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GÊNERO “CARTA DE RECLAMAÇÃO”: UMA PROPOSTA DE

INTERVENÇÃO A PARTIR DA METODOLOGIA DAS SEQUÊNCIAS


DIDÁTICAS

Regina Marcia Michelato Silva1


Profa. Dra. Eliana Merlin Deganutti de Barros (orientadora)2

Resumo: Este artigo é norteado pela concepção de gêneros textuais, segundo Bakhtin (2003) e
Bronckart (2003). A metodologia utilizada para a construção do material didático foi o procedimento
“sequência didática de gêneros”, proposto pelo Grupo de Genebra, conhecido com Interacionismo
Sociodiscursivo (ISD) e sua vertente didática apresentada por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2013). Para
a intervenção didática elaborou-se e desenvolveu-se uma sequência didática a partir do gênero textual
“carta de reclamação”, cujo objetivo foi desenvolver capacidades de linguagem para a leitura e
produção de texto, entendidas como pré-requisitos básicos para a inserção no mundo atual, dada a
grande exigência de capacidades de linguagem múltiplas para atender as diferentes demandas de
atividades da sociedade. Apresenta-se, neste artigo, além de toda a fundamentação teórica de base, a
descrição da sequência didática do gênero “carta de reclamação”, elaborada durante o projeto, assim
como um relato reflexivo do processo de intervenção didática.

Palavras-chave: Carta de Reclamação; Sequência Didática; Capacidades de linguagem.

1 Introdução

Este artigo é o resultado da implementação do projeto de intervenção


pedagógica com alunos do 9º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual “William
Madi” – instituição em que atua a autora do material – em virtude dos problemas
enfrentados neste ambiente escolar, no que tange à ausência de desejo e à falta de
objetivo dos estudantes quanto a sua expectativa na entrada do mundo do trabalho e
também quanto a sua função como cidadão ativo em uma sociedade.
O projeto elaborou e desenvolveu uma sequência didática (SD) a partir do
gênero textual “carta de reclamação”. Com as atividades propostas na SD pretende-
se dar suporte para que seja desenvolvido um trabalho que proporcione, antes de
tudo, um espaço de reflexão, construção e reconstrução de conceitos e promoção de
trocas de experiências, visando estimular, valorizar e contribuir para que os
profissionais envolvidos consigam ressignificar e revalidar sua prática. As atividades
presentes na SD produzida são apenas sugestões. Cada professor poderá adaptá-las

1 Docente da Rede Estadual de Ensino do Paraná, lotada no Colégio Estadual Willian Madi. Cornélio
Procópio, Brasil, e-mail: regina.silva@escola.pr.gov.br.
2 Docente adjunta da Universidade Estadual Norte do Paraná (UENP/Cornélio Procópio), docente no

curso de Letras Português/Inglês e no Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS). Doutorado


em Estudos da Linguagem pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Cornélio Procópio, Brasil,
e-mail: edeganutti@hotmail.com.
à realidade de sua escola e de sua turma, bem como à faixa etária de seus alunos,
podendo criar outras atividades que julgue mais adequadas.
Embora o gênero “carta” exista desde a antiguidade e apresente uma forma
facilmente identificável e fortemente tipificada, percebemos que ainda há uma
carência de estudos que apresentem este gênero na sua singularidade, ou seja, a
partir de sua realização em contextos situados, como é o caso da carta de reclamação
(de cunho institucional e privado), objeto unificador da sequência que elaboramos. O
objetivo é, a partir de um material didático ancorado em uma perspectiva
sociointeracionista da língua e do ensino (BAKHTIN, 2003; VIGOTSKI, 2009;
SCHNEUWLY; DOLZ, 2013), trazer uma reflexão sobre seu desenvolvimento real em
uma turma do Ensino Fundamental da escola pública.
Chamamos a atenção para o fato de que não se deve abordar o gênero no
contexto de ensino da língua visando apenas sua estrutura, mas, sobretudo, esse
ensino deve-se pautar na compreensão da sua função social e na implicação dos
elementos contextuais na sua textualidade.
Portanto, destacamos a real necessidade de inserir o gênero “carta de
reclamação” como objeto/instrumento de ensino da língua portuguesa, partindo de
uma abordagem descendente na qual “é necessário analisar, primeiramente, as
características do agir coletivo, porque é nesse âmbito que se constroem tanto o
conjunto dos fatos sociais quanto as estruturas e os conteúdos do pensamento
consciente das pessoas” (BRONCKART, 2006, p. 137). Dessa forma, a proposta é,
assim como orientam os pesquisadores do Interacionismo Sociodisciscursivo (ISD) –
corrente teórico-metodológica que fundamenta a elaboração da sequência didática
em questão –, partir sempre da compreensão da situacionalidade de produção da
prática de linguagem de referência (a qual se realiza por meio de um gênero), para
depois associá-la ao ensino dos aspectos relacionados à composição discursiva e
linguística do gênero. No caso da carta de reclamação, é importante destacar seus
aspectos dialógicos, tão necessários numa sociedade tão dinâmica como a nossa.
O objetivo principal do artigo é, pois, trazer um relato reflexivo sobre o papel do
gênero “carta de reclamação” e da metodologia das sequências didáticas no
desenvolvimento de capacidades de linguagem dos alunos assistidos pelo projeto de
intervenção didática. Projeto esse cuja finalidade foi oportunizar o desenvolvimento
de capacidades de linguagem para a produção e leitura da carta de reclamação,
proporcionando momentos de aprendizagem significativos. O objetivo sempre foi que
o aluno soubesse usar o gênero em situações pessoais na sua vida cotidiana onde
pudesse exercer a prática de linguagem formal de reclamar sobre um problema da
comunidade e, ao mesmo tempo, solicitar a sua resolução. Além disso, espera-se
que os alunos assistidos pelo projeto também possam transformar as suas
descobertas sobre o gênero em atividades práticas de seu cotidiano e, ainda,
desenvolver capacidades de argumentação, para saber defender seus direitos, ideias
e posições e exercer a sua cidadania plenamente.

