Grupos Vulneráveis e o Sistema Prisional

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Relatório de Práticas e Políticas de Diversidade no Sistema Penal.

Relatório de Práticas e Políticas de


Diversidade no Sistema Penal.

BRASÍLIA
2018
DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL
DIRETORIA DE POLÍTICAS PENITENCIÁRIAS
Ficha Técnica

COSTA, Joana Carvalho

Título do produto: Relatório de Práticas e Políticas de Diversidades no Sistema Penal.

Total de folhas: 216

Supervisora: Susana Inês de Almeida e Silva

Departamento Penitenciário Nacional

Ministério da Justiça

Ministério Extraordinário da Segurança Pública

Palavras-chave: Sistema Penal – Diversidades – Políticas e Práticas – Estratégias de


Gestão – Normas e Recomendações – Sistematização.

Esta obra é licenciada sob uma licença Creative Commons -


Atribuição-Não-Comercial-Sem Derivaçõe s. 4.0 Internacional

3
Sumário
RESUMO..............................................................................................................................................
I. INTRODUÇÃO................................................................................................................................
1.1. Contexto e Importância da Consultoria...................................................................................
1.2. Contexto e Importância do Produto.........................................................................................
II. DESENVOLVIMENTO..................................................................................................................
2.1. Apresentação.............................................................................................................................
2.2. Justificativa: Por que a realização de um relatório sobre práticas e políticas de
diversidade no sistema penal..........................................................................................................
III. SISTEMATIZAÇÃO DAS POLÍTICAS, PRÁTICAS E RECOMENDAÇÕES
INTERNACIONAIS PARA AS POPULAÇÕES VULNERÁVEIS EM SITUAÇÃO DE
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE...........................................................................................................
IV. PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS.........................................................................
4.1. Normas Internacionais..............................................................................................................
4.2. Regulamentação Nacional........................................................................................................
4.3. Políticas e Práticas para as pessoas com transtornos mentais no sistema penal...........
4.3.1. Legislação e políticas de acesso à saúde..........................................................................
4.3.2. Medidas e sanções não privativas de liberdade.................................................................
4.3.3. Administração Prisional.........................................................................................................
4.3.3.1. Políticas e estratégias de gestão......................................................................................
4.3.3.2. Recursos humanos.............................................................................................................
4.3.4. Acesso à justiça......................................................................................................................
4.3.5. Avaliação, alocação e acomodações...................................................................................
4.3.6. Cuidados de saúde.................................................................................................................
4.3.7. Programas e projetos assistenciais e vínculos familiares.................................................
4.3.8. Segurança...............................................................................................................................
4.3.9. Condição de pré-egresso e egresso....................................................................................
4.3.10. Monitoramento......................................................................................................................
4.4. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para as pessoas com transtorno mental no Sistema Penal..................................
V. PESSOAS COM DEFICIÊNCIA..................................................................................................
5.1. Normas Internacionais..............................................................................................................
5.2. Políticas e Práticas para as pessoas com deficiência no Sistema Penal..........................
5.2.1. Medidas e sanções não privativas de liberdade.................................................................

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5.2.2. Administração Prisional.........................................................................................................
5.2.2.1. Políticas e estratégias de gestão......................................................................................
5.2.2.2. Recursos humanos.............................................................................................................
5.2.3. Acesso à justiça......................................................................................................................
5.2.4. Alocação..................................................................................................................................
5.2.5. Classificação e acomodações..............................................................................................
5.2.6. Acesso à saúde......................................................................................................................
5.2.7. Programas e projetos assistenciais.....................................................................................
5.2.8. Segurança...............................................................................................................................
5.2.9. Condição de pré-egresso e egresso....................................................................................
5.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para as pessoas com deficiência no Sistema Penal..............................................
VI. PESSOAS COM DOENÇAS TERMINAIS...............................................................................
6.1. Normas Internacionais..............................................................................................................
6.2. Políticas e Práticas para as pessoas com doenças terminais no Sistema Penal.............
6.2.1. Medidas e sanções não privativas de liberdade.................................................................
6.2.2. Administração Prisional.........................................................................................................
6.2.2.1. Políticas e estratégias de gestão......................................................................................
6.2.2.2. Recursos Humanos.............................................................................................................
6.2.3. Acesso à Justiça.....................................................................................................................
6.2.4. Alocação e acomodações.....................................................................................................
6.2.5. Acesso à saúde......................................................................................................................
6.2.6. Vínculos familiares e serviços de apoio psicológico e religioso.......................................
6.2.7. Lazer.........................................................................................................................................
6.2.8. Libertação por motivos humanitários ou antecipada para privados de liberdade
com doenças terminais.....................................................................................................................
6.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para as pessoas com doenças terminais no Sistema Penal................................
VII. IDOSOS.......................................................................................................................................
7.1. Normas Internacionais..............................................................................................................
7.2. Políticas e Práticas para os Idosos no Sistema Penal........................................................
7.2.1. Políticas relativas às sentenças e às medidas e sanções não privativas de
liberdade...........................................................................................................................................
7.2.2. Administração Prisional.......................................................................................................

5
7.2.2.1. Políticas e estratégias de gestão....................................................................................
7.2.2.2. Recursos Humanos...........................................................................................................
7.2.3. Acesso à justiça....................................................................................................................
7.2.4. Avaliação e alocação...........................................................................................................
7.2.5. Alojamento e acomodações................................................................................................
7.2.6. Acesso à saúde....................................................................................................................
7.2.7. Vínculos Familiares e Comunitários...................................................................................
7.2.8. Programas e projetos assistenciais...................................................................................
7.2.9. Condição de Pré-egresso e egresso..................................................................................
7.2.10. Liberdade Condicional Antecipada, Liberdade por Motivos Humanitários e
Anistia................................................................................................................................................
7.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para os Idosos no Sistema Penal...........................................................................
VIII. POPULAÇÃO LGBT...............................................................................................................
8.1. Normas Internacionais............................................................................................................
8.2. Políticas e Práticas para a População LGBT no Sistema Penal.......................................
8.2.1. Legislação..............................................................................................................................
8.2.2. Políticas relativas às sentenças e às medidas e sanções não privativas de
liberdade...........................................................................................................................................
8.2.3. Administração Prisional.......................................................................................................
8.2.3.1. Políticas e estratégias de gestão....................................................................................
8.2.3.2. Recursos Humanos...........................................................................................................
8.2.4. Acesso à Justiça...................................................................................................................
8.2.5. Alojamento e Acomodações...............................................................................................
8.2.6. Vínculos Familiares e Comunitários...................................................................................
8.2.7. Acesso à Saúde....................................................................................................................
8.2.8. Programas e Projetos Assistenciais..................................................................................
8.2.9. Segurança.............................................................................................................................
8.2.10. Condição de Pré-egresso e Egresso...............................................................................
8.2.11. Monitoramento....................................................................................................................
8.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para a População LGBT no Sistema Penal...........................................................
IX. MINORIAS ÉTNICO-RACIAIS E POPULAÇÕES INDÍGENAS..........................................
9.1. Normas Internacionais............................................................................................................

6
9.2. Políticas e Práticas para Minorias Étnico-Raciais e Populações Indígenas no
Sistema Penal..................................................................................................................................
9.2.1. Políticas relativas às sentenças e às medidas e sanções não privativas de
liberdade...........................................................................................................................................
9.2.2. Administração Prisional.......................................................................................................
9.2.2.1. Políticas e estratégias de gestão....................................................................................
9.2.2.2. Recursos Humanos...........................................................................................................
9.2.3. Acesso à justiça....................................................................................................................
9.2.4. Alojamento e acomodações................................................................................................
9.2.4.1. Medidas de proteção........................................................................................................
9.2.4.2. Igualdade: reconhecendo diferentes necessidades.....................................................
9.2.5. Vínculos familiares e comunitários.....................................................................................
9.2.6. Barreiras linguísticas............................................................................................................
9.2.7. Religião..................................................................................................................................
9.2.8. Acesso à saúde....................................................................................................................
9.2.9. Programas e projetos assistenciais...................................................................................
9.2.9.1. Trabalho, formação profissional e educação.................................................................
9.2.9.2. Programas específicos: envolvendo a comunidade.....................................................
9.2.10. Segurança...........................................................................................................................
9.2.11. Monitoramento....................................................................................................................
9.2.12. Condição de pré-egresso e egresso................................................................................
9.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para as Minorias Étnico-Raciais e Populações Indígenas no Sistema
Penal.................................................................................................................................................
X. ESTRANGEIROS......................................................................................................................
10.1. Normas Internacionais..........................................................................................................
10.2. Políticas e Práticas para Estrangeiros no Sistema Penal................................................
10.2.1. Políticas relativas às sentenças e às medidas e sanções não privativas de
liberdade...........................................................................................................................................
10.2.2. Transferência de privados de liberdade estrangeiros...................................................
10.2.3. Administração Prisional.....................................................................................................
10.2.3.1. Políticas e estratégias de gestão..................................................................................
10.2.3.2. Recursos Humanos........................................................................................................
10.2.4. Acesso à justiça..................................................................................................................

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10.2.5. Classificação e acomodações..........................................................................................
10.2.6. Vínculos familiares e comunitários...................................................................................
10.2.7. Barreiras linguísticas..........................................................................................................
10.2.8. Cultura e religião.................................................................................................................
10.2.9. Programas e projetos assistenciais.................................................................................
10.2.10. Condição de pré-egresso e egresso..............................................................................
10.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e Ações
Estratégicas para os Privados de Liberdade Estrangeiros no Sistema Penal........................
XI. SISTEMATIZAÇÃO DAS PRÁTICAS E POLÍTICAS PARA AS DIVERSIDADES
IDENTIFICADAS PELOS DIFERENTES ESTADOS.................................................................
XII. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................
XIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................

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RESUMO

O objetivo geral desta consultoria é o de assessorar tecnicamente o


Departamento Penitenciário Nacional na elaboração da Política Nacional de
Diversidades no Sistema Penal. Para tanto, este terceiro produto prevê o
levantamento e sistematização das práticas e políticas específicas para os
grupos vulneráveis em situação de privação de liberdade que já vêm sendo
executadas, tanto no Brasil, quanto internacionalmente. Pressupõe a consulta
bibliográfica, a análise de documentos, do resultado de pesquisas e de políticas
públicas; o levantamento de dados estatísticos, de experiências e iniciativas
nas unidades da federação; bem como o levantamento e análise de normativas
e proposições legislativas atinentes ao tema. Este produto, em conjunto com o
produto anterior – em que foram realizados o levantamento e sistematização
das demandas específicas destes mesmos grupos – tem como objetivo balizar
e sustentar as futuras propostas técnicas que irão subsidiar a construção da
referida política.
Desta forma, este documento apresenta, em primeiro lugar, o conjunto de
normas internacionais que devem nortear as políticas e estratégias de ação
para o conjunto dos grupos vulneráveis que constituem o segmento das
Diversidades no Sistema Penal. Realiza ainda o levantamento das estratégias
a adotar para o desenho de políticas de gestão e assistenciais que atendam às
demandas específicas destas populações (sistematizadas, conforme referido,
no produto anterior), exemplificadas com o conjunto de boas práticas que vêm
já sendo realizadas pelos diversos sistemas penitenciários mundiais e
sistematizadas num conjunto de recomendações internacionais. Em acréscimo,
e no que respeita especificamente à realidade brasileira, apresenta a
sistematização dos dados relativos às políticas e práticas que os diferentes
estados identificaram, através da aplicação de um questionário elaborado para
o efeito, como as que estão já sendo realizadas para atender à questão das
Diversidades em âmbito local.

9
I. INTRODUÇÃO

1.1. Contexto e Importância da Consultoria

O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) tem reconhecido a


necessidade de construir uma Política Nacional de Diversidades no Sistema
Penal que estabeleça estratégias capazes de combater o preconceito, a
discriminação e o acesso desigual a direitos e políticas públicas que afetam
diversos grupos populacionais em situação de restrição, privação de liberdade
e egressos do sistema prisional, de modo a assegurar direitos e combater a
situação de vulnerabilidade dessas pessoas (DEPEN, 2017).
Neste sentido, a Diretoria de Políticas Penitenciárias promoveu, em
dezembro de 2014, uma Reunião de Planejamento e, em abril de 2015, o
Primeiro Workshop sobre Diversidades na Política Penal, com representantes
da sociedade civil, dos governos estaduais e do governo federal com objetivo
de iniciar uma mobilização nacional sobre o tema e elaborar um plano de
trabalho para identificação dos conteúdos de uma Política Nacional.
É fundamental dar continuidade a esse trabalho, avançando na produção de
subsídios para a estruturação de uma Política Nacional de Diversidades no
Sistema Penal, aprofundando diagnósticos e elaborando propostas com
relação às diferentes categorias que integram a Política, quais sejam: gênero,
orientação sexual e identidade de gênero; condição de deficiência; geração;
raça; etnia; religião; nacionalidade; condição de moradia; tipo penal; condição
de imputabilidade; e condição de saúde. Tais marcadores são relevantes na
medida em que colocam desafios específicos para a promoção dos direitos dos
grupos vulneráveis, tais como: população LGBT, pessoas com deficiência,
jovens, pessoas idosas, população negra, indígena e povos tradicionais,
minorias religiosas (e promoção da laicidade do sistema penal), estrangeiros,
pessoas em situação de rua, agressores sexuais, homens que cometeram
violência doméstica, pessoas que cometeram crimes de grande repercussão,
pessoas em cumprimento de medida de segurança, pessoas com doenças

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crônicas, infectocontagiosas, com transtorno mental ou que fazem uso abusivo
de drogas (DEPEN, 2017).
O desenho de uma Política voltada para as diversidades no sistema penal
encontra respaldo na legislação nacional e em diversos normativos e
recomendações internacionais, na medida em que trata da individualização da
pena, da não discriminação e da garantia dos direitos humanos.
É nesse contexto que se insere a presente consultoria técnica. Entre as
prioridades do DEPEN está a elaboração de uma Política Nacional de
Diversidades para o Sistema Penal que tenha caráter transversal e
intersetorial, implicando propostas concretas de melhorias e readequações de
práticas penitenciárias em consonância aos direitos humanos dos diversos
grupos populacionais existentes no ambiente prisional (DEPEN, 2017).
Uma outra consultoria versando sobre o mesmo tema apresentou a
construção de uma base conceitual, com a fixação de postulados, princípios e
diretrizes para o desenho desta Política, tendo procedido ainda à identificação
e caracterização dos grupos vulneráveis que por ela devem ser abrangidos.
Na continuação deste trabalho far-se-á, doravante, o levantamento e análise
de dados sobre o contexto das Diversidades no Sistema Penal; o mapeamento
de modelos de políticas existentes em cenário internacional, a avaliação de
políticas públicas, serviços e experiências existentes nas unidades da
federação, o mapeamento de normativos atinentes ao tema e pesquisas
realizadas nessa temática, com o objetivo de identificar as demandas e os
estabelecer os componentes balizadores da Política Nacional de Diversidades
no Sistema Penal (DEPEN, 2017).

1.2. Contexto e Importância do Produto

a. Objetivos do Produto

Como reconhecimento e garantia de respeito às populações privadas


de liberdade em situação de vulnerabilidade e por forma a garantir uma
assistência e apoio à reinserção social mais adequados a um número
cada vez maior de privados de liberdade nesta condição, o DEPEN –

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conforme já referido – tem vindo a mover esforços no sentido de
estabelecer uma Política Nacional de Diversidades no Sistema Penal.
Para tanto, é fundamental que – no âmbito desta consultoria que visa a
assessoria técnica à elaboração dessa política – seja realizada a
sistematização das normas e recomendações internacionais para o
desenho das políticas de gestão e assistenciais específicas para as
populações vulneráveis e o levantamento das políticas, ações
estratégicas e práticas que, aos níveis internacional e nacional, estão já
sendo desenvolvidas neste âmbito, numa vez que só o seu
conhecimento e sistematização permitirão construir uma política que
tenha como objetivo facilitar respostas eficazes para atender às
demandas e necessidades específicas do conjunto destas populações.

b. Resultados Esperados

Este produto tem como objetivo específico a sistematização do


conjunto de normas internacionais que devem nortear as políticas e
estratégias de ação para o conjunto dos grupos vulneráveis que
constituem o segmento das Diversidades no Sistema Penal. Esta
sistematização está organizada, em primeiro lugar e conforme
aconteceu no produto anterior, por grupos de pertença e, em segundo
lugar, por categorização das políticas, práticas e recomendações. A
consulta dos dados e bibliografia internacionais e nacionais garante a
transversalidade desta sistematização, que servirá para subsidiar a
construção da Política Nacional das Diversidades no Sistema Penal.
Esta, como toda a política pública, deve ser desenhada por forma a
estabelecer princípios e diretrizes que visem suprir as demandas dos
grupos vulneráveis do sistema prisional, devendo estar assente nas
normas e recomendações internacionais de que o Brasil é, na sua
maioria, signatário. Desta forma, o conhecimento profundo desta
realidade através da recolha de dados – que no que diz respeito às
demandas específicas das populações vulneráveis, foram
apresentados no segundo produto desta consultoria, e no que respeita

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às melhores práticas, políticas já existentes, e normas e
recomendações internacionais serão apresentados por este terceiro
produto – possibilitará a adequação desses mesmos princípios e
diretrizes à realidade brasileira, em consonância com o que
internacionalmente é realizado.

c. Caráter Inovador do Produto

O objeto desta consultoria é, ele próprio, inovador, uma vez que não
existe no Brasil uma Política para as Diversidades no Sistema Penal e
este contrato pretende, precisamente e como acima referido, uma
assessoria técnica para a construção dessa mesma política. Dessa
forma, todos os produtos que dela resultam têm, também eles, um
caráter inovador, uma vez que não existe qualquer trabalho anterior
que pretenda o subsídio de uma política voltada para as populações
vulneráveis no sistema prisional.
Especificamente no que diz respeito a este produto, seu caráter
inovador reside no fato de ele realizar a sistematização, suportada pela
consulta de bibliografia e dados internacionais e nacionais, das
políticas e práticas que já estão sendo implementadas neste âmbito,
mas sobretudo a sistematização do conjunto de normas e
recomendações internacionais que devem nortear a construção da
própria Política Nacional.
Em acréscimo, este produto, juntamente com o produto anterior,
pode servir também como documentos norteadores para que os
diferentes estados possam, eles próprios, construir as suas políticas e
ações estratégicas locais.

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II. DESENVOLVIMENTO

2.1. Apresentação

A comunidade internacional em geral reconhece que a população privada de


liberdade detém todos os direitos que não lhes foram tirados em virtude da sua
condição de encarceramento. A pena reside apenas na privação de liberdade e
não na privação dos direitos humanos fundamentais (Comitê de Direitos
Humanos das Nações Unidas, UN ECOSOC, 1992).
Desta forma, a lei internacional proíbe os diferentes países de infligir
tratamento desumano e degradante às pessoas privadas de liberdade (art. 7 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948). Essa proibição
especificamente "compele as autoridades, não apenas a deixar de utilizar esse
tratamento, mas também a adotar medidas preventivas práticas, necessárias
para proteger a integridade física e a saúde das pessoas que estiverem
privadas de liberdade" (Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, UN
ECOSOC, 1992).
Tem também vindo a ganhar cada vez maior unanimidade o reconhecimento
de que "um nível inadequado de atenção a estas pessoas em situação de
vulnerabilidade pode rapidamente conduzir a situações que se enquadram no
escopo da expressão ‘tratamento desumano e degradante’” (Comitê Europeu
de Prevenção da Tortura, Tratamento ou Punição Desumanos e Degradantes,
1993). Desta forma, o direito internacional estabelece que os diferentes países
devem ter o compromisso de desenvolver e implementar legislação, políticas e
programas condizentes com os direitos humanos internacionais que promovam
a proteção e reinserção daqueles que se encontram em situação de privação
de liberdade.
Apoiar os países na implementação do Estado de Direito e no
desenvolvimento da reforma da justiça criminal e do sistema penitenciário tem
sido uma preocupação constante das Nações Unidas. Neste sentido, são
muitos os documentos, recomendações e manuais que têm vindo a publicar no
sentido de apoiar todos os atores envolvidos no sistema de justiça criminal dos
diferentes países, incluindo seus decisores políticos, legisladores,

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administrações penitenciárias, profissionais do sistema prisional, membros de
organizações não governamentais e outras pessoas interessadas ou ativas no
campo da justiça criminal e da reforma prisional, na concretização dessa meta.
Esta preocupação remonta a 1955, apenas 10 anos após a sua constituição,
com a publicação, através de seu Conselho Econômico e Social, do Conjunto
de Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos 1, posteriormente
modificadas pelas Regras de Mandela2 (2015). Este primeiro documento
chama a atenção dos governos para o conjunto das regras propostas e
recomenda que a sua adoção e aplicação nos estabelecimentos penitenciários
e correcionais seja favoravelmente encarada; que os governos adotem as
medidas necessárias para lhes dar a mais ampla publicidade possível, não
apenas junto dos organismos públicos interessados, mas também junto das
organizações não governamentais que se ocupam da defesa social; e que o
secretário-geral seja informado, de cinco em cinco anos, dos progressos feitos
relativamente à sua aplicação (UN ECOSOC, 1955).

O Conjunto das Regras Mínimas estabelece que:


1. Todos os reclusos devem ser tratados com o respeito devido à dignidade
e ao valor, inerentes ao ser humano;
2. Não haverá discriminações em razão de raça, sexo, cor, língua, religião,
opinião política ou outra, origem nacional ou social, riqueza, nascimento,
ou outra condição;
3. É, no entanto, desejável respeitar as convicções religiosas e preceitos
culturais do grupo ao qual pertencem os reclusos sempre que assim o
exijam as condições do local;
4. A responsabilidade das prisões pela guarda dos reclusos e pela proteção
da sociedade contra a criminalidade deve ser cumprida em
conformidade com os demais objetivos sociais do Estado e com sua
responsabilidade fundamental de promoção do bem-estar e de
desenvolvimento de todos os membros da sociedade;
5. Exceto no que se refere às limitações evidentemente necessárias pelo
1
Em seu Primeiro Congresso para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes (UN, 1955).
2
A versão integral do documento encontra-se disponível, em português, no endereço:
http://www.justica.gov.br/seusdireitos/politica-penal/cooperacao-internacional-2/traducao-regras-de-mandela-1.pdf .

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fato da sua prisão, todos os reclusos devem continuar a gozar dos
direitos do homem e das liberdades fundamentais, enunciados
na Declaração Universal dos Direitos do Homem e, caso o Estado
interessado neles seja parte, no Pacto Internacional sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, no Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos e no Protocolo Facultativo que o acompanham,
bem como de todos os outros direitos enunciados em outros
instrumentos das Nações Unidas;
6. Todos os reclusos devem ter o direito de participar das atividades
culturais e de beneficiar de uma educação visando o pleno
desenvolvimento da personalidade humana;
7. Devem empreender-se esforços tendentes à abolição ou restrição do
regime de isolamento, como medida disciplinar ou de castigo;
8. Devem ser criadas condições que permitam aos reclusos ter um emprego
útil e remunerado, o qual facilitará a sua integração no mercado de
trabalho do país e lhes permitirá contribuir para sustentar as suas
próprias necessidades financeiras e as das suas famílias;
9. Os reclusos devem ter acesso aos serviços de saúde existentes no país,
sem discriminação nenhuma decorrente do seu estatuto jurídico;
10. Com a participação e ajuda da comunidade e das instituições sociais, e
com o devido respeito pelos interesses das vítimas, devem ser criadas
condições favoráveis à reinserção do antigo recluso na sociedade, nas
melhores condições possíveis;
11. Os princípios acima referenciados devem ser aplicados de forma
imparcial (UN ECOSOC, 1955).

No Brasil, o Código Penal prevê a garantia da manutenção dos direitos das


pessoas após o encarceramento. Não obstante, as políticas sociais no âmbito
prisional só foram criadas pelo Estado a partir da Lei de Execução Penal (LEP),
em 1984, que visa regular os direitos e os deveres da população privada de
liberdade para com o Estado e a sociedade, estabelecendo normas
fundamentais a serem aplicadas durante o período de privação de liberdade.

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Ou seja, a LEP fundamenta os direitos, deveres, sanções da disciplina e
avaliação dos privados de liberdade, tendo como foco a reintegração social que
busca a prevenção do crime e a preparação da pessoa em situação de
privação de liberdade para o retorno ao convívio social (BRASIL, 1984). Dentre
os direitos previstos pela LEP estão a assistência jurídica, educacional, social,
material, religiosa e de saúde.
Para além disso, o Brasil é também signatário da maioria das
Recomendações das Nações Unidas, e, a nível nacional, órgãos como o
Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH)
estabelecem também o conjunto de recomendações que devem pautar a
administração penitenciária no que respeita à defesa dos direitos humanos da
população de privados de liberdade.
Não obstante os esforços que os diferentes países têm vindo a realizar para
assegurar o respeito pelos direitos humanos de todos os que se encontram em
situação de privação de liberdade, a verdade é que muito há ainda a fazer a
este nível. É inegável que a privação de liberdade tem um efeito prejudicial
sobre todos os que enfrentam esta realidade, quer seja unicamente pela
própria situação de privação de liberdade em si, quer seja pela falta de
condições observadas na maioria dos sistemas penitenciários, como é o caso
da sobrelotação, condições de alojamento e higiene precárias, violência, falta
de acesso à saúde, à educação, à prática de atividades profissionais e
recreativas, entre outras. Mas é verdade também que, ainda assim, há
populações mais vulneráveis que outras, face a esta situação.
As pessoas privadas de liberdade de minorias étnicas, religiosas e raciais,
estrangeiros, população LGBT e especialmente pessoas com deficiência e/ou
transtorno mental estão em situação de maior vulnerabilidade, uma vez ser
maior o risco de se encontrarem desassistidas dentro de um sistema deficitário,
correrem maior risco de serem discriminadas e vítimas de violência e maus-
tratos por parte do grupo de pares e, muitas vezes também, por parte dos
servidores penitenciários. Na mesma condição encontram-se as mulheres, os
privados de liberdade condenados por crimes sexuais, e os privados de

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liberdade idosos. Existem também grupos especiais, como os daqueles que
praticam os chamados crimes de “colarinho branco”, os informadores da
polícia, os ex-funcionários públicos e policiais ou agentes penitenciários, que –
pelo caráter de seus crimes e/ou condição de informantes – correm o risco real
de serem vítimas de abuso e violência física e psicológica.
A vulnerabilidade deve ser entendida como uma questão complexa e os
"grupos de pessoas vulneráveis" não devem ser considerados de forma
restrita. Algumas pessoas estão em risco acrescido de vulnerabilidade devido à
sua pertença a mais de um grupo (como é o caso da população LGTB
estrangeira, por exemplo). Da mesma forma, a perspectiva de gênero deve ser
entendida como um elemento transversal que exacerba a situação de
vulnerabilidade (EU CJP, 2015).
Diferentes pesquisas apontam que as violações dos direitos humanos e
fundamentais destes privados de liberdade resultam da falta de recursos
financeiros, alocados às diferentes administrações penitenciárias, e das
relações precárias entre os sistemas penitenciários e a sociedade civil
organizada. Não obstante, nem a falta de recursos, nem o fato das ONGs
poderem ser prestadores de serviços alternativos aos Estados devem servir de
justificativa para o não respeito pelos direitos fundamentais dos privados de
liberdade, de acordo com as legislações de cada país e com suas obrigações
decorrentes da ratificação de tratados internacionais (EU CPJ, 2015).

2.2. Justificativa: Por que a realização de um relatório sobre práticas e


políticas de diversidade no sistema penal

O Brasil tem um Sistema Penal seletivo que penaliza certos grupos de forma
mais intensa, mas que em contraste não reconhece diferenças e
vulnerabilidades durante a execução das penas, homogeneizando as
subjetividades das pessoas em privação ou restrição de liberdade (DEPEN,
2017).
Não obstante, o DEPEN tem reconhecido a necessidade de construir uma
Política Nacional de Diversidades no Sistema Penal que desenhe estratégias
capazes de combater o preconceito, a discriminação e o acesso desigual a

18
direitos e políticas públicas que afetam diversos grupos populacionais em
situação de restrição, privação de liberdade e egressos do sistema prisional, de
modo a assegurar direitos e combater a situação de vulnerabilidade dessas
pessoas (DEPEN, 2017).
Esta preocupação do Departamento Penitenciário Nacional acompanha uma
preocupação cada vez mais generalizada e presente em um número maior de
países. Num reconhecimento dessa preocupação, mas também como
chamado de atenção para a necessidade de mudar políticas e processos de
trabalho, a ONU, através do Escritório sobre Drogas e Crime (UNODC),
apresentou, em 2009, o Handbook on Prisoners with Special Needs. 3 Este
manual apresenta, aos diversos países, subsídios para a elaboração de
políticas penais sensíveis à diversidade e especificidades da população privada
de liberdade.
Também a União Europeia, com os mesmos objetivos e através de seu
Programa de Justiça Criminal, lançou, em 2015, um documento similar,
denominado Vulnerable Groups of Prisoners: a Handbook.4
Embora estas duas organizações orientem o conjunto dos países que delas
fazem parte, alguns países – como por exemplo o Reino Unido, o Canadá, a
Nova Zelândia, ou o Chile – criaram documentos específicos onde
regulamentam políticas, estratégias e ações por forma a assegurar o
cumprimento dos direitos e demandas específicas dos grupos vulneráveis
dentro dos seus sistemas penitenciários.
Esse é também o objetivo do Departamento Penitenciário Nacional, que
pretende – como temos vindo a sublinhar – construir uma Política Nacional de
Diversidades no Sistema Penal.
Assim, e como forma de subsidiar o Departamento nessa construção, este
terceiro produto realiza a sistematização do conjunto de normas internacionais
que devem nortear as políticas e estratégias de ação para o conjunto dos
grupos vulneráveis que constituem o segmento das Diversidades no Sistema
Penal. Realiza ainda o levantamento das estratégias a adotar para o desenho
de políticas de gestão e assistenciais que atendam às demandas específicas
3
Pode ser traduzido por: Manual sobre privados de liberdade com necessidades especiais.
4
Pode ser traduzido por: Manual para os grupos vulneráveis de pessoas privadas de liberdade.

19
destas populações (sistematizadas no produto anterior), exemplificadas com o
conjunto de boas práticas que vêm já sendo realizadas pelos diversos sistemas
penitenciários mundiais e sistematizadas num conjunto de recomendações
internacionais resultantes de documentos de que o Brasil é também signatário.
Desta forma, este produto, juntamente com o produto anterior – onde foram
sistematizadas as demandas específicas de cada um dos grupos vulneráveis –
mostram-se fundamentais para que o desenho da referida Política Nacional
atenda a essas demandas, sustentada pelas melhores práticas que a este nível
vêm já sendo realizadas e indo ao encontro das recomendações internacionais.

20
III. SISTEMATIZAÇÃO DAS POLÍTICAS, PRÁTICAS E
RECOMENDAÇÕES INTERNACIONAIS PARA AS POPULAÇÕES
VULNERÁVEIS EM SITUAÇÃO DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE

Como referimos, tanto a Organização das Nações Unidas quanto a União


Europeia produziram manuais relativos às necessidades específicas das
populações vulneráveis em situação de privação de liberdade, com o objetivo
de produzir subsídios que orientem os diferentes países na elaboração de
políticas penais sensíveis a essa diversidade e especificidades.
Em ambos os manuais é identificado o conjunto dos grupos vulneráveis em
situação de privação de liberdade, enunciando suas necessidades especificas
e indicando, aos diferentes países, estratégias para garantir a esses grupos o
respeito e acesso aos seus direitos fundamentais.
As Nações Unidas identificam dez grupos vulneráveis, sendo que a União
Europeia adota esta mesma categorização:
1) pessoas com transtornos mentais;
2) pessoas com deficiência;
3) minorias étnico-raciais e populações indígenas;
4) estrangeiros;
5) população LGBT;
6) idosos;
7) pessoas com doenças terminais;
8) pessoas condenadas à pena de morte;
9) mulheres; e
10) crianças e jovens.

O escopo do seu manual não se estende às necessidades específicas de


crianças e jovens em conflito com a lei e às respostas da justiça criminal para
estes recomendadas, uma vez que crianças e os jovens têm inúmeras
necessidades adicionais e específicas, distintas das dos privados de liberdade
adultos, exigindo por isso respostas também elas específicas. Assim, para
estas populações, as Nações Unidas recomendam a consulta das publicações
sobre crianças e jovens em conflito com a lei produzidas pelo UNODC, em

21
colaboração com outras agências das Nações Unidas e Organismos
Internacionais, destacando o Manual for the Measurement of juvenile justice
indicators5 (UNODC & UNICEF, 2006) e o guia Protecting the rights of children
in conflict with the law6 (OHCHR, UNICEF, UNDP, UNODC, et al., 2008).
No caso do Brasil, crianças, adolescentes e jovens menores de 18 anos em
conflito com a lei são abrangidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,
executado – nestes casos – através do Sistema Nacional Socioeducativo, de
gestão estadual a nível local, e sob a alçada do Ministério dos Direitos
Humanos, a nível central/federal. Assim, não estando sob a alçada do
Departamento Penitenciário Nacional, esta população sai também do escopo
deste produto.
As mulheres em situação de privação de liberdade são mais propensas do
que os homens a sofrer de transtornos mentais, dependência de álcool e
drogas, muitas vezes também como resultado da vivência de situações de
violência doméstica, abuso físico e sexual sofridos mesmo antes do período de
encarceramento (UNODC, 2008).
A separação de suas famílias e de suas comunidades, devido à situação de
privação de liberdade, tem um efeito particularmente nocivo sobre as mulheres,
podendo levar a transtornos de ansiedade, quadros depressivos mais ou
menos severos ou mesmo a transtornos mentais mais graves (UNODC, 2008).
A nível mundial, a proporção de mulheres privadas de liberdade varia entre
2% e 8% da população geral. Uma das consequências deste pequeno
percentual é que os sistemas penitenciários e as próprias unidades prisionais
tendem a ser organizados com base nas necessidades e demandas
masculinas. Isto aplica-se à arquitetura, à segurança e a todas as outras
rotinas do sistema. Qualquer disposição especial destinada a mulheres
geralmente não é desenhada e planejada de raiz, mas antes uma adaptação
daquelas que já existem para a população masculina (UNODC, 2008).
Assim, e embora as necessidades levantadas e as propostas de ação
apresentadas em seu manual abranjam homens e mulheres, as Nações Unidas
consideram que as mulheres privadas de liberdade têm requisitos adicionais
5
Pode ser traduzido por: Manual de avaliação dos indicadores relativos à justiça juvenil.
6
Poder ser traduzido por: Protegendo os direitos das crianças em conflito com a lei.

22
relativos aos cuidados e ao tratamento de que necessitam, tendo por isso
elaborado um manual específico para esta população: Handbook for Prison
Managers and Policymakers on Women and Imprisonment 7 (UNODC, 2008).
Recomenda a sua consulta para orientações adicionais e exclusivas sobre as
necessidades específicas deste grupo.
Também o DEPEN reconhece esses requisitos adicionais e especificidades
de gênero. Por isso, com a preocupação de lhes dar resposta, combatendo a
situação de vulnerabilidade e contribuindo para a diminuição da desigualdade e
discriminação a que as mulheres estão sujeitas, instituiu – em 2014 – a Política
Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e
Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE), que tem como objetivo geral
reformular as práticas do sistema prisional brasileiro, contribuindo para a
garantia dos direitos das mulheres, nacionais e estrangeiras, previstos em
diversos artigos da Lei de Execução Penal (LEP) (BRASIL, 1984). A PNAMPE
garante a humanização no cumprimento da pena: o direito à saúde, educação,
alimentação, trabalho, segurança, proteção à maternidade, lazer, esporte,
assistência jurídica e demais direitos humanos. Priorizando a atenção integral a
partir de atividades de prevenção e promoção da saúde, esta Política assegura
ainda a melhoria da qualidade de vida e da saúde da população feminina em
situação de privação de liberdade (Barbosa, Celino, Oliveira. Pedraza, & Costa,
2014).
O primeiro diagnóstico sobre a implementação desta Política foi apresentado
no primeiro produto desta consultoria, da mesma forma que foram também
apresentadas dois instrumentos de avaliação e monitoramento a serem
implementados, respetivamente, pelo próprio Departamento e pelos diferentes
estados, para que estes possam, periodicamente, analisar a qualidade e o
impacto da execução da PNAMPE, ajustando – caso se verifique necessário –
os seus planos estratégicos e de ação para uma maior eficiência, eficácia e
efetividade/impacto desta Política junto desta população. Assim, para
informações sobre as necessidades específicas e propostas de ação relativas à
população feminina em situação de privação de liberdade no Brasil, podem ser
consultados: a própria Política e o referido produto: Diagnóstico sobre a
7
Pode ser traduzido por: Manual para gestores públicos e penitenciários sobre mulheres e aprisionamento.

23
implementação da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de
Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE) e
Indicadores de Avaliação e Monitoramento (DEPEN & PNUD, 2017a).
O UNODC reconhece ainda que existem vários outros subgrupos com
necessidades especiais e, consequentemente, com demandas ainda mais
específicas que exigem, por isso, respostas também elas mais específicas e
modelos de gestão das valências assistenciais próprios. Por esse motivo,
esses subgrupos não estão contemplados neste seu manual e para eles foram
também construídos manuais próprios.
Assim, as diretrizes sobre as respostas adequadas às necessidades dos
privados de liberdade dependentes de drogas, embora estes se enquadrem
dentro da população com transtorno mental (WHO, 2010; APA, 2013), são
abordadas em documentos como: Investing in Drug Abuse Treatment: a
Discussion Paper for Policymakers8 (UNODC, 2003a) e Drug Abuse Treatment
and Rehabilitation: a Practical Planning and Implementation Guide 9 (UNODC,
2003b).
O DEPEN, reconhecendo também a especificidade das demandas desta
população e a complexidade das respostas a implementar no sistema
penitenciário para suprir essas necessidades, contratou uma consultoria
técnica especializada, através de um acordo de cooperação com o Programa
das Nações Unidades para o Desenvolvimento (PNUD) – Projeto BRA/14/011,
realizada entre fevereiro de 2015 e julho de 2016, que previu a produção de
subsídios visando ao fortalecimento das ações de saúde voltadas às pessoas
com dependência química no sistema prisional. Dentre outros produtos
apresentados, foram desenhadas propostas para ações educacionais dirigidas
aos profissionais da saúde que atuam no sistema penitenciário, bem como aos
agentes e gestores penitenciários; foi apresentado um manual de fluxos de
procedimentos para estratégias de tratamento e cuidado aos privados de
liberdade usuários dependentes de drogas; tendo ainda sido apresentada uma
proposta de protocolo clínico e diretrizes terapêuticas com o mesmo fim
(DEPEN, 2015).
8
Pode ser traduzido por: Investir no tratamento do abuso de drogas: um documento de discussão para gestores públicos.
9
Pode ser traduzido por: Abuso de drogas: um guia prático para o planejamento e a implementação de ações de tratamento e
reabilitação.

24
Como referimos, uma outra consultoria versando sobre o tema das
Diversidades no Sistema Penal apresentou a construção de uma base
conceitual, com a fixação de postulados, princípios e diretrizes para o desenho
da Política das Diversidades neste contexto, tendo procedido ainda à
identificação e caracterização dos grupos vulneráveis que por ela devem ser
abrangidos. Sistematiza como esferas de maior vulnerabilidade:
1) Gênero;
2) Orientação sexual;
3) Idade;
4) Doença;
5) Deficiência;
6) Nacionalidade e;
7) Crença religiosa.

Estabelece, como populações vulneráveis:


1) Mulheres – considerada a condição de gênero;
2) População LGBT – consideradas identidade e orientação sexuais;
3) Idosos – considerando o fator idade;
4) População negra – considerada a raça;
5) População indígena e comunidades tradicionais – considerada a etnia;
6) Minorias religiosas – considerada a religião;
7) Estrangeiros – considerada a nacionalidade;
8) Pessoas com deficiência – consideradas condições física e intelectual;
9) Pessoas com transtornos mentais, pessoas que fazem uso abusivo de
drogas e pessoas com doenças crônicas e/ou infectocontagiosas –
considerada a condição de saúde;
10) Pessoas em condição de rua – atendendo à condição de moradia; e
11) Pessoas em medidas de segurança e agressores sexuais – considerada
a tipificação penal (DEPEN & PNUD, 2016).

Não obstante, considera-se que a identificação e caracterização dos grupos


vulneráveis por ela propostas foi estabelecida atribuindo demasiada relevância

25
aos fluxos e procedimentos inerentes ao sistema prisional, afastando-se
demasiado das propostas das Nações Unidas que norteiam o trabalho dos
diferentes países que dela fazem parte e que ratificaram seus tratados neste
âmbito, como é o caso do Brasil.
Para além disso, e considerando que o DEPEN, ao abrigo do mesmo acordo
de cooperação com o Programa das Nações Unidos para o Desenvolvimento
(PNUD) já referido, contratou uma consultoria especializada para a formulação
de um novo modelo de gestão para a política prisional, que contempla a
reformulação dessa mesma gestão, com profunda reestruturação de fluxos e
rotinas, assim como das valências assistências, considerando a especificidade
dos diferentes grupos de privados de liberdade, entende-se que algumas das
categorias propostas têm suas demandas atendidas por este novo modelo.
Exemplo disso é a população de rua, ou a condição de moradia. A menos que
esta população, devido a qualquer uma outra característica que possua, se
enquadre em algum grupo vulnerável – como por exemplo, ser morador de rua
e ter uma deficiência física – a sua condição de morador de rua não exige
qualquer outra atenção específica, decorrente de demandas particulares, para
além das já previstas para a restante população de privados de liberdade –
inclusive as de apoio psicossocial e estratégias de reinserção, considerando a
eventual ausência de vínculos familiares e de uma rede social de pertença que,
habitualmente, caracteriza esta população.
A questão das minorias religiosas não se coloca, a menos que o individuo
pertença a uma minoria étnico-racial. O Brasil tem uma multiplicidade de
religiões considerável que perpassa todas as populações de privados de
liberdade, sem que a crença coloque, por si só, o privado de liberdade em
situação de vulnerabilidade. Além disso, a assistência religiosa provida pelo
sistema penitenciário, e prevista pela Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), é
objeto da proposta de intervenção estabelecida pela consultoria técnica
especializada (contratada ao abrigo do mesmo acordo com o PNUD), para
produção de subsídios voltados ao fortalecimento da Política de Assistência
Social no âmbito do Sistema Prisional, em seu produto Proposta Conceitual
sobre Assistência Religiosa (DEPEN & PNUD, 2017b).

