Crise Economica Global, Caso de Moçambique

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O Instituto Superior Mutasa

Curso: Gestão Aduaneira, Logística e Comércio Internacional

Cadeira: Inglês

1 Ano

Tema:
A atual crise econômica global
Caso de Moçambique

Discente: Cremildo Manuel Comé

Docente: Dr. Zvidzai Xavier Razão


A atual crise econômica global

Caso de Moçambique

Resumo

O fenómeno da atual crise econômica global tem sido amplamente debatido nos últimos anos,
porém, a sua eliminação continua muito longe de ser concretizada. As dificuldades de acesso
às necessidades básicas como alimentação, educação, emprego, água potável, saneamento
básico, entre outras, colocam a maioria da população africana, no geral, e a moçambicana, em
particular, a viver em condições desfavorecidas. Em Moçambique, apesar da guerra civil já ter
terminado há trinta e dois anos, as condições em que vive a maioria dos moçambicanos
continuam a ser muito precárias.

Palavras-chave: pobreza, pobres, Moçambique.


Introdução

Introdução

A crise económica no mundo está associada aos vários factores, como guerras provocadas pela
carência de recursos, intolerância religiosa e conflitos étnicos. Incontáveis famílias, para
escapar das guerras, se arriscam sob condições insalubres em travessias marítimas e terrestres
para encontrar abrigo seguro em outros países. A crise possui um evidente caráter destrutivo,
uma vez que sobrepõe e põe em perigo a ordem precedente, podendo causar catástrofes que
irrompem em revoluções e, no seu limite, em guerras e mortes. Não raro, cria impasses e leva
a uma desagregação geral, dividindo a sociedade e desaguando em violência e em intolerância.
Vidas, recursos, instituições e esperanças são perdidos. A humanidade como projeto global se
encolhe. Em aderência, exsurge a crise econômica como um factor de desestabilização.
Decerto que a crise humanitária hoje vivenciada em várias partes do globo possui fatores
causais não conectados no mais das vezes a motivações econômicas. Porém, em função da
grande dependência da sociedade atual do consumo de bens e serviços massificados, quando
a escassez se torna a regra.
O presente trabalho de pesquisa, busca fazer análise da atual crise económica global com
enfoque para Moçambique.
O objectivo geral desta apresentação é analisar os fundamentos e os efeitos das condições
precárias da vida, geradas pela atual crise económica. A intenção é debater a relação entre a
atual crise económica no país e o conceito de pobreza e compreender a sua dimensão política,
económica, social.
A economia colonial sobreviveu durante muitos anos na base de uma dependência de dois
sistemas, o trabalho migratório e o trabalho e agricultura coercivos, mesmo depois da abolição
formal das culturas e do trabalho forçado. O colonialismo português introduziu mecanismos
impeditivos do crescimento de uma burguesia negra, agrícola ou comercial. Assim, embora
houvesse uma diferenciação de classe, o sistema de produção agrícola e industrial manteve-se
nas mãos da burguesia portuguesa (FIRST, R., MANGHEZI, A., et al ,1983; CEA,1998; WUYTS, M.
& O’LAUGHLIN, B.,1981). Portanto, entre 1974 e 1976, a produção de colheitas para
exportação diminuiu em 40%, o milho cultivado pelos camponeses em 20%, a mandioca em
61% e a produção agrícola dos colonos, neste caso produtos hortícolas e alimentares para
abastecimento das cidades, em 50%. No mesmo período, a produção industrial baixou em
36%’ (NEWITT, 1997: 473; WUYTS, 1985: 186). Esta, é uma evidência que, desde o período das
nacionalizações no país, os moçambicanos, não conseguiram manter estável a economia do
país.
As áreas da agricultura, industria e transportes entraram em colapso, situação que veio a
agravar-se com os 16 anos da guerra civil e da atual incursão dos terroristas na região norte do
país, sobretudo na província de Cabo Delgado. Não se pode abordar a crise económica no país
sem no entanto, fazer a análise da pobreza. Em termos das características comuns da
população, trata se de uma sociedade que apresenta complexidades na sua estrutura: uma
sociedade urbana que vive em espaços fragmentados e contraditórios, com índices elevados
de pobreza e de desemprego formal, e que vive em condições precárias.
Iniciámos esta apresentação com uma breve discussão teórica sobre o conceito de pobreza, as
suas causas e consequências. De seguida, com base nos dados recolhidos no terreno,
analisamos a dimensão da pobreza em Moçambique. Serão focalizados a carência alimentar, o
acesso à saúde, habitação, educação, água potável, saneamento básico e serviços básicos,
alimentação e acesso às bases do poder social.