2 Fundamentação teórica

Como fundamentação teórica, o trabalho apoia-se nos estudos do


Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) proposto por Bronckart (2003) e em sua vertente
didática (SCHNEUWLY; DOLZ, 2013). Além disso, toma como aporte estudos na
perspectiva dos letramentos e do ensino de/por meio de gêneros textuais/discursivos
(BAKHTIN, 2003, MARCUSCHI, 2010, entre outros).

2.1 A perspectiva dos letramentos

Partindo do entendimento de que o sistema educacional no Brasil se pauta na


Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e também
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), documentos norteadores do
ensino no país, observa-se uma mudança evidenciada no trecho que trata a respeito
de competência discursiva:
Um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar
a língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e
adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita. É o que
aqui se chama de competência linguística e estilística. Isso, por um lado,
coloca em evidência as virtualidades das línguas humanas: o fato de que são
instrumentos flexíveis que permitem referir o mundo de diferentes formas e
perspectivas; por outro lado, adverte contra uma concepção de língua como
sistema homogêneo, dominado ativa e passivamente por toda a comunidade
que o utiliza. Sobre o desenvolvimento da competência discursiva, deve a
escola organizar as atividades curriculares relativas ao ensino-aprendizagem
da língua e da linguagem. (BRASIL, 1998, p.23).

Para Rojo (2012, p.76), “muitas modificações tem ocorrido, o uso de


tecnologias, onde os textos combinam imagens estáticas com imagens em
movimento, com áudio, cores, links, seja na mídia ou nos materiais impressos”.
Estamos na era digital, dos textos multimodais e multissemióticos, o que requer do
aluno e também do professor capacidades diversificadas de uso da leitura e escrita.
Rojo (2009, p.11) ressalta que um dos objetivos principais da escola é possibilitar que
os alunos participem das várias práticas sociais que se utilizam.Para tanto, é preciso
que a educação linguística leve em conta, de maneira ética e democrática, os
letramentos multissemióticos, os letramentos críticos e protagonistas, assim como a
multiculturalidade, além de trazer para dentro dos muros da escola um diálogo
multicultural, valorizando a cultura valorizada dominante, mas também as culturas
locais e populares.
De acordo com Barros (2009, p.126), para “o letramento multissemiótico é
necessário que a escola (e aqui se inclui a disciplina de Língua Portuguesa) não se
detenha apenas na linguagem verbal”. O mundo contemporâneo é o mundo das
multissemióticas, mundo onde a palavra verbal passou a interagir com linguagem
sonora, visual musical, gestual. Mundo esse que convive com tantas inovações e
modernidades, como a internet, a TV, e com uma multiplicidade de linguagens se
articulando a todo tempo com a linguagem verbal. Assim, a leitura em sua amplitude
ultrapassa o verbal e precisa tomar a linguagem em sua multissemioticidade.
A preocupação coma prática escolar tem se tornado constante devido às
necessidades de aprimoramento – adequar o ensino às novas demandas, e às
modificações sociais, à pluralidade cultural.
Ao considerar os objetivos básicos da escola no trato com a língua, esses
sempre condicionados a uma perspectiva letrada, é oportuno levantar a questão: a
escola deve trabalhar apenas com o texto escrito ou envolver-se também com o texto
oral? Para Marcuschi (2008, p. 53),

[...] é obvio que se a escola tem como missão primária levar o aluno a bem
se desempenhar na escrita, capacitando-o a desenvolver textos em que os
aspectos formal e comunicativo estejam bem conjugados, isto não deve servir
de motivo para ignorar os processos da comunicação oral. A razão é simples,
pois desenvolver um texto escrito é fazer as vezes do falante e do ouvinte
simuladamente.

O ensino na perspectiva dos letramentos não exclui o trabalho com a oralidade,


afinal a escrita reproduz a seu modo, com regras e organização o processo
interacional da conversação, das narrativas, etc.
O importante no ensino é tratar o texto como fator operante de acesso natural
à língua. Entende-se que o aluno não chega à escola sem nenhuma capacidade
comunicativa, pois já é desenvolvida e à escola compete não tolher as capacidades
já conquistadas durante a vivência e interação familiar e social. Para que isto não
ocorra o ensino deve pautar-se no uso das línguas, no contexto da compreensão,
produção e análise textual (MARCUSCHI, 2008, p. 55). De acordo com Rojo (2012, p
76), realizar:

[...] a articulação do ensino de língua portuguesa nos dois eixos (o do uso da


língua e o da reflexão sobre seus usos) proposta nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) de língua portuguesa tem requerido cada vez mais do
alunado o refinamento das habilidades de leitura e escrita, de fala e de escuta
de gêneros variados presentes nas diversas práticas sociais letradas.

Foram também os PCNs (BRASIL, 1998, p. 21) que trouxeram a noção de


gêneros do texto/discurso para o primeiro plano das questões de ensino e
aprendizagem. Como todo texto se organiza a partir de um determinado gênero, em
função das intenções comunicativas, esse passou a ser considerado o principal objeto
do ensino da língua. Mas antes de se abordar o papel dos gêneros no âmbito do
ensino-aprendizagem da língua, apresenta-se um tópico sobre questões que
envolvem a noção de gêneros para os estudos da linguagem.

