TCC Mestrado

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 154

Dedicatória

Marilisa Baralhas

O agente comunitário de saúde: representações


e dificuldades acerca da prática cotidiana
da assistência

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Enfermagem, da Faculdade de
Medicina de Botucatu - Universidade Estadual
Paulista de Medicina “Júlio de Mesquita Filho”-
UNESP, para a obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Profa Dra Maria Alice Ornellas Pereira

Botucatu
2008
Dedicatória

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉCNICA DE AQUISIÇÃO E TRATAMENTO


DA INFORMAÇÃO
DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP
BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: Selma Maria de Jesus
Baralhas, Marilisa.
O agente comunitário de saúde: representações e dificuldades acerca da
prática cotidiana da assistência / Marilisa Baralhas. – Botucatu: [s.n.], 2008

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de


Medicina de Botucatu, 2008.
Orientadora: Maria Alice Ornellas Pereira
Assunto CAPES: 40406008

1. Agente comunitário de saúde 2. Enfermagem como profissão

CDD 610.73069

Palavras-chave: Agente comunitário de saúde; Prática do cotidiano do


trabalho; Representações.
Dedicatória
Dedicatória

Aos amores de minha vida,


responsáveis por minhas conquistas.

Meus pais, Lucinda Elisa Alves


Baralhas e Miguel Baralhas, com
amor incondicional.

Meu esposo, José Carlos


Álvares Júnior, companheiro de
todos os momentos.

Meu filho, João Vitor, que sempre


será o motivo da minha constante luta.
Agradecimentos
Agradecimentos

À Professora Doutora Maria Alice Ornellas Pereira,


orientadora deste trabalho, pela maneira eficiente que me
conduziu, possibilitando-me refletir sobre aspectos relevantes,
concernentes ao tema.

Às Professoras Doutoras Carmem Maria Casquel Monti


Juliani e Wilza Carla Spiri, pela grande contribuição na
qualificação deste trabalho.

A todos os Agentes de Saúde inseridos no Sistema Único de


Saúde, que, com muita humildade, responsabilidade e
comprometimento, disseminam nos espaços, ao longo do seu
percurso, solidariedade, compaixão e amor ao próximo.

Aos Agentes Comunitários de Saúde de Lins, que de um modo


especial fizeram-me refletir sobre a inserção destes profissionais
nos serviços de saúde.

À Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, que


oportunizou esse estudo.

À Secretaria Municipal de Saúde de Lins que permitiu, e


incentivou a realização desse trabalho.

À amiga Zoraide, pelo seu apoio e por representar, em minha


vida, um modelo benéfico, positivo, enriquecedor e pleno de
essência verdaderia.

Às inigualáveis companheiras, Rosana e Kathia, pela amizade,


cooperação e compartilhamento de sonhos e inquietações.
Agradecimentos

Às Enfermeiras do Programa de Agentes Comunitários de


Saúde de Lins, Ana Carolina, Desirée, Eliane, Helena,
Mariana e Vanessa, com quem pude conviver e compartilhar
momentos difíceis e experiências bem sucedidas.

A todos os profissionais e amigos que fizeram parte de minha


trajetória, compartilhando comigo, dúvidas, frustrações,
conquistas e experiências.

A todos os meus familiares, em especial aos meus irmãos,


minhas cunhadas, minhas tias, meus primos e meu sobrinho, que
representam o meu “porto seguro”, a paz e a harmonia necessária
para progredir no caminho da vida.

A todos que contribuíram de forma direta ou indireta para a


consolidação desse valioso sonho.

Em especial, a todos os profissionais de saúde que valorizam a


vida humana e que incansavelmente lutam a cada dia por melhor
qualidade de vida para a população, contemplando com harmonia
e respeito, a dignidade humana.

A Deus, por permitir minha existência e por estar presente em


todos os momentos de minha vida, fortalecendo-me com sabedoria
e serenidade para conduzir a vida.
Epígrafe
Epígrafe

“Há quem diga que todas as noites são de sonhos.


Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão.
Mas no fundo isso não tem muita importância.
O que interessa mesmo não são as noites em si, são os sonhos.
Sonhos que o homem sonha sempre.
Em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado”.

(Shakespeare)
Sumário
Sumário

Resumo......................................................................................……….….. 13
Abstract......................................................................................……….….. 16
Apresentação.............................................................................……….….. 19
1 Introdução ……………………………………………….....……………….. 23
2 Objetivos................................................................................................ 38
3 Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de
humanização na perspectiva do trabalho na atenção básica................ 40
4 Metodologia ………………......…………………………………………….. 56
4.1 Caracterização do estudo………..…………………………………… 57
4.2 Instrumento de pesquisa ….…………………………….…………… 58
4.3 Local de estudo ……………………………………………..………… 59
4.4 Sujeitos ……..…………………………………………..……………… 62
4.5 Coleta de dados …………………………………….………………… 64
4.6 Referencial de análise de dados ………………….………………… 66
5 Análise dos resultados………….......………………….…………..……… 68
5.1 Caracterização dos sujeitos da pesquisa....….…………..………… 69
5.2 As representações dos ACS sobre o próprio trabalho …...........… 71
5.2.1 A percepção dos ACS sobre sua prática cotidiana e as
dificuldades em executá-la …………………………….......... 72
5.2.1.1 A determinação do vínculo como instrumento de
trabalho dos ACS ……………………………..……… 72
5.2.1.2 A prática voltada para as orientações sobre a
prevenção das doenças e a promoção da saúde.... 81
5.2.1.3 O cuidado ampliado dos ACS …………………….… 88
5.2.1.4 Carência de ações resolutivas no cotidiano dos 93
serviços ………….....................................................
5.2.1.5 A sobrecarga do enfermeiro ………………………… 100
5.2.1.6 A rejeição sentida pelos ACS ……………………….. 104
5.2.2 A importância do trabalho dos ACS para a população
assistida……......................................................................... 107
5.2.2.1 A dependência dos ACS …………………………….. 108
5.2.2.2 O ACS como ponte entre os usuários e os
serviços.................................................................... 113
Sumário

6 Considerações Finais………………………………………………….…… 119


Referências………………………………………………………………..….…. 126
Apêndice…………………………………………………….............................. 135
Apêndice A - Termo de consentimento livre e esclarecido.…………..……. 136
Apêndice B - Roteiro para entrevista …………………………...……….…... 137
Apêndice C - Transcrição dos discursos dos sujeitos da pesquisa ….…… 138
Anexo A - Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa ………..……….….... 153
Resumo
Resumo

O presente estudo, de natureza qualitativa, teve como objetivos identificar as

representações dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) acerca de suas

práticas de saúde, conhecer as dificuldades sentidas por eles no exercício da

prática cotidiana da assistência e desvelar como eles identificam a importância

do próprio trabalho para a população assistida. Os dados foram coletados

através de entrevista semi-estruturada com doze ACS de quatro Unidades

Básicas de Saúde do município pesquisado. Utilizamos a Análise Temática

para a análise dos dados e a partir desta, emergiram dois temas e suas

respectivas categorias: 1) a percepção dos ACS sobre sua prática cotidiana e

as dificuldades em executá-la; a determinação do vínculo como instrumento de

trabalho dos ACS, a prática voltada para as orientações sobre a prevenção das

doenças e a promoção da saúde, o cuidado ampliado dos ACS, carência de

ações resolutivas no cotidiano dos serviços, a sobrecarga do enfermeiro e as

recusas dos usuários ao atendimento dos ACS e 2) a importância do trabalho

dos ACS para a população assistida; a dependência dos ACS e os ACS como

ponte entre os usuários e os serviços. A análise dos resultados mostrou que

para os sujeitos, o estabelecimento do vínculo com as famílias e o

fortalecimento da credibilidade dos usuários frente ao trabalho, são essenciais

para a prática cotidiana. Os ACS consideram as orientações sobre a prevenção

de doenças e a promoção da saúde como as principais e mais relevantes

ações desenvolvidas por eles. A deficiência de ações resolutivas nos serviços

de saúde, a sobrecarga do enfermeiro responsável pela equipe e as recusas

dos usuários ao seu atendimento, foram elencados pelos sujeitos como

elementos dificultadores para a execução das ações de saúde. Os ACS


Resumo

percebem a importância do próprio trabalho para a população assistida através

da dependência mútua entre os usuários e os ACS, como também pelo papel

que exercem como ponte entre os usuários e serviços. A presente pesquisa

sugere a necessidade de exploração dessa temática e a continuidade de outros

estudos que favoreçam a discussão em busca de estratégias capazes de

possibilitar a esperada e desejada consolidação dos princípios do SUS,

sobretudo no que se refere aos aspectos abordados na universalização,

integralidade e eqüidade.

Palavras-chave: agente comunitário de saúde, prática do cotidiano do


trabalho, representações.
Abstract
Abstract

This study of a qualitative nature, aimed to identify the representations of Health

Community Agents (ACS) about their health practices, knowing the difficulties

faced by them in pursuit of the practice of daily assistance and reveal how they

identified the importance of own work for the population assisted. Data were

collected through a semi-structured with twelve ACS of four Basic Health Units

of the council researched. We use the thematic analysis of data for analysis and

from that, two themes emerged and their respective categories: 1) the

perception of ACS on their daily practice and the difficulties in executing it, the

determination of the link as an instrument of work of ACS, the practice turned to

the guidelines on disease prevention and health promotion, the extended care

of ACS, lack of remedial actions in the daily services, the burden of nurses and

denials of care to users of ACS and 2) the importance of work of ACS for the

population assistance; dependence on ACS and ACS as a bridge between

users and services. The results showed that for the subject, the establishment

of ties with families and strengthening the credibility of users facing the work,

are essential to daily practice. The ACS consider the guidelines on disease

prevention and health promotion as the main and most relevant actions

undertaken by them. The deficiency of remedial actions in health services, the

burden of the nurses responsible for the team and the refusal of users to its

service, were listed by subject as dificultadores elements for the implementation

of the actions of health. The ACS realize the importance of the work for the

people assisted by mutual dependence among users and the ACS, but also the

role that exercise as a bridge between users and services. This study suggests

the need for holding such thematic and continuity of other studies to encourage
Abstract

discussion in search of strategies capable of providing the expected and

desired consolidation of the principles of the SUS, especially with regard to the

points raised in the universal, completeness and equity.

Key words: health community agent, the practice of daily of work,


representations.
Apresentação 19
Apresentação 20

Minha trajetória na Saúde Pública e o meu interesse pelas

práticas de saúde no âmbito coletivo (comunitário), iniciaram-se desde a

formação durante estágio curricular do quarto ano de graduação, graças à

oportunidade que tive de vivenciar experiências na saúde indígena, em um

Distrito Sanitário Especial Indígena localizado na região noroeste do Estado do

Amazonas. Durante esse período, acompanhando o trabalho desenvolvido nas

comunidades, passei a conhecer com agradável surpresa, a proposta de

inserção dos profissionais desta área na cultura, nos hábitos, nas crenças e na

visão de saúde de cada povo, ocasião em que se fazia necessário

obrigatoriamente, um comportamento, no mínimo, humanitário, respeitando-se

as características e as diferentes necessidades. Com tal vivência, descobri

naquele cenário a participação de um personagem fundamental para o sucesso

daquele trabalho: o Agente de Saúde. Nessa realidade, os denominados

Agentes Indígenas de Saúde executavam as ações descritas pelas diretrizes

do Ministério da Saúde e, além disso, tinham importância fundamental para

intermediar a relação entre profissionais de saúde e comunidade, seja através

da linguagem, da expressão corporal, da cultura ou por qualquer outro fator

que necessitasse de sua intervenção. Eles estavam sempre ali, de prontidão,

observando a dinâmica das famílias e liderando qualquer tipo de manifestação

ou desejo da comunidade.

A partir dessa experiência, pude perceber que o trabalho

realizado na perspectiva social e comunitária, sobretudo junto às famílias,

transformava-se em uma força impulsionadora para fazer parte da luta da


Apresentação 21

mudança no paradigma do sistema, com o enfoque voltado para a promoção

da saúde e prevenção de doenças.

Assim, no mês de janeiro do ano de 2001, dando continuidade

à trajetória, logo após a minha formatura, retornei ao local em que estagiei

como aluna de graduação, para, então, atuar como enfermeira nas

comunidades indígenas, desenvolvendo o papel assistencial e educativo, onde

participei intensivamente das capacitações realizadas para a formação dos

Agentes Indígenas de Saúde. A experiência possibilitou-me conviver ainda

mais com esses profissionais e conhecer melhor o contexto de trabalho dirigido

a eles.

Em 2002, retornei à São Paulo no desejo de me especializar na

área em que atuava, e concomitante, atuei como enfermeira do Centro de

Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa, da Faculdade de Medicina, da

Universidade de São Paulo. Durante esse período, tive a oportunidade de

refletir a respeito das práticas de saúde na atenção primária, reconhecendo sua

importância para o Sistema Único de Saúde. Durante essa experiência, foi

muito valioso o aprendizado com as enfermeiras, técnicos e auxiliares de

enfermagem, com os médicos, com o pessoal administrativo, enfim, com todos

os que ali trabalhavam, revelando uma dedicação extrema, a ponto de

contagiar os que por ali passavam.

No ano de 2004, dirigi-me ao interior de São Paulo, ao

município de Lins, estabelecendo-me na área programática, como

coordenadora de projetos da Atenção Básica, dentre eles, o Programa de

Agentes Comunitários de Saúde (PACS).


Apresentação 22

Nessa perspectiva, e na dinâmica do exercício profissional

desenvolvida com os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), detectei que

esses, através da inserção no trabalho, mostravam-se solidários, dedicados e

comprometidos com a população na vivência de seus problemas.

Incumbências que não estavam contempladas nas ações ou programas, eram

destinadas aos ACS, e esses, por sua vez, deparavam-se com diferentes

experiências, esforçando-se, ao máximo, para atingirem o objetivo que lhes era

proposto, apesar da exposição a sentimentos conflituosos provenientes da

própria prática cotidiana. Foi então que, no emaranhado das competências

necessárias ao desempenho do papel dos ACS e de sua inserção no Sistema

Único de Saúde, passei cada vez mais, a indagar sobre o que realmente era

esperado desses profissionais quanto ao desempenho e como eles próprios

analisam o processo da sua prática nas ações básicas de saúde.

Desde então, venho-me propondo a estudar mais sobre esses

profissionais que se integram com a equipe de saúde e ao mesmo tempo

fazem parte das famílias e da comunidade em que vivem. O convívio com os

ACS permitiu-me refletir sobre a necessidade de realizar esse estudo e

desvelar alguns “enfrentamentos” acerca da de sua prática diária, e desta

forma, contribuir para a consolidação do Sistema Único de Saúde, em especial,

com a atenção básica à saúde da comunidade.


Introdução 23
Introdução 24

O sistema de saúde no Brasil vem sofrendo diversas

mudanças desde o século passado, sendo o processo de construção do

Sistema Único de Saúde (SUS) resultado de um conjunto de embates políticos

e ideológicos ocorridos com a participação de diferentes atores sociais ao

longo dos anos.

A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de

Saúde, realizada em Alma-Ata, na Rússia, em 1978, promovida pela

Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para

Infância (UNICEF), cujo tema central foi “Saúde para todos no ano 2000”,

contribuiu no processo da reforma sanitária no Brasil. Nesta oportunidade, a

atenção primária à saúde foi definida como:

[...] cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e


tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e
socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de
indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena
participação e a um custo que a comunidade e o país pode
manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de
autoconfiança e autodeterminação1.

Nos anos 80, nasce o movimento dos trabalhadores de saúde

em todo país, com o objetivo de sistematizar as propostas de mudança do

modelo de saúde vigente, desencadeando, assim, a reforma sanitária brasileira

que foi pautada durante a VIII Conferência Nacional de Saúde, em 19862.

Em 1988, com a Constituição da República Federativa do

Brasil, foi implantado o Sistema Único de Saúde (SUS), regulamentado em

1990 por meio das Leis Orgânicas da Saúde 8.080 e 8.142. Essas leis

estabelecem como princípios básicos: a participação popular, a eqüidade, a


Introdução 25

descentralização, a integralidade e a universalização3,4. Desta forma, o SUS

passa a ser o responsável pela assistência à saúde da população, efetivado

por ações de promoção, prevenção, proteção e recuperação da saúde.

Priorizou-se, entretanto, organizar uma rede de Atenção

Primária à Saúde (APS) que diminuísse a grande distância entre a população e

os serviços de assistência, cabendo à esfera municipal a responsabilidade de

atenção básica à saúde e de gestão desses serviços, com possibilidade de

identificar as necessidades da população5.

Nos anos 90, o Ministério da Saúde criou as NOB (Normas

Operacionais Básicas), que passaram a representar instrumentos fundamentais

para a concretização do SUS. A NOB 01/96 reafirma os princípios

constitucionais, definindo essas responsabilidades aos municípios, que

deveriam organizar o Sistema de Saúde a partir da atenção básica, por meio,

principalmente, da rede de Unidades Básicas de Saúde (UBS)6.

Os postos de saúde, considerados como porta de entrada aos

serviços do SUS, aparecem para realizar, além das consultas médicas, ações

de promoção e prevenção, sendo necessário estender a assistência à saúde

para toda a população7.

Tal assistência fundamenta a atenção básica, que, de acordo

com o Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde, está assim

definida:

[…] constitui o primeiro nível da atenção no SUS,


compreendendo um conjunto de ações de caráter individual e
coletivo, que englobam a promoção, a prevenção de agravos,
o tratamento, a reabilitação e manutenção da saúde8.
Introdução 26

Desse modo, a Unidade Básica de Saúde (UBS) não pode ser

entendida apenas como lugar para atendimento de necessidades de saúde de

menor complexidade. Muito mais que isso, ela deve atender a uma demanda

universal, de forma equânime e integral, e com uma resolubilidade maior do

que 80% das intercorrências, encaminhando para serviços especializados e

internações apenas os casos de média e alta complexidade, por mecanismos

de referência e contra-referência.

Para Carvalho et al.5, a Atenção Básica tem a responsabilidade

de organizar a lógica do Sistema de Saúde, rompendo com a idéia de atenção

centrada no baixo custo, simplificada, e com poucos equipamentos. A UBS

deve ser estruturada, de maneira eficiente e eficaz, e que atenda as

necessidades de saúde da população adscrita.

Em busca da implantação e implementação do SUS, surge, em

1991, proposto pelo Ministério da Saúde, o Programa de Agentes Comunitários

de Saúde (PACS) e, em 1994, o Programa Saúde da Família (PSF), como uma

estratégia de reorganização sanitária, face às discussões acerca do modo de

produzir saúde9.

O governo federal assumiu como prioridade dentro da agenda

setorial, a implantação do PACS, com o objetivo de estender a cobertura do

sistema público de saúde às populações rurais e das periferias urbanas,

sobretudo à população materno-infantil. Após os resultados demonstrados por

este programa, houve mobilização dos secretários municipais de saúde em

relação à atenção básica, e como conseqüência, o governo federal implantou,

a partir de 1994, o PSF, como estratégia para mudança do modelo de


Introdução 27

assistência à saúde no país, como previsão de causar um impacto na

reestruturação em todos os níveis de atendimento10.

Como o PSF, amplia-se no cenário dos serviços de saúde no

país, a participação do Agente Comunitário de Saúde (ACS), com a principal

função de formar um elo, uma ponte entre a comunidade, a família, o usuário e

os serviços de saúde.

Porém essas providências no que se refere à saúde e bem-

estar da comunidade, não foram as primeiras, pois, no ano de 1987, já havia

sido implantado no estado do Ceará o trabalho de ACS, que, além de viabilizar

a criação de empregos para as mulheres na área de seca, contribuiu para a

queda da mortalidade infantil, com expansão em todo Estado, abrangendo

quase todos os municípios em três anos. Em 1991, o Ministério da Saúde,

encampou o PACS com os objetivos de incentivar o autocuidado e a

responsabilização da questão saúde (individual e coletiva), bem como melhorar

os índices de morbi-mortalidade da clientela materno-infantil. Também

surgiram, no Ceará, as primeiras experiências com o PSF, em janeiro de 1994,

encampadas pelo Ministério da Saúde, em março do mesmo ano11.

Neste contexto de reformulação da atenção básica, tanto o

PACS como o PSF possuem fortes instrumentos relacionados às práticas de

saúde, pois se diferem do modelo tradicional anterior à implantação desses

programas, que têm a atenção centrada no indivíduo, com ênfase ao cuidado

no aspecto biológico. Desta forma, identificados como modelos inovadores, o

PACS e o PSF direcionam as ações de saúde, com o olhar ampliado para as

questões da coletividade, no enfoque à saúde e aos fatores que a determinam.


Introdução 28

Outro aspecto relevante que caracteriza os referidos programas é sua

organização e articulação com os outros serviços da rede de saúde, como os

de referência para média e alta complexidade.

Sabemos que este processo encontra-se em andamento, e

que o seu sucesso depende essencialmente do interesse político, tanto em

nível federal, estadual, como municipal, cabendo aos gestores a

responsabilidade pelas mudanças nos modelos de saúde existentes em todo o

território nacional.

A inserção de ações de saúde com a família e a comunidade

melhora consideravelmente a qualidade de intervenção, pois, a partir do

momento em que os profissionais se deslocam do serviço de saúde para o

atendimento na comunidade, conseguem visualizar condições contextuais que

antes desconheciam. A partir desse conhecimento, poderão direcionar o

cuidado à saúde específico para cada situação, para cada família, podendo,

assim, contribuir para melhor qualidade de vida da população.

Desta forma, as duas estratégias iniciadas com a inserção de

Agentes Comunitários de Saúde às Unidades Básicas de Saúde, contribuem

para que as atribuições e as responsabilidades determinadas à Atenção Básica

sejam executadas e assumidas de uma forma inovadora, permitindo que os

serviços de saúde atinjam uma efetiva mudança em sua organização, com a

melhoria da qualidade da assistência prestada.

Para Tomaz11, o PACS e o PSF não devem ser vistos como

programas, e sim como estratégias estruturantes, propondo-se a reorganizar a

atenção básica de acordo com os princípios da integralidade, universalidade e


Introdução 29

equidade do SUS e não apenas a aumentar a extensão de cobertura para as

populações marginalizadas.

Porém o PACS e o PSF têm atuação e abrangência definida.

Cada um com a sua atribuição específica, a diferença dessas duas estratégias

é que, enquanto o PACS pode ser composto de até 30 ACS (contando com um

enfermeiro supervisor/coordenador), o PSF conta, por sua vez, com uma

equipe multiprofissional, composta de médico, enfermeiro, auxiliar/técnico de

enfermagem e até 12 agentes comunitários de saúde por equipe, podendo ser

inserida uma equipe de saúde bucal, composta por odontólogo, auxiliar de

consultório dentário e técnico de higiene dental12.

A profissão do ACS foi regulamentada em 10 de julho 2002,

com a lei 10.507, sendo responsável pelo acompanhamento de 750 pessoas

determinadas de acordo com a área de abrangência da Unidade de Saúde. O

ACS constitui-se em um profissional ativo para melhorar e motivar a

capacidade da população quanto aos cuidados com sua saúde e transforma-se

em ator imprescindível para o desenvolvimento psíquico, físico, econômico,

político e social da população. A mesma lei determina os requisitos necessários

para ser ACS: ser morador da área de atuação há pelo menos dois anos, ter

completado o ensino fundamental, ser maior de 18 anos e concluir de forma

satisfatória o Curso Introdutório para as equipes de PACS/PSF12,13.

As atribuições do agente comunitário de saúde foram

reeditadas a partir desta lei, e, em 28 de março de 2006, pela Portaria do

Ministério da Saúde, GM n 648, ficou estabelecido como atividades a serem

executadas pelos ACS:


Introdução 30

x desenvolver ações que busquem a integração entre a equipe

de saúde e a população adscrita à UBS, considerando as

características e as finalidades do trabalho de

acompanhamento de indivíduos e grupos sociais ou

coletividade;

x trabalhar com adscrição de famílias em base geográfica

definida, a microárea;

x estar em contato permanente com as famílias

desenvolvendo ações educativas, visando a promoção da

saúde e a prevenção das doenças, de acordo com o

planejamento da equipe;

x cadastrar todas as pessoas de sua microárea e manter os

cadastros atualizados;

x orientar famílias quanto à utilização dos serviços de saúde

disponíveis;

x desenvolver atividades de promoção da saúde, de

prevenção das doenças e de agravos, e de vigilância à

saúde, por meio de visitas domiciliares e de ações

educativas individuais e coletivas nos domicílios e na

comunidade, mantendo a equipe informada, principalmente a

respeito daquelas em situação de risco;

x acompanhar, por meio de visita domiciliar, todas as famílias

e indivíduos sob sua responsabilidade, de acordo com as

necessidades definidas pela equipe;


Introdução 31

x cumprir com as atribuições atualmente definidas para os

ACS em relação à prevenção e ao controle da malária e da

dengue, conforme a Portaria nº. 44/GM, de 3 de janeiro de

2002.

Nota: É permitido ao ACS desenvolver atividades nas unidades básicas de


saúde, desde que vinculadas às atribuições acima12.

O processo de formação básica dos ACS e de toda equipe se

dá através de um curso introdutório, oferecido, em sua maioria, pelas

Secretarias Municipais de Saúde, até 3 meses após a contratação dos

profissionais, cujo principal objetivo é fornecer subsídios para as ações e

melhor compreensão do processo de trabalho de cada profissional. Este deve

ser iniciado concomitantemente ao início do trabalho das equipes de PACS e

PSF, permitindo conhecimento, principalmente na área de vigilância à saúde.

Os conteúdos mínimos deste curso estão descritos na Portaria GM 2.527, de

19 de outubro de 200614.

Esta fase caracteriza-se como de extrema importância para o

progresso dos programas, pois é neste momento que os profissionais se

sensibilizam para a construção de um novo modelo e absorvem conhecimentos

capazes de instrumentalizá-los durante a sua operacionalização.

O Ministério da Saúde e as Secretarias Estaduais e Municipais

de Saúde, preocupados com a peculiaridade do trabalho do ACS, instituíram a

Formação Profissional dos Agentes Comunitários de Saúde, iniciada no ano de

2005, com a participação das três esferas de governo, cuja proposta é

conceder aos agentes já atuantes na rede a formação em nível técnico,


Introdução 32

melhorando, assim, a qualidade da assistência prestada. No Estado de São

Paulo esse processo de formação está diretamente ligado aos Cefors –

Centros Formadores de Pessoal para a Saúde. O curso perfaz um total de

1.350 horas/aula, subdivididas em três módulos, com a duração de 450

horas/aula. Esta proposta visa, principalmente, a dar subsídios ao exercício dos

ACS, bem como equiparar a formação básica de todos esses profissionais, já

que, para se matricularem em cada módulo do curso, é exigido um nível de

escolaridade; ao término dos três módulos, o profissional deverá ter concluído

o ensino médio.

O Agente Comunitário de Saúde e sua inserção nos novos

serviços têm sido foco de investigação de alguns estudos, como os de Silva e

Dalmaso15, de Lunardelo9, de Ferraz e Aertes18, de Martines17, de Wai16. Tais

estudos vão ao encontro das mudanças que freqüentemente ocorrem nas

realidades e no contexto de trabalho desses profissionais, uma vez que na

estratégia de reorganização da assistência em saúde trazida tanto pelo PACS

quanto pelo PSF, os ACS têm papel de propulsor de ações a serem efetivadas.

No entanto Tomaz11 destaca que o trabalho dos ACS tem sido

considerado atividade de uma carga excessiva, devido às distorções ocorridas

por falta de uma clara delimitação de suas atribuições, de modo que ele é

indevidamente responsabilizado sozinho pela consolidação do SUS. Os ACS

precisam incorporar-se ao Sistema de Saúde, integrar-se nas equipes,

participando das diferentes ações na dimensão técnico-assistencial ou político-

social.
Introdução 33

Para Silva & Dalmaso15, a atuação do ACS está baseada em

duas dimensões principais: uma, relacionada ao componente técnico; e outra,

mais à dimensão política. As autoras elucidam que o componente técnico

relaciona-se ao atendimento aos indivíduos e famílias, à intervenção para

prevenção de agravos ou para o monitoramento de grupos ou problemas

específicos; já o político, preocupa-se com questões relacionadas à

organização da comunidade e às transformações dessas condições.

Nessa mesma perspectiva, Wai16, em estudo sobre os fatores

de sobrecarga e mecanismos de enfrentamento no trabalho do Agente

Comunitário de Saúde, ressalta que o ACS pode apresentar com mais

freqüência sintomas de estresse em relação aos demais membros da equipe,

pelo fato de atuar na criação de vínculos com a comunidade que assiste, sem

ter recebido uma formação adequada e um treinamento específico para o

enfrentamento de possíveis dificuldades encontradas nessa relação

estabelecida com o usuário.

Martines17 destaca que os ACS encontram-se em diferente

situação relativamente aos outros membros da equipe de saúde, pois,

enquanto o médico, o enfermeiro, o auxiliar de enfermagem estão quase todo o

tempo em certa proteção pela UBS, os ACS estão nas ruas, expostos às várias

situações, em nome da UBS, em ocorrências imprevistas, em alguns

momentos, acolhidos; em outros, expostos a circunstâncias conflitantes,

podendo até enfrentar a estranheza da população. Na pesquisa realizada por

Martines17 são evidenciadas as vulnerabilidades para o sofrimento no trabalho

a que o grupo dos ACS estão expostos, assim como as próprias manifestações
Introdução 34

deste sofrimento ao desempenharem suas ações profissionais.

