Um Sorriso Negro Traz Felcidade
Um Sorriso Negro Traz Felcidade
Um Sorriso Negro Traz Felcidade
RESUMO
O sistema opressivo que o negro suporta por séculos e a manutenção das práticas discriminatórias na
sociedade brasileira obstaculizam sua ascensão à simples condição de gente comum, igual a todos os demais,
sendo mais difícil ele obter educação. Indagado com a dúvida quanto aos mecanismos que fazem internalizar o
condicionamento de negação e ocultamento da condição racial do negro na academia, o objetivo deste estudo é
desvendar as nuances que desencadeiam a opressão, a estigmatização e a discriminação no que se transforma em
condicionamentos psicológicos impeditivos de progresso acadêmico das pessoas negras. Foram analisadas nesse
estudo as teorias descritas na literatura e correlacionadas com o princípio de não estigmatização e não
discriminação da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos da Unesco para o enfrentamento de um
ciclo cumulativo de desvantagens que afeta mobilidade social e educacional da população negra. Nota-se com a
análise deste estudo que a saúde mental da população negra é a mais afetada com todo o ciclo de
vulnerabilidades a qual está inserida. Portanto, faz-se necessário a produção de estudos e de políticas públicas de
saúde mental para as pessoas negras, conscientes das consequências transgeracionais dos processos
discriminatórios, para a devida reparação e justiça social a fim de prevenir novas formas de colonialismo.
ABSTRACT
The oppressive system that black people have endured for centuries and the maintenance of
discriminatory practices in Brazilian society hinder their rise to the simple condition of common people, equal to
everyone else, making it more difficult for them to obtain an education. Asked with doubts about the
mechanisms that internalize the conditioning of denial and concealment of the racial condition of black people in
the academy, the objective of this study is to unravel these nuances that trigger oppression, stigmatization and
discrimination in what turns into impeding psychological conditioning academic progress of black people. In this
study, the theories described in the literature and correlated with the principle of non-stigmatization and non-
discrimination of the Unesco Universal Declaration of Bioethics and Human Rights were analyzed in order to
face a cumulative cycle of disadvantages that affects social and educational mobility of the black population. It is
noted from the analysis of this study that the mental health of the black population is the most affected by the
entire cycle of vulnerabilities in which it is inserted. Therefore, it is necessary to produce studies and public
policies on mental health for black people, aware of the transgenerational consequences of discriminatory
processes, for due reparation and social justice in order to prevent new forms of colonialism.
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1 INTRODUÇÃO
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Indagado com a dúvida quanto aos mecanismos que fazem
internalizar o condicionamento de negação e ocultamento da condição racial do negro na
academia,
deste estudo
o objetivo
é desvendar essas nuances que desencadeiam a opressão, a estigmatização e a
discriminação no que se transforma em condicionamentos psicológicos impeditivos de
progresso acadêmico das pessoas negras. Foram analisadas nesse estudo as teorias descritas
na literatura e correlacionadas com o princípio de não estigmatização e não discriminação da
Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos da Unesco para o enfrentamento de um
ciclo cumulativo de desvantagens que afeta mobilidade social e educacional da população
negra.
O objetivo deste artigo é refletir sobre os mecanismos sociais que impedem a ascensão
e mobilidade da comunidade negra, e pensar, por meio da bioética, formas de torná- los
visíveis e de enfrentá-los. O estudo toma como base as ideologias e reflexões discutidas nas
obras de Lélia González, Darcy Ribeiro e Stokely Carmichael que, a partir da releitura
histórica dos processos discriminatórios, conduzem de forma ampliada para uma consciência
e reconhecimento da identidade negra. Incialmente, é descrito uma trajetória histórica e
engrenagens para o processo de estigmatização da população negra. Logo após, são descritas
ideologias que os autores descrevem nas obras correlacionando-as com o conceito de
identidade cultural. Por fim, será abordada a posição da bioética frente a sistemática da
repressão, a epigenética e os sentimentos negativos que perpetuam a submissão psicológica
dos negros.