2.2 Gêneros textuais e sua inserção no ensino da língua

De acordo com Rojo e Cordeiro (2013, p.10), no Brasil, a ideia que o texto deva
ser “a base do ensino-aprendizagem da língua portuguesa” já é bastante aceita – “seja
como material concreto sobre o qual se exerce o conjunto dos domínios de
aprendizagem, sobretudo leitura e produção de textos, seja como objeto de ensino
propriamente dito”. Entretanto, foi na chamada “virada discursiva ou enunciativa” que
o texto passou a ser visto em seu funcionamento discursivo, como instrumento das
interações linguageiras. Momento em que o contexto de produção e leitura passaram
a ter enfoque nos estudos textuais e nas diretrizes para o ensino da língua. Essa
virada foi ecoada, segundo as autoras, nos PCNs, convocando-se, naturalmente, “a
noção de gêneros (discursivos ou textuais) como instrumento melhor que o conceito
de tipo para favorecer o ensino da leitura e de produção de textos escritos e, também,
orais” (ROJO; CORDEIRO, 2013, p. 14).
Para Schneuwly (2013, p.20, grifo do autor), o gênero pode ser considerado um
instrumento psicológico no sentido vigotskiano do termo, no sentido em que o termo
instrumento foi reinterpretado como um fator de desenvolvimento de capacidades e
transformador de comportamentos, pois um instrumento media uma atividade, dá-lhe
certa forma; e a transformação do mesmo também transforma evidentemente as
maneiras de um indivíduo se comportar em certas situações.
Vários são os níveis de operação mentais necessárias para a produção de um
texto, que tem o gênero como fator de organização, seja no tratamento do conteúdo;
tratamento comunicativo; tratamento linguístico (SCHNEUWLY, 2013, p. 25).
De acordo com Bakthin (2003), é importante diferenciar os gêneros discursivos
primários dos secundários. Os gêneros primários são aqueles mais simples, já os
gêneros secundários são formas mais complexas. Bakhtin (1953,1979, apud
SCHNEUWLY, 2013, p.26) destaca que os gêneros primários “[...] se constituíram em
circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea”, já os gêneros secundários
“aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural, mais complexa e
relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica”.
Os gêneros primários são aqueles pertencentes ao nível mais real em que as
crianças são confrontadas em suas práticas de linguagens, instrumentalizando-as
para agir e interagir socialmente, permitindo-lhes agir com eficácia em situações
novas. Já os secundários, por não serem espontâneos, para sua apropriação são
necessárias intervenções mais complexas: é preciso, quase sempre, domínio das
formalidades mediadas pela leitura e escrita proporcionadas pela escola. De acordo
com Schneuwly (2013, p.29), os gêneros secundários introduzem uma ruptura
importante:

Não estão mais ligados de maneira imediata a uma situação de comunicação;


sua forma é frequentemente uma construção complexa de vários gêneros
cotidianos que, eles próprios, estão ligados a situações; resultam de uma
disposição relativamente livre de gêneros, tratados como sendo
relativamente independentes do contexto imediato; isso significa que sua
apropriação não pode se fazer diretamente, partindo de situações de
comunicação; o aprendiz é confrontado com gêneros numa situação que não
está organicamente ligada ao gênero, assim como o gênero, ele próprio, não
está mais organicamente ligado a um contexto preciso imediato [...]
(SCHNEUWLY, 2013, p.29).

São, portanto, duas lógicas, entre duas relações, entre dois sistemas que dão
origem ao verdadeiro desenvolvimento. É o que Vygotsky chamou de “lei da zona
proximal de desenvolvimento”, em que o sistema novo se apoia completamente no
antigo em sua elaboração, fazendo transformá-lo profundamente, transmutá-lo, ou
seja, a linguagem escrita reorganiza a linguagem oral (espontânea), e os gêneros
primários acabam sendo os instrumentos de criação dos gêneros secundários
(SCHNEUWLY, 2013).
E é a partir de um contexto heterogêneo de produção e recepção e de uma
diversidade de esferas de comunicação – onde os gêneros são adaptados para uso
individual – que os sujeitos vão se constituindo.

O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma


das esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou
seja, para a seleção operada nos recursos da língua - recursos lexicais,
fraseológicos e gramaticais, mas também, e, sobretudo, por sua construção
composicional. Estes três elementos (conteúdo temático, estilo e construção
composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado e todos
eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação.
Qualquer enunciado é considerado isoladamente, claro, individual, mas cada
esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de
enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso (BAKHTIN,
2003, p. 279).

Os gêneros textuais são, assim, incontáveis, pois a medida que novos modelos
são criados/adaptados, outros deixam de ser usados como objetos da interação.
Nesse sentido, são práticas comunicativas dinâmicas, pois podem sofrer variações na
sua constituição e mudar, acompanhando as alterações socioculturais da sociedade
e da esfera de produção e circulação.
Segundo Marcuschi (2010), devemos defini-los não apenas por sua forma, mas
principalmente por sua função interativa, comunicativa e social. Marcuschi (2010)
assegura que os gêneros são formações interativas, multimodalizadas e flexíveis de
organização social e de produção de sentidos. Segundo o autor, quando ensinamos,
por exemplo, a produzir um gênero, ensinamos um modo de atuação sociodiscursiva
numa dada cultura e não um simples modo formal de produção textual (MARCUSCHI,
2005).
Nesse sentido, é preciso diferenciar tipos textuais (objetos formais que
compõem os textos) e gêneros textuais (configurações sociodiscursivas que fazem a
mediação das interações por meio da linguagem). Segundo Marcuschi (2010), os tipos
textuais são utilizados para caracterizar espécies de composições específicas:
aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas. Os tipos textuais
abrangem as categorias conhecidas como narração, argumentação, exposição,
descrição, injunção (essas categorias podem variar de autor para autor, mas têm
número limitado, diferentemente dos gêneros).
Nesse sentido, o trabalho com os gêneros textuais pode ser muito fértil, pois
proporciona uma atenção especial para o funcionamento da língua e para atividades
culturais e sociais. Ao ingressar na escola a criança já traz suas vivências e
conhecimentos de linguagens que, com o passar do tempo, vai se transformando,
sendo que os mecanismos que instrumentalizam essa transformação são os gêneros.
Como referenciado anteriormente o ensino de língua portuguesa passou por
diversas e decisivas mudanças, que vieram instaurar uma concepção de linguagem
como lugar de interação, de texto como unidade concreta do ensino-aprendizagem da
língua e de gênero como configuração de uma prática de linguagem e objeto/
instrumento da aprendizagem.
Os gêneros seriam, assim, uma forma de confronto entre os alunos e práticas
de linguagem historicamente construídas. A sua apropriação permitiria ao aluno
reconstruí-las e delas se apropriarem.