Ferraz & Aertes18, em estudo realizado em Porto Alegre,

identificaram que a principal atividade executada pelos ACS é a visita

domiciliar; e o trabalho de educação em saúde, a segunda mais desenvolvida

pelos agentes. Foi destacado, nesta investigação, que a outra atividade

freqüente dos ACS é o trabalho de apoio às equipes, auxiliando na recepção

do usuário, busca de prontuários, telefonia, organização e controle do

almoxarifado. Assim, foi possível constatar que, mesmo a visita domiciliar

sendo a principal atividade dos ACS, esta não é realizada com total efetividade,

pois parte do tempo dos ACS é dedicado a atividades administrativas, o que

descaracteriza sua função.

Lunardelo9 afirma que a qualificação e a profissionalização

constituem destaques relativamente aos fatores de realização pessoal e

profissional dos ACS, que têm buscado a construção da sua identidade, como

também um crescimento humano e profissional.

Nesta reflexão sobre a identidade do ACS, Bachilli et al.19

destacam que:

[...] a identidade do Agente Comunitário de Saúde é uma


construção que se aventura em novos caminhos, se apropria de
um saber anteriormente excluído do seu fazer e do seu grupo
interacional, vive encontros e desencontros com os parceiros de
trabalho nos momentos em que a reciprocidade se alterna entre
os iguais, os desiguais e os “insubstituíveis” e propõe novos
limites que favorecem o caminho de outros, promovendo o
desassombro necessário para o desenvolvimento e o
crescimento anterior.
Introdução 35

Ressaltando a especificidade do trabalho do ACS, Bornstein &

Stotz20 identificaram que foi unânime, neste estudo, o papel de mediação

desenvolvido pelo ACS entre o serviço e a comunidade. Porém essa mediação

sugere a implicação de contradições que significam, por um lado, prestígio e

poder junto à população de sua área de atuação; e, em contrapartida, o

desgaste decorrente da pressão das pessoas da comunidade não satisfeitas

com o serviço e que tentam conseguir facilidades no acesso.

Em um estudo realizado por Martines e Chaves21, em que

foram identificadas as tensões no trabalho cotidiano do ACS no PSF, são

elencados os quatro tipos de pressões sobrepostas:

x a dos pressupostos do PSF, sob a vertente da integralidade

e da responsabilização pela microárea;

x a dos profissionais da equipe, atravessada pela necessidade

de contratualidade interdisciplinar;

x a da comunidade que interroga, interpela e reivindica seus

direitos e;

x a do próprio ACS que circula pela via da fantasia,

demonstrando estar entorpecido na onipotência.

Podemos destacar que o trabalho dos ACS, desenvolvido

principalmente em área urbana, traz novos desafios, daí a necessidade de

estudos mais abrangentes a respeito desta peculiaridade, contribuindo, assim,

para um melhor entendimento do significado do seu trabalho para o SUS, com

efeitos benéficos nas discussões sobre o seu processo de trabalho. Além

disso, as dificuldades encontradas em área urbana ultrapassam o campo da


Introdução 36

saúde e requerem uma ação intersetorial mais efetiva, devido aos problemas e

agravos relacionados à violência, ao desemprego, à fome, e a outros fatores.

Conforme citado anteriormente, os ACS podem enfrentar

desafios no que se refere à aceitação da comunidade, das famílias e dos

indivíduos a respeito do seu trabalho. Esses profissionais são membros da

própria comunidade onde vivenciam todos os problemas encontrados e

freqüentemente conseguem acessar todo tipo de informação, inclusive as mais

sigilosas e comprometedoras. A comunidade, muitas vezes, enxerga os ACS

como grandes observadores dos problemas intra e extrafamiliar e considera

que estes possuem pouco poder decisório em relação a tais situações. Ao

mesmo tempo, ela se sente favorecida quando utiliza este recurso,

principalmente para conseguir acessar com mais facilidade os serviços de

saúde oferecidos pelo sistema local.

Um outro aspecto relevante a respeito do trabalho dos ACS é

referente aos limites de atuação que muitas vezes é determinado pelas

políticas locais ou pelo fato de a família ou indivíduo assistido não se

comprometer em cuidar de seu próprio estado de saúde ou de um ente familiar.

Esse comportamento de transferência dos problemas de saúde para os

profissionais, principalmente para os ACS, que estão a todo tempo em contato

com esses grupos, pode dificultar as ações dos agentes, pois esses podem

não conseguir efetivar suas propostas de prevenção e promoção da saúde.

As limitações inerentes ao trabalho desses profissionais,

também estão relacionadas ao modo como os próprios ACS percebem suas

ações e atribuições e o que os outros profissionais envolvidos compreendem

sobre o seu papel. É visível o desejo dos ACS, muitas vezes, de deter o
Introdução 37

conhecimento técnico-biológico, direcionando suas ações para a assistência

curativa, com enfoque na importância de ser um “quase” enfermeiro ou médico.

Por outro lado, em algumas situações fica evidente o esforço dos ACS em

compartilhar os problemas sociais identificados nas famílias, deixando

transparecer sentimentos como a solidariedade, a humanização e a

compaixão. Na busca da resolução destes problemas, os ACS agem

mobilizando a comunidade, e, por meio de sua influência, acionam os

elementos necessários para tentarem suprir as necessidades identificadas nas

famílias visitadas. Estes problemas relacionados com o fator social

determinante são encaminhados pelos ACS para a rede social do município.

Mas provavelmente este setor apresenta-se com uma grande demanda e uma

burocracia que interfere no funcionamento do fluxo da rede, fazendo com que

os problemas demorem a ser resolvidos, situação que os deixa apreensivos e

ansiosos.

Os ACS estão direcionados e orientados para a execução de

suas ações, conforme portarias editadas pelo Ministério da Saúde. Muitas

vezes, como é permitido adaptação de acordo com a realidade local, esses

profissionais carregam uma gama de atribuições muito mais extensas do que a

pertinente na proposta dos programas PACS e PSF. Atente-se, ainda, para o

fato de que esta profissão ainda não é subsidiada por nenhum conselho ou

sindicato próprio que exija algumas normatizações para a regulamentação,

como é o caso dos outros profissionais da área da saúde.

Desta forma, as questões apresentadas acerca dos ACS

levam-nos a refletir sobre esses profissionais atuantes nos serviços e na

reorganização da prática sanitária vigente.


Objetivos 38
Objetivos 39

Acreditando que a investigação proposta possa contribuir para

a compreensão de questões inerentes aos ACS e possibilitar futuras

intervenções, estabelecemos como objetivos:

x Identificar as representações dos ACS acerca de suas

práticas de saúde.

x Conhecer as dificuldades sentidas pelos ACS no exercício

da prática cotidiana da assistência.

x Desvelar como os ACS identificam a importância do próprio

trabalho, para a população assistida.


Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 40
perspectiva do trabalho na atenção básica
Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 41
perspectiva do trabalho na atenção básica

A discussão sobre a assistência à saúde, realizada pelos

serviços públicos e privados, vem englobando questões relacionadas às ações

e às práticas humanizadas. Concomitantemente, emerge a necessidade de se

instituir um novo olhar dos profissionais de saúde em relação às necessidades

humanas da população em geral. Essas questões vêm despertando, em muitos

serviços de saúde, nas diversas regiões do país, modos e modelos inovadores

de atenção à saúde. Diante dessa nova prática, há necessidade de mudanças

no que diz respeito, principalmente, à centralização das ações em um único

profissional, em sua maioria o médico, passando-se, assim, a responsabilizar

todos os demais, inclusive o próprio usuário, na resolutividade das ações, num

resgate do processo de cidadania, em busca da conscientização a respeito de

direitos e deveres.

Desta forma, autores que estudam principalmente os novos

modelos de saúde, esclarecem os principais aspectos relacionados à

assistência, que compreendem o processo de acolher, o vínculo e a

humanização nos serviços públicos de saúde, procedimentos que estão

fundamentados na própria significação do termo.

Com efeito, ao buscar a etimologia dessas palavras, vemos

acolhimento significa: “[...] ato ou efeito de acolher; recepção; atenção;

consideração. Acolher é definido como dar acolhida; hospedar; atender;

receber; tomar em consideração; agasalhar-se; hospedar-se [...]”22.

A humanização é definida como: “[...] ato ou efeito de

humanizar-se. Humanizar: tornar humano, dar condição humana a; humanar;


Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 42
perspectiva do trabalho na atenção básica

tornar benévolo, afável, tratável; fazer adquirir hábitos sociais polidos, civilizar

[...]”22.

Em relação ao significado da palavra vínculo, sabe-se que o

termo é originário do latim vinculu, e está ligado a: “[...] tudo o que ata, liga ou

aperta; nó; liame; ligação moral [...]”22.

A importância da implantação nos serviços de saúde das

práticas relacionadas ao acolhimento, vínculo e humanização tornou-se de tal

forma evidente ao longo dos anos, que, em 2003, o Ministério da Saúde

implementou a Política Nacional de Humanização (PNH), cuja principal

proposta coincide com os próprios princípios do SUS. Tal política ressalta a

necessidade se de assegurar atenção integral à população e implementar

estratégias para ampliar a condição de direitos e de cidadania, alcançando,

assim, na perspectiva da transdisciplinaridade, a proposta de uma atuação que

leve à ampliação da garantia de direitos e o aprimoramento da vida em

sociedade23.

Providências neste sentido já constam da literatura específica,

como é o caso do documento elaborado pelo Ministério da Saúde para servir

de apoio à implementação da PNH, em que foram, assim, definidas as

diretrizes do programa na atenção básica:

x Elaborar projetos de saúde individuais e coletivos para

usuários e sua rede social, considerando as políticas

intersetoriais e as necessidades de saúde.

x Incentivar práticas promocionais de saúde.


Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 43
perspectiva do trabalho na atenção básica

x Estabelecer formas de acolhimento e inclusão do usuário

que promovam a otimização dos serviços, o fim das filas, a

hierarquização de riscos e o acesso aos demais níveis do

sistema.

x Comprometer-se com o trabalho em equipe, de modo a au-

mentar o grau de co-responsabilidade, e com a rede de

apoio profissional, visando a maior eficácia na atenção em

saúde24.

O Ministério da Saúde, no decorrer destes anos, desde a

implementação da PNH até os dias de hoje, tem efetuado uma série de

publicações a respeito do tema, auxiliando estados e municípios a

compreender, organizar e consolidar modelos de saúde que aplicam essa

prática, como, por exemplo, o Programa Saúde da Família, a Política Nacional

de Humanização do Parto, entre outros.

Ainda, segundo o Ministério da Saúde:

O acolhimento como postura e prática nas ações de atenção e


gestão das unidades de saúde favorece a construção de uma
relação de confiança e compromisso dos usuários com as
equipes e os serviços, contribuindo para a promoção da
cultura de solidariedade e para a legitimação do sistema
público de saúde. Favorece, também, a possibilidade de
avanços na aliança entre usuários, trabalhadores e gestores
da saúde em defesa do SUS como uma política pública
essencial da e para a população brasileira23.

Conforme relatam Vaitsman & Andrade25, o conceito de

humanização passou a fazer parte do vocabulário da saúde a partir dos anos

90; foi visto inicialmente como um conjunto de princípios que criticam o caráter
Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 44
perspectiva do trabalho na atenção básica

impessoal e desumanizado, e mais tarde traduzido em diferentes propostas

visando a modificar as práticas assistenciais. Conforme as autoras também

destacam, o conceito de humanização no campo da saúde aparece como um

princípio vinculado ao paradigma de direitos humanos, que se refere a

usuários, pacientes, consumidores, clientes e cidadãos como sujeitos.

Matumoto26 ao pesquisar a temática do acolhimento em

unidades básicas de saúde, enfatiza-o na perspectiva religiosa, elucidando

que, no âmbito da igreja católica, acolher é sinônimo de buscar, vencer

obstáculos, realizar transformação profunda, entre outros. Também neste

estudo é salientada a questão da humanização, que se expressa, por exemplo,

nos atos de cumprimentar as pessoas, como falar, ou na atitude de confiança.

A autora descreve que a concepção religiosa possui elementos importantes

para se refletir sobre o acolhimento, no que tange à valorização do ser

humano, no seu ato de assumir uma postura mais solidária e respeitosa com

os outros. Ainda segundo este estudo, a humanização é entendida como o

resgate do homem no processo de trabalho, sendo, desta forma, percebido

como necessário ao desenvolvimento da essência humana.

Autores como Emerson Elias Merhy, Gastão Wagner de Sousa

Campos, Luiz Carlos de Oliveira Cecílio e outros colaboradores, iniciaram seus

trabalhos com o Lapa (Laboratório de Planejamento e Administração de

Sistemas de Saúde), da Universidade de Campinas, no início da década de 90

e desenvolveram inúmeras produções científicas que ajudaram a contextualizar

os limites, os impasses e as contradições da administração pública e dos

modelos tecno-assistenciais dominantes, apresentando descobertas e novos


Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 45
perspectiva do trabalho na atenção básica

arranjos organizacionais e políticos, capazes de sustentar mudanças na saúde,

dentre eles o acolhimento, o vínculo e a humanização.

Merhy27 discute os modelos de atenção à saúde e destaca que

as queixas dos usuários em relação aos serviços são, de um modo geral, não

voltadas para a falta de conhecimento tecnológico no atendimento prestado a

eles, e sim da falta de interesse e de responsabilização dos diferentes serviços

em torno de si e do seu problema. Segundo ele, “os usuários, como regra,

sentem-se inseguros, desinformados, desamparados, desprotegidos,

desrespeitados, desprezados”.

Ainda para Merhy27, o trabalho realizado na saúde é

dependente de uma tecnologia que não pode ser vista apenas como um

conjunto de máquinas utilizadas para intervenção nos pacientes, e sim como

saberes que são produzidos, comprometidos com a realização de intervenções

produtivas do trabalho humano. Essas tecnologias são caracterizadas,

segundo ele, em dura, leve-dura e leve. A tecnologia dura está relacionada à

utilização de máquinas e ferramentas de trabalho, que ele exemplifica: o raio-x,

instrumentos para fazer exames de laboratórios, instrumentos para examinar o

indivíduo, fichários para anotar dados do usuários. A leve-dura é considerada

leve quando é representada pelo saber que as pessoas adquiriram e no modo

de organizar uma atuação sobre eles, porém é dura na medida em que é um

saber-fazer bem estruturado, organizado, protocolado, normalizável e

normalizado. A tecnologia leve é caracterizada quando há um encontro entre

duas pessoas, atuando uma sobre a outra, onde se cria a inter-subjetividade,

momentos de fala, de escuta, de interpretações, cumplicidade, confiabilidade,


Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 46
perspectiva do trabalho na atenção básica

acolhimento, produção de vínculo e aceitação. No entanto a prática assistencial

em saúde demonstra que a tecnologia leve ainda carece de ser melhor

apropriada e mais utilizada.

Também é destacado por Merhy28 que a análise do sentido dos

modelos assistenciais deve seguir parâmetros capazes de divulgar o modo

como a tecnologia leve atua no interior do sistema de saúde, principalmente, o

modo como ela é “comandante” ou “comandada” pela tecnologia dura e leve-

dura. Ainda sob esse enfoque, Merhy28 discute que o território de tecnologias

leves não é campo exclusivo de um único profissional, porém deve servir como

base para atuação de todos. Ele defende que existe uma tendência dos

serviços de saúde de executarem suas ações “procedimento centrada” e não

“usuário centrada”, com o direcionamento das ações na execução de

procedimentos como diagnóstico e operação, não satisfazendo, assim, as

necessidades/direitos. Nesta perspectiva, os usuários dos serviços de saúde

conseguem identificar os trabalhadores que demonstram cumplicidade com ele;

buscam relação de confiança, a certeza de que seu problema será entendido e

o compromisso de que tudo deverá ser feito para proteger e qualificar sua vida.

Matumoto26, considerando sua experiência nos serviços

públicos de saúde, relata que pode ser observada uma predominância de

relações tensas ou de indiferenças e descaso, passíveis de revelar reações

agressivas com insultos e desrespeito, contradizendo os princípios do SUS, em

especial em relação ao direito universal à saúde de todos os cidadãos. A

autora defende que o trabalho em saúde “[..] constitui-se em um processo de


Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 47
perspectiva do trabalho na atenção básica

produção que se faz essencialmente através do relacionamento entre as

pessoas envolvidas, inseridas em um contexto”.

No que se refere a esta questão, Campos29 enfatiza que a

acolhida deveria estar relacionada à abertura dos serviços públicos para a

demanda, melhorando a possibilidade de acesso, como da sua

responsabilização. Destaca que o vínculo da família-doente deve ser visto não

exclusivamente por um único profissional, mas por toda a equipe do serviço.

Para o autor, sempre as atribuições e responsabilidades dos serviços são

divididas em mais ou menos complexas, onde “[...] perde-se a centralidade do

vínculo e ralativa-se o império da acolhida [...]”.

Dada a polivalência da conceituação de vínculo, faz-se

necessário especificar as várias conotações do termo, já que ele é, aqui, o

elemento chave, quando se definem as relações família-paciente-profissional.

Dessa forma, tendo já visto a etimologia do termo (proveniente do latim), cabe-

nos defini-lo neste aspecto particular. Assim, ao conceituarmos vínculo no

campo da saúde, podemos destacá-lo na perspectiva de Freitas30, como sendo:

[...] equilíbrio obrigatório entre duas partes”. Sendo assim,


quando a vida necessita de equilíbrio, temos que pensar na
qualidade dessa vinculação… exige-se dessa vinculação uma
qualidade que chamo de Consciência Multifocal, ou seja, a
percepção que o indivíduo tem sobre si mesmo e sua condição
de vida é tão importante para o seu processo de cura quanto à
percepção que o profissional tem da importância de provocar
no outro este entendimento.

Nesta perspectiva, conceituando acolhimento no âmbito da

saúde, Malta et al.31 destacam que:


Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 48
perspectiva do trabalho na atenção básica

O acolhimento consiste na mudança do processo de trabalho


em saúde de forma a atender a todos os que procuram os
serviços de saúde. Assume-se então nos serviços, uma
postura capaz de acolher, escutar e dar a resposta mais
adequada a cada usuário, restabelecendo a responsabilização
com a saúde dos indivíduos e a conseqüente constituição de
vínculos entre os profissionais e a população.

Para Franco et al.32, o acolhimento possibilita discutir sobre o

processo de produção da relação usuário – serviço sob o olhar específico da

acessibilidade, no momento das ações “receptoras” dos “clientes” de um

determinado estabelecimento de saúde. Também é destacado que o

acolhimento deve ser entendido como uma relação humanizada e acolhedora,

a ser estabelecida entre os trabalhadores e o serviço com os diferentes tipos

de usuários que procuram os estabelecimentos de saúde.

Malta et al.31, por sua vez, analisando o acolhimento, concluem

que este possibilitou uma ação reflexiva sobre a humanização das relações em

serviço, contribuindo para uma mudança na concepção de saúde como um

direito.

A discussão sobre tal conceito está relacionada às mudanças

ocorridas na sociedade, que se refletem na globalização, no advento de novas

tecnologias, na segregação pelo individualismo, entre outros pontos

importantes inseridos neste contexto. Porém a reflexão acerca da humanização

conduz ao questionamento de como é difícil pensar no processo de ensino e

efetivação de ações humanizadoras nas quais está intrínseco o processo

relacional. No campo do trabalho em saúde, que solicita relações humanas,

existem inúmeras dificuldades em compreender e interagir com esse processo

de forma satisfatória, sendo, então, proposta, como já vimos anteriormente, a


Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 49
perspectiva do trabalho na atenção básica

implantação de políticas públicas voltadas para o resgate das ações

humanizadas em saúde, compreendendo atitudes e comportamentos como o

ouvir, o falar, o tocar, o respeitar.

Além dessas reflexões a respeito do termo, outras explicitações

prosseguem no esforço de bem defini-lo, quer no campo da saúde, quer no do

direito. No campo da saúde, segundo Vaitsman & Andrade25:

[...] o conceito de humanização surge como um princípio


vinculado ao paradigma de direitos humanos – expressos
individual e socialmente – e referidos a pacientes, usuários,
consumidores, clientes e cidadãos como sujeitos.

Na perspectiva de Matumoto26, a humanização pode ser

entendida como “[...] o resgate do homem no processo de trabalho em saúde; o

trabalho humanizado é percebido como necessário ao desenvolvimento da

essência humana”.

Tais conceitos vêm sendo bastante evidenciados nas práticas

dos profissionais de saúde de maneira geral, pois, nesse momento, discute-se

a teoria; e está em curso a ruptura com o tradicional paradigma biologicista,

para um novo paradigma pautado na valorização do sujeito, no respeito às

subjetividades, na promoção da autonomia e na necessidade da participação

do sujeito no processo da assistência em saúde.

Ayres33 vai mais além nessas reflexões, quando destaca a

importância de apurarmos uma concepção de sujeito que seja adequada e

utilizada nos discursos de saúde. Esta concepção diz respeito ao sujeito como

“[...] ser real, considerado como alguém que tem qualidades ou exerce ações”.
Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 50
perspectiva do trabalho na atenção básica

Também é descrito por Ayres33 que as propostas renovadoras na área da

saúde requerem a inserção de um olhar para esses sujeitos autênticos,

dotados de necessidades e valores capazes de produzir e transformar sua

própria história.

Nesta perspectiva, podemos considerar que, para a

consolidação de “modelos” de saúde humanizadores e acolhedores, é preciso

identificar cada sujeito e sua interação no processo saúde-doença, respeitando

cada particularidade e o momento de vida de cada um. Para tanto, faz-se

necessário que, cada vez mais, profissionais de saúde encontrem meios de

estabelecer uma relação com os usuários, a fim de ampliar o olhar para as

necessidades de saúde.

Ainda ressaltando essa questão, Ayres33 ilustra:

[…] cuidar, no sentido de um “tratar que seja”, que passa pelas


competências e tarefas técnicas, mas não se restringe a elas,
encarna mais ricamente que tratar, curar ou controlar aquilo
que deve ser tarefa prática da saúde coletiva.

O termo em questão tem sido analisado dentro de uma visão

mais inovadora e abrangente. Sob essa perspectiva, conforme relatam Faiman

et al.34, o termo humanização vem sendo utilizado para retratar diversas ações

que tendem a tornar o ambiente das práticas de saúde mais acolhedoras,

como, por exemplo, executar atividades lúdicas, de lazer, melhorias na

aparência física dos serviços ou permissão na presença de acompanhantes. As

autoras descrevem que a humanização está relacionada ao processo de

transformação da cultura institucional com o reconhecimento e a valorização de

aspectos subjetivos, inerentes à vivência e interpretação do homem sobre os


Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 51
perspectiva do trabalho na atenção básica

acontecimentos concretos a partir de sua percepção pessoal, baseada na sua

história, nas suas marcas, e como o indivíduo percebe o adoecimento do seu

corpo. Neste trabalho, as autoras concluem ser possível, pela humanização,

recuperar o espaço de várias práticas discursivas dos sujeitos que atuam ou

recorrem às instituições de saúde.

Considerando essas transformações em curso, o processo

saúde--doença evidencia a necessidade de mudanças, que já começaram a

ocorrer, principalmente na Estratégia Saúde da Família (ESF), haja vista que

ela possui características inovadoras, buscando a solução de problemas de

saúde dos indivíduos e da coletividade.

Porém, Segundo Fracolli & Zaboli35, para efetivação do

Programa de Saúde da Família (PSF), torna-se necessário que os profissionais

desenvolvam processos de trabalho com o estabelecimento de uma nova

relação entre os profissionais de saúde e a comunidade, para que, assim, se

expandam as ações humanizadas, tecnicamente competentes,

intersetorialmente articuladas e socialmente apropriadas.

Levando esses conceitos ao campo da prática, Schimith &

Lima36, em estudo realizado junto a uma equipe do Programa Saúde da Família

de um município localizado na região do sul do país, propuseram-se a analisar

o trabalho de uma equipe de Saúde da Família e sua relação com o

acolhimento dos usuários e a produção de vínculo, e concluíram que o PSF

mantém, ainda, a forma excludente de atendimento, priorizando o paciente que

chega primeiro; tal prática, segundo elas, reflete um tratamento desumano,

condicionando o usuário a enfrentar as filas de madrugada para garantir o

acesso. Ainda, observado pelas mesmas autoras, está o fato segundo o qual:
Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 52
perspectiva do trabalho na atenção básica

A noção de vínculo que o PSF implanta é a de conhecer as


pessoas e seus problemas. O programa não se refere ao
vínculo com a possibilidade de autonomização do usuário,
nem com sua participação na organização do serviço36.

Por outro lado, o que, de fato, concretiza a mudança do

modelo, ainda é a implementação de ações na perspectiva do acolhimento. Foi

ilustrado, por Gomes & Pinheiro37, que a estratégia do PSF sugere ações de

promoção, proteção e recuperação da saúde dos indivíduos, sendo estas

possíveis através do momento do acolhimento.

Para Chaves & Martines38, o que se propõe através das

diretrizes do Programa Saúde da Família está baseado em executar a “missão”

de inverter a lógica biomédica, ainda centrada prioritariamente na consulta

médica, a outras práticas em saúde e ao trabalho interdisciplinar e intersetorial,

gerando, assim, um diálogo entre as famílias assistidas, os profissionais de

saúde e aqueles vinculados às áreas da educação, cultura, lazer, social e

esporte. Elas defendem que humanizar o ambiente é, também, deixar

evidenciar o dom do indivíduo, e a aceitação da obra de arte de cada um,

utilizando a sua maneira e os seus recursos; e isto constitui, no PSF, a tarefa e

a atitude de cuidar de todos.

A construção deste novo modelo é, com efeito, benéfica e

condizente com as novas propostas sociais. Evidencia-se, portanto, que as

tendências atuais na mudança do paradigma das práticas de saúde são

extremamente necessárias para a efetivação do SUS, e que, para a efetivação

desse processo, todos os atores, profissionais, sociedade, comunidade e


Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 53
perspectiva do trabalho na atenção básica

indivíduos, têm que estar sensibilizados e preparados, principalmente no que

diz respeito ao enfrentamento de barreiras.

Conforme Fracolli & Zoboli35, nas Unidades de Saúde da

Família, o acolhimento é, na maioria das vezes, executado pelas enfermeiras e

auxiliares de enfermagem, sendo que em algumas unidades a

responsabilidade por essa ação, fica a cargo do ACS.

Martines17 em estudo realizado junto aos ACS, demonstra a

existência de sofrimento psíquico na prática de trabalho desse grupo e destaca

a conseqüência disso no processo de atendimento.

Assim, é evidente a importância da conceitualização de

acolhimento, vínculo e humanização, pois tais conceitos embasam a edificação

de novas práticas propostas. No entanto a dinâmica do acontecer dessas

práticas envolve as possibilidades de integralidade.

O Sistema Único de Saúde, pautado em seus princípios,

alicerça os fundamentos básicos sobre o atendimento humanizado, igualitário,

universal e equânime; e propõe um direcionamento para as ações de saúde

nos âmbitos municipal, estadual e federal, almejando a resolubilidade dos

serviços de saúde. Esta, porém, só será alcançada se os profissionais

inseridos nos serviços de saúde se propuserem a mudanças em suas práticas,

desenvolvendo um olhar generalizado para as necessidades de saúde da

população.

Para Cecílio39 essa integralidade da atenção é definida como:


Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 54
perspectiva do trabalho na atenção básica

[…] esforço da equipe de saúde de traduzir e atender, da


melhor forma possível, tais necessidades, sempre complexas,
mas, principalmente, tendo que ser captadas em sua
expressão individual.

Ainda, segundo Cecílio39, tal integralidade está pautada no

empenho da equipe de traduzir e atender as necessidades de saúde dos

indivíduos, relacionadas a algum tipo de resposta para as más condições de

vida que a pessoa já enfrentou ou ainda enfrenta, a procura de um vínculo

afetivo com algum profissional, a necessidade de aumentar sua autonomia na

própria vida ou até a possibilidade de acessar alguma tecnologia de saúde.

Porém essa integralidade dificilmente encontra lugar na

sociedade atual, a não ser a custa de muito empenho. Isto porque, conforme

afirma Stotz40 em uma sociedade capitalista, as necessidades de saúde são

identificadas apenas como necessidades individuais, vistas separadamente de

suas relações sociais, de suas trajetórias de vida e de sua cultura.

Conforme discute Cecílio41, os trabalhadores de saúde

passarão a entender a importância de exercermos o conceito de saúde

relacionado à manutenção, recuperação ou ampliação da autonomia no modo

de administrar a vida, quando passarem a experimentar a própria autonomia

nas relações das organizações.

Segundo Stotz40, organizar o sistema de saúde fundamentado

na lógica das necessidades, propõe admitir que estas necessidades são

construídas, e que esta construção pode ser feita através dos diversos

caminhos terapêuticos das pessoas comuns, em busca de alívio para o seu

sofrimento e tratamento para suas doenças e incapacidades.


