Grupos Vulneráveis e o Sistema Prisional
Grupos Vulneráveis e o Sistema Prisional
Grupos Vulneráveis e o Sistema Prisional
BRASÍLIA
2018
DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL
DIRETORIA DE POLÍTICAS PENITENCIÁRIAS
Ficha Técnica
Ministério da Justiça
3
Sumário
RESUMO..............................................................................................................................................
I. INTRODUÇÃO................................................................................................................................
1.1. Contexto e Importância da Consultoria...................................................................................
1.2. Contexto e Importância do Produto.........................................................................................
II. DESENVOLVIMENTO..................................................................................................................
2.1. Apresentação.............................................................................................................................
2.2. Justificativa: Por que a realização de um relatório sobre práticas e políticas de
diversidade no sistema penal..........................................................................................................
III. SISTEMATIZAÇÃO DAS POLÍTICAS, PRÁTICAS E RECOMENDAÇÕES
INTERNACIONAIS PARA AS POPULAÇÕES VULNERÁVEIS EM SITUAÇÃO DE
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE...........................................................................................................
IV. PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS.........................................................................
4.1. Normas Internacionais..............................................................................................................
4.2. Regulamentação Nacional........................................................................................................
4.3. Políticas e Práticas para as pessoas com transtornos mentais no sistema penal...........
4.3.1. Legislação e políticas de acesso à saúde..........................................................................
4.3.2. Medidas e sanções não privativas de liberdade.................................................................
4.3.3. Administração Prisional.........................................................................................................
4.3.3.1. Políticas e estratégias de gestão......................................................................................
4.3.3.2. Recursos humanos.............................................................................................................
4.3.4. Acesso à justiça......................................................................................................................
4.3.5. Avaliação, alocação e acomodações...................................................................................
4.3.6. Cuidados de saúde.................................................................................................................
4.3.7. Programas e projetos assistenciais e vínculos familiares.................................................
4.3.8. Segurança...............................................................................................................................
4.3.9. Condição de pré-egresso e egresso....................................................................................
4.3.10. Monitoramento......................................................................................................................
4.4. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para as pessoas com transtorno mental no Sistema Penal..................................
V. PESSOAS COM DEFICIÊNCIA..................................................................................................
5.1. Normas Internacionais..............................................................................................................
5.2. Políticas e Práticas para as pessoas com deficiência no Sistema Penal..........................
5.2.1. Medidas e sanções não privativas de liberdade.................................................................
4
5.2.2. Administração Prisional.........................................................................................................
5.2.2.1. Políticas e estratégias de gestão......................................................................................
5.2.2.2. Recursos humanos.............................................................................................................
5.2.3. Acesso à justiça......................................................................................................................
5.2.4. Alocação..................................................................................................................................
5.2.5. Classificação e acomodações..............................................................................................
5.2.6. Acesso à saúde......................................................................................................................
5.2.7. Programas e projetos assistenciais.....................................................................................
5.2.8. Segurança...............................................................................................................................
5.2.9. Condição de pré-egresso e egresso....................................................................................
5.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para as pessoas com deficiência no Sistema Penal..............................................
VI. PESSOAS COM DOENÇAS TERMINAIS...............................................................................
6.1. Normas Internacionais..............................................................................................................
6.2. Políticas e Práticas para as pessoas com doenças terminais no Sistema Penal.............
6.2.1. Medidas e sanções não privativas de liberdade.................................................................
6.2.2. Administração Prisional.........................................................................................................
6.2.2.1. Políticas e estratégias de gestão......................................................................................
6.2.2.2. Recursos Humanos.............................................................................................................
6.2.3. Acesso à Justiça.....................................................................................................................
6.2.4. Alocação e acomodações.....................................................................................................
6.2.5. Acesso à saúde......................................................................................................................
6.2.6. Vínculos familiares e serviços de apoio psicológico e religioso.......................................
6.2.7. Lazer.........................................................................................................................................
6.2.8. Libertação por motivos humanitários ou antecipada para privados de liberdade
com doenças terminais.....................................................................................................................
6.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para as pessoas com doenças terminais no Sistema Penal................................
VII. IDOSOS.......................................................................................................................................
7.1. Normas Internacionais..............................................................................................................
7.2. Políticas e Práticas para os Idosos no Sistema Penal........................................................
7.2.1. Políticas relativas às sentenças e às medidas e sanções não privativas de
liberdade...........................................................................................................................................
7.2.2. Administração Prisional.......................................................................................................
5
7.2.2.1. Políticas e estratégias de gestão....................................................................................
7.2.2.2. Recursos Humanos...........................................................................................................
7.2.3. Acesso à justiça....................................................................................................................
7.2.4. Avaliação e alocação...........................................................................................................
7.2.5. Alojamento e acomodações................................................................................................
7.2.6. Acesso à saúde....................................................................................................................
7.2.7. Vínculos Familiares e Comunitários...................................................................................
7.2.8. Programas e projetos assistenciais...................................................................................
7.2.9. Condição de Pré-egresso e egresso..................................................................................
7.2.10. Liberdade Condicional Antecipada, Liberdade por Motivos Humanitários e
Anistia................................................................................................................................................
7.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para os Idosos no Sistema Penal...........................................................................
VIII. POPULAÇÃO LGBT...............................................................................................................
8.1. Normas Internacionais............................................................................................................
8.2. Políticas e Práticas para a População LGBT no Sistema Penal.......................................
8.2.1. Legislação..............................................................................................................................
8.2.2. Políticas relativas às sentenças e às medidas e sanções não privativas de
liberdade...........................................................................................................................................
8.2.3. Administração Prisional.......................................................................................................
8.2.3.1. Políticas e estratégias de gestão....................................................................................
8.2.3.2. Recursos Humanos...........................................................................................................
8.2.4. Acesso à Justiça...................................................................................................................
8.2.5. Alojamento e Acomodações...............................................................................................
8.2.6. Vínculos Familiares e Comunitários...................................................................................
8.2.7. Acesso à Saúde....................................................................................................................
8.2.8. Programas e Projetos Assistenciais..................................................................................
8.2.9. Segurança.............................................................................................................................
8.2.10. Condição de Pré-egresso e Egresso...............................................................................
8.2.11. Monitoramento....................................................................................................................
8.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para a População LGBT no Sistema Penal...........................................................
IX. MINORIAS ÉTNICO-RACIAIS E POPULAÇÕES INDÍGENAS..........................................
9.1. Normas Internacionais............................................................................................................
6
9.2. Políticas e Práticas para Minorias Étnico-Raciais e Populações Indígenas no
Sistema Penal..................................................................................................................................
9.2.1. Políticas relativas às sentenças e às medidas e sanções não privativas de
liberdade...........................................................................................................................................
9.2.2. Administração Prisional.......................................................................................................
9.2.2.1. Políticas e estratégias de gestão....................................................................................
9.2.2.2. Recursos Humanos...........................................................................................................
9.2.3. Acesso à justiça....................................................................................................................
9.2.4. Alojamento e acomodações................................................................................................
9.2.4.1. Medidas de proteção........................................................................................................
9.2.4.2. Igualdade: reconhecendo diferentes necessidades.....................................................
9.2.5. Vínculos familiares e comunitários.....................................................................................
9.2.6. Barreiras linguísticas............................................................................................................
9.2.7. Religião..................................................................................................................................
9.2.8. Acesso à saúde....................................................................................................................
9.2.9. Programas e projetos assistenciais...................................................................................
9.2.9.1. Trabalho, formação profissional e educação.................................................................
9.2.9.2. Programas específicos: envolvendo a comunidade.....................................................
9.2.10. Segurança...........................................................................................................................
9.2.11. Monitoramento....................................................................................................................
9.2.12. Condição de pré-egresso e egresso................................................................................
9.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para as Minorias Étnico-Raciais e Populações Indígenas no Sistema
Penal.................................................................................................................................................
X. ESTRANGEIROS......................................................................................................................
10.1. Normas Internacionais..........................................................................................................
10.2. Políticas e Práticas para Estrangeiros no Sistema Penal................................................
10.2.1. Políticas relativas às sentenças e às medidas e sanções não privativas de
liberdade...........................................................................................................................................
10.2.2. Transferência de privados de liberdade estrangeiros...................................................
10.2.3. Administração Prisional.....................................................................................................
10.2.3.1. Políticas e estratégias de gestão..................................................................................
10.2.3.2. Recursos Humanos........................................................................................................
10.2.4. Acesso à justiça..................................................................................................................
7
10.2.5. Classificação e acomodações..........................................................................................
10.2.6. Vínculos familiares e comunitários...................................................................................
10.2.7. Barreiras linguísticas..........................................................................................................
10.2.8. Cultura e religião.................................................................................................................
10.2.9. Programas e projetos assistenciais.................................................................................
10.2.10. Condição de pré-egresso e egresso..............................................................................
10.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para os Privados de Liberdade Estrangeiros no Sistema Penal........................
XI. SISTEMATIZAÇÃO DAS PRÁTICAS E POLÍTICAS PARA AS DIVERSIDADES
IDENTIFICADAS PELOS DIFERENTES ESTADOS.................................................................
XII. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................
XIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................
8
RESUMO
9
I. INTRODUÇÃO
10
crônicas, infectocontagiosas, com transtorno mental ou que fazem uso abusivo
de drogas (DEPEN, 2017).
O desenho de uma Política voltada para as diversidades no sistema penal
encontra respaldo na legislação nacional e em diversos normativos e
recomendações internacionais, na medida em que trata da individualização da
pena, da não discriminação e da garantia dos direitos humanos.
É nesse contexto que se insere a presente consultoria técnica. Entre as
prioridades do DEPEN está a elaboração de uma Política Nacional de
Diversidades para o Sistema Penal que tenha caráter transversal e
intersetorial, implicando propostas concretas de melhorias e readequações de
práticas penitenciárias em consonância aos direitos humanos dos diversos
grupos populacionais existentes no ambiente prisional (DEPEN, 2017).
Uma outra consultoria versando sobre o mesmo tema apresentou a
construção de uma base conceitual, com a fixação de postulados, princípios e
diretrizes para o desenho desta Política, tendo procedido ainda à identificação
e caracterização dos grupos vulneráveis que por ela devem ser abrangidos.
Na continuação deste trabalho far-se-á, doravante, o levantamento e análise
de dados sobre o contexto das Diversidades no Sistema Penal; o mapeamento
de modelos de políticas existentes em cenário internacional, a avaliação de
políticas públicas, serviços e experiências existentes nas unidades da
federação, o mapeamento de normativos atinentes ao tema e pesquisas
realizadas nessa temática, com o objetivo de identificar as demandas e os
estabelecer os componentes balizadores da Política Nacional de Diversidades
no Sistema Penal (DEPEN, 2017).
a. Objetivos do Produto
11
conforme já referido – tem vindo a mover esforços no sentido de
estabelecer uma Política Nacional de Diversidades no Sistema Penal.
Para tanto, é fundamental que – no âmbito desta consultoria que visa a
assessoria técnica à elaboração dessa política – seja realizada a
sistematização das normas e recomendações internacionais para o
desenho das políticas de gestão e assistenciais específicas para as
populações vulneráveis e o levantamento das políticas, ações
estratégicas e práticas que, aos níveis internacional e nacional, estão já
sendo desenvolvidas neste âmbito, numa vez que só o seu
conhecimento e sistematização permitirão construir uma política que
tenha como objetivo facilitar respostas eficazes para atender às
demandas e necessidades específicas do conjunto destas populações.
b. Resultados Esperados
12
às melhores práticas, políticas já existentes, e normas e
recomendações internacionais serão apresentados por este terceiro
produto – possibilitará a adequação desses mesmos princípios e
diretrizes à realidade brasileira, em consonância com o que
internacionalmente é realizado.
O objeto desta consultoria é, ele próprio, inovador, uma vez que não
existe no Brasil uma Política para as Diversidades no Sistema Penal e
este contrato pretende, precisamente e como acima referido, uma
assessoria técnica para a construção dessa mesma política. Dessa
forma, todos os produtos que dela resultam têm, também eles, um
caráter inovador, uma vez que não existe qualquer trabalho anterior
que pretenda o subsídio de uma política voltada para as populações
vulneráveis no sistema prisional.
Especificamente no que diz respeito a este produto, seu caráter
inovador reside no fato de ele realizar a sistematização, suportada pela
consulta de bibliografia e dados internacionais e nacionais, das
políticas e práticas que já estão sendo implementadas neste âmbito,
mas sobretudo a sistematização do conjunto de normas e
recomendações internacionais que devem nortear a construção da
própria Política Nacional.
Em acréscimo, este produto, juntamente com o produto anterior,
pode servir também como documentos norteadores para que os
diferentes estados possam, eles próprios, construir as suas políticas e
ações estratégicas locais.
13
II. DESENVOLVIMENTO
2.1. Apresentação
14
administrações penitenciárias, profissionais do sistema prisional, membros de
organizações não governamentais e outras pessoas interessadas ou ativas no
campo da justiça criminal e da reforma prisional, na concretização dessa meta.
Esta preocupação remonta a 1955, apenas 10 anos após a sua constituição,
com a publicação, através de seu Conselho Econômico e Social, do Conjunto
de Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos 1, posteriormente
modificadas pelas Regras de Mandela2 (2015). Este primeiro documento
chama a atenção dos governos para o conjunto das regras propostas e
recomenda que a sua adoção e aplicação nos estabelecimentos penitenciários
e correcionais seja favoravelmente encarada; que os governos adotem as
medidas necessárias para lhes dar a mais ampla publicidade possível, não
apenas junto dos organismos públicos interessados, mas também junto das
organizações não governamentais que se ocupam da defesa social; e que o
secretário-geral seja informado, de cinco em cinco anos, dos progressos feitos
relativamente à sua aplicação (UN ECOSOC, 1955).
15
fato da sua prisão, todos os reclusos devem continuar a gozar dos
direitos do homem e das liberdades fundamentais, enunciados
na Declaração Universal dos Direitos do Homem e, caso o Estado
interessado neles seja parte, no Pacto Internacional sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, no Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos e no Protocolo Facultativo que o acompanham,
bem como de todos os outros direitos enunciados em outros
instrumentos das Nações Unidas;
6. Todos os reclusos devem ter o direito de participar das atividades
culturais e de beneficiar de uma educação visando o pleno
desenvolvimento da personalidade humana;
7. Devem empreender-se esforços tendentes à abolição ou restrição do
regime de isolamento, como medida disciplinar ou de castigo;
8. Devem ser criadas condições que permitam aos reclusos ter um emprego
útil e remunerado, o qual facilitará a sua integração no mercado de
trabalho do país e lhes permitirá contribuir para sustentar as suas
próprias necessidades financeiras e as das suas famílias;
9. Os reclusos devem ter acesso aos serviços de saúde existentes no país,
sem discriminação nenhuma decorrente do seu estatuto jurídico;
10. Com a participação e ajuda da comunidade e das instituições sociais, e
com o devido respeito pelos interesses das vítimas, devem ser criadas
condições favoráveis à reinserção do antigo recluso na sociedade, nas
melhores condições possíveis;
11. Os princípios acima referenciados devem ser aplicados de forma
imparcial (UN ECOSOC, 1955).
16
Ou seja, a LEP fundamenta os direitos, deveres, sanções da disciplina e
avaliação dos privados de liberdade, tendo como foco a reintegração social que
busca a prevenção do crime e a preparação da pessoa em situação de
privação de liberdade para o retorno ao convívio social (BRASIL, 1984). Dentre
os direitos previstos pela LEP estão a assistência jurídica, educacional, social,
material, religiosa e de saúde.
Para além disso, o Brasil é também signatário da maioria das
Recomendações das Nações Unidas, e, a nível nacional, órgãos como o
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH)
estabelecem também o conjunto de recomendações que devem pautar a
administração penitenciária no que respeita à defesa dos direitos humanos da
população de privados de liberdade.
Não obstante os esforços que os diferentes países têm vindo a realizar para
assegurar o respeito pelos direitos humanos de todos os que se encontram em
situação de privação de liberdade, a verdade é que muito há ainda a fazer a
este nível. É inegável que a privação de liberdade tem um efeito prejudicial
sobre todos os que enfrentam esta realidade, quer seja unicamente pela
própria situação de privação de liberdade em si, quer seja pela falta de
condições observadas na maioria dos sistemas penitenciários, como é o caso
da sobrelotação, condições de alojamento e higiene precárias, violência, falta
de acesso à saúde, à educação, à prática de atividades profissionais e
recreativas, entre outras. Mas é verdade também que, ainda assim, há
populações mais vulneráveis que outras, face a esta situação.
As pessoas privadas de liberdade de minorias étnicas, religiosas e raciais,
estrangeiros, população LGBT e especialmente pessoas com deficiência e/ou
transtorno mental estão em situação de maior vulnerabilidade, uma vez ser
maior o risco de se encontrarem desassistidas dentro de um sistema deficitário,
correrem maior risco de serem discriminadas e vítimas de violência e maus-
tratos por parte do grupo de pares e, muitas vezes também, por parte dos
servidores penitenciários. Na mesma condição encontram-se as mulheres, os
privados de liberdade condenados por crimes sexuais, e os privados de
17
liberdade idosos. Existem também grupos especiais, como os daqueles que
praticam os chamados crimes de “colarinho branco”, os informadores da
polícia, os ex-funcionários públicos e policiais ou agentes penitenciários, que –
pelo caráter de seus crimes e/ou condição de informantes – correm o risco real
de serem vítimas de abuso e violência física e psicológica.
A vulnerabilidade deve ser entendida como uma questão complexa e os
"grupos de pessoas vulneráveis" não devem ser considerados de forma
restrita. Algumas pessoas estão em risco acrescido de vulnerabilidade devido à
sua pertença a mais de um grupo (como é o caso da população LGTB
estrangeira, por exemplo). Da mesma forma, a perspectiva de gênero deve ser
entendida como um elemento transversal que exacerba a situação de
vulnerabilidade (EU CJP, 2015).
Diferentes pesquisas apontam que as violações dos direitos humanos e
fundamentais destes privados de liberdade resultam da falta de recursos
financeiros, alocados às diferentes administrações penitenciárias, e das
relações precárias entre os sistemas penitenciários e a sociedade civil
organizada. Não obstante, nem a falta de recursos, nem o fato das ONGs
poderem ser prestadores de serviços alternativos aos Estados devem servir de
justificativa para o não respeito pelos direitos fundamentais dos privados de
liberdade, de acordo com as legislações de cada país e com suas obrigações
decorrentes da ratificação de tratados internacionais (EU CPJ, 2015).
O Brasil tem um Sistema Penal seletivo que penaliza certos grupos de forma
mais intensa, mas que em contraste não reconhece diferenças e
vulnerabilidades durante a execução das penas, homogeneizando as
subjetividades das pessoas em privação ou restrição de liberdade (DEPEN,
2017).
Não obstante, o DEPEN tem reconhecido a necessidade de construir uma
Política Nacional de Diversidades no Sistema Penal que desenhe estratégias
capazes de combater o preconceito, a discriminação e o acesso desigual a
18
direitos e políticas públicas que afetam diversos grupos populacionais em
situação de restrição, privação de liberdade e egressos do sistema prisional, de
modo a assegurar direitos e combater a situação de vulnerabilidade dessas
pessoas (DEPEN, 2017).
Esta preocupação do Departamento Penitenciário Nacional acompanha uma
preocupação cada vez mais generalizada e presente em um número maior de
países. Num reconhecimento dessa preocupação, mas também como
chamado de atenção para a necessidade de mudar políticas e processos de
trabalho, a ONU, através do Escritório sobre Drogas e Crime (UNODC),
apresentou, em 2009, o Handbook on Prisoners with Special Needs. 3 Este
manual apresenta, aos diversos países, subsídios para a elaboração de
políticas penais sensíveis à diversidade e especificidades da população privada
de liberdade.
Também a União Europeia, com os mesmos objetivos e através de seu
Programa de Justiça Criminal, lançou, em 2015, um documento similar,
denominado Vulnerable Groups of Prisoners: a Handbook.4
Embora estas duas organizações orientem o conjunto dos países que delas
fazem parte, alguns países – como por exemplo o Reino Unido, o Canadá, a
Nova Zelândia, ou o Chile – criaram documentos específicos onde
regulamentam políticas, estratégias e ações por forma a assegurar o
cumprimento dos direitos e demandas específicas dos grupos vulneráveis
dentro dos seus sistemas penitenciários.
Esse é também o objetivo do Departamento Penitenciário Nacional, que
pretende – como temos vindo a sublinhar – construir uma Política Nacional de
Diversidades no Sistema Penal.
Assim, e como forma de subsidiar o Departamento nessa construção, este
terceiro produto realiza a sistematização do conjunto de normas internacionais
que devem nortear as políticas e estratégias de ação para o conjunto dos
grupos vulneráveis que constituem o segmento das Diversidades no Sistema
Penal. Realiza ainda o levantamento das estratégias a adotar para o desenho
de políticas de gestão e assistenciais que atendam às demandas específicas
3
Pode ser traduzido por: Manual sobre privados de liberdade com necessidades especiais.
4
Pode ser traduzido por: Manual para os grupos vulneráveis de pessoas privadas de liberdade.
19
destas populações (sistematizadas no produto anterior), exemplificadas com o
conjunto de boas práticas que vêm já sendo realizadas pelos diversos sistemas
penitenciários mundiais e sistematizadas num conjunto de recomendações
internacionais resultantes de documentos de que o Brasil é também signatário.
Desta forma, este produto, juntamente com o produto anterior – onde foram
sistematizadas as demandas específicas de cada um dos grupos vulneráveis –
mostram-se fundamentais para que o desenho da referida Política Nacional
atenda a essas demandas, sustentada pelas melhores práticas que a este nível
vêm já sendo realizadas e indo ao encontro das recomendações internacionais.
20
III. SISTEMATIZAÇÃO DAS POLÍTICAS, PRÁTICAS E
RECOMENDAÇÕES INTERNACIONAIS PARA AS POPULAÇÕES
VULNERÁVEIS EM SITUAÇÃO DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE
21
colaboração com outras agências das Nações Unidas e Organismos
Internacionais, destacando o Manual for the Measurement of juvenile justice
indicators5 (UNODC & UNICEF, 2006) e o guia Protecting the rights of children
in conflict with the law6 (OHCHR, UNICEF, UNDP, UNODC, et al., 2008).
No caso do Brasil, crianças, adolescentes e jovens menores de 18 anos em
conflito com a lei são abrangidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,
executado – nestes casos – através do Sistema Nacional Socioeducativo, de
gestão estadual a nível local, e sob a alçada do Ministério dos Direitos
Humanos, a nível central/federal. Assim, não estando sob a alçada do
Departamento Penitenciário Nacional, esta população sai também do escopo
deste produto.
As mulheres em situação de privação de liberdade são mais propensas do
que os homens a sofrer de transtornos mentais, dependência de álcool e
drogas, muitas vezes também como resultado da vivência de situações de
violência doméstica, abuso físico e sexual sofridos mesmo antes do período de
encarceramento (UNODC, 2008).
A separação de suas famílias e de suas comunidades, devido à situação de
privação de liberdade, tem um efeito particularmente nocivo sobre as mulheres,
podendo levar a transtornos de ansiedade, quadros depressivos mais ou
menos severos ou mesmo a transtornos mentais mais graves (UNODC, 2008).
A nível mundial, a proporção de mulheres privadas de liberdade varia entre
2% e 8% da população geral. Uma das consequências deste pequeno
percentual é que os sistemas penitenciários e as próprias unidades prisionais
tendem a ser organizados com base nas necessidades e demandas
masculinas. Isto aplica-se à arquitetura, à segurança e a todas as outras
rotinas do sistema. Qualquer disposição especial destinada a mulheres
geralmente não é desenhada e planejada de raiz, mas antes uma adaptação
daquelas que já existem para a população masculina (UNODC, 2008).
Assim, e embora as necessidades levantadas e as propostas de ação
apresentadas em seu manual abranjam homens e mulheres, as Nações Unidas
consideram que as mulheres privadas de liberdade têm requisitos adicionais
5
Pode ser traduzido por: Manual de avaliação dos indicadores relativos à justiça juvenil.
6
Poder ser traduzido por: Protegendo os direitos das crianças em conflito com a lei.
22
relativos aos cuidados e ao tratamento de que necessitam, tendo por isso
elaborado um manual específico para esta população: Handbook for Prison
Managers and Policymakers on Women and Imprisonment 7 (UNODC, 2008).
Recomenda a sua consulta para orientações adicionais e exclusivas sobre as
necessidades específicas deste grupo.
Também o DEPEN reconhece esses requisitos adicionais e especificidades
de gênero. Por isso, com a preocupação de lhes dar resposta, combatendo a
situação de vulnerabilidade e contribuindo para a diminuição da desigualdade e
discriminação a que as mulheres estão sujeitas, instituiu – em 2014 – a Política
Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e
Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE), que tem como objetivo geral
reformular as práticas do sistema prisional brasileiro, contribuindo para a
garantia dos direitos das mulheres, nacionais e estrangeiras, previstos em
diversos artigos da Lei de Execução Penal (LEP) (BRASIL, 1984). A PNAMPE
garante a humanização no cumprimento da pena: o direito à saúde, educação,
alimentação, trabalho, segurança, proteção à maternidade, lazer, esporte,
assistência jurídica e demais direitos humanos. Priorizando a atenção integral a
partir de atividades de prevenção e promoção da saúde, esta Política assegura
ainda a melhoria da qualidade de vida e da saúde da população feminina em
situação de privação de liberdade (Barbosa, Celino, Oliveira. Pedraza, & Costa,
2014).
O primeiro diagnóstico sobre a implementação desta Política foi apresentado
no primeiro produto desta consultoria, da mesma forma que foram também
apresentadas dois instrumentos de avaliação e monitoramento a serem
implementados, respetivamente, pelo próprio Departamento e pelos diferentes
estados, para que estes possam, periodicamente, analisar a qualidade e o
impacto da execução da PNAMPE, ajustando – caso se verifique necessário –
os seus planos estratégicos e de ação para uma maior eficiência, eficácia e
efetividade/impacto desta Política junto desta população. Assim, para
informações sobre as necessidades específicas e propostas de ação relativas à
população feminina em situação de privação de liberdade no Brasil, podem ser
consultados: a própria Política e o referido produto: Diagnóstico sobre a
7
Pode ser traduzido por: Manual para gestores públicos e penitenciários sobre mulheres e aprisionamento.
23
implementação da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de
Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE) e
Indicadores de Avaliação e Monitoramento (DEPEN & PNUD, 2017a).
O UNODC reconhece ainda que existem vários outros subgrupos com
necessidades especiais e, consequentemente, com demandas ainda mais
específicas que exigem, por isso, respostas também elas mais específicas e
modelos de gestão das valências assistenciais próprios. Por esse motivo,
esses subgrupos não estão contemplados neste seu manual e para eles foram
também construídos manuais próprios.
Assim, as diretrizes sobre as respostas adequadas às necessidades dos
privados de liberdade dependentes de drogas, embora estes se enquadrem
dentro da população com transtorno mental (WHO, 2010; APA, 2013), são
abordadas em documentos como: Investing in Drug Abuse Treatment: a
Discussion Paper for Policymakers8 (UNODC, 2003a) e Drug Abuse Treatment
and Rehabilitation: a Practical Planning and Implementation Guide 9 (UNODC,
2003b).
O DEPEN, reconhecendo também a especificidade das demandas desta
população e a complexidade das respostas a implementar no sistema
penitenciário para suprir essas necessidades, contratou uma consultoria
técnica especializada, através de um acordo de cooperação com o Programa
das Nações Unidades para o Desenvolvimento (PNUD) – Projeto BRA/14/011,
realizada entre fevereiro de 2015 e julho de 2016, que previu a produção de
subsídios visando ao fortalecimento das ações de saúde voltadas às pessoas
com dependência química no sistema prisional. Dentre outros produtos
apresentados, foram desenhadas propostas para ações educacionais dirigidas
aos profissionais da saúde que atuam no sistema penitenciário, bem como aos
agentes e gestores penitenciários; foi apresentado um manual de fluxos de
procedimentos para estratégias de tratamento e cuidado aos privados de
liberdade usuários dependentes de drogas; tendo ainda sido apresentada uma
proposta de protocolo clínico e diretrizes terapêuticas com o mesmo fim
(DEPEN, 2015).
8
Pode ser traduzido por: Investir no tratamento do abuso de drogas: um documento de discussão para gestores públicos.