Objectivos e Metodologia

Objectivo Geral

A atual crise econômica global. Caso de Moçambique.

Objectivo específico:

Analisar as razões que determinam a pobreza


Metodologia de recolha e análise

A metodologia seguida assenta no princípio de que o fenómeno da pobreza em Moçambique


deve ser analisado tendo por base uma compreensão das transformações económicas, sociais
e culturais a que a sociedade foi sujeita nos últimos anos.

Recorreu-se a pesquisa documental através de consulta de obras literárias, trabalhos


académicos, publicações periódicas e outros documentos físicos e de versão eletrónica à volta
do tema em estudo.

Os dados empíricos aqui apresentados foram obtidos no âmbito de uma pesquisa documental,
realizada na cidade de Inhambane entre os meses de Junho e Julho em resultado da frequência
das aulas de cadeira de Inglês do curso de Gestão Aduaneira, Logística e Comércio
Internacional no Instituto Superior Mutasa.

Crise económica

Conceito

Crise econômica é como chamamos um período pelo qual determinada economia experimenta
uma retração de suas atividades. Esse fator é medido pelo PIB (Produto Interno Bruto) de um
país.
A crise económica refere-se ao período de escassez de produção, da comercialização e do
consumo de produtos e serviços, ou seja, ao período em que se verifica um contexto negativo,
abrangendo cenários de recessão e depressão (SANDRONI, 1985).

Desdobramento da crise económica mundial

As crises económicas podem ocorrer por causa de uma variedade de factores, alguns dos quais
externos ao circuito do capital, tais como instabilidade e convulsões políticas e sociais,
mudanças tecnológicas significativas que podem forçar a destruição de forças produtivas e a
brusca queda dos preços, sensibilidade das bolsas de valores e de mercadorias, colapso de
instituições financeiras, incapacidade de ramos do capital de se reestruturarem para fazerem
face à redução da taxa de lucro, endividamento público e/ou privado excessivo e muito rápido,
associado à mercantilização e financiamento dos serviços públicos e da segurança social, ou à
expansão ou intensão de expansão excessivamente rápida da base produtiva, entre muitas
outras razões (Fine & Saad-Filho, 2016).
A definição de crise económica é associada com a suposta causa directa ou configuração
específica de cada crise, de onde surgem denominações como a crise financeira, a crise dos
produtos alimentares, a crise dos preços do petróleo, a crise da dívida externa, entre outras.
Nesta secção abordamos crise de forma mais sistemática, como parte orgânica do sistema de
acumulação de capital e de reestruturação das condições de acumulação.

O conceito de pobreza

Os debates em torno do conceito de pobreza têm dado origem, ao longo dos anos, a
definições que se enquadram em diferentes dimensões. “Morrer de fome é, claramente, o
aspeto mais significativo da pobreza” (Sen, 1999, p. 27).
Bruto da Costa (1998, p. 27), defende que a pobreza é a situação de privação resultante da
falta de recursos. O relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
para o ano de 1997 analisa a questão da pobreza focando não apenas a privação de
rendimentos mas a pobreza numa perspectiva do desenvolvimento humano, (1997, p. 10).
Tendo em conta estas definições, Roque Amaro (2003, p. 16) define a pobreza como “a
incapacidade de desenvolver uma vida longa, saudável e criativa e de usufruir de um nível
decente de vida, com liberdade, dignidade, respeito por si próprio e respeito pelos outros”.
A necessidade de saber o porquê da pobreza e quais as suas causas e consequências fez
sobressair duas perspetivas explicativas: a perspetiva culturalista, assente no conceito de
cultura da pobreza adoptado por Óscar Lewis, e a perspetiva socioeconómica, que coloca a
ênfase na falta de recursos económicos como a principal causa da pobreza.
Óscar Lewis utilizou a expressão “cultura da pobreza” em 1961 quando realizou um estudo de
caso na família Sánchez, uma família residente num dos subúrbios da cidade do México.
Segundo o mesmo, existe uma série de caraterísticas que enfatizam a cultura da pobreza:

