Cap 14

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LUCAS RODRIGUES OLIVEIRA

(Organizador)

Educação:
dilemas
contemporâneos

2020

2020
LUCAS RODRIGUES OLIVEIRA
(Organizador)

Educação:
dilemas contemporâneos

2020

2020
Copyright© Pantanal Editora
Copyright do Texto© 2020 Os Autores
Copyright da Edição© 2020 Pantanal Editora
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Ficha Catalográfica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG)

E24 Educação [recurso eletrônico] : dilemas contemporâneos / Organizador


Lucas Rodrigues Oliveira. – Nova Xavantina, MT: Pantanal, 2020.
183 p. : il. ; 14 x 21 cm

Formato: PDF
Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader
Modo de acesso: World Wide Web
ISBN 978-65-990641-8-0
DOI https://doi.org/10.46420/9786599064180

1. Educação – Pesquisa – Brasil. I. Oliveira, Lucas Rodrigues. II.


Título.
CDD 370

Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422

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APRESENTAÇÃO

A educação é muito complexa para, em qualquer momento da história, existir sem


dilemas. Por isso mesmo é que o debate e as reflexões sobree o tema são sempre presentes
no meio acadêmico. Nesse contexto, a obra “Educação: dilemas contemporâneos” constitui-
se de quinze capítulos, organizados com o propósito de contribuir com as discussões acerca
das questões mais relevantes à educação nacional.
A escola, principal instituição da educação formal, é construída de forma histórica.
Depois de existir por muito tempo apenas em função da elite brasileira, a escola passou a ser
um bem garantido a todos os indivíduos – não sem muita luta. Antes disso, a classe mais
pobre da sociedade não tinha espaço na educação formal. A escola pública e obrigatória para
todas as pessoas só começou nos séculos XVIII e XIX.
Nesse contexto histórico que envolve a educação brasileira, a Constituição de 1988
contribuiu, significativamente, com a democratização do ensino. Contemporaneamente, por
mais que avanços sejam nítidos, há muito ainda a ser organizado e democratizado na
educação brasileira, em suas várias modalidades e níveis. A presente obra almeja contribuir
com as discussões sobre a educação.
Esse livro contempla assuntos cruciais para a educação contemporânea brasileira;
reflete-se sobre a educação inclusiva e o atendimento dos alunos com necessidades
educacionais especiais, como surdez e cegueira; além disso, levanta-se uma discussão sobre
a inclusão de alunos com altas habilidades e superdotação – tema muito pouco difundido no
meio acadêmico.
As tecnologias influenciam o mundo de uma forma assaz severa. Nesse livro, trata-
se do acesso à internet, uma das principais tecnologias novas, e também do acesso (ou
impossibilidade de acesso) a outras tecnologias pelos professores. Nesse campo das novas
tecnologias, insere-se a escola pública de tempo integral: modelo de educação no qual, para
que haja aceitabilidade e eficácia no processo de ensino e aprendizagem, é inevitável o
investimento expressivo em tecnologias e formação de professores. A educação em tempo
integral é tema presente nessa obra, que também reflete sobre os estudos de gênero e a
educação do campo no Brasil.

Lucas Rodrigues Oliveira


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................... 4
CAPÍTULO I
DESENVOLVENDO A AUTONOMIA DO APRENDIZ DE INGLÊS COM METODOLOGIAS ATIVAS
............................................................................................................................................................. 7
CAPÍTULO II
NÚCLEO DE APOIO PEDAGÓGICO DOM BOSCO: PERCURSO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA DO
ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL EM RIO BRANCO/ACRE.......................................... 17

CAPÍTULO III
APRENDER, RESPONSABILIZAR E APLICAR: OS DESAFIOS DOS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO
BÁSICA FRENTE AOS ALUNOS COM ALTAS HABILIDADES SUPERDOTAÇÃO ............................. 26
CAPÍTULO IV
DISCIPLINA E SEU ANTÔNIMO NA ESCOLA: UM DILEMA COTIDIANO ...................................... 37
CAPÍTULO V
ESTRATÉGIAS NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DO ALUNO SURDO: O CASO DO
IFRR / CAMPUS BOA VISTA ZONA OESTE ................................................................................. 49
CAPÍTULO VI
PICHON RIVIÈRE E BRUNER: APRENDIZAGEM, ENLACE, DILEMA E PROBLEMA EM TORNO
DAS FORMAS SIMBÓLICAS NA CONTEMPORANEIDADE .............................................................. 56

CAPÍTULO VII
A INTERNET: ENTRE A UTOPIA E A DISTOPIA ............................................................................. 67
CAPÍTULO VIII
FERRAMENTAS DIGITAIS PARA FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE...................................... 83
CAPÍTULO IX
APLICAÇÃO DE TECNOLOGIAS DIGITAIS NA COMPREENSÃO DE TEXTOS MULTIMODAIS EM
LÍNGUA ESTRANGEIRA.................................................................................................................... 88

CAPÍTULO X
OS ESTUDOS DE GÊNERO NO INSTITUTO FEDERAL DO MARANHÃO CAMPUS PEDREIRAS A
PARTIR DA CRIAÇÃO DO LABORATÓRIO DE ESTUDOS DE GÊNERO IFMA PEDREIRAS -
LEGIP .............................................................................................................................................. 96
CAPÍTULO XI
REFLETINDO CONCEITOS, ATITUDES E PROCEDIMENTOS CONTRA A POLUIÇÃO SONORA:
UMA ATITUDE SONORA SAUDÁVEL OU ‘LIBERDADE’ NA ESCOLA? ......................................... 110

CAPÍTULO XII
AGROECOLOGIA COMO CAMINHO PARA UMA NOVA EDUCAÇÃO DO CAMPO....................... 124
CAPÍTULO XIII
AVANÇOS E DESAFIOS DA POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL .......... 135
CAPÍTULO XIV
EDUCAÇÃO: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA SOBRE O SISTEMA EDUCATIVO MOÇAMBICANO
......................................................................................................................................................... 158
CAPÍTULO XV
ORIENTAÇÃO E MOBILIDADE: A IMPORTÂNCIA DO ATENDIMENTO EDUCACIONAL
ESPECIALIZADO VISANDO A AUTONOMIA DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL .............. 173

