Kikosofia 24 - Set 24

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EDIÇÃO DE SETEMBRO DE 2024

KIKOSOFIA

Francisco Moreira
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

SETEMBRO
Por Francisco Moreira

Cerca de 25 anos atrás eu não conhecia ninguém


que houvesse tentado ou cometido suicídio. O
primeiro foi um colega de trabalho, o espanto diante
da situação não me permitia entender o processo
que o levara até aquela tentativa, felizmente mal
sucedida. Nos anos posteriores tive conhecimento
de vários episódios envolvendo outros colegas,
amigos, subordinados e até parentes próximos. Em
alguns casos acabei me envolvendo e apesar da
falta de experiência, logrei reverter a situação e
vejo, como do caso do colega e de outros, que a
vida pode não ser fácil, mas se soubermos pedir
ajuda, se soubermos apenas nos colocar, sem
julgamento, no lugar do outro, é possível
recomeçar, voltar a ter alegria no viver e superar
dificuldades que as vezes parecem impossíveis.
Vivemos tempos em que a correria cotidiana cobra
muito de nossa saúde mental. Por isso é necessário
entender que as doenças da mente podem e devem
ser tratadas, como qualquer outra. Falar sobre
aquilo que nos fere é preciso. Sem medo ou
vergonha. Buscar ajuda é um sinal de coragem,
assim como ajudar é um dever de humanidade.
Permita que a dor possa ser curada.

Kikosofia nº 24 © 2024 - Este trabalho está licenciado por Francisco


Moreira sob CC BY-NC-ND 4.0. Para ver uma cópia desta licença, visite
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/

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KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

SAÚDE MENTAL
PRECISAMOS FALAR SOBRE ISSO

Oi, falar sobre a saúde mental assusta um pouco e nem todo


mundo quer falar sobre isso. Mas preciso dizer que esse é um
assunto normal e que deve ser discutido. Então, deixe de lado
seu preconceito, e saiba que as doenças da mente, assim como
as doenças cardíacas, renais ou respiratórias, existem, podem
acontecer com qualquer pessoa e são tratáveis. PRECISA FALAR COM
ALGUÉM? O CENTRO DE
O médico que cuida das doenças mentais é o psiquiatra. Assim VALORIZAÇÃO DA VIDA (CVV)
como os outros médicos, ele é formado em medicina e se TRABALHA PARA OFERECER
SUPORTE EMOCIONAL E
especializa em psiquiatria por meio da residência médica.
REALIZAR A PREVENÇÃO DO
SUICÍDIO.
A consulta com um psiquiatra é igual a qualquer outra. O médico
vai fazer uma entrevista e talvez passe alguns exames para
indicar qual o melhor tratamento. Que pode ser feito através de
medicamentos ou somente com acompanhamento psicoterápico. 188
A ideia de suicídio é um problema sério de saúde, que pode ser
e deve ser tratado para evitar a sua consumação. Não tenha
medo ou vergonha de procurar ajuda, a maioria das pessoas
que pensa em suicídio encontra modos de lidar e superar os
problemas.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Toda pessoa tem alguns fatores protetivos e alguns fatores de


risco para o suicídio. Sendo assim, na prevenção ao suicídio,
várias medidas podem ser tomadas para aumentar os fatores de
proteção e diminuir os de risco.

Aumentar contato com familiares e amigos


Buscar e seguir tratamento adequado para doença mental
Envolvimento em atividades religiosas ou espirituais
Iniciar atividades prazerosas ou que tenham significado
Reduzir ou evitar o uso de álcool e outras drogas

Em situações de crises, especialmente se a pessoa tem uma


doença mental, podem surgir pensamentos de morte e mesmo de
suicídio. No entanto, felizmente, a imensa maioria das pessoas
que pensa em suicídio encontra melhores modos de lidar com os
problemas e superá-los.