9
Pode ser traduzido por: Abuso de drogas: um guia prático para o planejamento e a implementação de ações de tratamento e
reabilitação.
24
Como referimos, uma outra consultoria versando sobre o tema das
Diversidades no Sistema Penal apresentou a construção de uma base
conceitual, com a fixação de postulados, princípios e diretrizes para o desenho
da Política das Diversidades neste contexto, tendo procedido ainda à
identificação e caracterização dos grupos vulneráveis que por ela devem ser
abrangidos. Sistematiza como esferas de maior vulnerabilidade:
1) Gênero;
2) Orientação sexual;
3) Idade;
4) Doença;
5) Deficiência;
6) Nacionalidade e;
7) Crença religiosa.
25
aos fluxos e procedimentos inerentes ao sistema prisional, afastando-se
demasiado das propostas das Nações Unidas que norteiam o trabalho dos
diferentes países que dela fazem parte e que ratificaram seus tratados neste
âmbito, como é o caso do Brasil.
Para além disso, e considerando que o DEPEN, ao abrigo do mesmo acordo
de cooperação com o Programa das Nações Unidos para o Desenvolvimento
(PNUD) já referido, contratou uma consultoria especializada para a formulação
de um novo modelo de gestão para a política prisional, que contempla a
reformulação dessa mesma gestão, com profunda reestruturação de fluxos e
rotinas, assim como das valências assistências, considerando a especificidade
dos diferentes grupos de privados de liberdade, entende-se que algumas das
categorias propostas têm suas demandas atendidas por este novo modelo.
Exemplo disso é a população de rua, ou a condição de moradia. A menos que
esta população, devido a qualquer uma outra característica que possua, se
enquadre em algum grupo vulnerável – como por exemplo, ser morador de rua
e ter uma deficiência física – a sua condição de morador de rua não exige
qualquer outra atenção específica, decorrente de demandas particulares, para
além das já previstas para a restante população de privados de liberdade –
inclusive as de apoio psicossocial e estratégias de reinserção, considerando a
eventual ausência de vínculos familiares e de uma rede social de pertença que,
habitualmente, caracteriza esta população.
A questão das minorias religiosas não se coloca, a menos que o individuo
pertença a uma minoria étnico-racial. O Brasil tem uma multiplicidade de
religiões considerável que perpassa todas as populações de privados de
liberdade, sem que a crença coloque, por si só, o privado de liberdade em
situação de vulnerabilidade. Além disso, a assistência religiosa provida pelo
sistema penitenciário, e prevista pela Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), é
objeto da proposta de intervenção estabelecida pela consultoria técnica
especializada (contratada ao abrigo do mesmo acordo com o PNUD), para
produção de subsídios voltados ao fortalecimento da Política de Assistência
Social no âmbito do Sistema Prisional, em seu produto Proposta Conceitual
sobre Assistência Religiosa (DEPEN & PNUD, 2017b).
26
A questão da raça deve ser entendida, no caso concreto da identificação de
grupos vulneráveis dentro do sistema penitenciário, como diretamente
relacionada com a etnia: minorias étnico-raciais, tal como estabelecido pela
ONU. Além disso, conforme já aprofundado (ver capítulo IX do II Produto desta
consultoria) os negros não são uma minoria no Brasil, nem no sistema
penitenciário, nem fora dele. Não significando isto que esta população não
necessite de atenção especializada, especialmente considerando o racismo e
preconceito ainda presentes na sociedade Brasileira no seu todo (tanto no
sistema prisional quanto fora dele) e a situação de desfavorecimento
socioeconômico que caracteriza a maioria desta população. Não obstante,
estas especificidades devem ser atendidas pelo modelo de gestão dos
diferentes sistemas penitenciários, tal como proposto, no caso do Brasil, no
referido novo modelo, apresentado no âmbito da, também já referida,
consultoria técnica especializada.
Relativamente às questões da saúde, considera-se que pessoas com
transtorno mental, usuários dependentes de drogas e pessoas com doenças
crônicas ou infectocontagiosas não podem estar inseridas no mesmo grupo,
uma vez que apresentam demandas bastante diferenciadas. Ressalta-se que
os usuários dependentes de drogas se inserem, conforme acima referido, na
categoria de pessoas com transtornos mentais, uma vez que essa
dependência, assim como a do álcool, é considerada um transtorno desta
natureza, conforme classificação da CID–10 e da DSM–5 (WHO, 2010; APA,
2013).
Por outro lado, as doenças crônicas e infectocontagiosas, como a
Tuberculose, as IST, a AIDS e as Hepatites Virais, requerem um tipo de
assistência que, não saindo escopo da assistência à saúde, as enquadram em
mais um dos subgrupos identificados pelas Nações Unidas. Assim, e para o
seu gerenciamento no sistema prisional, as Nações Unidas desenvolveram os
manuais: Policy Brief: Reduction of HIV Transmission in Prisons 10 (UNODC,
WHO, & UNAIDS, 2004); HIV/AIDS Prevention, Care, Treatment and Support
in Prison Settings: A Framework for an Effective National Response 11 (UNODC,
10
Pode ser traduzido por: Informe sobre as políticas para a redução da transmissão do HIV nas prisões.
11
Com tradução para o Português pelos mesmos Escritórios da ONU, em 2007. Ver referencias bibliográficas.
27
WHO, & UNAIDS, 2006); TB/HIV: A Clinical Manual (second edition)12 (WHO,
2004); e ainda o guia: HIV/AIDS in places of detention: a toolkit for
policymakers, programme managers, prison officers and health care providers
in prison settings13 (UNODC, WHO, & UNAIDS, 2008).
No Brasil, a assistência prestada a estes doentes, mesmo quando privados
de liberdade, é assegurada pelo Ministério da Saúde, através do Departamento
de IST, HIV/AIDS e Hepatites Virais e do Programa Nacional de Combate à
Tuberculose.
Caso algum destes agravos evolua para uma doença terminal, estes
pacientes devem ser enquadrados dentro da categoria pessoas com doenças
terminais. Estas sim, devem ser categorizadas como recorte populacional em
situação de vulnerabilidade no sistema penitenciário, não apenas devido às
especificidades clínicas que uma doença terminal demanda, como às
necessidades assistenciais, decorrentes de sua extrema fragilidade física e
psíquica, que estes doentes apresentam, como ainda ao enquadramento penal
em que devem ser enquadradas – assim considerado pelas Nações Unidas
(UNODC, 2009).
As pessoas com medidas de segurança e os agressores sexuais (e aqueles
que se encontram encarcerados devido à prática de violência doméstica ao
abrigo da Lei Maria da Penha) requerem, sobretudo, atenção no que diz
respeito aos fluxos e rotinas, maioritariamente devido aos atos de violência,
abuso e discriminação de que podem ser alvo por parte dos demais privados
de liberdade e mesmo por parte dos agentes penitenciários e demais
profissionais do sistema. Ressalta-se que estes últimos – agressores sexuais e
perpetradores de outro tipo de violência sobre as mulheres – devem ser
enquadrados na categoria de pessoas com transtornos mentais, partilhando,
por isso, das demandas específicas desta população, e devendo receber
suporte a este nível.
Aqueles que pertencem a comunidades tradicionais têm pouca expressividade
no sistema prisional nacional devendo, ainda assim, ser enquadrados na
categorização: minorias étnico-raciais e populações indígenas.
12
Pode ser traduzido por: TB/HIV: um manual (segunda edição).
13
Pode ser traduzido por: HIV/AIDS em locais de detenção: um conjunto de ferramentas para formuladores de políticas públicas,
gestores e agentes penitenciários, gerentes de programa e prestadores de cuidados de saúde no sistema prisional.
28
É excluída a categoria de pessoas condenadas à pena de morte, uma vez
que esta medida não existe no Código Penal Brasileiro.
Desta forma, propõe-se, conforme apresentado no Produto anterior, que o
Departamento Penitenciário Nacional adote, assim como a maioria dos países
pertencentes à ONU, a categorização proposta por esta Organização, não
apenas por ela fazer face às especificidades da realidade Brasileira, mas
também para que o Brasil tenha representatividade internacional – uma vez
que “fala a mesma língua” – neste âmbito. Esta mesma categorização é
seguida no presente Produto.
29
IV. PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS
Regras mínimas das Nações Unidas para o tratamento dos reclusos (UN
ECOSOC, 1955)
22.
(1) Cada estabelecimento penitenciário deve dispor dos serviços de pelo
menos um médico qualificado, que deverá ter alguns conhecimentos de
psiquiatria. Os serviços médicos devem ser organizados em estreita ligação
com a administração geral de saúde da comunidade ou da nação. Devem
incluir um serviço de psiquiatria para o diagnóstico, e em casos específicos, o
tratamento de estados de perturbação mental.
(2) Os reclusos doentes que necessitem de cuidados especializados devem
ser transferidos para estabelecimentos especializados ou para hospitais civis.
Quando o tratamento hospitalar é organizado no estabelecimento prisional este
deve dispor de instalações, material e produtos farmacêuticos que permitam
prestar aos reclusos doentes os cuidados e o tratamento adequados; o pessoal
deve ter uma formação profissional suficiente.
24.
O médico deve examinar cada recluso o mais depressa possível após a sua
admissão no estabelecimento penitenciário e em seguida sempre que
necessário com o objetivo de detectar doenças físicas ou mentais e de tomar
todas as medidas necessárias para o respectivo tratamento; de separar
reclusos suspeitos de serem portadores de doenças infecciosas ou
contagiosas; de detectar as deficiências físicas ou mentais que possam
constituir obstáculos a reinserção dos reclusos e de determinar a capacidade
física para o trabalho de cada recluso.
25.
(1) Ao médico compete vigiar a saúde física e mental dos reclusos. Deve visitar
diariamente todos os reclusos doentes, os que se queixem de doença e todos
aqueles para os quais a sua atenção é especialmente chamada.
30
(2) O médico deve apresentar relatório ao diretor, sempre que julgue que a
saúde física ou mental foi ou será desfavoravelmente afetada pelo
prolongamento ou pela aplicação de qualquer modalidade de regime de
reclusão.
[...]
82.
(1) Os reclusos alienados não devem estar detidos em prisões, devendo ser
tomadas medidas para os transferir para estabelecimentos para doentes
mentais o mais depressa possível.
(2) Os reclusos que sofrem de outras doenças ou anomalias mentais devem
ser examinados e tratados em instituições especializadas sob vigilância
médica.
(3) Durante a sua estada na prisão, tais reclusos serão postos sob especial
supervisão de um médico.
(4) O serviço médico ou psiquiátrico dos estabelecimentos penitenciários deve
proporcionar tratamento psiquiátrico a todos os reclusos que necessitem de tal
tratamento.
83.
É desejável que sejam adotadas disposições, de acordo com os organismos
competentes, para que o tratamento psiquiátrico seja mantido, se necessário,
depois da colocação em liberdade e que uma assistência social pós-
penitenciária de natureza psiquiátrica seja assegurada.
PRINCÍPIO 1
Liberdades fundamentais e direitos básicos
1. Todas as pessoas têm direito à melhor assistência à saúde mental
disponível, que deverá ser parte do sistema de cuidados de saúde e sociais.
31
2. Todas as pessoas acometidas de transtorno mental, ou que estejam sendo
tratadas como tal, deverão ser tratadas com humanidade e respeito à
dignidade inerente à pessoa humana.
3. Todas as pessoas acometidas de transtorno mental, ou que estejam sendo
tratadas como tal, têm direito à proteção contra exploração econômica, sexual,
ou de qualquer outro tipo, contra abusos físicos ou de outra natureza, e
tratamento degradante.
4. Não haverá discriminação sob pretexto de transtorno mental.
“Discriminação” significa qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha
o efeito de anular ou dificultar o desfrute igualitário de direitos. Medidas
especiais com a única finalidade de proteger os direitos ou garantir o
desenvolvimento de pessoas com problemas de saúde mental não serão
consideradas discriminatórias. Discriminação não inclui qualquer distinção,
exclusão ou preferência realizadas de acordo com os provimentos destes
Princípios e necessários à proteção dos direitos humanos de uma pessoa
acometida de transtorno mental ou de outros indivíduos.
5. Toda pessoa acometida de transtorno mental terá o direito de exercer todos
os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais reconhecidos pela
Declaração Universal dos Direitos do Homem; pela Convenção Internacional
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; pela Convenção Internacional de
Direitos Civis e Políticos; e por outros instrumentos relevantes como a
Declaração de Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, e pelo
Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob qualquer
forma de Detenção ou Aprisionamento.
6. Qualquer decisão em que, em razão de um transtorno mental, a pessoa
perca sua capacidade civil, e qualquer decisão em que, em consequência de
tal incapacidade, um representante pessoal tenha que ser designado, somente
poderão ser tomadas após uma audiência equitativa a cargo de um tribunal
independente e imparcial estabelecido pela legislação nacional. A pessoa, cuja
capacidade estiver em pauta, terá o direito de ser representada por um
advogado. Se esta pessoa não puder garantir seu representante legal por
meios próprios, tal representação deverá estar disponível, sem pagamento,
32
enquanto ela não puder dispor de meios para pagá-la. O advogado não
deverá, no mesmo processo, representar um estabelecimento de saúde mental
ou seus funcionários, e não deverá também representar um membro da família
da pessoa cuja capacidade está em pauta, a menos que o tribunal esteja
seguro de que não há conflito de interesses. As decisões com respeito à
capacidade civil e à necessidade de um representante pessoal deverão ser
revistas a intervalos razoáveis, previstos pela legislação nacional. A pessoa,
cuja capacidade estiver em pauta, seu representante pessoal, se houver, e
qualquer outra pessoa interessada, terão o direito de apelar a um tribunal
superior contra essas decisões.
7. Nos casos em que uma corte ou outro tribunal competente concluir que uma
pessoa acometida de transtorno mental está incapacitada para gerir seus
próprios assuntos, devem-se tomar medidas no sentido de garantir a proteção
dos interesses da pessoa, adequadas às suas condições e conforme suas
necessidades.
PRINCÍPIO 9
Tratamento
1. Todo o usuário terá direito a ser tratado no ambiente menos restritivo
possível, com o tratamento menos restritivo ou invasivo, apropriado às suas
necessidades de saúde e à necessidade de proteger a segurança física de
outros.
2. O tratamento e os cuidados dados a cada usuário serão baseados em um
plano prescrito individualmente, discutido com ele, revisto regularmente,
modificado quando necessário e administrado por pessoal profissional
qualificado.
3. A assistência à saúde mental será sempre oferecida de acordo com padrões
éticos aplicáveis aos profissionais de saúde mental, inclusive padrões
internacionalmente aceites, com os Princípios de Ética Médica adotados pela
Assembleia Geral das Nações Unidas. Jamais se cometerão abusos com os
conhecimentos e práticas de saúde mental.
33
4. O tratamento de cada usuário deverá estar direcionado no sentido de
preservar e aumentar sua autonomia pessoal.
PRINCÍPIO 20
Dos infratores da lei
1. Este Princípio se aplica a pessoas cumprindo sentenças de prisão por
crimes, ou que estejam detidas no curso de investigações ou processos penais
contra elas, e nas quais tenha sido determinada a presença de transtorno
mental, ou a possibilidade de sua existência.
2. Essas pessoas devem receber a melhor assistência à saúde mental
disponível, como determinado no Princípio 1. Estes Princípios serão aplicados
a elas na maior extensão possível, com modificações e exceções limitadas
apenas por necessidades circunstanciais. Nenhuma dessas modificações e
exceções deverá prejudicar os direitos da pessoa no que diz respeito aos
instrumentos mencionados no parágrafo 5 do Princípio 1.
3. A legislação nacional poderá autorizar um tribunal ou outra autoridade
competente a determinar, baseando-se em opinião médica competente e
independente, que tais pessoas sejam admitidas em um estabelecimento de
saúde mental.
4. O tratamento de pessoas nas quais se tenha determinado a presença de um
transtorno mental deverá, em todas as circunstâncias, ser consistente com o
Princípio 11 desta resolução [que estabelece a obrigatoriedade do
consentimento para o tratamento].
Artigo 12º
Reconhecimento igual perante a lei
34
1 - Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito
ao reconhecimento perante a lei da sua personalidade jurídica em qualquer
lugar.
2 - Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiência têm
capacidade jurídica, em condições de igualdade com as outras, em todos os
aspectos da vida.
3 - Os Estados Partes tomam medidas apropriadas para providenciar acesso
às pessoas com deficiência ao apoio que possam necessitar no exercício da
sua capacidade jurídica.
4 - Os Estados Partes asseguram que todas as medidas que se relacionem
com o exercício da capacidade jurídica forneçam as garantias apropriadas e
efetivas para prevenir o abuso de patrimacordo com o direito internacional dos
direitos humanos. Tais garantias asseguram que as medidas relacionadas com
o exercício da capacidade jurídica em relação aos direitos, vontade e
preferências da pessoa estão isentas de conflitos de interesse e influências
indevidas, são proporcionais e adaptadas às circunstâncias da pessoa,
aplicam-se no período de tempo mais curto possível e estão sujeitas a um
controlo periódico de uma autoridade ou órgão judicial competente,
independente e imparcial. As garantias são proporcionais ao grau em que tais
medidas afetam os direitos e interesses da pessoa.
Artigo 25º
Saúde
Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiência têm direito ao
gozo do melhor estado de saúde possível sem discriminação com base na
deficiência. Os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para
garantir o acesso das pessoas com deficiência aos serviços de saúde que
tenham em conta as especificidades do gênero, incluindo a reabilitação
relacionada com a saúde. Os Estados Partes devem, nomeadamente:
a) Providenciar às pessoas com deficiência a mesma gama, qualidade e
padrão de serviços e programas de saúde gratuitos ou a preços acessíveis
iguais aos prestados às demais, incluindo na área da saúde sexual e
reprodutiva e programas de saúde pública dirigidos à população em geral;
35
b) Providenciar os serviços de saúde necessários às pessoas com deficiência
(incluindo crianças e idosos), especialmente devido e esta, incluindo a
detecção e intervenção atempada, sempre que apropriado, e os serviços
destinados a minimizar e prevenir outras deficiências;
c) Providenciar os referidos cuidados de saúde tão próximo quanto possível
das suas comunidades, incluindo nas áreas rurais;
d) Exigir aos profissionais de saúde a prestação de cuidados às pessoas com
deficiência com a mesma qualidade dos dispensados às demais, com base no
consentimento livre e informado, inter alia, da sensibilização para os direitos
humanos, dignidade, autonomia e necessidades das pessoas com deficiência
através da formação e promulgação de normas deontológicas para o setor
público e privado da saúde;
e) Proibir a discriminação das pessoas com deficiência na obtenção de
seguros de saúde e seguros de vida, sempre que esses seguros sejam
permitidos pelo Direito interno, os quais devem ser disponibilizados de forma
justa e razoável;
f) Prevenir a recusa discriminatória de cuidados ou serviços de saúde ou
alimentação e líquidos, com base na deficiência.
36
Art. 2º
É considerada beneficiária do serviço consignado nesta norma a pessoa que,
presumidamente ou comprovadamente, apresente transtorno mental e que
esteja em conflito com a Lei, sob as seguintes condições: com inquérito policial
em curso, sob custódia da justiça criminal ou em liberdade; ou, com processo
criminal, e em cumprimento de pena privativa de liberdade ou prisão provisória
ou respondendo em liberdade, e que tenha o incidente de insanidade mental
instaurado; ou em cumprimento de medida de segurança; ou sob liberação
condicional da medida de segurança; ou, com medida de segurança extinta e
necessidade expressa pela justiça criminal ou pelo SUS de garantia de
sustentabilidade do projeto terapêutico singular.
Art. 3º
O Grupo Condutor Estadual, consignado na Portaria Interministerial nº
1/MS/MJ, de 2 de janeiro de 2014 que institui a PNAISP, deverá elaborar uma
estratégia estadual para atenção à pessoa com transtorno mental em conflito
com a Lei, e contribuir para a sua implementação.
Art. 4º
As EAP têm por objetivo apoiar ações e serviços para atenção à pessoa com
transtorno mental em conflito com a Lei na Rede de Atenção à Saúde (RAS), e
terá as seguintes atribuições:
I - Realizar avaliações biopsicossociais e apresentar proposições
fundamentadas na Lei 10.216 de 2001 e nos princípios da PNAISP,
orientando, sobretudo, a adoção de medidas terapêuticas, preferencialmente
de base comunitária, a serem implementadas segundo um Projeto
Terapêutico Singular (PTS);
II - Identificar programas e serviços do SUS e do SUAS e de direitos de
cidadania, necessários para a atenção à pessoa com transtorno mental em
conflito com a Lei e para a garantia da efetividade do PTS;
III - Estabelecer processos de comunicação com gestores e equipes de
serviços do SUS e do SUAS e de direitos de cidadania e estabelecer
dispositivos de gestão que viabilizem acesso e corresponsabilização pelos
cuidados da pessoa com transtorno mental em conflito com a Lei;
37
IV - Contribuir para a ampliação do acesso aos serviços e ações de saúde,
pelo beneficiário, em consonância com a justiça criminal, observando a
regulação do sistema;
V - Acompanhar a execução da medida terapêutica, atuando como
dispositivo conector entre os órgãos de Justiça, as equipes da PNAISP e
programas e serviços sociais e de direitos de cidadania, garantindo a oferta
de acompanhamento integral, resolutivo e contínuo;
VI - Apoiar a capacitação dos profissionais da saúde, da justiça e programas
e serviços sociais e de direitos de cidadania para orientação acerca de
diretrizes, conceitos e métodos para atenção à pessoa com transtorno
mental em conflito com a Lei; e
VII - Contribuir para a realização da desinternação progressiva de pessoas
que cumprem medida de segurança em instituições penais ou hospitalares,
articulando-se às equipes da PNAISP, quando houver, e apoiando-se em
dispositivos das redes de atenção à saúde, assistência social e demais
programas e serviços de direitos de cidadania (Brasil, 2014).
38
em situação de rua e das pessoas com transtorno mental, como um primeiro
passo para reduzir o desnecessário, muitas vezes injusto e quase sempre
prejudicial encarceramento de pessoas com transtorno mental, aliviando assim
a pressão sobre os escassos recursos dos serviços de saúde do sistema
penitenciário (EP, 2017).
Segundo o UNODC (2015), a tensão entre a necessidade de segurança e os
requisitos de cuidados de saúde mental dos infratores precisa ser examinada e
uma compreensão e política compartilhadas, com a legislação correspondente,
pelos formuladores de políticas dos setores de saúde e justiça. As políticas de
condenação punitiva, que levam à crescente prisão de grupos desfavorecidos,
como os infratores com transtorno mental, para reincidências não violentas,
precisam ser reavaliados para reverter o aumento dramático de infratores
portadores de transtorno mental em instituições que não foram projetadas para
atender às necessidades de reintegração social desse grupo vulnerável.
As políticas e estratégias de saúde pública devem incluir as necessidades
dos privados de liberdade e um financiamento adequado deve ser fornecido
aos serviços de saúde das unidades prisionais para que estas possam atender
às necessidades destas pessoas.
Os serviços penitenciários e de saúde comunitária devem trabalhar em
cooperação e de forma integrada, na medida do possível, a fim de melhorar as
perspectivas de equidade ao nível dos cuidados nas unidades prisionais e a
continuidade destes tanto dentro do sistema prisional, quanto na comunidade
após o cumprimento de pena (WHO, 2003, 2011).
Legislação adequada ao nível da saúde mental precisa ser adotada por
forma a proteger os direitos das pessoas com transtornos mentais, inclusive
daquelas que se encontram em situação de privação de liberdade. O
desenvolvimento de disposições legais que atendam às demandas específicas
dos privados de liberdade com transtorno mental é um primeiro passo para
garantir que seus direitos sejam protegidos, incluindo o direito a um tratamento
e cuidados de saúde de qualidade. Em consequência, são maiores as
probabilidades de outros direitos fundamentais, quer sejam o direito à
confidencialidade, à proteção contra a discriminação e a violência, e à proteção
39
contra as várias formas de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e
degradantes, serem respeitados (WHO & ICRC, 2005).
A legislação deve ainda garantir que, ao nível processual dentro do sistema
de justiça criminal, as pessoas com transtorno mental têm direitos equivalentes
aos concedidos aos demais.
Em acréscimo, os regimes de inspeção e monitoramento que existem na
comunidade devem ser aplicados aos serviços de saúde do sistema
penitenciário, incluindo aos serviços de saúde mental (WHO & ICRC, 2005).
No Brasil, deve cumprir-se o estabelecido pela portaria 94, de 14 de janeiro
de 2014, que institui o serviço de avaliação e acompanhamento das medidas
terapêuticas aplicáveis à pessoa com transtorno mental em conflito com a Lei,
no âmbito do Sistema Único de Saúde, conforme exposto no ponto anterior
(4.4.).14
14
Para mais informações sobre a execução da mesma pode consultar-se a cartilha do Ministério da Saúde (Brasil, 2014b) sobre esse
Serviço. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/eap.pdf.
15
Referimo-nos aos Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e a Melhoria da Assistência à Saúde
Mental (UN, 1991), citados no início deste capítulo.
40
Assim, e sempre que possível, as pessoas com transtornos mentais devem
ser desviadas do sistema de justiça criminal 16 logo no primeiro contato com as
forças policiais e, caso isto não tenha acontecido, o mais brevemente possível
após inicio do processo de justiça criminal – quer seja durante a prisão
provisória, acusação, julgamento ou cumprimento de pena. Os tribunais devem
ter acesso a informações sobre questões de saúde mental em geral e sobre as
necessidades de cuidados de saúde mental dos indiciados/réus, em particular,
para tomar as decisões adequadas e apropriadas o mais precocemente
possível. Essas informações devem ser fornecidas por profissionais de saúde
mental que devem também levar a cabo um processo de triagem e avaliação
destas pessoas imediatamente após a sua entrada no sistema de justiça
criminal.
A falta de serviços públicos de saúde mental por si só nunca deve ser usada
para justificar o encarceramento de pessoas com transtornos mentais,
devendo, inclusive, ser terminantemente proibida por lei (WHO & ICRC, 2005).
A aplicação de medidas alternativas pode exigir a introdução de nova
legislação e de novos procedimentos de atuação, bem como a capacitação dos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei, por forma a que estes possam
reconhecer as demandas específicas das pessoas com transtornos mentais e
possam buscar a assistência de que estas necessitam, logo no primeiro ponto
de contato com o sistema de justiça criminal .
As medidas alternativas à privação de liberdade devem ser também
introduzidas para aqueles que, portadores de transtornos mentais, cometeram
delitos ou crimes mais graves. Essas medidas e sentenças devem incluir
cuidados médicos abrangentes em instalações hospitalares com supervisão
adequada. Em geral, é preferível que estas pessoas, mesmo representando um
perigo para a segurança pública, recebam tratamento médico em instalações
hospitalares seguras, em vez de cumprirem sentenças de privação de
liberdade no sistema penitenciário, situação que contribuirá para a degradação
da sua condição médica.17
16
Conforme estabelecido pela alínea (1) da regra 82 das Regras mínimas das Nações Unidas para o tratamento dos Reclusos (UN
ECOSOC, 1955).
17
Para obter mais orientações sobre o desenvolvimento de legislação apropriada, incluindo a provisão de medidas alternativas à
privação de liberdade para as pessoas com transtornos mentais, pode consultar-se o manual da Organização Mundial de Saúde:
Manual de Recursos sobre Saúde Mental, Direitos Humanos e Legislação, (WHO, 2005); os Manuais do UNODC sobre Princípios
41
4.3.3. Administração Prisional
42
com a sua categoria de risco, realizada na porta de entrada do
sistema.
As questões relativas ao recrutamento e à formação de pessoal que
potenciem a criação e manutenção de uma atmosfera positiva nas
unidades prisionais devem também ser elementos-chave no
desenho das políticas de saúde mental, visando evitar que as
condições médicas destes privados de liberdade se deteriorem
(UNODC, 2009).
b) Gerenciamento do tratamento dos privados de liberdade com
necessidades de cuidados ao nível da saúde mental: O
atendimento e cuidados prestados aos privados de liberdade com
transtorno mental devem ser entendidos como algo mais do que
apenas um atendimento decorrente de um problema de saúde e
devem ser elementos essenciais no desenho das estratégias gerais
de gestão, desenvolvidas pela administração central do sistema
penitenciário nacional. Melhorar a cooperação e articulação com os
serviços comunitários de cuidados ao nível da saúde mental,
assegurar a equidade desses cuidados e a continuidade do
tratamento, deve ser um dos principais objetivos das estratégias de
gestão (UNODC, 2006, 2009).
