KENEDY, OTHERO para Conhecer - Sintaxe - Editora - 240624 - 182447

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EPARA

CONHECER
Sintaxe
COLEÇÃO >

HPARA
CONHECER
Aquisição da Linguagem
Elaine Grolla e Maria Cristina Figueiredo Silva
Fonética e Fonologia do Português Brasileiro
Izabel Christine Seara, Vanessa Gonzaga Nunes e Cristiane Lazzarotto-Volcáo

Morfologia
Maria Cristina Figueiredo Silva e Alessandro Boechat de Medeiros
Norma Linguística
Carlos Alberto Faraco e Ana Maria Zilles
Semântica
Ana Quadros Gomes e Luciana Sanchez Mendes

Sintaxe
Eduardo Kenedye. Gabriel de Ávila Othero

Sociolinguística
Izete Lehmkuhl Coelho, Edair Maria Gôrski, Cbristiane Maria N. de Souza e Guilherme Henrique May

Coordenadores da coleção
Renaco Miguel Basso
Izete Lehmkuhl Coelho

Proibida a reprodução total ou parcial em qualquer mídia


sem a autorização escrita da editora.
Os infratores estão sujeitos às penas da lei.

A Editora não é responsável pelo conteúdo deste livro.


Os Autores conhecem os fatos narrados, pelos quais são responsáveis,
assim como se responsabilizam pelos juízos emitidos.

Consulte nosso catálogo completo e últimos lançamentos em www.editoracontexto.com.br.


Eduardo Kenedy
Gabriel de Ávila Othero

CONHECER

editoracontexto
Copyright © 2018 dos Aurores

Todos os direitos desta edição reservados à


Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.)

Montagem de capa e diagramação


Gustavo S. Vilas Boas

Preparação de textos
Daniela Marini Iwamoto

Revisão
Lilian Aquino

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

Kenedy, Eduardo
Para conhecer sintaxe / Eduardo Kenedy e Gabriel de Ávila
Othero ; coordenação de Renato Miguel Basso e
Izete Lehmkuhl Coelho. - 1. ed., Ia reimpressão. - São Paulo :
Contexto, 2022.
192 p.: il. (Para conhecer)

Bibliografia
ISBN 978-85-520-0069-3

1. Língua portuguesa - Sintaxe 2. Linguística I. Título


II. Othero, Gabriel de Ávila

18-1027 CDD 469.5

Andreia de Almeida CRB-8/7889


índice para catálogo sistemático:
1. Língua portuguesa : Sintaxe

2022

Editora Contexto
Diretor editorial: Jaime Pinsky

Rua Dr. José Elias, 520 - Alto da Lapa


05083-030-São Paulo-sp
pabx:(1 1) 3832 5838
contexto@editoracontexto.com.br
www.editoracontexto.com.br
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO................................. ........................................... 9

A NOÇÃO DE CONSTITUINTE........................................................... 15
Objetivos gerais do capítulo............................................................. 15
1. Unidades de análise: constituintes sintáticos.................................... 16
2. Testes de identificação de constituintes........................................... 21
3. Sintagmas em português.......................... ................................... 28
4. Complemento do núcleo.............................................................. 29
5. Especificador do núcleo.............................................................. 32
6. Especificador, núcleo e complemento............................................. 33
7. Adjunção.................................................................................. 35
8. Recursividade........................................................................... 37
9. Sintagmas nominais................................................................... 38
io. Sintagmas verbais.................................................................... 41
11. Sintagmas preposicionais........................................................... 48
12. Sintagmas adjetivais.................................................................. 50
13. Outros sintagmas?............................................................ ....... 52
• Leituras complementares.............................................................. 53
• Exercícios.................................................................................. 53
FUNÇÕES SINTÁTICAS

Objetivos gerais do capítulo


1. O que são funções sintáticas
2. Desenhando árvores
3. ANGB......................................................................................... 58
4. Frase, oração e período 61
5. Sujeito e predicado 62
5.1 Subclassificações do sujeito 64
5.2 Subclassificações do predicado 68
6. Objetos 70
7. Predicativos 73
8. Complemento nominal 73
9. Agente da passiva 74
10. Adjuntos 76
11. Funções discursivas 77
12. Outras funções 78
13. Crítica 82
• Leituras complementares 85
• Exercícios 86

ARTICULAÇÃO ENTRE ORAÇÕES 87

Objetivos gerais do capítulo 87


1. Múltiplas orações no período 8$

2. Encaixamento
2.1 Conectivos subordinativos
2.2 Encaixadas reduzidas
3. Hipotaxe
3.1 Conectivos hipotáticos
3.2 Hipotáticas reduzidas '
122
4. Parataxe Á
................................................ 124
4.1 Conectivos paratáticos 126
4.2 Paratáticas reduzidas
5. Orações correlatas................................................................... 127
6. Orações desgarradas................................................................ 128
7. Casos limítrofes....................................................................... 129
• Leituras complementares.......................... ................................. 131
• Exercícios................................................................................ 132

DUAS ABORDAGENS NO ESTUDO DA SINTAXE.......................... ......... 133


Objetivos gerais do capítulo........................................................... 133
1. A abordagem tradicional-normativa e a abordagem formalista............ 134
2. Abordagem funcionalista. .......................................................... 136
2.1 Iconicidade........................................................................ 138
2.2 Funções comunicativas e sua expressão sintática....................... 142
2.3 Sintaxe e os subprincípios da iconicidade................................. 145
2.4 Marcação......................................................................... 147
2.5 Teoria sintática e usos linguísticos.......................................... 149
3. Abordagem experimental........................................................... 150
3.1 Métodos off-line e métodos on-line......................................... 155
3.2 Tarefa experimental............................................................. 162
3.3 Controle de variáveis........................................................... 163
3.4 Condições experimentais e desenho fatorial.............................. 164
3.5 Estímulos linguísticos........................................................... 166
3.6 Seleção de participantes e sua distribuição na tarefa................... 170
3.7 Aplicação do experimento..................................................... 171
3.8 Análise estatística............................................................... 172
3.9 Sintaxe Experimental no Brasil e no resto do mundo.................... 173
• Leituras complementares............................................................ 174
• Exercícios................................................................................ 175

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................... -.■177

BIBLIOGRAFIA........................................................................... 181

OS AUTORES............................................................................. 185
APRESENTAÇÃO

A Sintaxe é a área da Linguística que investiga como as palavras são


organizadas de modo a formar frases em uma língua natural, como, por
exemplo, o português, a Libras, o karajá, o espanhol ou o inglês. Por isso,
costumamos dizer que o domínio mínimo da análise de um sintaticista é
limitado pela palavra - investigar o comportamento de elementos menores
do que um item lexical é tarefa de um morfólogo ou de um fonólogo (acer­
ca dos componentes da gramática diferentes da sintaxe, veja os demais
livros da coleção “Para Conhecer”, como, por exemplo, Para conhecer
fonética e fonologia, Para conhecer morfologia e Para conhecer semânti­
ca). Por sua vez, o domínio máximo de investigação em Sintaxe costuma
ser a frase, muito embora existam sintaticistas que estudem também as re­
lações entre frases, conforme mostraremos nos capítulos finais deste livro.
De qualquer maneira, conhecer sintaxe'é, em geral, pesquisar fenômenos
gramaticais que acontecem nos limites entre a palavra e a frase.
Quando falamos ou escrevemos, utilizamos as palavras de nossa lín­
gua para organizarmos nossas idéias em sequências sonoras ou escritas
estruturadas e ordenadas. Não pronunciamos nem escrevemos palavras de
maneira aleatória na cadeia de fala ou de escrita. Com efeito, a articulação
entre palavras numa frase é controlada por regras e princípios básicos
de ordenação e de concordância. Por exemplo, uma sequência arbitrária

9
PARA CONHECER Sintaxe

de palavras, como se vê em (1), não resulta numa frase válida em língua


portuguesa, ainda que todos os itens dessa pseudofrase façam parte do re-

pertório lexical de nossa língua.

(1) * Amigos Maria João os da o conhecem.

Conforme notação corrente em teoria linguística, utilizamos neste livro o


asterisco para indicar uma sequência sintaticamente malformada na língua.

Para que (1) se tome uma frase legítima em português, é preciso or­
denar essa sequência de palavras de urna maneira muito específica. Por
exemplo: nessa língua, artigos devem preceder linearmente os substan­
tivos. Desse modo, são aceitáveis as sequências [os amigos], [a Maria],
[o João], mas não as cadeias * [amigos os], * [Maria a], *[João o]. Além
disso, numa dada frase, arranjos de palavras como [os amigos], [da Ma­
ria] e [o João] devem ser concatenados entre si na forma de constituintes
ordenados, ou seja, devem ser dispostos lado a lado sob certas limitações
estruturais, do contrário o resultado será novamente uma sequência de pa­
lavras inaceitável na língua. É por essa razão que (2) continua sendo uma
estrutura sintaticamente malformada em português, apesar de a regra sobre
o ordenamento entre artigo e substantivo estar aqui sendo preservada.

(2) *Os amigos da Maria o João conhecem.

Todas as línguas naturais possuem um padrão básico para a disposição


linear dos constituintes de uma frase. Em português brasileiro (PB), esse
padrão é manifestado na ordenação sujeito —> verbo —> complemento. Ou
seja, sempre que temos, em nossa língua, frases com esses três constituin­
tes, eles normalmente aparecem nessa ordem - com exceção dos contextos
de ênfase ou de contraste, que demandam outro tipo de linearização. Na
sequência em (2), a ordenação básica do português foi violada sem que se
tratasse de algum contexto especial. É essa violação que dispara a sensação
de inaceitabilidade da frase. Repare, na representação sintática de (2), feita
em (3a) a seguir, que essa frase possui constituintes ordenados de maneira
diferente do que se vê em (3b). É somente nesse último caso que, em acor­
do com o padrão frasal do PB, o sujeito antecede o verbo, que é sucedido
por seu complemento.

10
Apresentação

(3) a. *[Os amigos da Maria]sujeiio [o João]compkmento [conhecem]verb0


b. [Os amigos da Maria]sujeilo [conhecem]verbo [o João]complcmenlo

Desvendar as regras e os princípios que controlam a formação de frases


nas diferentes línguas humanas é o principal objetivo da pesquisa em Sin­
taxe. Nesse empreendimento científico, a ordenação linear de palavras e de
constituintes é apenas um fenômeno entre muitos outros na agenda de tra­
balho de sintaticistas no Brasil e no restante do mundo. De fato, as proprie­
dades sintáticas das línguas naturais são diversas e complexas. É, inclusive,
possível que um fato sintático se manifeste em interface com outro compo­
nente da gramática de uma língua. Por exemplo, a concordância é uma área
de interação entre Sintaxe e Morfologia conhecida como Morfossintaxe.
Um sintaticista deve estar atento a esse ponto de interface porque restrições
de natureza morfossintática podem limitar a composição de estruturas frasais
tanto quanto o podem os fenômenos puramente sintáticos. Repare como (4)
também não é uma frase bem formada em português, apesar de não haver
nela nenhuma violação das regras de ordenação linear da língua.

(4) *[O amigos do Maria]sujeho [conheço]vcrb0 [as João]complemenlo

O que falta para (4) ser considerada uma frase gramaticalmente acei­
tável em PB é, justamente, a concordância entre os elementos da frase.
Com efeito, em todas as modalidades do português, artigo e substantivo
devem manifestar os mesmos traços de gênero. Assim, por exemplo,
[João], sendo um substantivo masculino, não pode ser antecedido por um
artigo feminino como [a]. Por sua vez, os traços de número não são, em
PB, compartilhados entre artigo e substantivo de maneira tão rígida como
os de gênero. Na verdade, uma das mais evidentes características do portu­
guês do Brasil é a variabilidade das regras de concordância de número em
constituintes nominais e verbais. Nas modalidades da língua consideradas
não padrão, a expressão do plural em sequências compostas por artigo e
substantivo se dá normalmente apenas no artigo, porém não no substanti­
vo, que permanece em sua forma de singular, sem, portanto, manifesta­
ção de concordância: [os amigo]. Já nas modalidades padrão, sobretudo
em gêneros formais e escritos, o número plural é quase sempre marcado
nas duas palavras, veiculando, assim, concordância: [os amigos]. Para um

11
PARA CONHECER Sintaxe

si„Micist., » im— »» é “7“ s"bj“e"tes


ao „s0 variável do concordância verbc-uouun.l no PB Por exemplo, em
nenhuma mcd.lid.de d» Ilngu. . expres.Ho d» plur.l e fe.l. someme no
substantivo e não no artigo: -[o amigos), T.l restrição, dentre outras, revela
que . concordância de número não é estabelecida de modo aleatório pelos
falantes brasileiros, mas, antes, é também regida por regras e princípios.

Para uma discussão sobre as modalidades da língua portuguesa no Brasil,


veja Para conhecer sociolinguistica e Para conhecer norma linguística,
desta coleção.
0 PB é uma língua fortemente marcada pela concordância verbal e nominal
variável. Embora nem sempre estejam conscientes disso, os falantes das va­
riedades padrão da língua também produzem e compreendem normalmente
sequências nominais sem concordância, como [Os amigo da Maria], [Mi­
nhas nota] etc., bem como sequências verbo-nominais sem concordância,
como [Os amigo de Maria conhece...].

A comparação de fenômenos sintáticos entre diferentes línguas é es­


pecialmente importante para um sintaticista. Com base no método compa­
rativo, ele poderá descobrir como certos parâmetros sintáticos ou morfos-
sintáticos se manifestam ou não da mesma maneira em idiomas distintos.
Por exemplo, em inglês, o número plural na sequência [artigo + substanti­
vo] é expresso num padrão estrutural sem concordância oposto ao encon­
trado no PB não padrão. Naquela língua, o plural deve ser marcado apenas
no substantivo e não no artigo: [the friends] versus *[thes friend]. Já no
francês falado padrão, o plural sem concordância se expressa somente no
artigo, mas não no substantivo - tal como ocorre nas variedades não pa­
drão do pb. Noutras línguas, como nos diferentes dialetos do chinês, um
fenômeno como a concordância de gênero e de número simplesmente não
existe. Nesses casos, a distinção entre masculino e feminino ou entre sin-
g e pluial é feita no componente pragmático - e não na interação da
sintaxe com a morfologia. Conhecer as diferenças sintáticas entre as lín-
g portante para compreendermos a variabilidade da sintaxe dentro
de uma mesma língua específica.
descrlere^T P0^0’ 6StUdÍ0S0 se dedi“ a observar,
xp ícar as regras e os princípios gramaticais que subjazem

12
Apresentação

aos fenômenos sintáticos das línguas naturais, tais como ordem e concor­
dância. O propósito do presente volume da coleção “Para Conhecer” é
apresentar ao leitor os fundamentos do fazer desse tipo de linguista, suas
ferramentas básicas de análise e suas opções teóricas e metodológicas
mais produtivas.
Se nosso objetivo for alcançado, este livro servirá a estudantes e pro­
fessores universitários como uma introdução teoricamente “neutra” ao es­
tudo da Sintaxe. Isto é, este volume iniciará o leitor aos principais temas
da Sintaxe sem se limitar a nenhuma teoria sintática específica. Nosso ob­
jetivo aqui é apresentar os conceitos-chave dos estudos sintáticos, revisar
a nomenclatura sobre funções sintáticas que encontramos nas gramáticas
normativas tradicionais e despertar a curiosidade linguística do leitor para
a investigação de algumas propriedades sintáticas da língua portuguesa. É
verdade que parte do que apresentaremos nos próximos quatro capítulos
será influenciado pelos conceitos basilares da Sintaxe Normativa tradi­
cional, da Sintaxe Gerativa e da Sintaxe Funcional. Não obstante, em
nenhum momento do livro exigiremos do leitor qualquer conhecimento
prévio sobre essas abordagens linguísticas.
Antes de passarmos propriamente ao início deste livro, devemos re­
gistrar aqui nosso agradecimento a algumas pessoas: o professor Renato
Basso (LIFSCar) e a professora Izete Coelho (UFSC) leram todo o manus­
crito e colaboraram enormemente com a redação final do trabalho; Luciana
Pinsky, nossa editora, foi paciente e receptiva ao nosso projeto, mesmo
quando decidimos alterar significativamente toda a estrutura e grande parte
do conteúdo do livro; os professores Sérgio Menuzzi (UFRGS), Humberto
Menezes (UFRJ) e Marcus Maia (UFRJ), nossos orientadores de pós-gra­
duação e possivelmente os principais “culpados” por trabalharmos com
Sintaxe hoje, inspiram nossas investigações cotidianas sobre a linguagem e
são os responsáveis indiretos por grande parte do conteúdo deste livro; por
fim, mas não com menos importância, todos os nossos alunos, que ao lon­
go de décadas vêm nos forçando a ser cada vez mais precisos e, ao mesmo
tempo, cada vez mais didáticos na tarefa nada facil de ensinar Sintaxe de
uma maneira cientificamente adequada. Todas as inconsistências no texto,
no entanto, são de nossa inteira responsabilidade.

13
A NOÇÃO DE CONSTITUINTE

Objetivos gerais do capítulo


3 Constituintes - discutiremos a noção de constituinte sintático e relacio­
naremos essa noção às funções sintáticas;
O Hierarquia sintagmática - apresentaremos a estrutura interna dos sin­
tagmas, com as relações entre núcleo, complemento e especificador,
bem como suas relações externas, com a adjunção;
3 Sintagmas em português - descreveremos quatro tipos de sintagmas em
língua portuguesa: sintagma nominal (SN), sintagma verbal (SV), sin­
tagma preposicional (SP) e sintagma adjetival (SA), demostrando suas
constituições hierárquicas internas.

15
PARA CONHECER Sintaxe

1. UNIDADES DE ANÁLISE: CONSTITUINTES SINTÁTICOS

Vimos, na apresentação deste volume, que a Sintaxe é um nível espe­


cífico da descrição linguística e que a unidade mínima de análise nesse
nível é a palavra. Outros níveis descritivos de uma língua dedicam-se ao
estudo das unidades inferiores à palavra, como a Fonologia e a Morfologia,
mas é somente quando o domínio desses componentes se esgota, com a
noção de item lexical pleno, que a descrição sintática tem início. A Sintaxe
possui também uma unidade máxima de análise: a frase, entendida como
período ou sentença. Acima dessa unidade, têm lugar fenômenos mais
complexos da linguagem, tais como o texto e o discurso, os quais, por sua
vez, costumam ser objeto de estudo de outros níveis da descrição linguísti­
ca, como a Pragmática e a Análise Discursiva.
Um fato interessante no estudo da sintaxe é que as unidades míni­
mas desse componente linguístico (as palavras) não formam diretamente
as suas unidades máximas (as frases). Entre um extremo e outro da análi­
se, a Sintaxe opera sobre unidades intermediárias, que são denominadas
constituintes ou sintagmas. A rigor, há casos em que uma única palavra
pode ser, ela mesma, um constituinte/um sintagma, assim como uma frase,
em termos estritos, é também um sintagma. No entanto, é uma convenção
entre os estudiosos da Sintaxe reservar o termo “sintagma” às unidades
intermediárias da análise - os constituintes maiores do que a palavra e
menores do que a frase.
Com efeito, quando estudamos as tradicionais funções sintáticas
(conforme veremos no próximo capítulo), devemos atentar que não são as
palavras, isoladas, que desempenham as funções sintáticas em uma frase.
Via de regra, são os sintagmas - isto é, os agrupamentos de palavras - que
desempenham tais funções. Veja a análise da frase a seguir, por exemplo.

(1) O Pedro sabe que a Terra é redonda.

O sujeito de (1) não é o artigo definido o nem o substantivo Pedro,


mas o constituinte formado pelo conjunto dessas duas palavras: [o Pedro].
Da mesma forma, o predicado é também um conjunto de palavras, isto
é, um sintagma, um constituinte: [sabe que a Terra é redonda]. Ao anali­
sarmos as funções sintáticas no interior desse predicado, verificamos que

16
A noção de constituinte

o complemento da forma verbal sabe é toda a oração encaixada [que a


Terra é redonda], a que, dessa forma, se configura como um novo sintag­
ma, inserido dentro de outro (o predicado). Note, portanto, que as funções
sintáticas (sujeito, predicado e objeto, por exemplo) são desempenhadas
por sintagmas, isto é, por um conjunto de palavras que estão sob alguma
organização. Note, também, que os sintagmas podem ser inseridos dentro
de outros sintagmas. Veremos detalhes sobre esse aspecto recursivo dos
sintagmas mais adiante, ainda neste capítulo.
Eventualmente, como dissemos, uma única palavra pode ser um cons­
tituinte e, dessa forma, será capaz de desempenhar uma função sintática,
como é o caso do predicativo do sujeito da oração [que a Terra é redonda].
Aqui, o sujeito da oração encaixada é o sintagma [a Terra], enquanto seu
predicativo se expressa simplesmente pelo nome adjetivo [redonda].

Adjetivos e substantivos são subcategorias da categoria “nome”. A clássi­


ca oposição machadiana - em Memórias póstumas de Brás Cubas - entre
“defunto autor” (um morto que escreve) e “autor defunto” (um escritor que
morreu) bem ilustra que ambos os nomes (“autor” e “defunto”) só se distin­
guem como adjetivo ou substantivo em seu emprego sintagmático. Esse é o
caso da grande maioria dos nomes em língua portuguesa. Sobre esse assun­
to, uma discussão acessível ao leitor pode ser consultada em dois livros do
professor Mário Perini: Perini (1989) e (2006).

Repare que, no exemplo (1), [redonda] também é um constituinte,


ou seja, um sintagma. Vejamos por quê. Ora, os sintagmas são sempre um
conjunto e, conforme sabemos da matemática elementar, conjuntos podem
ser unitários ou até mesmo vazios (sem nenhum elemento visível). Nesse
caso, o predicativo do sujeito na oração encaixada [que a Terra é redonda]
é um sintagma constituído de um único elemento, isto é, trata-se de um
conjunto unitário.

[frase 0 Pedr0 sabe que a Terra é redondaí


^SINTAGMA 0 Pedr°l = SUJeÍt° (d° Verb°

L.MT.rMA sabe que a Terra é redonda] = predicado


"-SINlACiMA 1 . . i
r aue a Terra é redonda] = complemento verbal
LSINTAGMA " .
[ç.mtacma a Terra] = sujeito (do verbo ser)
r t redonda] = predicativo
l-SINTAGMA UNITÁRIO __________ J
do sujeito
-_______________________________________________________________

17
PARA CONHECER Sintaxe

A eventual coincidência entre unidade mínima (palavra) e unidade in­


termediária (sintagma) na análise sintática não deve nos confundir. Assim
como [redonda] é, no exemplo, um predicativo do sujeito, seria muito bem
possível encontrar [levemente redonda] em seu lugar.

(2) O Pedro sabe que a Terra é [levemente redonda].

Agora, o predicativo do sujeito é constituído por um conjunto for­


mado por mais de uma palavra, fato que torna mais fácil sua identificação
como sintagma: [levemente redonda].
Concentre-se nos pontos centrais acerca dos constituintes de uma fra­
se, que são elencados a seguir.

(i) são eles que estruturam o período, e não as palavras isoladamente;


(ii) são eles que desempenham funções sintáticas na frase (sujeito, predi­
cado, predicativo do sujeito etc.), e não palavras isoladas;
(iii) eles são denominados sintagmas e correspondem normalmente a um
conjunto de palavras;
(iv) eles podem ocorrer como sintagmas unitários ou vazios, tal como
acontece com os conjuntos da matemática.

Ainda que essencial ao entendimento da sintaxe, a noção de consti­


tuinte infelizmente costuma ser ignorada pelos estudos sintáticos de na­
tureza normativa tradicional. Com raras exceções (a gramática de Celso
Pedro Luft, Moderna gramática brasileira, sendo uma delas), as gramáti­
cas normativas de base tradicional ignoram os constituintes sintáticos que
formam as orações e as frases em português.

SINTAXE NORMATIVA TRADICIONAL


Quando falamos de Sintaxe Normativa Tradicional, estamos nos referindo
aos estudos sintáticos comumente perpetrados pela tradição das gramaticas
normativo-prescritivas que foram, por muito tempo, usadas em salas de
aula no ensino de língua portuguesa no Brasil. Um texto que aborda com
detalhes o tema é o capítulo “Sintaxe Normativa Tradicional”, do professor
José Carlos Azeredo (Azeredo, 2015).

Vejamos um exemplo dessa situação. Nas gramáticas normativas


tradicionais, um pronome pessoal normalmente é definido como um ele-

18
A noção de constituinte

mento que pode substituir um nome substantivo. É o que aparece nesta


definição que encontramos na gramática de Cegalla (Novíssima gramáti­
ca da língua portuguesa), por exemplo: “Pronomes pessoais são palavras
que substituem os nomes e representam as pessoas do discurso” (Cegalla,
1996: 170).
Se essa noção acerca do uso de um pronome pessoal estiver correta
e um pronome de fato substituir um substantivo, então poderiamos substi­
tuir os substantivos do próximo exemplo pelos pronomes correspondentes,
como mostramos a seguir.

(3) Os amigos da Maria conhecem o João.


Substantivos Pronomes
amigos eles
Maria ela
João ele

Ou seja, se essa definição estiver correta, poderemos substituir os


substantivos amigos [masculino, plural], Maria [feminino, singular] e
João [masculino, singular], pelos pronomes pessoais correspondentes de
3a pessoa: eles [masculino, plural], ela [feminino, singular], ele [mascu­
lino singular], mantendo a correção gramatical da frase. Contudo, não é
isso o que acontece. Repare como as sequências a seguir são malforma-
das em português.

(4) *Os eles da Maria conhecem o João.


(5) *Os amigos da ela conhecem o João.
(6) *Os amigos da Maria conhecem o ele.

Nenhuma dessas sequências é uma frase bem formada na língua. Isso


acontece porque, nesses exemplos, aplicamos uma regra gramatical que
não explica adequadamente os fenômenos sintáticos do português — e, na
verdade, de nenhuma língua conhecida. Essa regra da Gramática Norma­
tiva Tradicional falha justamente por ignorar que as frases de uma língua
(unidades máximas da sintaxe) não são estruturadas diretamente por pala­
vras (unidades mínimas), mas, sim, por constituintes sintáticos, os sintag­
mas (unidades intermediárias). Portanto, ao contrário do que podem dizer
alguns gramáticos tradicionais, pronomes não substituem nomes.

19
PARA CONHECER Sintaxe

Na verdade, pronomes podem substituir sintagmas de valor nominal, isto


é, sintagmas cujo núcleo é um nome substantivo, os sintagmas nominais - ve­
remos detalhes sobre os tipos de sintagmas mais à frente, ainda neste capítulo.
Por ora, basta dizer que, no caso do exemplo (3), há três constituintes desse
tipo: [Os amigos da Maria], [a Maria] e [o João]. Esses três sintagmas pos­
suem a mesma natureza gramatical. Por exemplo, todos eles podem ocupar
as funções sintáticas de sujeito e de objeto do verbo. Repare como podemos
formar as frases a seguir, em que tais sintagmas estão desempenhando a função
de sujeito (7) e de objeto do verbo com preposição (8) ou sem preposição (9).

(7) a. [Os amigos da Maria]sujei(o estudam Sintaxe.


b. [A
L
Maria]J sujeito
.estuda Sintaxe.
c. [O João] .estuda Sintaxe.
(8) a. Eu gosto d[os amigos da Maria]objcto.
b. Eu gosto d[a Maria]objcto.
c. Eu gosto d[o João]objclo.
(9) a. Ontem à noite eu vi [os amigos da Maria]objeto.
b. Ontem à noite eu vi [a Maria]objcto.
c. Ontem à noite eu vi [o João]obje(o.

Ou seja, estamos aqui diante de agrupamentos de palavras que for­


mam um constituinte sintático, encabeçado por um nome substantivo (um
sintagma nominal, portanto). Como dissemos anteriormente, é essa gene­
ralização que muitas vezes escapa aos estudos sintáticos de base normativa
tradicional. Veja, a seguir, como podemos usar pronomes para substituir
sintagmas nominais e obtermos frases gramaticalmente bem formadas na
língua, ao contrário do que vimos em (4) a (6).

(10) Os amigos da Maria conhecem o João.


Sintagmas nominais Pronomes
[os amigos da Maria] eles
[a Maria] ela
[o João] ele
(II) Eles conhecem o João.
(12) Os amigos dela conhecem o João.
(13) Os amigos da Maria conhecem ele.

20
A noção de constituinte

Na próxima seção, analisaremos alguns testes e métodos capazes de


identificar os diferentes constituintes das frases de uma língua natural.

2. TESTES DE IDENTIFICAÇÃO DE CONSTITUINTES

Substituir constituintes por pronomes é, na verdade, um conhecido


teste, em literatura sintática, que usamos justamente para identificar sin­
tagmas nominais. E o chamado teste dapronominalização.

Teste da pronominalização: um constituinte sintático de natureza nominal


pode ser pronominalizado (ou seja, substituído por um pronome pessoal).

Além da pronominalização, existem outros testes que capturam ou


explicitam nossas intuições linguísticas acerca dos constituintes de uma
frase. Vejamos alguns desses testes de constituintes, aplicados a dados do
português. Tais testes nos permitirão reconhecer de que forma sintagmas
da mesma natureza apresentam o mesmo comportamento gramatical.

I) O teste da interrogação

Esse teste é, na prática, um subtipo de pronominalização. No caso, iden­


tificaremos um sintagma caso uma palavra (ou uma sequência delas) puder ser
substituída por um pronome interrogativo como quem, o que, quando, onde
etc. No exemplo (11) anterior, o sintagma [Os amigos de Maria] foi pronomi­
nalizado pelo item eles. Se utilizarmos o teste da interrogação, esse mesmo
sintagma será substituído pelo pronome quem\ [[Quem] conhece João?].

II) O teste do deslocamento

Uma das características de um constituinte sintático é poder ser des­


locado para diferentes posições ao longo da frase. Apesar de a frase, em
português, apresentar a ordem canônica sujeito-verbo-objeto (SVO, como
costumamos encontrar na literatura), temos na língua alguma liberdade
para mover constituintes para diferentes posições lineares, especialmente
quando se trata de elementos de natureza adverbial. Esses deslocamentos
não podem ser feitos com palavras isoladas, nem com “pedaços” de cons­
tituintes. É isso o que observamos nos exemplos a seguir.

21
PARA CONHECER Sintaxe

(14) Visitei o meu velho amigo de infância ontem.


(15) [Ontem] visitei o meu velho amigo de infância.
(16) Visitei [ontem] o meu velho amigo de infância.
(17) [O meu velho amigo de infância], visitei ontem.

Em (15), (16) e (17), deslocamos os constituintes [ontem] e [O meu


velho amigo de infância] de sua posição original representada em (14). O
teste do deslocamento foi, portanto, capaz de revelar que [ontem] e [O meu
velho amigo de infância] são sintagmas, uma vez que podemos mover esses
constituintes para outras posições na frase. Repare que, quando se trata de
sintagmas formados por mais de uma palavra, deslocar apenas uma parte
aleatória desse constituinte tomará a sequência agramatical em português.

(18) *[O meu velho] ontem visitei [amigo de infância].


(19) *[De infância] ontem visitei [o meu velho amigo].

A impossibilidade de deslocamento representada em (18) e (19) nos


indica que [o meu velho] e [de infância] não são constituintes independentes
a ponto de poderem ser deslocados, pois estão inseridos noutro constituinte
maior, como parte constitutiva dele. Ao deslocarmos tais fragmentos, esta­
mos “rompendo” a unidade de um constituinte sintático, fato que provoca a
agramaticalidade atestada em (18) e (19). Dado que um constituinte se com­
porta como uma única unidade sintática, essa operação de movimento exige
que o respectivo constituinte seja deslocado em sua integralidade.

III) O teste da divagem

Clivagem é uma operação sintática formada pela sequência:

[forma do verbo ser] + [constituinte clivado] + [partícula que].

Ou seja, uma construção clivada apresenta um constituinte “ensan-


duichado” entre um verbo como É... (ou Foi...) e o item que... (ou quem,
em algumas circunstâncias), conforme vemos a seguir.

(20) Foi o João que leu Os Lusíadas nas férias.


(21) É o Leonardo que sabe grego antigo.

O interessante dessa operação é que só é possível clivar constituintes


sintáticos, mas não palavras isoladas. Trata-se, portanto, de um bom teste
para identificação de sintagmas. Vejamos mais alguns exemplos.

22
A noção de constituinte

(22) Foi [o João] que leu Os Lusíadas nas férias.


(23) Foi [Os Lusíadas] que o João leu nas férias.
(24) Foi [nas férias] que João leu Os Lusíadas.
(25) É [o Leonardo] que sabe grego antigo.
(26) É [grego antigo] que o Leonardo sabe.

Não é possível clivar elementos maiores do que um constituinte e


tampouco “quebrar” um constituinte para clivar apenas uma de suas partes
internas, tal como a má-formação dos exemplos seguintes atesta.

(27) ?? Foi [Os Lusíadas nas férias] que o João leu.


(28) ?? É [grego] que o Leonardo sabe clássico.

Essas duas últimas frases soam um tanto estranhas, mas é possível


que uma pronúncia e um contexto bem específicos possam legitimar sua
aceitabilidade. E por isso que, seguindo notação corrente entre sintaticis-
tas, marcamos essas frases com dois pontos de interrogação (??). Vimos
que as sequências malformadas na língua (agramaticais) foram, até agora,
assinaladas com um asterisco (confira os exemplos agramaticais das pági­
nas anteriores). Já se a frase soa estranha, mas sua aceitabilidade é duvido­
sa, podemos marcá-la com um ponto de interrogação ou dois (conforme o
maior ou menor grau de estranhamento da frase).

GRAMATICALIDADE E ACEITABILIDADE
Ao estudarmos sintaxe, seguidamente queremos saber se tal construção “é
boa” na língua ou não; se tal frase é “estranha”, “gramatical”, “agrama-
tical”, “aceitável” ou “inaceitável”. Como já anunciamos, usaremos, ao
longo deste livro, a notação tradicional de marcar com um asterisco (*)
as sequências que julgamos agramaticais em português, ou seja, aquelas
sequências de palavras que julgamos não fazer parte de nenhum dialeto do
português. São sequências de palavras que violam regras ou princípios sin­
táticos e provavelmente não seriam aceitas como exemplares de frases por
nenhum falante nativo da língua. Também usaremos a notação tradicional
de marcar frases estranhas (ou marginais) com um ponto de interrogação
ou dois, a depender do grau de estranheza que julgamos que a construção
tenha. Uma boa discussão sobre os conceitos de gramaticalidade e aceitabi­
lidade em Linguística pode ser conferida no livro Os fundamentos da teoria
linguística de Chomsky, do professor Max Guimarães (Guimarães, 2017).

23
PARA CONHECER Sintaxe

Considerando-se que a construção clivada tem o papel de “realçar”


ou “enfatizar” um elemento da frase, poderiamos pensar num contexto em
que (27) e (28) pudessem ser aceitáveis. Por exemplo, no diálogo a seguir,
isso nos parece possível.

(29) a. Ei, eu ouvi dizer que o João leu A Ilíada durante o mês de provas.
b. Não, não foi nada disso. Foi [Cte Lusíadas nas férias] que o João leu
e não A Ilíada durante as provas.

Nesse caso, contudo, note que a divagem se aplica, na verdade, sobre


dois constituintes e não apenas um: [Os Lusíadas} e [nas férias]. Se apli­
carmos um dos outros testes que até agora já conhecemos, essa intuição
ficará bem clara.

Interrogação:
O João leu [Os Lusíadas} nas férias —» O João leu [o que] nas férias?
O João leu Os Lusíadas [nas férias] —> O João leu Os Lusíadas [quando]?

Deslocamento'.
O João leu Os Lusíadas nas férias
—* [Nas férias], o João leu Os Lusíadas.
—> O João, [nas férias], leu Os Lusíadas.
—> O João leu [nas férias] Os Lusíadas.
[Os Lusíadas} o João leu nas férias.

Efeito semelhante tem a frase (30): podemos imaginar um diálogo em


que (28) parece ser usada com menos estranhamento.

(30) a. O Leonardo conhece grego moderno e latim clássico.


b. Não é nada disso! É [grego] que o Leonardo sabe clássico. E não
latim.

A função informacional da construção clivada (um fenômeno semân-


tico-pragmático) pode “embaçar” um pouco a clareza dos testes de iden­
tificação de constituintes sintáticos. Por isso, é fundamental conhecermos
diferentes testes. A depender da frase específica, um teste pode revelar-se
mais adequado do que outros.

24
A noção de constituinte

CLIVADAS E ORDEM DOS CONSTITUINTES NA FRASE


As construções clivadas têm uma rica história de investigação em portu­
guês. Aqui, usamos as clivadas apenas como um “instrumento” para diag­
nosticar constituintes. Para saber mais sobre as construções clivadas e seu
papel na articulação informacional discursiva, remetemos o leitor a Modes­
to (2001,2003).
A ordem dos constituintes na frase muitas vezes tem motivações funch
nais. Isso quer dizer que a organização sintática dos elementos de uma frase
é também o resultado de exigências comunicativas e de natureza informa­
cional. Elaboramos mais sobre esse assunto no último capítulo, na seção
destinada à Sintaxe Funcional.

IV) O teste da interpolação

Vimos que, na língua portuguesa, podemos deslocar elementos na fra­


se, com alguma liberdade, desde que esses elementos sejam constituintes
sintáticos independentes. Tais elementos deslocados “se movem” de sua
posição original para outra na frase. Considerando-se isso, o que o teste da
interpolação vai nos mostrar é que o “lugar de pouso” de um constituinte
deslocado não pode ser o interior de outro constituinte. Para ilustrar tal
restrição, retomemos os exemplos (15), (16) e (17).

(15) [Ontem] visitei [o meu velho amigo de infância].

Abaixo, deslocaremos [ontem] para duas posições distintas, nas fra­


ses (16) e (17), ambas às margens do sintagma nominal [o meu velho ami­
go de infância].

(16) Visitei [ontem] [o meu velho amigo de infância].


(17) Visitei [o meu velho amigo de infância] [ontem].

Entretanto, não podemos deslocar [ontem] para interior de [o meu


melhor amigo de infância]. Observe, nos exemplos a seguir, como, caso
essa inserção seja feita, tais construções resultam em sequências gramati­
calmente malformadas.

(31) *Visitei [o [ontem] meu velho amigo de infância].


(32) * Visitei [o meu [ontem] velho amigo de infância].

25
PARA CONHECER Sintaxe

(33) * Visitei [o meu velho [ontem] amigo de infância].


(34) * Visitei [o meu velho amigo [ontem] de infância].
(35) * Visitei [o meu velho amigo de [ontem] infância].

Vemos aqui que não é possível inserir um constituinte em outro de tal


maneira que a integridade do segundo seja afetada. A interpolação é, por­
tanto, um teste útil para verificarmos a extensão de um sintagma, dado que
não podemos mover um constituinte alheio para o seu interior.

V) O teste da elipse

O teste da elipse é também útil na identificação de constituintes sintáti­


cos. Para realizá-lo, basta omitir uma palavra (ou uma sequência delas) numa
estrutura coordenada, fazendo com que essa palavra ou sequência não seja
foneticamente produzida e tenha de ser inferida. Quando é possível fazer esse
tipo de omissão, o constituinte elidido é um sintagma. Vejamos dois exemplos.

(36) a. A Paula [viu a novela] na sala e o João, no quarto.


b. A Maria [faltou à aula] e o José também.

Em (36a), [viu a novela] sofre elipse na segunda oração, o que indica


que esse é um constituinte da frase. A mesma coisa acontece em (36b),
quando [faltou à aula hoje] é elidido na oração coordenada, logo depois do
advérbio “também”.

A interpretação de (36a) e de (36b) é feita como segue:


(36) a. A Paula [viu a novela] na sala e o João [viu-a novela] no quarto.
b. A Maria [faltou à aula] e o José também [fahotrà-atHa].
Repare como a vírgula é utilizada, em (36a), para marcar a elipse do consti­
tuinte, aqui indicada com um risco sobre o constituinte elidido. Trata-se de
um uso interessante de um recurso de pontuação, em prol da interpretação
sintática (e semântica) da frase.

O importante acerca de todos os testes de identificação de constituin­


tes é que pelo menos um deles funcionará quando precisarmos delimitar
os sintagmas numa determinada frase. Por exemplo, numa frase ambígua
como (37a), é possível usar o teste da interrogação (ou outro) de modo a
identificar as duas estruturas sintáticas possíveis.

26
A noção de constituinte

(37) a. O Supremo julgou o deputado inocente.


b. O Supremo julgou quem inocente? (p deputado)
c. O Supremo julgou quem? (o deputado inocente)

A ambiguidade em (37a) reside no fato de não sabermos se [o de­


putado inocente] foi julgado ou se [o deputado] foi julgado e o veredito
desse julgamento foi [inocente]. Em (37b), a interrogação feita sobre o
sintagma [o deputado] indica que [inocente] é, na verdade, outro sintagma,
independente de [o deputado]. Por sua vez, em (37c), interrogamos todo o
constituinte [o deputado inocente], substituindo-o pelo pronome [quem].
Isso indica que, nesse caso, [o deputado inocente] é um único sintagma -
dessa maneira, a inocência é apresentada como uma característica inerente
ao deputado e nada se diz sobre qual foi o julgamento do Supremo, se
culpado ou inocente. Experimente realizar os testes da pronominalização
e da divagem com o exemplo (37) para perceber ainda mais claramente o
efeito de ambiguidade estrutural dessa frase.
Agora que sabemos o que é um constituinte e aprendemos a identifi­
cá-lo, vejamos a estrutura interna de quatro tipos de constituintes sintáticos
do português, os sintagmas nominal, verbal, preposicional e adjetival.

SOBRE A REALIDADE PSICOLÓGICA


DE UM CONSTITUINTE SINTÁTICO
Mais do que apenas ser uma “noção gramatical”, os constituintes sintáticos
são fenômenos gramaticais que têm sua realidade psicológica atestada. Isso
quer dizer que os falantes reconhecem, intuitiva e inconscientemente, um
constituinte e sabem manipulá-lo. Foi o que tentamos mostrar com os testes
anteriores, por exemplo.
Outra evidência empírica sobre a existência dos constituintes sintáticos
foi apresentada nos trabalhos clássicos de Fodor e Bever (1965) e Garret,
Bever e Fodor (1966). Os autores apresentaram frases com sequências de
palavras idênticas, como eu lia um livro do José de Alencar, a diversos
informantes. Em algumas frases, essa sequência de palavras formava um
constituinte — como em (a) —, em outras não — como em (b).
a. Enquanto [eu lia um livro do José de Alencar] minha irmã telefonou.
b. Enquanto [eu lia] [um livro do José de Alencar caiu da estante].

27
PARA CONHECER Sintaxe

Os informantes ouviam frases como essas usando um fone de ouvi­


do. Num dado momento, os pesquisadores “disparavam” um ruído de
“clique”, no meio da frase. Quando o clique era ouvido no interior de
um constituinte, muitos informantes ficavam com a impressão de te­
rem ouvido o ruído na fronteira do constituinte (e não dentro dele).
O experimento mostrou que ruídos externos à comunicação costumam
ser interpretados nas fronteiras dos constituintes sintáticos, atestando a
existência de um constituinte em sua unidade e atestando a percepção,
ainda que inconsciente, que os ouvintes têm de constituintes sintáticos
formando uma frase.

