Artigo Saci Pererê

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JAXY E JAXY JATERÊ: O PONTO DE VISTA GUARANI E DE

OUTROS POVOS AMERÍNDIOS SOBRE A ORIGEM DA LUA, AS


CONSTELAÇÕES E O SACI-PERERÊ1 (PRIMEIRA PARTE)

ROGÉRIO REUS GONÇALVES DA ROSA 2


UFPEL, BRASIL
https://orcid.org/0000-0002-5116-5150

RESUMO: O Saci-Pererê é um personagem admirável. A contribuição ameríndia à vida desse


ser – nomeado também de Jaxy Jaterê, Mati-taperê, Xaxim-Tarerê, Yasy-yateré, Kambá’í, Saci-
ave, Matinta-Perera, etc. – é paradigmática. Este estudo enfatiza textos sobre o Saci publicados
nas áreas de mitologia, etnologia ameríndia e astronomia cultural, baseados na oralidade e na
escrita de interlocutores afro-americanos e ameríndios (Tupiniquim, Tupinambá, Kayowa,
Taurepang, Surui-Paiter, em especial, Mbyá e Chiripa). O artigo tem duas partes. Na primeira,
que você lerá nesta publicação, o objetivo é apresentar, a partir do Saci negrinho e do Saci índio,
os diversos Saci ligados à tradição cultural na América do Sul. O passo seguinte é demonstrar a
relevância da mitologia como ferramenta teórica e metodológica para analisar e traduzir tais
personagens, além de apresentar dados etnológicos sobre os Guarani. No tópico seguinte, a
intenção é focar certas conexões entre a mitologia e a astronomia cultural para investigar as
relações do Saci com a origem da lua e com as constelações tupi-guarani e ocidentais. Na
segunda parte do artigo, que será publicado no próximo volume da Revista Espaço Ameríndio,
os objetivos serão: destacar a relevância do Saci e outros personagens pernetas que estão
presentes em inúmeros mitos, além de analisar os motivos para que o Saci e outros seres
semelhantes sejam narrados com uma de suas pernas cortadas. Finalmente, considerando os
modos de pensamento dos Mbyá-Chiripa em relação à categoria já (dono), demostrar as relações
de poder entre as divindades Ñanderú, Tupã kuéry, Karaí, Kuaray, Jaxy, Curupira e Saci com as
plantas, os animais e os humanos. Por último, mas não menos importante, apresentar algumas
conexões do Saci com a categoria afroindígena.

PALAVRAS-CHAVE: Jaxy Jaterê, Saci, Mbyá-Chiripa, Mitologia, Constelação.

1
O presente texto é resultado de idéias trabalhadas na disciplina Mitologia e Ritual e nas atividades do
Núcleo de Etnologia Ameríndia (NETA). Parte dos dados foi apresentado na palestra Mitologia,
Xamanismo e Escola Kaingang (https://www.youtube.com/watch?v=Pq7-Hj2vcGY&t=6s), atividade
organizada pelo Núcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas e Tradicionais (NIT/UFRGS), em
agosto de 2016. A primeira versão escrita foi exposta durante o GT Mitologia, Diversidade Religiosa e
Produção Etnográfica Entre Os Autóctones na América e Outras Partes do Mundo, coordenado pelo
antropólogo Robert R. Crépeau e por mim, durante a XII Reunión de Antropología del Mercosur – RAM,
realizada em Posadas, Misiones, em dezembro de 2017. Agradecimento especial aos/às discentes do
Bacharelado em Antropologia pela valorização dos saberes relacionados à mitologia, à Janie Cristine do
Amaral Gonçalves pelo incentivo e pela sensível escrita do Abstract, a Pedro Castilhos da Rosa referente
ao belo tratamento das imagens, a Sergio Baptista da Silva e Pablo Quintero pela parceria do NIT e da
Revista Espaço Ameríndio, no mesmo sentido, à Lori Altmann, a Mártin César Tempass, à Rojane Brum
Nunes e a Robert R. Crépeau pelas justas e valiosas contribuições teóricas trazidas ao texto. Esse artigo é
parte do projeto Etnologia Ameríndia e Mitologia: O ponto de vista autóctone sobre xamanismo,
espiritualidade, epistemologia ameríndias, relações interétnicas, recuperação de saberes e políticas
públicas na América do Sul (Código 4351 – PRPPG/UFPel).
2
Professor do Bacharelado em Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGAnt),
além de pesquisador do NETA da Universidade Federal de Pelotas. Email: roggerriorosa@gmail.com
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

ABSTRACT: Saci-Pererê is such an incredible character. The South American indigenous


people´s (Amerindio/a) contribution to the social construction of this being – JaxyJaterê, Mati-
taperê, Xaxim-Tarerê, Yasy-yateré, Kambá’í, Saci-ave, Matinta-Perera, amongst other names, is
paradigmatic. This study focuseson texts about Saci which have been published in mythology,
South American indigenous ethnology and cultural astronomy, all texts based on Afro-Americans
and South American indigenous peoples´s oral and written narratives (Tupiniquim, Tupinambá,
Kayowa, Taurepang, Surui-Paiter, and particularly, Mbyá e Chiripa). This article has two parts.
In the first one, which you read in this publication, my aim is to analyse the black Saci and the
indigenous Saci to introduce the different types of Saci that live in South American cultural
tradition. My next aims are to demonstrate the relevance of mythology as a theoretical and
methodological tool to analyze and translate these characters, and to analyze ethnological data
about the Guarani. In the next section, my aim is to focus on a few connections between mythology
and cultural astronomy, to investigate possible links between Saci in relation to the moon origin,
and Tupi-guarani and western constellations. In the second part of the article, which will be
published in the next volume of Revista Espaço Ameríndio, the aims will be: to focuson the
relevance of Saci and other legless characters which are present in several myths, and to analyze
reasons for having Saci and other similar beings´ portrayed with one of their legs cut in these
narratives. Finally, considering Mbyá-Chiripa´s ways of thinking regarding the category já
(owner), my aim will be to show the power relations involvingthe divine entities of Ñanderú,
Tupãkuéry, Karaí, Kuaray,Jaxy, Curupira and Saci in relation to plants, animals and humans.
Last but not least, some connections between Saci and the afro-indigenous category will be
presented.

KEYWORDS: Jaxy Jaterê, Saci, Mbyá-Chiripa, Mythology, Constellation.

ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

Prólogo

Quem um dia não ouviu falar do Saci-Pererê ou sentiu um arrepio


na espinha devido à sua proximidade após um estridente assobio? O Saci
é um personagem amado e respeitado por infinitas pessoas. As suas
atitudes na floresta, no campo, na aldeia, em casa e na cidade são
narradas em livros, jornais, peças de teatro, músicas, danças, histórias
em quadrinhos, pinturas, grafismos, internet e serviços de streaming.
Trata-se de um ser que transcende às fronteiras nacionais. No
Uruguai, Argentina e Paraguai, o Saci-Pererê é Iaci-íaterê ou Yasy-yateré.
Na província de Misiones, Argentina, o Yasy-yateré é um personagem
anão, cor vermelha, que manipula um bastão de ouro ou uma varinha
encantada. No Paraguai, há o Saci-ave Tapera naevia e o ave Peixe-frito-
verdadeiro (Dromococcyx phasianellus), conhecido também como o Saci-
da-mata ou o Saci-faisão. No Chile, entre os Araucanos, aparece o
Ketronamun, um duende e perneta de aparência similar ao Saci. No centro
do Peru, entre os Inca e os mineiros de Julcani, vive o Muqui3. Trata-se de
um menino de dez anos, que habita o mundo subterrâneo, veste-se como
um mineiro, porém com roupas ornamentadas em ouro, o seu corpo
possui grande genitália, dois chifres na cabeça e olhos em tons vermelhos
vibrantes. No México, o deus Tezcatlipoca dos povos originários se
caracteriza pela ausência de um pé, sendo que do toco da perna ele
arremessa chamas de fumo, correntes de fogo e água (CASCUDO, 2002,
p. 123, 129, 132-3; CONTRERAS, 2007, p. 191-3; LEHMANN-NITSCHE,
1924, p. 105).
A Europa está também repleta de seres com atributos físicos e
morais relacionados ao Saci de nomes Cambions, Elfos, Empusas,
Farfadets, Góles, Gobelins, Kreudes, Koboldes, Lamias, Larvas, Lemures,
Brocolacos, Lutins, Vauverts, Willis, Courils, Pulpicans, Troll, entre outros.
Em Portugal, encontra-se o négrillon, ele usa touca vermelha, faz caretas
e pilhérias às crianças; há também o Molequinho de Bota Vermelha, sendo
muito irrequieto e malicioso; e, o Fradinho da Mão Furada, que possui
uma carapuça de cor vemelha forte (escarlate), sendo que à noite ele entra
pela fechadura da porta e sobe nas pessoas dormindo, produzindo
pesadelos às mesmas (CASCUDO, 2002, p. 131, 132, 134, 135). Por sua
vez, tratando-se dessa criatura na África, no tópico O Saci-Pererê
Afroindígena, segunda parte do artigo, serão apresentados outros nomes
e qualidades.
No Brasil, de início, o Saci está associado a um menino, corpo
negro, uma perninha, gorro, roupas vermelhas e cachimbo na boca. A
impressão inicial da matriz afro-americana é notória. É importante dizer
que além da floresta, do mundo subterrâneo das minas de ouro, dos
quartos e das residências, diversos povos ameríndios reparam sua
presença no céu. Então, partindo da clássica imagem do Saci de gorro
vermelho e perneta, serão destacados outros nomes e outras fisicalidades

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Esse personagem foi apresentado a mim pelos discentes Bruno Pinho Chaves e Carine Medeiros Correia,
durante o trabalho final da disciplina Mitologia e Ritual (Semestre 2019-2).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

que permeiam esse personagem pelo mundo afro-americano e,


sobretudo, ameríndio.
Este estudo enfatiza textos sobre o Saci publicados nas áreas da
mitologia, etnologia ameríndia e astronomia cultural, baseados na
oralidade e na escrita de interlocutores afro-americanos e ameríndios
(Tupiniquim, Tupinambá, Kayowa, Taurepang, Surui-Paiter, em especial,
Mbyá e Chiripa4). O artigo tem duas partes. Na primeira, que você lerá
nesta publicação, a partir do Saci negrinho e do Saci índio, o objetivo é
apresentar os diversos Saci ligados à tradição cultural na América do Sul.
O passo seguinte é demonstrar a relevância da mitologia como
ferramenta teórica e metodológica para analisar e traduzir tais
personagens, além de apresentar dados etnológicos sobre os Guarani. No
tópico seguinte, a intenção é focar certas conexões entre mitologia e
astronomia cultural5 para investigar as relações do Saci com a origem da
lua e com as constelações tupi-guarani e ocidentais. Na segunda parte do
artigo, que será publicado no próximo volume da Revista Espaço
Ameríndio, os objetivos serão: destacar a relevância do Saci e outros
personagens pernetas que estão presentes em inúmeros mitos, além de
analisar as razões para que o Saci e outros seres semelhantes sejam
narrados com uma de suas pernas cortadas. Finalmente, considerando os
modos de pensamento dos Mbyá-Chiripa em relação à categoria já (dono),
mostrar as relações de poder entre as divindades Ñanderú, Tupã kuéry,
Karaí, Kuaray, Jaxy, Curupira e Saci com as plantas, os animais e as
pessoas. Por último, mas não menos importante, apresentar algumas
conexões do Saci com a categoria afroindígena.
Com relação ao método usado no texto, faço breves comentários.
Em grande medida, a presente versão foi produzida entre os anos 2020 e
2021, no decorrer da pandemia do Covid-19 e dos impedimentos de
contato social por ela implicados. Jaxy Jaterê e Saci me oportunizaram a
devida saúde mental para enfrentar esse período tão conturbado vivido
no Brasil, marcado pelo negacionismo, milhares de mortes e fake news.
Preciso informar que a maior parte dos dados é originária de textos de
colegas e amigos/as acadêmicos e indígenas. A partir dos mesmos,
busquei manter as grafias originais das escritas guarani. Há também
muitas citações, algumas extensas, isso me despertou sentimentos de
alegria e inquietação. Alegria, porque os mitos relacionados aos Saci são

4
Segundo Mártin César Tempass (comunicação pessoal), Mbyá e Chiripa vivem juntos em muitas aldeias,
partilhando divindades, redes de parentesco e, por conseguinte, narrativas mitológicas. Considerando a
tênue diferença entre tais coletivos, o presente artigo os assumirá em tese como culturalmente indistintos.
5
Há um instigante debate entre os especialistas da Astronomia Física sobre as categorias “astronomia”,
“arqueoastronomia”, “etnoastronomia” e “astronomia cultural”. Sem a intenção de reduzir essa discussão,
cito as duas últimas. A etnoastronomia “investiga o conhecimento astronômico de grupos étnicos ou
culturais contemporâneos que, em geral, não utilizam a astronomia ocidental (oficial), sendo esse o caso
dos povos indígenas que habitam o Brasil. Ela requer a colaboração de especialistas de diversas áreas, como
Astronomia, Antropologia, Biologia e História” (AFONSO, 2010, p. 65). Por sua vez, a astronomia cultural,
que vem substituindo a etnoastromia, se atém aos “sistemas de observação celeste dos povos antigos, ou
dos povos indígenas atuais, nos quais explicitamente encontram-se integrados aspectos ecológicos,
meteorológicos, cosmológicos e astronômicos” (LIMA et al, 2014, p. 90). Nesse artigo, eu trabalharei com
a concepção de astronomia cultural. Sobre essas ideias, veja: AFONSO, 2006; AFONSO, 2013; AFONSO;
NADAL, 2014; KOCH-GRÜNBERG, 1953; LIMA; MOREIRA, 2005; LIMA; FIGUEIRÔA, 2010;
FAULHABER; BORGES, 2016; MOREIRA; MOREIRA, 2015; CARDOSO; HÓ, 2007.
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

um primor. Inquietação, devido à necessidade de resumir as narrativas


para o devido encaixe às teorias. O Saci simplesmente não para de revelar
surpresas e novas conexões. A partir disso, o número de páginas se
avolumou considerando os padrões habituais e o artigo teve que ser
dividido em duas partes. Ao fim, essa tensão serenou em mim na medida
em que as vozes afro-americanas e ameríndias presentes de forma
implícita ou explícita no material pesquisado foram tomando conta do
texto.6 Como será possível reparar, é fantástico incluir o Saci em nossas
vidas, mas como muitos escritores já fizeram isso antes, por diversas
vezes me indaguei: “como escrever um texto com o rigor acadêmico
necessário sobre um personagem tão serelepe?”. Enfim, tendo como
aliados as vozes dos interlocutores e a minha ligação umbilical com a
mitologia e a etnologia ameríndia, terminei esse artigo com o sentimento
de um profundo encanto pela grandeza e pela visão de mundo desse
personagem tão importante à compreensão, à valorização e ao
reconhecimento do modo de vida dos povos ameríndios, em especial, dos
Guarani.