Segundo o UNODC (2009) é recomendável a nomeação de um
consultor de políticas e estratégias ao nível da saúde mental que
atue ao nível do governo central de cada nação, mas de forma
articulada com as administrações prisionais descentralizadas. E,
onde os recursos financeiros o permitam, devem ser estabelecidas
equipes interdisciplinares de saúde mental em cada unidade
prisional, ou, em alternativa, nomeados coordenadores de saúde
mental que trabalhem junto das equipes médicas da comunidade e
do sistema, por forma a promover a articulação e cooperação entre
os serviços e assegurar que as necessidades complexas destes
privados de liberdade são atendidas, quer no período de
cumprimento de pena, quer após a sua libertação.
43
c) Sensibilização: quer os funcionários das unidades prisionais, quer
os privados de liberdade, quer ainda suas famílias, devem receber
informações e material educativo que lhes permita uma maior
conscientização sobre as questões relacionadas aos transtornos
mentais. Desta forma, não só aumentam seus conhecimentos sobre
a problemática, consequências da situação de privação de
liberdade e estratégias de prevenção, como são informados sobre
onde procurar ajuda e, em consequência desta maior
conscientização, reduzem-se também o estigma e a discriminação
associados a estes transtornos (WHO & ICRC, 2005).
d) Cuidados de saúde mental específicos de gênero: políticas e
estratégias ligadas aos serviços de saúde mental com recorte de
gênero precisam ser desenvolvidas para mulheres privadas de
liberdade, considerando suas diferentes necessidades específicas
de cuidados a este nível.18
e) Monitoramento e avaliação: a inspeção independente das
instalações penitenciárias, incluindo seus serviços de saúde, é
essencial, devendo ser complementada por ações de
monitoramento e avaliação internas. Devem ser desenvolvidos
padrões mensuráveis para monitorar e avaliar os resultados das
estratégias e práticas de cuidados ao nível da saúde mental nas
unidades prisionais. A coleta de dados e avaliação das ações
devem ser elementos integrais das políticas de gerenciamento,
permitindo a melhoria da qualidade e adequação das estratégias de
ação e de sua implementação.
a) Profissionais de saúde
18
Conforme referido no início do documento, as mulheres, devido à abrangência de suas demandas, não são consideradas neste
Produto, embora sejam um grupo vulnerável no Sistema Penal. Por este motivo o DEPEN estabeleceu uma política específica para
esta população amplamente abordada no Primeiro Produto desta consultoria – Diagnóstico sobre a implementação da Política
Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE) e
Indicadores de Avaliação e Monitoramento (DEPEN & PNUD, 2017a). Ao nível das recomendações internacionais, e para mais
informações, pode ser consultado o Manual do UNODC (2008): Handbook for Prison Managers and Policymakers on Women and
Imprisonment.
44
Proporcionar cuidados de saúde mental adequados exige que se tenham em
conta inúmeros fatores (como ambientais, psicossociais, médicos etc.) e que se
adote uma abordagem de intervenção multidisciplinar. Segundo a Organização
Mundial de Saúde e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (2005), a tarefa
é particularmente desafiadora nas unidades prisionais, devido à falta de
condições ou precariedade das mesmas, como a superlotação, a falta de
recursos humanos e financeiros e a elevada incidência de transtornos mentais
e comorbidades psiquiátricas observadas entre a população de privados de
liberdade.
Assim, as administrações penitenciárias precisam garantir que cada unidade
prisional tenha um número adequado de profissionais de saúde especializado
na identificação e gerenciamento de transtornos mentais, sendo que estes
profissionais de saúde precisam de apoio e capacitação do Estado (Ministérios
da Justiça e da Saúde), para que possam cumprir suas responsabilidades
efetiva e eficazmente. As administrações penitenciárias devem ainda garantir
que a especialização e conhecimentos destes profissionais não sejam dirigidos
e desviados para outras tarefas e fornecer-lhes o suporte auxiliar apropriado de
que necessitem.
Não obstante, a verdade é que o número de médicos e psicólogos
qualificados que estão dispostos e preparados para trabalhar nas unidades
prisionais é, geralmente, escasso. Assim, as dificuldades no recrutamento
destes profissionais devem ser abordadas e supridas pelos Ministérios
envolvidos, garantindo que as condições de trabalho de tais funcionários
sejam, pelo menos, não menos atraentes do que as proporcionadas às equipes
médicas qualificadas que trabalham em unidades de saúde das comunidades.
Em acréscimo, estas equipes devem ter acesso a treinamento em serviço e
diferentes oportunidades para aumentar suas qualificações e receber, pelo
menos, os mesmos salários que colegas que trabalham fora do sistema. Caso
os recursos financeiros o permitam, podem e devem ser concedidos benefícios
adicionais para estas equipes, considerados os desafios específicos envolvidos
no trabalho em um ambiente prisional.
45
Em contextos onde os recursos são limitados, e como alternativa ao
recrutamento de pessoal especializado, pode garantir-se o atendimento ao
nível da saúde mental nas unidades prisionais com a presença regular de
serviços de saúde especializados de unidades de saúde da comunidade. Estas
equipes, ao mesmo tempo que gerenciam e prestam cuidados aos privados de
liberdade que deles necessitam, podem ainda apoiar e treinar as equipes das
unidades prisionais. Este tipo de cooperação contribui ainda para facilitar a
continuidade dos cuidados, tanto para aqueles que se encontram a cumprir
pena quanto para que os que, tendo progredido de regime, se encontram na
condição de pré-egresso e egresso.
O apoio prestado a privados de liberdade com transtornos mentais pode
ainda ser complementado pelo aconselhamento, individual ou em grupo,
ministrado pelo grupo de pares. Esse tipo de apoio mostra-se crucial,
especialmente em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, onde a
probabilidade de haver uma elevada escassez de profissionais de saúde
qualificados para atendimento destes pacientes é maior (ver também o ponto
4.4.6. deste capítulo).
46
Assim, os profissionais das unidades prisionais têm um papel fundamental a
desempenhar nesse processo, devendo, por isso, ser-lhes facultada
capacitação e treinamento sobre as questões básicas que permeiam a área da
saúde mental, por forma a aumentar seus conhecimentos, melhorar sua
compreensão, aumentar a conscientização sobre direitos humanos, quebrar
atitudes de discriminação e encorajar a promoção da saúde mental, tanto para
os profissionais, quanto para os privados de liberdade (WHO & ICRC, 2005)
(ver também o ponto 4.3.6. abaixo).
47
necessidades de cuidados ao nível de sua saúde mental, devem, portanto, ser
alojados em um ambiente que potencie sua saúde mental e não em um
ambiente que a deteriore.
Deve ser realizada uma avaliação cuidadosa dos riscos que cada um dos
privados de liberdade representa, por forma a garantir que os que sofrem de
algum transtorno mental não sofram qualquer tipo de abuso e violência por
parte de outros privados de liberdade.
Como regra, os privados de liberdade com transtornos mentais devem ser
alocados em unidades em que possam ser supervisionados por um médico.
Há relatórios frequentes, relativos a vários países, sobre a existência de
unidades de segregação administrativa usados para alojar presos com
transtornos mentais por longos períodos, aparentemente para sua própria
proteção. Esta prática é inaceitável, uma vez que o isolamento prolongado é
extremamente prejudicial para o bem-estar psíquico, especialmente para
aqueles que já sofrem de algum transtorno mental.19
Nos casos em que os privados de liberdade necessitam de cuidados mais
intensivos, estes devem, de preferência, ser transferidos, ainda que
temporariamente, para alas psiquiátricas de hospitais gerais com níveis de
segurança adequados (UNODC, 2007).
a) Triagem
Todos os privados de liberdade devem, conforme já referido, ser submetidos a
uma avaliação e exames médicos na porta de entrada do sistema prisional. O
rastreio deve incluir a presença e avaliação de eventuais transtornos mentais, o
risco de suicídio e o uso abusivo de substâncias, devendo ser realizado por
profissionais médicos qualificados (conforme a Regra 24 das Regras Mínimas
das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, UN ECOSOC, 1955).
Caso se verifique a existência de comorbidades psiquiátricas, como por
exemplo um outro transtorno associado ao uso abusivo de substâncias, deve
19
Veja-se a “Declaração de Istambul sobre o uso e os efeitos do isolamento", adotada em 9 de dezembro de 2007 no Simpósio
Internacional sobre Traumatismo Psicológico, em Istambul, que exige a proibição absoluta do isolamento no caso de privados de
liberdade com transtornos mentais. Disponível em: http://www.solitaryconfinement.org/istanbul.
48
realizar-se uma avaliação aprofundada de ambos os distúrbios. Informações
sobre a interação de dois transtornos psíquicos são fundamentais para que
possa ser desenhado o projeto terapêutico singular adequado.
O diagnóstico precoce de qualquer transtorno mental e a provisão de
tratamento oportuno e adequado são vitais para reduzir a degradação das
condições de saúde e/ou a possibilidade de surgimento de novos quadros
clínicos (SAMSHA, 2003; Shaw, Appleby & Baker, 2003).
b) Tratamento
Os cuidados de saúde mental nas unidades prisionais devem estar em
consonância com os princípios de tratamento existentes na comunidade e com
a legislação nacional e internacional relativa ao tratamento ao nível da saúde
mental. As estratégias de tratamento precisam também considerar desafios
específicos relacionados aos cuidados em ambiente prisional que geralmente
se prendem com a falta de condições estruturais e com o deficit de recursos
humanos e financeiros:
i. Promoção, prevenção e intervenção precoce no âmbito da saúde
mental: a promoção de condições de saúde deve constituir um princípio
e componente essenciais no desenho das políticas de saúde do sistema
prisional. Sempre que necessário, o acesso ao aconselhamento e a
terapias de apoio devem ser disponibilizados o mais rapidamente
possível após a detecção do problema e desde o momento da prisão
provisória.
ii. Equidade: os cuidados de saúde prestados aos privados de liberdade
devem ser de um nível equivalente aos disponíveis na comunidade. Não
deve haver discriminação baseada em sua condição legal e de saúde,
sexo, orientação sexual, etnia, raça, idioma, religião, nacionalidade ou
outro qualquer estatuto ou condição. Por outro lado, o tratamento deve
considerar as diferentes características individuais, quer sejam o sexo
ou a cultura, por exemplo (segundo o Princípio 7.3. dos Princípios para a
Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental, UN, 1991; e do
Art. 25.º da CRPD, UN, 2006).
49
iii. Confidencialidade: tal como acontece com todos os prestadores de
cuidados de saúde, quer sejam da comunidade, quer sejam do sistema
penitenciário, os profissionais de saúde mental devem respeitar os
princípios de confidencialidade no que diz respeito à informação médica
(de acordo com os Princípios 6 e 11 dos Princípios para a Proteção de
Pessoas Acometidas de Transtorno Mental, UN, 1991). A
confidencialidade engloba a não divulgação do pedido de acesso à
consulta de saúde mental, o conteúdo da mesma, assim como o
conteúdo dos registros médicos. Durante a consulta, e nos casos em
que o médico especialista expressamente solicita a presença de um
agente penitenciário, devido a preocupações de segurança justificadas,
a consulta deve decorrer à vista, mas fora alcance auditivo do agente.
Os procedimentos estritos relativos à confidencialidade dos registros
médicos devem ser implementados e executados sempre, sem exceção,
desde o início da admissão de cada privado de liberdade na unidade
prisional (WHO, 2001).
iv. Acesso a consultas com profissionais especializados em saúde mental:
os privados de liberdade com transtornos mentais devem ter acesso
facilitado a especialistas em saúde mental de acordo com os princípios
válidos para todos os cuidados de saúde em unidades prisionais. O
direito à confidencialidade e o direito ao acesso imediato à equipe
médica significam que a estes privados de liberdade nunca deve ser
exigido o preenchimentos de requisições escritas para este fim (Coyle,
2002).
v. Consentimento informado e informações sobre as opções de tratamento:
Os privados de liberdade com transtornos mentais devem receber
informações completas sobre as opções de tratamento, riscos e
resultados esperados e devem participar no planejamento do seu projeto
terapêutico singular, bem como em qualquer outra tomada de decisões.
Nenhum tratamento deve ser realizado sem o consentimento informado
do paciente (conforme o Art. 25.º alínea d) da CRPD, UN, 2006).20
20
Veja-se abaixo a alínea 4.5.6. D., para os casos excepcionais em que o tratamento sem consentimento informado é possível.
50
vi. Tratamento individualizado e interdisciplinar: os planos de tratamentos
devem ser individualizados e interdisciplinares, incluindo uma
combinação equilibrada entre programas médicos (nos casos em que se
fizerem necessários), psicossociais, e outros programas de apoio
apropriados para cada um dos privados de liberdade com transtornos
mentais. A dependência exclusiva da medicação para gerir sintomas
deve ser evitada. Para os egressos, o plano individual de tratamento
deve também ter em conta a necessidade de continuidade dos
cuidados, exigindo por isso a articulação com os serviços comunitários
relevantes na área da saúde mental (segundo o Princípio 9.2. dos
Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno
Mental, UN, 1991).
vii. Consciência sobre as situações e períodos de maior risco: as
administrações penitenciárias, os profissionais de saúde e os demais
funcionários das unidades prisionais devem estar cientes das situações
e momentos em que os privados de liberdade podem estar em risco de
experienciar sentimentos mais intensos de angústia e ansiedade, como
é o caso da primeira noite na unidade, as primeiras semanas de
privação de liberdade e, em alguns casos, os períodos que antecedem a
liberdade quando os vínculos com a família e sociedade foram
quebrados. Deve, nestas circunstâncias, ser garantido o apoio
adequado provido por profissionais qualificados (ver também a seção
4.5.6. C abaixo).
viii. Cooperação com prestadores de cuidados de saúde comunitários e
organizações da sociedade civil: a colaboração entre os serviços
penitenciários de saúde e as organizações da sociedade civil deve ser
um componente integral da assistência médica prestada no sistema
prisional. As visitas regulares de especialistas e de outros profissionais
dos serviços comunitários de cuidados de saúde mental às unidades
prisionais são essenciais, na grande maioria dos sistemas penitenciários
em todo o mundo, para garantir que os privados de liberdade têm
acesso a cuidados de saúde adequados equivalentes aos que existem
51
na comunidade. Aqueles que exigem cuidados especializados mais
específicos devem ser encaminhados para serviços de saúde mental
especializados da comunidade (UNODC, 2007; WHO, 2007).
ix. Grupos de apoio e aconselhamento entre pares: pode considerar-se a
implementação de grupos de apoio desta natureza para suporte aos
privados de liberdade com transtornos mentais, desde que os privados
de liberdade que conduzem os grupos sejam devidamente treinados,
por forma a complementar os cuidados de saúde profissionais prestados
pelos serviços de saúde das unidade prisionais e da comunidade. Essa
estratégia pode ajudar a suprir algumas dificuldades, sobretudo as
relacionadas com os recursos financeiros e com o recrutamento de
pessoal qualificado, bem como a proporcionar ao grupo selecionado de
privados de liberdade que conduz estes grupos de apoio uma atividade
que pode ser parte integrante de seu treinamento profissional e de
ações de reintegração social (UNODC, 2007; WHO, 2007).
Boas Práticas
Países Baixos: protocolos especiais para a prevenção do suicídio
52
Na Holanda e em vários outros países, foram desenvolvidos protocolos
específicos para todos os membros das equipes do sistema penitenciário, em
especial para os agentes, sobre como prevenir suicídios e como lidar com
situações de cuidados após a tentativa de suicídio ou o suicídio de algum
privado de liberdade.
Esta política concentra-se na atenção que deve ser dada no período que
antecede uma eventual tentativa de suicídio para sua prevenção; no período
em torno de um incidente suicida; e no período após o incidente, apontando
ações a desenvolver consideradas as situações e condições específicas dos
agentes, dos privados de liberdade e das famílias. Esta política integra a
estrutura de gestão, comunicação e educação do sistema penitenciário,
fazendo por isso parte do processo de formação e capacitação de todos os
agentes penitenciários (UNODC, 2007).
53
específica para alocação dos privados de liberdade durante as
primeiras 48 horas de privação de liberdade ajuda a prevenir o suicídio
entre esta população (The Howard League for Penal Reform, 2006).
– Acolhimento:
A Organização Mundial de Saúde recomenda que sejam executadas
ações de acolhimento aos novos privados de liberdade para que lhes
seja dado apoio neste momento de maior angústia e lhes seja
apresentado o funcionamento da unidade prisional, otimizando sua
capacidade para lidar com a situação de privação de liberdade (WHO,
2007).
– Programas complementares de apoio:
É também favorável a implementação de outros meios de suporte que
podem incluir grupos de apoio conduzidos por outros privados de
liberdade devidamente capacitados, não só para prestar suporte afetivo,
como também para monitorar o sofrimento dos pares, em momentos
críticos, como por exemplo, após a admissão na unidade prisional
(McArthur, et al., 1999).
Boas Práticas
Austrália: apoio de pares para prevenir o suicídio e os comportamentos
de automutilação
No Estabelecimento Prisional Monte Gambier, no Sul da Austrália, um grupo
de privados de liberdade especialmente treinado está de plantão 24 horas por
dia para ouvir e prestar apoio a outros privados de liberdade que se encontrem
psiquicamente mais fragilizados (McArthur, et al., 1999).
54
é consistente com os princípios fundamentais do Direito Internacional relativo à
defesa dos direitos humanos e dos princípios da ética médica. Mas esta
disposição básica dos Princípios está sujeita a exceções e qualificações (Hunt,
2005) que são frequentemente usadas de forma abusiva e, portanto, são cada
vez mais questionadas. Neste contexto, o Relator Especial das Nações Unidas
observou que "[...] as decisões para executar um tratamento sem o
consentimento informado do paciente são, geralmente, conduzidas e
justificadas por argumentos e considerações inadequados. Por exemplo, estas
decisões têm lugar, com frequência, num contexto de ignorância ou estigma
envolvendo transtornos e deficiências mentais, ou por conveniência ou
indiferença por parte das equipes que as tomam. Tal é intrinsecamente
incompatível com o direito à saúde, a proibição de discriminação em razão do
transtorno mental e outras disposições dos Princípios para a Proteção de
Pessoas Acometidas de Transtorno Mental. Nestas circunstâncias, é
especialmente importante que as salvaguardas processuais que protegem o
direito ao consentimento informado sejam estanques e aplicadas de forma
estrita." (Hunt, 2005).
55
pessoas. É ainda fundamental que seja promovido o contato regular com
familiares e amigos, quer através das visitas destes às unidades prisionais,
quer através de licenças de saídas temporárias, caso seja adequado.
Inúmeros resultados de investigações científicas apontam a inatividade
prolongada e o isolamento como fatores que não apenas potenciam os
transtornos mentais existentes, como têm também um efeito negativo nos
resultados do tratamento (UNODC, 2006, 2007, 2009, 2012).
4.3.8. Segurança
a) Supervisão
Os privados de liberdade com transtornos mentais têm necessidades
específicas relativas à proteção, tanto de si mesmos como de outros. Portanto,
a alocação cuidadosa e a supervisão contínua são essenciais para garantir a
segurança destes privados de liberdade. Esta supervisão efetiva requer, como
adiante veremos, recurso a um número suficiente de pessoal adequadamente
capacitado.
b) Medidas disciplinares
Os privados de liberdade com transtornos mentais são mais propensos a
desrespeitar as regras penitenciárias que os outros privados de liberdade,
geralmente devido a razões decorrentes de sua condição. Desta forma, alocar
estes privados de liberdade em unidades de isolamento por forma a puni-los
por seu comportamento não constitui uma medida dissuasora, podendo mesmo
piorar drasticamente a sua condição e saúde mental. Assim, necessitam ser
desenvolvidas estratégias para reduzir ou eliminar o recurso a este tipo de
medidas ou quaisquer outras potencialmente nocivas, enfatizando as
abordagens preventivas.
O desenho de medidas disciplinares específicas para os privados de
liberdade com transtornos mentais é urgente em quase todos os sistemas
penitenciários do mundo. Critérios diferentes dos usados para a restante
população de privados de liberdade devem ser desenvolvidos, levando em
56
consideração as necessidades de tratamento e de reintegração social destes
privados de liberdade.
O isolamento disciplinar deve ser usado como último recurso e pelo menor
período de tempo possível, conforme estabelecido pela Declaração de Istambul
(2007).
Quando os privados de liberdade com transtorno mental violam as regras
das unidades prisionais, as equipes de saúde mental devem ser consultadas
quanto às medidas a adotar, uma vez que são elas que têm conhecimentos
aprofundados sobre o funcionamento psíquico destes privados de liberdade e
podem determinar em que medida sua condição de doente interfere em seu
entendimento da realidade.21
Além do papel de consultor nesta matéria, as equipes de saúde, incluindo as
de saúde mental, devem ter acesso regular aos privados de liberdade em
cumprimento de medidas disciplinares, mesmo tratando-se da medida de
isolamento, para monitorar suas condições de saúde física e mental,
providenciar o tratamento necessário e garantir que as medidas aplicadas
sejam suspensas caso se mostre necessário (Regra 33, das Regras Mínimas
para o Tratamento dos Reclusos, UN ECOSOC, 1955).
Pode haver, no entanto, situações em que estes privados de liberdade
constituem um perigo para si e/ou para os outros. Nessas circunstâncias pode
ser necessário colocar em prática alguma forma de restrição física, devendo
esta ser aplicada exclusivamente sob supervisão médica (Princípio 11.11. dos
Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e a
Melhoria da Assistência à Saúde Mental, UN, 1991).
21
Deve atender-se, no entanto, ao Principio 4 dos Princípios da Ética Médica das Nações Unidas (UN, 1982), que impedem os
médicos de se envolver nas decisões de imposição de punições disciplinares, uma vez que os obriga a proteger os privados de
liberdade contra todas as formas de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Em acréscimo pode
prejudicar sua relação com os pacientes, que deve basear-se na confiança mútua. O papel dos médicos deve limitar-se ao
aconselhamento das administrações penitenciárias em relação às necessidades decorrentes dos transtornos mentais e cuidados de
saúde dos privados de liberdade.
57
prestada por representantes legais, defensores públicos/advogados e/ou
médicos (considerado neste caso o exposto na nota de rodapé 21).
As administrações penitenciárias precisam também garantir que estes
privados de liberdade tenham igual acesso aos procedimentos de denúncia.
Caso apresentem dificuldades na execução destes procedimentos, devido aos
seus transtornos mentais, deve-lhes ser também providenciada assistência
adequada, através de representantes legais caso necessário, inclusive
advogados/defensores públicos.
As denúncias relativas a atos de discriminação e abuso por parte de outros
privados de liberdade e/ou agentes penitenciários devem ser cuidadosamente
investigadas pela administração penitenciária e por uma autoridade
independente, devendo ser adotadas as demais ações necessárias e
adequadas.
58
Os processos de articulação e cooperação com outros serviços da
comunidade, bem como com organizações da sociedade civil, devem ser
procurados no sentido de antecipar e potenciar os planos individualizados para
a condição de egresso, nomeadamente no que diz respeito à procura ativa de
emprego, habitação e cuidados médicos.
A permanência destes privados de liberdade nas unidades prisionais ou no
sistema penitenciário após o cumprimento de pena devido à falta de uma rede
de serviços de saúde mental e apoio psicossocial adequados viola os direitos
humanos de tais pessoas e é inaceitável, de acordo com o direito internacional.
Os Estados são responsáveis por garantir que os egressos com transtornos
mentais recebam cuidados de saúde mental e apoio psicossocial apropriados
na comunidade, da mesma forma que qualquer outro cidadão com as mesmas
necessidades.
Os serviços de saúde do Estado devem estabelecer mecanismos
específicos para o cuidado e apoio aos egressos com transtorno mental que
não têm qualquer tipo de apoio ou suporte familiar. A articulação e cooperação
com organizações da sociedade civil mostra-se crucial neste processo,
especialmente em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
4.3.10. Monitoramento
59
de atos de discriminação e maus-tratos perpetrados por funcionários e/ou
outros privados de liberdade e ao uso excessivo de medidas disciplinares, e
tomar as medidas adequadas para o seu melhoramento.
Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, sistematizam-se abaixo o conjunto de recomendações
internacionais para a formulação de políticas e ações estratégicas para as
pessoas com transtornos mentais no Sistema Penal.
PARA OS LEGISLADORES
60
– Desenvolver políticas e mecanismos que aumentem a integração dos
serviços de cuidados providos dentro do sistema penitenciário com a saúde
pública, a fim de melhorar as perspectivas de equidade de cuidados ofertados
nas unidades prisionais e a continuidade dos mesmos após a liberdade;
– Proibir, na legislação nacional, o encarceramento de pessoas com
transtornos mentais devido à falta de alternativas públicas de serviços de
saúde e de apoio psicossocial adequados.
Inspeção
– Desenvolver mecanismos de monitoramento independentes e monitorar os
serviços de saúde mental prestados nas unidades prisionais;
– Assegurar que os órgãos independentes de inspeção das unidades prisionais
incluam em suas avaliações: o monitoramento das condições em que os
privados de liberdade com transtornos mentais são mantidos, a qualidade do
tratamento que lhes é facultado e a detecção de atos de discriminação a que
possam estar sendo submetidos; e apliquem as medidas e ações corretivas,
disciplinares/processuais que se mostrem necessárias e adequadas.
61
– Decretar sentenças de privação de liberdade como último recurso em se
tratando de pessoas com transtornos mentais, dando preferência à aplicação
de medidas penais alternativas.
Recursos Humanos
– Garantir que cada unidade prisional tenha um número adequado de pessoal
de saúde com capacitação especializada na identificação e gerenciamento de
transtornos mentais;
– Recorrer aos Ministérios diretamente envolvidos (da Justiça e da Saúde),
para superar as dificuldades encontradas no recrutamento de pessoal
especializado em saúde mental, assegurando que as condições de emprego
de tais funcionários sejam, pelo menos, iguais às dos que trabalham fora do
sistema penitenciário;
62
– Fornecer suporte e treinamento em serviço a estes profissionais, conforme
necessário, ao longo de sua carreira;
– Assegurar a presença regular de serviços de saúde comunitários dentro das
unidades prisionais, como alternativa ao recrutamento de pessoal adicional,
especialmente em contextos onde os recursos financeiros são limitados;
– Capacitar os restantes funcionários sobre questões básicas de saúde mental.
Esta capacitação deve ter por objetivos: o aumento da compreensão sobre
transtornos mentais; o aumento da conscientização sobre os direitos humanos;
minorar os comportamentos discriminantes e encorajar a promoção de saúde
mental, tanto junto dos funcionários, quanto juntos dos restantes grupos de
privados de liberdade.
Acesso à justiça
– Assegurar que as pessoas com transtornos mentais tenham acesso imediato
e regular a um advogado/defensor público durante todo o período de detenção,
prisão provisória e cumprimento de pena.
63
Acesso à saúde
– Garantir que os serviços de saúde prestados aos privados de liberdade
sejam de nível equivalente aos ofertados na comunidade;
– Garantir as condições estruturais adequadas e a execução de ações de
prevenção e de intervenção precoce ao nível da saúde;
– Garantir a realização de uma avaliação de saúde individualizada na porta de
entrada do sistema prisional que inclua a avaliação da saúde mental, risco de
suicídio e uso abusivo de substâncias, devendo esta avaliação ser realizada
por profissionais qualificados;
– Garantir que os privados de liberdade tenham acesso fácil aos serviços de
saúde mental, sem qualquer discriminação com base em seu transtorno mental
ou em outra qualquer condição física;
– Facultar aos privados de liberdade informações completas sobre as opções
de tratamento e envolvê-los, na medida do possível, na tomada de decisão em
relação ao seu próprio projeto terapêutico singular;
– Assegurar que qualquer tratamento sem consentimento informado está
sujeito a garantias rigorosas e é controlado pela legislação, de acordo com a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência;
– Proporcionar tratamento individualizado e multidisciplinar, incluindo uma
combinação equilibrada de programas de apoio à saúde mental, psicossocial e
outros, dependendo das necessidades individuais;
– Respeitar os princípios de confidencialidade em relação a consultas e
informações médicas;
– Potencializar a colaboração com os serviços de saúde da comunidade e
ponderar a capacitação de outros privados de liberdade para prestar
aconselhamento entre pares.