3. SINTAGMAS EM PORTUGUÊS

A existência dos sintagmas, como unidade intermediária entre as pa­


lavras e a frase, evidencia uma propriedade fundamental da sintaxe das lín­
guas naturais: a hierarquia. Com efeito, as palavras encontram-se estru­
turadas em sintagmas, os quais se organizam dentro de outros sintagmas,
de maneira recursiva, até que o sintagma final da estrutura (a frase) seja
constituído. Essa organização no interior dos sintagmas é o que denomina­
mos de hierarquia.
O aspecto mais básico da hierarquia dos sintagmas é que todos eles
são organizados em função de seu núcleo: um sintagma é sempre um cons­
tituinte endocêntrico - isto é, um constituinte estruturado em função de um
núcleo que determina sua categoria mesmo que se trate de um sintagma
unitário ou de um sintagma nulo/vazio. Representamos isso na ilustração a
seguir. Comece a ler a figura de baixo para cima e perceba que o núcleo é
hierarquicamente inferior ao sintagma que lhe é superior.

Sintagma

núcleo

Os quatro tipos de núcleo que definem os principais sintagmas lexi­


cais da língua portuguesa são estabelecidos por sua categoria morfológi-
ca. Assim, temos SN, o sintagma nominal (nucleado por um nome subs­
tantivo); SV, o sintagma verbal (nucleado por um verbo); SP, o sintagma

28
A noção de constituinte

preposicional (cujo núcleo é uma preposição); e SA, o sintagma adjetival


(encabeçado por um nome adjetivo). Podemos ver, na figura a seguir, que
o tipo morfológico do núcleo projeta a natureza do sintagma superior.

SN SV SP SA

I
N I
V I
p iI
Na hierarquia interna a cada um desses tipos de constituinte, o núcleo
do sintagma pode estabelecer até duas relações estruturais com outros ele­
mentos: o complemento e o especificador.

4. COMPLEMENTO DO NÚCLEO

O núcleo, como vimos, pode ser o único elemento constitutivo de


um sintagma. Na maioria das vezes, no entanto, um núcleo sintagmá-
tico estabelece relações sintáticas com outros elementos. Por exemplo,
aprendemos, na escola básica, nas aulas sobre transitividade verbal, que
certos verbos podem selecionar algum tipo de complemento. O conjunto
formado pelo núcleo verbal e seu complemento constituirá, portanto, um
sintagma, o SV. Na verdade, ao contrário do que pode sugerir esse tra­
tamento especial dispensado, na Sintaxe Normativa Tradicional, à tran­
sitividade dos verbos, selecionar um complemento é uma propriedade
que pode se manifestar em qualquer tipo de núcleo: V, N, P ou A. Essa
generalização (qualquer núcleo de sintagma pode ter um complemento) é
ilustrada na seguinte figura.

Sintagma

núcleo complemento

Em português, o complemento de um núcleo é normalmente posi-


cionado à sua direita (isto é, núcleos antecedem complementos), porém é
possível modificar essa ordenação aplicando-se, por exemplo, uma regra
de movimento, de modo a deslocar um complemento para alguma posição
linear anterior a seu respectivo núcleo. Noutras línguas (por exemplo, o
japonês), verifica-se um padrão inverso: núcleos sucedem complementos.

29
PARA CONHECER Sintaxe

No início deste capítulo, mencionamos que os constituintes se orga­


nizam, na frase, uns dentro dos outros, de maneira recursiva. Essa noção
ficará mais explícita agora, quando respondermos à seguinte questão: que
tipo de elemento pode ser o complemento de um núcleo sintagmático? Ora,
um complemento de núcleo é sempre um novo constituinte, isto é, um novo
sintagma (ou até mesmo uma oração, como as subordinadas substantivas,
que veremos com detalhe no capítulo “Articulação entre orações”). Na hie­
rarquia dos constituintes, um núcleo projeta, para cima, um sintagma, de
acordo com a sua categoria morfológica, ao mesmo tempo em que, se for
o caso, seleciona, à sua direita, outro sintagma, como seu complemento.
Vemos isso representado na figura que se segue.

Sintagma

núcleo Sintagma

Para exemplificar o que acabamos de dizer, tomemos um núcleo


como [comprar]. Ele projetará um SV, uma vez que se trata de um núcleo
V. Tal núcleo verbal específico tem a característica de ser transitivo direto
e, assim, seleciona como complemento um SN. Suponhamos que esse SN
seja um sintagma unitário, com o núcleo [livros]. Nesse caso, o SV [com­
prar livros] será constituído pelo núcleo [comprar] e pelo complemento
[livros]. Essa estrutura hierárquica pode ser visualizada em colchetes eti­
quetados, conforme se segue.

[sv comprar [SN livros]]

Nesse tipo de representação, o início de um sintagma é indicado com a


abertura de um colchete e o apontamento imediato de sua categoria, com a
sigla subscrita. O sintagma se encerra quando seu colchete é fechado. Entre
um colchete (abertura) e outro (fechamento), pode haver outros colchetes
que abrem e fecham sintagmas no interior do sintagma máximo da hierar­
quia. E o que vimos anteriormente, com o SN que se insere no SV. Note que
a ilustração em colchetes não explicita a categoria do núcleo dos sintagmas,
além de poder ser de difícil interpretação no caso de sintagmas muito com­
plexos. E por essa razão que muitos sintaticistas preferem ilustrar as estrutu­
ras sintagmáticas por meio de árvores, as chamadas estruturas arbóreas,

30
A noção de constituinte

ou representações arbóreas, ou árvores sintáticas. Nesse tipo de ilustra­


ção, os núcleos são sempre representados. Um galho para cima do núcleo
indicará uma ramificação sintagmática. Um complemento, se houver, estará
representado na mesma ramificação do núcleo, como se fosse seu irmão, à
direita. Numa estrutura arbórea, um SV como [comprar livros] receberá a
seguinte representação.

SV

V SN

I
comprar N
I
I
livros

Vemos aqui que [comprar] é um núcleo de natureza V, que projeta,


portanto, um nódulo SV. Na ramificação de SV para V, encontramos um
sintagma irmão, o SN [livros], que, assim, se caracteriza como comple­
mento de V. Esse novo sintagma, por sua vez, possui sua própria estrutura
interna, que, no caso, é bastante simples, por se tratar de um conjunto uni­
tário: ele só possui seu núcleo N.
Mais à frente, ainda neste capítulo, apresentaremos detalhes sobre a
recursividade de combinação entre constituintes. Por ora, vejamos outro
tipo de elemento que pode existir no interior de um constituinte e estabele­
cer relações sintáticas com um núcleo de sintagma: o especificador.

Há mais de uma maneira de analisar a estrutura interna de uma frase ou


de um sintagma usando árvores sintáticas. O que as árvores mostram - e
que, via de regra, escapa à gramática normativa tradicional - é que há uma
hierarquia de organização dos elementos que constituem as frases e seus
constituintes. Pelo caráter introdutório deste livro, apresentaremos árvores
relativamente “planas” e não nos concentraremos nos detalhes de hierar­
quia entre os constituintes. Para estudos, em português, um pouco mais
avançados nesse sentido, remetemos o leitor a Othero (2006), Mioto et al.
(2013) e Kenedy (2013).

31
PARA CONHECER Sintaxe

5. ESPECIFICADOR DO NÚCLEO

Imagine um sintagma como [muitos livros]. E fácil identificar a sua


categoria: SN, dado que o núcleo [livros] é um nome substantivo N. Re­
pare que tal sintagma não possui complemento, uma vez que selecionar
esse tipo de constituinte não é uma característica específica do item [li­
vros]. Na hierarquia desse sintagma particular, qual seria a natureza da
palavra [muitos]?
A resposta a essa pergunta é útil para nos demonstrar o segundo tipo
de relação estrutural que se estabelece no interior de qualquer sintagma:
a relação entre um núcleo e seu especificador: [muitos] é especificador
de [livros].
Sintagma

especificador núcleo

Em português, os especificadores tipicamente antecedem o núcleo,


posicionando-se à sua esquerda. Entretanto, como já mencionamos, o por­
tuguês possui uma ordenação sintática linear relativamente flexível; dessa
maneira, em certos casos, um especificador pode ser linearizado depois de
seu núcleo. Noutras línguas, podemos encontrar um padrão perfeitamente
inverso: especificadores sucedem seus núcleos e podem ser movidos para
posições lineares anteriores a eles.
Voltando à língua portuguesa, vemos, na estrutura que se segue, mais
uma vez, a hierarquia de um SV: [li muitos livros]. Esse SV é projetado
pelo núcleo V, que, nesse caso específico, não possui especificador e sele­
ciona, à direita, um complemento SN. Tal SN, por sua vez, está organizado
em função de seu núcleo N, que é antecedido por um especificador (abre­
viado esp”). Como sabemos, o item [livros] não tem a propriedade de
selecionar complemento, logo o SN na árvore sintática que segue só possui
a relação sintática especificador + núcleo.

32
h noção de constituinte

Um especificador pode desempenhar diferentes tipos de relações gra­


maticais com o seu núcleo, a depender da categoria morfológica desse.
Por exemplo, pode exercer a função de determinante nos SNs e, assim, ser
preenchido por um artigo, ou por um dos diferentes tipos de pronomes,
ou ainda por um numeral (ex. [os livros], [muitos livros], [aqueles livros],
[dez livros]). No SV, um especificador pode funcionar como modificador
adverbial (ex. [quase comprei], [não comprei], [certamente comprarei]), o
mesmo ocorrendo no âmbito dos SPs (ex. [quase sem nenhum dinheiro],
[sempre com muitos amigos]). Nos SAs, especificadores expressam no­
ções como grau (ex. [muito alto], [pouco cansado]) e circunstâncias (ex.
[silenciosamente satisfeito]).
Já sabemos que, na estrutura interna dos constituintes, haverá um nú­
cleo sintagmático que poderá estabelecer uma relação sintática com um
complemento (à direita) ou com um especificador (à esquerda). O que
acontecerá quando um determinado núcleo, porventura, receber um espe­
cificador e, ao mesmo tempo, selecionar também um complemento, com­
pondo, desse modo, duas relações sintáticas dentro de um mesmo consti­
tuinte? Veremos isso na próxima seção.

6. ESPECIFICADOR, NÚCLEO E COMPLEMENTO

Um constituinte sintático pode manifestar, além de seu núcleo, a


presença de um complemento e também de um especificador. É o caso
do sintagma [nunca vi um unicórnio]. Temos aqui um SV, cujo núcleo
é o verbo flexionado [vi]. Esse item seleciona como complemento o
SN [um unicórnio] e é modificado pelo especificador [nunca]. Trata-se,
portanto, de um constituinte complexo, cujas três posições hierárqui­

33
PARA CONHECER Sintaxe

cas (especificador, núcleo e complemento) encontram-se preenchidas.


Analise a representação a seguir e procure identificar a estrutura que
acabamos de descrever.

Note que o núcleo V possui um complemento à direita e um especifíca-


dor à esquerda. Para representar, numa árvore sintática, essas duas relações,
usamos o artifício gráfico de repetir a identificação no núcleo e marcar a
segunda ocorrência com uma pequena barra (um traço) de seu lado supe­
rior direito. Nesse exemplo, temos o núcleo V, que seleciona um SN como
complemento, e temos V’ (pronuncia-se V-barra ou V-linha), que sofre uma
especificação (esp). Essa representação é, inclusive, importante para nos in­
formar que a modificação feita pelo especificador se dá sobre o composto
[núcleo + complemento], no nível indicado com a barra, e não somente sobre
o núcleo isolado. Por exemplo, veja que na frase [O João [quebrou o vaso]],
o SN sujeito (que ocupa, portanto, a posição de especificador) é um sujeito
agente. No entanto, na frase [O João [quebrou a perna]], com o mesmo SN
sujeito e com o mesmo verbo quebrar, o sujeito é paciente. Quem atribui
esse “papel semântico” ao sujeito não é, portanto, apenas o verbo, mas sim o
V’, isto é, o agrupamento formado pelo verbo mais seu complemento.
Repare também que [nunca] ocupa a posição de especificador do SV,
porém não é o sujeito do verbo. Os sujeitos são SNs que são movidos para
fora do domínio do SV, uma vez que o SV corresponde, via de regra, ao
predicado de uma frase. Por isso, poderiamos ter um sujeito (expresso ou
nulo) na seguinte estrutura: [FRASE [SN eu/0] [sv nunca vi um unicórnio]].
Na figura que segue, apresentamos essa generalização de maneira
abstrata, ou seja, sem fazer referência a nenhum sintagma específico.

34
A noção de constituinte

Sintagma

especificador núcleo’

núcleo Sintagma

A duplicação da representação de um núcleo, diferenciado de sua pri­


meira ocorrência pelo uso da barra, ocorre sempre que um núcleo sintagmá-
tico qualquer (N, V, P ou A) possuir mais de uma relação sintática, seja com a
presença de especificador e de complemento, seja com a presença de mais de
um complemento - como no caso dos verbos bitransitivos. Quando um nú­
cleo for o único constituinte de um sintagma, ou quando ele mantiver relação
com somente um elemento (especificador ou complemento), não precisare­
mos recorrer à representação com a barra. Perceba que é isso o que acontece
no interior do SN da figura no início da presente seção. Nele, o núcleo N só
manifesta um tipo de relação sintática, a relação com o seu especificador.

Na literatura linguística, o conjunto das relações entre um núcleo sintático,


seu especificador e seu(s) argumento(s) é denominado estrutura argu­
mentai. Nesse tipo de estudo, um núcleo lexical (N, V, P ou A) que mani­
festa a propriedade de selecionar elementos identifica-se como predicador,
ao passo que os elementos por esse predicador selecionados (complemen­
to e/ou especificador) são chamados de argumentos. Para mais detalhes
acerca das relações sintáticas entre um predicador, seu(s) complemento(s)
(argumento(s) interno(s)) e seu especificador (argumento externo), sugeri­
mos a leitura de Mioto et al. (2013) e Kenedy (2013).

Na próxima seção, trataremos dos adjuntos e veremos como eles se


encaixam na estrutura sintática da oração, tal como elaboramos aqui.

7. ADJUNÇÃO

Uma vez estruturado por suas relações internas, um sintagma ain­


da poderá ser combinado com outro constituinte, dando origem a um
novo sintagma, mais complexo. Quando isso acontece, estamos diante
do fenômeno da adjunção. Sintagmas podem ser adjuntos uns dos outros
de maneira livre nas línguas naturais. Perceba, na figura a seguir, que a

35
PARA CONHECER Sintaxe

adjunção não ocorre entre um sintagma e um núcleo. As relações entre


um núcleo, seu complemento e seu especifícador são, como vimos, mais
rígidas e se estabelecem no interior de um dado sintagma. Na adjunção,
ao contrário, encontramos sintagmas adjungidos um ao outro, tal como
representamos a seguir.

Sintagma

Sintagma Sintagma

Essa árvore abstrata deve ser interpretada da seguinte maneira: o sin­


tagma inferior da esquerda recebeu como adjunto um novo sintagma, à
sua direita; da adjunção entre esses dois sintagmas, um novo constituinte
foi projetado, o sintagma superior, que contém os outros dois abaixo de
si. É somente nas relações internas de cada um dos sintagmas que foram
adjungidos que encontraríamos as relações entre um núcleo e eventuais
especifícador e complemento.
Para exemplificar mais concretamente, tomemos o sintagma [nunca
vi um unicórnio no carnaval]. Já sabemos que [nunca vi um unicórnio] é
um SV. A esse sintagma se adjunge o SP [no carnaval] - que se caracteriza
como tal em função de seu núcleo P, a preposição [em] que aparece amal-
gamada ao artigo [o], resultando na contração [no]. Tal contração é, na ver­
dade, um fenômeno morfofonológico. Por essa razão, nas representações
sintáticas, recuperamos a categoria morfológica dos itens amalgamados
para representar sua posição em uma estrutura sintagmática. Assim, [em]
figura como núcleo do SP, enquanto [o] é o especifícador do SN seleciona­
do como complemento de P.

36
A noção de constituinte

Essa figura ilustra que o SV [nunca vi um unicórnio] recebeu corno


adjunto o SP [no carnaval]. O resultado dessa adjunção é um novo SV, cuja
estrutura interna é SV + SP: [nunca vi um unicórnio no carnaval]. O sintag­
ma projetado pela adjunção entre SV e SP é um novo SV porque foi um SV
que recebeu a adjunção de um SP - ou seja, é o SP que é o adjunto, e não
o contrário. Dizendo de outra forma, o constituinte [nunca vi um unicórnio
no carnaval] é um SV, e não um SP.

8. RECURSIVIDADE

A figura anterior nos permite compreender uma das características mais


importantes dos constituintes sintáticos, a recursividade (ou recursão). Sin­
tagmas podem ser inseridos dentro de outros de uma maneira recursiva, isto
é, em número ilimitado de vezes. Por exemplo, vimos, na ilustração anterior,
um SP inserido num SV, ao mesmo tempo em que dentro desse SP se encaixa,
como complemento de P, um SN. Poderiamos complexificar essas estruturas
muito mais. Seria possível, digamos, que o N, núcleo do SN complemento
de P, fosse uma palavra transitiva e, assim, selecionasse um novo sintagma
como complemento. Na realidade, mesmo ao final de uma frase complexa,
poderiamos inseri-la numa outra, na forma de um de seus constituintes. Nesse
caso, tal frase deixaria de ser apenas “uma frase” e passaria a ser uma oração
encaixada: [eu disse que [nunca vi um unicórnio no carnaval]]. E poderiamos
inserir essa nova frase dentro de outra: [o João acha que [eu disse que [nunca

37
PARA CONHECER Sintaxe

vi um unicórnio no carnaval]]. Essa, por sua vez, podería também ser inserida
dentro de outra, como [a Maria disse que [o João acha que [eu disse que [nunca
vi um unicórnio no carnaval]], e assim sucessivamente. Veremos mais sobre a
combinação entre orações no capítulo “Articulação entre orações”.
A recursividade é um fenômeno pervasivo na linguagem humana. Na
sintaxe, ela é especialmente relevante porque nos permite construir um
número ilimitado de frases na língua que dominamos, cada qual com um
conteúdo semântico-pragmático específico.
Agora que já conhecemos a hierarquia dos constituintes sintáticos e
podemos reconhecer suas relações internas (núcleo, complemento e espe-
cificador) e externas (adjunção), passemos a analisar exemplos dos princi­
pais sintagmas lexicais da língua portuguesa. Comecemos pelo SN.

9. SINTAGMAS NOMINAIS

Como já vimos, um SN pode desempenhar a função sintática de sujei­


to ou de objeto direto, por exemplo.

Sujeito Predicado
lSNEle]
[SN 0 Pedro]
[SN A minha amiga] acabou de chegar.
[SN 0 amigo da prima do tio do José]
[SN A menina que estudava Sintaxe escondida da mãe]

Sujeito Predicado
Verbo Objeto direto
[SN elfil ____
[SN o Pedro] _____
Eu amo [SN a minha amiga]
[SN o amigo da prima do tio do José] ___
[SN a menina que estudava Sintaxe escondida da mãe] _

Analisando os exemplos, podemos descrever diferentes tipos de SN.


Na verdade, vários estudos já fizeram isso - veja Lemle (1984), Lobato
(1986), Souza e Silva e Koch (1993), Perini (1996) e Othero (2014) para
introduções à descrição sintática básica do SN em português brasileiro. P°r
isso, façamos uma descrição do SN baseada nesses estudos.

38
A noção de constituinte

SN — í (esp) (SA) N (SA) (SP) (oração) 'j


\ pron /
k0 J

Essa regra, denominada regra de reescritura (ou de reescrita), é


urna maneira explícita de descrever a estrutura interna mais complexa que
um SN pode ter. Para compreendermos tal regra, precisamos nos familiari­
zar com um pouco de notação gramatical. Façamos isso em partes.
O que a regra quer dizer, inicialmente, é que o único elemento que
sempre aparecerá em todos os SNs é o seu núcleo N. Todos os demais
elementos constitutivos de um sintagma (complementos, especificadores
e adjuntos) podem simplesmente não ocorrer num SN específico - é essa
opcionalidade que se representa com os parênteses entre os outros consti­
tuintes inseríveis nesse tipo de sintagma.
Além disso, a regra nos aponta que o núcleo do SN nem sempre será
um nome substantivo explícito. Em seu lugar, como já sabemos, pode
ocorrer um pronome (indicado em “pron”) ou um elemento nulo (o con­
junto vazio, indicado por “0”). Dessa maneira, 0 SN mínimo possível pode
receber uma das reescrituras formalizadas a seguir.

SN—>N
Exemplos: [N livros], [N Paulo], [N Maria], [N felicidade]...
SN —> pron
Exemplos: [pron eu], [pron vocês], [pron ele], [pron elas], [pron quem], [pron isso]...
SN —> 0

Para ilustrar 0 caso de SNs pronominais ou nulos, na função de sujei­


to ou de objeto direto, considere as seguintes frases.

(38) pergunta: Você viu o João?


resposta 1: [pron Ele] acabou de sair.
resposta 2: [nulo0] Acabou de sair.
(39) Sabe 0 João? Encontrei [pron ele] ontem no cinema.
(40) Sabe 0 último livro do Chomsky? Comprei [nulo0] ontem na livraria.

Em seguida, a regra nos indica que um SN pode ser formado por um


especificador, se houver, seguido do núcleo N.

39
PARA CONHECER Sintaxe

SN —> (esp) N
Exemplos: [esp o N Pedro], [esp um N amigo], [esp aquelas N gurias], [esp este N
livro], Esp meu N Pa‘]’ Lp nenhuma N guria], [esp qualquer N amigo], [esp dez
N pessoas]...

Além disso, a regra nos aponta que o SN pode ser formado por um
especificador seguido de um SA que é adjungido antes do núcleo N. Esses
dois elementos prenominais são, como vimos, opcionais.

SN -> (det) (SA) N


Exemplos: [esp um [SA antigo] N inimigo], [esp aquela [SA grande] N pessoa],
[[SA ótima] N educação], [[SA belas] N palavras]...

Um SN, conforme indica a regra, também pode ser formado por ad­
juntos pós-nominais, como um SA, um SP ou uma oração encaixada (ORA­
ÇÃO), conforme atestamos a seguir.

SN -> (esp) N (SA) (SP) (ORAÇÃO)


Exemplos: [csp uma N história [SA fictícia]], [csp um N time [sp de futebol]], [csp
aqueles N livros [0RAÇÃ0 que já li]]...
Exemplo complexo: [esp aquele N professor [SA maravilhoso [sp de Linguís­
tica [0RAÇÀ0 que conhece histórias fantásticas]]]]...

Chamamos agora a sua atenção para uma limitação das regras de re-
escrita: elas não são capazes de diferenciar, na estrutura interna dos sin­
tagmas, elementos de natureza opcional (adjuntos) daqueles obrigatórios
(complementos). Por exemplo, muitos SNs podem ser nucleados por um
nome derivado de um verbo (ex. invenção, invasão, compra, ida etc.) e,
por isso, manifestarão a propriedade de selecionar um SP ou uma oração
(ORAÇÃO) como complemento, ao passo que a maior parte dos Ns não ma­
nifestará tal propriedade (ex. casa, escola, livro, pessoa, óculos etc.). Ora,
como poderiamos diferenciar um caso do outro?
Na tentativa de contornar esse problema, Souza e Silva e Koch
(1993) propuseram o uso, na regra de reescritura, de uma notação su-
bescrita a SP e a ORAÇÃO com o objetivo de indicar que esses consti­
tuintes podem ser, a depender do núcleo nominal específico, adjuntos
ou complementos. Por exemplo, em [livro de Maria], o SP [de Maria] é

40
A noção de constituinte

um adjunto do SN unitário [livro], mas já em [descoberta da América] e


em [necessidade de que tudo dê certo], o SP [da América] e a ORAÇÃO
[de que tudo dê certo] são complementos respectivamente dos núcleos
[descoberta] e [necessidade]. Essa distinção seria, segundo as autoras,
capturada com a seguinte ampliação da regra.
SM(esp)(SA) N (SA) (SP comp|emcnJ (ORAÇÀOconlplemcJ (SPJ(ORAÇÃOadjuJ
\ pron >
( 0 j
Tal modificação é útil porque conseguimos, com ela, distinguir, por
um lado, os casos de adjunto adnominal versus complemento nominal,
bem como, por outro lado, os casos de oração adjetiva versus oração
completiva nominal. Adjuntos adnominais e orações relativas são, res­
pectivamente, SP e orações adjungidos a um SN, enquanto complemen­
tos nominais e orações completivas são SP e orações selecionados como
complemento de um núcleo N.
A proposta de Souza e Silva e Koch (1993) consegue contornar par­
cialmente a questão. O problema que permanecerá é, de fato, inerente à
natureza das regras de reescrita: elas não são capazes de capturar os casos
específicos em que um adjunto ocorrerá numa frase, tampouco podem pre­
ver os núcleos particulares que selecionarão complementos. Veremos, a
seguir, que essa limitação das regras de reescrita permanecerá também na
descrição dos SVs.

10. SINTAGMAS VERBAIS

Um SV é, conforme vimos, o sintagma nucleado por um verbo. Numa


sentença qualquer, ele sempre desempenha a função sintática de predicado
e contém todos os outros constituintes presentes na frase, com exceção do
sujeito e de eventuais vocativos.

41
PARA CONHECER Sintaxe

Sujeito Predicado
[sv sorriu].
[sv estudou a matéria da prova].
A aluna [sv gosta de sintaxe].
[sv está cansada].
[sv disse que seus pais foram ao exterior durante as férias de verão].

Dessa vez, a velha lição das gramáticas normativas tradicionais está


correta. Afinal, o predicado realmente é o conjunto de todos os constituintes
de uma frase, para além do sujeito (e do vocativo). Considerando-se que o
SV conterá um verbo e os elementos a ele eventualmente relacionados, como
complemento(s), especificador(es) e adjunto(s), a estrutura desse tipo de sin­
tagma pode ser bastante variável. A regra de reescrita a seguir nos indica que
um SV é formado pelo seu núcleo V e por virtualmente todos os outros tipos
de constituintes sintáticos existentes. Alguns desses elementos, como os ad­
juntos, podem, inclusive, ocorrer mais de uma vez numa mesma sentença.

SV-»|(esp) V (SN) (SP) (SA) (ORAÇÃO)

A riqueza estrutural dos SVs é, como todos os demais fenômenos da sinta­


xe, regida por regras. Sendo assim, a presença de complementos de V num dado
predicado, seja na forma de SN, de SP ou de ORAÇÃO, nunca acontece de modo
aleatório. Antes, decorre da natureza do verbo específico que ocupa a posição
de núcleo do SV. Essa variabilidade dos predicados em função de um verbo
particular é um tema bastante rico nos estudos gramaticais: a transitividade
verbal. Aprendemos, com esses estudos, que verbos intransitivos não selecio­
nam complementos e, assim, podem caracterizar os casos de um SV constituído
apenas pelo seu núcleo, isto é, um predicado formado somente pelo verbo, tal
como vemos nos exemplos a seguir (note que os SNs citados desempenham a
função de sujeito e, dessa forma, não estão contidos no predicado).

SV-> V
Exemplos: Meu filho [sv [vnasceu]], Eu [[sv [vchorei]], O menino [sv [v caiu]]...

Os verbos intransitivos — assim como, na verdade, todos os outros


tipos verbais - podem ser modificados, à esquerda, por um especificador.
E isso o que se captura com a seguinte reescritura:

42
A noção de constituinte

SV —> (esp) V
Exemplos: Meu filho [sv [csp já v nasceu]], Eu [sv [esp quase v chorei]], O
menino [sv [esp não v caiu]]...

Por sua vez, verbos transitivos se caracterizam por selecionarem


pelo menos um complemento. Tradicionalmente, esses tipos de verbo são
subclassificados de acordo com a tipologia de seu sintagma complemen­
to: transitivos diretos, quando o complemento é um SN, e transitivos
indiretos, quando o complemento é um SP. Já os verbos que manifestam
a particularidade de selecionar dois complementos, um SN e um SP, são
chamados bitransitivos ou transitivos diretos e indiretos.
O complemento de verbos transitivos pode, em muitas ocasiões, figu­
rar na forma de uma oração encaixada, ou seja, em vez de SN ou SP, tais
verbos podem selecionar ORAÇÃO à sua direita. Ilustramos, em seguida,
cada uma dessas diferentes possibilidades de predicado.

SV -> (esp) V (SN) (SP) (ORAÇÃO)


Exemplos: [v comprei [SN livros]], [v precisamos [spde dinheiro]], [v colo­
caram [SNo carro [SPna garagem]], [v disseram [0RAÇÀ0 que você lê árabe]],
[ não ..ouvimos L., nada]]...

A distinção binária entre SV com verbos transitivos e intransitivos é uma


simplificação difundida pela gramática normativa tradicional. Na verda­
de, os chamados verbos intransitivos são, na literatura linguística, com­
preendidos como verbos monoargumentais, isto é, V que possuem apenas
um argumento (sujeito ou objeto). Essa classe verbal distingue os verbos
inergativos, que selecionam apenas sujeito (ex. Maria sorriu), e os verbos
inacusativos, que selecionam apenas objeto (ex. Maria chegou). Para mais
informações sobre essas classes de verbo, remetemos o leitor mais uma vez
a Mioto et al. (2013) e Kenedy (2013).

Além dos verbos intransitivos e transitivos, os chamados verbos de


ligação (ou copulativos) podem, da mesma forma, nuclear um SV. O in­
teressante é que, diferentemente dos outros tipos de V, esses verbos são
categorias mais gramaticais do que lexicais e, por isso mesmo, não se ca­
racterizam como o núcleo de um predicado, pois não realizam predicação,
mas somente “relacionam” explicitamente um predicado nominal a seu

43
PARA CONHECER Sintaxe

respectivo sujeito, tal como o rótulo ligação/cópula indica. Na realidade,


a expressão “predicado nominal”, tão cara à Gramática Normativa Tradi­
cional, pode ser enganosa. A ela se opõe outra: predicado verbal. Ora,
predicados verbais apresentam um elemento verbal como núcleo, fato que
nos induz a pensar que o núcleo de “predicados nominais” deve ser neces­
sariamente um nome (SN). Muitas vezes, não é isso o que acontece. Com
efeito, nossa tradição gramatical poderia substituir a expressão “predicado
nominal” por predicado não verbal. Isso deixaria claro que, no predicado
verbal, é o núcleo de V, isto é, um verbo, que estabelece a predicação, ao
passo que, no predicado não verbal, o predicador da frase é uma categoria
diferente de V, ou seja, N, P ou A.
Veja, a seguir, exemplos de predicação não verbal em que um verbo
de ligação/copulativo apenas insere, na frase, elementos de natureza gra­
matical (como flexão e aspecto) ao “ligar” o núcleo do predicado SN, SP
ou SA a um sujeito, que aqui deixamos sempre oculto.

SV -> (esp) V (SN) (SP) (SA)


Exemplos: [vé [SNuma grande pessoa]], [vestou [spem casa]], [vparece [SA
feliz]], [cspnunca vficamos [SAsatisfeitos]]...

PREDICAÇÃO
Predicação é um termo que a Sintaxe herdou da Lógica. Trata-se do conjun­
to das relações que se estabelecem entre um dado predicador e seus argu­
mentos. Um predicador descreve certa categoria ou evento relativamente a
um conjunto de indivíduos ou objetos. Em Sintaxe, o predicador é expresso
num item lexical qualquer (N, V, P ou A) e seus argumentos encerram seu
especificador e seu(s) complemento(s). Para mais informações sobre esse
assunto, o leitor pode consultar Perini (2008 e 2016), por exemplo.

Neste momento, é interessante retornar à regra de reescrita apresentada


anteriormente e perceber que ela não é capaz de distinguir SP e orações que
são adjuntos ou complementos. No entanto, essa distinção é muito importan­
te. Ao contrário dos complementos, adjuntos podem, por um lado, simples­
mente não ocorrer no interior de predicados ou, por outro lado, podem ser
utilizados de uma maneira ilimitada e imprevisível. Isso quer dizer que não é
possível determinar por uma regra as circunstâncias específicas em que um

44
A noção de constituinte

SV não terá adjuntos ou em que ele terá um determinado número deles. Veja,
nos exemplos seguintes, um pouco da riqueza e da diversidade das infinitas
possibilidades de adjunção num SV. Usaremos, mais uma vez, a indicação
subscrita proposta por Souza e Silva e Koch (1993), a fim de diferenciar
complementos versus adjuntos, tal como fizemos na descrição dos SNs.

SV -» (esp) V (SN) (SPcomp|cmento) (SA) (oração complcmcJ (SP adjüJ (ORA-


ção

.. J
adjunto7

Exemplos: [vé [SNuma grande pessoa [sp com certeza]]], [v estou [spem
casa [spneste momento]]], [v parece [SA feliz [spcom o emprego]]], [vnunca
v ficamos [SA satisfeitos [spem viagens]]]; [v disse [0RAÇA0 que você é feliz
Coração 9uando ouve músicas]]], [v vi [SN você [sp no teatro [sp no domingo
[sp com um amigo [0RAÇÃ0 enquanto esperava o meu Uber]]]]]]...

Os adjuntos, tipicamente SP e orações, podem, como dissemos, ser


inseridos no interior de outros sintagmas de acordo com a intenção comu­
nicativa dos falantes, sem se submeter aos rigores das relações estabeleci­
das entre um núcleo sintagmático, seu(s) complemento(s) e seu especifi-
cador. Por essa razão, uma regra de rescrita que descreva todos os casos
particulares de adjunção é virtualmente impossível, diferentemente do que
o estudo da transitividade verbal consegue fazer acerca de complementos.
Você deve ter notado que, até aqui, todos os exemplos arrolados
apresentam apenas um verbo como núcleo de SV, porém isso não quer
dizer que a posição sintagmática V seja sempre ocupada por um e so­
mente um verbo. De fato, dois ou mais verbos podem ocupar, em con­
junto, a posição V. Quando isso acontece, estamos diante de uma lo­
cução verbal. Nas locuções verbais, um V é constituído por um verbo
principal (pri) antecedido por um ou mais verbos auxiliares (aux). Um
verbo principal possui valor lexical, é o predicador da frase e aparece
numa forma infinita (infinitivo, gerúndio ou particípio), enquanto um
verbo auxiliar possui valor gramatical (flexão, aspecto, modo), não faz
predicação e ocorre em forma finita. Por exemplo, o SV [vou trabalhar
de manhã] é estruturado como se segue.

L, L vou . trabalhar [sp de manhã]


L-SV LV aux pri ôr

45
PARA CONHECER Sintaxe

As locuções verbais são uma boa ilustração de que nem sempre a noção
de constituinte coincide com a de palavra. Ao identificarmos o núcleo V, preci­
samos, portanto, estar sensíveis ao fato de que não é qualquer item verbal (pa­
lavra) que projetará um SV, mas somente aqueles de natureza lexical. Outros
itens verbais de valor gramatical, como os auxiliares, podem ocorrer numa de­
terminada frase sem nos fazer acreditar que eles projetarão seus próprios SVs.

LOCUÇÕES VERBAIS -1
As locuções verbais são formadas por verbos auxiliares e verbos lexicais,
ou seja, verbos que têm apenas status gramatical e verbos que têm “estatuto
semântico”, como vimos no exemplo anterior [vou trabalhar]. Repare como
aqui o verbo ir é usado para marcar uma forma de futuro e carregar as
marcas flexionais de concordância de número; o verbo principal trabalhar,
por outro lado, carrega a “carga semântica” do SV, no sentido de que esse
verbo é usado com seu significado lexical — e não meramente gramatical.
Existem, na literatura linguística, alguns “testes de auxiliaridade” que indi­
cam se estamos lidando com uma construção que apresenta dois verbos lexi­
cais ou com uma estrutura de verbo auxiliar mais verbo lexical. Por exemplo,
um verbo auxiliar não costuma permitir a negação de seu verbo principal. Em
uma construção com dois verbos plenos (como é o caso das frases em (b)), ao
contrário, podemos negar tanto o primeiro como o segundo verbo:
(a) O João vai trabalhar de manhã.
O João não vai trabalhar de manhã.
*0 João vai não trabalhar de manhã.
(b) O João adora trabalhar de manhã.
O João não adora trabalhar de manhã.
O João adora não trabalhar de manhã.
O João não adora não trabalhar de manhã.
Isso significa, entre outras coisas, que o verbo ir pode ser empregado como
auxiliar de futuro, mesmo em contrações condenadas por prescritivistas sem­
pre prontos a defender o idioma pátrio”: eu vou ir é uma construção grama­
ticalmente bem formada - e bastante lógica - na língua, assim como eu vou
vir. Nessas construções, temos uma locução verbal formada por um verbo au­
xiliar (zr) marcador de futuro e um verbo pleno (ir e vir em nossos exemplos).
Dois textos clássicos sobre os auxiliares em PB são Pontes (1973) e Lobato
(1975), já acessíveis ao leitor. Uma discussão resumida e exemplificada
pode ser encontrada em Othero (2009).

46
A noção de constituinte

Por fim, um predicado pode apresentar um tipo de constituinte que


nem sempre é analisado apropriadamente nas gramáticas normativas tra­
dicionais, razão pela qual devemos a ele dedicar especial atenção. Trata-se
das miniorações (Mo), também muito conhecidas por seu nome em inglês,
small clauses, na literatura.
Uma minioração, tal como o termo usado pelos sintaticistas sugere, é
um protótipo de uma oração com verbo de ligação/copulativo. Ela apresenta
uma estrutura de predicação inferível, com a particularidade de não expli­
citar nenhum verbo. Para compreender melhor isso, vejamos um exemplo.

(41) Eu achei a sua proposta completamente descabida.

Aqui, identificamos uma minioração em [a sua proposta completa­


mente descabida]. Perceba que [completamente descabida] caracteriza-se
como um predicado acerca de [a sua proposta]. Trata-se, semanticamente,
de um juízo em relação a um tema. Ou seja, estamos diante de uma predi­
cação entre um SA e um SN, ainda que um verbo de ligação/copulativo não
esteja presente e possa, se quisermos, ser subentendido: [SN a sua proposta
(é) [ completamente descabida]].
Em miniorações, encontraremos sempre o núcleo do SV seguido por
pelo menos dois sintagmas. Ora, devemos nos perguntar qual é o tipo de
relação sintática que esses sintagmas estabelecem com V. Nas gramáticas
normativas tradicionais, diz-se que verbos como achar, considerar,julgar,
chamar, declarar etc., nomeados como transobjetivos, manifestam um
“sentido especial” de um verbo originalmente transitivo. Por esse motivo,
eles selecionariam dois complementos interdependentes, um objeto (SN) e
um predicativo desse objeto (SA ou SN ou SP), e caracterizariam um pre­
dicado misto, que seria ao mesmo tempo verbal e nominal, o chamado pre­
dicado verbo-nominal. Tal tipo de explicação parece falhar não somente
por ser vaga ao mencionar um “sentido especial de alguns verbos, mas
principalmente por afirmar que em construções dessa natureza ocorrería
uma espécie de verbo bitransitivo. Vejamos a seguir por que assumir que,
em frases como (41) e (42), V seleciona apenas um constituinte como com­
plemento - a saber, uma Mo parece ser descritivamente mais adequado
do que afirmar que verbos como achar possuem dupla complementação.

47
PARA CONHECER Sintaxe

(42) O professor achou aquele livro uma obra de arte.


(43) O professor achou aquele livro.
O que nos interessa, nesse caso, é observar que, sem a predicação que
se estabelece entre os SNs [aquele livro] e [uma obra de arte] no exemplo
(42), o significado de achar terá de ser outro: em vez de considerar, a au­
sência da predicação existente numa minioração conferirá a achar o sentido
de encontrar, como ocorre em (43). Com isso, estamos dizendo que os ver­
bos que verdadeiramente selecionam dois complementos estabelecem, eles
próprios, a predicação de cada um de seus complementos. E o que acontece
com itens como ceder, dar, oferecer, colocar etc. Já com os verbos que sele­
cionam como complemento uma minioração se passa algo diferente: neles,
não é o verbo que faz a predicação; ela é feita no domínio da Mo. Evidência
a favor disso é o fato de que, quando explicitamos o verbo dentro da minio­
ração (e, então, teremos uma oração plena, não mais uma “mini”), daremos
vida a somente um constituinte, mas não a dois. Senão, vejamos.

(44) Eu achei que [a sua proposta era completamente descabida].


(45) O professor achou [que aquele livro era uma obra de arte].

Nesses dois casos, torna-se explícito que V seleciona como comple­


mento somente um constituinte - compare-os aos exemplos (41) e (42),
respectivamente. Logo, não parece correto afirmar que, sem a explicitação
do verbo de ligação (isto é, numa Mo), o mesmo V passaria a selecionar
dois complementos.
Por tudo o que dissemos, devemos adicionar um tipo específico de
SV à nossa regra de reescrita: aquele em que V seleciona uma minioração.
SV->|(esp) V (SN) (SP) (SA) (ORAÇÃO) (Mo)

Na próxima seção, estudaremos a estrutura interna dos sintagmas pre­


posicionais (SP), também denominados sintagmas preposicionados.

11. SINTAGMAS PREPOSICIONAIS


Os SPs são sintagmas que apresentam uma preposição como núcleo.
Sua diversidade estrutural é representada na seguinte reescritura:

48
A noção de constituinte

SN —> (esp) P í SN
(oração
Como se pode perceber, trata-se de um tipo sintagmático bem menos
variável do que os demais já apresentados. Ele tipicamente manifestará seu
núcleo seguido de um SN, da maneira como vemos a seguir.

SP -> P SN
Exemplos: [pcom [SN poucos problemas]], [p sem [SN certezas]], [Ppara [SN
a alegria de todos]]...

Em sentenças cotidianas, P quase sempre selecionará um SN como


complemento. Isso ocorre porque a presença de uma preposição sem seu
respectivo complemento é uma construção agramatical em português, bem
como não é licenciada na língua a manifestação do SN antes de P. Ilustra­
mos isso nos casos a seguir.

(46) *Vamos construir uma casa de.


(47) * Dinheiro, todo mundo precisa de.

A bem da verdade, existem exceções à regra P + SN. Entretanto, são


raros os casos de preposições lexicalizadas que podem ocorrer, numa fra­
se, sem o seu complemento devidamente explicitado. Podemos verificar
dois exemplos desse tipo incomum de construção ao ler as frases Eu sou
contra é Vou falar sobre. Igualmente, são restritas, em língua portuguesa,
as circunstâncias em que o SN pode ser deslocado para posições anterio­
res a P, como acontece em Internet, não consigo ficar sem. Não obstante,
devido a particularidades morfofonológicas, em algumas línguas, como
no caso do inglês, a anteposição do SN complemento de P é gramatical­
mente licenciada.
Além da sequência P + SN, a estrutura de um SP pode ser comple-
xificada com a anteposição de um especificador, que desempenhará uma
função adverbial.

SP -> (esp) P SN
Exemplos: [csp realmente p com [SN poucos problemas]], [esp quase p sem [SN
certezas]], [esp só Ppara [SNa alegria de poucos]]...

49
PARA CONHECER Sintaxe

Por fim, tal como sucede com SN e SV, o núcleo de um SP pode sele­
cionar como complemento uma oração encaixada, independentemente da
presença ou da ausência de um especificador. Nesse caso, o complemento
de P será ORAÇÃO e, por isso, não haverá seleção de SN como complemen­
to, afinal preposições normalmente não são bitransitivas.

