KENEDY, OTHERO para Conhecer - Sintaxe - Editora - 240624 - 182447
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CONHECER
Sintaxe
COLEÇÃO >
HPARA
CONHECER
Aquisição da Linguagem
Elaine Grolla e Maria Cristina Figueiredo Silva
Fonética e Fonologia do Português Brasileiro
Izabel Christine Seara, Vanessa Gonzaga Nunes e Cristiane Lazzarotto-Volcáo
Morfologia
Maria Cristina Figueiredo Silva e Alessandro Boechat de Medeiros
Norma Linguística
Carlos Alberto Faraco e Ana Maria Zilles
Semântica
Ana Quadros Gomes e Luciana Sanchez Mendes
Sintaxe
Eduardo Kenedye. Gabriel de Ávila Othero
Sociolinguística
Izete Lehmkuhl Coelho, Edair Maria Gôrski, Cbristiane Maria N. de Souza e Guilherme Henrique May
Coordenadores da coleção
Renaco Miguel Basso
Izete Lehmkuhl Coelho
CONHECER
editoracontexto
Copyright © 2018 dos Aurores
Preparação de textos
Daniela Marini Iwamoto
Revisão
Lilian Aquino
Kenedy, Eduardo
Para conhecer sintaxe / Eduardo Kenedy e Gabriel de Ávila
Othero ; coordenação de Renato Miguel Basso e
Izete Lehmkuhl Coelho. - 1. ed., Ia reimpressão. - São Paulo :
Contexto, 2022.
192 p.: il. (Para conhecer)
Bibliografia
ISBN 978-85-520-0069-3
2022
Editora Contexto
Diretor editorial: Jaime Pinsky
APRESENTAÇÃO................................. ........................................... 9
A NOÇÃO DE CONSTITUINTE........................................................... 15
Objetivos gerais do capítulo............................................................. 15
1. Unidades de análise: constituintes sintáticos.................................... 16
2. Testes de identificação de constituintes........................................... 21
3. Sintagmas em português.......................... ................................... 28
4. Complemento do núcleo.............................................................. 29
5. Especificador do núcleo.............................................................. 32
6. Especificador, núcleo e complemento............................................. 33
7. Adjunção.................................................................................. 35
8. Recursividade........................................................................... 37
9. Sintagmas nominais................................................................... 38
io. Sintagmas verbais.................................................................... 41
11. Sintagmas preposicionais........................................................... 48
12. Sintagmas adjetivais.................................................................. 50
13. Outros sintagmas?............................................................ ....... 52
• Leituras complementares.............................................................. 53
• Exercícios.................................................................................. 53
FUNÇÕES SINTÁTICAS
2. Encaixamento
2.1 Conectivos subordinativos
2.2 Encaixadas reduzidas
3. Hipotaxe
3.1 Conectivos hipotáticos
3.2 Hipotáticas reduzidas '
122
4. Parataxe Á
................................................ 124
4.1 Conectivos paratáticos 126
4.2 Paratáticas reduzidas
5. Orações correlatas................................................................... 127
6. Orações desgarradas................................................................ 128
7. Casos limítrofes....................................................................... 129
• Leituras complementares.......................... ................................. 131
• Exercícios................................................................................ 132
BIBLIOGRAFIA........................................................................... 181
OS AUTORES............................................................................. 185
APRESENTAÇÃO
9
PARA CONHECER Sintaxe
Para que (1) se tome uma frase legítima em português, é preciso or
denar essa sequência de palavras de urna maneira muito específica. Por
exemplo: nessa língua, artigos devem preceder linearmente os substan
tivos. Desse modo, são aceitáveis as sequências [os amigos], [a Maria],
[o João], mas não as cadeias * [amigos os], * [Maria a], *[João o]. Além
disso, numa dada frase, arranjos de palavras como [os amigos], [da Ma
ria] e [o João] devem ser concatenados entre si na forma de constituintes
ordenados, ou seja, devem ser dispostos lado a lado sob certas limitações
estruturais, do contrário o resultado será novamente uma sequência de pa
lavras inaceitável na língua. É por essa razão que (2) continua sendo uma
estrutura sintaticamente malformada em português, apesar de a regra sobre
o ordenamento entre artigo e substantivo estar aqui sendo preservada.
10
Apresentação
O que falta para (4) ser considerada uma frase gramaticalmente acei
tável em PB é, justamente, a concordância entre os elementos da frase.
Com efeito, em todas as modalidades do português, artigo e substantivo
devem manifestar os mesmos traços de gênero. Assim, por exemplo,
[João], sendo um substantivo masculino, não pode ser antecedido por um
artigo feminino como [a]. Por sua vez, os traços de número não são, em
PB, compartilhados entre artigo e substantivo de maneira tão rígida como
os de gênero. Na verdade, uma das mais evidentes características do portu
guês do Brasil é a variabilidade das regras de concordância de número em
constituintes nominais e verbais. Nas modalidades da língua consideradas
não padrão, a expressão do plural em sequências compostas por artigo e
substantivo se dá normalmente apenas no artigo, porém não no substanti
vo, que permanece em sua forma de singular, sem, portanto, manifesta
ção de concordância: [os amigo]. Já nas modalidades padrão, sobretudo
em gêneros formais e escritos, o número plural é quase sempre marcado
nas duas palavras, veiculando, assim, concordância: [os amigos]. Para um
11
PARA CONHECER Sintaxe
12
Apresentação
aos fenômenos sintáticos das línguas naturais, tais como ordem e concor
dância. O propósito do presente volume da coleção “Para Conhecer” é
apresentar ao leitor os fundamentos do fazer desse tipo de linguista, suas
ferramentas básicas de análise e suas opções teóricas e metodológicas
mais produtivas.
Se nosso objetivo for alcançado, este livro servirá a estudantes e pro
fessores universitários como uma introdução teoricamente “neutra” ao es
tudo da Sintaxe. Isto é, este volume iniciará o leitor aos principais temas
da Sintaxe sem se limitar a nenhuma teoria sintática específica. Nosso ob
jetivo aqui é apresentar os conceitos-chave dos estudos sintáticos, revisar
a nomenclatura sobre funções sintáticas que encontramos nas gramáticas
normativas tradicionais e despertar a curiosidade linguística do leitor para
a investigação de algumas propriedades sintáticas da língua portuguesa. É
verdade que parte do que apresentaremos nos próximos quatro capítulos
será influenciado pelos conceitos basilares da Sintaxe Normativa tradi
cional, da Sintaxe Gerativa e da Sintaxe Funcional. Não obstante, em
nenhum momento do livro exigiremos do leitor qualquer conhecimento
prévio sobre essas abordagens linguísticas.
Antes de passarmos propriamente ao início deste livro, devemos re
gistrar aqui nosso agradecimento a algumas pessoas: o professor Renato
Basso (LIFSCar) e a professora Izete Coelho (UFSC) leram todo o manus
crito e colaboraram enormemente com a redação final do trabalho; Luciana
Pinsky, nossa editora, foi paciente e receptiva ao nosso projeto, mesmo
quando decidimos alterar significativamente toda a estrutura e grande parte
do conteúdo do livro; os professores Sérgio Menuzzi (UFRGS), Humberto
Menezes (UFRJ) e Marcus Maia (UFRJ), nossos orientadores de pós-gra
duação e possivelmente os principais “culpados” por trabalharmos com
Sintaxe hoje, inspiram nossas investigações cotidianas sobre a linguagem e
são os responsáveis indiretos por grande parte do conteúdo deste livro; por
fim, mas não com menos importância, todos os nossos alunos, que ao lon
go de décadas vêm nos forçando a ser cada vez mais precisos e, ao mesmo
tempo, cada vez mais didáticos na tarefa nada facil de ensinar Sintaxe de
uma maneira cientificamente adequada. Todas as inconsistências no texto,
no entanto, são de nossa inteira responsabilidade.