As práticas de linguagem são consideradas aquisições acumuladas pelos


grupos sociais no curso da história. Numa perspectiva interacionista, são a
uma só vez, o reflexo e o principal instrumento de interação social. É devido
a essas mediações comunicativas, que se cristalizam na forma de gêneros,
que as significações sociais são progressivamente reconstruídas. Disso
decorre um princípio que funda o conjunto de nosso enfoque: o trabalho
escolar, no domínio da produção de linguagem, faz-se sobre os gêneros, que
se queira ou não. Eles constituem o instrumento de mediação de toda
estratégia de ensino e o material de trabalho, necessário e inesgotável, para
o ensino da textualidade (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2013, p. 43-44,
grifo do autor).

Para os autores genebrinos os gêneros vão de instrumentos a


megainstrumentos, uma ideia metafórica diante das possibilidades de situações de
linguagem que os gêneros podem mediar. Dolz, Noverraz e Schneuwly (2013, p.44)
ressaltam que: “a mestria de um gênero aparece, portanto, como coconstitutiva da
mestria de situações de comunicação”. Referindo-se à perspectiva bakhtiniana, assim,
portanto, os autores consideram que todo gênero se define por três dimensões
essenciais:

1) os conteúdos que são (que se tornam) dizíveis por meio dele; 2) a estrutura
(comunicativa) particular dos textos pertencentes ao gênero; as
configurações específicas das unidades de linguagem, que são sobretudo
traços da posição enunciativa do enunciador, e os conjuntos particulares de
sequências textuais e de tipos discursivos que formam sua estrutura. (DOLZ;
NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2013, p. 44).
Para Dolz e Schneuwly (2004 apud BARROS, 2009, p. 132), o diferencial desta
abordagem está não apenas na valorização da diversidade textual dada por muitos
autores, e que acabam por deixa a desejar a prática de linguagem, pois a perspectiva
interacionista sociodiscursiva busca instrumentalizar o aluno para que, juntamente
com os colegas e a ação intermediadora do professor, ele possa descobrir as
determinações sociais das situações de comunicação, bem como o valor das
unidades semióticas no uso real de um gênero.
Na perspectiva do ensino mediado por gêneros, a língua

[...] é tomada como uma atividade sociointeracionista desenvolvida em


contextos comunicativos historicamente situados. Assim, a língua é vista
como uma atividade, isto é, uma prática sociointerativa de base cognitiva e
histórica. (MARCUSCHI, 2008, p. 61).

É, pois, a língua em seu caráter mais amplo, que deve ser tomada como objeto
de estudo na Língua Portuguesa, afinal, ela é o instrumento de interação que
individualiza os seres humanos. Para tanto, a ação pedagógica deve estar centrada
no uso real da linguagem, de forma concreta, contextualizada, criando momentos em
que se experimente discursivamente as práticas de linguagem, essas sempre
configuradas em determinado gênero de texto. Assim, cabe à escola viabilizar o
acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-
los e a interpretá-los.
Nessa perspectiva interacional, o estudo da língua passou a ter os gêneros
como objetos e/ou instrumentos do ensino. Neste trabalho, entende-se que os
gêneros textuais podem ser considerados tanto o objeto como o instrumento mediador
da atividade de ensino, uma vez que são, ao mesmo tempo, o meio e o fim da atividade
de apropriação de uma prática de linguagem.
De acordo com Bakhtin (2003, p 285),

quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos,


tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade
(onde isso é possível e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a
situação singular da comunicação; em suma, realizamos de modo mais
acabado o nosso livre projeto de discurso.

Ao interagir uns com os outros, o ser humano faz uso da língua, revelada
naquele momento por meio do gênero mais adequado. Pode-se dizer que os gêneros
textuais são formas de linguagem sócio-historicamente construídas, provenientes das
necessidades produzidas em diferentes lugares sociais da comunicação humana, pois
produzimos, utilizamos e nos deparamos diariamente com inúmeros gêneros que se
fazem presentes, atendendo a diferentes necessidades de interação.
Sob essa ótica, Bronckart (2003, p. 103) assevera que “a apropriação dos
gêneros é um mecanismo fundamental de socialização e de inserção prática nas
atividades comunicativas humanas”.
Portanto, é papel da escola desenvolver eventos de letramento voltados à
leitura e produção de textos na perspectiva dos gêneros textuais, tomando como foco,
principalmente, sua função social. Porém, para que os alunos dominem diferentes
gêneros que circulam socialmente é necessário que o professor construa estratégias
de ensino, com o objetivo de levá-los ao desenvolvimento das capacidades de
linguagem necessárias para serem leitores e produtores competentes desses gêneros
trabalhados, e isso pode ser alcançado por meio da metodologia das sequências
didáticas criada pelo grupo genebrino filiado ao ISD.
Antes da apresentação da metodologia das SD – foco da intervenção didática
deste trabalho –, é preciso entender, mesmo que sinteticamente, o panorama teórico
em que ela foi criada.

2.3 A vertente didática do ISD

Os gêneros textuais são, como apontado anteriormente, a base dos estudos do


Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) em sua vertente didática. Ele o adota como
objeto/ferramenta para o ensino da língua; língua essa que é tomada como um artefato
social que se materializa em enunciados concretos que, por sua vez, organizam-se
em gêneros.
Dolz e Schneuwly (2011), amparados pelo ISD, deixam claros os objetivos a
serem desenvolvidos nos aprendizes, no trabalho com o gênero, são:

- prepará-los para dominar a língua em situações variadas, fornecendo-


lhes instrumentos eficazes;
- desenvolver nos alunos uma relação com o comportamento discursivo
consciente e voluntário, favorecendo estratégias de autorregulação;
- ajudá-los a construir uma representação das atividades de escrita e de
fala em situações complexas, como produto de um trabalho e de uma lenta
elaboração. (DOLZ; SCHNEUWLY, 2013, p.42).

