Capítulo 3 - Memória Da Cidade de Caconde
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Capítulo 3 - Memória Da Cidade de Caconde
Adriano Campanhole
Crédito de digitalização: @basílicacaconde
Capítulo 3
1
- D. Álvaro Antônio da Cunha (Conde da Cunha), tomou posse do cargo de Vice-Rei, no Rio de Janeiro, a16 de
outubro de 1763.
2
- Dosc. Ints., XI, pág. 211. Houve nova representação em 12-08-1764.
3
- D. Luís Antônio de Souza Botelho Mourão era filho de Antonio José Botelho e Mourão e de dona Joana de Souza.
Além de outros títulos, foi comendador da Ordem de Cristo e do Conselho de Sua Magestade. Sua nomeação é de
janeiro de 1765. Tendo partido de Lisboa a 27 de março desse ano, chegou ao Rio de Janeiro no dia 18 de junho, a
bordo da Fragata N. S. da Estrela, comandada pelo capitão-de-mar-e-guerra Manoel Machado. Durou a viagem 84 dias.
Governou até 14 de junho de 1775. Foi notável a sua ação como tenaz consolidador do domínio português ao sul e ao
oeste da Capitania e se algum excesso cometeu foi levado por seu extremo patriotismo. Serviu-se exclusivamente dos
serviços dos sertanistas paulistas para toda essa empresa e sempre fez deles o melhor juízo.
4
- Docs. Ints., XI, pág. 211.
5
- Docs. Ints. XI, pág. 211.
6
- Câmara Municipal de São Paulo, livro de posses, fl. 12.
MEMÓRIA DA CIDADE DE CACONDE
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havia publicado, em Jacuí, no ano de 1764, o seu bando, interpretando a Linha demarcada pelo
ouvidor Tomás Rubi. Sobre os antecedentes deste problema discorre o ilustre Orville Derby:
“Enquanto se esperava a solução definitiva cometida ao Vice-Rei pelo aviso régio de 4 de
fevereiro, manteve-se entre os dois governadores (de São Paulo e de Minas) uma correspondência
animada a respeito das minas do Rio Pardo descobertas depois do “giro” de Luís Diogo e pouco
antes da chegada de D. Luís Antônio a São Paulo. Achavam-se situadas nos vales de diversos
tributários que para o Rio Pardo descem do espigão entre Jacuí e Cabo Verde, no Distrito que desde
aquele tempo tem conservado o nome de Caconde. O caminho de Luís Diogo da comarca de São
João d’El Rei, tinha sido pelo alto do dito espigão, deixando fora do perímetro do seu giro a região
das novas minas. Estas, porém, podiam ser abrangidas pela linha elástica de Tomás Rubi que do
morro do Lopo ao rio Grande não tinha posição definida nem ponto algum fixo, e, como neste
tempo os mineiros podiam ainda supor válida esta demarcação, Luís Diogo tinha razão em pugnar
para estabelecer ali a jurisdição mineira. Por seu lado D. Luís Antônio, em vista das instruções que
diz ter recebido para restaurar a Capitania de São Paulo a seu antigo estado e jurisdição, em vista da
impugnação bem motivada que os paulistas opuseram à demarcação de Tomás Rubi, tinha
igualmente razão em reclamar para São Paulo o distrito em questão. Com a pronta remessa de uma
guarda armada, ele obteve a vantagem da posse efetiva, que manteve, impedindo ao mesmo tempo
as minas em conformidade com as ordens do governo, enquanto submetia o seu ato à aprovação do
governo de Lisboa”7.
Mal iniciado seu governo em Santos, dirige-se o governador de São Paulo ao Conde de
Oeiras, depois Marquês de Pombal, em 15 de setembro de 1765, nos termos seguintes:
7
- Docs. Ints., XI, pág. LV.
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alguma discórdia que esfrie a boa união que é tão necessária ao serviço de sua Magestade no tempo
presente conforme as suas reais ordens, será mais conveniente que V. Exa. veja se pode decidir por
si este ponto resolvendo como lhe parecer, quais devem ser os limites e as divisões por onde nos
havemos de governar para sabermos por que parte se dividem as duas Capitanias. Deus guarde a V.