SP -> (esp) P ORAÇÃO


Exemplos: [esp deliberadamente Ppara [oraçào irritar os vizinhos]], [p para
[ORAçào Que você se s*nta melh°r]]—

Antes de passarmos à análise de outro tipo sintagmático, é importante


destacar que o português, ao lado de outras línguas, manifesta o fenômeno
das locuções prepositivas. Portanto, em expressões como para com todos,
por entre os espaços ou o proscrito ante ao exposto etc., encontraremos
duas preposições contíguas. Nesses casos, é possível interpretar que o nú­
cleo P seja constituído por dois elementos, em locução, tal como descre­
vemos a respeito das locuções verbais. Alternativamente, é possível que
uma nova categoria, no caso um SP, seja adicionada à regra de reescrita do
próprio SP, conforme postulado em Othero (2009), por exemplo.
SN -> (esp) P í SN
< ORAÇÃO >
(sp )
Tal adição nos informa que um núcleo P pode selecionar como com­
plemento um novo SP, dentro do qual uma preposição será encontrada, o
que fará com que a regra seja reaplicada.
Passemos, finalmente, ao último tipo de sintagma que estudaremos
aqui, o sintagma adjetival (SA).

12. SINTAGMAS ADJETIVAIS

Os SAs possuem a seguinte regra de reescritura.


SA —> (esp) A í (SP) )
( (ORAÇÃO) )

50
A noção de constituinte

Vemos, portanto, que o núcleo A pode ser o único constituinte de um


SA como sintagma unitário.

SA—*A
Exemplos: [A inteligente], [A limitado], [Apreocupada]...

Tal como se dá com os SNs e SVs, o núcleo de um SA pode figurar


modificado por um especificador, quando é o caso de esse ser introduzi­
do numa frase. Interessantemente, muitos especificadores podem ocorrer
à direita ou à esquerda de um núcleo A em língua portuguesa. Ilustramos
isso a seguir.

SA —* (esp) A
Exemplos: [esp muito A inteligente], [csp extremamente A limitado], [esp nada
Apreocupada], [Apequenoespdemais], [Apreocupadaespexcessivamente]...

Por fim, no interior dos SAs pode haver SPs que ou são adjungidos
àquele sintagma ou são selecionados por um núcleo A.

SA -> (esp) A (SP)


Exemplos: [A sujo [sp com graxa]], [A consciente [sp da situação]], pouco A
decorada [spcom quadros]], [espcompletamente Aconsciente [spda situação]]...

Nesses exemplos, os adjetivos sujo e decorada não manifestam pro­


priedades selecionais e, desse modo, não possuem complementos, situação
distinta do núcleo A consciente, que seleciona um SP como complemento.
Além disso, o complemento de A com propriedades transitivas pode ser,
em vez de SP, uma oração encaixada.

SA -> (esp) A (ORAÇÃO)


Exemplos: [A consciente [qraçao^116 0 Pr°blema c grave]], Lsp mu^° a an"
sioso [qraçaqQ116 a festa comece]]...

Repare que, nesses exemplos, pode ocorrer uma preposição antes da


oração encaixada: consciente de que o problema é grave, muito ansioso
para que a festa comece. Nesse caso, o complemento de A sei ia um SP,
cujo núcleo P é que seleciona uma ORAÇÃO como complemento, ^cons­
ciente [spde [Oraçâo Que 0 Problema é graveJ]l’ [csp muito A ansioso [SPpara
[oração 9ue a festa comece]]].

51
PARA CONHECER Sintaxe

13. OUTROS SINTAGMAS?

Nas seções anteriores, descrevemos e analisamos os quatro principais


sintagmas existentes na língua portuguesa. Antes de encerrarmos este ca­
pítulo, gostaríamos de instigar o leitor com a seguinte indagação: SN, SV,
SP e SA são todos os sintagmas que encontraremos ao estudarmos mais a
fundo a sintaxe do português e de outras línguas?
A resposta a essa pergunta é negativa. Você deve notar que todos os
sintagmas até aqui apresentados possuem um núcleo de natureza lexical,
isto é, uma palavra que possui conteúdo referencial: nomes substantivos,
verbos, preposições e nomes adjetivos. Essas quatro categorias são o sufi­
ciente para descrevermos a tipologia sintagmática lexical das línguas, mui­
to embora autores como Othero (2009) incluam, em suas análises, mais
um constituinte lexical, o sintagma adverbial (SAdv). Ora, se esses são os
sintagmas lexicais, você pode se questionar: quais seriam os sintagmas
gramaticais (ou funcionais) existentes nas línguas?
Ao se aprofundar em seus estudos de Sintaxe, você descobrirá que os sin­
tagmas funcionais são essenciais para a estruturação das sentenças e dos sintag­
mas nominais. Por exemplo, no domínio da frase, o sintagma flexionai (SF)
é responsável, entre outras funções, por atribuir uma flexão ao núcleo de um
SV - e, por essa razão, seu núcleo F pode ser preenchido por morfemas, por
palavras (como os verbos auxiliares, que então não serão mais interpretados
como uma locução no interior do SV) ou ser foneticamente nulo. Já o sintag­
ma complementador, ou complementizador, (SC) desempenha o papel de
conector entre orações - e, por isso, seu núcleo C pode ser preenchido por uma
conjunção como que além de marcar valores discursivos numa sentença, tais
como força ilocucionária, tópico e foco. No domínio do SN, o sintagma deter­
minante (SD) atribui aos nomes substantivos um valor funcional, estabelecen­
do sua definitude, sua quantificação e diversos tipos de informações gramati­
cais veiculadas através de artigos, pronomes, numerais e outras categorias que,
anteriormente, descrevemos apenas como especificadores de N.
Ao dar sequência a seus estudos em Sintaxe, você aprenderá a identi­
ficar esses e outros tipos de sintagmas funcionais que são importantes para
a compreensão de como os mecanismos gramaticais de uma língua natural
atuam sobre os traços lexicais presentes nos SNs, nos SVs, nos SPs e nos SAs
de modo a construir sentenças em sua integral complexidade de estrutura.

52
A noção de constituinte

Leituras complementares
Ao longo do capítulo, apresentamos sugestões de leitura sobre cada
assunto específico que abordamos. A base da Sintaxe que apresentamos
aqui pode ser vista também em manuais de Linguística Gerativa, como
Lobato (1986), Raposo (1992), Mioto et al. (2013) e Kenedy (2013). Se
o leitor desejar acessar diretamente a “fonte” em que essas obras se ba­
seiam, poderá consultar, por exemplo, uma recente tradução comentada
do trabalho clássico e pioneiro de Noam Chomsky, Estruturas sintáticas
(Chomsky, 2015 [1957]).
Grande parte do que discutimos nas descrições dos quatro tipos de
sintagmas lexicais que vimos neste capítulo foi baseada em Lemle (1984),
Lobato (1986), Souza e Silva e Koch (1993), Perini (1996) e Othero (2006,
2009, 2014). Todos esses trabalhos são leituras acessíveis ao leitor, após o
término deste capítulo.

Exercícios

1. O que é um sintagma? Exemplifique e aplique alguns dos testes que


você aprendeu neste capítulo para identificar constituintes.
2. Por que o conceito de pronome da Gramática Normativa Tradicional
está equivocado?
3. Faça as árvores sintáticas das seguintes frases:
a. Derrubaram o muro ontem à noite.
b. Os meus amigos moram em Porto Alegre.
c. O João é um cara que não bebe.
d. O avô do Pedro contou a seus netos suas peripécias de criança.
e. A Maria quebrou a perna.
f. A Maria quebrou a perna da Ana.
g. O amigo da Ana disse que ela vai viajar para o Peru.

53
FUNÇÕES SINTÁTICAS

Objetivos gerais do capítulo


3 Funções sintáticas - discutiremos a noção de “função sintática” dos ele­
mentos do período, abordando a dualidade entre forma (sintagmática)
e função (sintática);
3 Inventário das funções sintáticas - revisaremos as lições de “análise
sintática” da tradição gramatical brasileira, em cotejo crítico com a des­
crição linguística contemporânea.

E importante lembrar que a leitura deste capítulo pressupõe o domínio dos


conceitos explorados no capítulo anterior.

55
PARA CONHECER Sintaxe

1. O QUE SÃO FUNÇÕES SINTÁTICAS

O conceito de função sintática é derivado da noção de constituin­


te. Portanto, não é por acaso que, neste livro, tenhamos primeiramente
estudado os sintagmas lexicais da língua portuguesa para que, então,
possamos analisar de maneira adequada as funções sintáticas do perío­
do. Com efeito, uma função sintática qualquer é sempre o papel que um
constituinte desempenha em relação a outro numa dada estrutura frasal.
Dessa maneira, compreendemos que os estudos sintáticos de natureza
normativa tradicional incorrem em grave erro didático e teórico ao da­
rem ênfase a um conceito secundário (isto é, funções sintáticas) e quase
sempre ignorarem a noção primária (constituintes da sentença) que sus­
tenta a própria razão de ser da análise sintática. Ilustremos isso com o
seguinte exemplo.

(1) Os alunos leram o livro de Sintaxe.

Quando procedemos à análise das funções sintáticas dessa frase ou,


na verdade, de qualquer outra, precisamos, em primeiro lugar, identificar
as fronteiras dos sintagmas que a constituem. Por exemplo, é necessário
que, nessa frase específica, assinalemos que [os alunos] é um SN ante­
posto ao SV [leram o livro de Sintaxe], bem como devemos destacar,
dentro desse SV, a presença de outro SN, que é complemento do núcleo
V: [o livro de Sintaxe]. No domínio desse segundo SN, identificaremos,
ainda, a existência de um SP [de Sintaxe] como seu adjunto. A descrição
sintagmática do exemplo só será esgotada quando anotarmos a ocorrên­
cia de [os] e [o] como, respectivamente, especificadores dos N [alunos]
e [livro], núcleos de sintagmas que, por preencherem a posição de “esp”,
se distinguem do SN unitário [Sintaxe]. Ora, é somente após toda essa
anotação sintagmática - que aprendemos no capítulo anterior - que se
tornará possível analisar, com precisão, a função sintática que cada um
dos constituintes de uma sentença desempenha em relação a seus “vizi­
nhos” estruturais. Quando as gramáticas normativas tradicionais omitem
esse longo processo de análise sintagmática e saltam diretamente para
a análise das funções sintáticas, o estudo da Sintaxe torna-se um tanto
obscuro. Muitas vezes, os estudantes têm a sensação de que “sintaxe”

56
Funções sintáticas

não passa de uma mera lista de funções que deve ser memorizada me­
canicamente. Neste capítulo, procuraremos desmitificar essa impressão,
apresentando ao leitor uma abordagem integrada entre função sintática e
estrutura sintagmática.

2. DESENHANDO ÁRVORES

 semelhança do que aprendemos no capítulo anterior, desenhar re­


presentações arbóreas é um recurso extremamente útil também no estudo
das funções sintáticas. Para ilustrarmos isso, vejamos a árvore sintática
a seguir.

Com esse recurso visual, todos os sintagmas existentes na estrutura


são mapeados, o que nos permitirá identificar mais facilmente a função
sintática que cada constituinte desempenha em relação aos outros. Assim,
percebemos que, no exemplo (1), há uma frase constituída imediatamente
por um SN articulado a um SV. Esses dois constituintes desempenham fun­
ção sintática um relativamente ao outro, tal como apontado na respectiva
seta na figura. Dentro do SV aparece outro SN, que exerce ftinção relativa
ao núcleo V. Por sua vez, no interior dos SNs [os alunos] e [o livro], nota­
mos a existência de especificadores ([os] e [o]), que assumem uma função
sintática em relação ao núcleo N - [alunos] e [livro], de maneira respecti­

57
PARA CONHECER Sintaxe

va. Finalmente, nosso esquema arbóreo indica a existência de um SP, que,


no que se refere ao SN presente no domínio do SV, desempenha função de
adjunto.

Uma árvore sintática permite também o reconhecimento da função sintá­


tica do núcleo de cada constituinte da frase. O núcleo de um sintagma é
tipicamente o núcleo da função sintática desempenhada pelo sintagma que
o domina imediatamente; por exemplo, se um SN desempenha a função de
sujeito, então seu núcleo N desempenhará a função de núcleo do sujeito.
Uma exceção deve ser feita ao núcleo do SP: por se tratar de uma catego­
ria com propriedades lexicais e funcionais, tradicionalmente não se atribui
função sintática à preposição (P).

Uma vez que tenhamos reconhecido a hierarquia das relações sintag-


máticas de uma frase, poderemos, então, nomear cada uma de suas funções
sintáticas. Nesse exemplo, de que maneira poderiamos classificar as fun­
ções identificadas anteriormente? Ou seja, quais são os termos que deve­
mos utilizar para caracterizar as funções sintáticas do período?
Durante muitos anos, gramáticos tradicionais, linguistas e professores
utilizavam livremente os termos de sua preferência, fato que causava muita
confusão na descrição do componente sintático da língua e bastante frus­
tração entre os estudantes. Os alunos precisavam aprender uma nomen­
clatura diferente a cada gramática que consultavam ou a cada escola que
frequentassem ao longo de sua vida acadêmica. Essa Torre de Babel teve
fim somente em 1959, ano em que se estabeleceu a terminologia adotada
até hoje em nossas gramáticas e livros didáticos, por meio da Portaria n° 36
do Ministério da Educação. Essa Portaria ficou conhecida como Nomen­
clatura Gramatical Brasileira - a NGB.

3. A NGB

A NGB representou, à sua época, uma contribuição importante para os


estudos gramaticais brasileiros. De fato, a existência de uma nomenclatura
oficial a ser adotada por todos os estudiosos do país pôs fim à verdadeira
anarquia terminológica que existia até então. Só para termos uma ideia da
confusão que era gerada por uma excessiva diversidade de termos empre-

58
Funções sintáticas

gados para descrever as funções sintáticas, vejamos o caso do SP que é se­


lecionado como complemento de N ou de A. Hoje, a função desempenhada
por esse SP é universalmente descrita como “complemento nominal”. No
entanto, antes da NGB, essa mesma função era designada por diferentes
termos como, entre outros, “objeto nominal”, “complemento restritivo”,
complemento terminativo” e “adjunto restritivo”. Além disso, nos estu­
dos gramaticais pré-NGB, era muito comum que o vocabulário da “análise
lógica” fosse misturado ao da descrição gramatical, fato que produzia in­
compreensão quanto ao valor sintático de certas notações, tais como “com­
plemento lógico”, “adjunto inampliado”, “constituinte incompleto”, entre
outros casos. E muito importante, portanto, que, nos estudos gramaticais,
tenhamos uma nomenclatura uniforme que possa ser empregada por todos
os professores e estudantes do Brasil. É por essa razão que utilizaremos,
nas seções a seguir, os termos padronizados pela NGB.

A NGB
A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) é um documento que foi ela­
borado na segunda metade de 1950 por gramáticos e filólogos reconhecidos
à época (como Serafim Silva Neto, Rocha Lima e Celso Cunha, por exem­
plo). Seu objetivo, como dissemos, foi padronizar os termos gramaticais
utilizados no estudo de língua portuguesa nos currículos escolares - e, em
consequência, nos livros didáticos e gramáticas escolares de maneira
que todos os gramáticos, professores e estudantes utilizassem a mesma ter­
minologia em suas reflexões e seus estudos gramaticais no Brasil. O do­
cumento da NGB pode ser consultado gratuitamente on-line. Ele pode ser
baixado em PDF deste endereço: <https://docs.ufpr.br/~borges/publicacoes/
notaveis/NGB.pdf>.
Portugal também conta com sua nomenclatura gramatical - muito próxima
da nossa. É a Nomenclatura Gramatical Portuguesa (NGP), de 1967, que
também pode ser consultada on-line, neste endereço: <http://www.portal-
dalinguaportuguesa.org/?action=nomenclatura >.

A NGB, no entanto, não é uma boa nomenclatura. Na verdade, ela


apresenta inúmeras falhas graves. Por exemplo, para citarmos apenas três
casos: (i) diversas funções sintáticas são, na NGB, definidas por parâmetros
semânticos, algo descritivamente inadequado ao tratarmos especificamen­
te do componente sintático da língua (ex. sujeito como o ser que pratica

59
PARA CONHECER Sintaxe

uma ação”); (ii) funções sintáticas idênticas são descritas por termos di­
ferentes (ex. complementos recebem nomes específicos se seu respectivo
núcleo é V ou N/A); e (iii) funções sintáticas diferentes são descritas com a
mesma nomenclatura (ex. especificadores e SPs adjuntos a SN são nomea­
dos igualmente como adjuntos adnominais). Por conseguinte, é importante
empregarmos a NGB com bastante crítica, até que fina Imente tenhamos no
Brasil uma nomenclatura oficial depurada de tantos erros (para estudar
mais sobre esse tema, remetemos o leitor a Perini, 1985, 1995; Henriques,
2009; eKenedy, 2010).
Um dos maiores erros relativos à NGB decorre da compreensão in­
correta que muitos gramáticos, professores, escolas e editoras de livros
fizeram da Portaria n° 36, de 28 de janeiro de 1959. Gramáticas escolares
e livros didáticos lançados após essa data converteram maciçamente a NGB
em conteúdo programático das lições de língua portuguesa. Os termos en­
tão propostos para descrever fenômenos gramaticais passaram a ser, eles
mesmos, o objetivo final da análise da língua, deixando a própria língua
em segundo plano. O que fora proposto pela NGB como um meio, um con­
junto de instruções notacionais, foi interpretado nos livros didáticos como
o fim, o conteúdo a ser ministrado na escola básica.

INVENTÁRIO DAS FUNÇÕES SINTÁTICAS DA NGB


Termos essenciais da oração
Sujeito (simples, composto, indeterminado, inexistente)
Predicado (verbal, nominal, verbo-nominal)
Predicativo (do sujeito, do objeto)
Termos integrantes da oração
Complemento verbal (objeto direito, objeto indireto)
Complemento nominal
Agente da passiva
Termos acessórios da oração
Adjunto adnominal
Adjunto adverbial
Aposto
Termo à parte
Vocativo

60
Funções sintáticas

4. FRASE, ORAÇÃO E PERÍODO

As frases que interessam à análise sintática são tipicamente consti­


tuídas por, pelo menos, uma predicação verbal. Dessa forma, apesar de, a
rigor, uma frase poder ser qualquer enunciado linguístico, somente aquelas
que possuem no mínimo um SV tornam-se objeto de estudo passível de
classificação em termos de funções sintáticas. Cada SV presente numa fra­
se indica a existência de uma oração.
A seguir, ilustramos, em (2a), o caso de uma frase sem qualquer pre­
dicação verbal, denominada frase nominal. Em (2b), vemos a ocorrência
de uma frase constituída por uma única oração e, em (2c), temos um exem­
plo de frase composta por mais de uma oração.

(2) a. Um quarto grande, com janelas largas e bela vista para o mar.
b. Todos gostam de filmes românticos.
c. O professor disse que a prova não está difícil.

A frase em (2a) não se presta para os fins da análise em Sintaxe


porque, na falta de um SV, não há funções a serem atribuídas aos sin­
tagmas presentes no enunciado, pois é somente a partir de uma predi­
cação verbal que podemos mapear as demais relações sintáticas de uma
estrutura frasal. Em (2b), por sua vez, identificamos o SVs [gostam de
filmes românticos] ao passo que, em (2c), destacamos dois SVs: [disse
que a prova não será difícil] e [não será difícil], estando o segundo in­
serido no domínio do primeiro. Ambas as frases verbais em (2b) e (2c)
caracterizam a noção de período, que, nos estudos de Sintaxe, deve ser
tomada como sinônimo de sentença. A única diferença entre essas duas
frases é que, em (2b), a extensão do período coincide com a da oração,
isto é, temos um período simples (oração absoluta), enquanto, em (2c),
o período é composto por duas orações. Tanto num caso como no ou­
tro, encontramos frases com SV, o que nos habilita a dar início à análise
das funções sintáticas da sentença.

61
PARA CONHECER Sintaxe

QUESTÕES DE NOMENCLATURA -1
Frase nominal: frase sem verbo.
Frase verbal: frase com pelo menos um SV.
Oração: predicação entre um SV (predicado) e um SN (sujeito).
Período simples: frase verbal com somente uma oração.
Período composto: frase verbal com mais de uma oração.
Período: sinônimo de frase verbal.
Sentença: sinônimo de frase verbal.

Uma oração é uma estrutura bimembre. Isto é, uma oração é sempre


constituída por dois constituintes básicos, dentro dos quais todos os outros
se encontrarão de alguma forma encaixados. Esses dois constituintes são
SN e SV. Vemos isso representado na seguinte figura.

oração

SN SV

Os constituintes imediatos de uma oração (isto é, SN e SV) podem


aparecer, numa frase específica, em ordem direta (SN —> SV) ou ordem
inversa (SV —> SN). Além disso, é possível, como já sabemos, que um SN
não seja preenchido por nenhum elemento foneticamente realizado (con­
junto vazio), mas, ainda assim, ele possuirá valor sintático. É importante
ter sempre em mente essas noções porque é a partir da identificação do SN
e do SV imediatamente ramificados de uma oração que conseguiremos
analisar todas as funções sintáticas de uma sentença.

5. SUJEITO E PREDICADO

Sujeito e predicado são considerados os termos essenciais de uma


oração, porque correspondem, respectivamente, ao SN e ao SV que com­
põem de maneira imediata uma frase verbal. Sendo assim, a cada vez que
encontramos uma oração numa sentença, devemos identificar o SN (ainda
que foneticamente nulo) e o SV que estruturam diretamente tal oração,
pois as demais funções sintáticas do período serão desempenhadas ou den­
tro do SN sujeito, ou no interior do SV predicado.

62
Funções sintáticas

oração

SN SV
(sujeito) (predicado)

No exemplo (3), sujeito e predicado são identificados conforme se re­


presenta nos colchetes etiquetados que se seguem. Como somente um par
da relação SN —> SV, indicada na figura, pode ser encontrado nessa frase,
estamos, portanto, diante do caso de um período simples.

(3) [oração [snsujei.0 Todos] tsvpredicado g°stam de filmes românticos]]

Na frase em (4), a segunda oração encontra-se encaixada no domínio


da primeira, fato que exemplifica a estruturação de um período composto.
Você deve notar que, tanto na primeira quanto na segunda oração dessa
frase, a estrutura bimembre [SN sujeito + SV predicado] encontra-se rami­
ficada diretamente da oração.

(4) [oração tSN sujei.» 0 Professor] [SV pre(Jicado disse que [0RAÇÀ0 [SNsujei,o a
prova] [SVpred.cado não está difícil]]].

A ocorrência de SN e de SV ramificados diretamente de uma oração


mais de uma vez numa mesma frase (período composto) se tomará mais
evidente com o uso da seguinte representação arbórea simplificada.

oração

disse (que)
SN sujeito SV predicado
.. ,
[a prova] [não está difícil]

Vemos assim que as funções sintáticas de sujeito e predicado se defi­


nem na hierarquia da estrutura sintagmática da sentença: o sujeito é o SN que
se ramifica diretamente de uma oração, enquanto o predicado é o SV
que se ramifica diretamente dessa oração.

63
PARA CONHECER Sintaxe

Considerando-se a recursividade da combinação entre sintagmas,


você já pode ver que o SN sujeito e o SV predicado podem conter, den­
tro de si, outros constituintes - núcleos, complementos, especificadores
e adjuntos. Tais elementos, por um lado, serão termos integrantes ou
acessórios da função sintática hierarquicamente superior, dentro da qual
se encontram encaixados (sujeito ou predicado). Por outro lado, desempe­
nharão alguma função sintática específica, como núcleo do sujeito, núcleo
do predicado ou outras — como objeto direto, complemento nominal...
que veremos ainda neste capítulo. Na próxima seção, analisaremos as sub-
classificações do sujeito.

5.1 Subclassificações do sujeito

Na tradição dos estudos gramaticais brasileiros, o sujeito de uma ora­


ção costuma receber um dos quatro tipos de subclassificação preconiza­
dos pela NGB: simples, composto, indeterminado ou inexistente. Como se
vê, a NGB não previu casos em que o sujeito pode ser determinado, mas
foneticamente nulo, como é o caso do sujeito oculto; por isso, podemos
encontrar, em gramáticas escolares, também os termos “sujeito implícito”,
“sujeito elíptico”, “sujeito subentendido”, “sujeito nulo” ou “sujeito desi-
nencial” para designar o que, aqui, chamamos de “sujeito oculto”.
Você deve perceber que tais subclassificações não dizem respeito
estritamente à noção de função sintática, mas, sim, à quantidade de nú­
cleos que um sujeito manifesta (se um [simples] ou mais de um [com­
posto]) e à interpretação semântico-pragmática do sujeito quando esse
não é realizado foneticamente (se oculto, indeterminado ou inexistente).
Portanto, as subclassificações do sujeito não são uma parte relevante da
análise sintática e só persistem em nossas gramáticas, em nossos manuais
de Sintaxe e em nossas aulas de Língua Portuguesa devido à repetição da
tradição herdada desde a NGB.
A distinção entre sujeito simples ou composto se estabelece em vir­
tude da quantidade de núcleos N presentes no sujeito de uma oração. A
ocorrência de um e somente um SN como sujeito levará à classificação
dessa função sintática como simples, isto é, constituída de somente um nú­

64
Funções sintáticas

cleo N foneticamente realizado. Por oposição a isso, quando dois ou mais


SNs são coordenados entre si na função de sujeito, então pelo menos dois
núcleos N foneticamente explícitos serão realizados na sentença, o que
resultará num sujeito composto. Em (5a), vemos representado um sujeito
simples (isto é, com somente um SN), enquanto, em (5b), ocorrem três SNs
coordenados (dando origem a um sujeito composto).

(5) a. [SN O Brasil] já foi campeão mundial de futebol.


b. [SN Brasil, [SN Argentina e [SN Uruguai]]] já foram campeões mun­
diais de futebol.

Note bem. A ocorrência de um núcleo N no plural ou a presença de


SN no domínio do sujeito ocupando, dentro dele, uma posição diferente da
de núcleo (isto é, especificador, complemento ou adjunto) não caracteriza
o caso de sujeito composto. E isso o que vemos no exemplo (6). No caso,
o núcleo do sujeito da oração é somente o N [países]. Os demais SNs no
domínio do sujeito ([América] e [o sul]) desempenham, em seu interior, na
posição de adjunto, outras funções sintáticas.

(6) [SN Diversos países da América do Sul] já foram campões mundiais


de futebol.

Por sua vez, a distinção entre sujeito oculto, indeterminado ou ine­


xistente é de outra ordem. Essas três subclassificações compartilham a
propriedade de não realizarem foneticamente o SN sujeito. Logo, a oração,
em todos os três casos, apresentará um SN nulo/vazio (0). A distinção en­
tre esses três subtipos de sujeito decorre de uma interpretação semântico-
pragmática. Para entendermos isso, comparemos os exemplos (7a), em que
ocorre um sujeito oculto, com (7b), em que há um sujeito indeterminado, e
com (7c), no qual há um sujeito inexistente.

(7) a. [SN 0] cheguei cedo.


b. fOK. 0] roubaram meu carro.
c. L 01 choveu durante a noite toda.
LSN J

Em (7a), estamos diante de uma das características do sujeito nulo


nas línguas que, como o português, permitem esse tipo de fenômeno:
podemos não realizar foneticamente o sujeito de uma oração porque ele

65
PARA CONHECER Sintaxe

é inferível pela flexão morfológica do verbo. Trata-se, nesse caso, da


primeira pessoa do singular: eu - e, a depender da frase, pode ser outra,
como primeira do plural (nós) ou segunda do singular (tu, você). Quando
isso acontece, subclassificamos tal tipo de sujeito como oculto, isto é, de-
dutível pela desinência verbal. Também há casos em que o sujeito oculto
é recuperável por meio de uma retomada anafórica, na própria oração
(como em O João chegou e 0 pegou um livro) ou mesmo em frases ou
porções textuais anteriores (como em O João comprou cinco novos livros
hoje na livraria nova do campus. Amanhã, 0 pretende voltar lá para
adquirir mais alguns).
Uma ocorrência especial dessa omissão fonética do sujeito ocorre
quando se trata especificamente da terceira pessoa do plural (eles/elas),
conforme vemos em (7b). Nesse caso, dá-se uma interpretação pragmá­
tica particular ao não preenchimento fonético do sujeito: ou não se sabe
ou não se quer explicitar o conteúdo do SN sujeito, o que o caracteriza
como indeterminado.

Além da terceira pessoa do plural não preenchida foneticamente, também


a terceira pessoa do singular de verbos intransitivos, de ligação e transiti­
vos indiretos articulados com a partícula -SE indicam a indeterminação do
sujeito. Exemplos respectivos: morre-se de desgosto, foi-se feliz naquele
tempo e precisa-se de professores.

Em (7b), provavelmente não se sabe “quem” roubou o carro, por isso


o SN não é realizado de maneira plena, com um nome próprio ou uma
expressão descritiva. Note que, se estivéssemos diante de um período com­
posto e o conteúdo do SN sujeito foneticamente nulo (relacionado a um
predicado com um verbo na terceira pessoa do plural) pudesse ser inferido
a partir de alguma informação presente numa outra oração, então não es­
taríamos diante de um sujeito indeterminado, mas de um sujeito oculto. E
justamente isso o que acontece em (8).

(8) [SN Os ladrões] simularam um pedido de ajuda e depois [SN 0] rouba­


ram o meu carro.

Ora, qual seria a diferença sintática entre o [SN 0] em (7b), como


sujeito indeterminado, e em (8), como sujeito oculto? Não há nenhuma.

66
Funções sintáticas

Por isso, tal subclassificação não encerra um fenômeno de fato do domí­


nio da sintaxe.
O exemplo em (7c) - oração sem sujeito ou sujeito inexistente -
ilustra mais um caso de inadequação descritiva cometida pela NGB. Afi­
nal, se não houvesse sujeito em determinadas orações, como essa função
sintática poderia ser um termo essencial do período, como a própria NGB
assevera? E, ainda, se não há sujeito numa dada frase, como ele poderia
ser classificado e subclassificado? Na verdade, o que ocorre em casos
como (7c) são os sujeitos foneticamente nulos que, diferentemente de su­
jeitos ocultos e indeterminados, não possuem nenhuma interpretação se­
mântica ou pragmática. Trata-se de orações que possuem sujeitos nulos
expletivos, isto é, SNs vazios que não adicionam qualquer informação
semântica ao SV predicado da sentença. Expletivos nulos são tipicamen­
te selecionados como sujeitos de orações com verbos que exprimem fe­
nômenos naturais {chover, ventar, nevar, trovejar etc.), meteorológicos
{estar tarde, fazer frio etc.), relativos a tempo transcurso {fazer tantos
anos, haver tanto tempo etc.) e demais verbos impessoais {haver com
valor existencial). Como vemos, trata-se, mais uma vez, de uma subclas-
sificação motivada por critérios extrassintáticos.

• EXPLETIVOS
Nos estudos de Sintaxe, elementos expletivos são aqueles que possuem
valor puramente sintático, sem qualquer repercussão no componente se­
mântico da língua. Em português, sujeitos “inexistentes” são sempre rea­
lizados por expletivos nulos, mas, noutras línguas, tais expletivos podem
ser realizados por um pronome expletivo pronunciado. Por exemplo, a
frase [[SN 0] choveu o dia todo] deve ser traduzida para o inglês como [[SN
it] rained all day] e, para o francês, como [[SN il] a plu toute la joumée].
Expletivos nulos (como “0”, em português) ou pronominais (como it, em
inglês, ou il, em francês) são categorias que, quando usadas na função de
sujeito, o fazem em razão de fatores estritamente sintáticos: a necessidade
de realizar um sujeito (SN) gramatical para toda e qualquer sentença nas
línguas naturais.

67
PARA CONHECER Sintaxe

5.2 Subclassificações do predicado

Um predicado se subclassifica conforme a categoria morfossintática


do núcleo que exerce a predicação na respectiva oração. Assim, dado que
verbos transitivos e intransitivos são sempre predicadores, eles serão iden­
tificados como o núcleo V de um predicado verbal

(9) a. Os alunos [sv estudaram toda a matéria].


b. Vários países da América do Sul [sv precisam de atenção inter­
nacional].
c. O bebê [sv sorriu].
d. Meu time [sv foi desclassificado da competição].

Notamos, nos exemplos anteriores, que em (9a) é o núcleo V [estu­


daram] que realiza a predicação entre os argumentos [os alunos] e [toda a
matéria]. Em (9b), o verbo [precisaram] estabelece a predicação entre seu
sujeito [vários países da América do Sul] e seu complemento [precisam de
atenção internacional]. Da mesma forma, em (9c) o núcleo verbal [sorrir]
predica sobre seu único argumento, o sujeito [o bebê]. Todos esses predica­
dos são, pois, subclassificados como verbais. É interessante notar que, em
(9d), há uma locução verbal no SV: [foi desclassificado]. Nela, o verbo au­
xiliar-o item ser, devidamente flexionado-desempenha papel puramente
funcional, sem realizar predicação, a qual é exercida pelo núcleo lexical da
locução, o particípio [desclassificado]. Infinitivos, particípios e gerúndios
são formas reduzidas da categoria V, fato que nos fará classificar como
verbal os predicados que apresentarem uma dessas formas como núcleo de
V ou como verbo principal numa locução.
Numa dada oração, a predicação pode ser feita por uma categoria
morfossintática diferente de V. Isso é ilustrado a seguir.

(10) a. Os alunos [sv parecem satisfeitos].


b. O Brasil [sv é desigual].
c. O livro [sv está sobre a mesa].
d. Sintaxe [sv é um componente da gramática].

Em todos os exemplos em (10), o núcleo do SV desempenha um pa­


pel meramente funcional, atribuindo à sentença alguma flexão verbal e

68
Funções sintáticas

expressando os valores aspectuais próprios de cada um dos itens parecer,


ser e estar. Trata-se, portanto, dos chamados verbos de ligação ou copula-
tivos. Esse tipo de núcleo V não manifesta a propriedade de predicar. Per­
ceba que em (10a) e (10b), o predicador da oração não é o verbo, mas, sim,
respectivamente, os núcleos A [satisfeitos] e [desigual], que predicam so­
bre seu único argumento, o respectivo sujeito [os alunos] e [o Brasil]. Em
(10c), ocorre o mesmo: a predicação não é exercida por V, mas pelo núcleo
P [sobre], que relaciona espacialmente seus dois argumentos, [o livro] e
[a mesa]. No exemplo (lOd), a predicação é feita pelo N [componente] —
núcleo de um SN que se compõe também por um especificador [um] e um
adjunto SP [da gramática] -, o qual predica acerca de seu sujeito [Sintaxe].
Nesses casos, o predicado deverá ser subclassificado como não verbal, já
que seu núcleo predicador é uma categoria diferente de V, isto é, N, A ou P.
Entretanto, o termo adotado pela NGB a fim de classificar predicados não
verbais é predicado nominal. Atente, porém, que tal predicado “nominal”
não é necessariamente nucleado por um substantivo N. Também adjetivos
e preposições podem atuar como núcleo de um predicado não verbal.
Aos estudos normativos tradicionais escapa especialmente a percep­
ção de que preposições possuem propriedades lexicais e, assim, podem rea­
lizar predicação e desempenhar a função de núcleo do predicado. Em fun­
ção dessa limitação, diante de frases como (10c), gramáticas tradicionais
identificam erroneamente um caso de “predicado verbal”, sob a alegação
de que o verbo estar assumiría, no caso, o valor intransitivo de localização
espacial. Ora, a diferença entre predicados como [está sobre a mesa] ver­
sus [está feliz] é dada não pelo verbo estar, mas, antes, pela categoria não
verbal que o sucede. Em (10c), o valor espacial-relacional é conferido pelo
núcleo P, não por V.
Por fim, como aprendemos no capítulo anterior, predicados podem
apresentar, no domínio do SV, uma minioração ao lado de um verbo tran­
sitivo ou intransitivo. Quando isso acontece, a oraçao sera estruturada por
meio de duas predicações: a da categoria verbal V e a da categoria não
verbal N ou A, presente no interior da minioração. A nomenclatura oficial
para a subclassifícação desse tipo de predicação dupla é predicado verbo-
nominal. A seguir, veremos exemplos desse caso.

69
PARA CONHECER Sintaxe

(11) a. O autor [sv achou o lançamento do livro um sucesso].


b. Todos [sv saíram assustados da festa].

Em (1 la), o verbo [achar] define um predicado verbal, pois se trata de


uma categoria V que perfaz a predicação entre o sujeito [o autor] e ami-
nioraçao [o lançamento do livro um sucesso]. Por sua vez, no domínio da
minioraçao ocorre outra predicação, agora não verbal, posto que o núcleo
do SN [um sucesso] encerra uma predicação sobre seu argumento [o lan­
çamento do livro]. Como, no SV, identifica-se predicação verbal e não ver­
bal, o respectivo predicado é subclassificado como verbo-nominal. Caso
semelhante acontece em (11b). Aqui, tanto o núcleo V [saíram] quanto o
núcleo A [assustados] são predicadores do sujeito [todos]. Há, novamente,
um predicado verbo-nominal, ou seja, trata-se de uma dupla predicação
articulada por uma categoria verbal e outra não verbal.

6. OBJETOS

Quando o núcleo de um predicado verbal é um verbo transitivo di­


reto, a respectiva categoria V selecionará como complemento um SN ou
um SP - ou, mesmo, uma nova oração. Em tais casos, a função sintática
do complemento de V será classificada como objeto direto ou objeto
indireto. A diferença entre ambas as funções sintáticas é a categoria do
sintagma complemento: se o complemento é um SN, a função será objeto
direto; se se trata de um SP, a função será objeto indireto.

TRANSITIVIDADE DE V,
OBJETO DIRETO PREPOSICIONADO E CLÍTICOS
A Gramática Normativa Tradicional contradiz a noção de “objeto direto” ao
classificar certos complementos verbais como “objetos diretos preposicio-
nados”, em frases como amar a Deus. Na verdade, esses complementos são
SPs em um caso bastante específico de “objeto direto”: aqui, o que define
a classificação do subtipo de objeto não é o sintagma (se SN ou SP) sele­
cionado como complemento, mas, sim, a transitividade de V. Dessa forma,
como o V amar é transitivo direto, então seu complemento será sempre um
objeto direto, ainda que preposicionado. O mesmo acontece nos objetos
diretos preposicionados em expressões como comer do bolo e beber do
vinho. Esses V são também transitivos diretos.

70
Funções sintáticas

Uma atenção especial deve ser dispensada à função sintática dos pronomes

► clíticos (zwe, te, se, nos, lhe, o, a etc.). Entre os clíticos do português, há
alguns que podem exercer o papel de ambos os tipos de complementos
verbais, como me em A Maria me ama (objeto direto) e A Mariame enviou
umaflor (objeto indireto). Não obstante, outros clíticos desempenham ape­
nas a função de objeto direto, como o e a, já em completo desuso no ver­
náculo brasileiro, enquanto outros, como o clítico lhe, exercem geralmente
a função de objeto indireto. Ou seja, também os pronomes clíticos têm sua
função sintática determinada não por si mesmos, mas, sim, pela transitivi-
dade do V que os seleciona.
Um estudo pioneiro e abrangente sobre o uso dos clíticos no vernáculo do
PB pode ser encontrado em Monteiro (1994).

(12) a. A escola [sv encomendou [SN diversos livros importantes]].


b. O povo brasileiro [ necessita [sp de muito mais investimentos na
Educação]].
c. [sv Demos [sv um belo presente [sp ao orador da turma]]].
d. Ele [sv disse [0RAÇÃ0 que o filme veicula idéias progressistas]].
e. [sv Não se esqueça [0RAÇÀ0 de que todo poder deveria emanar do
povo]].

Nos exemplos anteriores, verificamos que, em (12a), o complemento


de V é um SN, caracterizando, assim, um objeto direto. Já em (12b), V é
complementado por um SP, definindo, portanto, um objeto indireto. Em
(12c), temos o verbo bitransitivo [dar], que possui ambos SN e SP como
complementos, respectivamente, classificados como objeto direto e objeto
indireto. Por fim, (lOd) e (lOe) ilustram ocorrências de complementos de
V em forma de oração encaixada. No segundo caso, a oração se encaixa na
matriz por meio de uma preposição, o que a identifica como um caso de
objeto indireto oracional. Isso a difere do primeiro caso, em que a ora­
ção se encaixa diretamente na matriz, se caracterizando como um objeto
direto oracional.

71
PARA CONHECER Sintaxe

OBJETO NULO E ELIPSE DO OBJETO


Assim como acontece com o sujeito, o objeto direto também pode não ser
pronunciado. Isso pode acontecer, basicamente, em dois casos: na retomada
anafórica do objeto ou em sua omissão. No primeiro caso, introduzimos um
SN que será retomado por uma anáfora zero na função de objeto. E o que
vemos no seguinte exemplo:
Ganhei um livro do Chomsky, mas ainda não consegui ler 0.
Repare que poderiamos usar um pronome como complemento verbal nessa
frase: ...mas ainda não consegui lê-lo ou ...mas ainda não consegui ler ele.
Contudo, a retomada anafórica por objeto nulo é uma estratégia muito pro­
dutiva em PB (ao contrário do que vemos no português europeu, por exem­
plo) e costuma acontecer quando o antecedente se refere a um ser inanima­
do, especialmente quando for não humano, como [um livro do Chomsky]
no nosso exemplo. Com antecedentes humanos, a retomada anafórica pro­
nominal é favorecida. Julgue você mesmo estes dois exemplos e pense em
qual deles parece soar mais natural em seu dialeto:
Conheci uma professora de Linguística, mas não encontrei mais [ela] pelo campus.
Conheci uma professora de Linguística, mas não encontrei mais [0] pelo campus.
Os casos de omissão do objeto, por outro lado, costumam ser mais pro­
blemáticos para uma análise baseada na tradição gramatical. Aqui estamos
diante de verbos que são considerados “canonicamente” como transitivos
diretos (beber, fumar, chutar, cortar etc.) e que passam a ser usados de
maneira intransitiva. Alguns mudam seu significado, outros não. Compare
os seguintes pares de exemplos (com os verbos fumar e beber)'.
O João fuma charutos x O João fuma
A Maria bebe muita água no verão x A Maria bebe muito no verão
Repare como o uso intransitivo desses verbos parece especializá-los: fumar
intransitivo significa “fumar cigarros” (não charutos...) e beber intransitivo
significa “beber bebidas alcóolicas” (não água ou suco...).
Outros verbos, quando usados intransitivamente, não alteram sua carga se­
mântica, como chutar e cortar, por exemplo:
Ronaldo chutou a bola x Ronaldo chuta muito
Essa faca corta queijo x Essa faca corta bem
O leitor interessado no estudo dos objetos nulos pode encontrar uma dis­
cussão mais aprofundada, e muito acessível, em Monteiro (1994) e Bagno
(2011). Sobre a omissão de objeto, há uma tese relativamente recente que
traz um panorama sobre o assunto: Loredo Neta (2014).

72
Funções sintáticas

7. PREDICATIVOS

Nos predicados nominais e verbo-nominais, a predicação não ver­


bal será exercida justamente por uma categoria não verbal: N, A ou P. O
sintagma que domina cada um desses núcleos deverá ser classificado, no
domínio do predicado, com a função sintática denominada predicativo.
Vejamos alguns exemplos.