Prevenção do suicídio
– Desenvolver estratégias e programas terapêuticos para prevenir o suicídio e
os comportamentos autodestrutivos, em cooperação com especialistas em
saúde mental da comunidade e organizações da sociedade civil;
64
– Na porta de entrada, estabelecer estratégias específicas para acolhimento
destes privados de liberdade, por forma a dar-lhes algum suporte neste
momento de risco acrescido, devido ao potenciar de seu sofrimento mental;
– Não penalizar privados de liberdade que realizam tentativas de suicídio ou se
automutilam.
Segurança
– Garantir a segurança dos privados de liberdade com transtornos mentais
através de uma alocação cuidadosa e de supervisão contínua;
65
– Reavaliar as medidas disciplinares aplicadas aos privados de liberdade com
transtorno mental: desenvolver diferentes critérios para responder ao
incumprimento das regras da unidade prisional do que os aplicados aos
demais privados de liberdade, enfatizando a prevenção e não a punição;
– Aplicar medidas disciplinares de isolamento como último recurso e pelo
menor período de tempo possível;
– Solicitar opinião técnica da equipe médica sobre as condições de saúde
mental quando da decisão das medidas disciplinares a aplicar a estes privados
de liberdade;
– Garantir a defesa destes privados de liberdade durante as audiências
disciplinares. Se necessário, essa assistência deve ser providenciada por um
advogado/defensor público;
– Garantir que estes privados de liberdade tenham igual acesso aos
procedimentos de denúncia e que, caso necessário, a assistência seja
prestada por meio de um representante.
Monitoramento
– Paralelamente aos mecanismos de inspeção acima referidos, implementar
mecanismos para o acompanhamento, monitoramento e avaliação contínuos
66
do tratamento ofertado a estes privados de liberdade e tomar as medidas
necessárias à sua adequação.
Artigo 4º
Obrigações gerais
1 - Os Estados Partes comprometem-se a assegurar e promover o pleno
exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas
as pessoas com deficiência sem qualquer discriminação com base na
deficiência. Para este fim, os Estados Partes comprometem-se a:
a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de outra natureza
apropriadas com vista à implementação dos direitos reconhecidos na presente
Convenção;
b) Tomar todas as medidas apropriadas, incluindo legislação, para modificar ou
revogar as leis, normas, costumes e práticas existentes que constituam
discriminação contra pessoas com deficiência;
[...]
Artigo 12º
Reconhecimento igual perante a lei
1 - Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito
ao reconhecimento perante a lei da sua personalidade jurídica em qualquer
lugar.
2 - Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiências têm
capacidade jurídica, em condições de igualdade com as outras, em todos os
aspectos da vida.
67
3 - Os Estados Partes tomam medidas apropriadas para providenciar acesso
às pessoas com deficiência ao apoio que possam necessitar no exercício da
sua capacidade jurídica.
4 - Os Estados Partes asseguram que todas as medidas que se relacionem
com o exercício da capacidade jurídica fornecem as garantias apropriadas e
efetivas para prevenir o abuso de acordo com o direito internacional dos
direitos humanos. Tais garantias asseguram que as medidas relacionadas com
o exercício da capacidade jurídica em relação aos direitos, vontade e
preferências da pessoa estão isentas de conflitos de interesse e influências
indevidas, são proporcionais e adaptadas às circunstâncias da pessoa,
aplicam-se no período de tempo mais curto possível e estão sujeitas a um
controlo periódico por uma autoridade ou órgão judicial competente,
independente e imparcial. As garantias são proporcionais ao grau em que tais
medidas afetam os direitos e interesses da pessoa.
5 - Sem prejuízo das disposições do presente artigo, os Estados Partes tomam
todas as medidas apropriadas e efetivas para assegurar a igualdade de direitos
das pessoas com deficiência em serem proprietárias e herdarem patrimônio, a
controlarem os seus próprios assuntos financeiros e a terem igual acesso a
empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e
asseguram que as pessoas com deficiência não são, arbitrariamente, privadas
do seu patrimônio.
Artigo 13º
Acesso à justiça
1 - Os Estados Partes asseguram o acesso efetivo à justiça para pessoas com
deficiência, em condições de igualdade com as demais, inclusive mediante o
fornecimento de adaptações processuais e adequadas à idade, de modo a
facilitar o seu papel efetivo enquanto participantes diretos e indiretos, inclusive
na qualidade de testemunhas, em todos os processos judiciais, incluindo as
fases de investigação e outras fases preliminares.
2 - De modo a ajudar a garantir o acesso efetivo à justiça para as pessoas com
deficiência, os Estados Partes promovem a formação apropriada para aqueles
68
que trabalhem no campo da administração da justiça, incluindo a polícia e o
pessoal dos estabelecimentos prisionais.
Artigo 14º
Liberdade e segurança da pessoa
1 - Os Estados Partes asseguram que as pessoas com deficiência, em
condições de igualdade com as demais:
a) Gozam do direito à liberdade e segurança individual;
b) Não são privadas da sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária e que
qualquer privação da liberdade é em conformidade com a lei e que a existência
de uma deficiência não deverá, em caso algum, justificar a privação da
liberdade.
2 - Os Estados Partes asseguram que, se as pessoas com deficiência são
privadas da sua liberdade através de qualquer processo, elas têm, em
condições de igualdade com as demais, direito às garantias de acordo com o
direito internacional de direitos humanos e serão tratadas em conformidade
com os objetivos e princípios da presente Convenção, incluindo o fornecimento
de adaptações razoáveis.
Artigo 15º
Liberdade contra a tortura, tratamento ou penas cruéis, desumanas ou
degradantes
1 - Ninguém será submetido a tortura ou tratamento ou pena cruel, desumana
ou degradante. Em particular, ninguém será sujeito, sem o seu livre
consentimento, a experiências médicas ou científicas.
2 - Os Estados Partes tomam todas as medidas legislativas, administrativas,
judiciais ou outras medidas efetivas para prevenir que as pessoas com
deficiência, em condições de igualdade com as demais, sejam submetidas a
tortura, tratamento ou penas cruéis, desumanas ou degradantes.22
22
Em acréscimo ver também o artigo 25.º, Direito à Saúde, citado no capítulo anterior, Pessoas com Transtornos Mentais.
69
C. Pessoas não elegíveis para a privação de liberdade prolongada: deficiência
física grave, idade avançada, doença terminal.
50. Os privados de liberdade com graves desvantagens físicas e aqueles de
idade avançada devem ser acomodados de forma a permitir uma vida normal e
não devem ser segregados da população prisional geral. Alterações
estruturais, em linhas semelhantes às existentes em ambientes externos ao
sistema penitenciário, devem ser efetuadas para auxiliar os portadores de
cadeiras de rodas e outro tipo de deficientes.23
70
uma forma mais humana e eficaz de lidar com suas necessidades específicas
(UN, 1993; UN CRPD, 2006).
71
forma a identificar boas práticas e a atender às suas necessidades específicas
(EU, 2015).
72
acontece com os restantes privados de liberdade, devendo ainda ser facilitados
todos os contatos com seu advogado/defensor público.
Em acréscimo, devem ainda ser adotadas todas as medidas necessárias
que atendam às necessidade específicas destes privados de liberdade durante
todo o processo de justiça criminal.
Da mesma forma, os funcionários envolvidos em todas a fases do processo
devem estar capacitados para atender às demandas específicas destas
pessoas, demonstrar sensibilidade e auxiliá-las no acesso ao apoio apropriado
(UN CRPD, 2006).
5.2.4. Alocação
73
O risco de abuso por parte de outros privados de liberdade deve ser
considerado para determinar a alocação dos privados de liberdade com
deficiência e garantir sua proteção (WHO, 2011).
Boas Práticas
Dossiê de informações para privados de liberdade com deficiência no
Reino Unido
A administração dos serviços penitenciários em cooperação com a ONG Prison
Reform Trust preparou um dossiê de informações específico para privados de
liberdade com deficiência que está disponível para todos na porta de entrada
das unidades prisionais (EU, 2015).
Os presos com deficiência devem ter o mesmo acesso que os demais a todos
os cuidados de saúde, devendo estes ser equivalentes aos que existem na
comunidade. Em acréscimo, estes privados de liberdade devem ainda ter
acesso ao mesmo nível de cuidados de saúde especializados disponíveis na
comunidade, podendo estes incluir fisioterapia, terapia da fala e terapia
ocupacional, entre outros, bem como a aparelhos auditivos, cadeiras de rodas
e muletas etc. Para tanto, as administrações penitenciárias devem trabalhar em
74
estreita colaboração com os serviços de saúde da comunidade, aumentando as
possibilidades destes privados de liberdade verem suas demandas específicas
atendidas (WHO, 2011).
Devido às dificuldades associadas à vivência do quotidiano das unidades
prisionais, onde se podem incluir situações de bullying, agressões verbais e,
por vezes, violência física por parte de outros privados de liberdade, os que
sofrem de algum tipo de deficiência necessitam também de acesso a cuidados
de saúde mental especializados, conforme já mencionado, que devem ser
garantidos por funcionários especializados (WHO, 2011).
Nas situações em que os privados de liberdade têm problemas de
comunicação (por exemplo, privados de liberdade com deficiências sensoriais),
deve-lhes ser providenciada assistência de forma a que esteja assegurado o
igual acesso aos programas de aconselhamento (WHO, 2011).
75
contato com o mundo extramuros, benéfico para seu bem-estar emocional
(UNODC, 2009).
Boas Práticas
Apoio do grupo de pares – Brasil
Em Fortaleza (Ceará) os privados de liberdade com mobilidade reduzida têm
possibilidade de ter um cuidador individual. Este é um privado de liberdade de
outro grupo populacional que vê a atividade de cuidar do privado de liberdade
cadeirante reconhecida como atividade profissional remunerada que contribui
para a sua remição de pena (DEPEN, 2017c).24
5.2.8. Segurança
24
Informações recolhidas presencialmente pela consultora em visita técnica realizada ao referido estado ao abrigo da presente
consultoria.
76
Esta população de privados de liberdade deve poder defender-se durante as
audiências ou interrogatórios disciplinares, sendo que toda a assistência
necessária deve ser providenciada para garantir que isso aconteça (por
exemplo, a interpretação, através do recurso à língua gestual, para pessoas
com deficiência auditiva).
As administrações penitenciárias precisam também assegurar-se que os
privados de liberdade com qualquer tipo de deficiência tenham igual acesso
igual aos procedimentos de denúncia. E, nos casos em que a sua condição
lhes impossibilita esse acesso, deve ser providenciada toda a assistência
adequada (Russell & Stewart, 2002).
77
5.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e
Ações Estratégicas para as pessoas com deficiência no Sistema Penal
Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, sistematizam-se abaixo o conjunto de recomendações
internacionais para a formulação de políticas e ações estratégicas para as
pessoas com deficiência no Sistema Penal:
PARA OS LEGISLADORES
78
– Desenvolver políticas e estratégias adequadas para atender às demandas
específicas dos privados de liberdade com deficiência;
– Avaliar e adequar políticas e programas existentes (que colocam estes
privados de liberdade numa situação de desvantagem);
– Desenvolver parcerias com organizações e serviços da sociedade civil que
trabalham com pessoas com deficiência e integrar esta possibilidade de
trabalho, bem como a avaliação sistematizada das necessidades destes
privados de liberdade, no desenho e desenvolvimento de políticas e estratégias
de ação;
– Realizar uma coleta regular de dados para identificar as demandas desta
população e avaliar as práticas já implementadas, a fim de reduzir o mais
possível as desvantagens enfrentadas por estas pessoas no sistema prisional.
Recursos humanos
– Onde os recursos o permitam, nomear, em cada unidade prisional, um
membro da equipe do sistema para atuar como ponto de contato entre estes
privados de liberdade e as administrações penitenciárias, por forma a atender
mais eficazmente suas demandas específicas;
– Incluir treinamento sobre medidas e técnicas adequadas para cuidar e
supervisionar os privados de liberdade com deficiência no currículo das ações
de capacitação das equipes das unidade prisionais, enfatizando a igualdade de
direitos e a não discriminação;
– Proporcionar capacitação adequada ao desenvolvimento das capacidades de
supervisão para prevenir abusos e maus-tratos que eventualmente possam ser
perpetrados por outros privados de liberdade contra aqueles que têm algum
tipo de deficiência;
– Proporcionar capacitação adequada ao desenvolvimento da capacidade de
detectar e identificar sinais e sintomas de mal-estar psíquico em privados de
liberdade com deficiência, para poder encaminhá-los para os serviços de
assistência a apoio adequados e prevenir o agravamento de seu estado de
saúde.
79
Acesso à justiça
– Assegurar, aos privados de liberdade com deficiência, igual acesso a um
advogado/defensor público, da mesma forma que ele é assegurado aos
demais, desde o início de sua detenção;
– Prover suas demandas específicas, diretamente relacionadas com a
deficiência, durante todo o processo judicial para garantir a participação destas
pessoas em igualdade de condições face aos demais indiciados/réus.
Alocação
– Possibilitar aos privados de liberdade a oportunidade de identificar e
comunicar qualquer deficiência na porta de entrada do sistema penitenciário;
– Facultar ao privados de liberdade com deficiência informações claras, e de
uma forma que lhes seja compreensível, sobre as regras das unidade
prisionais;
– Permitir que estes privados de liberdade mantenham em sua posse qualquer
material ou instrumento que, de alguma forma, os auxilie na gestão de sua
deficiência, como cadeiras de rodas e muletas, por exemplo. Caso, por motivos
de segurança, essa possibilidade não se verifique, devem-lhes ser fornecidas
alternativas adequadas;
– Garantir que os privados de liberdade com deficiência sejam devidamente
avaliados na porta de entrada do sistema prisional, sendo identificadas suas
demandas específicas e suas capacidades por forma a determinar o nível e
tipo de apoio de que necessitam;
– Facultar a estes privados de liberdade informações claras de quais os
procedimentos a adotar e quem contatar em caso de necessitar, com urgência,
prover alguma necessidade específica.
Acomodações e alojamento
80
– Alojar os privados de liberdade com deficiência em acomodações
adequadas, e sempre que necessário realizar adequações às mesmas para
atender às suas necessidades específicas;
– Considerar o risco de abuso por parte de outros privados de liberdade ao
determinar o alojamento destes privados de liberdade, por forma a garantir sua
proteção.
Acesso à saúde
– Garantir que os privados de liberdade com deficiência não sejam
discriminados no acesso aos cuidados de saúde;
– Garantir que estes cuidados de saúde se estendem à atenção de alta
complexidade, conforme disponível na comunidade.
Segurança
– Não aplicar medidas disciplinares desproporcionais e injustas aos privados
de liberdade com deficiência;
– Garantir que estes se sintam seguros quando da realização de
procedimentos de revista;
81
– Recorrer a alas ou celas de isolamento exclusivamente como último recurso
e pelo menor período de tempo possível;
– Facultar toda a assistência necessária aos privados de liberdade com
deficiência para que possam se defender durante as audiências/inquéritos
disciplinares;
– Garantir que os privados de liberdade com deficiência tenham igual acesso
aos procedimentos de denúncia. Caso estes privados de liberdade tenham
quaisquer dificuldades em realizar qualquer denúncia devido à sua condição,
deve-lhes ser prestada a assistência necessária.
82
VI. PESSOAS COM DOENÇAS TERMINAIS
Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (UN
ECOSOC, 1955)
Serviços médicos
22.
(1) Cada estabelecimento penitenciário deve dispor dos serviços de pelo
menos um médico qualificado, que deverá ter alguns conhecimentos de
psiquiatria. Os serviços médicos devem ser organizados em estreita ligação
com a administração geral de saúde da comunidade ou da nação. Devem
incluir um serviço de psiquiatria para o diagnóstico, e em casos específicos, o
tratamento de estados de perturbação mental.
(2) Os privados de liberdade doentes que necessitem de cuidados
especializados devem ser transferidos para estabelecimentos especializados
ou para hospitais civis. Quando o tratamento hospitalar é organizado no
estabelecimento este deve dispor de instalações, material e produtos
farmacêuticos que permitam prestar aos privados de liberdade doentes os
cuidados e o tratamento adequados; o pessoal deve ter uma formação
profissional suficiente.
[...]
25
(1) Ao médico compete vigiar a saúde física e mental dos privados de
liberdade. Deve visitar diariamente todos os privados de liberdade doentes, os
que se queixem de doença e todos aqueles para os quais a sua atenção é
especialmente chamada.
(2) O médico deve apresentar relatório ao diretor, sempre que julgue que a
saúde física ou mental foi ou será desfavoravelmente afetada pelo
83
prolongamento ou pela aplicação de qualquer modalidade de regime de
reclusão.
84
Declaração da Associação Médica Mundial sobre Doenças Terminais
(WMA, 2006)
O dever dos médicos é curar, sempre que possível, para aliviar o sofrimento e
proteger os melhores interesses de seus pacientes. Não haverá exceção a
este princípio, mesmo no caso de doenças incuráveis.
No cuidado com os pacientes terminais, as principais responsabilidades do
médico são ajudar o paciente a otimizar sua qualidade de vida através do
controle dos sintomas, abordando necessidades psicossociais e permitindo
que o paciente morra com dignidade e conforto.
Os médicos devem informar os pacientes sobre a disponibilidade, benefícios e
outros efeitos potenciais dos cuidados paliativos.
85
dignidade, cercados por sua família e amigos, em vez de isolados no ambiente
das unidades prisionais (UNODC, 2015).
Por forma a assegurar que os direitos humanos dos privados de liberdade com
doenças terminais sejam protegidos, incluindo especificamente o direito a
receber assistência médica equivalente àquela que existe na comunidade, as
administrações penitenciárias precisam incorporar regras e procedimentos
claros relativos ao tratamento e libertação antecipada destes privados de
liberdade em suas políticas e diretrizes de gestão das unidades prisionais.
Essas regras e procedimentos devem, no mínimo, incluir critérios claros e
procedimentos quanto:
a) À determinação da doença terminal;
b) À assistência aos indiciados com doença terminal em seus pedidos de
libertação com o pagamento de fiança;
c) Aos cuidados de saúde para privados de liberdade com doenças
terminais (em situação de prisão preventiva e de cumprimento de pena);
d) À transferência de privados de liberdade com doença terminal para
hospitais civis;
e) À possibilidade de indulto ou comutação da pena por motivos
humanitários para os privados de liberdade com doenças terminais;
f) À articulação e cooperação com serviços comunitários de cuidados de
saúde para garantir a continuidade dos cuidados após a libertação.
86
ser capacitados e treinados nos cuidados a prestar a estes pacientes e nas
estratégias de comunicação a usar na interlocução com o doente e com sua
família.
Tal como acontece com os demais privados de liberdade, aqueles que têm
uma doença terminal devem ter pleno acesso a advogados/defensores públicos
durante todo o processo de justiça criminal. O acesso aos
advogados/defensores públicos é vital para os réus com doença terminal, que
terão necessidade de uma assistência especial no gozo de seus direitos à
aplicação de sanções e medidas não privativas de liberdade, bem como de
seus direitos de acesso aos cuidados médicos necessários nas unidades
prisionais.
A defesa pode também ser essencial para que estes privados de liberdade
possam ser libertados com base em questões humanitárias e motivos médicos.
Assim, as administrações penitenciárias precisam prestar auxilio aos
privados de liberdade com doenças terminais no contato com
advogados/defensores públicos e restantes serviços de assistência jurídica,
facilitando a comunicação entre eles.
87
6.2.5. Acesso à saúde
88
diminuir o sentimento de isolamento e reduzir o sofrimento dos membros da
família.
Nos casos em que esses vínculos não existem, os serviços prisionais devem
tentar restabelecer o contato, caso o privado de liberdade de liberdade assim o
deseje. Nos casos em que as visitas familiares são difíceis (devido à idade dos
familiares visitantes ou à falta de meios financeiros), os serviços prisionais
devem, caso os recursos financeiros o possibilitem, auxiliar no transporte
destas famílias.
Além do contato familiar, é provável que estes privados de liberdade com
doenças terminais necessitem de apoio psicológico profissional para ajudá-los
a enfrentar sua situação e a encontrar algum equilíbrio emocional, devendo por
isso ter acesso imediato a estes serviços.
O apoio religioso/espiritual é vital para a maioria destes privados de
liberdade para ajudá-los a manter o bem-estar mental, na medida do possível.
Esse apoio pode ser prestado por um representante da sua religião ou outros
que o privado de liberdade conheça e em quem confie. Os Estados são
responsáveis por prestar qualquer apoio religioso/espiritual aos privados de
liberdade com doenças terminais, caso estes não tenham sido libertados por
motivos humanitários ou médicos (UNODC, 2009).
A assistência de serviços externos, como a de organizações não
governamentais, deve ser incentivada pelas administrações penitenciárias, por
forma a complementar a prestação de apoios de que estes pacientes
necessitam. Da mesma forma, o restante conjunto de privados de liberdade
podem ser treinados/capacitados para fornecer apoio psicológico aos pacientes
terminais, sendo que esta situação de cuidados se mostra benéfica tanto para
os pacientes, quanto para a reintegração social dos voluntários.
Boas Práticas
Holanda: "Amigos" para privados de liberdade com AIDS
Uma união nacional de voluntários, que apoia e orienta pessoas que vivem
com AIDS, tem vindo a desenvolver, junto com o Serviço Penitenciário
89
Holandês, um sistema de apoio específico para privados de liberdade. Estes
voluntários/“amigos” têm acesso às unidades prisionais e podem manter
contato com privados de liberdade que vivem com AIDS, prestando-lhes apoio
psicossocial (EP, 2017).
6.2.7. Lazer
90
Os cuidados adequados de fim de vida – particularmente no contexto do HIV
e da AIDS – envolvem, na maior parte dos casos, a administração de grandes
doses de medicação para o tratamento da dor que pode entrar em conflito com
ambiente "livre de drogas" do sistema prisional.
Por estes motivos, muitos sistemas penitenciários introduziram programas
de liberdade por questões humanitárias, permitindo que os privados de
liberdade com doenças terminais sejam libertados antes do final do
cumprimento total da pena sentenciada. Estes programas de libertação
antecipada cumprem um papel humanitário, mas também reconhecem que a
expectativa de vida dos privados de liberdade com doenças terminais pode ser
prolongada com acesso a cuidados médicos na comunidade.
Os critérios de elegibilidade para a libertação por questões humanitárias
devem ter em conta a necessidade de garantir a segurança pública, embora
não devam ser injustificadamente restritivos, e os procedimentos devem ser
acelerados para evitar o prolongamento desnecessário do período de espera,
resultando na morte de pacientes nas unidades prisionais, enquanto a decisão
ainda está sendo considerada (WHO, 2007).
As equipes médicas das unidades prisionais devem proceder a avaliações
regulares da condição de saúde dos privados de liberdade com doenças
terminais e, caso haja indicação para tal (consideradas as condições de saúde
e a ausência de cuidados médicos adequados), indicar estes pacientes para a
aplicação da medida de liberdade antecipada.
No decurso, as administrações penitenciárias devem estabelecer contato
com a defensória pública ou com os representantes legais do privado de
liberdade, facilitando a assistência judiciária e garantindo que seus direitos
legais sejam protegidos e exercidos durante esse processo.
A articulação e cooperação efetiva entre os serviços médicos dos sistemas
penitenciários e da comunidade devem garantir que os pacientes libertados
recebam todos os cuidados médicos necessários, incluindo cuidados paliativos,
em instituições médicas comunitárias. A articulação e cooperação devem se
estender ao estabelecimento de vínculos com hospitais especializados no
atendimento a doentes terminais, onde estes existam.
91
Nos casos em que estes privados de liberdade sejam libertados ao abrigo de
uma anistia geral, devem ser tomadas providências para assegurar que
recebam os cuidados médicos necessários na comunidade após a saída do
sistema prisional e, nos casos em que a doença é infecciosa, que sejam
tomadas todas as precauções para prevenir a propagação de doença na
comunidade (UNODC, 2007, 2009, WHO, 2007).
Boas Práticas
Libertação antecipada de privados de liberdade com doença terminal na
África do Sul
O artigo 79 da Lei de Serviços Correcionais 111 de 1998 estipula que "[uma]
pessoa que cumpra qualquer sentença em uma unidade prisional e que, com
base na evidência escrita do médico que a trata, é diagnosticada como
estando na fase final de qualquer doença terminal deve ser considerada para
medidas penais alternativas, quer sejam a supervisão correcional ou a
liberdade condicional, para que possa morrer de forma digna”
(www.info.gov.za/gazette/acts/1998/a111-98.pdf).
Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, sistematizam-se abaixo o conjunto de recomendações
internacionais para a formulação de políticas e ações estratégicas para as
pessoas com doenças terminais no Sistema Penal:
PARA OS LEGISLADORES
92
necessários e adequados ao fim de vida para que estas pessoas possam
morrer com dignidade, cercadas por suas famílias e amigos;
– Garantir que as normas e procedimentos relativos aos privados de liberdade
com doenças terminais incluam critérios de elegibilidade para a liberdade por
questões humanitárias, considerada e garantida a segurança pública, embora
estas normas e procedimentos não devam ser injustificadamente restritivos.
Estes últimos devem ainda ser implementados e executados por forma a evitar
o prolongamento do tempo de espera pela decisão.
Recursos Humanos
– Assegurar um número adequado de profissionais de saúde qualificados para
atender às demandas específicas dos pacientes com doenças terminais;
– Capacitar os demais funcionários para os diferentes tipos de cuidados e
atenção que estes privados de liberdade exigem, inclusive no que diz respeito
às estratégias de comunicação com os pacientes e com suas famílias.
93
Acesso à justiça
– Garantir que aos privados de liberdade com doenças terminais sejam
garantidas todas as necessidades de acesso à justiça e aos apoios de que
necessitam a este nível, durante todo o processo judiciário.
Alocação e alojamento
– Alocar os privados de liberdade com doenças terminais em unidades
prisionais que se situem o mais próximo possível de suas comunidades para
permitir visitas regulares de familiares e amigos;
– Acomodar estes privados de liberdade em ambientes confortáveis, sob
assistência médica e em um nível de segurança correspondente à sua
avaliação de risco.
– Separar os portadores de doenças infecciosas dos demais privados de
liberdade.
Acesso à Saúde
– Estruturar uma equipe multidisciplinar com, no mínimo, médicos, enfermeiros
e psicólogos, para atender às necessidades específicas e constantes
alterações ao nível do quadro clínico destes privados de liberdade;
– Desenvolver planos de cuidados individualizados para estes casos,
considerando suas necessidades específicas, dependendo estas da natureza
da doença, idade, existência ou falta de vínculos familiares, entre outros
fatores;
– Garantir acesso ao tratamento antirretroviral aos pacientes com AIDS
avançada (semelhante a outros que sejam HIV positivos), conforme ele é
disponibilizado àqueles que não se encontram no sistema prisional;
– Atender às necessidades dietéticas e nutricionais específicas dos privados
de liberdade com doenças terminais;
– Garantir que os cuidados paliativos estejam disponíveis para todos os
pacientes com doença terminal, em cooperação com especialistas em
cuidados paliativos dos serviços comunitários de saúde;
94
– Providenciar cuidados periódicos, mas sistematizados, em hospitais externos
ao sistema penitenciário e, nos casos em que a assistência médica adequada
não esteja disponível nas unidades prisionais, transferir esses pacientes para
hospitais da comunidade.
95
– Facilitar a assistência judiciária e assegurar que os direitos legais do privado
de liberdade sejam protegidos e executados durante o processo de decisão
(que pode envolver procedimentos diversos e demorados);
– Promover a estreita articulação e cooperação entre os serviços penitenciários
e os serviços do sistema nacional de saúde para garantir a continuidade dos
cuidados de saúde adequados na comunidade, após a libertação;
– Estabelecer articulação com os hospitais externos ao sistema prisional
especializados em cuidados paliativos, quando disponíveis, que fornecem
atendimento especializado para pacientes com doenças terminais.
96
VII. IDOSOS
97
Assistência
[...]
12. Os idosos devem ter acesso a serviços sociais e jurídicos que reforcem a
respectiva autonomia, proteção e assistência.