Excia. Vila de Santos, 15 de setembro de 1765”8.
O governo de Lisboa não tinha o menor interesse na razão ou sem razão de São Paulo. O que
contava para sua atitude inteiramente passiva eram as cem arrobas de ouro que anualmente
abarrotavam as arcas portuguesas.
Tomou o Conde da Cunha as providências necessárias, lavrando no Rio de Janeiro o assento
de 12 de outubro de 1765. Diz esse documento que o ouvidor-geral da Comarca do rio das Mortes
excedera na demarcação de 1749 as ordens que havia recebido do Conde de Bobadela, “sem atinar
o rumo que devia tomar, até se meter no Rio Grande, ficando por esta mal ideada demarcação
introduzida a Comarca, ou governo de Minas, dentro da mesma de São Paulo9.
Registra o mencionado assento aprovado pelo vice-rei que a divisão pelo rio Sapucaí era
justíssima “porquanto os ditos descobertos e mais terras do Oeste do Rio Sapucaí nunca
pertenceram a Minas”. E mais:
“Sendo pois feitas todas as referidas ponderações na presença do Ilustríssimo e
Excelentíssimo Senhor Conde vice-rei, disse, que ele as aprovava, e se conformava com elas, e
com a dita divisão menos em que ela se fizesse pelo meio da forquilha dos dois rios Sapucaí-Mirim
e Sapucaí-Guaçu, pois o seu voto era que se fizesse da forquilha para o Sul por Sapucaí-Guaçu e até
a sua origem, em cuja circunstância só se apartava da Junta”10.
Vencida a ressalva do vice-rei, ficou assim a divisão das duas Capitanias: “Por entre estes
dois rios assentaram se devia fazer esta divisão até se encontrarem ambos, que serão oito até dez
léguas de distância o que vai da referida forquilha dos dois rios até o alto da dita Serra da
Mantiqueira e vertente deles, ficando assim pertencendo à Capitania ou governo de São Paulo, o
braço chamado Sapucaí-Mirim, e o chamado Sapucaí-Guaçu a Minas Gerais com todas as suas
vertentes ou rios pequenos, que formam os ditos dois braços, e da forquilha para baixo até entrar no
rio Grande fica servindo de baliza a madre ou álveo do dito rio, para as duas Capitanias, isto é, a
margem oriental às Minas Gerais, e a margem ocidental ao governo de São Paulo”11.
O vice-rei aprovou a demarcação, ou pelo menos com ela se conformou, mas não mandou
executá-la. Do citado assento deu conhecimento ao governador D. Luís Diogo, de Minas Gerais,
como determinava a carta de 13 de fevereiro de 1764, mas não a D. Luís Antônio de Souza, que
disso se queixaria e com razão.
No conhecimento exclusivo da matéria, D. Luís Diogo certamente fez as suas ponderações
ao vice-rei. Este remeteu o assento a sua Magestade, em carta de 31 de outubro de 1764. Tendo o
Conde da Cunha poderes para decidir a questão, não o fez. Mas foi leal ao sugerir que a divisão se
fizesse mesmo pelo rio Sapucaí, pois disto estava convencido:
“Devo por na sua real presença o que me parece neste embaraçado negócio, que entendo se
deve resolver, mandando o mesmo Senhor que a divisão se faça pelo rio Sapucaí; e que na quota
das Minas Gerais não se abata cousa alguma das cem arrobas, que anualmente tem obrigação de
pagar as Comarcas da mesma Capitania; porque quando elas se ofereceram ao Conde de Galvêas, é
8
- Docs. Ints., vol. 72, pág. 86.
9
- Docs. Ints. XI, pág. 218.
10
- Docs. Ints. XI, pág. 221.
11
- Docs. Ints., XI, pág. 216.