O Saci Negrinho e O Saci Índio

Entre os dias 24 e 28 de março de 2014 aconteceu o Curso Básico


de Formação em Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de
Terras Indígenas – PNGATI/Bioma Mata Atlântica Sul/Sudeste7, no
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade do Ministério
do Meio Ambiente. Na condição de instrutor, eu participei da Roda de
Conversa sobre o Mundo Kaingang, atividade essa ligada ao Módulo II:
Cultura e Meio Ambiente.
No desenrolar do evento, eu escutei de alguns participantes que um
motorista da AcadeBio/ICM Bio, narrava eventos “estranhos”. Sem
pestanejar, decidi conversar com Rui Sérgio Ferreira na primeira
oportunidade. Assim que eu embarquei no ônibus, acomodei-me em pé
ao seu lado. Barulho do motor do veículo, Rui dirigindo, eu a escutá-lo e
sem acreditar em suas aventuras com um ilustre personagem. Antes de
desembarcar, solicitei uma entrevista gravada. Pedido aceito, mas cuja
execução aconteceu somente nos meus últimos minutos na Floresta
Nacional de Ipanema, em Iperó, São Paulo.

‒ Autor: Me conta a tua história com o Saci-Pererê?


‒ Rui: Sim, eu tinha por volta de nove anos na época, eu
era uma criança que adorava brincar, fazer bagunça era

6
O esforço de valorização das vozes ameríndias é um dos objetivos do grupo de estudos Intelectuais e
Epistemologias Ameríndias: Um Saber Intercultural em Foco. Trata-se de um projeto de ensino que, no
espaço do NETA, docentes, discentes e ameríndios/as lêem e discutem textos (artigos, livros, dissertações
e teses) produzidos exclusivamente por autores/as indígenas sobre diversos temas, como educação, religião,
espiritualidade, questão fundiária, direito, política, gênero, etc.
7
A organização desse evento foi protagonizada pelo antropólogo Henyo Trindade Barreto Filho, então
Consultor do Projeto GATI/PNUD. Outras informações:
http://cggamgati.funai.gov.br/index.php/pngati/not-cias/cursistas-do-sul-e-sudeste-debatem-cultura-e-
natureza-durante-2-modulo-do-curso-basico-de-formacao-em-pngati/
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
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comigo mesmo, eu e outro colega a gente sempre ficava


até oito horas e trinta, nove horas da noite brincando.
Daí, tava bem escuro, por volta de oito horas mesmo, eu
e meu colega estávamos brincando, dali a pouco nós
começamos a escutar uns barulhos de assobio, um
assobio alto foi chegando perto de nós, a gente foi
conversando sobre aquele assobio para ver que barulho
era aquele, e a gente foi indo, foi indo, até que a gente
chegou em uma encruzilhada e o Saci se materializou na
frente da gente. Daí, a gente conversou normal, a gente
achou que era uma criança igual à gente, ele perguntou
se a gente gostava de bombom.
Eu falei: –‘eu gosto!’, meu colega também: – ‘eu gosto!’.
Então, ele falou: –‘vocês querem ganhar uma caixa de
bombom?’.
Porque, aqui [AcadeBio], na época, sempre vinham
escoteiros, ficavam acampados uma semana, quinze
dias no campo.
Ele falou: –‘viu, vamos brincar com esses escoteiros,
vamos assustar eles, vamos fazer eles ficarem com
medo, daí eu dou uma caixa de bombom pra vocês.
Vamos?’.
Nós topamos! Ele marcou o horário da meia-noite para a
gente se encontrar naquela encruzilhada, novamente.
A gente foi embora para casa, tomamos um banho, por
volta da meia-noite, eu acordei, bem quietinho, sem que
meus pais percebessem, abri minha janela, pulei a
janela, fui até a casa do outro colega, bati na janela dele
e simplesmente falei para ele: –‘Alexandre, foi sonho o
que aconteceu comigo, ou você viu também?’.
Ele falou: –‘não, eu também vi!’.
Eu falei: –‘você vai encarar ou vai ficar com medo?’.
Ele falou: –‘vamos lá!’.
Daí, ele pulou a janela também, e a gente foi para aquele
lugar combinado. Meia-noite em ponto a gente foi lá.
Quando a gente chegou, foi coisa de minuto, a gente
ouviu aquele assobio novamente, e veio chegando,
chegando um assobio agudo em nossos ouvidos, e num
passe de mágica ele se materializou na nossa frente
novamente. A gente foi, ele foi na frente e a gente
acompanhando ele atrás. Ele é como o folclore, pelo
menos o que eu vi, é um menininho aparentemente de
nove anos, da nossa idade, usa o gorro vermelho, um
shortinho com a tira, o cachimbo e descalço. Igual a
gente andava, a gente andava só descalço na época. E a
gente acompanhou ele até lá. E chegamos lá, ele passou
as coordenadas para a gente, como a gente ia assustar
o pessoal. Eu comecei a atirar pedras nas barracas, meu
colega começou a chacoalhar uma corrente e fazer
gemidos, sei que foi um caos de susto naquela turma, as
meninas berravam. Quando a gente se virou para a

ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
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gente reivindicar o nosso bombom, cadê, ele tinha


desaparecido. Daí a gente já não viu mais.
Eu acordei no dia seguinte, a gente veio para a escola,
eu conversei a mesma coisa com ele.
Viu. –‘A gente fez tudo aquilo mesmo ou foi sonho, coisa
da minha cabeça?’.
–‘Não, pior que a gente fez!’.
–‘Mas, eu tô mal, vamos lá contar pra eles que foi a
gente que fez isso e o porque a gente fez?’.
Ele falou, –‘não, mas se eles batem na gente, prendem
a gente?’.
–‘Não, vamos lá!’.
–‘Mas, então, você fala!’.
Daí, a gente chegou lá, eu falei com eles: –‘eu queria
falar com o chefe dos escoteiros’. Daí o chefe de
escoteiros acolheu a gente, super bem.
Eu falei: –‘eu e meu colega estamos aqui para pedir mil
desculpas e explicar o que aconteceu na noite passada’.
Ele falou: –‘Ah, foram vocês?!’.
–‘Fomos! Não foi por maldade nossa, foi a mando de uma
pessoa, não sei se vocês acreditam, mas eu vou falar, eu
e ele vimos o Saci ontem, daí ele nos ofereceu uma caixa
de bombom, a gente concordou em vir assustar vocês’.
–‘Não?! Eu acredito nisso, nós escoteiros acreditamos
nesse folclore!’.
A gente pediu desculpas e o chefe dos escoteiros falou:
–‘por vocês terem contato a verdade, vocês vão passar
o dia com a gente, vão almoçar, vão participar de
gincanas’.
A gente passou um dia super agradável. No final da
tarde, a gente recebeu uma medalha de honra ao mérito,
além de brincar e se divertir o dia inteiro, ainda ele nos
deu um garfo que eu nunca mais vi. É um garfo de três
pontas tipo canivete [suíço]. Você aperta um botão nele
e pum, ele pula pra fora. Eu tenho esse canivete até hoje
guardado de lembrança. A história do meu Saci que eu
ouvi é essa. Eu posso dizer que eu vi, ninguém é
obrigado a acreditar como eu falei para você, eu
simplesmente falo. Eu vi e sei que ele existe. Entendeu?
‒ Autor: Ele tinha as duas pernas?
‒ Rui: Não, uma só, uma só. Normal. Pra mim é que nem
o desenho do folclore. Um negrinho bagunceiro que só
ele.

ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
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Figura 1: Saci Negrinho

Fonte: Pedro Castilhos da Rosa

Eu conheci Rui Sérgio Ferreira com trinta e cinco anos de idade (em
2014). Ele havia mantido até esse momento dois contatos com o Saci
negrinho.8 O primeiro, relatado acima, aos nove anos; o segundo, aos
vinte e cinco anos. Olhando para seu corpo pergunto sobre a sua origem
étnica, ele se define como “índio” e “tupiniquim”, disse-me, ainda: “minha
avó era filha de índios. Eu sempre adorei mato, o mato para mim é onde
eu me sinto bem”.
Importante dizer, Rui e seu amigo estão longe de serem as únicas
crianças a conhecerem pessoalmente tal personagem. Outro narrador, o
Quito, um jovem de quinze anos, defrontou-se com um Saci, também
representado como um menino negro como o “carvão”, dez anos, porte
pequeno e um metro de altura. Na percepção de Quito, dos olhos vivos
do Saci tremeluzem brasas e quando ele ri expele fogo por suas narinas.
De uma perna somente, ele saltita enquanto caminha (apud LOBATO,
2008, p. 111).

8
Na cidade de Tupanciretã, região noroeste do Rio Grande do Sul, dona Olanda Kolinski da Silva,
professora das séries iniciais há mais de quarenta anos, fala sobre o Saci-Pererê: “um menino de cinco, seis
anos, no máximo sete, miúdo. Tinha uma perninha só, mágico, andava no mato, pulando de bonezinho
vermelho, ele gostava muito de entrar nas casas para roubar, pegar emprestado os cachimbos das pessoas,
dava uma fumada, deixava lá. No outro dia preparavam de novo e ele pegava de novo e fumava os
cachimbos das vovós. Ele ia a pé, quando a vó o achava dava um corridão nele, ele saia pulando com um
pé só” (Entrevista com Cristhiano Kolinski, agosto de 2020).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
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Nhô Vadô Rodrigues, esse “um velho boiadeiro”, é outro narrador.


O Saci que ele presenciou usa camisa e calça de tecido de algodão, sua
cabeça é coberta por um gorro pintado de urucum luminoso, os seus
olhos expelem fogo. Com as mãos furadas, ele brinca de petecar brasa
de fogo enquanto caminha e carrega seu cachimbo de barro9. Por sua vez,
a Negra Joana adiciona que, além da carapuça vermelha, o Saci usa camisa
e calção vermelho de algodão. No seu modo de ver, ele tem nariz adunco,
barbinha e unhas das mãos compridas (apud LOBATO, 2008, p. 75, 105).
Nas palavras de André Capeta, a marca do Saci-Pererê é a
gargalhada, o assovio estridente e o inseparável cachimbinho de barro.
Para o Nhô Samé, esse personagem assobia, grita, canta, chora e voa. Por
sua vez, o preto velho Nhô Urbano comenta que o Saci é o “filho do diabo”,
adora trançar as crinas dos cavalos e fazê-los galopar a noite inteira
servindo-se da cauda como rédeas. Urbano alerta que não se deve mexer
com os passarinhos porque o Saci é o protetor dos seus ninhos. Já o tio
Cosme, sexagenário que não tem medo de nada, inclusive, já disparou
tiro em Saci10, recomenda usar sempre um santinho São Bento no pescoço
com um dente de alho descascado no seu interior para se defender ao
avistar um redemoinho de tal criatura (apud LOBATO, 2008, p. 45, 57,
82, 83, 139, 140, 173, 174, 261, 262).
Importante explicitar, os relatos de Quito, Nhô Vadô Rodrigues,
negra Joana, André Capeta, Nhô Samé, Nhô Urbano e tio Cosme são parte
do livro Saci-Pererê: Resultado de um Inquérito, de Monteiro Lobato. O
mesmo trata-se de uma investigação de abrangência nacional sobre o
Saci-Pererê, obra lançada no Estadinho (edição vespertina de O Estado de
São Paulo), em janeiro de 1917. Através dos setenta e três depoimentos
selecionados por meio de cartas assinadas por pseudônimos enviadas ao
Jornal – suponho que de pessoas letradas e classes abastadas! – é possível
ler nas entrelinhas as vozes e as experiências de ex-escravos/as
trabalhadores/as de fazendas, empregados/as negros/as e pretos/as
velhos/as, como as acima apresentadas (LOBATO, 2008).
Como se verá na continuidade, determinadas características físicas
e intersubjetivas do Saci-Pererê mencionadas acima são perceptíveis
também entre os Guarani, a partir de textos produzidos por escritores
“brancos” e indígenas. Em relação aos primeiros, Francisco Schaden, em
Índios e Caboclos, explica que o Saci faz “diabruras” nas horas noturnas
porque ele enxerga muito mal. Em suas palavras: “em tupi-guarani, a
palavra ‘saci’ traduz ‘vista doente’” (SCHADEN, 1949, p. 41). Além disso,
o professor situa o “elemento africano” do personagem, descrevendo esse
enquanto um anãozinho, “cor preta”, portador de gorro vermelho,
cachimbo na boca, uma perna, muito ágil, que caminha dando
cambalhotas, sendo também desprovido de quaisquer órgãos anatômicos
relacionados à evacuação e à micção (1949, p. 41). Ao fim do texto, ele

9
Nhô Vadô Rodrigues discorre ainda sobre um Saci que vive em Minas Gerais: “Em Minas há um muito
reinador que atenta os garimpeiros, vira os corumbés, esconde a matula, é trelador com as moças e
apadrinhador de casamentos. Um faiscador seu compadre disse-lhe que se chamava essa espécie sacerê.
Também usa calças de algodão e entra n’água sem se molhar” (apud LOBATO, 2008, p. 75).
10
Mas, o Saci “estalou a língua, soprou com força uma nuvem de fumaça e de chumbo na cara do Tio
Cosme, dizendo: ‘Meu avô, seu fumo é muito fraco, mas tem bom gosto’” (apud LOBATO, 2008, p. 140).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

caracteriza um terceiro Saci-Pererê, esse “quase antropomorfo”, bípede,


cor de pele “bronzeada como a dos índios”, também sem os órgãos de
evacuação e micção, longa cabeleira vermelha que esvoaça quando realiza
as suas piruetas. Esse Saci, embora possua as duas pernas, tem “uma
ferida em cada joelho, razão pela qual coxeia um pouco” (1949, p. 42).
A perspectiva da “vista doente”, da ausência de uma perna e da
vinculação à raiz tupi-guarani é destacada também pelo médico e coletor
de palavras indígenas, de nome Clóvis Chiaradia. No Dicionário de
Palavras Brasileiras de Origem Indígena, ele cunhou as seguintes
definições para Saci, Saci-Cererê, Saci-Pererê e Saci-Perererê:

SACI. 1) entidade fantástica (século XIX), negrinho de


uma perna só, de cachimbo e barrete vermelho;
persegue ou arma cilada aos viajantes; no vale do
Paraíba do Sul, tem um olho doente (eçá-aci) e o outro
muito vivo (eçá-pererê) [...]; 2) v. matintaperera 1
(Tapera naevia). [...] do T.G. [Tupi-Guarani] (e)çá-aci –
o olho doente.
SACI-CERERÊ – a) do T.G. saci-cererê = saci-pererê.
SACI-PERERÊ – a) T.G. saci-pererê – o saci que anda aos
saltos, inquieto.
SACI-PERERERÊ – a) T.G. (e)çá-aci = saci – olho doente;
(e)ça-pererê = sapererê; olho inquieto (CHIARADIA,
2008, p. 569).

Assim como nas obras de Francisco Schaden e Clóvis Chiaradia, o


Saci-Pererê de matriz indígena não passa despercebido de um clássico
etnólogo. Egon Schaden explica que o Saci é parte da vida dos ameríndios
que habitam o Brasil desde pelo menos os Tupinambá litorâneos. No
tópico Constelações e Saci no Céu Guarani esse ponto de vista será
aprofundado.
Assim, no livro Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani está
registrada a presença desse personagem entre os Nandéva e os Kayová.
Tratando-se dos Nandéva, no Araribá, essas pessoas chamam-no de
atsýyguá, um ser responsável por causar doença ou dor a quem o
encontrasse. Na condição de invisível e mudo, os Guarani ao escutar seu
assobio sentem medo do Saci. Quanto às suas características físicas,
trata-se de um personagem pequeno, de aparência humana, “pretinho”
(por isso, conhecido por kambá í), provido de duas pernas e não fumante
(SCHADEN, 1974, p. 156; ROSA, 2013, p. 195).
Já entre os Kayová, a partir de narrativas colhidas em Benjamin
Constant, o nome é xaxim-taterê. Egon Schaden conclui que tal nome se
deve ao contato dessas pessoas com a cultura brasileira ou paraguaia.
Trata-se também de um meninote, aparentando cinco anos, bípede, de
cor preta ou branca. Ele gosta muito de tabaco e aguardente. A sua força
mágica reside em um pequeno bastão que carrega consigo. Para os
Kayová, o xaxim-taterê se manifesta nas picadas do mato através de um
assobio penetrante, que causa arrepios, fazendo estremecer quem o
escuta. Tais pessoas afirmam que ele é uma espécie de “guarda da noite”
e que, quando o arremedam ou duvidam de sua vivência, ele aparece com
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

seu bastão a fim de castigar os incrédulos (SCHADEN, 1974, p. 156-7;


ROSA, 2013, p. 195-6).