26
A questão da raça deve ser entendida, no caso concreto da identificação de
grupos vulneráveis dentro do sistema penitenciário, como diretamente
relacionada com a etnia: minorias étnico-raciais, tal como estabelecido pela
ONU. Além disso, conforme já aprofundado (ver capítulo IX do II Produto desta
consultoria) os negros não são uma minoria no Brasil, nem no sistema
penitenciário, nem fora dele. Não significando isto que esta população não
necessite de atenção especializada, especialmente considerando o racismo e
preconceito ainda presentes na sociedade Brasileira no seu todo (tanto no
sistema prisional quanto fora dele) e a situação de desfavorecimento
socioeconômico que caracteriza a maioria desta população. Não obstante,
estas especificidades devem ser atendidas pelo modelo de gestão dos
diferentes sistemas penitenciários, tal como proposto, no caso do Brasil, no
referido novo modelo, apresentado no âmbito da, também já referida,
consultoria técnica especializada.
Relativamente às questões da saúde, considera-se que pessoas com
transtorno mental, usuários dependentes de drogas e pessoas com doenças
crônicas ou infectocontagiosas não podem estar inseridas no mesmo grupo,
uma vez que apresentam demandas bastante diferenciadas. Ressalta-se que
os usuários dependentes de drogas se inserem, conforme acima referido, na
categoria de pessoas com transtornos mentais, uma vez que essa
dependência, assim como a do álcool, é considerada um transtorno desta
natureza, conforme classificação da CID–10 e da DSM–5 (WHO, 2010; APA,
2013).
Por outro lado, as doenças crônicas e infectocontagiosas, como a
Tuberculose, as IST, a AIDS e as Hepatites Virais, requerem um tipo de
assistência que, não saindo escopo da assistência à saúde, as enquadram em
mais um dos subgrupos identificados pelas Nações Unidas. Assim, e para o
seu gerenciamento no sistema prisional, as Nações Unidas desenvolveram os
manuais: Policy Brief: Reduction of HIV Transmission in Prisons 10 (UNODC,
WHO, & UNAIDS, 2004); HIV/AIDS Prevention, Care, Treatment and Support
in Prison Settings: A Framework for an Effective National Response 11 (UNODC,
10
Pode ser traduzido por: Informe sobre as políticas para a redução da transmissão do HIV nas prisões.
11
Com tradução para o Português pelos mesmos Escritórios da ONU, em 2007. Ver referencias bibliográficas.

27
WHO, & UNAIDS, 2006); TB/HIV: A Clinical Manual (second edition)12 (WHO,
2004); e ainda o guia: HIV/AIDS in places of detention: a toolkit for
policymakers, programme managers, prison officers and health care providers
in prison settings13 (UNODC, WHO, & UNAIDS, 2008).
No Brasil, a assistência prestada a estes doentes, mesmo quando privados
de liberdade, é assegurada pelo Ministério da Saúde, através do Departamento
de IST, HIV/AIDS e Hepatites Virais e do Programa Nacional de Combate à
Tuberculose.
Caso algum destes agravos evolua para uma doença terminal, estes
pacientes devem ser enquadrados dentro da categoria pessoas com doenças
terminais. Estas sim, devem ser categorizadas como recorte populacional em
situação de vulnerabilidade no sistema penitenciário, não apenas devido às
especificidades clínicas que uma doença terminal demanda, como às
necessidades assistenciais, decorrentes de sua extrema fragilidade física e
psíquica, que estes doentes apresentam, como ainda ao enquadramento penal
em que devem ser enquadradas – assim considerado pelas Nações Unidas
(UNODC, 2009).
As pessoas com medidas de segurança e os agressores sexuais (e aqueles
que se encontram encarcerados devido à prática de violência doméstica ao
abrigo da Lei Maria da Penha) requerem, sobretudo, atenção no que diz
respeito aos fluxos e rotinas, maioritariamente devido aos atos de violência,
abuso e discriminação de que podem ser alvo por parte dos demais privados
de liberdade e mesmo por parte dos agentes penitenciários e demais
profissionais do sistema. Ressalta-se que estes últimos – agressores sexuais e
perpetradores de outro tipo de violência sobre as mulheres – devem ser
enquadrados na categoria de pessoas com transtornos mentais, partilhando,
por isso, das demandas específicas desta população, e devendo receber
suporte a este nível.
Aqueles que pertencem a comunidades tradicionais têm pouca expressividade
no sistema prisional nacional devendo, ainda assim, ser enquadrados na
categorização: minorias étnico-raciais e populações indígenas.
12
Pode ser traduzido por: TB/HIV: um manual (segunda edição).
13
Pode ser traduzido por: HIV/AIDS em locais de detenção: um conjunto de ferramentas para formuladores de políticas públicas,
gestores e agentes penitenciários, gerentes de programa e prestadores de cuidados de saúde no sistema prisional.

28
É excluída a categoria de pessoas condenadas à pena de morte, uma vez
que esta medida não existe no Código Penal Brasileiro.
Desta forma, propõe-se, conforme apresentado no Produto anterior, que o
Departamento Penitenciário Nacional adote, assim como a maioria dos países
pertencentes à ONU, a categorização proposta por esta Organização, não
apenas por ela fazer face às especificidades da realidade Brasileira, mas
também para que o Brasil tenha representatividade internacional – uma vez
que “fala a mesma língua” – neste âmbito. Esta mesma categorização é
seguida no presente Produto.

29
IV. PESSOAS COM TRANSTORNOS MENTAIS

4.1. Normas Internacionais

Regras mínimas das Nações Unidas para o tratamento dos reclusos (UN
ECOSOC, 1955)

22.
(1) Cada estabelecimento penitenciário deve dispor dos serviços de pelo
menos um médico qualificado, que deverá ter alguns conhecimentos de
psiquiatria. Os serviços médicos devem ser organizados em estreita ligação
com a administração geral de saúde da comunidade ou da nação. Devem
incluir um serviço de psiquiatria para o diagnóstico, e em casos específicos, o
tratamento de estados de perturbação mental.
(2) Os reclusos doentes que necessitem de cuidados especializados devem
ser transferidos para estabelecimentos especializados ou para hospitais civis.
Quando o tratamento hospitalar é organizado no estabelecimento prisional este
deve dispor de instalações, material e produtos farmacêuticos que permitam
prestar aos reclusos doentes os cuidados e o tratamento adequados; o pessoal
deve ter uma formação profissional suficiente.
24.
O médico deve examinar cada recluso o mais depressa possível após a sua
admissão no estabelecimento penitenciário e em seguida sempre que
necessário com o objetivo de detectar doenças físicas ou mentais e de tomar
todas as medidas necessárias para o respectivo tratamento; de separar
reclusos suspeitos de serem portadores de doenças infecciosas ou
contagiosas; de detectar as deficiências físicas ou mentais que possam
constituir obstáculos a reinserção dos reclusos e de determinar a capacidade
física para o trabalho de cada recluso.
25.
(1) Ao médico compete vigiar a saúde física e mental dos reclusos. Deve visitar
diariamente todos os reclusos doentes, os que se queixem de doença e todos
aqueles para os quais a sua atenção é especialmente chamada.

30
(2) O médico deve apresentar relatório ao diretor, sempre que julgue que a
saúde física ou mental foi ou será desfavoravelmente afetada pelo
prolongamento ou pela aplicação de qualquer modalidade de regime de
reclusão.
[...]
82.
(1) Os reclusos alienados não devem estar detidos em prisões, devendo ser
tomadas medidas para os transferir para estabelecimentos para doentes
mentais o mais depressa possível.
(2) Os reclusos que sofrem de outras doenças ou anomalias mentais devem
ser examinados e tratados em instituições especializadas sob vigilância
médica.
(3) Durante a sua estada na prisão, tais reclusos serão postos sob especial
supervisão de um médico.
(4) O serviço médico ou psiquiátrico dos estabelecimentos penitenciários deve
proporcionar tratamento psiquiátrico a todos os reclusos que necessitem de tal
tratamento.
83.
É desejável que sejam adotadas disposições, de acordo com os organismos
competentes, para que o tratamento psiquiátrico seja mantido, se necessário,
depois da colocação em liberdade e que uma assistência social pós-
penitenciária de natureza psiquiátrica seja assegurada.

Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental


e a Melhoria da Assistência à Saúde Mental (UN, 1991)

PRINCÍPIO 1
Liberdades fundamentais e direitos básicos
1. Todas as pessoas têm direito à melhor assistência à saúde mental
disponível, que deverá ser parte do sistema de cuidados de saúde e sociais.

31
2. Todas as pessoas acometidas de transtorno mental, ou que estejam sendo
tratadas como tal, deverão ser tratadas com humanidade e respeito à
dignidade inerente à pessoa humana.
3. Todas as pessoas acometidas de transtorno mental, ou que estejam sendo
tratadas como tal, têm direito à proteção contra exploração econômica, sexual,
ou de qualquer outro tipo, contra abusos físicos ou de outra natureza, e
tratamento degradante.
4. Não haverá discriminação sob pretexto de transtorno mental.
“Discriminação” significa qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha
o efeito de anular ou dificultar o desfrute igualitário de direitos. Medidas
especiais com a única finalidade de proteger os direitos ou garantir o
desenvolvimento de pessoas com problemas de saúde mental não serão
consideradas discriminatórias. Discriminação não inclui qualquer distinção,
exclusão ou preferência realizadas de acordo com os provimentos destes
Princípios e necessários à proteção dos direitos humanos de uma pessoa
acometida de transtorno mental ou de outros indivíduos.
5. Toda pessoa acometida de transtorno mental terá o direito de exercer todos
os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais reconhecidos pela
Declaração Universal dos Direitos do Homem; pela Convenção Internacional
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; pela Convenção Internacional de
Direitos Civis e Políticos; e por outros instrumentos relevantes como a
Declaração de Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, e pelo
Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas sob qualquer
forma de Detenção ou Aprisionamento.
6. Qualquer decisão em que, em razão de um transtorno mental, a pessoa
perca sua capacidade civil, e qualquer decisão em que, em consequência de
tal incapacidade, um representante pessoal tenha que ser designado, somente
poderão ser tomadas após uma audiência equitativa a cargo de um tribunal
independente e imparcial estabelecido pela legislação nacional. A pessoa, cuja
capacidade estiver em pauta, terá o direito de ser representada por um
advogado. Se esta pessoa não puder garantir seu representante legal por
meios próprios, tal representação deverá estar disponível, sem pagamento,

32
enquanto ela não puder dispor de meios para pagá-la. O advogado não
deverá, no mesmo processo, representar um estabelecimento de saúde mental
ou seus funcionários, e não deverá também representar um membro da família
da pessoa cuja capacidade está em pauta, a menos que o tribunal esteja
seguro de que não há conflito de interesses. As decisões com respeito à
capacidade civil e à necessidade de um representante pessoal deverão ser
revistas a intervalos razoáveis, previstos pela legislação nacional. A pessoa,
cuja capacidade estiver em pauta, seu representante pessoal, se houver, e
qualquer outra pessoa interessada, terão o direito de apelar a um tribunal
superior contra essas decisões.
7. Nos casos em que uma corte ou outro tribunal competente concluir que uma
pessoa acometida de transtorno mental está incapacitada para gerir seus
próprios assuntos, devem-se tomar medidas no sentido de garantir a proteção
dos interesses da pessoa, adequadas às suas condições e conforme suas
necessidades.

PRINCÍPIO 9
Tratamento
1. Todo o usuário terá direito a ser tratado no ambiente menos restritivo
possível, com o tratamento menos restritivo ou invasivo, apropriado às suas
necessidades de saúde e à necessidade de proteger a segurança física de
outros.
2. O tratamento e os cuidados dados a cada usuário serão baseados em um
plano prescrito individualmente, discutido com ele, revisto regularmente,
modificado quando necessário e administrado por pessoal profissional
qualificado.
3. A assistência à saúde mental será sempre oferecida de acordo com padrões
éticos aplicáveis aos profissionais de saúde mental, inclusive padrões
internacionalmente aceites, com os Princípios de Ética Médica adotados pela
Assembleia Geral das Nações Unidas. Jamais se cometerão abusos com os
conhecimentos e práticas de saúde mental.

33
4. O tratamento de cada usuário deverá estar direcionado no sentido de
preservar e aumentar sua autonomia pessoal.

PRINCÍPIO 20
Dos infratores da lei
1. Este Princípio se aplica a pessoas cumprindo sentenças de prisão por
crimes, ou que estejam detidas no curso de investigações ou processos penais
contra elas, e nas quais tenha sido determinada a presença de transtorno
mental, ou a possibilidade de sua existência.
2. Essas pessoas devem receber a melhor assistência à saúde mental
disponível, como determinado no Princípio 1. Estes Princípios serão aplicados
a elas na maior extensão possível, com modificações e exceções limitadas
apenas por necessidades circunstanciais. Nenhuma dessas modificações e
exceções deverá prejudicar os direitos da pessoa no que diz respeito aos
instrumentos mencionados no parágrafo 5 do Princípio 1.
3. A legislação nacional poderá autorizar um tribunal ou outra autoridade
competente a determinar, baseando-se em opinião médica competente e
independente, que tais pessoas sejam admitidas em um estabelecimento de
saúde mental.
4. O tratamento de pessoas nas quais se tenha determinado a presença de um
transtorno mental deverá, em todas as circunstâncias, ser consistente com o
Princípio 11 desta resolução [que estabelece a obrigatoriedade do
consentimento para o tratamento].

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (UN CRPD,


2006)

Artigo 12º
Reconhecimento igual perante a lei

34
1 - Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito
ao reconhecimento perante a lei da sua personalidade jurídica em qualquer
lugar.
2 - Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiência têm
capacidade jurídica, em condições de igualdade com as outras, em todos os
aspectos da vida.
3 - Os Estados Partes tomam medidas apropriadas para providenciar acesso
às pessoas com deficiência ao apoio que possam necessitar no exercício da
sua capacidade jurídica.
4 - Os Estados Partes asseguram que todas as medidas que se relacionem
com o exercício da capacidade jurídica forneçam as garantias apropriadas e
efetivas para prevenir o abuso de patrimacordo com o direito internacional dos
direitos humanos. Tais garantias asseguram que as medidas relacionadas com
o exercício da capacidade jurídica em relação aos direitos, vontade e
preferências da pessoa estão isentas de conflitos de interesse e influências
indevidas, são proporcionais e adaptadas às circunstâncias da pessoa,
aplicam-se no período de tempo mais curto possível e estão sujeitas a um
controlo periódico de uma autoridade ou órgão judicial competente,
independente e imparcial. As garantias são proporcionais ao grau em que tais
medidas afetam os direitos e interesses da pessoa.
Artigo 25º
Saúde
Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiência têm direito ao
gozo do melhor estado de saúde possível sem discriminação com base na
deficiência. Os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas para
garantir o acesso das pessoas com deficiência aos serviços de saúde que
tenham em conta as especificidades do gênero, incluindo a reabilitação
relacionada com a saúde. Os Estados Partes devem, nomeadamente:
a) Providenciar às pessoas com deficiência a mesma gama, qualidade e
padrão de serviços e programas de saúde gratuitos ou a preços acessíveis
iguais aos prestados às demais, incluindo na área da saúde sexual e
reprodutiva e programas de saúde pública dirigidos à população em geral;

35
b) Providenciar os serviços de saúde necessários às pessoas com deficiência
(incluindo crianças e idosos), especialmente devido e esta, incluindo a
detecção e intervenção atempada, sempre que apropriado, e os serviços
destinados a minimizar e prevenir outras deficiências;
c) Providenciar os referidos cuidados de saúde tão próximo quanto possível
das suas comunidades, incluindo nas áreas rurais;
d) Exigir aos profissionais de saúde a prestação de cuidados às pessoas com
deficiência com a mesma qualidade dos dispensados às demais, com base no
consentimento livre e informado, inter alia, da sensibilização para os direitos
humanos, dignidade, autonomia e necessidades das pessoas com deficiência
através da formação e promulgação de normas deontológicas para o setor
público e privado da saúde;
e) Proibir a discriminação das pessoas com deficiência na obtenção de
seguros de saúde e seguros de vida, sempre que esses seguros sejam
permitidos pelo Direito interno, os quais devem ser disponibilizados de forma
justa e razoável;
f) Prevenir a recusa discriminatória de cuidados ou serviços de saúde ou
alimentação e líquidos, com base na deficiência.

4.2. Regulamentação Nacional

Portaria 94, de 14 de Janeiro de 2014 (Ministério da Justiça/Brasil, 2014a)

Institui o serviço de avaliação e acompanhamento de medidas terapêuticas


aplicáveis à pessoa com transtorno mental em conflito com a Lei, no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS) [...] vinculado à Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional
(PNAISP).
O serviço é parte da estratégia para redirecionamento dos modelos de atenção
à pessoa com transtorno mental em conflito com a Lei e pressupõe a criação
de Equipes de Avaliação e Acompanhamento das Medidas Terapêuticas
Aplicáveis à Pessoa com Transtorno Mental em Conflito com a Lei (EAP).

36
Art. 2º
É considerada beneficiária do serviço consignado nesta norma a pessoa que,
presumidamente ou comprovadamente, apresente transtorno mental e que
esteja em conflito com a Lei, sob as seguintes condições: com inquérito policial
em curso, sob custódia da justiça criminal ou em liberdade; ou, com processo
criminal, e em cumprimento de pena privativa de liberdade ou prisão provisória
ou respondendo em liberdade, e que tenha o incidente de insanidade mental
instaurado; ou em cumprimento de medida de segurança; ou sob liberação
condicional da medida de segurança; ou, com medida de segurança extinta e
necessidade expressa pela justiça criminal ou pelo SUS de garantia de
sustentabilidade do projeto terapêutico singular.
Art. 3º
O Grupo Condutor Estadual, consignado na Portaria Interministerial nº
1/MS/MJ, de 2 de janeiro de 2014 que institui a PNAISP, deverá elaborar uma
estratégia estadual para atenção à pessoa com transtorno mental em conflito
com a Lei, e contribuir para a sua implementação.
Art. 4º
As EAP têm por objetivo apoiar ações e serviços para atenção à pessoa com
transtorno mental em conflito com a Lei na Rede de Atenção à Saúde (RAS), e
terá as seguintes atribuições:
I - Realizar avaliações biopsicossociais e apresentar proposições
fundamentadas na Lei 10.216 de 2001 e nos princípios da PNAISP,
orientando, sobretudo, a adoção de medidas terapêuticas, preferencialmente
de base comunitária, a serem implementadas segundo um Projeto
Terapêutico Singular (PTS);
II - Identificar programas e serviços do SUS e do SUAS e de direitos de
cidadania, necessários para a atenção à pessoa com transtorno mental em
conflito com a Lei e para a garantia da efetividade do PTS;
III - Estabelecer processos de comunicação com gestores e equipes de
serviços do SUS e do SUAS e de direitos de cidadania e estabelecer
dispositivos de gestão que viabilizem acesso e corresponsabilização pelos
cuidados da pessoa com transtorno mental em conflito com a Lei;

37
IV - Contribuir para a ampliação do acesso aos serviços e ações de saúde,
pelo beneficiário, em consonância com a justiça criminal, observando a
regulação do sistema;
V - Acompanhar a execução da medida terapêutica, atuando como
dispositivo conector entre os órgãos de Justiça, as equipes da PNAISP e
programas e serviços sociais e de direitos de cidadania, garantindo a oferta
de acompanhamento integral, resolutivo e contínuo;
VI - Apoiar a capacitação dos profissionais da saúde, da justiça e programas
e serviços sociais e de direitos de cidadania para orientação acerca de
diretrizes, conceitos e métodos para atenção à pessoa com transtorno
mental em conflito com a Lei; e
VII - Contribuir para a realização da desinternação progressiva de pessoas
que cumprem medida de segurança em instituições penais ou hospitalares,
articulando-se às equipes da PNAISP, quando houver, e apoiando-se em
dispositivos das redes de atenção à saúde, assistência social e demais
programas e serviços de direitos de cidadania (Brasil, 2014).

4.3. Políticas e Práticas para as pessoas com transtornos mentais no


sistema penal

4.3.1. Legislação e políticas de acesso à saúde

Os imensos desafios relacionados com a prestação de cuidados de saúde


equitativos no sistema prisional, incluindo cuidados de saúde mental, não
podem ser resolvidos apenas pelas administrações penitenciárias e pelos
serviços de cuidados de saúde do sistema. Os privados de liberdade com
transtorno mental requerem uma abordagem básica de tratamento baseada na
comunidade capaz de oferecer serviços essenciais, garantir a segurança
pública e reduzir a incidência de comportamentos criminosos (UNODC, 2009).
Na maioria dos países verifica-se a necessidade urgente de abordar as
questões e problemas relacionados à prestação de cuidados de saúde
adequados na população em geral e melhorar o acesso a serviços de saúde
por parte dos mais pobres, dos desempregados, daqueles que se encontram

38
em situação de rua e das pessoas com transtorno mental, como um primeiro
passo para reduzir o desnecessário, muitas vezes injusto e quase sempre
prejudicial encarceramento de pessoas com transtorno mental, aliviando assim
a pressão sobre os escassos recursos dos serviços de saúde do sistema
penitenciário (EP, 2017).
Segundo o UNODC (2015), a tensão entre a necessidade de segurança e os
requisitos de cuidados de saúde mental dos infratores precisa ser examinada e
uma compreensão e política compartilhadas, com a legislação correspondente,
pelos formuladores de políticas dos setores de saúde e justiça. As políticas de
condenação punitiva, que levam à crescente prisão de grupos desfavorecidos,
como os infratores com transtorno mental, para reincidências não violentas,
precisam ser reavaliados para reverter o aumento dramático de infratores
portadores de transtorno mental em instituições que não foram projetadas para
atender às necessidades de reintegração social desse grupo vulnerável.
As políticas e estratégias de saúde pública devem incluir as necessidades
dos privados de liberdade e um financiamento adequado deve ser fornecido
aos serviços de saúde das unidades prisionais para que estas possam atender
às necessidades destas pessoas.
Os serviços penitenciários e de saúde comunitária devem trabalhar em
cooperação e de forma integrada, na medida do possível, a fim de melhorar as
perspectivas de equidade ao nível dos cuidados nas unidades prisionais e a
continuidade destes tanto dentro do sistema prisional, quanto na comunidade
após o cumprimento de pena (WHO, 2003, 2011).
Legislação adequada ao nível da saúde mental precisa ser adotada por
forma a proteger os direitos das pessoas com transtornos mentais, inclusive
daquelas que se encontram em situação de privação de liberdade. O
desenvolvimento de disposições legais que atendam às demandas específicas
dos privados de liberdade com transtorno mental é um primeiro passo para
garantir que seus direitos sejam protegidos, incluindo o direito a um tratamento
e cuidados de saúde de qualidade. Em consequência, são maiores as
probabilidades de outros direitos fundamentais, quer sejam o direito à
confidencialidade, à proteção contra a discriminação e a violência, e à proteção

39
contra as várias formas de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e
degradantes, serem respeitados (WHO & ICRC, 2005).
A legislação deve ainda garantir que, ao nível processual dentro do sistema
de justiça criminal, as pessoas com transtorno mental têm direitos equivalentes
aos concedidos aos demais.
Em acréscimo, os regimes de inspeção e monitoramento que existem na
comunidade devem ser aplicados aos serviços de saúde do sistema
penitenciário, incluindo aos serviços de saúde mental (WHO & ICRC, 2005).
No Brasil, deve cumprir-se o estabelecido pela portaria 94, de 14 de janeiro
de 2014, que institui o serviço de avaliação e acompanhamento das medidas
terapêuticas aplicáveis à pessoa com transtorno mental em conflito com a Lei,
no âmbito do Sistema Único de Saúde, conforme exposto no ponto anterior
(4.4.).14

4.3.2. Medidas e sanções não privativas de liberdade

O sistema penitenciário tem um efeito particularmente prejudicial sobre as


pessoas com transtornos mentais. Os princípios para a proteção destas
pessoas e para a melhoria dos cuidados ao nível da saúde mental 15 deixam
claro que elas têm o direito de ser atendidas e tratadas, na medida do possível,
em suas comunidades. A Organização Mundial de Saúde recomenda que os
serviços de saúde mental estejam sediados nas comunidades e sejam
integrados, na medida do possível, aos serviços gerais de saúde, de acordo
com os princípios fundamentais para restringir ao máximo o confinamento dos
ambientes de tratamento (WHO, 2005). Os objetivos de reintegração social e
prevenção da reincidência de comportamentos criminosos, sobretudo no caso
daqueles que cometem ofensas não violentas, podem ser melhor alcançados
com acesso a tratamento e cuidados médicos adequados, em vez de medidas
punitivas e privativas de liberdade (WHO, 2005).

14
Para mais informações sobre a execução da mesma pode consultar-se a cartilha do Ministério da Saúde (Brasil, 2014b) sobre esse
Serviço. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/eap.pdf.
15
Referimo-nos aos Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e a Melhoria da Assistência à Saúde
Mental (UN, 1991), citados no início deste capítulo.

40
Assim, e sempre que possível, as pessoas com transtornos mentais devem
ser desviadas do sistema de justiça criminal 16 logo no primeiro contato com as
forças policiais e, caso isto não tenha acontecido, o mais brevemente possível
após inicio do processo de justiça criminal – quer seja durante a prisão
provisória, acusação, julgamento ou cumprimento de pena. Os tribunais devem
ter acesso a informações sobre questões de saúde mental em geral e sobre as
necessidades de cuidados de saúde mental dos indiciados/réus, em particular,
para tomar as decisões adequadas e apropriadas o mais precocemente
possível. Essas informações devem ser fornecidas por profissionais de saúde
mental que devem também levar a cabo um processo de triagem e avaliação
destas pessoas imediatamente após a sua entrada no sistema de justiça
criminal.
A falta de serviços públicos de saúde mental por si só nunca deve ser usada
para justificar o encarceramento de pessoas com transtornos mentais,
devendo, inclusive, ser terminantemente proibida por lei (WHO & ICRC, 2005).
A aplicação de medidas alternativas pode exigir a introdução de nova
legislação e de novos procedimentos de atuação, bem como a capacitação dos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei, por forma a que estes possam
reconhecer as demandas específicas das pessoas com transtornos mentais e
possam buscar a assistência de que estas necessitam, logo no primeiro ponto
de contato com o sistema de justiça criminal .
As medidas alternativas à privação de liberdade devem ser também
introduzidas para aqueles que, portadores de transtornos mentais, cometeram
delitos ou crimes mais graves. Essas medidas e sentenças devem incluir
cuidados médicos abrangentes em instalações hospitalares com supervisão
adequada. Em geral, é preferível que estas pessoas, mesmo representando um
perigo para a segurança pública, recebam tratamento médico em instalações
hospitalares seguras, em vez de cumprirem sentenças de privação de
liberdade no sistema penitenciário, situação que contribuirá para a degradação
da sua condição médica.17
16
Conforme estabelecido pela alínea (1) da regra 82 das Regras mínimas das Nações Unidas para o tratamento dos Reclusos (UN
ECOSOC, 1955).
17
Para obter mais orientações sobre o desenvolvimento de legislação apropriada, incluindo a provisão de medidas alternativas à
privação de liberdade para as pessoas com transtornos mentais, pode consultar-se o manual da Organização Mundial de Saúde:
Manual de Recursos sobre Saúde Mental, Direitos Humanos e Legislação, (WHO, 2005); os Manuais do UNODC sobre Princípios

41
4.3.3. Administração Prisional

4.3.3.1. Políticas e estratégias de gestão

A promoção da saúde mental, bem como da saúde física e do bem-estar social


devem ser entendidos como elementos-chave da administração e gestão
penitenciárias e das políticas de cuidados de saúde. O desenvolvimento de
políticas e estratégias abrangentes com o objetivo de proteger o equilíbrio
mental de todos os privados de liberdade e assegurar que aqueles que sofrem
de algum tipo de transtorno mental têm acesso oportuno a um tratamento
adequado, equivalente àquele que se encontra disponível na comunidade, é
essencial para a gestão efetiva dos cuidados de saúde mental nas unidade
prisionais (UNODC, 2006, 2007, 2009):
a) Proteger o equilíbrio mental de todos os privados de liberdade:
devendo, para tanto melhorar-se as estruturas e condições das
unidades prisionais, proporcionando um ambiente seguro e positivo.
As políticas devem garantir que as condições físicas e os serviços
das unidades prisionais se destinam a proteger e promover o bem-
estar psíquico de todos os privados de liberdade. Devem também
reconhecer que o cumprimento dos determinantes subjacentes à
saúde, quer sejam: espaços adequados, nutrição, água potável,
saneamento, aquecimento, ar fresco, luz natural e artificial, entre
outros, é fundamental para a proteção da saúde mental e física. Da
mesma forma as atividades de lazer que estimulam o
funcionamento cognitivo, bem como o contato extramuros são
também vitais neste contexto. Em acréscimo, devem ainda ser
implementadas políticas e estratégias de ação para enfrentar a
violência (incluindo violência física, sexual, psicológica e bullying)
(WHO, 1998).
Concomitantemente, as políticas de gestão do sistema prisional
devem garantir que a alocação destes privados de liberdade
obedece a uma diferenciação cuidadosa dos mesmos, de acordo
Básicos e Práticas Promissoras para Alternativas ao Encarceramento (UNODC, 2007) e o Manual sobre Programas de Justiça
Restaurativa (UNODC, 2006).

42
com a sua categoria de risco, realizada na porta de entrada do
sistema.
As questões relativas ao recrutamento e à formação de pessoal que
potenciem a criação e manutenção de uma atmosfera positiva nas
unidades prisionais devem também ser elementos-chave no
desenho das políticas de saúde mental, visando evitar que as
condições médicas destes privados de liberdade se deteriorem
(UNODC, 2009).
b) Gerenciamento do tratamento dos privados de liberdade com
necessidades de cuidados ao nível da saúde mental: O
atendimento e cuidados prestados aos privados de liberdade com
transtorno mental devem ser entendidos como algo mais do que
apenas um atendimento decorrente de um problema de saúde e
devem ser elementos essenciais no desenho das estratégias gerais
de gestão, desenvolvidas pela administração central do sistema
penitenciário nacional. Melhorar a cooperação e articulação com os
serviços comunitários de cuidados ao nível da saúde mental,
assegurar a equidade desses cuidados e a continuidade do
tratamento, deve ser um dos principais objetivos das estratégias de
gestão (UNODC, 2006, 2009).
Segundo o UNODC (2009) é recomendável a nomeação de um
consultor de políticas e estratégias ao nível da saúde mental que
atue ao nível do governo central de cada nação, mas de forma
articulada com as administrações prisionais descentralizadas. E,
onde os recursos financeiros o permitam, devem ser estabelecidas
equipes interdisciplinares de saúde mental em cada unidade
prisional, ou, em alternativa, nomeados coordenadores de saúde
mental que trabalhem junto das equipes médicas da comunidade e
do sistema, por forma a promover a articulação e cooperação entre
os serviços e assegurar que as necessidades complexas destes
privados de liberdade são atendidas, quer no período de
cumprimento de pena, quer após a sua libertação.

43
c) Sensibilização: quer os funcionários das unidades prisionais, quer
os privados de liberdade, quer ainda suas famílias, devem receber
informações e material educativo que lhes permita uma maior
conscientização sobre as questões relacionadas aos transtornos
mentais. Desta forma, não só aumentam seus conhecimentos sobre
a problemática, consequências da situação de privação de
liberdade e estratégias de prevenção, como são informados sobre
onde procurar ajuda e, em consequência desta maior
conscientização, reduzem-se também o estigma e a discriminação
associados a estes transtornos (WHO & ICRC, 2005).
d) Cuidados de saúde mental específicos de gênero: políticas e
estratégias ligadas aos serviços de saúde mental com recorte de
gênero precisam ser desenvolvidas para mulheres privadas de
liberdade, considerando suas diferentes necessidades específicas
de cuidados a este nível.18
e) Monitoramento e avaliação: a inspeção independente das
instalações penitenciárias, incluindo seus serviços de saúde, é
essencial, devendo ser complementada por ações de
monitoramento e avaliação internas. Devem ser desenvolvidos
padrões mensuráveis para monitorar e avaliar os resultados das
estratégias e práticas de cuidados ao nível da saúde mental nas
unidades prisionais. A coleta de dados e avaliação das ações
devem ser elementos integrais das políticas de gerenciamento,
permitindo a melhoria da qualidade e adequação das estratégias de
ação e de sua implementação.

4.3.3.2. Recursos humanos

a) Profissionais de saúde
18
Conforme referido no início do documento, as mulheres, devido à abrangência de suas demandas, não são consideradas neste
Produto, embora sejam um grupo vulnerável no Sistema Penal. Por este motivo o DEPEN estabeleceu uma política específica para
esta população amplamente abordada no Primeiro Produto desta consultoria – Diagnóstico sobre a implementação da Política
Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE) e
Indicadores de Avaliação e Monitoramento (DEPEN & PNUD, 2017a). Ao nível das recomendações internacionais, e para mais
informações, pode ser consultado o Manual do UNODC (2008): Handbook for Prison Managers and Policymakers on Women and
Imprisonment.

44
Proporcionar cuidados de saúde mental adequados exige que se tenham em
conta inúmeros fatores (como ambientais, psicossociais, médicos etc.) e que se
adote uma abordagem de intervenção multidisciplinar. Segundo a Organização
Mundial de Saúde e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (2005), a tarefa
é particularmente desafiadora nas unidades prisionais, devido à falta de
condições ou precariedade das mesmas, como a superlotação, a falta de
recursos humanos e financeiros e a elevada incidência de transtornos mentais
e comorbidades psiquiátricas observadas entre a população de privados de
liberdade.
Assim, as administrações penitenciárias precisam garantir que cada unidade
prisional tenha um número adequado de profissionais de saúde especializado
na identificação e gerenciamento de transtornos mentais, sendo que estes
profissionais de saúde precisam de apoio e capacitação do Estado (Ministérios
da Justiça e da Saúde), para que possam cumprir suas responsabilidades
efetiva e eficazmente. As administrações penitenciárias devem ainda garantir
que a especialização e conhecimentos destes profissionais não sejam dirigidos
e desviados para outras tarefas e fornecer-lhes o suporte auxiliar apropriado de
que necessitem.
Não obstante, a verdade é que o número de médicos e psicólogos
qualificados que estão dispostos e preparados para trabalhar nas unidades
prisionais é, geralmente, escasso. Assim, as dificuldades no recrutamento
destes profissionais devem ser abordadas e supridas pelos Ministérios
envolvidos, garantindo que as condições de trabalho de tais funcionários
sejam, pelo menos, não menos atraentes do que as proporcionadas às equipes
médicas qualificadas que trabalham em unidades de saúde das comunidades.
Em acréscimo, estas equipes devem ter acesso a treinamento em serviço e
diferentes oportunidades para aumentar suas qualificações e receber, pelo
menos, os mesmos salários que colegas que trabalham fora do sistema. Caso
os recursos financeiros o permitam, podem e devem ser concedidos benefícios
adicionais para estas equipes, considerados os desafios específicos envolvidos
no trabalho em um ambiente prisional.

45
Em contextos onde os recursos são limitados, e como alternativa ao
recrutamento de pessoal especializado, pode garantir-se o atendimento ao
nível da saúde mental nas unidades prisionais com a presença regular de
serviços de saúde especializados de unidades de saúde da comunidade. Estas
equipes, ao mesmo tempo que gerenciam e prestam cuidados aos privados de
liberdade que deles necessitam, podem ainda apoiar e treinar as equipes das
unidades prisionais. Este tipo de cooperação contribui ainda para facilitar a
continuidade dos cuidados, tanto para aqueles que se encontram a cumprir
pena quanto para que os que, tendo progredido de regime, se encontram na
condição de pré-egresso e egresso.
O apoio prestado a privados de liberdade com transtornos mentais pode
ainda ser complementado pelo aconselhamento, individual ou em grupo,
ministrado pelo grupo de pares. Esse tipo de apoio mostra-se crucial,
especialmente em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, onde a
probabilidade de haver uma elevada escassez de profissionais de saúde
qualificados para atendimento destes pacientes é maior (ver também o ponto
4.4.6. deste capítulo).

b) Demais profissionais do sistema penitenciário


Os demais profissionais das unidades prisionais, sobretudo os agentes
penitenciários, estão em contato regular com privados de liberdade. Estes
profissionais chegam mesmo a ser capazes de reconhecer padrões de
comportamento dos privados de liberdade e a conseguir detectar mudanças
nesses comportamentos mais rapidamente do que a equipe de saúde, cujas
interações com os privados de liberdade podem ser limitadas.
Compreender a natureza e os sintomas dos transtornos mentais aumenta a
capacidade dos funcionários das unidades prisionais para responder
adequadamente às demandas específicas destes privados de liberdade. Ao
nível da saúde mental, a detecção e a intervenção em um estágio inicial da
doenças são fundamentais para reduzir sua intensidade, estabilizar o quadro
clínico e minimizar as consequências, prevenindo muitas vezes,
comportamentos tão disruptivos quanto o suicídio.

46
Assim, os profissionais das unidades prisionais têm um papel fundamental a
desempenhar nesse processo, devendo, por isso, ser-lhes facultada
capacitação e treinamento sobre as questões básicas que permeiam a área da
saúde mental, por forma a aumentar seus conhecimentos, melhorar sua
compreensão, aumentar a conscientização sobre direitos humanos, quebrar
atitudes de discriminação e encorajar a promoção da saúde mental, tanto para
os profissionais, quanto para os privados de liberdade (WHO & ICRC, 2005)
(ver também o ponto 4.3.6. abaixo).

4.3.4. Acesso à justiça

A fim de garantir que as pessoas com transtorno mental em contato com o


sistema de justiça criminal não sejam prejudicadas, é vital que estas tenham
acesso imediato e regular a advogados/defensores públicos durante todo o
processo.
Devido às dificuldades enfrentadas pela maioria destas pessoas no acesso a
advogados/defensores públicos, as autoridades policiais e penitenciárias
devem ajudá-las a acessar a assistência jurídica de que necessitam,
especialmente durante o período de detenção, prisão preventiva, acusação e
cumprimento de pena, mas também mais tarde, por exemplo, para ajudá-los
com qualquer processo ou procedimento de recurso ou de acesso a tratamento
médico especializado. Nesta medida, é também de grande ajuda que a
administração penitenciária promova parcerias e trabalhos de cooperação com
organizações da sociedade civil que prestam serviços de assistência a estes
privados de liberdade (UNODC, 2009).

4.3.5. Avaliação, alocação e acomodações

As condições precárias características da maior parte dos sistemas


penitenciários, como a superlotação e a falta de estimulação, entre muitas
outras, podem ter um impacto negativo sobre o equilíbrio psíquico de todos os
privados de liberdade e exacerbar os transtornos mentais já existentes. Todos
os privados de liberdade, mas especialmente aqueles que já apresentam

47
necessidades de cuidados ao nível de sua saúde mental, devem, portanto, ser
alojados em um ambiente que potencie sua saúde mental e não em um
ambiente que a deteriore.
Deve ser realizada uma avaliação cuidadosa dos riscos que cada um dos
privados de liberdade representa, por forma a garantir que os que sofrem de
algum transtorno mental não sofram qualquer tipo de abuso e violência por
parte de outros privados de liberdade.
Como regra, os privados de liberdade com transtornos mentais devem ser
alocados em unidades em que possam ser supervisionados por um médico.
Há relatórios frequentes, relativos a vários países, sobre a existência de
unidades de segregação administrativa usados para alojar presos com
transtornos mentais por longos períodos, aparentemente para sua própria
proteção. Esta prática é inaceitável, uma vez que o isolamento prolongado é
extremamente prejudicial para o bem-estar psíquico, especialmente para
aqueles que já sofrem de algum transtorno mental.19
Nos casos em que os privados de liberdade necessitam de cuidados mais
intensivos, estes devem, de preferência, ser transferidos, ainda que
temporariamente, para alas psiquiátricas de hospitais gerais com níveis de
segurança adequados (UNODC, 2007).

4.3.6. Cuidados de saúde

a) Triagem
Todos os privados de liberdade devem, conforme já referido, ser submetidos a
uma avaliação e exames médicos na porta de entrada do sistema prisional. O
rastreio deve incluir a presença e avaliação de eventuais transtornos mentais, o
risco de suicídio e o uso abusivo de substâncias, devendo ser realizado por
profissionais médicos qualificados (conforme a Regra 24 das Regras Mínimas
das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, UN ECOSOC, 1955).
Caso se verifique a existência de comorbidades psiquiátricas, como por
exemplo um outro transtorno associado ao uso abusivo de substâncias, deve
19
Veja-se a “Declaração de Istambul sobre o uso e os efeitos do isolamento", adotada em 9 de dezembro de 2007 no Simpósio
Internacional sobre Traumatismo Psicológico, em Istambul, que exige a proibição absoluta do isolamento no caso de privados de
liberdade com transtornos mentais. Disponível em: http://www.solitaryconfinement.org/istanbul.

48
realizar-se uma avaliação aprofundada de ambos os distúrbios. Informações
sobre a interação de dois transtornos psíquicos são fundamentais para que
possa ser desenhado o projeto terapêutico singular adequado.
O diagnóstico precoce de qualquer transtorno mental e a provisão de
tratamento oportuno e adequado são vitais para reduzir a degradação das
condições de saúde e/ou a possibilidade de surgimento de novos quadros
clínicos (SAMSHA, 2003; Shaw, Appleby & Baker, 2003).

b) Tratamento
Os cuidados de saúde mental nas unidades prisionais devem estar em
consonância com os princípios de tratamento existentes na comunidade e com
a legislação nacional e internacional relativa ao tratamento ao nível da saúde
mental. As estratégias de tratamento precisam também considerar desafios
específicos relacionados aos cuidados em ambiente prisional que geralmente
se prendem com a falta de condições estruturais e com o deficit de recursos
humanos e financeiros:
i. Promoção, prevenção e intervenção precoce no âmbito da saúde
mental: a promoção de condições de saúde deve constituir um princípio
e componente essenciais no desenho das políticas de saúde do sistema
prisional. Sempre que necessário, o acesso ao aconselhamento e a
terapias de apoio devem ser disponibilizados o mais rapidamente
possível após a detecção do problema e desde o momento da prisão
provisória.
ii. Equidade: os cuidados de saúde prestados aos privados de liberdade
devem ser de um nível equivalente aos disponíveis na comunidade. Não
deve haver discriminação baseada em sua condição legal e de saúde,
sexo, orientação sexual, etnia, raça, idioma, religião, nacionalidade ou
outro qualquer estatuto ou condição. Por outro lado, o tratamento deve
considerar as diferentes características individuais, quer sejam o sexo
ou a cultura, por exemplo (segundo o Princípio 7.3. dos Princípios para a
Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental, UN, 1991; e do
Art. 25.º da CRPD, UN, 2006).