• Caraterísticas económicas: desemprego, subemprego, salários baixos, trabalho infantil,


enfim, uma luta pela sobrevivência;
• Caraterísticas sociais: residência em bairros degradados e superlotados, espírito gregário,
iniciação precoce na vida sexual, solidariedade familiar muito forte;
• Caraterísticas psicológicas: índice elevado de alcoolismo, recurso à violência física não só na
resolução de conflitos como na educação das crianças, abandono precoce do lar por parte das
mães e dos filhos.
Outras caraterísticas incluem ainda a orientação no presente e uma capacidade fraca para
obter vantagens ou fazer planos para o futuro (Lewis, 1961, p. 24). Para o autor, estas
caraterísticas estão presentes em todos os países do mundo, quer aqueles classificados de
desenvolvidos, quer os que ainda estão em desenvolvimento.
Os pobres, dada a sua fraca qualificação profissional, dificilmente encontram colocação em
empregos bem remunerados, o que faz com que elaborem várias estratégias para aumentar o
seu orçamento familiar. A falta de recursos económicos impede-os igualmente de recorrerem
ao crédito formal, uma vez que a banca não empresta dinheiro a quem não tenha uma
situação económica estável. Por outro lado, registam se igualmente dificuldades para
enviarem os filhos para a escola bem como o acesso a uma assistência de qualidade na saúde,
conduzindo, assim, a uma continuidade das condições de pobreza para a geração seguinte,
dando origem a uma espécie de reprodução social da pobreza. Para os críticos desta teoria, a
permanência da pobreza de geração em geração prende-se com a estrutura económica e
social da sociedade em que os pobres estão inseridos, pois, se fossem criadas as condições
necessárias para aumentar a qualidade de vida dos mais pobres, tais como melhor emprego,
melhores condições de habitabilidade, acesso à escola e formação profissional que lhes
permita posterior integração em melhores postos de trabalho, a pobreza seria
progressivamente eliminada.
Seebohm Rowntree, definiu famílias como estando em pobreza primária se os seus
rendimentos totais forem insuficientes para satisfazer as necessidades mínimas para a
manutenção da eficiência meramente física (Sen, 1999, p. 27).
Para Rowntree, estariam em situação de pobreza secundária as famílias com rendimento em
princípio suficiente para as colocar acima da pobreza primária, mas que, em resultado de uma
distribuição menos “ótima” das despesas, viviam em estado de carência (Bruto da Costa, 1984,
p. 277).
Desde então, o factor económico tem sido apontado como sendo o principal motivo que
conduz à pobreza. Um exemplo disso prende-se com a definição da linha de pobreza, que foi
estabelecida baseada no que realmente se consideram recursos ou necessidades básicas
necessárias à sobrevivência. Considera-se que os agregados familiares cujos rendimentos se
encontram abaixo dessa linha de pobreza vivam numa condição de pobreza (Giddens, 2001, p.
313), linha essa que, o Banco Mundial (BM) estabeleceu em 1 dólar americano (USD) por dia.
Durante anos, concebeu-se a ideia de que, a pobreza seria uma caraterística dos países mais
pobres, sendo um assunto proibido nos países desenvolvidos (Capucha, 1998; Amaro, 2003).
Apesar de a pobreza consistir na falta de alguma coisa essencial para a mera sobrevivência, é
preciso ter em conta a situação de pobreza em que as pessoas se encontram, isto porque,
dependendo do local, podemos estar perante uma situação de pobreza extrema ou de pobreza
relativa. A Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Social de Copenhaga, realizada em 1995,
definiu a pobreza absoluta como “a condição caraterizada por uma privação severa de
necessidades humanas básicas, incluindo saúde, comida, habitação, educação e informação”
(Capucha, 2005, p. 72-73). Deste modo, podemos afirmar que a maioria da população africana
vive em condições de pobreza absoluta ou extrema. Por outro lado, podemos dizer que vivem
em condições de pobreza relativa aqueles cujo “nível do rendimento familiar está abaixo de
uma determinada proporção do rendimento nacional médio” (Sachs, 2006, p. 56). Este tipo de
pobreza é caraterístico dos países desenvolvidos, onde as pessoas não têm acesso a bens
culturais, entretenimento, cuidados de saúde de qualidade, educação, etc.
A pobreza não é uma condição para aqueles que já são pobres continuarem a ser pobres. Há
famílias que vivem em condições de pobreza há várias gerações, mas igualmente famílias que
conseguem sair dessa condição. Por outro lado, há famílias que nunca conheceram a pobreza,
mas situações adversas como o desemprego, dívidas, falências as arrastam para essa condição,
o que faz com que a pobreza seja uma condição dinâmica, sempre sujeita a alterações.