É essencial identificar o problema e buscar os diversos modos


saudáveis e construtivos de enfrentá-lo como se envolver em
trabalho voluntário e/ou hobbies
EM 96,8% DOS CASOS, O
SUICÍDIO É CONSEQUÊNCIA
Presença de doença mental é um fator de risco para suicídio,
DE UM TRANSTORNO
mas nem todas as pessoas diagnosticadas com alguma doença PSIQUIÁTRICO NÃO
mental terão comportamento suicida. No entanto, quase todas as DIAGNOSTICADO, NÃO
pessoas que cometeram suicídio (98,6%) possuíam algum TRATADO OU TRATADO DE
transtorno, como Depressão, Transtorno de Humor Bipolar, FORMA INADEQUADA. DESTA
FORMA, O INDIVÍDUO TEM A
Alcoolismo e abuso/dependência de outras drogas, Transtornos
SUA PERCEPÇÃO DA
de personalidade e Esquizofrenia. Por isso, é tão importante REALIDADE ALTERADA, O QUE
cuidar da saúde mental. INTERFERE NO SEU LIVRE-
ARBÍTRIO.
A Depressão é a doença mais ligada ao suicídio e QUALQUER
PESSOA pode ter depressão. Assim como a Diabetes e a
Hipertensão, a Depressão é uma doença que tem tratamento. Se
você está passando por isso ou conhece alguém que está com
sintomas como tristeza, desânimo, mudança de apetite, de sono,
de humor, entre outros, procure ajuda.

Lembre que sua vida é muito importante e que a ideação suicída


pode ser tratada. Um bom tratamento vai lhe proporcionar saúde
e qualidade de vida. Por isso, se sentir problemas peça ajuda e Para mais informações acesse:
se cuide. Se conhece alguém com problemas, ajude! ouça https://www.setembroamarelo.com/
atentamente, sem julgamento.

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DIVERGÊNCIAS
Indo na contramão de certas "correntes" - Francisco Moreira

E VIVA A CANNABIS!

Recentemente o STF definiu o que seria a quantidade mínima para que alguém pego
com drogas fosse considerado traficante, criando um limite máximo para que esse
alguém possa alegar ser simples usuário. A decisão, em resposta a uma brecha do
sistema legal, que passou a ser explorada por quem está a margem da lei, mas que
também visa diminuir o aprisionamento de pessoas sem real envolvimento com o tráfico
de drogas, principalmente pessoas pretas, oriundas da periferia e economicamente
pobres. Justamente o perfil que mais lota os nossos presídios. Diga-se de passagem,
instituições que não tem conseguido cumprir o seu papel de ressocialização, e aí temos
indiretamente outro por que de tal decisão. Os presídios têm se tornado há anos,
lugares para evolução no crime, de modo que muitos que ali ingressam em razão de
delitos menores acabam por ser cooptados por organizações criminosas, seja por
proteção, caráter ou intimidação e saem ainda mais criminalizados, engrossando as
fileiras de tais grupos.

Definir uma quantidade mínima de drogas, claro, não irá resolver o problema do
tráfico, até porque este já se encontra adaptado a esse tipo de mudança e há muito já
realiza a venda em pequenas quantidades, se pego com a droga, a alegação é sempre
essa, é apenas um usuário, sendo necessário um conjunto de evidências acessórias
para que sequer seja flagranteado na delegacia e ainda que o seja, com grande
probabilidade de ser liberado em audiência de custódia para responder livre. Na
prática o STF apenas validou uma prática que já é seguida há um tempo. Em alguns
casos, muitos explorados pela mídia, mesmo quando há apreensão de grande
quantidade de drogas, os que são detidos conseguem sair livres em razão de algum
estapafúrdio recurso legal. Lembro de um caso recente em que a Polícia Federal
investigava um caso de tráfico, efetuando vigilância sobre uma quadrilha e
paralelamente a mesma quadrilha era investigada pela Polícia Civil local por roubo de
veículos, a Civil conseguiu um mandado judicial e fez uma “batida” buscando carros
roubados, encontraram toneladas de drogas, mas os traficantes se livraram do
flagrante pois o tal mandado se referia apenas a veículos e não a drogas. Coisas de
nossa legislação. Enfim.
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NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Mas o fito desse artigo é outro. Falar bem da Maconha, ops! Da Cannabis...

