Conto de Terror - O Caminho Do Cemiteiro
Conto de Terror - O Caminho Do Cemiteiro
Conto de Terror - O Caminho Do Cemiteiro
São Miguel do Vale é uma cidade pequena, onde as lendas correm de boca em boca,
ganhando novos detalhes a cada geração. Mas, de todas as histórias que ouvi ao longo dos
anos, a do caminho do cemitério era a que mais mexia comigo. Talvez fosse o tom sério dos
mais velhos quando falavam dela, ou o modo como evitavam o assunto ao anoitecer. Era
como se algo naquela lenda fosse mais do que apenas um conto assustador — era uma
verdade que ninguém queria admitir, mas que todos temiam.
Eu nunca fui do tipo que se assusta facilmente. Sempre tive uma curiosidade que beirava a
teimosia, uma necessidade de desafiar o que os outros aceitavam sem questionar. Quando
criança, ouvia as histórias com fascínio, mas conforme cresci, esse fascínio se transformou
em ceticismo. Comecei a ver essas lendas como relíquias de um tempo em que as pessoas
explicavam o inexplicável com superstição. Mas, por mais que eu tentasse racionalizar, a
lenda do caminho do cemitério continuava a me intrigar. Havia algo nela que eu não
conseguia ignorar, algo que me fazia querer saber a verdade, não importa o que fosse.
Decidi que precisava ver com meus próprios olhos. Precisava sentir o que tantas pessoas
antes de mim afirmaram ter sentido. E assim, em uma noite que parecia comum, tomei a
decisão de caminhar até o cemitério à meia-noite. Sabia que seria a única maneira de
acabar com aquela inquietação que me acompanhava desde sempre. Queria provar que
tudo não passava de uma invenção das mentes supersticiosas da cidade — e, talvez,
provar a mim mesmo que não tinha medo.
O ar estava mais frio do que o normal quando saí de casa. A cidade estava silenciosa, com
as luzes das casas já apagadas, como se todos estivessem inconscientemente cientes do
que eu estava prestes a fazer e preferissem se afastar da minha decisão. As ruas de
paralelepípedos, que tantas vezes percorri, pareciam diferentes àquela hora, como se a
cidade inteira estivesse me observando. O silêncio era quase tangível, e eu podia ouvir o
som dos meus próprios passos ressoando contra as paredes das casas, cada eco
parecendo uma advertência.
Olhei para o relógio em meu pulso — faltavam poucos minutos para a meia-noite. Sabia
que, se quisesse descobrir a verdade, teria que seguir em frente. Não havia mais volta.
Respirei fundo, sentindo o ar gelado encher meus pulmões, e dei o primeiro passo na trilha.
O solo úmido cedeu levemente sob meus pés, e o frio que até então era apenas um
incômodo se intensificou, penetrando meus ossos.
A lanterna em minha mão projetava um feixe de luz à minha frente, mas parecia que a
escuridão ao redor a absorvia, deixando apenas alguns metros visíveis. As árvores, que
durante o dia eram familiares, agora se tornavam figuras distorcidas e ameaçadoras, seus
galhos estendidos como mãos prontas para me agarrar. O som do vento entre as folhas
parecia sussurrar palavras que eu não conseguia entender, mas que faziam minha espinha
arrepiar.
Continuei a caminhar, cada passo me levando mais fundo naquela trilha que, embora
conhecesse tão bem, agora parecia uma passagem para outro mundo. O silêncio, antes
quebrado apenas pelo som dos meus passos, tornou-se opressor, como se algo estivesse
esperando para se revelar a qualquer momento. Eu estava sozinho, apenas com minha
curiosidade e minha determinação para me guiar. E, naquele momento, algo dentro de mim
soube que, independentemente do que eu encontrasse naquela noite, nunca mais seria o
mesmo.
