegidas por segredo de empresa, segredo de justiça ou
qualquer outro tipo de informação confidencial.
Segundo, que as empresas que comprovarem a efetiva reparação
dos danos concorrenciais aos consumidores prejudicados tenham
algum tipo de tratamento diferenciado perante o Cade. A proposta é
no sentido de que a SG e/ou o Tribunal do Cade, quando da negociação
de TCCs ou no momento da aplicação das penas, leve em consideração
esse fator com uma possível redução na contribuição pecuniária
ou da multa administrativa. Do ponto de vista dos programas de
colaboração antitruste como um todo, a colaboração seria benéfica
na medida em que tornaria os materiais de Acordos de Leniência e
TCC menos valiosos aos olhos dos consumidores lesados, uma vez
que transformaria a celebração de acordos consensuais antecipados
em procedimento comum. Ou seja, atende-se, com isso, à função
mais ampla de enforcement antitruste, aliando persecuções pública e
privada.
Alternativas semelhantes foram adotadas, por exemplo, na
União Europeia, no Reino Unido e na Alemanha. A Diretiva de 2014
da União Europeia estabelece que a autoridade de concorrência
pode considerar os danos pagos decorrentes de acordo como um
fator de mitigação antes de proferir decisão final de imposição de
multa. No Reino Unido, a nova Lei dos Direitos do Consumidor de
2015 estabeleceu o mecanismo da reparação voluntária para facilitar
o ressarcimento de danos concorrenciais (denominado “voluntary
redress scheme”1315). Trata-se de um plano de reparação de danos civis

1315 “Guidance on the CMA’s approval of voluntary redress schemes” (2015) sobre
o mecanismo de reparação voluntária (“voluntary redress scheme”) da Competition
and Markets Authority – CMA. Disponível em: https://www.gov.uk/government/
uploads/system/uploads/attachment_data/file/408333/Draft_guidance_-_CMA_
voluntary_redress_schemes.pdf. Ver “The Competition Act 1998 (Redress Scheme)
Regulations 2015. Disponível em: http://www.legislation.gov.uk/uksi/2015/1587/
contents/made. Por meio desse mecanismo, tanto o signatário da leniência quanto os
demais participantes da conduta anticompetitiva podem submeter, voluntariamente,
um plano de ressarcimento para aprovação do CMA. Se aprovado, o autor da conduta

Estudos em Direito da Concorrência 843


Amanda Athayde

sem que os consumidores lesados tenham que acionar o Judiciário,


de modo que o participante do cartel que colaborar no âmbito da
mediação terá reduzido o valor da multa imposta como forma de
retribuir a parte disposta a indenizar os consumidores lesados. Por sua
vez, na Alemanha1316, há sugestão jurisprudencial para a adoção de um
procedimento bifásico, que divide a decisão do Bundeskartellamt em
dois momentos: (i) uma decisão preliminar declaratória, que é seguida
de um período designado para facilitar a celebração de acordos
com consumidores lesados; e (ii) a decisão final, que considera tais
acordos como um “bônus” no cálculo da multa administrativa final
(desconto de 15%). Tal procedimento visa a diminuir os custos do
litígio no Judiciário e a assimetria de informações enfrentada pelos
consumidores lesados, e a favorecer o beneficiário da leniência na
medida de sua cooperação.

4. NOTAS FINAIS

As propostas apresentadas visam a que a persecução privada


a cartéis não se torne “too much of a good thing” no Brasil, para
assim manter a atratividade dos Programas de Leniência e TCC do
Cade, imprescindíveis para a persecução pública. Essas propostas
de regulamentação do acesso aos documentos e informações de
Acordos de Leniência, TCCs e busca e apreensão, por sua vez,
devem ser a base para o endereçamento a desafios correlatos,
que só podem ser endereçados via reforma legislativa. Dentre
eles, destaca-se a questão da mitigação da responsabilidade civil
solidária do beneficiário da leniência, da não duplicação dos danos
quantificados (questionáveis a partir da aplicação do Código de Defesa
do Consumidor) e da interpretação das regras de prescrição (como o
termo inicial de contagem prescricional). Por essa razão, as autoras

anticompetitiva poderá receber, em contrapartida, descontos de até 20% no valor da


multa administrativa a ser aplicada.
1316 Contribuição da Alemanha ao Relatório OCDE 2015, p. 5.

844 Estudos em Direito da Concorrência


Amanda Athayde

também realizaram propostas de quatro novos artigos no art. 47 da


Lei 12.529/2011, explicitados na Exposição de Motivos que justificou a
supramencionada Consulta Pública Cade nº 05/2016.1317
Na opinião das autoras, o ponto ótimo entre private e public
enforcement só poderá então ser efetivamente alcançado se houver
o endereçamento conjunto de propostas infralegais e legislativas,
garantindo assim segurança jurídica aos administrados no Brasil.

1317 Propostas legislativas de quatro novos artigos no art. 47 da Lei 12.529/2011:


“§1º A instauração de procedimento para apuração da infração contra à ordem econômica
pela Superintendência-Geral interrompe o prazo prescricional para ajuizamento das ações
de que tratam o caput deste artigo.
§2º O prazo prescricional para a ação do caput deste artigo é contado da ciência inequívoca
da infração à ordem econômica.
§3º Não responderá solidariamente pelos danos decorrentes da infração noticiada o
signatário do Acordo de Leniência previsto no art. 86 desta Lei nº 12.529, de 2011, cuja
responsabilidade civil é limitada aos danos individuais homogêneos causados e circunscrita
aos seus próprios clientes e/ou fornecedores diretos e/ou indiretos.
§4º Não se aplica a repetição do indébito por valor em dobro prevista no art. 42 do Código
de Defesa do Consumidor ao signatário do Acordo de Leniência previsto no art. 86 desta Lei
nº 12.529, de 2011.”.
Vide: http://www.cade.gov.br/cade-submete-a-consulta-publica-resolucao-sobre-
procedimentos-de-acesso-a-documentos-provenientes-de-investigacoes-antitruste.

Estudos em Direito da Concorrência 845


Amanda Athayde

Estudos em Direito da Concorrência

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