(13) a. O povo [sv está [SA extremamente ultrajado]].


b. Aquela palestra [sv foi [SN uma beleza]].
c. Eu [sv considerei a aula [SA muito proveitosa]].
d. Os impunes [sv comemoraram [SA aliviados]].
e. A Maria [sv é [sp de Florianópolis]].

O SA [extremamente ultrajado] e o SN [uma beleza] são predica-


tivos no interior do predicado nominal no qual se inserem, respectiva­
mente, em (13a) e (13b). Tais predicativos, em virtude de se estrutu­
rarem num predicado não verbal, farão sempre a predicação acerca do
sujeito da oração, razão pela qual se subclassificam como predicativo
do sujeito. Por sua vez, (13c) e (13d) demonstram o caso de predicados
mistos, isto é, verbo-nominais. Nesses casos, o sintagma com a função
de predicativo poderá referir-se ao sujeito da oração, como acontece
com o SA [aliviados], em (13d), ou poderá se caracterizar como um
predicativo do objeto, referindo-se ao complemento de V (objeto),
conforme acontece em (13c):
Ísv/PREDICADO COnS^ere’ tsN/OBJETO a aU^ tsA/PREDICATIVO mU*t0 prOVeitOSa]].

Finalmente, em (13e), vemos um predicativo do sujeito estruturado


como um SP - algo não reconhecido pela tradição gramatical. Temos aqui
uma preposição lexical, que denota a ideia de “origem”, ao passo que o
verbo copulativo — como já vimos — não predica sobre o sujeito da oração.

8. COMPLEMENTO NOMINAL
No domínio do SN sujeito ou do SV predicado, podem ser estrutura­
dos diferentes tipos de sintagmas. Esses sintagmas, conforme já estudamos

73
PARA CONHECER Sintaxe

acerca do fenômeno da recursividade, poderão possuir, eles próprios, ou­


tros sintagmas dentro de si. Quando, em alguma posição da oração, encon­
tramos um complemento SP selecionado por um núcleo N ou um núcleo
A, teremos nesse SP, tal como ilustrado a seguir, caracterizada a função
sintática de complemento nominal.

(14) a. [SN A invasão [SP de privacidade]] tomou-se comum no mundo mo­


derno.
b. Os políticos [sv não parecem [SA conscientes [sp de sua responsabi­
lidade social]]].
c. Ela [sv está [SA convencida [0RAÇA0 de que será uma excelente pre­
sidenta]]].

Notamos, em (14a), que o SP [de privacidade] é selecionado como


complemento do núcleo do sujeito [invasão]. Trata-se, assim, de um com­
plemento nominal. Essa mesma função sintática pode ser identificada, em
(14b), no interior do predicado, na forma do SP [de sua responsabilidade
social], que é complemento no núcleo do predicativo, o adjetivo [cons­
cientes]. Já em (14c), uma oração inteira é selecionada como complemento
nominal do núcleo adjetival [convencida]. Trata-se de um complemen­
to nominal oracional.

9. AGENTE DA PASSIVA

A NGB define como voz passiva analítica a estrutura sintática que


manifesta um sujeito com valor semântico de paciente relacionado a um
predicado articulado por uma locução verbal. Nessa locução, o verbo prin­
cipal pertencerá a uma categoria transitiva e aparecerá na forma de particí-
pio. O verbo auxiliar, por sua vez, será tipicamente o item ser em alguma
de suas flexões (muito embora outros verbos, como ficar e ter, também
possam ocupar a posição de auxiliar nesse tipo de SV).

(15) fCM João Lv foi eleito líder sindical]].

Nesse exemplo, estamos diante de uma voz passiva porque o SN


sujeito possui interpretação semântica de paciente e o SV predicado
encontra-se na forma da locução “ser + particípio”. Em tais tipos de

74
Funções sintáticas

construção sintática, é possível expressar, na sintaxe, o agente (semân­


tico) responsável pela ação descrita na locução verbal. Nesse caso, tal
elemento será veiculado por um SP, que receberá a classificação de
agente da passiva.

(16) [SN João [sv foi eleito líder sindical [sp pela maioria dos votantes]]].

Você deve ter percebido que, mais uma vez, a NGB nomeia uma
função sintática em razão de preocupações puramente semânticas. Afi­
nal, “agente” é uma categoria conceituai (o famigerado “ser que pratica
uma ação”) que não é útil para a caracterização de fenômenos estrita­
mente sintáticos. O chamado “agente da passiva” é, na verdade, um SP
adjunto cujo papel semântico infelizmente tornou-se o nome oficial de
uma função sintática.
Por outro lado, uma outra observação pertinente envolvendo a inter­
face sintaxe-semântica é, via de regra, esquecida pela tradição gramatical.
Ao contrário do que se pode inferir a partir de uma lição sobre “conver­
são entre ativas e passivas”, não são todas as orações ativas com verbos
transitivos diretos que podem ser convertidas a estruturas passivas corres­
pondentes. Repare como podemos fazer a conversão com (17), mas não
chegamos a um resultado aceitável com (18).

(17) a. O Pedro quebrou a perna da mesa jogando pingue-pongue. (ATIVA)


b. A perna da mesa foi quebrada pelo Pedro jogando pingue-pongue.
(PASSIVA)
(18) a. O Pedro quebrou a perna jogando futebol. (ATIVA)
b. ?? A perna do Pedro foi quebrada por ele jogando futebol. (PASSIVA)

A frase em (18b) é estranha porque o sujeito da voz ativa, em (18a),


é um sujeito paciente, que sofre a ação verbal. Por isso, nossa tentati­
va de transformá-lo em agente (da passiva) em (18b) resulta em uma
construção tão estranha. O que muitas gramáticas não nos contam é que,
na conversão entre voz ativa e voz passiva, ha uma restrição sintática
(apenas orações com verbos transitivos diretos podem ser expressas na
voz passiva) e semântica (apenas sujeitos agentes em orações expressas
na voz ativa podem figurar como, justamente, agentes da passiva na voz
passiva correspondente).

75
PARA CONHECER Sintaxe

VOZ PASSIVA SINTÉTICA

A NGB prescreve, ainda, a classificação voz passiva sintética para os casos


de verbos transitivos articulados com a partícula -SE, como em elegeu-se
o líder sindical. De acordo com esse preceito, o SN tipicamente posposto
à construção “verbo transitivo + SE" deve ser interpretado como o sujeito
da oração. Trata-se de uma prescrição contraintuitiva, considerando-se o
uso pervasivo da partícula -SE como índice de indeterminação do sujeito
em terceira pessoa do singular, mesmo com verbos transitivos diretos (cf.
Ferrari-Neto, Silva e Fortes, 2010). Não é por outra razão que, nas chama­
das orações com passivas sintáticas, raramente ocorre concordância com o
suposto sujeito posposto, inclusive nos registros mais formais da escrita,
quando esse se encontra no plural: por exemplo, aceita-se encomendas.

10. ADJUNTOS

Como já estudamos anteriormente sobre a noção de constituinte, os


sintagmas de uma língua, depois de serem constituídos intemamente por
seu núcleo, seu complemento e seu especificador, podem sofrer, livre­
mente, a adjunção de outros sintagmas (ou orações). A função sintática
a ser atribuída a esses elementos adjungidos é a de adjunto adverbial
ou adjunto adnominal. A diferença entre essas duas nomenclaturas não
diz respeito propriamente ao adjunto, mas, antes, ao sintagma que recebe
a adjunção: se um SP ou uma oração se adjunge a um SV, ele/ela será
caracterizado/a como um adjunto verbal (isto é, adverbial); já se um SA,
um SP ou uma oração se adjunge a um SN, então teremos um adjunto não
verbal (isto é, adnominal).

(19) a. O aluno [sv concluiu a avaliação [sp em menos de dez minutos]].


b. [SN Um cidadão [SA honesto]] não vota em ficha suja.
c. Todos compraram [SN o livro [sp de Sintaxe]].
d. [SN Livros [sp de [SN análise [SA sintática [SA bem escritos]]]]] não
são raros.
e. A chuva [sv começou [0RAÇÀO quando eu cheguei em casa]].
f. [SN O filme [oraçAo que você me recomendou]] é mesmo muito
interessante.

76
Funções sintáticas

Nesses exemplos, podemos analisar casos de adjunção a SN (adjunto


adnominal) exercidas por um SA, um SP ou uma oração, bem como ad-
junções feitas a um SV (adjunto adverbial), levadas a cabo por um SP ou
por uma oração. Em (19a), o SP [em menos de dez minutos] foi adjungido
a um SV, caracterizando-se como adjunto adverbial. Também em (19e) é
um SV que recebe o termo adjunto [quando eu cheguei em casa], o qual,
nesse caso, é uma oração inteira - um adjunto adverbial oracional. Nas
frases (19b) e (19c), temos a função de adjunto adnominal, dado que, no
primeiro caso, o SA [honesto] se adjunge ao SN [um cidadão], enquan­
to, no segundo, o SP [de Sintaxe] é adjungido ao SN [o livro]. Em (19f),
ilustra-se o caso de um adjunto adnominal oracional, pois a oração [que
você me recomendou] foi adjungida ao SN [o filme]. Note, agora, que o
exemplo (19d) é particularmente interessante. Nele, acontecem múltiplas
adjunções nominais: o SP [de análise] é adjungido ao SN [livros], em se­
guida o SA [sintática] se adjunge ao SN [análise], presente no domínio do
SP à sua esquerda, e finalmente o SA [bem escritos] faz adjunção a todo o
SN [livros de análise sintática]. Eis aqui um belo exemplo da recursividade
de adjunções sintáticas.
Devemos destacar que, nas lições de análise sintática mais tradicionais
e normativas, os adjuntos adverbiais costumam ter especificado, ao lado de
sua classificação sintática, o tipo semântico da modificação que efetuam
sobre o sintagma que sofreu a adjunção. Assim, estudantes familiarizados
com a NGB devem reconhecer expressões como “adjunto adverbial de tem­
po”, “oração adverbial de modo”, “adjunto adverbial de dúvida”, “oração
adverbial proporcional” etc. Essa hiperespecificação semântica pode ser
útil para a discussão de aspectos conceituais dos adjuntos, mas ela não ca­
racteriza, de modo algum, tipos particulares de adjunção sintática. Adjun­
tos em Sintaxe são somente “adjuntos”, sejam sintagmáticos, oracionais,
adjungidos a elementos verbais ou não verbais.

ir. FUNÇÕES DISCURSIVAS

A NGB reserva, finalmente, a classificação de duas “funções sintáticas”


que, de fato, não dizem respeito ao papel desempenhado, entre si, por núcleos,

77
PARA CONHECER Sintaxe

complementos, especificadores ou adjuntos. Trata-se de elementos de valor


discursivo alocados à parte numa dada frase. Sao eles o vocativo e o aposto.
O vocativo é a função dos chamamentos feitos ao interlocutor a
quem a frase se dirige. Vocativos podem ocorrer antes da oração, ao seu
fim ou, mesmo, intercalados no interior da oração, tal como vemos res­
pectivamente a seguir.
(20) a. [V0CATIV0 Senhor presidente], o povo exige respeito a seus direitos!
b. Não fale assim tão alto, [VOCATIVo meu
c. Este livro, [V0CATIV0 caro ^itor], foi feito especialmente para você.

Um aposto, por seu turno, introduz na oração um termo “relativo” a


outro já mencionado na frase. Em (21), podemos identificar apostos que,
discursivamente, apresentam informação adicional ao nome citado imedia­
tamente à sua esquerda.

(21) a. Ontem encontramos João, [AP0ST0 pai de Maria], no ônibus.


b. Linguística, [AP0ST0 a ciência da linguagem], possui inúmeras
subdivisões.
c. Muitos cientistas são bons escritores: Darwin, Pinker,
Dawkins, Sagan...]

Devido à sua natureza discursiva, o aposto assumirá, numa frase, di­


versos tipos de valor informacional em relação ao termo a que se apõe:
explicação, enumeração, resumo, recapitulação, comparação, entre outros.
Nada disso, no entanto, caracteriza algum de fenômeno de interesse para o
estudo da sintaxe stricto sensu.

12. OUTRAS FUNÇÕES

aueaNSfSfamátÍC°! (C°m° Luft’ Bechara’ Rocha Lima) reconheceram


pudesse seZ na° prever que um constituinte de natureza adverbial
semanticamenteC1°nad° C°m° COmplemento por um verbo que descreve,
predicados com^XXa nat °
peca mais uma va, j ■ natureza> a Sintaxe Normativa Tradicional
verdade, complemento deT taícomo '"d^0
> tal como podemos ver a seguir.

78
Funções sintáticas

(22) a. O carioca [sv vai [sp à praia mesmo sem sol]].


b. *0 carioca [sv vai].

Para a Gramática Normativa Tradicional, o núcleo do SV da frase


em (22a) deve ser classificado como intransitivo e, por isso mesmo, não
selecionaria nenhum complemento. O SP dessa oração seria, assim, um
adjunto adverbial (de lugar). Ora, trata-se de uma análise flagrantemente
incorreta, pois a ausência do referido SP provoca a agramaticalidade na
sentença, conforme se atesta em (22b). Sabemos, desde o capítulo anterior,
que a propriedade de provocar agramaticalidade quando ausentes é privati­
va dos complementos (a rigor, dos argumentos). Dessa maneira, tal SP não
pode ser identificado como adjunto. A fim de contornar o equívoco, alguns
gramáticos sugeriram a adição de mais um termo no inventário de nossas
funções sintáticas: o complemento circunstancial (ou complemento ad­
verbial, ou ainda complemento locativo - novamente aqui temos uma
variação na terminologia adotada por cada gramático, uma vez que essa
função sintática não foi prevista pela NGB).
Um complemento circunstancial é um SP, como o presente em
(22a), que é selecionado por um verbo transitivo circunstancial, isto
é, um verbo que seleciona como complemento uma categoria adverbial.
Esse SP não se confundirá com um objeto indireto, porque esse último
possui valor “nominal”, e não “circunstancial”. Vemos tal diferença no
contraste que segue.

(23) a. Eu preciso [sp/Objeto indireto de uma casa].


b. Eu cheguei [sp/Complemento circuntancial em uma casa].

Além dessa, uma outra função sintática não oficial vem sendo farta­
mente utilizada por linguistas e bons gramáticos na descrição das línguas:
o parentético. Trata-se de um termo que, assim como o aposto, aparece
interpolado numa oração e desempenha função discursiva. Os parentéticos
inserem verdadeiros “parênteses” num período, os quais veiculam comen­
tários paralelos à oração, numa espécie de frase à parte.

(24) a. Esse livro, [PARENTÉTicoalias um gigante calhamaço, diga-se de pas­


sagem], é muito interessante.
b. O show vai começar, [PARENTÉTicodisseratn os organizadores], às 21 h.

79
PARA CONHECER Sintaxe

c. Aquele deputado disse, [PAREntético que rnent*ra-]> [parentético clue


cara de pau!], que não é dono do dinheiro em sua conta.

Um parentético não se confundiría com um aposto porque não se ca­


racterizaria como uma explicação ou um detalhamento acerca de algum
termo já citado na frase. Ele teria, de fato, a propriedade de veicular co­
mentários muito mais livres e independentes, conforme podemos fazer, na
língua escrita, com o recurso dos parênteses. O parentético e um fenomeno
interessante, que demonstra um tipo de construção dinâmica que se estabe­
lece na fronteira entre sintaxe e discurso.
Outra função que se situa na fronteira entre sintaxe e discurso é a
função de tópico, muito cara aos estudos sintáticos de base funcionalista
(como veremos no capítulo “Duas abordagens no estudo da Sintaxe”). O
tópico, codificado como um SN que normalmente ocupa a posição inicial
da sentença, por vezes confunde-se com o sujeito da frase. E o que vemos,
por exemplo, em construções como as seguintes:

(25) [TÓP!C0 Essa mesa] cabe bastante gente.


(26) [TÓPIC0 Essa janela aberta] venta muito.
(27) [TÓPIC0 Meu carro] furou o pneu quando eu chegava no campus.
(28) [TÓPIC0 A roupa] está lavando.

Repare como esses elementos topicalizados se parecem com o sujei­


to. são todos SNs que figuram no início da frase. Contudo, esses elementos
não têm algumas características semânticas que consideramos prototípicas
em SN que atuam como sujeito, tais como ter um papel semântico de agen­
te e denotar um ser animado e volitivo. Além disso, alguns deles parecem
poder aparecer preposicionados caso a frase fosse sintaticamente “mais
comportada”, isto é, mais semelhantes ao registo formai padrão na língua,
como nos casos de (25’), (26’) e (27’).

(25 )Cabe bastante gente [nesta mesa].


(26’) Venta muito [por essa janela aberta],
( ) urou o pneu [do meu cairo] quando eu chegava no campus.

disso, as construções parecem perverter a valência verbal tra-


or exemplo, o verbo lavar exige um sujeito agente, mas o que

80
Funções sintáticas

vemos em (28) é um elemento paciente. Na verdade, o objeto direto de lavar


está ocupando a posição inicial da frase, tal como um sujeito faria (Eu estou
lavando [a roupa] seria uma versão mais “padrão” de (28)). Finalmente, os
tópicos costumam receber um tratamento prosódico diferenciado. Eles geral­
mente se encontram isolados do restante da frase por uma pausa entoacional.
Daí por que encontramos, nas produções escritas de nossos alunos, frequen­
temente uma vírgula separando o tópico do restante da frase.

(25”) [TóPIC0Essa mesa], cabe bastante gente.


(26”) [TÓP1C0 Essa janela aberta], venta muito.
(27”) [TÓPIC0 Meu carro], furou o pneu quando eu chegava ao campus.
(28 ) [TÓPICO A roupa], está lavando.

As construções de tópico são muito frequentes na fala vernacular bra­


sileira, ainda que muito menos comuns na escrita padrão em PB.

TÓPICOS E TOPICALIZAÇÃO
Uma estratégia de topicalização produtiva em português é aquela em
que o sujeito gramatical desempenha a função discursiva de tópico da
frase, como vemos com os sintagmas destacados entre colchetes nos
seguintes exemplos:
A: O que o João fez?
B: [O João] chutou o Pedro.
A: Você sabe quem pegou o dinheiro que estava aqui?
B: Eu? [Eu] não sei!
Os elementos destacados entre colchetes nas respostas de B desempenham
dupla função: atuam tanto como sujeitos do verbo e como tópicos da frase,
uma função dupla na interface entre sintaxe e discurso. De maneira geral,
os elementos topicalizados recebem uma posição de destaque na estrutura
sintática da frase, além de um realce em termos prosódicos, como disse­
mos. Outra construção de topicalização produtiva em PB é o simples deslo­
camento de constituintes da frase, como vemos abaixo.
A: Você tem visto o João?
B: [O João], eu vi (ele) ontem mesmo no cinema.
A: O que tem dentro desta gaveta? |
B: [Nesta gaveta] eu guardo todos os meus segredos. |

81
PARA CONHECER Sintaxe

Finalmente, há ainda construções em que o tópico aparece como sujeito de

► verbos em construções normalmente não aceitas pela Gramática Normativa


Tradicional e atípicas no português europeu, como vimos nos exemplos an­
teriores, que ficaram fora desta caixa explicativa. Os dois estudos pioneiros—
e acessíveis — sobre tópicos em PB foram Pontes (1986 e 1987). Desde en­
tão, obviamente, a investigação linguística avançou muito no Brasil e, por
isso, a literatura especializada é vasta.________________________________

Concluiremos este capítulo, a seguir, apresentando algumas críticas à


NGB e ao ensino de Gramática Tradicional e taxonômica que era a regra nas
escolas até alguns anos atrás.

13. CRÍTICA

Nas aulas de Sintaxe, nas gramáticas e nos livros didáticos, as fun­


ções sintáticas poderíam ser designadas por um inventário de termos
muito mais simples do que o proposto pela NGB - no ano de 1959 e até
hoje em vigência. Kenedy (2010), por exemplo, propôs a redução das 11
funções e das 10 subfunções preconizadas na NGB para um conjunto for­
mado por somente 4 termos: sujeito, predicado, complemento e adjunto.
Tal proposta não eliminaria os detalhes das quase duas dúzias de termos
preconizados pela NGB. Os 4 termos propostos deverão receber subclas-
sificações de acordo com o nível de detalhes sintáticos (e não semânti­
cos) que se deseja empregar numa dada análise. Com efeito, as subclas-
sificações do sujeito (em nulo ou preenchido), do predicado (em verbal,
não verbal ou misto), do complemento (em verbal ou não verbal) e do
adjunto (em verbal ou não verbal) não definem novas funções sintáticas,
mas, antes, apresentam características do núcleo do sujeito ou do núcleo
do predicado e formulam especificações sobre o núcleo selecionador de
argumentos ou de adjuntos.

82
Funções sintáticas

HIPERINFLAÇÃO TERMINOLÓGICA
A NGB também peca ao conferir nomes extensos e de difícil memorização
às funções sintáticas quando desempenhadas por orações — e não por sintag­
mas não oracionais. Neste livro, fazemos referência a constituintes oracionais
simplesmente como, por exemplo, objeto direto oracional, complemento no­
minal oracional etc. Na NGB, infelizmente, os termos não são tão simples as­
sim. Note, na tabela abaixo, a inflação gerada com a adição de novos e com­
plexos nomes propostos na NGB para o período composto acerca de funções
sintáticas que receberam uma nomenclatura específica no período simples.
Função sintática Quando oracional
Sujeito Oração subordinada substantiva
subjetiva - desenvolvida ou reduzida de
infinitivo, gerúndio ou particípio.
Predicado —
Objeto direto Oração subordinada substantiva objetiva
direta - desenvolvida ou reduzida de
infinitivo, gerúndio ou particípio.
Objeto indireto Oração subordinada objetiva indireta -
desenvolvida ou reduzida de infinitivo,
gerúndio ou particípio.
Complemento nominal Oração subordinada substantiva
completiva nominal - desenvolvida
ou reduzida de infinitivo, gerúndio ou
particípio.
Predicativo Oração subordinada substantiva
predicativa - desenvolvida ou reduzida
de infinitivo, gerúndio ou particípio.
Agente da passiva Oração subordinada substantiva agentiva -
desenvolvida ou reduzida de infinitivo,
gerúndio ou particípio.
Adjunto adverbial Oração subordinada adverbial e sua
especificação semântica - desenvolvida
ou reduzida de infinitivo, gerúndio ou
particípio. _______________
Adjunto adnominal Oração subordinada adjetiva restritiva -
desenvolvida ou reduzida de infinitivo,
gerúndio ou particípio.
Vocativo Oração subordinada vocativa.
Aposto_________ __________ Oração subordinada apositiva.

83
PARA CONHECER Sintaxe

Na verdade, considerando-se a árvore sintática apresentada no início


deste capítulo, reproduzida novamente a seguir, o estudo integrado da no­
ção de constituinte e do conceito de função sintática parece se apresentar
de forma espontânea. Senão, vejamos.

A identificação do SN mais alto na estrutura da frase poderá ser as­


sociada, de maneira sistemática, à noção de sujeito, sem que se faça qual­
quer apelo a entidades semânticas (como “ser que pratica ação”, “coisa
sobre a qual se fala”) indesejáveis no estudo do componente sintático
da língua. Da mesma forma, a análise dos constituintes e das funções
sintáticas internas a esse SN sujeito revelará, com as noções de especifi-
cador/adjunto e núcleo do sujeito, um padrão sintático que poderá ser en­
contrado em outros SNs presentes numa oração. Por exemplo, será fácil
para o estudante identificar as relações de especificador/adjunto e núcleo
do complemento no SN complemento de V [o livro], o qual se amplia
pelo adjunto [de sintaxe], que também se presta para a análise da relação
forma/função como núcleo do adjunto (assumindo que preposições não
desempenham funções sintáticas).
Do mesmo modo, a noção de predicado poderá ser relacionada à
identificação do SV de uma estrutura frasal, o que dispensará o recurso a
definições extrassintáticas como “aquilo que se declara sobre o sujeito”.
A identificação, por exemplo, numa árvore sintática, da categoria mor-

84
Funções sintáticas

fossintática do núcleo predicado (V, N, A ou P), também tornará mais


evidente a motivação para os subtipos de predicado. Em suma, o estudo
da sintaxe conduzido de uma maneira científica, em que se respeitem o
princípio da parcimônia e a ordenação didática entre fenômenos primiti­
vos (estrutura sintagmática) e derivados (função sintática), poderá tomar,
na escola, o aprendizado da teoria sintática uma atividade muito mais
racional e agradável aos estudantes.
Esperamos que o capítulo tenha aberto a mente do leitor sobre a
possibilidade de prosseguir com seus estudos sintáticos de base formal
e descritiva. A seguir, deixamos algumas sugestões de leituras comple­
mentares que o leitor pode fazer para se aprofundar nos temas aborda­
dos no capítulo.

Leituras complementares
Para se aprofundar na análise sintática dos termos da oração, nada
melhor do que ler e se familiarizar com uma boa gramática. Entre as gra­
máticas mais “tradicionais”, o leitor pode consultar, por exemplo, as gra­
máticas de Celso Pedro Luft, Evanildo Bechara, Rocha Lima ou Celso
Cunha e Lindley Cintra.
Entre as gramáticas mais modernas, há boas opções no mercado edi­
torial brasileiro, como Azeredo (2008), Castilho (2010), Bagno (2011),
Hauy (2014) e Perini (2016). Acreditamos que todo estudante de Letras ou
de Linguística deveria ler integralmente pelo menos uma gramática norma­
tiva tradicional e uma gramática mais moderna. Faça esse exercício depois
de terminar a leitura deste livro.
Sobre a NGB e os estudos gramaticais brasileiros, recomendamos
Henriques (2009) e Kenedy (2010). Sobre temas específicos tratados no
capítulo, recomendamos as leituras sugeridas dentro das caixas explicati­
vas ao longo do capítulo.

85
PARA CONHECER Sintaxe

Exercícios

1. O que é a NGB? Quando e por que ela foi criada?

2. Efetue a análise sintática das seguintes frases, identificando a função


sintática dos agrupamentos destacados por colchetes:
a. [Derrubaram] [o muro] [ontem à noite].
b. [Por quem] foram examinados [aqueles candidatos [ao mestrado]]?
c. [Quem não chora] [não mama].
d. [Muitos dos meus amigos] [moram [em Porto Alegre]].
e. [O João] [é [um cara [que não bebe]]].
f. [Não [me] agrada] [lembrar [o passado]].
g. [O avô [do Pedro]] [contou [a seus netos] [suas peripécias de criança]].
h. [O medo [de avião] [do João]] [[me] deixa [irritado]].

3. Nas frases a seguir, diga se os termos destacados são predicados verbais


ou verbo-nominais (ou se ambas as leituras são possíveis). Utilize os
testes de pronominalização e clivagem para corroborar suas escolhas.
a. A Maria bebeu o café gelado.
b. O Pedro chamou o João de idiota.
c. Eu quero este carro velozl

4. Comente o seguinte trecho de Perini (1985: 6):

As falhas da Gramática Tradicional são, em geral, resumidas em três


grandes pontos: sua inconsistência teórica e falta de coerência interna;
seu caráter predominantemente normativo; e o enfoque centrado em
uma variedade da língua, o dialeto padrão (escrito), com exclusão de
todas as outras variantes.

86
ARTICULAÇÃO ENTRE ORAÇÕES

Objetivos gerais do capítulo


O Noção de oração - caracterizaremos “oração” como um nível de análise
em Sintaxe e descreveremos as diferentes formas de um período com­
posto por pelo menos duas orações;
O Tipos de articulação entre orações - analisaremos orações articuladas
por “encaixamento”, por “hipotaxe” e por “parataxe”;
O Casos complexos - abordaremos fenômenos limítrofes entre as tra­
dicionais categorias de “subordinação” e “coordenação”, bem como
daremos atenção especial aos casos dos períodos mistos, das orações
correlatas e das orações desgarradas.

É importante lembrar que a leitura deste capítulo pressupõe o domínio dos


conceitos explorados nos capítulos anteriores deste livro.

87
PARA CONHECER Sintaxe

1. MÚLTIPLAS ORAÇÕES NO PERÍODO

A principal propriedade da linguagem humana é a sua produtivi­


dade. Qualquer língua natural, seja aquela de tradição letrada milenar
ou a ágrafa de povos caçadores-coletores, é capaz de expressar todos
os tipos de conceitos e proposições que tomam forma em nossos pen­
samentos. Não há limite para o que podemos dizer ou compreender
quando dominamos uma língua específica, como o português, a Libras
ou o pirahã. É isso o que os linguistas querem significar com o termo
“produtividade”. Tal propriedade distingue a espécie humana de todo
o restante da natureza conhecida, porque os sistemas de comunicação
mais complexos encontrados entre os animais cognitivamente mais so­
fisticados - como macacos vervet e golfinhos - não são produtivos,
isto é, tais sistemas de comunicação permitem a veiculação de apenas
um número muito limitado de expressões, como a indicação de perigo
ou de fonte de alimento. Ocorre que, na verdade, a produtividade é
consequência de uma característica mais básica das línguas humanas:
a articulação. As diferentes articulações da linguagem haviam sido
apontadas já no final dos anos 1950 pelo célebre linguista francês An­
dré Martinet (cf. Martinet, 1970 [1960]). Mas o que é “articulação” e
como ela se dá entre unidades linguísticas?
Em todos os seus níveis estruturais, uma língua natural é composta
por unidades básicas que se articulam entre si para dar origem a unidades
mais complexas em uma camada estruturalmente superior. Por exemplo,
na fonologia, fonemas se articulam de forma a construir sílabas. As síla­
bas, por sua vez, são articuladas no nível linguístico imediatamente supe­
rior a morfologia - de modo a dar à luz unidades significativas, os mor-
femas. Por seu turno, morfemas se articulam entre si e geram unidades
superiores as palavras no nível lexical. A articulação entre unidades
linguísticas não se esgota com a estruturação do léxico. Como estudamos
no primeiro capítulo, as palavras deixam o nível lexical e adentram no
mvel sintático quando se articulam e compõem um sintagma, o qual,
uma vez constituído, pode se combinar com outro, a fim de estruturar um
novo e mais complexo sintagma.

88
Articulação entre orações

Nem sempre uma unidade de nível estruturalmente superior é formada por


duas unidades de um nível mais básico. Com efeito, há fonemas, como as
vogais em português, que podem compor uma sílaba por si mesmos, sem
a obrigatoriedade de articulação com outro (ex. a-mor). Também há casos
em que um fonema coincide com a noção de morfema, mas não com a de
sílaba (ex. livro-s). Além disso, uma sílaba pode coincidir com a noção de
morfema e de item lexical (ex. mar) - para saber mais a esse respeito, veja
os volumes Para conhecer morfologia e Para conhecer fonética e fonolo-
gia do português brasileiro, desta coleção.
Um sintagma, da mesma forma, pode ser composto por apenas um item
lexical (ex. casas), bem como uma sentença inteira pode ser articulada por
somente uma palavra foneticamente realizada, num predicado com sujeito
nulo (ex. 0 choveu), como discutimos nos capítulos anteriores.
Os parágrafos de introdução deste capítulo apresentam, portanto, uma sim­
plificação didática.

Ainda no nível da sintaxe, vimos, no capítulo anterior, que um SV


(predicado) se articula a um SN (sujeito) numa estrutura de predicação
particularmente importante para a análise linguística: a oração. Ora, até
o presente momento, vínhamos dando ênfase às estruturas sintáticas do
chamado período simples, no âmbito do qual a noção de oração coincide
com a de frase - ou seja, analisamos, até aqui, exemplos em que uma
frase é composta por uma e somente uma oração. Pois bem, é hora de
estendermos a complexidade de nossa análise aos diferentes tipos de pe­
ríodo composto. Neles, duas ou mais orações, cada qual com sua própria
predicação entre SV (predicado) e SN (sujeito), são articuladas entre si
na estruturação de uma frase.
A articulação entre orações na composição do período é o nível mais
complexo da análise sintática. Acima do limite da sentença, a articulação
entre unidades linguísticas atinge o nível máximo da complexidade de uma
língua natural e dá origem ao fenômeno do discurso. Note, no esquema
a seguir, como as unidades mais básicas (à esquerda) se articulam e vão
dando origem a estruturas mais complexas (à direita).

FONEMA > SÍLABA > MORFEMA > PALAVRA > SINTAGMA >
ORAÇÃO > FRASE > DISCURSO

89
PARA CONHECER Sintaxe

Você certamente já estudou o tema da articulação entre orações duran­


te os anos de sua formação na educação básica. Infelizmente, por conta de
nossa tradição gramatical normativa, é provável que tenha aprendido noções
simplificadas e descritivamente inadequadas acerca do chamado período
composto”. Por exemplo, nossas gramáticas tradicionais reduzem o fenô­
meno da articulação de orações à dicotomia “subordinação versus coor­
denação” e, por isso, você deve ter sido levado a acreditar que identificar e
classificar orações subordinadas ou coordenadas era tudo o que se podia co­
nhecer sobre o assunto. Na realidade, o encaixamento entre orações (nome­
ado tradicionalmente como “subordinação”) ou a justaposição entre elas (a
chamada “coordenação”) representam apenas os extremos de um continuum
de relações sintáticas em que diversos tipos de articulação oracional podem
acontecer numa língua. Vejamos, nas seções que seguem, casos dessa rique­
za estrutural nem sempre adequadamente explorada por estudos de natureza
normativa, a começar pelo encaixamento entre as orações.

2. ENCAIXAMENTO

O encaixamento entre orações ocorre quando uma dada oração é um


constituinte de outra. Ou seja, uma oração encaixada é parte da estru­
tura sintática daquela na qual se insere, chamada oração matriz. A ora­
ção encaixada desempenha uma função sintática com relação ao verbo
da oração matriz. Vejamos, num exemplo, como esse tipo de articulação
oracional se dá.

0) [matriz Aquele sociólogo disse [ENCAIXADA que a elite detestava o povo


pobre]].

Em (1), existem duas predicações mediadas por verbo:

(Ia) [aquele sociólogo], que é o sujeito, e [disse que a elite detestava


o povo pobre], que é o predicado;
(2 ) [a elite], que é o sujeito, e [detestava o povo pobre], que é o pre­
dicado.

Ora, como cada predicação veiculada por um SV caracteriza uma


oração, logo estamos diante de duas orações articuladas entre si, numa

90
Articulação entre orações

mesma frase. O interessante, nessa estrutura sintática, é o fato de a se­


gunda predicação acontecer no interior da primeira. Com efeito, a ora­
ção encaixada [que a elite detestava o povo pobre] é o complemento do
núcleo do SV (um objeto direto oracional, portanto) da oração matriz
[aquele sociólogo disse...]. E justamente a seleção de um constituinte em
forma de oração - e não de um simples sintagma, como um SN - aquilo
que confere mais complexidade estrutural ao período composto por en-
caixamento. Vemos, em (2a) a seguir, um SN encaixado complemento
de V, numa ilustração de um período simples. Compare esse encaixe de
sintagma com o de uma oração, tal como o que se vê em (2b) - uma re­
presentação sintagmática mais detalhada do exemplo (1).

(2) a. [0RAÇÂ0 [SN Aquele sociólogo [sv disse [SN uma verdade incômo­
da]]]].
b- [oração matriz [sn Aquele sociólogo [sv disse [ORAção encaixada 9ue
[SNa elite [sv detestava [SNo povo pobre]]]]]]].

Como exercício, sugerimos que você represente a estrutura arbórea dessas


duas frases, tal como esboçamos anteriormente com os colchetes rotulados.
Se for preciso, retome aos capítulos anteriores para lembrar-se como fazê-lo.

No fenômeno da articulação entre orações, um encaixamento sintático


acontece, portanto, quando uma oração integra a estrutura sintagmá­
tica de outra. Dizendo de outra maneira, orações encaixadas inserem-se
no domínio de uma oração matriz na condição de um de seus constituintes,
seja como complemento, seja como especificador, seja como adjunto. E,
por isso, a oração encaixada desempenha uma função sintática (de sujei­
to, complemento verbal etc.) com relação à oração matriz em cuja estrutura
se encontra encaixada. Aliás, é essa assimetria estrutural entre as duas (ou
mais) orações articuladas num período que gramáticos de orientação nor­
mativa tradicional tentam capturar com os termos oração subordinada (a
encaixada) e oração principal (a matriz).
Você já deve ter lido algumas vezes a afirmação tradicional se­
gundo a qual uma oração subordinada é sempre “dependente” de sua
principal. De um ponto de vista estritamente sintático, tal afirmativa
não deve ser considerada incorreta - afinal, como acabamos de ver,

91
PARA CONHECER Sintaxe

uma encaixada é mesmo um constituinte da oração matriz, sendo-lhe,


assim, dependente/subordinada em termos sintático-estruturais. No en­
tanto, alguns gramáticos, ao empregarem a noção de “dependência”,
muitas vezes confundem análise sintática com análise semântico-
discursiva. Uma oração “principal”, diríam eles, manifestaria o conteú­
do semântico (ou proposicional) “mais importante” da frase, enquanto
a “subordinada” veicularia “significados dependentes” daquele expres­
so na oração principal (cf. Bechara, 2005: 113, por exemplo). Ora, isso
nem sempre é verdadeiro. É possível que uma dada informação seja
considerada a informação “mais importante” em termos discursivos e,
ao mesmo tempo, esteja codificada sintaticamente numa oração encai­
xada. Num exemplo extremo, notemos que, na frase “aquele que mor­
reu foi aquele que esteve aqui ontem”, a oração matriz é a seguinte:
[aquele... foi aquele...]. Isso mesmo! Essa é a oração matriz, que conta
com duas outras orações subordinadas: [que morreu] e [que esteve aqui
■ontem]. Repare como não faz sentido imaginarmos que o “conteúdo
/principal” dessa frase esteja na oração matriz ([aquele... foi aquele...]),
uma vez que o conteúdo informacional da sentença se encontra, de fato,
nas duas subordinadas ([que morreu] e [que esteve aqui ontem]). Aqui,
obviamente, ilustramos o ponto com um caso extremo, mas vários ou­
tros exemplos podem ser verificados diariamente em produções espon­
tâneas pelos falantes da língua. As lições que devemos depreender aqui
são as seguintes: (i) devemos evitar, ao máximo possível, fazer uso de
explicações semânticas na descrição de fenômenos sintáticos; e (ii) não
podemos afirmar que uma oração subordinada é dependente de uma
oração matriz em termos semântico-discursivos (essa dependência se
dá apenas no nível da estrutura sintática).
Por conseguinte, para analisarmos a articulação entre orações, pa­
rece-nos mais acertado empregar somente termos descritivos da própria
sintaxe, abandonando as tradicionais explicações de natureza semântico-
discursiva dos gramáticos normativos. Sendo assim, poderiamos dizer,
acerca do referido exemplo, que [aquele... foi aquele...] é a oração matriz
dentro da qual as oi ações [que morreu] e [que esteve aqui ontem] estão en­
caixadas, respectivamente, como adjuntos dos SNs [aquele] e [aquele] -

92
Articulação entre orações

veremos detalhes sobre esse tipo de encaixamento em SN mais adiante,


ainda nesta seção. Ao agir desse modo, isto é, ao usarmos apenas a meta-
linguagem da Sintaxe no estudo de fenômenos sintáticos, estaríamos, de
um lado, conferindo maior adequação descritiva a nosso trabalho como
linguistas e, de outro, estaríamos sendo didaticamente mais precisos em
nosso trabalho como professores.
Um único período pode conter em si mais de uma oração encaixa­
da. Você deve se lembrar da noção de recursividade, que estudamos an­
teriormente. Em relação aos encaixamentos oracionais, a recursividade
nos indica que podemos ter, numa mesma frase, sucessivos encaixes
de uma oração em outra, isto é, podemos ter, num período, uma oração
encaixada dentro de outra oração encaixada (dentro de outra oração en­
caixada dentro de outra oração encaixada... numa sucessão de encaixes
teoricamente ilimitada).

(3) [matriz 0 funcionário afirmou [ENCAIXADA que seu chefe disse [ENCA1XA.
DA que a aposentadoria será extinta]]].

Nesse exemplo, encontramos três orações, ou seja, três estruturas de


predicação mediadas por um SV:

(Ia) [O funcionário], que é o sujeito, e [afirmou que seu chefe disse


que a aposentadoria será extinta], que é o predicado;
(2a) [seu chefe], que é sujeito, e [disse que a aposentadoria será extin­
ta], que é o predicado;
(3a) [a aposentadoria], que é o sujeito, e [será extinta], que é o pre­
dicado.

Como exercício, faça a estrutura em árvore da frase em (3).


#ficaadica: você vai precisar de um espaço bem grande na folha de papel.

Você deve perceber que a oração matriz é a primeira, dentro da qual a


segunda está imediatamente encaixada como complemento do verbo afir­
mar, ao passo que é no domínio da segunda oração que se encaixa a tercei­
ra, o complemento do verbo dizer.

93
PARA CONHECER Sintaxe

Você conseguiria criar uma frase com quatro e outra com cinco orações
encaixadas? E com seis ou sete? Qual é o limite de encaixadas que você
consegue compreender?

O encaixamento de orações na articulação de um período pode dar-se


em diversas posições sintáticas da oração matriz. Nos exemplos anteriores,
as orações subordinadas se encaixam na matriz como complemento de V,
na função de objeto direto. A seguir, ilustramos o caso de encaixamento
como objeto indireto em (4a), como complemento nominal em (4b), como
predicativo do sujeito (4c) e como sujeito em (4d). Repare como todas es­
sas orações encaixadas podem desempenhar as mesmas funções sintáticas
que já estudamos no capítulo anterior - e que eram desempenhadas por
sintagmas como o SN, o SA e o SP.

(4) a. [Aquele político não gosta [de que o chamem de conservador]].


b. [O povo tem consciência [de que o Brasil é um país muito desi­
gual]].
c. [Meu maior desejo é [que as coisas mudem para melhor]].
d. [Que haja justiça [é sempre desejável]].

Em (4a), a encaixada foi selecionada como complemento do verbo


transitivo indireto gostar. É por isso que a oração [que o chamem de con­
servador] é encaixada na matriz [aquele político não gosta...] por entre­
meio da preposição [de] regida por V. Trata-se, assim, de um objeto indire­
to oracional. Já em (4b), a oração encaixada [que o Brasil é um país muito
desigual] também foi selecionada como complemento de um núcleo pre­
sente na oração matriz. Desta vez, o núcleo selecionador é uma categoria
não verbal, o nome substantivo consciência e, por isso, temos o caso de um
complemento não verbal ou, em termos tradicionais, um complemento no­
minal. Note que aqui, mais uma vez, uma oração se encaixa na matriz por
intermédio de uma preposição (de), mas não se trata de um objeto indireto
porque a preposição, no caso, é regida pela categoria N — e não V. Vemos,
dessa forma, o caso de um complemento nominal oracional.

94
Articulação entre orações

Na fala espontânea e nos registros menos formais da escrita, é comum que


preposições articuladoras de orações sejam omitidas: ex. [aquele político
não gosta que o chamem de conservador], [o povo tem consciência que o
Brasil é um país muito desigual]. No entanto, a omissão da preposição não
altera o status sintático da oração encaixada.

Na frase ilustrada em (4c), o sujeito [meu maior desejo...] toma como


predicativo uma oração inteira: [que as coisas mudem para melhor], fato
que caracteriza a ocorrência de um predicativo oracional. Por último, na
frase em (4d) encontramos o caso de um sujeito oracional. A oração [que
haja justiça] é encaixada, em sua matriz, na posição de sujeito do predica­
tivo SA presente no domínio SV nucleado por um verbo copulativo: [[que
haja justiça] [sv é [SA desejável]].