O relógio na parede do meu quarto marcava 23h30, e eu sentia uma mistura estranha de
excitação e ansiedade crescendo dentro de mim. Durante todo o dia, fiz de tudo para
manter minha mente ocupada, tentando evitar pensar no que estava por vir. Mas, à medida
que a noite avançava, o silêncio da casa se tornava cada vez mais ensurdecedor, e a
expectativa do que me aguardava começou a pesar sobre meus ombros como uma sombra
que não podia ser ignorada.
Finalmente, saí de casa. O ar da noite era gelado, cortante, e envolvia meu corpo como um
manto pesado. As ruas estavam desertas, envoltas em um silêncio profundo e inquietante.
As luzes dos postes lançavam sombras longas e distorcidas, que dançavam ao meu redor
enquanto eu caminhava. O som dos meus passos ecoava pela cidade adormecida, cada
batida contra o chão reverberando como um tambor de guerra, preparando-me para a
batalha que eu estava prestes a enfrentar. A cidade, que tantas vezes me acolheu com sua
familiaridade, agora parecia estranha, como se estivesse observando meu cada movimento,
esperando para ver o que eu faria.
O chão úmido parecia ceder sob meus pés, e o frio, que antes era apenas um incômodo,
agora parecia penetrar minha pele, infiltrando-se em meus ossos. A lanterna em minha mão
iluminava apenas alguns metros à frente, e a escuridão ao redor parecia viva, pulsante,
como se estivesse esperando para me engolir. As árvores, que durante o dia eram tão
familiares, agora se transformavam em figuras distorcidas, seus galhos estendidos como
dedos esqueléticos prontos para me agarrar. O som do vento era mais intenso, quase como
um sussurro, mas não eram palavras que eu conseguia entender — eram sons que
tocavam uma parte primitiva e oculta da minha mente, despertando um medo que eu nem
sabia que tinha.
Conforme avançava, o som dos meus passos parecia ecoar de uma forma estranha, como
se eu estivesse caminhando em um espaço muito maior do que realmente era. A trilha, que
eu conhecia tão bem, agora parecia desconhecida, quase mutante, como se estivesse se
adaptando à minha presença. A sensação de que algo estava errado se intensificava a cada
passo, mas eu me forçava a continuar. Eu precisava chegar ao cemitério. Precisava provar
que não havia nada além do que meus olhos podiam ver, por mais que algo dentro de mim
gritasse para que eu voltasse.
Finalmente, a meia-noite chegou. E com ela, algo mudou no ar ao meu redor. O silêncio,
que antes era apenas um pano de fundo, tornou-se absoluto, quase opressivo, como se o
próprio tempo tivesse parado. Parei por um momento, tentando entender o que havia
mudado, mas não havia nada de concreto — apenas uma sensação crescente de que eu
havia cruzado uma linha invisível. Sabia que estava em um lugar onde as regras do mundo
que eu conhecia não se aplicavam mais. E, naquele instante, compreendi que,
independentemente do que eu encontrasse naquela noite, minha vida nunca mais seria a
mesma.
A lanterna em minha mão projetava um feixe de luz à minha frente, mas a escuridão parecia
absorvê-lo, engolindo a luz antes que ela pudesse iluminar muito longe. As árvores ao
redor, que sempre me pareceram inofensivas, agora assumiam formas distorcidas e
ameaçadoras, seus galhos se estendendo como braços retorcidos, prontos para me agarrar.
Era como se a floresta estivesse ganhando vida própria, mudando e se adaptando conforme
eu avançava, me observando, testando minha coragem.
A cada passo, a sensação de que algo estava profundamente errado aumentava. O som do
vento, que antes era apenas um sussurro suave entre as folhas, agora parecia carregar
palavras que eu não conseguia compreender, mas que causavam um arrepio na minha
espinha. Fragmentos de sons e sussurros ecoavam ao meu redor, como se o vento
estivesse tentando me dizer algo, algo que eu não queria ouvir, mas que era impossível
ignorar.