Dessa forma, toda comunicação realizada por meio de um gênero textual


adequado para a situação comprova que a língua não existe isolada, e sim inserida
em contextos reais de uso e que o trabalho com gênero traz o aporte que se precisa
para o ensino de língua portuguesa.
A vertente didática do ISD trabalha com a noção de transposição didática – um
processo de transformação e ruptura que todo objeto de referência sobre até chegar
a ser ensinado e aprendido (cf. CHEVALLARD, 1984). Esse processo compreende
várias fases:

1) o conhecimento teórico sofre um primeiro processo de transformação para


construir o conhecimento a ser ensinado (saberes disciplinares); 2) o
conhecimento a ser ensinado se transforma em conhecimento efetivamente
ensinado; 3) o conhecimento efetivamente ensinado se constituirá em
conhecimento efetivamente aprendido (MACHADO; CRISTOVÃO, 2006, p.
552, apud BARROS, 2014, p.45).

Para dar conta desse processo, o ISD apoia-se em uma engenharia didática
instrumentalizada por duas ferramentas principais: o modelo didático de gêneros e a
sequência didática (SD).

3 A engenharia didática do ISD: modelo e sequência didática de gêneros

Na concepção do ISD, para que o gênero seja o mediador da apropriação de


práticas de linguagem é preciso uma sistematização, ou seja, uma metodologia que
organize o processo de ensino-aprendizagem. Nessa perspectiva é que os
pesquisadores do Grupo de Genebra propõem que os gêneros sejam didatizados por
meio de sequências didáticas (SD): “um conjunto de atividades escolares
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”
(DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2013, p. 82).
De acordo com Dolz, Noverraz e Schneuwly (2013), as SD instauram uma
primeira relação entre um “projeto de apropriação” de uma prática de linguagem e os
“instrumentos” que facilitam essa apropriação. A finalidade principal da SD é, de
acordo com seus mentores, proporcionar aos alunos a possibilidade de estarem em
contato com práticas de linguagem organizadas e significativas, constituídas sócio-
historicamente e configuradas em gêneros textuais.
Assim, o ISD, na sua vertente didática, postula a:

[...] articulação de práticas de linguagens a um projeto de comunicação


coletivo, concretizado no desenvolvimento do procedimento sequência
didática (SD), a partir do qual uma turma de aprendizes deve trabalhar
sistematicamente para resolução de um problema de comunicação (de
preferência real, ou ficcionalizado pela ação didática). Problema esse que é
materializado pela produção/leitura de um gênero de texto (BARROS, 2014,
p. 46).

A concepção de SD proposta pelo ISD funda-se na crença de que comunicar-


se oralmente ou por escrito pode e deve ser ensinado sistematicamente, por meio de
uma sequência de módulos de ensino, organizados conjuntamente para melhorar uma
determinada prática de linguagem. A SD busca instaurar uma relação entre a
apropriação de uma prática de linguagem e os instrumentos que facilitam essa
apropriação, confrontando os alunos com “práticas de linguagem historicamente
construídas”, os gêneros textuais, dando possibilidades aos alunos de “reconstruí-las
e delas se apropriarem” (DOLZ; SCHNEUWLY, 2013, p.43).
O ensino de forma organizada e sequencial facilita a aquisição de
aprendizagem e relação a escrita dos gêneros, portanto, ainda de acordo com Barros
(2014, p 47), “o trabalho com as SD visa evitar a dispersão e sugere um trabalho
intensivo, concentrado em um período limitado – que será determinado pelas
condições pedagógicas de cada contexto de ensino particular” que tem como
perspectiva a apropriação de uma prática de linguagem, o que não ocorre em práticas
aligeiradas muitas vezes propostas em livros didáticos.
Uma SD tem:

[...] precisamente, a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um


gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira
mais adequada numa dada situação de comunicação. O trabalho escolar
será evidentemente sobre gêneros que o aluno não domina ou faz de
maneira insuficiente, sobre aqueles dificilmente acessíveis,
espontaneamente pela maioria dos alunos; e sobre gêneros públicos e
não privados (DOLZ; SCHNEUWLY, 2013, p. 83).

A estrutura de base de uma SD é representada da seguinte forma:

Figura 1 – Esquema da Sequência Didática


Fonte: Dolz; Noverraz; Schneuwly (2013, p. 83)

 Apresentação da situação: descrição detalhada da tarefa de expressão oral ou


escrita que os alunos realizarão. Neste momento serão definidos o contexto, a
forma e conteúdo do gênero a ser estudado e produzido envolvendo duas
ações. A primeira refere-se à situação de comunicação e à escolha do gênero
e, a segunda, aos conteúdos a serem trabalhados. Para ajudar na preparação
da primeira ação, são apresentadas quatro questões que devem
necessariamente, serem respondidas: “Qual é o gênero que será abordado? A
quem se dirige a produção? Que forma assumirá a produção? Quem participará
da produção?”. (DOLZ; SCHNEUWLY, 2013, p.84-85).
 Produção inicial: elaboração de um primeiro texto inicial (oral ou escrito)
correspondente ao gênero trabalhado. Neste momento os alunos farão uma
produção oral ou escrita dependendo do gênero que será trabalhado. Essa
produção tem uma dupla importância: para os alunos será o momento de
compreender o quanto sabem do gênero e do assunto a serem estudados e,
ainda, se entenderam a situação de comunicação à qual terão de responder;
para os professores tem o papel de analisar o que os alunos já sabem,
identificar os problemas linguísticos do gênero que deverão ser enfocados e
definir a sequência didática (DOLZ; SCHNEUWLY, 2013, p.86).
 Módulos: atividades e/ou exercícios que dão os instrumentos necessários para
o domínio do gênero em questão. A quantidade e conteúdo dos módulos de
ensino devem ser definidos de acordo com as informações colhidas pelo
professor da primeira produção dos alunos. Cada módulo deve contemplar
problemas específicos do gênero em questão, a fim de garantir melhora dos
alunos na compreensão e uso da expressão oral ou escrita estudada (DOLZ;
SCHNEUWLY, 2013, p.87-88).
 Produção final: o aluno poderá colocar em prática os conhecimentos adquiridos
e, com o professor, medir os progressos alcançados. Após o processo os
alunos deverão realizar uma produção que demonstrará o domínio adquirido
ao longo da aprendizagem acerca do gênero proposto e permitirá ao professor
avaliar o trabalho desenvolvido. Os autores esclarecem, contudo, que “as
sequências devem funcionar como exemplos à disposição dos professores.
Elas assumirão seu papel pleno se os conduzirem, através da formação inicial
ou contínua, a elaborar, por conta própria, outras sequências” (DOLZ;
SCHNEUWLY, 2013, p.108).