13. Os idosos devem ter a possibilidade de utilizar meios adequados de
assistência em meio institucional que lhes proporcionem proteção, reabilitação
e estimulação social e mental numa atmosfera humana e segura.
14. Os idosos devem ter a possibilidade de gozar os direitos humanos e
liberdades fundamentais quando residam em qualquer lar ou instituição de
assistência ou tratamento, incluindo a garantia do pleno respeito da sua
dignidade, convicções, necessidades e privacidade e do direito de tomar
decisões acerca do seu cuidado e da qualidade das suas vidas.
Dignidade
17. Os idosos devem ter a possibilidade de viver com dignidade e segurança,
sem serem explorados ou maltratados física ou mentalmente.
18. Os idosos devem ser tratados de forma justa, independentemente da sua
idade, gênero, origem racial ou étnica, deficiência ou outra condição, e ser
valorizados independentemente da sua contribuição econômica.26
Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (UN
ECOSOC, 1955)
Princípio básico
6. (1) As regras que se seguem devem ser aplicadas imparcialmente. Não
haverá discriminação alguma com base em raça, cor, sexo, língua, religião,
opinião política ou outra, origem nacional ou social, meios de fortuna,
nascimento ou outra condição.
26
Informação complementar pode ser obtida também através da consulta do Plano de Ação Internacional sobre Envelhecimento de
Madrid (2002), que comprometeu os governos a alcançar um conjunto de 33 objetivos que abrangem áreas de interesse para as
pessoas idosas e estão ligados aos acordos internacionais existentes, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das
Nações Unidas.
98
Resolução (76) 2 do Comitê dos Ministros do Conselho da Europa sobre a
assistência a privados de liberdade que cumprem penas de longo prazo
nas unidades prisionais (Council of Europe, 1976)
99
11. Adotem, para as sentenças de prisão perpétua, os mesmos princípios que
aplicam a outras sentenças de longo prazo;
12. Assegurem-se que uma revisão da sentença, conforme referido ponto 9,
ocorre, se não antes, após oito a catorze anos de privação de liberdade,
devendo também ser repetida em intervalos regulares;
13. Melhorem o treinamento dos profissionais do sistema prisional que atuam
em todas as áreas, com referência aos problemas específicos dos privados de
liberdade que cumprem sentenças longas e equipem as unidade prisionais
com pessoal devidamente capacitado para assegurar uma compreensão mais
profunda, contatos pessoais adequados e a continuidade do tratamento dos
privados de liberdade;
14. Promovam estudos liderados por equipes multidisciplinares, integradas, de
entre outros, por psiquiatras e psicólogos, sobre os efeitos de sentenças de
longo prazo sobre a personalidade dos privados de liberdade, tendo
especialmente em conta os efeitos adversos das condições carcerárias;
15. Tomem todas as medidas para assegurar uma melhor compreensão do
público em geral sobre os problemas específicos dos privados de liberdade de
longo prazo, criando assim um clima social favorável à sua reabilitação.
100
7.2. Políticas e Práticas para os Idosos no Sistema Penal
Tal como acontece com os restantes grupos vulneráveis, uma pena de prisão
compreende uma punição particularmente grave para pessoas idosas, devido
às suas demandas específicas a que a maioria dos sistemas prisionais não
conseguem dar resposta. Além disso, para pessoas idosas, uma pena de 15 ou
20 anos geralmente significa prisão perpétua. A possibilidade de morrer em
situação de privação de liberdade, com poucas possibilidades de libertação,
pode ter um efeito devastador sobre o equilíbrio mental dos privados de
liberdade idosos, podendo ser considerada uma punição desproporcionalmente
severa, em comparação com uma sentença idêntica recebida por um jovem,
condenado pelo mesmo tipo de crime.
Em todo mundo têm vindo a ser apresentadas sugestões e propostas que
defendem a comutação da sentença no caso de privados de liberdade idosos.
Os Estados Unidos sugeriram que fossem desenvolvidos procedimentos
judiciais especiais para infratores idosos, semelhantes aos que se aplicam aos
jovens menores de idade (UNODC, 2007).
Tratando-se ou não de privados de liberdade idosos, os diferentes países
devem implementar políticas de justiça criminal em que sentenças de privação
de liberdade muito longas ou mesmo perpétuas apenas são aplicadas em
casos de grande ameaça para as sociedades. A tendência atual de aumentar a
extensão das sentenças e a introdução de sentenças duras, como as penas
sem possibilidade de progressão de regime, teve grande influência no
crescimento da população prisional em muitos países do mundo. Em
acréscimo, levou à deterioração das condições das unidades prisionais, ao
aumento dos níveis de violência nas prisões, à falta de programas, projetos e
atividades nas unidades prisionais, ao adoecimento dos privados de liberdade
e ao aumento dos suicídios entre esta população, que prejudicam um dos
propósitos essenciais da privação de liberdade – a reintegração social
(UNODC, 2007, 2009, 2012).
101
Assim, a idade dos infratores, a sua saúde mental e física e as perspectivas
de receber cuidados adequados no sistema prisional devem ser tidas em conta
durante o julgamento e atribuição de pena, para garantir que a esta não
traduza uma punição desproporcionalmente severa (Howse, 2003).
Como princípio, os privados de liberdade idosos que cometeram delitos não
violentos devem ser considerados para aplicação de medidas alternativas à
privação de liberdade, uma vez que os cuidados de que necessitam ou podem
vir a necessitar são melhor atendidos na comunidade (UNODC, 2007, 2009,
2012).
Boas Práticas
Sanções não privativas de liberdade para pessoas idosas no Uruguai
A legislação no Uruguai prevê prisão domiciliar para os infratores com mais de
70 anos, com exceção dos condenados por crimes graves, como homicídios e
violações. Esta disposição da legislação aplica-se também a privados de
liberdade gravemente doentes e mulheres nos últimos três meses de gravidez
e nos primeiros três meses de vida dos seus filhos (UNODC, 2009).
102
As políticas e as estratégias a serem desenvolvidas devem incluir áreas e
temas como: a capacitação dos funcionários; aspectos ligados à alocação e
acomodações dos privados de liberdade idosos no sistema; a melhoria dos
serviços; articulação com a sociedade civil; progressão de regime; e reinserção
social. Em acréscimo, devem também ser ponderadas estratégias relacionadas
com a possibilidade de libertação por questões humanitárias (ver ponto 7.2.10.
abaixo).
103
ou física, este deve ser providenciado durante todo o processo de judicial, para
assegurar que os idosos desfrutem dos mesmos direitos no acesso à justiça
que os demais grupos populacionais.
104
vontade do próprio privado de liberdade, seu nível de segurança, suas
condições de saúde e outras necessidades individuais.
Tendo em conta as limitações de recursos financeiros dos sistemas
penitenciários da maioria dos países, há fortes argumentos a favor de um
sistema onde a maioria dos privados de liberdade idosos são alocados junto
com a restante população carcerária, enquanto apenas um pequeno número de
idosos, por necessitar de cuidados e proteção especializados, deva ser alojado
em unidades especiais. Para o UNODC (2009), esta abordagem é benéfica,
uma vez que permite garantir que os idosos vivam em um ambiente o mais
próximo possível da vida em comunidade.
A Regra 50 da já citada Recomendação N.° (98) 7, do Comitê de Ministros
do Conselho da Europa (1998), sobre os aspectos éticos e organizacionais dos
cuidados de saúde nas unidades prisionais, recomenda que os privados de
liberdade idosos sejam alojados junto com a restante população de privados de
liberdade para garantir que estes conduzam as suas vidas da forma mais
normal possível.
Não obstante, determinar as acomodações para um privado de liberdade
idoso exige uma avaliação individual cuidadosa das suas necessidades e
demandas específicas. Quando idosos são acomodados junto com a restante
população prisional, é necessário considerar os requisitos especiais de
acomodação, a necessidade de tranquilidade e proximidade com o seu grupo
de pares. Os idosos podem, por exemplo, ser alojados em uma ala, dormitório
ou cela separados do edifício geral. O alojamento deve ser seguro e de fácil
acessibilidade, atendendo às suas necessidades de locomoção e protegendo-
os contra quaisquer acidentes e ferimentos físicos. Desta forma, seus
dormitórios ou celas, por exemplo, devem situar-se no piso térreo, minimizando
a necessidade de usar escadas, devendo ainda ter acesso fácil às instalações
sanitárias. Da mesma forma, não devem ser usados beliches para descanso e
a distância entre o alojamento e as áreas comuns, onde maior parte das
atividades têm lugar, não deve ser muito grande (Uzoaba, 1998).
105
7.2.6. Acesso à saúde
106
maior parte dos sistemas penitenciários de todo o mundo. É, portanto,
altamente recomendado que os privados de liberdade idosos que sofram de
sérias condições de saúde que não podem ser atendidas adequadamente nas
unidades prisionais, sejam considerados para a medida de libertação
antecipada por motivos humanitários o mais precocemente possível, levando
em consideração os requisitos de segurança pública (veja-se ponto 7.2.10)
(UNODC, 2007, 2009, 2012, 2015).
Boas Práticas
Índia: transferir privados de liberdade idosos com sentenças de prisão
perpétua para unidades prisionais de regime aberto, fomentando o
contato com as famílias e a reintegração social
Em setembro de 2007, o jornal Times of Índia anunciou que uma unidade
prisional de regime aberto estava sendo construída para privados de liberdade
idosos com sentenças de prisão perpétua no distrito de Buxar, no Estado de
Bihar, a norte do país. Estes privados seriam transferidos para esta prisão de
107
segurança mínima, onde viveriam com suas famílias e seriam autorizados a
assumir postos de trabalho de sua escolha, dentro dos limites possíveis
(http://english.people.com.cn/90001/90777/6263796.html).
Boas Práticas
Países Baixos: União de Voluntários para privados de liberdade com
necessidades especiais
Uma ONG, denominada União de Voluntários, estabelecida nos Países Baixos,
tem como objetivo proporcionar apoio essencial e prático a grupos vulneráveis,
como privados de liberdade usuários dependentes de drogas, estrangeiros e
idosos que, vivendo sozinhos, não têm redes familiares de apoio.
Os voluntários visitam regularmente os privados de liberdade nas unidades,
cuidando de muitas das suas questões e problemas práticos. Por exemplo,
caso um privado de liberdade viva sozinho, os voluntários podem pagar o seu
aluguel e cuidar dos seus animais domésticos, assistência que se mostra
extremamente importante para o bem-estar mental destes privados de
liberdade (UNODC, 2007).
108
profissional e outros programas precisam ser adaptados às suas necessidades
e circunstâncias individuais, incluindo necessidades relacionadas com a idade,
saúde e duração da pena a cumprir.
Quando os privados de liberdade idosos estão integrados à restante
população prisional, as administrações penitenciárias devem introduzir
modificações aos programas existentes, por forma a permitir que todos os
grupos de privados de liberdade, incluindo a população idosa, possam
participar nos mesmos. Devem ainda implementar programas especiais que
atendam às demandas específicas dos idosos, podendo estes ser organizados
dentro do regime e fluxo de gestão geral, sem a necessidade do uso de
recursos financeiros adicionais significativos.
Os próprios desejos e habilidades dos privados de liberdade idosos devem
determinar o nível de participação nesses programas, não devendo ser
realizadas considerações genéricas, considerando a referida heterogeneidade
desta população. Ao mesmo tempo, as equipes que trabalham nas unidades
prisionais devem fornecer algum apoio e flexibilidade, para permitir que os
privados de liberdade idosos participem, na medida do possível, das atividades
propostas, quer sejam exercícios físicos, atividades recreativas ao ar livre etc.
Tratando-se de atividades desta natureza, alguns idosos podem necessitar
descansar ou voltar para suas celas durante o decurso das mesmas, e podem
não poder fazê-lo devido a questões de segurança e/ou escolta, o que pode
desencorajá-los de participar nas referidas atividades, caso as regras aplicadas
forem demasiado rígidas.
A assistência de outros privados de liberdade para ajudar a cuidar de
privados de liberdade idosos pode ser introduzida, após um exame e uma
avaliação cuidadosos. Este suporte aliviaria o trabalho das equipes de
profissionais, que geralmente estão sobrecarregadas devido à falta de pessoal,
e proporcionam aos privados de liberdade selecionados uma atividade
significativa e satisfatória. Esses privados de liberdade necessitam ser
treinados antes de começarem a desempenhar estas funções de cuidadores,
mas a verdade é que este tipo de função, que pode ser desempenhada
também para outras populações prisionais (como é o caso daqueles que têm
109
algum tipo de deficiência, como vimos) fomenta o apoio entre o grupo de pares
e contribui, fortemente, para o processo de reintegração social.
Em alguns sistemas prisionais, como por exemplo no do Canadá, onde
privados de liberdade mais jovens foram contratados como cuidadores de
privados de liberdade idosos, os cuidadores conseguiram usar suas
habilidades e experiência em seus empregos após a saída do sistema
(UNODC, 2009).
A articulação e cooperação com serviços comunitários e organizações não
governamentais que trabalham com pessoas idosas na comunidade são de
grande valor na concepção e implementação de programas e atividades para
estes privados de liberdade, dada a falta de recursos da maioria dos sistemas
prisionais para satisfazer as demandas específicas deste grupo. Mostram-se
ainda benéficas para reduzir o sentimento de isolamento predominante entre os
privados de liberdade idosos que perderam o contato e vínculos com suas
famílias (UNODC, 2007, 2012).
Boas Práticas
Privados de liberdade idosos e programas comunitários nos Estados
Unidos
"Muitas vezes, as equipes das unidades prisionais podem trabalhar com
provedores comunitários para identificar áreas em que possam prestar algum
tipo de serviço em troca de assistência técnica, treinamento ou outra de que
necessitem. Por exemplo, os privados de liberdade idosos da Instituição
Correcional de Hocking, em Ohio, dobram boletins de notícias, como forma de
prestar um serviço público, para uma Agência Comunitária na área do
envelhecimento. A equipe desta Agência, por sua vez, trabalha na unidade
prisional, desenvolvendo novos programas assistenciais " (Morton, 1992).
110
principais fatores que determinam as necessidades de apoio destes privados
de liberdade a serem abordados como parte da preparação para a condição de
pré-egresso e dos programas de apoio a estabelecer para os egressos.
Para a maioria dos privados de liberdade idosos, mas especialmente para
aqueles que envelheceram no sistema prisional e para aqueles que não têm
família de suporte, é extremamente difícil restabelecer os vínculos com a
comunidade, inclusive com os serviços de saúde e de assistência social para
garantir que seus cuidados de saúde e apoio psicossocial sejam continuados
após a saída do sistema penitenciário.
Desta forma, as administrações penitenciárias devem trabalhar em estreita
colaboração com os serviços de liberdade condicional, onde eles existam, e
com outras entidades da sociedade civil e ONGs para garantir o máximo apoio
possível a estes privados de liberdade durante o difícil período de reinserção
na sociedade (UNODC, 2012).
Segundo o UNODC (2009), dar resposta às necessidades dos privados de
liberdade idosos egressos que não têm qualquer tipo de suporte familiar e/ou
comunitário mostra ser uma tarefa extremamente desafiadora para a maior
parte dos países, especialmente quando os recursos de seus sistemas
penitenciários são escassos.
Não obstante, deve reconhecer-se a necessidade imperiosa de que os
sistemas penitenciários não continuem a reter estes privados de liberdade
idosos no sistema e a prestar-lhes, ou não, os cuidados continuados de que
necessitam, devido à falta de respostas alternativas e adequadas das
comunidades. Os Estados têm a responsabilidade de assegurar que os
egressos idosos sejam atendidos nas comunidades e realizar investimentos
adequados em serviços que atendam as necessidades e demandas
específicas desse grupo vulnerável, como lares ou outras instituições de
acolhimento, de acordo com a cultura, tradições e recursos econômicos do país
em questão (UNODC, 2009).
111
7.2.10. Liberdade Condicional Antecipada, Liberdade por Motivos
Humanitários e Anistia
Boas Práticas
Projeto de liberdade condicional antecipada para privados de liberdade
idosos nos Estados Unidos
Os estudantes de Direito da Universidade George Washington que se
especializam em processo criminal, particularmente no sistema prisional e de
liberdade condicional, fundaram um projeto para privados de liberdade idosos –
POPS. Entrevistam e avaliam privados de liberdade mais velhos e idosos
(classificados como privados de liberdade de baixa perigosidade) para
obtenção de liberdade condicional ou outras formas de progressão de regime.
112
O POPS opera em cinco estados - Louisiana, Maryland, Michigan, Carolina do
Norte e Virgínia – e no Distrito de Colúmbia. Segundo relatos, até à data, o
projeto promoveu a libertação de quase 100 privados de liberdade sem registro
de uma única situação de reincidência por parte dos egressos contemplados
pelo projeto (www.gwu.edu/~ccommit/law.htm).
Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, apresenta-se a sistematização do conjunto de recomendações
internacionais para a formulação de políticas e ações estratégicas para a
população de idosos no Sistema Penal:
113
Políticas e Estratégias de Gestão
– Desenvolver políticas e estratégias especiais para atender às necessidades
deste grupo vulnerável de privados de liberdade;
– Envolver a participação de uma equipe multidisciplinar de especialistas em
sistemas penitenciários, trabalhando em coordenação com especialistas e
prestadores de serviços da comunidade, particularmente na área de
assistência médica;
– Na capacitação e treinamento dos profissionais que atuam no sistema,
considerar aspectos como: a alocação dos privados de liberdade idosos no
sistema prisional; a melhoria dos serviços; a articulação com a sociedade civil;
as medidas de progressão de regime; a liberdade por motivos humanitários; e
a reestruturação das políticas e estratégias a serem desenvolvidas, por forma a
estas passarem a incluir as demais questões salientadas.
Recursos Humanos
– Garantir que todos os funcionários direta ou indiretamente envolvidos na
supervisão e atendimento de privados de liberdade idosos recebam
treinamento e que este os capacite para desenvolverem um trabalho mais
construtivo e efetivo com este grupo de privados de liberdade;
– Incentivar as diferentes equipes das unidades prisionais a trabalhar em
parceria com organizações da sociedade civil, bem como com serviços de
saúde e de apoio social, a fim de cobrir todas as necessidades da população
de idosos, estabelecendo também as bases para que um atendimento contínuo
possa ter lugar após o cumprimento da sentença.
Acesso à justiça
– Prestar todo o auxilio necessário para que os privados de liberdade idosos
tenham garantia de acesso a um advogado/defensor público e aos demais
serviços de assistência jurídica desde o início dos seus processos judiciários.
114
Ainda, prestar apoio adicional aos privados de liberdade idosos com algum tipo
de transtorno mental ou físico, conforme necessário, para garantir que estes
não sejam discriminados no seu acesso à justiça e no tratamento que lhes é
proporcionado pelo sistema de justiça criminal.
Avaliação e alocação
– Assegurar que seja realizada uma avaliação adequada para determinar as
demandas e necessidades, específicas e muito variadas, dos privados de
liberdade idosos na porta de entrada do sistema prisional, levando em
consideração o baixo risco de segurança que a grande maioria destes privados
de liberdade representa;
– Realizar revisões periódicas a esta avaliação para, eventualmente, efetuar
alterações aos programas individuais inicialmente propostos, bem como para
reconsiderar os níveis de classificação de segurança inicialmente atribuídos,
devido às rápidas alterações, sobretudo ao nível da saúde, que se verificam
nestes privados de liberdade.
Alojamento e Acomodações
– Alocar a maioria dos privados de liberdade idosos junto com a restante
população prisional, não deixando de considerar seus requisitos especiais de
acomodação e sua necessidade de tranquilidade e convívio com o grupo de
pares;
– Alojar os privados de liberdade idosos em unidades especiais somente se for
absolutamente necessário, em casos em que sejam necessários cuidados
específicos continuados e em que é de interesse para o bem-estar mental dos
idosos. Não obstante, a estes casos deve ser dada preferência para a
libertação por motivos humanitários, para que estes idosos possam ser
cuidados na comunidade.
Acesso à saúde
115
– Assegurar a satisfação das necessidades ao nível dos cuidados médicos,
nutricionais e psicológicos dos privados de liberdade idosos, envolvendo para
tanto uma equipe multidisciplinar de pessoal especializado;
– Estabelecer uma colaboração e parceria estreitas com os serviços de saúde
da comunidade para garantir que os cuidados especializados sejam prestados
por serviços médicos externos, conforme necessário, e que os privados de
liberdade idosos cujas necessidades não podem ser atendidas nas unidades
prisionais possam ser transferidos para hospitais civis;
– Disponibilizar programas assistenciais específicos que abranjam a atenção a
transtornos mentais, como os estados depressivos e a angústia de morte, bem
como aconselhamento individual, conforme necessário.
116
idosos. Ainda, introduzir programas e projetos especiais que atendam às
necessidades dos idosos;
– Reservar áreas de convívio específicas para estes privados de liberdade
levarem a cabo atividades recreativas mais de acordo com suas capacidades e
desejos;
– Disponibilizar, para os privados de liberdade idosos, ações e programas de
apoio e aconselhamento relacionados com as questões inerentes ao processo
de envelhecimento, angústias de morte, isolamento e abuso de substâncias;
atividades físicas personalizadas e cursos de educação especial que atendam
às demandas destas faixas etárias. O aconselhamento especializado pode
também incidir sobre privados de liberdade com doenças terminais e sobre
aqueles que foram sentenciados a penas de prisão perpétua sem a
possibilidade de progressão de regime;
– O tipo de programas e projetos a frequentar, bem como as atividades a
praticar devem ser estabelecidos de acordo com os desejos e habilidades dos
próprios idosos;
– A assistência de outros privados de liberdade para ajudar a cuidar dos
privados de liberdade idosos pode ser implementada, desde que sejam
realizados um rastreio e avaliação cuidadosos daqueles que vão prestar esses
cuidados, bem como capacitação e treinamento dos mesmos;
– Tomar medidas para envolver serviços comunitários e organizações não
governamentais que trabalham com idosos nas diferentes comunidades na
concepção e implementação de programas e atividades para idosos em
situação de privação de liberdade.
117
– Trabalhar em estreita parceria com os serviços de liberdade condicional,
onde eles existem, e com outras organizações da sociedade civil para
assegurar o máximo apoio possível aos egressos idosos durante o difícil
período de reinserção na sociedade.
118
VIII. POPULAÇÃO LGBT
Nota Introdutória
119
medidas positivas para eliminar qualquer forma de discriminação ou riscos
enfrentados por grupos vulneráveis, incluindo a população LGBT.
Em acréscimo, a Comissão Internacional de Juristas e o Serviço
Internacional de Direitos Humanos, em nome de uma coalizão de direitos
humanos, desenvolveram um conjunto de princípios jurídicos sobre a
aplicação do direito internacional às violações dos direitos humanos com
base na orientação sexual e na identidade de gênero, a fim de proporcionar
maior clareza e coerência às obrigações dos Estados nesta matéria. Na
sequência de uma reunião de peritos realizada em Yogyakarta, na
Indonésia, entre 6 e 9 de novembro de 2006, especialistas de 25 países
aprovaram por unanimidade os Princípios de Yogyakarta sobre a Aplicação
do Direito Internacional de Direitos Humanos em relação à Orientação
Sexual e Identidade de Gênero. As normas internacionais relevantes
relativas ao tratamento das pessoas LGBT em unidades prisionais estão
resumidas no Princípio 9 deste documento e são abaixo elencadas.
120
ilegais à sua honra e reputação. Toda a pessoa tem direito à proteção da lei
contra essas ingerências ou esses ataques.
121
e) Assegurar que as visitas conjugais, onde são permitidas, sejam
concedidas na base de igualdade a todas as pessoas aprisionadas ou
detidas, independente do gênero de sua parceira ou parceiro;
f) Proporcionar o monitoramento independente das instalações de
detenção por parte do Estado e também por organizações não
governamentais, inclusive organizações que trabalhem nas áreas de
orientação sexual e identidade de gênero;
g) Implantar programas de treinamento e conscientização, para o pessoal
prisional e todas as outras pessoas do setor público e privado que estão
envolvidas com as instalações prisionais, sobre os padrões
internacionais de direitos humanos e princípios de igualdade e não
discriminação, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de
gênero.
8.2.1. Legislação
122
revogação das disposições criminais e outras disposições legais que proíbem,
ou são efetivamente empregues para proibir, a atividade sexual consensual
entre pessoas do mesmo sexo maiores de idade e a garantia de que o conceito
de igualdade de consentimento se aplique tanto para atividade sexual mantida
com pessoas do mesmo sexo, quanto para atividade sexual mantida com
pessoas do sexo oposto (OHCHR, 2007).
Até que tais disposições sejam revogadas, os Princípios de Yogyakarta
exigem que os Estados nunca imponham a pena de morte a qualquer pessoa
condenada por esta prática, que comutem as penas de morte já decretadas e
libertem todos aqueles que estão atualmente aguardando execução por prática
de crimes relacionados com atividade sexual consensual entre pessoas adultas
do mesmo sexo (OHCHR, 2007).
O Conselho das Nações Unidas para os Direitos Humanos apelou a todos os
Estados que ainda mantém a pena de morte que "garantam que a noção e
definição de crimes mais sérios não ultrapassem os crimes intencionais com
consequências letais ou extremamente graves e que esta pena não seja
imposta a atos não violentos como [...] relações sexuais consensuais entre
adultos do mesmo sexo [...]"(UN Commission on Human Rights, 2003, 2004,
2005).
Ainda, o Conselho solicitou reiteradamente aos Estados que descriminalizem
atos sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo, de acordo com os
artigos 17º e 26º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e tomem
todas as medidas necessárias para proteger os homossexuais contra o
assédio, a discriminação e os atos de violência.
Além disso, a vulnerabilidade à infecção pelo HIV aumenta dramaticamente
quando as relações sexuais com pessoas do mesmo sexo são criminalizadas,
excluindo muitos membros da população LGBT de programas de prevenção e
tratamento para este agravo (UNAIDS, 2006). As epidemias de HIV que
ameaçaram a saúde das sociedades em muitos países em todo o mundo,
incluindo especialmente os ambientes prisionais, levaram à necessidade
urgente de considerar este fato na reforma das legislações relativas às
123
relações entre pessoas do mesmo sexo (UN Commission on Human Rights,
2003, 2004, 2005).
Boas Práticas
Proteção legal contra a discriminação baseada na orientação sexual na
África do Sul
Em 1996, a África do Sul tornou-se o primeiro país a consagrar na sua
Constituição medidas de proteção contra a discriminação baseada na
orientação sexual. Esta disposição levou a decisões jurídicas abrangentes que
defendem a igualdade de gays e lésbicas e o avanço dos direitos dos parceiros
do mesmo sexo.
Em 1998, o Tribunal Constitucional, agindo segundo a Cláusula de Igualdade
estabelecida pela Constituição em 1996, anulou por unanimidade as "leis de
sodomia" no país. Em uma ampla decisão, considerou que estas leis, que
criminalizavam a conduta homossexual, violavam não só a proteção da
privacidade, mas também os princípios de igualdade e dignidade (UNODC,
2009).
124
Boas Práticas
Advocacy e Sentenças alternativas nos Estados Unidos
Um dos programas administrados pelo Transgender, Gender Variant e Intersex
Justice Project (TGIJP), na Califórnia, visa a promoção de sentenças
alternativas para esta população. Reconhecendo que as pessoas transgênero
e intersexo (TGI) experimentam abusos físicos, sexuais e emocionais extremos
e outras formas de violência enquanto privados de liberdade, este programa
busca reduzir o número total de pessoas desta população que entram no
sistema penitenciário.
Especificamente, o TGIJP auxilia estas pessoas, intercedendo junto ao poder
judiciário, solicitando a aplicação de medidas alternativas à privação de
liberdade, e conduzindo-as para serviços de assistência social, à saúde e a
outras formas de apoio socioeconómico de que necessitem. Em acréscimo, o
TGIJP presta também auxilio a privados de liberdade pertencentes a esta
população (UNODC, 2015).
125
confidencialidade em relação à sua orientação sexual e identidade de gênero e
incluírem em suas recomendações instruções claras sobre os procedimentos a
seguir em casos de violência física e/ou sexual destes privados de liberdade
(UNODC, 2012).
Ao nível descentralizado, as administrações penitenciárias devem assumir a
responsabilidade e tomar todas as medidas necessárias para garantir a
segurança destes privados de liberdade, reconhecendo que, mesmo com
mecanismos de denúncia efetivos, não se pode presumir que os privados de
liberdade LGBT não serão vítimas de represálias caso avancem com um
processo dessa natureza (UNODC, 2009).