Decidido a seguir em frente, percebi que o ambiente ao meu redor parecia se fechar. As
árvores pareciam mais próximas, as sombras mais densas, como se a própria noite
estivesse conspirando para me manter ali. Meu coração batia mais rápido, cada batida
ecoando nos meus ouvidos como um tambor de alerta. A lanterna em minha mão tremia
ligeiramente, refletindo a tensão crescente que eu sentia.
A névoa começou a se formar ao meu redor, uma camada fina que rapidamente subiu,
engolfando tudo à minha volta. O ar, que já estava frio, parecia ainda mais gelado, e um
arrepio atravessou meu corpo. Mas não era apenas o frio que me incomodava — havia algo
de errado com aquela névoa. Ela parecia se mover de maneira própria, em redemoinhos
sutis, quase como se estivesse guiando meus passos, conduzindo-me para algum lugar que
eu não queria ir.
De repente, eu a vi. No meio da trilha, uma sombra se materializou. Uma figura alta e
indistinta, parada, como se estivesse esperando por mim. Meu coração disparou, e minha
mente foi inundada por uma mistura de medo e incredulidade. A lanterna vacilou em minhas
mãos enquanto eu tentava focar a luz naquela figura, mas quanto mais eu olhava, mais ela
parecia se distorcer, como se estivesse fora de sincronia com a realidade.
Eu queria correr, queria voltar e esquecer que tinha decidido fazer essa jornada. Mas algo
me impedia, algo me mantinha enraizado no lugar. A figura não se movia, mas a sensação
de perigo era inconfundível. Dei um passo para trás e percebi que a figura parecia se
aproximar levemente, como se estivesse conectada ao meu movimento, atraída por meu
recuo.
O sussurro no vento ficou mais alto, mais insistente. Agora eu tinha certeza de que ouvia
meu nome sendo chamado, repetidamente, em um tom que misturava súplica e ameaça.
Decidi que não podia me deixar dominar pelo medo. Eu precisava continuar, precisava
chegar ao fim do caminho, independentemente do que estivesse à minha frente. Reunindo
toda a coragem que me restava, dei um passo adiante, tentando ignorar a presença sinistra
que parecia me espreitar.
Conforme avançava, a trilha, que já estava distorcida, agora parecia completamente fora de
lugar. As árvores ao redor inclinavam-se mais perto, seus galhos roçando em mim como
dedos frios e ossudos. O pânico começou a crescer dentro de mim, mas eu me forcei a
continuar. Sabia que parar significaria ceder ao terror que estava tentando se apoderar de
minha mente.
A névoa se adensava a cada passo, e a escuridão ao meu redor se tornava quase palpável,
como se pudesse me envolver e me sufocar. A sombra à minha frente, que inicialmente
estava isolada, parecia se multiplicar, surgindo na minha visão periférica, cercando-me por
todos os lados. Eu estava preso em um pesadelo, e cada passo me levava mais fundo em
um lugar onde a lógica e a razão não tinham mais poder.
Eu sabia que o cemitério deveria estar perto, mas não conseguia ver nada além da névoa e
das sombras que se fechavam ao meu redor. Minha respiração estava rápida e pesada, e o
medo, que antes era apenas uma sensação desconfortável, agora se tornava paralisante.
Eu sabia que estava à beira de descobrir algo que mudaria minha vida para sempre — se
eu conseguisse sobreviver a essa noite.
Eu não sabia quanto tempo havia passado desde que comecei a caminhar, mas a sensação
de estar preso em uma realidade distorcida se intensificava a cada passo. Quando
finalmente avistei os portões do cemitério, um alívio breve e ilusório percorreu meu corpo.
Mas logo percebi que algo estava terrivelmente errado. Os portões, que normalmente
estavam trancados à noite, estavam agora entreabertos, balançando levemente ao ritmo de
uma brisa que eu não conseguia sentir. Era como se o cemitério estivesse me convidando a
entrar, mas o convite parecia mais uma armadilha.