Abordagens teóricas a respeito de acolhimento, de vínculo e de humanização na 55
perspectiva do trabalho na atenção básica

Em um estudo sobre acolhimento realizado por Sena-Chompré

et al.42, foi identificado que há um distanciamento entre trabalhador de saúde e

usuário, ficando evidente que estes não debatem sobre os conceitos de

cidadania, público e privado, serviços, usuários e controle social, sendo o

usuário visto como paciente e não como sujeito ativo no processo de trabalho

em saúde. Tal identificação das autoras se contrapõe à perspectiva exposta

por Ayres33, já mencionada, a respeito da concepção de sujeito.

Para Mattos43, os serviços de saúde, quando procuram utilizar

o princípio da integralidade para sua organização, buscam ampliar as

percepções das necessidades dos grupos, questionando sobre as melhores

formas de responder a tais carências. Ainda sobre esse aspecto, o autor

defende que as solicitações de serviços assistenciais não podem reduzir-se às

necessidades de atendimento oportuno de seus sofrimentos e nem àquelas

apreensíveis por uma única disciplina, devendo, assim, afastar qualquer tipo de

pensamento reducionista.

Ainda sob a ótica de Mattos43, integralidade não deve ser vista

apenas como uma diretriz do SUS, mas sim com uma “bandeira de luta”,

constituída por um conjunto de valores que visam a um ideal de uma sociedade

mais justa e mais solidária.

Desta forma, entendemos, por meio da revelação dos autores

estudados até o momento, que o acolhimento, o vínculo e a humanização

constituem fatores essenciais para a satisfação dos usuários em relação aos

serviços de saúde. E, para a efetivação dessas práticas, exigem-se mudanças

no processo de trabalho das equipes, na formação dos profissionais e,

sobretudo na percepção e no entendimento do processo saúde-doença de

cada indivíduo, de cada família e de cada trabalhador.


Metodologia 56
Metodologia 57

4.1 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO

Seguimos neste estudo o método qualitativo, que é

apresentado por Bogdam & Biklen44 segundo suas características:

Na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o


ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento
principal; é descritiva; os investigadores qualitativos
interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos
resultados ou produtos; eles tendem a analisar os seus dados
de forma indutiva e o significado é de importância vital nesta
abordagem.

Para Minayo45, a pesquisa qualitativa enfatiza a investigação

da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e

das opiniões, tendo como característica manifestar processos sociais,

proporcionar a construção de novas abordagens, revisão e criação de novos

conceitos e categorias que serão descobertos durante o processo de

investigação.

Segundo Gil46, as pesquisas descritivas descrevem as

características de uma população ou fenômeno, sendo incluídas, neste grupo,

as investigações que têm como objetivo levantar as opiniões, as atitudes e

crenças de uma população. É, também, exploratória, pois, conforme o mesmo

autor, tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema; ao

mesmo tempo, é flexível, de modo a possibilitar a comunicação entre vários

aspectos relativos ao fato estudado. Também envolve entrevistas com pessoas

que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado.

Para a análise dos dados, utilizamos a Análise de Conteúdo

descrita por Bardin47, fazendo a opção de focalizar uma das etapas da Análise

de Enunciação: a Análise Temática.


Metodologia 58

4.2 INSTRUMENTO DE PESQUISA

Na realização deste estudo, foi utilizada a técnica de entrevista,

que, segundo Minayo45, é caracterizada como uma conversa a dois ou mais

interlocutores, com o objetivo de construir informações relativas a um objeto de

pesquisa. Esta técnica permite o processamento das narrativas de vida,

tratando da reflexão do sujeito sobre a realidade vivenciada, na qual ele expõe

suas idéias, crenças, maneiras de pensar, opiniões, sentimentos,

comportamentos e outros.

Foi utilizada a entrevista semi-estruturada, baseada na

elaboração de roteiro (APÊNDICE B), que segundo Minayo45, serve para

orientar, conduzir a interlocução, permitindo a flexibilidade nas conversas bem

como a absorção de novos temas e questões levantadas pelo interlocutor.

Para o registro das falas obtidas através das entrevistas, foi

utilizado o gravador.

O roteiro foi constituído pelas questões: O que você acha mais

importante na sua prática cotidiana? Quais são as principais dificuldades em

executá-la? Como você identifica a importância do seu trabalho para a

população assistida?
Metodologia 59

4.3 LOCAL DE ESTUDO

O município de Lins possui área territorial de 571 Km2, com

uma população de 70.554 habitantes. Localiza-se na região noroeste do

Estado de São Paulo, a uma distância de 466 km da capital, pela Rodovia

Marechal Rondon. Tem acesso a importante afluente do Rio Tietê em sua parte

despoluída, que é o Rio Dourado, próprio para atividades de lazer. Está a 35

km da hidrovia Tietê-Paraná.

Podemos apontar, também, como elemento importante, a

rodovia Transbrasiliana (BR 153), que dá acesso ao município, e liga o sul ao

norte do país. Há, também, a linha ferroviária Noroeste, ligando o Estado de

São Paulo à Bolívia e o gasoduto Brasil-Bolívia, com o seu trajeto passando

pela cidade.

Atualmente, a economia da cidade está baseada nas

atividades industriais, comerciais e de agropecuárias, sendo estas organizadas

para transformar o turismo e a agroindústria nas principais fontes de renda do

município.

O município de Lins já habilitado na forma de Gestão Plena do

Sistema Municipal de Saúde, de acordo com a Norma Operacional Básica do

Sistema Único de Saúde do ano de 1996 (NOB-01/96)6, estava adequando-se

à Norma Operacional de Assistência à Saúde – NOAS/0248, como município

pólo de uma microrregião composta por oito municípios: Lins, Guaiçara,

Getulina, Promissão, Pongaí, Uru, Cafelândia e Sabino.


Metodologia 60

Em 2007, foi assinado, pelo Secretário Municipal de Saúde, o

termo de compromisso com relação Pacto pela Saúde, cujo objetivo, segundo a

Portaria nº. 399/GM de 22 de fevereiro de 200649, é comprometer a União, os

Estados e os Municípios a definirem responsabilidades e obrigações sociais

conjuntamente, investindo na resolução dos principais problemas de saúde da

população. Desta forma, o município passou a compor o Colegiado de Gestão

Regional de Lins com os mesmos municípios citados.

O município é integrante do Departamento Regional de Saúde

de Bauru (DRS VI) e possui, atualmente, em sua estrutura de atendimento à

saúde, um Ambulatório de Especialidades (NGA-27), um Ambulatório de Saúde

Mental, um CAPS I (Centro de Atenção Psicossocial), um CAPS AD (Álcool e

Droga), cinco Unidades Básicas de Saúde em área urbana e dois Mini-postos

em área rural. Ainda conta com cinco Equipes do Programa de Agentes

Comunitários de Saúde (PACS), sendo uma para cada UBS, contando com

nove a 30 ACS em cada equipe, perfazendo um total de 112 ACS no município.

As ações e serviços de média e alta complexidade e

internações são realizados por instituições contratadas e/ou conveniadas,

como: Santa Casa de Misericórdia de Lins, Laboratório de Análises Clínicas e

Clínica de Hemodiálise que atendem a toda a microrregião, além das

instituições de referência fora do município.

A implantação do PACS foi no ano de 2000, ocasião em que

foram contratados, de início 35 Agentes Comunitários de Saúde (ACS),

atuando nas regiões periféricas da cidade. Em junho de 2002, com a

integração do Programa de Agentes Comunitários de Saúde ao Programa de


Metodologia 61

Combate à Dengue, considerou-se necessário ampliar o número de ACS no

município, e, desta forma, o programa passou a contar com 67 ACS,

prevalecendo esse número até novembro de 2006. A partir de dezembro desse

ano, devido à necessidade de ampliação e de extensão de cobertura, o

programa passou a ter 112 ACS, distribuídos em todo o município, alocados

nas cinco UBS. Estes compõem as equipes de PACS, que recebem supervisão

direta de um enfermeiro direcionado para as atividades exclusivas do

programa. Também fazem parte das atividades de supervisão, uma equipe de

Agentes de Controle de Vetores, ligados ao Setor de Vigilância Epidemiológica,

que direcionam o trabalho dos ACS em relação à prevenção de doenças

transmitidas por vetores. A supervisão indireta é feita pela coordenação

municipal do programa, realizando-se reuniões com todos os profissionais para

avaliação das ações de saúde executadas pelos profissionais envolvidos com o

programa.

Salientamos que, no momento de ampliação do programa no

município, foi implantada uma equipe do PACS na UBS do Centro, sendo

disponibilizados, a partir deste período, uma enfermeira e nove ACS para

executarem as ações pertinentes ao programa, já que não havia sido possível

atender esta população no momento anterior.

No período de coleta de dados, a cobertura do programa em

todo o município, ou seja, na área de atuação das cinco equipes, correspondia,

aproximadamente, a 16.505 famílias cadastradas, num total de 52.433

pessoas, com cobertura de 75,4% da população.


Metodologia 62

4.4 SUJEITOS DA PESQUISA

Dos 67 ACS que já atuavam no município nas quatro equipes,

identificamos uma variação de tempo de serviço de um a sete anos. Desta

forma, definimos que o material coletado através desses sujeitos contemplaria

os objetivos desta pesquisa, podendo ser explicitada a sua experiência e rica

vivência na sua prática cotidiana como ACS.

Foram entrevistados um total de 12 ACS, que se encontravam

inseridos em quatro equipes alocadas nas UBS do município. Como critério

para escolha dos sujeitos, foi considerado o seu tempo de trabalho junto ao

PACS, sendo determinado o tempo mínimo de um ano de experiência no

programa. Estipulado esse critério, e, após a realização do convite, recorremos

à manifestação voluntária dos interessados em participar da pesquisa, ficando

estabelecido que seriam entrevistados dois ACS de cada equipe. Com relação

ao tempo de serviço, a maioria dos sujeitos apresentaram de cinco a sete anos

de serviço e uma pequena parte com tempo menor, equivalente ao mínimo um

ano.

Todos os ACS entrevistados nesta pesquisa receberam um

treinamento introdutório ao serem inseridos nas equipes, sendo que, em nossa

realidade, são planejados e organizados pela coordenação municipal do

programa, com a participação e o apoio de uma equipe multiprofissional,

principalmente para abordar o conteúdo proposto pelo Ministério da Saúde e

outros pertinentes à realidade local.


Metodologia 63

Também é importante ressaltar que todos os sujeitos

participaram do Curso de Formação Inicial do Agente Comunitário de Saúde,

correspondendo à primeira etapa da formação técnica do ACS, cuja matriz

curricular elaborada pelos CEFORs (Centros Formadores de Pessoal para

Saúde), abordava os seguintes temas:

x Unidade de Saúde: processos de trabalho na unidade,

relações de trabalho, organograma e funcionamento da

unidade, trabalho em equipe, políticas públicas de saúde

(SUS), organograma e funcionamento do sistema local de

saúde, organização e funcionamento do SUS;

x Comunidade: território, determinantes de saúde, processo

saúde-doença e promoção da saúde;

x Domicílio: o público e o privado, grupos sociais, família e

abordagem.

É importante ressaltar que os educadores desse processo

foram os enfermeiros da rede básica do município, como também a

coordenadora do programa, que na época correspondia a minha pessoa,

havendo uma grande disposição e satisfação de todos os ACS em percorrer

esse caminho destinado a sua formação técnica e social.


Metodologia 64

4.5 COLETA DE DADOS

Para a realização das entrevistas, a pesquisadora entrou em

contato com cada enfermeira responsável pela equipe do PACS e agendou

uma reunião com todos para apresentação do projeto. Nessa ocasião, foi feito

o convite para a participação na pesquisa, com o agendamento dos

interessados para conversarem com a pesquisadora num momento posterior.

Seguindo essa etapa, a pesquisadora compareceu no dia e hora marcados, na

própria UBS, onde o profissional se encontrava lotado.

Na fase de realização, antecedendo a enquete, novamente foi

esclarecido o propósito da pesquisa e, após anuência de cada sujeito com

assinatura do Termo de Consentimento (APÊNDICE A), realizamos a

entrevista.

Com a concordância dos sujeitos, utilizamos o gravador para o

registro das falas. De acordo com as exigências da Resolução nq 196/96 do

Conselho Nacional de Saúde, o projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê

de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade

Estadual Paulista, sendo aprovado em dezembro de 2004, segundo documento

oficial 626/2006 (ANEXO A).

As entrevistas foram realizadas no período de abril a junho de

2007. As questões foram colocadas de forma gradativa, de acordo com as

perguntas norteadoras. Foram inseridos no roteiro dados de identificação que

contribuíram para a análise dos dados.


Metodologia 65

Iniciamos a coleta de dados com os ACS que tinham mais

tempo de serviço (de cinco a sete anos) e de acordo com o interesse e

disponibilidade desses, entrevistamos dois ACS de cada uma das quatro UBS.

Terminada essa fase, retornamos às UBS para entrevistar aqueles que

estavam há menos tempo na atividade, e determinamos um ACS por equipe.

Outras questões importantes que puderam contribuir para os

objetivos do trabalho aconteceram de forma espontânea, em decorrência do

interesse e da motivação dos entrevistados, sendo esse processo mediado

pela pesquisadora. As entrevistas tiveram uma média de duração entre quatro

a dez minutos.

Como citado anteriormente, após concordância dos sujeitos,

utilizamos o gravador. Segundo Queiroz50 (1988, p.17), "[...] o gravador parece

à primeira vista um instrumento técnico próprio para anular ou pelo menos

diminuir o possível desvio trazido pela intermediação do pesquisador"

Durante o momento das entrevistas, tomamos o cuidado de

encontrar dentro das UBS, uma sala privativa, onde não seríamos

interrompidos.

Após a realização de cada entrevista, a pesquisadora optou em

transcrever na íntegra (APÊNDICE C) todo o conteúdo coletado, preservando o

tom coloquial dos discursos, no menor tempo de intervalo possível. No

processo de transcrição, cenas vivenciadas são relembradas, possibilitando

observações que somente quem presenciou o relato consegue elaborar,

facilitando a compreensão dos dados.

As gravações foram deletadas imediatamente após a

finalização da pesquisa.
Metodologia 66

4.6 REFERENCIAL DE ANÁLISE DE DADOS

A análise dos dados foi iniciada com a sua ordenação partindo

do conteúdo transcrito na íntegra das falas obtidas nas entrevistas.

Após leitura flutuante, entendida como o momento em que o

pesquisador toma contato direto e intenso com o material, permitindo-se

impregnar pelo seu conteúdo, recorremos à Análise Temática, que é a segunda

etapa da Análise de Enunciação proposta por D' Urung. O processo de Análise

de Enunciação diferencia-se de outras técnicas de Análise de Conteúdo, por se

apoiar no conceito da comunicação como processo e não como dado

imobilizado, manipulável e fragmentado. A Análise Temática consiste em "[...]

descobrir os núcleos de sentido que compõe a comunicação e cuja presença

ou freqüência de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo

analítico escolhido"47.

Para Bardin47, na análise temática, o tema corresponde a:

[...] unidade de significação que se liberta naturalmente de um


texto analisado, segundo critérios relativos à teoria que serve
de guia à leitura. A presença de determinados temas vem
apontar os valores e modelos presentes no discurso.

Portanto a Análise Temática é transversal, recorta o conjunto

das entrevistas através de uma grelha de categorias projetadas sobre os

conteúdos. Bardin47 afirma que esta análise organiza-se da seguinte forma:

pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados; inferência e a

interpretação.
Metodologia 67

O material coletado apresentou-se rico em significados. Dessa

forma, seqüenciando as etapas percorridas, emergiram dois temas e suas

respectivas categorias:

Tema 1) A percepção dos ACS sobre sua prática cotidiana e as

dificuldades em executá-la.

ƒ a determinação do vínculo como instrumento de trabalho dos

ACS;

ƒ a prática voltada para as orientações sobre a prevenção das

doenças e a promoção da saúde;

ƒ a cuidado ampliado dos ACS;

ƒ carência de ações resolutivas no cotidiano dos serviços;

ƒ a sobrecarga do enfermeiro;

ƒ as recusas dos usuários ao atendimento dos ACS.

Tema 2) A importância do trabalho dos ACS para a população

assistida.

ƒ a dependência dos ACS;

ƒ os ACS como ponte entre os usuários e os serviços.


Análise dos dados 68
Análise dos dados 69

5.1 CARACTERÍSTICAS DOS SUJEITOS DA PESQUISA

A caracterização dos sujeitos da pesquisa mostra-se

importante para o nosso contexto, e alguns achados tornam-se decorrentes da

característica da profissão, aos pré-requisitos exigidos perante a lei federal que

rege a profissão e algumas condições pré-estabelecidas para exercer a

atividade de ACS, no sistema local de saúde.

O quadro a seguir ilustra a característica de cada sujeito,

segundo o sexo, a escolaridade, o estado civil, a idade, a religião e o tempo de

serviço:

Quadro 1- Caracterização dos sujeitos da pesquisa


Tempo
Estado
ACS Sexo Escolaridade Idade Religião de
civil
serviço
1 Feminino Superior completo Casada 41 anos Católica 5 anos
2 Feminino Médio completo Casada 50 anos Católica 7 anos
3 Feminino Médio incompleto Viúva 56 anos Católica 7 anos
4 Feminino Médio completo Casada 47 anos Católica 7 anos
5 Feminino Médio completo Solteira 45 anos Católica 6 anos
6 Feminino Médio completo Divorciada 40 anos Evangélica 5 anos
7 Feminino Médio completo Casada 41 anos Católica 7 anos
8 Feminino Médio completo Casada 43 anos Católica 5 anos
9 Feminino Superior completo Casada 27 anos Católica 1 ano
10 Feminino Médio completo Solteira 26 anos Católica 1 ano
11 Feminino Médio completo Casada 38 anos Evangélica 1 ano
12 Feminino Superior incompleto Casada 36 anos Católica 1 ano
Análise dos dados 70

De acordo com os dados apresentados, podemos constatar

que todos os sujeitos da pesquisa eram do sexo feminino. Esse achado pode

ser justificado pelo forte predomínio de ACS do sexo feminino nas equipes do

local onde foi realizado o nosso estudo. No momento da coleta de dados, havia

somente um ACS do sexo masculino em uma das cinco equipes do PACS.

Quanto à faixa etária, observamos uma variação entre 26 e 56

anos, e maior concentração na faixa etária entre 40 a 47 anos. Outro aspecto

também relevante ao fator idade está relacionado às ACS mais jovens e ao seu

tempo de serviço de um ano, podendo esse acontecimento estar atribuído ao

processo seletivo instituído para a seleção de ACS a partir do ano 2005,

quando eram realizadas provas escritas e orais. No período anterior a esse, os

ACS eram selecionados pela Pastoral da Criança, que, na época, tinha

convênio com a Prefeitura Municipal. A princípio, o candidato deveria pertencer

à em comunidade que iria trabalhar e ter experiências em trabalhos

comunitários na própria Pastoral da Criança, desenvolvendo, durante esse

período, um serviço de voluntariado.

Quando avaliamos o aspecto relacionado ao nível de

escolaridade, identificamos que quase todos os entrevistados possuem o

ensino médio completo. Destaca-se que duas entrevistadas concluíram o nível

superior. Esse fato está relacionado, também, ao critério para o processo

seletivo realizado pelo município, a partir do ano de 2005, que determina, como

requisito mínimo no âmbito da escolaridade, a conclusão do ensino médio,

como também propõe o Ministério da Saúde, através da formação técnica dos

ACS, que exige conclusão da escolaridade em nível médio no final da terceira

etapa, qualificando-o como técnico. O sujeito que apresentou escolaridade

inferior a essa exigência encontra-se complementando seus estudos em curso

supletivo.
Análise dos dados 71

Tomaz11 enfatiza que a ampliação do papel dos ACS,

decorrente da implantação do PSF, exige novas competências no campo

político e social, sendo necessário que ele tenha um grau de escolaridade mais

elevado com vistas a atingir os objetivos complexos e abrangentes propostos

nas suas atribuições.

Com relação ao estado civil e à religião dos entrevistados,

podemos observar que há o predomínio de casados e católicos. A religião

católica pode ser um fator determinado pela forte ligação anterior através do

convênio firmado entre Pastoral da Criança e Prefeitura Municipal conforme

dito anteriormente.

Em relação ao aspecto levantado quanto ao tempo de serviço,

constatamos que este não foi inferior a um ano, conforme escolha dos sujeitos

para a participação na pesquisa. Entretanto, a maioria das ACS possui cinco

anos ou mais de experiência, o que foi fundamental para o enriquecimento dos

conteúdos das falas.

5.2 AS REPRESENTAÇÕES DOS ACS SOBRE O PRÓPRIO TRABALHO

Os sujeitos deste estudo demonstraram, nos relatos, diferentes

percepções acerca da própria prática de trabalho e as dificuldades encontradas

no exercício da assistência, assim como relativo ao processo de identificação

do próprio trabalho para a população. Desta forma, a partir das narrativas dos

sujeitos, emergiram dois temas e suas respectivas categorias:


Análise dos dados 72

5.2.1 A percepção dos ACS sobre sua prática cotidiana e as


dificuldades em executá-la

Através das falas dos sujeitos, foi possível identificar como os

ACS percebem e traduzem a sua própria prática cotidiana da assistência e as

dificuldades existentes durante essa prática, conforme é evidenciado nas

categorias: a determinação do vínculo como instrumento de trabalho dos ACS,

a prática voltada para as orientações sobre a prevenção das doenças e a

promoção da saúde, o cuidado ampliado dos ACS, carência de ações

resolutivas no cotidiano dos serviços, a sobrecarga do enfermeiro e as recusas

dos usuários ao atendimento dos ACS.

5.2.1.1 A determinação do vínculo como instrumento de


trabalho dos ACS

O vínculo aparece como núcleo central dos discursos dos ACS

ouvidos, sendo a confiança o principal fator apontado como colaborador para o

relacionamento entre as partes.

É assim, eles depositam em nós uma confiança grande, a


partir do momento que eles abriram o portão ali e deixam a
gente entrar (ACS 12).

A importância do vínculo na prática cotidiana do ACS

expressa-se nos discursos apresentados de forma enfática, ressaltando-se a

confiança entre essas relações e o quanto isso é significativo para os


Análise dos dados 73

desdobramentos de ações frente aos problemas de saúde apresentados pelos

usuários e seus familiares.

Também aparece, nos discursos, a relação estabelecida entre

a credibilidade do usuário para com o ACS com o tempo de serviço destinado à

comunidade. Deste modo, fica evidenciado que, com o passar do tempo de

convivência entre as partes, o vínculo parece constituir-se de forma mais sólida

e verdadeira.

Sabe, os primeiros contatos que tinha, dependendo você não


conseguia nem entrar. Agora faz três meses que eu estou
nessa área nova, tem gente que me espera na calçada. Que eu
vou começar a quadra do outro lado, que eu vou… aí tem uma
senhorinha mesmo, são duas, é a mãe e a filha, elas ficam me
esperando no portão, pra ver que hora que eu vou entrar. Sabe,
isso… nossa! Pra gente é ser reconhecido!... Sabe, já quer que
você entra, não fica te recebendo ali no portão, nada.... É uma
gratificação enorme.... (ACS 9)

Outro ponto retratado nas falas e que nos impulsiona a refletir

mais sobre a confiança entre essas ralações, é a forma indeterminada como

usuários e familiares expõem questões particulares de vida e, muitas vezes,

até intimidades, que são traduzidas pelos ACS em alguns momentos como

gratidão e reconhecimento, mas também causam estranheza, espanto e

surpresa.

“Mais importante... é o vínculo que a gente tem com a família,


né?... São sete anos, que a família tem muita confiança, ela é
capaz de falar coisas assim que você nem imagina que a
pessoa vai te falar, né? Você leva até um susto. Fala: nossa!
Está confiando isso, né? Pra mim… Então, eu acho mais
importante é o vínculo” (ACS 7).
Análise dos dados 74

O vínculo que, foi identificado como essencial para alimentar

as relações entre os ACS e a família, é destacado como um fator mais

importante dentro dos serviços de saúde e das relações, quando comparado às

atividades técnicas, como, por exemplo, orientar as formas de prevenção da

dengue. Podemos observar, nas falas, que os ACS priorizam o relacionamento,

o vínculo e a confiança deles para com a família e vice-versa, em detrimento

das ações puramente técnicas, entendendo que assim conseguiram atingir

melhor seu objetivo, suas metas na perspectiva do cuidado de cada família.

Conforme citam Lima et al.51, o vínculo usuário/serviço de

saúde está relacionado ao bom atendimento, baseado na escuta do usuário e

no bom desempenho profissional, otimizando, assim, o processo da

assistência, de modo a facilitar o acesso dos usuários aos serviços de saúde, à

medida que os profissionais passam a conhecer seus clientes e as prioridades

de cada um. Os autores destacam que “o vínculo implica estabelecer relações

tão próximas e tão claras que todo o sofrimento alheio causa sensibilização”.

Bachilli et al.19, em estudo realizado sobre a identidade do

Agente Comunitário de Saúde, afirmam que o vínculo aparece como um dos

significados mais profundos da experiência e da identidade deles. É ressaltado

que o cotidiano do trabalho do agente é marcado pela abordagem dos

problemas detectados quando utilizam mecanismos nas visitas domiciliares

como a informação, a escuta, o conselho, a conversa e a conscientização para

a prevenção.

Nos discursos, ficou evidente que os ACS identificam, na visita

domiciliar, momentos importantes e estratégicos para se estabelecer uma


Análise dos dados 75

relação de vínculo com usuários e as famílias. É demonstrada, nas falas a

seguir, a ênfase dada pelo ACS em realizar a visita, identificando esse espaço

como oportunidade para a escuta das necessidades, para aproximação entre

ambos, promovendo um melhor entendimento do próprio ACS sobre as

questões peculiares da família assistida naquele momento.

“Bom, o que eu considero mais importante é… são as visitas


mesmo, a atenção que a gente dá a cada família, o elo de
ligação que nós somos entre a população assistida e a UBS...”
(ACS 9)

“Aí quando você vai na casa pra ver uma pessoa hipertensa,
diabética. Aí você vai lá e já atende a família como um todo,
né? Aí você já olha dengue, leishmaniose, mais… o principal
pra mim é a família mesmo. A família, a gestante, a
criança…pra mim” (ACS 5).

Esse apontamento também foi discutido no estudo realizado

por Meira52, ficando evidenciado que ACS, enfermeiros, médicos e usuários

consideram como atividades fundamentais ao desempenho do ACS, realizar

visita domiciliar, ouvir necessidades da família e ser um elo de ligação entre a

comunidade e a equipe de saúde.

Peres53 enfatiza que através do vínculo com a comunidade, os

ACS conseguem ver e entender a necessidade do outro, sendo possível

fornecer ajuda e satisfazer suas necessidades de saúde. A autora também

ressalta que os ACS identificam como ganho para o seu trabalho, o fato de

conhecerem a comunidade e fazerem parte dela, o que lhes possibilita um

olhar e uma escuta ampliada dos problemas e os coloca no lugar do outro.


Análise dos dados 76

Os relatos demonstram que os sujeitos têm certa dificuldade

em colocar limites entre as ações ou atividades inerentes ao próprio trabalho e

as ações solidárias.

É assim correr atrás. Às vezes o papel do Agente Comunitário


é ter dó e comprar o remédio, tirar do bolso, chegar… e como
a gente vive em comunidade na igreja, fala gente tem fulana
que está precisando de uma cesta básica, tem pessoa que
está precisando de fralda, mobiliza a população pra ajudar a
gente naquele caso (ACS 3).

Nos discursos, conforme percebemos, os ACS fazem questão

de enfatizar que, em algumas situações, colocam-se como amigos ou como

membro da família, ou seja, lado a lado, em todos os momentos, dos que

precisam da sua presença na hora da dúvida ou de dor. Essa interface do

trabalho com as ações de solidariedade, pode estar relacionada ao fato de a

maioria dos ACS do nosso estudo terem tido tempo de experiência significativo

na profissão, por terem participado de ações voluntárias ligadas à pastoral da

igreja católica, como também pelo comprometimento imbuído em cada ACS e

pela própria exigência do Ministério da Saúde ao determinar dois anos como

mínimo de tempo de moradia na comunidade, o que já os fazem precursores

da luta pela cidadania.

“Sabe às vezes, a confiança adquirida é demais, porque às


vezes uma mãe não fala um problema pra filha… Não é amiga
da filha, como é amiga da gente. Às vezes você chega numa
casa a pessoa fala assim: espera um pouquinho, minha filha
vai trabalhar, eu preciso conversar. Olha! Eu estou assim com
problema. Eu acho que eu estou com uma doença venérea, eu
não entendo. Mas a senhora não fez o Papanicolaou, que a
gente insiste todo ano de fazer? Ah, eu fiz. Quando eu fiz não
tinha nada, mas agora estou vendo um negócio estranho.
Então a gente vai marcar uma hora no ginecologista, a
senhora vai? Eu vou. Olha, mas não deixa minha filha ficar
sabendo. Então a confiança… é muito bom” (ACS 3).
Análise dos dados 77

“O convívio com a população, com a comunidade. A gente


torna assim uma família na nossa microárea... É assim, a
gente se torna tão da família, que a gente não vai assim às
vezes como uma Agente Comunitária... Então a confiança… é
muito bom. É muito gratificante, eu acho que… por isso que eu
falo que, o Agente Comunitário de Saúde ..., mas é uma coisa
que nunca pode acabar. Está dentro das casas pra pessoa
poder se abrir…” (ACS 3)

Embasados na confiança que permeia suas relações com os

usuários, os ACS buscam afirmar que são fundamentais na investigação dos

problemas de saúde da população e que são onipotentes na busca da solução

dos problemas encontrados.