Figura 2: Saci Índio

Fonte: Desenho de Capa - Olavo Ricardo; Projeto Design - Mariano L. de Andrade Neto
Editora UEL

Um Saci-Pererê com duas perninhas também se faz presente no


conjunto da obra de Olívio Jekupé. Trata-se de um escritor guarani,
morador do tekoá Krukutu e presidente da Associação Guarani Nhe’e
Porá. No livro intitulado O Saci Verdadeiro11, Jekupé apresenta duas
narrativas a respeito de um Saci generoso, que trata com zelo e
autoridade a floresta e os seres que nela habitam (JEKUPÉ, 2002; ROSA,
2013, p. 196-199).
A primeira delas, O Índio Só De Um Braço, traz a intriga de um
indiozinho chamado Tupã Mirim. Ele possui somente o braço esquerdo,
motivo que o impede de caçar, coletar, pescar e, por timidez, namorar
alguém. O pai desse menino sempre o recomenda a não andar sozinho,
pois uma onça ou um espírito malévolo poderão atacá-lo. Mas ele não se
conforma e constantemente vai à floresta. Porém, mal sabe Tupã Mirim
que um personagem sempre o protege, logo ele, o Saci (JEKUPÉ, 2002, p.
6; ROSA, 2013, p. 197).
O Saci de Jekupé é um espírito bom, um índio pequeno, bípede,
geralmente invisível a todos12, atento ouvinte dos pedidos das pessoas.
11
Kimiye Tommasino me deu de presente O Saci Verdadeiro em dezembro de 2005. Eu levei um susto
porque até então o único Saci que conhecia era o Saci negrinho.
12
Esse Saci-Pererê era visível somente “quando queria e para as pessoas boas de quem gostasse” (JEKUPE,
2002, p. 6).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
12
Espaço Ameríndio

Seu poder concentra-se em um colar de nome baêta, que ele traz


pendurado em seu pescoço. Gradativamente, a amizade entre Saci e Tupã
Mirim se aprofunda, a ponto de o primeiro prover um braço ao segundo
(JEKUPÉ, 2002, p. 6; ROSA, 2013, p. 197).
A aquisição do braço direito – invisível às pessoas – possibilita Tupã
Mirim a nadar no rio, a subir em árvores, a lidar com o arco e flecha, além
de caçar veado, quati e onça – e, sim, a namorar a bela guarani de nome
Kerexú, recém chegada à aldeia (JEKUPÉ, 2002, p. 6-24; ROSA, 2013, p.
197).
Na narrativa seguinte, O Saci Verdadeiro, homônima ao título do
livro, Jekupé apresenta o personagem Karaí, uma criança guarani que
adora escutar as histórias do Saci transmitidas pela avó e pela mãe. Mas,
aos oito anos ele vai à escola e lá ele escuta a versão baseada no escritor
Monteiro Lobato, o personagem enquanto uma criança negra, roupas
vermelhas, cachimbo na boca e assobiando (JEKUPÉ, 2002, p. 29-31).
Intrigado com tal interpretação do ilustre personagem, Karaí sai um
dia da aldeia em direção ao mato, comentando consigo: “Se o Saci
aparecesse para mim, eu saberia de que jeito ele é” (JEKUPÉ, 2002, p. 32).
Eis que Saci-Pererê surge e os dois estabelecem o seguinte diálogo:

‒ Karaí: Então você sabe da história que eles contam do


Saci negrinho.
‒ Saci: Sim, eu sei.
‒ Karaí: Então, quer dizer que não existe nenhum Saci
negrinho como eles dizem?
‒ Saci: Não, não existe.
‒ Karaí: E só existe você?
‒ Saci: Não, eu tenho um irmão. Eu sou protetor dos
animais e meu irmão, protetor das aves.
‒ Karaí: Pois é, eles falam que existem vários Saci e que
eles nascem da taquara.
‒ Saci: É criação deles.
‒ Karaí: E você não fica bravo deles ficarem falando de
você, mas ao contrário?
‒ Saci: Não, acho até bom, pois se eles ficarem
sabendo... fico imaginando o quanto seria ruim. [...]
Aí ele [Karaí] foi para sua casa e muito contente, porque
viu pelos seus próprios olhos que ele existe mesmo e que
é um índio... (2002, p. 33).

Enfim, a narrativa O Índio Só De Um Braço valoriza o Saci como um


“índio”, também um ente protetor, na medida em que ele autoriza – e
facilita – a caçada da onça pelo Tupã Mirim. Sua atitude é marcada por
uma discrição. Em O Saci Verdadeiro, o autor amplifica a ideia do espírito
“dono”, quando trás a seguinte fala do personagem: “Eu sou protetor dos
animais e meu irmão, protetor das aves”. Esse diálogo surpreende, ainda,
pois se descobre que o Saci possui um irmão (JEKUPÉ, 2002, p. 33).
Enfim, através das vozes de Rui Sérgio Ferreira, Tio Cosme, Nhô
Samé, Quito, Nhô Vadô Rodrigues, André Capeta, Negra Joana, Nhô
Urbano, Francisco Schaden, Clóvis Chiaradia, Egon Schaden e Olívio
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

Jekupé somos arrebatados pela presença plural de Saci. A partir desses


autores, cruzando de início Saci negrinho e Saci índio, uma série de
dualismos se apresenta a partir dos seguintes termos em relação13:

gorro cabeça : colar baeta :: serelepe : bondoso :: toma objeto : dá objeto


diabrura : dono floresta :: olho doente : sem órgão :: perna cortada : bípede
micção

Alguns desses dualismos serão aprofundados tanto no tópico Jaxy


Jaterê, Calendário Cosmológico e Saci-Pererê, a seguir, como em O Saci e
Outros Personagens Pernetas, na segunda parte. Mas, antes disso, os
próximos parágrafos vão se dedicar a uma breve apresentação da
mitologia, o gênero narrativo que entrelaça humano, não humano e
sobrehumano. Na continuidade, a etnologia ameríndia oportunizará
dados importantes para se traduzir o sensível mundo guarani – habitado
pelo Saci-Pererê e Saci.

Mitologia e Saberes da Etnologia Guarani

Na perspectiva ameríndia, mito não é sinônimo de falso ou ficção,


tampouco uma mera explicação sobre fenômenos da natureza. A
mitologia trata-se de uma modalidade narrativa que dá vasão à interação
holística e comunicacional, de reconhecimento mútuo entre parceiros
humanos (Mbyá, Chiripa, afro-americanos), não humanos (espíritos,
animais, vegetais, estrelas) e sobre-humanos (divindades, espíritos, karai)
em um dado mundo físico ou virtual (CRÉPEAU, 2005, p. 27-8; ROSA,
2011, p. 99).
Mitólogos, etnólogos e antropólogos compartilham a concepção
que mito é um padrão típico de culturas orais, tendo origem a partir de
uma pluralidade de fontes, ligado à ideia de tradição, crença, hábitos,
habitus, regras de conduta, ideologia, história, princípios morais ou
teoria oral da prática (GOODY, 2012, p. 11; LITAIFF, 2018, p. 15). Além
disso, segundo José Carlos Rodrigues:

O Essencial nos mitos é a autonomia em relação a


quaisquer funções práticas e a possibilidade de se
apresentar como uma espécie de atividade pura e livre
do intelecto: neles o pensamento encontra-se menos
submetido às pressões das circunstâncias externas e
depende apenas de suas próprias coerções internas. Se,
fora do mito, é impossível que onças e jabutis contraiam
núpcias, no plano da narrativa mítica é perfeitamente
possível que este conúbio tenha lugar (2015, p. 176).

Tratando-se das relações internas, os mitos enfatizam, tanto em


termos do conteúdo quanto da forma, a qualidade da repetição, da

13
Legenda: (:) = está para | (::) = assim como.
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

inversão, da reversão, além da presença do eixo vertical14 e a perspectiva


da gemelaridade. Liberada das exigências pragmáticas, uma narrativa
dessa ordem introduz a intriga, a partir do excesso ou da falta de
comunicação, considerando os motivos da indiscrição, do mal-entendido,
do esquecimento e da nostalgia. Segundo Robert Crépeau, esses
enunciados podem estar, a depender do contexto, em relação direta ou
indireta com a realidade prática ou ritual (apud LITAIFF, 2018, p. 105;
CRÉPEAU, 1997A, p. 182; 2008, p. 62-4; LÉVI-STRAUSS, 1993; 1996;
2004A; ROSA, 2011, p. 101-2).
Considerando as concepções de Claude Lévi-Strauss, em especial,
as veiculadas no conjunto das Mitológicas, os mitos são incompletos,
intermináveis, situando-se “entre” culturas, tornando explícitas as
fronteiras topológicas permeáveis, ou seja, as características e as
hierarquias de humanos, animais e vegetais no mundo terrestre,
subterrâneo, aquático e celestial. A partir da ordem subjacente da
continuidade – que reúne humano, não humano e sobrehumano em um
mundo virtual comum – o mito realiza a passagem desses seres à
descontinuidade (LÉVI-STRAUSS, 2004A, 2004B, 2006, 2011, p. 650;
CRÉPEAU, 1997A, p. 182; 2005; ROSA, 2011; 2017; LITAIFF, 2016; 2018).
Desse modo, enquanto uma linguagem dotada de lógica e
gramática específicas, coerência interna e autonomia frente à realidade,
além de movimento sincrônico e intemporal, os mitos são constituídos
por grupos de acontecimentos que terminam por revelar esquemas de
pensamento. Segundo Lévi-Strauss, os esquemas que a matéria mítica
irradia enquanto um corpo multidimencional se estendem na forma de
uma nebulosa (2004A, p. 21; RODRIGUES, 2015, p. 176-8). Em suas
palavras:

À medida que a nebulosa se expande, portanto, seu


núcleo se condensa e se organiza. Filamentos esparsos
se soldam, lacunas se preenchem, conexões se
estabelecem, algo que se assemelha a uma ordem
transparece sob o caos. Como numa molécula germinal,
sequências ordenadas em grupos de transformações
vêm agregar-se ao grupo inicial, reproduzindo-lhe a
estrutura e as determinações. Nasce um corpo
multidimensional, cuja organização é revelada nas
partes centrais, enquanto em sua periferia reinam ainda
a incerteza e a confusão (LÉVI-STRAUSS, 2004A, p. 21).

Assim, despreendendo-se das séries paradigmáticas conservadoras


– que fundam a oposição natureza/cultura, objeto/sujeito,
animalidade/humanidade, corpo/espírito e sensível/inteligível – os mitos
ultrapassam a expectativa do atomismo, do dualismo e do
representacionismo que a ciência segue enquanto modelo. Percorrendo o
caminho da nebulosa, a mitologia assenta as suas bases criativas na
oralidade, no encanto onírico e na mediação das oposições

14
Personagens que sobem e descem do céu, que ingressam nas profundezas da terra, mergulham nas águas,
relação entre as categorias cabeça e pés, etc.
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
15
Espaço Ameríndio

protagonizadas pelos personagens. Nas palavras do Guarani Timóteo de


Oliveira, “todas as histórias são verdadeiras, não importa como são
contadas” (SOUZA, 2020, p. 210).
A partir disso, determinados coletivos ameríndios dão nomes
específicos a tal gênero narrativo. Para os Guarani, por exemplo, mito é
nhanderekoram idjipy, ou seja, “a história da origem de nhande reko, como
chamamos o nosso sistema, nossa cultura” (LITAIFF, 2018, p. 26; WATTS-
POWLESS, 2017, p. 261, 268). Nas palavras do guarani Samuel de Souza,
“para nós não significa mito ou lenda, mas sim uma verdade que nossos
antepassados presenciaram há muito tempo atrás” (2020, p. 209).
Mas quem são os Guarani a partir da etnologia ameríndia? Na
América do Sul contemporânea existem quatro povos: Chiriguano, Kayowa,
Mbyá e Chiripa (ou Nhandeva). Uma designação que caracteriza os Guarani é
“gente que vem de longe”. Pode-se dizer que, essas pessoas estão em
mobilidade entre a Bolívia, o Paraguai, a Argentina, o Uruguai e o Brasil. Em
particular, nesse último país, os Guarani habitam centenas de tekoá (aldeias
do grupo) com ênfase nas regiões sul, sudeste e centro-oeste. Segundo
Adriana Schmidt Dias e Sergio Baptista da Silva: “temos no povo guarani uma
unidade cultural mito-cosmológica, mas que dialoga com uma diversidade de
identidades sócio-políticas constitutivas das relações entre as três
parcialidades étnicas e, mesmo, entre os tekoá” (2014, p. 85; LITAIFF, 2018,
p. 16).
A partir desse mapa geográfico percebe-se que os Guarani – cerca de
duzentas e oitenta mil pessoas vivendo em mais de mil e quatrocentas aldeias
de tamanhos diversos – pertencem a um dos povos ameríndios de maior
continuidade e presença territorial na América Latina. Ao todo, são mais de
dois mil anos de manejo de recursos abundantes em um núcleo florestal e
recursos marginais, considerando áreas alagadiças, colinares, cerritos,
sambaquis, abrigos e dunas. Mas, após cinco séculos de processo colonial
espanhol e português, seu território ancestral se encontra devastado,
esgotado e contamidado pela introdução de gado, monocultura da soja, cana
de açúcar, plantio de plantas exóticas (eucalipto, pinus e pastos exóticos),
além da expansão urbana. Em outras palavras, fazendeiros, usineiros,
petroleiros, empresários da agricultura mecanizada, do abate de animais e do
setor imobiliário, além de agentes públicos, expulsa(ra)m os Guarani – com
ações de violência física e simbólica – de seus tekoá para beira de estradas e
periferia urbana. Hoje, muitas dessas pessoas dependem do mercado de
trabalho agrícola em suas próprias terras ancestrais ou em outras (MOTTA,
2019, 2020), além de políticas de assistência social do Estado, como cestas
básicas, rede hospitalar, moradia, transporte, água, segurança, etc. (EMGC,
2016, p. 6-12; SCHNEIDER et al 2017, p. 34).

ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

Figura 3: Mapa Guarani Continental

Fonte: Caderno Mapa Guarani Continental: povos Guarani na Argentina, Bolívia, Brasil e
Paraguai. / Equipe Mapa Guarani Continental - EMGC. Campo Grande, MS. Cimi, 2016, p. 4.