SUJEITO ORACIONAL OU ORAÇÕES COMPLETIVAS?


Quando anteposto ao predicado, um constituinte oracional como [que
haja justiça], [que ele seja candidato], [que todos façam a sua parte] etc.
assume, de fato, as feições de um sujeito oracional. Vemos isso nas frases
que se seguem:
[que haja justiça é sempre desejável]
[que ele seja candidato é improvável]
[que todos façam a sua parte é necessário]
Entretanto, em extraposição, isto é, quando localizadas ao fim da frase,
tais orações encaixadas se assemelham mais intuitivamente a complemen­
tos nominais, tal como se ilustra abaixo:
[é sempre desejável que haja justiça]
[é improvável que ele seja candidato]
[é necessário que todos façam a sua parte]

95
PARA CONHECER Sintaxe

K Nesse caso, em português, para que essas encaixadas possam ser analisadas
K como complemento de A (o adjetivo), o sujeito na respectiva oração matriz
deverá ser analisado como um expletivo nulo (0), à semelhança do que ocor­
re, em inglês, com pronomes expletivos foneticamente realizados, tal como
em [jt is important to take care of the elders] - traduzível como [0 é impor­
tante que cuidemos dos idosos]. Nessa frase, [it] é o sujeito expletivo do pre­
dicado [is important to take care of the elders], enquanto [to take care of the
elders] é complemento do núcleo A [important]. Logo, em português, parece
possível assumir uma análise semelhante, em que o sujeito de [é importante
que cuidemos dos idosos] seja o expletivo nulo [0], ao passo que [que cuide­
mos dos idosos] seria encaixado como complemento nominal oracional - e
não como o próprio sujeito da oração matriz, conforme a seguir.
[0 é sempre desejável que haja justiça]
[0 é improvável que ele seja candidato]
[0 é necessário que todos façam a sua parte]
Essa análise se tornaria ainda mais coerente quando fizéssemos a oposição
entre pares de sentença como [que haja justiça é [o desejável]] versus [que
haja justiça é [desejável]]. Nesses casos, gramáticos tradicionais afirmam
que [o desejável] deve ser o sujeito da oração matriz, por se tratar de um
SN, enquanto [desejável] seria o predicado da matriz, já que se trata de um
SA. Ora, vimos, no capítulo anterior, que diversos tipos de sintagma podem
desempenhar a função de predicativo, inclusive um SN. É por essa razão
que uma análise não tradicional desses períodos pode ganhar em adequação
descritiva ao assumir que tanto [o desejável] quanto [desejável] sejam am­
bos predicativos de um sujeito expletivo 0.

Você deve ter percebido que, em todos os exemplos até aqui apresen­
tados, ilustramos casos de orações encaixadas ou como complemento (ob­
jeto direto, objeto indireto, complemento nominal) ou como especificador
(sujeito, predicativo) de um núcleo lexical presente na matriz. Orações en­
caixadas como complementos ou como especificadores são denominadas
tradicionalmente de orações substantivas. Com esse termo, o que se quer
dizer é que tais orações encaixadas são selecionadas como argumento de
um núcleo N, V ou A existente no domínio da matriz.
Um tipo diferente de encaixamento entre orações ocorre quando a
subordinada é encaixada como adjunto de um SN localizado no interior
da oração matriz. Orações adjungidas a SN são denominadas orações rela­

96
Articulação entre orações

tivas ou, mais tradicionalmente, orações adjetivas restritivas. Em língua


portuguesa, uma oração relativa sempre se encaixa à direita do SN ao qual
impõe uma modificação adnominal. É isso o que vemos a seguir.

(5) Ímatriz [sn ® livro [encaixada que o professor indicou] é mesmo muito
interessante]].

O SN [o livro] é o sujeito da oração matriz cujo predicado é [é mesmo


muito interessante]. No domínio desse SN, a oração relativa [que o professor
indicou] foi encaixada como adjunto. Note que o N “livro” não possui a pro­
priedade de selecionar argumentos, logo a ele não seria relacionada uma oração
substantiva (como uma completiva nominal). É por essa razão que as encaixa­
das relativas se caracterizam como adjuntos e não como argumentos oracionais.

Repare que essa discussão não deixa de ser um reflexo da que apresentamos
no capítulo anterior, quando estudamos as funções sintáticas. A diferença
aqui é que as funções sintáticas são desempenhadas por orações e não por
sintagmas simples.

Uma relativa, em português, pode ser encaixada em um SN que se en­


contre em qualquer posição sintática no interior da oração matriz. Em (5),
a oração foi encaixada em um SN que desempenha a função de sujeito na
oração matriz. Já em (6) a seguir, a relativa se encaixa num SN em posição
de objeto direto na matriz.

(6) Ímatriz Os alunos leram Ísn os textos [encaixada 9ue 0 professor reco-
mendou]]].

Relativas como aquela no exemplo (5) ilustram um encaixamento cen­


tral. Nesses casos, a encaixada se insere no meio de sua oração matriz, di­
vidindo-a em duas partes descontínuas, conforme se vê no exemplo [o livro
[...] é mesmo muito interessante]. Já em (6), temos um caso de encaixamen­
to final: a relativa se posicionada à direita da oração matriz, adjungindo-se a
um SN posicionado ao seu fim. Essa distinção entre encaixe central ou final
de uma relativa é relevante para os casos de encaixamentos recursivos. Note,
a seguir, que múltiplos encaixamentos finais de uma relativa não provocam
dificuldade na compreensão das frases, tal como se ilustra no célebre poema
de Carlos Drummond de Andrade, citado parcialmente em (7a).

97
PARA CONHECER Sintaxe

(7) a' [MATRIZ j0ã0 amaVa tSN TereSa CeNCA.XAOA qUe amaVa [SN Ra>mUn-

d0 [encaixada que amava [SN Maria [encaixada clue amava Ísn Joa-
Quim [encaixada Que amava [SN Lili [encaixada Que nã0 amava nin-

guém]]]]]]]]]]].

Como exercício, faça a estrutura em árvore dessa frase.


#ficaadica: você vai precisar de um espaço bem grande na folha de papel.

Por contraste, relativas de encaixe recursivo central impõem dificulda­


des de interpretação já no segundo encaixe, como acontece em (7b), e tor­
nam-se praticamente ininterpretáveis do terceiro encaixe em diante - como
é o caso de (7c). Essa dificuldade de compreensão decorre das limitações da
memória humana, que enfrenta problemas no processamento psicolinguísti-
co das estruturas descontínuas produzidas por múltiplos encaixes centrais,
muito embora relativas como (7b) e (7c) sejam perfeitamente gramaticais.
Não é por outra razão que relativas de encaixe central recursivo são raras na
produção linguística espontânea.

(7) b- [matriz Un rat0 [encaixada 9Ue [sN 0 [encaixada Que [sN 0 ca“
chorro espantou] perseguia]]] fugiu]].
c- [matriz [sn 0 rat0 [encaixada que [SN 0 gat0 [encaixada que [SN 0 cachorro
[encaixada que [SN 0 menino espantou] mordeu] perseguia]]]] fugiu]].

Para facilitar a sua leitura, eis aqui as mesmas frases sem os colchetes eti­
quetados.
(7b) O rato que o gato que o cachorro espantou perseguia fugiu.
(7c)O rato que o gato que o cachorro que o menino espantou mordeu per­
seguia fugiu.
E para facilitar a compreensão dessas frases, visualize-as assim:
(7b) O rato fugiu.
que o gato perseguia
que o cachorro espantou
(7c) O rato fugiu.
que o gato perseguia
que o cachorro mordeu
que o menino espantou

98
Articulação entre orações

Em (7a), a predicação entre o sujeito [João] e o predicado [amava


Tereza] é saturada localmente na oração matriz. Já em (7b) e (7c), a
saturação ocorre à longa distância, pois, no primeiro caso, o sujeito da
matriz [o rato] está separado de seu predicado [fugiu] por duas orações
encaixadas, enquanto, no segundo caso, três relativas separam o sujeito
e o predicado da oração matriz — além disso, a predicação existente den­
tro das próprias relativas de encaixe central não se satura localmente,
visto que [o gato] e [perseguia], em (7b), e [o cachorro] e [mordeu], em
(7c), encontram-se descontínuos em virtude do encaixamento de outras
orações relativas centrais que os separam — tal como tentamos mostrar
visualmente no box anterior.

DISTÂNCIA LINEAR VERSUS DISTÂNCIA ESTRUTURAL


As orações com encaixamento central podem ilustrar bem o ponto en­
tre distância linear e distância estrutural. O caráter linear do signo lin­
guístico (cf. Saussure, 1997 [1916]) é uma contingência natural, dadas
as limitações do nosso aparelho fonador e auditivo: temos de emitir sons
numa sequência linear, item por item, formando uma cadeia, tal como
mostramos na escala que começou com os fonemas e foi até o discurso,
no início deste capítulo.
O processamento sintático, contudo, não trabalha (apenas) com a noção de
linearidade, mas, antes, com a noção de estrutura. É como diz uma máxima
muito conhecida entre sintaticistas experimentais (ver próximo capítulo):
falamos linearmente, mas interpretamos incrementalmente.
Repare como uma frase com duas orações encaixadas por encaixamento
central, como (1), é muito mais difícil de ser interpretada do que uma frase
muito mais longa que tem apenas um encaixamento desse tipo, como (2):
(1)0 rato que o gato que o cachorro espantou perseguia fugiu.
(2) O rato que meu amigo tinha comprado numa feira de animais domésti­
cos peculiares no centro de Porto Alegre fugiu.
Em (1), o núcleo do SN sujeito [rato] está linearmente muito mais próximo
de seu verbo [fugiu] do que em (2) — em (1) há 8 palavras entre [rato] e
[fugiu], ao passo que, em (2), há 15 palavras. Contudo, a frase (2) é muito
mais facilmente interpretada. Isso acontece porque (2) é estruturalmente mais
simples do que (1), como podemos ver com os colchetes rotulados (faça as
árvores das duas frases para ver isso de modo ainda mais claro).

99
PARA CONHECER Sintaxe

O ’) [MATRIZ [SN 0 rat° UaIXADA iSN ° g3t° ^CA.XADA lSN ° “C’10™

espantou] perseguia]]] fugiu]].


Í2’) í F O rato F que meu amigo tinha comprado numa feira
ALmATRIZ l-SN V IdLU tENCAIXADA . r» 5, n r • i
de animais domésticos peculiares no centro de Porto Alegre]] fugiu].
Uma boa discussão sobre o assunto aparece no documentário francês bas­
tante peculiar de Michel Gondry sobre Noam Chomsky, Is the Man Who Is
TallHappy?, de 2013.

Por fim, as orações relativas podem ser encaixadas em SNs nulos, isto
é, SNs presentes na oração matriz que não manifestam nenhum conteúdo
fonético (um conjunto vazio). Vemos isso em (8) a seguir.

(8) [matriz AQuela pessoa só namora [SN 0 [ENCAIXADA quem não presta]]].

Orações encaixadas em SNs nulos são chamadas de relativas livres


ou relativas sem núcleo. Note que, no exemplo anterior, a relativa [quem
não presta] não está contígua a nenhum SN visível. Nessa relativa livre,
não se pode utilizar o item [que], pois isso provocaria agramaticalidade
na frase - conforme se atesta em (9a). A utilização do [que], no lugar de
[quem], em casos assim forçaria a ocorrência de uma relativa com SN ex­
plícito, tal como se dá em (9b).
910
(*8 ) a‘ ^MATRIZ AClUClíl PeSS0£l SÓ nam°ra [SN 0 [ENCA1XADA Q1'® 1130 PrCSta]]].

b- [matriz Acluela Pessoa só namora [SN gente [ENCAIXADA que não presta]]].

Constituintes como [o], [a], [aquele], [aquela] e seus respectivos


plurais podem figurar, no interior de um SN, como especificadores de N,
como acontece em (9) e nos exemplos anteriores. Além disso, é também
possível que esses itens configurem um SN unitário, assumindo, eles pró­
prios, a posição do núcleo N. É isso o que se ilustra a seguir.

(10) a- [matriz Ísn 0 [encaixada Que você disse] nao está correto]].
b’ [matriz [SN Aquele [ENCA1XADA que morreu] foi [SN aquele [ENCAIXADA
que esteve aqui ontem]]]].

Em (10a), [o] é o núcleo do sujeito do predicado [não está correto]


da oração matriz. Esse SN é modificado pelo encaixamento da relativa
[que você disse]. Na frase (10b), por usa vez, representamos um exem-

100
Articulação entre orações

plo anteriormente citado: uma oração matriz composta pelo sujeito SN


[aquele] e pelo predicado [foi aquele]. Nessa frase, ambos os SNs são
compostos por seu núcleo pronominal e sofrem o encaixamento de uma
oração relativa. Tais casos, portanto, não configuram exemplos de rela­
tivas livres, já que neles o respectivo SN na oração matriz não é vazio,
mas, sim, constituído por um núcleo pronominal demonstrativo — os pro­
nomes o, aquele ou suas flexões.

QUESTÕES DE NOMENCLATURA - II
Frase nominal: frase sem verbo.
Frase verbal: frase com pelo menos um SV.
Oração: predicação entre um SV (predicado) e um SN (sujeito).
Período simples: frase verbal com somente uma oração.
Período composto: frase verbal com mais de uma oração.
Período: sinônimo de frase verbal.
Sentença: sinônimo de frase verbal.
Cláusula: sinônimo de oração.
Orações substantivas: orações encaixadas como argumento.
Orações adjetivas: orações encaixadas como adjuntos de SN.
Orações adverbiais: orações hipotáticas com função de adjunto adverbial.
Orações adjetivas explicativas: orações hipotáticas com função de aposto
a um SN.
Orações coordenadas: orações paratáticas.

2.1 Conectivos subordinativos


Na articulação entre uma oração encaixada e a sua respectiva ma­
triz, é comum que um conectivo demarque a posição sintática em que
o encaixamento entre ambas as orações acontece. Por exemplo, a cone­
xão entre uma substantiva e a sua matriz pode ser explicitada por um
complementador (também chamado complementizador), que se rea­
liza como o conectivo que ou o se, a depender da força ilocucionária
da oração encaixada — se declarativa, como em (1 la), ou interrogativa,
como em (11b).
(11) a. O cidadão disse [que o povo votará nos melhores candidatos].
b. O cidadão perguntou [se o povo votará nos melhores candidatos].

101
PARA CONHECER Sintaxe

Repare como as frases em (11) ficariam malformadas se usássemos os co-


nectivos de maneira inversa:
(11 ’) a. *0 cidadão disse [se o povo votará nos melhores candidatos],
b. *0 cidadão perguntou [que o povo votará nos melhores candidatos],
Isso quer dizer que usamos o complementador que em frases declarativas e
o se em interrogativas, diretas ou indiretas. Veja o contraste entre estas duas
frases: A Maria perguntou se o João estava em casa x *A Maria perguntou
que o João estava em casa.

Já nas orações relativas, o conectivo que liga a encaixada à matriz


é um pronome relativo. Esse conectivo pode ser realizado de diferentes
formas, tais como que, o qual (e flexões, os quais, a qual, as quais), quem,
onde ou cujo. Vejamos, a seguir, exemplos de cada um desses empregos.

(12) a. Os alunos assistiram a[SN o filme [que ganhou prêmios interna­


cionais]].
b. Todos leram [SN o livro [do qual os conservadores sempre falam
mal]].
c. [SN A professora [com quem estudei Sintaxe]] era muito compe­
tente.
d. Meu pai foi visitar [SN a cidade [onde ele nasceu]].
e. O povo votou n[SN o candidato [cujo partido havia se destacado]].

Nas frases em (11) e (12), um conectivo delimita obrigatoriamente a


fronteira entre a oração matriz e a encaixada. A ausência do complementa­
dor, nas substantivas, e do pronome, nas relativas, provoca a agramaticali-
dade da frase, conforme verificamos nas sentenças em (13).

(13) a. *0 cidadão disse [o povo votará nos melhores candidatos],


b. *0 cidadão perguntou [o povo votará nos melhores candidatos].
c. *0s alunos assistiram a[SN o filme [ganhou prêmios internacio­
nais]].
d. *Todos leram [SN o livro [de os conservadores sempre falam mal]].
e. *[SN A professora [com estudei Sintaxe]] era muito competente.
f. *Meu pai foi visitar [SN a cidade [ele nasceu]].
g. *0 povo votou n[SN o candidato [partido havia se destacado]].

102
Articulação entre orações

ORAÇÕES DESENVOLVIDAS
Quando uma oração encaixada é introduzida por um conectivo qualquer,
uma correlação morfossintática interessante acontece: o verbo da oração
subordinada será flexionado em alguma forma finita. Ou seja, quando
substantivas e relativas são ligadas à matriz por meio de um conectivo,
o verbo da encaixada assumirá marcas específicas de tempo, modo, as­
pecto, número e pessoa. Orações subordinadas que apresentem verbos
flexionados plenos são tradicionalmente classificadas como orações de­
senvolvidas. Por contraste, as orações que se encaixam diretamente na
matriz, sem qualquer conectivo explícito, não apresentam verbos desen­
volvidos - são os casos das orações reduzidas, que analisaremos mais à
frente neste capítulo.

Conectivos subordinativos são, em vista desses exemplos, verdadeiros


elos coesivos utilizados na articulação do período composto. Mas quais se­
riam as diferenças existentes entre complementadores e pronomes relativos?
Complementadores são simples introdutores de oração substantiva.
Eles não desempenham qualquer outro papel estrutural no interior da ora­
ção matriz ou da oração encaixada. Sua única função na articulação entre
orações é demarcar a fronteira entre a matriz e a encaixada. Observe a
estrutura sintagmática da encaixada substantiva que se segue e você verá
que todas as posições sintáticas, em toda a extensão do período, estão pre­
enchidas por algum constituinte e nenhum deles faz qualquer referência ao
complementador [que].
tsujei.0 0 CÍdadã°l [predicado d'SS6 UcAiXADA [sujei,0 O POV0]
(14) [matriz
[predicado votará [objetoindireto nos melhores candidatos]]]].

Por sua vez, pronomes relativos são verdadeiros operadores mor-


fossintáticos na articulação entre orações. Eles estabelecem vínculo gra­
matical explícito entre, de um lado, um SN presente no domínio da oração
matriz e, de outro, uma lacuna - isto é, uma posição sintática não preen­
chida por algum constituinte foneticamente realizado — existente na oração
encaixada. Na frase seguinte, podemos observar que o pronome [que] vin­
cula o SN da oração matriz [o candidato] à lacuna presente na posição de
complemento do verbo [escolheu] da encaixada.

103
PARA CONHECER Sintaxe

(15) Utr.z Lujeí.o 0 candidato [ENCA1XADA flue [sujeil0 o povo [prcdicad0 escolheu
[... lacuna...]]] [prcdicad0 venceu [objelodirel0 as eleições]]]].
Faça um contraste entre as sentenças (14) e (15) e você perceberá que,
na substantiva em (14), não há nenhuma lacuna, enquanto, na relativa em
(15), o objeto direto da encaixada não foi manifestado por nenhum item lexi­
cal. Com efeito, é na posição de complemento de V, no domínio da relativa,
que localizamos uma lacuna. Nessa frase, tal lacuna deve ser associada ao
SN da oração matriz que sofre o encaixamento da relativa, de modo que [o
candidato] seja identificado como o referente do objeto do verbo [escolheu].
Ora, essa associação é levada a cabo justamente pelo pronome relativo [que].

Você deve perceber que a “lacuna” existente numa oração relativa é uma
categoria a ser ligada a um referente na oração matriz. Portanto, não deve
haver confusão entre esse tipo de constituinte e os sintagmas nulos (0)
como sujeitos ou objetos ocultos que ocorrem no período simples e podem
ser empregados em orações substantivas ou em qualquer tipo de sentença
complexa. No exemplo seguinte, o sujeito da encaixada substantiva é nulo
(oculto), portanto não ocorre o tipo de lacuna que descrevemos acerca das
encaixadas relativas. Note que o sujeito da encaixada é correferente ao da
matriz, ou seja, se referem à mesma entidade, daí o pronome “0”, que po­
dería ser normalmente substituído por ele.
[[matriz Cujeito cidadão [prcdicad0 disse [ENCAIXADA çjue [sujciio 0 [predicad0 votará
U.oindire.o nos melhores candidatos],

Na ilustração a seguir, indicamos a maneira pela qual o conectivo


[que] vincula o SN no domínio da matriz à lacuna (representada com um
traço) no interior da oração encaixada.
(16) [SN O candidato [que o povo escolheu ] venceu as eleições].
t 1 1

Os conectivos em orações relativas caracterizam-se, portanto, como


elementos anafóricos, pois retomam um referente já mencionado na frase,
e também como catafóricos, já que se ligam a uma posição posterior no
enunciado. A seguir, apresentamos uma representação abstrata da anáfora
e da catáfora que pronomes relativos simultaneamente produzem na articu­
lação entre orações. Chamamos a sua atenção para o próprio termo “relati­
vo”, que evidencia a natureza relacionai desse tipo de pronome.

104
Articulação entre orações

SN da oração matriz <-> pronome relativo lacuna dentro da encaixada


anáfora catáfora

Na condição de elemento anafórico, um pronome relativo incorpora os


mesmos traços gramaticais manifestados pelo SN da oração matriz ao qual
se refere. Por exemplo, na frase (12b) ilustrada mais anteriormente {Todos
leram o livro do qual os conservadores sempre falam mal), o pronome [o
qual] assume os traços de “gênero” e de “número” (masculino, singular) pre­
sentes no SN [o livro]. Da mesma forma, em (12c), A professora com quem
estudei Sintaxe era muito competente, o pronome [quem] é marcado com o
traço “[+humano]” presente em seu referente [a professora], assim como,
em (12d), o relativo [onde] assume o traço “locativo” manifestado no SN da
matriz [a cidade], Meu paifoi visitar a cidade onde ele nasceu.

Na fala espontânea e na escrita menos formal, o pronome onde é frequente­


mente empregado com valor de relativo locativo figurado - e não de espaço
físico concreto. Por exemplo, a noite onde te conheci, relacionamento onde
só há interesse financeiro, época onde eu era feliz e não sabia. Para saber
mais sobre esse tema, veja Oliveira (1998) e Zilles e Kersch (2015).

Já como elemento catafórico, um pronome relativo vincula seu refe­


rente a uma dada lacuna no domínio da encaixada. Tomando os mesmos
exemplos recém-citados, poderemos ver que, em (12b), a lacuna encontra-se
na posição de objeto indireto: [falam mal do qual]. Em (12c), a relativa en­
cabeçada pelo pronome [quem] faz referência, na encaixada, a uma lacuna
sintática em posição de adjunto adverbial: [estudei Sintaxe com quem]. Nes­
ses exemplos, tanto [o qual] quanto [quem] são precedidos de uma pre­
posição - trata-se das relativas preposicionadas (sobre esse tipo de relativas,
ver o quadro a seguir). Na frase (12d), o relativo [onde] relaciona-se à lacuna
em posição de adjunto adverbial: [ele nasceu onde\. Por fim, na sentença
(12e), O povo votou no candidato cujo partido havia se destacado, o prono­
me [cujo] alude, na relativa, à lacuna em posição de adjunto adnominal (par­
tido cujo, isto é, partido dele, seu partido). Ora, como um pronome relativo é
um agente duplo, anáfora e catáfora nele se unem, de modo que os falantes do
português, em relação aos exemplos citados, sempre interpretarão (12b) como
falam mal do [livro], (12c) como estudei com [aprofessora], (12d) como nas­
ceu na [cidade] e (12e) como o partido [do candidato].

105
PARA CONHECER Sintaxe

COMO REALMENTE FALAMOS:


RELATIVAS FORA DO PADRÃO NORMATIVO
Na fala espontânea do português brasileiro, é comum que, na articulação de
orações relativas preposicionadas, um elemento P seja omitido e o introdu-
tor da encaixada seja o conectivo que:
A professora que eu estudei Sintaxe era muito competente.
Todos leram o livro que os conservadores falam mal.
Essas relativas, em decorrência do corte da preposição, são denominadas
relativas cortadoras.
Por sua vez, exceto na escrita e na fala mais formais, o pronome cujo é de
emprego raríssimo em nossa língua. Normalmente, esse elemento é substi­
tuído, na fala vernacular, pelo conectivo que em relativas que não explici­
tam lexicalmente a relação de posse (genitiva) entre o SN relativizado e a
expressão nominal dentro da relativa:
O povo votou no candidato que o partido havia se destacado.
Relativas como essa são denominadas relativas cortadoras genitivas.
A relação genitiva de uma relativa mediada por que pode ser evidenciada
por meio do emprego de um pronome copiador ou resumptivo, isto é,
um pronome que “copia” os traços de gênero e de número do núcleo do
SN relativizado:
O povo pobre votou no candidato que o partido dele era socialista.
Nesse caso, estamos diante de relativas copiadoras genitivas (ou relativas
resumptivas genitivas). Também nas relativas preposicionadas, um elemen­
to que pode introduzir uma expressão copiadora, como acontece em
A professora que eu estudei Sintaxe com ela era muito competente.
Todos leram o livro que os conservadores falam mal dele.
Nessas relativas, a preposição ocorre ao meio ou ao fim da relativa — nunca
ao início — e é sucedida por um pronome copiador/resumptivo. Tais orações
denominam-se relativas copiadoras (ou relativas resumptivas). Em rela­
tivas copiadoras/resumptivas, não ocorre lacuna, pois a posição sintática
associada ao pronome relativo será ocupada justamente por um pronome
copiador/resumptivo como ele, ela e flexões.
Para saber mais sobre o assunto, consulte especialmente Tarallo (1983),
Corrêa (1998), Kenedy (2003, 2007) e Kato (2018).

106
Articulação entre orações

2.2 Encaixadas reduzidas

A articulação entre uma oração encaixada e a sua matriz nem sempre


é mediada poi um conectivo. Na língua portuguesa, é também possível que
uma oração subordinada se encaixe diretamente em sua matriz. Quando
isso acontece, dizemos estar diante de encaixadas reduzidas. Vejamos
dois exemplos desse tipo de conexão entre orações.

(17) a‘ [matriz Aquele juiz rico alegou [ENCAIXADA precisar de auxílio-


moradia]]].
k- [matriz A polícia observou [SN os alunos [ENCA1XADA protestando
na praça]]].

Em (17a), estamos diante de uma oração substantiva. Note que a en­


caixada [precisar de auxílio-moradia] é complemento do verbo [alegou],
núcleo do predicado da oração matriz. Já na frase (17b), temos o caso de
uma relativa, pois a encaixada [protestando na praça] foi adjungida ao SN
da matriz [os alunos]. O interessante nesses exemplos é que ambas as en­
caixadas foram imediatamente articuladas à sua matriz, sem a interveniên-
cia de qualquer conectivo. Trata-se, dessa maneira, de encaixamentos de
orações reduzidas.
A ausência de conectivo não é, no entanto, a única característica
estrutural de uma encaixada reduzida. Além dessa característica, o verbo
presente no interior dessas orações apresenta uma particularidade morfo-
lógica: ele não manifesta marcas de tempo (presente, passado ou futuro)
ou de pessoa gramatical (primeira, segunda ou terceira, do singular ou
do plural) - com uma exceção interessante que veremos a seguir. Isto é,
os verbos das orações encaixadas reduzidas, por oposição aos verbos das
orações matrizes e das encaixadas desenvolvidas, não manifestam flexão
e se apresentam em forma infinita. Uma forma verbal infinita caracte-
riza-se, justamente, pela falta de expressão de algum tempo específico.
Note que, no exemplo (17a), o verbo da oração matriz [alegou] encontra-
se flexionado no pretérito perfeito do indicativo e faz concordância, na
terceira pessoa do singular, com o seu sujeito [aquele juiz rico]. Portanto,
[alegou] é uma forma finita. Já o verbo da substantiva encaixada, nes­
se mesmo exemplo, encontra-se em uma forma infinita: [precisar]. Tal

107
PARA CONHECER Sintaxe

forma não manifesta marcas morfológicas de nenhum tempo específico


(presente, passado ou futuro). O mesmo se passa com o exemplo (17b):
o verbo da matriz é [observou], que expressa o pretérito perfeito do in­
dicativo e a concordância número-pessoal com o seu sujeito, ao passo
que, na relativa encaixada, o verbo [protestando] não assume nenhuma
morfologia temporal ou pessoal específica.
As formas infinitas verbais são também denominadas formas nomi­
nais do verbo. Essas formas recebem esse nome porque, desprovidos da
flexão morfossintática tipicamente verbal, assumem características lin­
guísticas de algum elemento de natureza não verbal, como N, ADV ou A.
Você deve lembrar, de suas lições da gramática tradicional, que são três as
formas nominais em português: infinitivo, gerúndio e particípio. Vejamos,
a seguir, como se definem cada uma dessas categorias em breves termos
morfológicos e semânticos para que, logo em seguida, analisemos de que
maneira orações reduzidas dessas três classes compõem tipos particulares
de período composto.

LOCUÇÕES VERBAIS - II
Locuções verbais quase sempre apresentam um verbo auxiliar (aux) ple­
namente flexionado e um verbo principal (pri) em alguma forma nominal.
Portanto, orações subordinadas em que ocorra esse tipo de articulação ver­
bal entre (aux) e (pri) não caracterizam casos de encaixadas reduzidas. Nos
exemplos a seguir, o verbo auxiliar caracteriza, juntamente ao conectivo
subordinativo, uma oração desenvolvida:
Latriz O juiz alegou [ENCAIXADA que vai precisar de auxílio moradia]]].
nTpraça]]]01'013 °bSerV°U SN °S alunos [encaixada c1uc estavam protestando

Compare com as construções abaixo, sem o conectivo:


*[matriz O JU1Z■ aiegou [ENCAIXADA ir precisar de auxílio moradia]]].
naMpAraça]]]P°llCla °bSerV°U [sN °S alunos [encaixada g§tar(em) protestando

O infinitivo é didaticamente conhecido como o “nome do verbo”. De


ato, essa é a forma nominal escolhida quase universalmente corno “entra­
da de dicionário” para verbos. Se, durante a leitura de um romance, você se
deparar com um item desconhecido como resfolegam, deverá procurar

108
Articulação entre orações

num dicionário pela forma resfolegar (e não resfolegava, resfolegaria, res­


folegaram etc.) — isto é, deve procurar pelo infinitivo do verbo em questão.
Trata-se da forma básica e não marcada de um verbo qualquer ^curiosida­
de: nos dicionários de latim, as entradas para os verbos apresentam a forma
verbal flexionada na primeira pessoa do singular, no tempo presente). Mor-
fologicamente, o infinitivo caracteriza-se pela terminação “-r” justaposta à
base lexical do verbo: estudar, combater, resistir. Em termos semânticos, o
infinitivo expressa a noção aspectual de ação fora do tempo (infinita, justa­
mente). O infinitivo é a forma nominal que se assemelha às características
morfossintáticas da categoria N e, realmente, expressões como sala de es­
tar e aparelho dejantar são muitas vezes percebidas intuitivamente como
SNs simples — e não como SNs modificados por orações reduzidas. Nas
sentenças que se seguem, os verbos das orações encaixadas encontram-se
em forma nominal infinitiva.

(18) a- [matriz Nós vimos [encaixada 0 Brasil mudar naqueles tempos]].


b- [matriz Procuro [SN um livro [ENCAIXADA para ler no fim de semana]]].

Em (18a), temos o caso de uma oração substantiva reduzida de


infinitivo. A encaixada [o Brasil mudar naqueles tempos] articula-se dire­
tamente à sua matriz, sem auxílio de conectivo, e manifesta sua categoria
V em forma nominal, no caso, em infinitivo: [mudar]. Por sua vez, na
sentença (18b) ocorre o encaixamento de uma oração relativa reduzida
de infinitivo. Aqui, o SN [um livro] presente na matriz é modificado pela
relativa preposicionada [para ler no fim de semana]. O verbo dessa encai­
xada encontra-se em forma infinitiva: [ler].
Talvez você já saiba que, em língua portuguesa, o infinitivo encerra
uma característica morfossintática peculiar: ele pode expressar concordân­
cia de pessoa e de número com o seu sujeito. Como bem dizem os gra­
máticos tradicionais, o infinitivo, em português, pode ser pessoal (isto é,
com marca específica de pessoa e número gramaticais) ou impessoal/uni-
pessoal (sem marca específica, na terceira do singular, forma básica não
marcada). Em (19a), a substantiva reduzida não faz concordância com seu
sujeito plural e, assim, temos um infinitivo não flexionado, ao contrário
do que vemos em (19b), em que ocorre um infinitivo flexionado.

109
PARA CONHECER Sintaxe

(19) a. [MATRIZ Eu vi [ENCAIXADA os meninos defender seu professor],


b- [MATRIZ Eu vi [ENCAIXADA os meninos defenderem seu professor].

Trata-se de uma propriedade interessante porque, conforme vimos,


formas infinitas normalmente não manifestam modulações morfológicas.
Logo, um “infinitivo flexionado” parece uma noção linguística autocon-
traditória. No entanto, tal excentricidade do português não invalida o em­
prego do termo “infinitivo” para qualificar certos tipos de articulação entre
orações, afinal, pelo menos em relação à expressão do tempo, essa forma
nominal não se flexiona. Sua flexão ocorre, como dissemos, somente para
traços de número e pessoa.
O gerúndio é a forma nominal de um verbo caracterizada pela
terminação morfológica “-ndo”: estudando, combatendo, resistindo.
A literatura gramatical tradicional nos ensina que essa forma infinita
assume características morfossintáticas da categoria ADV em virtu­
de de veicular uma “ação em processo”, isto é, o gerúndio expressa,
semanticamente, um processo verbal em pleno desenvolvimento. Na
sentença (20), encontramos um exemplo de oração relativa reduzida
de gerúndio.

(20) (matriz A polícia observou [ os alunos [ protestando na pra-

110
Articulação entre orações

INFINITIVO FLEXIONADO
As poucas línguas em que o fenômeno do infinitivo pessoal já foi catalogado
por linguistas são, em ordem alfabética: abaza, abkhaziano, adygheano, astu-
riano, galego, húngaro, karbardiano, leonês, mirandês, português, sardenho
e siciliano. No mapa abaixo, podemos ter uma dimensão de quão diminuto
é esse tipo de estrutura morfossintática entre as línguas humanas. As marcas
mais escuras indicam as regiões do planeta em que alguma língua com infi­
nitivo flexionado é falada.

Fonte: linguisticmaps.tumblr.com

Nessa oração encaixada, a categoria V se expressa na forma de ge-


rúndio: [protestando]. Note que, apesar da ausência de um conectivo, a
relação anafórica entre a lacuna, no interior da relativa, e o seu referente na
matriz se dá à semelhança do que ocorre nas orações desenvolvidas. Aqui,
o sujeito do verbo [protestando] é uma lacuna que deve ser interpretada em
correferência com o SN [os alunos], que sofre a relativização. Na oração
matriz, esse SN ocupa à posição de complemento verbal. Você certamen­
te identificará, nesse exemplo, o valor adverbial comumente associado ao
gerúndio. O verbo protestar, nessa forma nominal, de fato assume caracte­
rísticas de um elemento circunstancial.

111
PARA CONHECER Sintaxe

Em nossa experiência como professores de Sintaxe, encontramos, com re­


corrência, estudantes que identificam relativas reduzidas de gerúndio ina­
dequadamente como orações adverbiais. Tal equívoco comum é motivado
pela natureza adverbial do gerúndio de uma forma geral. Nesses casos, re­
corremos ao artificio tradicional de cotejar uma relativa reduzida com a sua
contraparte desenvolvida. Ex.
A polícia observou [SN os manifestantes [0RAÇÃ0 protestando na praça]].
versus
A polícia observou [SN os manifestantes [0RAÇÂ0 que protestavam na praça]].
Trata-se de um recurso didático que pode ser útil na identificação de rela­
tivas gerundivas.

Por fim, o particípio é a forma nominal de V que assume proprie­


dades morfossintáticas da categoria não verbal de adjetivo, como, por
exemplo, a concordância de gênero (masculino ou feminino) e de número
(singular, plural) com o seu referente. Particípios são formas infinitas
que manifestam o aspecto semântico do perfectivo, isto é, exprimem
uma ação já desenvolvida e concluída no tempo. Morfologicamente, o
particípio é marcado pela terminação regular “-ado” ou “-ido” - e suas
respectivas flexões nominais de gênero e número: estudado, estudada,
estudados, estudadas, combatido, combatida, combatidos, combatidas,
resistido, resistida, resistidos, resistidas. Em formas irregulares, os par­
ticípios são majoritariamente marcados com “-to” ou “-so”, como em
dito, feito, escrito, preso, submerso, suspenso, e suas flexões de gênero
e número. No exemplo a seguir, há um caso de uma oração relativa re­
duzida de particípio.

(21) [matriz a mídia eI°giou [SN o economista [ENCAIXADA enviado do exte­


rior]]].

Você deve perceber que o predicado da oração encaixada manifesta,


em seu núcleo V participial, os traços masculino e singular em concordân­
cia com o SN que sofre o encaixamento da relativa: [o economista]. No
caso, se tal SN manifestasse os traços feminino e/ou plural, o particípio
da encaixada copiaria esses mesmos traços: Lw os economistas L
LENCAIXADA

112
Articulação entre orações

enviados do exterior]], [SN a economista [ENCA|XADA enviada do exterior]],


[SN as economistas [ENCAIXADA enviadas do exterior]].
É importante que você fique atento à natureza adjetival das relativas
reduzidas de particípio. Muitas vezes, podemos deixar de perceber que,
nesses tipos de construção sintática, ocorre um período articulado por uma
encaixada reduzida, afinal expressões como trabalho feito, aula dada, mis­
são cumprida etc. se parecem com SNs simples, modificados por um SA
adjunto. No caso, o adjunto é uma oração inteira, cujo verbo assume uma
forma nominal semelhante à categoria A.

3. HIPOTAXE

Em comparação às estruturas encaixadas, as orações vinculadas por


hipotaxe apresentam grau inferior de articulação sintática. O encaixamento
de orações, conforme vimos, ocorre de maneira rígida e sistemática. De
fato, as substantivas se caracterizam como um encaixamento de efeito pu­
ramente sintático, dado que compreendem argumentos oracionais. Ora­
ções relativas, por seu turno, são encaixadas de efeito sintático-semânti-
co, uma vez que se adjungem, numa matriz, sempre à direita de um SN que
deve sofrer modificação referencial restritiva. Com as orações hipotáticas
temos um fenômeno linguístico diferente. Trata-se de uma articulação de
efeito sintático-discursivo.

(22) [[HIPOTÁTICA Se você leu o livro], [MATRIZ o conteúdo da avaliação pare-


cerá fácil]].

Em (22), podemos identificar que cada oração possui a sua pró­


pria estrutura de predicação, caracterizando, assim, um caso de período
composto. Na hipotática, o SN [você] é o sujeito do predicado verbal
presente no SV [leu o livro], enquanto, na matriz, o predicado nominal
no SV [parecerá fácil] seleciona como sujeito o SN [o conteúdo da ava­
liação]. Como se pode ver, uma hipotática, assim como as encaixadas,
também desempenha função sintática em relação a uma oração matriz.
Nesse caso, essa função se restringe a somente duas: adjunto adverbial
(como em 22) ou aposto. Como veremos a seguir, a articulação entre a

113
PARA CONHECER Sintaxe

matriz e uma ou mais orações hipotáticas se dá de maneira livre e fora


das restrições estruturais impostas a argumentos e a adjuntos adnominais
oracionais, razão pela qual hipotáticas adverbiais e hipotáticas apositivas
desempenham, na articulação do período composto, valor sintático-dis-
cursivo. Comecemos pelas orações adverbiais.
As hipotáticas adverbiais são advérbios oracionais que marcam va­
lores de natureza circunstancial junto à matriz. Na escola básica, você
aprendeu a identificar essas orações como “subordinadas adverbiais”. No
entanto, diversas características sintáticas diferenciam o status gramatical
das adverbiais do das substantivas e relativas. Por exemplo, uma oração
adverbial pode adjungir-se em diferentes posições lineares ao longo do
período, seja à esquerda ou à direita da oração matriz, ou mesmo nela en­
tremeada - à maneira dos próprios advérbios. Ora, tal liberdade posicionai
não se verifica com estruturas sintáticas realmente encaixadas. A mobilida­
de linear de uma oração hipotática é ilustrada a seguir.

(23) a. [[MATRIZ Aquele político mudou o seu discurso], [HIP0TÁTICA quando


percebeu que era conveniente]].
b. [[hipotática Quando percebeu que era conveniente], [MATRIZ aquele
político mudou o seu discurso]].
c* [[matriz Aquele político, [H1POTÂTICA quando percebeu que era con­
veniente], mudou o seu discurso]].

Note que, na sentença (23a), a hipotática adverbial posiciona-se à di­


reita da matriz para nela marcar uma circunstância temporal. Podemos,
desse modo, ser levados a interpretar que essa oração é um adjunto do SV
[mudou o seu discurso] presente na matriz, tal como o fazem os gramáticos
tradicionais. É essa suposta adjunção ao SV da matriz que motiva a classifi­
cação de uma oração dessa natureza como ad-“verbial”. Contudo, linguis­
tas como Michael Halliday, Cristian Matthiessen e Sandra Thompson (cf.
Matthiessen e Thompson, 1988, e Halliday e Matthiessen, 2014 [1985]) já
vêm indicando, desde os anos 1980, que as adverbiais se associam livre­
mente a uma oração matriz na articulação de um período composto - e não
são necessariamente adjuntos de SV. Os exemplos (23b) e (23c) deixam
isso claro. A adverbial, nessas frases, não é um adjunto rigidamente encai­
xado no SV da matriz — da mesma forma que uma relativa é um adjunto en­

114
Articulação entre orações

caixado de maneira rígida num SN da oração matriz. Pelo contrário, a ad-


junçao dessa oração pode acontecer antes de toda a matriz, à sua esquerda,
portanto em locus linearmente distante do SV, conforme se vê em (23b).
A adjunção adverbial oracional pode ainda ocorrer até mesmo em posição
intercalada na matriz, em algum ponto de fronteira sintagmática, como ve­
mos acontecer em (23c) — exemplo no qual a hipotática é adjungida entre o
SN sujeito e o SV predicado da chamada “oração principal”. Por contraste,
substantivas e relativas não são passíveis dessa múltipla distribuição linear.
Antes, são orações rigidamente encaixadas num locus específico: comple­
mento ou especificador de um núcleo lexical (N, V ou A) ou adjuntos de
um SN. Por conseguinte, é correto assumir que orações adverbiais não
são constituintes encaixados (ou, em termos tradicionais, não são orações
“subordinadas”). Altemativamente, é mais adequado descrever esse tipo
de articulação entre orações como hipotaxe adverbial.
Orações hipotáticas adverbiais cumprem, na articulação entre ora­
ções, diversas funções discursivas, a depender do valor circunstancial
que imprimem junto à matriz. Em consequência disso, advérbios oracio-
nais manifestam grande riqueza e variedade estrutural e informacional.
Algumas adverbiais, por exemplo, só podem ser adjungidas à direita da
matriz, sob pena de agramaticalidade, como se vê na oposição entre o par
de sentenças a seguir.