As políticas e práticas de gestão precisam ser inequívocas quanto às
consequências e ações disciplinares que recaem sobre as equipes de
profissionais do sistema em casos de assédio, violência e abuso exercido
sobre elementos desta população.
Ainda, e como em outros casos, a consulta de representantes comunitários e
organizações LGBT deve ser considerada na formulação de políticas e
estratégias apropriadas para proteção e reintegração social destes privados de
liberdade.
Devem também ser desenvolvidos padrões mensuráveis para monitorar e
avaliar os resultados dessas estratégias e práticas. A coleta e avaliação de
dados devem constituir um elemento essencial das políticas relativas à
proteção desta população (UNODC, 2009).
126
Os profissionais devem também ser treinados na execução de
procedimentos específicos para casos de agressões físicas e sexuais,
garantindo que as vitimas sejam prontamente assistidas e recebam a proteção
de que necessitam. Em acréscimo, devem ainda ser treinados para detectar
sinais e comportamentos que indiquem tendências suicidas e encaminhar os
privados de liberdade que os manifestem para serviços de apoio psicológico,
conforme necessário.
Devem ser implementadas ações de sensibilização, para que os
profissionais se predisponham a ter uma escuta ativa face às denúncias
realizadas por estes privados de liberdade.
As administrações penitenciárias devem instituir políticas de recrutamento
inclusivas, devendo os profissionais do sistema prisional ser representativos
dos diferentes grupos sociais. Estas políticas não apenas sublinham a adoção
e execução de ações de não discriminação, como melhoram as relações
interpessoais entre esta população e dos diferentes grupos de profissionais do
sistema prisional (UNODC, 2009).
127
Assim, a população de privados de liberdade LGBT nunca deve ser
acomodada em dormitórios ou celas onde permaneçam também privados de
liberdade que possam representar um risco para sua segurança. Diferentes
relatórios de avaliação indicam que os privados de liberdade LGBT que se
identificam como pertencentes a esta população preferem ser alojados junto
com outros privados de liberdade LGBT ao invés de junto com as restantes
populações das unidades prisionais, no seio das quais se sentem em maior
risco de vitimização. Esta preferência verifica-se mesmo nos casos em que o
alojamento separado dos restantes privados de liberdade possa significar o
isolamento. É, no entanto, de extrema importância que as preocupações e
pontos de vista dos próprios privados de liberdade sejam considerados quando
de sua acomodação (Princípios de Yogyakarta, Principio 9, alínea C., OHCHR,
2007).
Relativamente aos privados de liberdade transgêneros, a sua acomodação
não deve, em circunstância alguma, ter lugar sem que os mesmos sejam
consultados e cada um dos casos deve ser ponderado individualmente. A
acomodação destes privados de liberdade, considerado seu gênero à
nascença – sobretudo nos casos em que a transformação se deu do sexo
masculino para o sexo feminino – potencia, em grande medida, os abuso
sexuais e o estupro, independentemente destes privados de liberdade terem
sido submetidos ou não a uma cirurgia de reatribuição de gênero (Princípios de
Yogyakarta, Principio 9, alínea C., OHCHR, 2007).
É também essencial a implementação de políticas e ações estratégicas
eficazes que permitam que os privados de liberdade LGBT tenham acesso a
medidas protetoras específicas, sempre que essa necessidade se faça sentir.
Em acréscimo, não deve haver discriminação na qualidade do alojamento
oferecido aos privados de liberdade LGBT (UNODC, 2009).
128
sentido de facilitar o contato da população de privados de liberdade LGBT com
o mundo exterior ao sistema prisional (UNODC, 2012).
Em jurisdições onde as visitas íntimas são permitidas para casais
heterossexuais, mas não para a população LGBT, deve ser considerada a
revisão das normas, por forma a garantir que todos os privados de liberdade
gozem dos mesmos direitos, independentemente da sua orientação sexual e
identidade de gênero.
Da mesma forma, quando a legislação penal não permite quaisquer visitas
íntimas, deve considerar-se a alteração das normas, por forma a evitar a
interrupção dos vínculos familiares e comunitários, exacerbando assim o
sentimento de isolamento dos privados de liberdade e prejudicando suas
perspectivas de suporte enquanto pré-egressos e egressos. As normas
relativas às visitas devem aplicar-se a todos os privados de liberdade,
independentemente de sua orientação sexual e identidade de gênero (UNODC,
2012).
Boas Práticas
Acabar com a discriminação baseada na orientação sexual para visitas
conjugais de privados de liberdade LGBT no México
Em julho de 2007, a Comissão Nacional de Direitos Humanos do México
anunciou que o sistema prisional permitiu a primeira visita conjugal a um
privado de liberdade homossexual, de acordo com as recomendações da
mesma Comissão. Nas unidades penitenciárias mexicanas, os privados de
liberdade podem receber visitas conjugais e a maioria não exige que o visitante
seja legalmente casado com o privado de liberdade (UNODC, 2009).
129
As necessidades específicas ao nível dos cuidados de saúde dos privados
de liberdade LGBT podem incluir: o tratamento para doenças sexualmente
transmissíveis, incluindo HIV/AIDS, para o uso abusivo de drogas, e
aconselhamento para transtornos mentais associados a situações de
vitimização decorrentes de atos de violência sexual e estupro de que foram
vítimas, entre outros.28
Os privados de liberdade com disforia de gênero devem poder ter acesso ao
mesmo tratamento disponível na comunidade, como é o caso da terapia de
substituição hormonal, bem como a suporte psicológico, se necessário.
Aos privados de liberdade transexuais que já se encontravam a realizar
terapia de substituição hormonal antes de seu ingresso no sistema prisional, a
continuidade do tratamento deve ser assegurada. Em acréscimo, caso a
cirurgia de reatribuição de sexo estiver disponível na comunidade, deve
também estar disponível para os privados de liberdade que a desejem realizar.
28
Em acréscimo, devem estar disponíveis nas unidades prisionais, e acessíveis a todos os privados de liberdade, programas de
prevenção do HJV/AIDS que incluam a distribuição de informação sobre formas de transmissão e métodos de prevenção.
130
físicos e sexuais nas unidades prisionais ou mesmo antes de seu ingresso no
sistema penitenciário.
As organizações não governamentais e outras da sociedade civil que
trabalham com direitos e demandas específicos da população LGBT devem ser
encorajadas a visitar as unidades prisionais e a implementar programas
específicos que atendam às necessidades deste grupo de privados de
liberdade. O trabalho de tais organizações pode também incidir sobre a
sensibilização dos funcionários das unidades prisionais para todas as
particularidades e especificidades características desta população.
8.2.9. Segurança
Como tem vindo a ser enfatizado ao longo deste capítulo, a segurança é uma
das primeiras demandas a considerar, no sistema prisional, com relação à
população LGBT.
Desta forma, os privados de liberdade LGBT podem ser protegidos através:
da implementação de uma política e de uma estratégia de gestão claras que
assegurem a não discriminação e proteção destas pessoas (veja-se a seção
8.2.3.1.); do recrutamento cuidadoso de pessoal e treinamento adequado do
mesmo (veja-se a seção 8.2.3.2.); do uso de um sistema de classificação que
reconheça os riscos enfrentados pelos privados de liberdade LGBT e que
garanta que estes não serão acomodados junto a possíveis perpetradores
(seção 8.2.5.); e de medidas de supervisão adequadas que incidam sobre os
profissionais que atuam nas unidades e sobre os próprios restantes grupos de
privados de liberdade. Mas há outros procedimentos fundamentais para
atender às demandas relativas à segurança que a população LGBT apresente:
a) Procedimentos de denúncia: São outro componente chave das medidas
para garantir a segurança nas unidades prisionais, desde que
constituam um mecanismo efetivo, acessível e confidencial. Semelhante
a todos os privados de liberdade, a população LGBT deve poder realizar
uma denúncia sem sofrer retaliações por parte das equipes de
profissionais ou por parte dos restantes grupos de privados de liberdade,
devendo suas denúncias receber respostas rápidas e efetivas. As
131
vítimas ou potenciais vítimas de abuso devem ser imediatamente
colocadas sob proteção e, nos casos em que o abuso já tiver ocorrido, o
privado de liberdade deve ainda receber toda a assistência médica e
apoio psicológico necessários.
Em alguns sistemas penitenciários foi adotada uma abordagem mais
progressista, garantindo a proteção das vítimas através da aplicação de
medidas de segurança ao agressor (enquanto decorrem as
investigações), ao invés de aplicadas às primeiras.
Em situações de violência e abuso sexuais, as evidências, inclusive
físicas, devem ser imediatamente colhidas, uma vez que constituem
provas materiais essenciais para as medidas disciplinares a aplicar. Isto
porque, dependendo do tipo de ato cometido, deve haver lugar a um
processo disciplinar interno ou um processo penal externo, envolvendo
estes a coleta de provas físicas, entrevistas com testemunhas e
interrogatório de suspeitos. Os perpetradores devem ser levados à
justiça, conforme exigido pelo direito internacional dos direitos humanos
e, na maioria dos países, pela legislação nacional (OHCHR, 2007,
UNODC, 2007, 2009, 2012).
Demonstrar que as denúncias de privados de liberdade LGBT ou de
outros, sobre abuso sexual, violência e estupro nas unidades prisionais
devem ser seriamente consideradas e os perpetradores penalizados em
conformidade, envia uma forte mensagem a todos os potenciais
perpetradores, mostrando que tais atos criminosos não serão tolerados
(UNODC, 2009).
b) Medidas disciplinares: O uso excessivo de punições disciplinares em
relação aos privados de liberdade LGBT pode ser um indicador de
discriminação dentro de uma unidade prisional. Em alguns sistemas
penitenciários, a segregação administrativa pode ser usada como
punição disciplinar para esta população de forma desproporcional. Da
mesma forma, os privados de liberdade LGBT vítimas de algum tipo de
abuso podem ser colocados em situação de isolamento, ostensivamente
132
para sua própria proteção, enquanto os perpetradores não recebem
qualquer tipo de punição.
Este tipo de práticas viola o princípio da não discriminação consagrado
em uma série de instrumentos internacionais de direitos humanos,
incluindo as Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos (UN
ECOSOC, 1955).
Devem, portanto, existir normas de conduta e procedimentos claros,
exibidos em local visível a todos os funcionários, para que estes possam
tomar a decisão de adotar as medidas mais adequadas a cada situação.
Devem ainda ser mantidos registros relativos ao uso de todas as
medidas disciplinares (UNODC, 2012).
c) Procedimentos de revista: Devem ser proibidas buscas e revistas
frequentes e desnecessárias a privados de liberdade LGBT e devem
existir registros atualizados quanto ao número de vezes e circunstâncias
em que um privado de liberdade é revistado ou realizado qualquer tipo
de busca em suas acomodações, para que seja possível identificar atos
de discriminação.
A execução da revista íntima deve ter sempre uma justificação
adequada. Caso esta seja necessária, os privados de liberdade devem
poder escolher o gênero do responsável pela realização dessa mesma
revista, para que seja garantida a menor interferência ao nível da
dignidade pessoal (UNODC, 2007, 2009, 2012).
133
como através do estabelecimento de mecanismos de cooperação com serviços
de assistência social, para facilitar assistência a esta população na procura de
habitação e emprego, sem discriminação.
No caso dos privados de liberdade estarem sendo submetidos a qualquer
tratamento para qualquer condição de saúde, incluindo programas de terapia
de substituição hormonal e/ou programas para o cuidado face ao uso abusivo
de substâncias, as administrações penitenciárias devem assegurar a
articulação com os serviços de saúde existentes na comunidade para que o
tratamento possa ser continuado sem interrupção após o cumprimento da
pena.
8.2.11. Monitoramento
Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, apresenta-se a sistematização do conjunto de recomendações
internacionais para a formulação de políticas e ações estratégicas para a
população LGBT no Sistema Penal:
PARA OS LEGISLADORES
134
– Nos países onde ainda vigoram leis que criminalizam relações consentidas
entre adultos do mesmo sexo, deve ser revisada a legislação penal à luz dos
pressupostos e requisitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, da Convenção contra a
Tortura e outras Formas de Tratamento e Punição Cruéis, Desumanos ou
Degradantes, com vista à revogação das mesmas;
– E, entretanto, esses países não devem impor a pena de morte ou o castigo
corporal a pessoas condenadas por tais atos.
135
– Consultar representantes da comunidade de grupos e organizações LGBT na
formulação de políticas e estratégias de ação adequadas a esta população;
– Desenvolver padrões mensuráveis para monitorar e avaliar os resultados
dessas mesmas políticas, estratégias e práticas de ação.
Recursos Humanos
– Designar um número adequado de funcionários responsáveis pela
supervisão desta população por forma a garantir a sua segurança;
– Implementar ações de capacitação e treinamento para todos os funcionários
do sistema prisional que incluam a conscientização sobre os padrões
internacionais de direitos humanos e os princípios de igualdade e não
discriminação, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de
gênero;
– Incluir, nos currículos dessas ações de capacitação e treinamento, regras
específicas para proibição da discriminação de privados de liberdade LGBT,
realçando suas demandas específicas;
– Não discriminar elementos das equipe de funcionários pertencentes à
população LGBT e fazer esforços para, na medida do possível, garantir que as
equipes do sistema prisional representem diferentes integrantes desta
população.
Acesso à justiça
– Auxiliar os privados de liberdade LGBT no acesso a advogados/defensores
públicos, assistência judiciária e outros serviços de apoio desde a sua entrada
no sistema penal, sem discriminação;
– Fornecer nomes e detalhes de contatos das organizações da sociedade civil
que auxiliam esta população no sistema de justiça criminal.
Classificação e Acomodações
– Fazer uso de um sistema de classificação que reconheça as demandas
específicas da população LGBT;
136
– Considerar os desejos e preocupações dos próprios privados de liberdade
para fins de alocação;
– Não alojar privados de liberdade LGBT em dormitórios/celas ou áreas
conjuntas com outros privados de liberdade que possam representar uma risco
para sua segurança;
– Não presumir que é apropriado alojar privados de liberdade transgêneros de
acordo com seu sexo biológico e, em vez disso, consultá-los sobre o local em
que desejam ser alocados e ter em consideração as diferentes necessidades de
acomodação daqueles que não realizaram a cirurgia de reatribuição do sexo;
dos que já a realizaram e dos que atravessam o processo de transição;
– Garantir que não haja discriminação na qualidade das acomodações
facultadas a esta população.
137
– Atender às demandas específicas relativas aos cuidados de saúde dos
privados de liberdade LGBT, incluindo o tratamento disponível na comunidade
para a disforia do gênero, como: a terapia de substituição hormonal e a cirurgia
de reatribuição de sexo;
– Desenvolver e implementar programas para prevenção do HIV/AIDS e das
hepatites virais para todas as populações de privados de liberdade, inclusive
para a população LGBT.
Segurança
– Executar ações de capacitação e treinamento dos profissionais desta área
que incluam em seus currículos o ensino de mecanismos de supervisão e
procedimentos de atuação em casos de agressão sexual, para permitir a
efetiva detecção e prevenção de abuso e violência sexual contra todos os
privados de liberdades, incluindo a população LGBT;
– Estabelecer mecanismos de denúncia efetivos, eficazes, acessíveis e
confidenciais;
138
– Garantir que os privados de liberdade pertencentes à população LGBT não
sejam discriminados no decurso de um processo desta natureza;
– Não discriminar os privados de liberdade LGBT no uso de punições
disciplinares;
– Garantir que as buscas e revistas a privados de liberdade de LGBT não
sejam conduzidas de forma arbitrária e desnecessária, e respeitar os desejos
dos privados de liberdade transgêneros em relação ao gênero da pessoa que
conduz a busca e a revista;
– Implementar políticas efetivas para permitir que os privados de liberdade
LGBT tenham acesso a medidas de proteção específicas, sempre que elas se
justificarem.
Monitoramento
– Implementar mecanismos para o monitoramento e avaliação independentes
das práticas de violência sexual em geral; de discriminação baseada na
orientação sexual; e de abuso sexual e violência perpetrada contra privados de
liberdade LGBT, em particular;
– Tomar medidas com base nos dados obtidos para garantir que sejam
evitados o tratamento distinto dos privados de liberdade LGBT e o abuso físico
e/ou sexual de todos os privados de liberdade, inclusive dos que pertencem à
população LGBT.
139
IX. MINORIAS ÉTNICO-RACIAIS E POPULAÇÕES INDÍGENAS
Artigo 27º
140
Nos Estados em que existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, não
será negado o direito que assiste às pessoas que pertençam a essas minorias,
em conjunto com os restantes membros do seu grupo, a ter a sua própria vida
cultural, a professar e praticar a sua própria religião e a utilizar a sua própria
língua.
Artigo 1º
1. Os Estados Partes condenam a discriminação racial e comprometem-se a
adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, uma política de
eliminação de todas as formas de discriminação racial e de promoção da
harmonia entre todas as raças, e, para este fim:
[...]
b) Os Estados Partes comprometem-se a não incitar, defender ou apoiar a
discriminação racial praticada por qualquer pessoa ou organização;
c) Os Estados Partes devem tomar medidas eficazes a fim de rever as políticas
governamentais nacionais e locais e para modificar, revogar ou anular as leis e
qualquer disposição regulamentar que tenha como efeito criar a discriminação
racial ou perpetuá-la onde já existir;
d) Os Estados Partes devem, por todos os meios apropriados – inclusive, se as
circunstâncias o exigirem, com medidas legislativas – proibir a discriminação
racial praticada por quaisquer pessoas, grupos ou organizações, pondo-lhes
um fim [...].
141
raciais ou étnicos, em particular não cidadãos – incluindo imigrantes,
refugiados, requerentes de asilo e apátridas – população cigana, povos
indígenas, populações deslocadas, pessoas discriminadas por causa da sua
descendência, bem como outros grupos vulneráveis particularmente expostos
à exclusão, à marginalização e à não integração na sociedade, prestando
especial atenção à situação das mulheres e das crianças pertencentes aos
grupos acima mencionados, que são suscetíveis de múltiplas discriminações
por causa de sua raça e por causa de seu sexo ou sua idade, determina:
[...]
Estratégias para prevenir a discriminação racial na administração e
funcionamento do sistema de justiça criminal:
5. Os Estados Partes devem instituir estratégias nacionais cujos objetivos
devem incluir:
a) Eliminação das leis que tenham um impacto em termos de discriminação
racial, particularmente aquelas que visam certos grupos, penalizando,
mesmo que indiretamente, atos que apenas podem ser cometidos por
pessoas pertencentes a esses grupos, ou leis que se aplicam apenas a
não nacionais sem motivos legítimos ou que não respeitem o princípio
da proporcionalidade;
b) Desenvolvimento, através de programas de educação adequados, de
atividades de formação em matéria de direitos humanos, tolerância e
convivência entre os diferentes grupos raciais ou étnicos, bem como
ações de sensibilização para a existência e promoção de relações
interculturais, dirigidos aos funcionários responsáveis pela aplicação da
lei: pessoal das forças policiais, pessoas que trabalham no sistema de
justiça, em instituições penitenciárias, estabelecimentos psiquiátricos,
serviços sociais e médicos etc.;
c) Promoção do diálogo e da cooperação entre as autoridades policiais e
judiciais e os representantes dos diversos grupos acima referidos, a fim
de combater o prejuízo e criar uma relação de confiança;
142
d) Promoção de uma representação adequada, nas forças policiais e no
sistema de justiça, de pessoas pertencentes aos grupos raciais e étnicos
acima referidos;
e) Garantia do respeito e do reconhecimento dos sistemas tradicionais de
justiça dos povos indígenas, em conformidade com o direito
internacional dos direitos humanos;
f) Proceder às mudanças necessárias ao regime prisional para privados de
liberdade pertencentes aos grupos acima referidos, por forma a
considerar suas práticas culturais e religiosas.
[...]
Prisão provisória
26. Considerando os dados estatísticos que mostram que as pessoas detidas
provisoriamente incluem um número excessivamente elevado de não nacionais
e de pessoas pertencentes aos grupos supracitados, os Estados Partes devem
assegurar:
(a) Que o simples fato de pertencer a um grupo racial ou étnico ou a
qualquer um dos grupos acima mencionados não é uma razão
suficiente, de jure ou de fato, para aplicação da medida de prisão
provisória. Essa detenção provisória pode ser justificada apenas por
motivos objetivos estipulados pela lei, tais como: risco de fuga; risco de
destruição de provas e evidências; risco de influenciar testemunhas; ou
ainda risco de perturbação grave da ordem pública. [...]
[...]
Garantia de uma sentença justa
34. A este respeito, os Estados devem assegurar que os tribunais não
apliquem sentenças e penas mais severas apenas por causa da pertença do
arguido a um grupo racial ou étnico específico;
35. Deve ser dada especial atenção a este respeito ao sistema de penas
mínimas e detenções obrigatórias aplicáveis a certas ofensas e à pena de
morte em países que não a aboliram, tendo em conta os relatórios
internacionais que indicam que essa punição é imposta e realizada com mais
frequência contra pessoas pertencentes a grupos raciais e étnicos específicos.
143
36. No caso de pessoas pertencentes a povos indígenas, os Estados Partes
devem privilegiar as alternativas à pena privativa de liberdade e outras formas
de punição mais adaptadas ao seu sistema jurídico, tendo em atenção, em
particular, a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho
sobre Povos Indígenas e outros Povos Tribais em Países Independentes.
[...]
Execução da sentença
38. Quando as pessoas pertencentes aos grupos acima referidos estão em
situação de privação de liberdade, os Estados Partes devem:
(a) Garantir a essas pessoas o gozo de todos os direitos a que os privados
de liberdade têm direito ao abrigo das normas internacionais relevantes,
em particular os direitos especialmente adaptados à sua situação: o
direito ao respeito de suas práticas religiosas e culturais, o direito ao
respeito de seus costumes no que diz respeito à alimentação, o direito
às relações com suas famílias, o direito à assistência de um intérprete, o
direito a prestações sociais básicas e, se for caso disso, o direito à
assistência consular. Os serviços médicos, psicológicos ou sociais
oferecidos aos privados de liberdade devem ter em consideração seus
antecedentes culturais;
(b) Garantir a todos os privados de liberdade, cujos direitos foram violados,
o direito a um recurso efetivo perante uma autoridade independente e
imparcial.
Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (UN
ECOSOC, 1955)
Disciplina e Sanções
Regra 30
144
(3) Quando necessário, e se praticável, o privado de liberdade deve poder
realizar sua defesa através de um intérprete.
Religião
Regra 41
1. Se o estabelecimento prisional reunir um número suficiente de reclusos da
mesma religião, deve ser nomeado ou autorizado um representante qualificado
dessa religião. Se o número de reclusos o justificar e as circunstâncias o
permitirem, deve ser encontrada uma solução permanente para a prática
religiosa.
2. O representante qualificado, nomeado ou autorizado nos termos do
parágrafo 1 desta Regra, deve ser autorizado a organizar periodicamente
serviços religiosos e a fazer, sempre que for aconselhável, visitas pastorais
privadas, num horário apropriado, aos privados de liberdade da sua religião.
3. O direito de entrar em contato com um representante qualificado da sua
religião nunca deve ser negado a qualquer privado de liberdade. Por outro lado,
se um privado de liberdade se opõe à visita de um representante de uma
religião, a sua vontade deve ser plenamente respeitada.
Regra 42
Tanto quanto possível, cada recluso deve ser autorizado a satisfazer as
exigências da sua vida religiosa, assistindo aos serviços ministrados no
estabelecimento prisional e tendo na sua posse livros de rito e prática de
ensino religioso da sua confissão.
Nota:
Informações complementares sobre as normas internacionais
estabelecidas para o tratamento de minorias étnico-raciais e
populações indígenas no sistema penal podem ser obtidas
através da consulta da Declaração das Nações Unidas sobre
os Direitos das Pessoas Não Nacionais, Pertencentes Minorias
Étnicas, Religiosas e Linguísticas, aprovada pela resolução
47/135 da Assembleia Geral de 18 de dezembro de 1992; da
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos
145
Indígenas, aprovada pela Resolução da Assembleia Geral
A/61/L.67 de 13 de setembro de 2007; da Convenção n.º 169
relativa aos Povos Indígenas e Tribais, aprovada em 27 de
junho de 1989 pela Conferência Geral da Organização
Internacional do Trabalho em sua 76º sessão.
29
O Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e tem
representação no Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, bem como no Comitê de Direitos Humanos das Nações
Unidas.
146
judicialmente discriminatórias, não oferecem reais benefícios ao nível da
prevenção da reincidência dos crimes praticados (EU, 2015).
Em face destas preocupações e de acordo com o artigo 2º (c) da CERD, as
sentenças de cumprimento obrigatório de penas de privação de liberdade que
resultam em excesso de representação de determinados grupos populacionais
precisam ser reavaliadas. Os infratores que diferem em termos de conduta,
perigo para a comunidade e culpa não devem ser tratados de forma idêntica,
independentemente do grupo de pertença. As estratégias de aplicação da lei
precisam ser revistas por forma a torná-las racialmente mais equitativas
(CERD, 2005, parágrafo 36).
Outras políticas afirmativas que impeçam a prisão injusta, e muitas vezes
desnecessária, de minorias étnico-raciais e povos indígenas, e que ao mesmo
tempo assegurem a segurança pública, devem ser implementadas e incluir:
a) A revisão das diretrizes relativas às sentenças, para que estas passem a
considerar as desvantagens socioeconômicas e o impacto
especialmente prejudicial da situação de privação de liberdade sobre
pessoas de certas culturas, levando a uma punição desproporcional face
à infração cometida (CERD, 2005);
b) O aumento do alcance das sanções não privativas de liberdade
previstas na legislação. Uma vez que a condenação decorrente da
prática de delitos relacionados com o consumo de drogas teve um
impacto considerável na presença de minorias étnico-raciais no sistema
prisional de vários países, deve considerar-se o aumento do recurso a
sanções alternativas para os casos não violentos relativos aos
consumos de drogas e garantir que as minorias étnico-raciais não sejam
discriminadas quando consideradas e abrangidas por tais sanções
(CERD, 2005);
c) O desenvolvimento de mecanismos de resolução de problemas
baseados na comunidade, particularmente para infrações menores
praticadas em algumas áreas específicas, para evitar a dependência
excessiva do sistema de justiça criminal (Racial Disparity Initiative,
2008);
147
d) O incremento do trabalho com representantes de diferentes grupos
minoritários e povos indígenas, potencializando, desta forma, o
desenvolvimento de programas adequados para atender às
necessidades de infratores de diferentes grupos, e aumentando as
possibilidades de tais grupos terem os mesmos direitos que a população
majoritária na consideração de medidas penais alternativas (The
Sentencing Project, 2002).
Boas Práticas
Reconhecendo as circunstâncias especiais dos povos indígenas
no Canadá
Em 1996, o Código Penal do Canadá foi alterado para prever que
todas as sanções disponíveis, além do encarceramento, fossem
consideradas para todos os infratores, com especial referência às
circunstâncias dos povos indígenas. A medida foi projetada para
reduzir o nível de sobrerrepresentação indígena no sistema
penitenciário do país, reconhecendo que as circunstâncias dos
infratores indígenas são diferentes das de infratores não indígenas
(Law Reform Commission of Western Australia, 2006).
148
eficaz na divulgação de uma noção cultural positiva e construtiva de
vergonha face aos atos praticados e os anciãos fornecem também
informações valiosas ao juiz sobre o indiciado e aspectos culturais
relevantes. Os tribunais aborígenes não pertencem à mesma
categoria dos tribunais de resolução de problemas, como tribunais
relacionados com o uso de drogas que também existem no país. São
vistos como uma ferramenta que permite reajustar o equilíbrio face ao,
até então, existente tratamento injusto das povos indígenas dentro do
sistema de justiça criminal, indo ao encontro de suas especificidades.
E embora não tenha ainda havido uma avaliação sistematizada da
eficácia dos tribunais aborígenes em termos de reincidência dos
comportamentos criminosos, parece que estes alcançaram ganhos
significativos em termos de resultados ao nível da adequação na
aplicação de sentenças para estes povos (Law Reform Commission of
Western Australia, 2006).