“Ah, eu acho assim, que eu sou muito importante sim, porque


eles passam a ter confiança em mim, passando todos os seus
problemas, que a gente acaba resolvendo tudo os problemas
deles numa simples conversa com eles ali. Então... eu sou
importante sim, porque eu tô ali, eu tô vendo o que tá
acontecendo, o problema daquela família” (ACS 2).

“Tem pessoas que são tão carentes de diálogo, que às vezes


a sua companhia ali, a sua presença ali, pra eles, eles já
ganharam o mundo!” (ACS 12)

Por outro lado, esse comprometimento com a vida das

pessoas, com o bem-estar das famílias e com todas as questões que envolvem

a comunidade no geral, podem, em alguns momentos, refletir sobre os ACS na

vivência de situações de sofrimento, perdas ou das inúmeras dificuldades

multifatoriais presentes nas famílias.

Segundo Jardim54, a construção da credibilidade no trabalho

desenvolvido pelos ACS, é essencial para a concretização da confiança por

parte da comunidade, sendo este um processo contínuo e cotidiano de

construção e reconstrução. Porém também segundo a autora, pode existir, por


Análise dos dados 78

parte dos sujeitos que desempenham a função de agente comunitário de

saúde, a militância e o voluntarismo, podendo ser entendida pela comunidade

como algo intrínseco à função, não se diferenciando o tempo de trabalho e de

não trabalho do agente.

“Sabe e a gente sofre junto. Você lembra no curso que eu te


falei: me ensina eu escrever Alzhaimer, que eu escrevi errado.
Eu perdi aquela pessoa, ela morreu. Então a gente sofre. De
tanto a gente ficar junto, parece a mãe. Ontem à tarde eu
estava num velório, de uma que nem era da minha área, só ia
levar medicamento, né? Ajuda... E a gente sofre como se
fosse um da família” (ACS 3).

Martines17 observou que os ACS não conseguem discernir

sobre os seus limites, com relação à criação de vínculo, fato que os leva a

vivenciar sensações e sentimentos como impotência, cansaço e solidão.

Segundo Lunardelo9, na medida em que os ACS se aproximam

e se envolvem com as famílias, há transposição de problemas e das misérias

humanas. Os ACS estabelecem uma relação igualitária com a comunidade,

seja na proximidade física, intelectual e social das famílias e dos indivíduos,

refletindo no seu trabalho, na criação de vínculos, na compreensão do ser e no

entendimento da complexidade do meio onde vivem estas pessoas.

Jardim54 relata como fator contribuinte para o sofrimento no

trabalho dos ACS, o fato de este morar na comunidade, daí a valorização dos

aspectos afetivos, transparecendo para a população que o agente compartilha

daquela mesma realidade e encontra-se em tempo integral acessível à

comunidade.
Análise dos dados 79

Algumas vezes o vínculo em relação às as famílias também

propicia, aos ACS, estímulos para que o trabalho seja desenvolvido através de

palavras, sorrisos ou gestos dos usuários, possibilitando em alguns momentos

uma melhor reflexão do ACS a respeito da própria vida.

“Que às vezes você está tão desanimada e uma palavra que


você tem de uma pessoa, você já muda totalmente, né? Aí
você imagina assim: Nossa eu achei que o meu problema
fosse tão grande e o daquela pessoa é bem maior! Fora o
apoio que você tem” (ACS 12).

“É assim, eles depositam em nós uma confiança grande, a


partir do momento que eles abriram o portão ali e deixa a
gente entrar. Então isso é muito significativo, né? É muito
importante isso daí. É uma responsabilidade minha de pegar
as informações deles, né? Trazer pra cá. A confiança que eles
têm, é muito importante isso” (ACS 12).

Fica evidenciado, nas falas analisadas, que os ACS valorizam

a forma como abordam e como se relacionam com os usuários, enfatizando-se

o vínculo como fator primordial para executarem suas ações de saúde. De

acordo com as próprias diretrizes do Ministério da Saúde, os ACS possuem

uma característica de trabalho diferenciada dos demais profissionais inseridos

nos serviços da atenção básica, por pertencerem à comunidade e funcionarem

como elo entre os serviços de saúde e a população.

Lunardelo9 afirma que para os ACS a satisfação com o

trabalho está inerente ao papel social desempenhado junto a população, bem

como o reconhecimento deste papel pela própria comunidade.

Nas falas dos sujeitos entrevistados, observamos a satisfação

por parte dos agentes em estarem sempre por perto da comunidade, mesmo
Análise dos dados 80

que em períodos não coincidentes com o horário formalizado de trabalho.

Ressaltam, também, uma satisfação em perceber que a comunidade os quer

bem, e que estão ali para ajudarem e contribuírem com o bem-estar da

população.

Nessa discussão sobre o papel proposto para os ACS,

servindo como ponte entre ele e a comunidade, Jardim54 destaca que o

processo de conquista da credibilidade perante a população não é algo

garantido, e sim algo conquistado. Ela defende que o fato de morar ou não na

própria região não determina esse processo, quando questiona as condições

estabelecidas pelo Ministério da Saúde de o agente ser morador da

comunidade onde irá atuar.

Ferraz & Aertes18, por sua vez, elucidam que a qualidade da

relação entre o agente e a comunidade deve ser parcialmente atribuída ao

tempo de sua residência no local, prevalecendo, como fator importante para a

integração dos ACS, a empatia como sentimento recíproco entre eles e a

comunidade.

De fato, tal discussão é pertinente diante dessa extensa e

valiosa construção de laços de confiança, credibilidade e vínculo. Em nosso

estudo, identificamos que esse processo se dá a partir do convívio com as

famílias, do esclarecimento da população em relação ao seu trabalho, da

proposta dos serviços locais de saúde, do estímulo e do apoio dados pelos

demais profissionais de saúde e, acima de tudo, pelo próprio interesse e

comprometimento do próprio agente em compartilhar os problemas vivenciados

pela comunidade, ou seja, concordamos com Jardim54 e ressaltamos que o


Análise dos dados 81

vínculo não está assegurado pelo simples de fato o ACS morar na comunidade

e, sim, pelo compartilhamento de compromissos, responsabilidades e

solidariedade.

Gomes & Pinheiro37, analisando os objetivos do PSF como

novo modelo assistencial, destacam que o processo de trabalho deva estar

associado à existência de profissionais que possam assimilar o papel de

agente transformador, proporcionando, assim, a participação e o controle

social, a transparência das informações, a criação de vínculos afetivos entre

usuários e equipe, com o estabelecimento de relações de trocas e confiança.

5.2.1.2 A prática voltada para as orientações sobre a


prevenção das doenças e a promoção da saúde

Fica evidenciado, nos relatos, que os ACS consideram as

orientações quanto à prevenção de doenças e à promoção da saúde como

atividades técnicas, estabelecidas como prioridade nos serviços básicos de

saúde, objetivando minimizar a carência de informações obtidas pelas famílias

e contribuindo para a melhoria da qualidade de sua vida. Os ACS sustentam

que as informações e orientações veiculadas, facilitam a vida dos usuários e

que, com essas ações, sentem-se mais úteis perante a pessoa e à família.

“A minha importância, eu acho muito importante, eu levar às


famílias a prevenção, né? Prevenir sobre as doenças antes de
acontecer, se não depois de acontecido... A gente vai falar,
orientar, passar orientação tanto pra pessoa, pro paciente,
como pra família. A prevenção. Você tem que prevenir antes
de acontecer, não é?” (ACS 2)
Análise dos dados 82

“Ah, eu acho assim que eu sou útil, que eu sou bastante útil,
porque a gente é útil para as famílias, porque qualquer tipo de
informação que você leve eles ficam tão gratos porque eles
são tão desinformados, desencontrados em situações assim,
uma pequena ajuda que a gente dá pra eles clareia a mente
deles. A visão de como se proceder, de como fazer” (ACS 4).

“É assim, no dia-a-dia, eu acabo assim ajudando sem


problema, de alguma forma ou de outra, né? Principalmente as
pessoas mais carentes e são menos informadas... Por
exemplo, tem… agora que eu estou nesta área nova, tem
idosos que estão comprando remédio, sendo que assim pelo
SUS é de graça e eles compram remédio (ACS 6).

Mediante as questões visualizadas pelos ACS nas visitas e no

contato com a comunidade, podemos perceber, por seus relatos, que a luta

pela conquista dos direitos e o exercício da cidadania vem fomentar a

conquista da autonomia dos indivíduos na tomada de decisão de sua própria

vida ou na vida de seu familiar, como, por exemplo, em situações em que o

indivíduo não consegue fazer suas próprias escolhas.

As informações emitidas e recebidas pelos ACS transmitem

mensagens dos serviços de saúde para o usuário ou vice-versa, fortalecendo

esse elo entre a comunidade e os serviços.

Segundo Bachilli et al.19, os ACS mediante a execução de seu

trabalho, começam a compreender mais e melhor as circunstâncias envolvidas

na produção ou supressão de saúde da população, fato que reflete no

aprimoramento dos recursos utilizados para contribuir com a população,

gerando conseqüentemente, gratificação por produzir resultados que culminam

com a gratidão dos usuários.


Análise dos dados 83

Peres53 ressalta que os ACS buscam atuar nos determinantes

do processo saúde-doença, identificando a relação entre os problemas de

saúde e as condições de vida, realizando atividades educativas, propondo e

implementando ações intersetoriais. Além disso, identificam-se como

educadores e são percebidos pelos usuários como trabalhadores qualificados,

fato que se traduz, para os ACS, como valorização e crescimento pessoal.

Em algumas situações, as informações emitidas não são

absorvidas e isto pode representar grandes obstáculos na prática cotidiana dos

ACS, ficando evidente a dificuldade em atingir mudanças de hábito e

comportamentos no que diz respeito ao cuidado com a prevenção das doenças

e a promoção da saúde.

“... Com essa epidemia da dengue que está tendo em Lins, é


uma coisa triste, porque mesmo na nossa micro-área que você
passa todo o mês, o mês que a gente entra olha, agora com
nós fizemos o arrastão, nós só estamos orientando... porque
hoje eles botam reciclados e a gente vai pro arrastão tiramos
tudo, e a gente volta, ta a mesma coisa. Mas nós como
conhecemos nossa micro-área, a gente já sabe que numa
determinada casa, você não pode só orientar, você tem que
dar uma disfarçadinha e dar uma entradinha... Porque está
difícil educar a população” (ACS 3).

“E as palestras também é muito gostoso, e eles… vê o carinho


deles pela gente. Nessa sexta-feira da… nessa palestra da
leishmaniose para as crianças, eles falaram: tia… Olhando
assim pra gente: eu gostei tanto! E é bom… depois a gente
encontrou uma mãe e a mãe falou, a mãe da criança que
estava na palestra: ele chegou contando em casa e do
bichinho da leishmaniose, o que tem que fazer e então… As
crianças eles gravam e passam isso depois, né? (ACS 6)

Nos discursos apresentados, fica evidenciado que os ACS

encontram satisfação em seu trabalho, quando os objetivos traçados nas ações

educativas foram alcançados, as respostas e os desdobramentos de suas

informações e orientações preencheram as lacunas existentes previamente.


Análise dos dados 84

Para Gomes & Pinheiro37:

O maior desafio dos profissionais da estratégia saúde da


família é concretizar, na prática cotidiana, a superação do
monopólio do diagnóstico de necessidades e de se integrar à
“voz do outro”, que é mais que a construção de um
vínculo/responsabilização. Traduzindo em uma efetiva
mudança na relação de poder técnico-usuário, evidenciando o
ser social, com vida plena e digna como expressão de seu
direito. A integralidade da atenção à saúde, em suas ações de
promoção, prevenção e assistência poderá assim, representar
um novo modo de “andar na vida”, numa perspectiva que
coloca o usuário como sujeito de sua própria história.

A fala a seguir ilustra a importância dada pelo ACS no modo

como são conduzidas as ações de educação em saúde.

“Mudança de hábito não é fácil, mas se você tiver uma


convicção daquilo que você estiver falando, firmeza e
demonstrar carinho pela pessoa e preocupação, interesse, eu
acho que você vai ter um retorno melhor do seu trabalho”
(ACS 11).

Em busca de contextualizar essa temática, recorremos a Freire

(1996), autor emblemático, que sugere aos educadores práticas e

possibilidades, dentre as quais destacaremos um de seus temas: ensinar exige

bom senso. Nessa ótica, Freire55 afirma:

Saber que devo o respeito à autonomia, à dignidade e a


identidade do educando e, na prática, procurar a coerência
com este saber, me leva inapelavelmente à criação de
algumas virtudes ou qualidades sem as quais aquele saber
vira inautêntico, palavreado vazio e inoperante.

Ainda na contextualização desta temática, estudiosos afirmam

que a postura do usuário depende de vários fatores; outros apresentam

alternativas para melhorar as ações de educação, e há, ainda, aqueles que


Análise dos dados 85

apontam o próprio agente na promoção de educadores como elemento

passível de limitar ou, por outro lado, expandir esta ação educativa,

dependendo dos meios utilizados ou do perfil dos ACS.

Assim é que Oliveira56, em sua discussão sobre a influência da

cultura na maneira como os indivíduos percebem a doença e estabelecem

relações com os diversos sistemas de saúde, ressalta que o padrão de uso do

sistema de saúde difere de acordo com o grupo social, com as família e mesmo

com os indivíduos, de acordo com o grau de instrução, religião, com sua

ocupação, com a rede social a que pertence e com as doenças existentes.

Para ele, as comunidades podem apresentar comportamentos diferentes

quanto aos cuidados com a saúde, e sua relação com os serviços de saúde

vão depender da própria dinâmica de interação entre eles, sendo necessária a

legitimação do serviço frente à comunidade, que, de certo modo, concede

poder aos profissionais para lidar com alguns de seus problemas de saúde.

“Ah, quando a gente passa as orientações, quando a gente


chega na casa leva as informação pra eles assim correta.
Quando a gente não sabe, a gente busca essa informação e
volta lá na casa, não você pode proceder assim, assim, assim
dessa maneira, vai dar certo, vai ser o melhor caminho pra
você e que eles recebem essa luz, eles ficam muito feliz, eles
ficam contente, porque às vezes fica meio parado não sabe
como proceder, como fazer. Como se fosse uma luz, né pra
eles, né. Eles agradecem e eles ficam muito agradecidos.
Ficam felizes” (ACS 4).

Para Nunes et al.57, os ACS utilizam de estratégias para

implementar ações de educação para a saúde, já que percebem várias formas

de resistências por parte da população, sendo essas manifestadas quando não

são adotados os comportamentos propostos (alimentares, higiênicos e outros)

ou até no caso de oposição deliberada, demonstrada pela recusa em receber

membros da equipe no domicílio.


Análise dos dados 86

“Bom, a maior dificuldade é você tentar educar o morador”


(ACS 3).

Ferraz & Aertes18 observaram, em sua pesquisa, que os ACS

com mais idade, eram mais resistentes a mudanças relacionadas aos conceitos

de promoção da saúde, devido ao fato de carregarem experiências próprias ou

alheias. Os agentes, mais jovens, por sua vez, apresentavam-se mais abertos

às mudanças relacionadas aos conceitos de saúde e doença, por não estarem

muito arraigados, porém não possuíam conhecimento vasto sobre a

comunidade, envolvendo-se menos com ela.

Refletindo sobre o desapontamento dos ACS, ao não atingirem

seus objetivos com as ações pertinentes à educação em saúde, percebemos,

nas suas falas, que, muito embora eles considerem importantes as referidas

ações, encontram obstáculos em relação à resistência na mudança de hábito

por parte da comunidade. Não foi referido, pelos sujeitos acima, algum tipo de

sofrimento em vivenciar tais situações, porém, como vemos a seguir, outros

estudos como de Wai16 e Lunardelo9 fizeram essa correlação.

Para Wai16, foi identificado como fator de sobrecarga aos ACS,

a resistência e indiferença dos usuários em aceitarem e seguirem suas

orientações, principalmente em relação a mudanças de hábito, sendo mais

dificultosa a interação com os usuários ao abordar o tema quanto à higiene,

referindo à preocupação dos ACS em tomarem atitudes mais enérgicas e

sofrerem represália por parte dos usuários. Esta autora ressalta que, ao

assumir o papel de profissional de saúde, os ACS tendem a carregar uma

idealização da verdade absoluta relativamente ao que preconiza, não


Análise dos dados 87

enxergando o quanto é complexa essa tarefa de mudança de hábito da

população, que está relacionada a outras práticas, outros saberes, outros

profissionais trabalhando em equipe.

Nessa mesma perspectiva, Lunardelo9 identificou, em seus

sujeitos de estudo, que apenas as orientações não interferem no modo de vida

das pessoas, sendo necessária uma grande mobilização, que não é apenas

responsabilidade dos ACS, mas também da família, do indivíduo e da equipe.

No estudo realizado por Peres53, ficou evidenciado que o papel

dos ACS é contribuir para a construção da autonomia da comunidade diante da

própria saúde, e que há uma diversidade de obstáculos a interferirem na

efetivação desse processo, fatores que podem estar ligados à carga cultural, a

valores e às experiências vividas pelo indivíduo.

Nas ações de educação em saúde citadas pelos ACS, também

podemos destacar uma enfatização por parte destes, aos aspectos biológicos e

curativos, com envolvimento e dedicação à prática medicamentosa. Através

dos encaminhamentos aos serviços de saúde ou das orientações fornecidas,

percebemos uma tendência do fortalecimento do modelo hegemônico dos

nossos serviços de saúde.

“A gente encontra muito hipertenso, muito diabético que não


tem acompanhamento e a pessoa vive mal... E a hora que a
gente fala: não vamos no médico fazer um acompanhamento...
E depois já é dependente da insulina... A gente consegue
aquele aparelhinho...” (ACS 3)

“(...) você leva o remédio, aí você fala assim: você toma o


remédio assim, assim, de oito em oito horas. Igual a gente
estava conversando aqui com a moça da farmácia. Eles
pensam que oito horas, de oito em oito horas, é tomar agora e
Análise dos dados 88

daqui três horas toma de novo, depois daqui três horas toma
de novo, o remédio não vai fazer efeito. Tem casas que você
tem que ir olha: você toma o remédio assim, você toma o
remédio assim, você toma o remédio assim. Tem que explicar,
se fala que é de doze em doze horas, eles pensam que doze
horas, eles têm que tomar assim o dia inteiro. Doze horas
naquele dia. Então você tem que explicar. E tem gente aqui
tem que explicar certas coisas também” (ACS 5).

5.2.1.3 O cuidado ampliado dos ACS

Ao nos debruçarmos sobre os discursos dos sujeitos, pudemos

observar que existe na prática cotidiana dos ACS a preocupação com um

atendimento de forma humanizada os indivíduos e suas famílias, cujo enfoque

se concentra em dar assistência direcionada à necessidade apresentada por

eles, independentemente do seu planejamento das visitas do dia e do tempo

gasto com cada uma delas.

“É igual quando a gente chega pra fazer uma visita, você


chega, você fala: hoje eu vou fazer oito, dez visitas. Aí você
chega e faz uma, porque… você chega… hoje eu fiz uma.
Cheguei na casa, a pessoa estava precisando conversar, ela
foi pra Bauru porque ela está indo fazer cirurgia no olho. Então
eu fiquei lá, eu fiz uma casa! Foi o que eu consegui fazer! Eu
me planejei pra oito e fiz uma, porque… porque ela queria
conversar, queria me contar tudo o que aconteceu com ela. Aí
ela me mostrou o quintal, aí ela falou pra mim arrumar saco
pra ela, era pra mim dar recado pro neto dela, e eu fiquei lá…
um tempão! Eu planejo uma coisa e sai totalmente diferente.
Então não adianta falar aí… trabalhar igual uma máquina. Eu
falo pra todo mundo não adianta você ser uma máquina. Você
tem que trabalhar… quando eu sair pra trabalhar, faço o tanto
que der pra mim fazer, porque eu não sou agente da dengue,
eu sou agente de saúde!. É o que eu priorizo. É o que eu acho,
né?” (ACS 5)
Análise dos dados 89

Entretanto fica evidente a existência de um conflito entre o

quantitativo e o qualitativo, no que tange à essência do trabalho dos ACS.

Todos os ACS sabem que, de acordo com a diretriz nacional do programa, é

preciso cumprir a meta diária, semanal e mensal, e que suas atividades são

direcionadas por um planejamento delineado por ele com a participação da

enfermeira supervisora.

“Porque às vezes a gente fica tão preocupada assim, com o


número de visita, tem que fazer… tem que fazer… Mas não é
um trabalho mecânico. Você tem que ver que ali o importante
é a pessoa… né? Fundamental a pessoa… que não é o
numero da tua família, mas sim uma família mesmo” (ACS 8).

“E procuro fazer o que ele está precisando. Se é de um


médico, eu tento levar ele até o médico. Se é de um remédio,
eu tento trazer o remédio até ele. Se é de conversar, as vezes
é só conversar, as vezes precisa né? A gente fica ali,
conversa… passa o tempo… Eu acho que é isso, o mais
importante pra mim” (ACS 10).

Pensando no processo de trabalho dos ACS e nas

intencionalidades destes trabalhadores, podemos identificar uma preocupação

importante por parte dos destes na cobrança em relação ao seu desempenho,

que, muitas vezes, está associado ao número de visitas realizadas.

Segundo Lunardelo9, a diretriz da estratégia saúde da família

propõe, como meta para o agente, visitar mensalmente 100% das famílias

cadastradas em sua área de abrangência. No entanto isso leva a uma

preocupação com a qualidade do trabalho, pois é temido que a exigência

quantitativa empobreça os subjetivos potenciais. Desse modo, Lunardelo


Análise dos dados 90

sugere a necessidade de outras formas de avaliação e controle a respeito da

observação e da valorização do conjunto de atividades realizadas.

Retornando ao pensamento de Merhy28 sobre as tecnologias

de trabalho dura, leve-dura e leve, na tecnologia leve, o autor elucida que ela é

caracterizada quando há um encontro entre duas pessoas, atuando uma sobre

a outra, com a criação de inter-subjetividades, momentos de fala, de escuta, de

interpretações, cumplicidade, confiabilidade, acolhimento, produção de vínculo

e aceitação.

Embasados nesse conceito, podemos considerar pertinente à

prática assistencial dos ACS, que ela seja conduzida pelos aspectos inter-

subjetivos trazidos por Merhy28, compondo-se a todo o momento na execução

de seu próprio trabalho e em todos os ambientes, seja no domicílio, durante as

visitas domiciliares, na UBS ou nos espaços comunitários que ocupam

freqüentemente.

No que se refere à efetivação do cuidado ao usuário, aparece

nos discursos a preocupação dos ACS com os aspectos subjetivos,

procurando-se atender todas as necessidades dos usuários, não focalizando

somente as técnicas e abordagens objetivas.

Teixeira58, ao refletir sobre a subjetividade, afirma que esta “[...]

é entendida como produção de sentido, com potencialidade de criação e não

meramente como algo vago relacionado à introspecção individual”. Nessa

perspectiva, o autor destaca que a relação terapêutica e a dimensão sensível

do cuidado são favorecidas pela habilidade de ouvir e de se aproximar do

cliente. Em sua opinião, não basta apenas adquirir o conhecimento técnico e

científico para viver de forma saudável, torna-se essencial o conhecimento das


Análise dos dados 91

emoções, de modo que o sujeito possa entrar em contato com seus

sentimentos, com seu corpo e com o próprio processo de cura.

Guareschi59, ao conceituar subjetividade, enfatiza que está

relacionada à constituição do conteúdo do nosso ser:

[...] a singularidade chama a atenção para o fato de que nós


somos “os outros”, isto é, nos constituímos de relações, de
experiências que estabelecemos e vamos estabelecendo a
cada dia. Estamos, assim, em constante mudança.

Em busca de compreender as necessidades dos usuários, os

ACS se propõem a atender as demandas advindas da população, seja em qual

for o aspecto relacionado a essas necessidades.

Segundo Machado & Colvero60, o cuidado possui diferentes

facetas, sendo uma o cuidado técnico e outra, o subjetivo. Tais autoras

destacam que, nas práticas, prevalece a existência de um olhar voltado para o

tecnicismo, fazendo com que a prática da saúde seja insuficiente e incompleta.

Desse modo, consideram importante o investimento na desconstrução dessa

prática, bem como na construção de um paradigma mais ético, complexo,

centrado, igualitariamente, na subjetivação e na racionalização.

Para conseguir enfrentar os contratempos e os acontecimentos

inesperados no cotidiano, os ACS enfatizam a importância de planejar suas

ações, priorizando-as de acordo com as necessidades apresentadas, para,

assim, não serem surpreendidos por situações que poderiam ser pensadas e

controladas anteriormente.

Rodrigues & Araújo61 elucidam que:


Análise dos dados 92

[...] o trabalho em saúde é um serviço que não se realiza sobre


coisas ou sobre objetos, como acontece na indústria; dá-se, ao
contrário, sobre pessoas, e, mais ainda, com base numa
intercessão partilhada entre o usuário e o profissional, na qual
o primeiro contribui para o processo de trabalho, ou seja, é
parte desse processo.

As autoras ainda ressaltam que, para se pensar um novo

modelo assistencial em saúde centrado no usuário, é fundamental re-significar

o processo de trabalho, cuja finalidade deve ser mudada, passando a ser a

produção do cuidado, na perspectiva da autonomização do sujeito, orientada

pelo princípio da integralidade, demandando, dessa forma, instrumentos como

a interdisciplinariedade, a intersetorialidade, o trabalho em equipe, a

humanização dos serviços e a criação de vínculos usuário/profissional/equipe

de saúde61.

É evidenciado, também, que os ACS deparam-se

constantemente com situações inusitadas requerendo uma flexibilidade e um

preparo para o enfrentamento desses imprevistos. Eles indicam a importância

de planejarem as suas ações, como também a de ter condições de replanejá-

las e reconstruí-las de acordo com as necessidades e acontecimentos

existentes no dia-a-dia de trabalho.

“O planejamento, né? Que tenha plano A e plano B, porque


assim muitas vezes, quando eu saio pra fazer as visitas, né?
Eu planejo uma coisa e aí de repente me deparo com outra
situação na área, né? Ou alguém até me para, né? Então o
planejamento é bem importante no cotidiano, né?” (ACS 11)
Análise dos dados 93

Na pesquisa de Lunardelo9, conforme também elucidado os

ACS consideram a visita domiciliar uma atividade que exige planejamento, mas

passível de flexibilidade, de mudanças de estratégias e condutas, já que cada

família possui a sua particularidade.

5.2.1.4 Carência de ações resolutivas no cotidiano dos


serviços

A carência de ações resolutivas, a carência de respaldo por

parte dos profissionais da UBS é relatada como fator negativo e impeditivo para

o desenvolvimento do trabalho dos ACS, destacando-se os problemas

relacionados ao mau atendimento e ao déficit na oferta de serviços, conforme

podemos verificar:

“A falta de respaldo que eu encontro junto aos profissionais de


saúde da UBS, porque a gente faz o trabalho casa a casa e
quando eles vêm pra UBS eles encontram dificuldade de
atendimento, a falta de educação, a falta de vaga, são mal
tratados às vezes por profissionais de saúde como médico.
Então esbarra nisso o meu trabalho. Dificuldade…” (ACS 1)

“E também a dificuldade é no balcão, o mau atendimento. As


pessoas não sabem explicar, orientar o paciente direito. O
paciente já vem com problema, chega aqui, toma né, uma
resposta, que coitado sai chateado” (ACS 2).

Quanto ao aspecto referente ao atendimento dos outros

profissionais, fica evidente que os ACS compreendem haver divergências

quanto às orientações e informações fornecidas por eles durante as visitas

domiciliares. Eles mencionam a importância do acolhimento, do vínculo e da


Análise dos dados 94

humanização nos serviços, cuja temática já foi destacada neste trabalho: e

correlacionam a ausência dessas práticas no atendimento dos demais

profissionais da UBS, com a dificuldade na efetivação das suas ações. Na ótica

dos ACS, o aspecto propulsor desse atendimento deficitário está vinculado ao

despreparo desses profissionais no atendimento, principalmente, na entrada da

UBS, ou seja, na recepção, onde é feito o primeiro contado do usuário com o

serviço.

Na perspectiva da integralidade, conforme afirma Cecílio39, a

equipe de saúde deve se empenhar em traduzir e atender as necessidades de

saúde dos indivíduos. Para tal, exigem-se comportamentos de escuta e vínculo

por parte de todos os profissionais para com os usuários que acessam os

serviços de saúde.

Segundo Peres53, as Unidades de Saúde da Família estão

organizadas para apoiar os profissionais de saúde, pois utilizam o trabalho em

equipe como estratégia de organização do trabalho. Situação contrária a essa

é encontrada nos serviços cujo modelo de assistência à saúde ainda é pautado

no tradicional.

Em nossos achados, podemos observar a ênfase que é dada

pelos ACS ao modo como os indivíduos são tratados ao se dirigirem para o

atendimento dentro da UBS, sendo este, explicitado através de palavras

ríspidas ou até com indiferença o tratamento dado à necessidade apresentada

pelo usuário. A insatisfação dos usuários em relação ao atendimento da UBS é

vista pelos ACS como um reflexo desse processo, sendo uma de suas

conseqüências a falta de resolubilidade no tocante às necessidades deles.