Nos últimos anos, o processo de globalização, com destaque para a globalização económica,
tem conduzido a um aumento das condições de pobreza a nível global, com destaque para os
países mais pobres/menos desenvolvidos. A nova pobreza globalizada não resulta da falta de
recursos humanos ou materiais, mas tão só do desemprego, da destruição das economias de
subsistência e da minimização dos custos salariais à escala mundial, (Santos, 2001, p. 41).

Quem são os pobres?

Como mencionado, a pobreza não é um fenómeno recente, apesar da preocupação com a


mesma o ser. A pobreza faz parte do tecido social em todas as sociedades. Ser pobre acaba por
ser “um estatuto fortemente sedimentado” (Almeida et al., 1994, p. 95).

Quem são afinal os pobres? Por que devemos identificar os pobres? Como referi
anteriormente, a dinâmica do fenómeno da pobreza dificulta o estabelecimento de um perfil
para descrever os pobres. Sen (1999, p. 27) defende que são pobres aqueles cujos
rendimentos totais são insuficientes para satisfazer as necessidades mínimas para a
manutenção da eficiência meramente física. Para Capucha (1998, p. 212), são pobres as
pessoas, as famílias e os grupos cujos recursos materiais, culturais e sociais são tão escassos
que os excluem dos modos de vida minimamente aceitáveis segundo a norma nos países em
que vivem, aqueles que são privados de, pelo menos, uma das seguintes necessidades:
alimentação, cuidados de saúde, alojamento condigno, rendimento, vestuário e falta de acesso
à vida social do país. Os pobres são aqueles que são “indesejados” pela sociedade, ou porque
são sujos, pedintes, ladrões, sem educação e que não se esforçam para saírem da situação em
que se encontram, ou porque não são apoiados e sem esse apoio perpetuam a sua condição
de pobreza.

A principal diferença entre os pobres da Idade Média (cf. Geremek, 1995) e os pobres do
século XXI reside na preocupação que atualmente é dedicada aos mesmos, pois estes
continuam a ser indesejados e excluídos. Friedmann (1996, p. 60) afirma que a situação dos
pobres não melhorou e que ainda hoje são denominados de sujos, estúpidos, sem habilidade
para nada e inclinados para a violência e para a criminalidade e, por isso, devem ser
controlados e geridos.

Causas e consequências da pobreza

Os relatórios do PNUD demonstram um aumento das condições de pobreza e


consequentemente da exclusão social a nível mundial. Essa situação, em pleno século XXI,
deve-se a diversos fatores, que Amaro (2003) resumiu no seguinte:

• Fatores macro (globais) relacionados com as configurações económicas em todo o mundo, os


modelos económicos, os planos de desenvolvimento, a globalização da economia.
• Fatores meso (locais ou setoriais), tais como políticas regionais ou locais, discriminação
contra imigrantes, toxicodependentes, portadores de doenças, etc., existência de culturas
locais fechadas, entre outras. Trata-se de fatores que enquadram os grupos sociais e os
indivíduos nas suas vivências quotidianas, podendo, em relação aos fatores macro, filtrá-los,
atenuando-os ou amortecendo-os, ou, pelo contrário, amplificando-os ou reforçando os.