Tratando-se da organização social interna, segundo Aldo Litaiff, os


Guarani se baseiam “na família extensa bilinear, endogâmica e uxorilocal,
composta por pais/sogros, filhos e filhas solteiras, filhos casados, noras e
genros”. Essas pessoas se organizam em torno de duas lideranças: uma,
política, de nome nhanderuxitcha (cacique); outra, espiritual, chamada karai
(xamã) (LITAIFF, 2018, p. 19, 16, 17).
Com relação à economia, na agricultura, a partir do etnólogo Mártin
César Tempass, os Mbyá-Chiripa cultivam jety (batata-doce), komandá
(feijão), pakoá (banana), mandu’i (amendoim), taquare’ey (cana-de-açucar),
além de awaty (milho) e mandió (mandioca). Uma pequena parcela dos
vegetais é proporcionada através da coleta, como guãpitá (fruto da pindó),
araxa guaxu (goiaba), araxa (araçá), araxiku (araticum), yva pytã (pitanga),
pacoa (banana), guavirá (guabiroba), além do mel silvestre. Apesar das
pequenas extensões de floresta, a caça continua sendo o grande tema nos
diálogos dos homens guarani. Suas narrativas em torno do koxi (porco do
mato), tapixi (lebre), araku (saracura), xi’y (quati), tatu (tatu), jaixa (paca),
mboreví (anta), kapi’yva (capivara), jakare (jacaré), xiví (onça), guaxu (veado),
caí (macaco), diversos pássaros e pirá (peixes) mostram como esses animais
são valorizados na dimensão prática e simbólica (TEMPASS, 2010, p. 120-1,
140, 177).
Na contemporaneidade, considerando a drástica redução do seu
território ancestral, a produção e a venda de artesanato ao longo de rodoviais
e centros urbanos é outra fonte de renda, possibilitando acesso a bens
materiais. Nesse sentido, os principais objetos produzidos, de tamanhos e
modelos variados, com matéria-prima proveniente da floresta são: mbo’i
(colar), apa (arco), u’y (flecha), mbaraka (chocalho), adjaka (cesto), vicho
ra’anga (animais), etc. (LITAIFF, 2018, p. 17; ASSIS, 2006, p. 265-274). A partir
do interlocutor mbyá Santiago Franco, a etnóloga Valéria Soares de Assis
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
17
Espaço Ameríndio

menciona que os animais são elaborados “a partir de madeiras ‘moles’, fáceis


de esculpir, especialmente a denominada kurupikay” (grifos da autora, 2006,
p. 265).
Em linhas gerais, um tekoá é organizado considerando uma área de
lavoura coletiva, espaços menores de cultivo consorciado para uso diário,
pequenas concentrações de casas (de três a cinco) onde habitam as
famílias nucleares, que formam uma família extensa, além da opy (casa
de rezas), localizada no centro, onde todos se reunem durante os rituais.
Desse modo, no mês de fevereiro, acontece o Nhemongara’i (ritual “batismo
do milho”), evento em que são rezados os principais alimentos e batizadas as
crianças que iniciaram a falar e a andar. Nesse momento, o karai narra o nome
do espírito recém-encarnado, através da revelação enviada pelas divindades
guarani (LITAIFF, 2018, p. 19).
A respeito disso, os Guarani têm as seguintes deidades:
Ñanderú/Nhandecy – o Pai Criador, líder de todos, que mora na direção
leste, no nascente; eles são os pais de Kuaray, o Sol, que, por sua vez, dá
origem ao irmão Jaxy, concebido como o Lua. Por conseguinte, Nhãmandú
Ru Eté15/Nhãmandú Chy Eté16. A seguir, Karai Ru Eté/Karai Chy Eté –
situado à leste; para alguns, deus do fogo, para outros, relacionado a
Paraguaçu, o grande mar, que envia os espíritos originários Karai
(masculino) e Kerechu (feminino). Imediatamente, Tupã Ru Eté/Tupã Chy Eté
– situado a oeste, divindade das águas, que envia os espíritos originários Vera
(masculino) e Para (feminino). Após, Jakaira Ru Eté/Jakaira Chy Eté – situado
no centro do céu, divindade da estação primavera e dono da neblina
revitalizante, ela envia os espíritos originários Sunum (masculino) e Ara ou
Jachuka (feminino)17 (TEMPASS, 2012, p. 139, 147; CADOGAN, 1959, p. 16-
17, 27; LITAIFF, 2018, p. 19; MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 51; PRADELLA,
2009, p. 89; PRATES, 2009, p. 74).
Em relação à pessoa mbyá-chiripa, essa é portadora de duas almas: a
primeira, Nhe´e (ñe’ë ou Ne’eng), significa “alma-palavra” ou “alma-sopro-
palavra”, sendo de origem divina ou sagrada. Nas palavras de Cadogan,
“el espíritu que envian los dioses para que se encarne en la criatura
próxima a nacer” (1959, p. 25). A Guarani Sandra Benites Ara Rete propõe
a nhe’ẽ a tradução de “espírito-nome” (2020, p. 255).18 A segunda, de
nome angué, é relacionada à alma telúrica, à porção terrestre e imperfeita
da pessoa, à mortalidade, à sombra e ao animal (CICCARONE, 2001, p.
131; TEMPASS, 2012, p. 138; PRATES, 2009, p. 11; SOARES, 2012, p. 71).
Tratando-se de nhande rekoram idjipy (mito), os Guarani viveram na
origem em Ivy Tenonde (primeira terra). Nesse território originário essas
pessoas foram divindades menores junto a Nhanderu, Karai, Tupã, Kuaray

15
Os nomes das divindades nas narrativas passam por sutis transformações, a depender do coletivo guarani
e do narrador. Desse modo, os Guarani de Missiones, Argentina, designam Nhamandu como o ser supremo,
o verdadeiro pai da humanidade (CADOGAN, 1959, p. 16-17, 27).
16
Os nomes Chy Eté são femininos; por sua vez, Ru Eté, masculinos.
17
Sobre divindades e origem dos nomes Mbyá, consulte: SOARES, 2012, p. 70; TEMPASS, 2012, p. 140.
18
Segundo Benites: “Talvez uma tradução possível na língua portuguesa, por exemplo, e mais próxima do
significado na Língua Guarani, seja espírito-nome. Entendo que alma e espírito (ambas de origem latina, a
primeira vem de anima e a segunda de spiritus) em português são sinônimos, conforme o dicionário Aurélio.
Mas, na língua guarani, como vimos, são termos completamente diferentes e de significados distintos”
(2020, p. 255).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

e Jakaira. Mas o evento do incesto gerado pela divindade Karai Jeupié


provoca o iporum, o dilúvio, a destruição de Ivy Tenonde. Nas palavras do
Mbyá Timóteo Karai Tataendy: “um Karai se casou com a irmã de seu pai, Deus
ficou muito zangado, porque nós não podemos casar com parente. Veio então
muita água e destruiu Yvy Tenonde. Choveu durante três meses sem parar, só
a cabeça deles (sobrinho e tia) ficava fora da água” (LITAIFF, 2018, p. 64; p.
33, 34; TEMPASS, 2012, p. 141; CADOGAN, 1959, p. 17, 34, 58).
A partir disso, a maioria dos habitantes da primeira terra ascende ao
“paraíso”, esse marcado pela eternidade. Já os seres não virtuosos descem
à Yvy Pyau19 (segunda terra), local marcado pela descontinuidade e pela
morte, enfim, à terra atual. Aqui, novamente, os Guarani buscam a
perfeição, o retorno à Ivy Tenonde ou à terra sem males (LITAIFF, 2018, p.
33-34; TEMPASS, 2012, p. 141; CADOGAN, 1959, p. 17, 34, 58). Nas
palavras de León Cadogan:

Esta tierra, dicen los mburuvicha, es lugar de pruebas


para la humanidad: tape rupa reko achy = sendas de la
imperfección terrenal, caminos de las inperfecciones; es
por éso que dice Jakaira que “contiene presagios de
infortunios para nuestros hijos hasta la postrer
generación". No obstante, él creará la pipa y el tabaco
para que con el humo puedan defenderse contra las
enfermedades, los duendes malévolos, etc. (1959, p.
62).

Considerando que a mitologia se situa no ponto de articulação de


uma língua e uma cultura com outras línguas e outras culturas (LÉVI-
STRAUSS, 2011, p. 622) e que “os Mbyá-Guarani são um ‘junto’, ou um
‘entrelaçamento’ com os demais seres cosmológicos” (TEMPASS, 2010, p.
156), a seguir será retomada a ligação dos Guarani ao Saci-Pererê. Dessa
forma, o texto dará os primeiros passos na aproximação da mitologia à
astronomia cultural, evidenciando a contribuição dos Mbyá-Chiripa nesse
processo, a partir do personagem Jaxy Jaterê.

Jaxy Jaterê, Calendário Cosmológico e Saci-Pererê

O ponto de partida desse tópico é uma entrevista do


etnoastrônomo Germano Bruno Afonso ao jornal eletrônico A Nova
Democracia, intitulada A Impressionante Astronomia dos Índios
Brasileiros. No último parágrafo o próprio autor lança uma pergunta e dá
resposta surpreendente:

19
“De acuerdo a la mayoría de los relatos que he escuchado acerca de la creación de Yvy Pyaú, sin embargo,
no fué Jakaira Ru Ete personalmente quien creó la tierra en que vivimos. Hay quienes afirman que fué un
hijo de él, Ychapy i; otros, que fué Nande Ru Pa-pa Mirĩ, acerca de cuya paternidad existe discrepancia,
afirmando unos que es hijo de Ñamandu, otros que es hijo de Jakaira. La mayoría, sin embargo, afirman
que Ychapy i es sinónimo de Pa-pa Mirĩ, siendo éste el nombre que empleo al referirme a el” (CADOGAN,
1959, p. 62).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

Você sabia que o mito do Saci Pererê, que muita gente


pensa ser africano, é o Jacy Jaterê dos índios brasileiros?
Significa “fragmento de Lua”. A origem do Saci Pererê é
a mitologia indígena e tem ligação com a Astronomia
(2004, internet).

A aproximação de Saci-Pererê a Jaxy Jaterê, mencionada por esse


etnoastrônomo, evidencia os seus diálogos com os pajés guarani de
nomes Karai Miri Poty (tekoá Ciudad Real de Guairá, município Terra
Roxa), Onório Benites (tekoá Ocoí) e Manoel Firmino (tekoá Mangueirinha)
no Paraná (AFONSO, 2006, p. 50; LIMA; MOREIRA, 2005, p. 19). A
propósito, esse dado reaparece a mim na voz do cacique guarani Adolfo
Timótio, na mesa-redonda A Terra Nos Dá O Remedio: Corpo e Espírito,
do evento Constelações Extraocidentais: Corpos e Palavras.20 Por sua vez,
Olívio Jekupé, no livro O Presente de Jaxy Jaterê, escreve o seguinte sobre
Saci-Pererê e Jaxy Jaterê:

Para o povo guarani, Jaxy-Jatere é o protetor da floresta


e dos animais que nela vivem. Ele usa um colar que lhe
dá poderes e não gosta de ver ninguém maltratando a
natureza. Por isso, ao entrar na mata, os Guarani pedem
autorização a Jaxy, chamando o seu nome.
Aqui no Brasil, esta lenda do Jaxy foi difundida pelos
escravos africanos, e o personagem ganhou o nome de
Saci-Pererê, o famoso menino traquina de uma perna só
(JEKUPÉ, 2015, p. 28).

De fato, é instigante conceber o Saci-Pererê como Jaxy Jaterê


(fragmento de Lua) ou Kamba’i (negro pequeno) a partir de uma tradução
da língua guarani para a portuguesa. Mas, há narrativas onde Jaxy Jaterê
e Saci são dois personagens, portanto, vinculados à gemelaridade.
Considerando isso, trago um segundo mote de análise: a ideia da
mitologia de reconhecimento mútuo entre parceiros humanos, não
humanos e sobre-humanos em um dado mundo físico ou virtual – ou,
como disse Jekupé, “ao entrar na mata, os Guarani pedem autorização a
Jaxy, chamando o seu nome” (2015, p. 28; CRÉPEAU, 2005, p. 27-8; ROSA,
2011, p. 99).
A partir disso, o artigo percorrerá dois caminhos: primeiro, agora,
a vinculação sociológica e mitológica dos Guarani a Jaxy – até se revelar
Jaxy Jaterê e Saci-Pererê. Segundo, no tópico Saci e Tudja’i Também São
Já (dono)!, no próximo número da Espaço Ameríndio, à vinculação de Saci
à lógica do poder guarani.
Os dados etnográficos apontam que os Guarani relacionam sua
economia – agricultura, coleta de plantas medicinais, extração de mel,
caça e pesca artesanal, produção de artesanato, corte da madeira – marés,
estações do ano (observação dos astros e dos ventos) e até a incidência
20
Uma realização do projeto Rede Povos Originários e Diaspóricos: epistemologias e territorialidades,
coordenado pela Ana Lúcia Liberato Tettamanzy e pela Marília Raquel Albornoz Stein, atividade realizada
em Porto Alegre, dias 23 e 24 de novembro de 2017. Nesse evento, durante a palestra do astrofísico Alan
Alves Brito, fui apresentado ao software Stellarium e às constelações guarani.
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
20
Espaço Ameríndio

de mosquitos às fases da lua21 (AFONSO, 2010, p. 64; 2006, p. 49-50;


GARCIA et al 2016, p. 21; MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 41).
No TCC intitulado Calendário Cosmológico: os símbolos e as
principais constelações na visão guarani22, Geraldo Moreira Karai Okenda
e Wanderley Cardoso Moreira Karai Yvyju Miri afirmam que jaxy pyau (lua
nova) é como uma criança. Por isso todos os seres vivos ficam sensíveis.
Assim, o tempo muda, chove e há temporais, mas trata-se também de
uma lua protetora, recomendável para a semeadura, pois ela evita as
pragas.23 Já na jaxy endy mbyte (lua crescente) deve-se evitar tanto o
plantio quanto o corte de árvores, pois há risco de se machucar. Na
medida em que a lua vai crescendo, chega-se à jaxy nhepytũ (lua cheia),
momento que o plantio e a fabricação do artesanato são recomendáveis.
Por sua vez, a jaxy mbyte py (lua minguante) é uma continuidade da lua
cheia. Enfim, “o ciclo da lua representa o nascimento e também o
amadurecimento”, trata-se de uma fundamental unidade de tempo para
essas pessoas (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 49, 50; DOOLEY, 1998, p.
xlviii).
Tratando-se de Kuaray (Sol), além de calor e luz para todos os seres
na Yvy Pyau (segunda terra), os seus raios representam a fecundação da
terra e das plantas. Além disso, foi essa divindade que ensinou aos Mbyá
a confecção dos cestos, associando-os simbolicamente às mulheres
(MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 49; BAPTISTA DA SILVA, 2010, p. 123).
A trajetória aparente anual do sol também tem importância no
calendário guarani, dividindo o ano em duas estações: ara ymã é o
período relativo ao outono e ao inverno – arapyau (ou araguydje)
corresponde à primavera e ao verão. No arapyau, ainda, ocorre a
renovação do corpo físico e do espiritual na sabedoria. Nas palavras de
Moreira e Moreira, “Arapyau significa o começo da transformação de um
novo ciclo da terra, das plantas e dos seres vivos” (2020, p. 52; AFONSO,
2006, p. 51).
Na perspectiva dos Guarani Geraldo Moreira e Wanderlei Cardoso
Moreira, sol e lua compõem o Apyka Mirim ou o calendário cosmológico
– em suas palavras, “um protótipo da grande organização cosmológica
que nos serve como base de orientação e aprendizado” (2020, p. 51).
Inclusive, apyka se faz presente em todos os seres vivos (que nomeamos
de natureza) na Yvy Pyau, a terra atual. Nesse caso ainda, pela lógica da
mitologia guarani, sol e lua são irmãos, ambos masculinos – o Sol e o Lua
– configurando uma gemelaridade.