149
9.2.2. Administração Prisional
150
Neste sentido, devem realizar-se todos os esforços para recrutar pessoal
pertencente a minorias étnico-raciais e povos indígenas sobrerrepresentados
no sistema penal. Esta medida será de grande utilidade para garantir uma
melhor compreensão, por parte dos funcionários do sistema penitenciário, das
diferentes culturas e para estabelecer uma atitude mais justa em relação aos
privados de liberdade de grupos minoritários e povos indígenas, podendo
também ajudar a promover a confiança entre privados de liberdade e
funcionários do sistema. Os funcionários pertencentes a grupos
sobrerrepresentados no sistema penal precisam ter representação nos
diferentes níveis da administração penitenciária: ao nível da gestão, mas
também ao nível da supervisão direta daqueles que se encontram em situação
de privação de liberdade (UNODC, 2007, 2009, 20015).
As ações de capacitação dos funcionários devem incluir a formação em
questões interculturais e na compreensão das necessidades específicas dos
grupos minoritários e povos indígenas, devendo ainda ser claras quanto à não
tolerância da discriminação no sistema penal (UNODC, 2009).
A nível da gestão devem também ser adotadas políticas e medidas que
assegurem a não discriminação entre funcionários. Em alguns países, a etnia
ou a raça dos funcionários podem determinar o cargo desempenhado na
hierarquia institucional, o que é tão inaceitável quanto a discriminação em
relação aos privados de liberdade (UNODC, 2009).
Boas Práticas
Política de não discriminação no sistema penitenciário holandês
As necessidades especiais das minorias e a sua não discriminação são uma
parte fundamental da educação básica dos profissionais que atuam no sistema
penitenciário nos Países Baixos. A não discriminação é integrada na "política
de integridade" do Sistema Penal. Um código de conduta nacional foi
desenvolvido para esse fim e cada instituição foi obrigada a desenvolver um
código de conduta local, integrando uma política de integridade local e uma
estratégia de implementação. Partes desta política estão também integradas
nos procedimentos de recrutamento, na educação básica dos agentes
151
penitenciários, na estrutura de comunicação local e na política de sanções
aplicadas no Sistema (UNODC, 2007).
Boas Práticas
Auxilio às minorias no acesso à justiça na África do Sul
No serviço penitenciário da África do Sul, os agentes penitenciários e demais
trabalhadores das unidades prisionais que falam o idioma das minorias aí
representadas são nomeados para prestar apoio e lidar com questões
relacionadas ao acesso à justiça dessas mesmas minorias (UNODC, 2009).
152
exemplo, privados de liberdade condenados por delitos diretamente
relacionados com grupos minoritários junto a esses mesmos grupos. Segundo
o UNODC (2015), há um considerável número de ocorrências de violência, em
diferentes países, devido à falta de atenção na alocação de privados de
liberdade pertencentes a minorias étnico-raciais.
Por outro lado, a segregação de minorias e privados de liberdade indígenas
não constitui uma boa prática, uma vez que a integração e o entendimento
mútuo entre privados de liberdade devem ser encorajados. Deve, no entanto,
considerar-se a colocação e acomodação conjunta de membros de diferentes
grupos minoritários e populações indígenas nas unidades prisionais por forma
a que estes possam estabelecer relações entre si. Tal prática baseia-se no
princípio da igualdade de tratamento e não na discriminação, na medida em
que pretende proporcionar aos membros de minorias étnicas e raciais e povos
indígenas as mesmas oportunidades que são dadas à população maioritária:
associar-se a pessoas de sua própria cultura ou de culturas similares (UNODC,
2009).
Boas Práticas
Respondendo às necessidades específicas de alojamento na Austrália
153
Uma variedade de estratégias de acomodação são empregues nas unidades
prisionais australianas como parte da gestão dos privados de liberdade em
risco de automutilação e/ou suicídio. Para estes casos, dormitórios e
acomodações em celas compartilhadas foram disponibilizados em muitas
unidades. A acomodação em dormitórios tem produzido resultados positivos na
redução dos níveis de angústia entre os privados de liberdade aborígenes
(McArthur, Camilleri, & Webb, 1999).
154
Devem também ser realizados esforços no sentido de auxiliar no transporte
de membros das famílias de grupos minoritários e populações indígenas que
vivem a longas distâncias e que não podem custear as viagens até às unidades
prisionais.
Da mesma forma, as administrações penitenciárias podem estabelecer
parcerias com organizações comunitárias e fomentar as visitas e prestação de
apoio destas aos privados de liberdade pertencentes a estes grupos que não
têm vínculos familiares (UNODC, 2007).
Boas Práticas
Ligação comunitária, México
Os/As assistentes sociais estaduais observam o relacionamento dos privados
de liberdade com o mundo extramuros para ajudá-los na reintegração social.
Por exemplo, quando a família de um privado de liberdade indígena não mais o
visita, o/a assistente social visita a sua comunidade para tentar perceber os
motivos desse afastamento. Isso ajuda a tranquilizar os privados de liberdade e
as famílias e auxilia na manutenção e melhoria das relações sociais dentro das
unidades prisionais (PRI, 2007).
155
A administração penitenciária deve fazer esforços para garantir que os
materiais de leitura das bibliotecas estejam disponíveis em todas as línguas
faladas nas unidades.
As minorias étnico-raciais e os povos indígenas devem poder expressar-se
em seu próprio idioma, nunca devendo ser punidos por esse motivo. Devem
também ser autorizados a falar em seu próprio idioma durante as visitas e usar
seu próprio idioma para correspondência e outras formas de comunicação
(UNODC, 2007).
9.2.7. Religião
156
cultural dos privados de liberdade que aí se encontram a cumprir pena,
conforme exigido pelo CERD (2005, parágrafo 38).
Da mesma forma, os serviços de assistência e cuidados ao nível da saúde
mental para estes grupos devem respeitar suas culturas e tradições (Principio
7.3. dos Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno
Mental, UN, 1991).
Estudos apontam a significativa incidência de problemas relacionais com o
consumo abusivo de álcool e drogas em alguns grupos minoritários e
populações indígenas, devendo por isso, mas também devido à estreita relação
entre o abuso de substâncias e a prática reiterada de crimes, pensar-se em
programas específicos para o tratamento da dependência química dirigidos a
estas populações.
A este nível é importante também que as administrações penitenciárias
trabalhem em parceria com grupos comunitários, no sentido de delinear
programas de tratamento e de redução de danos adequados às especificidades
destas populações, aumentando assim sua eficácia e facilitando a continuidade
dos cuidados após o cumprimento de pena e reinserção do privado de
liberdade na sociedade.
157
de liberdade, devendo, por isso, as funções que desempenham ter a mesma
qualidade que as desempenhadas pelos demais, o número de horas
trabalhadas ser igual ao dos demais, a remuneração auferida ser a mesma que
a dos demais e desfrutar das mesmas precauções aos níveis da saúde e
segurança dos demais, consideradas suas habilidades e interesses (UNODC,
2009).
Na medida do possível, a capacitação e o trabalho ofertados a estes grupos
devem corresponder às oportunidades de emprego existentes nas
comunidades a que pretendem regressar (UNODC, 2009).
158
Boas Práticas
Apoio aos egressos no Canadá
Os egressos aborígenes são apoiados por um “coordenador de emprego” que
realiza entrevistas e auxilia na procura de emprego. Estes coordenadores
foram especificamente treinados numa técnica específica de avaliação de
habilidades aborígenes desenvolvida pelo Conselho de Desenvolvimento de
Recursos Humanos dos Aborígenes. A técnica é amplamente utilizada na
comunidade aborígene por escolas, conselheiros de emprego comunitários e
pessoas que procuram emprego. Na região das Pradarias Canadenses, dois
dos quatro coordenadores de emprego da comunidade são membros das
comissões de emprego aborígenes em seus distritos de liberdade condicional.
Tal fato possibilita o acesso a uma vasta rede de agências de emprego onde
os egressos podem ser integrados em programas que facilitam a sua
reintegração na comunidade (Boone, 2006).
9.2.10. Segurança
159
Além disso, os agentes penitenciários devem supervisionar as áreas comuns
com regularidade por forma a evitar qualquer comportamento abusivo e/ou
violento sobre grupos minoritários e populações indígenas.
O uso excessivo de sanções disciplinares sobre estes grupos é um indicador
comum de discriminação dentro das unidades prisionais. As denúncias de
discriminação racial e étnica, assédio e abuso por parte de agentes e demais
funcionários penitenciários e por parte de outros privados de liberdade devem
ser cuidadosamente investigadas pela administração e, idealmente, por uma
autoridade independente (como, por exemplo, autoridades judiciais
responsáveis pelo controle das unidades prisionais) e ações apropriadas
devem ser tomadas.
As restrições físicas devem ser sempre usadas como medida de último
recurso para todos os privados de liberdade, regra que se aplica de igual forma
aos privados de liberdade de minorias étnico-raciais ou de populações
indígenas. Procedimentos claros, entendidos por todos, devem estar em vigor
nas diferentes unidades no que respeita ao uso de restrições físicas. Devem
também existir registros atualizados relativos ao uso deste tipo de restrições,
incluindo os motivos para a sua aplicação (UNODC, 2009).
9.2.11. Monitoramento
160
9.2.12. Condição de pré-egresso e egresso
Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, sistematizam-se abaixo o conjunto de recomendações
internacionais para a formulação de políticas e ações estratégicas para as
minorias étnico-raciais e populações indígenas no Sistema Penal:
161
– Implementar mecanismos para o acompanhamento/monitoramento contínuo
de ações, comportamentos ou atitudes de discriminação com base na etnia,
raça e descendência e para garantir que o tratamento discriminatório dos
privados de liberdade, com base na raça, etnia e descendência, seja eliminado.
Recursos Humanos
– Aumentar a proporção de grupos sobrerrepresentados na força de trabalho
das unidades prisionais e nomear funcionários de grupos sobrerrepresentados
para cargos em todos os níveis da hierarquia administrativa. Tomar medidas
para garantir que não haja discriminação entre os membros do pessoal com
base na sua raça, etnia e descendência;
– Fazer do treinamento intercultural uma parte integrante dos currículos de
capacitação do pessoal, para ajudá-los a compreender as necessidades
especiais dos grupos minoritários e dos povos indígenas e a integrar a política
de não tolerância face à discriminação racial e étnica.
Alojamento e Acomodações
– Não sobreclassificar os privados de liberdade de grupos minoritários e
populações indígenas, reduzindo assim o uso desnecessário de unidades de
segurança máxima e, consequentemente, os custos de manutenção destas
unidades, bem como a sobrerrepresentação destes grupos nesse tipo de
unidades;
– Garantir que os privados de liberdade pertencentes a minorias étnico-raciais
e povos indígenas sejam acomodados em celas/dormitórios que lhes garantam
proteção face a comportamentos abusivos e violentos e que suas
acomodações sejam de igual qualidade que as dos restantes privados de
liberdade.
162
para aumentar as possibilidades de estes manterem vínculos com suas
famílias e comunidades;
– Fazer todos os esforços para garantir que os visitantes de grupos
minoritários e povos indígenas sejam tratados respeitosamente;
– Estabelecer parcerias com organizações comunitárias para incentivar visitas
e apoio a privados de liberdade destes grupos.
Barreiras Linguísticas
– Assegurar que sejam cumpridos os requisitos linguísticos dos grupos
minoritários e dos povos indígenas, incluindo a tradução das regras e
regulamentos da prisão, a interpretação durante as audiências disciplinares e
os programas assistenciais, bem como o fornecimento de materiais de leitura
em línguas minoritárias;
– As regras da unidade prisional devem ser explicadas verbalmente, não
obstante o fato de serem facultadas também por escrito;
– Não devem ser penalizados membros de grupos minoritários e povos
indígenas por fazerem uso de seu próprio idioma, quer verbalmente nas
instalações das unidades, quer em outras formas e espaços de comunicação.
Religião
– Devem ser asseguradas as necessidades espirituais/religiosas dos privados
de liberdade pertencentes a grupos minoritários e populações indígenas,
incluindo o acesso aos representantes de sua própria fé, espaços de adoração,
dietas especiais e requisitos de higiene, conforme relevante.
Acesso à Saúde
– Proporcionar o mesmo acesso aos cuidados de saúde para os privados de
liberdade de grupos minoritários e populações indígenas que os facultados à
demais populações de privados de liberdade, considerando a sua condição de
risco particularmente elevado relativa a certas condições de saúde, como a
dependência de álcool e outras drogas;
163
– Garantir que os cuidados de saúde oferecidos nas unidades prisionais
considerem o contexto cultural dos privados de liberdade.
Segurança
– Proceder a classificações corretas e cuidadosas no que respeita ao nível de
segurança atribuído a estas populações, em semelhança aos procedimentos
utilizados para classificação dos demais privados de liberdade;
– Assegurar que os agentes penitenciários supervisionem regularmente as
áreas comuns das unidades prisionais, por forma a evitar quaisquer
comportamentos violentos e/ou abusivos sobre as minorias étnicas e raciais e
as populações indígenas;
– Estabelecer procedimentos claros em relação ao uso de medidas
disciplinares, para garantir que as punições disciplinares não sejam usadas de
forma desproporcional sobre membros de grupos minoritários e populações
indígenas;
– Investigar cuidadosamente as denúncias de discriminação com base na
etnia, raça e descendência, assédio e abuso perpetrados, quer por
164
funcionários do sistema prisional, quer por outros privados de liberdade, e
tomar as medidas disciplinares adequadas.
165
X. ESTRANGEIROS
Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (UN
ECOSOC, 1955)
Disciplina e Sanções
Regra 30
(3) Quando necessário, e se praticável, o recluso deve poder realizar sua
defesa através de um intérprete.
Religião
Regra 41
(1) Se o estabelecimento prisional reunir um número suficiente de reclusos da
mesma religião, deve ser nomeado ou autorizado um representante qualificado
dessa religião. Se o número de reclusos o justificar e as circunstâncias o
permitirem, deve ser encontrada uma solução permanente para a prática
religiosa.
(2) O representante qualificado, nomeado ou autorizado nos termos do
parágrafo 1 desta Regra, deve ser autorizado a organizar periodicamente
serviços religiosos e a fazer, sempre que for aconselhável, visitas pastorais
privadas, num horário apropriado, aos reclusos da sua religião.
(3) O direito de entrar em contato com um representante qualificado da sua
religião nunca deve ser negado a qualquer privado de liberdade. Por outro
lado, se um privado de liberdade se opõe à visita de um representante de uma
religião, a sua vontade deve ser plenamente respeitada.
Regra 42
166
Tanto quanto possível, cada recluso deve ser autorizado a satisfazer as
exigências da sua vida religiosa, assistindo aos serviços ministrados no
estabelecimento prisional e tendo na sua posse livros de rito e prática de
ensino religioso da sua confissão.
30
Por Estado que envia deve entender-se o Estado de origem das pessoas privadas de liberdade ou em conflito com a Lei.
31
Por Estado receptor deve entender-se o Estado onde essas mesmas pessoas se encontram.
167
que envia for preso, encarcerado, posto em prisão preventiva ou detido
de qualquer outra maneira. Qualquer comunicação endereçada ao posto
consular pela pessoa detida, encarcerada ou presa preventivamente
deve igualmente ser transmitida sem tardar pelas referidas autoridades.
Estas deverão imediatamente informar o interessado dos seus direitos,
nos termos da presente alínea;
c) Os funcionários consulares terão direito a visitar o nacional do Estado
que envia que esteja encarcerado, preso preventivamente ou detido de
qualquer outra maneira, conversar e corresponder-se com ele e
providenciar quanto à sua defesa perante os tribunais. Terão igualmente
o direito de visitar o nacional do Estado que envia que, na sua área de
jurisdição, esteja encarcerado ou detido em execução de uma sentença.
Todavia, os funcionários consulares deverão abster-se de intervir em
favor de um nacional encarcerado, preso preventivamente ou detido de
qualquer outra maneira sempre que o interessado a isso se opuser
expressamente.
2. Os direitos a que se refere o parágrafo 1 do presente artigo serão exercidos
de acordo com as leis e regulamentos do Estado receptor, entendendo-se,
contudo, que tais leis e regulamentos não devem impedir o pleno efeito dos
direitos reconhecidos pelo presente artigo.
168
Anexo I
I. Princípios Gerais
1. A transferência dos privados de liberdade deve ser levada a cabo tão logo
quando seja decretada a sentença, ou o mais próximo desta data possível,
facilitando o regresso das pessoas condenadas por um crime no exterior para
o seu país de nacionalidade ou de residência para cumprir a sentença. Os
Estados devem, por isso e para tanto, fomentar, mutuamente, todas as medida
de cooperação.
[...]
7. A transferência para o país de nacionalidade ou de residência deve ser
efetuada somente com o livre arbítrio expresso pelo privado de liberdade.
[...]
13. A pessoa transferida para a execução de uma sentença decretada pelo
Estado de condenação não pode ser julgada novamente no Estado
administrante pelo mesmo ato no qual se baseia a sentença a ser executada.
II. Regulamentos processuais
[...]
18. O período de privação de liberdade já cumprido pela pessoa condenada
em qualquer dos Estados deve ser totalmente deduzido da sentença final.
19. Uma transferência não deve, em caso algum, levar ao agravamento da
situação do privado de liberdade.
Anexo II
Recomendações sobre o tratamento dado a privados de liberdade
estrangeiros
1. O privado de liberdade estrangeiro não deve ser alocado em um
determinado estabelecimento prisional com base em sua nacionalidade.
169
2. Os privados de liberdade estrangeiros devem ter o mesmo acesso que os
nacionais à educação, ao trabalho e à formação profissional.
3. Os privados de liberdade estrangeiros devem ser elegíveis para medidas
alternativas à prisão, bem como para saídas autorizadas, de acordo com o
mesmo princípio que rege as medidas aplicadas aos privados de liberdade
nacionais.
4. Os privados de liberdade estrangeiros devem ser informados imediatamente
após a entrada na unidade prisional, em uma língua que entendam e,
preferencialmente, por escrito, das principais características do regime
prisional, incluindo regras e regulamentos relevantes.
5. Os preceitos e costumes religiosos dos privados de liberdade estrangeiros
devem ser respeitados, com referência, acima de tudo, à alimentação e às
horas de trabalho.
6. Os privados de liberdade estrangeiros devem ser informados, sem demora,
do seu direito de solicitar contatos com as suas autoridades consulares, bem
como de qualquer outra informação relevante sobre o seu estatuto. Se um
privado de liberdade estrangeiro deseja receber assistência de uma autoridade
diplomática ou consular, estas devem ser contatadas prontamente.
7. Os privados de liberdade estrangeiros devem receber assistência adequada,
em uma língua que possam entender, ao lidar com pessoal médico ou ao
serem integrados em programas assistências, bem como com relação a
questões que se relacionem com denúncias, acomodações especiais, dietas
especiais, representação religiosa e aconselhamento.
8. Os contatos de privados de liberdade estrangeiros com suas famílias e
agências comunitárias devem ser facilitados, devendo-lhes ser fornecidas
todas as oportunidades necessárias para visitas e correspondência, com o
consentimento do privado de liberdade. Organizações internacionais
humanitárias, como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, devem ter a
oportunidade de ajudar os privados de liberdade estrangeiros.
9. As conclusões dos acordos bilaterais e multilaterais sobre supervisão e
assistência aos infratores com sentenças suspensas ou liberdade condicional
170
podem contribuir ainda mais para a solução do problema enfrentado pelos
infratores estrangeiros.
Além das preocupações relativas às medidas cada vez mais punitivas adotadas
tratando-se de indiciados estrangeiros em muitos países, estas pessoas,
segundo o UNODC (2015), encontram-se também em desvantagem após a
decretação da sentença e durante o cumprimento de pena.
Segundo o mesmo Escritório, um dos motivos para o rápido aumento da
população carcerária estrangeira nos diferentes países do mundo fica a dever-
se ao fato desta população não ser considerada para medidas e sanções não
privativas de liberdade, tanto na fase de pré-julgamento, quanto na fase de
cumprimento da sentença, por se considerar que apresenta maior risco de
fuga.
Da mesma forma, os estrangeiros são menos vezes considerados para a
medida de aplicação de fiança, devido ao não cumprimento das condições
prévias de elegibilidade, como a de terem emprego legal.
Também o acesso à justiça pode ser restringido quando o estrangeiro se
encontra em prisão provisória, devido à falta de redes sociais que o possam
auxiliar e facilitar seu acesso aos representantes legais (quer sejam advogados
ou defensores públicos), ou mesmo na compreensão integral de seus direitos.
Ainda segundo o UNODC (2009), devido ao fato da situação de privação de
liberdade representar uma punição particularmente severa para a maioria dos
privados de liberdade estrangeiros, e por forma a pôr em prática o princípio da
não discriminação no sistema de justiça criminal, é necessário desenvolver
respostas efetivas alternativas ao encarceramento e diretrizes de atribuição de
sentença correspondentes, para evitar a discriminação de estrangeiros na sua
condição de elegibilidade para a atribuição de sanções e medidas
comunitárias. Assim, cada caso deve ser tratado individualmente e as
171
hipóteses gerais relativas à elegibilidade dos estrangeiros para medidas e
sanções não privativas de liberdade devem ser evitadas.32
172
Para que uma transferência tenha lugar e sirva para fins de reintegração
social, o privado de liberdade deve manifestar o desejo de cumprir a sentença
em seu país de origem (UNODC, 2012). Este requisito garante que as
transferências não sejam utilizadas como método de expulsão de privados de
liberdade estrangeiros ou como meio de extradição disfarçada (UNODC, 1985).
Uma das condições mais importantes para que a transferência possa ter
lugar é a inexistência de risco de dupla sentença, ou seja, não pode haver
qualquer dúvida quanto à impossibilidade do privado de liberdade ser
novamente julgado e condenado pelo mesmo crime. Além disso, o Estado que
o recebe está vinculado pelos fatos, uma vez que eles derivam, explicita ou
implicitamente, da sentença estrangeira decretada. A situação penal do privado
de liberdade não pode ser agravada, quer no período de cumprimento de pena,
quer no tipo de punição a ser aplicada (por exemplo, a execução de trabalho
forçado). No entanto, o Estado que recebe o privado de liberdade pode reduzir
a sanção imposta pelo Estado em que este foi condenado (UNODC, 1985).
Uma transferência irá, obviamente, minimizar as dificuldades adicionais que
os estrangeiros enfrentam nas unidades prisionais já referidas e potenciar sua
reintegração social. A transferência de privados de liberdade para o
cumprimento de suas sentenças em seus países de origem, caso estes assim
o desejem, deve ser considerada o mais precocemente possível, logo após a
decretação da sentença. Para tanto, os privados de liberdade devem receber
informações claras e completas sobre o seu direito de solicitar essa
transferência e as consequências legais que a mesma acarreta, para que
possa tomar uma decisão informada sobre a sua situação (UNODC, 1985).
173
reintegração social deste grupo vulnerável seja facilitada de uma forma eficaz e
sustentável. Embora a assistência prestada por organizações não
governamentais e projetos desenvolvidos pelas próprias administrações
penitenciárias sejam valiosos, seu efeito é limitado e insustentável, a menos
que seja parte de uma ampla estratégia de gerenciamento geral.
Segundo Bhui (2004), o cuidado com os privados de liberdade estrangeiros
deve ser um elemento essencial das estratégias gerais de gestão,
desenvolvidas, desde logo, pelo órgão responsável pela gestão do sistema
penitenciário ao nível do governo central, devendo as diretrizes sobre políticas
e práticas ser emitidas por este órgão – no caso de Brasil, pelo Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN).
Ainda segundo o autor, e por forma a pensar e dar resposta a todas as
questões e demandas específicas da população de privados de liberdade
estrangeiros, deve considerar-se a designação de um consultor de política e
estratégia de um país estrangeiro para atuar ao nível do governo central e, ao
nível descentralizado – nos locais em que o número de privados de liberdade
estrangeiros justifique este compromisso – devem existir coordenadores não
nacionais para assuntos ligados à população de privados de liberdade
estrangeira, responsáveis pelo trabalho com esta população nas próprias
unidades prisionais.
Deve também considerar-se a possibilidade de formar, nas unidades
prisionais, grupos de apoio para esta população conduzidos por cidadãos
estrangeiros, não apenas com o intuito de prestar suporte, mas também por
forma a canalizar os pedidos e solicitações destes privados de liberdade para a
administração penitenciária. Estes grupos podem trabalhar em estreita
colaboração com os coordenadores para assuntos ligados à população de
privados de liberdade estrangeira sugeridos acima (Bhui, 2004).36
A consulta de representantes comunitários desta população, sobretudo
daqueles que representam a nacionalidade da maioria dos privados de
liberdade de uma unidade prisional ou mesmo do sistema penitenciário de um
36
Estas recomendações baseiam-se nos resultados francamente positivos verificados na unidade prisional de Wandsworth, no Reino
Unido, onde a existência – com reuniões regulares – de grupos de apoio a privados de liberdade estrangeiros, liderados também por
pessoas de outros países, mostraram ser uma prática e estratégia essencial para a melhoria da assistência prestada a esta população
(Bhui, 2004).
174
país, deve ser considerada na formulação de políticas e estratégias de ação
específicas.
Da mesma forma, as administrações penitenciárias devem empenhar-se no
desenvolvimento de políticas e programas, baseados em diretrizes nacionais,
que atendam às necessidades específicas deste grupo vulnerável. Devem
também desenvolver padrões mensuráveis para avaliar os resultados dessas
mesmas políticas, programas e práticas. A coleta e avaliação de dados deve
constituir um elemento integral das políticas de gestão destinadas a privados
de liberdade estrangeiros, bem como destinadas à restante população
penitenciária, permitindo a melhoria e adequação das estratégias e de sua
implementação (Prison Reform Trust, 2004).
175
particular, autoridades responsáveis pelas questões de imigração (EU Foreign
Prisoners Project, 2006, 2017).
Boas Práticas
Sessões de informação legal para privados de liberdade estrangeiros na
Bélgica
A fim de proporcionar aos privados de liberdade estrangeiros uma visão mais
aprofundada dos procedimentos legais, algumas unidades prisionais belgas
organizam sessões de informação ministradas por advogados (EU Foreign
Prisoners Project, 2015).
176
sua nacionalidade, devendo ainda ser tidas em conta as suas necessidades
específicas durante este processo de avaliação.
Deve ser fomentada a alocação dos privados de liberdade em unidades
prisionais específicas quando, por exemplo, a mesma contribua para a
diminuição de seu sentimento de isolamento devido à possibilidade de se
comunicar com outros da mesma nacionalidade, religião ou cultura. Da mesma
forma, deve ser considerada a alocação de privados de liberdade em capitais,
ou em regiões limítrofes, para facilitar o contato destes com os representantes
consulares e facilitar também o transporte de familiares e outros visitantes que
possam vir do exterior para o efeito – conforme recomendações da EU Foreign
Prisoners Project (2006).
Boas Práticas
Colocando privados de liberdade estrangeiros perto de suas casas na
Polônia
Na Polônia, cidadãos da Europa Oriental são colocados em unidades prisionais
situadas perto da fronteira leste para facilitar visitas de famílias (EU Foreign
Prisoners Project, 2015).
177
Segundo as recomendações do UNODC (2012), nos casos em que a
comunicação regular dos privados de liberdade estrangeiros com suas famílias
for difícil devido à residência destas em outro país, as administrações
penitenciárias devem fornecer meios adicionais para compensar essa
desvantagem, podendo estes meios incluir: o aumento dos contatos telefônicos
(permitindo que os privados de liberdade estrangeiros liguem para as famílias
em horários que considerem o fuso dos seus países de origem) ou visitas mais
longas, para compensar a infrequência das mesmas.
Nas administrações em que os recursos o permitem, deve ainda ser
considerada a assistência financeira para cobrir despesas de viagem e o uso
de meios de comunicação, como os telefones, as videoconferências e o acesso
a outras ferramentas da internet, por exemplo.
Como também já foi salientado, as organizações não governamentais que
apoiam os privados de liberdade estrangeiros devem ser encorajadas a realizar
visitas às unidade prisionais e implementar programas assistenciais adequados
às demandas específicas desta população. Os detalhes dos contatos de tais
organizações devem ser disponibilizados aos privados de liberdade.
Este apoio de organizações comunitárias mostra-se extremamente benéfico
para as administrações penitenciárias, que geralmente não estão em condições
de atender todas as demandas dos privados de liberdade estrangeiros
(UNODC, 2012).