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certo que não possuíam aqueles distritos nem pessoa alguma os conhecia; tudo era oculto e só os
paulistas é que deles tinham alguma notícia”12.
O Conde da Cunha fez justiça aos paulistas, mas o governo central não se impressionou com
o argumento do seu principal mandatário.
O capitão-general de São Paulo demonstra desde o início de sua gestão conhecer
profundamente o problema lindeiro com Minas Gerais, como se depreende da carta que enviou em
15 de novembro de 1765 a D. Luís Diogo Lobo da Silva, na qual não esconde a desagradável
impressão que possuía do Conde de Bobadela:
“O limite desta Capitania de São Paulo, com a de Minas Gerais depois de cedidas a esta
Capitania as Campanhas do Rio Verde que antigamente eram compreendidas na demarcação da
sobredita Capitania de São Paulo, de quem a de Minas Gerais tinha sido anteriormente desanexada,
como ao depois, o foram também as Capitanias de Goiás e Cuiabá, sempre foi e ficou sendo pelo
Rio Sapucaí, de que há provas e documentos tão autênticos, que seria supérfluo o referí-los, pois
esta certeza é tão manifesta como sabida a grande aversão que em toda a sua vida conservou a esta
Capitania o Sr. Conde de Bobadela, empregando-se com todo o seu empenho (não sei se com grave
prejuízo dos Reais interesses) em danificá-la e distraí-la. Sendo esta evidência tão conhecida e tão
sabida de todos, não pode V. Exa. deixar de estar bem inteirado dela, como de que a dita
demarcação é inteiramente nula, porque obrou despótica e clandestinamente o Ouvidor Tomás
Rubi, e o mais que se seguiu nesse sobredito rio Sapucaí”13.
E sem rebuços, assim se dirige, em carta datada de 10 de novembro de 1765, ao Conde da
Cunha, vice-rei do Brasil, relatando as controvérsias sobre as divisas com Minas Gerais:
“...como porque foi feita a dita demarcação em tempo que não havia nesta Capitania e neste
Bispado nem Governador nem Bispo, que nela consentisse, como porque governando em ambas as
Capitanias o sr. Gomes Freire de Andrade, sem dúvida havia de ser feita por onde ele quizesse,
como também havia de ser prejudicial a esta Capitania pela radical aversão, com que o dito a
considerou sempre, e a procurou distrair em toda a sua vida...14”
Em 15 de novembro do mesmo ano manifesta o seu desgosto à demarcação feita pelo
general de batalhas Gomes Freire de Andrade, em carta que dirigiu ao governador de Minas Gerais:
“... ainda pela sua parte excedeu o mesmo ouvidor Tomás Rubi às ordens que lhe foram
passadas pelo Sr. Conde de Bobadela, em que o autorizavam para a dita demarcação estendendo-a
consideravelmente, e muito mais ao largo do que permitiam as ditas ordens, até vir por os marcos
quase a vista da cidade de São Paulo, cujos fatos fica evidentemente manifesto o quanto o Sr.
Conde de Bobadela praticou tudo o que era em detrimento desta Capitania e estimulou as causas
que concorriam para o seu habitamento e assim foi feita a dita demarcação em tempo que as duas
Capitanias estavam sujeitas ao seu governo procedendo livremente por aquele modo que fosse mais
proporcionado ao seu gosto, principalmente não havendo naquela ocasião nesta Capitania um
Governador no temporal, um bispo no Espiritual que se opuzesse porque para contradizê-la era
declarar que não consentia nela e por toda a defensa que podia nas margens do Sapucaí, e não
capitular com as suas representações, a oposição que cabia na sua possibilidade, e até onde
permitiam os termos que deviam a sua obediência.
“Não há pessoa instruída nos sucessos destes Países que não saiba perfeitamente essa
verdade e estou certo que V. Exa.a conhece evidentemente e que não deixaria de confessá-la pela
12
- Docs. Ints., XI, pág. 227.
13
- Docs. Ints., XI, pág. 268.
14
- Docs. Ints., XI, pág. 255.