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discriminação por razões de raça ou de gênero, entre os anos 1950 e 1960, difundiu uma vasta
e exitosa ideia de Consciência Negra. Nesse processo, mobilizações e manifestações que
rendeu
o protagonismo do Movimento Negro desde os anos 1970 e 1980, como a criação do MNU –
Movimento Negro Unificado (1978); a Campanha das Diretas Já (1984); as Marchas do
Centenário da Abolição (1988); o I Encontro Nacional de Mulheres Negras (1988); os
Encontros estaduais e regionais do Movimento Negro ao longo dos anos 1980 e 1990; o I
Encontro Nacional de Entidades Negras – ENEN (São Paulo, 1991); a Marcha Zumbi dos
Palmares – Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida (Brasília, 1995) e a Marcha Nacional
de Mulheres Negras (Brasília, 2015) tornou o racismo pauta inarredável da agenda política
nacional. Reanalisar a longa trajetória de lutas negras ao longo do século XX é o suporte para
o diálogo entre mobilidade social associada à educação da nossa população, além de combater
toda forma de exclusão social (PEREIRA, 2018).
Historicamente, a primeira tarefa cultural do negro brasileiro foi a de aprender a falar o
português que ouvia aos berros dos colonizadores. Fornecer sua força de trabalho para não ser
levado à morte através da brutalidade e repressão era outra engrenagem para o sentimento de
submissão. Procurando sua liberdade, enfrenta episódios de miserabilidade, quando ao
deslocar-se do meio rural para as favelas urbanas almejando um grau de esperança enquanto
sua cultura despedaçada dos longos anos de escravidão tentava se regenerar (SANCHES;
MANNES; CUNHA, 2018).
Ademais, o trabalho compulsório dos negros foi justificado por diferentes esforços
ideológicos que, em geral, postulavam a inferioridade dos povos africanos. Estudos científicos
mais antigos afirmavam que o volume do cérebro é menor no negro e concluíam que o negro
é mentalmente inferior. Para a igreja católica, eram amaldiçoados e destinados à servidão. É
no campo psicológico que os mais persistentes esforços foram feitos para provar a
superioridade do homem branco sobre o negro. Sem dúvida, os negros e os brancos não são
de modo algum semelhantes quer seja física, intelectual ou psicologicamente; entretanto, isto
não justifica a afirmativa de que as diferenças impliquem qualquer superioridade de uns sobre
os outros (COMAS; LITTLE; SHAPIRO; LEIRIS; STRAUSS, 1970).
A partir do século XVIII, as teses de racismo científico novamente afirmaram a aptidão
desses povos para a servidão, buscando comprovar tais hipóteses nos campos da biologia e
antropologia (ARANDIA, 2016). Assim, o colonialismo origina a justificativa da
discriminação racial, na medida em que esse sistema se reproduziu através do trabalho
escravizado de negros para legitimar essa opressão através da ideologia do racismo (MOURA,
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1994).
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Apesar da desestruturação da identidade dessa população pelo longo processo de
sofrimento, inúmeras manifestações culturais ocorrem em todos os campos em que não se
exige
escolaridade. Porém, a manutenção de critérios racialmente discriminatórios que, tais como os
modelos de padrões de corpos físicos ou intelectualizados impostos na sociedade,
obstaculizam a ascensão à simples condição de gente comum, tornando mais difícil para a
população negra obter educação e mais fácil incorporar-se na força de trabalho dos setores
modernizados. É nesse processo que as taxas de analfabetismo, de criminalidade e de
mortalidade dos negros são, por isso, as mais elevadas, refletindo o fracasso da sociedade
brasileira em cumprir, na prática, seu ideal professado de uma democracia racial que integre o
negro na condição de cidadão indiferenciado dos demais (MBEMBE, 2018).