13
A NOÇÃO DE CONSTITUINTE
15
PARA CONHECER Sintaxe
16
A noção de constituinte
17
PARA CONHECER Sintaxe
18
A noção de constituinte
19
PARA CONHECER Sintaxe
20
A noção de constituinte
I) O teste da interrogação
21
PARA CONHECER Sintaxe
22
A noção de constituinte
GRAMATICALIDADE E ACEITABILIDADE
Ao estudarmos sintaxe, seguidamente queremos saber se tal construção “é
boa” na língua ou não; se tal frase é “estranha”, “gramatical”, “agrama-
tical”, “aceitável” ou “inaceitável”. Como já anunciamos, usaremos, ao
longo deste livro, a notação tradicional de marcar com um asterisco (*)
as sequências que julgamos agramaticais em português, ou seja, aquelas
sequências de palavras que julgamos não fazer parte de nenhum dialeto do
português. São sequências de palavras que violam regras ou princípios sin
táticos e provavelmente não seriam aceitas como exemplares de frases por
nenhum falante nativo da língua. Também usaremos a notação tradicional
de marcar frases estranhas (ou marginais) com um ponto de interrogação
ou dois, a depender do grau de estranheza que julgamos que a construção
tenha. Uma boa discussão sobre os conceitos de gramaticalidade e aceitabi
lidade em Linguística pode ser conferida no livro Os fundamentos da teoria
linguística de Chomsky, do professor Max Guimarães (Guimarães, 2017).
23
PARA CONHECER Sintaxe
(29) a. Ei, eu ouvi dizer que o João leu A Ilíada durante o mês de provas.
b. Não, não foi nada disso. Foi [Cte Lusíadas nas férias] que o João leu
e não A Ilíada durante as provas.
Interrogação:
O João leu [Os Lusíadas} nas férias —» O João leu [o que] nas férias?
O João leu Os Lusíadas [nas férias] —> O João leu Os Lusíadas [quando]?
Deslocamento'.
O João leu Os Lusíadas nas férias
—* [Nas férias], o João leu Os Lusíadas.
—> O João, [nas férias], leu Os Lusíadas.
—> O João leu [nas férias] Os Lusíadas.
[Os Lusíadas} o João leu nas férias.
24
A noção de constituinte
25
PARA CONHECER Sintaxe
V) O teste da elipse
26
A noção de constituinte
27
PARA CONHECER Sintaxe
3. SINTAGMAS EM PORTUGUÊS
Sintagma
núcleo
28
A noção de constituinte
SN SV SP SA
I
N I
V I
p iI
Na hierarquia interna a cada um desses tipos de constituinte, o núcleo
do sintagma pode estabelecer até duas relações estruturais com outros ele
mentos: o complemento e o especificador.
4. COMPLEMENTO DO NÚCLEO
Sintagma
núcleo complemento
29
PARA CONHECER Sintaxe
Sintagma
núcleo Sintagma
30
A noção de constituinte
SV
V SN
I
comprar N
I
I
livros
31
PARA CONHECER Sintaxe
5. ESPECIFICADOR DO NÚCLEO
especificador núcleo
32
h noção de constituinte
33
PARA CONHECER Sintaxe
34
A noção de constituinte
Sintagma
especificador núcleo’
núcleo Sintagma
7. ADJUNÇÃO
35
PARA CONHECER Sintaxe
Sintagma
Sintagma Sintagma
36
A noção de constituinte
8. RECURSIVIDADE
37
PARA CONHECER Sintaxe
vi um unicórnio no carnaval]]. Essa, por sua vez, podería também ser inserida
dentro de outra, como [a Maria disse que [o João acha que [eu disse que [nunca
vi um unicórnio no carnaval]], e assim sucessivamente. Veremos mais sobre a
combinação entre orações no capítulo “Articulação entre orações”.
A recursividade é um fenômeno pervasivo na linguagem humana. Na
sintaxe, ela é especialmente relevante porque nos permite construir um
número ilimitado de frases na língua que dominamos, cada qual com um
conteúdo semântico-pragmático específico.
Agora que já conhecemos a hierarquia dos constituintes sintáticos e
podemos reconhecer suas relações internas (núcleo, complemento e espe-
cificador) e externas (adjunção), passemos a analisar exemplos dos princi
pais sintagmas lexicais da língua portuguesa. Comecemos pelo SN.
9. SINTAGMAS NOMINAIS
Sujeito Predicado
lSNEle]
[SN 0 Pedro]
[SN A minha amiga] acabou de chegar.
[SN 0 amigo da prima do tio do José]
[SN A menina que estudava Sintaxe escondida da mãe]
Sujeito Predicado
Verbo Objeto direto
[SN elfil ____
[SN o Pedro] _____
Eu amo [SN a minha amiga]
[SN o amigo da prima do tio do José] ___
[SN a menina que estudava Sintaxe escondida da mãe] _
38
A noção de constituinte
SN—>N
Exemplos: [N livros], [N Paulo], [N Maria], [N felicidade]...
SN —> pron
Exemplos: [pron eu], [pron vocês], [pron ele], [pron elas], [pron quem], [pron isso]...
SN —> 0
39
PARA CONHECER Sintaxe
SN —> (esp) N
Exemplos: [esp o N Pedro], [esp um N amigo], [esp aquelas N gurias], [esp este N
livro], Esp meu N Pa‘]’ Lp nenhuma N guria], [esp qualquer N amigo], [esp dez
N pessoas]...
Além disso, a regra nos aponta que o SN pode ser formado por um
especificador seguido de um SA que é adjungido antes do núcleo N. Esses
dois elementos prenominais são, como vimos, opcionais.
Um SN, conforme indica a regra, também pode ser formado por ad
juntos pós-nominais, como um SA, um SP ou uma oração encaixada (ORA
ÇÃO), conforme atestamos a seguir.
Chamamos agora a sua atenção para uma limitação das regras de re-
escrita: elas não são capazes de diferenciar, na estrutura interna dos sin
tagmas, elementos de natureza opcional (adjuntos) daqueles obrigatórios
(complementos). Por exemplo, muitos SNs podem ser nucleados por um
nome derivado de um verbo (ex. invenção, invasão, compra, ida etc.) e,
por isso, manifestarão a propriedade de selecionar um SP ou uma oração
(ORAÇÃO) como complemento, ao passo que a maior parte dos Ns não ma
nifestará tal propriedade (ex. casa, escola, livro, pessoa, óculos etc.). Ora,
como poderiamos diferenciar um caso do outro?
Na tentativa de contornar esse problema, Souza e Silva e Koch
(1993) propuseram o uso, na regra de reescritura, de uma notação su-
bescrita a SP e a ORAÇÃO com o objetivo de indicar que esses consti
tuintes podem ser, a depender do núcleo nominal específico, adjuntos
ou complementos. Por exemplo, em [livro de Maria], o SP [de Maria] é
40
A noção de constituinte
41
PARA CONHECER Sintaxe
Sujeito Predicado
[sv sorriu].
[sv estudou a matéria da prova].
A aluna [sv gosta de sintaxe].
[sv está cansada].
[sv disse que seus pais foram ao exterior durante as férias de verão].
SV-> V
Exemplos: Meu filho [sv [vnasceu]], Eu [[sv [vchorei]], O menino [sv [v caiu]]...
42
A noção de constituinte
SV —> (esp) V
Exemplos: Meu filho [sv [csp já v nasceu]], Eu [sv [esp quase v chorei]], O
menino [sv [esp não v caiu]]...
43
PARA CONHECER Sintaxe
PREDICAÇÃO
Predicação é um termo que a Sintaxe herdou da Lógica. Trata-se do conjun
to das relações que se estabelecem entre um dado predicador e seus argu
mentos. Um predicador descreve certa categoria ou evento relativamente a
um conjunto de indivíduos ou objetos. Em Sintaxe, o predicador é expresso
num item lexical qualquer (N, V, P ou A) e seus argumentos encerram seu
especificador e seu(s) complemento(s). Para mais informações sobre esse
assunto, o leitor pode consultar Perini (2008 e 2016), por exemplo.
44
A noção de constituinte
SV não terá adjuntos ou em que ele terá um determinado número deles. Veja,
nos exemplos seguintes, um pouco da riqueza e da diversidade das infinitas
possibilidades de adjunção num SV. Usaremos, mais uma vez, a indicação
subscrita proposta por Souza e Silva e Koch (1993), a fim de diferenciar
complementos versus adjuntos, tal como fizemos na descrição dos SNs.
Exemplos: [vé [SNuma grande pessoa [sp com certeza]]], [v estou [spem
casa [spneste momento]]], [v parece [SA feliz [spcom o emprego]]], [vnunca
v ficamos [SA satisfeitos [spem viagens]]]; [v disse [0RAÇA0 que você é feliz
Coração 9uando ouve músicas]]], [v vi [SN você [sp no teatro [sp no domingo
[sp com um amigo [0RAÇÃ0 enquanto esperava o meu Uber]]]]]]...