A finalidades geral da SD é, pois, preparar os alunos para dominar sua língua


nas situações mais diversas da vida cotidiana, oferecendo-lhe instrumentos precisos,
imediatamente eficazes, para melhorar suas capacidades de escrever e de falar. Ela
busca, assim, desenvolver no aluno uma relação consciente e voluntária com seu
comportamento de linguagem, favorecendo procedimentos de avaliação formativa e
de autorregularão e construir nos alunos uma representação da atividade de escrita e
de fala em situações complexas, como produto de um trabalho, de uma lenta
elaboração.
As SD apresentam uma grande variedade de atividades que devem ser
selecionadas, adaptadas e transformadas em função das necessidades dos alunos,
dos momentos escolhidos para o trabalho, da história didática do grupo e da
complementaridade em relação a outras situações de aprendizagem da expressão,
propostas fora do contexto das sequências didáticas.
Entretanto, para que a SD seja concretizada, é preciso que as dimensões
ensináveis do objeto de ensino sejam descritas. É nesse sentido que os autores
genebrinos propõem a modelização didática. “Um modelo didático designa uma
ferramenta descritiva operacional que, quando construída, facilita a apreensão da
complexidade de um determinado gênero” (BARROS, 2014, p.46). Além de facilitar a
seleção dos objetos de ensino que a prática discursiva potencializa, o modelo didático
permite colocar em evidência as características contextuais, discursivas, linguísticas
de um gênero.
Para Machado e Cristovão (2006), modelos didáticos são artefatos descritivos
e pragmáticos que auxiliam a apreensão da complexidade de um gênero de texto. Ele
permite evidenciar as características contextuais, discursivas e linguísticas de um
certo gênero, tornando possível selecionar as dimensões ensináveis para
determinado contexto de intervenção didática. Para as autoras, o modelo precisa se
adequar às capacidades de linguagem dos alunos assistidos. Para Dolz, Gagnon e
Decândio (2010), o modelo didático precisa perpassar a descrição de três dimensões:
1) dos saberes de referência em relação ao gênero de referência; 2) dos diferentes
componentes linguísticos e discursivos do gênero; 3) das capacidades de linguagem
dos aprendizes.
Os modelos didáticos são, portanto, suportes para a elaboração de sequências
didáticas. As duas ferramentas operacionalizam, dessa maneira, a engenharia
didática proposta pelo ISD.
A seguir, trazemos um relato analítico da intervenção mediada pela sequência
didática da carta de reclamação.

4 O desenvolvimento da sequência didática do gênero “carta de reclamação”

A SD da carta de reclamação foi desenvolvida no primeiro semestre do ano de


2017 com cerca de 20 alunos do 9º ano da Escola Estadual Professor Willian Madi,
localizada na periferia da cidade de Cornélio Procópio. Trazemos a seguir a sinopse
da SD com o objetivo de construir uma reflexão em relação ao seu desenvolvimento
em sala de aula.

Quadro 1 – Sinopse da sequência didática do gênero “carta de reclamação”

OFICINAS OBJETIVOS (para os ATIVIDADES


alunos)
OFICINA 1: - Conhecer o projeto da 1.Questionário referente às gravuras
carta de reclamação. (interpretação).
Apresentando o - Motivar-se sobre a ação1- 2. Questionário oral sobre o gênero carta.
projeto discursiva de reclamar e2- 3. Exibição de um vídeo do quadro
solicitar. ‘’PÚLPITO’’ do Programa Altas Horas (Rede
Globo).
3- 4.Reprodução do quadro ‘’PÚLPITO’’ pelos
alunos.
5. Atividade oral reflexiva e sistematização na
lousa, sobre o contexto de produção de
diferentes tipos de reclamação, com ênfase
na carta de reclamação.
6. Atividade reflexiva oral sobre a carta de
reclamação.
OFICINA 2: - Refletir sobre os problemas 1. Elaboração de um quadro com as
da comunidade. reclamações que foram relacionadas.
Olhando os 2. Questionário reflexivo sobre a importância
problemas da da denúncia.
comunidade 3. Elaboração de um quadro com a forma
textual apropriada de cada reclamação.
4. Palestra com funcionário do PROCON,
com ênfase na importância de reclamar e
como reclamar.
5. Leitura da Lei do código do consumidor.
OFICINA 3: -Analisar diferenças e 1.Vídeo da TAM – forma de reclamar/
semelhanças estruturais entre caminhada ao redor da escola para
Estudando o carta de reclamação e carta identificação de problemas locais.
contexto de de solicitação. 2. Atividade escrita sobre as várias formas de
produção de cartas -Perceber a importância dos início e de término da carta de reclamação.
de reclamação parâmetros do contexto de 3. Dispositivo didático sobre leitura e
produção (quem escreve, qual identificação de diferentes gêneros
o papel social que assume ao epistolares.
escrever, por que escreve,
para quem escreve, onde
circulam).
OFICINA 4: - Reconhecer o plano geral 1. Dispositivo didático: ‘’Estrutura da carta de
da carta de reclamação. reclamação’’.
Analisando aspectos 2. Atividade de recortar uma carta de
globais da Carta de reclamação em parágrafos, com posterior
reclamação identificação do objeto da
reclamação, justificativa e a solução do
problema.
3.Atividade escrita de identificação de
diferentes cartas.
4.Atividade escrita de identificação das
diferentes partes da carta de reclamação.
5. Fixação da estrutura da carta na parede
em formato de cartaz.
OFICINA 5: - Produzir a versão inicial da 1. Produção textual da carta de reclamação
carta de reclamação. sobre problemas da comunidade.
Escrevendo a
primeira produção
da carta de
reclamação
OFICINA 6: - Aprender a elaborar frases 1. Atividade sobre formas de textualizar a
nominais na construção do saudação inicial e final.
Textualizando o referente/assunto. 2. Atividade em grupos: recorte de frases
referente/assunto da - Diferenciar frases nominais e nominais e verbais em jornais, revistas, em
carta. verbais. título/manchetes.
3. Elaboração de frases nominais: construção
do ‘’assunto/referente’’ da carta.
4. Atividade escrita de transformação de
frases verbais.
5. Escrita da frase nominal para textualizar o
assunto/referente da carta de reclamação das
cartas dos alunos.
OFICINA 7: - Compreender a textualidade 1. Atividade oral, com esquema na lousa,
do relato e da descrição, para sobre os problemas levantados pelos alunos.
Apresentando o descrever e relatar o problema 2. Leitura e análise de quatro cartas de
problema alvo da da reclamação e solicitar uma reclamação.
carta de reclamação solução. 3.Preenchimento de um quadro com dados
de cada uma das cartas.
4. Interpretação oral das cartas.
OFICINA 8: - Analisar a planificação da 1. Debates orais e escritos com temas
sequência argumentativa: polêmicos; (sistematização na lousa das
Argumentando para fase da premissa opiniões e argumentos).
reclamar (explicitação de opinião) e 2. Leitura e interpretação de uma carta de
apresentação dos reclamação.
argumentos (com as 3. Dispositivo didático: ideias e argumentos.
sustentações).
OFICINA 9: - Aprender a usar os 1. Atividade oral sobre o uso de elementos
conectivos. articuladores do texto, a partir da
Aprendendo a argumentação.
articular as 2. Atividade de substituição de conectivos
partes/ideias do por outro do mesmo valor.
texto 3. Dispositivo didático: quebra-cabeça com
elementos articuladores.
OFICINA 10: - Reescrever a carta de 1. Produção final da carta de reclamação, a
reclamação partir de um processo de revisão e reescrita
Elaborando a carta textual.
de reclamação 2. Dispositivo didático: ficha de revisão da
carta de reclamação
OFICINA 11: -Digitar e postar as cartas. 1. Preenchimento dos envelopes.
-Finalizar o projeto 2. Visita ao correio para postar as cartas e/ou
Cumprindo o teatralizar em sala (envio simbólico).
objetivo social da
carta de reclamação