Quando se fala em maconha, a droga mais vendida no mundo, cercada de polêmicas que
envolvem defensores de sua liberação com fins recreativos de um lado e ávidos detratores
do outro. As alegações são muitas, desde os supostos gatilhos para práticas criminais,
prevalência da violência e aumento do número de usuários abusivos ou do poder relaxante
da droga, baixo prejuízo para saúde e até preservação cultural de uma prática que teria
sido simplesmente discriminada. Discussões que se inflamam em torno dos malefícios
sociais, morais e econômicos que seu uso ilegal produz, alimentando uma cadeia cada vez
maior de violência, corrupção e medo. Medo principalmente de que a liberação da
utilização da planta e seus princípios ativos aumentem ainda mais a pressão pela
liberação de drogas mais “pesadas” e com isso os problemas tendam a se agigantar.
Compreensível, mas será que estamos deixando de aproveitar todo um potencial benéfico
da Maconha em áreas como a saúde, a indústria, o meio ambiente e outras?

É amplamente reconhecida a aplicação da maconha em terapias contra o câncer, uma


vez que diversos de seus canabinoides (substâncias encontradas no interior da planta)
possuem efeitos na redução de tumores, ajudando também na redução dos efeitos
colaterais resultantes do tratamento quimioterápico e radioterápico, aumento do apetite
e melhoria do sono, bem como na diminuição da ansiedade, de dores miopáticas e
neuropáticas e no controle da epilepsia. Há ainda indicações de que poderia ter uso na
prevenção do diabetes e do Alzheimer.

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NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

O uso medicinal de produtos a base de Canabidiol (CBD) e THC (Tetra Hidro Canabinol)
no Brasil, embora seja possível nos dias atuais, ainda enfrenta muitos preconceitos e
dificuldades, com restrições legais que impossibilitam o acesso a boa parte da
população, que normalmente precisa buscar alternativas importadas de outros países ou
de alguns poucos medicamentos fabricados nacionalmente. Embora a pesquisa e
fabricação de substâncias extraídas da Cannabis seja permitida, algumas restrições como
o fato da matéria prima não puder ser obtida aqui e tenha que ser importada já
beneficiada, inviabiliza que medicamentos sejam vendidos com custo mais acessíveis para
população. Poucas instituições tem autorização para plantação legal com fins de
pesquisa.

Quanto ao uso in natura ou para obtenção do óleo essencial por pessoas comuns, já há
permissões judiciais de plantio, autorizadas após avaliação médica e com uma série de
restrições. No entanto, como bem sabemos, a justiça não vem a galope e pacientes por
vezes têm que enfrentar um longo tempo de espera até ter a sua permissão validada. Tais
dificuldades, junto ao preconceito relacionado a falta de informação, faz inclusive que
muitos médicos se abstenham de prescrever tais medicamentos, impactando diretamente
na qualidade de vida de seus pacientes, levando vários ao caminho da ilegalidade do
contrabando e outras práticas para obtenção do medicamento.

O THC é principal responsável pelos efeitos psicoativos da Cannabis (euforia, disforia,


alteração da noção de tempo, perda de controle motor, etc.), devendo sim ser controlado
e rigidamente fiscalizado, porém possui efeitos terapêuticos importantes como alívio de
dores crônicas e de náuseas e relaxamento muscular. Já o CBD não tem qualquer efeito
psicoativo e terapeuticamente é capaz de melhorar as respostas anti-inflamatórias,
combater a ansiedade, aliviar dores e possuir capacidades neuro protetoras.

Diversas iniciativas tramitam atualmente no Congresso Nacional que tratam sobre a


comercialização de medicamentos extraídos a partir da planta da maconha e alguns
governos estaduais já se movimentam para tentar regular seu uso, a exemplo de Sergipe,
que em abril de 2023, instituiu a Lei 9.178/23 que regula a Política estadual de Cannabis
para fins terapêuticos ou São Paulo que regulamentou o fornecimento gratuito de
medicamentos a base de Cannabis Sativa e ainda Porto Alegre que possui um programa
semelhante de distribuição de medicamentos nacionais ou importados autorizados pela
ANVISA.