49
iii. Confidencialidade: tal como acontece com todos os prestadores de
cuidados de saúde, quer sejam da comunidade, quer sejam do sistema
penitenciário, os profissionais de saúde mental devem respeitar os
princípios de confidencialidade no que diz respeito à informação médica
(de acordo com os Princípios 6 e 11 dos Princípios para a Proteção de
Pessoas Acometidas de Transtorno Mental, UN, 1991). A
confidencialidade engloba a não divulgação do pedido de acesso à
consulta de saúde mental, o conteúdo da mesma, assim como o
conteúdo dos registros médicos. Durante a consulta, e nos casos em
que o médico especialista expressamente solicita a presença de um
agente penitenciário, devido a preocupações de segurança justificadas,
a consulta deve decorrer à vista, mas fora alcance auditivo do agente.
Os procedimentos estritos relativos à confidencialidade dos registros
médicos devem ser implementados e executados sempre, sem exceção,
desde o início da admissão de cada privado de liberdade na unidade
prisional (WHO, 2001).
iv. Acesso a consultas com profissionais especializados em saúde mental:
os privados de liberdade com transtornos mentais devem ter acesso
facilitado a especialistas em saúde mental de acordo com os princípios
válidos para todos os cuidados de saúde em unidades prisionais. O
direito à confidencialidade e o direito ao acesso imediato à equipe
médica significam que a estes privados de liberdade nunca deve ser
exigido o preenchimentos de requisições escritas para este fim (Coyle,
2002).
v. Consentimento informado e informações sobre as opções de tratamento:
Os privados de liberdade com transtornos mentais devem receber
informações completas sobre as opções de tratamento, riscos e
resultados esperados e devem participar no planejamento do seu projeto
terapêutico singular, bem como em qualquer outra tomada de decisões.
Nenhum tratamento deve ser realizado sem o consentimento informado
do paciente (conforme o Art. 25.º alínea d) da CRPD, UN, 2006).20

20
Veja-se abaixo a alínea 4.5.6. D., para os casos excepcionais em que o tratamento sem consentimento informado é possível.

50
vi. Tratamento individualizado e interdisciplinar: os planos de tratamentos
devem ser individualizados e interdisciplinares, incluindo uma
combinação equilibrada entre programas médicos (nos casos em que se
fizerem necessários), psicossociais, e outros programas de apoio
apropriados para cada um dos privados de liberdade com transtornos
mentais. A dependência exclusiva da medicação para gerir sintomas
deve ser evitada. Para os egressos, o plano individual de tratamento
deve também ter em conta a necessidade de continuidade dos
cuidados, exigindo por isso a articulação com os serviços comunitários
relevantes na área da saúde mental (segundo o Princípio 9.2. dos
Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno
Mental, UN, 1991).
vii. Consciência sobre as situações e períodos de maior risco: as
administrações penitenciárias, os profissionais de saúde e os demais
funcionários das unidades prisionais devem estar cientes das situações
e momentos em que os privados de liberdade podem estar em risco de
experienciar sentimentos mais intensos de angústia e ansiedade, como
é o caso da primeira noite na unidade, as primeiras semanas de
privação de liberdade e, em alguns casos, os períodos que antecedem a
liberdade quando os vínculos com a família e sociedade foram
quebrados. Deve, nestas circunstâncias, ser garantido o apoio
adequado provido por profissionais qualificados (ver também a seção
4.5.6. C abaixo).
viii. Cooperação com prestadores de cuidados de saúde comunitários e
organizações da sociedade civil: a colaboração entre os serviços
penitenciários de saúde e as organizações da sociedade civil deve ser
um componente integral da assistência médica prestada no sistema
prisional. As visitas regulares de especialistas e de outros profissionais
dos serviços comunitários de cuidados de saúde mental às unidades
prisionais são essenciais, na grande maioria dos sistemas penitenciários
em todo o mundo, para garantir que os privados de liberdade têm
acesso a cuidados de saúde adequados equivalentes aos que existem

51
na comunidade. Aqueles que exigem cuidados especializados mais
específicos devem ser encaminhados para serviços de saúde mental
especializados da comunidade (UNODC, 2007; WHO, 2007).
ix. Grupos de apoio e aconselhamento entre pares: pode considerar-se a
implementação de grupos de apoio desta natureza para suporte aos
privados de liberdade com transtornos mentais, desde que os privados
de liberdade que conduzem os grupos sejam devidamente treinados,
por forma a complementar os cuidados de saúde profissionais prestados
pelos serviços de saúde das unidade prisionais e da comunidade. Essa
estratégia pode ajudar a suprir algumas dificuldades, sobretudo as
relacionadas com os recursos financeiros e com o recrutamento de
pessoal qualificado, bem como a proporcionar ao grupo selecionado de
privados de liberdade que conduz estes grupos de apoio uma atividade
que pode ser parte integrante de seu treinamento profissional e de
ações de reintegração social (UNODC, 2007; WHO, 2007).

c) Tentativas de suicídio e automutilação


O exame médico realizado na porta de entrada e as avaliações regulares são
componentes-chave das estratégias de prevenção do suicídio e de
comportamentos de automutilação. A prevenção de tais atos também depende,
em grande medida, de existência de uma rotina de supervisão adequada e da
capacidade dos funcionários para identificar privados de liberdade em situação
de risco e encaminhá-los de imediato para atendimento médico especializado.
Desta forma, é fundamental que os funcionários das unidades prisionais,
sobretudo os agentes penitenciários, estejam cientes da existência de períodos
particulares em que os privados de liberdade podem sentir altos níveis de
estresse, ansiedade e depressão, podendo estes levar à realização de
tentativas de suicídio, à concretização do mesmo ou à prática de
comportamentos de automutilação.

Boas Práticas
Países Baixos: protocolos especiais para a prevenção do suicídio

52
Na Holanda e em vários outros países, foram desenvolvidos protocolos
específicos para todos os membros das equipes do sistema penitenciário, em
especial para os agentes, sobre como prevenir suicídios e como lidar com
situações de cuidados após a tentativa de suicídio ou o suicídio de algum
privado de liberdade.
Esta política concentra-se na atenção que deve ser dada no período que
antecede uma eventual tentativa de suicídio para sua prevenção; no período
em torno de um incidente suicida; e no período após o incidente, apontando
ações a desenvolver consideradas as situações e condições específicas dos
agentes, dos privados de liberdade e das famílias. Esta política integra a
estrutura de gestão, comunicação e educação do sistema penitenciário,
fazendo por isso parte do processo de formação e capacitação de todos os
agentes penitenciários (UNODC, 2007).

Não obstante, é crucial a implementação de programas terapêuticos e ações


estratégicas para a prevenção do suicídio e dos comportamentos de
automutilação, podendo estes ser concretizados em cooperação com
especialistas da comunidade e organizações da sociedade civil:
– Porta de entrada:
Uma série de estudos indicam que "o risco de suicídio é particularmente
elevado no primeiro mês de privação de liberdade, com risco acrescido
durante os primeiros dias" (Møller, et. al, 2007). Recomenda-se, por
isso, que na porta de entrada do sistema prisional "a área de recepção
e os procedimentos sejam organizados de forma a minimizar o
sofrimento mental. Sempre que possível, as instalações devem ter
espaços que possibilitem o contato dos privados de liberdade com suas
famílias [...] e os procedimentos devem garantir que todos recebam e
compreendam as informações fornecidas relativas ao funcionamento e
regras da unidade e que estas, na medida do possível, sejam
fornecidas de acordo com as tradições culturais dos privados de
liberdade" (WHO, 2007). A pesquisa realizada pela The Howard League
for Penal Reform demostrou que a existência de um espaço ou unidade

53
específica para alocação dos privados de liberdade durante as
primeiras 48 horas de privação de liberdade ajuda a prevenir o suicídio
entre esta população (The Howard League for Penal Reform, 2006).
– Acolhimento:
A Organização Mundial de Saúde recomenda que sejam executadas
ações de acolhimento aos novos privados de liberdade para que lhes
seja dado apoio neste momento de maior angústia e lhes seja
apresentado o funcionamento da unidade prisional, otimizando sua
capacidade para lidar com a situação de privação de liberdade (WHO,
2007).
– Programas complementares de apoio:
É também favorável a implementação de outros meios de suporte que
podem incluir grupos de apoio conduzidos por outros privados de
liberdade devidamente capacitados, não só para prestar suporte afetivo,
como também para monitorar o sofrimento dos pares, em momentos
críticos, como por exemplo, após a admissão na unidade prisional
(McArthur, et al., 1999).

Boas Práticas
Austrália: apoio de pares para prevenir o suicídio e os comportamentos
de automutilação
No Estabelecimento Prisional Monte Gambier, no Sul da Austrália, um grupo
de privados de liberdade especialmente treinado está de plantão 24 horas por
dia para ouvir e prestar apoio a outros privados de liberdade que se encontrem
psiquicamente mais fragilizados (McArthur, et al., 1999).

d) Tratamento sem consentimento informado


O consentimento face ao tratamento é uma das questões mais importantes na
esfera dos direitos humanos das pessoas com transtornos mentais. Os
Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental (UN,
1991), concretamente o Princípio 11.1., reconhecem que nenhum tratamento
deve ser ministrado sem o consentimento informado do paciente. Este Princípio

54
é consistente com os princípios fundamentais do Direito Internacional relativo à
defesa dos direitos humanos e dos princípios da ética médica. Mas esta
disposição básica dos Princípios está sujeita a exceções e qualificações (Hunt,
2005) que são frequentemente usadas de forma abusiva e, portanto, são cada
vez mais questionadas. Neste contexto, o Relator Especial das Nações Unidas
observou que "[...] as decisões para executar um tratamento sem o
consentimento informado do paciente são, geralmente, conduzidas e
justificadas por argumentos e considerações inadequados. Por exemplo, estas
decisões têm lugar, com frequência, num contexto de ignorância ou estigma
envolvendo transtornos e deficiências mentais, ou por conveniência ou
indiferença por parte das equipes que as tomam. Tal é intrinsecamente
incompatível com o direito à saúde, a proibição de discriminação em razão do
transtorno mental e outras disposições dos Princípios para a Proteção de
Pessoas Acometidas de Transtorno Mental. Nestas circunstâncias, é
especialmente importante que as salvaguardas processuais que protegem o
direito ao consentimento informado sejam estanques e aplicadas de forma
estrita." (Hunt, 2005).

4.3.7. Programas e projetos assistenciais e vínculos familiares

O acesso a atividades de estimulação cognitiva e interação social são


fundamentais para proteger o equilíbrio mental e físico dos privados de
liberdade. Assim, é essencial que todos tenham acesso a um conjunto variado
de programas e projetos assistenciais, incluindo educação, trabalho, formação
profissional, esporte e lazer, entre outros.
Os privados de liberdade com algum tipo de transtorno mental devem ter
acesso a todos estes programas, dependendo de suas capacidades, conforme
estabelecido na avaliação individualizada realizada na porta de entrada do
sistema prisional.
Além disso, devem ser implementadas ações de apoio psicossocial
específico e programas terapêuticos para estes privados de liberdade, com
recurso ao suporte e assistência assegurados por especialistas em saúde
mental e por organizações não governamentais que prestam apoio a estas

55
pessoas. É ainda fundamental que seja promovido o contato regular com
familiares e amigos, quer através das visitas destes às unidades prisionais,
quer através de licenças de saídas temporárias, caso seja adequado.
Inúmeros resultados de investigações científicas apontam a inatividade
prolongada e o isolamento como fatores que não apenas potenciam os
transtornos mentais existentes, como têm também um efeito negativo nos
resultados do tratamento (UNODC, 2006, 2007, 2009, 2012).

4.3.8. Segurança

a) Supervisão
Os privados de liberdade com transtornos mentais têm necessidades
específicas relativas à proteção, tanto de si mesmos como de outros. Portanto,
a alocação cuidadosa e a supervisão contínua são essenciais para garantir a
segurança destes privados de liberdade. Esta supervisão efetiva requer, como
adiante veremos, recurso a um número suficiente de pessoal adequadamente
capacitado.

b) Medidas disciplinares
Os privados de liberdade com transtornos mentais são mais propensos a
desrespeitar as regras penitenciárias que os outros privados de liberdade,
geralmente devido a razões decorrentes de sua condição. Desta forma, alocar
estes privados de liberdade em unidades de isolamento por forma a puni-los
por seu comportamento não constitui uma medida dissuasora, podendo mesmo
piorar drasticamente a sua condição e saúde mental. Assim, necessitam ser
desenvolvidas estratégias para reduzir ou eliminar o recurso a este tipo de
medidas ou quaisquer outras potencialmente nocivas, enfatizando as
abordagens preventivas.
O desenho de medidas disciplinares específicas para os privados de
liberdade com transtornos mentais é urgente em quase todos os sistemas
penitenciários do mundo. Critérios diferentes dos usados para a restante
população de privados de liberdade devem ser desenvolvidos, levando em

56
consideração as necessidades de tratamento e de reintegração social destes
privados de liberdade.
O isolamento disciplinar deve ser usado como último recurso e pelo menor
período de tempo possível, conforme estabelecido pela Declaração de Istambul
(2007).
Quando os privados de liberdade com transtorno mental violam as regras
das unidades prisionais, as equipes de saúde mental devem ser consultadas
quanto às medidas a adotar, uma vez que são elas que têm conhecimentos
aprofundados sobre o funcionamento psíquico destes privados de liberdade e
podem determinar em que medida sua condição de doente interfere em seu
entendimento da realidade.21
Além do papel de consultor nesta matéria, as equipes de saúde, incluindo as
de saúde mental, devem ter acesso regular aos privados de liberdade em
cumprimento de medidas disciplinares, mesmo tratando-se da medida de
isolamento, para monitorar suas condições de saúde física e mental,
providenciar o tratamento necessário e garantir que as medidas aplicadas
sejam suspensas caso se mostre necessário (Regra 33, das Regras Mínimas
para o Tratamento dos Reclusos, UN ECOSOC, 1955).
Pode haver, no entanto, situações em que estes privados de liberdade
constituem um perigo para si e/ou para os outros. Nessas circunstâncias pode
ser necessário colocar em prática alguma forma de restrição física, devendo
esta ser aplicada exclusivamente sob supervisão médica (Princípio 11.11. dos
Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno Mental e a
Melhoria da Assistência à Saúde Mental, UN, 1991).

c) Audiências disciplinares e mecanismos de denúncia


Os privados de liberdade com transtorno mental devem poder defender-se
durante as audiências disciplinares, devendo-lhes ser prestada a assistência
necessária para garantir que isso aconteça. Essa assistência pode ser

21
Deve atender-se, no entanto, ao Principio 4 dos Princípios da Ética Médica das Nações Unidas (UN, 1982), que impedem os
médicos de se envolver nas decisões de imposição de punições disciplinares, uma vez que os obriga a proteger os privados de
liberdade contra todas as formas de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Em acréscimo pode
prejudicar sua relação com os pacientes, que deve basear-se na confiança mútua. O papel dos médicos deve limitar-se ao
aconselhamento das administrações penitenciárias em relação às necessidades decorrentes dos transtornos mentais e cuidados de
saúde dos privados de liberdade.

57
prestada por representantes legais, defensores públicos/advogados e/ou
médicos (considerado neste caso o exposto na nota de rodapé 21).
As administrações penitenciárias precisam também garantir que estes
privados de liberdade tenham igual acesso aos procedimentos de denúncia.
Caso apresentem dificuldades na execução destes procedimentos, devido aos
seus transtornos mentais, deve-lhes ser também providenciada assistência
adequada, através de representantes legais caso necessário, inclusive
advogados/defensores públicos.
As denúncias relativas a atos de discriminação e abuso por parte de outros
privados de liberdade e/ou agentes penitenciários devem ser cuidadosamente
investigadas pela administração penitenciária e por uma autoridade
independente, devendo ser adotadas as demais ações necessárias e
adequadas.

4.3.9. Condição de pré-egresso e egresso

Os sistemas penitenciários e os serviços de saúde mental das comunidades


precisam desenvolver protocolos abrangentes de cuidados continuados e
mecanismos para quebrar o ciclo de libertação, reincidência no comportamento
criminoso e privação de liberdade. Os privados de liberdade com transtornos
mentais devem ser libertados das unidades prisionais, com aplicação das
medidas penais alternativas consideradas adequadas, para que possam ter
acesso ao tratamento e demais serviços de saúde mental nas unidades
hospitalares exteriores ao sistema penitenciário, conforme estabelecido pela
Regra 83 das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos
Reclusos (UN ECOSOC, 1955).
Estes privados de liberdade devem também ser considerados para
progressão de regime ou mesmo liberdade por motivos médicos e/ou
humanitários tão logo quanto possível.
Conforme referido no ponto anterior, os critérios aplicados para a decisão
das medidas disciplinares a adotar devem ser periodicamente reavaliadas, não
devendo prejudicar estes privados de liberdade quando avaliado o
cumprimento das condições de elegibilidade para a progressão de regime.

58
Os processos de articulação e cooperação com outros serviços da
comunidade, bem como com organizações da sociedade civil, devem ser
procurados no sentido de antecipar e potenciar os planos individualizados para
a condição de egresso, nomeadamente no que diz respeito à procura ativa de
emprego, habitação e cuidados médicos.
A permanência destes privados de liberdade nas unidades prisionais ou no
sistema penitenciário após o cumprimento de pena devido à falta de uma rede
de serviços de saúde mental e apoio psicossocial adequados viola os direitos
humanos de tais pessoas e é inaceitável, de acordo com o direito internacional.
Os Estados são responsáveis por garantir que os egressos com transtornos
mentais recebam cuidados de saúde mental e apoio psicossocial apropriados
na comunidade, da mesma forma que qualquer outro cidadão com as mesmas
necessidades.
Os serviços de saúde do Estado devem estabelecer mecanismos
específicos para o cuidado e apoio aos egressos com transtorno mental que
não têm qualquer tipo de apoio ou suporte familiar. A articulação e cooperação
com organizações da sociedade civil mostra-se crucial neste processo,
especialmente em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

4.3.10. Monitoramento

Devem existir mecanismos independentes para monitorar e avaliar os serviços


de saúde mental prestados nas unidades prisionais, devendo estes ser
executados por profissionais especializados de fora do sistema prisional. Da
mesma forma, os órgãos independentes de inspeção e vigilância das unidades
prisionais devem incluir o monitoramento das condições em que os privados de
liberdade com transtorno mental são mantidos e do tratamento que lhes é
facultado.
Paralelamente, e em cumprimento das boas práticas ao nível da gestão, as
administrações penitenciárias devem implementar mecanismos para o
acompanhamento contínuo das condições das unidades prisionais, no que diz
respeito, pelo menos, à qualidade e resultados do tratamento e cuidados
prestados aos privados de liberdade com transtornos mentais; à identificação

59
de atos de discriminação e maus-tratos perpetrados por funcionários e/ou
outros privados de liberdade e ao uso excessivo de medidas disciplinares, e
tomar as medidas adequadas para o seu melhoramento.

4.4. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e


Ações Estratégicas para as pessoas com transtorno mental no Sistema
Penal

Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, sistematizam-se abaixo o conjunto de recomendações
internacionais para a formulação de políticas e ações estratégicas para as
pessoas com transtornos mentais no Sistema Penal.

PARA OS LEGISLADORES

– Enfrentar os desafios relacionados com a provisão adequada de cuidados de


saúde à população em geral, melhorando o acesso a estes serviços como um
primeiro passo para reduzir a prisão desnecessária, injusta e prejudicial das
pessoas com transtornos mentais;
– Reavaliar as políticas de sentenças punitivas que levam à crescente
detenção e encarceramento daqueles que pertencem a grupos vulneráveis,
como é o caso das pessoas com transtornos mentais, por forma a reverter o
aumento dramático da presença destas pessoas em instituições que não foram
projetadas para atender suas necessidades específicas e sua reintegração
social;
– Adotar legislação relativa à esfera da saúde mental que proteja os direitos
das pessoas com transtornos mentais, inclusive aquelas que se encontram em
situação de privação de liberdade;
– Incluir as necessidades dos privados de liberdade nas políticas e estratégias
de saúde pública e fornecer financiamento adequado aos serviços de saúde do
sistema penitenciário para atender às necessidades dos privados de liberdade
com necessidades específicas ao nível da saúde mental;

60
– Desenvolver políticas e mecanismos que aumentem a integração dos
serviços de cuidados providos dentro do sistema penitenciário com a saúde
pública, a fim de melhorar as perspectivas de equidade de cuidados ofertados
nas unidades prisionais e a continuidade dos mesmos após a liberdade;
– Proibir, na legislação nacional, o encarceramento de pessoas com
transtornos mentais devido à falta de alternativas públicas de serviços de
saúde e de apoio psicossocial adequados.

Medidas alternativas e sanções não privativas de liberdade


– Introduzir ou aumentar as possibilidades de desviar as pessoas com
transtornos mentais do sistema de justiça criminal para tratamentos médicos
adequados e fornecer financiamento suficiente para que essas medidas
possam ser executadas;
– Fornecer treinamento e informações às autoridades policiais e judiciais para
incentivar e permitir a aplicação de medidas alternativas ao encarceramento;
– Incentivar o uso dessas medidas mesmo para casos de crimes mais graves,
incorporando nas alternativas penais o atendimento médico mais abrangente e
supervisionado.

Inspeção
– Desenvolver mecanismos de monitoramento independentes e monitorar os
serviços de saúde mental prestados nas unidades prisionais;
– Assegurar que os órgãos independentes de inspeção das unidades prisionais
incluam em suas avaliações: o monitoramento das condições em que os
privados de liberdade com transtornos mentais são mantidos, a qualidade do
tratamento que lhes é facultado e a detecção de atos de discriminação a que
possam estar sendo submetidos; e apliquem as medidas e ações corretivas,
disciplinares/processuais que se mostrem necessárias e adequadas.

PARA O PODER JUDICIÁRIO

61
– Decretar sentenças de privação de liberdade como último recurso em se
tratando de pessoas com transtornos mentais, dando preferência à aplicação
de medidas penais alternativas.

PARA AS ADMINISTRAÇÕES PENITENCIÁRIAS

Políticas e estratégias de gestão


– Assegurar que as condições e os serviços das unidades prisionais visem
proteger e promover o bem-estar mental e físico de todos os privados de
liberdade;
– Assegurar que as estratégias de promoção da saúde mental nas unidades
prisionais sejam um elemento-chave da gestão e administração penitenciárias
e das políticas de cuidados de saúde;
– Desenvolver políticas e estratégias abrangentes relacionadas à gestão dos
privados de liberdade, necessidades ao nível dos cuidados de saúde mental e
melhorar a articulação e cooperação com serviços comunitários de saúde
mental, como principais objetivos das estratégias de gestão;
– Emitir e divulgar diretrizes sobre políticas e práticas ao nível dos cuidados
com os privados de liberdade com transtornos mentais;
– Desenvolver padrões mensuráveis para monitorar e avaliar os resultados das
estratégias e práticas adotadas.

Recursos Humanos
– Garantir que cada unidade prisional tenha um número adequado de pessoal
de saúde com capacitação especializada na identificação e gerenciamento de
transtornos mentais;
– Recorrer aos Ministérios diretamente envolvidos (da Justiça e da Saúde),
para superar as dificuldades encontradas no recrutamento de pessoal
especializado em saúde mental, assegurando que as condições de emprego
de tais funcionários sejam, pelo menos, iguais às dos que trabalham fora do
sistema penitenciário;

62
– Fornecer suporte e treinamento em serviço a estes profissionais, conforme
necessário, ao longo de sua carreira;
– Assegurar a presença regular de serviços de saúde comunitários dentro das
unidades prisionais, como alternativa ao recrutamento de pessoal adicional,
especialmente em contextos onde os recursos financeiros são limitados;
– Capacitar os restantes funcionários sobre questões básicas de saúde mental.
Esta capacitação deve ter por objetivos: o aumento da compreensão sobre
transtornos mentais; o aumento da conscientização sobre os direitos humanos;
minorar os comportamentos discriminantes e encorajar a promoção de saúde
mental, tanto junto dos funcionários, quanto juntos dos restantes grupos de
privados de liberdade.

Acesso à justiça
– Assegurar que as pessoas com transtornos mentais tenham acesso imediato
e regular a um advogado/defensor público durante todo o período de detenção,
prisão provisória e cumprimento de pena.

Avaliação, alocação e acomodações


– Assegurar que a alocação e as acomodações de todos os privados de
liberdade, incluindo dos que têm algum tipo de transtorno mental, atendam ao
estabelecido pelas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos
Reclusos e sejam propícios ao equilíbrio mental;
– Assegurar que seja realizada uma avaliação de risco cuidadosa de todos os
privados de liberdade, para garantir que os que têm algum tipo de transtorno
mental estejam protegidos contra as mais diversas formas de abuso e violência
por parte de outros privados de liberdade;
– Acomodar aqueles que têm algum tipo de transtorno mental em unidades ou
celas sob a supervisão de um médico;
– Transferir temporariamente aqueles que necessitam de cuidados mais
intensivos para um hospital geral com níveis de segurança apropriados;
– Evitar o uso de medidas de isolamento para estes privados de liberdade e,
caso estas sejam aplicadas, reduzir ao máximo sua duração.

63
Acesso à saúde
– Garantir que os serviços de saúde prestados aos privados de liberdade
sejam de nível equivalente aos ofertados na comunidade;
– Garantir as condições estruturais adequadas e a execução de ações de
prevenção e de intervenção precoce ao nível da saúde;
– Garantir a realização de uma avaliação de saúde individualizada na porta de
entrada do sistema prisional que inclua a avaliação da saúde mental, risco de
suicídio e uso abusivo de substâncias, devendo esta avaliação ser realizada
por profissionais qualificados;
– Garantir que os privados de liberdade tenham acesso fácil aos serviços de
saúde mental, sem qualquer discriminação com base em seu transtorno mental
ou em outra qualquer condição física;
– Facultar aos privados de liberdade informações completas sobre as opções
de tratamento e envolvê-los, na medida do possível, na tomada de decisão em
relação ao seu próprio projeto terapêutico singular;
– Assegurar que qualquer tratamento sem consentimento informado está
sujeito a garantias rigorosas e é controlado pela legislação, de acordo com a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência;
– Proporcionar tratamento individualizado e multidisciplinar, incluindo uma
combinação equilibrada de programas de apoio à saúde mental, psicossocial e
outros, dependendo das necessidades individuais;
– Respeitar os princípios de confidencialidade em relação a consultas e
informações médicas;
– Potencializar a colaboração com os serviços de saúde da comunidade e
ponderar a capacitação de outros privados de liberdade para prestar
aconselhamento entre pares.

Prevenção do suicídio
– Desenvolver estratégias e programas terapêuticos para prevenir o suicídio e
os comportamentos autodestrutivos, em cooperação com especialistas em
saúde mental da comunidade e organizações da sociedade civil;

64
– Na porta de entrada, estabelecer estratégias específicas para acolhimento
destes privados de liberdade, por forma a dar-lhes algum suporte neste
momento de risco acrescido, devido ao potenciar de seu sofrimento mental;
– Não penalizar privados de liberdade que realizam tentativas de suicídio ou se
automutilam.

Continuidade dos cuidados de saúde


– Assegurar que todas as transferências de privados de liberdade sejam
acompanhadas da transferência de seus registros médicos completos e de
cartas de referência explicando o histórico médico do paciente e o projeto
terapêutico singular;
– Garantir que esses registros sejam transferidos sob condições que garantam
sua confidencialidade;
– Iniciar contato direto e o planejamento da continuidade dos cuidados junto
aos serviços comunitários de saúde mental em tempo útil, no período que
antecede a progressão de regime do privado de liberdade para egresso, de
modo a assegurar uma transição adequada para os serviços de cuidado da
comunidade.

Programas e projetos assistenciais e vínculos familiares


– Garantir que os privados de liberdade com transtornos mentais tenham
acesso a todos os programas e projetos assistenciais, dentro das
possibilidades decorrentes de sua condição de saúde;
– Desenvolver projetos terapêuticos individuais específicos para estes privados
de liberdade com a assistência de especialistas em saúde mental;
– Assegurar o contato e comunicação regulares e significativos destes privados
de liberdade com suas famílias e amigos.

Segurança
– Garantir a segurança dos privados de liberdade com transtornos mentais
através de uma alocação cuidadosa e de supervisão contínua;

65
– Reavaliar as medidas disciplinares aplicadas aos privados de liberdade com
transtorno mental: desenvolver diferentes critérios para responder ao
incumprimento das regras da unidade prisional do que os aplicados aos
demais privados de liberdade, enfatizando a prevenção e não a punição;
– Aplicar medidas disciplinares de isolamento como último recurso e pelo
menor período de tempo possível;
– Solicitar opinião técnica da equipe médica sobre as condições de saúde
mental quando da decisão das medidas disciplinares a aplicar a estes privados
de liberdade;
– Garantir a defesa destes privados de liberdade durante as audiências
disciplinares. Se necessário, essa assistência deve ser providenciada por um
advogado/defensor público;
– Garantir que estes privados de liberdade tenham igual acesso aos
procedimentos de denúncia e que, caso necessário, a assistência seja
prestada por meio de um representante.

Condição de pré-egresso e egresso


– Desenvolver protocolos abrangentes de cuidados continuados com sistemas
comunitários de saúde mental para quebrar o ciclo de libertação, reincidência e
encarceramento;
– Dar inicio ao processo de cooperação com serviços externos ao sistema
penitenciário o mais precocemente possível. Fornecer auxilio na procura de
emprego, habitação e cuidados de saúde em cooperação com esses serviços
externos;
– Implementar arranjos específicos, em articulação e cooperação com
organizações da sociedade civil, para o apoio psicossocial aos egressos que
não têm qualquer retaguarda familiar.

Monitoramento
– Paralelamente aos mecanismos de inspeção acima referidos, implementar
mecanismos para o acompanhamento, monitoramento e avaliação contínuos

66
do tratamento ofertado a estes privados de liberdade e tomar as medidas
necessárias à sua adequação.

V. PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

5.1. Normas Internacionais

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (UN CRPD,


2006)

Artigo 4º
Obrigações gerais
1 - Os Estados Partes comprometem-se a assegurar e promover o pleno
exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todas
as pessoas com deficiência sem qualquer discriminação com base na
deficiência. Para este fim, os Estados Partes comprometem-se a:
a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de outra natureza
apropriadas com vista à implementação dos direitos reconhecidos na presente
Convenção;
b) Tomar todas as medidas apropriadas, incluindo legislação, para modificar ou
revogar as leis, normas, costumes e práticas existentes que constituam
discriminação contra pessoas com deficiência;
[...]
Artigo 12º
Reconhecimento igual perante a lei
1 - Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito
ao reconhecimento perante a lei da sua personalidade jurídica em qualquer
lugar.
2 - Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiências têm
capacidade jurídica, em condições de igualdade com as outras, em todos os
aspectos da vida.

67
3 - Os Estados Partes tomam medidas apropriadas para providenciar acesso
às pessoas com deficiência ao apoio que possam necessitar no exercício da
sua capacidade jurídica.
4 - Os Estados Partes asseguram que todas as medidas que se relacionem
com o exercício da capacidade jurídica fornecem as garantias apropriadas e
efetivas para prevenir o abuso de acordo com o direito internacional dos
direitos humanos. Tais garantias asseguram que as medidas relacionadas com
o exercício da capacidade jurídica em relação aos direitos, vontade e
preferências da pessoa estão isentas de conflitos de interesse e influências
indevidas, são proporcionais e adaptadas às circunstâncias da pessoa,
aplicam-se no período de tempo mais curto possível e estão sujeitas a um
controlo periódico por uma autoridade ou órgão judicial competente,
independente e imparcial. As garantias são proporcionais ao grau em que tais
medidas afetam os direitos e interesses da pessoa.
5 - Sem prejuízo das disposições do presente artigo, os Estados Partes tomam
todas as medidas apropriadas e efetivas para assegurar a igualdade de direitos
das pessoas com deficiência em serem proprietárias e herdarem patrimônio, a
controlarem os seus próprios assuntos financeiros e a terem igual acesso a
empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e
asseguram que as pessoas com deficiência não são, arbitrariamente, privadas
do seu patrimônio.
Artigo 13º
Acesso à justiça
1 - Os Estados Partes asseguram o acesso efetivo à justiça para pessoas com
deficiência, em condições de igualdade com as demais, inclusive mediante o
fornecimento de adaptações processuais e adequadas à idade, de modo a
facilitar o seu papel efetivo enquanto participantes diretos e indiretos, inclusive
na qualidade de testemunhas, em todos os processos judiciais, incluindo as
fases de investigação e outras fases preliminares.
2 - De modo a ajudar a garantir o acesso efetivo à justiça para as pessoas com
deficiência, os Estados Partes promovem a formação apropriada para aqueles

68
que trabalhem no campo da administração da justiça, incluindo a polícia e o
pessoal dos estabelecimentos prisionais.
Artigo 14º
Liberdade e segurança da pessoa
1 - Os Estados Partes asseguram que as pessoas com deficiência, em
condições de igualdade com as demais:
a) Gozam do direito à liberdade e segurança individual;
b) Não são privadas da sua liberdade de forma ilegal ou arbitrária e que
qualquer privação da liberdade é em conformidade com a lei e que a existência
de uma deficiência não deverá, em caso algum, justificar a privação da
liberdade.
2 - Os Estados Partes asseguram que, se as pessoas com deficiência são
privadas da sua liberdade através de qualquer processo, elas têm, em
condições de igualdade com as demais, direito às garantias de acordo com o
direito internacional de direitos humanos e serão tratadas em conformidade
com os objetivos e princípios da presente Convenção, incluindo o fornecimento
de adaptações razoáveis.
Artigo 15º
Liberdade contra a tortura, tratamento ou penas cruéis, desumanas ou
degradantes
1 - Ninguém será submetido a tortura ou tratamento ou pena cruel, desumana
ou degradante. Em particular, ninguém será sujeito, sem o seu livre
consentimento, a experiências médicas ou científicas.
2 - Os Estados Partes tomam todas as medidas legislativas, administrativas,
judiciais ou outras medidas efetivas para prevenir que as pessoas com
deficiência, em condições de igualdade com as demais, sejam submetidas a
tortura, tratamento ou penas cruéis, desumanas ou degradantes.22

Recomendação nº R (98) 7 do Comitê de Ministros, do Conselho da


Europa, relativa aos aspectos éticos e organizacionais dos cuidados de
saúde unidades prisionais (Council of Europe,1998)

22
Em acréscimo ver também o artigo 25.º, Direito à Saúde, citado no capítulo anterior, Pessoas com Transtornos Mentais.

69
C. Pessoas não elegíveis para a privação de liberdade prolongada: deficiência
física grave, idade avançada, doença terminal.
50. Os privados de liberdade com graves desvantagens físicas e aqueles de
idade avançada devem ser acomodados de forma a permitir uma vida normal e
não devem ser segregados da população prisional geral. Alterações
estruturais, em linhas semelhantes às existentes em ambientes externos ao
sistema penitenciário, devem ser efetuadas para auxiliar os portadores de
cadeiras de rodas e outro tipo de deficientes.23

5.2. Políticas e Práticas para as pessoas com deficiência no Sistema


Penal

5.2.1. Medidas e sanções não privativas de liberdade

Pelos motivos amplamente abordados nas demandas específicas dos privados


de liberdade com deficiência, suas necessidades de reintegração social
raramente, ou mesmo nunca, são atendidas pelas administrações
penitenciárias, sendo que as medidas de privação de liberdade devem, como
também já referido, ser evitadas ao máximo, considerado o tipo de
infração/crime cometido e cumpridos dos requisitos de segurança pública.
Assim, tal como acontece com as pessoas com transtornos mentais e
sempre que possível, as pessoas com deficiência devem ser desviadas do
sistema de justiça criminal logo no primeiro contato com as forças policiais e,
caso isto não tenha acontecido, o mais brevemente possível após início do
processo de justiça criminal – quer seja durante a prisão provisória, acusação,
julgamento ou cumprimento de pena. Ainda, e mais importante, as sentenças
de privação de liberdade devem ser usadas como último recurso em todos os
casos de pessoas com deficiência (EP, 2017; UN CRPD, 2006; UNODC 2007,
2009, 2012).
O desenvolvimento de programas adequados não privativos da liberdade
para as pessoas com deficiências, combinado – caso se justifique – com um
plano de tratamento com medidas de supervisão na comunidade, constituem
23
Em acréscimo ver também Regras Padrão sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiência (UN, 1993).

70
uma forma mais humana e eficaz de lidar com suas necessidades específicas
(UN, 1993; UN CRPD, 2006).

5.2.2. Administração Prisional

5.2.2.1. Políticas e estratégias de gestão

Como forma de assegurar a igualdade de tratamento dos privados de liberdade


com deficiências e a sua reintegração social, as administrações penitenciárias
devem tomar medidas eficazes e positivas.
A este propósito, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência (2006) pode ajudar a sustentar e balizar o desenho
de políticas apropriadas para estes privados de liberdade. Em acréscimo,
alguns países, como é o caso da Alemanha, por exemplo, têm já legislação
específica que pode ser usada como base para o desenvolvimento de políticas
e estratégias adequadas nas diferentes unidades prisionais para atender às
demandas específicas desse grupo vulnerável.
Os esforços neste sentido devem incluir a avaliação e sistematização
detalhadas das demandas desta população; a avaliação, alteração e
adequação das políticas existentes (que colocam estas pessoas em
desvantagem relativamente ao conjunto dos restantes privados de liberdade); e
a articulação com organizações e serviços da sociedade civil que trabalham
com pessoas com deficiência por forma a garantir a sua assistência.
Regras claras para os funcionários relativas à proibição de comportamentos
e atitudes discriminatórias em relação a estes privados de liberdade e que
ajudem a promover ativamente a igualdade de tratamento devem ser
estabelecidas e divulgadas em todos os estabelecimentos penitenciários (UN
CRPD, 2006).
A escassez de informações relativas ao número de privados de liberdade
com deficiências nos diferentes sistemas penitenciários de todo o mundo (EU,
2015) e relativas às suas demandas específicas, exigem que sejam
desenvolvidos sistemas de monitoramento e avaliação, bem como a
manutenção de registros atualizados sobre estes privados de liberdade, por

71
forma a identificar boas práticas e a atender às suas necessidades específicas
(EU, 2015).

5.2.2.2. Recursos humanos

A postura e atitude dos funcionários do sistema prisional que lidam de perto


com estes privados de liberdade são elementos fundamentais para garantir a
proteção de seus direitos humanos e reduzir a discriminação de que muitas
vezes são vitimas dentro do sistema prisional (EU, 2015; EP, 2017).
Nas unidades em que os privados de liberdade com deficiência assim o
permitem, deve ser considerada a nomeação de um elemento da equipe de
segurança para atuar como um ponto de contato entre estes privados de
liberdade e a administração prisional para a resolução das suas demandas
específicas.
A capacitação dos funcionários do sistema precisa enfatizar a igualdade de
direitos destes privados de liberdade, frisando não haver lugar a atitudes,
comportamentos ou medidas mais severas que possam conduzir ao isolamento
desta população com base em sua deficiência ou dela decorrentes (EP, 2017).
Técnicas adequadas para lidar com privados de liberdade com deficiência
devem também ser incluídas nestas capacitações: os funcionários devem ser
instruídos e treinados por forma a supervisionar eficazmente os privados de
liberdade com deficiência, prevenindo situações de abuso por parte de outros
privados de liberdade; e devem ser ensinados a identificar sinais e sintomas
relacionados ao desequilíbrio ou mal-estar psicológicos, para que sejam
capazes de encaminhá-los para os serviços médicos em casos de
agravamento de sua condição física e/ou mental (Russell & Stewart, 2002).

5.2.3. Acesso à justiça

A fim de garantir que as pessoas com deficiência possam acessar à justiça em


igualdade de condições face aos demais, os privados de liberdade portadores
de deficiências devem ter acesso célere e regular a todo o apoio jurídico de
que necessitem, desde o início de sua detenção, em semelhança ao que

72
acontece com os restantes privados de liberdade, devendo ainda ser facilitados
todos os contatos com seu advogado/defensor público.
Em acréscimo, devem ainda ser adotadas todas as medidas necessárias
que atendam às necessidade específicas destes privados de liberdade durante
todo o processo de justiça criminal.
Da mesma forma, os funcionários envolvidos em todas a fases do processo
devem estar capacitados para atender às demandas específicas destas
pessoas, demonstrar sensibilidade e auxiliá-las no acesso ao apoio apropriado
(UN CRPD, 2006).

5.2.4. Alocação

Os privados de liberdade com deficiência devem ter a oportunidade de declarar


sua condição e fornecer informações sobre suas necessidades específicas na
porta de entrada do sistema penitenciário, devendo, em contrapartida, receber
informações claras sobre as regras das unidades prisionais onde vão ser
alocados, num formato que seja lhes seja compreensível (por exemplo, em
Braille ou áudio gravado para aqueles que têm deficiências visuais graves e
com impressões em tamanho aumentado para aqueles que apresentam um
nível menor de deficiência visual).
Estes privados de liberdade devem ser autorizados a manter em sua posse
qualquer forma de auxílio relevante para a sua deficiência (como cadeiras de
rodas e muletas, por exemplo), a menos que haja uma razão de segurança
justificável que contradiga este procedimento, sendo que nesses casos devem
ser fornecidas alternativas adequadas.
Em acréscimo, estes privados de liberdade devem passar por um processo
de avaliação cuidadoso e adequado por forma a identificar suas capacidades e
demandas específicas (incluindo especialmente necessidades ao nível dos
cuidados de saúde e educacionais), e determinar o nível e o tipo de apoio que
requerem.
Devem ainda ser informados a quem contactar em caso de demanda
específica, devendo todos os procedimentos inerentes a este contato ser-lhes
explicados.

73
O risco de abuso por parte de outros privados de liberdade deve ser
considerado para determinar a alocação dos privados de liberdade com
deficiência e garantir sua proteção (WHO, 2011).

Boas Práticas
Dossiê de informações para privados de liberdade com deficiência no
Reino Unido
A administração dos serviços penitenciários em cooperação com a ONG Prison
Reform Trust preparou um dossiê de informações específico para privados de
liberdade com deficiência que está disponível para todos na porta de entrada
das unidades prisionais (EU, 2015).

5.2.5. Classificação e acomodações

Tal como acontece com os demais grupos de privados de liberdade, aqueles


que sofrem de algum tipo de deficiência devem ser acomodados conforme as
condições de segurança que exigem. Não obstante, as acomodações deste
grupo populacional devem ser adequadas às suas demandas específicas,
devendo, caso necessário, proceder-se a adaptações a essas acomodações,
bem como aos demais espaços das unidades prisionais de forma a facilitar seu
acesso a todos os serviços. Por exemplo, a construção de rampas que
permitam a mobilidade dos cadeirantes dentro das unidades prisionais (Russell
& Stewart, 2002).

5.2.6. Acesso à saúde

Os presos com deficiência devem ter o mesmo acesso que os demais a todos
os cuidados de saúde, devendo estes ser equivalentes aos que existem na
comunidade. Em acréscimo, estes privados de liberdade devem ainda ter
acesso ao mesmo nível de cuidados de saúde especializados disponíveis na
comunidade, podendo estes incluir fisioterapia, terapia da fala e terapia
ocupacional, entre outros, bem como a aparelhos auditivos, cadeiras de rodas
e muletas etc. Para tanto, as administrações penitenciárias devem trabalhar em

74
estreita colaboração com os serviços de saúde da comunidade, aumentando as
possibilidades destes privados de liberdade verem suas demandas específicas
atendidas (WHO, 2011).
Devido às dificuldades associadas à vivência do quotidiano das unidades
prisionais, onde se podem incluir situações de bullying, agressões verbais e,
por vezes, violência física por parte de outros privados de liberdade, os que
sofrem de algum tipo de deficiência necessitam também de acesso a cuidados
de saúde mental especializados, conforme já mencionado, que devem ser
garantidos por funcionários especializados (WHO, 2011).
Nas situações em que os privados de liberdade têm problemas de
comunicação (por exemplo, privados de liberdade com deficiências sensoriais),
deve-lhes ser providenciada assistência de forma a que esteja assegurado o
igual acesso aos programas de aconselhamento (WHO, 2011).