ÍNDICE REMISSIVO...................................................................................................................... 182


Educação: dilemas contemporâneos

Capítulo XIV

Educação: Uma abordagem Histórica sobre


o Sistema Educativo Moçambicano
Recebido em: 28/04/2020 Denisse Kátia Soares Omar1*
Aceito em: 06/05/2020
10.46420/9786599064180cap14

INTRODUÇÃO
No presente artigo intitulado “Educação: Uma abordagem Histórica sobre o Sistema
Educativo Moçambicano”, pretende-se revisitar o processo evolutivo da educação em
Moçambique nos períodos pré-colonial até o pós-colonial mas concretamente 1992. A
educação que constitui a chave mestra para a preparação e promoção do Desenvolvimento
Humano, no período pré-colonial, baseava-se nas tradições culturais africanas e orientadas
para a vida (Golias, 1993; Cipiri, 1996). Com a implantação do sistema colonial, o sistema
educativo viria a sofrer uma mudança radical, pois, os colonizadores criaram outro sistema
caracterizado por ser profissional e regimental mas rigorosamente racial (Ranger, 1997). Era,
na verdade, um sistema que tinha por fim assegurar a permanência das estruturas coloniais
no nosso país.
Com a independência nacional, em Junho de 1975, o Governo moçambicano vai
implementar uma nova política educativa cujo laboratório terá sido as “zonas libertadas”. O
novo modelo educativo era finalizado à construção de uma sociedade nova e, por via disso,
de um “Homem Novo”. Um Homem munido de uma nova mentalidade que lhe permitiria
desenvolver o espírito de solidariedade, de unidade nacional e a consciência patriótica. E, na
década de 1990, com introdução da nova constituição e do liberalismo económico novas
linhas educativas foram traçadas com objectivo de adequar o sistema educativo a nova
realidade do país.

1 Departamento de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Rovuma Nampula, Campus Universitário de


Napipine, C.P nº 544, Moçambique.
* Autor correspondente: denissekatiaomar@gmail.com.

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Educação: dilemas contemporâneos

Este artigo baseou-se numa análise bibliográfica e documental, onde se buscou


escrever os tópicos a partir dos materiais e documentos existentes nos Arquivos da cidade,
centrando-se principalmente na documentação que deu mais ímpeto e clareza à pesquisa.

O percurso histórico da educação em Moçambique


Neste ponto procura-se apresentar o percurso histórico da educação em
Moçambique. Assim, no primeiro momento é caracterizada a educação praticada antes da
chegada dos europeus. No segundo momento é analisada a educação no contexto colonial e
suas implicações na sociedade moçambicana. No terceiro, reflecte-se sobre a educação pós-
independência tomando em consideração, as características, modelos e finalidades.

A educação no período Pré-colonial


Antes da chegada dos árabes e portuguese os africanos dispunham das suas próprias
formas de educação. Estas visavam essencialmente preparar os jovens para a vida,
desenvolvendo as suas capacidades físicas, carácter, respeito pelos mais velhos e pelas
autoridades e a preparação para o trabalho no quadro da comunidade (Golias, 1993).
A educação neste período era transmitida às novas gerações de homens e mulheres
através de códigos de valores políticos, morais culturais e sociais tais como: ritos de iniciação,
dogmas e superstição. Estas formas de educação transmitiam uma visão idealista do mundo
e dos fenómenos da natureza. Desta feita, o indivíduo era preparado para aceitar a exploração
como uma lei natural e assim reproduzi-la no seu grupo etário, na sua família, na sua tribo,
etnia e raça, sendo os mais velhos os principais responsáveis pela transmissão dos códigos e
valores (Cipiri, 1996).
O currículo da educação tradicional era composto de elementos falatórios como o
caso de contos e cantos, anedotas, adivinhas, histórias, lendas e mitos e por outro lado por
elementos práticos que dependiam do tipo de trabalho com a tribo e o clã se identificavam
como pesca, caça, tapeçaria, artesanato, olaria entre outras actividades.
As práticas educacionais neste período incentivavam a mulher e as raparigas a serem
boas donas de casa, a cuidarem dos seus irmãos, pais e maridos assim como a serem boas
reprodutoras. As cerimónias dos ritos de iniciação serviam essencialmente para inculcar nas
mulheres e nas raparigas a não transgressão de certos valores, pois seriam indignas e disso
dependiam a sorte ou azar.
Com a chegada dos povos estrangeiros principalmente os portugueses a
Moçambique a partir do século XV, a educação tradicional em Moçambique foi sendo

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Educação: dilemas contemporâneos

substituída pelo modo de vida e cultural do colonizador, marcadamente cristã e eurocêntrica.


Este modelo de educação viria a destruir as bases funcionais da educação tradicional.