45
PARA CONHECER Sintaxe
As locuções verbais são uma boa ilustração de que nem sempre a noção
de constituinte coincide com a de palavra. Ao identificarmos o núcleo V, preci
samos, portanto, estar sensíveis ao fato de que não é qualquer item verbal (pa
lavra) que projetará um SV, mas somente aqueles de natureza lexical. Outros
itens verbais de valor gramatical, como os auxiliares, podem ocorrer numa de
terminada frase sem nos fazer acreditar que eles projetarão seus próprios SVs.
LOCUÇÕES VERBAIS -1
As locuções verbais são formadas por verbos auxiliares e verbos lexicais,
ou seja, verbos que têm apenas status gramatical e verbos que têm “estatuto
semântico”, como vimos no exemplo anterior [vou trabalhar]. Repare como
aqui o verbo ir é usado para marcar uma forma de futuro e carregar as
marcas flexionais de concordância de número; o verbo principal trabalhar,
por outro lado, carrega a “carga semântica” do SV, no sentido de que esse
verbo é usado com seu significado lexical — e não meramente gramatical.
Existem, na literatura linguística, alguns “testes de auxiliaridade” que indi
cam se estamos lidando com uma construção que apresenta dois verbos lexi
cais ou com uma estrutura de verbo auxiliar mais verbo lexical. Por exemplo,
um verbo auxiliar não costuma permitir a negação de seu verbo principal. Em
uma construção com dois verbos plenos (como é o caso das frases em (b)), ao
contrário, podemos negar tanto o primeiro como o segundo verbo:
(a) O João vai trabalhar de manhã.
O João não vai trabalhar de manhã.
*0 João vai não trabalhar de manhã.
(b) O João adora trabalhar de manhã.
O João não adora trabalhar de manhã.
O João adora não trabalhar de manhã.
O João não adora não trabalhar de manhã.
Isso significa, entre outras coisas, que o verbo ir pode ser empregado como
auxiliar de futuro, mesmo em contrações condenadas por prescritivistas sem
pre prontos a defender o idioma pátrio”: eu vou ir é uma construção grama
ticalmente bem formada - e bastante lógica - na língua, assim como eu vou
vir. Nessas construções, temos uma locução verbal formada por um verbo au
xiliar (zr) marcador de futuro e um verbo pleno (ir e vir em nossos exemplos).
Dois textos clássicos sobre os auxiliares em PB são Pontes (1973) e Lobato
(1975), já acessíveis ao leitor. Uma discussão resumida e exemplificada
pode ser encontrada em Othero (2009).
46
A noção de constituinte
47
PARA CONHECER Sintaxe
48
A noção de constituinte
SN —> (esp) P í SN
(oração
Como se pode perceber, trata-se de um tipo sintagmático bem menos
variável do que os demais já apresentados. Ele tipicamente manifestará seu
núcleo seguido de um SN, da maneira como vemos a seguir.
SP -> P SN
Exemplos: [pcom [SN poucos problemas]], [p sem [SN certezas]], [Ppara [SN
a alegria de todos]]...
SP -> (esp) P SN
Exemplos: [csp realmente p com [SN poucos problemas]], [esp quase p sem [SN
certezas]], [esp só Ppara [SNa alegria de poucos]]...
49
PARA CONHECER Sintaxe
Por fim, tal como sucede com SN e SV, o núcleo de um SP pode sele
cionar como complemento uma oração encaixada, independentemente da
presença ou da ausência de um especificador. Nesse caso, o complemento
de P será ORAÇÃO e, por isso, não haverá seleção de SN como complemen
to, afinal preposições normalmente não são bitransitivas.
50
A noção de constituinte
SA—*A
Exemplos: [A inteligente], [A limitado], [Apreocupada]...
SA —* (esp) A
Exemplos: [esp muito A inteligente], [csp extremamente A limitado], [esp nada
Apreocupada], [Apequenoespdemais], [Apreocupadaespexcessivamente]...
Por fim, no interior dos SAs pode haver SPs que ou são adjungidos
àquele sintagma ou são selecionados por um núcleo A.
51
PARA CONHECER Sintaxe
52
A noção de constituinte
Leituras complementares
Ao longo do capítulo, apresentamos sugestões de leitura sobre cada
assunto específico que abordamos. A base da Sintaxe que apresentamos
aqui pode ser vista também em manuais de Linguística Gerativa, como
Lobato (1986), Raposo (1992), Mioto et al. (2013) e Kenedy (2013). Se
o leitor desejar acessar diretamente a “fonte” em que essas obras se ba
seiam, poderá consultar, por exemplo, uma recente tradução comentada
do trabalho clássico e pioneiro de Noam Chomsky, Estruturas sintáticas
(Chomsky, 2015 [1957]).
Grande parte do que discutimos nas descrições dos quatro tipos de
sintagmas lexicais que vimos neste capítulo foi baseada em Lemle (1984),
Lobato (1986), Souza e Silva e Koch (1993), Perini (1996) e Othero (2006,
2009, 2014). Todos esses trabalhos são leituras acessíveis ao leitor, após o
término deste capítulo.
Exercícios
53
FUNÇÕES SINTÁTICAS
55
PARA CONHECER Sintaxe
56
Funções sintáticas
não passa de uma mera lista de funções que deve ser memorizada me
canicamente. Neste capítulo, procuraremos desmitificar essa impressão,
apresentando ao leitor uma abordagem integrada entre função sintática e
estrutura sintagmática.
2. DESENHANDO ÁRVORES
57
PARA CONHECER Sintaxe
3. A NGB
58
Funções sintáticas
A NGB
A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) é um documento que foi ela
borado na segunda metade de 1950 por gramáticos e filólogos reconhecidos
à época (como Serafim Silva Neto, Rocha Lima e Celso Cunha, por exem
plo). Seu objetivo, como dissemos, foi padronizar os termos gramaticais
utilizados no estudo de língua portuguesa nos currículos escolares - e, em
consequência, nos livros didáticos e gramáticas escolares de maneira
que todos os gramáticos, professores e estudantes utilizassem a mesma ter
minologia em suas reflexões e seus estudos gramaticais no Brasil. O do
cumento da NGB pode ser consultado gratuitamente on-line. Ele pode ser
baixado em PDF deste endereço: <https://docs.ufpr.br/~borges/publicacoes/
notaveis/NGB.pdf>.
Portugal também conta com sua nomenclatura gramatical - muito próxima
da nossa. É a Nomenclatura Gramatical Portuguesa (NGP), de 1967, que
também pode ser consultada on-line, neste endereço: <http://www.portal-
dalinguaportuguesa.org/?action=nomenclatura >.
59
PARA CONHECER Sintaxe
uma ação”); (ii) funções sintáticas idênticas são descritas por termos di
ferentes (ex. complementos recebem nomes específicos se seu respectivo
núcleo é V ou N/A); e (iii) funções sintáticas diferentes são descritas com a
mesma nomenclatura (ex. especificadores e SPs adjuntos a SN são nomea
dos igualmente como adjuntos adnominais). Por conseguinte, é importante
empregarmos a NGB com bastante crítica, até que fina Imente tenhamos no
Brasil uma nomenclatura oficial depurada de tantos erros (para estudar
mais sobre esse tema, remetemos o leitor a Perini, 1985, 1995; Henriques,
2009; eKenedy, 2010).
Um dos maiores erros relativos à NGB decorre da compreensão in
correta que muitos gramáticos, professores, escolas e editoras de livros
fizeram da Portaria n° 36, de 28 de janeiro de 1959. Gramáticas escolares
e livros didáticos lançados após essa data converteram maciçamente a NGB
em conteúdo programático das lições de língua portuguesa. Os termos en
tão propostos para descrever fenômenos gramaticais passaram a ser, eles
mesmos, o objetivo final da análise da língua, deixando a própria língua
em segundo plano. O que fora proposto pela NGB como um meio, um con
junto de instruções notacionais, foi interpretado nos livros didáticos como
o fim, o conteúdo a ser ministrado na escola básica.
60
Funções sintáticas
(2) a. Um quarto grande, com janelas largas e bela vista para o mar.
b. Todos gostam de filmes românticos.
c. O professor disse que a prova não está difícil.
61
PARA CONHECER Sintaxe
QUESTÕES DE NOMENCLATURA -1
Frase nominal: frase sem verbo.
Frase verbal: frase com pelo menos um SV.