5.2.7. Programas e projetos assistenciais

Os serviços penitenciários devem tomar todas as medidas possíveis para


assegurar a igualdade de acesso destes privados de liberdade às atividades
diárias das unidades prisionais, incluindo programas vocacionais e
educacionais, trabalho, lazer e apoio psicossocial.
Segundo o UNODC (2009), não sendo muito elevado o número de privados
de liberdade com mobilidade reduzida, talvez não seja razoável esperar que
todas as unidades prisionais tenham rampas de acesso a todos os serviços,
especialmente em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Não
obstante, as administrações penitenciárias precisam assegurar-se que há
alternativa de garantia de acesso dos privados de liberdade a esses serviços,
mesmo não existindo infraestruturas construídas para o efeito.
A cooperação com organizações da sociedade civil deve ser estabelecida
para projetar e executar programas adequados às demandas específicas
destes privados de liberdade. Essa cooperação alivia o ônus dos funcionários
do sistema prisional, assegura a estes privados de liberdade a oportunidade de
participar de programas destinados a colmatar suas demandas e aumenta seu

75
contato com o mundo extramuros, benéfico para seu bem-estar emocional
(UNODC, 2009).

Boas Práticas
Apoio do grupo de pares – Brasil
Em Fortaleza (Ceará) os privados de liberdade com mobilidade reduzida têm
possibilidade de ter um cuidador individual. Este é um privado de liberdade de
outro grupo populacional que vê a atividade de cuidar do privado de liberdade
cadeirante reconhecida como atividade profissional remunerada que contribui
para a sua remição de pena (DEPEN, 2017c).24

5.2.8. Segurança

A necessidade de considerar as questões de segurança durante a alocação


destes privados de liberdade foi já referida. Os privados de liberdade com
deficiências não só devem ser mantidos em um ambiente seguro, como
também precisam se sentir seguros, por forma a que o seu equilíbrio e saúde
mental sejam protegidos, e tal como acontece com os restantes grupos de
privados de liberdade. Assim sendo, pode verificar-se a necessidade de adotar
pequenas medidas adicionais, como procedimentos de revista específicos para
privados de liberdade com alguma deficiência sensorial ou visual, devido à
ansiedade que estes procedimentos podem causar no ambiente, já de si
coercivo e às vezes violento, das unidades prisionais.
Alocar privados de liberdade com deficiência em áreas isoladas, mesmo que
por questões de segurança, pode ter consequências extremamente nocivas,
devido, sobretudo, ao exacerbar do sofrimento psicológico que habitualmente
estes privados de liberdade já vivenciam. Desta forma, este tipo de medida
deve ser evitado o mais possível e, não o podendo ser, deverá ser apenas
usado como medida de último recurso e durante o menor período de tempo
possível (UNODC, 2009).

24
Informações recolhidas presencialmente pela consultora em visita técnica realizada ao referido estado ao abrigo da presente
consultoria.

76
Esta população de privados de liberdade deve poder defender-se durante as
audiências ou interrogatórios disciplinares, sendo que toda a assistência
necessária deve ser providenciada para garantir que isso aconteça (por
exemplo, a interpretação, através do recurso à língua gestual, para pessoas
com deficiência auditiva).
As administrações penitenciárias precisam também assegurar-se que os
privados de liberdade com qualquer tipo de deficiência tenham igual acesso
igual aos procedimentos de denúncia. E, nos casos em que a sua condição
lhes impossibilita esse acesso, deve ser providenciada toda a assistência
adequada (Russell & Stewart, 2002).

5.2.9. Condição de pré-egresso e egresso

A assistência dos serviços de reinserção social e de organizações da


sociedade civil apropriadas devem ser procuradas pelas administrações
penitenciárias quando as suas equipes preparam o projeto singular para a
situação de egresso destes privados de liberdade. Este processo de
cooperação com outras entidades fora do sistema penitenciário deve ter lugar o
mais cedo possível, para que o apoio a este período de transição seja
garantido, como o auxilio na procura ativa de emprego, acesso à habitação,
aos serviços de saúde etc.
Estes privados de liberdade devem ter igual acesso às medidas de
progressão de regime, conforme ele é dado aos restantes privados de
liberdade, e o fato de não serem capazes de participar do mesmo número de
programas assistenciais e de educação e emprego que os restantes, devido à
sua condição, não deve prejudicá-los na decisão de progressão de regime.
Da mesma forma, a liberdade por motivos humanitários deve ser
considerada para aqueles que não representam uma ameaça para a segurança
pública e cuja deficiência acarreta sérias dificuldades em lidar com as
condições inerentes à situação de privação de liberdade e, portanto, prejudica
seriamente os esforços de reintegração social (Russell & Stewart, 2002).

77
5.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e
Ações Estratégicas para as pessoas com deficiência no Sistema Penal

Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, sistematizam-se abaixo o conjunto de recomendações
internacionais para a formulação de políticas e ações estratégicas para as
pessoas com deficiência no Sistema Penal:

PARA OS LEGISLADORES

– Implementar legislação e procedimentos relevantes para garantir que as


pessoas com deficiência tenham acesso à justiça em igualdade de condições
com o restante da população e não sejam discriminadas pelo próprio sistema
de justiça criminal.

PARA O PODER JUDICIÁRIO

– Desviar os indiciados ou réus com deficiência do sistema de justiça criminal


para outro tipo de programas adequados a esta população o mais
precocemente possível após sua entrada no sistema;
– Recorrer a penas privativas de liberdade como último recurso, no caso de
portadores de deficiências;
– Desenvolver programas adequados de não encarceramento para estas
pessoas, combinados ou não com tratamentos, conforme necessário, com
supervisão a partir da comunidade.

PARA AS ADMINISTRAÇÕES PENITENCIÁRIAS

Políticas e estratégias de gestão


– Estruturar e divulgar uma circular interna aos serviços prisionais proibindo
claramente a discriminação dos privados de liberdade com deficiência e
promovendo ativamente a igualdade de tratamento;

78
– Desenvolver políticas e estratégias adequadas para atender às demandas
específicas dos privados de liberdade com deficiência;
– Avaliar e adequar políticas e programas existentes (que colocam estes
privados de liberdade numa situação de desvantagem);
– Desenvolver parcerias com organizações e serviços da sociedade civil que
trabalham com pessoas com deficiência e integrar esta possibilidade de
trabalho, bem como a avaliação sistematizada das necessidades destes
privados de liberdade, no desenho e desenvolvimento de políticas e estratégias
de ação;
– Realizar uma coleta regular de dados para identificar as demandas desta
população e avaliar as práticas já implementadas, a fim de reduzir o mais
possível as desvantagens enfrentadas por estas pessoas no sistema prisional.

Recursos humanos
– Onde os recursos o permitam, nomear, em cada unidade prisional, um
membro da equipe do sistema para atuar como ponto de contato entre estes
privados de liberdade e as administrações penitenciárias, por forma a atender
mais eficazmente suas demandas específicas;
– Incluir treinamento sobre medidas e técnicas adequadas para cuidar e
supervisionar os privados de liberdade com deficiência no currículo das ações
de capacitação das equipes das unidade prisionais, enfatizando a igualdade de
direitos e a não discriminação;
– Proporcionar capacitação adequada ao desenvolvimento das capacidades de
supervisão para prevenir abusos e maus-tratos que eventualmente possam ser
perpetrados por outros privados de liberdade contra aqueles que têm algum
tipo de deficiência;
– Proporcionar capacitação adequada ao desenvolvimento da capacidade de
detectar e identificar sinais e sintomas de mal-estar psíquico em privados de
liberdade com deficiência, para poder encaminhá-los para os serviços de
assistência a apoio adequados e prevenir o agravamento de seu estado de
saúde.

79
Acesso à justiça
– Assegurar, aos privados de liberdade com deficiência, igual acesso a um
advogado/defensor público, da mesma forma que ele é assegurado aos
demais, desde o início de sua detenção;
– Prover suas demandas específicas, diretamente relacionadas com a
deficiência, durante todo o processo judicial para garantir a participação destas
pessoas em igualdade de condições face aos demais indiciados/réus.

Alocação
– Possibilitar aos privados de liberdade a oportunidade de identificar e
comunicar qualquer deficiência na porta de entrada do sistema penitenciário;
– Facultar ao privados de liberdade com deficiência informações claras, e de
uma forma que lhes seja compreensível, sobre as regras das unidade
prisionais;
– Permitir que estes privados de liberdade mantenham em sua posse qualquer
material ou instrumento que, de alguma forma, os auxilie na gestão de sua
deficiência, como cadeiras de rodas e muletas, por exemplo. Caso, por motivos
de segurança, essa possibilidade não se verifique, devem-lhes ser fornecidas
alternativas adequadas;
– Garantir que os privados de liberdade com deficiência sejam devidamente
avaliados na porta de entrada do sistema prisional, sendo identificadas suas
demandas específicas e suas capacidades por forma a determinar o nível e
tipo de apoio de que necessitam;
– Facultar a estes privados de liberdade informações claras de quais os
procedimentos a adotar e quem contatar em caso de necessitar, com urgência,
prover alguma necessidade específica.

Acomodações e alojamento

80
– Alojar os privados de liberdade com deficiência em acomodações
adequadas, e sempre que necessário realizar adequações às mesmas para
atender às suas necessidades específicas;
– Considerar o risco de abuso por parte de outros privados de liberdade ao
determinar o alojamento destes privados de liberdade, por forma a garantir sua
proteção.

Acesso à saúde
– Garantir que os privados de liberdade com deficiência não sejam
discriminados no acesso aos cuidados de saúde;
– Garantir que estes cuidados de saúde se estendem à atenção de alta
complexidade, conforme disponível na comunidade.

Programas e projetos assistenciais


– Tomar todas as medidas possíveis para assegurar igual acesso dos privados
de liberdade com deficiência às atividades disponíveis nas unidades prisionais,
incluindo programas de capacitação vocacional, educacional, laboral, de lazer
e apoio psicossocial;
– Estabelecer parcerias com organizações da sociedade civil para projetar e
executar programas adequados às necessidades específicas dos privados de
liberdade com deficiência;
– Organizar atividades de grupo adequadas, onde existam grupos de privados
de liberdade com deficiências semelhantes, com a assistência e apoio de
organizações externas ao sistema penitenciário;
– Fornecer a este grupo populacional os detalhes de contato de organizações
da sociedade civil que lhes prestam assistência.

Segurança
– Não aplicar medidas disciplinares desproporcionais e injustas aos privados
de liberdade com deficiência;
– Garantir que estes se sintam seguros quando da realização de
procedimentos de revista;

81
– Recorrer a alas ou celas de isolamento exclusivamente como último recurso
e pelo menor período de tempo possível;
– Facultar toda a assistência necessária aos privados de liberdade com
deficiência para que possam se defender durante as audiências/inquéritos
disciplinares;
– Garantir que os privados de liberdade com deficiência tenham igual acesso
aos procedimentos de denúncia. Caso estes privados de liberdade tenham
quaisquer dificuldades em realizar qualquer denúncia devido à sua condição,
deve-lhes ser prestada a assistência necessária.

Condição de pré-egresso e egresso


– Procurar e fortalecer as articulações e parcerias com serviços de assistência
social e organizações da sociedade civil na preparação dos projetos singulares
de reintegração social que devem anteceder a progressão de regime;
– Garantir que os privados de liberdade com deficiência tenham igual acesso
às medidas de progressão de regime;
– Considerar a possibilidade de liberdade por questões médicas ou motivos
humanitários para todos os privados de liberdade com deficiência que não
representem uma ameaça à segurança pública e cuja condição acarreta sérias
dificuldades para lidar com as condições existentes nas unidades prisionais
que, além do mais, minam suas possibilidades de reintegração social.

82
VI. PESSOAS COM DOENÇAS TERMINAIS

6.1. Normas Internacionais

Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (UN
ECOSOC, 1955)

Serviços médicos
22.
(1) Cada estabelecimento penitenciário deve dispor dos serviços de pelo
menos um médico qualificado, que deverá ter alguns conhecimentos de
psiquiatria. Os serviços médicos devem ser organizados em estreita ligação
com a administração geral de saúde da comunidade ou da nação. Devem
incluir um serviço de psiquiatria para o diagnóstico, e em casos específicos, o
tratamento de estados de perturbação mental.
(2) Os privados de liberdade doentes que necessitem de cuidados
especializados devem ser transferidos para estabelecimentos especializados
ou para hospitais civis. Quando o tratamento hospitalar é organizado no
estabelecimento este deve dispor de instalações, material e produtos
farmacêuticos que permitam prestar aos privados de liberdade doentes os
cuidados e o tratamento adequados; o pessoal deve ter uma formação
profissional suficiente.
[...]
25
(1) Ao médico compete vigiar a saúde física e mental dos privados de
liberdade. Deve visitar diariamente todos os privados de liberdade doentes, os
que se queixem de doença e todos aqueles para os quais a sua atenção é
especialmente chamada.
(2) O médico deve apresentar relatório ao diretor, sempre que julgue que a
saúde física ou mental foi ou será desfavoravelmente afetada pelo

83
prolongamento ou pela aplicação de qualquer modalidade de regime de
reclusão.

Princípios Básicos das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos


(UN, 1990)

9. Os privados de liberdade devem ter acesso aos serviços de saúde


disponíveis no país sem discriminação com base em sua situação legal.

Recomendação do Conselho da Europa Nº R (93) 6 do Comitê de


Ministros aos Estados Membros sobre Prisão e Aspectos Criminológicos
do Controle de Doenças Transmissíveis, incluindo AIDS e Problemas de
Saúde Relacionados (Council of Europe, 1993).

14. Os privados de liberdade com doença terminal derivada do contágio por


HIV/AIDS devem ser, na medida do possível, libertados antecipadamente e
receber o tratamento adequado fora do sistema prisional.

Recomendação nº R (98) 7 do Comitê de Ministros, do Conselho da


Europa, relativa aos aspectos éticos e organizacionais dos cuidados de
saúde unidades prisionais (Council of Europe,1998)

51. A decisão relativa à transferência de privados de liberdade com prognóstico


fatal de curto prazo para unidades hospitalares fora do sistema penitenciário
deve ser tomada, exclusivamente, por motivos médicos. Enquanto aguardam
essa transferência, os pacientes devem receber o melhor atendimento médico
durante a fase terminal da doença no centro de saúde da unidade prisional.
Nesses casos, deve ser estabelecido um tratamento periódico sistematizado
em uma unidade hospitalar externa ao sistema penitenciário. A possibilidade
do perdão da pena por razões médicas ou a libertação antecipada devem ser
ponderados para estes privados de liberdade.

84
Declaração da Associação Médica Mundial sobre Doenças Terminais
(WMA, 2006)

O dever dos médicos é curar, sempre que possível, para aliviar o sofrimento e
proteger os melhores interesses de seus pacientes. Não haverá exceção a
este princípio, mesmo no caso de doenças incuráveis.
No cuidado com os pacientes terminais, as principais responsabilidades do
médico são ajudar o paciente a otimizar sua qualidade de vida através do
controle dos sintomas, abordando necessidades psicossociais e permitindo
que o paciente morra com dignidade e conforto.
Os médicos devem informar os pacientes sobre a disponibilidade, benefícios e
outros efeitos potenciais dos cuidados paliativos.

6.2. Políticas e Práticas para as pessoas com doenças terminais no


Sistema Penal

6.2.1. Medidas e sanções não privativas de liberdade

As sentenças de privação de liberdade para aqueles que foram diagnosticados


com uma doença terminal exacerbam o sofrimento inerente à sentença e,
devido à morte iminente, são irrelevantes em termos de reintegração social. Em
acréscimo, tais sentenças acarretam também um enorme peso para os
serviços médicos das administrações penitenciárias, que na maioria dos países
têm recursos severamente insuficientes e não são capazes de atender às
necessidades complexas e dispendiosas dos privados de liberdade com
doenças terminais.
Os Estados são, portanto, aconselhados a introduzir legislação e políticas
que preveem sanções e medidas alternativas à privação de liberdade para
todos os que são doentes terminais, em todas as etapas do processo de justiça
criminal (mesmo tratando-se de prisão provisória), para que estes pacientes
possam receber os cuidados médicos que suas doenças exigem e morrer com

85
dignidade, cercados por sua família e amigos, em vez de isolados no ambiente
das unidades prisionais (UNODC, 2015).

6.2.2. Administração Prisional

6.2.2.1. Políticas e estratégias de gestão

Por forma a assegurar que os direitos humanos dos privados de liberdade com
doenças terminais sejam protegidos, incluindo especificamente o direito a
receber assistência médica equivalente àquela que existe na comunidade, as
administrações penitenciárias precisam incorporar regras e procedimentos
claros relativos ao tratamento e libertação antecipada destes privados de
liberdade em suas políticas e diretrizes de gestão das unidades prisionais.
Essas regras e procedimentos devem, no mínimo, incluir critérios claros e
procedimentos quanto:
a) À determinação da doença terminal;
b) À assistência aos indiciados com doença terminal em seus pedidos de
libertação com o pagamento de fiança;
c) Aos cuidados de saúde para privados de liberdade com doenças
terminais (em situação de prisão preventiva e de cumprimento de pena);
d) À transferência de privados de liberdade com doença terminal para
hospitais civis;
e) À possibilidade de indulto ou comutação da pena por motivos
humanitários para os privados de liberdade com doenças terminais;
f) À articulação e cooperação com serviços comunitários de cuidados de
saúde para garantir a continuidade dos cuidados após a libertação.

6.2.2.2. Recursos Humanos

Um número adequado e qualificado de profissionais de saúde, entre médicos,


enfermeiros e psicólogos, deve estar disponível para atender às necessidades
específicas de pacientes com doenças terminais. Para além dos profissionais
de saúde, outros funcionários que lidem de perto com estas situações devem

86
ser capacitados e treinados nos cuidados a prestar a estes pacientes e nas
estratégias de comunicação a usar na interlocução com o doente e com sua
família.

6.2.3. Acesso à Justiça

Tal como acontece com os demais privados de liberdade, aqueles que têm
uma doença terminal devem ter pleno acesso a advogados/defensores públicos
durante todo o processo de justiça criminal. O acesso aos
advogados/defensores públicos é vital para os réus com doença terminal, que
terão necessidade de uma assistência especial no gozo de seus direitos à
aplicação de sanções e medidas não privativas de liberdade, bem como de
seus direitos de acesso aos cuidados médicos necessários nas unidades
prisionais.
A defesa pode também ser essencial para que estes privados de liberdade
possam ser libertados com base em questões humanitárias e motivos médicos.
Assim, as administrações penitenciárias precisam prestar auxilio aos
privados de liberdade com doenças terminais no contato com
advogados/defensores públicos e restantes serviços de assistência jurídica,
facilitando a comunicação entre eles.

6.2.4. Alocação e acomodações

Os privados de liberdade com doenças terminais devem ser alocados o mais


próximo possível de suas famílias e comunidades, por forma a permitir visitas
regulares de familiares e amigos. Na medida do possível, a alocação destes
privados de liberdade em áreas que correspondam a um nível de segurança
superior ao necessário, decorrente apenas do fato de ser aí que se consegue
prestar a assistência médica adequada, deve ser evitada. No entanto, se esta
situação existir deve ser compensada com, por exemplo, visitas familiares
regulares, maior contato com o exterior etc., aproximando esta alocação ao
regime aplicado para os casos de uma classificação menor ao nível da
segurança – de acordo com a avaliação de risco do privado de liberdade.

87
6.2.5. Acesso à saúde

As acomodações dos privados de liberdade com doenças terminais devem ser


o mais confortáveis possíveis e a assistência médica garantida. Os portadores
de doenças infecciosas devem ser separados dos demais grupos de privados
de liberdade por forma a evitar o risco de propagação da infecção.
Da mesma forma, os cuidados paliativos devem estar disponíveis para todos
os que têm alguma doença terminal, devendo ainda ser consideradas todas as
suas necessidades específicas quando forem desenvolvidos os planos de
cuidados individualizados, atentando à natureza da doença, idade do paciente,
existência ou inexistência de vínculos familiares, necessidade de dieta ou
nutrição específica, entre outros. Os serviços de cuidados continuados devem
ser prestados de forma constante (24 horas por dia, 7 dias por semana) (WHO,
1998, 2001).
Os privados de liberdade com AIDS avançada (semelhante a outros que são
HIV positivos) devem ter o mesmo acesso ao tratamento antirretroviral que
aqueles que se encontram em liberdade.
Profissionais dos serviços de saúde nacional (externos ao sistema
penitenciário), incluindo especialistas em cuidados paliativos, devem estar
envolvidos no cuidado destes privados de liberdade durante todo o período em
que estes se fizerem necessários, devendo ser providenciados cuidados
periódicos, sistematizados, num hospital da rede pública de saúde. Caso as
necessidades de cuidados de saúde não possam ser atendidas nas unidades
prisionais, estes pacientes devem ser transferidos para hospitais comunitários,
levando em consideração os requisitos de segurança.

6.2.6. Vínculos familiares e serviços de apoio psicológico e religioso

Os pacientes com doença terminal precisam de cuidados e apoio psicológico e,


muitas vezes, religioso para ajudá-los a lidar com sua condição. Nas situações
em que os vínculos familiares existem e são estáveis, deve ser possibilitado a
estes privados de liberdade o maior número possível de visitas, por forma a

88
diminuir o sentimento de isolamento e reduzir o sofrimento dos membros da
família.
Nos casos em que esses vínculos não existem, os serviços prisionais devem
tentar restabelecer o contato, caso o privado de liberdade de liberdade assim o
deseje. Nos casos em que as visitas familiares são difíceis (devido à idade dos
familiares visitantes ou à falta de meios financeiros), os serviços prisionais
devem, caso os recursos financeiros o possibilitem, auxiliar no transporte
destas famílias.
Além do contato familiar, é provável que estes privados de liberdade com
doenças terminais necessitem de apoio psicológico profissional para ajudá-los
a enfrentar sua situação e a encontrar algum equilíbrio emocional, devendo por
isso ter acesso imediato a estes serviços.
O apoio religioso/espiritual é vital para a maioria destes privados de
liberdade para ajudá-los a manter o bem-estar mental, na medida do possível.
Esse apoio pode ser prestado por um representante da sua religião ou outros
que o privado de liberdade conheça e em quem confie. Os Estados são
responsáveis por prestar qualquer apoio religioso/espiritual aos privados de
liberdade com doenças terminais, caso estes não tenham sido libertados por
motivos humanitários ou médicos (UNODC, 2009).
A assistência de serviços externos, como a de organizações não
governamentais, deve ser incentivada pelas administrações penitenciárias, por
forma a complementar a prestação de apoios de que estes pacientes
necessitam. Da mesma forma, o restante conjunto de privados de liberdade
podem ser treinados/capacitados para fornecer apoio psicológico aos pacientes
terminais, sendo que esta situação de cuidados se mostra benéfica tanto para
os pacientes, quanto para a reintegração social dos voluntários.

Boas Práticas
Holanda: "Amigos" para privados de liberdade com AIDS
Uma união nacional de voluntários, que apoia e orienta pessoas que vivem
com AIDS, tem vindo a desenvolver, junto com o Serviço Penitenciário

89
Holandês, um sistema de apoio específico para privados de liberdade. Estes
voluntários/“amigos” têm acesso às unidades prisionais e podem manter
contato com privados de liberdade que vivem com AIDS, prestando-lhes apoio
psicossocial (EP, 2017).

6.2.7. Lazer

Os privados de liberdade com doenças terminais devem ter acesso a livros,


periódicos, rádio, televisão e jogos recreativos, na mesma medida que os
restantes privados de liberdade.
A sua participação em atividades físicas dever ser incentivada, adequada e
dependente da sua condição e recomendações da equipe de saúde. Nos casos
em que o privado de liberdade não possa participar em atividades de lazer,
devem ser pensados planos individualizados para esta área.

6.2.8. Libertação por motivos humanitários ou antecipada para privados


de liberdade com doenças terminais

Segundo a Organização Mundial de Saúde, os privados de liberdade que


entram em estágios avançados de doenças crônicas ou terminais – incluindo
mas não limitado ao HIV e AIDS – requerem cuidados especializados para o
fim de vida.25
As unidades prisionais – mesmo em países de alta renda – estão mal
equipadas para prestar esses cuidados. Os cuidados de fim de vida diferem
dos demais e são extremamente exigentes, e as equipes das unidades
prisionais muitas vezes não possuem o treinamento e os recursos necessários
para os executarem.
O próprio ambiente das unidades prisionais – com sua arquitetura e rotinas
de segurança, falta de conforto e privacidade, barreiras ao acesso para
familiares e amigos etc. – também não é, geralmente, propício para cuidados
de fim de vida responsivos e humanitários.
25
Segundo a OMS (2007), os padrões das práticas desenvolvidos pelo projeto GRACE (Apoio Responsável aos cuidados de fim da
vida no sistema penitenciário), posto em prática por centenas de voluntários nos EUA, embora sejam mais relevantes em face às
possibilidades econômicas dos países desenvolvidos, podem servir de princípios orientadores aplicáveis a uma ampla gama cenários
penitenciários. Mais informações podem ser consultadas em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16430353.

90
Os cuidados adequados de fim de vida – particularmente no contexto do HIV
e da AIDS – envolvem, na maior parte dos casos, a administração de grandes
doses de medicação para o tratamento da dor que pode entrar em conflito com
ambiente "livre de drogas" do sistema prisional.
Por estes motivos, muitos sistemas penitenciários introduziram programas
de liberdade por questões humanitárias, permitindo que os privados de
liberdade com doenças terminais sejam libertados antes do final do
cumprimento total da pena sentenciada. Estes programas de libertação
antecipada cumprem um papel humanitário, mas também reconhecem que a
expectativa de vida dos privados de liberdade com doenças terminais pode ser
prolongada com acesso a cuidados médicos na comunidade.
Os critérios de elegibilidade para a libertação por questões humanitárias
devem ter em conta a necessidade de garantir a segurança pública, embora
não devam ser injustificadamente restritivos, e os procedimentos devem ser
acelerados para evitar o prolongamento desnecessário do período de espera,
resultando na morte de pacientes nas unidades prisionais, enquanto a decisão
ainda está sendo considerada (WHO, 2007).
As equipes médicas das unidades prisionais devem proceder a avaliações
regulares da condição de saúde dos privados de liberdade com doenças
terminais e, caso haja indicação para tal (consideradas as condições de saúde
e a ausência de cuidados médicos adequados), indicar estes pacientes para a
aplicação da medida de liberdade antecipada.
No decurso, as administrações penitenciárias devem estabelecer contato
com a defensória pública ou com os representantes legais do privado de
liberdade, facilitando a assistência judiciária e garantindo que seus direitos
legais sejam protegidos e exercidos durante esse processo.
A articulação e cooperação efetiva entre os serviços médicos dos sistemas
penitenciários e da comunidade devem garantir que os pacientes libertados
recebam todos os cuidados médicos necessários, incluindo cuidados paliativos,
em instituições médicas comunitárias. A articulação e cooperação devem se
estender ao estabelecimento de vínculos com hospitais especializados no
atendimento a doentes terminais, onde estes existam.

91
Nos casos em que estes privados de liberdade sejam libertados ao abrigo de
uma anistia geral, devem ser tomadas providências para assegurar que
recebam os cuidados médicos necessários na comunidade após a saída do
sistema prisional e, nos casos em que a doença é infecciosa, que sejam
tomadas todas as precauções para prevenir a propagação de doença na
comunidade (UNODC, 2007, 2009, WHO, 2007).

Boas Práticas
Libertação antecipada de privados de liberdade com doença terminal na
África do Sul
O artigo 79 da Lei de Serviços Correcionais 111 de 1998 estipula que "[uma]
pessoa que cumpra qualquer sentença em uma unidade prisional e que, com
base na evidência escrita do médico que a trata, é diagnosticada como
estando na fase final de qualquer doença terminal deve ser considerada para
medidas penais alternativas, quer sejam a supervisão correcional ou a
liberdade condicional, para que possa morrer de forma digna”
(www.info.gov.za/gazette/acts/1998/a111-98.pdf).

6.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e


Ações Estratégicas para as pessoas com doenças terminais no Sistema
Penal

Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, sistematizam-se abaixo o conjunto de recomendações
internacionais para a formulação de políticas e ações estratégicas para as
pessoas com doenças terminais no Sistema Penal:

PARA OS LEGISLADORES

– Introduzir legislação e políticas que prevejam sanções e medidas não


privativas de liberdade para os indiciados ou privados de liberdade com
doenças terminais; para a execução de medidas de liberdade antecipada ou
por motivos humanitários e médicos; e ainda que garantam cuidados médicos

92
necessários e adequados ao fim de vida para que estas pessoas possam
morrer com dignidade, cercadas por suas famílias e amigos;
– Garantir que as normas e procedimentos relativos aos privados de liberdade
com doenças terminais incluam critérios de elegibilidade para a liberdade por
questões humanitárias, considerada e garantida a segurança pública, embora
estas normas e procedimentos não devam ser injustificadamente restritivos.
Estes últimos devem ainda ser implementados e executados por forma a evitar
o prolongamento do tempo de espera pela decisão.

PARA AS ADMINISTRAÇÕES PENITENCIÁRIAS

Políticas e Estratégias de Gestão


– Incorporar normas e procedimentos claros relativos ao tratamento dos
privados de liberdade com doença terminal nas políticas e diretrizes da gestão
das unidades prisionais;
– Garantir que sejam estabelecidos critérios e procedimentos claros
relacionados com a assistência aos detidos provisórios com doenças terminais
em pedidos de medidas alternativas à privação de liberdade e/ou transferência
imediata para hospitais da comunidade, dependendo das suas condições
médicas;
– Garantir o pedido de libertação por motivos humanitários aos privados de
liberdade com doenças terminais, articulando e trabalhando em cooperação
com os serviços da comunidade por forma a providenciar e assegurar a
continuidade de cuidados após a libertação.

Recursos Humanos
– Assegurar um número adequado de profissionais de saúde qualificados para
atender às demandas específicas dos pacientes com doenças terminais;
– Capacitar os demais funcionários para os diferentes tipos de cuidados e
atenção que estes privados de liberdade exigem, inclusive no que diz respeito
às estratégias de comunicação com os pacientes e com suas famílias.

93
Acesso à justiça
– Garantir que aos privados de liberdade com doenças terminais sejam
garantidas todas as necessidades de acesso à justiça e aos apoios de que
necessitam a este nível, durante todo o processo judiciário.

Alocação e alojamento
– Alocar os privados de liberdade com doenças terminais em unidades
prisionais que se situem o mais próximo possível de suas comunidades para
permitir visitas regulares de familiares e amigos;
– Acomodar estes privados de liberdade em ambientes confortáveis, sob
assistência médica e em um nível de segurança correspondente à sua
avaliação de risco.
– Separar os portadores de doenças infecciosas dos demais privados de
liberdade.

Acesso à Saúde
– Estruturar uma equipe multidisciplinar com, no mínimo, médicos, enfermeiros
e psicólogos, para atender às necessidades específicas e constantes
alterações ao nível do quadro clínico destes privados de liberdade;
– Desenvolver planos de cuidados individualizados para estes casos,
considerando suas necessidades específicas, dependendo estas da natureza
da doença, idade, existência ou falta de vínculos familiares, entre outros
fatores;
– Garantir acesso ao tratamento antirretroviral aos pacientes com AIDS
avançada (semelhante a outros que sejam HIV positivos), conforme ele é
disponibilizado àqueles que não se encontram no sistema prisional;
– Atender às necessidades dietéticas e nutricionais específicas dos privados
de liberdade com doenças terminais;
– Garantir que os cuidados paliativos estejam disponíveis para todos os
pacientes com doença terminal, em cooperação com especialistas em
cuidados paliativos dos serviços comunitários de saúde;

94
– Providenciar cuidados periódicos, mas sistematizados, em hospitais externos
ao sistema penitenciário e, nos casos em que a assistência médica adequada
não esteja disponível nas unidades prisionais, transferir esses pacientes para
hospitais da comunidade.

Vínculos familiares, serviços de apoio psicológico e religioso


– Facilitar ao máximo, dentro do possível, o contato com familiares e amigos;
– Garantir que as necessidades de apoio psicológico, religioso e espiritual
destes privados de liberdade sejam atendidas;
– Incentivar o apoio de organizações não governamentais e outras da
sociedade civil a privados de liberdade com doenças terminais;
– Capacitar e treinar outros privados de liberdade que se voluntarizem para
prestar apoio aos pacientes com doenças terminais.
Lazer
– Garantir que os privados de liberdade com doença terminal tenham acesso a
livros, periódicos, rádio, televisão e jogos recreativos, pelo menos na mesma
medida em que os outros privados de liberdade o têm;
– Promover a participação destes privados de liberdade em atividades físicas,
mesmo que para isso seja necessário desenhar um plano individualizado e
adaptar as mesmas às condições médicas destas pessoas.

Liberdade por motivos humanitários e outras formas de libertação


antecipada
– Realizar exames periódicos e regulares à condição médica destes privados
de liberdade e indicá-los para medidas de libertação antecipada logo que seja
determinado que os cuidados médicos e outros serviços de apoio prestados
pelo sistema penitenciário são inadequados para atender às necessidades do
paciente;
– Apoiar ativamente a libertação por motivos médicos e humanitários,
estabelecendo, caso necessário, contato com os representantes legais do
privado de liberdade para que todas as providencias sejam tomadas;

95
– Facilitar a assistência judiciária e assegurar que os direitos legais do privado
de liberdade sejam protegidos e executados durante o processo de decisão
(que pode envolver procedimentos diversos e demorados);
– Promover a estreita articulação e cooperação entre os serviços penitenciários
e os serviços do sistema nacional de saúde para garantir a continuidade dos
cuidados de saúde adequados na comunidade, após a libertação;
– Estabelecer articulação com os hospitais externos ao sistema prisional
especializados em cuidados paliativos, quando disponíveis, que fornecem
atendimento especializado para pacientes com doenças terminais.

96
VII. IDOSOS

7.1. Normas Internacionais


Nota Introdutória

Embora não tenham sido adotadas normas específicas relativas ao


tratamento de privados de liberdade idosos, os Princípios das Nações
Unidas para o Idoso, adotados em 1991, fornecem diretrizes gerais que se
aplicam aos direitos e necessidades de todas as pessoas idosas,
abrangendo as diretrizes que devem orientar as políticas e programas
desenvolvidos para privados de liberdade. Além disso, as Regras Mínimas
das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos aplicam-se a todos os
privados de liberdade, sem discriminação. Por conseguinte, a igualdade de
tratamento e o acesso aos serviços abrangidos por este conjunto de Regras
obrigam as administrações penitenciárias a tomar medidas afirmativas para
assegurar o acesso igual de todos os grupos vulneráveis, incluindo os
idosos, a todas as instalações e programas das unidades prisionais.
As Regras Prisionais Europeias, adotadas em 2006, também não
mencionam especificamente os privados de liberdade idosos, sendo que, no
entanto, o Comité de Ministros do Conselho da Europa adotou uma
resolução relativa ao tratamento de reclusos que cumprem penas de
privação de liberdade bastante longas, quando não perpétuas, que cobrem
preocupações relacionadas com uma grande parte dos privados de
liberdade idosos.

Princípios da Nações Unidas para o Idoso (UN, 1991b)

97
Assistência
[...]
12. Os idosos devem ter acesso a serviços sociais e jurídicos que reforcem a
respectiva autonomia, proteção e assistência.
13. Os idosos devem ter a possibilidade de utilizar meios adequados de
assistência em meio institucional que lhes proporcionem proteção, reabilitação
e estimulação social e mental numa atmosfera humana e segura.
14. Os idosos devem ter a possibilidade de gozar os direitos humanos e
liberdades fundamentais quando residam em qualquer lar ou instituição de
assistência ou tratamento, incluindo a garantia do pleno respeito da sua
dignidade, convicções, necessidades e privacidade e do direito de tomar
decisões acerca do seu cuidado e da qualidade das suas vidas.
Dignidade
17. Os idosos devem ter a possibilidade de viver com dignidade e segurança,
sem serem explorados ou maltratados física ou mentalmente.
18. Os idosos devem ser tratados de forma justa, independentemente da sua
idade, gênero, origem racial ou étnica, deficiência ou outra condição, e ser
valorizados independentemente da sua contribuição econômica.26

Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (UN
ECOSOC, 1955)

Princípio básico
6. (1) As regras que se seguem devem ser aplicadas imparcialmente. Não
haverá discriminação alguma com base em raça, cor, sexo, língua, religião,
opinião política ou outra, origem nacional ou social, meios de fortuna,
nascimento ou outra condição.

26
Informação complementar pode ser obtida também através da consulta do Plano de Ação Internacional sobre Envelhecimento de
Madrid (2002), que comprometeu os governos a alcançar um conjunto de 33 objetivos que abrangem áreas de interesse para as
pessoas idosas e estão ligados aos acordos internacionais existentes, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das
Nações Unidas.

98
Resolução (76) 2 do Comitê dos Ministros do Conselho da Europa sobre a
assistência a privados de liberdade que cumprem penas de longo prazo
nas unidades prisionais (Council of Europe, 1976)

I. Recomenda que os governos dos Estados membros:


1. Prossigam uma política criminal em que as sentenças de longo prazo sejam
impostas apenas se forem necessárias para a proteção da sociedade;
2. Tomem as medidas legislativas e administrativas necessárias para promover
o tratamento adequado durante a execução dessas sentenças;
3. Apliquem medidas rigorosas de segurança apenas nas unidades
penitenciárias onde os privados de liberdade genuinamente perigosos estão
detidos;
4. Forneçam oportunidades de trabalho apropriado, com um sistema adequado
de remuneração nas unidades prisionais;
5. Incentivem toda a educação e formação profissional, proporcionando
também um sistema adequado de remuneração para essas atividades;
6. Incentivem o senso de responsabilidade nas unidades prisionais através da
introdução progressiva de sistemas de participação em todas as áreas
apropriadas;
7. Reforcem os contatos dos privados de liberdade com o mundo exterior,
particularmente incentivando o trabalho fora da instituição;
8. Concedam períodos de saída temporária, não como um forma de minorar os
danos resultantes da situação de privação de liberdade, mas antes como parte
integrante de um programa de reabilitação e reinserção;
9. Assegurem que os processos de todos os privados de liberdade serão
examinados o mais cedo possível para determinar se a liberdade condicional
pode ou não ser concedida;
10. Concedam liberdade condicional aos privados de liberdade, sujeita aos
requisitos legais relativos ao tempo de pena cumprido, assim que um
prognóstico favorável possa ser formulado. Sendo que as considerações de
prevenção geral por si só não devem justificar a recusa da liberdade
condicional;

99
11. Adotem, para as sentenças de prisão perpétua, os mesmos princípios que
aplicam a outras sentenças de longo prazo;
12. Assegurem-se que uma revisão da sentença, conforme referido ponto 9,
ocorre, se não antes, após oito a catorze anos de privação de liberdade,
devendo também ser repetida em intervalos regulares;
13. Melhorem o treinamento dos profissionais do sistema prisional que atuam
em todas as áreas, com referência aos problemas específicos dos privados de
liberdade que cumprem sentenças longas e equipem as unidade prisionais
com pessoal devidamente capacitado para assegurar uma compreensão mais
profunda, contatos pessoais adequados e a continuidade do tratamento dos
privados de liberdade;
14. Promovam estudos liderados por equipes multidisciplinares, integradas, de
entre outros, por psiquiatras e psicólogos, sobre os efeitos de sentenças de
longo prazo sobre a personalidade dos privados de liberdade, tendo
especialmente em conta os efeitos adversos das condições carcerárias;
15. Tomem todas as medidas para assegurar uma melhor compreensão do
público em geral sobre os problemas específicos dos privados de liberdade de
longo prazo, criando assim um clima social favorável à sua reabilitação.

Recomendação nº R (98) 7 do Comitê de Ministros, do Conselho da


Europa, relativa aos aspectos éticos e organizacionais dos cuidados de
saúde unidades prisionais (Council of Europe, 1998)

C. Pessoas não elegíveis para a privação de liberdade prolongada: deficiência


física grave, idade avançada, doença terminal.
50. Os privados de liberdade com graves desvantagens físicas e aqueles de
idade avançada devem ser acomodados de forma a permitir uma vida normal e
não devem ser segregados da população prisional geral. Alterações
estruturais, em linhas semelhantes às existentes em ambientes externos ao
sistema penitenciário, devem ser efetuadas para auxiliar os portadores de
cadeiras de rodas e outro tipo de deficientes.

100
7.2. Políticas e Práticas para os Idosos no Sistema Penal

7.2.1. Políticas relativas às sentenças e às medidas e sanções não


privativas de liberdade

Tal como acontece com os restantes grupos vulneráveis, uma pena de prisão
compreende uma punição particularmente grave para pessoas idosas, devido
às suas demandas específicas a que a maioria dos sistemas prisionais não
conseguem dar resposta. Além disso, para pessoas idosas, uma pena de 15 ou
20 anos geralmente significa prisão perpétua. A possibilidade de morrer em
situação de privação de liberdade, com poucas possibilidades de libertação,
pode ter um efeito devastador sobre o equilíbrio mental dos privados de
liberdade idosos, podendo ser considerada uma punição desproporcionalmente
severa, em comparação com uma sentença idêntica recebida por um jovem,
condenado pelo mesmo tipo de crime.
Em todo mundo têm vindo a ser apresentadas sugestões e propostas que
defendem a comutação da sentença no caso de privados de liberdade idosos.
Os Estados Unidos sugeriram que fossem desenvolvidos procedimentos
judiciais especiais para infratores idosos, semelhantes aos que se aplicam aos
jovens menores de idade (UNODC, 2007).
Tratando-se ou não de privados de liberdade idosos, os diferentes países
devem implementar políticas de justiça criminal em que sentenças de privação
de liberdade muito longas ou mesmo perpétuas apenas são aplicadas em
casos de grande ameaça para as sociedades. A tendência atual de aumentar a
extensão das sentenças e a introdução de sentenças duras, como as penas
sem possibilidade de progressão de regime, teve grande influência no
crescimento da população prisional em muitos países do mundo. Em
acréscimo, levou à deterioração das condições das unidades prisionais, ao
aumento dos níveis de violência nas prisões, à falta de programas, projetos e
atividades nas unidades prisionais, ao adoecimento dos privados de liberdade
e ao aumento dos suicídios entre esta população, que prejudicam um dos
propósitos essenciais da privação de liberdade – a reintegração social
(UNODC, 2007, 2009, 2012).