Análise dos dados 95

Para os sujeitos, essas ocorrências são as responsáveis pela

descontinuidade do seu trabalho, que culminam com a diminuição da

credibilidade do usuário no atendimento da UBS, como também a perda da

confiança no ACS, gerando bloqueio ao seu trabalho.

Na construção da identidade dos ACS, define-se, como fator

coadjuvante ao trabalho dos ACS, a busca pela construção da cidadania,

gerando a autonomia na tomada de decisões dos indivíduos e comunidades.

Nesse aspecto, ficam controversas as situações apresentadas pelos ACS,

quando o usuário, mediante o estímulo e encaminhamento dado por eles,

procura os serviços e não consegue acessá-los, seja pela falta de vaga, pelo

mau atendimento ou pela falta do profissional.

“(...) que às vezes a gente não tem muito respaldo. Não só


daqui da unidade. Assim, às vezes a gente leva todo o
atendimento que tem aqui na unidade e às vezes a hora que a
pessoa chega aqui, a pessoa vem aqui e não encontra tudo o
que a gente falou...” (ACS 9)

“(…) acho que uma dificuldade é que as pessoas não


acreditam muito no atendimento aqui da UBS, né? Então… aí
você vai levar uma informação, a pessoa fala: Ah, mas aquele
posto lá, né? Então, essa eu acho que é a principal dificuldade,
que não tem muita credibilidade... Só que tem muita gente que
eu passo lá e falo todo o mês: Olha vai fazer, que agora não
precisa marcar! O pessoal fala: Mas eu já fui tão mal tratado!
Às vezes marcava eu chegava lá e não me atendia!” (ACS 11)

Também podemos ressaltar que os ACS freqüentemente

chamam para si toda a responsabilidade do desdobramento no atendimento

dentro da UBS, como se eles tivessem o poder de controlar todas as situações

que ali ocorrem. São apresentadas, nas falas, situações em que os ACS se

colocam diante do usuário como facilitadores do acesso e, ao mesmo tempo,

responsáveis pela falta da conquista desse direito.


Análise dos dados 96

“E aí ele veio na unidade… ele também não lembrou de


chamar por mim nada, mas aí meio que se recusaram a
verificar a pressão dele naquela hora. E ele morava no Lins V.
Então é longe, só o fato da distância de vir até aqui. Então é
meio que naquela hora: Ah, o senhor aguarda, agora eu não
vou poder!… Então eu acho que a maior dificuldade, além da
aceitação, é o respaldo. Aí eu voltei lá e ele falou: Ah, eu não
vou mais não!” (ACS 9)

“Às vezes, desanima também quando, você traz o problema


pra cá e fica parado. Aí dá vontade de desistir. Porque eu acho
que o meu trabalho não está sendo bem realizado. Então eu
chego aqui, trago algum problema e não dá pra resolver.
Nossa! Isso pra mim… Eu não tenho cara… eu não tenho cara
de voltar na casa do morador e falar que não tem jeito, que
não deu em nada”. (ACS 12)

Lima et al.51, ao escutar essa opinião de usuários a respeito do

acesso e do acolhimento, detectaram que os principais fatores valorizados por

eles estão relacionados ao desempenho profissional de quem presta o

atendimento, como também o vínculo do usuário com o serviço de saúde,

sendo, esses, essenciais para a resolubilidade e a satisfação de suas

necessidades.

A carência de respaldo também foi mencionada pelos sujeitos

no âmbito da intersetorialidade, ficando evidenciada a sua busca pela solução

dos problemas detectados na comunidade. Nesse aspecto, os sujeitos

procuram utilizar todos os meios disponíveis para conseguir amenizar o

sofrimento e a angústia dos indivíduos, providências muitas vezes impossível,

daí o sentimento de impotência por não conseguir solucionar os problemas

existentes em sua microárea.

“(...) até um certo ponto a gente consegue caminhar, depois a


gente é barrado, porque dali pra frente não tem o que fazer e
como fazer e às vezes fica parado né. O que a gente começa
Análise dos dados 97

e precisa assim de outras Secretarias, de outras né, pra poder


funcionar, pra poder ir pra frente o nosso trabalho muitas
vezes a gente precisa de outras Secretarias e muitas vezes
não acontece isso... Às vezes a pessoa que precisa de um
médico né, vamos supor assim, que precisa de uma
especialidade, demora bastante, é complicado né. Igual os
programas que eles arrumam também, que a Prefeitura faz.
Aqueles programas... A gente vê o sofrimento das pessoas né,
o quanto é duro, vai, volta, vai, volta. A gente fica… Eu fico
meio deprimida, porque por não poder ajudar mais, né. Porque
são obstáculos que às vezes não tem fim, não tem, não dá pra
ir. A gente não tem pernas pra ir até lá. A gente não pode,
né?Fazer. Sem solução o problema” (ACS 4).

Portanto fica revelado o sofrimento dos ACS em relação às

dificuldades encontradas para o alcance de suas metas, incluindo, aqui, a

insatisfação dos usuários em não conseguir acessar os serviços, fato que gera,

muitas vezes, sentimentos de frustração relativamente ao trabalho.

Na perspectiva de Jardim54, existe uma correlação entre a

inoperância do sistema frente as demandas da comunidade e a construção da

credibilidade das famílias pra com os ACS. Ainda nessa discussão, a autora

identificou, em seu estudo, que os ACS referem necessidade de mentir para

conquistar a credibilidade da população, gerando neles um sofrimento muito

grande. Essa falha no sistema de referência e contra-referência, segundo a

autora, faz os ACS vivenciarem situações de constrangimento, refletindo-se em

sofrimento psíquico ao executarem seu trabalho.

Lunardelo9 enfatiza que o ACS caracteriza seu trabalho como

difícil, pois o vê com possibilidades de ação limitada. Ele percebe que faz parte

de uma equipe, sendo essa importante no convívio diário e capaz de encontrar

alternativas e soluções para atender as necessidades das famílias.


Análise dos dados 98

Para Martines17, o ACS constrói uma idéia de onipotência

diante da comunidade, idealizando qualidade, transformação, resultado,

humanização, resolubilidade, poder e doação, desconsiderando a viabilidade

dos recursos necessários além, de seus próprios.

“Até o remédio! Que a gente conhece a população,


principalmente ali, onde a gente está todo o mês, a gente sabe
que a pessoa é pobre, que a pessoa não tem condição de
comprar o remédio. O difícil é até pra pedir pra prefeitura, pra
ajudar. Olha, ela é, deficiente, está na cadeira de rodas, e ela
precisa tomar um determinado remédio pra dor, e é difícil isso.
É uma coisa que deixa a gente bem triste, sabe? A pessoa
está precisando, e as vezes a gente vê até um que pode,
conseguindo o que a Agente Comunitária luta e não consegue”
(ACS 3).

“(...) a dificuldade maior é ver assim, que a gente não tem


uma…, um respaldo mesmo. Se a gente tivesse aqui uma
pessoa pra gente conversar. Nós temos aqui, a assistente
social que agora é uma maravilha, a Aline tenta ajudar… E… é
difícil. E a falta de médico também, às vezes a gente vai na
área vê a pessoa doente, a gente tenta ajudar”. (ACS 4)

“Silêncio. Ah, nem sempre a gente tem o apoio, né? Que a


gente pelo menos acha que deveria ter, né? Aqui na unidade,
por exemplo, é… a gente encontra muitas dificuldades nessa
unidade. Dificuldades, a gente é… Um idoso que a gente
encaminha pra cá, muitas vezes ele não é bem atendido. E
tudo que acontece… A gente coloca a nossa cara lá na rua e
então tudo de mau que acontece, nos somos os primeiros a
estar ali ouvindo, as coisas, as primeiras queixas, né? O mau
atendimento, uma mal acolhida, nós somos os primeiros a
estar ouvindo essas queixas, né? E… são essas dificuldades,
não tem retorno do nosso trabalho”. (ACS 6)

Por estarem na comunidade com as famílias e usuários do

sistema de saúde, estão mais predispostos ao enfrentamento das reclamações

dos usuários em relação ao serviço, e são colocados pelos profissionais de


Análise dos dados 99

saúde e usuários, como também se colocam na posição de mediadores para o

destempero que ocorre nas relações entre usuários e a UBS.

Peres53 elucida que a dificuldade dos serviços em obter a

integralidade do cuidado e a articulação dos diferentes níveis de atenção,

acompanhada das fragilidades do sistema de referência e contra-referência,

ocasionam interferências no trabalho dos ACS, que se deslocam aos domicílios

e são questionados em relação às necessidades não atendidas.

Mesmo com essas dificuldades que os ACS enfrentam na

composição de seu trabalho, ainda existe a expectativa de que o SUS,

representado em âmbito local pelas UBS, seja, de fato, um sistema de saúde

humanitário e resolutivo, proporcionando a prevenção e o tratamento das

enfermidades da população.

“Eu tenho mesmo uma família que a moça, ela está numa
depressão profunda, e ela está tratando pelo convênio, mas eu
falei pra ela: você não quer ir para o SUS? Pra ver se tem um
jeito, porque já fazem vários… tempos que ela está assim. E
ela está no fundo do poço mesmo. Eu falei: quem sabe, você
no SUS você vai ter”. (ACS 7)

“Tanto é que assim, esse mês mesmo eu mandei acho que


quinze mulheres pra passar no ginecologista. Sabe aquela
coisa assim, que tem mais acesso, você não precisa ficar
pegando fila, de vez em quando a gente pode marcar. Mas
assim, elas estão vindo mais, né? Então está assim, mais
tranqüilo. Aos poucos está dando pra mudar, mesmo porque o
atendimento aqui está melhorando muito, né?” (ACS 11)
Análise dos dados 100

Os ACS defendem plenamente os direitos dos usuários em

relação ao acesso aos serviços de saúde e mencionam a melhora do sistema

quando o acesso ao serviço foi conquistado.

5.2.1.5 A sobrecarga do enfermeiro

A carga excessiva de trabalho destinada ao enfermeiro foi

mencionada como fator dificultoso para os sujeitos executarem a prática

cotidiana, deixando evidenciado que essa não se deve ao fato de o enfermeiro

não se responsabilizar por suas ações, e sim pelo excesso de atividades que

lhe são designadas.

Ao mencionar essa dificuldade, eles a correlacionam à falta de

recursos humanos, destacando que apenas um profissional não é suficiente

para atender a todas as demandas que são trazidas pelos ACS e outras

encontradas na UBS. Essa dificuldade do enfermeiro em corresponder a todos,

traz-lhe certa insatisfação, podendo estar relacionada à perda da credibilidade

da família para com eles.

“São muitos acamados pra enfermeira cuidar e não dá tempo,


né? Então assim, é isso daí o, porém. AÍ, é não veio, já deu o
mês, não é que são muitos não dá mesmo pra ela dar conta.
Pra uma enfermeira só não dá” (ACS 2).

“Eu sei que pra ela é difícil, que pra ela aqui tem muito mais
serviço, não dá pra ela fazer visita pra todos os pacientes...”
(ACS 5)
Análise dos dados 101

O oposto a esta situação, ou seja, quando o enfermeiro está

presente nas visitas domiciliares, é relatado pelos ACS como fator de

conquista. Inúmeras expectativas são depositadas nas visitas do enfermeiro,

por ser este um profissional técnico e representar o serviço de saúde, sendo

esperado, portando, que ele possa corresponder aos anseios da família,

levando o conhecimento técnico específico e buscando resolver os problemas

encontrados nas mais diversas situações.

A importância da moça, da enfermeira. Olha na hora que a


gente chega com a enfermeira numa casa, é difícil você não
ouvir: um anjo chegou, de tão carente que a população é,
tantos problemas (ACS 3).

Wai16 identificou que a sobrecarga de tarefas da enfermeira, é

apontada pelos ACS como o principal motivo da falta de supervisão.

Esta supervisão é considerada pela autora como uma atividade importante

para discussão das adversidades encontradas no cotidiano do trabalho, como

também representa um espaço para reflexão, onde a enfermeira pode avaliar a

necessidade de informação, capacitação e educação continuada.

Em nosso local de estudo, o enfermeiro supervisor dos ACS

está inserido em uma UBS, cumprindo atribuições específicas destinadas a

eles, às vezes tomados pela rotina da unidade, principalmente quando há falta

do enfermeiro responsável pela atividade. Além disso, é responsável por um

grupo numeroso de ACS, com média de 20 a 30 por equipe e

conseqüentemente um número significativo de famílias.


Análise dos dados 102

O Ministério da Saúde, publicou através da Portaria GM 648 de

28/03/2006, as atribuições do enfermeiro do Programa de Agentes

Comunitários de Saúde:

x planejar, gerenciar, coordenar e avaliar as ações

desenvolvidas pelos ACS;

x supervisionar, coordenar e realizar atividades de

qualificação e educação permanente dos ACS, com vistas

ao desempenho de suas funções;

x facilitar a relação entre os profissionais da Unidade Básica

de Saúde e ACS, contribuindo para a organização da

demanda referenciada;

x realizar consultas e procedimentos de enfermagem na

Unidade Básica de Saúde e, quando necessário, no

domicílio e na comunidade;

x solicitar exames complementares e prescrever medicações,

conforme protocolos ou outras normativas técnicas

estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal,

observadas as disposições legais da profissão;

x organizar e coordenar grupos específicos de indivíduos e

famílias em situação de risco da área de atuação dos ACS;

x participar do gerenciamento dos insumos necessários para o

adequado funcionamento da UBS 12.


Análise dos dados 103

Também já foi mencionada neste estudo que a mesma Portaria

estipulou a composição da equipe do PACS, sendo um enfermeiro para no

máximo 30 ACS.

Apoiando-nos nas discussões provocadas até o momento

dessa pesquisa, no tocante à prática cotidiana da assistência dos ACS,

elucidamos que ela os direciona para o olhar minucioso das questões

subjetivas. Ao executarem essas ações, os ACS enfrentam dificuldades e

diversidades que precisam ser compartilhadas e canalizadas ao enfermeiro,

com o objetivo de buscar as referências necessárias para a solução dos

problemas. Ao mesmo tempo, esse mesmo profissional está inserido em

atividades assistenciais e gerenciais dentro da UBS e no domicílio, como

também nas atividades de educação em saúde com a comunidade,

demandando grande parte do seu tempo para essas ações. Então é possível

justificar a queixa apresentada pelos ACS, a partir das inúmeras demandas

conferidas ao enfermeiro, ficando difícil estabelecer um planejamento

sistematizado e ordenado para contemplar as necessidades explicitadas. Além

disso, a queixa maior parece estar relacionada à dificuldade do enfermeiro em

executar as visitas domiciliares, principalmente aos pacientes dependentes de

cuidados, os acamados. É possível que, nestes casos, os ACS sofram algum

tipo de pressão dos familiares ou cuidadores que se responsabilizam pelo

cuidado domiciliar desses pacientes. A visita do enfermeiro tem caráter

instrutivo, cujo objetivo é tranqüilizar e orientar tecnicamente sobre os cuidados

com o seu ente familiar, justificando a forma como tanto os usuários e

familiares, como o próprio ACS a solicita categoricamente.


Análise dos dados 104

5.2.1.6 A rejeição sentida pelos ACS

Diante as dificuldades encontradas em executar sua prática

diária, os sujeitos relatam que a postura de alguns usuários em não aceitarem

o trabalho dos ACS é um elemento desencadeador do insucesso de suas

práticas de assistência. Para os sujeitos, essa questão se deve ao fato de os

usuários não entenderem o objetivo do trabalho e o delineamento das

propostas geradoras das ações de promoção da saúde e de prevenção de

doenças. Os discursos sugerem que este fato pode estar relacionado à

resistência dos usuários às estratégias inovadoras de saúde, bem como à falta

de tempo em receber os ACS no domicílio. Nas falas podemos perceber o

sofrimento vivido pelos ACS pela rejeição do usuário ao seu trabalho.

“Estou com uma gestante que quer ver o capeta, mas não quer
me ver. Não conheço a mulher. Vi ela uma vez. Cadastrei. Ela
não quer passar os dados. Vou na casa dela e ela não me
atende... Pra mim parece que o meu serviço não está valendo
nada. Olha que eu fui lá, expliquei para ela. Falei pra ela do meu
serviço, que eu podia ajudar ela mais pra frente, quando o
neném tivesse nascido. Pra ver uma data de vacina, se tivesse
um remédio que ela tivesse que passar no médico eu trazia o
remédio pra ela. Mas mesmo assim, ela não quer… ontem eu
passei na casa dela o filho dela falou pra mim que estava de oito
meses já…e eu vi ela no primeiro mês, não vi mais!” (ACS 5)

“Perante as dificuldades, porque às vezes você encontra


pessoas que são… nossa! Que te deixam lá embaixo, no chão!
Que não quer abrir a porta, você sabe que ele está ali, mas ele
não quer abrir a porta. Quando abre te trata com uma má
educação fora do comum. Eu falo pra ela assim: Isso pra mim é
o fim, né? E isso acaba comigo e com as outras também! E isso
acaba me desanimando, né? E você acha que isso nunca
acontece, mas acaba… Mas ao mesmo tempo viu um que te
deixa lá em baixo, você encontra cinco, seis lá que te… que te
aceita, que te recebe muito bem, que fala que é importante, né?
Então isso é gratificante, isso é muito bom” (ACS 12).
Análise dos dados 105

Para os ACS, a aceitação do seu trabalho pelos usuários tem

significado profundo no que diz respeito à gratificação no trabalho e, por outro

lado, na geração de sofrimentos. É evidente, nos discursos, um empenho e

uma dedicação exaustiva, que são dirigidos aos usuários na tentativa de

sensibilizá-los para as atividades realizadas pelos ACS. Parece existir certa

produção imaginária do paciente idealizado, associada à idéia de que a

experiência de anos de trabalho não permite aceitar a rejeição e a reprovação

de suas práticas. Os sujeitos são enfáticos ao explicitarem que essa atitude

dos usuários é inadmissível para o cumprimento de suas metas de trabalho e

não se conformam em não conseguir acessar aquele domicílio e aquela família.

“É a aceitação da pessoa, né? Ela querer te atender… né?


Porque eu encontro isso na minha área em algumas casas,
assim que não querem me atender, mesmo depois de tanto
tempo, né? Quatro anos e pouco… e a pessoa não quer te
receber… ou fecha toda casa pra te atender só no quintal,
entendeu? Então essa é a maior dificuldade. Você tem que
ficar pedindo todo o mês para entrar, entendeu? Já tem uma
que: Ah! É você! Tudo bem! Entra!… Você já entra pela sala, já
sai pela cozinha e já vai no quintal, pronto! Está resolvido, né?
Mas não… fecham a porta mesmo, prendem o cachorro dentro
de casa… pra você não entrar. Então é duro… Mesmo depois
de tanto tempo. E eu tenho gente, é incrível! Que abre o vitrô,
te olha, fecha o vitrô e não te atende. Isso joga você lá
embaixo, auto-estima, você fica frustrada, você acha que o seu
trabalho… além de não estar sendo reconhecido… não tem o
porque, né? Isso é complicado. Isso te… baqueia bastante,
pelo menos pra mim”. (ACS 8)

Segundo Meira52, a maioria dos ACS relatam ter dificuldades

em manter relações interpessoais com os usuários e percebem falta de

compreensão das dificuldades, da dedicação e do empenho a eles dispensado.

Também foi observado no mesmo estudo, que esse fato ocorre com maior

freqüência com os moradores de maior poder aquisitivo, dificultando as ações

dos ACS na família.


Análise dos dados 106

… ela passa a gostar de você, às vezes ela num queria você


ali. Ela tinha problemas, vocês foram convencendo ela. Aí
você vê resultado disso na pessoa, ela passa a ter você como
aliada dela, né? Está sempre te procurando… Oh, você pode
fazer isso pra mim? Você ganha um amigo, né? ... Uma
vizinha… ela meio que estava resistente… Não eu tenho
convênio, não quero! Aí a outra vizinha foi e falou: Não, mas o
trabalho dela é muito importante! Eu não conhecia, mas eu
gosto dela, porque ela fez isso pra mim! E ela está sempre
passando, às vezes eu estou sozinha a gente conversa, eu
passo o tempo! Eu achei um resultado positivo, um vizinho
passando pro outro, né? Levando conhecimento pro outro
vizinho! (ACS 10)

Desse modo, o tempo de serviço caracterizou-se como fator

facilitador para o processo de aproximação do ACS às famílias assistidas.

Outro ponto a ser discutido em virtude da aceitação do usuário

ao trabalho dos ACS, está relacionado às questões socioeconômicas das

famílias e aos equipamentos de saúde acessados por eles. Nos relatos abaixo

apresentados, evidenciamos uma negação constante quando os ACS têm que

adentrar o ambiente domiciliar. A família que têm acesso a serviços privados

justifica a negativa de aceitação do SUS, dizendo ter acesso a planos de saúde

e não precisar dos serviços prestados pelos ACS.

“A maior barreira é também em relação às pessoas idosas.


Assim, principalmente as que vivem sozinhas. Num gostam de
abrir a porta pra gente, tem medo de ser um ladrão, não
conhece o trabalho, né? Até você explicar o que que é o seu
trabalho, ele entender, leva tempo, né? Eu acho que essa é a
maior barreira. Tem as pessoas também que tem convênio
médico, que acha que não precisa do SUS, não precisa do
agente comunitário, né? Não gostam de deixar a gente
entrar… As pessoas estarem entendendo o nosso trabalho,
né? Que a gente tem que fazer o trabalho, que tem que ser
daquele jeito, né? Às vezes quer que a gente passa
correndo… Ah, eu to com pressa, fala rapidinho! Mas não
pode ser assim, não tem como ser, né? Rapidinho… Eu acho
que essa é a maior barreira. E das pessoas que tem convênio,
que acha que não precisa do agente comunitário, que acha
que o agente comunitário só ta ali pra marcar consulta e pra
levar no posto, só isso… eu acho que é essa!” (ACS 10)
Análise dos dados 107

“Ah… além da aceitação, dependendo do morador, que não


são todos que tem boa aceitação, que assim, eu encontro
muito assim, que a pessoa acha que ela tem convênio, ela não
precisa ser cadastrada, principalmente como gestante, é a
maior dificuldade que eu tenho é de cadastrar gestante que
tem convênio, que ela acha que ela não vai precisar da
unidade. Ah eu vou todo o mês no meu médico então eu não
vou precisar” (ACS 9).

Nas falas apresentadas pelos sujeitos, fica evidenciado que os

ACS possuem um bom entendimento sobre as diretrizes do SUS,

principalmente sobre universalidade e integralidade. De modo que, baseando-

se nessa perspectiva, ele tenta convencer o morador a compreender a

importância do seu trabalho para ele, para a sua família e para toda a

coletividade. Também fica explicitado que os ACS consideram essa população

desinformada a respeito do seu papel perante os serviços de saúde, pois se

referem aos ACS somente como facilitadores do acesso.

5.2.2 A importância do trabalho dos ACS para a população assistida

Há um núcleo central pertinente a essa temática nos discursos

apresentados pelos sujeitos, que nos permitiu elucidar o modo como os ACS

identifica a importância do seu trabalho para a população assistida por ele.

Para emanar essa discussão, foram estruturadas as seguintes

categorias: a dependência dos ACS e os ACS como ponte entre os usuários e

os serviços.
Análise dos dados 108

5.2.2.1 A dependência dos ACS

Observamos que existe intrinsecamente e extrinsecamente um

elo muito forte entre os ACS e as famílias, podendo assim, ser esse um fator

primordial na influência da dependência mútua. Isso é, embora exista uma luta

pela conquista da autonomia do usuário, por outro lado, os relatos sugerem

uma necessidade de os sujeitos sustentarem tal dependência.

“É a gente sai de férias um mês a gente não tem sossego,


fulana chama, porque ali ela acostumou tanto que um mês faz
falta. Então importante assim pra mim, saber assim, por
exemplo, lá na casa da Dona Sebastiana, olha você estava de
férias, o seu Joaquim quebrou a perna, meu Deus, coitado”
(ACS 3).

“Eu acho que é de suma importância o papel do Agente


Comunitário porque no que diz respeito a prevenção, a
promoção e o vínculo que ele é, acaba adquirindo com o ACS,
que eles ficam muito assim, dependente do ACS, as pessoas
idosas que eu mais acompanho, né? Então eles sentem falta
quando a gente ta em férias ou faz um trabalho fora, eles
sentem muita falta” (ACS 1).

“A família gosta muito do que eu faço e até fala que eu estou


demorando demais, mais não é. Uma vez por mês, só se ela
precisa mais, a família precisa mais, a gente volta várias
vezes. Agora nisso eu me acho sim muito importante fazer o
meu trabalho. Eles passam, a conversa ali comigo, vai e eles
fala que eles gostam muito do meu jeito porque eu sei resolver
o problema deles. Confiança. Se eu falo assim brincando com
eles assim, ah eu vou sair dessa área, eles falam que vão
fazer baixo assinado pra mim não sai” (ACS 2).

“Ou quando você, por exemplo, quando a gente sai pra


mutirão, fala: puxa vida você sumiu, o que aconteceu, achei
que tinham tirado você daqui! Você faz falta! Isso é
importante!” (ACS 8)

“Eles falam assim: O que seria de nós se não tivesse você! Às


vezes nem pra levar um remédio, ou pra pegar o cartãozinho
pra marcar uma consulta” (ACS 12).
Análise dos dados 109

Diante o exposto, conforme observamos a dependência do

usuário em relação ao agente, neste caso, torna-se parte do trabalho dele, que

enxerga essa dependência como um processo “natural” e importante para o

seu trabalho. Também fica evidente a posição de onipotência sentida pelos

ACS perante sua comunidade.

Wai16 observou que, em algumas situações, os agentes

sentem ter perdido a liberdade dentro do bairro, devido à pressão da própria

comunidade, que os reconhece como aliado e o procura ininterruptamente

como porta-voz de suas necessidades. Nesta perspectiva, a autora discute que

o papel social dos ACS, vistos como solidários, permite interpretações

equivocadas, sendo estes abordados independentemente do horário de

trabalho, em qualquer lugar onde estejam.

Peres53 ressalta que, em busca de resolver os problemas da

comunidade, os ACS são induzidos a reproduzir ações de cunho

assistencialista, agindo de forma paternalista ao invés de tomar atitudes que

promovam a autonomia da comunidade.

Outro aspecto importante a ponderar é a questão da

dificuldade em separar o profissional do ser humano na pessoa dos ACS, que

carregam consigo, a carga do sigilo a ser mantido de maneira permanente.

Segundo Fortes & Spinetti62, ao abordarem a questão do agente comunitário de

saúde e a privacidade das informações dos usuários, ressaltam que:

[...] esse novo modelo assistencial traz uma importante


questão, outrora não existente, referente à privacidade do
próprio agente comunitário, ou seja, como preservá-la
enquanto morador de uma determinada comunidade, já que,
se está nessa função em certo momento, isto não significa que
nela continuará por tempo indeterminado, mas continuará
sendo morador e vizinho, ainda que deixe a função.
Análise dos dados 110

Desta forma, podemos destacar que, embora não tenha sido

apontado pelos ACS um sofrimento em relação à dependência do usuário,

Lunardelo9, Martines17, Wai16 e Jardim54 demonstram que esse fator pode

desencadear algum tipo de estresse no trabalho, principalmente, relacionado à

perda da liberdade deste profissional enquanto morador daquela comunidade.

A fala apresentada abaixo relaciona o tempo de serviço e a

experiência com as famílias, com a dependência gerada.

(“...) depois de tanto tempo que a gente ta, a gente percebe a


importância do nosso trabalho pra eles, pelo o que eu te falei,
da gente estar de férias e eles sentirem muita falta. De mandar
ligar, mandar perguntar e de falar dá uma vontade de botar
uma faixa de seja bem vindo. Isso é gratificante... A gente até
ouve falar que não se vive mais sem você, eles falam” (ACS3).

Entretanto esse aspecto nos faz pensar que, na visão dos ACS

quanto mais tempo eles se dedicam às famílias, mais reconhecidos eles serão,

mais confiança e dependência os usuários terão com relação a eles. Parece

não estar muito distante do esperado pelo Ministério da Saúde, onde podemos

realçar tal discussão, referindo-nos novamente às atribuições descritas aos

ACS na Portaria 648, dentre as quais destacaremos as duas que melhor

enfatizam esse aspecto:

[...] estar em contato permanente com as famílias


desenvolvendo ações educativas, visando a promoção da
saúde e a prevenção das doenças, de acordo com o
planejamento da equipe e acompanhar, por meio de visita
domiciliar, todas as famílias e indivíduos sob sua
responsabilidade, de acordo com as necessidades definidas
pela equipe [...] 12 .

No discurso abaixo, pode ser observada essa necessidade da

presença constante do ACS nos núcleos familiares:


Análise dos dados 111

“Na minha opinião o que mais… o que mostra mesmo que é


importante eu estar ali, que eu penso um dia em sair, o que eu
penso que ali eu sou importante e que ali eu vou fazer
falta”.(ACS 9)

Segundo Martines17, ficou evidenciado em seu estudo que a

dificuldade do ACS de estabelecer limites pode gerar renúncia, resignação e

sacrifício, sendo necessário reconhecer e analisar esses fatores de forma

cuidadosa, a fim de diferenciar a empatia disfuncional da funcional.