Oração: predicação entre um SV (predicado) e um SN (sujeito).
Período simples: frase verbal com somente uma oração.
Período composto: frase verbal com mais de uma oração.
Período: sinônimo de frase verbal.
Sentença: sinônimo de frase verbal.
oração
SN SV
5. SUJEITO E PREDICADO
62
Funções sintáticas
oração
SN SV
(sujeito) (predicado)
(4) [oração tSN sujei.» 0 Professor] [SV pre(Jicado disse que [0RAÇÀ0 [SNsujei,o a
prova] [SVpred.cado não está difícil]]].
oração
disse (que)
SN sujeito SV predicado
.. ,
[a prova] [não está difícil]
63
PARA CONHECER Sintaxe
64
Funções sintáticas
65
PARA CONHECER Sintaxe
66
Funções sintáticas
• EXPLETIVOS
Nos estudos de Sintaxe, elementos expletivos são aqueles que possuem
valor puramente sintático, sem qualquer repercussão no componente se
mântico da língua. Em português, sujeitos “inexistentes” são sempre rea
lizados por expletivos nulos, mas, noutras línguas, tais expletivos podem
ser realizados por um pronome expletivo pronunciado. Por exemplo, a
frase [[SN 0] choveu o dia todo] deve ser traduzida para o inglês como [[SN
it] rained all day] e, para o francês, como [[SN il] a plu toute la joumée].
Expletivos nulos (como “0”, em português) ou pronominais (como it, em
inglês, ou il, em francês) são categorias que, quando usadas na função de
sujeito, o fazem em razão de fatores estritamente sintáticos: a necessidade
de realizar um sujeito (SN) gramatical para toda e qualquer sentença nas
línguas naturais.
67
PARA CONHECER Sintaxe
68
Funções sintáticas
69
PARA CONHECER Sintaxe
6. OBJETOS
TRANSITIVIDADE DE V,
OBJETO DIRETO PREPOSICIONADO E CLÍTICOS
A Gramática Normativa Tradicional contradiz a noção de “objeto direto” ao
classificar certos complementos verbais como “objetos diretos preposicio-
nados”, em frases como amar a Deus. Na verdade, esses complementos são
SPs em um caso bastante específico de “objeto direto”: aqui, o que define
a classificação do subtipo de objeto não é o sintagma (se SN ou SP) sele
cionado como complemento, mas, sim, a transitividade de V. Dessa forma,
como o V amar é transitivo direto, então seu complemento será sempre um
objeto direto, ainda que preposicionado. O mesmo acontece nos objetos
diretos preposicionados em expressões como comer do bolo e beber do
vinho. Esses V são também transitivos diretos.
70
Funções sintáticas
Uma atenção especial deve ser dispensada à função sintática dos pronomes
► clíticos (zwe, te, se, nos, lhe, o, a etc.). Entre os clíticos do português, há
alguns que podem exercer o papel de ambos os tipos de complementos
verbais, como me em A Maria me ama (objeto direto) e A Mariame enviou
umaflor (objeto indireto). Não obstante, outros clíticos desempenham ape
nas a função de objeto direto, como o e a, já em completo desuso no ver
náculo brasileiro, enquanto outros, como o clítico lhe, exercem geralmente
a função de objeto indireto. Ou seja, também os pronomes clíticos têm sua
função sintática determinada não por si mesmos, mas, sim, pela transitivi-
dade do V que os seleciona.
Um estudo pioneiro e abrangente sobre o uso dos clíticos no vernáculo do
PB pode ser encontrado em Monteiro (1994).
71
PARA CONHECER Sintaxe
72
Funções sintáticas
7. PREDICATIVOS
8. COMPLEMENTO NOMINAL
No domínio do SN sujeito ou do SV predicado, podem ser estrutura
dos diferentes tipos de sintagmas. Esses sintagmas, conforme já estudamos
73
PARA CONHECER Sintaxe
9. AGENTE DA PASSIVA
74
Funções sintáticas
(16) [SN João [sv foi eleito líder sindical [sp pela maioria dos votantes]]].
Você deve ter percebido que, mais uma vez, a NGB nomeia uma
função sintática em razão de preocupações puramente semânticas. Afi
nal, “agente” é uma categoria conceituai (o famigerado “ser que pratica
uma ação”) que não é útil para a caracterização de fenômenos estrita
mente sintáticos. O chamado “agente da passiva” é, na verdade, um SP
adjunto cujo papel semântico infelizmente tornou-se o nome oficial de
uma função sintática.
Por outro lado, uma outra observação pertinente envolvendo a inter
face sintaxe-semântica é, via de regra, esquecida pela tradição gramatical.
Ao contrário do que se pode inferir a partir de uma lição sobre “conver
são entre ativas e passivas”, não são todas as orações ativas com verbos
transitivos diretos que podem ser convertidas a estruturas passivas corres
pondentes. Repare como podemos fazer a conversão com (17), mas não
chegamos a um resultado aceitável com (18).
75
PARA CONHECER Sintaxe
10. ADJUNTOS
76
Funções sintáticas
77
PARA CONHECER Sintaxe
78
Funções sintáticas
Além dessa, uma outra função sintática não oficial vem sendo farta
mente utilizada por linguistas e bons gramáticos na descrição das línguas:
o parentético. Trata-se de um termo que, assim como o aposto, aparece
interpolado numa oração e desempenha função discursiva. Os parentéticos
inserem verdadeiros “parênteses” num período, os quais veiculam comen
tários paralelos à oração, numa espécie de frase à parte.
79
PARA CONHECER Sintaxe
80
Funções sintáticas
TÓPICOS E TOPICALIZAÇÃO
Uma estratégia de topicalização produtiva em português é aquela em
que o sujeito gramatical desempenha a função discursiva de tópico da
frase, como vemos com os sintagmas destacados entre colchetes nos
seguintes exemplos:
A: O que o João fez?
B: [O João] chutou o Pedro.
A: Você sabe quem pegou o dinheiro que estava aqui?
B: Eu? [Eu] não sei!
Os elementos destacados entre colchetes nas respostas de B desempenham
dupla função: atuam tanto como sujeitos do verbo e como tópicos da frase,
uma função dupla na interface entre sintaxe e discurso. De maneira geral,
os elementos topicalizados recebem uma posição de destaque na estrutura
sintática da frase, além de um realce em termos prosódicos, como disse
mos. Outra construção de topicalização produtiva em PB é o simples deslo
camento de constituintes da frase, como vemos abaixo.
A: Você tem visto o João?
B: [O João], eu vi (ele) ontem mesmo no cinema.
A: O que tem dentro desta gaveta? |
B: [Nesta gaveta] eu guardo todos os meus segredos. |
81
PARA CONHECER Sintaxe
13. CRÍTICA
82
Funções sintáticas
HIPERINFLAÇÃO TERMINOLÓGICA
A NGB também peca ao conferir nomes extensos e de difícil memorização
às funções sintáticas quando desempenhadas por orações — e não por sintag
mas não oracionais. Neste livro, fazemos referência a constituintes oracionais
simplesmente como, por exemplo, objeto direto oracional, complemento no
minal oracional etc. Na NGB, infelizmente, os termos não são tão simples as
sim. Note, na tabela abaixo, a inflação gerada com a adição de novos e com
plexos nomes propostos na NGB para o período composto acerca de funções
sintáticas que receberam uma nomenclatura específica no período simples.
Função sintática Quando oracional
Sujeito Oração subordinada substantiva
subjetiva - desenvolvida ou reduzida de
infinitivo, gerúndio ou particípio.
Predicado —
Objeto direto Oração subordinada substantiva objetiva
direta - desenvolvida ou reduzida de
infinitivo, gerúndio ou particípio.
Objeto indireto Oração subordinada objetiva indireta -
desenvolvida ou reduzida de infinitivo,
gerúndio ou particípio.
Complemento nominal Oração subordinada substantiva
completiva nominal - desenvolvida
ou reduzida de infinitivo, gerúndio ou
particípio.
Predicativo Oração subordinada substantiva
predicativa - desenvolvida ou reduzida
de infinitivo, gerúndio ou particípio.
Agente da passiva Oração subordinada substantiva agentiva -
desenvolvida ou reduzida de infinitivo,
gerúndio ou particípio.
Adjunto adverbial Oração subordinada adverbial e sua
especificação semântica - desenvolvida
ou reduzida de infinitivo, gerúndio ou
particípio. _______________
Adjunto adnominal Oração subordinada adjetiva restritiva -
desenvolvida ou reduzida de infinitivo,
gerúndio ou particípio.