A educação no período colonial


O período colonial deixou marcas profundas em Moçambique e não só. Todavia,
apesar da política baseada no controle e na autoridade sobre um território ocupado e
administrado por um grupo de indivíduos, ter começado nos finais do século XV, a ocupação
efectiva dos mesmos viria a se concretizar depois da Conferência de Berlim em 1884/85. É
depois desta que Moçambique é transformada numa colónia de povoamento portuguesa
(Boahen, 2010).
Assim, o impacto da colonização tomou diferentes formas e afectou as vidas das
mulheres e homens diversamente em resultado da dinâmica (tensão, acomodação e inovação)
entre o capitalismo colonial, o modo de produção familiar, as atitudes e práticas patriarcais
europeias e africanas, assim como reflectiu igualmente a resistência activa das mulheres ao
controle masculino sobre os recursos sociais e sobre as próprias mulheres (Borges, 2007).
Neste sentido, o sistema educativo em Moçambique neste período exprimia uma
orientação ostensivamente segregacionista, onde o sistema educativo se reproduzia em
“Ensino Oficial” Português e se destinava a uma elite socioeconómica recrutada entre o
aparelho de colonização política e económica, coexistia com um outro destinado aos grupos
da população local chamado de “Ensino Rudimentar” em grande medida administrado pela
Igreja Católica. Para este último grupo o acesso ao ensino era restrito e de carácter prático,
visando formar uma mão-de-obra minimamente qualificada, ao serviço do tipo de exploração
económica com base na agricultura familiar e no monopólio de companhias comerciais sob
a tutela vigilante do governo colonial português (Borges, 2007).
Visto nesta perspectiva Isaacman e Stefhan (1984), salientam que durante o período
colonial as oportunidades de educação eram, por um lado, extremamente limitadas e, por
outro, proporcionadas, quase que exclusivamente, pela Igreja Católica. Com efeito, antes de
um moçambicano entrar para escola Primária, tinha que frequentar o “ensino de adaptação”
até que fosse demonstrado o seu domínio da língua portuguesa. Das 392.796 crianças que
frequentavam o “ensino de adaptação” em 1959, no sistema de ensino missionário, só 6.928,
isto é, 17 por cento viriam a entrar para a escola Primária. Embora estes números não
incluam a distribuição por sexo, os rapazes como geralmente acontecia, constituíam a maioria
esmagadora da população escolar de crianças africanas, durante o período colonial. As
raparigas ensinava-se-lhes tudo o que precisavam saber através dos métodos tradicionais de

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Educação: dilemas contemporâneos

educação – imitação do comportamento dos adultos, mitos e ritos de iniciação – que as


preparavam para o seu papel na sociedade de fornecedoras de trabalho e procriadoras de
filhos. Aquelas que conseguiam receber alguma escolarização eram, habitualmente, tiradas
da escola quando atingiam a puberdade para que pudessem participar nos ritos de iniciação
e depois casar.
Embora a penetração dos missionários cristãos tenha sido menos extensiva em
Moçambique, comparativamente à maior parte dos países africanos, eles controlavam todo
o sistema de “educação formal” existente para as crianças africanas. Nessas instituições
inculcavam nos estudantes a ideologia patriarcal e discriminatória da religião cristã. Além do
mais, o corpo estudantil das escolas das missões era fundamentalmente do sexo masculino.
Em parte, isso se devia às atitudes tradicionais contra a escolarização das raparigas. No
entanto, estas atitudes eram reforçadas pela posição dos missionários de que a escolarização
era mais importante para os rapazes do que para as raparigas (Isaacman; Stefhan, 1984). A
herança desta política de ensino só para os rapazes torna muito difícil às mulheres a entrarem
no mercado de trabalho e o acesso a posições importantes num Moçambique independente.
Durante este período, o sistema de educação era coerente com os objectivos
económicos, políticos e culturais do sistema, visando a reprodução das suas relações de
exploração e de dominação. E, tinha como função modelar o homem e a mulher no sentido
destes tornarem-se servis, despersonalizados e alienados às realidades do seu povo (Gómez,
1999).
Assim, as escolas para “civilizados” que eram chamadas escolas do ensino primário
ou ensino primário comum, assentes no sistema oficial e particular, eram as mais sofisticadas
e estavam destinadas aos brancos, asiáticos e assimilados. Segundo Mondlane (1995), os
povos colonizados que desejassem tornar se assimilados deviam requerer através de um
processo legal a cidadania portuguesa a um tribunal local, abandonando assim, o estatuto de
indígena e o principal requisito era o domínio da língua portuguesa e ter estabilidade
económica. As escolas para os “civilizados” estavam em número muito reduzido e ofereciam
oportunidades de aprendizagem a um número ínfimo de crianças nos centros
administrativos. Trata-se do sistema relativamente mais desenvolvido em comparação com
o ensino para “indígena”.
Nesta altura, a educação estava sob a gestão da Igreja Católica e da administração
colonial. Em ambos os subsistemas, introduziu-se, um modelo de educação ocidental, cujo
conteúdo assentava na língua e cultura portuguesa e na religião cristã, isto é, nos valores e
representações sociais ocidentais, em particular, aqueles que diziam respeito aos papéis de

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Educação: dilemas contemporâneos

género. Desta forma, os homens foram identificados como grupo alvo das acções
desenvolvimentistas, como é o caso do sector educativo, e foram os primeiros beneficiários
da escolaridade formal. Enquanto os homens aprendiam a ler, escrever e aritmética, as
mulheres eram ensinadas a tornarem-se boas donas de casa segundo o modelo português
(Borges, 2007).
Com a finalidade de conformar as culturas locais aos ditames da sociedade
ocidental/portuguesa, que o colonialismo concebia como superior, instaurou-se um ensino
específico para as raparigas nativas partindo da educação profissional virada para trabalhos
manuais. Desta forma, deu-se uma atenção especial às raparigas que deveriam além de
aprender um ofício, receber treinamento para se tornarem excelentes donas de casa, ou seja,
procurava-se inculcar a ideologia da mulher passiva, esposa e mãe, dependente
economicamente do pai e do marido, respectivamente. Nestas condições, o ensino para as
raparigas nativas, segundo a letra do “Programa das Escolas de Professores de Postos
Escolares” de 1964, restringia-se à “Formação Feminina”, onde se pretendia ensinar todas
as matérias necessárias para a “missão da boa dona de casa”, que incluíam economia
doméstica, culinária, costura, adorno do lar e arte doméstica, e educação Familiar, destinadas
a tornar as jovens nativas boas donas de casa, boas empregadas ou governantas (segundo o
modelo português) e prepara-las para o importante papel que lhe cabe na sociedade de sua
ambivalência (Isaacman; Stefhan, 1984).
Este importante papel era pois o de esposa e mãe de família, tendo como modelo a
concepção europeia da divisão sexual do trabalho, em que o homem ocupa a esfera pública
e produtiva, enquanto a mulher faz trabalho doméstico e reprodutivo na esfera privada. No
entanto, esta concepção da divisão sexual do trabalho e dos papéis de mulher, esposa e mãe,
veiculada pelos agentes coloniais, desconheceu a preexistência de um modelo de relação de
género em que as mulheres desenvolviam importantes papéis produtivos e reprodutivos,
simultaneamente nas esferas pública e privada. Com efeito, a importância do papel produtivo
feminino foi considerado como a evidência da opressão das mulheres e da exploração
masculina do seu trabalho. Para operacionalizar este desiderato, as escolas profissionais
destinadas as raparigas indígenas funcionavam em regime de semi-internatos destinados a
proporcionar as todas as regras de um lar (Isaacman; Stefhan, 1984).