Atravessei os portões com hesitação, sentindo o peso do metal frio contra minha mão. O
som das dobradiças enferrujadas rangendo cortou o silêncio da noite, um som agudo e
perturbador que ecoou ao meu redor como um aviso sombrio. Olhei para trás uma última
vez, como se esperasse ver alguém ou algo me seguindo, mas a trilha estava vazia, envolta
na escuridão. Eu estava sozinho.
O cemitério, que eu conhecia tão bem durante o dia, agora parecia um lugar completamente
diferente, quase irreal. As lápides, antes alinhadas e firmes, estavam inclinadas em ângulos
estranhos, como se a terra sob elas tivesse sido perturbada. Algumas estavam tão
deslocadas que pareciam prestes a tombar. O vento sussurrante que havia me
acompanhado na trilha parecia ter se intensificado, e agora circulava ao redor das lápides,
como se estivesse reunindo forças invisíveis para algo maior.
Foi então que, entre as lápides, avistei algo que fez meu coração parar por um instante. No
meio do cemitério, uma figura alta e indistinta estava em pé, imóvel, ao lado de uma lápide
maior e mais antiga que as outras. A luz da minha lanterna vacilou quando tentei focá-la na
figura, mas quanto mais eu tentava vê-la claramente, mais a sombra parecia se distorcer,
como se estivesse fora de sincronia com o mundo ao meu redor.
Meu corpo congelou, e meu coração começou a bater descontroladamente. A figura estava
de costas para mim, mas a sensação de ser observado era esmagadora, como se aquela
presença soubesse exatamente onde eu estava e o que eu estava pensando. A lanterna em
minha mão tremia enquanto eu considerava minhas opções. Correr parecia ser a decisão
mais lógica, mas algo — talvez curiosidade, talvez um impulso autodestrutivo — me fez ficar
parado.
Eu tentei dar um passo para trás, mas meus pés pareciam presos ao chão. A figura, embora
indistinta, exalava uma aura de tristeza profunda misturada com algo muito mais sombrio,
algo que transcende o mero físico. A sensação de perigo era tão intensa que eu podia
senti-la na pele, como se fosse uma corrente elétrica.
Foi então que a figura começou a murmurar, mas não em palavras que eu pudesse
entender. O som que emergiu era mais um lamento, uma sequência de sílabas desconexas
que pareciam vir de um tempo e lugar diferentes. Não eram apenas sons; eram invasões de
meus pensamentos, trazendo à tona memórias esquecidas e sentimentos que eu acreditava
ter superado. Era como se a figura estivesse comunicando algo além da linguagem, algo
primordial e aterrorizante.
A luz piscou, vacilante, mas conseguiu atravessar a escuridão por um breve momento. Foi o
suficiente para eu ver algo que jamais esquecerei. Onde deveria haver um rosto, havia
apenas um vazio profundo, uma escuridão que não refletia a luz, mas que parecia
absorvê-la completamente. Aquilo não era uma pessoa, mas uma manifestação de algo
além da compreensão humana, uma entidade de outro tempo, de outro lugar.
O horror tomou conta de mim, e sem pensar, me virei e corri, o som de meus passos
ecoando pelo cemitério silencioso. Eu sabia que a figura não me seguia fisicamente, mas a
presença dela permaneceu comigo, uma sombra em minha mente que eu sabia que jamais
conseguiria apagar. Não parei até atravessar os portões do cemitério, meu coração batendo
descontroladamente enquanto eu corria de volta pela trilha, sem me importar com a direção.
Quando finalmente parei para recuperar o fôlego, estava de volta ao início do caminho. A
névoa havia se dissipado, e o silêncio ao meu redor era diferente — não mais opressor,
mas vazio, como se algo tivesse sido removido do próprio ar. Olhei para trás, para o
cemitério agora distante, e percebi que os portões estavam fechados novamente, como se
nunca tivessem se aberto. Sabia que, de alguma forma, havia escapado, mas a sensação
de que algo havia mudado dentro de mim era inegável. Eu não era mais o mesmo, e a
certeza de que jamais seria me pesava na mente.