Vocativo Oração subordinada vocativa.
Aposto_________ __________ Oração subordinada apositiva.
83
PARA CONHECER Sintaxe
84
Funções sintáticas
Leituras complementares
Para se aprofundar na análise sintática dos termos da oração, nada
melhor do que ler e se familiarizar com uma boa gramática. Entre as gra
máticas mais “tradicionais”, o leitor pode consultar, por exemplo, as gra
máticas de Celso Pedro Luft, Evanildo Bechara, Rocha Lima ou Celso
Cunha e Lindley Cintra.
Entre as gramáticas mais modernas, há boas opções no mercado edi
torial brasileiro, como Azeredo (2008), Castilho (2010), Bagno (2011),
Hauy (2014) e Perini (2016). Acreditamos que todo estudante de Letras ou
de Linguística deveria ler integralmente pelo menos uma gramática norma
tiva tradicional e uma gramática mais moderna. Faça esse exercício depois
de terminar a leitura deste livro.
Sobre a NGB e os estudos gramaticais brasileiros, recomendamos
Henriques (2009) e Kenedy (2010). Sobre temas específicos tratados no
capítulo, recomendamos as leituras sugeridas dentro das caixas explicati
vas ao longo do capítulo.
85
PARA CONHECER Sintaxe
Exercícios
86
ARTICULAÇÃO ENTRE ORAÇÕES
87
PARA CONHECER Sintaxe
88
Articulação entre orações
FONEMA > SÍLABA > MORFEMA > PALAVRA > SINTAGMA >
ORAÇÃO > FRASE > DISCURSO
89
PARA CONHECER Sintaxe
2. ENCAIXAMENTO
90
Articulação entre orações
(2) a. [0RAÇÂ0 [SN Aquele sociólogo [sv disse [SN uma verdade incômo
da]]]].
b- [oração matriz [sn Aquele sociólogo [sv disse [ORAção encaixada 9ue
[SNa elite [sv detestava [SNo povo pobre]]]]]]].
91
PARA CONHECER Sintaxe
92
Articulação entre orações
(3) [matriz 0 funcionário afirmou [ENCAIXADA que seu chefe disse [ENCA1XA.
DA que a aposentadoria será extinta]]].
93
PARA CONHECER Sintaxe
Você conseguiria criar uma frase com quatro e outra com cinco orações
encaixadas? E com seis ou sete? Qual é o limite de encaixadas que você
consegue compreender?
94
Articulação entre orações
95
PARA CONHECER Sintaxe
K Nesse caso, em português, para que essas encaixadas possam ser analisadas
K como complemento de A (o adjetivo), o sujeito na respectiva oração matriz
deverá ser analisado como um expletivo nulo (0), à semelhança do que ocor
re, em inglês, com pronomes expletivos foneticamente realizados, tal como
em [jt is important to take care of the elders] - traduzível como [0 é impor
tante que cuidemos dos idosos]. Nessa frase, [it] é o sujeito expletivo do pre
dicado [is important to take care of the elders], enquanto [to take care of the
elders] é complemento do núcleo A [important]. Logo, em português, parece
possível assumir uma análise semelhante, em que o sujeito de [é importante
que cuidemos dos idosos] seja o expletivo nulo [0], ao passo que [que cuide
mos dos idosos] seria encaixado como complemento nominal oracional - e
não como o próprio sujeito da oração matriz, conforme a seguir.
[0 é sempre desejável que haja justiça]
[0 é improvável que ele seja candidato]
[0 é necessário que todos façam a sua parte]
Essa análise se tornaria ainda mais coerente quando fizéssemos a oposição
entre pares de sentença como [que haja justiça é [o desejável]] versus [que
haja justiça é [desejável]]. Nesses casos, gramáticos tradicionais afirmam
que [o desejável] deve ser o sujeito da oração matriz, por se tratar de um
SN, enquanto [desejável] seria o predicado da matriz, já que se trata de um
SA. Ora, vimos, no capítulo anterior, que diversos tipos de sintagma podem
desempenhar a função de predicativo, inclusive um SN. É por essa razão
que uma análise não tradicional desses períodos pode ganhar em adequação
descritiva ao assumir que tanto [o desejável] quanto [desejável] sejam am
bos predicativos de um sujeito expletivo 0.
Você deve ter percebido que, em todos os exemplos até aqui apresen
tados, ilustramos casos de orações encaixadas ou como complemento (ob
jeto direto, objeto indireto, complemento nominal) ou como especificador
(sujeito, predicativo) de um núcleo lexical presente na matriz. Orações en
caixadas como complementos ou como especificadores são denominadas
tradicionalmente de orações substantivas. Com esse termo, o que se quer
dizer é que tais orações encaixadas são selecionadas como argumento de
um núcleo N, V ou A existente no domínio da matriz.
Um tipo diferente de encaixamento entre orações ocorre quando a
subordinada é encaixada como adjunto de um SN localizado no interior
da oração matriz. Orações adjungidas a SN são denominadas orações rela
96
Articulação entre orações
(5) Ímatriz [sn ® livro [encaixada que o professor indicou] é mesmo muito
interessante]].
Repare que essa discussão não deixa de ser um reflexo da que apresentamos
no capítulo anterior, quando estudamos as funções sintáticas. A diferença
aqui é que as funções sintáticas são desempenhadas por orações e não por
sintagmas simples.
(6) Ímatriz Os alunos leram Ísn os textos [encaixada 9ue 0 professor reco-
mendou]]].
97
PARA CONHECER Sintaxe
(7) a' [MATRIZ j0ã0 amaVa tSN TereSa CeNCA.XAOA qUe amaVa [SN Ra>mUn-
d0 [encaixada que amava [SN Maria [encaixada clue amava Ísn Joa-
Quim [encaixada Que amava [SN Lili [encaixada Que nã0 amava nin-
guém]]]]]]]]]]].
(7) b- [matriz Un rat0 [encaixada 9Ue [sN 0 [encaixada Que [sN 0 ca“
chorro espantou] perseguia]]] fugiu]].
c- [matriz [sn 0 rat0 [encaixada que [SN 0 gat0 [encaixada que [SN 0 cachorro
[encaixada que [SN 0 menino espantou] mordeu] perseguia]]]] fugiu]].
Para facilitar a sua leitura, eis aqui as mesmas frases sem os colchetes eti
quetados.
(7b) O rato que o gato que o cachorro espantou perseguia fugiu.
(7c)O rato que o gato que o cachorro que o menino espantou mordeu per
seguia fugiu.
E para facilitar a compreensão dessas frases, visualize-as assim:
(7b) O rato fugiu.
que o gato perseguia
que o cachorro espantou
(7c) O rato fugiu.
que o gato perseguia
que o cachorro mordeu
que o menino espantou
98
Articulação entre orações
99
PARA CONHECER Sintaxe
Por fim, as orações relativas podem ser encaixadas em SNs nulos, isto
é, SNs presentes na oração matriz que não manifestam nenhum conteúdo
fonético (um conjunto vazio). Vemos isso em (8) a seguir.
(8) [matriz AQuela pessoa só namora [SN 0 [ENCAIXADA quem não presta]]].
b- [matriz Acluela Pessoa só namora [SN gente [ENCAIXADA que não presta]]].
(10) a- [matriz Ísn 0 [encaixada Que você disse] nao está correto]].
b’ [matriz [SN Aquele [ENCA1XADA que morreu] foi [SN aquele [ENCAIXADA
que esteve aqui ontem]]]].
100
Articulação entre orações
QUESTÕES DE NOMENCLATURA - II
Frase nominal: frase sem verbo.
Frase verbal: frase com pelo menos um SV.
Oração: predicação entre um SV (predicado) e um SN (sujeito).
Período simples: frase verbal com somente uma oração.
Período composto: frase verbal com mais de uma oração.
Período: sinônimo de frase verbal.
Sentença: sinônimo de frase verbal.
Cláusula: sinônimo de oração.
Orações substantivas: orações encaixadas como argumento.
Orações adjetivas: orações encaixadas como adjuntos de SN.
Orações adverbiais: orações hipotáticas com função de adjunto adverbial.
Orações adjetivas explicativas: orações hipotáticas com função de aposto
a um SN.
Orações coordenadas: orações paratáticas.