• Fatores micro (pessoais e familiares), dos quais se destacam a dimensão e estatuto da


família, o acesso aos serviços básicos de saúde e educação, a situação dos idosos, entre outros.

Estes fatores, ligados tanto à escala familiar ou individual como à sociedade ou às relações
entre os indivíduos e a sociedade, formam um ambiente propício à propagação e instalação da
pobreza e exclusão social, apresentando consequências difíceis de serem eliminadas.

Como já foi referido, a fome é a consequência mais dramática da pobreza. A necessidade de


compreender a relação entre pobreza e fomes foi abordada por Amartya Sen ao longo do seu
trabalho enquanto colaborador das Nações Unidas. Sen (1999, p. 12) introduziu assim as
noções de capacidades e direitos, relacionou- as entre si e concluiu que as relações de
propriedade são uma espécie de relações de concessão de direitos. Segundo o mesmo autor,
numa sociedade de economia de propriedade privada, um indivíduo possui uma série de
direitos, dos quais destacou quatro: direito de troca (em relação àquilo que dispõe), direito de
produção (usufruir daquilo que produz), direito ao próprio trabalho (utilização da sua própria
força de trabalho e daquilo que produz com o mesmo) e direito à herança e transmissão
(daquilo que for deixado por um antepassado seu, desde que depois o torne produtivo). Uma
pessoa estará exposta à carência alimentar se, para a propriedade que realmente tiver, o
conjunto de direitos de troca não contiver qualquer lote viável incluindo suficientes alimentos
(Sen, 1999, p. 15), traduzindo-se na sua incapacidade de adquirir direito a alimentos
suficientes (1999, p. 21).

Sen (1999, p. 71) defende igualmente que uma pessoa morre de fome ou porque não tem
capacidade de dispor de alimentos suficientes, ou porque não utiliza essa capacidade para
evitar a carência alimentar. Portanto, um indivíduo pode evitar a carência dependendo da
combinação que estabeleça entre a sua propriedade e os direitos de troca. Se, como afirma
Sen (1999, p. 72) “a posse de alimentos é um dos mais primitivos direitos de propriedade, e se
o indivíduo conseguir estabelecer o seu direito de troca”, então não há carência nem privação.

A concessão de direitos apresenta igualmente limitações, tais como: ambiguidades na


especificação dos direitos, violação dos direitos (Sen, 1999, p. 76-78). A carência alimentar
manifesta-se na debilidade das pessoas que é traduzida por uma esperança de vida mais curta.
Estão mais vulneráveis às doenças e têm menor acesso aos serviços médicos e à obtenção de
medicamentos, cujo valor é muito difícil de suportar. Pessoas doentes não conseguem
trabalhar ou estudar, uma vez que o seu organismo está debilitado. As crianças apresentam
dificuldades para acompanharem o ritmo escolar, o que se traduz no aumento do número de
reprovações e consequente abandono escolar. Dada a baixa qualificação escolar e profissional,
os pobres são empurrados para empregos precários que na sua maioria são temporários,
apresentando-se o rendimento insuficiente para a satisfação das suas necessidades. Muitos
acabam por emigrar para outras regiões ou países que lhes permitam realmente usufruir de
um rendimento mais elevado, mas ainda assim continuam a ter acesso somente a empregos
precários, tais como o trabalho na construção civil, empregadas de limpeza ou de balcão,
empregadas domésticas, etc. Em muitos casos, o recurso à economia informal apresenta-se
como a única fonte de rendimentos. As condições de privação conduzem muitas vezes à
criminalidade (cuja taxa é mais elevada entre os mais pobres), à prostituição, ao aumento do
consumo de drogas e álcool, que muitas vezes se traduz no aumento da violência.