Isso só foi possível em razão da inclusão da Cannabis medicinal no Sistema Único de


Saúde (SUS), representando um avanço significativo que possibilitou a importação legal
para uso terapêutico alternativo para diversas condições médicas. Tal acesso se dá
graças ao RDC 327/2019 que possibilita a compra em drogarias ou pelo RDC 660/2022
que permite a importação de produtos.
KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Mais do que medicamentos essenciais para tratamento de condições severas, uma série
de outras aplicações da planta poderiam estar sendo exploradas economicamente e de
forma sustentável no País. O cânhamo (uma variedade da planta com menor teor de THC)
fornece uma fibra muito utilizada na indústria têxtil, gerando muito menos consumo de
água que o algodão e com menor degradação do solo durante o plantio, estando pronta
para colheita em apenas três meses apara produção de roupas, medicamentos,
cosméticos. O que poderia representar uma enorme riqueza para o país, que entretanto
não permite a plantação, de modo que as poucas marcas que produzem roupas a partir
do material, precisam importar a matéria prima. Isso em um mercado cuja estimativa é de
que alcance um valor mundial de mais de 18 bilhões de dólares até 2027.

O cânhamo também possui aplicações na indústria de construção civil, como insumo para
fabricação de blocos de concreto que possibilitam maior durabilidade e melhor conforto
térmico, suas sementes e caule podem produzir óleos essenciais utilizados como
combustíveis, cosméticos e até cerveja. Países como França, China, Turquia possuem uma
produção significativa da espécie e seu plantio vem aumentando na União Europeia e nos
Estados Unidos. Demonstrando que mais do que pensarmos na Cannabis apenas em
relação ao seu uso recreativo e ilícito, é hora de avaliarmos alternativas econômicas
sérias, sustentáveis e que ajudem a desenvolver uma nova atividade econômica para o
país, ajudando a fortalecer a nossa indústria e criar condições e qualidade de vida mais
satisfatórias para as milhares de pessoas com problemas de saúde espalhadas ao longo
de nosso território.

No entanto, a discussão parece pautada apenas numa agenda que prioriza a legalização
das drogas como resposta para o enfrentamento da insegurança, combate a organizações
criminosas, etc. Inclusive com o argumento de que as drogas seriam um problema de
saúde pública. Vale lembrar que a descriminalização ocorrida em alguns países como
Portugal, alguns estados Norte Americanos, Holanda e outros NÃO diminuiu o tráfico de
drogas nesses países, teve sim efeito contrário e aumento no número de usuários (ainda
que este tenha relevâncias diferentes em relação a cada local). Conforme aponta o
UNODC, órgão da Nações Unidas sobre drogas e crime. O que representa um cenário
extremamente preocupante na questão da saúde pública, principalmente num país com
tantas desigualdades como o nosso e cujo Sistema de Saúde enfrenta dificuldades há
décadas com demandas muito mais significativas e sem soluções a vista.

O tratamento de animais de estimação (os pets) também pode


ser realizado com medicamentos a base de canabidióis como
sugerem diversos estudos científicos realizados nos últimos
anos, no entanto, ainda não há qualquer regulamentação para o
uso de tais substâncias em animais domésticos no Brasil.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

prisão
Quem não leu Machado de Assis?
Decerto, leu!
E leu a ideia de um canário!
Sábio canário?
Poderia ser um sabiá!
No mundo alheio,
Um dia, um dia descobriu,
A sensação de suposta liberdade.
E esqueceu o mundinho de
outrora!
Dos serviçais!
Mas esqueceu,
Saiu de uma prisão!
Voou, voou
Entrou em outra!

Edmilson dos Anjos

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NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Publique na Kikosofia

A Kikosofia é um espaço de
vozes. Consonantes, dissonantes,
de livre e respeitosa expressão e
opinião. Um local que se pretende
divertido, reflexivo, por vezes
louco, mas sempre acolhendo o
outro, independente de
diferenças, somos todos iguais, e
isso é o que de mais belo existe
no viver, saber que não somos
cópias de outro ser.

Colabore, discorde, concorde,


opine. Boa jornada.