101
Assim, a idade dos infratores, a sua saúde mental e física e as perspectivas
de receber cuidados adequados no sistema prisional devem ser tidas em conta
durante o julgamento e atribuição de pena, para garantir que a esta não
traduza uma punição desproporcionalmente severa (Howse, 2003).
Como princípio, os privados de liberdade idosos que cometeram delitos não
violentos devem ser considerados para aplicação de medidas alternativas à
privação de liberdade, uma vez que os cuidados de que necessitam ou podem
vir a necessitar são melhor atendidos na comunidade (UNODC, 2007, 2009,
2012).

Boas Práticas
Sanções não privativas de liberdade para pessoas idosas no Uruguai
A legislação no Uruguai prevê prisão domiciliar para os infratores com mais de
70 anos, com exceção dos condenados por crimes graves, como homicídios e
violações. Esta disposição da legislação aplica-se também a privados de
liberdade gravemente doentes e mulheres nos últimos três meses de gravidez
e nos primeiros três meses de vida dos seus filhos (UNODC, 2009).

7.2.2. Administração Prisional

7.2.2.1. Políticas e estratégias de gestão

A taxa de crescimento do número de privados de liberdade idosos e as


perspectivas de que esse número venha a aumentar ainda mais justificam o
desenvolvimento de políticas e estratégias específicas e medidas especiais por
parte dos serviços prisionais para atender às demandas, também elas
específicas e especiais, desse grupo vulnerável de privados de liberdade.
Desta forma, dadas as diversas questões a serem abordadas em relação à
supervisão e assistência aos privados de liberdade idosos, as políticas e
estratégias de gestão devem envolver a contribuição de uma equipe
multidisciplinar de especialistas em assuntos ligados ao sistema penal,
trabalhando em articulação com especialistas e prestadores de serviços da
comunidade, particularmente na área dos cuidados de saúde.

102
As políticas e as estratégias a serem desenvolvidas devem incluir áreas e
temas como: a capacitação dos funcionários; aspectos ligados à alocação e
acomodações dos privados de liberdade idosos no sistema; a melhoria dos
serviços; articulação com a sociedade civil; progressão de regime; e reinserção
social. Em acréscimo, devem também ser ponderadas estratégias relacionadas
com a possibilidade de libertação por questões humanitárias (ver ponto 7.2.10.
abaixo).

7.2.2.2. Recursos Humanos

Todos os funcionários que tenham algum tipo de envolvimento na supervisão e


atendimento de privados de liberdade idosos devem receber capacitação
adequada, para que o trabalho que realizam se mostre construtivo e efetivo
para esta população. As ações de capacitação e treinamento devem incluir a
conscientização sobre o processo de envelhecimento e contribuir para o
desenvolvimento de uma compreensão mais abrangente sobre deficiências e
outros problemas físicos e mentais relacionados com o envelhecimento.
Também as estratégias e habilidades de comunicação para a interlocução
com esta população devem ser desenvolvidas.
As equipes do sistema prisional devem ser incentivadas a trabalhar com
organizações da sociedade civil, bem como com serviços de saúde e
assistência social, por forma a conseguir dar resposta a todas as demandas da
população idosa, ao mesmo tempo em que se estabelecem as bases para uma
cooperação contínua que lhes poderá assegurar apoio após o cumprimento de
pena.

7.2.3. Acesso à justiça

Os privados de liberdade idosos devem ser assistidos por pessoal do sistema


penitenciário, por forma a obter acesso a assistência legal adequada e outros
serviços ligados ao sistema judicial desde o início da sua detenção e durante o
cumprimento da pena, conforme necessário. Se necessitarem de algum tipo de
apoio adicional e específico, devido a qualquer transtorno ou debilidade mental

103
ou física, este deve ser providenciado durante todo o processo de judicial, para
assegurar que os idosos desfrutem dos mesmos direitos no acesso à justiça
que os demais grupos populacionais.

7.2.4. Avaliação e alocação

A avaliação das necessidades dos privados de liberdade idosos na porta de


entrada do sistema prisional é essencial para garantir que suas demandas
sejam devidamente identificadas e atendidas. Essa avaliação deve recair sobre
a saúde física e mental dos privados de liberdade, contatos familiares, relações
comunitárias e histórico criminal, para determinar sua alocação e programa
individualizado a ser executado. Deve ainda considerar aspectos ligados à
segurança, mesmo que grande parte dos privados de liberdade idosos
apresentem um risco muito baixo a este nível. Deve ser evitada a
sobreclassificação, devendo os idosos ser alocados em ambientes o menos
restritivos possíveis.
Devido à fragilidade que muitas vezes apresentam e à rápida mutação de
suas condições física e psíquica, devem ser realizadas revisões regulares aos
programas inicialmente delineados, bem como à sua classificação de
segurança, e proceder às alterações que se mostrem necessárias.
A detecção precoce e o tratamento das condições de saúde são
particularmente importantes, tanto do ponto de vista ético, quanto do ponto de
vista da redução dos custos dos tratamentos de saúde.

7.2.5. Alojamento e acomodações

As diferentes administrações penitenciárias deverão tomar suas próprias


decisões relativas à designação de unidades prisionais especificas para esta
população, considerados os fatores de custo, os serviços e as instalações
oferecidas nas unidades prisionais para a população prisional geral e os
recursos disponíveis para garantir que os idosos tenham acesso a esses
mesmos serviços se colocados em outras unidades, considerada ainda a

104
vontade do próprio privado de liberdade, seu nível de segurança, suas
condições de saúde e outras necessidades individuais.
Tendo em conta as limitações de recursos financeiros dos sistemas
penitenciários da maioria dos países, há fortes argumentos a favor de um
sistema onde a maioria dos privados de liberdade idosos são alocados junto
com a restante população carcerária, enquanto apenas um pequeno número de
idosos, por necessitar de cuidados e proteção especializados, deva ser alojado
em unidades especiais. Para o UNODC (2009), esta abordagem é benéfica,
uma vez que permite garantir que os idosos vivam em um ambiente o mais
próximo possível da vida em comunidade.
A Regra 50 da já citada Recomendação N.° (98) 7, do Comitê de Ministros
do Conselho da Europa (1998), sobre os aspectos éticos e organizacionais dos
cuidados de saúde nas unidades prisionais, recomenda que os privados de
liberdade idosos sejam alojados junto com a restante população de privados de
liberdade para garantir que estes conduzam as suas vidas da forma mais
normal possível.
Não obstante, determinar as acomodações para um privado de liberdade
idoso exige uma avaliação individual cuidadosa das suas necessidades e
demandas específicas. Quando idosos são acomodados junto com a restante
população prisional, é necessário considerar os requisitos especiais de
acomodação, a necessidade de tranquilidade e proximidade com o seu grupo
de pares. Os idosos podem, por exemplo, ser alojados em uma ala, dormitório
ou cela separados do edifício geral. O alojamento deve ser seguro e de fácil
acessibilidade, atendendo às suas necessidades de locomoção e protegendo-
os contra quaisquer acidentes e ferimentos físicos. Desta forma, seus
dormitórios ou celas, por exemplo, devem situar-se no piso térreo, minimizando
a necessidade de usar escadas, devendo ainda ter acesso fácil às instalações
sanitárias. Da mesma forma, não devem ser usados beliches para descanso e
a distância entre o alojamento e as áreas comuns, onde maior parte das
atividades têm lugar, não deve ser muito grande (Uzoaba, 1998).

105
7.2.6. Acesso à saúde

Entre as demandas específicas dos privados de liberdade idosos, a provisão de


cuidados de saúde adequados é uma prioridade para a maioria destes privados
de liberdade. Muitos têm de lidar com uma série de problemas de saúde,
conforme descrito no ponto 7.2. Como resultado, os privados de liberdade
idosos exigirão, provavelmente, assistência por parte de uma série de serviços
de saúde, incluindo acesso a médicos de diversas especialidades,
nutricionistas e psicólogos. Algumas destas pessoas podem necessitar de
monitoramento médico constante e entrega regular de medicamentos em suas
celas/dormitórios. Desta forma, os cuidados de saúde dos privados de
liberdade idosos exigem o envolvimento de uma equipe multidisciplinar
especializada, incluindo, no mínimo, um médico, um enfermeiro e um psicólogo
especialistas em geriatria.
Ainda, as administrações penitenciárias precisam estabelecer uma
cooperação estreita com os serviços de saúde da comunidade para garantir
que o atendimento especializado seja prestado por serviços médicos externos,
conforme necessário, e que os privados de liberdade idosos cujas
necessidades não possam ser atendidas nas unidades prisionais sejam
prontamente transferidos para os hospitais civis (UNODC, 2007, 2009, 2012).
Além de uma série de necessidades gerais de cuidados de saúde, muitos
privados de liberdade idosos podem necessitar de cuidados complementares
ao nível do uso dependente de substâncias, sobretudo do álcool, e ao nível do
apoio psicológico e psicoterapêutico para quadros de depressão e angústia
aguda, sustentada pelo medo de morte e pela presença de doenças terminais.
Pode, por isso, verificar-se a necessidade de implementar programas especiais
que atendam essas demandas. Estes programas podem ainda incluir: ações de
instrução sobre cuidados de saúde para idosos, aconselhamento e apoio
direcionados para questões ligadas ao envelhecimento e outros cursos de
educação especial que atendam às necessidades destas faixas etárias.
O atendimento de todas estas demandas colocam um pesado fardo, quer
financeiro, quer ao nível dos recursos humanos, para as administrações
penitenciárias e para as equipes de saúde prisional, impossível de gerir pela

106
maior parte dos sistemas penitenciários de todo o mundo. É, portanto,
altamente recomendado que os privados de liberdade idosos que sofram de
sérias condições de saúde que não podem ser atendidas adequadamente nas
unidades prisionais, sejam considerados para a medida de libertação
antecipada por motivos humanitários o mais precocemente possível, levando
em consideração os requisitos de segurança pública (veja-se ponto 7.2.10)
(UNODC, 2007, 2009, 2012, 2015).

7.2.7. Vínculos Familiares e Comunitários

Conforme mencionado, para os privados de liberdade idosos, os laços


familiares são muito importantes, quer para diminuir os danos provocados pela
situação de privação de liberdade, quer para ajudá-los no processo de
reintegração social.
Assim, a alocação de privados de liberdade o mais próximo possível de suas
comunidades de pertença é de extrema importância, uma vez que favorece a
manutenção dos contatos e vínculos com suas famílias e comunidades.
Em acréscimo, e sempre que os recursos financeiros das administrações
penitenciárias o permitam, devem ser organizadas e financiadas visitas
familiares para aqueles que, devido à sua idade e condições de saúde,
apresentam maiores dificuldades para viajar (UNODC, 2009).

Boas Práticas
Índia: transferir privados de liberdade idosos com sentenças de prisão
perpétua para unidades prisionais de regime aberto, fomentando o
contato com as famílias e a reintegração social
Em setembro de 2007, o jornal Times of Índia anunciou que uma unidade
prisional de regime aberto estava sendo construída para privados de liberdade
idosos com sentenças de prisão perpétua no distrito de Buxar, no Estado de
Bihar, a norte do país. Estes privados seriam transferidos para esta prisão de

107
segurança mínima, onde viveriam com suas famílias e seriam autorizados a
assumir postos de trabalho de sua escolha, dentro dos limites possíveis
(http://english.people.com.cn/90001/90777/6263796.html).

Devem ainda ser atribuídas autorizações regulares para saídas temporárias,


permitindo que os privados de liberdade idosos passem algum tempo com suas
famílias e, assim, mantenham o contato e vínculos afetivos, reduzindo o
sentimento de isolamento de muitos idosos e daqueles que cumprem longas
penas de privação de liberdade.
As administrações penitenciárias devem incentivar as organizações da
sociedade civil que trabalham com idosos a incluir visitas às unidades
prisionais e projetos específicos para esta população de privados de liberdade
em seus programas assistenciais (Uzoaba, 1998).

Boas Práticas
Países Baixos: União de Voluntários para privados de liberdade com
necessidades especiais
Uma ONG, denominada União de Voluntários, estabelecida nos Países Baixos,
tem como objetivo proporcionar apoio essencial e prático a grupos vulneráveis,
como privados de liberdade usuários dependentes de drogas, estrangeiros e
idosos que, vivendo sozinhos, não têm redes familiares de apoio.
Os voluntários visitam regularmente os privados de liberdade nas unidades,
cuidando de muitas das suas questões e problemas práticos. Por exemplo,
caso um privado de liberdade viva sozinho, os voluntários podem pagar o seu
aluguel e cuidar dos seus animais domésticos, assistência que se mostra
extremamente importante para o bem-estar mental destes privados de
liberdade (UNODC, 2007).

7.2.8. Programas e projetos assistenciais

Como referido, os programas e projetos assistenciais individualizados são


essenciais para os privados de liberdade idosos, devido à natureza
heterogênea desta população. Aconselhamento, educação, formação

108
profissional e outros programas precisam ser adaptados às suas necessidades
e circunstâncias individuais, incluindo necessidades relacionadas com a idade,
saúde e duração da pena a cumprir.
Quando os privados de liberdade idosos estão integrados à restante
população prisional, as administrações penitenciárias devem introduzir
modificações aos programas existentes, por forma a permitir que todos os
grupos de privados de liberdade, incluindo a população idosa, possam
participar nos mesmos. Devem ainda implementar programas especiais que
atendam às demandas específicas dos idosos, podendo estes ser organizados
dentro do regime e fluxo de gestão geral, sem a necessidade do uso de
recursos financeiros adicionais significativos.
Os próprios desejos e habilidades dos privados de liberdade idosos devem
determinar o nível de participação nesses programas, não devendo ser
realizadas considerações genéricas, considerando a referida heterogeneidade
desta população. Ao mesmo tempo, as equipes que trabalham nas unidades
prisionais devem fornecer algum apoio e flexibilidade, para permitir que os
privados de liberdade idosos participem, na medida do possível, das atividades
propostas, quer sejam exercícios físicos, atividades recreativas ao ar livre etc.
Tratando-se de atividades desta natureza, alguns idosos podem necessitar
descansar ou voltar para suas celas durante o decurso das mesmas, e podem
não poder fazê-lo devido a questões de segurança e/ou escolta, o que pode
desencorajá-los de participar nas referidas atividades, caso as regras aplicadas
forem demasiado rígidas.
A assistência de outros privados de liberdade para ajudar a cuidar de
privados de liberdade idosos pode ser introduzida, após um exame e uma
avaliação cuidadosos. Este suporte aliviaria o trabalho das equipes de
profissionais, que geralmente estão sobrecarregadas devido à falta de pessoal,
e proporcionam aos privados de liberdade selecionados uma atividade
significativa e satisfatória. Esses privados de liberdade necessitam ser
treinados antes de começarem a desempenhar estas funções de cuidadores,
mas a verdade é que este tipo de função, que pode ser desempenhada
também para outras populações prisionais (como é o caso daqueles que têm

109
algum tipo de deficiência, como vimos) fomenta o apoio entre o grupo de pares
e contribui, fortemente, para o processo de reintegração social.
Em alguns sistemas prisionais, como por exemplo no do Canadá, onde
privados de liberdade mais jovens foram contratados como cuidadores de
privados de liberdade idosos, os cuidadores conseguiram usar suas
habilidades e experiência em seus empregos após a saída do sistema
(UNODC, 2009).
A articulação e cooperação com serviços comunitários e organizações não
governamentais que trabalham com pessoas idosas na comunidade são de
grande valor na concepção e implementação de programas e atividades para
estes privados de liberdade, dada a falta de recursos da maioria dos sistemas
prisionais para satisfazer as demandas específicas deste grupo. Mostram-se
ainda benéficas para reduzir o sentimento de isolamento predominante entre os
privados de liberdade idosos que perderam o contato e vínculos com suas
famílias (UNODC, 2007, 2012).

Boas Práticas
Privados de liberdade idosos e programas comunitários nos Estados
Unidos
"Muitas vezes, as equipes das unidades prisionais podem trabalhar com
provedores comunitários para identificar áreas em que possam prestar algum
tipo de serviço em troca de assistência técnica, treinamento ou outra de que
necessitem. Por exemplo, os privados de liberdade idosos da Instituição
Correcional de Hocking, em Ohio, dobram boletins de notícias, como forma de
prestar um serviço público, para uma Agência Comunitária na área do
envelhecimento. A equipe desta Agência, por sua vez, trabalha na unidade
prisional, desenvolvendo novos programas assistenciais " (Morton, 1992).

7.2.9. Condição de Pré-egresso e egresso

A preparação individualizada de programas e projetos para pré-egressos e


egressos é de particular importância no caso dos privados de liberdade idosos.
A existência ou não de laços familiares e a duração da pena são dois dos

110
principais fatores que determinam as necessidades de apoio destes privados
de liberdade a serem abordados como parte da preparação para a condição de
pré-egresso e dos programas de apoio a estabelecer para os egressos.
Para a maioria dos privados de liberdade idosos, mas especialmente para
aqueles que envelheceram no sistema prisional e para aqueles que não têm
família de suporte, é extremamente difícil restabelecer os vínculos com a
comunidade, inclusive com os serviços de saúde e de assistência social para
garantir que seus cuidados de saúde e apoio psicossocial sejam continuados
após a saída do sistema penitenciário.
Desta forma, as administrações penitenciárias devem trabalhar em estreita
colaboração com os serviços de liberdade condicional, onde eles existam, e
com outras entidades da sociedade civil e ONGs para garantir o máximo apoio
possível a estes privados de liberdade durante o difícil período de reinserção
na sociedade (UNODC, 2012).
Segundo o UNODC (2009), dar resposta às necessidades dos privados de
liberdade idosos egressos que não têm qualquer tipo de suporte familiar e/ou
comunitário mostra ser uma tarefa extremamente desafiadora para a maior
parte dos países, especialmente quando os recursos de seus sistemas
penitenciários são escassos.
Não obstante, deve reconhecer-se a necessidade imperiosa de que os
sistemas penitenciários não continuem a reter estes privados de liberdade
idosos no sistema e a prestar-lhes, ou não, os cuidados continuados de que
necessitam, devido à falta de respostas alternativas e adequadas das
comunidades. Os Estados têm a responsabilidade de assegurar que os
egressos idosos sejam atendidos nas comunidades e realizar investimentos
adequados em serviços que atendam as necessidades e demandas
específicas desse grupo vulnerável, como lares ou outras instituições de
acolhimento, de acordo com a cultura, tradições e recursos econômicos do país
em questão (UNODC, 2009).

111
7.2.10. Liberdade Condicional Antecipada, Liberdade por Motivos
Humanitários e Anistia

Conforme referido, em muitos sistemas penitenciários os privados de liberdade


idosos encontram-se em franca desvantagem quando da consideração para a
progressão de regime, apesar do fato da reinserção gradual na sociedade que
esta progressão proporciona ser de particular valor para esta população.
Por conseguinte, as administrações penitenciárias devem considerar as
medidas necessárias para que possam desenvolver um conjunto diferente de
critérios de elegibilidade para a progressão de regime que considere as
necessidades dos privados de liberdade de mais idade e daqueles que
cumprem longas penas de privação de liberdade. Por exemplo, a
obrigatoriedade de ter emprego ou de completar programas e projetos
desenvolvidos nas unidades prisionais (especialmente quando estes não se
adequam às necessidades dos privados de liberdade idosos) são requisitos
irrelevantes e injustos no caso de muitos destes privados de liberdade
(UNODC, 2007).
Para os privados de liberdade idosos que necessitem de cuidados de saúde
continuados deve ser considerada a possibilidade de libertação por motivos
humanitários, devendo estes, nestes casos, ser transferidos para uma
instituição adequada existente na comunidade, em vez de sobrecarregar o
sistema prisional com os custos adicionais de tratamento e cuidados adicionais
(Uzoaba, 1998).

Boas Práticas
Projeto de liberdade condicional antecipada para privados de liberdade
idosos nos Estados Unidos
Os estudantes de Direito da Universidade George Washington que se
especializam em processo criminal, particularmente no sistema prisional e de
liberdade condicional, fundaram um projeto para privados de liberdade idosos –
POPS. Entrevistam e avaliam privados de liberdade mais velhos e idosos
(classificados como privados de liberdade de baixa perigosidade) para
obtenção de liberdade condicional ou outras formas de progressão de regime.

112
O POPS opera em cinco estados - Louisiana, Maryland, Michigan, Carolina do
Norte e Virgínia – e no Distrito de Colúmbia. Segundo relatos, até à data, o
projeto promoveu a libertação de quase 100 privados de liberdade sem registro
de uma única situação de reincidência por parte dos egressos contemplados
pelo projeto (www.gwu.edu/~ccommit/law.htm).

7.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e


Ações Estratégicas para os Idosos no Sistema Penal

Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, apresenta-se a sistematização do conjunto de recomendações
internacionais para a formulação de políticas e ações estratégicas para a
população de idosos no Sistema Penal:

PARA O PODER JUDICIÁRIO

– Prosseguir com uma política de justiça criminal segundo a qual sentenças de


longo prazo serão impostas apenas se forem necessárias para a proteção da
sociedade;
– Considerar a idade dos infratores, sua saúde mental e física e as
perspectivas destes receberem cuidados adequados nas unidades prisionais,
durante o julgamento e ao atribuir a sentença, por forma a garantir que estas
não representem punições desproporcionalmente severas;
– Considerar sanções e medidas alternativas à privação de liberdade, por uma
questão de princípio, para os idosos que tenham cometido infrações não
violentas, uma vez que suas demandas específicas podem ser muito melhor
atendidas na comunidade.

PARA AS ADMINISTRAÇÕES PENITENCIÁRIAS

113
Políticas e Estratégias de Gestão
– Desenvolver políticas e estratégias especiais para atender às necessidades
deste grupo vulnerável de privados de liberdade;
– Envolver a participação de uma equipe multidisciplinar de especialistas em
sistemas penitenciários, trabalhando em coordenação com especialistas e
prestadores de serviços da comunidade, particularmente na área de
assistência médica;
– Na capacitação e treinamento dos profissionais que atuam no sistema,
considerar aspectos como: a alocação dos privados de liberdade idosos no
sistema prisional; a melhoria dos serviços; a articulação com a sociedade civil;
as medidas de progressão de regime; a liberdade por motivos humanitários; e
a reestruturação das políticas e estratégias a serem desenvolvidas, por forma a
estas passarem a incluir as demais questões salientadas.

Recursos Humanos
– Garantir que todos os funcionários direta ou indiretamente envolvidos na
supervisão e atendimento de privados de liberdade idosos recebam
treinamento e que este os capacite para desenvolverem um trabalho mais
construtivo e efetivo com este grupo de privados de liberdade;
– Incentivar as diferentes equipes das unidades prisionais a trabalhar em
parceria com organizações da sociedade civil, bem como com serviços de
saúde e de apoio social, a fim de cobrir todas as necessidades da população
de idosos, estabelecendo também as bases para que um atendimento contínuo
possa ter lugar após o cumprimento da sentença.

Acesso à justiça
– Prestar todo o auxilio necessário para que os privados de liberdade idosos
tenham garantia de acesso a um advogado/defensor público e aos demais
serviços de assistência jurídica desde o início dos seus processos judiciários.

114
Ainda, prestar apoio adicional aos privados de liberdade idosos com algum tipo
de transtorno mental ou físico, conforme necessário, para garantir que estes
não sejam discriminados no seu acesso à justiça e no tratamento que lhes é
proporcionado pelo sistema de justiça criminal.

Avaliação e alocação
– Assegurar que seja realizada uma avaliação adequada para determinar as
demandas e necessidades, específicas e muito variadas, dos privados de
liberdade idosos na porta de entrada do sistema prisional, levando em
consideração o baixo risco de segurança que a grande maioria destes privados
de liberdade representa;
– Realizar revisões periódicas a esta avaliação para, eventualmente, efetuar
alterações aos programas individuais inicialmente propostos, bem como para
reconsiderar os níveis de classificação de segurança inicialmente atribuídos,
devido às rápidas alterações, sobretudo ao nível da saúde, que se verificam
nestes privados de liberdade.

Alojamento e Acomodações
– Alocar a maioria dos privados de liberdade idosos junto com a restante
população prisional, não deixando de considerar seus requisitos especiais de
acomodação e sua necessidade de tranquilidade e convívio com o grupo de
pares;
– Alojar os privados de liberdade idosos em unidades especiais somente se for
absolutamente necessário, em casos em que sejam necessários cuidados
específicos continuados e em que é de interesse para o bem-estar mental dos
idosos. Não obstante, a estes casos deve ser dada preferência para a
libertação por motivos humanitários, para que estes idosos possam ser
cuidados na comunidade.

Acesso à saúde

115
– Assegurar a satisfação das necessidades ao nível dos cuidados médicos,
nutricionais e psicológicos dos privados de liberdade idosos, envolvendo para
tanto uma equipe multidisciplinar de pessoal especializado;
– Estabelecer uma colaboração e parceria estreitas com os serviços de saúde
da comunidade para garantir que os cuidados especializados sejam prestados
por serviços médicos externos, conforme necessário, e que os privados de
liberdade idosos cujas necessidades não podem ser atendidas nas unidades
prisionais possam ser transferidos para hospitais civis;
– Disponibilizar programas assistenciais específicos que abranjam a atenção a
transtornos mentais, como os estados depressivos e a angústia de morte, bem
como aconselhamento individual, conforme necessário.

Vínculos Familiares e Comunitários


– Alocar os privados de liberdade idosos o mais próximo possível de suas
comunidades de pertença, a fim de ajudá-los a manter o contato e vínculos
com suas famílias;
– As administrações prisionais cujos recursos financeiros lhes permitam devem
ainda organizar e financiar visitas familiares para aqueles cuja idade não lhes
permite viajar com facilidade;
– Conceder saídas temporárias regulares, permitindo que os privados de
liberdade idosos passem tempo com suas famílias e, desta forma, mantenham
o contato e reduzam a sensação de isolamento.

Programas e Projetos Assistenciais


– Incentivar as organizações da sociedade civil que trabalham com pessoas
idosas a incluir visitas às unidades prisionais e projetos diretamente
direcionados a esta população em suas ações estratégicas;
– Implementar programas e projetos assistenciais onde os privados de
liberdade idosos possam ser integrados, juntamente com o restante da
população de privados de liberdade, modificando, caso necessário, os
programas e projetos já existentes, por forma a incluir os privados de liberdade

116
idosos. Ainda, introduzir programas e projetos especiais que atendam às
necessidades dos idosos;
– Reservar áreas de convívio específicas para estes privados de liberdade
levarem a cabo atividades recreativas mais de acordo com suas capacidades e
desejos;
– Disponibilizar, para os privados de liberdade idosos, ações e programas de
apoio e aconselhamento relacionados com as questões inerentes ao processo
de envelhecimento, angústias de morte, isolamento e abuso de substâncias;
atividades físicas personalizadas e cursos de educação especial que atendam
às demandas destas faixas etárias. O aconselhamento especializado pode
também incidir sobre privados de liberdade com doenças terminais e sobre
aqueles que foram sentenciados a penas de prisão perpétua sem a
possibilidade de progressão de regime;
– O tipo de programas e projetos a frequentar, bem como as atividades a
praticar devem ser estabelecidos de acordo com os desejos e habilidades dos
próprios idosos;
– A assistência de outros privados de liberdade para ajudar a cuidar dos
privados de liberdade idosos pode ser implementada, desde que sejam
realizados um rastreio e avaliação cuidadosos daqueles que vão prestar esses
cuidados, bem como capacitação e treinamento dos mesmos;
– Tomar medidas para envolver serviços comunitários e organizações não
governamentais que trabalham com idosos nas diferentes comunidades na
concepção e implementação de programas e atividades para idosos em
situação de privação de liberdade.

Condição de pré-egresso e egresso


– Desenvolver e implementar programas individualizados para pré-egressos e
egressos levando em consideração as necessidades especiais e demandas
específicas dos idosos, sobretudo aqueles que envelheceram no sistema
prisional e aqueles que não têm apoio familiar, a fim de os ajudar a
restabelecer os laços com as comunidades, inclusive com os serviços de
saúde e de apoio psicossocial;

117
– Trabalhar em estreita parceria com os serviços de liberdade condicional,
onde eles existem, e com outras organizações da sociedade civil para
assegurar o máximo apoio possível aos egressos idosos durante o difícil
período de reinserção na sociedade.

Liberdade condicional antecipada, liberdade por motivos humanitários e


anistia
– Considerar o desenvolvimento de um conjunto diferente de critérios de
elegibilidade para a progressão de regime que considerem as necessidades
dos privados de liberdade idosos e para os que cumprem sentenças longas,
por forma a minimizar as desvantagens que estes enfrentam quando da
avaliação para progressão de regime ou para aplicação de medidas
alternativas;
– Libertar, por motivos humanitários, os privados de liberdade idosos que
necessitam de cuidados de saúde especializados constantes e que não
representam risco para a sociedade, transferindo-os para instituições
apropriadas na comunidade;
– Incentivar e facilitar os contatos entre estes privados de liberdade e os
serviços de assistência jurídica, por forma a obterem auxilio no acesso a
medidas penais alternativas;
– Garantir que estes privados de liberdade, particularmente as mulheres, sejam
considerados um dos grupos prioritários para serem libertados sob leis de
anistia, seguindo uma avaliação cuidadosa dos riscos envolvidos.

118
VIII. POPULAÇÃO LGBT

8.1. Normas Internacionais

Nota Introdutória

Embora não existam regras especiais que se apliquem aos privados de


liberdade LGBT, todas as disposições incluídas na Declaração Universal dos
Direitos Humanos (UN, 1948); no Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos (1968); na Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e
outras Formas de Tratamento ou Punição Cruéis, Desumanos ou
Degradantes (UN, 1984); nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o
Tratamento dos Reclusos (UN ECOSOC, 1955) e no Conjunto de Princípios
para a Proteção de Todas as Pessoas sob qualquer forma de Detenção ou
Prisão (UN, 1980), se aplicam a todos os detidos provisórios e privados de
liberdade sem discriminação. Além disso, o princípio da igualdade de
tratamento consagrado nesses instrumentos exige que sejam tomadas

119
medidas positivas para eliminar qualquer forma de discriminação ou riscos
enfrentados por grupos vulneráveis, incluindo a população LGBT.
Em acréscimo, a Comissão Internacional de Juristas e o Serviço
Internacional de Direitos Humanos, em nome de uma coalizão de direitos
humanos, desenvolveram um conjunto de princípios jurídicos sobre a
aplicação do direito internacional às violações dos direitos humanos com
base na orientação sexual e na identidade de gênero, a fim de proporcionar
maior clareza e coerência às obrigações dos Estados nesta matéria. Na
sequência de uma reunião de peritos realizada em Yogyakarta, na
Indonésia, entre 6 e 9 de novembro de 2006, especialistas de 25 países
aprovaram por unanimidade os Princípios de Yogyakarta sobre a Aplicação
do Direito Internacional de Direitos Humanos em relação à Orientação
Sexual e Identidade de Gênero. As normas internacionais relevantes
relativas ao tratamento das pessoas LGBT em unidades prisionais estão
resumidas no Princípio 9 deste documento e são abaixo elencadas.

Declaração Universal dos Direitos Humanos (UN, 1948)


Artigo 2°
Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades
proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente
de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de
origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra
situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto
político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da
pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou
sujeito a alguma limitação de soberania.

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (UN, 1966)


Artigo 17º
Ninguém será objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais na sua vida privada,
na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem de ataques

120
ilegais à sua honra e reputação. Toda a pessoa tem direito à proteção da lei
contra essas ingerências ou esses ataques.

Princípios de Yogyakarta sobre a aplicação da legislação internacional de


direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero
(OHCHR, 2007)
Principio 9
Direito a Tratamento Humano durante a Detenção
Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com humanidade e com
respeito pela dignidade inerente à pessoa humana. A orientação sexual e
identidade de gênero são partes essenciais da dignidade de cada pessoa. Os
Estados deverão:
a) Garantir que a detenção evite uma maior marginalização das pessoas
motivada pela orientação sexual ou identidade de gênero, expondo-as a
risco de violência, maus-tratos ou abusos físicos, mentais ou sexuais;
b) Fornecer acesso adequado à atenção médica e ao aconselhamento
apropriado às necessidades das pessoas sob custódia, reconhecendo
qualquer necessidade especial relacionada à orientação sexual ou
identidade de gênero, inclusive no que se refere à saúde reprodutiva,
acesso à informação e terapia de HIV/AIDS e acesso à terapia hormonal
ou outro tipo de terapia, assim como a tratamentos de reatribuição de
sexo/gênero, quando desejado;
c) Assegurar, na medida do possível, que todos os privados de liberdade
participem de decisões relacionadas ao local de detenção adequado à
sua orientação sexual e identidade de gênero;
d) Implantar medidas de proteção para todos os privados de liberdade
vulneráveis à violência ou abuso por causa de sua orientação sexual,
identidade ou expressão de gênero e assegurar, tanto quanto seja
razoavelmente praticável, que essas medidas de proteção não
impliquem maior restrição a seus direitos do que aquelas que já atingem
a população prisional em geral;

121
e) Assegurar que as visitas conjugais, onde são permitidas, sejam
concedidas na base de igualdade a todas as pessoas aprisionadas ou
detidas, independente do gênero de sua parceira ou parceiro;
f) Proporcionar o monitoramento independente das instalações de
detenção por parte do Estado e também por organizações não
governamentais, inclusive organizações que trabalhem nas áreas de
orientação sexual e identidade de gênero;
g) Implantar programas de treinamento e conscientização, para o pessoal
prisional e todas as outras pessoas do setor público e privado que estão
envolvidas com as instalações prisionais, sobre os padrões
internacionais de direitos humanos e princípios de igualdade e não
discriminação, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de
gênero.

8.2. Políticas e Práticas para a População LGBT no Sistema Penal

8.2.1. Legislação

Os especialistas em direitos humanos são unânimes ao afirmar que os países


cujas leis condenam criminalmente adultos que mantém relações consensuais
com outros do mesmo sexo violam os direitos humanos fundamentais,
incluindo os direitos à privacidade e à liberdade sem discriminação, protegidos
pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pelo Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos.27 Os tratados internacionais, o Conselho das Nações
Unidas para os Direitos Humanos e as suas recomendações e procedimentos
especiais expressaram reiteradamente sua preocupação com a criminalização
de relações consensuais entre pessoas do mesmo sexo, pedindo aos Estados
que se abstenham de tal criminalização e que estabeleçam leis para revogá-la
(ICJ, 2006).
As regras de Yogyakarta que, como vimos, estabelecem os princípios sobre
a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à
orientação sexual e identidade de gênero, solicitam aos diferentes Estados a
27
Vejam-se os artigos 4° (Direito à Vida) e 6° (Direito à privacidade) dos Princípios de Yogyakarta (OHCHR, 2007).

122
revogação das disposições criminais e outras disposições legais que proíbem,
ou são efetivamente empregues para proibir, a atividade sexual consensual
entre pessoas do mesmo sexo maiores de idade e a garantia de que o conceito
de igualdade de consentimento se aplique tanto para atividade sexual mantida
com pessoas do mesmo sexo, quanto para atividade sexual mantida com
pessoas do sexo oposto (OHCHR, 2007).
Até que tais disposições sejam revogadas, os Princípios de Yogyakarta
exigem que os Estados nunca imponham a pena de morte a qualquer pessoa
condenada por esta prática, que comutem as penas de morte já decretadas e
libertem todos aqueles que estão atualmente aguardando execução por prática
de crimes relacionados com atividade sexual consensual entre pessoas adultas
do mesmo sexo (OHCHR, 2007).
O Conselho das Nações Unidas para os Direitos Humanos apelou a todos os
Estados que ainda mantém a pena de morte que "garantam que a noção e
definição de crimes mais sérios não ultrapassem os crimes intencionais com
consequências letais ou extremamente graves e que esta pena não seja
imposta a atos não violentos como [...] relações sexuais consensuais entre
adultos do mesmo sexo [...]"(UN Commission on Human Rights, 2003, 2004,
2005).
Ainda, o Conselho solicitou reiteradamente aos Estados que descriminalizem
atos sexuais consensuais entre adultos do mesmo sexo, de acordo com os
artigos 17º e 26º do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e tomem
todas as medidas necessárias para proteger os homossexuais contra o
assédio, a discriminação e os atos de violência.
Além disso, a vulnerabilidade à infecção pelo HIV aumenta dramaticamente
quando as relações sexuais com pessoas do mesmo sexo são criminalizadas,
excluindo muitos membros da população LGBT de programas de prevenção e
tratamento para este agravo (UNAIDS, 2006). As epidemias de HIV que
ameaçaram a saúde das sociedades em muitos países em todo o mundo,
incluindo especialmente os ambientes prisionais, levaram à necessidade
urgente de considerar este fato na reforma das legislações relativas às

123
relações entre pessoas do mesmo sexo (UN Commission on Human Rights,
2003, 2004, 2005).

Boas Práticas
Proteção legal contra a discriminação baseada na orientação sexual na
África do Sul
Em 1996, a África do Sul tornou-se o primeiro país a consagrar na sua
Constituição medidas de proteção contra a discriminação baseada na
orientação sexual. Esta disposição levou a decisões jurídicas abrangentes que
defendem a igualdade de gays e lésbicas e o avanço dos direitos dos parceiros
do mesmo sexo.
Em 1998, o Tribunal Constitucional, agindo segundo a Cláusula de Igualdade
estabelecida pela Constituição em 1996, anulou por unanimidade as "leis de
sodomia" no país. Em uma ampla decisão, considerou que estas leis, que
criminalizavam a conduta homossexual, violavam não só a proteção da
privacidade, mas também os princípios de igualdade e dignidade (UNODC,
2009).

8.2.2. Políticas relativas às sentenças e às medidas e sanções não


privativas de liberdade

A população LGBT nunca deve ser discriminada em face de decisões relativas


à aplicação de medidas alternativas à privação de liberdade e na decretação de
sentenças de penas de privação de liberdade. Segundo o UNODC (2009), o
estatuto extremamente vulnerável da população LGBT em quase todos os
sistemas penitenciários mundiais pode levar a que, na prática, a sentença
decretada pelo tribunal se veja transformada numa punição muito mais severa,
justificando-se, por isso, um grau de discriminação positiva durante o
julgamento e decretação da sentença – cumpridos os requisitos de segurança
pública e do próprio indiciado/réu.

124
Boas Práticas
Advocacy e Sentenças alternativas nos Estados Unidos
Um dos programas administrados pelo Transgender, Gender Variant e Intersex
Justice Project (TGIJP), na Califórnia, visa a promoção de sentenças
alternativas para esta população. Reconhecendo que as pessoas transgênero
e intersexo (TGI) experimentam abusos físicos, sexuais e emocionais extremos
e outras formas de violência enquanto privados de liberdade, este programa
busca reduzir o número total de pessoas desta população que entram no
sistema penitenciário.
Especificamente, o TGIJP auxilia estas pessoas, intercedendo junto ao poder
judiciário, solicitando a aplicação de medidas alternativas à privação de
liberdade, e conduzindo-as para serviços de assistência social, à saúde e a
outras formas de apoio socioeconómico de que necessitem. Em acréscimo, o
TGIJP presta também auxilio a privados de liberdade pertencentes a esta
população (UNODC, 2015).

8.2.3. Administração Prisional

8.2.3.1. Políticas e estratégias de gestão

Tendo em conta o grande número de relatórios de denúncias relativos à


discriminação, humilhação, abuso sexual e estupro de pessoas LGBT em
situação de privação de liberdade, as administrações penitenciárias precisam
desenvolver políticas e estratégias que garantam a máxima proteção destes
grupos e que facilitem sua reintegração social de forma eficaz (UNODC, 2012).
O cuidado e a proteção dos privados de liberdade LGBT devem ser incluídos
nas estratégias gerais de gestão, desenvolvidas na sede do organismo
nacional responsável pela administração penitenciária. Suas diretrizes de
gestão precisam desafiar a cultura prisional homofóbica existente na grande
maioria das sociedades e deixar absolutamente claro que a discriminação com
base na orientação sexual ou na identidade de gênero, real ou percebida, não
será tolerada. Devem também enfatizar o direito dos privados de liberdade à

125
confidencialidade em relação à sua orientação sexual e identidade de gênero e
incluírem em suas recomendações instruções claras sobre os procedimentos a
seguir em casos de violência física e/ou sexual destes privados de liberdade
(UNODC, 2012).
Ao nível descentralizado, as administrações penitenciárias devem assumir a
responsabilidade e tomar todas as medidas necessárias para garantir a
segurança destes privados de liberdade, reconhecendo que, mesmo com
mecanismos de denúncia efetivos, não se pode presumir que os privados de
liberdade LGBT não serão vítimas de represálias caso avancem com um
processo dessa natureza (UNODC, 2009).
As políticas e práticas de gestão precisam ser inequívocas quanto às
consequências e ações disciplinares que recaem sobre as equipes de
profissionais do sistema em casos de assédio, violência e abuso exercido
sobre elementos desta população.
Ainda, e como em outros casos, a consulta de representantes comunitários e
organizações LGBT deve ser considerada na formulação de políticas e
estratégias apropriadas para proteção e reintegração social destes privados de
liberdade.
Devem também ser desenvolvidos padrões mensuráveis para monitorar e
avaliar os resultados dessas estratégias e práticas. A coleta e avaliação de
dados devem constituir um elemento essencial das políticas relativas à
proteção desta população (UNODC, 2009).

8.2.3.2. Recursos Humanos

É essencial ter um número adequado de funcionários treinados para garantir a


segurança e proteção dos privados de liberdade LGBT e atender às suas
demandas específicas nas unidades prisionais.
A capacitação e treinamento dos profissionais devem incluir a
consciencialização sobre os padrões internacionais de direitos humanos e
princípios de igualdade e não discriminação, inclusive em relação à orientação
sexual e identidade de gênero, em consonância com o Principio 9, dos
Princípios de Yogyakarta (OHCHR, 2007).

126
Os profissionais devem também ser treinados na execução de
procedimentos específicos para casos de agressões físicas e sexuais,
garantindo que as vitimas sejam prontamente assistidas e recebam a proteção
de que necessitam. Em acréscimo, devem ainda ser treinados para detectar
sinais e comportamentos que indiquem tendências suicidas e encaminhar os
privados de liberdade que os manifestem para serviços de apoio psicológico,
conforme necessário.
Devem ser implementadas ações de sensibilização, para que os
profissionais se predisponham a ter uma escuta ativa face às denúncias
realizadas por estes privados de liberdade.
As administrações penitenciárias devem instituir políticas de recrutamento
inclusivas, devendo os profissionais do sistema prisional ser representativos
dos diferentes grupos sociais. Estas políticas não apenas sublinham a adoção
e execução de ações de não discriminação, como melhoram as relações
interpessoais entre esta população e dos diferentes grupos de profissionais do
sistema prisional (UNODC, 2009).

8.2.4. Acesso à Justiça

Os privados de liberdade LGBT devem ser assistidos no acesso a


advogados/defensores públicos, assistência judiciária e outros serviços
assistenciais implicados no processo judicial, desde o seu início. Onde existam,
os nomes e os detalhes de contato das organizações que prestam auxílio à
população LGBT no sistema de justiça criminal devem estar disponíveis
(UNODC, 2012).