Tendo em vista que “a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser


tomada como objeto de ensino” (BRASIL,1998, p. 23), cabe ressaltar que a SD cumpre
seu papel, pois toma como objeto fundamental do ensino de língua o gênero textual.
Ressaltamos que que a SD da carta de reclamação foi elaborada a partir de
oficinas. As Oficinas 1, 2, 3 e 4 representam a fase da Apresentação da Situação; a
Oficina 5, a Primeira produção; as Oficinas 6 a 9 representam os Módulos; já as
Oficinas 9, 10 e 11 focalizam a fase da Produção Final.
Na primeira oficina realizamos uma dinâmica com o objetivo de trabalhar a
função social do gênero, a reclamação. Para tanto, entregamos bombons com um
bilhete agradecendo a participação no projeto de implementação e, para três alunos,
distribuímos somente uma bala, entregue aletoriamente. Dois dos três alunos
pegaram a bala e não reclamaram. Somente um deles começou a questionar o porquê
deles terem ganho balas, ao invés de bombons, o que gerou uma discussão em
relação aos efeitos do ato de reclamar. De acordo com a concepção adotada pelo
ISD, o gênero “[...] não é mais instrumento de comunicação somente, mas é, ao
mesmo tempo, objeto de ensino-aprendizagem” (SCHNEUWLY; DOLZ, 2013, p. 65).
Nesse sentido, procuramos uma articulação entre o gênero como instrumento de
comunicação/expressão social e como objeto de ensino e aprendizagem da Língua
Portuguesa.
Quanto à segunda oficina, queremos destacar a importância de trabalhar o
conteúdo temático, o diferencial da voz de autoridade de alguém que está envolvido
com a prática de linguagem em questão (a reclamação), ou seja, uma voz social
(BAKTHIN, 2003) significativa, no nosso caso, a palestrante do Procon que dialogou
sobre os direitos do consumidor com os alunos.
Na terceira oficina fomos à sala de informática para assistir ao vídeo da TAM
que estava planejado na SD. Infelizmente nenhum computador funcionou, tentamos
passar pelo celular, mas não conseguimos. Nesse momento, tivemos que realizar
uma reconcepção do trabalho docente (Cf. BARROS, 2014) devido a um problema
específico do contexto físico. Com o mesmo objetivo saímos em volta da escola e
instigamos os alunos a darem ‘’um olhar para comunidade’’. Para analisarmos esses
problemas solicitamos que os alunos fizessem uma lista das reclamações. Esse
momento de síntese foi essencial para delimitar os problemas que seriam tematizados
nas cartas. Para levá-los a compreenderem o contexto de produção (BRONCKART,
2003), tanto no que diz respeito ao contexto físico, quanto ao sociosubjetivo,
realizamos vários questionamentos, tais como: para quem devemos reclamar de cada
um desses problemas? Levando, assim, os alunos a refletirem sobre quem é o
destinatário dessas cartas. Ao sairmos pelo bairro, já na rua, ficamos horrorizados,
pois um carro em alta velocidade não parou perto da escola. Foi nesse momento que
os alunos disserem “professora poderíamos levantar a questão de um quebra-molas
à frente da escola”. Todos concordaram. Nesse momento perguntamos: “para quem
vocês acham que devemos mandar a reclamação? ”.
Na quarta oficina elegemos um escriba para escrever as reclamações no
quadro. Nesse momento realizamos um trabalho coletivo visando a construção de
espaços dialógicos (NASCIMENTO; BRUN, 2017, p. 51). Optamos trabalhar com a
estrutura da carta de reclamação antes da primeira produção pela complexidade e
diversos elementos do plano textual global. Infelizmente, na atividade de identificação
das diferentes partes da carta de reclamação identificamos o desinteresse de alguns
alunos e a dificuldade de outros. Para ajudar na construção desse conhecimento
questionamos se havia alguma coisa errada na ordem que construíram a carta.
Pedimos para lerem novamente e, ao mesmo tempo, notarem o erro. Conversamos
sobre a importância de ler e reler. As oficinas desenvolvidas até esse momento
equivalem a apresentação da situação no modelo da SD proposta por Dolz, Noverraz
e Schneuwly (2013). Nelas apresentamos um problema de comunicação/uma
necessidade externa, a fim de motivá-los internamente a agir. Também trabalhamos
superficialmente o gênero “carta de reclamação” que daria forma a essa necessidade
de comunicação.
Na quinta oficina temos a segunda fase da sequência didática, a primeira
produção. Ela desempenhou “um papel central como reguladora da sequência
didática” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2013, p. 86), pois nos possibilitou um
diagnóstico das representações dos alunos. Percebemos que as produções dos
alunos se aproximavam mais de bilhetes do que carta de reclamação, problema
ocasionado por uma errônea representação do destinatário. Nesse sentido,
percebemos a necessidade de demostrar como que a carta tem uma linguagem e uma
estrutura mais formal. Para tanto, trabalhamos os módulos (terceira fase da SD).
Na sexta oficina, por exemplo, elaboramos frases nominais para a escrita do