A Revolução Cubana demonstra o quanto os negros estão preparados para ascender
socialmente. Nesta época, o governo lançou várias políticas em favor dos mais pobres e
afrocubanos, a exemplo, uma campanha nacional de alfabetização. Com efeito, alguns anos de
escolaridade francamente aberta e de estímulo à auto superação aumentaram rapidamente o
contingente de negros que alçaram aos postos mais altos do governo, da sociedade e da
cultura cubana. José Julián Martí Pérez, político e filósofo cubano, no final do século XIX,
criticou insistentemente o racismo, reforçando o argumento de igualdade e fraternidade racial
(HELG, 2014).
A influência de José Martí encorajou intelectuais negros e mestiços a participar do
movimento independentista de 1895. Assim, essas populações tiveram grande participação
nos campos de batalha (HEREDIA, 2017, p. 422). Diante deste episódio, o movimento
revolucionário de 1895 foi reconhecido como uma escola de valores que fez retroceder o
racismo e atribuiu aos negros uma identidade nacional, pois tornou a cidadania um direito de
todos (HEREDIA, 2017, pp. 423- 424). Simultaneamente, toda a parcela negra da população,
liberada da discriminação e do racismo, confraternizou com os outros componentes da
sociedade, aprofundando assinalavelmente o grau de solidariedade.
Contudo, os negros brasileiros, apesar de concentrados nos estratos mais pobres, não
atuam social e politicamente motivados pelas diferenças raciais, mas pela conscientização do
caráter histórico e social dos fatores que obstaculizam sua ascensão. Essa população ainda se
encontra num estado de semi escravidão socioeconômica, educacional e cultural. Estão
emaranhados numa teia de restrições legais e extralegais. A pobreza, o desprezo e a
submissão fizeram destes o que é hoje. O vigor desse processo, assentado na cultura vulgar e
também ensinada nas escolas, e das atitudes que começam a generalizar-se entre todos os
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brasileiros, permitirão
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enfrentar com êxito as tensões sociais decorrentes de uma ascensão do negro de forma a
garantir sua participação igualitária na sociedade nacional?
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ideologia que se esconde o caráter do racismo brasileiro. As pessoas negras internalizam tais
valores e passa a se negar enquanto tais, de maneira mais ou menos consciente. A partir daí
elas
sentem vergonha de sua condição racial e, tais mecanismos, quando tratados em termos
psicanalíticos, fazem entender que o branco deve ser vivenciado com ideal do ego
(GONZALEZ; HASENBALG, 2022).
Todos os meios que fomentam a luta política do negro devem ser reconhecidos e
valorizados. A chamada democracia racial, apesar de afetar principalmente os intelectuais
negros, que conduzindo-os a campanhas de conscientização do negro para a conciliação social
e para o combate ao ódio e ao ressentimento negro, concentra um raciocínio deficiente que
cria condições de convivência em que o negro aproveite as linhas de capilaridade social para
ascende. No entanto, essa ascensão é através da adoção explícita das formas de conduta e de
etiqueta dos brancos bem sucedidos. Nenhuma pessoa pode ditar com exclusividade o estágio
final da evolução humana; não há argumento válido que confirme as características especiais
que possam indicar a superioridade de um grupo em detrimento ao outro (GONZALEZ;
HASENBALG, 2022).