178
acesso aos diferentes serviços, o entendimento das regras e regulamentos das
unidades prisionais, entre outros. Por conseguinte, é de extrema importância
que as administrações penitenciárias façam todos os esforços para reduzir as
desvantagens causadas por essas barreiras linguísticas.
Desta forma, as regras e regulamentos das unidades prisionais devem ser
disponibilizados por escrito e em várias línguas, correspondentes às
nacionalidades mais comumente aí representadas. Ainda, os privados de
liberdade estrangeiros devem receber uma cópia das regras e regulamentos da
unidade prisional na porta de entrada e cópias adicionais devem estar
disponíveis nas bibliotecas das unidades. Em acréscimo, as regras e
regulamentos devem ainda ser explicados cuidadosamente a cada privado de
liberdade num idioma que ele entenda, imediatamente após a entrada no
sistema prisional e, posteriormente, conforme necessário.
As bibliotecas das unidades prisionais devem disponibilizar uma quantidade
adequada de livros, periódicos e jornais em uma variedade de línguas
estrangeiras, devendo os privados de liberdade ser informados dessa mesma
disponibilidade (em um idioma que entendam). As administrações
penitenciárias podem e devem procurar a assistência de serviços consulares e
organizações da sociedade civil para complementar suas bibliotecas (UNODC,
2012).
Na medida do possível, os privados de liberdade da mesma nacionalidade e
que, por conseguinte, falam a mesma língua, devem ser acomodados próximos
uns dos outros, consideradas as preocupações de segurança e a vontade dos
próprios privados de liberdade. Devem também ter permissão para trabalhar e
passar tempo de lazer juntos. E, embora esta prática possa implicar o risco de
formação de subgrupos de privados de liberdade e enfatizar as diferenças, tais
riscos podem ser atenuados por uma abordagem de gestão inclusiva e
facilitando ativamente a participação igual de todos os privados de liberdade
em programas e atividades (UNODC, 2009).
A todos os privados de liberdade estrangeiros, mas especialmente aos
sentenciados a longas penas de privação de liberdade, deve ser dada a
oportunidade de aprender a língua falada no país de prisão (podendo essas
179
aulas ser lecionadas por outros privados de liberdade com habilidades
vocacionais de ensino), devendo a frequência desses cursos ser
adequadamente recompensada (UNODC, 2009).
Os serviços de assistência jurídica, aconselhamento e serviços médicos,
audiências disciplinares e mecanismos de denúncia devem ter em conta os
requisitos de idioma dos privados de liberdade estrangeiros e o recurso a
interpretação, conforme necessário.
Quando os recursos financeiros das administrações penitenciárias são
limitados, outros privados de liberdade podem ser nomeados como intérpretes
de seus pares da mesma nacionalidade, desde que o privado de liberdade que
necessita desse serviço de tradução dê o seu consentimento (UNODC, 2012).
Em acréscimo, os privados de liberdade devem ser autorizados a usar seu
próprio idioma durante as visitas e para as comunicações escritas e por
telefone (UNODC, 2012).
Boas Práticas
Aprendendo outra língua em Espanha e na Bélgica
As Regras Penitenciárias Espanholas estabelecem diretrizes específicas para
os privados de liberdade estrangeiros, disponibilizando cursos de espanhol nas
unidades prisionais para os estrangeiros que aí se encontram a cumprir suas
penas. E, na maioria das unidades prisionais Belgas, é possível fazer cursos
de línguas e, às vezes, são disponibilizados também programas de
alfabetização em várias idiomas (EU Foreign Prisoners Project, 2015).
180
tempo em que minimizarão os sentimentos de isolamento e de alienação
vivenciados por um grande número de privados de liberdade estrangeiros.
Os privados de liberdade deverão ter acesso a representantes/autoridades
de sua religião, se assim o desejarem, e deve ser prestada assistência no
cumprimento dos princípios de sua religião, quer por meio, por exemplo, da
disponibilização de espaços para oração, quer facultando a possibilidade do
cumprimento dos requisitos específicos de higiene ou de alimentação, caso os
haja (UNODC, 2012).
Boas Práticas
Desenvolvimento de programas especiais para privados de liberdade
estrangeiros no Reino Unido
Em uma unidade prisional do Reino Unido, a Hibiscus, uma ONG nacional,
presta serviços regulares a privados de liberdade estrangeiros. Um membro da
equipe da unidade prisional participou da conferência internacional Hibiscus
sobre o trabalho com privados de liberdade estrangeiros e uma série de
181
estratégias foram desenvolvidas e adaptadas como resultado. Por exemplo, a
unidade prisional providenciou pequenos cursos de gerenciamento de
pequenas empresas em resposta à necessidade de ajudar as mulheres a
desenvolver habilidades que seriam de uso imediato em seus países de origem
(HM Inspectorate of Prisons, 2006).
182
permanecerem no país em que se encontram a cumprir pena. Neste último
caso, deve também ser incentivada a cooperação com organizações da
sociedade civil e serviços de aconselhamento sobre todos os aspectos ligados
à imigração (UNODC, 2012).
As administrações penitenciárias devem garantir que as decisões relativas à
progressão de regime e saídas temporárias, bem como a alternativas penais,
não serão influenciadas pelo fato de estes privados de liberdade não serem
nacionais do país em que se encontram ou pelo fato de se encontrarem na
iminência da deportação. A avaliação do risco de fuga destes privados de
liberdade deve ser realizada com base nas características pessoais de cada
uma destas pessoas e não deve ser assento no fato de ela ser de outra
nacionalidade. Medidas alternativas podem ser acionadas por forma a
supervisionar estes privados de liberdade quando da atribuição de qualquer
uma das medidas supracitadas (UNODC, 2009).
Boas Práticas
Apoio das ONGs aos privados de liberdade estrangeiros em Espanha
Em Espanha, algumas organizações não governamentais fornecem abrigos e
dormitórios seguros para tornar possível aos privados de liberdade
estrangeiros a saída do sistema prisional (EU Foreign Prisoners Project, 2015).
183
cumprimento da sentença devido a este tipo de questões, devem
ser transferidos para instalações separadas e específicas para
abrigar detidos imigrantes, projetadas para esse fim e dotadas de
pessoal devidamente qualificado e especialmente treinado, onde
lhes serão oferecidas condições materiais e um regime adequado
à sua situação jurídica. Deve ainda considerar-se que a
acomodação, o regime e a atmosfera destes centros de detenção
para imigrantes devem distinguir-se, radicalmente, das unidades
prisionais. Os detidos devido a questões relacionadas com seu
estatuto de imigração devem ter todas as possibilidades para se
comunicar com seus representantes legais e serviços de
imigração. Em acréscimo, informações sobre detalhes de contato
de consultores jurídicos, serviços de apoio e serviços de
imigração estadual devem estar sempre disponíveis em vários
idiomas. Deve também haver serviços de tradução e interpretes
adequados.
b. Privados de liberdade estrangeiros que permanecem no país em
que se encontram a cumprir suas sentenças: estes privados de
liberdade devem ter igual acesso a serviços, como serviços de
apoio psicossocial e emprego, e o contato entre estes serviços e
os privados de liberdade deve ser facilitado pelas administrações
penitenciárias (UNODC, 2012).
Boas Práticas
Preparação para a condição de egresso
Dinamarca
Nas unidades prisionais dinamarquesas foi instituído, em 2000, um programa
de mentores para jovens privados de liberdade estrangeiros. O mentor é um
adulto que não faz parte do sistema prisional e cuja tarefa é apoiar o privado
de liberdade na sua condição de pré-egresso e egresso. Este programa
recebeu o 'International Community Justice Award' em 2004.
184
Holanda
O Serviço de Conexão com os Privados de Liberdade Estrangeiros do Serviço
de Liberdade Condicional Holandês tem como objetivo reduzir e evitar
possíveis danos sofridos por cidadãos holandeses detidos em outros países,
tornando possível o retorno adequado dos mesmos à sociedade holandesa.
Criado em 1975, este Serviço trabalha em estreita articulação com o Ministério
dos Negócios Estrangeiros e suas embaixadas, recebendo financiamento
deste Ministério e do da Justiça. Com uma equipe de nove coordenadores,
oferece assistência a um total de 2.500 privados de liberdade no exterior
através de uma rede de 275 voluntários – cidadãos holandeses emigrantes –
que os visitam regularmente nas unidades prisionais, prestando-lhes
aconselhamento e orientação durante o cumprimento de pena. O escritório
realiza ainda avaliações sociais e fornece relatórios de inquéritos realizados no
exterior às autoridades Holandesas. Contribui também, dentro de seus limites
de atuação, para uma preparação adequada destes privados de liberdade para
a condição de egresso (EU Foreign Prisoners Project, 2015).
Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, apresenta-se o conjunto de recomendações internacionais para
a formulação de políticas e ações estratégicas para os privados de liberdade
estrangeiros no Sistema Penal:
185
transferência, a serem disponibilizados a privados de liberdade estrangeiros na
porta de entrada das unidades prisionais.
186
descentralizado – e onde o número de privados de liberdade estrangeiros
assim o justifique – a designação de coordenadores não nacionais
responsáveis por todos os assuntos relativos a esta população;
– Considerar a formação de grupos de apoio, liderados por cidadãos
estrangeiras, nas unidades prisionais;
– Consultar representantes comunitários da população de privados de
liberdade estrangeira para a formulação de políticas e estratégias de ação;
– Motivar e incentivar os administrações penitenciárias a desenvolver
programas com base nas diretrizes nacionais;
– Desenvolver padrões mensuráveis para avaliar os resultados dessas
políticas, programas e ações estratégicas implementadas, permitindo a sua
melhoria.
Recursos Humanos
– Incluir questões relacionadas com a gestão dos privados de liberdade
estrangeiros em treinamentos regulares para administrações e agentes
penitenciários, bem como para o restante pessoal que trabalha no sistema;
– Ofertar cursos de línguas estrangeiras para os profissionais penitenciários.
Acesso à Justiça
– Informar os privados de liberdade estrangeiros dos seus direitos legais numa
língua que estes entendem, bem como auxiliar e facilitar o acesso à justiça em
cooperação com as organizações da sociedade civil que prestam este tipo de
assistência.
Classificação e Acomodação
– Não classificar os cidadãos estrangeiros de forma desadequada, atribuindo-
lhes uma classificação de segurança mais elevada do que aquela que,
considerados os riscos reais que representam, efetivamente necessitam;
– Classificar os privados de liberdade estrangeiros e alocá-los em um nível de
segurança com base em uma avaliação de risco a ser realizada na porta de
187
entrada das unidades prisionais, cumprindo os critérios aplicados aos demais
privados de liberdade;
– Considerar as demandas específicas dos privados de liberdade durante esse
processo de avaliação e classificação, colocando-os, por exemplo, em
unidades prisionais onde existam possibilidades de se comunicarem com
outros da mesma nacionalidade, religião ou cultura;
– Considerar a alocação dos privados de liberdade estrangeiros na capital ou
perto desta, para facilitar o contato com os representantes consulares e para o
transporte de familiares e outros visitantes do exterior que se deslocam para o
efeito.
Barreiras Linguísticas
– Garantir que as regras e os regulamentos das unidades prisionais estejam
disponíveis por escrito em várias línguas, correspondentes às nacionalidades
mais comumente representadas nas unidades prisionais e fornecer a cada um
dos privados de liberdade estrangeiros cópia dessas mesmas regras e
regulamentos na porta de entrada do sistema prisional;
– Disponibilizar cópias adicionais, em vários idiomas, dos regulamentos
internos nas bibliotecas;
188
– Explicar cuidadosamente os regulamentos da unidade a cada um dos
privados de liberdade num idioma que ele entenda, imediatamente após a
admissão na unidade prisional e posteriormente, conforme necessário;
– Garantir que as bibliotecas das unidades prisionais tenham uma quantidade
adequada de livros, periódicos e jornais numa variedade adequada de idiomas
estrangeiros;
– Facilitar a comunicação entre privados de liberdade da mesma
nacionalidade, levando em consideração questões de segurança e a vontade
dos próprios;
– Proporcionar oportunidade a estes privados de liberdade de aprenderem a
língua falada no país em que se encontram em situação de privação de
liberdade;
– Garantir que o recurso a um intérprete esteja disponível durante o
aconselhamento jurídico, prestação de cuidados de saúde, audiências
disciplinares e procedimentos de denúncia;
– Permitir que os privados de liberdade se expressem em sua língua durante
visitas e outras formas de comunicações por eles utilizadas.
Cultura e Religião
– Garantir que os privados de liberdade estrangeiros tenham acesso aos
representantes de sua religião, se assim o desejarem, e a instalações
adequadas para cumprir seus cultos e cerimônias religiosas;
– Atender aos requisitos dietéticos dos privados de liberdade estrangeiros.
189
– Introduzir programas específicos para atender às demandas dos privados de
liberdade estrangeiros em consulta e parceria com grupos comunitários de
cidadãos estrangeiros ou organizações não governamentais;
– Desenvolver programas específicos para auxiliar a integração de privados de
liberdade estrangeiros que serão transferidos para seu país de origem para
cumprir suas sentenças.
190
XI. SISTEMATIZAÇÃO DAS PRÁTICAS E POLÍTICAS PARA AS
DIVERSIDADES IDENTIFICADAS PELOS DIFERENTES
ESTADOS
191
respostas dadas à primeira questão, à categorização das mesmas. De igual
forma essa categorização atendeu, dentro do possível e consideradas as
respostas obtidas, à usada ao longo do documento e proposta pelas Nações
Unidas (UNODC, 2009):
1. Programas e projetos de reinserção social;
2. Acesso à saúde;
3. Acesso à justiça;
4. Acesso à educação e trabalho;
5. Alojamento e acomodações;
6. Vínculos Familiares;
7. Capacitação dos profissionais;
8. Parceria com outras Secretarias e ONGs.
No caso das respostas a esta segunda questão, houve também a
necessidade de identificar os grupos para os quais essas políticas e programas
têm vindo a ser desenvolvidos, conforme mencionado pelos diferentes estados
que responderam ao questionário:
1. Mulheres;37
2. População LGBT;
3. Pessoas com transtornos mentais;
4. Pessoas com deficiência;
5. Idosos;
6. Estrangeiros;
7. Minorias étnico-raciais.38
192
Identificação das Principais políticas e programas já desenvolvidos
nos Estados
N.
Categorização das Total de
Respostas UF
Parceria com outras
Secretarias e ONGs 9
Acesso à saúde 9
Programas e Projetos de
integração social 9
Alojamento e acomodações 7
Acesso à educação e
trabalho 6
Acesso à justiça 5
Capacitação dos
profissionais 3
Vínculos familiares 3
Grupos Populacionais N.
193
Total de
UF
Mulheres 13
População LGBT 7
Idosos 7
Pessoas com deficiência 5
Pessoas com transtornos
mentais 4
Minorias étnico-raciais 2
Estrangeiros 1
194
com filhos, das pessoas com deficiência, essencialmente ao nível da
mobilidade, e dos idosos.
As políticas e ações promotoras do acesso à educação e trabalho foram
referidas por 6 estados como umas das que mais têm vindo a ser
desenvolvidas, seguidas pelas medidas de apoio no acesso à justiça, referidas
por 5 estados. A promoção dos vínculos familiares é referida por apenas 3
estados, o mesmo número que refere o desenvolvimento de ações de
capacitação dos profissionais, considerada a necessidade de treinamento
destes na área dos direitos humanos e especificidades das populações
vulneráveis.
Relativamente aos grupos populacionais identificados pelos diferentes
estados como aqueles que estão sendo abrangidos por políticas e ações
estratégicas específicas, as mulheres são o grupo mais atendido (13 estados
referem esta população), seguida pela população LGBT e pela população de
idosos (7 estados referem estas duas populações). A atenção às pessoas com
deficiência é referida como prioritária por 5 estados. Quatro estados referem a
atenção às pessoas com transtornos mentais, embora seja importante salientar
que esta identificação diz exclusivamente respeito a usuários dependentes de
drogas. Apenas o estado de São Paulo faz referência à implementação de
políticas e ações estratégicas de atenção às minorias étnico-raciais, grande
parte constituída por estrangeiros.
Abaixo apresentam-se os resultados obtidos por região, embora seja
necessário observar que: a região Sul tem apenas como representação o
estado do Rio Grande do Sul, uma vez que o Paraná e Santa Catarina não
responderam ao questionário. A região Centro-Oeste encontra-se representada
apenas pelo estado do Mato Grosso do Sul, uma vez que os estados do Mato
Grosso, Goiás, e o Distrito Federal também não responderam ao questionário.
A região Sudeste encontra-se representada pelos estados de Minas Gerais, do
Rio de Janeiro e São Paulo, uma vez que não houve a participação do Espirito
Santo.
195
Pelo contrário, as regiões Norte e Nordeste encontram-se amplamente
representadas, observando-se apenas a não participação do estado do
Tocantins.
Na exposição que se segue optou-se por isso, e para além da discriminação
do número total de respostas obtidas em cada uma das categorias
estabelecidas, pela apresentação de gráficos horizontais, para melhor ilustrar
os resultados.
Região Sul
N.
Categorização das Total de
Respostas UF
Programas e Projetos de
integração social 1
Acesso à saúde 1
Acesso à justiça 0
Acesso à educação e
trabalho 1
Alojamento e acomodações 1
Vínculos familiares 0
Capacitação dos
profissionais 0
Parceria com outras
Secretarias e ONGs 1
196
ação nas áreas dos programas e projetos de integração social, acesso à
saúde, acesso à educação e trabalho, alojamento e acomodações e as
parcerias com outras Secretarias do estado e com ONGs, como aquelas que já
estão sendo postas em marcha para atender o conjunto dos grupos vulneráveis
do estado.
Com relação a estes, e como se pode verificar pela tabela e gráfico abaixo
apresentados, não são referidas pelo estado quaisquer políticas ou estratégias
de ação específicas para atender às demandas da população LGBT, embora
saibamos que, por exemplo, no que diz respeito ao alojamento e
acomodações, o estado possibilita espaços distintos para alocar esta
população, consideradas suas especificidades de gênero e também as
questões de segurança que permeiam este grupo.
Da mesma forma, não foram referidas quaisquer políticas ou estratégias de
ação relativas à população de estrangeiros, considerado o número
insignificante de não nacionais que o sistema penitenciário do estado tem sob
custódia.
São referidas políticas e ações específicas para a população de mulheres,
idosos, pessoas com deficiência e pessoas com transtorno mental,
especificamente usuários dependentes de drogas. Este estado tem, a esse
nível, um forte background de intervenção, sendo o único no país com uma “ala
livre de drogas” (no Presídio Central) e um programa de tratamento com
recurso à internação para desintoxicação (nos casos que esta se mostre
necessária) posto em prática através da parceria com um hospital privado.
Situam-se em Porto Alegre – ala e hospital – mas estão disponíveis para todos
os privados de liberdade de todo o estado, procedendo-se à transferência dos
mesmos para a capital nos casos em que o tratamento seja vontade dos
próprios.39
Salienta-se que a referência a minorias étnico-raciais realizadas na tabela e
gráfico abaixo dizem respeito a políticas e ações referentes especificamente às
diferentes religiões, sem que sejam atendidas outras questões respeitantes à
étnica ou raça dos privados de liberdade.40
39
Informações recolhidas em visita técnica realizada ao Sistema Penitenciário do estado do Rio Grande do Sul.
40
Esta classificação foi mantida, por não haver a classificação Religião na proposta das Nações Unidas e as especificidades
religiosas estarem comtempladas na categoria Minorias Étnico-raciais.
197
N.
Total de
Grupos Populacionais UF
Mulheres 1
População LGBT 0
Pessoas com transtornos
mentais 1
Pessoas com deficiência 1
Idosos 1
Estrangeiros 0
Minorias étnico-raciais 1
Região Sudeste
N.
Categorização das Total de
Respostas UF
Programas e Projetos de
integração social 2
Acesso à saúde 1
Acesso à justiça 1
Acesso à educação e
trabalho 0
Alojamento e acomodações 2
Vínculos familiares 1
Capacitação dos
profissionais 1
Parceria com outras
Secretarias e ONGs 2
198
Na região Sudeste, representada pelos estados de Minas Gerais, Rio de
Janeiro e São Paulo, os programas e projetos de integração social e o
alojamento e acomodações são as áreas com mais políticas e ações
estratégicas, a par da parceria com outras Secretarias e ONGs.
Detalhadamente: os programas e projetos de integração social foram
referidos pelos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro; o alojamento e
acomodações a as parcerias com outras Secretarias e ONGs por este último
estado e pelo estado de São Paulo.
O estado de Minas Gerais não refere a implementação de quaisquer outras
políticas ou ações estratégicas para além das implementadas na área da
integração social; o Rio de Janeiro acrescenta às referidas, o acesso à saúde e
São Paulo acrescenta o acesso à justiça, os vínculos familiares e a capacitação
dos profissionais do sistema penitenciário. Portanto, São Paulo refere a
implementação de políticas e estratégias de ação em todas as áreas
categorizadas.
Relativamente às populações alvo dessas políticas e ações estratégicas, e
conforme quadro e gráfico abaixo apresentados, Minas Gerais referiu apenas
políticas e estratégias implementadas com vista ao atendimento da população
feminina, sendo que São Paulo também referiu ter este grupo como população-
alvo. O Rio de Janeiro referiu a população LGBT e a de idosos e São Paulo,
tendo também referido estes dois grupos, acrescentou as populações de
pessoas com transtornos mentais, de pessoas com deficiência, estrangeiros e
minorias étnico-raciais.
Grupos Populacionais N.
Total de
199
UF
Mulheres 2
População LGBT 2
Pessoas com transtornos
mentais 1
Pessoas com deficiência 1
Idosos 2
Estrangeiros 1
Minorias étnico-raciais 0
Região Centro-Oeste
N.
Categorização das Total de
Respostas UF
Programas e Projetos de
integração social 1
Acesso à saúde 0
Acesso à justiça 0
Acesso à educação e
trabalho 0
Alojamento e acomodações 1
Vínculos familiares 0
Capacitação dos
profissionais 0
Parceria com outras
Secretarias e ONGs 0
200
No Mato Grosso do Sul, as únicas políticas e estratégias de ação referidas
pelo estado são as da área de programas e projetos de integração social e as
de cuidados e alterações ao nível do alojamento e acomodações, atendendo às
demandas das mulheres e da população LGBT, conforme tabela e gráfico
abaixo apresentados.
N.
Total de
Grupos Populacionais UF
Mulheres 1
População LGBT 1
Pessoas com transtornos
mentais 0
Pessoas com deficiência 0
Idosos 0
Estrangeiros 0
Minorias étnico-raciais 0
Região Norte
Categorização das N.
201
Total de
Respostas UF
Programas e Projetos de
integração social 2
Acesso à saúde 2
Acesso à justiça 2
Acesso à educação e
trabalho 2
Alojamento e acomodações 0
Vínculos familiares 1
Capacitação dos
profissionais 1
Parceria com outras
Secretarias e ONGs 1
202
penitenciário. O cuidado e alterações ao alojamento e acomodações não são
referidas por nenhum estado desta região.
Com relação às populações alvo dessas políticas e estratégias de ação
apenas os estados do Acre e de Rondônia referem as mulheres como
população atendida. Os outros estados não fazem qualquer especificação –
veja-se a tabela e gráfico abaixo:
N.
Total de
Grupos Populacionais UF
Mulheres 2
População LGBT 0
Pessoas com transtornos
mentais 0
Pessoas com deficiência 0
Idosos 0
Estrangeiros 0
Minorias étnico-raciais 0
Região Nordeste
N.
Categorização das Total de
Respostas UF
Programas e Projetos de
integração social 3
Acesso à saúde 5
Acesso à justiça 2
Acesso à educação e 3
203
trabalho
Alojamento e acomodações 3
Vínculos Familiares 1
Capacitação dos
Profissionais 1
Parceria com outras
Secretarias e ONGs 5
204
dos estados as mulheres são apontadas como grupo prioritário: Alagoas,
Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte. Nos estados
do Ceará, Maranhão, Paraíba e Sergipe a população LGBT é também alvo de
políticas e estratégias de ação específicas, sendo que o Maranhão, a Paraíba e
Pernambuco referem ainda a população de pessoas com deficiência e os
idosos. O Piauí e Sergipe acrescentam as pessoas com transtornos mentais,
referindo-se especificamente aos usuários dependentes de drogas.
N.
Total de
Grupos Populacionais UF
Mulheres 7
População LGBT 4
Pessoas com transtornos
mentais 2
Pessoas com deficiência 3
Idosos 3
Estrangeiros 0
Minorias étnico-raciais 0
205
para o desenvolvimento de políticas e ações estratégicas para estas
populações, quer em número, quer na qualidade de sua formação profissional.
O Ceará refere a existência de um centro de acolhimento na porta de
entrada do sistema prisional que funciona como espaço de apoio ao período
inicial de privação de liberdade. O Pará tem também um programa de
acolhimento para as mulheres recém-chegadas ao sistema prisional, no Centro
de Reeducação Feminino (CRF) de Ananindeua41 – iniciativas que, conforme
referido ao longo do corpo teórico do presente produto, se mostram
fundamentais não apenas para apoiar os privados de liberdade ao nível da
adaptação à situação de privação de liberdade em si e à própria unidade
prisional em que se encontram, como pode ser também crucial para a
identificação de possíveis transtornos mentais (direta ou indiretamente
decorrentes da nova situação experienciada) que podem levar à realização de
tentativas de suicídio, ou mesmo concretização do mesmo.
Com relação ao acesso ao trabalho, o Rio grande do Sul distingue os
esforços que o estado está realizando para ampliar o número de postos
extramuros.
A existência de mecanismos de monitoramento (fundamentais, como vimos
também, para avaliação e adequação das políticas e estratégias já
implementadas ou a implementar), é unicamente referida pelo Rio Grande do
Norte, que tem atualmente um projeto de mapeamento de todas as ações
implementadas nas unidades prisionais do estado com recorte de etnia, raça,
gênero e condição socioeconômica.
Os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Maranhão referem a existência
de Portarias Estaduais com regulamentação específica para a defesa e
garantia dos direitos da população LGBT.
41
Informação recolhida em visita local realizada no âmbito da presente consultoria.
206
XII. CONSIDERAÇÕES FINAIS
207
legislações internacionais, tornou claro, não só quais os riscos a que estes
grupos vulneráveis estão sujeitos no sistema penitenciário, mas também quais
suas principais demandas, quer sejam para superar esses riscos e condição de
vulnerabilidade no sistema, quer sejam para promover sua reinserção social e
superar sua condição de vulnerabilidade extramuros.
Adicionalmente, a apuração de dados relativos à realidade nacional permitiu
ainda um conhecimento mais aprofundado das principais demandas destas
populações nos diferentes estados da federação.
Na continuação, o presente produto apresentou o conjunto de normas
internacionais que os diferentes Tratados e Convenções, na sua maioria
ratificados também pelo Brasil, estabelecem como direitos invioláveis destas
populações e obrigações dos Estados Partes para seu cumprimento; elencou o
conjunto das linhas gerais que, em consequência, devem conduzir o desenho
das políticas e estratégias de ação que, sobretudo ao nível da administração
penitenciária, devem ser implementadas para atender às suas demandas
específicas, em respeito aos seus direitos humanos – com apresentação de
Boas Práticas que já vêm sendo desenvolvidas em alguns países do mundo; e,
por fim, sistematizou todos os pressupostos e diretrizes que, no seu conjunto,
representam as recomendações internacionais a este nível.
Tal como aconteceu no produto anterior com relação às demandas e
necessidades destes grupos vulneráveis, este produto procedeu ao
levantamento das políticas e ações que os diferentes estados da federação têm
já vindo a desenvolver e implementar para lhes dar resposta.
Assim, e do ponto de vista do trabalho interno do Departamento
Penitenciário Nacional, o conjunto destes dois produtos constitui uma base
concreta de apoio e direcionamento para a construção da Política Nacional de
Diversidades.
Por outro lado, e do ponto de vista do trabalho descentralizado, estes
produtos poderão ser fundidos em um só documento, podendo este constituir
um Manual a ser divulgado aos estados. Desta forma, estes disporão, eles
próprios, de um guia orientador para a construção de suas políticas e ações
208
estratégicas para dar resposta às demandas e necessidades que, ao nível
local, o conjunto destas populações vulneráveis apresentam.
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