21
O escritor sul-riograndense Simões Lopes Neto ao caracterizar o Saci, menciona o seguinte: “era ele que
governava as moscas importunas, as mutucas, os mosquitos” (2008, p. 220).
22
Do curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, da Universidade Federal de Santa
Catarina, sob a orientação da Profª Helena Alpini Rosa.
23
“Não se faz artesanato na Lua Nova, não pode cortar a Taquara, porque caruncha” (GARCIA et al.
2016, p. 21).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

Figura 4: Quatro Pontos do Universo

Fonte: Myriam Lucia Candido. Data: 05/02/2010


In: MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 94

Ou seja, não se trata de pensar sol e lua no céu, outros seres na


terra e uma barreira separando os dois mundos. Para os Mbyá-Chiripá,
ambá é a ligação entre o céu e a terra, o centro de referência dos astros
cosmológicos (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 49). Um exemplo dessa
concepção: na relação de Nhanderu com um karai (xamã ou líder
espiritual) na Yvy Pyau, caberá a Tupã mediar a transmissão do saber da
deidade a esse sobrehumano. Nesse caso, a voz de Nhanderu é enviada
através de uma estrela por telepatia (como em um fone de ouvido). Nas
palavras de Moreira e Moreira, “cada ser vivo existente aqui na terra é
representado por uma estrela ou constelação no céu. É assim que o
mundo se relaciona entre o Sol, a Lua, as estrelas e a natureza” (2020, p.
50). Esse conhecimento está registrado nos nhande rekoram idjipy (mito),
o que significa “início presente e futuro do nosso sistema” (LITAIFF, 2018, p.
95). A seguir, continuarei atendo-me a algumas narrativas da nhande rekoram
idjipy para, a seguir, trazer a origem de Jaxy.
Como mencionado, Kuaray24 e Jaxy25 são irmãos e do domínio
masculino. A nhande rekoram idjipy dessa relação de gemelaridade é
evocada por muitos Guarani. Uma versão dessa narrativa é realizada pelo

24
Segundo Cadógan, Pa’i Rete Kuaray é “o senhor do corpo resplandecente como o sol [...]. A grande
maioria afirma que ele [Pa’i Rete Kuaray] é filho de Ñamandu Ru Ete (Cadogan, 1959, p. 69).
25
A palavra jaxy tem tradução de lua ou mês; jaxy tatá, é estrela; e, jaxy tata ijaty va'e, constelação
(DOOLEY, 1998, p. cxli, cliii, clxviii).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
22
Espaço Ameríndio

Mbyá Marcelo Bitú, e assim apresentada pelo etnólogo Martin César


Témpass.

A mãe de Kuaray (o futuro Sol), quando grávida, se põe


no caminho a procurar o pai de Kuaray. De dentro do
ventre da mãe, Kuaray vai indicando o caminho correto
que devia ser seguido. No caminho Kuaray pedia para
que sua mãe lhe colhesse algumas flores. Kuaray era
então “criança” e sempre tinha os seus pedidos
atendidos. Numa das flores solicitadas havia um zangão
que picou sua mãe. Esta ficou irada com Kuaray,
julgando que a culpa era do filho que havia lhe pedido
aquela flor e acabou batendo em sua própria barriga.
Então, Kuaray parou de indicar o caminho correto que
eles deveriam seguir. Tomando o caminho errado eles
foram parar na morada dos jaguares. Chegando lá só
havia uma jaguar velha em casa, que lhes disse para não
ficarem ali para não serem comidos por seus filhos, que
logo retornariam. Só que a mãe de Kuaray não deu
ouvidos à velha e ficou lá. Então voltaram os filhos da
velha jaguar e comeram a mãe de Kuaray. Estes
separaram o feto para que a velha jaguar comesse, mas
não conseguiram matar Kuaray, mesmo após várias
tentativas. Sendo assim, a velha jaguar decidiu criar
Kuaray. Ele criou o primeiro arco e fez três flechas e
passou a caçar para alimentar a velha jaguar, que então
ele julgava ser a sua mãe. Aliás, com a caça ele
alimentava toda a família dos jaguares. Depois Kuaray
criou um irmão para ele, o Jaxy (futuro Lua). Ambos vão
caçar em uma ilha distante, desrespeitando as ordens da
jaguar que julgam ser sua mãe. Na ilha tentam matar
um papagaio que lhes conta que a jaguar não é a mãe
deles, que na verdade a jaguar comeu a sua progenitora.
Então Kuaray e Jaxy, com ajuda do lobo marinho,
construíram uma ponte-armadilha. Quando os jaguares
estavam atravessando a ponte os dois irmãos a
derrubaram, jogando os jaguares na água. Porém, nem
todos morreram afogados e o plano dos irmãos de
extinguir os jaguares fracassou. Assim, eles decidiram
sair de perto dos jaguares procurando seu pai, morador
de uma outra comunidade. No caminho os irmãos vão
dando os nomes para as plantas e animais, nomeando
também os alimentos. Só depois que o Sol e o Lua vão
para o céu, partilhando a função de iluminar o mundo. O
Sol, mais velho e poderoso, ilumina o dia. O Lua, irmão
menor e não tão poderoso quanto o Sol, ilumina a noite.
Mas, o Lua, mais fraco, fica cansado e tem que
descansar. É por isso que existem as fases “do Lua”
(TEMPASS, 2010, p. 109).

Esse mito reforça as aventuras dos irmãos Kuaray e Jaxy na origem de


Ivy Pyau, a terra atual. Kuaray é o criador de seu irmão menor, o Jaxy, o
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

futuro Lua. No sentido etiológico, destaca-se o trabalho desses heróis


míticos na origem e nominação das plantas, dos animais e dos alimentos,
além do sentido assimétrico presente nas relações dos personagens.
Nesse sentido, convém destacar a colocação realizada pelo etnólogo
Luiz Gustavo Souza Pradella de que as únicas divindades mortais e imperfeitas
dos Guarani são Nhandexy e Jaxy (2009, p. 89). Esse dado será importante
para se pensar em Jaxy Jaterê e Saci-Pererê à frente. Dando continuidade
à outra parte da narrativa de Kuaray e Jaxy, o Mbyá Timóteo Karai Tataendy
fez a seguinte menção, em um mito narrado a Aldo Litaiff, em 1996.

Depois os dois irmãos continuaram a caminhar costeando o


rio até ver anham pescando. Então o sol disse ao seu irmão:
“Eu vou assustar esse anham, mas você fica aqui só
olhando”. Kuaray mergulhou e foi por baixo d’água até
próximo onde anham pescava, puxa a linha fazendo anham
cair na água enquanto Jacy observava, rindo muito. Kuaray
fez isso três vezes e anham caiu todas as três na água.
Quando o Sol estava voltando, Jacy insistiu para também
tentar enganar anham, mas Kuaray não permitiu porque ele
não confiava no seu irmãozinho, que era muito desajeitado.
Mas o irmão menor insiste muito e o Sol acaba permitindo,
mas insistindo para que ele puxasse o fio somente com a
mão, nunca com a boca. Jacy repetiu a operação duas vezes,
mas na terceira, esquecendo o que seu irmão mais velho
havia lhe dito, morde o anzol e acaba sendo pescado por
anham. Kuaray segue anham e, quando ele estava quase
cozinhando Jacy, o Sol chega e diz: “Como é bom te ver
comer”. E pediu para que ele comesse somente a carne de
seu irmãozinho, lhe deixando todos os seus ossos e sua
cabeça. Anham obedeceu, Kuaray juntou tudo e em seguida
bateu palmas e ressuscitou Jacy (LITAIFF, 2018, p. 67-8).

Acerca da pesca de Anham, um evento mal-sucedido para Jaxy, pois


culmina no seu dilaceramento e morte, obrigando Kuaray a ressuscitá-lo a
partir da cabeça e do conjunto de seus ossos, o Mbyá Adolfo Vera emite sua
opinião:

[...] ainda hoje a Lua aparece no céu e se esconde, pois


quase nunca ela está inteira, sempre falta um pedaço dela.
Foi Anham quem comeu Jacy, se ele não tivesse comido hoje
nós teríamos sempre lua cheia, mas agora é assim. Kuaray
aparece sempre porque é trabalhador, mas Jacy é muito
preguiçoso (LITAIFF, 2018, p. 112).

Em consonância com a narrativa de Adolfo Vera, a etnóloga Maria


Paula Prates escreve o seguinte sobre Kuaray e, particularmente, Jacy:

No que diz respeito às diferenças entre sol e a lua, o primeiro


é sempre evocado como sinônimo de destreza, coragem e
discernimento, já o segundo é mostrado às avessas, como
atrapalhado, “bagunceiro”. Sobre o cotidiano dos seres
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
24
Espaço Ameríndio

celestes, contaram-me: “Tem vezes que Jacy não aparece,


ele tá de folga, Jacy é muito preguiçoso. Kuaray perguntou
a Jacy se ele queria vir de dia ou de noite, mas Kuaray não
confiou que Jacy pudesse fazer o trabalho de trazer as
coisas, iluminar todos os dias e por isso decidiu que quem
viria de dia seria ele. Kuaray é como um motorista que vai e
volta todo dia. Esse é o trabalho dele. Ele não falta nunca.
Não pode faltar, caso contrário, a gente morre. Já Jacy tira
até férias: é quando a lua desaparece do céu” (2009, p. 90-
1).

Para os Mbyá, Jaxy, enquanto irmão menor e Lua, possui


características inversas às de Kuaray, esse primogênito e Sol. Por
exemplo, os narradores mencionam que Jaxy “não [é] tão poderoso
quanto o Sol” (TEMPASS, 2010, p. 109); nem digno de confiança: “ele
[Kuaray] não confiava no seu irmãozinho”, “desajeitado” (Timóteo Karai
Tataendy); trata-se ainda de um personagem mutilado: “quase nunca ela está
inteira, sempre falta um pedaço dela” (Adolfo Vera), também indolente: “não
é muito responsável, pois às vezes dormia e não ia trabalhar” (Didjuko, xamã
Chiripa da aldeia de Rio Silveira) (LITAIFF, 2018, p. 67, 112, 55).
O ancião mbyá Antônio Inácio Kuaray, afirma de forma meiga, “Jacy não
é mau, ele é apenas um pouco maluquinho, um pouco confuso” (LITAIFF,
2018, p. 54). Por outro lado, devido às suas transgressões, Jaxy é muitas vezes
responsabilizado pelos Guarani pela origem das doenças e mortes26, seja pela
perversão da aliança – o incesto, relação próxima demais – seja pelo início da
periodicidade mensal – reprodução (LÉVI-STRAUSS, 2006, p. 96). Nas palavras
de Prates:

Contam os Mbyá-Guarani que Jacy (lua, irmão mais novo


de Kuaray/sol), quando ainda vivia no mundo terreno fez
sexo com sua tia enquanto ela dormia. Ela o marcou com
cera de Jate’i (abelha do mato) para que pudesse ter
certeza de quem praticava o ato. É por esse motivo que
a lua, quando aparece em sua fase cheia, mostra-se com
manchas escuras em sua superfície. Jacy ainda hoje faz
sexo com as meninas sem elas perceberem, enquanto
dormem (2009, p. 65).

Pode-se dizer que os mitos acima associam três motivos: o incesto


praticado pelo Jaxy e sua tia; a periodicidade de Kuaray e Jaxy, definida
pela oposição entre Sol trabalhador e Lua preguiçoso; por fim, a cabeça
cortada e o corpo despedaçado de Jaxy pelo Anham após a pescaria. Nesse
caso, a mal-sucedida brincadeira de Jaxy contra Anham, fez que ele parasse
no prato desse algoz, restando somente a Kuaray pedir que Anham se
26
Em outra versão do mito cuja estrutura está relacionada ao tema da pescaria de Anham, Antônio Vera narra
o seguinte a Aldo Litaiff: “Nhamandu retorna à casa dos anham, pega todos os ossos de Nhandecy, junta tudo e
diz a Jacy: ‘Não toque em nada pois eu vou ressuscitar nossa mãe’. Nhamandu ressuscita sua mãe, mas Jacy, que
estava com muita fome desobedece pulando sobre ela para mamar. Então ela caiu e seu corpo se transformou em
osso novamente. Eles fizeram isso três vezes, mas todas as vezes Jacy atrapalha. Como Nhandecy não volta mais,
Nhamandu pega seus ossos e coloca numa caixinha de cedro (origem do ‘Culto aos Ossos’)” (LITAIFF, 2018, p.
61).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
25
Espaço Ameríndio

alimentasse da “carne de seu irmãozinho [Jaxy], lhe deixando todos os seus


ossos e sua cabeça” (LITAIFF, 2018, p. 68; LÉVI-STRAUSS, 2006, p. 83).
Esse conjunto de narrativas em torno de Kuaray e Jaxy é denominado
pelo Aldo Litaiff de “operadores míticos” e Ciclo dos Irmãos. Trata-se do mito
mais evocado por esse coletivo (2018, p. 52). Na mesma direção, Lévi-Strauss
menciona que os mitos sobre a origem do sol e da lua são os que possuem
a mais vasta difusão no Novo Mundo, de norte a sul do continente, sendo
que esse tema se fusiona a outro, muito importante: o da cabeça cortada.
Trata-se da história acima narrada pelo Timóteo Karai Tataendy a Litaiff
(LÉVI-STRAUSS, 2006, p. 81; LITAIFF, 2018, p. 52, 68).
Seguindo o modelo analítico destacado por Lévi-Strauss, no livro A
Origem dos Modos à Mesa, a tripla conexão que reúne os motivos da origem
da lua, da união condenável e da cabeça cortada27, ela se conecta a outro
grupo fechado de mitos, cujas propriedades destacam a relação entre a
forma de despedaçamento e a origem de determinadas constelações. Por
sua vez, este segundo corpo multidimensional de mitos oportuniza o
seguinte recorte: o sociológico (que delimita as categorias de próximo e
afastado), o astronômico (que agrupa fenômenos diurnos e noturnos) e o
anatômico (que afeta um membro superior ou inferior, a partir do quadril
de um personagem) (LÉVI-STRAUSS, 2006, p. 84, 88, 93, 94).
Dese modo, ao se dividir o personagem na altura da cintura em dois,
no que diz respeito à parte de cima aparece a disjunção “cabeça + olhos //
vísceras”, que resulta na origem da constelação Cabeleira de Berenice, da
lua e do arco-íris. Para Lévi-Strauss, os olhos são “uma variante metonímica
da cabeça” ou “a cabeça em menor escala”. Já relacionado à parte debaixo,
surge a disjunção “coxa + perna // vísceras”, que engendra as
constelações Orion e Plêiades. No mesmo sentido, a perna representa o
membro inferior em menor escala (LÉVI-STRAUSS, 2006, p. 94-5).
A partir disso, tomando o conjunto de mitos narrado pelo Guarani
e as análises pós-estruturalistas levistraussianas, retomando o tema do
Saci, incluindo o recorte anatômico, é possível demonstrar a seguinte
relação28:

27
Segundo Lévi-Strauss, “é importante lembrar que os Jivaro, como os Mundurucu [...] eram caçadores de
cabeças e que, na falta de cabeças humanas, se contentavam com cabeças de preguiça” (2006, p. 93).
28
Tratando-se dos ciclos periódicos, enquanto as constelações formam a periodicidade anual e sazonal, marcando
a alternância entre chuvas e seca, abundância e escassez, chegada e partida dos peixes, a lua representa a
periodicidade curta, manifestando-se de forma cotidiana ou mensal, sem acarretar as transformações do
ciclo sazonal. Por sua vez, o sol assume a mediação entre ambas, conciliando o anual como as constelações
e o cotidiano como a lua (LÉVI-STRAUSS, 2006, p. 101). Nas palavras de Lévi-Strauss: “Vários mitos
amazônicos, tukuna (M405) e mundurucu (M255), colocam o sol e a lua em posição de donos da pesca. Os
dois astros desempenham esse papel juntamente com Orion e as Plêiades de um lado e a Cabeleira de
Berenice do outro, mas cada uma das equipes o cumpre a seu modo: Orion e as Plêiades são responsáveis
pelo aparecimento dos peixes, a Cabeleira de Berenice por seu desaparecimento, ao passo que o sol e a lua
garantem a sua ressurreição, que neutraliza a oposição entre os dois primeiros termos” (2006, p. 80).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

Mito Disjunção Origem Personagem


origem da Lua “cabeça cortada” Cabeleira de Berenice, JaxyJaterê, Saci-Pererê,
Lua e Arco-Íris “olhos vazados”, “vista
doente”, “olho inquieto”
origem da Lua “perna cortada” Órion e Plêiades Saci de uma perna, perneta

Esse esquema traduz as minúcias enfatizadas pelos narradores


para descrever Jaxy Jaterê, seja na vinculação do Saci-Pererê ao tema
mítico da cabeça cortada – anatomicamente valorizando a parte de cima
da cintura, através das menções aos olhos vivos que tremeluzem brasas
ou que expelem fogo, além das vistas doentes – seja do Saci ao tema da
perna cortada – à parte de baixo da cintura, ressaltando sua condição
perneta, que coxeia, joelho machucado, além da ausência dos órgãos de
evacuação e micção (SCHADEN, 1949, p. 41-2; CHIARADIA, 2008, p. 569;
AFONSO, 2004, internet; JEKUPÉ, 2015, p. 28; LÉVI-STRAUSS, 2006, p. 94-
5).
Pode-se dizer que em determinados contextos etnográficos tais
grupos de mitos configuram, inclusive, a elaboração da identidade étnica dos
Guarani. Isto é, no sul do Brasil, a origem dos Mbyá pode estar vinculada a
Kuaray, devido à conquista do fogo doméstico, já os Chiripa se percebem
enquanto filhos de Jaxy, o Lua (LITAIFF, 2018, p. 60-2, 133, 147, 129;
TEMPASS, 2012, p. 139, 147; PRATES, 2009, p. 74). Nas palavras do Chiripa
Alcindo Vera:

Desde o seu nascimento, Kuaray já caminhava, mas Jacy


demora muito a andar. É por isso que hoje as crianças
levam muito tempo para andar, pois foi Jacy que
desobedeceu Kuaray e acabou na sopa de Anham. Por
causa da cabeça quente de Jacy hoje nós temos dor de
cabeça, nós somos todos meio malucos e sem-
vergonhas como ele. Antes no primeiro mundo, nós
éramos todos filhos do Sol, parentes de Kuaray. Hoje,
nós, Chiripá, não queremos mais plantar nem colher; só
queremos viver como os brancos, comprando comida de
saquinho no supermercado. A Lua não é como o Sol, que
sempre aparece viajando no céu; Jacy passa a metade
do tempo sem nem aparecer no céu, fica só em casa
descansando (LITAIFF, 2018, p. 129-130).

Isto é, o cruzamento do ciclo dos irmãos Kuaray e Jaxy com o


recorte anatômico cabeça cortada, que aparece evidenciado na frase “por
causa da cabeça quente de Jacy hoje nós temos dor de cabeça” (LITAIFF,
2018, p. 130), orienta as relações de alteridade de Mbyá e Chiripá, inclusive,
frente a outros coletivos.
Enfim, tratando-se do vinculo dos Guarani com a constelação Cabeleira
de Berenice ou Coma Berenices, nesse momento da pesquisa não tenho
dados a respeito. A única informação sobre “cabeleira” a que tive acesso,
enunciada na forma de um cometa, foi o parágrafo escrito pelo Germano
Afonso e Carlos Aurélio Nadal:
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
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Espaço Ameríndio

A maior das gravuras de Salto Caxias, PR, tem mais de


2m de comprimento e parece representar um cometa.
Ele possui núcleo, cabeleira e cauda sendo,
possivelmente, grande e brilhante, como mostra o
detalhe da sua cauda encurvada. Assim, pode-se supor
que o objetivo principal desse painel fosse registrar a
observação de um grande cometa pelos indígenas
brasileiros, muito antes da chegada dos europeus. Nesse
local, hoje submerso pelas águas da Usina de Salto
Caxias, possivelmente foram realizados rituais e rezas,
em virtude da aparição do cometa que quebrava a ordem
do universo e amedrontava o povo (2014, p. 81-82).

Ainda do ponto de vista da Astronomia, das oitenta e oito


constelações modernas, a Cabeleira de Berenice é a única cujo nome advém
de uma pessoa histórica. Trata-se da Rainha do Egito de nome Berenice
II, que sacrificou os seus longos cabelos à deusa Afrodite para que seu
marido Ptolomeu III retornasse são e salvo de uma guerra. As principais
estrelas da constelação são Alfa, Beta e Gama Comae Berenices. Juntas,
elas formam um meio quadrado, ao longo da diagonal do qual correm as
tramas imaginárias de Berenice, formadas pelo Aglomerado de Estrelas
Coma.29 Tratando-se do personagem principal do texto, chama atenção a
menção de Francisco Schaden a um Saci de longa cabeleira vermelha que
esvoaça quando realiza as suas piruetas (1949, p. 42).
Por sua vez, na relação da lua com o Saci de perna amputada e a
origem das constelações Orion e Plêiades, o diálogo dos Guarani com a
mitologia e a astronomia cultural reserva informações arrebatadoras. É
chegado o momento de se embarcar em um foguete imaginário em direção
ao espaço sideral, para se olhar de frente para o Lua, às estrelas e às
constelações guarani – Jaxy, jaxy tatá e jaxy tata ijaty va'e.

Constelações e Saci no Céu Guarani

Segundo Germano Afonso, as constelações do Ocidente30 diferem


das constelações tupi-guarani em três aspectos. Primeiro, enquanto as
constelações ocidentais estão situadas no caminho designado de
eclíptica, por onde aparentemente passa o Sol, e próximo a ele se situam
os planetas e a Lua, as constelações tupi-guarani estão situadas na Via
Láctea, uma faixa esbranquiçada que atravessa o céu, parte onde as
estrelas e as nebulosas aparecem em maior quantidade. Segundo,

29
Informações obtidas a partir de diálogos com a física astrônoma Daniela Borges Pavani, professora do
Departamento de Astronomia do Instituto de Física da UFRGS e Diretora do Planetário da mesma
universidade.
30
Constelações são agrupamentos de estrelas os quais as diferentes culturas formam no céu figuras de
pessoas, animais e objetos. Desse modo, cada estrela pertence a uma dada constelação. Segundo Germano
Bruno Afonso e Carlos Aurélio Nadal, “embora pareça elementar, ainda é preciso lembrar que o arranjo de
estrelas em constelações é totalmente arbitrario. Em geral podemos encontrar um conjunto de estrelas que
reproduzam, aproximadamente, uma dada constelação zodiacal” (2013, p. 72).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
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Espaço Ameríndio

enquanto os desenhos das constelações do Ocidente são realizados pela


união de estrelas, as imagens das constelações tupi-guarani são
constituídas tanto pela união como pelas manchas claras e escuras da Via
Láctea, sendo que há casos de tais manchas formarem a constelação, sem
estrelas (caso das constelações Tapi’i Huguá e Coxi Huguá). Por fim,
terceiro, enquanto a União Astronômica Internacional (UAI) utiliza, desde
1929, um total de oitenta e oito constelações31, distribuídas nos dois
hemisférios terrestres, certos grupos indígenas mostram mais de cem
constelações. Além desses aspectos, a astrônoma Flavia Pedroza Lima e o
físico Ildeu de Castro Moreira mencionam que uma constelação ameríndia
pode corresponder a pedaços de constelações ocidentais, e vice-versa
(AFONSO, 2006, p. 52-3; LIMA; MOREIRA, 2005, p. 11).
A partir desses dados, reparando na importância da nebulosa seja
como categoria do pensamento mitológico ameríndio, seja através das
manchas claras e escuras da Via Láctea, presente na criação das
constelações tupi-guarani (LÉVI-STRAUSS, 2004A, p. 20-1; AFONSO, 2006,
p. 52-3; LIMA; FIGUEIRÔA, 2010, p. 303), percebe-se que a mitologia e a
astronomia cultural estão conectadas de forma inseparável na vida
ameríndia.
No livro Histoire de la Mission de Pères Capucins en l’Isle de
Marignan et terres circonvoisins où est traicté des singularitez admirables
& des moeurs merveilleuses des indiens habitants de ce pais, escrito pelo
Claude d’Abbeville, em 1614, o frade capuchinho afirma que os
Tupinambá identificavam cerca de trinta constelações. Sobre a
observação do céu, ele informa que essas pessoas conhecem a maioria
dos astros e das estrelas do hemisfério aos quais denominam de acordo
com sua tradição32 (LIMA; MOREIRA, 2005; LIMA et al, 2014, p. 107). No
texto da astrônoma Flavia Pedroza Lima e colegas:

Graças à descrição de d’Abbeville, dispomos de algumas


informações a respeito do que os Tupinambá conheciam
sobre a Lua. Distinguiam-lhe as fases, bem como
diversas outras coisas a ela relacionadas, como o eclipse

31
A partir do software Stellarium são as seguintes: Andrômeda, Bomba de Ar, Ave do Paraíso, Aquário,
Águia, Altar, Áries (Carneiro), Cocheiro, Pastor, Buril de Escultor, Girafa, Câncer (Caranguejo), Cães de
Caça, Cão Maior, Cão Menor, Capricórnio (Cabra), Quilha (do Navio), Cassiopéia (mit.), Centauro, Cefeu
(mit.), Baleia, Camaleão, Compasso, Pomba, Cabeleira de Berenice, Coroa Austral, Coroa Boreal, Corvo,
Taça, Cruzeiro do Sul, Cisne, Delfim, Dourado (Peixe), Dragão, Cabeça de Cavalo, Eridano, Forno,
Gêmeos, Grou, Hércules, Relógio, Cobra Fêmea, Cobra Macho, Índio, Lagarto, Leão, Leão Menor, Lebre,
Libra (Balança), Lobo, Lince, Lira, Montanha da Mesa, Microscópio, Unicórnio, Mosca, Régua, Octante,
Ofiúco (Caçador de Serpentes), Órion (Caçador), Pavão, Pégaso (Cavalo Alado), Perseu (mit.), Fênix,
Cavalete do Pintor, Peixes, Peixe Austral, Popa (do Navio), Bússola, Retículo, Flecha, Sagitário, Escorpião,
Escultor, Escudo, Serpente, Sextante, Touro, Telescópio, Triângulo, Triângulo Austral, Tucano, Ursa
Maior, Ursa Menor, Vela (do Navio), Virgem, Peixe Voador e Raposa (pesquisa realizada em 11 de outubro
de 2017).
32
“A teoria do astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642), publicada dezoito anos depois do livro de
d’Abbeville, falava de uma relação das marés com os movimentos de rotação e translação da Terra, sem
considerar a Lua. Só em 1687, setenta e cinco anos após a publicação da obra sobre os capuchinhos no
Maranhão, é que o astrônomo inglês Isaac Newton (1643-1727) demonstrou que as marés eram causadas
pela atração gravitacional do Sol e, em especial, da Lua sobre a superfície da Terra. Esse é um dos raros
casos em que um conhecimento astronômico indígena é publicado antes de ser conhecido e validado pela
comunidade científica” (AFONSO, 2010, p. 63).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

lunar a que chamavam de yasseuh pouyton. Outra


observação importante feita por d’Abbeville concerne ao
fato de os Tupinambá relacionarem a Lua às marés,
demarcando bem as marés que se formam na Lua Cheia
e na Lua Nova. Essa observação tem um significado
importante, pois, na época em que d’Abbeville escreveu
o seu livro, as causas das marés, embora fossem motivo
de debates, ainda não tinham sido determinadas [na
Europa] (LIMA et al, 2014, p. 108).

Segundo Germano Afonso, os movimentos do sol e da lua e o


sofisticado sistema astronômico dos Tupinambá pesquisados por
d’Abbeville são homólogos ao atual conhecimento dos Guarani no sul do
Brasil, embora sejam povos separados pela língua, pela distância de três
mil quilômetros em linha reta no espaço, pelos quatrocentos anos de
pesquisa científica no tempo – e, afirmo, pela sucessão do projeto colonial
e liberal. Nas palavras desse etnoastrônomo: “As observações do céu que
realizamos com os indígenas permitiram localizar a maioria das
constelações tupinambá e de diversas outras etnias da família tupi-
guarani” (2006, p. 48).
Do ponto de vista ameríndio, Geraldo Moreira e Wanderley Cardoso
Moreira escreveram Calendário Cosmológico: Os Símbolos e as Principais
Constelações na Visão dos Guarani. Enquanto objetivo desse trabalho
consta a valorização dos conhecimentos do Sr. Alcindo Whera Moreira,
105 anos de idade, e dona Rosa Mariani Cavalheiro Poty Djá33, 98 anos,
pais dos autores, além do fortalecimento da educação e da cultura
guarani (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 43). Além desses, nas palavras dos
intelectuais ameríndios:

Ainda, entender a organização solar, lunar e as


constelações através do movimento da Terra e do Sol
com que os antigos mantinham conexão profunda.
Compreender os signos da cosmologia Guarani, e assim
manter vivo os ensinamentos repassados pelos mais
velhos. Usando assim o conhecimento tradicional,
baseando-nos na única fonte de referencia: teko – a
oralidade, a cultura, os cantos, a reza e as palavras
sagradas. Serão objetivos igualmente para a pesquisa
identificar as principais constelações observadas por nós
Guarani; descrever os significados destas constelações e
da Lua para as atividades cotidianas, perceber a
importância da valorização do registro oral e escrito,
valorizar a história da cosmologia Guarani, registrar o
conhecimento oral antigo através da escrita para as

33
Tratando-se de Alcindo Whera Moreira: “Ele conta muita história do inicio do mundo, a história do Sol
e da Lua, ele fala de como vê o mundo dos mais jovens de hoje e também sobre o conhecimento da
cosmovisão Guarani. Conta como os Guarani observavam o céu e o tempo, estudando a relação entre as
atividades de caça, pesca, coleta e lavoura e as flutuações sazonais do tempo. [Ela, Dona Rosa Mariani
Cavalheiro Poty Djá] Também conhecida como a “mulher medicina”, que traz todo o seu conhecimento
para o uso no dia a dia na comunidade” (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 44, 46).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

gerações futuras e por fim reconhecer a importância dos


mais velhos no conhecimento da cultura (MOREIRA;
MOREIRA, 2020, p. 43-4).