A Regulamentação do Ensino Colonial


O Governo colonial criou vários regulamentos e todos com o único objectivo de
controlar o africano de modo a garantir e legitimar o seu poder. No olhar de Meneses (2018),

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Educação: dilemas contemporâneos

as políticas de violência usadas pelo colonialismo têm necessariamente várias leituras,


dependendo das relações de poder que justificam esta intervenção. Se nos países
colonizadores esta acção se justifica e legitima por contribuir para expandir o projecto
civilizador eurocêntrico, para os colonizados, ele expressa barbárie, milhões de homens
arrancados dos seus hábitos e costumes.
Nesta perspectiva, Gómez (1999), traz-nos a primeira regulamentação do ensino nas
colónias que é do dia 2 de Abril de 1845. No dia 14 de Agosto desse mesmo ano, um decreto
diferenciava o ensino nas colónias do ensino na metrópole e criava as escolas públicas nas
colónias. Depois de 1854, criaram-se, por decreto, as primeiras escolas primárias na Ilha de
Moçambique, no Ibo, Quelimane, Sena, Tete, Inhambane e Lourenço Marques. Mas esses
decretos ou actos legislativos não foram para além do papel. Em 30 de Novembro de 1869,
foi reformado o ensino no Ultramar: Decreta-se mas apenas se decreta o ensino primário
obrigatório, sendo a instrução primária dividida em 1˚ e 2˚ grau, cada um com duas classes.
O sistema educacional estava, principalmente, nas mãos das missões católicas.
No começo do século XX, a modificação da realidade educacional foi lenta e, sempre,
muito incerta. A educação colonial ganha uma relativa mudança a partir da introdução do
Decreto de 13 de Outubro de 1926 de João Belo (Estatuto Orgânico das Missões Católicas
Portuguesas da África e Timor), que extingue as “missões laicas” ou “missões civilizadoras”
e revigora a intervenção das missões católicas. É neste período que se vai marcar uma estreita
relação entre o Estado e a Igreja, não deixando exclusivamente a igreja à educação dos
indígenas como acontecera antes. Foi a partir do Estado Novo que essa colaboração se
estreitou ainda mais.
Para responder melhor aos objectivos da colonização e sob o impulso do próprio
Estado novo, foram sendo criadas instituições especializadas como as “missões católicas”,
neste período o Estado e a Igreja colaboram estreitamente na administração de todos os
graus e tipos de ensino, dividindo-se os sectores em que cada um iria desenvolver as suas
acções. Para concretizar esta parceria, foi elaborado o “Acordo Missionário”, de 7 de Maio
de 1940, assinado entre a Santa Sé e a República Portuguesa, no qual as missões eram
consideradas “corporações missionárias” ou “religiosas” e, como tal, instâncias económicas
de “moralização dos indígenas”, isto é, “de preparação de futuros trabalhadores rurais e
artífices que produzem”. No ano seguinte, foi assinado o Estatuto Missionário em 5 de Abril
de 1941, regulamentando aquele acordo. O Estatuto estabelecia que “missões católicas
portuguesas eram consideradas instituições de utilidade imperial e sentido eminentemente
civilizador”.

~ 163 ~
Educação: dilemas contemporâneos

Segundo Mazula (1995), em 1964 foi feita uma reforma educacional, pelo decreto
45.908/64 que determinava que os conteúdos e métodos do ensino primário deviam ser
“adoptados” às realidades locais, ou seja, a “classe pré-primária” visava a aquisição correcta
da língua nacional, corrigia-se a “presumível deficiência do ensino missionário no tocante à
didáctica da língua portuguesa”. Depois desta reforma, os livros de textos das duas primeiras
classes do ensino primário foram de certa forma africanizados, contendo ilustrações com
negros e brancos a conviverem em harmonia racial. Todavia, nas classes mais avançadas, a
uniformização e centralização dos curricula foram reafirmadas. As reformas de 1964
resultaram da abolição aparente do Estatuto do Indígena, de 1961, e da consequente alteração
da situação jurídica do nativo. Outra causa aparente era a desconfiança pelo ensino
missionário, qualificado de deficiente. As causas reais estavam ligadas à conjuntura política
que Portugal vivia: a realidade das Guerras de Libertação em Angola e Moçambique. Esta
realidade exigiu do Governo Português a restruturação do ensino nas suas colónias, que
consistiu na estatização do ensino dos indígenas.

A Educação nas Zonas Libertadas


A maior parte dos autores é unânime em afirmar que as “zonas Libertadas” surgem
a partir do momento em que o povo moçambicano resolveu lutar contra o Regime Colonial
Português (Cabaço, 2009). A partir das décadas de 1950 e 1960 do século passado
considerados por muitos como as décadas de África, começam a surgir as primeiras
organizações políticas em Moçambique na vizinha Tanzânia que serviram de base para a
união nacionalista contra o Governo colonial. Como ilustra Mazula (1995), a resposta
decisiva ao regime colonial português deu-se quando três organizações nacionalistas, a
MANU (União Nacional Africana de Moçambique), UDENAMO (União Democrática
Nacional de Moçambique) e UNAMI (União Nacional Africana para Independência de
Moçambique), sediadas respectivamente no Tanganyika (hoje, Tanzânia), Zimbabwe (ex-
Rodésia do Sul) e Malawi (ex-Niassalândia).
Segundo Cabaço (2009), a união destas organizações culminaram com a constituição de
uma única Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), em 25 de Junho de 1962, sob a
liderança de Eduardo Chivambo Mondlane. A FRELIMO simbolizava, nesse momento, o
culminar de um processo de resistências seculares do povo moçambicano, conduzidas
isolada e localmente contra o colonialismo de quinhentos anos. Ainda para este autor a
guerrilha chamava “zonas libertadas”, as áreas territoriais onde a administração se fazia já
sob o controlo da FRELIMO. Neste caso as zonas libertadas foram os territórios ou regiões

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Educação: dilemas contemporâneos

libertadas pela FRELIMO durante o período da luta de libertação nacional. E as primeiras


zonas libertadas foram Cabo Delgado e Niassa nos anos 60 e nos anos 70 foram as regiões
de Tete e Manica.