Envie seu texto, poesia, conto,


comentário para

kikosofia@gmail.com
números anteriores em:

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KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Quarta Crescente
PEQUENOS DETALHES
“Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. A segunda
é vivê-la como se tudo fosse milagre”.
(Albert Einstein)

Esta manhã o sol me “abraçou”. Aquela sensação gostosa, tão simples, mas, tão
importante. São pequenos detalhes que a gente nem percebe. Aí iniciei uma
reflexão: poxa eu nunca percebi que o sol todas as manhãs nos abraça e sabe o
que é mais importante? A gente desperta, acorda para poder sentir esse abraço, o
problema é que não percebemos. As atribulações do dia são tão grandes, tanto
trabalho, tanta preocupação, tanta coisa nos atrapalhando de perceber esses
pequenos detalhes; seguindo na reflexão eu observei que também não percebo o
sorriso matinal dos filhos, às vezes não percebo nem o significado dos abraços
que recebo e, analiso, poxa, tantas coisas legais ocorrem conosco todos os dias e a
gente não percebe. Esses pequenos detalhes fazem toda a diferença. Nós
precisamos logo, rápido, começar a perceber, porque isso tornará a nossa vida
mais leve, mais tranquila, mais fácil de se encarar. Nós vamos conseguir entender
as filigranas, os “detalhezinhos” que o universo coloca em nossos caminhos. Nós
precisamos prestar atenção nos pequenos detalhes.

Comece agradecendo por ter acordado. Viver é uma experiência maravilhosa. Perceba-
se agraciado por poder acordar a cada dia, significando que recebestes mais uma
oportunidade para resgatar tudo aquilo que, por ventura tenha te incomodado no dia
anterior. Falando nisso, em seguida, faça uma retrospectiva dos seus dias pretéritos
próximos, buscando enquadra-los com suas crenças, ou seja, se houve coerência entre
sua fé e suas atitudes, pois, a coerência tranquiliza a alma. Beije a pessoa que divide o
leito contigo (se houver), abra a janela do seu quarto e, por alguns instantes, observe a
beleza do céu, o canto dos pássaros, a exuberância do sol (que nos abraça, lembram?), o
formato das nuvens, ouça os sons e perceba os odores. Veja quantas maravilhas se
repetem todos os dias ao alcance da sua janela e você sequer nota. Entenda a ordem

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

geral do universo, a vida pulsa maravilhosa em um ritmo constante de


equilíbrio, que te impulsiona para o futuro. E, mesmo em face do teu livre
arbítrio, há toda uma preparação silenciosa em torno de ti, facilitando teu
prosseguimento. Depois vá ao quarto dos teus filhos (se os tiver) e, se estiverem
dormindo, observe-os, entendendo a grande responsabilidade dada por Deus
para o encaminhamento da vida daqueles seres. Peça forças para continuar
firme no propósito de os conduzir pelos caminhos da honestidade e moralidade.
Se estiverem acordados, abrace-os com afeto, para que percebam que, a mesma
pessoa que os repreende e castiga é a pessoa que os acalenta, protege e ama.
Inspire e expire profundamente, várias vezes durante estes momentos, até que
você esteja reciclado para o início de mais um dia. Nós precisamos prestar
atenção nos pequenos detalhes.

Ao conversar com as pessoas sorria para elas, olhe-as nos olhos, preste atenção
em cada uma delas, abrace-as com carinho. Se houver desafeição que enseje o
afastamento, ore por elas, para que em teu coração se desfaçam as brumas da
inquietude e, passo a passo você possa mudar sua atitude em relação a elas. Não
acumule em teu coração nenhum sentimento que te conduza à intolerância e à
impaciência. Claro que isso não ocorre da noite para o dia. Trata-se de um
exercício diário, acompanhado de uma decisão firme de portar-se como um
verdadeiro cristão, pois, só assim haverá a coerência em tuas atitudes, como já
dito. Sim, precisamos prestar atenção nos pequenos detalhes.

São coisas pequenas que passam desapercebidas por nós, todavia, fazem toda a
diferença em nossas vidas, modificam nosso ambiente mental, melhoram nossas
relações, promovem a qualidade de vida e, nos tranquilizam, dando-nos
condições de viver melhor e em equilíbrio com o universo. As oportunidades se
multiplicam todos os dias: pessoas que buscam nossas orientações, nossa ajuda,
uma palavra amiga, uma consolação, um abraço. Pessoas com fome, com frio,
carentes do mínimo e nós quase não as percebemos, são pequenos detalhes que
nos buscam, mandados por Deus, para que entendamos a máxima lição de nos
amarmos uns aos outros. É meus irmãos, precisamos prestar atenção nos
pequenos detalhes.