(24) a. [[MATR1Z Ele trabalhou o dia inteiro], [H1P0TAT1CA então dormiu sos-
segado]].
b. * [[hipotática Entâ0 dormiu s^segado], [MATR1Z ele trabalhou o
dia inteiro]].
Interessantemente, outros tipos de oração adverbial só podem ser alo­
cados à esquerda da matriz, caso contrário, resultarão agramaticais.

(25) a. *[[MATRIZ Eu cancelei a reunião], [HIP0TAT1CA como você não vinha]].


b. [[hipotática Como você não vinhal’ Matriz eu cancelei a reunia°n-

A oração hipotática dos exemplos em (24) expressa valor circuns­


tancial consecutivo. Por essa razão, sua antecipação à esquerda do con­
teúdo que, discursivamente, veicula a causa da consequência revelada na
adverbial provoca uma anomalia - uma violação a um princípio iconico

115
PARA CONHECER Sintaxe

de organização frasal (como veremos com mais detalhe no próximo capí­


tulo). Caso o valor circunstancial fosse outro (por exemplo, “finalidade”),
a disposição linear da hipotática não seria rigidamente controlada na frase.
Vemos isso ilustrado a seguir.
(26) a. [[M4TBI7 Ele trabalhou o dia inteiro], [HIPotâtica Para clue dormisse
sossegado]].
b. [[HIP0TÂTiCA Para que dormisse sossegado], [MATRIZ ele trabalhou o
dia inteiro]].
Nesse caso, a oração adverbial poderia ocupar diferentes nichos na
estrutura do período, inclusive alguma posição entremeada na matriz (ex.
Ele, para que dormisse sossegado, trabalhou o dia inteiro). A opção por
cada uma dessas possibilidades de posicionamento linear será motivada
por fatores discursivos, que estão além da compreensão puramente sintáti­
ca da articulação entre orações. É por essa razão que a hipotaxe representa
um tipo de articulação entre constituintes oracionais de efeito sintático-
discursivo, distinto do fenômeno puramente sintático do encaixamento de
subordinadas que estudamos na primeira metade deste capítulo.
Além das adverbiais, o período composto por hipotaxe compreende
também as hipotáticas apositivas. De acordo com o que estudamos no capí­
tulo anterior, um aposto é uma função naturalmente hipotática, pois consiste
na introdução de um constituinte à parte de outro. Ou seja, um aposto retoma
o conteúdo ou a referência de um termo já citado na sentença, posicionando-
se ao seu lado para imprimir-lhe algum valor discursivo, como explicação,
enumeração, recapitulação, resumo etc. Em virtude de seu caráter eminen­
temente textual, um aposto caracteriza-se como função sintática isolada na
própria NGB, como vimos anteriormente. Portanto, orações apositivas não
podem ser caracterizadas como um caso de encaixamento sintático. Trata-se,
com efeito, de mais um tipo de articulação oracional por hipotaxe.
Nos ensinamentos da gramática normativa tradicional, orações hi­
potáticas apositivas são inadequadamente descritas como “subordinadas
substantivas apositivas ou como “subordinadas adjetivas explicativas”.
Em seguida, apresentamos, em (27a), uma hipotática que se associa dis-
cursivamente ao conteúdo da oração matriz e, em (27b), ilustramos uma
hipotática que assume a referência de um SN específico da matriz.

116
Articulação entre orações

(27) a. [[MATR1Z Ele disse uma coisa importante:] [HIP0T^T1CA que o Brasil
será o Colosso do Sul]].
b- [[matriz O Brasil, [HIP0T^TICA que será o Colosso do Sul], ainda não
resolveu seus problemas sociais mais básicos]].

Em (27a), a oração hipotática desempenha função de aposto em


relação ao conteúdo proposicional expresso pela matriz, isto é, que o
Brasil será o Colosso do Sul é o conteúdo da apositiva, o qual revela a
tal “coisa importante que ele disse” anunciada na matriz. Gramáticos
normativos identificam orações apositivas, como [que o Brasil será o
Colosso do Sul] no exemplo citado, equivocadamente como orações
substantivas. Tal confusão decorre da semelhança superficial entre ora­
ções que são diretamente inseridas na matriz (encaixamento) e orações
que são apostas a um constituinte (hipotaxe), o qual, por sua vez, é o
que de fato se encaixa em alguma posição sintática da matriz. Realmen­
te, a oração hipotática do exemplo poderia ter sido selecionada como
complemento do verbo [disse], núcleo do predicado da matriz, fato que
a caracterizaria como um objeto direto oracional: [Ele disse [que o Bra­
sil será o Colosso do Sul]]. Todavia, essa possibilidade é irrelevante
para os interesses da análise sintática, já que a construção disse que
não figura na frase! O que vemos objetivamente na sentença referida é
que o complemento de V é o SN [uma coisa importante], e não a oração
apositiva. Portanto, não estamos diante de um caso de encaixamento
entre orações. O que vemos é, na verdade, uma oração hipotática que
se posiciona à parte da matriz, fazendo-lhe uma aposição num período
composto por hipotaxe.
Em (27b), a oração [que será o Colosso do Sul] se apõe ao SN [o Bra­
sil]. Trata-se, por isso, de um aposto referencial de natureza explicativa.
Essa aposição cumpre o objetivo de adicionar informação ao referente ci­
tado, de modo a produzir algum efeito na representação discursiva da frase.
Orações hipotáticas apostas a SN também são chamadas de relativas apo­
sitivas, de relativas explicativas ou, ainda, de relativas não restritivas.
A razão para identificá-las como “relativas” é bastante direta: esse tipo de
oração (i) toma um SN específico como referente e (ii) possui em seu inte­
rior uma lacuna a ser vinculada a tal SN, bem à semelhança do que vimos

117
PARA CONHECER Sintaxe

acerca das relativas restritivas. Por sua vez, a motivação para o termo “ex­
plicativa” decorre do efeito discursivo promovido pelo aposto oracional.
Relativas hipotáticas e relativas encaixadas articulam-se à oração ma­
triz de maneira distinta. Enquanto as encaixadas se adjungem a um SN,
modificando-lhe a referência, as hipotáticas são apostas a um SN e não lhe
modificam a referência. Comprove isso com as frases a seguir.

(28) a. [[MATRIZ [SN O povo [ENCAIXADA que sempre luta] vence]].


b. [(matriz [sn 0 P°vo’ Íhipotática fiue semPre lutaJ’ vence]]'

Na primeira frase, a relativa encaixada restringe a referência do SN [o


povo]. Logo, o efeito sintático-semântico da frase é o seguinte: nem todo
tipo de povo vence, somente aquele povo que luta sempre, o povo lutador,
é que vence. Já na segunda frase, a relativa hipotática apenas acrescenta ao
SN [o povo] uma de suas características próprias: o fato de o povo sempre
lutar. Assim sendo, o efeito sintático-discursivo dessa frase é o seguinte:
todos os povos ao final vencem, pois lutar sempre é uma característica do
povo. Tamanha diferença na representação conceituai de frases superfi-
cialmente tão parecidas não se produz por acaso. Na verdade, a distinção
semântico-discursiva entre (28a) e (28b) decorre da articulação sintática
estabelecida na composição do período: respectivamente, se encaixamento
ou se hipotaxe. Como você pode ver, a simplificação, perpetrada em gra­
máticas normativas tradicionais, na descrição de relativas restritivas e de
relativas explicativas - que são igualmente interpretadas como subordina­
das e diferenciadas em função do mero emprego do recurso gráfico da vir-
gula - incorre em grave inadequação descritiva e deixa escapar as sutilezas
de interpretação que uma grande diferença sintática pode produzir.

3.1 Conectivos hipotáticos

Na articulação entre orações, conectivos adverbiais funcionam


como complementadores. Sendo assim, são introdutores de hipotáticas
er tais, ontudo, em comparação aos complementadores de orações
substantivas, eles possuem uma natureza muito mais semântico-discur­
siva do que propriamente sintática. !sso quer dizer que elementos como

118
Articulação entre orações

quando e embora não são simples conectores de oração, cujo papel na


estrutura do período seja somente demarcar fronteiras sintáticas. Em vez
disso, complementadores adverbiais são legítimos operadores de signifi­
cado que explicitam o valor semântico-discursivo da oração que introdu­
zem. Vemos, na tabela que segue, uma lista não exaustiva desses tipos de
conectivo. Perceba que muitos complementadores adverbiais configuram
locuções conectivas.

Significado Conectivos
Causa porque, uma vez que, visto que, como etc.
Consequência tão que, de modo que, de forma que, então etc.
Comparação como, tal qual, que, do que, assim como etc.
Conformidade conforme, segundo, consoante etc.
Concessão embora, se bem que, ainda que etc.
Condição se, caso, contanto que, salvo se etc.
Proporção à medida que, na proporção que etc.
Finalidade para que, a fim de que, com o fim de etc.
Tempo quando, enquanto, sempre que etc.

De um ponto de vista estritamente sintático, não existem subclassifíca-


ções para as orações hipotáticas adverbiais. Um sintaticista as descrevería sim­
plesmente como “adjuntos adverbiais oracionais” ou “orações adverbiais”. A
especificação do tipo semântico-discursivo de uma adverbial - levada a cabo
por termos como “causai”, “concessiva”, “condicional” etc. - configura um
ótimo exercício de natureza conceituai, o qual, não obstante, se encontra fora
do escopo da sintaxe mais estrita. Da mesma forma, a reescritura de um mes­
mo tipo semântico-discursivo de uma oração adverbial por meio de diferentes
conectivos ou locuções conectivas caracteriza um excelente treino epilinguís­
tico de produção textual. Esse recurso didático, entretanto, também está além
da fronteira ontológica e epistemológica da descrição e da análise sintáticas
stricto sensu.
Por sua vez, relativas hipotáticas são introduzidas pelos mesmos pro­
nomes relativos que encabeçam relativas restritivas. Também listamos os
mais comuns desses conectivos a seguir.

Pronomes invariáveis Pronomes variáveis __________________


que, quem, onde o qual (a qual, os quais, as quais)
cujo (cuja, cujos, cujas)_____ ______________________

119
PARA CONHECER Sintaxe

Nas relativas hipotáticas, os pronomes relativos realizam a mesma


dupla operação anáfora-catáfora que descrevemos acerca das relativas
restritivas. Logo, também nesse tipo de relativas, o introdutor da oração
é um operador morfossintático, que assumirá um referente SN na matriz
e o associará a uma lacuna no domínio da hipotática, tal como se ilustra
em seguida.
(29) [[MATR12 [SN Você, [H1POTÂTICA que eu conheço há anos], não me trai]].
T T T

Nesse exemplo, o pronome relativo [que] vincula seu referente, o SN


[você], à lacuna em posição de objeto direto no interior da oração relativa
hipotática. Na língua portuguesa, assim como nas subordinadas restritivas,
essa operação relativizadora pode acontecer em qualquer posição sintática
nas relativas explicativas, tanto no SN referente da matriz quanto na lacuna
na hipotática.
E notável que, na ausência de uma preposição anterior, o emprego de
[o qual] e suas flexões seja mais aceitável em relativas apositivas do que
em relativas restritivas. Vejamos.

(30) a- [[matriz 0 fílrne [encaixada que nós vimos] é muito importante]].


k- ? [Ímatriz O filme [encaixada 0 clua* nós vimos] é muito importan­
te]].
c* [[matriz O filme, [ENCA1XADA que todos devem ver], é muito impor­
tante]].
d- [[matriz O filme, [ENCAIXADA o qual todos devem ver], é muito im­
portante]].

a j^ITI re^a^ao ao Português europeu, as professoras Ana Maria Brito e


~ , uarte são categóricas ao afirmar que “em relativas restritivas, [que]
e comutável por [o qual], o que distingue as relativas restritivas das
apositivas (cf. Mateus et. al, 2003: 662). No português do Brasil, não
laue°iSseanta T16"" agramaticalidade de (30b). Em verdade, o item
L m“l'ir«ncion.l «m língua porlugue-

X “ ‘ e,Z " ling"ÍS'i“ "" elal»ra* * ™ “ “ de


evxar Wes

120
Articulação entre orações

qual] e suas flexões sejam identificados como “bons usos” da língua, dos
quais muitos usuários tentam se aproximar - às vezes de maneira desajei­
tada (veja, por exemplo, essa disfluência real encontrada na redação de
um calouro universitário: A faculdade a qual que o ser humano tem inata
é a linguagem). Assim sendo, é possível que nossa incerteza sobre (30b)
reflita valores sociolinguísticos de prestígio associados ao uso desse tipo
de pronome em particular.

3.2 Hipotáticas reduzidas

Orações adverbiais também podem ser articuladas à matriz sem a


interveniência de conectivos e com um verbo em forma nominal. Veja­
mos exemplos de oração adverbial reduzida de gerúndio, de infinitivo
e de particípio.

(31) a. [[HIP0TÂTICA Chegando em casa], [MATRIZ você deve avisar aos amigos]].
b. Kmatriz 0 Povo se mobilizará], [HIP0TÁTICA para o Brasil mudar]].
c. [[H|P0Tática Definidas as candidaturas], [MATRIZ começará a campanha]].

No primeiro exemplo, uma adverbial antecede sua matriz e marca-lhe


uma circunstância temporal. O verbo nessa oração encontra-se no gerúndio
[chegando] e possui um sujeito oculto [você], que é correferente ao sujeito
da oração matriz (yocê). Essa correferência é, entretanto, acidental. Note
que, em (31b), o sujeito da adverbial de valor final é o SN [o Brasil], ao
passo que o sujeito da matriz é [o povo]. Nessa hipotática, a categoria V se
encontra no infinitivo, caracterizando, assim, o caso de uma adverbial re­
duzida. Note bem: em (31a), não ocorre oração reduzida na matriz, apesar
da ocorrência de infinitivo no verbo [avisar]. Você pode explicar por quê?
Por fim, as orações da sentença em (31c) também são articuladas sem
a presença de conectivos e com o verbo da hipotática em foi ma infinita.
Nesse caso, temos uma reduzida de particípio: [definidas as candidaturas].
É interessante atentarmos para o fato de que a identificação do valor
semântico-discursivo das hipotáticas adverbiais reduzidas não pode ser de­
duzida de sua estrutura sintática. Por exemplo, contraste o valor temporal
de (31 a) com o que se diz em (32).

121
PARA CONHECER Sintaxe

í32) r . Votando assim], [MATR1Z nós não mudaremos este país].

Ambas as sentenças possuem o mesmo tipo de articulação entre ora­


ções, isto é, são estruturadas por hipotaxe, com uma adverbial reduzida
de gerúndio anteposta à matriz. Inclusive, o fenômeno da correferência
entre os sujeitos de cada oração também se verifica nessas duas frases. No
entanto, o valor semântico de (32) não é o mesmo que se verifica em (31).
Com efeito, [votando assim] veicula uma noção condicional, diferente do
conteúdo temporal de [chegando em casa]. Uma versão desenvolvida des­
sas frases seria provavelmente articulada por conectivos distintos, quando
versus se. Logo, estamos mais uma vez diante de um bom exercício de
análise semântico-discursiva, que escapa dos limites da sintaxe estrita.
Vejamos agora casos de relativas hipotáticas reduzidas.

(33) a- [matriz U AclLiele fllme> [hipotática el°giado Por tanta genteL deve’
ria ser premiado]].
b- [matriz [Sn a Juíza’ [hipotática sendo uma Pessoa pública], deveria
ter mais cuidado com o que posta em redes sociais]].
c- [matriz Ele só tem um objetivo na vida:] [HIP0TÁTICA chegar ao poder].

As frases (33a) e (33b) representam casos de orações relativas apo-


sitivas, enquanto (33c) encerra um caso de uma hipotática apositiva. Em
(33a), temos uma oração hipotática relativa apositiva reduzida de par-
ticípio, em função da forma nominal [elogiado]. Já em (33b), ocorre uma
relativa apositiva reduzida de gerúndio, dada a forma infinita [sendo]. A
frase (33c), por fim, exemplifica uma oração hipotática apositiva reduzida
de infinitivo, dada a forma não flexionada de V em [chegar].

4. PARATAXE

U'aÇã° Por Parataxe consiste na simples justaposição entre


Tal just.p„siça„ oaracteriaa-ae di de uma oraç5o

a X a *'l”“l° “"W'° por »">“'• “'"P»

as sao sintaticamente autônomas. Por conseguinte, a pa-

122
Articulação entre orações

rataxe representa, em termos sintáticos, um caso de articulação entre ora­


ções ainda mais livre e menos rígido do que a hipotaxe. Nos compêndios
de Gramática Normativa Tradicional, a articulação por parataxe recebe o
nome de coordenação de orações.
Em sua expressão mais extrema, uma frase composta via parataxe
pode apresentar orações tão somente enfíleiradas segundo algum crité­
rio discursivo, como, por exemplo, sequência cronológica - tal como
vemos a seguir.

(34) [[qraçâo Fui à praia], [0RAÇÃ0 dei um mergulho], [ORAÇÃO voltei para
casa]].

Repare como, ao mesmo tempo em que cada oração é sintaticamente inde­


pendente da outra, podemos depreender uma relação temporal entre elas.
Essa relação é expressa pelo simples ordenamento paratático linear entre as
orações. Em outras palavras, interpretamos a frase (34) como uma sequência
narrativa de ações no mundo (real ou fictício) que tem início na primeira
oração (fui à praia) e fim na última (voltei para casa). Esse efeito de linea­
ridade na organização da frase reflete um princípio icônico (veja o próximo
capítulo) sobre a organização dos eventos no mundo. Se trocarmos a ordem
das orações, também entenderemos que a ordem dos eventos no mundo foi
alterada - isto é, alteramos o conteúdo proposicional da frase. Veja:
Voltei para casa, dei um mergulho, fui à praia.
Apesar de não encontrarmos nenhuma marca morfológica presente na es­
truturação sintática entre essas orações (um conectivo, uma marca especí­
fica de flexão verbal etc.), entendemos que essa frase descreve eventos no
mundo numa ordem diferente da que temos em (34). E esse efeito é causado
pelo simples ordenamento paratático entre as orações.

Nesse exemplo, uma frase compõe-se de três orações. Na primeira, ocor­


re uma estrutura de predicação entre o sujeito oculto (eu) e o predicado verbal
[fui à praia]. Em seguida, novamente um SV possui um predicador
verbal (dar) que predica sobre um sujeito oculto, e o mesmo acontece na
terceira oração, entre o núcleo do SV (voltei) e um SN oculto. Trata-se,
portanto, de um caso de período composto, mas você deve perceber que
a estrutura sintática de cada uma dessas orações independe das demais.
Ou seja, a segunda oração não se caracteriza como argumento nem como

123
PARA CONHECER Sintaxe

adjunto da primeira, assim como a terceira não é um dos constituintes da


segunda. Note que não há, em nenhuma das três orações, qualquer estru­
tura, seja por encaixamento, por hipotaxe ou mesmo por lacuna, que crie
conexão sintática entre elas. Eis aqui uma boa ilustração do tipo de inde­
pendência estrutural que as orações articuladas por parataxe possuem.
Com base no exemplo (34), seria possível também que três frases
independentes, cada qual com somente uma oração, fossem articuladas no
discurso, também por justaposição, e veiculassem o mesmo conteúdo pre­
posicional que (34). Conferimos isso a seguir.

(35) Fui à praia. Dei um mergulho. Voltei para casa.

Apesar de veicularem o mesmo conteúdo, (34) e (35) divergem em


sua estruturação sintática porque, no primeiro caso, três orações paratáticas
compõem somente um período, enquanto, no segundo, enfileiram-se três
períodos, cada qual com uma oração absoluta. Essa comparação é rele­
vante para percebermos que o fato de orações ou frases compartilharem
um (ou mais) referente no discurso e, desse modo, possuírem constituintes
correferentes não configura vínculo sintático. Tanto (34) quanto (35) com­
partilham a referência do sujeito. Isso, no entanto, é acidental. Em (36),
podemos ver um período articulado por parataxe, novamente com três ora­
ções, cada qual com seu próprio sujeito.

<36) [[oração João estuda inglês], [0RAÇÃ0 Maria é professora], [0RAÇÃ0 Pe-
dro vende importados]].

Aqui temos, novamente, três orações distintas, que formam um período


por parataxe. Cada oração tem seu próprio sujeito e sua organização sintá­
tica interna própria.

4.1 Conectivos paratáticos

A relação de significado estabelecida em (34) e (36) deve ser inferida


pela pessoa que ouve ou lê essas frases num determinado contexto comuni­
cativo. Em ambas, as orações são discursivamente interpretadas como adi­
ção de informações: a segunda oração agrega uma informação à primeira e
a terceira confere outra informação ao conjunto do que já havia sido dito.

124
Articulação entre orações

Em (34), vimos também que uma relação de temporalidade entre as ações


expressas pelas orações pode ser, da mesma forma, depreendida. Não obs­
tante, as línguas normalmente dispõem de itens lexicais que podem ser
empregados na articulação do período de modo a explicitar a relação se-
mântico-discursiva que se estabelece entre as orações paratáticas. Trata-se
das chamadas conjunções (ou locuções conjuntivas) coordenativas.
Conjunções paratáticas são conectivos de valor conceituai semelhan­
tes aos que estudamos acerca da articulação por hipotaxe adverbial. Isto
é, eles não são marcadores de fronteira oracional (como nas encaixadas),
tampouco são operadores morfossintáticos (como nas relativas). Sua fun­
ção é expressar o valor conceituai que se depreende da articulação entre
duas orações articuladas via parataxe. Vemos isso ilustrado a seguir. Perce­
ba, a partir do exemplo (37b), que, na articulação paratática, um conectivo
pode posicionar-se ao longo da segunda (ou terceira etc.) oração - e não
imediatamente ao seu início -, diferentemente do que ocorre com as encai­
xadas e as hipotáticas.

(37) a. [[0RAÇÃ0 Fui à praia], [0RAÇÃ0 porém não tomei sol]].


b. [[oraçAo O presidente prometeu mudanças], [0RAÇÂ0 até agora, no
entanto, nada foi feio]].
c. [[0RAÇÂ0 Não havia provas], [0RAÇÂ0 portanto o caso deveria ser en­
cerrado]].
d. [(oração Você esPera aclui mesm°L (oração Aüê volto já]].

Em (37a), o conectivo [porém] explicita a noção de quebra de expec­


tativa, na segunda oração, relativamente ao conteúdo da primeira. Você
deve ter analisado orações desse tipo na escola como “coordenadas ad-
versativas”. Na frase seguinte, o mesmo valor conceituai é veiculado pela
locução [no entanto]. As relações semânticas dos conectivos destacados
em (37c) e (37d) são, respectivamente, uma conclusão (na segunda ora­
ção), a partir do valor proposicional da primeira, e uma explicação (com
o já nosso conhecido e polivalente [que]), que introduz uma justificativa
para o comando expresso na oração anterior. A seguir, apresentamos um
quadro não exaustivo das principais relações de significado estabelecidas
entre orações paratáticas.

125
PARA CONHECER Sintaxe

Significado Conectivos______________________
Adição e, nem, também __ _________________
Contraste mas, porém, contudo, todavia etc. _______________________
Alternância Ou, quer, seja etc. ________________
Conclusão portanto, logo, pois, por isso etc. ______________
Explicação pois, que, porque etc. _______

Tradicionalmente, orações paratáticas que explicitam, num conecti-


vo, seu valor semântico-discursivo são batizadas com o termo coordenadas
sindéticas, por contraste ao valor oposto (orações assindéticas), emprega­
do quando não há conectivo expresso e a relação conceituai entre as para­
táticas deve ser inferida. Como se vê, o baixo grau de vinculação sintática
entre as orações de um período composto por parataxe faz com que a maior
fração do aparato descritivo empregado na análise desse tipo de estrutura
linguística seja de natureza semântica e/ou pragmática.

4.2 Paratáticas reduzidas

Orações paratáticas também podem ser articuladas entre si de for­


ma reduzida. Nesse tipo de estruturação, o que tipicamente acontece é a
segunda oração articular-se à primeira com seu V em forma de gerúndio,
conferindo-lhe uma adição, tal como se vê em seguida.

(38) [[oraçao O jornalista reconheceu seu erro], [0RAÇÀ0 desculpando-se


logo em seguida]].

Noutros casos, a segunda oração pode se articular à primeira como redu­


zida de infinitivo. Nesse caso, a interpretação discursiva a ser atribuída à coor­
denada não é tão facilmente identificável, conforme vemos acontecer em (39).

(39) [[ORAçÀo O acusado mentiu friamente], [0RAÇÀ0 sem demonstrar re­


morso]].

Aqui, a segunda oração parece associar um valor modal à primeira,


mas é também possível inferir entre as duas orações uma relação explica­
tiva. De todo modo, exemplos como esses evidenciam os casos limítrofes
na articulação entre orações, nos quais nem sempre é possível distinguir
claramente hipotaxe e parataxe. Analisaremos esses casos problemáticos
mais à frente neste capítulo.

126
Articulação entre orações

5. ORAÇÕES CORRELATAS

Na análise do período composto por encaixamento, por hipotaxe ou


por parataxe, sempre é possível identificar a região de fronteira entre uma
oração e outra. Isto é, seja pela demarcação feita por um conectivo, seja
pela clara independência de distintas estruturas de predicação, não é difícil
identificarmos o ponto preciso, na linearidade da sentença, em que a ora­
ção matriz termina e uma encaixada ou uma hipotática tem início — ou em
que uma paratática se inicia, após a anterior. Com as orações correlatas,
um fenômeno bem distinto acontece. Nesse tipo de articulação sintática,
duas orações são articuladas de maneira interdependente, de modo que não
é possível delimitar com clareza em que ponto deixamos o domínio de
uma oração e adentramos no da outra. Isto é, num período constituído por
correlação, duas orações implicam-se mutuamente.

(40) a. Aquele político não só é corrupto como também é racista.

correlação
b. O orador falou tão baixo que ninguém entendeu o discurso.

correlação

Nesses exemplos, notamos que, no domínio do que chamaríamos de


“primeira oração”, ocorre um constituinte que já antecipa parte do que será
enunciado na “oração seguinte”. Em (40b), o termo correlativo [tão] sele­
ciona outro item dessa mesma natureza [que]. Note que cada um dos dois
elementos correlativos ocorre no domínio de predicações verbais distintas:
[[falou tão] ... [que ninguém entendeu]]. É fato que esse período se cons­
titui oor duas orações, já que há nele duas predicações mediadas por um
SV, porém algo na composição da “primeira” oração ([tão...]) pressupõe a
articulação da “segunda”, bem como algo na “segunda oração ([...que]) é
articulado como continuação da “primeira”. Não podemos, poitanto, nos
precipitar na descrição de uma frase como essa e identificar o [que] como
um claro demarcador de fronteira, pois antes dele o item [tão] já antevê a
integração entre constituintes oracionais. Por seu turno, em (40a), a expres­
são correlativa [não só] acontece no domínio do que também chamaríamos

127
PARA CONHECER Sintaxe

de “primeira oração”. Tal expressão pressupõe sua contraparte [como tam­


bém], a qual ocorre somente na oração seguinte. Ora, tanto em (40a) como
em (40b), estamos diante de um caso de coarticulação oracional. Trata-se
de um tipo de composição de período composto distinto de tudo o que ha-
víamos estudado até aqui.
As orações correlatas não devem ser confundidas com as hipotáticas
adverbiais, pois essas não se implicam reciprocamente, por meio de arti-
culadores descontínuos, como ocorre na correlação. A necessidade dessa
distinção já havia sido anunciada pelo professor José de Oiticica, no ano
de 1919. No entanto, nossa tradição gramatical normativa até o presen­
te ignora o fenômeno das orações correlatas, tratando-as como casos de
orações adverbiais. De fato, ainda são relativamente poucos os trabalhos
acadêmicos que tratam do tema, como os de Rodrigues (2001) e Rosário
(2012, 2017).

6. ORAÇÕES DESGARRADAS

A professora Maria Beatriz Decat (cf. Decat, 2011) define as ora­


ções desgarradas como estruturas oracionais que se relacionam a uma
matriz de forma sintaticamente isolada, à maneira de um frase inde­
pendente. Essas orações se comportam como se fossem uma hipotática
sem matriz. Podemos ver alguns exemplos desse tipo de construção em
(41) a seguir.

(41) a. [A confusão começou em 2014.] [Quando as eleições foram en-


cerradas.]
b. [Ele não compareceu à reunião.] [Embora tenha sido avisado com
antecedência.] |
c. [Maria gosta de IPA.] [Que é seu tipo de cerveja favorita.]
d. [Aquele candidato só falou bobagens.] [O que afinal não é sur-
preendente].

dos esses casos, uma oração realiza modificação hipotáti-


ca numa oraçao a sua esquerda, bem à maneira das adverbiais e das
relat,,., exphMIv.s, P„rém, fa2em issQ à

128
Articulação entre orações

se tivessem sido desgarradas de uma frase para a outra. No primeiro


exemplo, temos a ocorrência de uma adverbial temporal, que interes­
santemente não se encontra no mesmo período da oração matriz à qual
imprime esse valor circunstancial. O mesmo se verifica em (41b), em
que a concessão expressa pela adverbial ocorre numa frase separada da
respectiva matriz. Já em (41c), a segunda frase estrutura-se como apos­
to oracional do SN [IPA], o que o caracteriza como uma relativa hipotá-
tica. No entanto, essa relativa localiza-se em outro período com relação
àquele que contém o SN que sofre o aposto. Por fim, (41 d) revela um
caso ainda mais intrigante: temos uma relativa restritiva adjunta ao SN
unitário [o]. Ocorre que “SN + relativa” não estão inseridos em nenhu­
ma oração matriz. Na verdade, o pronome o retoma anaforicamente
toda a frase anterior, o que caracteriza a construção como mais um caso
de uma oração desgarrada.
O uso de orações desgarradas é extremamente produtivo na produção
oral e escrita em diferentes gêneros discursivos (cf. Decat, 1999, 2001,
2005, 2011). Portanto, não se trata de uma má estruturação do período,
como uma análise superficial poderia sugerir. Pelo contrário, trata-se de
um recurso textual importante em certas estratégias argumentativas.

7. CASOS LIMÍTROFES

Antes de concluirmos este capítulo, gostaríamos de dizer que, nos


textos da vida real, uma frase pode ser articulada por mais de um tipo de
vinculação entre orações. Ou seja, podemos encontrar, num mesmo perío­
do, orações encaixadas, orações hipotáticas e orações paratáticas, além de
orações correlatas e eventuais desgarradas. Na frase que segue, por exem­
plo, diferentes tipos de articulação oracional acontecem.

(42) Ele disse que a eleição transcorrerá em paz, embora haja muita expec­
tativa de provocações entre os eleitores, que defenderão seus candida­
tos, mas sempre mantendo o respeito pelos outros.

Encontramos aqui um caso de encaixamento [ele disse que a elei­


ção transcorrerá em paz], seguido de uma hipotaxe adverbial [embora haja

129
PARA CONHECER Sintaxe

muita expectativa de provocações entre os eleitores], em cujo domínio há


um SN modificado por uma relativa apositiva [que defenderão seus can­
didatos] na qual uma paratática reduzida de gerúndio é enfileirada [mas
sempre mantendo o respeito pelos outros].
Apresentamos, neste capítulo, diferentes expedientes sintáticos de
estruturação de frases complexas de maneira separada, em função da
natureza didática de nossa exposição neste livro. Em situações reais de
uso, contudo, nosso mundo linguístico pode ser muito mais (interessan­
te e) complexo.
Além disso, é importante apontarmos o fato de que nem sempre é
possível traçar nitidamente um limite entre certos tipos de articulação ora-
cional. Por exemplo, no par de frases a seguir, é comum que sintaticistas
vacilem em decidir se ocorre hipotaxe ou parataxe.

(43) Aquele biscoito vende mais porque é fresquinho.

No caso, [porque é fresquinho] representa a causa adverbial - por­


tanto, hipotática - da venda excepcional do biscoito ou representa uma
explicação - portanto, paratática - para a afirmação veiculada na primeira
oração? Talvez você possa sustentar sua escolha por uma das duas análises,
mas um colega seu poderá discordar e apresentar argumentos em favor de
uma análise alternativa.
Veja a seguir mais um caso delicado. Em (44), temos o caso de uma
relativa hipotática reduzida ou temos uma adverbial reduzida?

(44) Você, sendo meu amigo, não deveria me trair.

Não parece possível decidir definitivamente por uma análise ou outra.


Na hipotática [você [que é meu amigo] não deveria me trair] temos cla­
ramente um caso de relativa explicativa, assim como em [você, [já que é
meu amigo], não deveria me trair] há um caso nítido de uma adverbial. No
entanto, a reduzida em (44) poderia ser parafraseada tanto pela explicativa
como pela adverbial citadas.
Além disso, nao é claro se frases nominais em que a elipse de
formas verbais é evidente deveriam ser analisadas como casos de pe­
no o composto. Por exemplo, como poderiamos analisar casos como
Farinha pouca, meu pirão primeiro ou Casa de ferreiro, espeto depaul

130
Articulação entre orações

Temos aqui formas abreviadas dos períodos compostos Se a farinha é


pouca, faça-se meu pirão primeiro e A casa é de ferreiro, mas o espeto
é de pau?
Por fim, frases feitas e provérbios devem ser analisados normal­
mente como casos de hipotaxe ou de parataxe? Ou esses são casos de
estruturas indecomponíveis e, assim, inanalisáveis em termos de funções
sintáticas? Isso quer dizer que, na prática, não temos como definir a sin­
taxe de sentenças como Bateu, levou ou Escreveu, não leu, o pau comeu.
Parece fácil inferir que há circunstâncias adverbiais nesses exemplos (Se
me bater, vai levar, Se escrever, mas não ler, vai apanhar). Portanto,
trata-se de hipotaxe?
Casos como esses, entre diversos outros, indicam que ainda há muito
o que se descobrir sobre a sintaxe das línguas em geral e a do português
em particular. Não é por outra razão que a pesquisa linguística é rica em
abordagens dedicadas aos estudos de sintaxe, como vimos até aqui e como
veremos no capítulo seguinte.

Leituras complementares
Neste capítulo, estudamos as relações entre as orações, algo que cos­
tuma aparecer sobre o rótulo de “análise sintática externa” nas gramáticas
escolares. O leitor deve ter percebido que extrapolamos o que costuma­
mos encontrar nessas gramáticas, apesar de estarmos muitíssimo longe de
esgotar o assunto (pelo contrário, aqui, talvez, tenhamos apresentado os
primeiros passos para uma análise que vai além da tradição gramatical).
O leitor interessado pode encontrar outros textos acessíveis dispo­
níveis no mercado editorial brasileiro, como o estudo pioneiro de Othon
Garcia, Comunicação em prosa moderna, de 1967. Além desse estudo pio­
neiro, há também alguns manuais e gramáticas que trazem análises inte­
ressantes sobre os fenômenos que estudamos no capítulo, como Moreno e
Guedes (1979), Moura Neves (2000), Azeredo (2008), Rodrigues (2010),
Bagno (2011), Hauy (2014).

131
PARA CONHECER Sintaxe

Exercícios
1. Explique o que se entende por encaixamento, hipotaxe e parataxe

em Sintaxe.
2 Faça as árvores sintáticas das seguintes frases.
a. Aquele político não gosta de que o chamem de conservador.
b. O povo tem consciência de que o Brasil é um país muito desigual.
c. Meu maior desejo é que as coisas mudem para melhor.
d. Que haja justiça é sempre desejável.

3. Faça as árvores das seguintes frases e discuta qual é a melhor análise


para classificar o sujeito da frase, se estamos diante de um sujeito ex-
pletivo ou oracional.
a. Que haja justiça é sempre desejável.
b. É sempre desejável que haja justiça.

4. Faça as árvores sintáticas das frases seguintes e explique, em suas pala­


vras, a diferença entre distância linear e distância estrutural.
a. O rato que o gato que o cachorro espantou perseguia fugiu.
b. O rato que meu amigo tinha comprado numa feira de animais do­
mésticos peculiares no centro de Porto Alegre fugiu.

5. Pegue o livro que estiver mais próximo de você (sem ser este que está
em suas mãos agora!). Abra aleatoriamente numa página e faça a aná­
lise sintática da primeira frase em que você botar os olhos. Repare nos
recursos sintáticos que o autor do texto usou para expressar a informa­
ção veiculada na frase em questão. Veja a frase seguinte e a anterior
e repare nas ligações de significado que elas mantêm com a frase que
você analisou.

132
DUAS ABORDAGENS
NO ESTUDO DA SINTAXE

Objetivos gerais do capítulo


O Tradição normativa e formalismo - explicitaremos a orientação da Gra­
mática Tradicional e da tradição Gerativista subjacente às análises sin­
táticas dos capítulos anteriores;
O Funcionalismo e demais teorias baseadas no uso - descrevemos as prin­
cipais hipóteses teóricas e as mais importantes categorias analíticas da
Sintaxe de orientação Funcional;
O Experimentos em Sintaxe - descrevemos os fundamentos epistemoló-
gicos e metodológicos da pesquisa experimental sobre Sintaxe.

133
PARA CONHECER Sintaxe

t A ABORDAGEM TRADICIONAL-NORMATIVA
E A ABORDAGEM FORMALISTA

Com este livro, temos a intenção de apresentar ao público univer­


sitário as ferramentas teóricas e descritivas essenciais à iniciação no
estudo da Sintaxe. A cada página, procuramos oferecer a você, leitor,
uma oportunidade de compreender noções indispensáveis ao trabalho
do sintaticista. Com efeito, as categorias linguísticas que aqui exami­
namos - como “item lexical”, “sintagma”, “função sintática”, “oração”
“frase”, “hierarquia”, “ordenamento” e “articulação entre orações” -
perpassam, em maior ou menor grau, todos os estudos sérios sobre Sin­
taxe em qualquer língua natural (como o português, o inglês, a Libras,
o ticuna, o mandarim...). Sendo assim, acreditamos que, seja qual for a
corrente teórica que você, como estudante, venha a adotar no aprofun­
damento futuro de sua formação linguística, os conceitos contemplados
ao longo deste livro constituirão os alicerces de seu conhecimento so­
bre Sintaxe.
Além de nossa preocupação puramente científica, esperamos que os
conteúdos apresentados nos três capítulos anteriores lhe sejam úteis tam­
bém em sua atuação como professor/professora. Esforçamo-nos ao máximo
para reunir, neste volume, os melhores subsídios para a sua vida docente.
Sabemos do grande desafio que será a sua tarefa de pesquisar e/ou ensinar
Sintaxe de maneira descritivamente adequada no contexto brasileiro.
Até o presente capítulo, introduzimos o leitor aos elementos fun­
damentais no estudo da Sintaxe com ênfase em dados do português bra­
sileiro, sem nos atermos explicitamente a nenhuma abordagem teórica
especifica. Para sermos honestos, muito do que apresentamos nas pági­
nas anteriores esteve, de alguma forma, sustentado em conhecimentos de
Sintaxe produzidos pela Gramática Normativa Tradicional e pela Lin­
guística Gerativa. Baseamo-nos nos ensinamentos de Sintaxe da tradi­
ção gramatical porque julgamos que você já tenha se familiarizado, ao
ongo de sua jornada acadêmica, com a análise de cunho tradicional-nor-
ma ivo piesente em diferentes gramáticas escolares e livros didáticos de
ticTZd°rtU8UTc ^ÍCUlad0S n° BrasiL SemPre noções de Gramá-
falharam ou se mostraram limitadas, expandimos nossas

134
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

explicações apresentando conceitos oriundos da tradição da Linguística


Gerativa — como, por exemplo, a noção de sintagma e as representações
de estruturas em árvores sintáticas. Adotamos essa orientação formalis-
ta por dois motivos básicos.

ABORDAGEM FORMALISTA E GERAT1VISMO


Uma abordagem formalista caracteriza-se como tal por seu esforço em ela­
borar descrições linguísticas de modo formal, isto é, da maneira mais ex­
plícita possível, com recurso a fórmulas e demais técnicas de formalização
como árvores sintáticas e formas lógicas. Além disso, análises linguísticas
formais abstraem das línguas naturais todas as suas funções práticas, como
a comunicação e a interação, de modo que se tome possível produzir for­
malizações acerca das estruturas linguísticas abstratas que subjazem ao uso
real de uma língua. Não raramente, abordagens formalistas são simplifica-
damente identificadas como aquelas dedicadas às formas linguísticas inde­
pendentes de suas funções.
A Linguística Gerativa é a mais conhecida abordagem formal das ciên­
cias da linguagem. O nome do fundador e principal teórico dessa cor­
rente linguística - Noam Chomsky - está fortemente associado aos ter­
mos “formal”, “formalismo” etc. Não obstante, uma abordagem formal
não se restringe ao gerativismo, nem ao estudo da Sintaxe. Há pesquisa­
dores formalistas não gerativistas e há formalismos acerca de todos os
componentes da linguagem humana. Na Linguística em geral, portanto,
além da Sintaxe Formal, existem também áreas como Semântica For­
mal, Pragmática Formal etc.

Em primeiro lugar, nós, autores, tivemos formação em Sintaxe Ge­


rativa ao longo de muitos anos como estudantes e como pesquisadores da
área. Em segundo lugar, o formalismo gerativista é, salvo melhor juízo, a
teoria mais estudada e mais desenvolvida no estudo de Sintaxe tanto em
universidades estrangeiras (sobretudo as dos EUA) como brasileiras — basta
ver, por exemplo, que diversos manuais didáticos difundidos nos cursos
de graduação e pós-graduação stricto sensu do país contam com capítulos
de introdução à abordagem gerativa (cf. Mussalim e Bentes, 2001; Fio-
rin, 2002; Guimarães e Zoppi Fontana, 2006; Martelotta 2008a; Schwindt,
2014, por exemplo). Instrumentalizar você nesses dois modelos de Sintaxe
é principal missão deste volume.

135
PARA CONHECER Sintaxe

Neste nosso último capítulo do livro, desejamos ampliar seus conhe­


cimentos básicos em Sintaxe apresentando-lhe duas abordagens teóricas
distintas da Gramática Tradicional e da Linguística Gerativa: a Sintaxe
Funcional e a Sintaxe Experimental. Tanto o Funcionalismo Linguístico
quanto a Sintaxe Experimental são abordagens exploradas, via de regra,
apenas em cursos de mestrado e de doutorado nos melhores programas de
pós-graduação em Letras, em Linguística e em Estudos da Linguagem do
país. Portanto, ao apresentarmos as seções a seguir, visamos não somente
enriquecer sua formação como bacharel e/ou licenciado, como também
estimular seu desejo de aprofundamento nos estudos de Sintaxe para além
da graduação.

SINTAXE, SINTAXES
Em 2015, nós, autores, organizamos pela editora Contexto o livro Sintaxe,
sintaxes: uma introdução. Nele, o leitor encontrará capítulos introdutórios
e bastante elucidativos sobre onze diferentes vertentes contemporâneas de
estudos em sintaxe: Sintaxe Gerativa, Sintaxe Minimalista, Sintaxe Experi­
mental, Sintaxe Tipológica, Sintaxe Lexical, Sintaxe Computacional, Sin­
taxe Funcional, Sintaxe Construcionista, Sintaxe Descritiva, Sintaxe Nor­
mativa Tradicional e Sintaxe em Teoria da Otimidade. Convidamos você a
conhecer tal livro para, assim, manter contato inicial com diversas outras
abordagens no estudo sintático das línguas.