Qual o papel da educação nas Zonas Libertadas?


Com o nascimento das “zonas libertadas”, houve a necessidade de se elaborar um
programa de reconstrução das mesmas. Neste caso, a FRELIMO, tinha a obrigação de criar
condições para o surgimento de uma nova sociedade. Para tal, a instrução da população
tornar-se-ia um factor indispensável nestas zonas. De facto, como salienta Muiuane (2006),
a educação era um dos problemas mais urgente a se resolver, pois era necessário recuperar
os anos de negligência na educação dos moçambicanos. Esta situação fazia com que o
movimento de libertação tivesse muito poucos quadros qualificados. E para que a acção
armada tivesse sucesso era importante instruir o povo. Além do mais, o estado de ignorância
em que quase toda a população tinha sido deixada, impedia não só o desenvolvimento da
consciência política, como também, mais tarde, o desenvolvimento do país após o
colonialismo. Desta feita, foi organizado um programa militar e educacional, concebidos lado
a lado como os aspectos essenciais da luta armada de libertação.
O primeiro passo foi organizar escolas primárias onde se ensinava as crianças o
português e a aritmética e, ao mesmo tempo, se desenvolvia a alfabetização de adultos.
Ensinava-se também uns rudimentos de História e de Geografia de Moçambique. Com
efeito, foram preparados novos resumos e compêndios (Muiuane, 2006). Neste período, em
Cabo Delgado as escolas primárias ensinavam cerca de 10.000 crianças e, no Niassa outras
1000. A alfabetização dos adultos decorriam no período nocturno, isto é, durante o tempo
de licença dos soldados que também deviam aprender a ler e a escrever. Estas escolas tinham
poucos professores com qualificações necessárias e pouco material didáctico. Por isso, não
surpreende a ninguém que o rácio professor/aluno fosse 1/100.
Segundo Mondlane (1975), em 1963 foi estabelecido em Dar-Es-Salam o Instituto
Moçambicano. Tratava-se de um organismo dependente da FRELIMO, que coordenava os
programas educacionais, médicos e sociais e ministravam uma educação secundária a jovens
moçambicanos assim como cursos especializados. O principal objectivo era educar crianças
moçambicanas que já tinham saído de Moçambique. Também foi organizado um curso de
magistério primário, cuja missão era formar professores que depois regressavam a
Moçambique para trabalharem nas escolas das “zonas libertadas”. Além disso, havia naquela
altura 150 estudantes, assistidos pela FRELIMO fazendo cursos universitários no estrangeiro

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Educação: dilemas contemporâneos

que, após as suas formações regressariam para participarem nos trabalhos de reconstrução
do país. Enquanto isso, o Departamento Educacional da FRELIMO encarregou-se de
organizar um sistema de educação a partir do próprio Instituto para ajudar a preparar um
sistema educacional para usar no interior de Moçambique logo que o programa militar tivesse
sido desenvolvido para prover a segurança necessária. Assim, dos 50 alunos iniciais, em 1963,
passou a comportar mais de 120, em 1968.
No imaginário da FRELIMO, neste período a educação era uma condição político-
ideológica básica para o sucesso da luta contra o Governo colonial. Por isso, ela não era
diferenciada, ou seja, as raparigas, os rapazes assim como as mulheres e os homens tinham
o mesmo programa de ensino. Portanto, não havia distinção de sexo (Mondlane, 1995).
Desta feita, a escola nas zonas libertadas tornou-se, em primeiro lugar, um Centro de
Formação da Frente de Libertação de Moçambique, esta tomada no sentido de um Povo
organizado em Frente de luta pela sua libertação e emancipação. Em segundo lugar, um
centro de combate às concepções e hábitos da cultura tradicional, a que aprisionavam a
iniciativa e a criatividade, pugnando por um novo tipo de relacionamento entre jovens e
velhos, entre homens e mulheres e por uma nova visão do mundo (Machel, 1979). Em
terceiro lugar, o centro de difusão de conhecimentos científicos, mesmo que elementares,
para introdução de novos métodos de trabalho, tendo em vista o aumento da produção e à
satisfação das necessidades crescentes da luta armada; Em quarto lugar, o centro de formação
de combatentes para as exigências da luta. E em quinto lugar, um espaço de formação de
produtores e, ao mesmo tempo, de militares e dirigentes, numa permanente ligação entre o
trabalho manual e intelectual.
Neste contexto, a escola seria um espaço de articulação dialéctica entre três eixos da
revolução, nomeadamente “estudar, produzir e combater”. Com efeito, a educação era tarefa
de todos: professores, combatentes, homens e mulheres. Ao mesmo tempo, todos deviam
aprender: crianças e adultos (Mondlane, 1995) Na verdade, tal como escreveu Samora Machel
num texto, em 1971, era perfeita a combinação do estudo com a prática no “aprender a fazer
e fazer aprendendo”.