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necessário que os negros superem, vençam, esqueçam se quiserem ver estabelecido, entre
esses dois grupos humanos, um espírito de verdadeira compreensão. Se os povos brancos
pararem
tratar os de
negros com indiferença, opressão e injustiça, e adotarem uma atitude caracterizada
pela tolerância e cortesia, será o início de uma caminhada em favor do respeito, equidade e
justiça? (RIVAS; GARRAFA; FEITOSA; NASCIMENTO, 2015)
Tanto a biologia como a antropologia, a evolução e a genética demonstram que a
discriminação racial baseada na cor é um mito sem a menor justificativa científica. No
entanto, ao comparar a perspectiva da epigenética em estudos com gestantes privadas de
alimentação durante o episódio do Inverno da fome holandesa na II guerra mundial, onde
níveis de metilação foram observados no gene do fator de crescimento, um imprinting
materno transmitido aos bebês persistiu até a idade adulta e foi verificado até 6 décadas após
esse episódio de privação, demonstrando assim um efeito transgeracional. É possível que
todos esses mecanismos descritos e refletidos dentro da perspectiva da dignidade humana da
população negra ao longo da história estejam marcados como sentimentos de medo e
depressão de forma epigenética? (HEIJMANSA; TOBIA; STEINB; PUTTERC; BLAUWD;
SUSSERE; SLAGBOOMA; LUMEYE, 2008)
Esses genes estão associados tanto à resposta ao estresse emocional quanto à resposta
ao estresse fisiológico. Assim, as crianças nascidas em famílias pobres e as nascidas de mães
desnutridas iniciam suas vidas em desvantagem em termos de imprinting genético, o que pode
contribuir para a manutenção de sua posição social ou dificultar muito sua mobilidade social.
Tais marcadores epigenéticos comprometem o desenvolvimento psicossocial e podem resultar
em dificuldades de aprendizagem testemunhadas no baixo rendimento escolar e nos níveis de
evasão escolar. A baixa escolaridade resultante causa desemprego, subemprego e dificuldade
no acesso a empregos mais qualificados. Em outras palavras, associando á temática desse
estudo, há uma forma de condenação genética como consequência do mecanismos de
discriminação e estigmatização (GRISOLIA; GARRAFA, 2020).
Entendendo que a bioética é mais um movimento de reforma social, é preciso
considerar que os fatores políticos e socioeconômicos pouco favoráveis que mantém esses
grupos em seu estado atual. A leitura bioética do processo de produção de práticas
estigmatizantes e discriminatórias atravessa os conceitos de identidade, alteridade, diferença e
tolerância. Os efeitos dessas práticas sobre os indivíduos e a sociedade devem ser refletidos
dentro do escopo da dignidade humana e o respeito pelos direitos humanos (FEITOSA;
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NASCIMENTO, 2015).
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O reconhecimento e a valorização da identidade étnica da população negra deve ser
enfatizada em detrimento à privação deste fator para que não ocasione uma imagem distorcida
dos mesmos. É pela afirmação da identidade que seria possível travar embates mais
transformadores, já que os indivíduos teriam ferramentas para lutar contra os processos
discriminatórios. Pensar de que maneira os conceitos de vida estão em jogo para a elaboração
de outros conhecimentos e políticas sobre a vida é tarefa persistente para a Bioética
(FEITOSA; NASCIMENTO, 2015).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ARANDIA GC. Estudio teórico crítico del racismo. Un modelo de análisis epistemológico
y político para el contexto cubano. Havana: 2016.
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FEITOSA S, NASCIMENTO W. A bioética de intervenção no contexto do pensamento
latino-americano contemporâneo. Revista bioética, v. 2, n. 2, p. 277-84, 2015.
HELG A. “La limpieza de sangre bajo las reformas borbónicas y su impacto en el Caribe
neogranadino”. Boletín de Historia y Antigüedades, Bogotá, n. 856, 2014.
HEIJMANSA BT, TOBIA EW, STEINB AD, PUTTERC H, BLAUWD GJ, SUSSERE
ES, SLAGBOOMA FPE, LUMEYE LH. Persistent epigenetic differences associated with
prenatal exposure to famine in humans. PNAS 105(44): 17046–17049, 2008.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. 1 ed. São Paulo:
Companhia das letras, 1997.
SANCHES MA; MANNES M; CUNHA TR. Vulnerabilidade moral: leitura das exclusões
no contexto da bioética. Revista Bioética, Curitiba, v. 26, n. 1, p. 39-46, Out. 2018.
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