101
PARA CONHECER Sintaxe
102
Articulação entre orações
ORAÇÕES DESENVOLVIDAS
Quando uma oração encaixada é introduzida por um conectivo qualquer,
uma correlação morfossintática interessante acontece: o verbo da oração
subordinada será flexionado em alguma forma finita. Ou seja, quando
substantivas e relativas são ligadas à matriz por meio de um conectivo,
o verbo da encaixada assumirá marcas específicas de tempo, modo, as
pecto, número e pessoa. Orações subordinadas que apresentem verbos
flexionados plenos são tradicionalmente classificadas como orações de
senvolvidas. Por contraste, as orações que se encaixam diretamente na
matriz, sem qualquer conectivo explícito, não apresentam verbos desen
volvidos - são os casos das orações reduzidas, que analisaremos mais à
frente neste capítulo.
103
PARA CONHECER Sintaxe
(15) Utr.z Lujeí.o 0 candidato [ENCA1XADA flue [sujeil0 o povo [prcdicad0 escolheu
[... lacuna...]]] [prcdicad0 venceu [objelodirel0 as eleições]]]].
Faça um contraste entre as sentenças (14) e (15) e você perceberá que,
na substantiva em (14), não há nenhuma lacuna, enquanto, na relativa em
(15), o objeto direto da encaixada não foi manifestado por nenhum item lexi
cal. Com efeito, é na posição de complemento de V, no domínio da relativa,
que localizamos uma lacuna. Nessa frase, tal lacuna deve ser associada ao
SN da oração matriz que sofre o encaixamento da relativa, de modo que [o
candidato] seja identificado como o referente do objeto do verbo [escolheu].
Ora, essa associação é levada a cabo justamente pelo pronome relativo [que].
Você deve perceber que a “lacuna” existente numa oração relativa é uma
categoria a ser ligada a um referente na oração matriz. Portanto, não deve
haver confusão entre esse tipo de constituinte e os sintagmas nulos (0)
como sujeitos ou objetos ocultos que ocorrem no período simples e podem
ser empregados em orações substantivas ou em qualquer tipo de sentença
complexa. No exemplo seguinte, o sujeito da encaixada substantiva é nulo
(oculto), portanto não ocorre o tipo de lacuna que descrevemos acerca das
encaixadas relativas. Note que o sujeito da encaixada é correferente ao da
matriz, ou seja, se referem à mesma entidade, daí o pronome “0”, que po
dería ser normalmente substituído por ele.
[[matriz Cujeito cidadão [prcdicad0 disse [ENCAIXADA çjue [sujciio 0 [predicad0 votará
U.oindire.o nos melhores candidatos],
104
Articulação entre orações
105
PARA CONHECER Sintaxe
106
Articulação entre orações
107
PARA CONHECER Sintaxe
LOCUÇÕES VERBAIS - II
Locuções verbais quase sempre apresentam um verbo auxiliar (aux) ple
namente flexionado e um verbo principal (pri) em alguma forma nominal.
Portanto, orações subordinadas em que ocorra esse tipo de articulação ver
bal entre (aux) e (pri) não caracterizam casos de encaixadas reduzidas. Nos
exemplos a seguir, o verbo auxiliar caracteriza, juntamente ao conectivo
subordinativo, uma oração desenvolvida:
Latriz O juiz alegou [ENCAIXADA que vai precisar de auxílio moradia]]].
nTpraça]]]01'013 °bSerV°U SN °S alunos [encaixada c1uc estavam protestando
108
Articulação entre orações
109
PARA CONHECER Sintaxe
110
Articulação entre orações
INFINITIVO FLEXIONADO
As poucas línguas em que o fenômeno do infinitivo pessoal já foi catalogado
por linguistas são, em ordem alfabética: abaza, abkhaziano, adygheano, astu-
riano, galego, húngaro, karbardiano, leonês, mirandês, português, sardenho
e siciliano. No mapa abaixo, podemos ter uma dimensão de quão diminuto
é esse tipo de estrutura morfossintática entre as línguas humanas. As marcas
mais escuras indicam as regiões do planeta em que alguma língua com infi
nitivo flexionado é falada.
Fonte: linguisticmaps.tumblr.com
111
PARA CONHECER Sintaxe
112
Articulação entre orações
3. HIPOTAXE
113
PARA CONHECER Sintaxe
114
Articulação entre orações
(24) a. [[MATR1Z Ele trabalhou o dia inteiro], [H1P0TAT1CA então dormiu sos-
segado]].
b. * [[hipotática Entâ0 dormiu s^segado], [MATR1Z ele trabalhou o
dia inteiro]].
Interessantemente, outros tipos de oração adverbial só podem ser alo
cados à esquerda da matriz, caso contrário, resultarão agramaticais.
115
PARA CONHECER Sintaxe
116
Articulação entre orações
(27) a. [[MATR1Z Ele disse uma coisa importante:] [HIP0T^T1CA que o Brasil
será o Colosso do Sul]].
b- [[matriz O Brasil, [HIP0T^TICA que será o Colosso do Sul], ainda não
resolveu seus problemas sociais mais básicos]].
117
PARA CONHECER Sintaxe
acerca das relativas restritivas. Por sua vez, a motivação para o termo “ex
plicativa” decorre do efeito discursivo promovido pelo aposto oracional.
Relativas hipotáticas e relativas encaixadas articulam-se à oração ma
triz de maneira distinta. Enquanto as encaixadas se adjungem a um SN,
modificando-lhe a referência, as hipotáticas são apostas a um SN e não lhe
modificam a referência. Comprove isso com as frases a seguir.
118
Articulação entre orações
Significado Conectivos
Causa porque, uma vez que, visto que, como etc.
Consequência tão que, de modo que, de forma que, então etc.
Comparação como, tal qual, que, do que, assim como etc.
Conformidade conforme, segundo, consoante etc.
Concessão embora, se bem que, ainda que etc.
Condição se, caso, contanto que, salvo se etc.
Proporção à medida que, na proporção que etc.
Finalidade para que, a fim de que, com o fim de etc.
Tempo quando, enquanto, sempre que etc.
119
PARA CONHECER Sintaxe
120
Articulação entre orações
qual] e suas flexões sejam identificados como “bons usos” da língua, dos
quais muitos usuários tentam se aproximar - às vezes de maneira desajei
tada (veja, por exemplo, essa disfluência real encontrada na redação de
um calouro universitário: A faculdade a qual que o ser humano tem inata
é a linguagem). Assim sendo, é possível que nossa incerteza sobre (30b)
reflita valores sociolinguísticos de prestígio associados ao uso desse tipo
de pronome em particular.
(31) a. [[HIP0TÂTICA Chegando em casa], [MATRIZ você deve avisar aos amigos]].
b. Kmatriz 0 Povo se mobilizará], [HIP0TÁTICA para o Brasil mudar]].
c. [[H|P0Tática Definidas as candidaturas], [MATRIZ começará a campanha]].
121
PARA CONHECER Sintaxe
(33) a- [matriz U AclLiele fllme> [hipotática el°giado Por tanta genteL deve’
ria ser premiado]].
b- [matriz [Sn a Juíza’ [hipotática sendo uma Pessoa pública], deveria
ter mais cuidado com o que posta em redes sociais]].
c- [matriz Ele só tem um objetivo na vida:] [HIP0TÁTICA chegar ao poder].
4. PARATAXE
122
Articulação entre orações
(34) [[qraçâo Fui à praia], [0RAÇÃ0 dei um mergulho], [ORAÇÃO voltei para
casa]].
123
PARA CONHECER Sintaxe
<36) [[oração João estuda inglês], [0RAÇÃ0 Maria é professora], [0RAÇÃ0 Pe-
dro vende importados]].
124
Articulação entre orações
125
PARA CONHECER Sintaxe
Significado Conectivos______________________
Adição e, nem, também __ _________________
Contraste mas, porém, contudo, todavia etc. _______________________
Alternância Ou, quer, seja etc. ________________
Conclusão portanto, logo, pois, por isso etc. ______________
Explicação pois, que, porque etc. _______
126
Articulação entre orações
5. ORAÇÕES CORRELATAS
correlação
b. O orador falou tão baixo que ninguém entendeu o discurso.
correlação
127
PARA CONHECER Sintaxe
6. ORAÇÕES DESGARRADAS
128
Articulação entre orações
7. CASOS LIMÍTROFES
(42) Ele disse que a eleição transcorrerá em paz, embora haja muita expec
tativa de provocações entre os eleitores, que defenderão seus candida
tos, mas sempre mantendo o respeito pelos outros.