A Educação no pós - independência


Com a proclamação da independência, em 1975, Moçambique optou por um novo
modelo de educação - a chamada -“educação popular” - de cariz soviético, esta teria sido
idealizada nas “zonas libertadas”. Com a transição para a economia do mercado e do
multipartidarismo, em 1990, opta-se por um modelo educativo “à imagem ocidental”. Assim

~ 166 ~
Educação: dilemas contemporâneos

sendo, na primeira fase do pós-colonialismo a educação deveria servir como um meio de


consolidação da nova sociedade, desenvolvendo, por via disso, uma mentalidade e
personalidade nos alunos, caracterizada pela solidariedade colectiva, o combate ao
individualismo, a criação de uma atitude científica aberta, livre de superstição, tradição
dogmática. De igual modo, devia servir como meio de fomento da unidade nacional, da luta
contra o divisionismo e o regionalismo (Bastos; Duarte, 2015). Com a liberalização da política
económica introduzidas a partir da década de 80 e início de 90, o sistema educativo também
sofreu mudanças profundas, passando a existir uma educação ocidentalizada. Passando a
existir escolas públicas e privadas. A educação tornou-se um serviço social que depois da
liberalização deixou de ser gratuita (Zucula, 1994).

Políticas educacionais surgidas após a independência


Um dos momentos mais marcantes de toda a política educacional que se veio a
desenvolver em Moçambique no início da independência foi o Seminário da Beira, realizado
entre Dezembro de 1974 e Janeiro de 1975. Nele, foram tomadas decisões sobre algumas
alterações que deveriam ser efectuadas no currículo escolar em vigor naquela altura. Nesse
momento foi idealizada a criação de um novo currículo escolar que fosse de acordo com a
ideologia da FRELIMO, em substituição ao currículo colonial. Com efeito, através do
Decreto-Lei nº38/75, de 15 de Abril, foram extintas as disciplinas de Religião e Moral em
todos os graus e ramos de ensino. No que ao currículo diz respeito, foram introduzidas as
disciplinas de História e Geografia de Moçambique, em substituição dos conteúdos da
História e Geografia de Portugal. Ademais, foram também introduzidas as disciplinas de
Actividades Culturais e Actividades Produtivas (Anuário do Ensino de 1975 & 1976).
A operacionalização das decisões do III Congresso da FRELIMO, realizado em
1977, conjugadas com o Decreto n˚ 12/75 de 06 de Setembro de 1975 (BR n˚ 32 de 12 de
Setembro de 1975 todas as escolas (oficiais, privadas, missionárias) passaram à inteira
responsabilidade do Estado. Esta nacionalização aparece como forma de garantir o acesso
ao ensino para todos os cidadãos, independentemente da sua origem, raça, religião ou
condição social. Este interesse de massificar o ensino em Moçambique aparece plasmado na
constituição da República Popular de Moçambique RPM, 1975 nos seguintes termos
“…todos os cidadãos da República Popular de Moçambique gozam dos direitos …” “na
República Popular de Moçambique o trabalho e a educação constituem direitos e deveres de
cada cidadão…” Estava, então, claro que, através da Lei Fundamental, o interesse de garantir
que todos moçambicanos tivessem acesso à educação (Golias, 2009).

~ 167 ~
Educação: dilemas contemporâneos

Com a experiência adquirida na massificação do ensino, que levou a um crescimento


descontrolado dos efectivos escolares, houve necessidade de reajustar a política educativa,
em 1979, de forma a adequá-la à situação vigente. Portanto, através da Resolução nº 8/79 da
Comissão Permanente da Assembleia Popular, ficou decidido que:
“…as estruturas centrais do Estado devem prever a afectação de recursos
financeiros ao sector de educação e que o Ministério da Educação e Cultura, no
quadro de uma planificação central, definirá o número de alunos, que poderão
ingressar nas escolas primárias, secundárias e superiores, bem como o número,
localização e tipos de escolas que deveriam ser abertas”.

Iniciava-se, então, o processo de planificação em que o Ministério da Educação e


Cultura (MEC) era chamado a tomar responsabilidade de definir os efectivos escolares em
função das condições disponíveis (salas de aulas, professores e capacidade financeira). Em
1981, através da Resolução nº 11/81 são aprovadas as Linhas Gerais do Sistema Nacional de
Educação (SNE), que viria a entrar em vigor a partir de 1983. Estas, constituíram o culminar
do processo de estruturação, planificação e organização da educação moçambicana
descolonizada.
Para garantir a implantação do novo sistema de educação foi criado o Conselho
Nacional de Educação, um órgão superior de consulta e análise sobre matéria relativa à
educação e de coordenação e controlo da implementação do Sistema Nacional de Educação,
através do Decreto Presidencial nº4/82. Durante este período, os objectivos, as políticas e
as experiências adquiridos determinaram o acesso ao ensino no país.

O acesso ao ensino no período da independência


Devido a um conjunto de estratégias levadas a cabo para garantir o acesso à educação,
os primeiros anos deste período foram caracterizados por um aumento de efectivos jamais
vistos até então na história da educação moçambicana. Este aumento torna-se ainda mais
significativo se nos recordarmos que a maioria esmagadora do corpo estudantil em 1973 era
constituída por portugueses que beneficiavam da sua posição privilegiada de classe e de raça.
Em 1978, a maioria dos estudantes eram filhos de camponeses pobres moçambicanos. Ao
mesmo tempo começou a entrar para as escolas um número crescente de raparigas, que
durante séculos foram privadas do ensino devido a questões tradicionais e coloniais. Mas por
volta de 1976 já era visível esta mudança na composição sexual da massa estudantil
(Isaacman; Stefhan, 1984).
No período de 1975 a 1979, a taxa de crescimento anual foi em média de 22 por
cento no ensino primário do primeiro grau, 43 por cento no ensino primário do segundo
grau e de 20 por cento no ensino secundário geral (Valoi, 2010). Este crescimento dos