Unindo os dados acessados para a escrita desse artigo, Germano


Afonso e os irmãos Geraldo Moreira e Wanderley Cardoso Moreira
identificaram as seguintes constelações: Mboré Rapé (Caminho da Anta),
Guaxu Virá (Veado), Pypó (Pegada da Onça), Guyra Nhandu (Ema,
Avestruz), Maino’i (Beija-Flor), Kuruxu (Cruz), Ambará (Cobra), Eichu
(Vespa), Koembidja (Nhamandu Mirim) e Tudja’i (Homem Velho, Ancião)
(AFONSO, 2013, p. 1-11; 2006; MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 57-71). A
seguir, Além das constelações já mencionadas, Germano Afonso e Carlos
Aurélio Nadal apresentam as seguintes: Tapi’i rainhykã (Queixada da
Anta), Tapi’i Huguá (Bebedouro da Anta), Coxi Huguá (Bebedouro do
Porco do Mato), Joykexo (Três Marias), Nhanderu (Ñanderú), Tinguaçu
(Pássaro de Bico Grande) e Arapuca (Armadilha de pegar passarinho)
(AFONSO, 2006, p. 55; AFONSO, 2013, p. 5; AFONSO; NADAL, 2014, p.
58-9). Por conseguinte, o etnólogo Diogo de Oliveira, baseado também
no interlocutor Alcindo Verá-Tupã Moreira, compartilha as constelações:
Mborevi Nhakangua (Bebedouro da Anta), Tchivi po (Pata da Onça),
Nhanderuvutchu Vutchu Rokẽ (Porta de passagem entre a terra e o
firmamento), Kaaru Mbidja (morada de Arumbara Matutina) e Koẽ Mbidja
(Morada de Arumbara Vespertina) (OLIVEIRA, 2009, p. 143-4). Após,
Flávia Pedroza Lima e Ildeu de Castro Moreira listam o seguinte quadro, a
partir de astros e constelações mencionados por Claude d’Abbeville, além
de dados acessados na tekoá Paraty Mirim (Rio de Janeiro): Jaceí-tatá
(Estrela), Simbiare ra jeiboare (Maxilar de Cavalo ou Vaca), Urubu (Urubu),
Seichu-jurá (Jirau da abelha), Tingaçu (ave Alma-de-gato), Suanrã
(Vagalume), Uènhomuã ou Guaiamum (?), Januare (Jaguar, Cão), Jaceí-
tatá-uaçu (Estrela da Manhã), Pirapaném (Estrela da Tarde), Jandai (ave
Jandaia-verdadeira), Laçatim (espécie de Pássaro), Caí (Macaco), Potim
(Caranguejo), Conomy-manipoere-uare (?), Eyre Apouä ou Irapuá (espécie
de Abelha), Panacon (Cesto Comprido), Tapiti (Lebre), Toucon ou Tucon
(espécie de Palmeira), Tatá-endeí (Fogo Ardente), Nhaèpucon (Panela
Redonda), Caraná-uve, Eixu (Favo de Mel), Tapi’i rapé (Via Láctea), Jakare
rainhykã (Queixada de Jacaré), Aka’e Kora (Gaiola de Gralha), Mboikuá
(Buraco de Cobra) e Kaguare (Tamanduá) (LIMA; MOREIRA, 2005, p. 6-10).
Ao fim, aparece a constelação Sepé Tiaraju, presente no pensamento
guarani-missioneiro e popular no sul do Brasil (QUEVEDO, 1996, p. 3;
LOPES NETO, 2008, p. 213-219; SAVIANI, 2009, p. 124-132).

ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
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Figura 5: Constelação Caminho da Anta

Fonte: Desenho: Geraldo Moreira


In: MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 56

Tendo como base tais informações, a seguir, realizarei uma


apresentação de cada constelação, a partir dos autores acima
mencionados, trazendo alguns dados assinalados pelos mesmos. A ideia
é fazer uma reclassificação, considerando o saber sensível vinculado à
mitologia e à etnologia ameríndia. Importa dizer que, embora as
constelações e os astros tupi-guarani sejam bastantes conhecidos na
astronomia cultural, a valorização desse saber ainda é incipiente na
etnologia ameríndia contemporânea.

Divindades Guarani

CONSTELAÇÕES DESCRIÇÃO / FONTE


Nhanderu Segundo Germano Afonso: “Os guaranis chamam de Nhanderu a mancha
escura que aparece perto da constelação ocidental do Cisne. O Deus Maior
Guarani aparece sentado em seu banco sagrado, utilizando seu cocar divino
e segurando o Sol e a Lua em suas mãos. Ele anuncia a primavera”
(AFONSO, 2006, p. 55).

ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
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Nhanderuvutchu Trata-se da “‘porta’ de passagem entre a terra e o firmamento, que


Vutchu Rokẽ corresponde possivelmente à estrela Kaus Australis, que está localizada na
constelação de Sagitário, próximo ao centro da via-láctea” (OLIVEIRA,
2009, p. 143).
Sepé Tiaraju Trata-se da constelação Cruzeiro do Sul. Sepé-Tiaraju é o grande chefe
guarani morto pelo império português e espanhol na batalha de Caybaté, em
1756. A “mestiça descendente dos índios missioneiros” Maria Genórica
Alvez narrou na forma de poema esse evento a Simões Lopes Neto. O
escritor publicou o mesmo em trinta estrofes no livro Contos Gauchescos e
Lendas do Sul, intitulando O Lunar de Sepé (LOPES NETO, 2008, p. 213-
219; SAVIANI, 2009, p. 124-132). Segundo o historiador Júlio Quevedo:
“Conta-se que Deus Nosso Senhor retirou da testa de Sepé o lunar e o
colocou no céu do pampa para ser o guia de todos os gaúchos. Ele é o
Cruzeiro do Sul” (1996, p. 3).

Estrelas e Seres Sagrados

CONSTELAÇÕES DESCRIÇÃO / FONTE


ASTROS
Caraná-uve “uma estrela a que chamam caraná-uve” (d’Abbevilleapud LIMA;
MOREIRA, 2005, p. 10).
Conomy- Curumim-manipuera-guara (Rapaz que come manipuera). “Certa Estrela
manipoere-uare redonda, muito grande e muito luzente” (d’Abbeville apud LIMA;
MOREIRA, 2005, p. 9).
Jaceí-tatá “Jaci-tatá, de Jaci [Lua] e tatá (cintilante): estrela ou estrelas”
Estrelas (comentário de Rodolfo Garcia apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 6).
Jaceí-tatá-uaçu Jaceí-tatá de Jaci (Lua) e guaçu (Grande). “Conhecem também a estrela
Estrela da da manhã e chamam-na jaceí-tatá-uaçu, grande estrela” (d’Abbevilleapud
Manhã LIMA; MOREIRA, 2005, p. 8).
Joykexo Corresponde a Cinturão de Orion. Segundo Germano Afonso: “Joykexo
Três Marias representa uma linda mulher, símbolo da fertilidade, servindo como
orientação geográfica, pois essa constelação nasce no ponto cardeal leste
e se põe no ponto cardeal oeste. Joykexo também representa o caminho
dos mortos.” (AFONSO, 2013, p. 5; LIMA; MOREIRA, 2005, p. 17).
Kaaru Mbidja Constelação relacionada à Vênus (OLIVEIRA, 2009, p. 144).
Morada de
Arumbara
matutina
Koẽ Mbidja Constelação relacionada à Vênus (OLIVEIRA, 2009, p. 144).
Morada de
Arumbara
Vespertina
Koembidja Trata-se da estrela da manhã, conhecida como o planeta Vênus, é a
(Nhamandu companheira de caminhada do Sol (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 71).
Mirim)
Pirapaném Dão à Estrela Vespertina o nome de pirapaném e dizem que é quem guia
Estrela da a Lua e lhe vai à frente (d’Abbeville apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 8).
Tarde
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Tapi’i rapé Corresponde à Via Láctea (LIMA; MOREIRA, 2005, p. 17). Constelação
Tapir ligada ao Caminho da Anta, que representa também o “nosso Caminho da
Vida” (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 57).
Toró Constelação ligada ao Caminho da Anta, que representa também o “nosso
Búfalo Caminho da Vida” (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 57).
Uènhomuã / “Constelação de várias estrelas que denominam uènhomuã, isto é,
Guaiamum lagostim; aparece ao terminarem as chuvas” (d’Abbeville apud LIMA;
MOREIRA, 2005, p. 7).

Bichinhos Guarani no Céu

CONSTELAÇÕES DESCRIÇÃO / FONTE


Ambará Conforme uma das versões da mitologia guarani, trata-se da Mãe de
ou Kuaray (Sol) e do Jacy (Lua), sendo através de um beijo de Nhanderu que
ela engravidou do Sol. Tendo sido chamado atenção de Tawyterã quanto
Mbo’i
à forma de gerar descendência, Nhanderu teve a seguir uma relação sexual
Cobra com Ambará, e ela engravidou de Jaxy. Depois disso, Nhanderu deixa
Ambará na terra. Esta constelação é parte da de Escorpião (MOREIRA;
MOREIRA, 2020, p. 69-70; LITAIFF, 2018, p. 60-2). Constelação ligada
ao Caminho da Anta, que representa também o “nosso Caminho da Vida”
(MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 57). Segundo Baptista da Silva: “A
serpente tem papel de destaque na ecologia simbólica deste povo.
Conforme as narrativas mitológicas, foi através de suas ações que o eixo
da terra se firmou e o plano material, terreno, se estabeleceu. Sua
performance é considerada fundamental para a sustentação da terra através
das cinco palmeiras sagradas (pindóovy), que espacialmente estão
dispostas de forma a marcar os “quatro cantos do mundo” ou as “moradas
sagradas” de divindades guarani, estando uma palmeira posicionada no
centro” (2010, p. 124).
Apykaxu Constelação ligada ao Caminho da Anta, que representa também o “nosso
Pomba Caminho da Vida” (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 57).
Caí “Constelação formada de muitas estrelas parecida com um macaco”
Macaco (d’Abbeville apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 8).
Eichu Trata-se de um aglomerado de estrelas jovens, azuis, que se localizam em
Vespa Touro. Sendo os olhos da Queixada da Anta, do Veado e do Avestruz, essa
constelação é como uma “família”, um portal que conduz a outras
“ninho de
dimensões. No Ocidente ela é reconhecida como as Plêiades, “como as
abelhas”
sete estrelas ou as sete irmãs” (AFONSO, 2006, p. 53-4; MOREIRA;
Abelha Mestra MOREIRA, 2020, p. 70-1). Segundo Oliveira, Eitchu, o vespeiro, está
ligada à constelação ocidental de Touro (2009, p. 143). Claude
d’Abbeville escreveu Seichu: “Começa a ser vista, em seu hemisfério, em
meados de janeiro, e mal a enxergam afirmam que as chuvas vão chegar,
como chegam efetivamente pouco depois”. Rodolfo Garcia comenta:
“Eichu, a Abelha mestra, de ei-hub [...]. Por essa dicção se vê a
comunidade de idéias entre os tupis do Norte e seus parentes do Sul, que
também davam o nome de Eichu à constelação das Plêiades ou Setestrelo”
(apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 7, 16). Constelação ligada ao Caminho
da Anta, que representa também o “nosso Caminho da Vida” (MOREIRA;
MOREIRA, 2020, p. 57).

ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

Eyre Apouä Irapuá ou Arapuá (espécie de abelha). “Eíre Apuá, mel redondo, é uma
estrela grande, redonda, brilhante e bonita” (d’Abbeville apud LIMA;
MOREIRA, 2005, p. 9).
Guaxu Virá / Está situada na região da constelação ocidental Cruzeiro do Sul e Vela,
GuaxuPuku sendo que sua formação também utiliza estrelas da Carina e Centauro. O
veado trata-se de um animal sagrado para os Guarani, pois coube a ele
Veado
transportar Nhanderu em seus chifres. Na segunda quinzena de março, o
Veado surge ao anoitecer à Leste, indicando a transição do calor para o
frio (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 57, 67; AFONSO, 2013, p. 8;
LIMA; MOREIRA, 2005, p. 17). O veado também é sagrado para os Jê.
Trata-se do animal que origina tanto os Bororo como os Kaingang, através
dos personagens mitológicos Pobógo e Kãme, respectivamente
(CRÉPEAU, 1997B, p. 60).
Guyra Nhandu Ema é outro animal sagrado, a maior de todas as aves, um animal mestre.
Ema, Avestruz No céu, ela se situa na região das constelações Cruzeiro do Sul, Mosca,
Centauro, Escorpião, Triângulo Austral e Altar. De formação mista, ou
seja, pelas manchas da Via Láctea e por estrelas, a sua cabeça é imaginada
pela nebulosa escura que fica próxima à estrela Magalhães, da mesma
forma que sua plumagem é visualizada pelas manchas claras e escuras da
Via Láctea e, por fim, uma das pernas pelas estrelas da cauda de
Escorpião. Ainda em sua imagem de avestruz, as estrelas Alfa Centauro e
Beta Centauro são como dois ovos de pássaros que se encontram em seu
pescoço. Na segunda quinzena de junho, a leste, essa constelação aparece
em sua totalidade, revelando para os índios no sul do Brasil o início do
inverno (AFONSO, 2006, p. 54; MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 68;
LIMA; MOREIRA, 2005, p. 15; LIMA et al, 2014, p. 120). Ave de grande
porte. Claude d’Abbeville escreveu Yandoutin. “Conhecem uma
constelação denominada Iandutim, ou Avestruz branca, formada de
estrelas muito grandes e brilhantes, algumas das quais representam um
bico; dizem os maranhenses que elas procuram devorar duas outras
estrelas que lhes estão juntas e às quais denominam uirá-upiá, isto é: os
dois ovos” (apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 9, 15, 17; LIMA et al, 2014,
p. 120). Constelação ligada ao Caminho da Anta, que representa também
o “nosso Caminho da Vida” (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 57).
Claude D’Abbeville “chamou de Avestruz Branca a constelação da Ema,
no entanto, a avestruz (Struthio Camelus Australis) não é uma ave
brasileira. A ema parece com a avestruz, mas é menor e de família
diferente” (AFONSO 2013, p. 2-4).
Jaixa Constelação ligada ao Caminho da Anta, que representa também o “nosso
Paca Caminho da Vida” (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 57).
Jandai “Há uma estrela que se levanta depois do Sol posto; como é muito
ave Jandaia- vermelha dão-lhe o nome de Jandai, derivado de um pássaro assim
verdadeira chamado” (d’Abbevilleapud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 8).
Januare “A certa estrela chamam os índios januare, cão. É muito vermelha e
Jaguar, Cão acompanha a Lua de perto. Dizem, ao verem a Lua deitar-se, que a estrela
late ao seu encalço como um cão, para devorá-la” (d’Abbevilleapud
LIMA; MOREIRA, 2005, p. 7).
Kaguare (LIMA; MOREIRA, 2005, p. 17).
Tamanduá
Laçatim “Constelação de sete estrelas que tem a forma de um pássaro e a que
chamam iaçatim” (d’Abbeville apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 8).

ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

Maino’i O Beija-Flor trata-se de outro animal sagrado, simbolizando a origem do


Beija-Flor, mundo. Ele foi o primeiro pássaro criado pela divindade Nhanderu. Essa
Colibri constelação é concebida pelas estrelas Albírio, Cisne, Deneb, Gianah,
Sadr e Cruz do Norte. Segundo Moreira; Moreira, “É um pássaro veloz e
mensageiro que pode levar as mensagens para o mundo celestial” (2020,
p. 69; CADOGAN, 1959, p. 13-15).
Mboré Constelação ligada ao Caminho da Anta, que representa também o “nosso
Anta Caminho da Vida” (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 57).
Potim “A outra chamam Potim, caranguejo, por ter a forma desse animal”
Caranguejo (d’Abbeville apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 8).