Eu nunca senti tanto medo como naquele momento. Enquanto corria de volta pelo caminho
do cemitério, cada passo que eu dava parecia me empurrar mais fundo em um pesadelo. O
som dos meus passos ecoava de forma distorcida, como se o chão estivesse oco,
reverberando um som que parecia vir de um lugar muito distante. O terreno, que antes
parecia estável, agora estava traiçoeiro; a cada passo, parecia que meus pés afundavam
levemente na terra, como se ela estivesse cedendo, me puxando para baixo.
O ar ao meu redor estava carregado com uma eletricidade palpável, e eu sentia que algo —
ou alguém — me seguia. Mesmo sabendo que tinha escapado da figura no cemitério, a
sensação de perigo só aumentava. Era como se as próprias sombras ao meu redor
estivessem ganhando vida, conspirando para me manter preso naquele lugar.
De repente, algo à frente na trilha chamou minha atenção. Uma sombra, semelhante àquela
que eu tinha visto no cemitério, mas desta vez mais definida, estava parada no meio do
caminho. Meu coração disparou, e minha mente ficou em branco por um momento. Eu
congelei, sem conseguir decidir se deveria avançar ou voltar. A sombra parecia me
observar, imóvel, mas cheia de uma presença que exalava ameaça.
Com a lanterna tremendo em minhas mãos, eu dei um passo em direção à sombra. A luz
vacilou por um instante, mas eu continuei, sabendo que fugir não era uma opção. A sombra
parecia esperar por mim, como se soubesse que eu não teria escolha a não ser
confrontá-la.
A medida que me aproximava, a sombra não reagia, mas a sensação de ser observado
aumentava. Era como se aquela entidade estivesse estudando cada movimento meu, cada
pensamento. O som do vento ao meu redor ficou mais alto, quase como um lamento, mas
havia algo mais profundo naquela voz do vento — uma sensação de que algo estava
tentando se comunicar comigo, mas que minha mente humana não podia compreender.
A sombra começou a se mover lentamente em minha direção. A cada passo que eu dava,
sua forma se tornava mais nítida, mas ainda carregava aquela distorção perturbadora, como
se não pertencesse completamente a este mundo. Eu queria desviar o olhar, queria fugir,
mas algo me mantinha preso, forçando-me a encarar o que estava à minha frente.
Quando a sombra estava a poucos metros de mim, parou. A lanterna piscou novamente, e
eu senti uma onda de frio atravessar meu corpo, como se a própria escuridão ao redor
estivesse viva, respirando. A sombra à minha frente não era apenas uma entidade isolada;
era parte de algo maior, algo que permeava todo o lugar, um mal antigo que estava ali muito
antes de eu chegar.
Eu caí de joelhos, sentindo o desespero crescer. Minha mente estava sendo invadida por
imagens e sons que eu não conseguia controlar — rostos distorcidos, gritos abafados,
memórias de vidas que não eram minhas, mas que me aterrorizavam profundamente. Era
como se eu estivesse absorvendo a dor e o sofrimento de todas as almas que haviam
passado por aquele caminho antes de mim.
Lembrei-me das palavras do meu avô: "Há coisas que não devem ser mexidas." Finalmente
compreendi o que ele queria dizer. Algumas forças não podem ser enfrentadas diretamente;
é preciso ceder, mas sem se render completamente. Eu precisava encontrar um equilíbrio
entre enfrentar o medo e aceitar o desconhecido.
Com esse pensamento, me forcei a ficar de pé. A escuridão ao meu redor continuava a me
pressionar, mas eu parei de resistir. Fechei os olhos, concentrei-me na minha respiração,
tentando acalmar minha mente. A pressão começou a diminuir, e a sensação de desespero
deu lugar a uma calma estranha, quase surreal.
