O Rei Creso: Heródoto
O Rei Creso: Heródoto
O Rei Creso: Heródoto
HERÓDOTO
Há alguns milhares de anos, viveu
na Ásia um rei cujo nome era
Creso. Seu país não era muito
grande, mas o povo era próspero e
famoso por sua própria riqueza. O
próprio monarca era tido como o
homem mais rico do mundo, e seu
nome era tão conhecido que, até
hoje, não é raro ouvir dizer que
alguém muito abastado é “tão rico
quanto Creso”.
O rei Creso tinha tudo que o
tornava feliz: terras, casas,
escravos, lindas roupas e muitas
coisas bonitas para ver. Não
conseguia pensar em mais nada
que viesse a contribuir para o seu
conforto ou contentamento. “Sou
o homem mais feliz do mundo”,
dizia ele.
Acontece que, num certo verão,
um homem importante do outro
lado do oceano estava passeando
pela Ásia. O nome deste homem
era Sólon. ele era o magistrado de
Atenas, na Grécia. Tornara-se
conhecido por sua sabedoria e,
séculos depois de sua morte, o
maior elogio que se poderia fazer
a um homem culto era: “Ele é tão
sábio quanto Sólon”.
Sólon ouvira falar de Creso e foi
visitá-lo um dia em seu lindo
palácio. Este ficou ainda mais feliz
e orgulhoso do que nunca, pois o
homem mais sábio do mundo era
seu hóspede. Mostrou o palácio
todo a Sólon, levou- o a ver os
grandiosos aposentos, a linda
tapeçaria, os sofás confortáveis, o
rico mobiliário, os quadros, os
livros. Convidou-o depois a ir até
os jardins, os pomares e as
estrebarias, e mostrou-lhe milhares
de coisas raras e lindas que
colecionava de todas as partes do
mundo.
À noite, enquanto o homem mais
sábio do mundo e o homem mais
rico do mundo jantavam juntos, o
rei disse para o hóspede: — Diz
agora, ó Sólon, quem achas que é
o homem mais feliz do mundo? —
Fez a pergunta na esperança de
que Sólon respondesse: “Creso”.
O sábio permaneceu alguns
instantes em silêncio , e disse: —
Estou pensando num homem
pobre que morava em Atenas e
cujo nome era Teleus. Ele, não
duvido, era o homem mais feliz do
mundo.
Não era assa resposta que Creso
esperava; escondeu, porém, a
decepção e perguntou: — E por
quê?
O hóspede respondeu: — Porque
Teleus era um homem honesto
que trabalhou bastante a vida
inteira para criar os filhos e dar-
lhes uma boa educação. E quando
já estavam crescidos o suficiente
para cuidarem de si próprios, foi
juntar-se ao exército ateniano e
deu a própria vida com bravura
em defesa de seu país. Podeis
pensar em alguém com maior
mérito?
— Talvez não — respondeu Creso,
meio engasgado pela decepção. —
Mas quem achas que vem depois
de Telus em termos de felicidade?
— Tinha quase certeza de que
Sólon diria: “Creso” desta vez.
Sólon respondeu: — Estou
pensando em dois jovens que
conheci na Grécia. O pai morreu
quando ainda eram crianças, e era
uma família muito pobre. Mas
trabalharam com hombridade
para sustentar o lar e a mãe, que
tinha a saúde frágil. ano após ano,
seguiam trabalhando, sem pensar
em nada além do conforto da
mãe. Quando, afinal, ela faleceu,
dedicaram seu amor à Atenas, sua
cidade natal, e serviram-na com
nobreza até o fim de sues dias.
Creso ficou irritado: — Como
podeis fazer tão pouco de mim, de
minha riqueza e de meu poder?
Por que me coloca esses
trabalhadores pobres acima do rei
mais rico do mundo?
— Ó rei — disse Sólon, — ninguém
pode dizer se sois feliz ou não
antes de morrerdes. Pois não se
sabe os infortúnios que podem
acometer-vos, ou a tristeza que é
capaz de dominar-vos mesmo
diante de todo este esplendor.
Muitos anos depois deste episódio,
chegou ao poder na Ásia um rei
cujo nome era Ciro. À frente de
poderoso exército, marchava de
um país para outro, destronando
muitos reis e anexando seus
domínios ao grande império da
Babilônia. O rei Creso, com toda a
sua riqueza, não conseguiu fazer
frente a este valoroso guerreiro.
Resistiu o mais que pôde. Mas a
cidade acabou sendo tomada, o
palácio foi queimado, os pomares
e os jardins foram destruídos, os
tesouros levados para bem
distante, e ele próprio foi feito
prisioneiro.
— A teimosia deste Creso — disse o
rei Ciro — casou-nos vários
problemas e fez- nos perder
soldados muito bons. Levem-no e
façam dele um exemplo para
outros reizinhos que ousem
colocar- se em nosso caminho.
Dito isto, os soldados pegaram
Creso e o arrastaram até o
mercado, tratando- o sempre com
muita brutalidade. E ali ergueram
enorme pilha de pedaços de pau e
madeira recolhidos dentre as
ruínas do que fora seu magnífico
palácio. Ao terminarem,
amarraram sobre ela o infeliz rei,
e alguém foi buscar uma tocha
para atear-lhe fogo.
— Vamos fazer uma linda fogueira
— diziam os homens
entusiasmados com a selvageria. —
De que lhe serve toda aquela
riqueza agora?
Enquanto jazia sobre a pira,
machucado e ensanguentado, sem
um amigo sequer para consolá-lo
no desespero, Creso pensou nas
palavras que Sólon lhe dissera
muitos anos antes, “ninguém pode
dizer se sois feliz ou não antes de
morrerdes”, e lamentou-se: — Oh,
Sólon! Oh, Sólon! Oh, Sólon!
Acontece que Ciro estava
passando por ali naquele exato
momento e ouviu os lamentos. — O
que ele está dizendo? — perguntou
aos soldados.
— Está dizendo: “Sólon! Sólon!
Sólon!” — respondeu um deles.
O rei aproximou a montaria e
perguntou a Creso: — Por que
pronuncias o nome de Sólon?
Creso ficou em silêncio a princípio.
Mas depois que Ciro repetiu a
pergunta com delicadeza, contou-
lhe sobre a visita de Sólon ao seu
palácio e o que este lhe dissera.
A história afetou Ciro
profundamente. ele pensou nas
palavras “Não se sabe os
infortúnios que podem acometer-
vos, ou a tristeza que é capaz de
dominar-vos mesmo diante de todo
este esplendor”. E imaginou se um
dia ele próprio não poderia perder
todo o poder e encontrar-se
desamparado nas mãos dos
inimigos.
— Afinal — disse ele —, os homens
não devem ser misericordiosos e
generosos com aqueles que
sofrem? Farei com Creso o que
gostaria que fizessem comigo. — e
fez com que Creso recebesse de
volta a liberdade, e passou a tratá-
lo como um de seus amigos mais
honrados.