A falta de rendimento também se traduz numa inadequação geral das condições de


alojamento, isto é, os mais pobres recorrem aos bairros periféricos, na sua maioria
degradados, porque não conseguem suportar os custos com uma habitação.

Em muitos casos, a superlotação também é verificável, isto é, várias famílias partilham o


mesmo alojamento, o que se traduz nas más condições de habitabilidade e o difícil acesso às
infraestruturas básicas, tais como rede de esgotos, recolha de lixo, etc. A pobreza (e a exclusão
social) condicionam igualmente o acesso dos pobres às bases do poder social.

Segundo, por Friedmann (1996, p. 75) o autor, é através do acesso às bases do poder social
que os pobres ganham algum poder na sociedade. Deste modo, apresenta oitos bases do
poder social: espaço de vida defensável, tempo excedente, conhecimentos e técnicas,
informação adequada (informação que suporta a luta familiar pela subsistência), organização
social (igrejas, clubes desportivos, grupos de discussão), redes sociais, instrumentos de
trabalho e condições de vida (ferramentas da produção doméstica), recursos financeiros
(Friedmann, 1996, p. 72-74).

Os pobres também encontram obstáculos, daí que queiram mais poder e estão mais
empenhados em adquiri-lo de modo a melhorar as suas condições de vida. Por outro lado, os
muito pobres – vítimas da fome, trabalhadores rurais sem terra, unidades domésticas com
mulheres como chefe de família em bairros de lata das grandes cidades podem simplesmente
não ter meios para se ajudar a si próprios (Friedmann, 1996, p. 76).

Também Bruto da Costa (1998, p. 53) defende que a pobreza é marcada pela total ausência de
poder (político, económico, social, cultural, de influência, etc.), a ponto de o pobre nem sequer
conseguir reivindicar os seus direitos mais elementares.

Qualquer programa ou projeto de luta contra a pobreza terá em vista, além do mais, devolver
aos pobres o poder que perderam para que tenham condições para o pleno exercício da
cidadania.

Evolução da pobreza em Moçambique

África tem sido o continente mais fustigado pela pobreza. Guest (2005, p. 15) afirma que África
é o mais pobre continente do planeta, apesar de toda a riqueza que possui. Segundo
Kankwenda et al. (2000, p. 53), a pobreza em África está associada às seguintes causas:
(i) Medidas económicas inadequadas;
(ii) Falta de investimento (sobretudo investimento estrangeiro);
(iii) Inoperacionalidade do setor agrícola;
(iv) Falta de cooperação entre os vários países;
(v) Instabilidade política;
(vi) (vi) conflitos internos e externos.
A conjugação destes factores juntamente com as elevadas taxas demográficas coloca a África
continente que regista o número mais elevado de pessoas a viver em condições de pobreza.
Recentemente o flagelo da sida tem dificultado ainda mais a vida dos africanos, dizimando
milhares de pessoas por todo o continente. De acordo com o relatório Estratégia Global do
Setor da Saúde (2011-2015) publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2011, 68
por cento da prevalência global do VIH se encontrava no continente africano, no qual 60 por
cento dos infetados eram mulheres (OMS, 2011, p. 10).
Em relação a Moçambique, o cenário não se apresenta muito diferente daquele que carateriza
o continente africano. A guerra civil que assolou o país durante dezasseis anos, juntamente
com a adoção de políticas macroeconómicas inadequadas, implementação de programas de
ajustamento estrutural, má governação e dívidas externas, conduziram o país a uma
deterioração das condições de vida da população em geral e ao aumento galopante da
pobreza extrema.
A “qualidade de vida em Moçambique é muito baixa” (Carvalho 2002, p. 115). De acordo com
dados dos relatórios do desenvolvimento humano, Angola tem apresentado um baixo nível de
desenvolvimento humano ao longo da última década. O Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) 2022 divulgado recentemente pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) aponta que à escala global Moçambique conseguiu 0,461 pontos, o
que coloca o país na categoria de baixo desenvolvimento humano, posicionando-o na 183ª
posição entre 191 países e territórios, só a frente de alguns países como Somália, Sudão Sul,
Chade, Iémen, Burkina Faso e Serra Leoa. (PNUD, 2022, p. 15).
Assim, no cálculo para a dimensão educação “é substituída a alfabetização pela média de anos
de escolaridade, bem como as matrículas brutas são reformuladas como anos de escolaridade
esperados” (PNUD, 2022, p. 15).
A realização deste trabalho de pesquisa, permitiu compreender as condições de pobreza em
que vivem os Moçambicanos que habitam na capital da província de Inhambane, bem como as
consequências dessa condição. Assim, começámos por analisar a composição do agregado
familiar, uma vez que a sua dimensão e composição estão relacionadas com o índice de
pobreza, isto é, quanto maior for o número de membros do agregado familiar maior é a
incidência da pobreza. Por outro lado, de acordo com o Inquérito Sobre Orçamento Familiar
(IOF 2022), 44 por cento dos agregados familiares moçambicanos são constituídos por sete ou
mais pessoas e apenas 4,2 por cento é constituído por uma só pessoa (INE, 2022).
Moçambique, possui onze províncias, nas quais, maior parte da população reside em regiões
rurais. Nestas zonas encontram se número maior de agregados familiares, tendo a actividade
agrícola e piscatória como fontes de rendimento.
Na cidade de Inhambane, os recursos pesqueiros, assim como agrícolas mostram se cada vez
mais escassos, como resultado da acção humana, por conta disso, algumas famílias, não sabem
o que comer a cada dia.