Eu sabia que ainda não estava completamente seguro, mas sentia que havia conquistado
algo importante. A trilha à minha frente estava clara novamente, e uma nova determinação
surgiu dentro de mim. Precisava sair daquele lugar, mas agora sabia que não estava mais
sozinho. As sombras ainda me observavam, mas eu havia aprendido a enfrentá-las sem me
deixar consumir.
Com passos firmes, comecei a caminhar de volta para a cidade. A noite estava mais escura
do que nunca, mas eu sentia que, de alguma forma, havia conquistado o direito de passar
por ela. As sombras não me abandonariam completamente, mas eu havia ganhado o
respeito delas. E enquanto avançava, sabia que aquela experiência me mudaria para
sempre.
Ao deixar para trás a escuridão opressiva e as sombras que quase me consumiram, uma
mistura de alívio e estranheza tomou conta de mim. O caminho à minha frente estava
finalmente claro, mas eu sabia que algo dentro de mim havia mudado para sempre. A noite
estava mais silenciosa do que nunca, mas não era o mesmo silêncio opressor que me havia
perseguido antes. Era um silêncio vazio, quase como se o mundo ao meu redor estivesse
se recuperando de algo que não deveria ter acontecido.
Quando finalmente avistei as luzes da cidade, senti uma mistura de alívio e inquietação. A
familiaridade das casas, das ruas, e do ambiente que eu conhecia desde criança deveria ter
trazido conforto, mas tudo parecia diferente agora. Eu sabia que, por mais que tentasse,
nunca mais veria a cidade ou seus habitantes da mesma maneira. Algo havia sido perdido
naquela noite — uma sensação de segurança que jamais conseguiria recuperar.
Ao atravessar a primeira rua iluminada, percebi que as sombras não me seguiam mais. Eu
estava seguro, pelo menos fisicamente, mas a sensação de ser observado ainda persistia.
Olhei para trás uma última vez, em direção ao cemitério que agora estava distante e
invisível, oculto pela escuridão da noite. Os portões, que antes estavam abertos, agora
estavam fechados, como se nunca tivessem se movido. A trilha, que se transformara em um
pesadelo, parecia novamente normal e inofensiva, mas eu sabia que essa aparência era
ilusória.
Ao chegar em casa, abri a porta e entrei, sentindo o calor familiar do ambiente que
contrastava fortemente com o frio que havia experimentado lá fora. Fechei a porta atrás de
mim e encostei-se a ela, respirando profundamente, tentando acalmar os nervos ainda
tensos. O silêncio da casa era reconfortante, mas também perturbador. Era o mesmo
silêncio de sempre, mas agora eu o percebia de uma maneira diferente, como se o simples
ato de estar sozinho em minha própria casa fosse uma vitória.
Sentei-me no sofá e fechei os olhos, tentando relaxar. Mas, sempre que os fechava, as
imagens daquela noite voltavam à minha mente — as sombras, a figura no cemitério, os
sussurros que invadiram minha mente. Eu sabia que jamais conseguiria apagar
completamente essas lembranças, e que teria que aprender a conviver com elas.
Nos dias seguintes, tentei retomar minha rotina. Voltei ao trabalho, conversei com os
vizinhos, tentei sorrir e seguir em frente. Mas havia uma distância crescente entre mim e o
resto das pessoas. Observava-as falando sobre suas preocupações diárias, seus problemas
triviais, e percebia que não conseguia mais me conectar com aquilo. Minha mente estava
sempre voltada para o que havia enfrentado naquela noite, para o terror que havia
sobrevivido.
Embora tivesse sobrevivido fisicamente, algo dentro de mim havia mudado profundamente.
As sombras que me haviam seguido até em casa não eram mais visíveis, mas eu as sentia,
espreitando nas bordas de minha visão, uma lembrança constante do que havia
confrontado. Elas não me ameaçavam mais, mas sabia que estavam sempre lá, esperando,
prontas para reaparecer se eu ousasse novamente me aventurar pelo caminho do
cemitério.
