2016 Artigo Port Uenp Reginamarciamichelatosilva
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Resumo: Este artigo é norteado pela concepção de gêneros textuais, segundo Bakhtin (2003) e
Bronckart (2003). A metodologia utilizada para a construção do material didático foi o procedimento
“sequência didática de gêneros”, proposto pelo Grupo de Genebra, conhecido com Interacionismo
Sociodiscursivo (ISD) e sua vertente didática apresentada por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2013). Para
a intervenção didática elaborou-se e desenvolveu-se uma sequência didática a partir do gênero textual
“carta de reclamação”, cujo objetivo foi desenvolver capacidades de linguagem para a leitura e
produção de texto, entendidas como pré-requisitos básicos para a inserção no mundo atual, dada a
grande exigência de capacidades de linguagem múltiplas para atender as diferentes demandas de
atividades da sociedade. Apresenta-se, neste artigo, além de toda a fundamentação teórica de base, a
descrição da sequência didática do gênero “carta de reclamação”, elaborada durante o projeto, assim
como um relato reflexivo do processo de intervenção didática.
1 Introdução
1 Docente da Rede Estadual de Ensino do Paraná, lotada no Colégio Estadual Willian Madi. Cornélio
Procópio, Brasil, e-mail: regina.silva@escola.pr.gov.br.
2 Docente adjunta da Universidade Estadual Norte do Paraná (UENP/Cornélio Procópio), docente no
2 Fundamentação teórica
[...] é obvio que se a escola tem como missão primária levar o aluno a bem
se desempenhar na escrita, capacitando-o a desenvolver textos em que os
aspectos formal e comunicativo estejam bem conjugados, isto não deve servir
de motivo para ignorar os processos da comunicação oral. A razão é simples,
pois desenvolver um texto escrito é fazer as vezes do falante e do ouvinte
simuladamente.
De acordo com Rojo e Cordeiro (2013, p.10), no Brasil, a ideia que o texto deva
ser “a base do ensino-aprendizagem da língua portuguesa” já é bastante aceita – “seja
como material concreto sobre o qual se exerce o conjunto dos domínios de
aprendizagem, sobretudo leitura e produção de textos, seja como objeto de ensino
propriamente dito”. Entretanto, foi na chamada “virada discursiva ou enunciativa” que
o texto passou a ser visto em seu funcionamento discursivo, como instrumento das
interações linguageiras. Momento em que o contexto de produção e leitura passaram
a ter enfoque nos estudos textuais e nas diretrizes para o ensino da língua. Essa
virada foi ecoada, segundo as autoras, nos PCNs, convocando-se, naturalmente, “a
noção de gêneros (discursivos ou textuais) como instrumento melhor que o conceito
de tipo para favorecer o ensino da leitura e de produção de textos escritos e, também,
orais” (ROJO; CORDEIRO, 2013, p. 14).
Para Schneuwly (2013, p.20, grifo do autor), o gênero pode ser considerado um
instrumento psicológico no sentido vigotskiano do termo, no sentido em que o termo
instrumento foi reinterpretado como um fator de desenvolvimento de capacidades e
transformador de comportamentos, pois um instrumento media uma atividade, dá-lhe
certa forma; e a transformação do mesmo também transforma evidentemente as
maneiras de um indivíduo se comportar em certas situações.
Vários são os níveis de operação mentais necessárias para a produção de um
texto, que tem o gênero como fator de organização, seja no tratamento do conteúdo;
tratamento comunicativo; tratamento linguístico (SCHNEUWLY, 2013, p. 25).
De acordo com Bakthin (2003), é importante diferenciar os gêneros discursivos
primários dos secundários. Os gêneros primários são aqueles mais simples, já os
gêneros secundários são formas mais complexas. Bakhtin (1953,1979, apud
SCHNEUWLY, 2013, p.26) destaca que os gêneros primários “[...] se constituíram em
circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea”, já os gêneros secundários
“aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural, mais complexa e
relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica”.
Os gêneros primários são aqueles pertencentes ao nível mais real em que as
crianças são confrontadas em suas práticas de linguagens, instrumentalizando-as
para agir e interagir socialmente, permitindo-lhes agir com eficácia em situações
novas. Já os secundários, por não serem espontâneos, para sua apropriação são
necessárias intervenções mais complexas: é preciso, quase sempre, domínio das
formalidades mediadas pela leitura e escrita proporcionadas pela escola. De acordo
com Schneuwly (2013, p.29), os gêneros secundários introduzem uma ruptura
importante:
São, portanto, duas lógicas, entre duas relações, entre dois sistemas que dão
origem ao verdadeiro desenvolvimento. É o que Vygotsky chamou de “lei da zona
proximal de desenvolvimento”, em que o sistema novo se apoia completamente no
antigo em sua elaboração, fazendo transformá-lo profundamente, transmutá-lo, ou
seja, a linguagem escrita reorganiza a linguagem oral (espontânea), e os gêneros
primários acabam sendo os instrumentos de criação dos gêneros secundários
(SCHNEUWLY, 2013).
E é a partir de um contexto heterogêneo de produção e recepção e de uma
diversidade de esferas de comunicação – onde os gêneros são adaptados para uso
individual – que os sujeitos vão se constituindo.
Os gêneros textuais são, assim, incontáveis, pois a medida que novos modelos
são criados/adaptados, outros deixam de ser usados como objetos da interação.
Nesse sentido, são práticas comunicativas dinâmicas, pois podem sofrer variações na
sua constituição e mudar, acompanhando as alterações socioculturais da sociedade
e da esfera de produção e circulação.