8.2.5. Alojamento e Acomodações

Um princípio essencial no âmbito da classificação e acomodação dos privados


de liberdade LGBT é o seu alojamento em qualquer ambiente prisional que
melhor assegure sua segurança (Princípios de Yogyakarta, Principio 9, alínea
A., OHCHR, 2007).

127
Assim, a população de privados de liberdade LGBT nunca deve ser
acomodada em dormitórios ou celas onde permaneçam também privados de
liberdade que possam representar um risco para sua segurança. Diferentes
relatórios de avaliação indicam que os privados de liberdade LGBT que se
identificam como pertencentes a esta população preferem ser alojados junto
com outros privados de liberdade LGBT ao invés de junto com as restantes
populações das unidades prisionais, no seio das quais se sentem em maior
risco de vitimização. Esta preferência verifica-se mesmo nos casos em que o
alojamento separado dos restantes privados de liberdade possa significar o
isolamento. É, no entanto, de extrema importância que as preocupações e
pontos de vista dos próprios privados de liberdade sejam considerados quando
de sua acomodação (Princípios de Yogyakarta, Principio 9, alínea C., OHCHR,
2007).
Relativamente aos privados de liberdade transgêneros, a sua acomodação
não deve, em circunstância alguma, ter lugar sem que os mesmos sejam
consultados e cada um dos casos deve ser ponderado individualmente. A
acomodação destes privados de liberdade, considerado seu gênero à
nascença – sobretudo nos casos em que a transformação se deu do sexo
masculino para o sexo feminino – potencia, em grande medida, os abuso
sexuais e o estupro, independentemente destes privados de liberdade terem
sido submetidos ou não a uma cirurgia de reatribuição de gênero (Princípios de
Yogyakarta, Principio 9, alínea C., OHCHR, 2007).
É também essencial a implementação de políticas e ações estratégicas
eficazes que permitam que os privados de liberdade LGBT tenham acesso a
medidas protetoras específicas, sempre que essa necessidade se faça sentir.
Em acréscimo, não deve haver discriminação na qualidade do alojamento
oferecido aos privados de liberdade LGBT (UNODC, 2009).

8.2.6. Vínculos Familiares e Comunitários

Devido à probabilidade de um contato limitado com familiares e, em alguns


casos, à impossibilidade de receber visitas de parceiros do mesmo sexo, as
administrações penitenciárias necessitam levar a cabo esforços adicionais no

128
sentido de facilitar o contato da população de privados de liberdade LGBT com
o mundo exterior ao sistema prisional (UNODC, 2012).
Em jurisdições onde as visitas íntimas são permitidas para casais
heterossexuais, mas não para a população LGBT, deve ser considerada a
revisão das normas, por forma a garantir que todos os privados de liberdade
gozem dos mesmos direitos, independentemente da sua orientação sexual e
identidade de gênero.
Da mesma forma, quando a legislação penal não permite quaisquer visitas
íntimas, deve considerar-se a alteração das normas, por forma a evitar a
interrupção dos vínculos familiares e comunitários, exacerbando assim o
sentimento de isolamento dos privados de liberdade e prejudicando suas
perspectivas de suporte enquanto pré-egressos e egressos. As normas
relativas às visitas devem aplicar-se a todos os privados de liberdade,
independentemente de sua orientação sexual e identidade de gênero (UNODC,
2012).

Boas Práticas
Acabar com a discriminação baseada na orientação sexual para visitas
conjugais de privados de liberdade LGBT no México
Em julho de 2007, a Comissão Nacional de Direitos Humanos do México
anunciou que o sistema prisional permitiu a primeira visita conjugal a um
privado de liberdade homossexual, de acordo com as recomendações da
mesma Comissão. Nas unidades penitenciárias mexicanas, os privados de
liberdade podem receber visitas conjugais e a maioria não exige que o visitante
seja legalmente casado com o privado de liberdade (UNODC, 2009).

8.2.7. Acesso à Saúde

Tal como acontece com os demais grupos de privados de liberdade, a


população LGBT deve ser submetida a um exame de saúde completo na porta
de entrada do sistema prisional, devendo-lhe ser prestada assistência médica
equivalente à existente na comunidade e à disponibilizada aos demais privados
de liberdade.

129
As necessidades específicas ao nível dos cuidados de saúde dos privados
de liberdade LGBT podem incluir: o tratamento para doenças sexualmente
transmissíveis, incluindo HIV/AIDS, para o uso abusivo de drogas, e
aconselhamento para transtornos mentais associados a situações de
vitimização decorrentes de atos de violência sexual e estupro de que foram
vítimas, entre outros.28
Os privados de liberdade com disforia de gênero devem poder ter acesso ao
mesmo tratamento disponível na comunidade, como é o caso da terapia de
substituição hormonal, bem como a suporte psicológico, se necessário.
Aos privados de liberdade transexuais que já se encontravam a realizar
terapia de substituição hormonal antes de seu ingresso no sistema prisional, a
continuidade do tratamento deve ser assegurada. Em acréscimo, caso a
cirurgia de reatribuição de sexo estiver disponível na comunidade, deve
também estar disponível para os privados de liberdade que a desejem realizar.

8.2.8. Programas e Projetos Assistenciais

As administrações penitenciárias devem assegurar o acesso dos privados de


liberdade LGBT a todos os programas, projetos e ações levados a cabo nas
unidades prisionais, sem discriminação, bem como a sua proteção durante o
desenrolar das atividades face a possíveis situações de violência e abuso.
A implementação de programas específicos dedicados à prevenção de
situações de violência, quer seja física ou sexual, e de estupro nas unidades
prisionais que incluam orientações claras para a proteção dos privados de
liberdade, deve ser considerada. Devendo estes programas incluir
componentes específicos para proteger os privados de liberdade percebidos ou
não como pertencentes à população LGBT.
Devem ser implementados programas de aconselhamento específicos para
privados de liberdade LGBT, devendo estes abordar um amplo conjunto de
questões, sejam de integração, segurança e de saúde, e garantir, em
particular, apoio adequado aos que foram vítimas de humilhação, abusos

28
Em acréscimo, devem estar disponíveis nas unidades prisionais, e acessíveis a todos os privados de liberdade, programas de
prevenção do HJV/AIDS que incluam a distribuição de informação sobre formas de transmissão e métodos de prevenção.

130
físicos e sexuais nas unidades prisionais ou mesmo antes de seu ingresso no
sistema penitenciário.
As organizações não governamentais e outras da sociedade civil que
trabalham com direitos e demandas específicos da população LGBT devem ser
encorajadas a visitar as unidades prisionais e a implementar programas
específicos que atendam às necessidades deste grupo de privados de
liberdade. O trabalho de tais organizações pode também incidir sobre a
sensibilização dos funcionários das unidades prisionais para todas as
particularidades e especificidades características desta população.

8.2.9. Segurança

Como tem vindo a ser enfatizado ao longo deste capítulo, a segurança é uma
das primeiras demandas a considerar, no sistema prisional, com relação à
população LGBT.
Desta forma, os privados de liberdade LGBT podem ser protegidos através:
da implementação de uma política e de uma estratégia de gestão claras que
assegurem a não discriminação e proteção destas pessoas (veja-se a seção
8.2.3.1.); do recrutamento cuidadoso de pessoal e treinamento adequado do
mesmo (veja-se a seção 8.2.3.2.); do uso de um sistema de classificação que
reconheça os riscos enfrentados pelos privados de liberdade LGBT e que
garanta que estes não serão acomodados junto a possíveis perpetradores
(seção 8.2.5.); e de medidas de supervisão adequadas que incidam sobre os
profissionais que atuam nas unidades e sobre os próprios restantes grupos de
privados de liberdade. Mas há outros procedimentos fundamentais para
atender às demandas relativas à segurança que a população LGBT apresente:
a) Procedimentos de denúncia: São outro componente chave das medidas
para garantir a segurança nas unidades prisionais, desde que
constituam um mecanismo efetivo, acessível e confidencial. Semelhante
a todos os privados de liberdade, a população LGBT deve poder realizar
uma denúncia sem sofrer retaliações por parte das equipes de
profissionais ou por parte dos restantes grupos de privados de liberdade,
devendo suas denúncias receber respostas rápidas e efetivas. As

131
vítimas ou potenciais vítimas de abuso devem ser imediatamente
colocadas sob proteção e, nos casos em que o abuso já tiver ocorrido, o
privado de liberdade deve ainda receber toda a assistência médica e
apoio psicológico necessários.
Em alguns sistemas penitenciários foi adotada uma abordagem mais
progressista, garantindo a proteção das vítimas através da aplicação de
medidas de segurança ao agressor (enquanto decorrem as
investigações), ao invés de aplicadas às primeiras.
Em situações de violência e abuso sexuais, as evidências, inclusive
físicas, devem ser imediatamente colhidas, uma vez que constituem
provas materiais essenciais para as medidas disciplinares a aplicar. Isto
porque, dependendo do tipo de ato cometido, deve haver lugar a um
processo disciplinar interno ou um processo penal externo, envolvendo
estes a coleta de provas físicas, entrevistas com testemunhas e
interrogatório de suspeitos. Os perpetradores devem ser levados à
justiça, conforme exigido pelo direito internacional dos direitos humanos
e, na maioria dos países, pela legislação nacional (OHCHR, 2007,
UNODC, 2007, 2009, 2012).
Demonstrar que as denúncias de privados de liberdade LGBT ou de
outros, sobre abuso sexual, violência e estupro nas unidades prisionais
devem ser seriamente consideradas e os perpetradores penalizados em
conformidade, envia uma forte mensagem a todos os potenciais
perpetradores, mostrando que tais atos criminosos não serão tolerados
(UNODC, 2009).
b) Medidas disciplinares: O uso excessivo de punições disciplinares em
relação aos privados de liberdade LGBT pode ser um indicador de
discriminação dentro de uma unidade prisional. Em alguns sistemas
penitenciários, a segregação administrativa pode ser usada como
punição disciplinar para esta população de forma desproporcional. Da
mesma forma, os privados de liberdade LGBT vítimas de algum tipo de
abuso podem ser colocados em situação de isolamento, ostensivamente

132
para sua própria proteção, enquanto os perpetradores não recebem
qualquer tipo de punição.
Este tipo de práticas viola o princípio da não discriminação consagrado
em uma série de instrumentos internacionais de direitos humanos,
incluindo as Regras Mínimas para Tratamento de Reclusos (UN
ECOSOC, 1955).
Devem, portanto, existir normas de conduta e procedimentos claros,
exibidos em local visível a todos os funcionários, para que estes possam
tomar a decisão de adotar as medidas mais adequadas a cada situação.
Devem ainda ser mantidos registros relativos ao uso de todas as
medidas disciplinares (UNODC, 2012).
c) Procedimentos de revista: Devem ser proibidas buscas e revistas
frequentes e desnecessárias a privados de liberdade LGBT e devem
existir registros atualizados quanto ao número de vezes e circunstâncias
em que um privado de liberdade é revistado ou realizado qualquer tipo
de busca em suas acomodações, para que seja possível identificar atos
de discriminação.
A execução da revista íntima deve ter sempre uma justificação
adequada. Caso esta seja necessária, os privados de liberdade devem
poder escolher o gênero do responsável pela realização dessa mesma
revista, para que seja garantida a menor interferência ao nível da
dignidade pessoal (UNODC, 2007, 2009, 2012).

8.2.10. Condição de Pré-egresso e Egresso

Conforme já enunciado, e uma vez que a maioria dos privados de liberdade


LGBT, especialmente os transgêneros, perderam ou perderão no decurso do
cumprimento da pena, o contato com suas famílias como resultado de sua
orientação sexual ou identidade de gênero, as administrações penitenciárias
devem tentar garantir que este apoio seja assegurado através de meios
alternativos. Estes podem incluir o estabelecimento de contatos com
organizações e agências relevantes da sociedade civil que prestam assistência
às pessoas LGBT em geral e aos privados de liberdade em particular, bem

133
como através do estabelecimento de mecanismos de cooperação com serviços
de assistência social, para facilitar assistência a esta população na procura de
habitação e emprego, sem discriminação.
No caso dos privados de liberdade estarem sendo submetidos a qualquer
tratamento para qualquer condição de saúde, incluindo programas de terapia
de substituição hormonal e/ou programas para o cuidado face ao uso abusivo
de substâncias, as administrações penitenciárias devem assegurar a
articulação com os serviços de saúde existentes na comunidade para que o
tratamento possa ser continuado sem interrupção após o cumprimento da
pena.

8.2.11. Monitoramento

Devem existir, em permanência, mecanismos para o monitoramento


independente de atos de violência em geral, e de atos de discriminação
baseada na orientação sexual e de abuso sexual e violência perpetrada sobre
a população LGBT, em particular. As administrações penitenciárias devem
tomar as medidas apropriadas, com base nos dados recolhidos, para garantir
que sejam evitados o tratamento distinto dos privados de liberdade LGBT e os
abusos sexuais exercidos sobre qualquer grupo de privados de liberdade,
incluindo a população LGBT.

8.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e


Ações Estratégicas para a População LGBT no Sistema Penal

Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, apresenta-se a sistematização do conjunto de recomendações
internacionais para a formulação de políticas e ações estratégicas para a
população LGBT no Sistema Penal:

PARA OS LEGISLADORES

134
– Nos países onde ainda vigoram leis que criminalizam relações consentidas
entre adultos do mesmo sexo, deve ser revisada a legislação penal à luz dos
pressupostos e requisitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, da Convenção contra a
Tortura e outras Formas de Tratamento e Punição Cruéis, Desumanos ou
Degradantes, com vista à revogação das mesmas;
– E, entretanto, esses países não devem impor a pena de morte ou o castigo
corporal a pessoas condenadas por tais atos.

PARA O PODER JUDICIÁRIO

– Garantir que a população LGBT não seja discriminada quando considerada


para medidas alternativas e sanções não privativas de liberdade com base na
sua orientação sexual e identidade de gênero;
– Tal como acontece com toda a restante população de privados de liberdade,
os indiciados LGBT que tenham cometido delitos não violentos e que não
representem um risco para a sociedade devem beneficiar de medidas
alternativas ou sanções não privativas de liberdade mais adequadas à sua
reintegração social;
– Para tanto, os magistrados devem estar conscientes da extrema
vulnerabilidade da população LGBT no sistema penitenciário.

PARA AS ADMINISTRAÇÕES PENITENCIÁRIAS

Políticas e Estratégias de Gestão


– Desenvolver políticas e estratégias de ação que assegurem a máxima
proteção dos privados de liberdade, proibindo a discriminação com base na
orientação sexual e identidade de gênero, assegurando a ação disciplinar do
pessoal que não respeita esses princípios, reconhecendo o direito destes
privados de liberdade à privacidade com relação à sua sexualidade, orientação
sexual e identidade de gênero, e facilitando sua reintegração social de forma
efetiva;

135
– Consultar representantes da comunidade de grupos e organizações LGBT na
formulação de políticas e estratégias de ação adequadas a esta população;
– Desenvolver padrões mensuráveis para monitorar e avaliar os resultados
dessas mesmas políticas, estratégias e práticas de ação.

Recursos Humanos
– Designar um número adequado de funcionários responsáveis pela
supervisão desta população por forma a garantir a sua segurança;
– Implementar ações de capacitação e treinamento para todos os funcionários
do sistema prisional que incluam a conscientização sobre os padrões
internacionais de direitos humanos e os princípios de igualdade e não
discriminação, inclusive em relação à orientação sexual e identidade de
gênero;
– Incluir, nos currículos dessas ações de capacitação e treinamento, regras
específicas para proibição da discriminação de privados de liberdade LGBT,
realçando suas demandas específicas;
– Não discriminar elementos das equipe de funcionários pertencentes à
população LGBT e fazer esforços para, na medida do possível, garantir que as
equipes do sistema prisional representem diferentes integrantes desta
população.

Acesso à justiça
– Auxiliar os privados de liberdade LGBT no acesso a advogados/defensores
públicos, assistência judiciária e outros serviços de apoio desde a sua entrada
no sistema penal, sem discriminação;
– Fornecer nomes e detalhes de contatos das organizações da sociedade civil
que auxiliam esta população no sistema de justiça criminal.

Classificação e Acomodações
– Fazer uso de um sistema de classificação que reconheça as demandas
específicas da população LGBT;

136
– Considerar os desejos e preocupações dos próprios privados de liberdade
para fins de alocação;
– Não alojar privados de liberdade LGBT em dormitórios/celas ou áreas
conjuntas com outros privados de liberdade que possam representar uma risco
para sua segurança;
– Não presumir que é apropriado alojar privados de liberdade transgêneros de
acordo com seu sexo biológico e, em vez disso, consultá-los sobre o local em
que desejam ser alocados e ter em consideração as diferentes necessidades de
acomodação daqueles que não realizaram a cirurgia de reatribuição do sexo;
dos que já a realizaram e dos que atravessam o processo de transição;
– Garantir que não haja discriminação na qualidade das acomodações
facultadas a esta população.

Vínculos Familiares e Comunitários


– Onde e sempre que a legislação penal não permita visitas de parceiros do
mesmo sexo, deve considerar-se a possibilidade de modificar as regras, por
forma a evitar a interrupção dos vínculos dos privados de liberdade com
aqueles com quem se relacionam afetivamente, bem como com a comunidade,
exacerbando seu isolamento, prejudicando suas perspectivas de suporte
quando pré-egressos e egressos, pondo em prática direitos iguais para todos
os privados de liberdade independentemente da sua orientação sexual ou
identidade de gênero;
– Em jurisdições onde as visitas conjugais são permitidas, garantir que o
mesmo direito seja desfrutado por todos os privados de liberdade,
independentemente da orientação sexual e identidade de gênero.
Acesso à Saúde
– Garantir que os privados de liberdade LGBT sejam submetidos a um exame
de saúde completo na porta de entrada do sistema prisional (tal como o
disponibilizado para os demais grupos de privados de liberdade) e que
recebam assistência médica equivalente à da comunidade e à recebida pelo
restante do conjunto de privados de liberdade;

137
– Atender às demandas específicas relativas aos cuidados de saúde dos
privados de liberdade LGBT, incluindo o tratamento disponível na comunidade
para a disforia do gênero, como: a terapia de substituição hormonal e a cirurgia
de reatribuição de sexo;
– Desenvolver e implementar programas para prevenção do HIV/AIDS e das
hepatites virais para todas as populações de privados de liberdade, inclusive
para a população LGBT.

Programas e Projetos Assistenciais


– Garantir que a população LGBT tenha acesso a todos os programas, projetos
e ações assistenciais sem discriminação e que seja protegida, durante a
execução dos mesmos, contra eventuais atos de violência e abuso;
– Definir e implementar programas específicos dedicados à prevenção dos
abusos sexuais nas unidades prisionais que incluam orientações claras para
privados de liberdade LGBT;
– Definir e implementar programas específicos de aconselhamento para
privados de liberdade LGBT, particularmente para aqueles que foram vítimas
de alguma forma de humilhação e/ou abuso sexual em seu percurso carcerário
ou mesmo fora deste;
– Incentivar as organizações não governamentais e outras organizações da
sociedade civil a trabalharem junto desta população, sobretudo no que
concerne aos seus direitos e demandas específicas, implementando
programas e ações estratégicas nas unidades prisionais.

Segurança
– Executar ações de capacitação e treinamento dos profissionais desta área
que incluam em seus currículos o ensino de mecanismos de supervisão e
procedimentos de atuação em casos de agressão sexual, para permitir a
efetiva detecção e prevenção de abuso e violência sexual contra todos os
privados de liberdades, incluindo a população LGBT;
– Estabelecer mecanismos de denúncia efetivos, eficazes, acessíveis e
confidenciais;

138
– Garantir que os privados de liberdade pertencentes à população LGBT não
sejam discriminados no decurso de um processo desta natureza;
– Não discriminar os privados de liberdade LGBT no uso de punições
disciplinares;
– Garantir que as buscas e revistas a privados de liberdade de LGBT não
sejam conduzidas de forma arbitrária e desnecessária, e respeitar os desejos
dos privados de liberdade transgêneros em relação ao gênero da pessoa que
conduz a busca e a revista;
– Implementar políticas efetivas para permitir que os privados de liberdade
LGBT tenham acesso a medidas de proteção específicas, sempre que elas se
justificarem.

Condição de Pré-egresso e Egresso


– Estabelecer contato com serviços e organizações da sociedade civil
relevantes que prestam assistência, nas mais diversas áreas, a privados de
liberdade pré-egressos e egressos LGBT;
– Garantir que sejam estabelecidos mecanismos de articulação com serviços
de saúde na comunidade e que qualquer tratamento médico recebido por
privados de liberdade LGBT continue sem interrupção após o cumprimento da
pena.

Monitoramento
– Implementar mecanismos para o monitoramento e avaliação independentes
das práticas de violência sexual em geral; de discriminação baseada na
orientação sexual; e de abuso sexual e violência perpetrada contra privados de
liberdade LGBT, em particular;
– Tomar medidas com base nos dados obtidos para garantir que sejam
evitados o tratamento distinto dos privados de liberdade LGBT e o abuso físico
e/ou sexual de todos os privados de liberdade, inclusive dos que pertencem à
população LGBT.

139
IX. MINORIAS ÉTNICO-RACIAIS E POPULAÇÕES INDÍGENAS

9.1. Normas Internacionais

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (UN, 1966)

Artigo 27º

140
Nos Estados em que existam minorias étnicas, religiosas ou linguísticas, não
será negado o direito que assiste às pessoas que pertençam a essas minorias,
em conjunto com os restantes membros do seu grupo, a ter a sua própria vida
cultural, a professar e praticar a sua própria religião e a utilizar a sua própria
língua.

Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de


Discriminação Racial (ICERD, UN, 1965),

Artigo 1º
1. Os Estados Partes condenam a discriminação racial e comprometem-se a
adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, uma política de
eliminação de todas as formas de discriminação racial e de promoção da
harmonia entre todas as raças, e, para este fim:
[...]
b) Os Estados Partes comprometem-se a não incitar, defender ou apoiar a
discriminação racial praticada por qualquer pessoa ou organização;
c) Os Estados Partes devem tomar medidas eficazes a fim de rever as políticas
governamentais nacionais e locais e para modificar, revogar ou anular as leis e
qualquer disposição regulamentar que tenha como efeito criar a discriminação
racial ou perpetuá-la onde já existir;
d) Os Estados Partes devem, por todos os meios apropriados – inclusive, se as
circunstâncias o exigirem, com medidas legislativas – proibir a discriminação
racial praticada por quaisquer pessoas, grupos ou organizações, pondo-lhes
um fim [...].

Recomendação Geral nº 31 do Comitê das Nações Unidas para a


Eliminação da Discriminação Racial sobre a prevenção da discriminação
racial na administração e no funcionamento do sistema de justiça penal
(CERD, 2005), empenhada em combater todas as formas de discriminação na
administração e funcionamento do sistema de justiça criminal de que podem
ser vitimas, em todos os países do mundo, pessoas pertencentes a grupos

141
raciais ou étnicos, em particular não cidadãos – incluindo imigrantes,
refugiados, requerentes de asilo e apátridas – população cigana, povos
indígenas, populações deslocadas, pessoas discriminadas por causa da sua
descendência, bem como outros grupos vulneráveis particularmente expostos
à exclusão, à marginalização e à não integração na sociedade, prestando
especial atenção à situação das mulheres e das crianças pertencentes aos
grupos acima mencionados, que são suscetíveis de múltiplas discriminações
por causa de sua raça e por causa de seu sexo ou sua idade, determina:

[...]
Estratégias para prevenir a discriminação racial na administração e
funcionamento do sistema de justiça criminal:
5. Os Estados Partes devem instituir estratégias nacionais cujos objetivos
devem incluir:
a) Eliminação das leis que tenham um impacto em termos de discriminação
racial, particularmente aquelas que visam certos grupos, penalizando,
mesmo que indiretamente, atos que apenas podem ser cometidos por
pessoas pertencentes a esses grupos, ou leis que se aplicam apenas a
não nacionais sem motivos legítimos ou que não respeitem o princípio
da proporcionalidade;
b) Desenvolvimento, através de programas de educação adequados, de
atividades de formação em matéria de direitos humanos, tolerância e
convivência entre os diferentes grupos raciais ou étnicos, bem como
ações de sensibilização para a existência e promoção de relações
interculturais, dirigidos aos funcionários responsáveis pela aplicação da
lei: pessoal das forças policiais, pessoas que trabalham no sistema de
justiça, em instituições penitenciárias, estabelecimentos psiquiátricos,
serviços sociais e médicos etc.;
c) Promoção do diálogo e da cooperação entre as autoridades policiais e
judiciais e os representantes dos diversos grupos acima referidos, a fim
de combater o prejuízo e criar uma relação de confiança;

142
d) Promoção de uma representação adequada, nas forças policiais e no
sistema de justiça, de pessoas pertencentes aos grupos raciais e étnicos
acima referidos;
e) Garantia do respeito e do reconhecimento dos sistemas tradicionais de
justiça dos povos indígenas, em conformidade com o direito
internacional dos direitos humanos;
f) Proceder às mudanças necessárias ao regime prisional para privados de
liberdade pertencentes aos grupos acima referidos, por forma a
considerar suas práticas culturais e religiosas.
[...]
Prisão provisória
26. Considerando os dados estatísticos que mostram que as pessoas detidas
provisoriamente incluem um número excessivamente elevado de não nacionais
e de pessoas pertencentes aos grupos supracitados, os Estados Partes devem
assegurar:
(a) Que o simples fato de pertencer a um grupo racial ou étnico ou a
qualquer um dos grupos acima mencionados não é uma razão
suficiente, de jure ou de fato, para aplicação da medida de prisão
provisória. Essa detenção provisória pode ser justificada apenas por
motivos objetivos estipulados pela lei, tais como: risco de fuga; risco de
destruição de provas e evidências; risco de influenciar testemunhas; ou
ainda risco de perturbação grave da ordem pública. [...]
[...]
Garantia de uma sentença justa
34. A este respeito, os Estados devem assegurar que os tribunais não
apliquem sentenças e penas mais severas apenas por causa da pertença do
arguido a um grupo racial ou étnico específico;
35. Deve ser dada especial atenção a este respeito ao sistema de penas
mínimas e detenções obrigatórias aplicáveis a certas ofensas e à pena de
morte em países que não a aboliram, tendo em conta os relatórios
internacionais que indicam que essa punição é imposta e realizada com mais
frequência contra pessoas pertencentes a grupos raciais e étnicos específicos.

143
36. No caso de pessoas pertencentes a povos indígenas, os Estados Partes
devem privilegiar as alternativas à pena privativa de liberdade e outras formas
de punição mais adaptadas ao seu sistema jurídico, tendo em atenção, em
particular, a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho
sobre Povos Indígenas e outros Povos Tribais em Países Independentes.
[...]
Execução da sentença
38. Quando as pessoas pertencentes aos grupos acima referidos estão em
situação de privação de liberdade, os Estados Partes devem:
(a) Garantir a essas pessoas o gozo de todos os direitos a que os privados
de liberdade têm direito ao abrigo das normas internacionais relevantes,
em particular os direitos especialmente adaptados à sua situação: o
direito ao respeito de suas práticas religiosas e culturais, o direito ao
respeito de seus costumes no que diz respeito à alimentação, o direito
às relações com suas famílias, o direito à assistência de um intérprete, o
direito a prestações sociais básicas e, se for caso disso, o direito à
assistência consular. Os serviços médicos, psicológicos ou sociais
oferecidos aos privados de liberdade devem ter em consideração seus
antecedentes culturais;
(b) Garantir a todos os privados de liberdade, cujos direitos foram violados,
o direito a um recurso efetivo perante uma autoridade independente e
imparcial.

Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (UN
ECOSOC, 1955)

Disciplina e Sanções
Regra 30

144
(3) Quando necessário, e se praticável, o privado de liberdade deve poder
realizar sua defesa através de um intérprete.
Religião
Regra 41
1. Se o estabelecimento prisional reunir um número suficiente de reclusos da
mesma religião, deve ser nomeado ou autorizado um representante qualificado
dessa religião. Se o número de reclusos o justificar e as circunstâncias o
permitirem, deve ser encontrada uma solução permanente para a prática
religiosa.
2. O representante qualificado, nomeado ou autorizado nos termos do
parágrafo 1 desta Regra, deve ser autorizado a organizar periodicamente
serviços religiosos e a fazer, sempre que for aconselhável, visitas pastorais
privadas, num horário apropriado, aos privados de liberdade da sua religião.
3. O direito de entrar em contato com um representante qualificado da sua
religião nunca deve ser negado a qualquer privado de liberdade. Por outro lado,
se um privado de liberdade se opõe à visita de um representante de uma
religião, a sua vontade deve ser plenamente respeitada.
Regra 42
Tanto quanto possível, cada recluso deve ser autorizado a satisfazer as
exigências da sua vida religiosa, assistindo aos serviços ministrados no
estabelecimento prisional e tendo na sua posse livros de rito e prática de
ensino religioso da sua confissão.

Nota:
Informações complementares sobre as normas internacionais
estabelecidas para o tratamento de minorias étnico-raciais e
populações indígenas no sistema penal podem ser obtidas
através da consulta da Declaração das Nações Unidas sobre
os Direitos das Pessoas Não Nacionais, Pertencentes Minorias
Étnicas, Religiosas e Linguísticas, aprovada pela resolução
47/135 da Assembleia Geral de 18 de dezembro de 1992; da
Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos

145
Indígenas, aprovada pela Resolução da Assembleia Geral
A/61/L.67 de 13 de setembro de 2007; da Convenção n.º 169
relativa aos Povos Indígenas e Tribais, aprovada em 27 de
junho de 1989 pela Conferência Geral da Organização
Internacional do Trabalho em sua 76º sessão.

9.2. Políticas e Práticas para Minorias Étnico-Raciais e Populações


Indígenas no Sistema Penal

9.2.1. Políticas relativas às sentenças e às medidas e sanções não


privativas de liberdade

A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de


Discriminação Racial (ICERD) define a discriminação racial como uma conduta
que tem por finalidade ou efeito restringir os direitos com base na raça. Razão
pela qual exige ações corretivas sempre que se verifique um impacto
acentuado injustificável da legislação e da prática judicial sobre um grupo
distinto de raça, cor, descendência ou origem étnica. Este princípio obriga os
Estados Partes29 a rever suas legislações, políticas e práticas e a tomar
medidas afirmativas para prevenir ou pôr fim a políticas com impacto
discriminatório injustificado (ICERD, 1965).
O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, conforme as conclusões
da sua reunião realizada em julho de 2000, na Austrália, também expressou
preocupação específica relativa ao fato do cumprimento obrigatório de
sentenças privativas de liberdade (ao invés do recurso a alternativas penais)
poder levar à imposição de punições desproporcionais face à gravidade dos
crimes cometidos entre pessoas de grupos minoritários, levantando questões
de conformidade com vários artigos do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos (UNHRC, 2000). Além disso, muitos estudos apontam para o fato da
atribuição de sentenças de cumprimento obrigatório de pena privativa de
liberdade não mostrarem ser uma ferramenta efetiva, isto é, para além de

29
O Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e tem
representação no Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, bem como no Comitê de Direitos Humanos das Nações
Unidas.

146
judicialmente discriminatórias, não oferecem reais benefícios ao nível da
prevenção da reincidência dos crimes praticados (EU, 2015).
Em face destas preocupações e de acordo com o artigo 2º (c) da CERD, as
sentenças de cumprimento obrigatório de penas de privação de liberdade que
resultam em excesso de representação de determinados grupos populacionais
precisam ser reavaliadas. Os infratores que diferem em termos de conduta,
perigo para a comunidade e culpa não devem ser tratados de forma idêntica,
independentemente do grupo de pertença. As estratégias de aplicação da lei
precisam ser revistas por forma a torná-las racialmente mais equitativas
(CERD, 2005, parágrafo 36).
Outras políticas afirmativas que impeçam a prisão injusta, e muitas vezes
desnecessária, de minorias étnico-raciais e povos indígenas, e que ao mesmo
tempo assegurem a segurança pública, devem ser implementadas e incluir:
a) A revisão das diretrizes relativas às sentenças, para que estas passem a
considerar as desvantagens socioeconômicas e o impacto
especialmente prejudicial da situação de privação de liberdade sobre
pessoas de certas culturas, levando a uma punição desproporcional face
à infração cometida (CERD, 2005);
b) O aumento do alcance das sanções não privativas de liberdade
previstas na legislação. Uma vez que a condenação decorrente da
prática de delitos relacionados com o consumo de drogas teve um
impacto considerável na presença de minorias étnico-raciais no sistema
prisional de vários países, deve considerar-se o aumento do recurso a
sanções alternativas para os casos não violentos relativos aos
consumos de drogas e garantir que as minorias étnico-raciais não sejam
discriminadas quando consideradas e abrangidas por tais sanções
(CERD, 2005);
c) O desenvolvimento de mecanismos de resolução de problemas
baseados na comunidade, particularmente para infrações menores
praticadas em algumas áreas específicas, para evitar a dependência
excessiva do sistema de justiça criminal (Racial Disparity Initiative,
2008);

147
d) O incremento do trabalho com representantes de diferentes grupos
minoritários e povos indígenas, potencializando, desta forma, o
desenvolvimento de programas adequados para atender às
necessidades de infratores de diferentes grupos, e aumentando as
possibilidades de tais grupos terem os mesmos direitos que a população
majoritária na consideração de medidas penais alternativas (The
Sentencing Project, 2002).

Boas Práticas
Reconhecendo as circunstâncias especiais dos povos indígenas
no Canadá
Em 1996, o Código Penal do Canadá foi alterado para prever que
todas as sanções disponíveis, além do encarceramento, fossem
consideradas para todos os infratores, com especial referência às
circunstâncias dos povos indígenas. A medida foi projetada para
reduzir o nível de sobrerrepresentação indígena no sistema
penitenciário do país, reconhecendo que as circunstâncias dos
infratores indígenas são diferentes das de infratores não indígenas
(Law Reform Commission of Western Australia, 2006).

Tribunais aborígenes na Austrália


Os tribunais aborígenes, que existem em toda a Austrália desde a
década de 1990, envolvem idosos aborígenes em processos judiciais.
Os tribunais operam dentro do sistema jurídico australiano ao nível do
tribunal de magistrados (tribunais de primeira instância). O papel dos
anciãos é principalmente o de aconselhar o tribunal e, em alguns
casos, falar com o indiciado de uma forma culturalmente mais
apropriada. Os tribunais aborígenes encorajam uma melhor
comunicação entre os funcionários do poder judicial, o indiciado e
outras partes envolvidas no processo. Os procedimentos são
informais e o uso do jargão legal é desencorajado. A presença de
idosos ou de pessoas socialmente respeitadas nos tribunais pode ser

148
eficaz na divulgação de uma noção cultural positiva e construtiva de
vergonha face aos atos praticados e os anciãos fornecem também
informações valiosas ao juiz sobre o indiciado e aspectos culturais
relevantes. Os tribunais aborígenes não pertencem à mesma
categoria dos tribunais de resolução de problemas, como tribunais
relacionados com o uso de drogas que também existem no país. São
vistos como uma ferramenta que permite reajustar o equilíbrio face ao,
até então, existente tratamento injusto das povos indígenas dentro do
sistema de justiça criminal, indo ao encontro de suas especificidades.
E embora não tenha ainda havido uma avaliação sistematizada da
eficácia dos tribunais aborígenes em termos de reincidência dos
comportamentos criminosos, parece que estes alcançaram ganhos
significativos em termos de resultados ao nível da adequação na
aplicação de sentenças para estes povos (Law Reform Commission of
Western Australia, 2006).

Melhorar a eficácia das alternativas penais para a minoria de


romanichéis/ciganos na República Checa
Na República Checa, o Serviço Checo de Liberdade Condicional e de
Mediação desenvolveu um programa que pretende assegurar que a
minoria dos romanichéis/ciganos tenha igual acesso aos serviços de
apoio durante a implementação de alternativas penais. Este programa
concentra-se nas necessidades dos membros juvenis da minoria
cigana que receberam sanções não privativas de liberdade e
seleciona mentores entre a minoria dos romanichéis que são treinados
pelo Serviço Checo de Liberdade Condicional e de Mediação para
trabalhar com os jovens da sua comunidade. As atividades
desenvolvidas pelos mentores têm-se mostrado uma ferramenta
válida para a diminuição das barreiras que até aqui existiam entre esta
comunidade e o sistema de justiça criminal (Association for Probation
and Mediation Justice, 2006).

149
9.2.2. Administração Prisional

9.2.2.1. Políticas e estratégias de gestão

A implementação de padrões relativos ao respeito pelos direitos humanos nas


unidades prisionais, que incluam o tratamento equitativo de todos os privados
de liberdade, é vital para estabelecer um ambiente positivo e, desta forma,
melhorar a gestão e administração penitenciárias. O tratamento equitativo deve
abranger a eliminação de todas as formas de discriminação, devendo ainda
considerar a adoção de medidas afirmativas para garantir a satisfação das
necessidades específicas dos grupos sobrerrepresentados. Para que essa
estratégia seja bem-sucedida, o primeiro passo a ser dado deve ser o de deixar
claro o compromisso dos serviços prisionais com a defesa da igualdade étnico-
racial, devendo este compromisso ser posto em prática através da
implementação de mecanismos apropriados (UNODC, 2009, EU, 2015).
A política de não discriminação deve ser visível, exibida nas paredes dos
estabelecimentos prisionais – com a fixação de cartazes informativos, por
exemplo – e ser parte integrante do treinamento das equipes penitenciárias.
A criação de equipes multidisciplinares e multiculturais que representem os
principais serviços deve ser considerada por forma a assessorar a gestão,
elaborar estratégias, garantir que as políticas sejam implementadas e
acompanhar seus resultados (EU, 2015).
A consulta de representantes de grupos minoritários e povos indígenas de
maneira formal durante a construção de políticas de combate à discriminação
com base na raça, etnia ou descendência e elaboração de regulamentos que
refletem essas políticas provou ser útil para garantir que sejam tidas em
consideração as preocupações específicas e recomendações de grupos
sobrerrepresentados no ambiente penitenciário (UNODC, 2009).

9.2.2.2. Recursos Humanos

A seleção e formação de pessoal são fundamentais para a implementação


efetiva de políticas de não discriminação.

150
Neste sentido, devem realizar-se todos os esforços para recrutar pessoal
pertencente a minorias étnico-raciais e povos indígenas sobrerrepresentados
no sistema penal. Esta medida será de grande utilidade para garantir uma
melhor compreensão, por parte dos funcionários do sistema penitenciário, das
diferentes culturas e para estabelecer uma atitude mais justa em relação aos
privados de liberdade de grupos minoritários e povos indígenas, podendo
também ajudar a promover a confiança entre privados de liberdade e
funcionários do sistema. Os funcionários pertencentes a grupos
sobrerrepresentados no sistema penal precisam ter representação nos
diferentes níveis da administração penitenciária: ao nível da gestão, mas
também ao nível da supervisão direta daqueles que se encontram em situação
de privação de liberdade (UNODC, 2007, 2009, 20015).
As ações de capacitação dos funcionários devem incluir a formação em
questões interculturais e na compreensão das necessidades específicas dos
grupos minoritários e povos indígenas, devendo ainda ser claras quanto à não
tolerância da discriminação no sistema penal (UNODC, 2009).
A nível da gestão devem também ser adotadas políticas e medidas que
assegurem a não discriminação entre funcionários. Em alguns países, a etnia
ou a raça dos funcionários podem determinar o cargo desempenhado na
hierarquia institucional, o que é tão inaceitável quanto a discriminação em
relação aos privados de liberdade (UNODC, 2009).

Boas Práticas
Política de não discriminação no sistema penitenciário holandês
As necessidades especiais das minorias e a sua não discriminação são uma
parte fundamental da educação básica dos profissionais que atuam no sistema
penitenciário nos Países Baixos. A não discriminação é integrada na "política
de integridade" do Sistema Penal. Um código de conduta nacional foi
desenvolvido para esse fim e cada instituição foi obrigada a desenvolver um
código de conduta local, integrando uma política de integridade local e uma
estratégia de implementação. Partes desta política estão também integradas
nos procedimentos de recrutamento, na educação básica dos agentes

151
penitenciários, na estrutura de comunicação local e na política de sanções
aplicadas no Sistema (UNODC, 2007).

9.2.3. Acesso à justiça

Os grupos sobrerrepresentados precisam, geralmente, de assistência especial


no que concerne ao acesso à justiça em igualdade de condições com a maioria
da população privada de liberdade. As autoridades judiciais devem estar
conscientes dessa necessidade e, por essa razão, devem fornecer a estes
grupos informações sobre seus direitos legais (em uma língua que estes
entendem, se for o caso) e facilitar o acesso à assistência judiciária. Em
acréscimo, devem também fornecer informações sobre organizações não
governamentais e outros serviços de apoio que auxiliem esses grupos, uma
vez que estes podem constituir um meio importante de assistência,
especialmente em países onde os serviços de assistência jurídica estaduais
são inadequados (UNODC, 2007).

Boas Práticas
Auxilio às minorias no acesso à justiça na África do Sul
No serviço penitenciário da África do Sul, os agentes penitenciários e demais
trabalhadores das unidades prisionais que falam o idioma das minorias aí
representadas são nomeados para prestar apoio e lidar com questões
relacionadas ao acesso à justiça dessas mesmas minorias (UNODC, 2009).

9.2.4. Alojamento e acomodações

9.2.4.1. Medidas de proteção

A alocação das pessoas em situação de privação de liberdade nas unidades


prisionais deve considerar a necessidade de proteger os membros destes
grupos das diferentes formas de abuso e violência racial. Isso não significa
segregar as minorias, mas antes garantir que a sua alocação se baseia na
avaliação de risco de toda a população da unidade, não acomodando, por

152
exemplo, privados de liberdade condenados por delitos diretamente
relacionados com grupos minoritários junto a esses mesmos grupos. Segundo
o UNODC (2015), há um considerável número de ocorrências de violência, em
diferentes países, devido à falta de atenção na alocação de privados de
liberdade pertencentes a minorias étnico-raciais.
Por outro lado, a segregação de minorias e privados de liberdade indígenas
não constitui uma boa prática, uma vez que a integração e o entendimento
mútuo entre privados de liberdade devem ser encorajados. Deve, no entanto,
considerar-se a colocação e acomodação conjunta de membros de diferentes
grupos minoritários e populações indígenas nas unidades prisionais por forma
a que estes possam estabelecer relações entre si. Tal prática baseia-se no
princípio da igualdade de tratamento e não na discriminação, na medida em
que pretende proporcionar aos membros de minorias étnicas e raciais e povos
indígenas as mesmas oportunidades que são dadas à população maioritária:
associar-se a pessoas de sua própria cultura ou de culturas similares (UNODC,
2009).

9.2.4.2. Igualdade: reconhecendo diferentes necessidades

O alojamento facultado a estes grupos deve ser de igual qualidade, sem


discriminação baseada em raça, etnia, religião ou descendência. No entanto, e
na medida do possível, a compreensão da igualdade deve abranger a
consideração de diferentes necessidades. Por exemplo, para membros de
algumas culturas que enfatizam a importância e priorizam a manutenção dos
laços comunitários, a acomodação em celas individuais pode ter um efeito
traumático. Nestes casos, o recurso a dormitórios de tamanho adequado ou
grandes celas compartilhadas deve ser considerado (UNODC, 2009).