2. ABORDAGEM FUNCIONALISTA

O funcionalismo é a vertente mais madura dos estudos linguísticos


que se reconhecem como abordagens baseadas no uso de uma língua.
Se quisermos estudar Sintaxe pelo viés teórico funcionalista, devemos
compreender a língua como um código comunicativo, isto é, como um
sistema cuja finalidade é veicular informação numa situação comunica­
tiva real. Em decorrência disso, quando um funcionalista se dedica ao
estudo da Sintaxe, ele assumirá que os fenômenos desse componente
linguístico refletirão, em algum grau, diferentes valores e intenções co­
municativas construídos no uso real da língua. De fato, uma das idéias
centrais da abordagem funcionalista é a de que as estruturas das línguas

136
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

são fortemente determinadas por suas funções. Para um funcionalista,


pesquisar a sintaxe de uma língua é compreender e descrever o valor
funcional (em termos comunicativos e de estrutura informacional) das
diversas unidades estruturais existentes na gramática dessa língua. A
Sintaxe Funcionalista é, portanto, uma abordagem que procura enfati­
zar a relação entre forma e função na organização sintática e grama­
tical da língua.

ORIGENS DO FUNCIONALISMO
Os principais linguistas dos anos de formação do funcionalismo foram Ni-
kolai Trubetzkoy, Roman Jakobson e André Martinet.
Nikolai Trubetzkoy (1890-1938), de origem russa, foi o principal fundador
da Escola Linguística de Praga e um dos pioneiros em trabalhos na inter­
face entre Morfologia e Fonologia. Juntamente com Jakobson, Trubetzkoy
estabeleceu conceitos fundamentais para a Fonética e a Fonologia, reunidos
em sua obra póstuma Princípios de fonologia.
Roman Jakobson (1896-1982) desenvolveu seu trabalho preocupado com
a maneira pela qual uma forma linguística poderia servir à sua função
principal: a comunicação. Juntamente com Trubetzkoy, Jakobson desen­
volveu importantes trabalhos na Escola Linguística de Praga. Com a Se­
gunda Guerra Mundial, Jakobson emigrou para os Estados Unidos e, em
1949, passou a trabalhar na Universidade de Harvard. Um de seus legados
mais importantes e lembrados na Linguística talvez seja a noção de “fun­
ções da linguagem”.
André Martinet (1908-1999) foi um linguista francês de grande importân­
cia nos estudos funcionalistas, muito influenciado pela Escola Linguística
de Praga. Ele foi também o fundador da Sociedade de Linguística Funcio­
nal e um dos pioneiros no trabalho funcional da Sintaxe. Seu livro mais
conhecido foi publicado em 1960, o Elementos de linguística geral.

As principais diretrizes da Sintaxe Funcional e do funcionalismo, em


geral, podem ser assim resumidas:
(i) entender a linguagem como uma competência comunicativa dos fa­
lantes e, com base nesse axioma, estudar o que as pessoas comunicam
(isto é, que tipos de informação são codificados linguisticamente) e
como elas fazem isso (isto é, como a mensagem a ser transmitida

137
PARA CONHECER Sintaxe

pode ser codificada em unidades como fonemas, morfemas, sintag­


mas, orações, frases e discursos);
(ii) entender que a competência gramatical de um falante não é arbitrá­
ria; ela é, antes, reflexo de sua competência comunicativa. Em outras
palavras, a gramática de uma língua é motivada pelas funções perti­
nentes à comunicação. Daí se depreende que deve existir uma relação
natural (isto é, motivada e não arbitrária) entre forma/estrutura gra­
matical, de um lado, e função/uso linguístico, de outro.

Ambas as diretrizes orientarão diretamente o fazer da Sintaxe funcio-


nalista em qualquer língua natural. Vejamos como isso acontece. Para co­
meçar, analisemos o conhecido princípio da iconicidade, conceito semió-
tico aplicado, nos estudos da linguagem, especialmente por funcionalistas
nos EUA - o chamado funcionalismo norte-americano.

2.1 Iconicidade

Um exemplo de iconicidade na língua é a relação semiótica entre


signo linguístico e evento real representado. Por exemplo, é natural pen­
sarmos que um evento no mundo físico que não envolva nenhum partici­
pante seja codificado por uma estrutura sintática sem nenhum argumento,
conforme (1) a seguir. De maneira semelhante, um evento que envolva um
único participante poderá ser naturalmente codificado por um verbo com
apenas um argumento - nesse caso, o sujeito, como se vê em (2). Já um
evento que envolva dois participantes no mundo pode ser codificado por
uma estrutura com dois argumentos gramaticais, um sujeito e um comple­
mento verbal, tal como em (3).

(1) 0 choveu ontem - evento sem participantes.


(2) João dormiu - evento com um participante.
(3) João viu Maria - evento com dois participantes.

Essa é uma maneira icônica de representar um evento no mundo real


(chover, dormir e ver, em nossos exemplos) por meio de formas linguísti­
cas. Ou seja, trata-se de uma maneira icônica de codificar linguisticamente
uma cena do mundo.

138
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

PRINCÍPIO DA ICONICIDADE
“Um ícone é algo como um retrato, ou uma escultura, de uma pessoa. Ou
seja, um ícone se assemelha a seu referente, é a reprodução que mais di­
retamente espelha esse referente. A iconicidade seria, portanto, o princípio
por meio do qual se pode criar uma estreita relação de semelhança entre
uma coisa (uma imagem ou fotografia) e outra (o ser ou objeto retratado).”
Dutra (2003:41)

Outro exemplo da influência do princípio da iconicidade na gra­


mática de uma língua pode estar refletido na organização linear dos
constituintes da frase. Para entender isso, imagine a seguinte cena. Em
um jogo de futebol, você vê um jogador com a bola nos pés. De repente,
ele chuta a bola. Essa “cena”, em língua portuguesa, seria muito pro­
vavelmente verbalizada como: O jogador chutou a bola. Com efeito,
na maioria das línguas do mundo, verbalizamos essa cena numa frase
estruturada como (4) ou (5).

(4)
v 7
[Ojogador]
L J o
.. [chutou]Jverbo
Jsujeito L
. L[abola]..
Jobjeto

(5)
v 7 [Ojogador]
l j o [abola]..,
jsujeito L [chutou]
Jobjeto L
.
J verbo

Em um estudo tipológico, Dryer (2005) demonstrou que, entre 1.056


línguas catalogadas e organizadas em função da disposição linear de
constituintes sintáticos, 497 seguem o padrão sujeito-objeto-verbo (SOV,
como é o caso do coreano e do japonês, por exemplo) e 435 seguem
o padrão sujeito-verbo-objeto (SVO, como o português e o mandarim,
por exemplo). Ou seja, parece haver uma generalização de um princípio
icônico de estruturação sintática em que o sujeito é o primeiro elemento
da frase, pois ele antecede seu predicado em quase 90% das línguas pes­
quisadas. Naturalmente, esses dados dizem respeito a frases declarativas
simples, com uma estrutura informacional “neutra”, sem, por exemplo,
ênfases ou contrastes. Noutras condições discursivas, outros tipos de or­
denação linear podem ser mais produtivos. Não obstante, peiceba que
as frases (4) e (5) parecem descrever a cena conforme supomos que ela
aconteça”, seja no mundo real, seja em nossa representação mental sobre
esse mundo: um jogador (sujeito) desempenha uma ação (verbo) com
um objeto do mundo (objeto do verbo). Podemos dizer, portanto, que a

139
PARA CONHECER Sintaxe

organização sintática SVO em português (ou SOV, noutras línguas), por


refletir a cena que descreve, pode ser entendida como uma organização
gramatical icônica.
Mais um exemplo de iconicidade é a proximidade linear entre as ex­
pressões linguísticas e o escopo da interpretação que dela fazemos. Essa
proximidade pode representar uma relação entre as entidades ou os concei­
tos denotados numa frase. Vejamos o exemplo a seguir.

(6) O João disse que a Maria chegou ontem.


4__ I i | L J L l f

Repare como o sujeito de cada verbo aparece próximo a ele nas


sequências lineares [O João disse] e [a Maria chegou]. Da mesma manei­
ra, o advérbio [ontem] tem escopo sobre a oração subordinada [a Maria
chegou] - e não sobre a oração matriz [O João disse]. Ou seja, o advérbio
[ontem] modifica o verbo da oração em que está contido: a Maria chegou
ontem e não O João disse ontem. Se quisermos que esse advérbio seja in­
terpretado como modificador do verbo da oração matriz, [disse], precisa­
mos movê-lo de sua posição original e alocá-lo justamente mais próximo
do verbo dessa oração, como acontece em (7) a seguir, ou então podemos
tentar marcá-lo prosodicamente, de modo a indicar que esse constituin­
te adverbial não pertence ao mesmo agrupamento sintático e prosódico
da oração subordinada - em (8), tentamos mostrar esse efeito prosódi­
co com recurso ao travessão. Ao ocupar outro nicho sintático ou ao ser
marcado prosodicamente, o ADV [ontem] não pertencerá, portanto, ao
mesmo agrupamento da oração subordinada, fato que o licenciará para
atuar fora desse constituinte.

(7) O João disse ontem [que a Maria chegou].


(8) O João disse [que a Maria chegou] - ontem.

Um exemplo de iconicidade menos autoevidente é o uso da posição ini­


cial ou da posição final de uma frase como espaço para codificar a saliência
informacional e comunicativa do que se quer dizer num enunciado. A posi­
ção mimai de uma frase normalmente codifica o tópico frasal, ou seja,
um tema, um assunto, uma informação velha ou compartilhada comuni-

140
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

cativamente, como discutimos ao final do capítulo “Funções sintáticas”.


Por sua vez, a posição final da frase costuma ser destinada à veiculação
da informação nova, isto é, ao foco informacional do que se diz. Veja os
seguintes exemplos.

(9) A Maria tem dois irmãos, o Paulo e o João. Ela gosta muito do Paulo.
a. tópicotO João] ela não suporta.
b. ?? Ela não suporta tópico[o João].
(10) Como o João chegou em casa ontem?
a. Ele chegou em casa foco[cansado].
b. ?? foco[Cansado], ele chegou em casa.

Os pontos de interrogação à frente da frase marcam a estranhe­


za do enunciado num dado contexto. Note que as frases em (b) são
bem formadas gramaticalmente, mas soam estranhas no contexto dado.
Isso acontece porque, em (9b), o tópico está na posição final da frase,
um espaço sintático reservado a elementos focalizados. Já em (10b),
o foco informacional aparece no começo da frase, uma posição, como
vimos, em que se esperam elementos que funcionam como tópicos.
Repare, nos contextos dos exemplos a seguir, como as frases em (b)
soam agora bem mais naturais, ao passo em que as frases em (a) é que
parecem anômalas.

(11) Qual de seus irmãos a Maria não suporta? O Paulo ou o João?


a. ?? foco[O João] ela não suporta.
b. Ela não suporta foco[o João].
(12) João saiu da aula muito cansado. E assim,
a. ?? ele chegou em casa (ópico[cansado].
b. [cansado], ele chegou em casa.
Como as respostas em (11) e (12) têm outra configuração discursiva —
ainda que tenham a mesma estrutura sintática superficial que as respostas
em (9) e (10), respectivamente —, o efeito de estranheza ou aceitabilidade
em (a) e (b) foi invertido. Esse fenômeno evidencia o princípio da iconi-
cidade porque, durante uma interação comunicativa, informações novas
(foco) são normalmente apresentadas a partir de uma informação já com­
partilhada (tópico) - e não o contrário. É a organização sintática a serviço

141
PARA CONHECER Sintaxe

da organização informacional e comunicativa. Voltaremos a falar dessa or­


ganização frasal em tópico-foco mais adiante neste capítulo.

2.2 Funções comunicativas e sua expressão sintática

Nas décadas de 1980 e 1990, o linguista norte-americano Talmy


Givón formulou a ideia de que a linguagem humana poderia ser ca-
racterizada a partir de duas funções básicas: a função representacio-
nal e a função comunicativa. A primeira dessas funções diz respeito à
possibilidade de representarmos pela linguagem a nossa percepção do
mundo real. Em outras palavras, essa função linguística nos permite
falar sobre o mundo em que vivemos, tal como ele é por nós percebido.
Para Givón, tal função aparece codificada em diferentes propriedades
sintáticas e morfológicas das línguas como, entre outras, (i) a expressão
da relação entre ações, processos, estados e seus participantes, (ii) a
contiguidade linear entre núcleos e seus argumentos, (iii) a expressão
de funções semânticas dos participantes de uma ação ou de um pro­
cesso (agente, paciente, tema, instrumento etc.) por meio de funções
sintáticas mais ou menos correspondentes (sujeito, objeto direto, objeto
indireto, adjunto etc.).

TALMY GIVÓN
Givón foi um dos fundadores da Linguística Funcional nos EUA. Ele funda­
mentou suas generalizações funcionalistas em pesquisas empíricas realiza­
das nas mais diversas famílias linguísticas do mundo (semíticas, africanas,
ameríndias, austronésias, sino-tibetanas e indo-europeias). Ele é também
um notável estudioso da gramaticalização em línguas pidgins e crioulas.

A segunda função mencionada por Givón diz respeito ao modo como


falamos, isto é, à maneira pela qual codificamos informações linguísticas
durante a comunicação. Givón (1995) distingue dois subtipos da função
comunicativa: a função interpessoal, que se refere à codificação dos as­
pectos pertinentes à interação comunicativa, e a função textual, referente
à organização do fluxo de informação linguística para o processamento
cognitivo eficiente da comunicação.

142
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

A função interpessoal está relacionada a como interagimos com nos­


so interlocutor por meio da linguagem verbal. Essa função reflete-se, por
exemplo, nos diferentes tipos gramaticais de orações (declarativas, inter­
rogativas, imperativas, exclamativas), que produzem diferentes efeitos de
atos de fala e seus respectivos modos de interação com o interlocutor.
Givón chamou a atenção para o fato de a linguagem nos permitir a codi­
ficação de diferentes forças elocutivas em um dado enunciado, conforme
vemos a seguir. Note que cada frase a seguir veicula um modo distinto de
interação entre quem fala e o seu interlocutor.

(13) Está chovendo. Preciso de um guarda-chuva, declaração


(14) Está chovendo. Você pode me emprestar seu guarda-chuva? pedido
(15) Está chovendo. Me dá seu guarda-chuva, ordem

Um bom exemplo da função interpessoal da linguagem humana são


os pronomes de tratamento. Esses itens lexicais não somente indicam as
pessoas do discurso, mas também revelam o modo de participação de cada
locutor numa dada interação comunicativa. Em português, por exemplo,
o uso de diferentes formas de tratamento (senhor, senhora, tu, você e sua
forma reduzida cê, por exemplo), ao lado de certas formas verbais (verbos
flexionados no futuro do pretérito, por exemplo), marcam o status do inter­
locutor com relação ao falante. Esse status pode veicular respeito, forma­
lidade, afastamento, igualdade, proximidade familiar, informalidade etc.
Repare isso nos seguintes exemplos, que partem da expressão mais formal
em (16) à menos formal em (19).

(16) O senhor gostaria de me entregar seu casaco?


(17) Você quer me entregar seu casaco?
(18) Tu quer me entregar teu casaco?
(19) Cê quer me entregar teu casaco?
Mais uma vez, percebemos que um princípio comunicativo está
atuando diretamente em aspectos sintáticos de organização da infor

ção na língua.

143
PARA CONHECER Sintaxe

ATOS DE FALA
O filósofo da linguagem J. L. Austin (1911-1960) propôs a teoria dos atos
de fala, continuada especialmente por seu aluno J. R. Searle. A ideia básica
dos atos de fala é que, quando falamos, fazemos mais do que simplesmente
expressar conteúdos preposicionais: nossos enunciados são também dota­
dos de forças comunicativas.
“Austin (1962) propõe que o ato comunicativo pode se apresentar em vá­
rios níveis, sendo os mais relevantes: o ato locutivo, o ato ilocutivo e o ato
perlocutivo.
• Ato locutivo: resume-se no ato de proferir uma sentença com certo
significado e um conteúdo informacional, ou seja, o sentido restrito
da sentença, a descrição dos estados de coisas.
• Ato ilocutivo: é a intenção do proferimento do falante, ou seja, as
ações que realizamos quando falamos: ordenamos, perguntamos, avi­
samos etc.
• Ato perlocutivo: são os efeitos obtidos pelo ato ilocutivo, ou seja, o
resultado que conseguimos com nosso ato de fala: assustamos, con­
vencemos, desagradamos etc.” (Cançado, 2012: 146)

Por seu turno, a função textual está relacionada à maneira como orga­
nizamos o discurso em um fluxo coerente. De um ponto de vista comuni­
cativo, essa maneira deve ser a ótima, isto é, a melhor possível. Para Givón
e outros funcionalistas norte-americanos, os princípios que regem a função
textual não são arbitrários nem específicos da linguagem verbal. Pelo con­
trário, esses princípios seriam decorrentes de aspectos gerais da cognição
humana, tal como a maneira como agrupamos e processamos informações
de natureza não linguística. De fato, as línguas naturais dispõem de recur­
sos para organizar a comunicação de forma a tornar salientes determinados
pedaços de informação . Por exemplo, o princípio de organização infor­
macional determina, como já vimos, que elementos novos no discurso de­
vem ocupar a posição final da frase, ao passo que elementos já conhecidos
pelo interlocutor devem ocupar a posição inicial da frase. Vejamos a seguir
mais um exemplo desse tipo de organização frasal.

(20) a. Quem você vai convidar para a festa?


b' tópicofEu vou convidar] roJo João, o Pedro e a Maria],

144
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

Compare (20), que se caracteriza com um diálogo “natural”, a (21)


em que a resposta em (b) nos causa estranhamento. ’ ' ’

(21) a. Quem você vai convidar para a festa?


b- ??foCO[O J°ão, o Pedro e a Maria] lópico[eu vou convidar],

O estranhamento de (21b) decorre de aspectos relacionados à arti­


culação informacional da frase - e não somente de questões puramente
sintáticas associadas à ordem dos constituintes. Isso ficará mais evidente a
partir da análise dos exemplos que se seguem.

(22) a. Quem te convidou para a festa?


b. Quem me convidou foi o irmão do João.
(23) a. Quem te convidou para a festa?
b. ? O irmão do João me convidou.

Nesses dois exemplos, ocorre o mesmo que se vê em (20) e (21),


isto é, em (22) há uma resposta com a organização tópico-foco e, em (23),
a resposta veicula a ordem foco-tópico. Repare como a resposta em (22b)
soa bastante natural. Por contraste, (23b) nos causa certo estranhamento -
a menos que usemos uma prosódia marcada para a frase, que confira
ênfase acentuai ao sujeito [o irmão do João] - algo do tipo o IRMÃO DO
JOÃO me convidou. Tal sensação de estranheza acontece porque as posi­
ções entre tópico e foco foram invertidas nesse exemplo, fato que gera
uma estrutura informacional inesperada, como também já havíamos exa­
minado no início deste capítulo.

2.2 SINTAXE E OS SUBPRINCÍPIOS DA ICONICIDADE

Givón e outros funcionalistas tornaram mais explícitas as relações


entre estruturas sintáticas e a iconicidade semiótica ao formularem três
divisões para esse princípio funcional: os subprincípios da quantidade, da
integração e da ordem.
De acordo com o subprincípio da quantidade, devemos entender que
quanto maior for a quantidade de informação a ser veiculada, maior sera
ã quantidade de estruturas linguísticas necessárias para estabelecer a co
municação. Um interessante desdobramento desse princípio pode ser per

145
PARA CONHECER Sintaxe

cebido na relação entre a quantidade de material linguístico (morfemas e


itens lexicais) e o distanciamento entre locutor e interlocutor, em termos
de graus de formalidade, no seguinte sentido: quanto mais formal for a
situação comunicativa em que estivermos engajados, mais material lin­
guístico iremos usar para expressar, em uma frase (ou mais), aquilo que
queremos comunicar. É algo que já pudemos antecipar nos exemplos (16)
a (19). Veja, em seguida, que as frases (24) e (25) expressam o mesmo
conteúdo proposicional (ou seja, têm basicamente o mesmo significado),
porém a quantidade de estrutura formal (de itens lexicais) presente no pri­
meiro exemplo é bem maior em relação ao segundo. Essa assimetria revela
o nível de formalidade existente entre locutor e interlocutor em cada uma
dessas situações comunicativas.

(24) O senhor poderia, por gentileza, me alcançar o jornal? pedido formal


(25) Cê me alcança o jornal? pedido informal

O subprincípio da integração, por sua vez, determina que quanto


maior a integração cognitiva entre conteúdos, maior a integração das estru­
turas sintáticas que veiculam tais conteúdos. Um exemplo morfossintático
desse princípio pode ser visto na concordância verbal variável, fenômeno
ubíquo no português brasileiro. Nesse caso, a presença de material linguís­
tico interveniente entre sujeito e verbo tornará a relação entre esses dois
constituintes menos integrada cognitivamente, de modo que quanto mais
elementos separarem o sujeito e o verbo, tanto menor será a chance de
ocorrer concordância morfossintática entre esses dois elementos. Para ver
um exemplo real desse fenômeno, tomemos o seguinte exemplo retirado de
um corpus, apresentado por Costa (1995).

(26) Há pouco tempo atrás, dois bárbaros assassinatos, o da atriz Daniela


Perez e o da menina que foi queimada pelos sequestradores, ressusci­
tou a polêmica da Pena de Morte, (corpus D&G/Natal, p. 321)

Vemos aqui que o sujeito [dois bárbaros assassinatos] é separado


de seu respectivo predicado, [ressuscitou a polêmica da Pena de Morte],
pelo longo aposto [o da atriz Daniela Perez e o da menina que foi quei­
mada pelos sequestradores], A presença desse material entre sujeito e
verbo fez com que a concordância fosse enfraquecida, assim o número

146
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

plural do sujeito não foi marcado também no verbo, que permaneceu no


singular. Repare como esse efeito se desfaz se retirarmos o aposto inter-
veniente entre sujeito e verbo.

(26’)Há pouco tempo atrás, dois bárbaros assassinatos ressuscitaram a


polêmica da Pena de Morte.

Finalmente, o subprincípio da ordem estipula que há uma tendên­


cia de a ordem sintática dos elementos na frase refletirem a ordem se­
mântica dos acontecimentos no mundo - conforme já demonstramos
anteriormente nos exemplos (4) e (5). A organização sintática, além de
refletir o princípio da ordem semântica, guia-se também pelos princí­
pios comunicativos de organização do fluxo informacional, como já
vimos. E por essa razão que, numa frase como [o jogador chutou a
bola], vemos convergir a iconicidade da cena no mundo e a ordenação
semântica dessa estrutura sintática.

2.3 Marcação

Em Sintaxe Funcional, é importante fazer a distinção entre formas


linguísticas marcadas e formas não marcadas. As formas não marcadas
são as mais frequentes no uso da língua e as que envolvem menos material
linguístico. Uma forma marcada, por sua vez, é aquela menos frequente e
que demanda mais codificação linguística. Podemos ilustrar o princípio
da marcação com a morfologia flexionai de número e gênero em portu­
guês. Com efeito, uma forma não marcada é um substantivo masculino no
singular, como [presidente]. É essa a forma que consta, por exemplo, na
entrada em qualquer dicionário de língua portuguesa. Em relação à forma
não marcada, expressões como [presidentes], [presidenta] e [presidentas]
serão interpretadas justamente como formas marcadas, já que expressam
mais informações, a saber, gênero feminino e/ou número plural, e são me­
nos frequentes no uso da língua.
Outro exemplo de estrutura marcada e não marcada em sintaxe
pode ser observado na oposição entre frases na voz verbal ativa e na
voz passiva. Uma frase ativa é considerada não marcada, isto é, mais

147
PARA CONHECER Sintaxe

frequente e com menos demanda de codificação linguística. Por outro


lado, sua contraparte passiva é linguisticamente marcada, o que signifi­
ca dizer que ela é menos frequente e envolve mais material linguístico.
Veja, a seguir, um exemplo da assimetria entre as vozes verbais: en­
quanto temos 4 itens lexicais na frase expressa na voz ativa, sua passiva
correspondente apresenta 6 itens.

Corruptos depuseram o presidente.


1 2 3 4
O presidente foi deposto por corruptos.
1 2 3 4 5 6

Note bem: uma abordagem funcionalista deve esperar que uma forma
marcada tenha alguma boa motivação comunicativa para ser empregada
no uso real da língua. Afinal, por que as pessoas escolheríam uma determi­
nada forma, em detrimento de outra, para expressarem o conteúdo que de­
sejam veicular? Devemos imaginar que exista alguma diferença no uso de
cada uma dessas formas; senão, não haveria motivo para ambas existirem.
Aqui, mais uma vez, estamos frente a um princípio caro aos funcionalistas:
cada forma deve ter uma função no sistema linguístico. No caso das vozes
verbais, uma passiva pode ser usada quando desejamos promover o objeto
direto do verbo a uma posição de maior saliência discursiva, ao mesmo
tempo em que demovemos o sujeito dessa saliência, por exemplo. Veja­
mos, no seguinte minidiálogo, como isso acontece.

(27) a. O que aconteceu?


b’. O João matou o Paulo.
b”. ? O Paulo foi morto pelo João.

Nesse exemplo, o falante A faz uma pergunta a B, sem demons­


trar ter a priori nenhum conhecimento sobre o que tenha acontecido:
A resposta mais natural de B parece ser (27b’), uma construção, como
vimos, não marcada em português. Sem qualquer motivação aparente, a
oração passiva em (27b”) promove o paciente da ação [o Paulo] a uma
posição de destaque da frase. Ora, a falta de contexto para (27b”) é a
causa do estranhamento do emprego de uma voz passiva como resposta
para (27a).

148
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

Um efeito ainda mais estranho se verifica no próximo exemplo. Ago­


ra, A sabe que aconteceu algo envolvendo o João, mas não sabe exatamente
o que aconteceu.

(28) a. O que aconteceu com o João?


b’. Ele matou o Paulo.
b”. #0 Paulo foi morto por ele.

A resposta em (28b”) não é apenas estranha, mas, de fato, inaceitável


no contexto - e, por isso, a marcamos com o sinal #. Ou seja, não há qual­
quer razão comunicativa para o emprego de uma forma sintática marcada
nesse caso. O que vemos na resposta (28b”) é, a bem da verdade, uma in­
versão do que esperaríamos encontrar em termos de organização informa-
cional da frase. Repare que ali o foco aparece no início da frase e o tópico
no fim, e o paciente aparece em primeiro plano (em posição de figura) e o
agente em posição de fundo. Em contraste, a resposta (28b’) é funcional­
mente aceitável, justamente porque preserva os princípios comunicativos
de organização sintática do fluxo informacional.

2.4 TEORIA SINTÁTICA E USOS LINGUÍSTICOS

Contemporaneamente, as propostas originais do funcionalismo lin­


guístico evoluíram para um conjunto de princípios epistemológicos e me­
todológicos que tomam corpo nas chamadas abordagens baseadas no uso
(cf. Martelotta, 2011). Tais abordagens unificam um grupo heterogêneo de
pesquisadores das mais diferentes afiliações acadêmicas, como sociolin-
guistas, construcionistas, conexionistas, sociocognitivistas, certos psico-
iinguistas - além dos próprios sintaticistas funcionalistas.
Essencialmente, pesquisadores dessa nova abordagem funcional
sustentam que a sintaxe de uma língua natural seja um fenômeno inex-
trincavelmente relacionado aos seus usos reais. Portanto, trata-se de um
aprofundamento das premissas originais funcionalistas, de acordo com as
quais as formas linguísticas decorrem de suas funções. A novidade dessa
abordagem é a caracterização da sintaxe como um sistema emergente, di­
nâmico e flexível. Esse sistema se encontraria em reformulação constante

149
PARA CONHECER Sintaxe

em razão de diversas e complexas propriedades estruturantes que só to-


mam vida a cada uso específico que falantes de uma língua vão fazendo
em sua vida cotidiana. Em especial, os novos funcionalistas assumem que
tais propriedades espelham características genéricas da cognição humana
e, por conseguinte, não podem ser interpretadas nos termos estritamente
linguísticos da análise sintática - como supõem pesquisadores de outras
correntes, como os gerativistas.
O objetivo mais ambicioso dos desdobramentos mais recentes das
abordagens funcionalistas é desenvolver teorias e análises linguísticas
que descrevam como as estruturas sintáticas das línguas refletem proces­
sos cognitivos gerais, como analogia, automatização, atenção e categori-
zação. Esses processos, de acordo com os linguistas orientados pelo uso,
são bem conhecidos nos estudos de outras funções cognitivas, como a
memória, o raciocínio, a visão, o planejamento de ações, a conceitualiza-
ção, entre outros. Logo, a agenda presente e futura dessa abordagem de­
verá concentrar-se na tarefa de desvendar como a sintaxe de uma língua,
como o português ou qualquer outra, é, na verdade, um epifenômeno de
uma pletora de fenômenos cognitivos e interacionais que tomam forma
no uso e pelo uso linguístico.

3. ABORDAGEM EXPERIMENTAL

A abordagem da Sintaxe Experimental não se configura como uma


teoria específica sobre a natureza da linguagem humana, por isso ela não
deve ser compreendida como uma alternativa ao funcionalismo ou ao for­
malismo em Linguística. Com efeito, o recurso à experimentação consti­
tui se como uma opção metodológica de pesquisa que pode ser adotada
por linguistas das mais diferentes correntes epistemológicas e ideológicas.
Existem, inclusive, diversos trabalhos experimentais em desenvolvimento
o Biasil e no restante do mundo que são dedicados a componentes lin­
guísticos distintos da Sintaxe, nos campos da Semântica Experimental e
da Pragmática Experimental, por exemplo. Nesse sentido, quais seriam
as características que definem em especial a “Sintaxe” Experimental como
abordagem metodológica? De que maneira tal abordagem pode ser adotada

150
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

por um sintaticista nela interessado? Apresentaremos, ao longo desta parte


final do livro, as respostas mais maduras de que hoje dispomos para ques-
tionamentos como esses.
Em essência, o que distingue a Sintaxe Experimental tanto de abor­
dagens puramente teórico-abstratas quanto daquelas baseadas em dados
extraídos de corpora constitutivos de “usos” da língua é a possibilidade
de formulação e testagem empírica de previsões comportamentais.
Isso quer dizer que essa abordagem é capaz de pôr à prova as predições
de uso derivadas de algum modelo em Sintaxe - isto é, predições de da­
dos de produção ou de compreensão linguística a serem ainda revelados
pelos falantes.

“Compreensão” é um termo abrangente utilizado na literatura experimental


em linguagem para fazer referência não somente à interpretação semântica
ou pragmática de um enunciado, mas também à percepção e à análise estru­
tural inconsciente de estruturas linguísticas.

Em termos abstratos, o que a Sintaxe Experimental se propõe a ve­


rificar são previsões formuladas mais ou menos da seguinte maneira: de
acordo com tal teoria ou tal descrição sintática, dado comportamento lin­
guístico deverá ser sistematicamente registrado sob tal circunstância. Veja­
mos mais na prática como isso se dá.
Toda e qualquer pesquisa experimental em Sintaxe deve eleger como
objeto de estudo um fenômeno sintático que possa de ser mensurado com-
portamentalmente, seja pelo registro de tempo de reação, de índice de acer­
tos numa tarefa, de emissão de julgamentos de gramaticalidade ou aceita­
bilidade, ou de qualquer outro tipo de medida objetivamente registrável.
Essa é, na verdade, a única restrição imposta ao sintaticista interessado na
área. Trata-se, na verdade, de uma limitação natural e necessária, pois um
paradigma experimental em linguagem sempre produzirá dados empíricos
de natureza comportamental, isto é, dados do desempenho linguístico de
um falante obtidos numa situação laboratorial específica de compreensão
ou de produção oral ou escrita (usamos aqui o termo “falante” de forma
genérica e, assim, nos referimos a falantes, ouvintes, escritores, leitores e

pessoas surdas).

151
PARA CONHECER Sintaxe

FAlternativamente a dados comportamentais, abordagens de cunho neurolin-


guístico, como a eletroencefalografia e o imageamento cerebral, são capa­
zes de produzir dados de natureza neurofisiológica.

Para assimilarmos melhor a lógica da experimentação em Sintaxe,


pensemos no seguinte exemplo. Imagine uma teoria sintática de acordo
com a qual estruturas com preposição órfã, como as que se apresentam
em (29) e (30) a seguir, fazem parte da gramática da língua portuguesa.
Essa teoria seria capaz de formular uma previsão comportamental bastante
clara e direta: falantes nativos dessa língua julgarão, de modo sistemático,
tal tipo de estrutura como aceitável e gramatical.

(29) Internet é uma coisa que não consigo viver sem hoje em dia.
(30) Não imagino o lugar que deixei meu celular em hoje de manhã.

Ora, a previsão de tal modelo podería ser verificada por um para­


digma experimental como o juízo imediato de gramaticalidade. Nesse
caso, se, numa dada amostra populacional de falantes nativos do portu­
guês, o percentual de julgamentos positivos a respeito de (29) e de (30) for
significativamente superior ao seu total de julgamentos negativos, então
essa medida comportamental poderá ser usada como evidência em favor
das previsões do modelo teórico citado. Como você pode deduzir, a expe­
rimentação é um recurso importante para fazer avançar o conhecimento
científico sobre a sintaxe das línguas naturais; afinal, modelos que geram
previsões não confirmadas por experimentos podem ser abandonados em
favor de outros que, sob evidência experimental, melhor expliquem o com­
portamento linguístico humano.
Por um lado, a principal diferença entre um experimento de juízo de
gramaticalidade e os famosos julgamentos intuitivos informais utiliza­
dos por gerativistas clássicos é o maior poder científico dos dados obtidos
expenmentalmente. Afinal, como anotado por Wayne Cowart (1997), um
dos estudiosos pioneiros em Sintaxe Experimental, julgamentos auferi­
dos com amostras populacionais significativas, por meio de paradigmas
ngorosamente controlados e submetidos a testes estatísticos confiáveis
assentam se sobre dados quantitativa e qualitativamente muito superio-

152
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

res aos da intuição de um linguista isolado em seu gabinete. De fato, em


decorrência de inúmeros fatores alheios a um formalista mais radical, as
intuições gramaticais de uma pessoa específica, num dado momento de
reflexão metalinguística, podem não corresponder ao que de fato se passa
com as estruturas sintáticas de uma língua no tempo real da produção e da
compreensão linguística.

JULGAMENTOS INTUITIVOS
Já é tradição, entre os sintaticistas gerativistas, utilizarem julgamentos pró­
prios (ou de pessoas próximas) para atestar ou não a boa formação de deter­
minadas construções sintáticas. Ou seja, é uma praxe comum perguntarmos
a nós mesmos se tal frase é boa, ruim ou aceitável. Para isso, consultamos
nossa própria intuição gramatical, enquanto falantes nativos da língua. É o
que viemos fazendo ao longo deste livro.
Apesar de a prática ser tacitamente aceita na comunidade acadêmica, há du­
ras críticas contra ela, assim como várias alternativas propostas para subs­
tituir ou aperfeiçoar esse “método” (cf. Labov, 1987; Fillmore, 1992; Maia,
2012, 2015; e Guimarães, 2017 para discussão).

Por outro lado, comportamentos induzidos em situação laboratorial


são ontologicamente diferentes de dados reais extraídos de corpus, Isso
acontece porque experimentos restringem ao máximo as condições de
produção e de compreensão de uma dada estrutura, de tal modo que se
torna possível isolar os fatores gramaticais que concorrem para a exis­
tência (ou não) de um fenômeno sintático específico numa dada língua.
Para entender isso, tomemos o seguinte exemplo. Dados de uso extraídos
de jornais ou do Facebook poderíam atestar casos de preposição órfa
em português, tais como os citados em (29) e (30). No entanto, esses
“usos” específicos quase nada poderíam dizer sobre o status gramatical
das preposições órfãs em nossa língua. A limitada capacidade de genera­
lização dos chamados “usos reais” decorre do fato de que dados anota
dos em corpora são gerados pela confluência de uma miríade de fatores
linguísticos e comunicativos que não estão sob o controle do sintaticista.
Assim sendo, esse estudioso nunca saberia, a lespeito do exemplo dado,
se tais ocorrências resultaram da influência de uma língua estrangeira

153
PARA CONHECER Sintaxe

sobre um falante específico, ou se se trata de dados produzidos de ma­


neira assistemática por falantes diferentes em situações distintas, ou se
há variabilidade na aceitação da estrutura de acordo com cada preposição
da língua, ou se o fenômeno é mais ou menos produtivo em determinado
gênero do discurso, entre diversas outras dúvidas. Com tudo isso, o que
queremos dizer é que, diante das práticas metodológicas de formalistas
e de funcionalistas típicos, a Sintaxe Experimental configura-se, pois,
como uma ferramenta capaz de superar tanto as limitações das intuições
assistemáticas de um indivíduo isolado como também a indeterminação
das causas dos usos registrados em corpora.
A bem da verdade, uma pesquisa experimental em Sintaxe não se
limita à mera captura de julgamentos de gramaticalidade acerca de uma es­
trutura linguística isolada. De maneira nenhuma! Com efeito, entre outras
aplicações, o recurso à experimentação se presta sobretudo ao cotejo de di­
ferentes teorias sintáticas que fazem generalizações discrepantes sobre um
fenômeno linguístico específico ou sobre a tipologia geral de uma língua.
Na vida de estudantes e de pesquisadores de pós-graduação, não raramen­
te encontramos, em revistas especializadas, em dissertações de mestrado
e em teses de doutorado, propostas descritivas diferentes ou francamen­
te opostas na interpretação de certos fenômenos sintáticos. Pois bem, é
justamente em casos como esses que a experimentação se qualifica como
um recurso capaz de testar as previsões de cada uma das propostas alter­
nativas, de modo a verificar em favor de qual delas os dados obtidos em
situação experimental se encaminham. Para elencarmos alguns exemplos
concretos a esse respeito, pense em como a Sintaxe Experimental poderia
ser uma opção metodológica importante no esforço científico de responder
perguntas como as que se seguem.

• Qual é a condição tipológica da topicalização no português do


Brasil, trata-se de uma língua orientada para a sentença ou para
o discurso?
Qual é a natureza do elemento [que] introdutor de orações relativas
em português, e ele um pronome ou um complementador?
• Orações adverbias são um caso de hipotaxe ou de subordinação?

154
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

Diferentes respostas a cada um desses questionamentos poderão de­


rivar distintas previsões comportamentais. Cabería, portanto, a um sin-
taticista experimental formular tais previsões e compor um desenho ex­
perimental apto a testá-las. Como se elabora um desenho experimental?
Veremos isso nas seções a seguir.

3.1 Métodos off-line e métodos on-line

Existem dois tipos de medidas que definem dois grandes grupos de


técnicas experimentais em Sintaxe: medidas on-line e medidas off-line.
As medidas on-line são aferidas durante o curso do processamento
cognitivo que uma pessoa realiza inconscientemente enquanto recebe um
estímulo linguístico oral ou escrito - ou gestual, no caso de línguas de sinais.
Medidas on-line envolvem o registro de tempos muito rápidos e são grava­
dos, por um computador, em milésimos de segundo. Essas medidas envol­
vem também a mensuração de algum comportamento automático, como a
movimentação dos olhos durante o exercício da leitura. Experimentos que
recolham medidas on-line precisam ser necessariamente programados e apli­
cados em equipamentos especializados, como softwares desenvolvidos para
a realização de tarefas experimentais e hardwares projetados para monitorar
os movimentos oculares humanos. Equipamentos dessa natureza são capa­
zes de registrar dados comportamentais muito precisos e finos.
As técnicas experimentais on-line mais produtivas na pesquisa em
Sintaxe na Linguística brasileira são o monitoramento ocular, a leitura
segmentada autocadenciada (também chamada leitura automonitoia-
da) e a audição segmentada autocadenciada; veremos exemplos de ex­
perimentos com esses métodos a seguir. Dados obtidos por meio de técni­
cas on-line como essas refletem mais diretamente o funcionamento natuial
de uma língua, já que envolvem a medição de comportamentos automati
zados independentes da inspeção consciente e da reflexão metahnguistica
dos participantes de um experimento.
Um exemplo interessante do emprego de monitoramento ocular
numa pesquisa em Sintaxe Experimentai é o estudo de Maia (2015).

155
PARA CONHECER Sintaxe

Esse pesquisador utilizou um rastreador ocular para registrar os movi­


mentos e as fixações dos olhos dos participantes durante uma atividade
de leitura de frases que envolviam o fenômeno da “lacuna preenchida”
(veja os exemplos (31) e (32) a seguir; se precisar, volte à discussão
sobre lacunas no capítulo anterior). No caso, falantes nativos do portu­
guês, todos estudantes de nível superior, liam frases num computador
a fim de responder perguntas interpretativas de cunho geral, enquanto
o rastreador ocular discretamente gravava os movimentos oculares (ou
“sacadas”) de cada indivíduo, de um ponto da frase para outro, bem
como as fixações do olhar em locais específicos do período. Em um ter­
ço dos estímulos lidos pelos participantes, uma frase apresentava uma
lacuna vazia, como ilustrado em (31), ou uma lacuna preenchida, como
em (32) - note que a posição da lacuna, em ambos os casos, é indicada
aqui pelo sublinhado, mas essa marcação não acontecia nas frases do
experimento original.

(31) Que livro o professor escreveu sem ler a tese antes?


(32) Que livro o professor escreveu a tese sem ler antes?

Maia (2015), com base em sua teoria sintática sobre lacunas, for­
mulou a previsão comportamental de que, em comparação a (31), frases
do tipo (32) registrariam maior fixação do olhar na região imediata­
mente após o verbo {escreveu), pois isso indicaria uma quebra de ex­
pectativa da estrutura sintática aguardada tacitamente pelo falante -
leia a frase em (31) com atenção e perceba como tendemos a interpretar
[que livro] como objeto do verbo [escreveu]. Tal efeito “surpresa” em
frases com a lacuna preenchida, como (32), seria desencadeado porque,
nesse tipo de frase, há um constituinte no lugar da lacuna que, a princí­
pio, deveria estar vazia e, assim, disponível para associação anafórica
ao sintagma [que livro], posicionado no início da frase. Perceba que tal
efeito^ surpresa” seria anotado, pelo rastreador, na forma de maiores
fixações oculares na região surpreendente, sem que o participante da
tarefa sequer tomasse consciência do fenômeno; afinal, trata-se de uma
metodologia on-line.

156
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

PROGRAMAR E “RODAR” EXPERIMENTOS


Linguistas e estudantes interessados em pesquisa experimental têm à sua dis­
posição grande variedade de softwares desenhados especificamente para pro­
gramar e aplicar experimentos. Entre os programas gratuitos, o PsychoPy é
um dos mais utilizados no meio acadêmico para pesquisas on-line e off-line.
Trata-se de um software aberto, escrito em linguagem Python, compatível
com sistemas operacionais diversos (Windows, Linux e Mac os). Também
o Google Forms, o Typeform e o EdPuzzle são boas ferramentas gratuitas
disponíveis na internet, especialmente úteis para pesquisas de questionários,
entre outras medidas off-line. Por sua vez, o Paradigm é um dos melhores
programas pagos do mercado, em função de seu sistema desenhado para
Windows, de uso fácil e intuitivo. Esse software permite aplicação de experi­
mentos em tablets e smartphones, além de computadores de mesa ou laptops.
Estudantes conseguem comprá-lo pela internet com descontos especiais.