129
PARA CONHECER Sintaxe
130
Articulação entre orações
Leituras complementares
Neste capítulo, estudamos as relações entre as orações, algo que cos
tuma aparecer sobre o rótulo de “análise sintática externa” nas gramáticas
escolares. O leitor deve ter percebido que extrapolamos o que costuma
mos encontrar nessas gramáticas, apesar de estarmos muitíssimo longe de
esgotar o assunto (pelo contrário, aqui, talvez, tenhamos apresentado os
primeiros passos para uma análise que vai além da tradição gramatical).
O leitor interessado pode encontrar outros textos acessíveis dispo
níveis no mercado editorial brasileiro, como o estudo pioneiro de Othon
Garcia, Comunicação em prosa moderna, de 1967. Além desse estudo pio
neiro, há também alguns manuais e gramáticas que trazem análises inte
ressantes sobre os fenômenos que estudamos no capítulo, como Moreno e
Guedes (1979), Moura Neves (2000), Azeredo (2008), Rodrigues (2010),
Bagno (2011), Hauy (2014).
131
PARA CONHECER Sintaxe
Exercícios
1. Explique o que se entende por encaixamento, hipotaxe e parataxe
em Sintaxe.
2 Faça as árvores sintáticas das seguintes frases.
a. Aquele político não gosta de que o chamem de conservador.
b. O povo tem consciência de que o Brasil é um país muito desigual.
c. Meu maior desejo é que as coisas mudem para melhor.
d. Que haja justiça é sempre desejável.
5. Pegue o livro que estiver mais próximo de você (sem ser este que está
em suas mãos agora!). Abra aleatoriamente numa página e faça a aná
lise sintática da primeira frase em que você botar os olhos. Repare nos
recursos sintáticos que o autor do texto usou para expressar a informa
ção veiculada na frase em questão. Veja a frase seguinte e a anterior
e repare nas ligações de significado que elas mantêm com a frase que
você analisou.
132
DUAS ABORDAGENS
NO ESTUDO DA SINTAXE
133
PARA CONHECER Sintaxe
t A ABORDAGEM TRADICIONAL-NORMATIVA
E A ABORDAGEM FORMALISTA
134
Duas abordagens no estudo da Sintaxe
135
PARA CONHECER Sintaxe
SINTAXE, SINTAXES
Em 2015, nós, autores, organizamos pela editora Contexto o livro Sintaxe,
sintaxes: uma introdução. Nele, o leitor encontrará capítulos introdutórios
e bastante elucidativos sobre onze diferentes vertentes contemporâneas de
estudos em sintaxe: Sintaxe Gerativa, Sintaxe Minimalista, Sintaxe Experi
mental, Sintaxe Tipológica, Sintaxe Lexical, Sintaxe Computacional, Sin
taxe Funcional, Sintaxe Construcionista, Sintaxe Descritiva, Sintaxe Nor
mativa Tradicional e Sintaxe em Teoria da Otimidade. Convidamos você a
conhecer tal livro para, assim, manter contato inicial com diversas outras
abordagens no estudo sintático das línguas.
2. ABORDAGEM FUNCIONALISTA
136
Duas abordagens no estudo da Sintaxe
ORIGENS DO FUNCIONALISMO
Os principais linguistas dos anos de formação do funcionalismo foram Ni-
kolai Trubetzkoy, Roman Jakobson e André Martinet.
Nikolai Trubetzkoy (1890-1938), de origem russa, foi o principal fundador
da Escola Linguística de Praga e um dos pioneiros em trabalhos na inter
face entre Morfologia e Fonologia. Juntamente com Jakobson, Trubetzkoy
estabeleceu conceitos fundamentais para a Fonética e a Fonologia, reunidos
em sua obra póstuma Princípios de fonologia.
Roman Jakobson (1896-1982) desenvolveu seu trabalho preocupado com
a maneira pela qual uma forma linguística poderia servir à sua função
principal: a comunicação. Juntamente com Trubetzkoy, Jakobson desen
volveu importantes trabalhos na Escola Linguística de Praga. Com a Se
gunda Guerra Mundial, Jakobson emigrou para os Estados Unidos e, em
1949, passou a trabalhar na Universidade de Harvard. Um de seus legados
mais importantes e lembrados na Linguística talvez seja a noção de “fun
ções da linguagem”.
André Martinet (1908-1999) foi um linguista francês de grande importân
cia nos estudos funcionalistas, muito influenciado pela Escola Linguística
de Praga. Ele foi também o fundador da Sociedade de Linguística Funcio
nal e um dos pioneiros no trabalho funcional da Sintaxe. Seu livro mais
conhecido foi publicado em 1960, o Elementos de linguística geral.
137
PARA CONHECER Sintaxe
2.1 Iconicidade
138
Duas abordagens no estudo da Sintaxe
PRINCÍPIO DA ICONICIDADE
“Um ícone é algo como um retrato, ou uma escultura, de uma pessoa. Ou
seja, um ícone se assemelha a seu referente, é a reprodução que mais di
retamente espelha esse referente. A iconicidade seria, portanto, o princípio
por meio do qual se pode criar uma estreita relação de semelhança entre
uma coisa (uma imagem ou fotografia) e outra (o ser ou objeto retratado).”
Dutra (2003:41)
(4)
v 7
[Ojogador]
L J o
.. [chutou]Jverbo
Jsujeito L
. L[abola]..
Jobjeto
(5)
v 7 [Ojogador]
l j o [abola]..,
jsujeito L [chutou]
Jobjeto L
.
J verbo
139
PARA CONHECER Sintaxe
140
Duas abordagens no estudo da Sintaxe
(9) A Maria tem dois irmãos, o Paulo e o João. Ela gosta muito do Paulo.
a. tópicotO João] ela não suporta.
b. ?? Ela não suporta tópico[o João].
(10) Como o João chegou em casa ontem?
a. Ele chegou em casa foco[cansado].
b. ?? foco[Cansado], ele chegou em casa.
141
PARA CONHECER Sintaxe
TALMY GIVÓN
Givón foi um dos fundadores da Linguística Funcional nos EUA. Ele funda
mentou suas generalizações funcionalistas em pesquisas empíricas realiza
das nas mais diversas famílias linguísticas do mundo (semíticas, africanas,
ameríndias, austronésias, sino-tibetanas e indo-europeias). Ele é também
um notável estudioso da gramaticalização em línguas pidgins e crioulas.
142
Duas abordagens no estudo da Sintaxe
ção na língua.
143
PARA CONHECER Sintaxe
ATOS DE FALA
O filósofo da linguagem J. L. Austin (1911-1960) propôs a teoria dos atos
de fala, continuada especialmente por seu aluno J. R. Searle. A ideia básica
dos atos de fala é que, quando falamos, fazemos mais do que simplesmente
expressar conteúdos preposicionais: nossos enunciados são também dota
dos de forças comunicativas.
“Austin (1962) propõe que o ato comunicativo pode se apresentar em vá
rios níveis, sendo os mais relevantes: o ato locutivo, o ato ilocutivo e o ato
perlocutivo.
• Ato locutivo: resume-se no ato de proferir uma sentença com certo
significado e um conteúdo informacional, ou seja, o sentido restrito
da sentença, a descrição dos estados de coisas.
• Ato ilocutivo: é a intenção do proferimento do falante, ou seja, as
ações que realizamos quando falamos: ordenamos, perguntamos, avi
samos etc.
• Ato perlocutivo: são os efeitos obtidos pelo ato ilocutivo, ou seja, o
resultado que conseguimos com nosso ato de fala: assustamos, con
vencemos, desagradamos etc.” (Cançado, 2012: 146)
Por seu turno, a função textual está relacionada à maneira como orga
nizamos o discurso em um fluxo coerente. De um ponto de vista comuni
cativo, essa maneira deve ser a ótima, isto é, a melhor possível. Para Givón
e outros funcionalistas norte-americanos, os princípios que regem a função
textual não são arbitrários nem específicos da linguagem verbal. Pelo con
trário, esses princípios seriam decorrentes de aspectos gerais da cognição
humana, tal como a maneira como agrupamos e processamos informações
de natureza não linguística. De fato, as línguas naturais dispõem de recur
sos para organizar a comunicação de forma a tornar salientes determinados
pedaços de informação . Por exemplo, o princípio de organização infor
macional determina, como já vimos, que elementos novos no discurso de
vem ocupar a posição final da frase, ao passo que elementos já conhecidos
pelo interlocutor devem ocupar a posição inicial da frase. Vejamos a seguir
mais um exemplo desse tipo de organização frasal.