Habitação e baixos rendimentos

A partir das condições de habitabilidade pode-se identificar, de forma visível, a situação de


pobreza em que vivem os moçambicanos, em geral, e os que habitam na capital em particular.
Durante o período pós-independência, e até 1991 (liberalização da economia), não se
registaram investimentos no setor habitacional, causando um problema de difícil solução. Para
ultrapassar esta falta de investimento, as populações começaram a construir anarquicamente
em todos os locais possíveis, sem ter em conta aspetos como o escoamento dos esgotos e do
lixo e instalação de rede elétrica ou de abastecimento de água, levando ao alargamento” da
cidade para zonas periféricas.
Em relação à habitação, segundo (IOF 2022), 10 por cento da população da cidade de
Inhambane vive em casas melhoradas de construção a cimento, o resto possuem casas
precárias ou contruídas de material local.
O (IOF 2022), aponta que os jovens, entre 20 e 30 anos, não possuem casa própria e
apresentam mais dificuldades de acesso à espaço para habitação. Residem com os pais ou com
os sogros sendo a construção de uma casa própria o seu projecto de futuro.

Acesso à água potável

O acesso à água potável também se apresenta muito deficiente. A água utilizada pela maioria
da população moçambicana, não apresenta os critérios mínimos de consumo. Nas zonas rurais
do país, a maioria da água que é utilizada pelos habitantes provém diretamente dos rios e
lagoas. Nas zonas urbanas, o sistema de abastecimento de água, concebido antes da
independência, encontra- se em estado de rutura devido não só à destruição que foi sofrendo
durante o desenrolar da guerra civil, como também à própria degradação e ao aumento
exponencial do consumo.
A deficiente distribuição de água nos meios urbanos faz com que as pessoas obtenham este
líquido essencial à vida humana pelos meios menos próprios e menos higiénicos. Vão buscar
água à casa do vizinho, a uma fonte ou uma conduta rebentada e transportam-na em
recipientes sujos, suscetíveis de contágios de muitas doenças.

Saúde, saneamento básico e serviços básicos

Em relação ao setor da saúde, este é sobretudo caraterizado pela deficiência das


infraestruturas, que se encontram completamente degradadas. A falta de médicos,
enfermeiros e técnicos de saúde (como analistas, radiologistas, terapeutas, fisioterapeutas)
completa um quadro de saúde muito débil e no qual os angolanos não depositam confiança.
A malária é uma das principais causas de morbilidade e de mortalidade em Moçambique,
particularmente em crianças menores. É a causa mais comum de procura de cuidados
médicos, nas consultas externas e de internamento, nas unidades sanitárias do país. A mulher
grávida constitui o principal grupo de risco em adultos.