Para Jardim54, o eixo principal do sofrimento dos ACS está

relacionado ao fato de eles residirem na mesma comunidade e estarem em

constante contato e exposição. Conforme a autora em seu estudo, mesmo que

o sistema de saúde atendesse de forma adequada as necessidades da

população, ainda haveria a solicitação dos serviços dos ACS, por parte dos

usuários, a qualquer hora do dia ou da noite, e estes continuariam a interpelá-

los na rua, no supermercado, na feira, em qualquer lugar. A autora também

enfatiza que, devido à militância e ao voluntarismo destes profissionais, a

população associa o trabalho e a disponibilidade dos ACS a um serviço

oferecido 24 horas ao dia. É o que se depreende da fala do sujeito:

“E elas sentem falta. Eu fiquei afastada, fevereiro, depois


março, né? da metade, pra estar trabalhando só na dengue.
Entrei de férias, então eles iam na minha casa, perguntar né?
Se eu tinha saído, e agora minhas visitas, estão assim… estão
sendo longas, porque eles querem falar tudo, né? …esse
tempo perdido, e elas gostam muito, agradecem muito
mesmo!” (ACS 7)

No estudo realizado por Wai16, ficou evidenciado que a

gratificação dos ACS pelo seu trabalho pode estar relacionada não só à

compensação ou comparação positiva ao visitar uma família que segue o


Análise dos dados 112

programa e progride no seu cuidado, como também ao seu entendimento de

que o trabalho implicará certa perda de privacidade dentro do bairro, ganhando

no quesito de notoriedade e de sua importância para a população.

Para Bachilli et al.19, porém a gratificação da população ao

trabalho dos ACS ocorre pela disponibilidade destes em conversar, orientar,

conhecer pessoas e ajudá-las.

“Eu acho que eles ficam vulneráveis quando não tem o agente
comunitário de saúde” (ACS 11).

“Elas falam que a gente é o anjo da guarda delas… Então é


muito importante!” (ACS 7)

A discussão da dependência dos usuários pelos ACS,

evidenciada nos discursos, permeiam ambigüidades principalmente no que se

refere aos conceitos de autonomia. Identificamos, em nosso estudo, que o ACS

está ciente da sua importância em informar e orientar a população quanto aos

seus direitos e deveres, reforçando e desenvolvendo a cada momento e

oportunidade, o exercício da cidadania que deveria estar imbuído em cada

usuário do SUS. Porém, identificamos uma forte importância dada pelo ACS à

dependência gerada entre as partes, ficando ilustrada a satisfação que gera

essa dependência.

Contrapondo-se a essa nossa realidade, no estudo realizado

por Peres53, ficou evidenciado, na fala dos ACS, que o paternalismo para com

a população, presente nas ações de cunho estritamente assistencialista, inibe-

lhe a busca de soluções às suas próprias necessidades de saúde, dificultando,

assim, o trabalho do ACS.


Análise dos dados 113

5.2.2.2 O ACS como ponte entre os usuários e os serviços

Na discussão sobre a essência do trabalho dos ACS,

evidencia-se o olhar do ACS sobre o próprio trabalho, correlacionando-o

principalmente com a facilitação do usuário em acessar o serviço. Além disso,

é explicitado que os ACS possuem uma condição de saber traduzir de que a

família ou usuário está necessitando no momento, funcionando assim, como

uma ponte importante e necessária no processo da assistência.

“Porque a gente que vai no dia a dia na casa, a gente


encontra, mais a gente vai indo, com uma conversa aqui, sabe
explicar, porque a gente sabe como é que é, e no fim, se trata
melhor e se precisa de uma consulta, que não seja rápido, se
for por uma coisa assim que ela dá pra espera, a gente
conversa com a diretora do posto, ela carimba e a gente vai no
balcão marca, mas no dia que pode, né?” (ACS 2)

“Mas nós como conhecemos nossa micro-área, a gente já sabe


que numa determinada casa, você não pode só orientar, você
tem que dar uma disfarçadinha e dar uma entradinha” (ACS 3).

É possível destacar, nas falas apresentadas, que os ACS

estão constantemente sinalizando busca para a supressão das necessidades

do usuário, sejam elas de cunho social, econômico, relacionado à saúde ou a

outros fatores. Ele vivencia situações com as famílias, que são reconhecidas

por ele, pois faz parte daquela comunidade e sente uma grande aproximação

neste processo por saber das necessidades que afligem a todos.

Podemos, também, assinalar que, embora a relação entre

usuário e ACS foi entendida nesse estudo como primordial para a efetivação do

seu trabalho, fica explicitado na fala a seguir que ainda existem dúvidas a
Análise dos dados 114

permearem as atividades cotidianas dos ACS. Outra questão importante

também já evidenciada em outros estudos, retrata a aproximação, ou, se não,

pelo menos a tentativa dos ACS em se igualarem a profissionais de cunho

técnico como os auxiliares ou técnicos de enfermagem.

“(...) nós não somos Agentes de Saúde? Quando a gente


entrou a gente podia marcar consulta para os pacientes da
gente, que é idoso, que é hipertenso, que é cadastrado… Só
que agora a gente está sendo barrado. Isso afeta, porque você
chega na casa quando a gente começou passar você podia
fazer, você sabia o que você podia fazer. Agora as pessoas
falam: Ah você pode? Ah não posso porque não está podendo
mais. Com que cara você fica? O outro pedaço ficasse a
desejar” (ACS 5).

“Um remédio eu encontrei aqui no posto o outro eu não achei,


aí eu fico atrás da Z. e, ela fica atrás de remédio pra mim. Não
vai achar Benerva, eu acho outro com os mesmos sais, com
outro nome. É assim correr atrás. Às vezes o papel do Agente
Comunitário, é ter dó e comprar o remédio, tirar do bolso,
chegar… e como a gente vive em comunidade na igreja, fala:
Gente tem fulana que está precisando de uma cesta básica!
Tem pessoa que está precisando de fralda! Mobiliza a
população pra ajudar a gente naquele caso. E a sorte que a
gente está numa micro-área tão boa, que a gente já está a
tantos anos que a gente consegue” (ACS 4).

“Desde um remédio que você leva, quando o acamado


precisa, alguma coisa.” (ACS 9).

Segundo Lunardelo9, a falta de certeza no processo de

formação dos ACS tem-no levado para a área da enfermagem, e esse

processo da formação de técnicos em saúde, como os auxiliares e técnicos de

enfermagem, desencadeia uma forte conotação do modelo de saúde

hegemônico.
Análise dos dados 115

Em busca das diversas alternativas para sanar o problema das

famílias e diminuir o sofrimento do outro, os ACS procuram os recursos

existentes na própria comunidade; e quando essa busca não se processa de

maneira satisfatória, sensibilizado a tal ponto, acaba oferecendo seus bens

para usuários, doando alimentos, roupas e até seu próprio dinheiro.

Peres 53 ressalta que, em decorrência do vínculo dos ACS com

a família assistida, em que eles presenciam pobreza e desigualdade social,

afloram ações paternalistas, como o oferecimento de bens materiais, na

tentativa de diminuir o sofrimento do outro e as suas próprias angústias frente a

estas situações.

Para Meira52, os ACS sentem-se valorizados pela confiança

que os usuários depositam nele. Porém esse pode ser um fator responsável

pelo seu aprisionamento, levando até, em alguns casos, à renúncia da sua

própria vida.

Na perspectiva de Lunardelo9, o sofrimento dos ACS é gerado

pela cobrança institucional para o cumprimento de suas tarefas, como também

pela própria comunidade por reconhecê-lo e buscá-lo a todo o momento como

porta-voz de suas necessidades.

“Às vezes querem dar até presente pra gente, né? Eu tenho
que falar que não eu só fiz o meu trabalho. Eu fiz o que eu
tenho que fazer. Eu recebo pra isso, não precisa se preocupar
com nada. Só de você me receber na sua casa, como você
recebe. Eu também fico agradecida porque eu tenho que
passar aqui todo o mês, mesmo que tiver tudo bem, que não
precisar de mim, mas eu tenho que vir, ver a família como
está, se vocês estão bem, se estão todos bem, se as crianças
estão na escola... Eu já fazia esse serviço assim mesmo sem
ganhar, a gente trabalhava na Pastoral na igreja, então eu já
fazia isso gratuitamente, o fato de acompanhar os doentes, os
Análise dos dados 116

acamados. Então é uma coisa que eu gosto de fazer sabe?


Quando as pessoas precisam a gente pode de estar ajudando
e com o trabalho ficou melhor ainda, né? Ficou tudo de bom”
(ACS 4).

“Bom, pra mim é quando eles chegam em mim e falam: muito


obrigado, deu certo! Só isso! Pra mim não precisa mais nada!
Eles falam assim: no final do ano eu vou te dar um presente.
Eu falo assim: não quero nada… você pedindo pra Deus pra
mim está ótimo, pra mim continuar do jeito que eu estou, louca,
né?... Pra mim, ser agente comunitário você tem que ter várias
coisas. Você tem que ter perfil, né? Ter ética, não sair daqui e
falar ali na casa do vizinho o que aconteceu na casa do outro.
E gostar do que faz. Eu gosto. Quando você gosta, você gosta,
quando você não gosta, não tem jeito. Eu gosto do que eu
faço... Ser agente de saúde eu acho que tem que gostar
principalmente… tem que lidar com… doenças, internação,
aborto...” (ACS 5)

Nos discursos evidencia-se, também, o sentimento de poder e

onipotência perante as situações e as dificuldades encontradas.

“E ela é resistente… Briga com a mãe, briga com o pai, briga com
todo o mundo. Só comigo que ela não brigou ainda” (ACS 5).

“Porque é nós, agentes de saúde que acaba, dando, colocando a


cara lá, falando de tudo do que é… do que é preciso, estar vindo
no médico sabe, promovendo porque se a pessoa esta doente
pra ela não ficar mais” (ACS 9).

“Por exemplo, se é uma casa muito suja, se tem bastante… você


vê que vai melhorando, mês após mês, entendeu? Ou quando a
pessoa te solicita, sendo que você já passou na casa dela, e ela
te chama por algum motivo ou outro, que você realmente se sente
útil… não só pra você marcar uma consulta, ou tentar alguma
coisa, mas alguma coisa dela mesmo, entendeu? Às vezes
querer contar algum problema, né? Isso você vê que… que você
está sendo útil, que a pessoa precisa de você. Porque eu acho
muito frustrante você passar, por exemplo, eu tenho cento e
cinqüenta e cinco e ninguém… falar nada, né? Não saber de
nada que você faz, ou não poder contar com você pra nada, aí
fica, né? Invisível, né?... Acho que é o melhor quando a pessoa
sabe… te dar presentinho… é gostoso também (risos)” (ACS 8).
Análise dos dados 117

Nunes et al57 ressaltam que as práticas biomédicas,

exemplificadas pelo poder dos ACS em marcar consultas para os usuários,

podem gerar experiências e resultados negativos, levando a população a

reconhecer essa prática como geradora de privilégios.

A sensação de poder ajudar a comunidade e ser reconhecido

por ela mediante esse ato, é possivelmente um fator responsável por estresse,

devido ao comprometimento excessivo com os problemas encontrados.

“(...) quando tem o Agente Comunitário de Saúde, né? A gente


começa assim, a mostrar como que é, principalmente mostrar
o SUS, né? Quando eu mesmo descobri como era o SUS, eu
comecei a falar pra eles, a falar das facilidades, das coisas que
eles podem ter mais acesso e alguns ficam mais animados,
né?... Me torno assim, uma ponte mesmo assim entre a
população e a unidade... E eu acho que tendo alguém fora
daqui, que esteja representando a UBS lá fora, faz com que as
pessoas se sintam mais esclarecidas, do funcionamento daqui.
Eu estando passando lá, não é por panos quentes, mas é
esclarecer mais, é pra incentivar um pouquinho mais, né?...
Porque assim, até mesmo final de semana, às vezes eu fico
pensando… (risos). Eu quero cuidar da minha cabeça… né?
Então assim, dá a sensação que eles estão vulneráveis, sabe?
É essa sensação que eu tenho. Assim, né? Às vezes a gente
está indisposto, sair de casa, pra trabalhar, e não está disposto
pra trabalhar, mas mesmo assim você faz por amor a eles. As
vezes a assistente social vem com aquele papelzinho e fala:
Ah você entrega esse encaminhamento? Da vontade de não
entregar, porque às vezes é coisa tão fora da sua área, só que
a gente pensa naquelas pessoas que estão esperando há
muito tempo, então… é isso” (ACS 11).

Para Lunardelo9, a satisfação gerada pelos ACS em relação ao

próprio trabalho, está ligada ao fato de este proporcionar seu crescimento

humano, diante das questões de valorização da vida e da condição da mulher,

da qualidade de vida e das mudanças das relações pessoais e interpessoais.


Análise dos dados 118

A percepção que têm os ACS a respeito de sua prática

profissional e os conceitos éticos, aparecem, no discurso, como fatores

essenciais para o trabalho, pois participam as informações dos usuários para a

equipe de saúde e vice-versa.

“Então, assim, eu acho importante esse elo que nós temos,


porque nós estamos num lugar privado, que é a casa de cada
morador, e ali a gente tem a liberdade de tanto levar as
informações e de trazer as informações pra a unidade de
saúde” (ACS 9).

Lunardelo9 enfatiza que os ACS possuem uma particularidade

muito grande ao exercer suas funções, pois respeitam o território privado,

penetrando-o apenas com a permissão da família e fazendo grandes esforços

para preservar essa conquista.

Mediante todas as questões expostas, podemos considerar

que na ótica dos ACS, há uma valorização sobre a importância do seu papel à

população assistida, principalmente no que se refere à solução das

necessidades de saúde da população. Assim, fica ilustrado que ele sente-se

responsabilizado e comprometido com a fortificação do elo entre os serviços de

saúde e os usuários.
Considerações Finais 119
Considerações Finais 120

As propostas de construção e delineamento do papel dos ACS

no SUS têm sido estudadas por pesquisadores, que, ao se interessarem pela

temática, debruçam-se em conteúdos que envolvem as questões mais

subjetivas peculiares a estes profissionais, objetivando contribuir com a

qualificação do sistema de saúde do nosso país.

Pensar no trabalho dos ACS traz-nos inquietações, anseios,

dúvidas e conflitos, tanto pessoais como profissionais que envolvem questões

sensíveis ao nosso entendimento, como, por exemplo, vivenciar, no cotidiano

do trabalho, situações de pobreza, de desigualdade social, de violência, de

abandono e de doença.

Desta forma, o presente estudo teve, como objetivos,

identificar as representações dos ACS acerca de suas práticas de saúde,

conhecer as dificuldades sentidas pelos ACS no exercício da prática cotidiana

da assistência e desvelar como os ACS identificam a importância do próprio

trabalho, para a população assistida.

Ao mergulharmos nos discursos apresentados pelos sujeitos

de nossa pesquisa, pudemos observar que os ACS declararam, de forma

ostensiva, a importância do vínculo na sua prática diária. Na maioria dos

relatos, ficou explícito que, sem a credibilidade e a confiança das famílias e dos

usuários frente ao seu trabalho, não há efetivação de ações.

A importância dada pelos ACS no estabelecimento do vínculo

em relação aos usuários nos encanta e ao mesmo tempo nos preocupa, pois é

evidente, nos discursos, a dificuldade para o estabelecimento de limites entre


Considerações Finais 121

as ações exigidas pelo trabalho e a extensão da solidariedade inerente às

ações de saúde. Ficou evidenciado, neste estudo, que os ACS são capazes de

romper barreiras sociais, econômicas e até éticas, embora não esteja

estabelecido nenhum código para a profissão. No entanto esse ímpeto na

prática da assistência também pode favorecer os sentimentos de frustração e

de angústia, conforme foi demonstrado nos relatos ouvidos. Vemos que a

busca pela solução dos problemas encontrados na comunidade faz os ACS

confrontarem-se com a carência de ações resolutivas nos serviços, seja de

forma intersetorial ou no próprio serviço de saúde.

Outro aspecto desencadeador de fatores estressantes para os

ACS está relacionado à forma como os usuários são tratados pelos

profissionais que atendem na UBS. É evidente que esse confronto esteja

presente, pois, conforme declarado seu trabalho depende do vínculo com a

população, e então fica inaceitável que haja por parte de outros profissionais

comportamentos desumanos e desrespeitosos com os usuários.

Perante essa questão, compreendemos que se faz necessário

um melhor entendimento sobre as concepções dos profissionais de saúde,

sobre suas limitações, autonomia, conceitos, para, assim, facilitar a relação

usuário-paciente.

Portanto, nesta perspectiva da integralidade, propõe-se a

agregar nas ações de saúde, além de atitudes puramentes técnicas,

comportamentos e atitudes como olhares, escutas, dizeres, toques e

percepções que possam ajudar a identificar as dores, os sofrimentos, as

necessidades ou demandas de saúde.


Considerações Finais 122

De acordo com as falas dos sujeitos ouvidos e os princípios

teóricos que enfocam o acolhimento, o vínculo e a humanização, podemos

considerar que há necessidade de os serviços de saúde discutirem de forma

congruente sobre o assunto, com o propósito de melhorar a qualidade da

assistência e a resolubilidade das ações.

Para tanto, julgamos que é imprescindível o alerta para que os

ACS não sejam impelidos ou instigados ao domínio absoluto das questões

técnicas, o que já ocorre com eles em relação à pressão sofrida para contribuir

com o controle do mosquito Aedes aegypt. A dimensão técnica exigida para o

cumprimento dessas ações, estabelecidas pelo sistema local de saúde, como

também pelas diretrizes nacionais, pode ser um futuro elemento

desencadeador do distanciamento dos ACS das questões sociais e políticas.

Foi mencionado pelos sujeitos, como fator de estímulo,

satisfação e gratificação pelo trabalho, a resposta positiva dos usuários frente

às orientações de prevenção de doenças e de promoção da saúde. Os ACS

afirmam sentir-se úteis perante as mudanças favoráveis quanto às condições

de saúde e de vida dos indivíduos e de suas respectivas famílias,

principalmente quando estas foram desencadeadas pela sua prática de

assistência voltada às orientações na comunidade.

Entretanto essas ações desenvolvidas pelos ACS são, muitas

vezes, rejeitadas pelas famílias, o que dificulta e torna inoperante o cuidado

ampliado com as famílias.


Considerações Finais 123

A resistência e a rejeição das famílias frente aos ACS

desencadeiam sentimentos de frustração e sofrimento pelo trabalho, sendo

este um fator agravante, pois interfere no resultado final do cumprimento de

suas metas. Foi explicitado, através das falas dos sujeitos, que a relação entre

usuários e ACS consolida-se com o tempo de serviço, ou seja, quanto mais

tempo os ACS atuarem em determinada microárea, mais aceitação e sucesso

do seu trabalho eles terão para com a população de abrangência.

O trabalho que o enfermeiro desenvolve no PACS é

considerado pelos ACS como facilitador e articulador das relações dos usuários

com os demais membros da equipe da UBS e até com os próprios ACS. Além

disso, o saber clínico disposto pelo enfermeiro consegue, na visão dos ACS,

corresponder a uma parte das necessidades de saúde da comunidade, o que

os conforta frente ao sofrimento vivido pelas famílias.

Porém neste estudo foi identificado, pelos ACS, certa

deficiência em tal processo, pelo acúmulo de funções a serem desenvolvidas

pelos enfermeiros, uma vez que esses profissionais têm um número

exacerbado de famílias sob sua responsabilidade e conseqüentemente, uma

vasta dimensão dos problemas encontrados na comunidade.

Mediante essas questões, vemos que, acima de tudo, os ACS

não devem limitar-se a executar ações com enfoque meramente técnicos e

mecânicos, devendo ser o processo de qualificação e formação desses

profissionais, uma construção ampla e sólida, abrangendo conteúdos que

perpassem as dimensões sociais, políticas e técnicas.


Considerações Finais 124

Na busca pela valorização de sua identidade, os ACS tendem

a alimentar a dependência gerada pelo usuário em relação ao seu papel,

principalmente para favorecer-lhe o acesso aos serviços, seja para conseguir

medicamentos, consultas, exames ou qualquer outro procedimento.

A dificuldade do usuário em acessar os serviços também é

vista pelos ACS como aspecto dificultador do seu trabalho e, além disso, é um

fator de sofrimento no dia-a-dia de trabalho.

Um aspecto importante que emergiu em nossa pesquisa, está

relacionado ao bom entendimento e compreensão dos ACS sobre os princípios

e diretrizes do SUS, facilitando seu papel de mediador, educador e

comunicador perante os serviços de saúde e aos usuários.

Deste modo, podemos considerar que as políticas de saúde

especificamente voltadas à assistência do indivíduo ou da família no âmbito da

comunidade, os quais ocorre através da agregação dos ACS nos serviços de

saúde, ainda se encontram em construção e podem ser consideradas imaturas

as conclusões obtidas sobre as experiências existentes até o momento. Assim,

as diretrizes e as normas estabelecidas para tal, funcionam como norteadoras

desse processo, mas estão muito aquém, para responder questões mais

subjetivas encontradas na assistência ao indivíduo-família-comunidade.

Todavia, torna-se importante considerar que, antes de mais

nada, esses profissionais também são integrantes de outras relações pessoais

e sociais básicas, fundamentais para a manutenção do equilíbrio do seu estado

emocional frente ao trabalho. Assim, cada um procura, da forma como pode,


Considerações Finais 125

que considera melhor, e em que acredita, para dar conta das respostas jamais

encontradas nos manuais técnicos do Ministério da Saúde, ou nos protocolos

dos serviços, ou nas coordenações municipais ou nas recomendações das

próprias enfermeiras supervisoras. É a vivência e a experiência de cada ACS

que conduz a caminhos positivos e/ou de frustração do trabalho, sendo seus

parceiros muitas vezes encontrados nas igrejas, nas associações de bairro, ou

em outros espaços comunitários.

Acreditamos ser necessário desenvolver estudos que

contemplem tal temática para a perpetuação dessa discussão. Isso pode

impulsionar a busca de estratégias capazes de possibilitar a tão esperada e

desejada consolidação dos princípios do SUS, sobretudo no que se refere aos

aspectos abordados na universalização, integralidade e eqüidade.


Referências 126
Referências 127

1. Organização Mundial de Saúde. De Alma-Ata al año 2000: reflexiones a


medio camino. Ginebra: OMS; 1991.

2. Cunha JPP, Cunha RE. Sistema Único de Saúde. Princípios In: Brasil.
Ministério da Saúde. Gestão Municipal Saúde. Textos Básicos. Rio de
Janeiro; 2001. p. 285-304.

3. Brasil. Ministério da Saúde. Legislação do SUS. Lei 8.080/90 [homepage


da internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 1990 [acesso 10 ago 2006].
Disponível em: http://drt2004.saude.gov.br/dab/legislação.php

4. Brasil. Ministério da Saúde. Legislação do SUS. Lei 8.142/90 [homepage


da internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 1990 [acesso 10 ago 2006].
Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/legislação.php

5. Carvalho BG, Martin GB, Cordoni LJr. A organização do Sistema de


Saúde no Brasil. In: Andrade SM, Soares DA, Cordoni LJr, organizadores.
Bases da Saúde Coletiva. Londrina: UEL; 2001. p. 27-59.

6. Brasil. Ministério da Saúde. Norma Operacional Básica do Sistema Único


de Saúde/NOB-SUS 96. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. 6
nov 1996.

7. Duncan BB, Schmidt MI, Giugliani ERJ. Medicina ambulatorial: condutas


clínicas em atenção primária. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1996.

8. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Atenção Básica [homepage


da internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2006 [acesso 10 ago 2006].
Disponível em: http:// dtr2004.saude.gov.br/dab.

9. Lunardelo SR. O trabalho do agente comunitário de saúde nos núcleos de


Saúde da Família em Ribeirão Preto – São Paulo [dissertação]. Ribeirão
Preto: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2004.
Referências 128

10. Bodstein R. Atenção básica na agenda da saúde. Ciênc Saúde Coletiva.


2002; 7: 401-12.

11. Tomaz JBC. O agente comunitário de saúde não deve ser um “super-
herói”. Interface Comunic Saúde Educ. 2002; 6(10): 84-7.

12. Brasil. Ministério da Saúde. Legislação do SUS. Portaria GM 648, de 28


de março de 2006 [homepage da internet]. Brasília: Ministério da Saúde;
2006 [acesso 21 set 2006]. Disponível em: http://drt2004.
saude.gov.br/dab/legislação.php

13. Brasil. Ministério da Saúde. Legislação do SUS. Lei 10.507, de 10 de julho


de 2002 [homepage da internet]. Brasília Ministério da Saúde; 1990
[acesso 21 set 2006]. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/
legislação.php

14. Brasil. Ministério da Saúde. Legislação do SUS. Portaria GM 2.527, de 19


de outubro de 2006 [homepage da internet]. Brasília Ministério da Saúde;
2006 [acesso 13 dez 2008]. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.
br/dab/docs/legislacao/portaria2527_19_10_06.pdf

15. Silva JA, Dalmaso ASW. O agente comunitário de saúde e suas


atribuições: os desafios para os processos de formação de recursos
humanos em saúde. Interface Comunic Saúde Educ. 2002; 6(10): 75-83.

16. Wai MFP. O trabalho do Agente Comunitário de Saúde na Estratégia


Saúde da Família: fatores de sobrecarga e mecanismos de enfrentamento
[dissertação]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem, Universidade de
São Paulo; 2007.

17. Martines WRV. Compreendendo o processo de sofrimento no trabalho do


Agente Comunitário de Saúde no Programa Saúde da Família
[dissertação]. São Paulo: Escola de Enfermagem Universidade de São
Paulo; 2005.
Referências 129

18. Ferraz L, Aertes DRGC. O cotidiano de trabalho do agente comunitário de


saúde no PSF em Porto Alegre. Ciênc Saúde Coletiva. 2005; 10: 347-55.

19. Bachilli RG, Scavassa AJ, Spiri WC. A identidade do agente comunitário
de saúde: uma abordagem fenomenológica. Ciênc Saúde Coletiva. 2008;
13: 51-60.

20. Bornstein VJ, Stotz EM. Concepções que integram a formação e o


processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde: uma revisão de
literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2008; 13: 259-68.

21. Martines WRV, Chaves EC. Vulnerabilidade e sofrimento no trabalho do


agente comunitário de saúde no Programa Saúde da Família. Rev Esc
Enferm USP. 2007; 41: 426-33.

22. Ferreira ABH. Novo Dicionário Século XXI: o dicionário da língua


portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1999.

23. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo


Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas
de produção de saúde. 2ª ed. Série B. Textos Básicos de Saúde
[monografia da internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2006 [acesso 21
set 2006] Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/ arquivos/
pdf/APPS_PNH.pdf

24. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo


Técnico da Política Nacional de Humanização. Humaniza SUS: Política
Nacional de Humanização [monografia da internet]. Brasília: Ministério da
Saúde; 2003 [acesso 20 nov 2007]. Disponível em: http://bvsms.saude.
gov.br/bvs/ publicacoes/humanizaSus.pdf

25. Vaitsman J, Andrade GRB. Satisfação e responsividade: formas de medir


a qualidade e a humanização da assistência à saúde. Ciênc Saúde
Coletiva. 2005; 10: 599-613.
Referências 130

26. Matumoto S. O acolhimento: um estudo sobre seus componentes e sua


produção em uma unidade da rede básica de serviços de saúde
[dissertação]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem, Universidade de
São Paulo; 1998.

27. Merhy EE. A perda da dimensão cuidadora na produção da saúde: uma


discussão do modelo assistencial e da intervenção no seu modo de
trabalhar a assistência [monografia da Internet]. Belo Horizonte: Sistema
Único de Saúde; 2007 [acesso 20 março 2007]. Disponível em:
http://www.hc.ufmg.br/gids/perda.doc.

28. Merhy EE. O ato de cuidar: a alma dos serviços de saúde [monografia da
internet]. Campinas; 1999 [acesso 13 fev 2007]. Disponível em:
http://paginas.terra.com.br/saude/merhy/textos/Cinaematocuidar.pdf

29. Campos GWS. Modelos de atenção em saúde pública: um modo mutante


de fazer saúde. Saúde debate. 1992; 37: 16-9.

30. Freitas L. PSF como caminho: um olhar de quem cuida. 2ª ed. Santos:
Comunicar; 2006.

31. Malta DC, Ferreira LM, Reis AT, Merhy EE. Mudando o processo de
trabalho na rede pública: alguns resultados da experiência em Belo
Horizonte. Saúde Debate. 2000; 24: 21-34.

32. Franco TB, Bueno WS, Merhy EE. O acolhimento e os processos de


trabalho em saúde: o caso de Betim (MG). Cad Saúde Pública. 1999; 15:
345-53.

33. Ayres JRCM. Sujeito, intersubjetividade e práticas de saúde. Ciênc Saúde


Coletiva. 2001; 6: 63-72.
Referências 131

34. Faiman CS, Danesi D, Rios IC, Zaher VL. Os cuidadores: a prática clínica
dos profissionais de saúde. O Mundo da Saúde. 2003; 27: 254-7.

35. Fracolli LA, Zoboli ELCP. Descrição e análise do acolhimento: uma


contribuição para o programa de saúde da família. Rev Esc Enferm USP.
2004; 38: 143-51.