Suanrã “É a estrela Sirius, a mais clara e resplandescente do firmamento”


Pirilampo, (Comentário de Rodolfo Garcia apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 7).
Vagalume
Tapiti “Formada por muitas estrelas à semelhança de uma lebre e por outras em
Lebre forma de orelhas compridas, em cima da cabeça” (d’Abbevilleapud
LIMA; MOREIRA, 2005, p. 10).
Taytetu Constelação ligada ao Caminho da Anta, que representa também o “nosso
Javali Caminho da Vida” (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 57).
Tinguaçu Segundo os Tupinambá pesquisados pelo Claude d’Abbeville, anuncia o
Pássaro de aparecimento das Plêiades (AFONSO; NADAL, 2014, p. 58)
Bico Grande

Tingaçu “[estrela] Mensageira da [Seichu/Eichu] aparecendo no horizonte quase


ave sempre quinze dias antes”. Ave da família das Cocúlidas (Piayacayana,
Linn). De ti (bico), açu (grande)” (d’Abbeville, 1614. Comentário de
Alma-de-gato
Rodolfo Garcia apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 7).
Urubu “tem a forma de um coração e aparece no tempo das chuvas”. Faz derivar
Urubu de uru (ave, galinácio em geral) e bu (negro); pode admitir-se outra que o
derive de uru, como acima, e u (voraz, o corvo) (d’Abbeville, Comentário
Rodolfo Garcia apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 6).

Bichinhos, Seus Corpos e Territórios

CONSTELAÇÕES DESCRIÇÃO / FONTE


Coxi Huguá Corresponde à Pequena Nuvem de Magalhães. Trata-se de uma constelação
Bebedouro formada pelas manchas – a nebulosa – na Via Láctea, sem estrelas
(AFONSO, 2006, p. 52-3).
do Porco
do Mato
Eixu Corresponde às Plêiades (LIMA; MOREIRA, 2005, p. 17).
Favo de Mel
Jakare “Uma constelação mista formada por três estrelas e o fundo escuro do céu”
rainhykã (LIMA; MOREIRA, 2005, p. 17).
Queixada
de Jacaré

ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

Mboré Rapé Nhanderu construiu o caminho da anta para que todos os animais da terra
Caminho estivessem replicados no céu. Essa constelação é conhecida no Ocidente
como a Via Láctea. No período entre final de julho e agosto, quando ocorre
da Anta
o alinhamento entre Sol, Terra e a própria constelação, momento esse
chamado de Aragudje Pyau, ela se torna mais visível (MOREIRA;
MOREIRA, 2020, p. 57; AFONSO, 2013, p. 1, 8-9; OLIVEIRA, 2009, p.
143; CADOGAN, 1959, p. 34). “Tudo o que seria o nosso costume o futuro
foi deixado registrado no Caminho da Anta pelo nosso Pai Criador. Foi
deixado como um mapa, um ensinamento, para que tenhamos na mente e no
coração como devemos caminhar, a nossa missão pela Terra, como repassar
o conhecimento para as futuras gerações, e como receber a sabedoria através
das estrelas” (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 57).
Mboikuá (LIMA; MOREIRA, 2005, p. 17).
Buraco
de Cobra
Mborevi Corresponde à Grande Nuvem de Magalhães, pequena galáxia que gira ao
Nhakangua redor da Via Láctea (OLIVEIRA, 2009, p. 143).
Bebedouro da
Anta
Pypó Trata-se de outra criação de Nhanderu para ela existir nas matas e no céu.
Pegada da Essa constelação é conhecida como Via Láctea. O sentimento dessa
divindade foi que “a marca de sua pata ficasse para sempre nas estrelas”.
Onça
Assim, o poder da onça está em seu uivo (MOREIRA; MOREIRA, 2020, p.
68).
Seichu-jurá “É uma constelação de nove estrelas dispostas em forma de grelha e anuncia
Jirau da abelha a chuva” (d’Abbeville apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 6).
Simbiare ra “Trata-se de uma constelação que tem a forma dos maxilares de um cavalo
jeiboare ou de uma vaca. Anuncia a chuva” (d’Abbeville apud LIMA; MOREIRA,
Maxilar 2005, p. 6).
Tapi’i Huguá Corresponde a Grande Nuvem de Magalhães. Trata-se de uma constelação
Bebedouro formada pelas manchas – a nebulosa – na Via Láctea, sem estrelas
(AFONSO, 2006, p. 52-3).
da Anta
Tapi’i rainhykã Segundo os Tupinambá pesquisados pelo Claude d’Abbeville (1614),
Queixada corresponde a Hyades, incluindo Aldebaran. Indica que as chuvas estão
chegando (AFONSO, 2013, p. 5; LIMA; MOREIRA, 2005, p. 17;
da Anta
DOOLEY, 1998, p. cv).
Tchivi po Formada pela estrela Deneb, “a mais brilhante da constelação do Cisne
Pata da Onça (Cygnus)” (OLIVEIRA, 2009, p. 143).

Plantas Celestiais

CONSTELAÇÕES DESCRIÇÃO / FONTE


Toucon / “Tucon é o nome de outra Estrela que se assemelha ao fruto do tucon-ive,
Tucon espécie de palmeira” (d’Abbevilleapud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 10).

ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

Objetos e Elementos

CONSTELAÇÕES DESCRIÇÃO / FONTE


Arapuca Armadilha de pegar passarinho (AFONSO; NADAL, 2014, p. 58-9)
Aka’eKora (LIMA; MOREIRA, 2005, p. 17).
Gaiola de
Gralha
Kuruxu Essa constelação é pensada a partir de quatro estrelas – Magalhães,
Cruz Mimosa, Rubídea e Pálida – situadas em plena Via Láctea, cujo conjunto
indica o caminho da anta. Trata-se da bússola da noite, conhecida como
Cruzeiro do Sul. Nas palavras de Afonso, “a posição da constelação do
Cruzeiro do Sul é utilizada pelos tupis-guaranis para determinar os pontos
cardeais, o intervalo de tempo transcorrido durante a noite e as estações
do ano” (2006, p. 53; MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 69). Claude
D’Abbeville nomeou Criça. A respeito disso, comentário de Rodolfo
Garcia: “Curuçá, no tupi; Curuzu, no guarani; alteração do vocábulo
português e espanhol cruz. É a constelação do Cruzeiro do Sul, que se
designava com o nome Cruz antigamente” (apud LIMA; MOREIRA,
2005, p. 8, 17).
Nhaèpucon “Uma constelação parecida com uma frigideira redonda dão o nome de
Panela Redonda nhaèpucon” (d’Abbeville apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 10).
Panacon “Constelação com a forma de um cesto comprido a que chamam panacon”
Cesto Comprido (d’Abbeville apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 10).
Tatá-endeí “Outra grande estrela brilhante” (d’Abbeville apud LIMA; MOREIRA,
Fogo Ardente 2005, p. 10).

Pessoa Guarani

CONSTELAÇÃO DESCRIÇÃO / FONTE


Tudja’i Trata-se do guardião, o espírito dono de todas as constelações presentes
Homem Velho, no Caminho da Anta – mboré (anta), taytetu (javali), jaixa (paca), guaxu
(veado), apykaxu (pomba), guyra nhandu (avestruz), eixu (vespa), mboi
Ancião
(cobra), Tapi’i rape (tapir) e toró (búfalo). Em relação ao Ocidente, ela é
formada pelas constelações de Touro e Órion. No calendário cosmológico
guarani, Tudja’i se mostra na segunda quinzena de dezembro, a leste,
delineando o início do verão e calor no sul do Brasil (MOREIRA;
MOREIRA, 2020, p. 68; AFONSO, 2013, p. 1, 5; AFONSO, 2006, p. 54-
5). Claude d’Abbeville escreveu Tuyvaé: ela é composta de várias estrelas
dispostas de maneira que um velho homem toma um bastão pela mão
(apud LIMA; MOREIRA, 2005, p. 9).

A partir da sofisticação, densidade e sensibilidade desse saber (tupi-)


guarani, cabe ressaltar dois aspectos. Primeiro, a importância do casal Alcindo
Whera Moreira e Rosa Mariani Cavalheiro Poty Djá, além de outros
mestres, na transmissão desse conhecimento aos Guarani e aos

ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

pesquisadores (MOREIRA; MOREIRA, 2020; OLIVEIRA, 2009). Segundo, em


conexão com a astronomia cultural e a etnologia ameríndia, a importância
da frase de Alcindo Whera a Diogo: “Tudo que existe aqui é porque está
lá também, que o que está lá em cima [céu] é como o que está aqui
embaixo, ‘só que diferente’” (OLIVEIRA, 2009, p. 142). A partir desse
princípio, cabe a pergunta: onde está o Saci no conjunto das constelações
recém apresentadas?
Para responder a questão, novos dados fornecidos pela astronomia
cultural, além das ferramentas teóricas da mitologia são necessários. Para
isso, nosso foguete imaginário descerá na constelação Tudja’i,
pertencente ao último quadro. Em relação ao corpo do Homem Velho,
alguns detalhes chamam atenção, repare: a estrela Bellatrix desenha a sua
virilha; as estrelas Mintaka, Alnilam e Alnitak, que formam o Cinturão de
Órion (Três Marias), desenham o joelho da perna sadia; a estrela Saiph, o
pé da mesma perna; por sua vez, a estrela vermelha Beltegeuse
representa o lugar em que sua perna foi cortada. As estrelas do escudo
de Órion são o seu braço esquerdo, em sua mão direita ele segura um
bastão. A cabeça de Tudja’i é formada pelo aglomerado estelar Híliades,
onde se encontra a estrela Aldebaran, a mais brilhante da constelação de
Touro, de cor avermelhada. Amarrado à sua cabeça ainda, um penacho
formado pelo aglomerado estelar das Plêiades (AFONSO, 2006, p. 55;
AFONSO, 2013, p. 5; MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 68). Eis as imagens de
Tudja’i, em detalhe:

Figura 6: Constelação Tudja’i (1)

Fonte: MOREIRA; MOREIRA, 2020, p. 56

ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

Figura 7: Constelação Tudja’i (2)

Fonte: Imagem Internet 34

Diante deste céu, olhando de frente para Tudja’i – com seu bastão
em uma mão, a touca em sua cabeça onde se destaca a brilhante e
avermelhada Aldebaran, além da ausência de uma perna – é impossível
não lembrar do Saci perneta, narrado pelo Rui Sérgio Ferreira, Nhô Vadô
Rodrigues, Francisco Schaden e Clovis Chiaradia, entre outros. Como é
possível que Tudja’i e Saci se pareçam tanto?
Uma das explicações é que, na perspectiva da mitologia, tanto o
primeiro perneta no céu como o segundo na Terra estão na ordem da
gemelaridade. Mas, enquanto Tudja’i se mostra um ancião guarani e
“pessoa de respeito”35, dono de todas as constelações presentes no

34
Disponível em:
https://www.google.com.br/search?q=constela%C3%A7%C3%A3o+homem+velho+nome+das+estrelas
&hl=pt-
BR&authuser=0&tbm=isch&sxsrf=ALeKk01H5iIguCSWtN34eBTdLRFCAbZqzA%3A1619026087413
&source=hp&biw=1366&bih=657&ei=p2CAYPnVFtbC5OUPkbOFkA4&oq=constela%C3%A7%C3%
A3o+homem&gs_lcp=CgNpbWcQARgAMgIIADIGCAAQCBAeOgQIIxAnOggIABCxAxCDAToFCA
AQsQNQ5HhYu60BYKa_AWgAcAB4AIABswGIAeQTkgEEMC4xN5gBAKABAaoBC2d3cy13aXota
W1n&sclient=img#imgrc=LsV115vOVNGVDM&imgdii=opquMjtS7jHYyM (Acesso em: 20 nov. 2021).
35
A pessoa anciã é muito respeitada tanto pela sua família como pelo coletivo, haja vista seus
conhecimentos, em especial, sobre plantas medicinais, divindades e temas ligados ao céu. Nas palavras de
Daciene de Paula Oliveira, “A participação dos idosos na tomada de decisões é uma condição para
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
jan./abr. 2022.
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Espaço Ameríndio

Caminho da Anta – o Saci se apresenta como uma criança de cor negra ou


branca, peralta ou protetora dos animais e das plantas (SCHADEN, 1974,
p. 157; JEKUPÉ, 2002, p. 33). Ou seja, nesse caso, Tudja’i e Saci são
gêmeos, simétricos inversos e pertencentes à disjunção ligada a “coxa +
perna”. Enfim, Tudja’i e Saci têm as mesmas qualidades, porém, sob
determinados aspectos, com polaridades invertidas.
Há que se registrar como é emocionante perceber e constatar a
presença de um Saci – com nome de Tudja’i – no céu, demonstrando
assim o quanto os saberes dos Chiripá Alcindo Whera Moreira e Rosa
Mariani Poty Djá, da mitologia e da astronomia cultural estão em
consonância. Enfim, por um efeito de reversão, um dos princípios da
mitologia, o retorno do Saci tanto negrinho como de pele “bronzeada
como a dos índios” pela constelação tupinambá e guarani de nome Tudja’i
será aprofundado no tópico O Saci-Pererê Afroindígena, no próximo
número da Revista Espaço Ameríndio (JEKUPÉ, 2002; WATTS-POWLESS,
2017, p. 261, 268).
Aliás, na segunda parte do artigo os objetivos serão: destacar a
importância do Saci e dos personagens pernetas que se fazem presentes
em diversos povos ameríndios, além dos motivos do corte da sua perna.
Após, considerando a lógica dos Mbyá-Chiripa em torno da categoria já
(dono), mostrar as relações de poder entre as divindades Ñanderú, Tupã
kuéry, Karaí, Kuaray, Jaxy, Curupira e Saci com as plantas, os animais e
as pessoas. Por último, apresentar algumas conexões do Saci com a
categoria afroindígena. A ideia é dar continuidade aos saberes
transmitidos pelos interlocutores afro-americanos e ameríndios, a partir
da ênfase da mitologia, da etnologia ameríndia e da astronomia cultural.

Crédito

Dia 26 de agosto, o etnoastrônomo Germano Bruno Afonso faleceu,


vítima de COVID-19. Eu soube da morte de Afonso em 11 de janeiro de
2022, durante o levantamento das referências bibliográficas na internet.
Foi um duro golpe! No meu horizonte, intencionava conversar com ele
sobre o Saci. Germano deixa um legado científico imprescindível sobre as
constelações tupi-guarani.

promover decisões justas, pois os indígenas Mbyá-Guarani consideram a experiência livre de vaidades e
disputas, assim os mais velhos são vistos como sábios e capazes de tomar decisões mais harmoniosas e
assertivas” (OLIVEIRA, 2021, p. 138; SEÁRA; JESUS, 2016, p. 218-9).
ROSA, Rogério Reus Gonçalves da. Jaxy e Jaxy Jaterê: o ponto de vista Guarani e de outros povos ameríndios sobre a
origem da lua, as constelações e o saci-pererê (primeira parte). Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 1-46,
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Espaço Ameríndio

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Software: Stellarium Astronomy Software

Recebido em: 17/03/2022 * Aprovado em: 09/04/2022 * Publicado em: 30/04/2022

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