Educação

Relativamente à educação, o país, possui escolas pouco por todo o lado, tendo em conta as
distancias que são percorridas para encontrar um estabelecimento de ensino. Entretanto,
maior parte das escolas existentes são de classes iniciais. Este cenário, faz que adolescentes e
jovens não tenham acesso a escola.

Alimentação

A necessidade de alimentação é talvez a mais básica das necessidades humanas (Streeten,


1995, p. 57), o que faz com que a falta da mesma, ou seja, a fome, seja uma das consequências
mais marcantes da pobreza. Sem a alimentação cuidada, a criança não desenvolve as suas
capacidades físicas e mentais. Nos adultos, a falta de alimento reduz as suas capacidades e
habilidades e deixa-os mais suscetíveis às doenças e infeções.
A questão essencial do trabalho de campo relativamente à alimentação e nutrição consistia em
saber o seguinte: (i)

Quantas refeições o agregado familiar dos entrevistados faz por dia; (ii) o que comem; (iii)
onde compram o que consomem; (iv) como confecionam os alimentos. Todos afirmaram
tomar o pequeno-almoço, constituído essencialmente por chá e pão com manteiga. O almoço
é realizado no local onde exercem a sua atividade (informal), sendo o jantar a principal
refeição do dia. Os alimentos consumidos são maioritariamente comprados nas praças e na
rua pelas mulheres a caminho de casa. Normalmente compram os alimentos no próprio dia,
uma vez que não possuem frigorífico ou arca para conservação dos alimentos. Na maioria dos
casos, as habitações nem sequer possuem instalação elétrica (apenas 42,2 por cento da
população têm acesso à eletricidade INE, 2022, p. 2). Os alimentos são confecionados a lenha
ou a carvão. O uso do fogão não é muito frequente dado o preço elevado do aparelho e das
botijas de gás.
Conclusão

Os debates em torno do conceito de crise económica, proporciona a pobreza e recentemente


a comunidade internacional reconheceu que este dilema, afeta todas as sociedades,
independentemente do seu nível de desenvolvimento, sendo não apenas sinónimo de carência
económica ou falta de alimentação, mas igualmente de carência material (alimentação,
vestuário, alojamento, educação e cuidados de saúde) e carência social (liberdade individual e
igual tratamento perante a lei, direito a um nível de vida aceitável e o direito de participação
no exercício do poder político).

O estudo da pobreza, das suas dimensões, causas e consequências, permitiu a compreensão


da persistência e severidade deste fenómeno em Moçambique. A guerra civil é direta e
indiretamente é considerada como a principal causa da pobreza em Moçambique, que
apresenta atualmente uma incidência na ordem dos 36,6 por cento, valor que, apesar de
elevado, representa uma melhoria em relação ao ano de 2001, em que mais de metade da
população moçambicana se encontrava em condição de pobreza.

Durante a realização da investigação e para melhor perceção da pobreza em Angola,


procedeu-se à sua caraterização segundo alguns indicadores como as condições de habitação,
a escolarização, o acesso à água potável, o acesso ao saneamento básico, aos serviços básicos,
aos serviços básicos de saúde, às bases do poder social, o rendimento do agregado familiar, a
alimentação, a composição do agregado familiar, assim como o género do chefe do agregado
familiar, dados que nos permitem confirmar que Moçambique continua a apresentar carências
muitos graves em todos esses setores.

É preciso, pois, lutar contra a pobreza de modo a devolver aos mais pobres os seus direitos.
Para o efeito, torna-se necessária a elaboração de políticas sociais de apoio aos mais
carenciados, para que possam sair da condição em que se encontram e para que tenham uma
visão mais otimista de forma a contribuírem para o desenvolvimento do seu país. Dez anos
após o término da guerra civil, já se registam algumas melhorias das condições sociais. No
entanto, muito ainda há a fazer de modo a providenciar aos moçambicanos, em particular da
cidade de Inhambane, mais pobres condições dignas de se viver.

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