36. Schimith MD, Lima MAD. Acolhimento e vínculo em uma equipe do


Programa Saúde da Família. Cad Saúde Pública. 2004; 20: 1487-94.

37. Gomes MCPA, Pinheiro R. Acolhimento e vínculo: práticas de


integralidade na gestão do cuidado em saúde em grandes centros
urbanos. Interface Comunic Saúde Educ. 2005; 9(17): 287-302.

38. Chaves EC, Martines WRV. Humanização no Programa Saúde da Família.


O Mundo da Saúde. 2003; 27: 274-79.

39. Cecílio LCO. As necessidades de saúde como conceito estruturante na


luta pela integralidade e equidade na atenção em saúde. In: Pinheiro R,
Mattos RA. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à
saúde. 3ª ed. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2001. p. 113-25.

40. Stotz EN. Os desafios para o SUS e a educação popular. Uma análise
baseada na dialética da satisfação das necessidades. In: VER-SUS/Brasil.
Caderno de Textos [monografia da internet]. Brasília: Ministério da Saúde;
2004. [acesso 10 mar 2007]. Disponível em: http://bvsms.saude.
gov.br/bvs/publicacoes/CadernoVER_SUS.pdf

41. Cecílio LCO. O “trabalhador moral” na saúde: reflexões sobre um


conceito. Interface Comunic Saúde Educ. 2007; 11(22): 345-63.
Referências 132

42. Sena Chompré RR, Leite JCA, Maia CCA, Gonzaga RL, Santos FCO. O
acolhimento como mecanismo de implementação do cuidado de
enfermagem. Cogitare Enferm. 2000; 5: 51-7.

43. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca dos


valores que merecem ser defendidos In: Pinheiro R, Mattos RA,
organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à
saúde. 3ª ed. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro/Abrasco; 2001. p. 39-64.

44. Bogdam RC, Biklen SK. Investigação qualitativa em educação. Porto:


Porto; 1994.

45. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde.


9ª ed. São Paulo: Hucitec; 2006.

46. Gil AC. Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas S.A; 1996.

47. Bardin L. A análise de conteúdo. Rio de Janeiro: Edições 70; 1994.

48. Brasil. Ministério da Saúde. Norma Operacional de Assistência à


Saúde/NOAS-SUS 01/02. Diário Oficial da República Federativa do Brasil.
25 fev 2002.

49. Brasil. Ministério da Saúde. Legislação do SUS. Portaria GM 399, de 22


de fevereiro de 2006 [homepage da internet]. Brasília Ministério da Saúde;
2006 [acesso 13 dez 2008]. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/
sas/PORTARIAS/Port2006/GM/GM-399.htm

50. Queiroz MIP. Variações sobre a técnica de gravador no registro de


informação viva. São Paulo: Coleção Textos; 1988.
Referências 133

51. Lima MADS, Ramos DD, Rosa RB, Nauderer TM, Davis R. Acesso e
acolhimento em unidades de saúde na visão dos usuários. Acta Paul
Enferm. 2007; 20: 12-7.

52. Meira RMMBP. O agente comunitário de saúde: convergências e


divergências, na percepção dos próprios agentes, dos médicos,
enfermeiros e usuários do serviço [dissertação]. Botucatu: Faculdade de
Medicina, Universidade Estadual Paulista; 2008.

53. Peres CRFB. O trabalho do agente comunitário de saúde no município de


Marília – SP [dissertação]. Botucatu: Faculdade de Medicina, Universidade
Estadual Paulista; 2006.

54. Jardim TA. Morar e trabalhar na comunidade: a realidade dos agentes


comunitários de saúde [dissertação]. São Paulo: Faculdade de Medicina,
Universidade de São Paulo; 2007.

55. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática


educativa. 27ª ed. São Paulo: Paz e Terra; 1996.

56. Oliveira FA. Antropologia nos serviços de saúde: integralidade, cultura e


comunicação. Interface Comunic Saúde Educ. 2002; 6(10): 63-74.

57. Nunes MO, Trad LB, Almeida BA, Homem CR, Melo MCIC. O agente
comunitário de saúde: construção da identidade desse personagem
híbrido e polifônico. Cad Saúde Pública. 2002; 18: 1639-46.

58. Teixeira ER. A subjetividade na enfermagem: o discurso do sujeito no


cuidado. Rev Bras Enferm. 2000; 53: 233-9.

59. Guareschi P. Alteridade e relação: uma perspectiva crítica. In: Arruda A,


organizador. Representando a alteridade. Petrópolis: Vozes; 1998. p. 149-
61.
Referências 134

60. Machado AL, Colvero LA. O cuidado de enfermagem: olhando através da


subjetividade. Acta Paul Enferm. 1999; 12: 66-72.

61. Rodrigues MP, Araújo MSS. O fazer em saúde: um novo olhar sobre o
processo de trabalho na estratégia saúde da família [monografia da
internet]. [acesso 10 jan 2008]. Disponível em: [http://www.observatorio.
nesc.ufrn.br/texto_polo05.pdf].

62. Fortes PAC, Spinetti SR. O agente comunitário de saúde e a privacidade


das informações dos usuários. Cad Saúde Pública. 2004; 20: 1328-33.
Apêndices 135
Apêndices 136

APÊNCIDE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Para a realização da pesquisa “O AGENTE COMUNITÁRIO DE


SAÚDE: REPRESENTAÇÕES E DIFICULDADES ACERCA DA PRÁTICA
COTIDIANA DA ASSISTÊNCIA", há a necessidade de se utilizar a entrevista
como técnica de pesquisa. Serão entrevistados Agentes Comunitários de
Saúde, integrantes das equipes do Programa de Agentes Comunitários de
Saúde, alocadas nas Unidades Básicas de Saúde de Lins. Este estudo tem
como objetivos identificar as representações dos Agentes Comunitários de
Saúde (ACS) acerca de suas práticas de saúde, conhecer as dificuldades
sentidas pelos ACS no exercício da prática cotidiana da assistência e desvelar
como os ACS identificam a importância do próprio trabalho, para a população
assistida.
A participação nesta pesquisa é voluntária, podendo o entrevistado
não concordar em participar dela, e finalizá-la antes, ou mesmo durante a
entrevista. O entrevistado poderá, se quiser, tomar conhecimento do
andamento do trabalho ou sua finalização, sendo, para tanto devidamente
informado dos meios necessários para fazer contato com a entrevistadora.
A concordância em participar da pesquisa implica a possibilidade do
uso das informações para divulgação em âmbito científico, sendo garantido o
sigilo e o anonimato de todos os participantes.
A entrevista será gravada e posteriormente transcrita, para melhor
análise dos dados. Os sons gravados não serão apresentados e as fitas serão
destruídas após a transcrição.
Assim sendo, Eu__________________, Identidade n _________,
após ter lido, recebido todas as explicações e esclarecidas todas as dúvidas,
concordo em participar dessa pesquisa.
________________________________________
Local e data

___________________________ _______________________________
Pesquisadora Entrevistado
Marilisa Baralhas
Rua da União, 28 Cep 16400-515
e-mail: baralhas@uol.com.br tel: 9739-0619
Apêndices 137

APÊNDICE B - ROTEIRO PARA ENTREVISTA

A. Dados de Identificação

Nome (iniciais): ________________________________________________


Sexo: ________________________________________________________
Idade: ________________________________________________________
Escolaridade: __________________________________________________
Estado Civil: ___________________________________________________
Religião: ______________________________________________________
Há quanto tempo trabalha no Programa de Agentes Comunitários de Saúde
(PACS): ______________________________________________________

B. Questões Norteadoras

1. O que você acha mais importante na sua prática cotidiana?

2. Quais são as principais dificuldades em executá-la?

3. Como você identifica a importância do seu trabalho para a população


assistida?
Apêndices 138

APÊNDICE C - TRANSCRIÇÃO DOS DISCURSOS DOS SUJEITOS DA


PESQUISA

ACS 1

1ª. QUESTÃO:
É o vínculo que o ACS tem com a família né? E esse respaldo que a gente está
dando entre as orientações quanto a prevenção, promoção. Esse elo também que
a gente faz entre a família e o serviço de saúde.

2ª. QUESTÃO:
A falta de respaldo que eu encontro junto aos profissionais de saúde da UBS,
porque a gente faz o trabalho casa a casa e quando eles vêm pra UBS eles
encontram dificuldade de atendimento, a falta de educação, a falta de vaga, são
mal tratados às vezes por profissionais de saúde como médico. Então esbarra
nisso o meu trabalho. Dificuldade…

3ª. QUESTÃO:
Eu acho que é de suma importância o papel do Agente Comunitário porque no que
diz respeito a prevenção, a promoção e o vínculo que ele é, acaba adquirindo com
o ACS, que eles ficam muito assim, dependente do ACS, as pessoas idosas que
eu mais acompanho, né? Então eles sentem falta quando a gente ta em férias ou
faz um trabalho fora, eles sentem muita falta.

ACS 2

1ª. QUESTÃO:
A minha importância, eu acho muito importante, deu leva às famílias a prevenção,
né? Prevenir sobre as doenças antes de acontecer, se não depois de acontecido a
gente vai fala, orienta, passa orientação tanto pra pessoa, pro paciente, como pra
família. A prevenção. Você tem que prevenir antes de acontecer, não é?

2ª. QUESTÃO:
As principais dificuldades, pra mim é e não é. É em partes assim: os acamados. Os
acamados porque não é que ela não queira. É muitos acamados pra enfermeira
cuidar e não dá tempo, né? Então assim, é isso daí o porém. Ai, é, não veio, já deu
o mês, não é que é muitos não dá mesmo pra ela da conta. Pra uma enfermeira
só não dá. E também a dificuldade é no balcão, o mau atendimento. As pessoas
não sabem explicar, orientar o paciente direito. O paciente já vem com problema,
chega aqui, toma né? Uma resposta, que coitado sai chateado. Porque a gente
que vai no dia a dia na casa a gente encontra, mais a gente vai indo com uma
conversa aqui, sabe explica, porque a gente sabe como é que é, e no fim, se trata
melhor e se precisa duma consulta, que não seja rápido, se for por uma coisa
assim que ela dá pra espera, a gente conversa com a diretora do posto, ela
carimba e a gente vai no balcão marca, mas no dia que pode, né? Mais… A
dificuldade ta tanto da enfermeira ir visita os acamados e no balcão o mau
atendimento.
Apêndices 139

3ª. QUESTÃO:
Ah, eu acho assim, que eu sou muito importante sim, porque eles passam a ter
confiança em mim, passando todos os seus problemas, que a gente acaba
resolvendo tudo os problemas deles numa simples conversa com eles ali. Então,
eu sou importante sim, porque eu to ali, eu to vendo o que ta acontecendo, o
problema daquela família. A família gosta muito do que eu faço e até fala que eu
estou demorando demais, mais não é. Uma vez por mês, só se ela precisa mais, a
família precisa mais, a gente volta várias vezes. Agora nisso eu me acho sim muito
importante fazer o meu trabalho. Eles passam, a conversar ali comigo, vai e eles
falam que eles gostam muito do meu jeito porque eu sei resolver o problema deles.
Confiança. Se eu falo assim brincando com eles assim, ah eu vou sair dessa área,
eles falam que vão fazer baixo assinado pra mim não sai.

ACS 3

1ª. QUESTÃO:
Olha, o que eu acho muito gratificante, assim como Agente Comunitário de Saúde,
é assim… O convívio com a população, com a comunidade. A gente torna assim
uma família na nossa microárea. É a gente sai de férias um mês a gente não tem
sossego, fulana chama, porque ali ela acostumou tanto que um mês faz falta.
Então importante assim pra mim, saber assim, por exemplo, lá na casa da Dona
Sebastiana, olha você estava de férias, o seu Joaquim quebrou a perna, meu
Deus, coitado. Então, não é o trabalho em si, é a família que a gente cria. É eu sou
suspeita falar né?… Eu gosto muito, eu gosto mesmo, eu vou de coração.
Você acha que esse vínculo é pra você… Não, é muito importante. É assim, a
gente se torna tão da família, que a gente não vai assim às vezes como uma
Agente Comunitária. A gente ouve tanta coisa, a gente sofre junto, a gente fica
sabendo… de tudo, como se fosse na nossa casa os problemas. Sabe às vezes, a
confiança adquirida é demais, porque às vezes uma mãe não fala um problema pra
filha… Não é amiga da filha, como é amiga da gente. Às vezes você chega numa
casa a pessoa fala assim: espera um pouquinho, minha filha vai trabalhar, eu
preciso conversar. Olha, eu estou assim com problema, eu acho que eu estou com
uma doença venérea, eu não entendo. Mas a senhora não fez o Papanicolaou, que
a gente insiste todo ano de fazer? Ah, eu fiz. Quando eu fiz não tinha nada, mas
agora estou vendo um negócio estranho. Então a gente vai marcar uma hora no
ginecologista, a senhora vai? Eu vou, olha, mas não deixa minha filha ficar
sabendo. Então a confiança… é muito bom. É muito gratificante, eu acho que…
por isso que eu falo que, o Agente Comunitário de Saúde, eu não. Eu acho que eu
já estou no fim de carreira, mas é uma coisa que nunca pode acabar. Está dentro
das casas pra pessoa poder se abrir… E o acompanhamento dos diabéticos,
gestante, o hipertenso… é muito importante. Às vezes, que nem você acompanha
uma criança, igual eu tenho na minha área. Eu acompanhei a gestante, porque ela
deficiente física, ela teve paralisia, teve uma gravidez terrível e aí ela teve nenê
prematuro. A Dra. S. fazia eu ir todo o dia lá… Ó vai todo dia ver se está
amamentando, e aí você segue a criança, segue a criança vai tendo um aninho.
Agora um ano e onze meses a criança não anda, já mandei fisioterapia. Eu
cheguei lá… mas porque essa criança não ta andando? Olha o meu marido vive na
droga e eu deficiente, como eu vou levar lá no Salesiano? Agora eu to
conseguindo fazer a fisioterapia domiciliar… É umas coisas assim que você deita
tranqüila…Sabe e a gente sofre junto. Você lembra no curso que eu te falei: me
ensina eu escrever Alzhaimer, que eu escrevi errado. Eu perdi aquela pessoa, ela
morreu. Então a gente sofre. De tanto a gente ficar junto, parece a mãe. Ó ontem a
tarde eu estava num velório, de uma que nem era da minha área, só ia levar
medicamento, né? Ajuda… E a gente sofre como se fosse um da família.
Apêndices 140

2ª. QUESTÃO:
Bom, a maior dificuldade é você tentar educar o morador. Com essa epidemia da
dengue que está tendo em Lins, é uma coisa triste, porque mesmo na nossa
micro-área que você passa todo o mês, o mês que a gente entra olha, agora com
nós fizemos o arrastão, nós só estamos orientando. Mas nós como conhecemos
nossa micro-área, a gente já sabe que numa determinada casa, você não pode só
orientar, você tem que dar uma disfarçadinha e dar uma entradinha. Mesmo com o
arrastão, a gente tem que dar uma olhadinha naqueles quintais que a gente
conhece. Porque está difícil educar a população.

Pra que eles mudem o comportamento? Muda, porque hoje eles botam
reciclados e a gente vai pro arrastão tiramos tudo, e a gente volta, ta a mesma
coisa. Então, uma das dificuldades é essa: educar a população. E a dificuldade
que a gente também tem, é assim, a gente queria ajudar, coisas que a gente vê
que o SUS oferece e que tudo se torna muito difícil.O acesso? Chegar até lá, isso
é difícil também… E…

Seria o respaldo também? Até o remédio, que a gente conhece a população,


principalmente ali onde a gente está todo o mês, a gente sabe que a pessoa é
pobre, que a pessoa não tem condição de comprar o remédio. O difícil é até pra
pedir pra prefeitura, pra ajudar. Olha, ela é deficiente, está na cadeira de rodas, e
ela precisa tomar um determinado remédio pra dor, e é difícil isso. É uma coisa
que deixa a gente bem triste, sabe? A pessoa está precisando, e as vezes a gente
vê até um que pode, conseguindo o que a Agente Comunitária luta e não
consegue.

Alguma outra questão? Não eu acho assim, a dificuldade maior, é ver assim que
a gente não tem uma…, um respaldo mesmo. Se a gente tivesse aqui uma pessoa
pra gente conversar. Nós temos aqui, a assistente social que agora é uma
maravilha, a A. tenta ajudar… E… é difícil. E a falta de médico também, às vezes
a gente vai na área vê a pessoa doente, a gente tenta ajudar. No balcão a gente
encontra muito…

Quando você está perante a uma situação desta, o que você sente? Eu corro
atrás, pergunta pra Z., que ontem era nove e meia da noite eu tava falando como
marido dela, porque a mulher teve paralisia facial… Um remédio eu encontrei aqui
no posto o outro eu não achei, aí eu fico atrás da Z., ela fica atrás de remédio pra
mim não vai achar Benerva eu acho outro com os mesmos sais, com outro nome.
É assim correr atrás. Às vezes o papel do Agente Comunitário é ter dó e comprar
o remédio, tirar do bolso, chegar… e como a gente vive em comunidade na igreja,
fala gente tem fulana que está precisando de uma cesta básica, tem pessoa que
está precisando de fralda, mobiliza a população pra ajudar a gente naquele caso.
E a sorte que a gente está numa micro-área tão boa que a gente já está a tantos
anos que a gente consegue.

3ª. QUESTÃO:
O meu trabalho, olha depois de tanto tempo que a gente ta, a gente percebe a
importância do nosso trabalho pra eles, pelo o que eu te falei, da gente estar de
férias e eles sentirem muita falta. De mandar ligar, mandar perguntar e de falar dá
uma vontade de botar uma faixa de seja bem vindo. Isso é gratificante, mas
também na… A gente encontra muito hipertenso, muito diabético que não tem
acompanhamento e a pessoa vive mal e a hora que a gente fala: não vamos no
médico fazer um acompanhamento, e depois já é dependente da insulina, a gente
consegue aquele aparelhinho. A importância da moça, da enfermeira. Olha na hora
que a gente chega com a enfermeira numa casa, é difícil você não ouvir: um anjo
chegou, de tão carente que a população é, tantos problemas. Então, assim às
vezes você pega uma… que nem desse que eu falei do menininho, você sabe que
a mãe é uma deficiente, que não anda, grávida. Então, ali ela demonstra aquela
Apêndices 141

confiança, parece que a hora que a gente chega pra falar o pouco que a gente
sabe, a atenção que ouvem. É lógico que na nossa profissão tem muitos ossos
também a gente ouve muito não, né? Mas mais gratificação do que… A gente até
ouve falar que não se vive mais sem você eles falam. Nunca fomos chamadas de
Agente Comunitária, é as moças da dengue. Pegou, não tem como… ficou.

ACS 4

1ª. QUESTÃO:
Eu acho que tudo é importante, uma coisa completa a outra. Eu acho que as
visitas assim no dia a dia são bastante importante, principalmente, bom no meu
ponto de vista que são os acamados, doentes, né? E eu gosto assim muito de
trabalhar com as gestantes, porque se nesse tempo não passar as informações
corretas, passa em branco né? Sem todas as informações.
O que é ser Agente Comunitário de Saúde para você? Ah, eu acho assim que
eu sou útil, que eu sou bastante útil, porque a gente é útil para as famílias, porque
qualquer tipo de informação que você leve eles ficam tão gratos porque eles são
tão desinformados, desencontrados em situações assim, uma pequena ajuda que
a gente dá pra eles clareia a mente deles, a visão de como se proceder, de como
fazer. Eu acho que nós somos importantes, né? Eu acho que a gente é bastante
útil. Eu amo o que eu faço.

2ª. QUESTÃO:
Ah! Os obstáculos são bastante, porque até um certo ponto a gente consegue
caminhar, depois a gente é barrado, porque dali pra frente não tem o que fazer e
como fazer e às vezes fica parado né? O que a gente começa e precisa assim de
outras Secretarias, de outras né? Pra poder funcionar, pra poder ir pra frente o
nosso trabalho muitas vezes a gente precisa de outras Secretarias e muitas vezes
não acontece isso.
Você tem algum exemplo? Às vezes a pessoa que precisa de um médico né?
Vamos supor assim, que precisa de uma especialidade, demora bastante, é
complicado né? Igual os programas que eles arrumam também, que a Prefeitura
faz, aqueles programas. A gente encaminha, vai atrás e às vezes não é resolvido,
é parado por ali. A gente vê o sofrimento das pessoas né? O quanto é duro, vai,
volta, vai, volta. A gente fica… Eu fico meio deprimida, porque por não poder
ajudar mais, né? Porque são obstáculos que às vezes não tem fim, não tem, não
dá pra ir. A gente não tem pernas pra ir até lá. A gente não pode né? Fazer...
Sem solução o problema. E a gente fica triste. Eu aprendi uma coisa muito boa
com o Dr.A., ele sempre falava: G. você não pode ficar assim, as coisa são assim
mesmo. Precisa né? Ter paciência, tudo resolvido. Mas tem situações que
precisava ser de imediato né?

3ª. QUESTÃO:
Ah, quando a gente passa as orientações, quando a gente chega na casa leva as
informação pra eles assim correta. Quando a gente não sabe, a gente busca essa
informação e volta lá na casa não você pode proceder assim, assim, assim dessa
maneira, vai dar certo, vai ser o melhor caminho pra você e que eles recebem
essa luz, eles ficam muito feliz, eles ficam contente, porque às vezes fica meio
parado não sabe como proceder, como fazer. Como se fosse uma luz, né? Pra
eles, né? Eles agradecem e eles ficam muito agradecidos. Ficam felizes. Às vezes
Apêndices 142

querem dar até presente pra gente, né? Eu tenho que falar que não eu só fiz o
meu trabalho. Eu fiz o que eu tenho que fazer. Eu recebo pra isso, não precisa se
preocupar com nada. Só de você me receber na sua casa, como você recebe. Eu
também fico agradecida porque eu tenho que passar aqui todo o mês, mesmo que
tiver tudo bem, que não precisar de mim, mas eu tenho que vir, ver a família como
está, se vocês estão bem, se estão todos bem, se as crianças estão na escola. Só
de vocês também passarem essas informações, que a gente tem que passar né?
Para a coordenação, a gente também fica feliz, fico agradecida, e fico mais feliz de
ajudar a resolver o problema né? Às vezes eles pensam sabe que a gente pode
estar recebendo alguma coisa em troca e a gente deixa bem claro que não, que a
gente ganha pra isso, pra fazer esse serviço de levar a informação, de está
orientando, eu acho que… eles falam bastante. Eu já fazia esse serviço assim
mesmo sem ganhar, a gente trabalhava na Pastoral na igreja, então eu já fazia
isso gratuitamente, o fato de acompanhar os doentes, os acamados. Então é uma
coisa que eu gosto de fazer sabe? Quando as pessoas precisam a gente pode de
estar ajudando e com o trabalho ficou melhor ainda, né? Ficou tudo de bom.

ACS 5

1ª. QUESTÃO:
O que eu acho mais importante? Eu acho…Pra mim o mais importante é ver os
pacientes, que é assistido por mim, mais …Tudo né? Aí quando você vai na casa
pra ver uma pessoa hipertensa, diabética, aí você vai lá e já atende a família como
um todo, né? Aí você já olha dengue, leishmaniose, mais… o principal pra mim é a
família mesmo. A família, a gestante, a criança…pra mim. Porque dengue a gente
passa a informação né? Mas eu acho que a gente tem que correr atrás da saúde
mesmo dos pacientes da gente.

Quando você fala a família, que você acha importante a família, aí você falou
dos aspectos que você observa na família. Existe mais alguma outra coisa
que você gostaria de acrescentar? É igual quando a gente chega pra fazer uma
visita, você chega, você fala: hoje eu vou fazer oito, dez visitas. Aí você chega e
faz uma, porque… você chega… hoje eu fiz uma. Cheguei na casa, a pessoa
estava precisando conversar, ela foi pra Bauru porque ela está indo fazer cirurgia
no olho. Então eu fiquei lá, eu fiz uma casa! Foi o que eu consegui fazer! Eu me
planejei pra oito e fiz uma, porque… porque ela queria conversar, queria me contar
tudo o que aconteceu com ela. Aí ela me mostrou o quintal, aí ela falou pra mim
arrumar saco pra ela, era pra mim dar recado pro neto dela, e eu fiquei lá… um
tempão! Eu planejo uma coisa e sai totalmente diferente. Então não adianta falar
aí… trabalhar igual uma máquina. Eu falo pra todo mundo não adianta você ser
uma máquina. Você tem que trabalhar… quando eu sair pra trabalhar, faço o tanto
que der pra mim fazer, porque eu não sou agente da dengue, eu sou agente de
saúde!. É o que eu priorizo. É o que eu acho né?

2ª. QUESTÃO:
Eu nunca tive dificuldade, mas agora eu estou tendo. Eu estou com um gestante
de doze anos… Estou com uma gestante que quer ver o capeta, mas não quer me
ver. Não conheço a mulher, vi ela uma vez, cadastrei, ela não quer passar os
dados, vou na casa dela ela não me atende. Mas o resto nunca tive dificuldade.
São só essas duas mesmo.
Apêndices 143

E isso representa o que para você? Pra mim parece que o meu serviço não está
valendo nada. Olha que eu fui lá, expliquei para ela. Falei pra ela do meu serviço,
que eu podia ajudar ela mais pra frente, quando o neném tivesse nascido. Pra ver
uma data de vacina, se tivesse um remédio que ela tivesse que passar no médico
eu trazia o remédio pra ela. Mas mesmo assim, ela não quer… ontem eu passei
na casa dela o filho dela falou pra mim que estava de oito meses já…e eu vi ela
no primeiro mês, ano vi mais! E outra coisa também, nós não somos Agentes de
Saúde… quando a gente entrou a gente não podia marcar consulta para nos
pacientes da gente, que é idoso, que é hipertenso, que é cadastrado… só que
agora a gente está sendo barrado. Isso afeta, porque você chega na casa quando
a gente começou passar você podia fazer, você sabia o que você podia fazer.
Agora as pessoas falam: Ah você pode? Ah não posso porque não está podendo
mais. Com que cara você fica? O outro pedaço ficasse a desejar. O ano
passado… Igual a vacinação, o ano passado, acabou a campanha, tem assim as
outras pessoas que não tem sessenta anos, mas tem menos saúde, podia tomar.
A minha neta… faz quatro anos que ela toma. Esse ano a A.P. falou que ela não
ia tomar. É indicado pelo médico, a Dra. Z. já deu a carta. Falou para ela tomar
sexta-feira. É muita burocracia! Tanto de a gente sair daqui, ir lá pra escola. Ali é
apertado? A gente sabe que é. Só que os pacientes da gente procura a gente
aqui… e aí? Vai procurar a gente aonde? Aqui a gente está sendo barrado
demais, mas só aqui… todas as UBS não tem um monte de agente de saúde,
porque só aqui… que estão querendo barrar a gente? Eu não acho justo a gente ir
para a escola. Tanto que as vezes eu falo pra Helena… porque não dá. Eu sei que
pra ela é difícil, que pra ela aqui tem muito mais serviço, não dá pra ela fazer visita
pra todos os pacientes, mas pra nós… o nosso relatório fica aqui, a gente vai levar
os nossos relatórios pra onde? Pra escola? Não tem jeito. Mas pra mim o que está
sendo pior mesmo é essas duas gestantes… Como que eu oriento uma pessoa
que está… ela tem anemia. Aquela anemia de pessoa escura, como é?
Falciforme? Falciforme? Ela tem anemia falciforme, tem que tomar, sulfato
ferroso e… aquele outro… como é que chama?
Ácido fólico? Ácido fólico. Deu uma infecção super brava na bexiga dela, ela não
tomou o remédio. Eu já fui na casa dela… Eu passo na casa dela um dia sim um
dia não. E ela é resistente… Briga com a mãe, briga com o pai, briga com todo o
mundo. Só comigo que ela não brigou ainda.

3ª. QUESTÃO:
Bom, pra mim é quando eles chegam em mim e fala: muito obrigado, deu certo!
Só isso! Pra mim não precisa mais nada! Eles falam assim: no final do ano eu vou
te dar um presente. Eu falo assim: não quero nada… você pedindo pra Deus pra
mim está ótimo, pra mim continuar do jeito que eu estou, louca, né? É importante.
É igual se você pede alguma um negócio pra mim. Eu vou lá… se não der pra eu
fazer hoje, eu tento fazer amanhã. Aí você chega em mim e fala: Mônica obrigada!
Não precisa mais nada. É o agradecimento, só isso… não quero mais nada de
ninguém. Eu graças a Deus sou reconhecida no meu trabalho, sou meio chata,
sou louca. O povo gosta de mim. Você foi na minha área, você sabe.
O que é ser Agente Comunitária de Saúde pra você? (Silêncio). Eu gosto de
ser agente, né? (Silêncio). Sei lá, pra mim ser agente quer dizer tanta coisa.
(Silêncio).
Tem alguma coisa que resume tudo o que você faz? O que é estar com as
famílias, o que é estar com as pessoas? É fácil, é difícil? Não, não é fácil. Não
é fácil não. Mas, também não assim aquele bicho de sete cabeças que não sabe
contornar. Pra mim, ser agente comunitário você tem que ter várias coisas. Você
tem que ter perfil, né? Ter ética, não sair daqui e falar ali na casa do vizinho o que
aconteceu na casa do outro. E gostar do que faz. Eu gosto. Quando você gosta,
Apêndices 144

você gosta, quando você não gosta, não tem jeito. Eu gosto do que eu faço. Eu
sou briguenta, sou, mas eu gosto. Porque ah, você leva o remédio, aí você fala
assim: você toma o remédio assim, assim, de oito em oito horas. Igual a gente
estava conversando aqui com a moça da farmácia. Eles pensam que oito horas,
de oito em oito horas, é tomar agora e daqui três horas toma de novo, depois
daqui três horas toma de novo, o remédio não vai fazer efeito. Tem casas que
você tem que ir olha: você toma o remédio assim, você toma o remédio assim,
você toma o remédio assim. Tem que explicar, se fala que é de doze em doze
horas, eles pensam que doze horas, eles tem que tomar assim o dia inteiro. Doze
horas naquele dia. Então você tem que explicar. E tem gente aqui tem que
explicar certas coisas também. Ser agente de saúde eu acho que tem que gostar
principalmente… tem que lidar com… doenças, internação, aborto. Minha
gestante está grávida de novo, aquela uma, está de quatro, vai fazer quatro
meses. Sabe aquela uma que eu falei pra você no curso, que ela já estava de
novo meses e ela foi pra ter neném e o neném estava morto. Ela está de quatro
meses!