~ 168 ~
Educação: dilemas contemporâneos

efectivos escolares deveu-se a uma intensa mobilização popular levada a cabo quer pelos
oficiais do sector, quer pelos grupos dinamizadores. Esta campanha, no quadro de uma
planificação centralizada, foi galvanizada ainda mais, com o lançamento da palavra de ordem
de popularização da educação “fazer da escola uma base para o povo tomar o poder”
(Machel, 1979). Portanto, para que o povo pudesse tomar o poder a partir da educação, esta
deveria estar apenas ao seu serviço, eliminando a crença em seres sobrenaturais promovida
pela educação tradicional e a crença na inferioridade dos moçambicanos promovida e
difundida pela educação colonial (Ibid).
Uma das estratégias adoptadas para a massificação da educação foi o lançamento da
Campanha Nacional de Alfabetização a 3 de Julho de 1978, a qual teve adesão de todas as
esferas da sociedade levando a um crescimento descontrolado dos efectivos escolares. Ao
nível do ensino primário, estes elevaram-se de 671.617 em 1975 para 1.498.729 em 1979,
correspondendo a um crescimento na ordem dos 123 por cento. Dentre as consequências
imediatas do crescimento acelerado dos efectivos escolares está o crescimento do número
de escolas primária incompletas (1ª à 5ª classe) em todo o país, com maior destaque para as
zonas urbanas. Apesar de taxas de admissão terem subido para 123 por cento em 1979, uma
grande maioria de crianças em idade escolar continuou fora da escola devido a muita
demanda e pouca capacidade de oferta (Valoi, 2010).
A partir de 1979, iniciou-se um longo processo de planificação, direcção e controlo
das actividades educativas. Gradualmente, as escolas incompletas foram reduzindo e
agregadas a escolas completas, de igual modo que começaram a se traçar metas para o
ingresso na escola em função das vagas disponíveis (Isaacman; Stefhan, 1984). No entanto,
nos anos 80, com vista a acelerar os níveis de formação da população moçambicana, o
Governo decidiu nacionalizar o ensino, tendo elaborado a segunda reforma conhecida como
a Lei de 4/83, de 23 de Março decretado a escolarização obrigatória e gratuita do ensino
primário de 7 classes isto na sequência da introdução do novo sistema. A institucionalização
da escolaridade obrigatória tinha em vista facultar, todos os cidadãos, oportunidade de
frequentarem o ensino, na perspectiva de aumentar a capacidade do capital humano e reduzir
o alto índice de analfabetismo. Esta medida surtiu impacto imediato, aumentando, de forma
acelerada, o número de alunos em todos os níveis de ensino. Os programas de alfabetização
e as campanhas de escolarização constituíram estratégias de sucesso, que levaram ao aumento
acentuado do número de efectivos escolares.

Tabela 1. Evolução dos Efectivos no EP1 e EP2 (1989-1992).

~ 169 ~
Educação: dilemas contemporâneos

Ano EP1 EP2


1989 1.210.671 96.907
1990 1.160.218 116.718
1991 1.217.364 118.775
1992 1.119.847 114.504
Fonte: MEC, 2002.

O presente quadro mostra uma ligeira descida dos efectivos do EP1 de 1989 a 1990
e 1991 a 1992. Mas no EP2 a tendência é de aumento do número de efectivos entre 1989 a
1991. Em contrapartida, o número baixou em 1992. Podemos dizer que o factor
impulsionador destas tendências foi a “Guerra Civil” que assolava o país.
No começo da década de 1990, ainda sob as limitações impostas pela guerra e pelo
reajustamento estrutural, o sistema educacional moçambicano encontrava-se estagnado,
desestruturado e fragmentado. Perto de 50 por cento das escolas primárias haviam sido
destruídas, com maior incidência nas zonas rurais do Centro e Norte do país. Dentro deste
quadro a Lei do Sistema Nacional de Educação (SNE) 4/83 de 23 de Março foi revogada
pela Lei 6/92 de 6 de Maio que estabelece uma política de educação para todos, sem
discriminação de género, a todos os níveis (SARDC, 2006). Este quadro legal preconizava
que, o Estado moçambicano apenas organiza e promove o ensino, como parte integrante da
acção educativa, nos termos definidos na Constituição da República de Moçambique, onde
a educação constitui “o direito e dever de todo o cidadão”, cabendo ao Estado a promoção
do seu acesso.
Segundo o Relatório Nacional do Desenvolvimento Humano da PNUD (2005), nos
primeiros anos da década de 1990, permanecia, no ensino primário (EP1 e EP2), a tendência
decrescente das taxas de escolarização. Em 1992, as taxas brutas e líquida de escolarização
no EP1 atingiram o seu nível mais baixo, 55,6 e 38,8 por cento respectivamente.
Relativamente ao EP2, registava-se a mesma tendência. A taxa bruta de escolarização passou
de 17 por cento, em 1990, para 14,4 por cento em 1996. Na primeira metade da década de
90, as taxas de escolarização, em ambos os níveis, mostram quão distante Moçambique se
encontrava de atingir a escolarização universal. Em 1996, mais de 40 por cento das crianças
moçambicanas, de seis e doze anos de idade, não estavam escolarizadas. Às limitações
cobertura, é preciso acrescentar a extrema precariedade de recursos didácticos que a maioria
das escolas enfrentava, com particular enfoque nas zonas rurais. As escolas, sem livros para
alunos e professores, sem cadernos, sem giz, sem quadros pretos, dificilmente podiam

~ 170 ~
Educação: dilemas contemporâneos

garantir as condições mínimas para um ambiente adequado para desenvolver processos de


ensino-aprendizagem de qualidade (PNUD, 2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo do pressuposto de que a educação constitui um direito fundamental de cada
cidadão torna-se importante salientar aqui que a educação em Moçambique carrega até os
dias actuais, as marcas de um passado histórico. A educação que numa primeira fase era
tradicional e de carácter conservador. É alterada com a chegada dos portugueses, pois não
só portugalizaram a educação, como também introduziram um ensino discriminatório
baseado na diferença de raças.
No período pós-colonial a educação implantava-se pela mobilização popular e, a
FRELIMO servia-se dela para mobilizar as populações para o seu projecto global de
reconstrução nacional. Houve um esforço por parte do Governo com a introdução da
educação para todos, entretanto, muita população, especialmente das zonas rurais
permaneceu fora do sistema devido a dificuldades do próprio sistema educativo bem como
por questões sociais e culturais. Com a liberalização económica, em 1990, o Governo optou
por um modelo educativo “à imagem ocidental”, expandindo a rede escolar em todas as
povoações, melhorou também o acesso a educação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Moçambique. In: Duarte SM, Maciel, CA (org.). Temas Transversais em Moçambique:
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Vozes de uma margem sempre presente. Lisboa: Edições Colibri. 136-158p.
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Educação: dilemas contemporâneos