Boas Práticas
Respondendo às necessidades específicas de alojamento na Austrália

153
Uma variedade de estratégias de acomodação são empregues nas unidades
prisionais australianas como parte da gestão dos privados de liberdade em
risco de automutilação e/ou suicídio. Para estes casos, dormitórios e
acomodações em celas compartilhadas foram disponibilizados em muitas
unidades. A acomodação em dormitórios tem produzido resultados positivos na
redução dos níveis de angústia entre os privados de liberdade aborígenes
(McArthur, Camilleri, & Webb, 1999).

9.2.5. Vínculos familiares e comunitários

A manutenção de vínculos familiares e comunitários é extremamente


importante para a reintegração social de todos os privados de liberdade e é
necessário que as administrações penitenciárias realizem esforços para
concretizar esses mesmos vínculos.
A manutenção do contato com suas famílias e comunidades adquire um
significado especial para as minorias étnico-raciais e populações indígenas,
sobretudo por forma a contrabalançar o isolamento experimentado no sistema
prisional, devendo por isso ser feitos todos os esforços para que estes grupos
cumpram suas penas o mais próximo possível de suas famílias e comunidades.
Além disso, as administrações penitenciárias devem assegurar que os
visitantes destes grupos não sejam discriminados pelos funcionários das
unidades nas situações de visita, quer seja através do uso de linguagem ou
atitudes desrespeitosas, quer seja pelo recurso a procedimentos de revista que
são mais restritos do que os impostos pela norma.
Da mesma forma, quando as visitas das famílias são difíceis devido à
distância da unidade prisional da comunidade de pertença, a administração
penitenciária deve possibilitar um período de visita maior para compensar as
visitas menos frequentes, permitindo ainda chamadas telefônicas adicionais.
Muitas vezes, o custo das chamadas telefônicas impossibilita os privados de
liberdade economicamente desfavorecidos de manter contato com suas
famílias. Assim, onde os recursos o permitem, o custo destas chamadas deve
ser coberto pelo Estado (UNODC, 2007).

154
Devem também ser realizados esforços no sentido de auxiliar no transporte
de membros das famílias de grupos minoritários e populações indígenas que
vivem a longas distâncias e que não podem custear as viagens até às unidades
prisionais.
Da mesma forma, as administrações penitenciárias podem estabelecer
parcerias com organizações comunitárias e fomentar as visitas e prestação de
apoio destas aos privados de liberdade pertencentes a estes grupos que não
têm vínculos familiares (UNODC, 2007).

Boas Práticas
Ligação comunitária, México
Os/As assistentes sociais estaduais observam o relacionamento dos privados
de liberdade com o mundo extramuros para ajudá-los na reintegração social.
Por exemplo, quando a família de um privado de liberdade indígena não mais o
visita, o/a assistente social visita a sua comunidade para tentar perceber os
motivos desse afastamento. Isso ajuda a tranquilizar os privados de liberdade e
as famílias e auxilia na manutenção e melhoria das relações sociais dentro das
unidades prisionais (PRI, 2007).

9.2.6. Barreiras linguísticas

Os privados de liberdade que não falam ou não dominam a língua mais


comumente falada nas unidades prisionais devem receber cópias escritas das
regras e regulamentos da unidade em uma língua que entendam.
Independentemente da tradução de regras de prisão, elas também devem ser
cuidadosamente explicadas para garantir que todos os pontos sejam
compreendidos, inclusive por aqueles que são analfabetos.
Da mesma forma, durante todas as atividades das unidades prisionais, deve
ter-se o cuidado para que os grupos minoritários recebam traduções e
explicações claras, a fim de evitar o seu isolamento e exclusão dos programas
assistenciais.

155
A administração penitenciária deve fazer esforços para garantir que os
materiais de leitura das bibliotecas estejam disponíveis em todas as línguas
faladas nas unidades.
As minorias étnico-raciais e os povos indígenas devem poder expressar-se
em seu próprio idioma, nunca devendo ser punidos por esse motivo. Devem
também ser autorizados a falar em seu próprio idioma durante as visitas e usar
seu próprio idioma para correspondência e outras formas de comunicação
(UNODC, 2007).

9.2.7. Religião

Devem ser facultadas às minorias étnico-raciais e aos povos indígenas as


condições para o cumprimento dos rituais de suas crenças religiosas ou
espirituais, na medida em que estes diminuem o seu sentimento de isolamento
face à sua própria cultura e tradições e constituem um apoio durante o período
de privação de liberdade.
Desta forma, as administrações penitenciárias devem assegurar que tais
grupos possam observar os princípios da sua religião, em circunstâncias
semelhantes às da demais população de privados de liberdade. Isso inclui o
acesso a um representante de sua própria religião, a realização do culto
comunal, o acesso a alimentação e dietas especiais, e ainda o cumprimento de
eventuais requisitos especiais de higiene.

9.2.8. Acesso à saúde

Como deve acontecer com as demais populações de privados de liberdade


quando da entrada no sistema prisional, também os privados de liberdade
pertencentes a minorias étnico-raciais e populações indígenas devem ser
submetidos a um rastreio de saúde e quaisquer condições existentes devem
ser tratadas.
Estas populações devem também ter igual acesso a todos os serviços de
saúde, sem discriminação, o que significa que os serviços de saúde ofertados
pelas diferentes unidades prisionais devem ter em consideração o contexto

156
cultural dos privados de liberdade que aí se encontram a cumprir pena,
conforme exigido pelo CERD (2005, parágrafo 38).
Da mesma forma, os serviços de assistência e cuidados ao nível da saúde
mental para estes grupos devem respeitar suas culturas e tradições (Principio
7.3. dos Princípios para a Proteção de Pessoas Acometidas de Transtorno
Mental, UN, 1991).
Estudos apontam a significativa incidência de problemas relacionais com o
consumo abusivo de álcool e drogas em alguns grupos minoritários e
populações indígenas, devendo por isso, mas também devido à estreita relação
entre o abuso de substâncias e a prática reiterada de crimes, pensar-se em
programas específicos para o tratamento da dependência química dirigidos a
estas populações.
A este nível é importante também que as administrações penitenciárias
trabalhem em parceria com grupos comunitários, no sentido de delinear
programas de tratamento e de redução de danos adequados às especificidades
destas populações, aumentando assim sua eficácia e facilitando a continuidade
dos cuidados após o cumprimento de pena e reinserção do privado de
liberdade na sociedade.

9.2.9. Programas e projetos assistenciais

9.2.9.1. Trabalho, formação profissional e educação

A maioria dos privados de liberdade pertencentes a minorias étnico-raciais e


populações indígenas apresenta deficits aos níveis da escolarização e
experiencia profissional prévios à sua entrada no sistema prisional, sendo que
um grande número se encontra desempregado quando do encarceramento.
Desta forma, possibilitar aos membros destes grupos a oportunidade de obter
habilitações aos níveis escolar e profissional deve ser considerado um
componente crucial quando se desenham as estratégias de reintegração social
(UNODC, 2009).
Da mesma forma, a estas pessoas devem ser facultadas as mesmas
oportunidade de trabalho, dentro do sistema prisional, que aos demais privados

157
de liberdade, devendo, por isso, as funções que desempenham ter a mesma
qualidade que as desempenhadas pelos demais, o número de horas
trabalhadas ser igual ao dos demais, a remuneração auferida ser a mesma que
a dos demais e desfrutar das mesmas precauções aos níveis da saúde e
segurança dos demais, consideradas suas habilidades e interesses (UNODC,
2009).
Na medida do possível, a capacitação e o trabalho ofertados a estes grupos
devem corresponder às oportunidades de emprego existentes nas
comunidades a que pretendem regressar (UNODC, 2009).

9.2.9.2. Programas específicos: envolvendo a comunidade

Envolver as organizações comunitárias no desenho e implementação de


programas assistenciais é uma ferramenta valiosa para a manutenção dos
vínculos entre os privados de liberdade e o mundo exterior ao sistema prisional,
aliviando a pressão por eles sentida e melhorando a atmosfera das unidades
prisionais.
No caso dos grupos minoritários e dos povos indígenas, é provável que os
contatos contínuos com a comunidade sejam particularmente importantes,
devido ao seu sentimento de alienação e isolamento dentro do sistema e ao
maior nível de angústia experimentado como resultado da ruptura dos laços
com a comunidade, observado em algumas culturas.
Além disso, as organizações comunitárias podem ofertar programas
especializados, culturalmente relevantes, abordando as necessidades dos
privados de liberdade pertencentes à sua etnia, raça ou descendência.
A provisão de programas culturalmente adequados é importante tanto em si
mesmo, quanto para garantir que estes grupos não sejam indiretamente
discriminados na progressão de regime de pena, conforme observado em
alguns países, devido ao não cumprimento do número necessário de
programas de assistência e/ou capacitação, pela indisponibilidade de
programas culturalmente apropriados.

158
Boas Práticas
Apoio aos egressos no Canadá
Os egressos aborígenes são apoiados por um “coordenador de emprego” que
realiza entrevistas e auxilia na procura de emprego. Estes coordenadores
foram especificamente treinados numa técnica específica de avaliação de
habilidades aborígenes desenvolvida pelo Conselho de Desenvolvimento de
Recursos Humanos dos Aborígenes. A técnica é amplamente utilizada na
comunidade aborígene por escolas, conselheiros de emprego comunitários e
pessoas que procuram emprego. Na região das Pradarias Canadenses, dois
dos quatro coordenadores de emprego da comunidade são membros das
comissões de emprego aborígenes em seus distritos de liberdade condicional.
Tal fato possibilita o acesso a uma vasta rede de agências de emprego onde
os egressos podem ser integrados em programas que facilitam a sua
reintegração na comunidade (Boone, 2006).

9.2.10. Segurança

Uma prática comum demonstrativa da franca discriminação a que estes grupos


muitas vezes estão sujeitos é a sua colocação em unidades de alta segurança
sem que uma avaliação cuidada, correta e adequada tenha sido realizada, com
um impacto prejudicial na sua reintegração social e com grande custo para os
diferentes Estados. Desta forma, cabe às diferentes administrações
penitenciárias garantir que as ferramentas de avaliação de risco usadas para
classificar os privados de liberdade não sejam de forma alguma
discriminatórias, tanto na intenção quanto no impacto (UNODC, 2007).
Os grupos minoritários e as populações indígenas devem ser colocados em
unidades prisionais de segurança menos restritiva, à semelhança dos demais
privados de liberdade assim considerados.
A necessidade de proteção especial para alguns dos membros de grupos
minoritários e da população indígena e sua acomodação cuidadosa nas
diferentes unidades prisionais, considerada essa necessidade foi já
mencionada no ponto 9.2.4. deste capítulo.

159
Além disso, os agentes penitenciários devem supervisionar as áreas comuns
com regularidade por forma a evitar qualquer comportamento abusivo e/ou
violento sobre grupos minoritários e populações indígenas.
O uso excessivo de sanções disciplinares sobre estes grupos é um indicador
comum de discriminação dentro das unidades prisionais. As denúncias de
discriminação racial e étnica, assédio e abuso por parte de agentes e demais
funcionários penitenciários e por parte de outros privados de liberdade devem
ser cuidadosamente investigadas pela administração e, idealmente, por uma
autoridade independente (como, por exemplo, autoridades judiciais
responsáveis pelo controle das unidades prisionais) e ações apropriadas
devem ser tomadas.
As restrições físicas devem ser sempre usadas como medida de último
recurso para todos os privados de liberdade, regra que se aplica de igual forma
aos privados de liberdade de minorias étnico-raciais ou de populações
indígenas. Procedimentos claros, entendidos por todos, devem estar em vigor
nas diferentes unidades no que respeita ao uso de restrições físicas. Devem
também existir registros atualizados relativos ao uso deste tipo de restrições,
incluindo os motivos para a sua aplicação (UNODC, 2009).

9.2.11. Monitoramento

As administrações penitenciárias devem criar mecanismos para o


acompanhamento contínuo das ações e comportamentos de discriminação
com base em etnia, raça e descendência. O monitoramento e a avaliação de
comportamentos discriminatórios necessita dar cobertura a todo o percurso
carcerário, quer sejam: as acomodações, o local de trabalho, o local de
aprendizagem e capacitação, as instalações desportivas, as bibliotecas, as
medidas disciplinares impostas, as saídas temporárias, a condição de pré-
egresso e egresso. Qualquer tratamento desigual com base na raça ou etnia
deve ser avaliado e identificada qualquer discriminação direta ou indireta. As
administrações devem ainda tomar medidas com base nos dados recolhidos,
para garantir que o tratamento discriminatório seja eliminado (UNODC, 2012).

160
9.2.12. Condição de pré-egresso e egresso

Os grupos minoritários e as populações indígenas apresentam,


frequentemente, dificuldades ao nível da reintegração social, da procura de
emprego e mesmo ao nível do acesso à saúde. Desta forma, é essencial que a
administração penitenciária comunique e articule com os serviços sociais
existentes nas comunidades de pertença destes grupos, potencializando sua
condição de pré-egresso e egresso (UNODC, 2007).

9.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e


Ações Estratégicas para as Minorias Étnico-Raciais e Populações
Indígenas no Sistema Penal

Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, sistematizam-se abaixo o conjunto de recomendações
internacionais para a formulação de políticas e ações estratégicas para as
minorias étnico-raciais e populações indígenas no Sistema Penal:

PARA AS ADMINISTRAÇÕES PENITENCIÁRIAS

Políticas e Estratégias de Gestão


Para deixar claro o seu compromisso com a igualdade étnico-racial, as
administrações penitenciárias devem:
– Fazer desse compromisso um componente integral das políticas de gestão
das unidades prisionais e apresentar uma declaração, afixando-a em lugar
visível, nos diferentes estabelecimentos penitenciários;
– Estabelecer mecanismos, como a formação de equipes multidisciplinares e
multiculturais que representem os principais serviços e a formalização da
cooperação com representantes de grupos minoritários e povos indígenas na
comunidade, para assessorar a elaboração de políticas e regulamentos
adequados por forma a erradicar a discriminação e melhorar a reintegração
social;

161
– Implementar mecanismos para o acompanhamento/monitoramento contínuo
de ações, comportamentos ou atitudes de discriminação com base na etnia,
raça e descendência e para garantir que o tratamento discriminatório dos
privados de liberdade, com base na raça, etnia e descendência, seja eliminado.

Recursos Humanos
– Aumentar a proporção de grupos sobrerrepresentados na força de trabalho
das unidades prisionais e nomear funcionários de grupos sobrerrepresentados
para cargos em todos os níveis da hierarquia administrativa. Tomar medidas
para garantir que não haja discriminação entre os membros do pessoal com
base na sua raça, etnia e descendência;
– Fazer do treinamento intercultural uma parte integrante dos currículos de
capacitação do pessoal, para ajudá-los a compreender as necessidades
especiais dos grupos minoritários e dos povos indígenas e a integrar a política
de não tolerância face à discriminação racial e étnica.

Alojamento e Acomodações
– Não sobreclassificar os privados de liberdade de grupos minoritários e
populações indígenas, reduzindo assim o uso desnecessário de unidades de
segurança máxima e, consequentemente, os custos de manutenção destas
unidades, bem como a sobrerrepresentação destes grupos nesse tipo de
unidades;
– Garantir que os privados de liberdade pertencentes a minorias étnico-raciais
e povos indígenas sejam acomodados em celas/dormitórios que lhes garantam
proteção face a comportamentos abusivos e violentos e que suas
acomodações sejam de igual qualidade que as dos restantes privados de
liberdade.

Vínculos Familiares e Comunitários


– Fazer todos os esforços para colocar os privados de liberdade de grupos
minoritários e povos indígenas o mais próximo possível de suas comunidades

162
para aumentar as possibilidades de estes manterem vínculos com suas
famílias e comunidades;
– Fazer todos os esforços para garantir que os visitantes de grupos
minoritários e povos indígenas sejam tratados respeitosamente;
– Estabelecer parcerias com organizações comunitárias para incentivar visitas
e apoio a privados de liberdade destes grupos.

Barreiras Linguísticas
– Assegurar que sejam cumpridos os requisitos linguísticos dos grupos
minoritários e dos povos indígenas, incluindo a tradução das regras e
regulamentos da prisão, a interpretação durante as audiências disciplinares e
os programas assistenciais, bem como o fornecimento de materiais de leitura
em línguas minoritárias;
– As regras da unidade prisional devem ser explicadas verbalmente, não
obstante o fato de serem facultadas também por escrito;
– Não devem ser penalizados membros de grupos minoritários e povos
indígenas por fazerem uso de seu próprio idioma, quer verbalmente nas
instalações das unidades, quer em outras formas e espaços de comunicação.

Religião
– Devem ser asseguradas as necessidades espirituais/religiosas dos privados
de liberdade pertencentes a grupos minoritários e populações indígenas,
incluindo o acesso aos representantes de sua própria fé, espaços de adoração,
dietas especiais e requisitos de higiene, conforme relevante.

Acesso à Saúde
– Proporcionar o mesmo acesso aos cuidados de saúde para os privados de
liberdade de grupos minoritários e populações indígenas que os facultados à
demais populações de privados de liberdade, considerando a sua condição de
risco particularmente elevado relativa a certas condições de saúde, como a
dependência de álcool e outras drogas;

163
– Garantir que os cuidados de saúde oferecidos nas unidades prisionais
considerem o contexto cultural dos privados de liberdade.

Programas e Projetos Assistenciais


– Possibilitar aos privados de liberdade de grupos minoritários e populações
indígenas igual acesso a todos os programas e projetos assistenciais e de
reinserção, proporcionando-lhes, desta forma, oportunidades de reintegração
social iguais às dos demais privados de liberdade;
– Considerar a formação profissional, o trabalho e a educação como
componentes fundamentais da reintegração social destes grupos, tendo em
conta a sua situação socioeconômica;
– Fomentar a implementação de ações positivas, desenhando e
implementando programas específicos para os membros de grupos
minoritários e populações indígenas, projetados para abordar os aspectos mais
relevantes de suas culturas e tradições;
– Estabelecer parcerias com organizações comunitárias para projetar e
implementar esses programas e ações estratégicas.

Segurança
– Proceder a classificações corretas e cuidadosas no que respeita ao nível de
segurança atribuído a estas populações, em semelhança aos procedimentos
utilizados para classificação dos demais privados de liberdade;
– Assegurar que os agentes penitenciários supervisionem regularmente as
áreas comuns das unidades prisionais, por forma a evitar quaisquer
comportamentos violentos e/ou abusivos sobre as minorias étnicas e raciais e
as populações indígenas;
– Estabelecer procedimentos claros em relação ao uso de medidas
disciplinares, para garantir que as punições disciplinares não sejam usadas de
forma desproporcional sobre membros de grupos minoritários e populações
indígenas;
– Investigar cuidadosamente as denúncias de discriminação com base na
etnia, raça e descendência, assédio e abuso perpetrados, quer por

164
funcionários do sistema prisional, quer por outros privados de liberdade, e
tomar as medidas disciplinares adequadas.

Condição de pré-egresso e egresso


– Implementar medidas que assegurem que estes grupos possam beneficiar
de medidas de saídas temporárias e progressão de regime em igualdade de
condições com os demais privados de liberdade;
– Eliminar todos os obstáculos que conduzam a um resultado diferente a este
respeito, como a falta de acesso igual a programas de reabilitação e a
discriminação relativa às punições disciplinares aplicadas;
– Promover articulações com os serviços sociais das comunidades no sentido
de potencializar a preparação para a condição de pré-egresso e egresso
destes grupos, garantindo que os requisitos de habitação, bem-estar social,
emprego e cuidados de saúde sejam comtemplados;
– Trabalhar com representantes de grupos minoritários e populações indígenas
na comunidade e organizações da sociedade civil que lhes ofereçam apoio,
para facilitar uma assistência sensível à sua cultura durante o processo de
reintegração social.

165
X. ESTRANGEIROS

10.1. Normas Internacionais

Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos (UN
ECOSOC, 1955)

Disciplina e Sanções
Regra 30
(3) Quando necessário, e se praticável, o recluso deve poder realizar sua
defesa através de um intérprete.
Religião
Regra 41
(1) Se o estabelecimento prisional reunir um número suficiente de reclusos da
mesma religião, deve ser nomeado ou autorizado um representante qualificado
dessa religião. Se o número de reclusos o justificar e as circunstâncias o
permitirem, deve ser encontrada uma solução permanente para a prática
religiosa.
(2) O representante qualificado, nomeado ou autorizado nos termos do
parágrafo 1 desta Regra, deve ser autorizado a organizar periodicamente
serviços religiosos e a fazer, sempre que for aconselhável, visitas pastorais
privadas, num horário apropriado, aos reclusos da sua religião.
(3) O direito de entrar em contato com um representante qualificado da sua
religião nunca deve ser negado a qualquer privado de liberdade. Por outro
lado, se um privado de liberdade se opõe à visita de um representante de uma
religião, a sua vontade deve ser plenamente respeitada.
Regra 42

166
Tanto quanto possível, cada recluso deve ser autorizado a satisfazer as
exigências da sua vida religiosa, assistindo aos serviços ministrados no
estabelecimento prisional e tendo na sua posse livros de rito e prática de
ensino religioso da sua confissão.

Contatos com o mundo exterior


Regra 38
(1) A reclusos de nacionalidade estrangeira devem ser concedidas
facilidades razoáveis para comunicarem com os representantes
diplomáticos e consulares do Estado a que pertencem.
(2) A reclusos de nacionalidade de Estados sem representação diplomática
ou consular no país, e a refugiados ou apátridas, devem ser concedidas
facilidades semelhantes para comunicarem com representantes
diplomáticos do Estado encarregado de zelar pelos seus interesses ou
com qualquer autoridade nacional ou internacional que tenha a seu
cargo a proteção dessas pessoas.

Convenção de Viena sobre Relações Consulares (UN, 1963)

Comunicação com os nacionais do Estado que envia


Artigo 36º
1. A fim de facilitar o exercício das funções consulares relativas aos nacionais
do Estado que envia:30
a) Os funcionários consulares terão liberdade de se comunicar com os
nacionais do Estado que envia e visitá-los. Os nacionais do Estado que
envia terão a mesma liberdade de se comunicar com os funcionários
consulares e de os visitar;
b) Se o interessado assim o solicitar, as autoridades competentes do
Estado receptor31 deverão, sem tardar, informar o posto consular
competente quando, na sua área de jurisdição, um nacional do Estado

30
Por Estado que envia deve entender-se o Estado de origem das pessoas privadas de liberdade ou em conflito com a Lei.
31
Por Estado receptor deve entender-se o Estado onde essas mesmas pessoas se encontram.

167
que envia for preso, encarcerado, posto em prisão preventiva ou detido
de qualquer outra maneira. Qualquer comunicação endereçada ao posto
consular pela pessoa detida, encarcerada ou presa preventivamente
deve igualmente ser transmitida sem tardar pelas referidas autoridades.
Estas deverão imediatamente informar o interessado dos seus direitos,
nos termos da presente alínea;
c) Os funcionários consulares terão direito a visitar o nacional do Estado
que envia que esteja encarcerado, preso preventivamente ou detido de
qualquer outra maneira, conversar e corresponder-se com ele e
providenciar quanto à sua defesa perante os tribunais. Terão igualmente
o direito de visitar o nacional do Estado que envia que, na sua área de
jurisdição, esteja encarcerado ou detido em execução de uma sentença.
Todavia, os funcionários consulares deverão abster-se de intervir em
favor de um nacional encarcerado, preso preventivamente ou detido de
qualquer outra maneira sempre que o interessado a isso se opuser
expressamente.
2. Os direitos a que se refere o parágrafo 1 do presente artigo serão exercidos
de acordo com as leis e regulamentos do Estado receptor, entendendo-se,
contudo, que tais leis e regulamentos não devem impedir o pleno efeito dos
direitos reconhecidos pelo presente artigo.

Recomendação Nº R (84) 12 sobre Reclusos Estrangeiros (Council of


Europe, Committee of Ministers, 1984)

13. Os privados de liberdade estrangeiros, que na prática não gozam de todas


as facilidades concedidas aos nacionais e cujas condições de detenção
geralmente são mais difíceis, devem ser tratados de forma a contrabalançar,
na medida do possível, essas desvantagens.

Modelo de acordo sobre a transferência de privados de liberdade


estrangeiros e recomendações para o tratamento dado a estas pessoas
(UNODC, 1985)

168
Anexo I
I. Princípios Gerais
1. A transferência dos privados de liberdade deve ser levada a cabo tão logo
quando seja decretada a sentença, ou o mais próximo desta data possível,
facilitando o regresso das pessoas condenadas por um crime no exterior para
o seu país de nacionalidade ou de residência para cumprir a sentença. Os
Estados devem, por isso e para tanto, fomentar, mutuamente, todas as medida
de cooperação.
[...]
7. A transferência para o país de nacionalidade ou de residência deve ser
efetuada somente com o livre arbítrio expresso pelo privado de liberdade.
[...]
13. A pessoa transferida para a execução de uma sentença decretada pelo
Estado de condenação não pode ser julgada novamente no Estado
administrante pelo mesmo ato no qual se baseia a sentença a ser executada.
II. Regulamentos processuais
[...]
18. O período de privação de liberdade já cumprido pela pessoa condenada
em qualquer dos Estados deve ser totalmente deduzido da sentença final.
19. Uma transferência não deve, em caso algum, levar ao agravamento da
situação do privado de liberdade.

Anexo II
Recomendações sobre o tratamento dado a privados de liberdade
estrangeiros
1. O privado de liberdade estrangeiro não deve ser alocado em um
determinado estabelecimento prisional com base em sua nacionalidade.

169
2. Os privados de liberdade estrangeiros devem ter o mesmo acesso que os
nacionais à educação, ao trabalho e à formação profissional.
3. Os privados de liberdade estrangeiros devem ser elegíveis para medidas
alternativas à prisão, bem como para saídas autorizadas, de acordo com o
mesmo princípio que rege as medidas aplicadas aos privados de liberdade
nacionais.
4. Os privados de liberdade estrangeiros devem ser informados imediatamente
após a entrada na unidade prisional, em uma língua que entendam e,
preferencialmente, por escrito, das principais características do regime
prisional, incluindo regras e regulamentos relevantes.
5. Os preceitos e costumes religiosos dos privados de liberdade estrangeiros
devem ser respeitados, com referência, acima de tudo, à alimentação e às
horas de trabalho.
6. Os privados de liberdade estrangeiros devem ser informados, sem demora,
do seu direito de solicitar contatos com as suas autoridades consulares, bem
como de qualquer outra informação relevante sobre o seu estatuto. Se um
privado de liberdade estrangeiro deseja receber assistência de uma autoridade
diplomática ou consular, estas devem ser contatadas prontamente.
7. Os privados de liberdade estrangeiros devem receber assistência adequada,
em uma língua que possam entender, ao lidar com pessoal médico ou ao
serem integrados em programas assistências, bem como com relação a
questões que se relacionem com denúncias, acomodações especiais, dietas
especiais, representação religiosa e aconselhamento.
8. Os contatos de privados de liberdade estrangeiros com suas famílias e
agências comunitárias devem ser facilitados, devendo-lhes ser fornecidas
todas as oportunidades necessárias para visitas e correspondência, com o
consentimento do privado de liberdade. Organizações internacionais
humanitárias, como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, devem ter a
oportunidade de ajudar os privados de liberdade estrangeiros.
9. As conclusões dos acordos bilaterais e multilaterais sobre supervisão e
assistência aos infratores com sentenças suspensas ou liberdade condicional

170
podem contribuir ainda mais para a solução do problema enfrentado pelos
infratores estrangeiros.

10.2. Políticas e Práticas para Estrangeiros no Sistema Penal

10.2.1. Políticas relativas às sentenças e às medidas e sanções não


privativas de liberdade

Além das preocupações relativas às medidas cada vez mais punitivas adotadas
tratando-se de indiciados estrangeiros em muitos países, estas pessoas,
segundo o UNODC (2015), encontram-se também em desvantagem após a
decretação da sentença e durante o cumprimento de pena.
Segundo o mesmo Escritório, um dos motivos para o rápido aumento da
população carcerária estrangeira nos diferentes países do mundo fica a dever-
se ao fato desta população não ser considerada para medidas e sanções não
privativas de liberdade, tanto na fase de pré-julgamento, quanto na fase de
cumprimento da sentença, por se considerar que apresenta maior risco de
fuga.
Da mesma forma, os estrangeiros são menos vezes considerados para a
medida de aplicação de fiança, devido ao não cumprimento das condições
prévias de elegibilidade, como a de terem emprego legal.
Também o acesso à justiça pode ser restringido quando o estrangeiro se
encontra em prisão provisória, devido à falta de redes sociais que o possam
auxiliar e facilitar seu acesso aos representantes legais (quer sejam advogados
ou defensores públicos), ou mesmo na compreensão integral de seus direitos.
Ainda segundo o UNODC (2009), devido ao fato da situação de privação de
liberdade representar uma punição particularmente severa para a maioria dos
privados de liberdade estrangeiros, e por forma a pôr em prática o princípio da
não discriminação no sistema de justiça criminal, é necessário desenvolver
respostas efetivas alternativas ao encarceramento e diretrizes de atribuição de
sentença correspondentes, para evitar a discriminação de estrangeiros na sua
condição de elegibilidade para a atribuição de sanções e medidas
comunitárias. Assim, cada caso deve ser tratado individualmente e as

171
hipóteses gerais relativas à elegibilidade dos estrangeiros para medidas e
sanções não privativas de liberdade devem ser evitadas.32

10.2.2. Transferência de privados de liberdade estrangeiros

Sempre que possível, e se for sua vontade, o privado de liberdade estrangeiro


deve ter a oportunidade de ser transferido para seu país de origem para
cumprir sua pena de prisão. Deve-se notar que a "transferência" é
completamente diferente da "deportação", uma vez que a primeira visa auxiliar
o privado de liberdade na reintegração social e reduzir os efeitos nocivos do
cumprimento da pena, enquanto a segunda é executada como medida punitiva
complementar ao cumprimento de pena de privação de liberdade e é realizada,
quase sempre, contra a vontade do privado de liberdade.
A transferência de privados de liberdade é possível sempre que ambos os
países em questão tenham assinado um tratado relativo à transferência de
privados de liberdade estrangeiros.
Existem dois tipos diferentes de tratados ou convenções que constituem a
base da transferência internacional de privados de liberdade: os tratados
multilaterais, que são acordos legais entre vários países, como a Convenção
do Conselho da Europa sobre a Transferência de Pessoas Sentenciados
(assinada por todos os países pertencentes ao Concelho da Europa, com
exceção do Mônaco, e por 23 países não membros da União Europeia,
incluindo o Brasil)33 (Council of Europe, 1993), o Acordo da Commonwealth
entre Nações para a Transferência de Presos Condenados (inicialmente
assinado por sete países)34, ou a Convenção Interamericana sobre
Atendimento a Sentenças Criminais no Exterior (assinado por doze países,
incluindo o Brasil);35 e os tratados bilaterais, que são acordos entre dois países
e podem incorporar condições especiais para satisfazer necessidades
particulares (APPCA, 2014, UNODC, 2012).
32
Para informações complementares pode ser consultado o Manual do UNODC de Princípios Básicos e Boas Práticas sobre
Alternativas à Prisão (UNODC, 2007).
33
Mais informações disponíveis em: http://www.coe.int/en/web/conventions/full-list/-/conventions/treaty/112/signatures?
p_auth=H8nPTriN.
34
Disponível em: https://www.gov.uk/government/publications/commonwealth-scheme-agreement-on-transfer-of-offenders.
35
Disponível em: http://www.oas.org/juridico/english/sigs/a-57.html.

172
Para que uma transferência tenha lugar e sirva para fins de reintegração
social, o privado de liberdade deve manifestar o desejo de cumprir a sentença
em seu país de origem (UNODC, 2012). Este requisito garante que as
transferências não sejam utilizadas como método de expulsão de privados de
liberdade estrangeiros ou como meio de extradição disfarçada (UNODC, 1985).
Uma das condições mais importantes para que a transferência possa ter
lugar é a inexistência de risco de dupla sentença, ou seja, não pode haver
qualquer dúvida quanto à impossibilidade do privado de liberdade ser
novamente julgado e condenado pelo mesmo crime. Além disso, o Estado que
o recebe está vinculado pelos fatos, uma vez que eles derivam, explicita ou
implicitamente, da sentença estrangeira decretada. A situação penal do privado
de liberdade não pode ser agravada, quer no período de cumprimento de pena,
quer no tipo de punição a ser aplicada (por exemplo, a execução de trabalho
forçado). No entanto, o Estado que recebe o privado de liberdade pode reduzir
a sanção imposta pelo Estado em que este foi condenado (UNODC, 1985).
Uma transferência irá, obviamente, minimizar as dificuldades adicionais que
os estrangeiros enfrentam nas unidades prisionais já referidas e potenciar sua
reintegração social. A transferência de privados de liberdade para o
cumprimento de suas sentenças em seus países de origem, caso estes assim
o desejem, deve ser considerada o mais precocemente possível, logo após a
decretação da sentença. Para tanto, os privados de liberdade devem receber
informações claras e completas sobre o seu direito de solicitar essa
transferência e as consequências legais que a mesma acarreta, para que
possa tomar uma decisão informada sobre a sua situação (UNODC, 1985).

10.2.3. Administração Prisional

10.2.3.1. Políticas e estratégias de gestão

Tendo em conta a grande percentagem, o rápido aumento do número de


privados de liberdade estrangeiros nos sistemas penitenciários de todo o
mundo e as suas demandas específicas, é necessário que as administrações
penitenciárias desenvolvam políticas e estratégias que garantam que a

173
reintegração social deste grupo vulnerável seja facilitada de uma forma eficaz e
sustentável. Embora a assistência prestada por organizações não
governamentais e projetos desenvolvidos pelas próprias administrações
penitenciárias sejam valiosos, seu efeito é limitado e insustentável, a menos
que seja parte de uma ampla estratégia de gerenciamento geral.
Segundo Bhui (2004), o cuidado com os privados de liberdade estrangeiros
deve ser um elemento essencial das estratégias gerais de gestão,
desenvolvidas, desde logo, pelo órgão responsável pela gestão do sistema
penitenciário ao nível do governo central, devendo as diretrizes sobre políticas
e práticas ser emitidas por este órgão – no caso de Brasil, pelo Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN).
Ainda segundo o autor, e por forma a pensar e dar resposta a todas as
questões e demandas específicas da população de privados de liberdade
estrangeiros, deve considerar-se a designação de um consultor de política e
estratégia de um país estrangeiro para atuar ao nível do governo central e, ao
nível descentralizado – nos locais em que o número de privados de liberdade
estrangeiros justifique este compromisso – devem existir coordenadores não
nacionais para assuntos ligados à população de privados de liberdade
estrangeira, responsáveis pelo trabalho com esta população nas próprias
unidades prisionais.
Deve também considerar-se a possibilidade de formar, nas unidades
prisionais, grupos de apoio para esta população conduzidos por cidadãos
estrangeiros, não apenas com o intuito de prestar suporte, mas também por
forma a canalizar os pedidos e solicitações destes privados de liberdade para a
administração penitenciária. Estes grupos podem trabalhar em estreita
colaboração com os coordenadores para assuntos ligados à população de
privados de liberdade estrangeira sugeridos acima (Bhui, 2004).36
A consulta de representantes comunitários desta população, sobretudo
daqueles que representam a nacionalidade da maioria dos privados de
liberdade de uma unidade prisional ou mesmo do sistema penitenciário de um

36
Estas recomendações baseiam-se nos resultados francamente positivos verificados na unidade prisional de Wandsworth, no Reino
Unido, onde a existência – com reuniões regulares – de grupos de apoio a privados de liberdade estrangeiros, liderados também por
pessoas de outros países, mostraram ser uma prática e estratégia essencial para a melhoria da assistência prestada a esta população
(Bhui, 2004).

174
país, deve ser considerada na formulação de políticas e estratégias de ação
específicas.
Da mesma forma, as administrações penitenciárias devem empenhar-se no
desenvolvimento de políticas e programas, baseados em diretrizes nacionais,
que atendam às necessidades específicas deste grupo vulnerável. Devem
também desenvolver padrões mensuráveis para avaliar os resultados dessas
mesmas políticas, programas e práticas. A coleta e avaliação de dados deve
constituir um elemento integral das políticas de gestão destinadas a privados
de liberdade estrangeiros, bem como destinadas à restante população
penitenciária, permitindo a melhoria e adequação das estratégias e de sua
implementação (Prison Reform Trust, 2004).

10.2.3.2. Recursos Humanos

Estratégias e práticas que visem atender às demandas específicas dos


privados de liberdade estrangeiros devem ser elementos essenciais das
políticas de gestão relativas à seleção e treinamento de todo o pessoal que
trabalha no sistema penitenciário.
Os resultados negativos relativos à falta de treinamento adequado para o
desempenho das funções no que concerne à população de privados de
liberdade estrangeiros têm sido observados em vários estudos (Bhui, 2004): a
falta de treinamento adequado leva a falhas na comunicação entre funcionários
e privados de liberdade estrangeiros, à incapacidade do pessoal para
responder às necessidades específicas destes privados de liberdade e,
consequentemente, a situações e sentimentos de desconfiança e frustração em
ambas as partes. Desta forma, o treinamento dos funcionários do sistema
penitenciário, sobretudo daqueles que estão diretamente ligados à
administração e dos agentes penitenciários, deve abordar questões
relacionadas com todo o processo de gestão de privados de liberdade
estrangeiros, encorajando atitudes de compreensão face a culturas, costumes
e línguas distintas, métodos de resposta adequada face às necessidades
específicas desta população, bem como métodos de cooperação com outros
entes envolvidos em questões relativas a cidadãos não residentes, em

175
particular, autoridades responsáveis pelas questões de imigração (EU Foreign
Prisoners Project, 2006, 2017).

10.2.4. Acesso à justiça

As administrações e autoridades penitenciárias devem fornecer informações


claras aos privados de liberdade estrangeiros sobre seus direitos legais em
uma língua que estes entendam, bem como informações e detalhes de contato
de organizações que os ajudam no acesso à justiça.
Da mesma forma, as administrações e autoridades penitenciárias devem
providenciar instalações para que estes privados de liberdade se possam reunir
com membros de organizações que prestam assistência jurídica ou com seus
advogados/defensores públicos e facultar, se necessário, acesso a um
intérprete durante essas reuniões (UNODC, 2009).

Boas Práticas
Sessões de informação legal para privados de liberdade estrangeiros na
Bélgica
A fim de proporcionar aos privados de liberdade estrangeiros uma visão mais
aprofundada dos procedimentos legais, algumas unidades prisionais belgas
organizam sessões de informação ministradas por advogados (EU Foreign
Prisoners Project, 2015).

10.2.5. Classificação e acomodações

A sobreclassificação deve ser evitada. Os privados de liberdade estrangeiros


devem ser classificados e alocados em um nível de segurança apropriado, com
base em uma avaliação de risco a ser realizada na porta de entrada da unidade
prisional, semelhante àquela a que estão sujeitos os demais privados de
liberdade.
A alocação de privados de liberdade estrangeiros nos diferentes
estabelecimentos penitenciários não deve ser realizada apenas em função de

176
sua nacionalidade, devendo ainda ser tidas em conta as suas necessidades
específicas durante este processo de avaliação.
Deve ser fomentada a alocação dos privados de liberdade em unidades
prisionais específicas quando, por exemplo, a mesma contribua para a
diminuição de seu sentimento de isolamento devido à possibilidade de se
comunicar com outros da mesma nacionalidade, religião ou cultura. Da mesma
forma, deve ser considerada a alocação de privados de liberdade em capitais,
ou em regiões limítrofes, para facilitar o contato destes com os representantes
consulares e facilitar também o transporte de familiares e outros visitantes que
possam vir do exterior para o efeito – conforme recomendações da EU Foreign
Prisoners Project (2006).

Boas Práticas
Colocando privados de liberdade estrangeiros perto de suas casas na
Polônia
Na Polônia, cidadãos da Europa Oriental são colocados em unidades prisionais
situadas perto da fronteira leste para facilitar visitas de famílias (EU Foreign
Prisoners Project, 2015).

10.2.6. Vínculos familiares e comunitários

O contato com o mundo exterior é um elemento essencial da reintegração


social para todos os privados de liberdade, conforme tivemos já oportunidade
de referir. No caso destes serem estrangeiros, a comunicação com familiares e
amigos é particularmente importante para diminuir o impacto do isolamento
experienciado numa unidade prisional em um país que não é o seu.
Conforme também referido, imediatamente após a entrada no sistema
prisional, os estrangeiros devem ser informados sobre seu direito de contatar
seus representantes diplomáticos. As autoridades penitenciárias devem
permitir e fomentar este contato num curto espaço de tempo, a menos que o
privado de liberdade se oponha expressamente a tal ação, e essa comunicação
deve ser facilitada (UNODC, 2012).

177
Segundo as recomendações do UNODC (2012), nos casos em que a
comunicação regular dos privados de liberdade estrangeiros com suas famílias
for difícil devido à residência destas em outro país, as administrações
penitenciárias devem fornecer meios adicionais para compensar essa
desvantagem, podendo estes meios incluir: o aumento dos contatos telefônicos
(permitindo que os privados de liberdade estrangeiros liguem para as famílias
em horários que considerem o fuso dos seus países de origem) ou visitas mais
longas, para compensar a infrequência das mesmas.
Nas administrações em que os recursos o permitem, deve ainda ser
considerada a assistência financeira para cobrir despesas de viagem e o uso
de meios de comunicação, como os telefones, as videoconferências e o acesso
a outras ferramentas da internet, por exemplo.
Como também já foi salientado, as organizações não governamentais que
apoiam os privados de liberdade estrangeiros devem ser encorajadas a realizar
visitas às unidade prisionais e implementar programas assistenciais adequados
às demandas específicas desta população. Os detalhes dos contatos de tais
organizações devem ser disponibilizados aos privados de liberdade.
Este apoio de organizações comunitárias mostra-se extremamente benéfico
para as administrações penitenciárias, que geralmente não estão em condições
de atender todas as demandas dos privados de liberdade estrangeiros
(UNODC, 2012).