144
Duas abordagens no estudo da Sintaxe
145
PARA CONHECER Sintaxe
146
Duas abordagens no estudo da Sintaxe
2.3 Marcação
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PARA CONHECER Sintaxe
Note bem: uma abordagem funcionalista deve esperar que uma forma
marcada tenha alguma boa motivação comunicativa para ser empregada
no uso real da língua. Afinal, por que as pessoas escolheríam uma determi
nada forma, em detrimento de outra, para expressarem o conteúdo que de
sejam veicular? Devemos imaginar que exista alguma diferença no uso de
cada uma dessas formas; senão, não haveria motivo para ambas existirem.
Aqui, mais uma vez, estamos frente a um princípio caro aos funcionalistas:
cada forma deve ter uma função no sistema linguístico. No caso das vozes
verbais, uma passiva pode ser usada quando desejamos promover o objeto
direto do verbo a uma posição de maior saliência discursiva, ao mesmo
tempo em que demovemos o sujeito dessa saliência, por exemplo. Veja
mos, no seguinte minidiálogo, como isso acontece.
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3. ABORDAGEM EXPERIMENTAL
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pessoas surdas).
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(29) Internet é uma coisa que não consigo viver sem hoje em dia.
(30) Não imagino o lugar que deixei meu celular em hoje de manhã.
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JULGAMENTOS INTUITIVOS
Já é tradição, entre os sintaticistas gerativistas, utilizarem julgamentos pró
prios (ou de pessoas próximas) para atestar ou não a boa formação de deter
minadas construções sintáticas. Ou seja, é uma praxe comum perguntarmos
a nós mesmos se tal frase é boa, ruim ou aceitável. Para isso, consultamos
nossa própria intuição gramatical, enquanto falantes nativos da língua. É o
que viemos fazendo ao longo deste livro.
Apesar de a prática ser tacitamente aceita na comunidade acadêmica, há du
ras críticas contra ela, assim como várias alternativas propostas para subs
tituir ou aperfeiçoar esse “método” (cf. Labov, 1987; Fillmore, 1992; Maia,
2012, 2015; e Guimarães, 2017 para discussão).
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Maia (2015), com base em sua teoria sintática sobre lacunas, for
mulou a previsão comportamental de que, em comparação a (31), frases
do tipo (32) registrariam maior fixação do olhar na região imediata
mente após o verbo {escreveu), pois isso indicaria uma quebra de ex
pectativa da estrutura sintática aguardada tacitamente pelo falante -
leia a frase em (31) com atenção e perceba como tendemos a interpretar
[que livro] como objeto do verbo [escreveu]. Tal efeito “surpresa” em
frases com a lacuna preenchida, como (32), seria desencadeado porque,
nesse tipo de frase, há um constituinte no lugar da lacuna que, a princí
pio, deveria estar vazia e, assim, disponível para associação anafórica
ao sintagma [que livro], posicionado no início da frase. Perceba que tal
efeito^ surpresa” seria anotado, pelo rastreador, na forma de maiores
fixações oculares na região surpreendente, sem que o participante da
tarefa sequer tomasse consciência do fenômeno; afinal, trata-se de uma
metodologia on-line.
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-- democracia
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rI
------ J
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ESTÍMULO------------- *■ COMPORTAMENTO
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for eleita como uma variável independente, então essa variável será
concretizada em dois níveis que, no caso de um experimento com uma
única variável independente, serão também as duas condições experi
mentais: (1) estímulos em que o sujeito antecede o verbo e (2) estímu
los em que o sujeito sucede o verbo.
Nos experimentos que possuem mais de uma variável independente,
as condições experimentais são concretizadas a partir da multiplicação
entre os níveis de cada variável selecionada. Imagine-se, por exemplo,
que, no citado experimento sobre concordância verbal, o traço de ani-
macidade do sujeito também fosse selecionado como uma variável in
dependente, juntamente com a posição do sujeito. Nesse caso, o respec
tivo experimento possuiría quatro condições experimentais, resultantes
da multiplicação entre os dois níveis de cada uma das duas variáveis
independentes escolhidas: (1) anteposição ao verbo + sujeito animado,
(2) anteposição ao verbo + sujeito inanimado, (3) posposição ao verbo +
sujeito animado e (4) posposição ao verbo + sujeito inanimado.
Exemplo
Experimento off-line = preenchimento de formulário.
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bo chegar)
(ii) Condição {VS +an}
os funcionários r
chegar)
(iii) Condição {SV -an}
Os produtos já no primeiro dia de venda, (verbo acaba
ram)
(iv) Condição {VS -an}
os produtos à venda na p
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Nos exemplos (35) a (37), podemos notar que ocorre uma ambi-
guidade na aposição de um SP, ou seja, esse sintagma pode ser adjun-
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Grupo 1 Grupo 2
Condição 1 Estímulos la, 2a, 3a, 4a Estímulos 5a, 6a, 7a, 8a
Condição 2 Estímulos 5b, 6b, 7b, 8b Estímulos 1b, 2b, 3b, 4b
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Leituras complementares
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Exercícios
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos ao fim deste volume. Nossa ideia central com este livro foi
apresentar ao leitor alguns conceitos-chave no estudo da sintaxe de uma
língua natural. Por isso, começamos trabalhando, no primeiro capítulo, com
uma noção fundamental no estudo da sintaxe de qualquer língua: a de cons
tituinte. Vimos que, apesar de seu reconhecimento ser essencial no estudo
da ordem e da estrutura sintática das línguas, os sintagmas são largamente
ignorados pela tradição gramatical brasileira, que insiste em estudar a frase
como se essa fosse o resultado de um mero ordenamento linear de pala
vras. Uma vez que entendemos que as frases da língua são constituídas por
sintagmas e que os sintagmas são, por sua vez, constituídos por palavras
(ou por outros sintagmas), de maneira estruturalmente organizada, voltamo-
nos, então, aos quatro tipos principais de sintagmas lexicais em português:
o SN, o SV, o SP e o SA. Estudamos sua estrutura interna e vimos as rela
ções de complemento, especificador e adjuntos que se estabelecem nesses
constituintes sintáticos. No meio do caminho, também passamos a conhe
cer uma propriedade inerente (e muito poderosa) do sistema computacional
gramatical das línguas: a propriedade de recursividade (lembra-se do poe
ma “Quadrilha”, do Drummond?).
Com esse conhecimento em mãos, partimos, no segundo capítulo, ao
estudo das funções sintáticas que podem ser exercidas pelos sintagmas na
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Considerações finais
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BIBLIOGRAFIA
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Labov, W. “Some Observations on the Foundation of Linguistics”. 1987. Disponível em: <http://www.
hng.upenn.edu/~wlabov/Papers/Foundations.html>. Acesso em: 12 jun. 2018.
Lemle, M. Analise sintática: teoria geral e descrição do português. São Paulo: Ática, 1984.
Lobato, L. M. P. Os verbos auxiliares em português contemporâneo. Critério de auxiliaridade. In:
Lobato, L. M. P. et al. Análises linguísticas. Petrópolis: Vozes, 1975.
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Vigília, 1986. b *
Loredo Neta, M. M. Objeto direto, condições de omissão no português do Brasil. Belo Horizonte,
, C P v 7 ( °S L'ngUÍSticos’ - Universidade Federal de Minas Gerais.
h ’5 p TrnT o leira- 7- ed' Porto Alegre/Rio de Janeiro: Globo, 1986.
Maia, M.; Fínger, I. (Orgs.). Processamento de linguagem. Pelotas: Educai, 2005.
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Bibliografia
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PARA CONHECER Sintaxe
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OS AUTORES
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PARA CONHECER Sintaxe
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' Sintaxe
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são organizadas de modo a formar frases em uma língua
natural, como o português. Os autores apresentam neste volume
os conceitos-chave da área, revisam a nomenclatura sobre
funções sintáticas que encontramos nas gramáticas normativas
tradicionais e mostram as ferramentas básicas de análise, além
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voltada a estudantes e professores universitários, serve como
urna introdução pura iniciar o leitor nos principais temas da área,
joMÍMimdo u curiosidade linguística pela investigação de algumas
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