Eu também me lembrava das palavras de meu avô, que agora faziam mais sentido do que
nunca: "Há coisas que não devem ser mexidas." Eu havia desafiado essa sabedoria, e
agora entendia o preço que havia pago. Não era apenas o terror físico que me havia
marcado, mas o conhecimento de que havia cruzado uma linha invisível, uma linha que
separava o mundo cotidiano do mundo além, onde as regras eram diferentes e o perigo era
real.
Com o tempo, parei de tentar explicar para mim mesmo o que havia acontecido naquela
noite. Aceitei que algumas coisas não podem ser compreendidas ou racionalizadas, apenas
suportadas. Sabia que jamais voltaria ao caminho do cemitério, mas também sabia que
carregaria para sempre as marcas daquela noite, invisíveis para os outros, mas
profundamente gravadas em minha alma.
Então, em uma noite que parecia como qualquer outra, enquanto estava sentado no sofá
tentando me concentrar em um livro, algo mudou. A lanterna, guardada no canto da sala,
acendeu sozinha. A luz não era a mesma de antes — era mais fraca, trêmula, como se
estivesse lutando contra uma força invisível. Fiquei paralisado, sentindo o sangue gelar em
minhas veias. O ar na sala ficou subitamente frio, e percebi que não estava mais sozinho.
Quando estendi a mão para desligá-la, senti um arrepio intenso, como se uma corrente
elétrica percorresse meu corpo. No momento em que meus dedos tocaram a lanterna, a luz
apagou-se abruptamente, mergulhando a sala na escuridão completa. Tentei acender a luz
do teto, mas nada aconteceu. Foi então que ouvi — o som que jamais esperava ouvir de
novo — os sussurros.
Os sussurros estavam de volta, mais próximos e mais claros do que antes. Não vinham de
fora; estavam dentro da sala, ao meu redor, dentro de minha mente. Tentei me mover, mas
meus pés pareciam colados ao chão. A escuridão ao redor começou a se mover, as
sombras que eu pensava ter deixado para trás agora estavam ao meu redor, mais fortes e
mais vivas do que nunca.
Tentei gritar, mas nenhum som saiu. As sombras começaram a se aproximar, e percebi,
horrorizado, que a figura que havia encontrado no cemitério estava entre elas, mais clara e
mais definida do que antes. Ela se aproximou lentamente, seus olhos — ou a falta deles —
fixos em mim. O pânico tomou conta, e senti que minha mente estava prestes a
desmoronar.
Foi então que entendi: nunca havia realmente escapado. O que pensei ser uma fuga foi
apenas uma trégua, uma ilusão temporária para permitir que eu baixasse a guarda. As
sombras, a figura, o cemitério — tudo estava conectado a mim agora, parte de minha
realidade, uma realidade da qual não poderia escapar.
E, naquele momento, percebi a verdade mais terrível de todas: o caminho do cemitério não
era apenas um lugar físico, mas um estado de existência, uma marca que, uma vez
imposta, nunca poderia ser removida. Eu havia cruzado para o outro lado, e as sombras
agora faziam parte de mim.
Com um último esforço de sanidade, tentei correr para a porta, mas a escuridão me
envolveu completamente. As sombras fecharam-se ao meu redor, e os sussurros, agora
altos e claros, foram a última coisa que ouvi antes de tudo desaparecer.
Quando a luz da lanterna finalmente voltou a acender, a sala estava vazia. O livro que eu
estava lendo jazia no chão, aberto na página que jamais terminaria. As sombras haviam
desaparecido, mas a lanterna continuava a piscar levemente, como se algo ainda estivesse
lutando para se manifestar.
E assim, a casa ficou em silêncio novamente, mas não o mesmo silêncio de antes. Era um
silêncio carregado, um silêncio que parecia guardar segredos sombrios, à espera do
próximo curioso que ousasse desafiar o desconhecido.