Segundo Marcuschi (2010), devemos defini-los não apenas por sua forma, mas
principalmente por sua função interativa, comunicativa e social. Marcuschi (2010)
assegura que os gêneros são formações interativas, multimodalizadas e flexíveis de
organização social e de produção de sentidos. Segundo o autor, quando ensinamos,
por exemplo, a produzir um gênero, ensinamos um modo de atuação sociodiscursiva
numa dada cultura e não um simples modo formal de produção textual (MARCUSCHI,
2005).
Nesse sentido, é preciso diferenciar tipos textuais (objetos formais que
compõem os textos) e gêneros textuais (configurações sociodiscursivas que fazem a
mediação das interações por meio da linguagem). Segundo Marcuschi (2010), os tipos
textuais são utilizados para caracterizar espécies de composições específicas:
aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas. Os tipos textuais
abrangem as categorias conhecidas como narração, argumentação, exposição,
descrição, injunção (essas categorias podem variar de autor para autor, mas têm
número limitado, diferentemente dos gêneros).
Nesse sentido, o trabalho com os gêneros textuais pode ser muito fértil, pois
proporciona uma atenção especial para o funcionamento da língua e para atividades
culturais e sociais. Ao ingressar na escola a criança já traz suas vivências e
conhecimentos de linguagens que, com o passar do tempo, vai se transformando,
sendo que os mecanismos que instrumentalizam essa transformação são os gêneros.
Como referenciado anteriormente o ensino de língua portuguesa passou por
diversas e decisivas mudanças, que vieram instaurar uma concepção de linguagem
como lugar de interação, de texto como unidade concreta do ensino-aprendizagem da
língua e de gênero como configuração de uma prática de linguagem e objeto/
instrumento da aprendizagem.
Os gêneros seriam, assim, uma forma de confronto entre os alunos e práticas
de linguagem historicamente construídas. A sua apropriação permitiria ao aluno
reconstruí-las e delas se apropriarem.
1) os conteúdos que são (que se tornam) dizíveis por meio dele; 2) a estrutura
(comunicativa) particular dos textos pertencentes ao gênero; as
configurações específicas das unidades de linguagem, que são sobretudo
traços da posição enunciativa do enunciador, e os conjuntos particulares de
sequências textuais e de tipos discursivos que formam sua estrutura. (DOLZ;
NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2013, p. 44).
Para Dolz e Schneuwly (2004 apud BARROS, 2009, p. 132), o diferencial desta
abordagem está não apenas na valorização da diversidade textual dada por muitos
autores, e que acabam por deixa a desejar a prática de linguagem, pois a perspectiva
interacionista sociodiscursiva busca instrumentalizar o aluno para que, juntamente
com os colegas e a ação intermediadora do professor, ele possa descobrir as
determinações sociais das situações de comunicação, bem como o valor das
unidades semióticas no uso real de um gênero.
Na perspectiva do ensino mediado por gêneros, a língua
É, pois, a língua em seu caráter mais amplo, que deve ser tomada como objeto
de estudo na Língua Portuguesa, afinal, ela é o instrumento de interação que
individualiza os seres humanos. Para tanto, a ação pedagógica deve estar centrada
no uso real da linguagem, de forma concreta, contextualizada, criando momentos em
que se experimente discursivamente as práticas de linguagem, essas sempre
configuradas em determinado gênero de texto. Assim, cabe à escola viabilizar o
acesso do aluno ao universo dos textos que circulam socialmente, ensinar a produzi-
los e a interpretá-los.
Nessa perspectiva interacional, o estudo da língua passou a ter os gêneros
como objetos e/ou instrumentos do ensino. Neste trabalho, entende-se que os
gêneros textuais podem ser considerados tanto o objeto como o instrumento mediador
da atividade de ensino, uma vez que são, ao mesmo tempo, o meio e o fim da atividade
de apropriação de uma prática de linguagem.
De acordo com Bakhtin (2003, p 285),
Ao interagir uns com os outros, o ser humano faz uso da língua, revelada
naquele momento por meio do gênero mais adequado. Pode-se dizer que os gêneros
textuais são formas de linguagem sócio-historicamente construídas, provenientes das
necessidades produzidas em diferentes lugares sociais da comunicação humana, pois
produzimos, utilizamos e nos deparamos diariamente com inúmeros gêneros que se
fazem presentes, atendendo a diferentes necessidades de interação.
Sob essa ótica, Bronckart (2003, p. 103) assevera que “a apropriação dos
gêneros é um mecanismo fundamental de socialização e de inserção prática nas
atividades comunicativas humanas”.
Portanto, é papel da escola desenvolver eventos de letramento voltados à
leitura e produção de textos na perspectiva dos gêneros textuais, tomando como foco,
principalmente, sua função social. Porém, para que os alunos dominem diferentes
gêneros que circulam socialmente é necessário que o professor construa estratégias
de ensino, com o objetivo de levá-los ao desenvolvimento das capacidades de
linguagem necessárias para serem leitores e produtores competentes desses gêneros
trabalhados, e isso pode ser alcançado por meio da metodologia das sequências
didáticas criada pelo grupo genebrino filiado ao ISD.
Antes da apresentação da metodologia das SD – foco da intervenção didática
deste trabalho –, é preciso entender, mesmo que sinteticamente, o panorama teórico
em que ela foi criada.
Para dar conta desse processo, o ISD apoia-se em uma engenharia didática
instrumentalizada por duas ferramentas principais: o modelo didático de gêneros e a
sequência didática (SD).
Considerações finais
REFERÊNCIAS
______. Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos de ensino. In:
Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organização de Roxane Rojo e
Glaís Sales Cordeiro. Campinas: Mercado das Letras, 2013. p. 21-39.