10.2.7. Barreiras linguísticas

Muitas das demandas e ações a implementar face às barreiras linguísticas


foram já elencadas no capítulo destinado às minorias étnico-raciais e
populações indígenas, dado que muitas vezes estas populações são
maioritariamente constituídas por estrangeiros.
Assim, conforme já salientado, a incapacidade de se comunicar na língua
mais comumente falada na unidade prisional em que se encontram a cumprir
pena constitui a barreira mais severa para a capacidade dos cidadãos
estrangeiros lidarem com sua situação de privação de liberdade, representando
a raiz de muitos dos seus problemas, quer sejam o isolamento, a falta de

178
acesso aos diferentes serviços, o entendimento das regras e regulamentos das
unidades prisionais, entre outros. Por conseguinte, é de extrema importância
que as administrações penitenciárias façam todos os esforços para reduzir as
desvantagens causadas por essas barreiras linguísticas.
Desta forma, as regras e regulamentos das unidades prisionais devem ser
disponibilizados por escrito e em várias línguas, correspondentes às
nacionalidades mais comumente aí representadas. Ainda, os privados de
liberdade estrangeiros devem receber uma cópia das regras e regulamentos da
unidade prisional na porta de entrada e cópias adicionais devem estar
disponíveis nas bibliotecas das unidades. Em acréscimo, as regras e
regulamentos devem ainda ser explicados cuidadosamente a cada privado de
liberdade num idioma que ele entenda, imediatamente após a entrada no
sistema prisional e, posteriormente, conforme necessário.
As bibliotecas das unidades prisionais devem disponibilizar uma quantidade
adequada de livros, periódicos e jornais em uma variedade de línguas
estrangeiras, devendo os privados de liberdade ser informados dessa mesma
disponibilidade (em um idioma que entendam). As administrações
penitenciárias podem e devem procurar a assistência de serviços consulares e
organizações da sociedade civil para complementar suas bibliotecas (UNODC,
2012).
Na medida do possível, os privados de liberdade da mesma nacionalidade e
que, por conseguinte, falam a mesma língua, devem ser acomodados próximos
uns dos outros, consideradas as preocupações de segurança e a vontade dos
próprios privados de liberdade. Devem também ter permissão para trabalhar e
passar tempo de lazer juntos. E, embora esta prática possa implicar o risco de
formação de subgrupos de privados de liberdade e enfatizar as diferenças, tais
riscos podem ser atenuados por uma abordagem de gestão inclusiva e
facilitando ativamente a participação igual de todos os privados de liberdade
em programas e atividades (UNODC, 2009).
A todos os privados de liberdade estrangeiros, mas especialmente aos
sentenciados a longas penas de privação de liberdade, deve ser dada a
oportunidade de aprender a língua falada no país de prisão (podendo essas

179
aulas ser lecionadas por outros privados de liberdade com habilidades
vocacionais de ensino), devendo a frequência desses cursos ser
adequadamente recompensada (UNODC, 2009).
Os serviços de assistência jurídica, aconselhamento e serviços médicos,
audiências disciplinares e mecanismos de denúncia devem ter em conta os
requisitos de idioma dos privados de liberdade estrangeiros e o recurso a
interpretação, conforme necessário.
Quando os recursos financeiros das administrações penitenciárias são
limitados, outros privados de liberdade podem ser nomeados como intérpretes
de seus pares da mesma nacionalidade, desde que o privado de liberdade que
necessita desse serviço de tradução dê o seu consentimento (UNODC, 2012).
Em acréscimo, os privados de liberdade devem ser autorizados a usar seu
próprio idioma durante as visitas e para as comunicações escritas e por
telefone (UNODC, 2012).

Boas Práticas
Aprendendo outra língua em Espanha e na Bélgica
As Regras Penitenciárias Espanholas estabelecem diretrizes específicas para
os privados de liberdade estrangeiros, disponibilizando cursos de espanhol nas
unidades prisionais para os estrangeiros que aí se encontram a cumprir suas
penas. E, na maioria das unidades prisionais Belgas, é possível fazer cursos
de línguas e, às vezes, são disponibilizados também programas de
alfabetização em várias idiomas (EU Foreign Prisoners Project, 2015).

10.2.8. Cultura e religião

Os privados de liberdade estrangeiros têm, conforme referido, demandas


específicas decorrentes de sua cultura e crenças religiosas que podem ser
respondidas sem a necessidade do uso de recursos financeiros adicionais
significativos por parte das administrações penitenciárias. É essencial atender
a essas demandas, não apenas por elas serem importantes em si mesmas,
mas porque ao atendê-las as administrações penitenciárias sinalizarão uma
atitude positiva de reconhecimento e respeito pelas diversidades, ao mesmo

180
tempo em que minimizarão os sentimentos de isolamento e de alienação
vivenciados por um grande número de privados de liberdade estrangeiros.
Os privados de liberdade deverão ter acesso a representantes/autoridades
de sua religião, se assim o desejarem, e deve ser prestada assistência no
cumprimento dos princípios de sua religião, quer por meio, por exemplo, da
disponibilização de espaços para oração, quer facultando a possibilidade do
cumprimento dos requisitos específicos de higiene ou de alimentação, caso os
haja (UNODC, 2012).

10.2.9. Programas e projetos assistenciais

As administrações penitenciárias e os próprios privados de liberdade


envolvidos devem ser informados, com a maior brevidade possível, sobre as
situações de deportação após o cumprimento da pena, por forma a poder
planejar um adequado processo de reabilitação, com a frequência dos
programas e projetos assistenciais para pré-egressos e egressos que mais se
adequam à situação concreta.
Neste sentido, as administrações penitenciárias devem realizar todos os
esforços para garantir que estes privados de liberdade tenham oportunidades
iguais às dos demais, no que diz respeito à participação em programas e
projetos educacionais, de formação profissional, entre outros.
A articulação e cooperação com grupos comunitários e organizações da
sociedade civil devem ser promovidas no sentido de buscar apoios em
programas específicos que considerem as especificidades culturais dos países
para onde os privados de liberdade estrangeiros irão retornar (UNODC, 2009).

Boas Práticas
Desenvolvimento de programas especiais para privados de liberdade
estrangeiros no Reino Unido
Em uma unidade prisional do Reino Unido, a Hibiscus, uma ONG nacional,
presta serviços regulares a privados de liberdade estrangeiros. Um membro da
equipe da unidade prisional participou da conferência internacional Hibiscus
sobre o trabalho com privados de liberdade estrangeiros e uma série de

181
estratégias foram desenvolvidas e adaptadas como resultado. Por exemplo, a
unidade prisional providenciou pequenos cursos de gerenciamento de
pequenas empresas em resposta à necessidade de ajudar as mulheres a
desenvolver habilidades que seriam de uso imediato em seus países de origem
(HM Inspectorate of Prisons, 2006).

10.2.10. Condição de pré-egresso e egresso

No que diz respeito às condições de pré-egresso e egresso, verifica-se a


necessidade de estabelecer estratégias de atuação diferentes para os três
grupos distintos de privados de liberdade estrangeiros:
(a) Para aqueles que serão deportados para seu país de origem;
(b) Para aqueles que permanecerão no país em que se encontram a cumprir
pena;
(c) Para aqueles que têm decisões relativas ao seu estatuto de imigração ainda
pendentes.
Sendo que os coordenadores responsáveis pelos assuntos dos privados de
liberdade estrangeiros, recomendados no ponto 10.2.3.1, devem desempenhar
um papel ativo no reassentamento de estrangeiros.
Na maioria dos países é necessário melhorar a cooperação e o intercâmbio
de informações entre as autoridades de imigração e as administrações
penitenciárias, para que os privados de liberdade estrangeiros possam ser
mantidos informados sobre seu estatuto.
Conforme também já mencionado, estes privados de liberdade devem ser
informados em caso de decisão de deportação o mais precocemente possível
durante o cumprimento de suas sentenças, a fim de que possam ser
planejados programas e ações adequados à sua reabilitação e preparação
para a condição de pré-egresso e egresso. Tal situação implica o
desenvolvimento de uma forte cooperação e estratégias de ação conjuntas
entre os órgãos de imigração e as autoridades penitenciárias (UNODC, 2012).
Em acréscimo, devem ser realizadas sessões de esclarecimento para esta
população, com foco nas questões específicas que estes estrangeiros enfrentar
quando libertados: tanto no caso de deportação, quanto no caso de

182
permanecerem no país em que se encontram a cumprir pena. Neste último
caso, deve também ser incentivada a cooperação com organizações da
sociedade civil e serviços de aconselhamento sobre todos os aspectos ligados
à imigração (UNODC, 2012).
As administrações penitenciárias devem garantir que as decisões relativas à
progressão de regime e saídas temporárias, bem como a alternativas penais,
não serão influenciadas pelo fato de estes privados de liberdade não serem
nacionais do país em que se encontram ou pelo fato de se encontrarem na
iminência da deportação. A avaliação do risco de fuga destes privados de
liberdade deve ser realizada com base nas características pessoais de cada
uma destas pessoas e não deve ser assento no fato de ela ser de outra
nacionalidade. Medidas alternativas podem ser acionadas por forma a
supervisionar estes privados de liberdade quando da atribuição de qualquer
uma das medidas supracitadas (UNODC, 2009).

Boas Práticas
Apoio das ONGs aos privados de liberdade estrangeiros em Espanha
Em Espanha, algumas organizações não governamentais fornecem abrigos e
dormitórios seguros para tornar possível aos privados de liberdade
estrangeiros a saída do sistema prisional (EU Foreign Prisoners Project, 2015).

Atente-se às seguintes especificidades:


a. Detenção após o cumprimento de pena: se, após a conclusão do
cumprimento de sua sentença, o estatuto de um privado de
liberdade estrangeiro não tiver sido devidamente esclarecido
devido a questões pendentes relacionadas com a imigração, a
detenção não deve ser prolongada, como regra geral. Estas
decisões devem basear-se em avaliações de risco individuais,
devendo sempre ser dada preferência à aplicação de medidas
alternativas, como a supervisão à sua condição de egresso.
Ainda, caso estes privados de liberdade tenham que permanecer
em situação de privação de liberdade após o término do

183
cumprimento da sentença devido a este tipo de questões, devem
ser transferidos para instalações separadas e específicas para
abrigar detidos imigrantes, projetadas para esse fim e dotadas de
pessoal devidamente qualificado e especialmente treinado, onde
lhes serão oferecidas condições materiais e um regime adequado
à sua situação jurídica. Deve ainda considerar-se que a
acomodação, o regime e a atmosfera destes centros de detenção
para imigrantes devem distinguir-se, radicalmente, das unidades
prisionais. Os detidos devido a questões relacionadas com seu
estatuto de imigração devem ter todas as possibilidades para se
comunicar com seus representantes legais e serviços de
imigração. Em acréscimo, informações sobre detalhes de contato
de consultores jurídicos, serviços de apoio e serviços de
imigração estadual devem estar sempre disponíveis em vários
idiomas. Deve também haver serviços de tradução e interpretes
adequados.
b. Privados de liberdade estrangeiros que permanecem no país em
que se encontram a cumprir suas sentenças: estes privados de
liberdade devem ter igual acesso a serviços, como serviços de
apoio psicossocial e emprego, e o contato entre estes serviços e
os privados de liberdade deve ser facilitado pelas administrações
penitenciárias (UNODC, 2012).

Boas Práticas
Preparação para a condição de egresso
Dinamarca
Nas unidades prisionais dinamarquesas foi instituído, em 2000, um programa
de mentores para jovens privados de liberdade estrangeiros. O mentor é um
adulto que não faz parte do sistema prisional e cuja tarefa é apoiar o privado
de liberdade na sua condição de pré-egresso e egresso. Este programa
recebeu o 'International Community Justice Award' em 2004.

184
Holanda
O Serviço de Conexão com os Privados de Liberdade Estrangeiros do Serviço
de Liberdade Condicional Holandês tem como objetivo reduzir e evitar
possíveis danos sofridos por cidadãos holandeses detidos em outros países,
tornando possível o retorno adequado dos mesmos à sociedade holandesa.
Criado em 1975, este Serviço trabalha em estreita articulação com o Ministério
dos Negócios Estrangeiros e suas embaixadas, recebendo financiamento
deste Ministério e do da Justiça. Com uma equipe de nove coordenadores,
oferece assistência a um total de 2.500 privados de liberdade no exterior
através de uma rede de 275 voluntários – cidadãos holandeses emigrantes –
que os visitam regularmente nas unidades prisionais, prestando-lhes
aconselhamento e orientação durante o cumprimento de pena. O escritório
realiza ainda avaliações sociais e fornece relatórios de inquéritos realizados no
exterior às autoridades Holandesas. Contribui também, dentro de seus limites
de atuação, para uma preparação adequada destes privados de liberdade para
a condição de egresso (EU Foreign Prisoners Project, 2015).

10.3. Recomendações Internacionais para a Formulação de Políticas e


Ações Estratégicas para os Privados de Liberdade Estrangeiros no
Sistema Penal

Com base em toda a documentação consultada que foi sendo citada ao longo
deste capítulo, apresenta-se o conjunto de recomendações internacionais para
a formulação de políticas e ações estratégicas para os privados de liberdade
estrangeiros no Sistema Penal:

PARA AS AUTORIDADES CONSULARES

– Devem ajudar os seus nacionais detidos, visitando-os regularmente e


oferecendo assistência no acesso à justiça e à reabilitação social, facilitando o
contato com advogados, familiares e grupos comunitários;
– Devem considerar a produção de folhetos informativos com detalhes de
contato das autoridades consulares, assistência oferecida e acordos de

185
transferência, a serem disponibilizados a privados de liberdade estrangeiros na
porta de entrada das unidades prisionais.

PARA O PODER JUDICIÁRIO

– Deve garantir que os estrangeiros não sejam prejudicados quando da


consideração de medidas alternativas à prisão, tanto em fase pré-julgamento
quanto em sede de sentença.

PARA AS ADMINISTRAÇÕES PENITENCIÁRIAS

– Devem fornecer informações claras e completas sobre o direito dos privados


de liberdade condenados a solicitar transferência para seu próprio país para aí
cumprir a pena de privação de liberdade e as consequências legais que esta
transferência acarreta, para que estes possam tomar uma decisão informada;
– Devem auxiliar na transferência de privados de liberdade estrangeiros para
os seus países de origem, nos casos em que estes a solicitem, articulando
com todos os entes envolvidos no processo, mesmo com aqueles que se
encontram no exterior.

Políticas e Estratégias de Gestão


– Incluir a população de privados de liberdade estrangeiros nas estratégias
gerais de gestão e administração prisional desenvolvidas pelo órgão nacional
responsável pela administração penitenciária e difundir diretrizes para todas as
administrações penitenciárias, devendo estas cumprir os requisitos de tais
estratégias;
– Considerar, ao nível da administração central, a designação de um consultor
de políticas e estratégias não nacional e considerar também, ao nível

186
descentralizado – e onde o número de privados de liberdade estrangeiros
assim o justifique – a designação de coordenadores não nacionais
responsáveis por todos os assuntos relativos a esta população;
– Considerar a formação de grupos de apoio, liderados por cidadãos
estrangeiras, nas unidades prisionais;
– Consultar representantes comunitários da população de privados de
liberdade estrangeira para a formulação de políticas e estratégias de ação;
– Motivar e incentivar os administrações penitenciárias a desenvolver
programas com base nas diretrizes nacionais;
– Desenvolver padrões mensuráveis para avaliar os resultados dessas
políticas, programas e ações estratégicas implementadas, permitindo a sua
melhoria.

Recursos Humanos
– Incluir questões relacionadas com a gestão dos privados de liberdade
estrangeiros em treinamentos regulares para administrações e agentes
penitenciários, bem como para o restante pessoal que trabalha no sistema;
– Ofertar cursos de línguas estrangeiras para os profissionais penitenciários.

Acesso à Justiça
– Informar os privados de liberdade estrangeiros dos seus direitos legais numa
língua que estes entendem, bem como auxiliar e facilitar o acesso à justiça em
cooperação com as organizações da sociedade civil que prestam este tipo de
assistência.

Classificação e Acomodação
– Não classificar os cidadãos estrangeiros de forma desadequada, atribuindo-
lhes uma classificação de segurança mais elevada do que aquela que,
considerados os riscos reais que representam, efetivamente necessitam;
– Classificar os privados de liberdade estrangeiros e alocá-los em um nível de
segurança com base em uma avaliação de risco a ser realizada na porta de

187
entrada das unidades prisionais, cumprindo os critérios aplicados aos demais
privados de liberdade;
– Considerar as demandas específicas dos privados de liberdade durante esse
processo de avaliação e classificação, colocando-os, por exemplo, em
unidades prisionais onde existam possibilidades de se comunicarem com
outros da mesma nacionalidade, religião ou cultura;
– Considerar a alocação dos privados de liberdade estrangeiros na capital ou
perto desta, para facilitar o contato com os representantes consulares e para o
transporte de familiares e outros visitantes do exterior que se deslocam para o
efeito.

Vínculos Familiares e Comunitários


– Informar os privados de liberdade estrangeiros sobre o seu direito de entrar
em contato com seus representantes diplomáticos imediatamente após entrada
no sistema prisional, por forma a possibilitar esse contato, caso o privado de
liberdade assim o deseje, e providenciar facilidades de comunicação;
– Para compensar a falta de comunicação adequada dos privados de liberdade
estrangeiros com seus familiares, permitir e facilitar acesso a meios de
comunicação alternativos e flexíveis;
– Fomentar o trabalho das organizações da sociedade civil junto aos privados
de liberdade estrangeiros.

Barreiras Linguísticas
– Garantir que as regras e os regulamentos das unidades prisionais estejam
disponíveis por escrito em várias línguas, correspondentes às nacionalidades
mais comumente representadas nas unidades prisionais e fornecer a cada um
dos privados de liberdade estrangeiros cópia dessas mesmas regras e
regulamentos na porta de entrada do sistema prisional;
– Disponibilizar cópias adicionais, em vários idiomas, dos regulamentos
internos nas bibliotecas;

188
– Explicar cuidadosamente os regulamentos da unidade a cada um dos
privados de liberdade num idioma que ele entenda, imediatamente após a
admissão na unidade prisional e posteriormente, conforme necessário;
– Garantir que as bibliotecas das unidades prisionais tenham uma quantidade
adequada de livros, periódicos e jornais numa variedade adequada de idiomas
estrangeiros;
– Facilitar a comunicação entre privados de liberdade da mesma
nacionalidade, levando em consideração questões de segurança e a vontade
dos próprios;
– Proporcionar oportunidade a estes privados de liberdade de aprenderem a
língua falada no país em que se encontram em situação de privação de
liberdade;
– Garantir que o recurso a um intérprete esteja disponível durante o
aconselhamento jurídico, prestação de cuidados de saúde, audiências
disciplinares e procedimentos de denúncia;
– Permitir que os privados de liberdade se expressem em sua língua durante
visitas e outras formas de comunicações por eles utilizadas.

Cultura e Religião
– Garantir que os privados de liberdade estrangeiros tenham acesso aos
representantes de sua religião, se assim o desejarem, e a instalações
adequadas para cumprir seus cultos e cerimônias religiosas;
– Atender aos requisitos dietéticos dos privados de liberdade estrangeiros.

Programas e Projetos Assistenciais


– Assegurar que os privados de liberdade estrangeiros tenham oportunidades
iguais no que respeita à educação, treinamento profissional e outros
programas assistenciais – o que implicará uma ação afirmativa por parte das
administrações penitenciárias, como a disponibilização de intérpretes, a
tradução de materiais e aulas para outros idiomas etc.;
– Garantir que estes privados de liberdade tenham igual acesso aos locais de
trabalho nas unidades prisionais;

189
– Introduzir programas específicos para atender às demandas dos privados de
liberdade estrangeiros em consulta e parceria com grupos comunitários de
cidadãos estrangeiros ou organizações não governamentais;
– Desenvolver programas específicos para auxiliar a integração de privados de
liberdade estrangeiros que serão transferidos para seu país de origem para
cumprir suas sentenças.

Condição de pré-egresso e egresso


– Desenvolver uma estratégia conjunta e mecanismos de coordenação com as
autoridades de imigração para melhorar o fluxo de informações e assistência
prestadas a privados de estrangeiros que tenham questões de imigração
pendentes;
– Informar estes privados de liberdade e as administrações penitenciárias, o
mais brevemente possível após a decretação da sentença sobre a eventual
deportação após o cumprimento de pena, por forma a permitir o planejamento
de programas e estratégias da reabilitação adequados à condição de pré-
egresso e egresso;
– Assegurar que os privados de liberdade estrangeiros recebam acesso igual a
serviços de assistência e facilitar o contato com esses mesmos serviços;
– Implementar sessões de esclarecimento para estes privados de liberdade
com foco nas questões específicas que enfrentarão na situação de egressos.

190
XI. SISTEMATIZAÇÃO DAS PRÁTICAS E POLÍTICAS PARA AS
DIVERSIDADES IDENTIFICADAS PELOS DIFERENTES
ESTADOS

Conforme referido, o produto anterior previu a realização do levantamento e


sistematização das demandas relativas aos grupos populacionais vulneráveis
em situação de privação de liberdade, sendo que este prevê o levantamento e
sistematização das práticas e políticas específicas para estes grupos que já
vêm sendo executadas, tanto no Brasil, quanto internacionalmente, por forma a
balizar e sustentar as futuras propostas técnicas que irão subsidiar a
construção da Política Nacional de Diversidades no Sistema Penal, objetivo
último desta consultoria.
Assim, e para execução destas duas tarefas no que diz respeito às
especificidades dos diferentes estados da federação, foi construído um
questionário de respostas abertas com duas questões:
I. Quais as principais demandas das populações vulneráveis no sistema
prisional do seu Estado?
II. Quais as políticas ou programas que estão já sendo desenvolvidas em
seu Estado, visando colmatar essas demandas ou outras necessidades
específicas dessas populações?
Os dados obtidos com a resposta dos dezenove estados que preencheram o
questionário à primeira pergunta subsidiaram a sistematização apresentada no
produto anterior e os dados obtidos com as respostas à segunda pergunta
subsidiam a sistematização que agora se apresenta.
Assim sendo, e uma vez tratar-se, conforme referido, de um questionário de
respostas abertas, procedeu-se, tal como aconteceu com os dados relativos às

191
respostas dadas à primeira questão, à categorização das mesmas. De igual
forma essa categorização atendeu, dentro do possível e consideradas as
respostas obtidas, à usada ao longo do documento e proposta pelas Nações
Unidas (UNODC, 2009):
1. Programas e projetos de reinserção social;
2. Acesso à saúde;
3. Acesso à justiça;
4. Acesso à educação e trabalho;
5. Alojamento e acomodações;
6. Vínculos Familiares;
7. Capacitação dos profissionais;
8. Parceria com outras Secretarias e ONGs.
No caso das respostas a esta segunda questão, houve também a
necessidade de identificar os grupos para os quais essas políticas e programas
têm vindo a ser desenvolvidos, conforme mencionado pelos diferentes estados
que responderam ao questionário:
1. Mulheres;37
2. População LGBT;
3. Pessoas com transtornos mentais;
4. Pessoas com deficiência;
5. Idosos;
6. Estrangeiros;
7. Minorias étnico-raciais.38

O conjunto das respostas é o que abaixo se apresenta:

Questão: Quais as políticas ou programas que estão já sendo desenvolvidas


em seu Estado, visando colmatar essas demandas ou outras necessidades
específicas dessas populações?
37
Conforme referido no início deste produto, devido à amplitude das especificidades desta população o primeiro produto desta
consultoria é exclusivamente dedicado ao tema, não tendo o mesmo sido abrangido no presente documento. Não obstante, e
considerando que 13 dos estados que responderam ao inquérito referiram, especificamente, políticas e ações estratégicas para esta
população, optou-se por sua inserção no conjunto dos dados apresentados.
38
Apenas os estados de São Paulo e do Rio Grande do Sul referiram a execução de programas em atenção às diferentes religiões,
sendo que apenas no primeiro, considerando o elevado número de privados de liberdade estrangeiros no sistema prisional do estado,
estes programas atendem diversas nacionalidades/etnias e raças.

192
 Identificação das Principais políticas e programas já desenvolvidos
nos Estados

N.
Categorização das Total de
Respostas UF
Parceria com outras
Secretarias e ONGs 9
Acesso à saúde 9
Programas e Projetos de
integração social 9
Alojamento e acomodações 7
Acesso à educação e
trabalho 6
Acesso à justiça 5
Capacitação dos
profissionais 3
Vínculos familiares 3

 Número de estados com políticas ou programas em


desenvolvimento no sistema prisional

 Identificação dos grupos populacionais abrangidos por


essas políticas e programas nos diferentes estados

Grupos Populacionais N.

193
Total de
UF
Mulheres 13
População LGBT 7
Idosos 7
Pessoas com deficiência 5
Pessoas com transtornos
mentais 4
Minorias étnico-raciais 2
Estrangeiros 1

 Distribuição dos grupos populacionais abrangidos por essas


políticas e programas nos diferentes estados

Como tivemos oportunidade de referir, apenas 19 dos 26 estados


responderam ao questionário. De fora ficou também o distrito federal. Não
obstante, com os dados que pudemos apurar, foi possível identificar a área dos
programas e projetos de integração social e do acesso à saúde como aquelas
em que mais estratégias de ação têm vindo a ser implementadas como
resposta às demandas específicas do conjunto destes grupos vulneráveis. A
parceria com outras Secretarias e ONGs foi apontada pelo mesmo número de
estados (9), como uma das estratégias mais usadas para otimizar essas
políticas e estratégias de ação.
Os cuidados e as alterações ao nível do alojamento e acomodações foram
referidas por 7 dos estados que responderam ao questionário como uma das
medidas que vêm sendo desenvolvidas por forma a atender a necessidades
especificas destas populações, sobretudo no que diz respeito às das mulheres

194
com filhos, das pessoas com deficiência, essencialmente ao nível da
mobilidade, e dos idosos.
As políticas e ações promotoras do acesso à educação e trabalho foram
referidas por 6 estados como umas das que mais têm vindo a ser
desenvolvidas, seguidas pelas medidas de apoio no acesso à justiça, referidas
por 5 estados. A promoção dos vínculos familiares é referida por apenas 3
estados, o mesmo número que refere o desenvolvimento de ações de
capacitação dos profissionais, considerada a necessidade de treinamento
destes na área dos direitos humanos e especificidades das populações
vulneráveis.
Relativamente aos grupos populacionais identificados pelos diferentes
estados como aqueles que estão sendo abrangidos por políticas e ações
estratégicas específicas, as mulheres são o grupo mais atendido (13 estados
referem esta população), seguida pela população LGBT e pela população de
idosos (7 estados referem estas duas populações). A atenção às pessoas com
deficiência é referida como prioritária por 5 estados. Quatro estados referem a
atenção às pessoas com transtornos mentais, embora seja importante salientar
que esta identificação diz exclusivamente respeito a usuários dependentes de
drogas. Apenas o estado de São Paulo faz referência à implementação de
políticas e ações estratégicas de atenção às minorias étnico-raciais, grande
parte constituída por estrangeiros.
Abaixo apresentam-se os resultados obtidos por região, embora seja
necessário observar que: a região Sul tem apenas como representação o
estado do Rio Grande do Sul, uma vez que o Paraná e Santa Catarina não
responderam ao questionário. A região Centro-Oeste encontra-se representada
apenas pelo estado do Mato Grosso do Sul, uma vez que os estados do Mato
Grosso, Goiás, e o Distrito Federal também não responderam ao questionário.
A região Sudeste encontra-se representada pelos estados de Minas Gerais, do
Rio de Janeiro e São Paulo, uma vez que não houve a participação do Espirito
Santo.

195
Pelo contrário, as regiões Norte e Nordeste encontram-se amplamente
representadas, observando-se apenas a não participação do estado do
Tocantins.
Na exposição que se segue optou-se por isso, e para além da discriminação
do número total de respostas obtidas em cada uma das categorias
estabelecidas, pela apresentação de gráficos horizontais, para melhor ilustrar
os resultados.

Região Sul

N.
Categorização das Total de
Respostas UF
Programas e Projetos de
integração social 1
Acesso à saúde 1
Acesso à justiça 0
Acesso à educação e
trabalho 1
Alojamento e acomodações 1
Vínculos familiares 0
Capacitação dos
profissionais 0
Parceria com outras
Secretarias e ONGs 1

O estado do Rio Grande do Sul, como referimos único da região Sul a


responder ao questionário, refere a implementação de políticas e estratégias de

196
ação nas áreas dos programas e projetos de integração social, acesso à
saúde, acesso à educação e trabalho, alojamento e acomodações e as
parcerias com outras Secretarias do estado e com ONGs, como aquelas que já
estão sendo postas em marcha para atender o conjunto dos grupos vulneráveis
do estado.
Com relação a estes, e como se pode verificar pela tabela e gráfico abaixo
apresentados, não são referidas pelo estado quaisquer políticas ou estratégias
de ação específicas para atender às demandas da população LGBT, embora
saibamos que, por exemplo, no que diz respeito ao alojamento e
acomodações, o estado possibilita espaços distintos para alocar esta
população, consideradas suas especificidades de gênero e também as
questões de segurança que permeiam este grupo.
Da mesma forma, não foram referidas quaisquer políticas ou estratégias de
ação relativas à população de estrangeiros, considerado o número
insignificante de não nacionais que o sistema penitenciário do estado tem sob
custódia.
São referidas políticas e ações específicas para a população de mulheres,
idosos, pessoas com deficiência e pessoas com transtorno mental,
especificamente usuários dependentes de drogas. Este estado tem, a esse
nível, um forte background de intervenção, sendo o único no país com uma “ala
livre de drogas” (no Presídio Central) e um programa de tratamento com
recurso à internação para desintoxicação (nos casos que esta se mostre
necessária) posto em prática através da parceria com um hospital privado.
Situam-se em Porto Alegre – ala e hospital – mas estão disponíveis para todos
os privados de liberdade de todo o estado, procedendo-se à transferência dos
mesmos para a capital nos casos em que o tratamento seja vontade dos
próprios.39
Salienta-se que a referência a minorias étnico-raciais realizadas na tabela e
gráfico abaixo dizem respeito a políticas e ações referentes especificamente às
diferentes religiões, sem que sejam atendidas outras questões respeitantes à
étnica ou raça dos privados de liberdade.40
39
Informações recolhidas em visita técnica realizada ao Sistema Penitenciário do estado do Rio Grande do Sul.
40
Esta classificação foi mantida, por não haver a classificação Religião na proposta das Nações Unidas e as especificidades
religiosas estarem comtempladas na categoria Minorias Étnico-raciais.

197
N.
Total de
Grupos Populacionais UF
Mulheres 1
População LGBT 0
Pessoas com transtornos
mentais 1
Pessoas com deficiência 1
Idosos 1
Estrangeiros 0
Minorias étnico-raciais 1

Região Sudeste

N.
Categorização das Total de
Respostas UF
Programas e Projetos de
integração social 2
Acesso à saúde 1
Acesso à justiça 1
Acesso à educação e
trabalho 0
Alojamento e acomodações 2
Vínculos familiares 1
Capacitação dos
profissionais 1
Parceria com outras
Secretarias e ONGs 2

198
Na região Sudeste, representada pelos estados de Minas Gerais, Rio de
Janeiro e São Paulo, os programas e projetos de integração social e o
alojamento e acomodações são as áreas com mais políticas e ações
estratégicas, a par da parceria com outras Secretarias e ONGs.
Detalhadamente: os programas e projetos de integração social foram
referidos pelos estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro; o alojamento e
acomodações a as parcerias com outras Secretarias e ONGs por este último
estado e pelo estado de São Paulo.
O estado de Minas Gerais não refere a implementação de quaisquer outras
políticas ou ações estratégicas para além das implementadas na área da
integração social; o Rio de Janeiro acrescenta às referidas, o acesso à saúde e
São Paulo acrescenta o acesso à justiça, os vínculos familiares e a capacitação
dos profissionais do sistema penitenciário. Portanto, São Paulo refere a
implementação de políticas e estratégias de ação em todas as áreas
categorizadas.
Relativamente às populações alvo dessas políticas e ações estratégicas, e
conforme quadro e gráfico abaixo apresentados, Minas Gerais referiu apenas
políticas e estratégias implementadas com vista ao atendimento da população
feminina, sendo que São Paulo também referiu ter este grupo como população-
alvo. O Rio de Janeiro referiu a população LGBT e a de idosos e São Paulo,
tendo também referido estes dois grupos, acrescentou as populações de
pessoas com transtornos mentais, de pessoas com deficiência, estrangeiros e
minorias étnico-raciais.

Grupos Populacionais N.
Total de

199
UF
Mulheres 2
População LGBT 2
Pessoas com transtornos
mentais 1
Pessoas com deficiência 1
Idosos 2
Estrangeiros 1
Minorias étnico-raciais 0

Região Centro-Oeste

N.
Categorização das Total de
Respostas UF
Programas e Projetos de
integração social 1
Acesso à saúde 0
Acesso à justiça 0
Acesso à educação e
trabalho 0
Alojamento e acomodações 1
Vínculos familiares 0
Capacitação dos
profissionais 0
Parceria com outras
Secretarias e ONGs 0

200
No Mato Grosso do Sul, as únicas políticas e estratégias de ação referidas
pelo estado são as da área de programas e projetos de integração social e as
de cuidados e alterações ao nível do alojamento e acomodações, atendendo às
demandas das mulheres e da população LGBT, conforme tabela e gráfico
abaixo apresentados.

N.
Total de
Grupos Populacionais UF
Mulheres 1
População LGBT 1
Pessoas com transtornos
mentais 0
Pessoas com deficiência 0
Idosos 0
Estrangeiros 0
Minorias étnico-raciais 0

Região Norte

Categorização das N.

201
Total de
Respostas UF
Programas e Projetos de
integração social 2
Acesso à saúde 2
Acesso à justiça 2
Acesso à educação e
trabalho 2
Alojamento e acomodações 0
Vínculos familiares 1
Capacitação dos
profissionais 1
Parceria com outras
Secretarias e ONGs 1

Nesta região, em que apenas não tivemos acesso a dados do Tocantins,


importa começar por salientar que os estados do Amapá e de Roraima
informam que não têm quaisquer políticas e ações estratégicas implementadas
com vistas a atender as demandas específicas das populações vulneráveis.
Rondônia informa que é um dos estados piloto para a implementação do novo
Modelo de Gestão do DEPEN e, como tal, estão sendo planejadas ações
estratégicas desta natureza.
Assim sendo, os programas e projetos de integração social e o acesso à
saúde são referidos como estratégicos pelos estados do Acre e do Pará; o
acesso à justiça e à educação e trabalho pelos estados do Amazonas e do
Pará; sendo que este último refere ainda a parceria com outras Secretarias e
organizações não governamentais. O Amazonas acrescenta ainda às suas
ações estratégicas as desenvolvidas em favorecimento da manutenção dos
vínculos familiares e as de capacitação dos profissionais do sistema

202
penitenciário. O cuidado e alterações ao alojamento e acomodações não são
referidas por nenhum estado desta região.
Com relação às populações alvo dessas políticas e estratégias de ação
apenas os estados do Acre e de Rondônia referem as mulheres como
população atendida. Os outros estados não fazem qualquer especificação –
veja-se a tabela e gráfico abaixo:

N.
Total de
Grupos Populacionais UF
Mulheres 2
População LGBT 0
Pessoas com transtornos
mentais 0
Pessoas com deficiência 0
Idosos 0
Estrangeiros 0
Minorias étnico-raciais 0

Região Nordeste

N.
Categorização das Total de
Respostas UF
Programas e Projetos de
integração social 3
Acesso à saúde 5
Acesso à justiça 2
Acesso à educação e 3

203
trabalho
Alojamento e acomodações 3
Vínculos Familiares 1
Capacitação dos
Profissionais 1
Parceria com outras
Secretarias e ONGs 5

Na região Nordeste, com representação de todos os estados, as principais


políticas e estratégias de ação já em andamento em consideração à
diversidade no sistema penitenciário da região são as que dizem respeito ao
acesso à saúde (com resposta positiva do Maranhão, da Paraíba, do Piauí, do
Rio Grande do Norte e de Sergipe), com forte investimento nas parcerias com
outras Secretarias e organizações não governamentais (com resposta positiva
dos estados do Ceará, da Paraíba, do Piauí, do Rio Grande do Norte e de
Sergipe). Os programas e projetos de integração social, o acesso à educação e
trabalho e o alojamento e acomodações foram referidos como prioritários por 3
estados. Os programas e projetos pelos estados da Bahia, Piauí e Rio Grande
do Norte; o acesso à educação e trabalho pelos estados do Maranhão, da
Paraíba e de Sergipe; e o alojamento e acomodações pelos estados do
Maranhão, da Paraíba e de Pernambuco. Os estados da Bahia e do Ceará
referem ainda o acesso à saúde como uma área de atuação prioritária no que
diz respeito ao apoio prestado aos grupos vulneráveis em seus estados, sendo
que o Ceará acrescenta ainda a atenção dada à promoção dos vínculos
familiares e à capacitação dos profissionais do sistema penitenciário.
Com relação às populações mais abrangidas por estas políticas e
estratégias de ação, e conforme tabela e gráfico abaixo apresentados, em 7

204
dos estados as mulheres são apontadas como grupo prioritário: Alagoas,
Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte. Nos estados
do Ceará, Maranhão, Paraíba e Sergipe a população LGBT é também alvo de
políticas e estratégias de ação específicas, sendo que o Maranhão, a Paraíba e
Pernambuco referem ainda a população de pessoas com deficiência e os
idosos. O Piauí e Sergipe acrescentam as pessoas com transtornos mentais,
referindo-se especificamente aos usuários dependentes de drogas.

N.
Total de
Grupos Populacionais UF
Mulheres 7
População LGBT 4
Pessoas com transtornos
mentais 2
Pessoas com deficiência 3
Idosos 3
Estrangeiros 0
Minorias étnico-raciais 0

Embora tenha sido realizada a categorização das respostas com base na


análise dos seus conteúdos, importa especificar alguns aspectos particulares
respeitantes às demandas elencadas pelos diferentes estados.
Assim, e no que diz respeito à promoção dos vínculos familiares, o estado
do Acre refere especificamente a realização de esforços para proporcionar à
população LGBT espaços adequados para a realização de visitas intimas.
Alagoas refere a dificuldade do estado na contratação de recursos humanos,
que conforme foi sendo referido ao longo do produto são um apoio fundamental

205
para o desenvolvimento de políticas e ações estratégicas para estas
populações, quer em número, quer na qualidade de sua formação profissional.
O Ceará refere a existência de um centro de acolhimento na porta de
entrada do sistema prisional que funciona como espaço de apoio ao período
inicial de privação de liberdade. O Pará tem também um programa de
acolhimento para as mulheres recém-chegadas ao sistema prisional, no Centro
de Reeducação Feminino (CRF) de Ananindeua41 – iniciativas que, conforme
referido ao longo do corpo teórico do presente produto, se mostram
fundamentais não apenas para apoiar os privados de liberdade ao nível da
adaptação à situação de privação de liberdade em si e à própria unidade
prisional em que se encontram, como pode ser também crucial para a
identificação de possíveis transtornos mentais (direta ou indiretamente
decorrentes da nova situação experienciada) que podem levar à realização de
tentativas de suicídio, ou mesmo concretização do mesmo.
Com relação ao acesso ao trabalho, o Rio grande do Sul distingue os
esforços que o estado está realizando para ampliar o número de postos
extramuros.
A existência de mecanismos de monitoramento (fundamentais, como vimos
também, para avaliação e adequação das políticas e estratégias já
implementadas ou a implementar), é unicamente referida pelo Rio Grande do
Norte, que tem atualmente um projeto de mapeamento de todas as ações
implementadas nas unidades prisionais do estado com recorte de etnia, raça,
gênero e condição socioeconômica.
Os estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Maranhão referem a existência
de Portarias Estaduais com regulamentação específica para a defesa e
garantia dos direitos da população LGBT.

41
Informação recolhida em visita local realizada no âmbito da presente consultoria.

206
XII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As políticas penais têm pouca sensibilidade à diversidade e às


vulnerabilidades com ela relacionadas, por se basearem, majoritariamente, na
crença de que as pessoas privadas de liberdade são um grupo homogêneo,
devendo, portanto, receber o mesmo tratamento (DEPEN & PNUD, 2016).
Como vimos, os grupos que compõem o universo prisional são diversos em
relação a um conjunto de características como a raça, origem, condição social,
cultura, religião, orientação sexual, idioma, nacionalidade, entre outras. Face a
esta realidade, é imprescindível que se estabeleçam estratégias capazes de
atender a população em situação de privação de liberdade na sua diversidade
e demandas específicas.
O conceito de diversidade é heterogêneo e, atualmente, ainda está assente
em uma arena de disputas teóricas, compartimentado numa multiplicidade de
categorizações, quais sejam, a diversidade de gênero, a diversidade cultural, a
diversidade religiosa, entre outras. Porém, o conceito tem, paulatinamente,
vindo a ser compreendido de forma mais abrangente, como uma construção
histórica, social, cultural e política das diferenças que refletem relações
assimétricas de poder. Em acréscimo, também estas relações assimétricas de
poder têm vindo a ser consideradas como fatores potenciadores de
desigualdades que, no âmbito do sistema penal, tornam grupos e pessoas mais
vulneráveis a riscos, quer sejam riscos sociais, físicos, de saúde, psicológicos,
materiais, entre outros (DEPEN & PNUD, 2016).
A sistematização apresentada no segundo produto desta consultoria, com a
análise de dados, revisão bibliográfica e consulta de recomendações e

207
legislações internacionais, tornou claro, não só quais os riscos a que estes
grupos vulneráveis estão sujeitos no sistema penitenciário, mas também quais
suas principais demandas, quer sejam para superar esses riscos e condição de
vulnerabilidade no sistema, quer sejam para promover sua reinserção social e
superar sua condição de vulnerabilidade extramuros.
Adicionalmente, a apuração de dados relativos à realidade nacional permitiu
ainda um conhecimento mais aprofundado das principais demandas destas
populações nos diferentes estados da federação.
Na continuação, o presente produto apresentou o conjunto de normas
internacionais que os diferentes Tratados e Convenções, na sua maioria
ratificados também pelo Brasil, estabelecem como direitos invioláveis destas
populações e obrigações dos Estados Partes para seu cumprimento; elencou o
conjunto das linhas gerais que, em consequência, devem conduzir o desenho
das políticas e estratégias de ação que, sobretudo ao nível da administração
penitenciária, devem ser implementadas para atender às suas demandas
específicas, em respeito aos seus direitos humanos – com apresentação de
Boas Práticas que já vêm sendo desenvolvidas em alguns países do mundo; e,
por fim, sistematizou todos os pressupostos e diretrizes que, no seu conjunto,
representam as recomendações internacionais a este nível.
Tal como aconteceu no produto anterior com relação às demandas e
necessidades destes grupos vulneráveis, este produto procedeu ao
levantamento das políticas e ações que os diferentes estados da federação têm
já vindo a desenvolver e implementar para lhes dar resposta.
Assim, e do ponto de vista do trabalho interno do Departamento
Penitenciário Nacional, o conjunto destes dois produtos constitui uma base
concreta de apoio e direcionamento para a construção da Política Nacional de
Diversidades.
Por outro lado, e do ponto de vista do trabalho descentralizado, estes
produtos poderão ser fundidos em um só documento, podendo este constituir
um Manual a ser divulgado aos estados. Desta forma, estes disporão, eles
próprios, de um guia orientador para a construção de suas políticas e ações

208
estratégicas para dar resposta às demandas e necessidades que, ao nível
local, o conjunto destas populações vulneráveis apresentam.

XIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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