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raparigas em Moçambique”. In: Afonso A. Eu Mulher em Moçambique. Maputo: CNUM.
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~ 172 ~
ÍNDICE REMISSIVO

educador ..........................................12, 9, 10
ensino .... 6, 8, 6, 7, 9, 6, 9, 14, 17, 8, 15, 8,
A
10, 15
agroecologia ...................... 6, 7, 8, 9, 10, 14 colaborativo............................................ 7
altas habilidades ... 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, escola(s)
14, 15 especial .................................................... 7
Anísio Teixeira.7, 8, 10, 11, 12, 15, 18, 20, pública .. 11, 12, 10, 6, 13, 11, 13, 15, 16
22 de tempo integral ...6, 8, 13, 14, 15, 16,
aprender fazendo........................................ 7 17, 18, 20, 21, 22, 24
aprendizagem 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 16, 7, Espanhol ............................................... 6, 11
8, 11, 12, 13, 7, 8, 10, 12, 13, 14, 8, 10, estratégias ...8, 9, 11, 14, 7, 8, 9, 10, 11, 16,
12, 13, 14, 15, 6, 7, 10, 11, 6, 7, 9, 10, 6, 8, 11, 6, 8, 14, 16, 17, 8
11, 12, 13, 14, 15, 7, 8, 11, 6, 7, 8, 10, estudante ................... 12, 8, 9, 11, 14, 12, 7
12, 15, 14, 15, 16, 18, 20, 21, 9, 19, 7, experiência na educação............................ 7
10, 11, 12
baseada em equipe .................. 11, 12, 13 F
significativa ............................................. 8
autonomia do aprendiz............................ 10 formação
continuada . 12, 13, 11, 6, 7, 8, 9, 10, 15,
21, 23
C
competências.......................................... 9
cognitivo .. 12, 9, 15, 6, 7, 11, 12, 13, 12, 7, integral .....8, 6, 7, 11, 13, 15, 17, 18, 20,
24 21, 22, 23
colonialismo .................... 10, 11, 12, 13, 15 formas simbólicas 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14,
construção de conhecimento... 6, 7, 9, 13, 15
7, 10, 11, 14, 10, 13, 17, 18 FRELIMO ....................... 12, 13, 14, 15, 19
costumes ...................................................... 7
cultura .. 6, 7, 11, 12, 13, 9, 8, 9, 12, 13, 17, G
19, 9, 14
gênero .. 9, 11, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14,
16, 17, 18
D
grupo operativo ..............................7, 10, 14
deficiência intelectual .. 16, 7, 9, 10, 11, 12,
13 I
deficiência visual ... 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13
democracia ................................................ 11 identidade ................ 12, 6, 9, 10, 11, 13, 18
disciplina ....... 6, 7, 8, 9, 11, 12, 6, 10, 11, 8 inclusão 7, 10, 12, 6, 12, 14, 15, 6, 7, 8, 10,
distopia....................... 6, 7, 9, 12, 13, 16, 20 11, 14, 9, 6, 8, 10, 13
docência ...................................... 7, 12, 15, 7 indisciplina . 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 13
instituições especializadas ....................... 11
Instituto Federal...................... 6, 7, 6, 7, 14
E
Internet ..... 6, 9, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18,
educação ...................................................... 6 19, 20
inclusiva ...........16, 7, 8, 11, 12, 6, 10, 12
especial ............10, 11, 6, 7, 8, 10, 11, 12 J
básica ..................................................... 10
profissional .....................................9, 6, 9 José Moran ................................................ 10

~ 182 ~
L professor ............... 6, 14, 7, 9, 10, 11, 12, 7

LIBRAS ...................................... 7, 9, 10, 11 S


língua inglesa ..................... 6, 10, 11, 12, 13
sala de aula
M heterogênea ............................................ 7
invertida ................................................ 11
Maranhão.......................................... 6, 7, 14 sala de recurso multifuncional ............... 12
metodologias ativas ................................ 6, 9 saúde do professor................................... 11
mobilidade ........ 9, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 senso de plausibilidade .............................. 9
Moçambique . 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, signos ....................................................... 7, 8
18, 19 superdotação.. 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14,
15
surdo ........................................................ 6, 7
N
sustentabilidade .................................. 10, 15
novas tecnologias .................................6, 10
T
P
tecnologia .................................................... 6
planejamento . 6, 9, 14, 15, 13, 16, 7, 9, 11, tecnologias digitais de informação e
17, 7, 9, 8 comunicação .......................................... 9
podcasts ..................................................... 11 tempo escolar ampliado .......................... 24
políticas públicas 7, 10, 14, 18, 15, 6, 7, 9, teorias de ensino e aprendizagem ............ 6
13, 6, 8, 9, 12, 13, 14, 20, 24
poluição sonora .6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, U
15, 17
pós-modernidade........................................ 8 utopia ...................................... 6, 7, 9, 11, 16
prática pedagógica ...............10, 15, 10, 6, 7

~ 183 ~
LUCAS RODRIGUES OLIVEIRA

Mestre em Educação pela UEMS, Especialista em


Literatura Brasileira. Graduado em Letras - Habilitação
Português/Inglês pela UEMS. Atuou nos projetos de
pesquisa: Imagens indígenas pelo “outro” na música
brasileira, Ficção e História em Avante, soldados: para
trás, e ENEM, Livro Didático e Legislação Educacional:
A Questão da Literatura. Diretor das Escolas Municipais
do Campo (2017-2018). Coordenador pedagógico do
Projeto Música e Arte (2019). Atualmente é professor de
Língua Portuguesa no município de Chapadão do Sul.
Contato: lucasrodrigues_oliveira@hotmail.com.

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