referente/assunto e a textualização da saudação inicial e final. Outro problema
diagnosticado pela produção inicial foi a pluralidade de focos na carta de reclamação,
nesse sentido, na sétima oficina, fizemos a leitura de diferentes cartas; também
identificamos o contexto de produção de cada carta, ou seja, analisamos o objetivo, o
enunciador, o destinatário, o conteúdo temático, entre outros fatores contextuais.
A oitava oficina contou com várias tarefas simplificadas de produção de textos
(DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2013, p. 89). Nela produzimos argumentos orais
e escritos para questões polêmicas da nossa região. Percebemos a dificuldade de
argumentação dos alunos. As respostas se limitavam a “por que sim’’ ou “por que
não”. Nesse momento demostramos que essas não são respostas convincentes e a
necessidade de sustentar as opiniões com argumentos.
Na nona oficina trabalhamos com um elemento linguístico-discursivo da carta,
os conectivos, por meio de atividades de substituição de conectivos com a mesma
carga semântica. Na décima oficina, buscamos a ativação da memória das
aprendizagens (BARROS, 2014) por meio de instrumentos que traziam constatações
das oficinas, como cartazes com sínteses das oficinas, esquemas das análises das
cartas visualizando o plano textual global do gênero, entre outros.
Na décima oficina os alunos realizaram uma nova produção, optaram por não
reescrever a primeira. A proposta selecionada foi escrever ao prefeito reclamando a
necessidade de um redutor de velocidade (popular “quebra-molas”) em frente à
escola, sendo um pedido também da comunidade. Após a produção, os alunos
fizeram uma autoavaliação da produção da carta de reclamação por meio de uma
ficha de revisão (GONÇALVES, 2013). Depois disso, um aluno corrigiu do outro
colega, mostrando a importância do olhar do outro. Para Mafra e Barros (2017, p. 57),
“cabe ao docente também elaborar atividades que desenvolvam a criticidade nos
alunos para que consigam analisar sua produção (ou a do colega) e apontar
problemas, a fim de que o educador não seja o único ator do processo de revisão
textual”. Depois da revisão das cartas de reclamação pelo colega, entregamos
novamente para os alunos a primeira produção para verificarem se evoluíram, se a
produção deles estava mais próxima dos modelos de carta de reclamação
apresentados em sala. Também conversamos sobre como a escrita é um processo
trabalhoso, já que “escrever é (também) reescrever” (DOLZ; NOVERRAZ;
SCHNEUWLY, 2013, p. 95).
Depois da última produção, chegamos à décima primeira oficina, na qual
cumprimos o objetivo social da carta de reclamação, ou seja, entregá-la nas mãos do
prefeito, o qual nos recebeu em seu gabinete, juntamente com o secretário de obras,
delegando a ele a função de resolver a reclamação dos alunos. Na ocasião, o prefeito
garantiu que a obra será feita.

Considerações finais

Esse artigo buscou apresentar reflexões da implementação de um projeto de


intervenção pedagógica com o gênero “carta de reclamação’’. Após esse momento de
reflexão podemos dizer que tal projeto possibilitou uma redescoberta como professor
e oportunizou aos alunos conhecer mais profundamente uma prática social – a prática
de reclamar de problemas da comunidade –, aprimorando o trabalho com a leitura e
a escrita.
Percebemos que a construção e o desenvolvimento da SD seguiram “uma
perspectiva construtivista, interacionista e social” que necessitou “a realização de
atividades intencionais, estruturadas e intensivas” que precisaram se adaptar “às
necessidades particulares dos diferentes grupos de aprendizes” (DOLZ; NOVERRAZ;
SCHNEUWLY, 2013, p. 93). Essas constatações possibilitaram refletir sobre o nosso
agir docente e sobre a importante mediação de uma ferramenta como a SD.
Entretanto, nas dificuldades dos alunos são facilmente observável o avanço
dos alunos na primeira produção, com cada sequência didática através dos módulos
na produção final.
Gostaríamos de enfatizar a importância dos estudos teóricos para formação
continuada, para nosso crescimento e o saber continuo, sendo essencial conhecer
mais a teoria, e esta veem com muito estudo e aprofundamento, para poder trabalhar
mais coerentemente.
Esse estudo oportunizou que nos tornássemos criadores do nosso próprio
material, diferentemente do trabalho com o livro didático. Conhecemos vários
instrumentos além da própria SD, como a ficha de revisão. Segundo Barros (2012), é
necessário por parte do professor uma constante ação reflexiva sobre sua atividade
profissional. A parceria universidade/escola haveria de ter um viés colaborativo, sem
“sujeitos de pesquisa”, mas colaboradores tendo em vista que nos empenhamos mais
em uma proposta quando reconhecemos nosso papel essencial em sua construção
coletiva.

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