ACS 6

1ª. QUESTÃO:
É assim, no dia a dia, eu acabo assim ajudando sem problema de alguma forma
ou de outra, né? Principalmente as pessoas mais carentes e são menos
informadas. É… Pode dar um exemplo? Por exemplo, tem… agora que eu estou
nesta área nova, tem idosos que estão comprando remédio, sendo que assim pelo
SUS é de graça e eles compram remédio. Porque os filhos é… trabalham não tem
tempo, por algum motivo, compram na farmácia lá os remédios deles, né? Passam
uma vez por ano no médico deles, já sabem que tem que tomar a medicação pra
pressão alta e vão e não… né? Às vezes reclamam porque… os idosos reclamam
que ganham pouco e tudo mais, né? Então a gente acaba ajudando de uma forma
ou de outra, a gente acaba descobrindo muita coisa, né? Que eles… problemas
deles e a gente está sempre procurando ajudar.

2ª. QUESTÃO:
Silêncio. Ah, nem sempre a gente tem o apoio, né? Que a gente pelo menos acha
que deveria ter né? Aqui na unidade, por exemplo, é… a gente encontra muitas
dificuldades nessa unidade. Dificuldades, a gente é… Um idoso que a gente
encaminha pra cá, muitas vezes ele não é bem atendido e tudo que acontece… A
gente coloca a nossa cara lá na rua e então tudo de mau que acontece nos somos
os primeiros a estar ali ouvindo, as coisas, as primeiras queixas, né? O mau
atendimento, uma mal acolhida, nós somos os primeiros a estar ouvindo essas
queixas, né? E… são essas dificuldades, não tem retorno do nosso trabalho. Não
sei se você entendeu?
O que isso significa pra você? Eu fico frustrada, eu acho que o meu trabalho
não está sendo bem… não está sendo reconhecido. E deixa de dar andamento
também no processo. Às vezes é uma coisa até simples e o idoso fica andando
tanto… e não tem né? Silêncio.
O que isso causa em você? Olha… a gente fica chateada, revoltada. As vezes é
uma coisa simples que poderia ser resolvido com papel, com poucas palavras e
de repente, né? Uma coisa que ficou… a pessoa o tempo todo andando… A gente
pensa mais assim nos idosos, porque eu adoro idoso, né? Eu amo eles. E às
vezes, eles já têm aquela vida sofrida e as vezes a gente quer ajudar… Silêncio.
Apêndices 145

3ª. QUESTÃO:
Silêncio. Ah, quando eles conseguem alguma coisa, né?. Um encaminhamento
que foi… bem sucedido né? Que ele teve respaldo. Então eles vêm e agradecem
a gente. E as palestras também é muito gostoso, e eles… vê o carinho deles pela
gente. Nessa sexta-feira da… nessa palestra da leishmaniose para as crianças,
eles falaram: tia… Olhando assim pra gente: eu gostei tanto! E é bom… depois a
gente encontrou uma mãe e a mãe falou, a mãe da criança que estava na
palestra: ele chegou contando em casa e do bichinho da leishmaniose, o que tem
que fazer e então… As crianças eles gravam e passam isso depois, né?
Mais alguma outra consideração? No caso da dengue e da leishmaniose, né? A
gente bate muito nisso com as pessoas, né? Aí o pratinho que eles ou furaram,
né? E está lá com terra, né? Isso pra mim é uma forma de, né?… Eles
entenderam o meu trabalho, né? E eles estão respeitando, né? Eu acho
bonitinho, quando eu chego lá, está tudo… Os pratinhos com terra, os que não
estão com terra, eles falam: olha eu furei! Eu acho super legal!
E o que é ser Agente Comunitária de Saúde pra você? Então, estar levando
informação, sobre… é… prevenção das doenças, das coisas que estão
acontecendo aí, né? Exames preventivos, estar levando essa informação para as
pessoas mesmo. Do meu jeito assim eu tenho conseguido passar, as informações
e o que a gente acha necessário para aquela determinada família.

ACS 7

1ª. QUESTÃO:
Mais importante... é o vínculo que a gente tem com a família, né? São sete anos,
que a família tem muita confiança, ela é capaz de falar coisas assim que você
nem imagina que a pessoa vai te falar, né? Você leva até um susto. Fala: nossa!
Está confiando isso, né? Pra mim... Então eu acho mais importante é o vínculo.

2ª. QUESTÃO:
Barreiras? (Silêncio). Ah... Às vezes você não conseguir assim, resolver o
problema daquela família, de você num... Sabe? Tem aquela barreira assim, não
tem jeito, você não consegue... Tem muita dificuldade. Porque apoio a gente tem,
né? Mas não é tudo que a gente consegue resolver, né? Então...
Seria a questão da continuidade do seu trabalho? É… E às vezes também a
gente tem dificuldade nas famílias que tem, por exemplo, convênio médico. Eu
tenho mesmo uma família que a moça, ela está numa depressão profunda, e ela
está tratando pelo convênio, mas eu falei pra ela: você não quer ir para o SUS?
Pra ver se tem um jeito, porque já faz vários tempos que ela está assim. E ela está
no fundo do posso mesmo. Eu falei: quem sabe, você no SUS você vai ter…?
Porque o CAPS ele está, né? Já assim capacitado, pra tratar. Então eu estou
tentando… Esse aí é o meu dilema, agora dessa semana foi esse. É uma
dificuldade! Eu estou tentando que ela queira vir mesmo para o SUS, pra gente
conseguir que… ela sai desta!
Apêndices 146

3ª. QUESTÃO:
A gente faz né? As nossas… né? Conversa com as famílias, tem as visitas, tudo…
E a pessoa mesmo fala pra gente, né? Agora a campanha de Papanicolaou, é…
está sendo muito importante, as mulheres estão vindo, porque está abrindo pra
elas num horário que elas não trabalham, e a gente está avisando elas estão
agradecendo muito… E elas sentem falta. Eu fiquei afastada, fevereiro, depois
março, né? Da metade, pra estar trabalhando só na dengue. Entrei de férias,
então eles iam na minha casa, perguntar né? Se eu tinha saído, e agora minhas
visitas, estão assim… estão sendo longas, porque eles querem falar tudo, né?
Esse tempo perdido, e elas gostam muito, agradecem muito mesmo!
Agradecem o seu trabalho? É o meu trabalho, de ter agente. Elas falam que a
gente é o anjo da guarda delas… Então é muito importante!

ACS 8

1ª. QUESTÃO:
É poder ajudar as pessoas, né? Poder ajudar as pessoas… é… apesar assim, de
ser importante você estar levando as informações e tudo…, mas quando você
pode ajudar de uma maneira mais eficaz, assim…
Estar nas casas? Nas casas, nas orientações, ou quando a pessoa mesmo
conversa com você e se abre de um problema ou outro.
Ajudar para você é o mais importante? Mais importante, né? Porque às vezes a
gente fica tão preocupada assim, com o número de visita, tem que fazer… tem
que fazer… Mas não é um trabalho mecânico. Você tem que ver que ali o
importante é a pessoa… né? Fundamental a pessoa… que não é o numero da tua
família, mas sim uma família mesmo.
Isso é o essencial para o trabalho de Agente? É… Porque assim, se você vai lá
e faz aquela visita relâmpago, entendeu? Só despeja as coisas para a pessoa,
olha o quintal e tudo e vai embora… sei lá… pra mim… né? Não ia ser um
trabalho bom. Você tem que ver se… se a pessoa… é… entendeu, ou se a
pessoa está com outro problema… Por exemplo, você vai na casa, está tudo
impecável lá, você não tem muito assunto, mas se a pessoa está com problema,
por exemplo, de depressão, ou um problema entre casal, alguma outra coisa e
você pode estar ajudando, as vezes simplesmente escutando… então o seu
trabalho foi válido… não é? Porque se não tem nada de dengue, não tem nada de
leishmaniose, não tem HA, não tem DIA, não tem nada. Você entra e sai…
vazia… Não é importante?

2ª. QUESTÃO:
É a aceitação da pessoa, né? Ela querer te atender… né? Porque eu encontro
isso na minha área em algumas casas, assim que não querem me atender,
mesmo depois de tanto tempo, né? Quatro anos e pouco… e a pessoa não quer te
receber… ou fecha toda casa pra te atender só no quintal, entendeu? Então essa
é a maior dificuldade. Você tem que ficar pedindo todo o mês para entrar,
entendeu? Já tem uma que: Ah! É você. Tudo bem, entra…Você já entra pela
sala, já sai pela cozinha e já vai no quintal, pronto! Está resolvido, né? Mas não…
Apêndices 147

fecham a porta mesmo, prendem o cachorro dentro de casa… pra você não entrar.
Então é duro…
A maior barreira que você encontrou foi essa? É essa. Mesmo depois de tanto
tempo. E eu tenho gente, é incrível! Que abre o vitrô, te olha, fecha o vitrô e não te
atende. Isso joga você lá embaixo, auto-estima, você fica frustrada, você acha que
o seu trabalho… além de não estar sendo reconhecido… não tem o porque, né?
Isso é complicado. Isso te… baqueia bastante, pelo menos pra mim.

3ª. QUESTÃO:
Quando você vê o retorno, né? Por exemplo, se é uma casa muito suja, se tem
bastante… você vê que vai melhorando, mês após mês, entendeu? Ou quando a
pessoa te solicita, sendo que você já passou na casa dela, e ela te chama por
algum motivo ou outro, que você realmente se sente útil… não só pra você marcar
uma consulta, ou tentar alguma coisa, mas alguma coisa dela mesmo, entendeu?
Às vezes querer contar algum problema, né? Isso você vê que… que você está
sendo útil, que a pessoa precisa de você. Porque eu acho muito frustrante você
passar, por exemplo, eu tenho cento e cinqüenta e cinco e ninguém… falar nada,
né? Não saber de nada que você faz, ou não poder contar com você pra nada, aí
fica, né? Invisível, né? Mas se te chama… se… Ou quando você, por exemplo,
quando a gente sai pra mutirão, fala: puxa vida você sumiu, o que aconteceu,
achei que tinham tirado você daqui! Você faz falta! Isso é importante! Acho que é
o melhor quando a pessoa sabe… te dar presentinho… é gostoso também (risos).

ACS 9

1ª. QUESTÃO:
Bom, o que eu considero mais importante, é… são as visitas mesmo, a atenção
que a gente dá a cada família, o elo de ligação que nós somos entre a população
assistida e a UBS, é… como…o que mais que eu vou dizer…
Você falou elo de ligação…? É o elo… porque nós… nós somos considerados
como elo de ligação entre a população e a Unidade Básica de Saúde. Então
assim, eu acho importante esse elo que nós temos, porque nós estamos num
lugar privado, que é a casa de cada morador, e ali a gente tem a liberdade de
tanto levar as informações e de trazer as informações pra a unidade de saúde.
Então eu acho mais importante na prática, são as visitas domiciliares mesmo e
esse elo de ligação que a gente tem com a família e a gente pode estar trazendo
pra unidade e levando da unidade pra eles. Promoção da saúde, prevenção… e o
vínculo que a gente cria com a família.

2ª. QUESTÃO:
Ah… além da aceitação, dependendo do morador, que não são todos que tem
boa aceitação, que assim, eu encontro muito assim, que a pessoa acha que ela
tem convênio, ela não precisa ser cadastrada, principalmente como gestante, é a
maior dificuldade que eu tenho é de cadastrar gestante que tem convênio, que ela
acha que ela não vai precisar da unidade. Ah eu vou todo o mês no meu médico
então eu não vou precisar. Então assim, além da aceitação às vezes é o respaldo,
que às vezes a gente não tem muito respaldo. Não só daqui da unidade. Assim,
às vezes a gente leva todo o atendimento que tem aqui na unidade e as vezes a
hora que a pessoa chega aqui, a pessoa vem aqui e não encontra tudo o que a
Apêndices 148

gente falou. Porque eu acredito no que eu trabalho, então eu levo a unidade do


Ribeiro a melhor que existe pro morador. E às vezes ele vem aqui e não
encontra… E teve um caso que… que aconteceu comigo, de uma senhora… de
eu ir lá e ele ser hipertenso e ele só tomar chá de mato. E eu falava pra ele da
importância dele estar vindo verificar a pressão, dele estar passando por um
médico pra tomar a medicação correta. E aí depois de muita insistência… ele
veio. Ele veio na unidade e eu não estava aqui. E aí ele veio na unidade… ele
também não lembrou de chamar por mim nada, mas aí meio que se recusaram a
verificar a pressão dele naquela hora. E ele morava no Lins V. Então é longe, só o
fato da distância de vir até aqui. Então é meio que naquela hora: Ah o senhor
aguarda, agora eu não vou poder… Então eu acho que a maior dificuldade, além
da aceitação, é o respaldo. Aí eu voltei lá e ele falou: Ah, eu não vou mais não!
Porque aí, acaba que… Porque é nós agentes de saúde que acaba, dando,
colocando a cara lá, falando de tudo do que é… do que é preciso, estar vindo no
médico sabe, promovendo porque se a pessoa esta doente pra ela não ficar mais.
Promovendo sempre a saúde. Então eu acho, na minha opinião é o respaldo. É a
única dificuldade. Do mais, todos os problemas que aparecem aqui a gente está
conseguindo resolver.

3ª. QUESTÃO:
Eu acho que é muito assim pela gratidão que eles tem. Que depois que nós
fizemos aquele curso de… do primeiro módulo de técnico de agentes, que foi todo
aquele direitos que todos os usuários do SUS tem, que nós levamos aquilo e que
eles achavam que todo o trabalho, tudo o que eles recebiam de unidade, de
entidade, assim, era um favor que eles faziam. E que na verdade não é assim. De
todo o conhecimento que eles tem uma gratidão muito grande, a gente tem… É
muito gratificante, a gente fazer e a gente tem esse retorno. Pelo menos eu no
meu trabalho, tudo o que a gente faz. Desde de um remédio que você leva,
quando o acamado precisa, alguma coisa. A gratidão que eles tem assim… é
demais. Na minha opinião o que mais… o que mostra mesmo que é importante eu
estar ali, que eu penso um dia em sair, o que eu penso que ali eu sou importante
e que ali eu vou fazer falta. Que eles têm gratidão mesmo pelo trabalho que a
gente faz.
Como eles manifestam essa gratidão? Ah! Sabe, os primeiros contatos que
tinha, dependendo você não conseguia nem entrar. Agora faz três meses que eu
estou nessa área nova, tem gente que me espera na calçada. Que eu vou
começar a quadra do outro lado, que eu vou… aí tem uma senhorinha mesmo,
são duas, é a mãe e a filha, elas ficam me esperando no portão, pra ver que hora
que eu vou entrar. Sabe, isso… nossa! Pra gente é ser reconhecido! Sabe, a hora
que você chega eles conversam demais. Sabe, já quer que você entra, não fica te
recebendo ali no portão, nada. E aí onde eu estou agora, nossa! Pra mim, falei
pra Eliane que agora eu estou no céu! É uma gratificação enorme. O pouco que a
gente faz!
Apêndices 149

ACS 10

1ª. QUESTÃO:
O mais importante (silêncio). Bom, o mais importante é assistir as famílias né?
Porque tem pessoas mais humildes, tem aquelas mais bem de vida, que tem
entendimento, são estudadas, mas acho que todas têm suas necessidades, né?
Assim, algumas que não tem conhecimento da UBS, que às vezes está precisando
de um médico, de um remédio, não sabe até aonde encontrar, aonde chegar né?
Eu acho que isso é o mais importante…
E dentro do que você falou o que seria o papel do agente comunitário de
saúde? E como vocês costumam dizer que o agente comunitário é o elo entre a
comunidade, né? E o SUS, não só a UBS, o SUS né? No geral, porque a gente leva
eles aonde precisa chegar.
E o que seria esse elo? Assim, é como eu acabei de falar. Ta lá o idoso, ta doente,
ta sozinho, ta carente eu chego até ele, converso, vejo a necessidade dele naquele
momento, né? E procuro fazer o que ele está precisando. Se é de um médico, eu
tento levar ele até o médico. Se é de um remédio, eu tento trazer o remédio até ele.
Se é de conversar, as vezes é só conversar, as vezes precisa né? A gente fica ali,
conversa… passa o tempo… Eu acho que é isso, o mais importante pra mim.

2ª. QUESTÃO:
A maior barreira é também em relação as pessoas idosas. Assim, principalmente as
que vivem sozinhas. Num gostam de abrir a porta pra gente, tem medo de ser um
ladrão, não conhece o trabalho, né? Até você explicar o que que é o seu trabalho,
ele entender, leva tempo, né? Eu acho que essa é a maior barreira. Tem as
pessoas também que tem convênio médico, que acha que não precisa do SUS, não
precisa do agente comunitário, né? Não gostam de deixar a gente entrar…
Alguma outra dificuldade, obstáculo? Não, pro meu a barreira é essa mesmo. As
pessoas estarem entendendo o nosso trabalho, né? Que a gente tem que fazer o
trabalho, que tem que ser daquele jeito, né? Às vezes quer que a gente passa
correndo… Ah, eu to com pressa, fala rapidinho! Mas não pode ser assim, não tem
como ser, né? Rapidinho… Eu acho que essa é a maior barreira. E das pessoas
que tem convênio, que acha que não precisa do agente comunitário, que acha que
o agente comunitário só ta ali pra marcar consulta e pra levar no posto, só isso… eu
acho que é essa!

3ª. QUESTÃO:
Em geral assim, na satisfação da pessoa, né? Você vê os resultados positivos, você
vê que fez um trabalho bem feito, que a pessoa… Ah não sei… ela passa a gostar
de você, às vezes ela num queria você ali. Ela tinha problemas, vocês foram
convencendo ela. Aí você vê resultado disso na pessoa, ela passa a ter você como
aliado dela, né? Está sempre te procurando… Oh, você pode fazer isso pra mim?
Você ganha um amigo, né? Eu penso assim.
Essa importância é manifestada? Sim, eu tive caso assim, de uma vizinha pra
outra, né? Uma vizinha… ela meio que estava resistente… Não eu tenho convênio,
não quero! Aí a outra vizinha foi e falou: Não, mas o trabalho dela é muito
importante! Eu não conhecia, mas eu gosto dela, porque ela fez isso pra mim! E ela
está sempre passando, às vezes eu estou sozinha a gente conversa, eu passo o
tempo! Eu achei um resultado positivo, um vizinho passando pro outro, né? Levando
conhecimento pro outro vizinho!
Apêndices 150

ACS 11

1ª. QUESTÃO:
O planejamento, né? Que tenha plano A e plano B, porque assim muitas vezes,
quando eu saio pra fazer as visitas, né? Eu planejo uma coisa e aí de repente me
deparo com outra situação na área, né? Ou alguém até me para, né? Então o
planejamento é bem importante no cotidiano, né? E as visitas, né? E… estar
sempre disposta, né? Independente do que acontece em casa, né? Separar as
coisas que acontecem em casa, né? Do trabalho, porque é… é assim, você
precisa, né? Estar centrada naquilo, senão você nem consegue captar a
necessidade daquela … daquela pessoa que você vai visitar.
Quando vai visitar? É porque, assim ter… como eu posso falar… desenvolver um
laço de confiança, né? Porque desenvolvido esse laço de confiança acredito que
tudo que eu passar pra ele, ele vai sentir… vai confiar naquilo e vai ter o desejo de
fazer, por mais que é mudança de hábito. Mudança de hábito não é fácil, mas se
você tiver uma convicção daquilo que você estiver falando, firmeza e demonstrar
carinho pela pessoa e preocupação, interesse, eu acho que você vai ter um
retorno melhor do seu trabalho.

2ª. QUESTÃO:
OIha! Sinceramente... (pausa e risos), até hoje não tive muita dificuldade. No
começo, quando eu comecei a trabalhar foi o relacionamento, né? Com a equipe,
mas depois quando eu me senti e quando eles se sentiram também, e eu fiquei
mais tranqüila, pude desenvolver um trabalho assim, que não tenho dificuldades
assim pra… e mesmo se tenho, eu tento burlar elas. Mas assim, a minha
microárea é perto, né? Da UBS, as pessoas sempre me receberam muito bem,
né? Até quando eu estava substituindo outra pessoa, não tive muita dificuldade.
É… às vezes a falta de conhecimento, né? Que pode dificultar, mas assim eu
sempre estou tentando buscar pra estar já sabendo das coisas, né? Mas assim, as
pessoas, muitas… acho que uma dificuldade é que as pessoas não acreditam
muito no atendimento aqui da UBS, né? Então… aí você vai levar uma informação,
a pessoa fala: Ah, mas aquele posto lá, né?… Então, essa eu acho que é a
principal dificuldade, que não tem muita credibilidade. Está mudando, né? Mas
assim, às vezes passa de pai pra filho, de avó pra neto, então é isso. Isso interfere
um pouco, um pouco. Porque as pessoas não dão o retorno, né? Por exemplo, o
Papanicolaou, há muito tempo atrás… Agora não, agora já está assim, bem mais
fácil. Só que tem muita gente que eu passo lá e falo todo o mês: Olha vai fazer,
que agora não precisa marcar! O pessoal fala: Mas eu já fui tão mal tratado! Às
vezes marcava eu chegava lá e não me atendia! Né? Mas está mudando bastante.
Tanto é que assim, esse mês mesmo eu mandei acho que quinze mulheres pra
passar no ginecologista. Sabe aquela coisa assim, que tem mais acesso, você não
precisa ficar pegando fila, de vez em quando a gente pode marcar. Mas assim,
elas estão vindo mais, né. Então está assim, mais tranqüilo. Aos poucos está
dando pra mudar, mesmo porque o atendimento aqui está melhorando muito, né?
Apêndices 151

3ª. QUESTÃO:
Pegando o gancho da outra pergunta, porque muita gente não gosta de vir aqui
pro posto, né? Ou não tem costume ou até por meios culturais assim, acredita
mais em outros, né? Meios, mas assim, quando tem o Agente Comunitário de
Saúde, né? A gente começa assim, a mostrar como que é, principalmente mostrar
o SUS, né? Quando eu mesmo descobri como era o SUS, eu comecei a falar pra
eles, a falar das facilidades, das coisas que eles podem ter mais acesso e alguns
ficam mais animados, né? O que mais…? Me torno assim, uma ponte mesmo
assim entre a população e a unidade.
Isso é manifestado? Oh, essa semana mesmo eu tive uma experiência. Eu
estava ajudando eu uma outra microárea, aí passou uma mulher que já foi… que
era de uma microárea minha, eu visitava ela. Ela estava muito nervosa, passou
por mim e falou: Ah, aquele posto… porque eu preciso de uma consulta… e não
fui atendida! Eu falei assim: O que você queria fazer no posto? Aí ela falou: Eu
precisava de um medicamento que só tem na saúde mental! E hoje não tem
consulta! Aí eu expliquei pra ela, que realmente na saúde mental é só com… eu
expliquei pra ela… o funcionamento, o fluxo daqui, como funciona aqui o posto,
né? Mas ela… ela estava nervosa. Ela queria assim, encontrar uma coisa. Ela
mesmo sabia, que tinha que ter a receita, marcar uma consulta, e ela queria pular
essa barreira. E eu acho que tendo alguém fora daqui, que esteja representando a
UBS lá fora, faz com que as pessoas se sintam mais esclarecidas, do
funcionamento daqui. Eu estando passando lá, não é por panos quentes, mas é
esclarecer mais, é pra incentivar um pouquinho mais, né? Isso eu estava fora da
minha área, mas eu tenho segurança de falar: Olha! De defender também aqui,
né? Porque eu sei que as pessoas aqui se esforçam muito pra atender. E muitas
vezes as pessoas saem daqui achando que a gente não está fazendo nada, que o
funcionário não está fazendo nada, mas não é.
E o quando o agente de saúde não pode estar? Complicado, né? Esse mês eu
já assim, eu já fiquei pensando em muita gente. Então quando eu estava fazendo
minhas visitas, eu já falei: Esse mês eu não vou vir, se precisar de alguma coisa…
vai lá! Principalmente os diabéticos e os hipertensos. Porque assim, até mesmo
final de semana, às vezes eu fico pensando… (risos). Eu quero cuidar da minha
cabeça… né? Então assim, dá a sensação que eles estão vulneráveis, sabe? É
essa sensação que eu tenho. Assim, né? Às vezes a gente está indisposto, sair de
casa, pra trabalhar, e não está disposto pra trabalhar, mas mesmo assim você faz
por amor a eles. As vezes a assistente social vem com aquele papelzinho e fala:
Ah você entrega esse encaminhamento? Da vontade de não entregar, porque as
vezes é coisa tão fora da sua área, só que a gente pensa naquelas pessoas que
estão esperando a muito tempo, então… é isso. Eu acho que eles ficam
vulneráveis quando não tem o agente comunitário de saúde. Mesmo porque a
gente consegue detectar onde tem mais necessidade, aonde está em risco. Então
é isso, eu acho que…

ACS 12

1ª. QUESTÃO:
O que é importante é esse convívio que a gente tem com as famílias, né? Que às
vezes você está tão desanimada e uma palavra que você tem de uma pessoa,
você já muda totalmente, né? Aí você imagina assim: Nossa eu achei que o meu
problema fosse tão grande e o daquela pessoa é bem maior! Fora o apoio que
você tem. Principalmente quando você pega uma pessoa de idade, eles te dão
Apêndices 152

uma força muito grande, né? Tem os altos e baixos, mas os pontos positivos são
maiores, graças a Deus do que os negativos. Então a parte que eu gosto é isso,
quando eu encontro pessoas de idade e eles conversam muito, tem uma
experiência de vida muito grande pra passar pra gente. É muito gratificante.
O que significa pra você estar com as famílias? Nossa! É assim, eles
depositam em nós uma confiança grande, a partir do momento que eles abriram o
portão ali e deixa a gente entrar. Então isso é muito significativo, né? É muito
importante isso daí. É uma responsabilidade minha de pegar as informações
deles, né? Trazer pra cá. A confiança que eles tem, é muito importante isso.

2ª. QUESTÃO:
Olha! Às vezes a gente, que nem… às vezes a gente cai num desanimo, né? Eu
estava comentando com a Helena que eu estava um pouco desanimada. Perante
as dificuldades, porque às vezes você encontra pessoas que são… nossa! Que te
deixam lá embaixo, no chão! Que não quer abrir a porta, você sabe que ele está
ali, mas ele não quer abrir a porta. Quando abre te trata com uma má educação
fora do comum. Eu falo pra ela assim: Isso pra mim é o fim! Né? E isso acaba
comigo e com as outras também! E isso acaba me desanimando. Né? E você acha
que isso nunca acontece, mas acaba… Eu estava até comentando com a Helena,
ou eu decido pela faculdade ou pelo trabalho! Porque não está dando não é muita
coisa pra minha cabeça e fora as pessoas que a gente encontra que não tão nem
aí. Mas ao mesmo tempo viu um que te deixa lá em baixo, você encontra cinco,
seis lá que te… que te aceita, que te recebe muito bem, que fala que é importante,
né? Então isso é gratificante, isso é muito bom. Fora isso…?

3ª. QUESTÃO:
Quando tem essa troca, né? Quando tem uma troca e aí você vê que está dando
resultado. Quando você pega o problema dele lá e traz pra cá. E isso né? Tem
uma troca, tem um respaldo, né? Então aí sim você vê que tem resultado. As
vezes desanima também quando, você traz o problema pra cá e fica parado. Aí dá
vontade de desistir. Porque eu acho que o meu trabalho não está sendo bem
realizado. Então eu chego aqui, trago algum problema e não dá pra resolver.
Nossa! Isso pra mim… Eu não tenho cara… eu não tenho cara de voltar na casa
do morador e falar que não tem jeito, que não deu em nada.
Eles manifestam de alguma forma que você é importante? Nossa! E como!
Eles falam assim: O que seria de nós se não tivesse você! Às vezes nem pra levar
um remédio, ou pra pegar o cartãozinho pra marcar uma consulta. Tem pessoas
que são tão carentes de diálogo, que às vezes a sua companhia ali, a sua
presença ali, pra eles, eles já ganharam o mundo!
Anexo 153
Anexo 154

ANEXO A – PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

Você também pode gostar