Os resultados reportados em Maia (2015) confirmaram suas previsões


e, assim, serviram de sustentação empírica para seu modelo sintático. Na
figura a seguir, podemos ver um exemplo do mapa de calor gerado pelo
rastreador utilizado pelo pesquisador. As regiões mais escuras, ao centro da
figura na segunda frase, indicam maior fixação do olhar exatamente na po­
sição pós-verbal, na qual ocorre uma lacuna preenchida. Por oposição, na
primeira frase, na mesma posição após o verbo, as cores do mapa são bem
mais claras, fato de que indica pouca fixação de olhar nessa região. Tal dife­
rença teria ocorrido, segundo Maia, porque, nesse caso, o falante confirmou
sua expectativa estrutural ao encontrar uma lacuna sintática realmente vazia.

Figura 1 - Maia (2015), imagem com autorização do autor.

157
PARA CONHECER Sintaxe

A leitura segmentada autocadenciada é outra técnica experimental


on-line útil - e muito mais barata se comparada ao monitoramento ocu­
lar. Nesse paradigma, o participante do experimento deve ler frases na
tela de um computador com objetivo de responder perguntas de cunho
interpretativo genérico, ou seja, perguntas não relacionadas ao objeto
tácito da pesquisa em questão. Ocorre que essa leitura é realizada em
partes, isto é, em segmentos, constituintes menores do que a frase como
um todo: palavra por palavra ou sintagma por sintagma, conforme a
conveniência do pesquisador. Enquanto lê os segmentos de cada frase,
o participante manipula uma caixa de respostas. Essa é uma espécie
de joystick no qual o acionamento de um botão específico dispara a
passagem de um segmento a outro, enquanto outros botões dispararão a
resposta sim ou não diante de perguntas interpretativas. A seguir, ilus­
tramos uma tela desse tipo de experimento em plena execução. Nesse
caso, note que o participante se encontra no segundo segmento da frase,
já tendo concluído a leitura do primeiro e prestes a disparar a leitura do
terceiro item. Perceba, com o auxílio dessa imagem, que, nesse para­
digma de leitura, os segmentos já lidos e os ainda a ler ficam ocultos na
tela do computador pelas linhas pontilhadas. Assim que o participante,
em sua velocidade natural de leitura, passa de um segmento ao outro,
conforme pressiona o botão adequado para isso, o segmento imedia­
tamente posterior àquele que acabou de ser lido revela-se sobre seu
pontilhado e, ao mesmo tempo, o segmento anterior volta a ocultar-se
na forma de pontos.

Figura 2 — Um experimento de leitura de frase


em leitura segmentada autocadenciada em execução.

-- democracia

Nesse tipo de experimento, o tempo consumido durante a leitura de


cada segmento é registrado pelo computador, enquanto um participante
reahza a leitura de cada frase. Como se trata de uma leitura autocaden-

158
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

ciada, isto é, como é o próprio participante que determina o tempo ne­


cessário para a conclusão da leitura de cada segmento, tempos maiores
despendidos em um segmento específico, comparativamente a outros,
serão tomados como evidência comportamental de maior dificuldade na
computação sintática necessária para a leitura desse segmento em par­
ticular, em relação a outro em que tal lentidão não se registre. Foi essa
lógica experimental que Kenedy (2011) explorou ao comparar a integra­
ção, com um SV predicado, de SN em posição de sujeito, como em (33)
a seguir, e de SN em posição de tópico, como em (34). O autor tinha a
intenção de verificar se sujeitos e tópicos representariam custos sintáti­
cos diferentes em sua integração com um SV. A medição do tempo des­
sa integração sintática foi feita no segundo segmento ilustrado a seguir.
Você deve perceber que ambas as frases possuem três segmentos, cada
qual separado do outro, nessa representação, mas não no experimento
original, por barras inclinadas. Será que as duas palavras do segundo seg­
mento seriam lidas com velocidades diferentes a depender da categoria
sintática do primeiro segmento?

(33) Essa janela / fica aberta / no verão. sujeito-predicado


(34) Essa janela / venta muito / no verão. tópico-comentário

De acordou com sua teoria sintática sobre a condição tipológica de


sujeitos e de tópicos no português do Brasil, Kenedy formulou a previsão
comportamental de que o segundo segmento em frases como (33) seria lido
em tempos significativamente inferiores à média de leitura desse mesmo
segmento em frases do tipo (34). Por certo, suas previsões foram confirma­
das. SVs antecedidos de SN em posição de sujeito foram lidos em média
a 475 milésimos de segundo mais rapidamente do que SVs pospostos a
SN em tópico, uma diferença que (apesar de aparentemente pequena) foi
atestada como significativa em termos estatísticos. Na posse desses dados,
o autor acreditou ter reunido evidência empírica em favor da hipótese se­
gundo a qual o português brasileiro seja uma língua com proeminência de
sujeitos seguidos de predicados, e não de tópicos seguidos de comentários,
ao contrário do que sustentam outros modelos de descrição da língua.
A audição segmentada autocadenciada é idêntica ao paradigma da
tura segmentada. A diferença entre ambas as técnicas reside, obviament

159
PARA CONHECER Sintaxe

no fato de, nesse caso, os estímulos serem apresentados aos participantes


em segmentos orais. Na ilustração seguinte, vemos uma participante que
ouve frases segmentadas num fone de ouvido enquanto segura uma caixa
de resposta. A cada segmento ouvido, ela pressiona um botão nessa caixa
de modo a disparar o áudio do segmento seguinte.

Figura 3 - Participante executa audição de frase segmentada autocadenciada.


Retirado de Kenedy (2013), imagem com permissão do autor.

rI

------ J

Em 2014, Kenedy realizou uma versão oral do experimento com es­


tímulos escritos apresentado anteriormente. Dessa vez, os participantes
ouviam cada um dos três segmentos das frases em (33) e (34) com as ca­
racterísticas prosódicas que poderíam favorecer, de um lado, a integração
entre um SN sujeito e o seu predicado e, de outro, a integração de um SN
tópico a seu respectivo comentário. Os resultados do experimento de audi­
ção indicaram que SNs tópicos são integrados a um comentário tão pronta­
mente quanto os SNs sujeitos se integram a seu predicado, desde que haja,
nos estímulos, pistas melódicas que indiquem quando um SN se encon­
tra em posição sintática topicalizada. Para Kenedy (2014), essa restrição
p 'dica imposta exclusivamente à computação sintática de constituintes
top.cahzados seria um indicativo da condição de fenômeno marcado que
a opicahzaçao possU1 em português. Segundo o autor, os resultados de
ambos os parad.gmas on-line confirmavam as previsões derivadas de seu
modelo sobre topicalização em línguas naturais.
Por oposição aos dados on-line, medidas off-line são aquelas aferidas
pos a conclusão do processamento cognitivo da informação linguística e,

160
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

por conseguinte, envolvem reflexões mais conscientes e deliberadas por


parte daqueles que participam de uma tarefa experimental. Esse tipo de ex­
perimentação não impõe a necessidade de software ou hardware especiali­
zados, embora preferencialmente seja realizado em equipamentos simples,
como programas experimentais gratuitos e computadores com caixa de
resposta, que permitem, inclusive, a medição do tempo consumido durante
a realização de uma tarefa off-line. Com efeito, alguns experimentos lin­
guísticos off-line podem ser realizados até mesmo por meio de um formu­
lário impresso, a ser respondido com uma caneta, como o julgamento de
aceitabilidade de frases ou a produção induzida (num preenchimento de
questionário), ou por meio de gravações de áudio ou vídeo com equipa-
mentos amadores comuns.
As técnicas experimentais off-line são inúmeras e podem, inclusive,
ser inventadas ou adaptadas conforme a criatividade e a necessidade do
pesquisador. Não obstante, as mais utilizadas em pesquisas empíricas aqui
no Brasil são o já citado juízo imediato de gramaticalidade ou aceitabi­
lidade, a produção induzida de fala ou de escrita, o reconhecimento de
palavras, as respostas a perguntas interpretativas e a testagem do efeito de
priming (que encontramos, entre outras condições, quando um estímulo
sugestiona o falante a produzir outro semelhante; por exemplo, expomos
nosso informante a uma série de frases na voz passiva, depois perguntamos
algo a ele para verificar se ele responderá utilizando uma estrutura passiva,
por influência do input que recebeu).
Em função de sua natureza mais consciente ou mesmo metalinguís-
tica, dados off-line apenas indiretamente refletem a realidade mais natural
e espontânea no uso das estruturas sintáticas da língua, uma vez que, em
situações mais reflexivas e deliberadas, diversos domínios linguísticos e
diferentes domínios não linguísticos interagem em tempo real durante a
produção ou a compreensão de sintagmas e frases. Neste livro, não dis
pomos de espaço suficiente para ilustrar cada um desses paradigmas. No
entanto, nas seções que se seguem, enquanto apresentamos as proprieda
des fundamentais de um desenho experimental, teremos a oportunidade de
ilustrar conceitos e técnicas com base em alguns projetos off line.

161
PARA CONHECER Sintaxe

3.2 Tarefa experimental


Um experimento linguístico utiliza, no caso típico, participantes ingê­
nuos (ndivè), ou seja, pessoas que não sejam especialistas em Linguística
ou estudiosos de Gramática. Por essa razão, a tarefa experimental de uma
pesquisa deve ser sempre clara, simples e objetiva - livre, inclusive, de
utilização de metalinguagem, na medida do possível. Em experimentos
on-line, as tarefas experimentais mais comuns são, como vimos, (1) ler
ou ouvir uma frase apresentada em segmentos num computador, enquanto
um software registra o tempo que é consumido na leitura ou na audição de
cada segmento, (2) ler com naturalidade palavras ou frases numa tela de
computador, enquanto um equipamento monitora o comportamento ocular
inconscientemente produzido ao longo da leitura.
Já em experimentos off-line, por outro lado, as tarefas mais típicas são
(1) julgar frases binariamente (declarando-as aceitáveis versus inaceitáveis),
(2) julgar frases por meio de escalas de aceitabilidade (atribuindo-lhes uma
nota, por exemplo de 0 a 4, conforme se ilustra na Figura 4), (3) preencher
formulários dando continuidade a uma frase oral ou escrita (como se vê na
Figura 5), (4) declarar o reconhecimento ou a familiaridade com uma palavra
ou um expressão apresentada por escrito ou oralmente, (5) responder a ques­
tionários variados, (6) declarar o reconhecimento ou a familiaridade com um
determinado estímulo após a apresentação de outro (priming).

Figura 4 - Exemplo de julgamento de aceitabilidade em escala. O participante lê a frase ao


topo da tela e confere-lhe uma das quatros notas da lista conforme sua intuição sintática tácita.

Internet é mesmo algo que todo ^mundo precisa de atualmente.

(0) completamente inaceitável

(1) pouco aceitável

(2) provoca dúvida

(3) bastante aceitável

(4) perfeitamente aceitável

162
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

Figura 5 Exemplo de preenchimento de um formulário. Aqui, os pesquisadores


(Haag e Othero, 2003) investigaram como os informantes tendiam a fazer
a correferência pronominal numa frase escrita.
1. Os políticos adoram os carros importados, porque eles
2. A minha amiga acha que foi bem na prova, especialmente porque ela
3. O gato é o único animal de que meu pai não gosta, afinal ele " ’
4. Meu tio tem alergia ao meu cachorro. Acho que é porque ele" .
5. Aquela tarefa estava muito difícil, e minha irmã quase não conseguiu completá-la No
entanto, ela.

Em resumo, ao delinear uma pesquisa, o sintaticista experimental


deverá formular previsões comportamentais com base no tipo de ta­
refa a que os participantes de seu experimento serão submetidos. Por
hipótese, as respostas obtidas durante o experimento não ocorrerão de
maneira aleatória. Antes, elas decorrerão das variáveis experimentais
controladas no experimento.

3.3 Controle de variáveis

Definir variáveis é uma das etapas mais importantes no delineamen-


to de um projeto experimental em Sintaxe ou em qualquer outro nível
da descrição gramatical. Por um lado, o estudioso deverá delimitar os
fenômenos que, de acordo com sua hipótese de trabalho, são capazes
de provocar certo comportamento a ser registrado durante a execução
de uma tarefa. Por outro lado, ele também deve estabelecer que tipo de
métrica registrará esse comportamento.
Os fenômenos selecionados como possíveis causadores do com­
portamento são denominados variáveis independentes, enquanto as
medidas aferidas numa tarefa denominam-se variáveis dependentes. Va­
riáveis independentes são também denominadas variáveis controladas,
enquanto variáveis dependentes também são chamadas de variáveis de
resposta ou medidas dependentes. Por exemplo, numa pesquisa sobre,
digamos, concordância verbal, um pesquisador poderia definir a posição
do sujeito relativamente ao verbo (se anteposto ou posposto) como uma
variável independente capaz de desencadear, como variável dependente,
maior ou menor índice de estabelecimento da concordância numa tarefa
de produção de fala induzida.

163
PARA CONHECER Sintaxe

Figura 6 - As variáveis de uma pesquisa experimental.

ESTÍMULO------------- *■ COMPORTAMENTO

Variável intendente Variável dependente

Num dado experimento, pode haver mais de uma variável inde­


pendente e/ou mais de uma variável dependente, a critério das hipó­
teses e das previsões da pesquisa específica. O importante é que todas
essas variáveis sejam definidas com a maior clareza e, mais do que isso,
é fundamental que haja o máximo controle sobre outras variáveis que
podem igualmente provocar ou influenciar determinado comportamen­
to. Continuando com o exemplo de uma pesquisa sobre concordância
verbal, existem muitos fatores que podem influenciar o estabelecimen­
to ou não da concordância, tais como natureza do verbo (se regular ou
irregular, de qual conjugação, Ia, 2a ou 3a), a posição do sujeito em rela­
ção ao verbo (se anteposto ou posposto), o número e o tipo de itens le­
xicais intervenientes entre sujeito e verbo, a distinção morfofonológica
entre formas do singular e do plural, a frequência e a familiaridade de
verbos específicos, o grau de instrução e letramento dos participantes
da tarefa etc. Portanto, numa pesquisa sobre concordância, o estudioso
não poderá deixar de controlar tais variáveis, do contrário as chamadas
variáveis de confusão - isto é, aquelas que não foram controladas pelo
pesquisador - podem influenciar o comportamento registrado no expe­
rimento e, assim, enfraquecer ou anular o poder explicativo atribuído
às variáveis independentes.

3.4 Condições experimentais e desenho fatorial

Nos estímulos a serem apresentados aos participantes de urna tare­


fa experimental, as variáveis independentes são concretizadas em for­
mas linguísticas específicas, que realizam as condições experimentais
da pesquisa. Por exemplo, em nosso hipotético estudo sobre concor­
dância verbal, se a seleção da posição relativa entre o sujeito e o verbo

164
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

for eleita como uma variável independente, então essa variável será
concretizada em dois níveis que, no caso de um experimento com uma
única variável independente, serão também as duas condições experi­
mentais: (1) estímulos em que o sujeito antecede o verbo e (2) estímu­
los em que o sujeito sucede o verbo.
Nos experimentos que possuem mais de uma variável independente,
as condições experimentais são concretizadas a partir da multiplicação
entre os níveis de cada variável selecionada. Imagine-se, por exemplo,
que, no citado experimento sobre concordância verbal, o traço de ani-
macidade do sujeito também fosse selecionado como uma variável in­
dependente, juntamente com a posição do sujeito. Nesse caso, o respec­
tivo experimento possuiría quatro condições experimentais, resultantes
da multiplicação entre os dois níveis de cada uma das duas variáveis
independentes escolhidas: (1) anteposição ao verbo + sujeito animado,
(2) anteposição ao verbo + sujeito inanimado, (3) posposição ao verbo +
sujeito animado e (4) posposição ao verbo + sujeito inanimado.

Figura 7 - Ilustração de um experimento 2x2 sobre concordância verbal.

Exemplo
Experimento off-line = preenchimento de formulário.

Tarefa = preencher lacunas com verbo flexionado ou não (33 p. sing/plural)

Variáveis independentes = posição do verbo, animacidade do sujeito.

Níveis da VI = {posição: SV, VS}, {animacidade: + animado, - animado}

Condições = {SV, + an}, {SV - an}, {VS + an}, {VS - an}.

Variável dependente = índice de concordância._______________________

Nesse exemplo, teríamos um experimento com o desenho fatorial


2x2, no qual há duas VI, isto é, duas variáveis independentes (primeira
variável vezes segunda variável), cada qual com dois níveis, que com
binados geram quatro condições experimentais (dois níveis da primeira
variável vezes dois níveis da segunda variável). Em sua execução pratica

165
PARA CONHECER Sintaxe

i„„t» aos panieipantes, ™ experimento como esse poder» ser conduai-


do. por exemplo, .través de urna tarefa de preeneh.mento de espaços em
branco, mais ou menos como ilustramos a seguir.

(i) Condição {SV +an}


Os funcionários na hora do inicio do experimento, (ver-

bo chegar)
(ii) Condição {VS +an}
os funcionários r
chegar)
(iii) Condição {SV -an}
Os produtos já no primeiro dia de venda, (verbo acaba­
ram)
(iv) Condição {VS -an}
os produtos à venda na p

Se, nesse experimento, fosse incluída uma terceira variável indepen­


dente, digamos, a conjugação verbal, com três níveis (Ia, 2a e 3a conjuga­
ções), então o desenho do experimento passaria a ser 2x2x3, o que daria à
luz doze condições experimentais.
Ao delinear seus experimentos, um pesquisador em Sintaxe deverá,
portanto, definir seu desenho fatorial, determinando quais são as condições
experimentais de sua pesquisa. Recomenda-se fortemente que os experi­
mentos contenham um número reduzido de condições, para que, por um
lado, se evite a fadiga do participante durante a execução da tarefa e, por
outro, para que se diminua a possibilidade de reconhecimento explícito
ou tácito do propósito da tarefa experimental. Sendo assim, um desenho
2x2x3 pode não ser aconselhável, a depender da distribuição dos estímulos
por participante, conforme veremos a seguir na seção “Seleção de partici­
pantes e sua distribuição na tarefa”.

3.5 Estímulos linguísticos

As condições experimentais assumem, na prática de uma tarefa, al-


guma forma linguística concreta e específica. No caso da Sintaxe Experi­

166
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

mental, essa forma será um constituinte como um sintagma, uma oração


ou uma sentença. Tais formas são denominadas estímulos experimentais
A tradição das pesquisas com experimentos estabelece que cada
condição experimental deve ser apresentada aos participantes de uma
tarefa pelo menos quatro vezes, na forma de quatro estímulos verbais
distintos, de modo que um padrão de reação a tal condição, se houver,
possa ser detectado. Ora, se um estímulo fosse apresentado ao partici­
pante uma única vez, não seria possível saber se o respectivo compor­
tamento provocado ocorreu de maneira sistemática ou se se deveu a
um evento único e aleatório, daí a necessidade da apresentação de, no
mínimo, quatro exposições de uma dada condição experimental a cada
sujeito específico.
Na elaboração de estímulos, o pesquisador deve aplicar o máximo de
esmero. Deve controlar, entre outros fatores, a extensão dos estímulos de
cada condição, em número de sílabas ou palavras, bem como a frequência e a
familiaridade dos itens lexicais utilizados. Esse controle visa à tentativa de
evitar que fatores outros (variáveis de confusão), diferentes da variável in­
dependente, possam afetar o desempenho dos participantes da tarefa - por
exemplo, o tempo de reação a um determinado estímulo em, digamos, duas
condições experimentais deve variar em função da variável independente
selecionada na pesquisa, e não porque os estímulos de uma condição pos­
suem muito mais palavras do que o da outra condição e, assim, obviamente
demandam mais tempo de reação; ou, ainda, a sensação de estranhamento
a um estímulo deve decorrer da variável controlada pelo pesquisador e não
da presença de uma palavra pouco frequente ou ambígua que acaba inter­
ferindo no julgamento.
Além do cuidado necessário na equivalência entre os estímulos
de cada condição, o pesquisador também deve empregar, em qualquer
experimento, estímulos distrativos, também denominados como dis
tratores. Tais estímulos não devem possuir nenhuma relaçao com as
variáveis independentes de pesquisa e cumprem apenas a funç~
evitar que o participante reconheça (explicitamente ou não) o tipo
estrutura linguística que está sendo apresentada nos estímulos da
dições experimentais. Por convenção, os estímulos distrativo

167
PARA CONHECER Sintaxe

experimento devem perfazer pelo menos dois terços do número total


de estímulos da tarefa. Sendo assim, em um experimento com apenas
uma variável independente e duas condições experimentais, cada par­
ticipante será exposto a, pelo menos, 8 estímulos experimentais e 16
estímulos distrativos.
Figura 8 - Exemplo de Abraçado (2015). Tarefa off-line de escolha
de opções de classificação (colunas à direita). Repare que somente as frases
que seguem setas interessavam à pesquisadora. As demais constituíam
distratores distribuídos aleatoriamente entre os estímulos experimentais.

Por fim, um experimento pode conter também estímulos de controle


cuja função é permitir o cotejo entre uma condição em que determinado
fenômeno está presente com outra (de controle) em que ele é ausente. Por
exemplo, numa pesquisa sobre ambiguidade sintática, o desempenho dos
participantes diante de estímulos ambíguos deve ser comparado com o que
se passa com estímulos de controle não ambíguos, o que permitirá a iden­
tificação de eventuais reações específicas na condição com ambiguidade.
Vemos isso ilustrado a seguir.

(35) Um paciente entrou na sala de muletas, (ambiguidade livre)


(36) O policial viu o suspeito com um binóculo, (ambiguidade enviesada)
(37) O pivete bateu na velhinha com a bengala, (ambiguidade enviesada)
(38) O casal se deslocou para o trabalho de transporte público, (controle)

Nos exemplos (35) a (37), podemos notar que ocorre uma ambi-
guidade na aposição de um SP, ou seja, esse sintagma pode ser adjun-

168
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

gido a mais de um constituinte sintático em cada sentença. Em (35),


não nos sentimos propensos a escolher nenhuma das duas resoluções da
ambiguidade, isto é, não preferimos interpretar que [de muletas] seja um
modificador adnominal de [sala] ou um predicativo do sujeito. Será que
você tem a mesma impressão? Já em (36), é provável que você prefira
interpretar que [um binóculo] seja um adjunto adverbial que caracteriza
uma circunstância conferida ao predicado [viu o suspeito] e não uma
modificação nominal do próprio [suspeito], que então possuiría consigo
um binóculo. Se você possui uma preferência de interpretação como
essa (ou outra), então esse seria o caso de uma ambiguidade enviesada.
O mesmo acontece no exemplo (37), em que consideramos mais prová­
vel que o SP [com a bengala] represente, como ajunto adnominal, o ins­
trumento usado pela velhinha. Você concorda com a nossa impressão?
Por contraste, (38) não apresenta ambiguidade na aposição do consti­
tuinte [de transporte público]. Trata-se, portanto, de um estímulo de
controle. Esse controle serviría, num experimento de leitura de frases,
como baseline, isto é, como uma medida basal, de tal forma que o tem­
po de reação a SPs ambíguos com diferentes enviesamentos possam ser
cotejados ao tempo de leitura de SP não ambíguos, a fim de que even­
tuais preferências estruturais na percepção de ambiguidades sintáticas
sejam identificadas. Afinal, como seria a leitura de SPs ambíguos como
(35), (36) e (37)? Seriam diferentes ou semelhantes ao tempo consumi­
do na reação de SPs não ambíguos como em (38). E, sim: se você não
concorda nossas intuições sobre o enviesamento na interpretação desses
exemplos, só mesmo o recurso à experimentação poderia nos dar bases
mais sólidas para discutir objetivamente o assunto.
Estímulos experimentais e distrativos (também os de controle, se
houver) devem ser apresentados ao participante de maneira randomizada,
isto é, aleatória, sem qualquer padrão de sequência linear. Softwares espe­
cializados em experimentos já produzem randomização de estímulos de
maneira automática. No caso de pesquisas mais simples, com formulário
de papel a ser preenchido a caneta, é o próprio pesquisador que deve sortear
aleatoriamente a ordem de apresentação dos estímulos, embaralhando os
dois terços de distrativos ao terço final de estímulos experimentais.

169
PARA CONHECER Sintaxe

3.6 Seleção de participantes e sua distribuição na tarefa

Os participantes de um determinado experimento podem, na ver­


dade, constituir uma variável independente. Ou seja, se o pesquisador
assumir que o comportamento a ser registrado numa tarefa pode variar de
acordo com o tipo de participante - por exemplo, bilíngues versus mono-
língues, com patologia versus sem patologia, estudantes de L2 fluentes
versus não fluentes, pessoas com nível superior versus pessoas analfabe­
tas etc. Nesse caso, o experimento possuirá uma variável grupai, tam­
bém chamada de fator grupai. Se não for esse o caso, o linguista deverá
apenas determinar o perfil sociocultural das pessoas que podem partici­
par da tarefa - fatores como idade, sexo, escolaridade, região e outros
que se mostrem relevantes - e deverá também estabelecer como se dá a
distribuição das condições experimentais pelos participantes.
Na distribuição dos participantes, existem duas possibilidades
a serem adotadas. Na primeira delas, todos os participantes são expos­
tos a todas as condições experimentais. Essa distribuição denomina-
se dentre participantes (yvithin-subjects, em inglês) ou intraparti-
cipantes. Na outra, cada participante é exposto a uma e somente uma
condição experimental. Nesse caso, haveria um grupo de participantes
separado para cada condição do experimento, razão pela qual tal distri­
buição denomina-se entre participantes (between subjects, em inglês)
ou interparticipantes.
A distribuição dentre participantes tem a vantagem de exigir um
número menor de indivíduos desempenhando as tarefas do experimen­
to, já que todos são utilizados em todas as condições. Porém, essa op­
ção tem a desvantagem de facilitar o efeito de familiaridade (isto é, o
aprendizado da tarefa durante a realização do experimento) e a identi-
ficaçao explicita ou não de padrões nos estímulos, considerando-se que
uma mesma pessoa é estimulada por todas as condições experimentais
pelo menos quatro vezes em cada. Com a distribuição entre participan­
tes, as chances de ocorrer o efeito de familiaridade são menores, mas
para isso é demandado um número maior de participantes, dado que
eles devem distribuir-se em igual número em cada uma das condições
do experimento.

170
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

Quando se opta pela distribuição dentre participantes, os estímulos


experimentais devem receber um tratamento adicional: o controle num
quadrado latino. Esse recurso permite o balanceamento dos estímulos
presentes em cada condição experimental, evitando-se que o mesmo parti­
cipante seja exposto a estímulos muito parecidos, de diferentes condições,
distintos apenas em função da variável independente do experimento. Com
o quadrado latino, estabelece-se que um participante numa distribuição
within-subjects será exposto a todas as condições (type) do experimento,
mas em cada condição serão usados itens lexicais específicos (tokens), de
modo que a relação entre essas condições não se tome evidente durante a
realização da tarefa. Por exemplo, um participante que veja um estímulo
do tipo “verbo + sujeito” como Chegaram as encomendas seria exposto, na
condição “sujeito + verbo”, a um estímulo como As reclamações cessaram
(e não As encomendas chegaram).

Figura 9 - Controle da distribuição dos estímulos experimentais num quadrado latino.


“B” é uma versão idêntica do estímulo “A”, itens lexicais e estruturas
sintático-semântica são repetidos, com exceção da condição experimental
manipulada como projeção da variável independente.

Grupo 1 Grupo 2
Condição 1 Estímulos la, 2a, 3a, 4a Estímulos 5a, 6a, 7a, 8a
Condição 2 Estímulos 5b, 6b, 7b, 8b Estímulos 1b, 2b, 3b, 4b

3.7 Aplicação do experimento


Após o longo percurso de elaboração de um experimento, o pesqui­
sador deve manter a vigilância ainda durante a condução das tarefas com
os participantes. Eles devem receber todas as instruções e demonstrações
necessárias para a perfeita realização da tarefa e devem ser submetidos a
um breve treinamento - o “aquecimento” na presença do experimen-
tador, por meio de um pré-teste constituído somente por estímulos dis
trativos, cujo objetivo é evitar que o desempenho durante o experimento
propriamente dito possa ser prejudicado devido a questões mecânicas ou
a fatores decorrentes da incompreensão da tarefa. Quando os participantes
demonstram ter compreendido perfeitamente o que devem fazer durante
experimento, o treinamento pode ser finalizado e o experimento, inicia

171
PARA CONHECER Sintaxe

Dando início ao experimento, os participantes devem encontrar-se so­


zinhos, numa sala isolada, sem elementos que possam distrair a sua aten­
ção e interferir na realização da tarefa. Deve-se registrar o tempo médio
despendido na tarefa, bem como, após a realização do experimento, deve-
se receber um feedback dos participantes, a fim de verificar se eles repor­
tam alguma anomalia ou mesmo se confessam ter identificado o padrão
subjacente à tarefa ou o fenômeno linguístico em análise.

3.8 Análise estatística

Com a aplicação do experimento concluída, é possível passar à aná­


lise dos resultados para verificar se os dados coletados se encaminham ou
não em favor das previsões da pesquisa. Nesse momento, o pesquisador
precisará contatar os serviços de um profissional de estatística ou poderá
utilizar, ele mesmo, softwares de pacotes estatísticos para organizar e in­
terpretar os resultados numéricos do experimento.
A depender da variável dependente em questão, do tipo de distribui­
ção dos participantes e da normalidade distributiva dos dados comporta-
mentais coletados, diferentes tipos de análise estatística podem ser aplica­
dos. Os mais comuns são análise da variância, teste T, qui-quadrado e
regressão logística. Há uma grande variedade de softwares estatísticos no
mercado. O mais recomentado pelos estatísticos é o R, programa gratuito
de software aberto que requer o aprendizado de certos comandos manuais. O
R possuiu uma adaptação para a interface do Microsoft Excel no aplicativo
brasileiro ActionStat, que, ao dispensar comandos em prompt, costuma ser
considerado bem mais amigável por usuários menos iniciados em estatís­
tica. Outro software largamente empregado no Brasil é o SPSS (abreviatura
em inglês para Statistical Packagefor lhe Social Sciences, ou Pacote Es­
tatístico para Ciências Sociais). Esse, no entanto, requer o pagamento de
uma licença (bem cara para os típicos orçamentos miúdos de pesquisado­
res em Letras e Linguística no país...).
O objetivo de um teste estatístico é, por um lado, descrever a distri­
buição dos dados obtidos no experimento e, por outro, verificar se o com­

172
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

portamento típico encontrado nesses dados pode ser interpretado como


provavelmente decorrente das variáveis independentes selecionadas na
pesquisa - ou se, alternativamente, são grandes as chances de o compor­
tamento manifestado pelos participantes ter sido provocado por fatores
aleatórios. O famoso p-valor utilizado nos resultados de análises esta­
tísticas é, justamente, o resultado de cálculos matemáticos complexos
que medem a atuação das variáveis da pesquisa no cotejo com o acaso.
Simplificadamente, estudos experimentais em Sintaxe assumem um ní­
vel de significância de no mínimo 95%, o que significa dizer que um p-
valor igual ou inferior a 0.05 indica baixa probabilidade (igual ou inferior
a 5%) de os resultados da pesquisa terem sido gerados aleatoriamente,
isto é, sem a atuação da variável independente controlada na pesquisa.
Com resultados dentro dessa margem, os dados reunidos por um projeto
experimental em linguagem podem ser interpretados como indicadores
da relevância de uma ou mais variáveis independentes e/ou da interação
entre duas ou mais delas.

3.9 Sintaxe Experimental no Brasil e no resto do mundo

A linha de investigação mais proeminente na exploração expe­


rimental de questões sintáticas relevantes para a linguística teórica é,
certamente, a autointitulada Sintaxe Experimental. O texto seminal de
Cowart (1997) indicava, como já dissemos, que os julgamentos de gra-
maticalidade utilizados informalmente entre gerativistas poderiam ser
transformados numa ferramenta metodológica séria ao incorporar os ri­
gores das ciências experimentais. Os trabalhos de Sprouse (2007), no ex­
terior, e de Kenedy (2007), no Brasil, foram provavelmente as primeiras
teses de doutoramento em teoria sintática formal a adotar explicitamente
a abordagem experimental a fim de investigar fenômenos sintáticos. Des­
de então, a área tem crescido exponencialmente e vem abrindo espaços
institucionais importantes na Linguística Formal.
Fora do escopo do gerativismo, a abordagem experimental em
Linguística também vem sendo explorada de maneira significativa em

173
PARA CONHECER Sintaxe

pesquisas de orientação funcionalista modernas. No exterior, o livro de


Bybee (2010) e, no Brasil, a publicação de Abraçado e Kenedy (2014)
indicam que a lógica subjacente à exploração experimental de questões
sintáticas não depende de uma concepção teórica específica. Na coletâ­
nea organizada por Abraçado e Kenedy, por exemplo, foram desenvol­
vidas tarefas com técnicas off-line a fim de testar previsões derivadas
das teorias funcionalistas sobre transitividade verbal, que correlacionam
Sintaxe, Semântica e Pragmática.
Neste capítulo, apresentamos ao leitor duas correntes contemporâ­
neas no estudo dos fenômenos sintáticos. Esperamos que você possa usar
este texto para desenvolver suas próprias investigações sintáticas, acerca
de fenômenos da língua portuguesa ou de outra língua de seu domínio.
Veja as sugestões de leituras complementares a seguir e boa empreitada em
sua trajetória sintática.

Leituras complementares

Neste capítulo, como dissemos, exploramos duas abordagens nos es­


tudos de Sintaxe das línguas naturais: a Sintaxe Funcional e a Experimen­
tal. Por sorte, já contamos com boas traduções para o português de alguns
livros importantes na área, além de diversos trabalhos originais escritos
por pesquisadores brasileiros. Sobre Sintaxe Funcional, o leitor pode, a
partir da leitura deste capítulo, consultar os seguintes textos em português:
Halliday (1976), Naro e Votre (1989), llari (1992), Neves (1994, 1997), Pe-
zatti e Camacho (1997), Votre (1997), Pezatti (2004), Martelotta (2008b),
Rodrigues e Menuzzi (2011), Givón (2012) e Rosário (2015). Para saber
mais sobre a abordagem experimental em Sintaxe, o leitor pode consultar,
também em português, Maia e Finger (2005), Maia (2012, 2015) Kenedy
(2009, 2015, 2017) e Roeper (2012).

174
Duas abordagens no estudo da Sintaxe

Exercícios

1. Defina, em linhas gerais, as áreas da Sintaxe Funcional e da Sintaxe


Experimental.

2. Dissemos, em várias ocasiões ao longo do livro, que o domínio máxi­


mo de análise da sintaxe era a frase. Essa afirmação continua válida
nos estudos de Sintaxe Funcional? Por quê?

3. No capítulo anterior, dissemos que “falamos linearmente, mas interpre­


tamos incrementalmente ”. Essa afirmação parece fazer mais sentido
agora que você conhece um pouco mais sobre a Sintaxe Experimental?
Explique a afirmação em suas próprias palavras e, se possível, ilustre
sua resposta com algum exemplo.

175
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao fim deste volume. Nossa ideia central com este livro foi
apresentar ao leitor alguns conceitos-chave no estudo da sintaxe de uma
língua natural. Por isso, começamos trabalhando, no primeiro capítulo, com
uma noção fundamental no estudo da sintaxe de qualquer língua: a de cons­
tituinte. Vimos que, apesar de seu reconhecimento ser essencial no estudo
da ordem e da estrutura sintática das línguas, os sintagmas são largamente
ignorados pela tradição gramatical brasileira, que insiste em estudar a frase
como se essa fosse o resultado de um mero ordenamento linear de pala­
vras. Uma vez que entendemos que as frases da língua são constituídas por
sintagmas e que os sintagmas são, por sua vez, constituídos por palavras
(ou por outros sintagmas), de maneira estruturalmente organizada, voltamo-
nos, então, aos quatro tipos principais de sintagmas lexicais em português:
o SN, o SV, o SP e o SA. Estudamos sua estrutura interna e vimos as rela­
ções de complemento, especificador e adjuntos que se estabelecem nesses
constituintes sintáticos. No meio do caminho, também passamos a conhe­
cer uma propriedade inerente (e muito poderosa) do sistema computacional
gramatical das línguas: a propriedade de recursividade (lembra-se do poe­

ma “Quadrilha”, do Drummond?).
Com esse conhecimento em mãos, partimos, no segundo capítulo, ao
estudo das funções sintáticas que podem ser exercidas pelos sintagmas na

177
PARA CONHECER Sintaxe

organização de uma frase. Voltamos no tempo para resgatar e então d.scutir


a Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB), que ainda hoje baliza, em
maior ou menor grau, os estudos de língua portuguesa no país. Acredita­
mos que seja muito importante que você, leitor, conheça esse documento e
tenha uma postura crítica frente a ele. Foi o que tentamos fazer aqui: incitar
você a conhecer os termos sintáticos presentes na NGB e discuti-los no co­
tejo com o que teorias contemporâneas de Sintaxe vêm descobrindo sobre
a organização e a estrutura sintática das línguas humanas. Fizemos isso de
maneira incipiente, é bem claro, dado o caráter introdutório deste livro.
No entanto, esperamos ter mostrado o começo do caminho para que você
consiga pensar e argumentar sintaticamente frente ao que encontramos na
análise sintática de tradição gramatical. Não mencionamos ao longo do
capítulo, mas a NGB traz também uma relação de termos gramaticais caros
aos estudos em Morfologia - uma relação tão ou mais problemática do que
aquela que encontramos no estudo da Sintaxe. O leitor pode encontrar uma
boa discussão desses termos morfológicos constantes na NGB no volume
Para conhecer Morfologia, desta coleção.
Se no segundo capítulo, como dissemos, trabalhamos com as funções
sintáticas desempenhadas por sintagmas no nível da frase, no terceiro, pas­
samos, então, a investigar o período composto por mais de uma oração. Vi­
mos que as orações também podem - elas mesmas - desempenhar funções
sintáticas em relação a outras num mesmo período. Trabalhamos com as
relações sintáticas entre orações na primeira parte do capítulo e vimos, no
final, relações que escapam à análise sintática tradicional, em especial os
casos de as orações correlatas e desgarradas.
No último capítulo, finalmente, apresentamos duas abordagens con­
temporâneas no estudo sintático das línguas. Como mencionamos na apre­
sentação do livro, nossas análises e nossa exposição se basearam muito
no estudo sintático já perpetuado pela tradição gramatical e também em
alguns conceitos fundamentais da Sintaxe Gerativa. Reservamos, para o
último capitulo, o espaço para apresentarmos alguns dos pressupostos da
Sintaxe Funcional e da Sintaxe Experimental. Vimos que a Sintaxe, basi­
camente, se ocupa com o estudo da organização interna da frase. Contu­
do, a organização entre os constituintes da frase obedece, muitas vezes, a

178
Considerações finais

princípios guiados pela organização otimizada do fluxo informacional. Ou


seja, para entendermos a organização sintática de uma dada frase numa
dada situação comunicativa concreta, é preciso, algumas vezes, entender a
motivação funcional (ou discursiva) que levou os constituintes da frase a
figurarem naquela posição e não em outra.
No estudo da abordagem experimental da Sintaxe, por outro lado,
vimos como podemos investigar questões relacionadas à interpretação sin­
tática e à produção de frases, aplicando métodos de investigação que nos
permitem monitorar (em tempo real ou aposteriori) como o falante/ouvin-
te produz ou compreende uma dada construção sintática. Vimos, ao longo
do livro, que produzimos frases linearmente, mas esse caráter linear revela
apenas a superfície da organização sintática das palavras em sintagmas e
dos sintagmas em frases. Os estudos em Sintaxe Experimental permitem
analisar justamente essa propriedade de organização estrutural das frases
de maneira bastante clara e cientificamente embasada.
Esperemos que você tenha encontrado neste livro um material útil
em sua iniciação como sintaticista. Desejamos a você bons estudos mais
aprofundados em Sintaxe!

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PARA CONHECER Sintaxe

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. “Construções correlatas aditivas e disjuntivas”. Revista Odisséia, v. especial, 2017.
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Seara, I. C. et al. Para conhecer fonética e fonologia do português brasileiro. São Paulo: Contexto,
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Pedagogia da variação linguística: língua, diversidade e ensino. Sào Paulo: Parábola, 2015.

184
OS AUTORES

Eduardo Kenedy é doutor e mestre em Linguística pela Universida­


de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e licenciado em Letras pela Univer­
sidade Federal Fluminense (UFF). Na UFF, é professor do Departamento
de Ciências da Linguagem e membro permanente do Programa de Pós-
Graduação em Estudos de Linguagem, filiado à linha de pesquisa Teoria e
Análise Linguística, com ênfase em Psicolinguística e Linguística Gerati-
va. Fundou o Laboratório do Grupo de Estudos e Pesquisas em Linguística
Teórica e Experimental (Gepex-UFF), atuando como orientador de traba­
lhos sobre processamento linguístico, sobre Sintaxe Gerativa e sobre Psi­
colinguística Translacional para a Educação. Em 2013, recebeu da Faperj
o prêmio Jovem Cientista do Nosso Estado. É bolsista de produtividade
em pesquisa do CNPq desde o ano de 2017. Pela Editora Contexto, publi­
cou Curso básico de linguística gerativa (2013), Sintaxe, sintaxes: uma
introdução (2015) (co-organizado com Gabriel de Ávila Othero), além de
ser o coautor nas obras Manual de linguística (2008) e Psicolinguística,
piscolinguisticas: uma introdução (2015).

185
PARA CONHECER Sintaxe

Gabriel de Ávila Othero é professor do Departamento de Linguísti­


ca, Filologia e Teoria Literária e do Programa de Pós-Graduação em Letras
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Tem graduação
em Letras Português e Letras Português/Inglês pela Universidade do Vale
do Rio dos Sinos (Unisinos, 2001); é especialista em estruturas da língua
portuguesa pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra, 2002); concluiu
seu mestrado (2005) e doutorado (2009) em Linguística pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); e fez pós-doutorado
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS, 2009-2010) e na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, 2017-2018). Também é
editor da Revista Virtual de Estudos da Linguagem — ReVEL (juntamente
com Cassiano R. Haag e Cândida M. Selau) desde 2003. É autor, pela Con­
texto, dos livros Teoria X-barra: descrição do português e aplicação com­
putacional (2006) e Sintaxe, sintaxes: uma introdução (juntamente com
Eduardo Kenedy, 2015). Atua nas áreas de Sintaxe (e sua interface com
Semântica, estrutura informacional e prosódia), gramática do português
brasileiro, Teoria da Otimidade e Linguística Computacional.

186
Escritos por especialistas e voltados principalmente
para estudantes, os volumes que compõem a coleção
“Para Conhecer” são introduções atualizadas e bem
cuidadas, redigidas em linguagem clara e acessível,
acompanhadas de exercícios práticos.

CONR®
' Sintaxe
A Sintaxe é a área da Linguística que investiga como as palavras
são organizadas de modo a formar frases em uma língua
natural, como o português. Os autores apresentam neste volume
os conceitos-chave da área, revisam a nomenclatura sobre
funções sintáticas que encontramos nas gramáticas normativas
tradicionais e mostram as ferramentas básicas de análise, além
de opções teóricas e metodológicas mais produtivas. Esta obra,
voltada a estudantes e professores universitários, serve como
urna introdução pura iniciar o leitor nos principais temas da área,
joMÍMimdo u curiosidade linguística pela investigação de algumas
propriedades sintáticas da língua portuguesa.

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