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sua honra, se demitisse a obrigação de procurar pelo seu partido. Dos mesmos papéis que V. Exa.
foi servido remeter-me para me capacitar, se colhe este argumento sem controvérsia”15.
D. Luís Diogo não concorda, evidentemente com o governador de São Paulo e, inclusive,
chama aos paulistas de preguiçosos e inaptos! 16E defende os limites estabelecidos pelo mencionado
Rubi, estribado na frase “por onde vos parecer”. El Rei tinha mandado repartir pelo rio Grande e
pelo rio Sapucaí, mas deixou ao Conde de Bobadela uma opção, a qual foi utilizada por quem era,
ao mesmo tempo, governador das duas Capitanias e assim determinou os limites por onde quis.
Em 19 de dezembro de 1766 o Morgado de Mateus remete longa missiva ao governo de
Lisboa, à qual junta um mapa, para demonstrar “a grande usurpação de terras que se tem feito a esta
Capitania de São Paulo, e que havendo de existir a mesma demarcação (de Tomás Rubi), ficariam
pertencendo ao Distrito das Minas as Freguezias de Mogi-Guaçu, Mogi-Mirim, Itajubá e Jaguari
(Bragança Paulista), cujas freguesias são administradas e regidas pela jurisdição da Capitania de
São Paulo, como é verdade sabida”17.
Não se cansa o nosso capitão-general de dizer que quando veio para o governo de São Paulo
foi Sua Magestade servido mandar restituir a Capitania ao seu antigo estado e jurisdição. E na sua
irritação, pelo menos uma vez torna-se irônico, na sua citada carta de 19 de dezembro de 1766:
“Se bem repararmos nas diferentes alterações que tem tido estes limites, parece que a sua
demarcação não se governa pelos rios, nem pelos montes, mas só se encaminham pelos novos
Descobertos ou pelos sítios onde se presume que haja ouro, e a tudo dá fundamento a serra da
Mantiqueira, porque como por toda a parte há morros, e há montes, e detrás de um morro logo se
segue outro, e todos cobertos de imensas matas, que é impossível distinguí-los em qualquer parte
que apareça um descoberto de ouro, lá se há de verificar que ali chega a serra da Mantiqueira, e
nunca a Capitania de S. Paulo saberá a divisão que lhe pertence”18.
Tendo El Rei aprovado, em aviso régio de 25 de março de 1767, as providências
administrativas dadas em São João de Jacuí, São Pedro de Alcântara e Almas, Cabo Verde, Ouro
Fino, Jaguari e Tajubá, argumentava o governador das Gerais que Lisboa aprovara a divisão
territorial por ele feita. Na realidade, a sanção real se estendia apenas às providências
administrativas em favor do fisco.
Foi preocupação de D. Luís Diogo fazer as divisas pelo descoberto, como efetivamente fez.
O seu périplo abrangia apenas os descobertos conhecidos. O do Bom Sucesso, nas Cabeceiras do
Rio Pardo, apareceu em 1765 e não ficava dentro da circunferência traçada pelo governador das
Gerais, na custosa e arrojada viagem que fez às suas expensas, adotando medidas que visavam a
manter estufados os cofres da Real Fazenda. O fisco das Gerais, como o de todo o país, constituía,
nessa época, terrível organização. O que existia era um Estado meramente fiscal.
Ao governo da Metrópole importavam, e muito, as cem arrobas de ouro. A questão de
limites entre as duas capitanias deveria resolver-se por si mesma. Constituiu-se em enfastiante jogo
de paciência. E de delonga em delonga, debateu-se o assunto durante duzentos anos. Na Colônia,
nos dois Impérios, na República Velha e na República Nova. E o que a Corte imaginava acabou
acontecendo: mantiveram-se, afinal, as divisas que as posses de um e de outro determinaram.
15
- Docs. Ints., XI, pág. 269.
16
- Docs. Ints., XI, pág. 271.
17
- Docs. Ints., XI, pág. 239.
18
- Docs. Ints., XI, pág. 239.
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