Esta manhã o sol me “abraçou”. Muita Paz!

i Castilho
Josne

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

REFULGIR URBANO
E O HOMEM PÔDE VOAR

“Todos nós temos muito mais habilidades e recursos internos do que sabemos. Meu conselho é que você não
precisa quebrar o pescoço para descobrir sobre eles.”

Falecido em 2004, o ator Christopher Reeve permanece no imaginário popular como o homem que
nos fez acreditar ser possível voar. Sua interpretação de um dos maiores ícones da cultura Pop, o
Superman, acabou por torná-lo igualmente um ícone de nossos tempos. O Filme “Superman” de
1978 até hoje é considerado a melhor versão cinematográfica do herói e muito disse se deve ao
carisma de Reeve, que mesmo 20 anos após sua morte continua a inspirar outros atores e
produções. Sua atuação como Clark Kent/Superman encanta e diverte que a vê, simbolizando
valores universais da humanidade e como exemplo de heroísmo e dever para com o próximo, ainda
que com um leve tom de cafonice e ingenuidade que tornam a obra ainda mais relevante.

Durante uma competição de hipismo em 1995, seu cavalo “Buck” recusou-se a saltar sobre um
obstáculo, projetando o ator sobre a sela e, na queda, causando um traumatismo que lesionou sua
coluna, separando o tronco de sua cabeça. Após uma delicada cirurgia para conectar as partes,
Reeve sobreviveu, mas com perda dos movimentos abaixo do pescoço. Desde então iniciou uma
luta pela recuperação de seus movimentos, passando por tratamento experimentais com células-
tronco e protagonizando campanhas pelos direitos das pessoas sem mobilidade. Uma septcemia
levou a uma parada cardíaca e morte em 10 de outubro de 2004.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Estante
DICAS DE LEITURA PARA SEUS MOMENTOS
Pois a leitura reflete o mundo

Ben-Hur, considerado um dos maiores livros de todos os tempos, se


tornou um best-seller desde o seu lançamento, em 1880. A história
se passa na época de Jesus Cristo, e começa com uma traição,
quando a família de Judá Ben-Hur, um homem íntegro, honesto e
bondoso, é injustamente acusada por um crime, sendo o acusador o
melhor amigo dele. Condenado à escravidão, Ben-Hur sobrevive por
anos como escravo e, alimentando o desejo de vingança, acaba por
se tornar gladiador e procurando a redenção através das corridas de
quadrigas - bigas puxadas por quatro cavalos, usadas em
competições esportivas, busca finalmente a redenção do nome de
sua família. A jornada de Ben-Hur é uma metáfora para a história do
próprio Cristo, cujas situações semelhantes - traição, sofrimento,
redenção e salvação -, fazem deste livro um poderoso e inspirador
romance histórico que rendeu alguns filmes (sendo o mais famoso o
de 1959, com, Charlton Heston) e cuja narrativa trata da espera e Ben Hur - Lew Wallace -
do desafio dos justos na busca pela verdade. e justiça. 528 Páginas - 22.6 x 15.6 x 2.8 cm
Editora Jangada

Um fragmento de pergaminho com uma história incompleta sobre


um desconhecido cavaleiro do rei Arthur, levou Emanuele Arioli, um
jovem medievalista numa busca de mais de uma década por
manuscritos em bibliotecas da Europa e Estados Unidos para tentar
completar essa história. O resultado está em Segurant, o cavaleiro do
dragão (publicado em três versões: este livro, uma graphic novel e
um romance infantil), que resgata esse capítulo esquecido das
lendas arturianas pela primeira vez em mais de setecentos anos,
numa edição ricamente ilustrada com iluminuras dos manuscritos
originais.

Superando os cavaleiros de sua época em força e bravura, Segurant


vence todos os torneios de cavalaria que disputa, até ser enfeitiçado
pelas fadas Morgana e Sibila, que o enviam numa incessante caçada
a um dragão imaginário. uma fascinante história num mundo
Segurant - O cavaleiro do dragão medieval no qual fadas e dragões forjam alianças e cavaleiros são
- Emanuele Arioli -
256 Páginas - 14 x 1 x 21 cm
capazes de feitos impressionantes.
Editora Vestígio
KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

CABEÇA DE LOBO
ROBERT E. HOWARD

Tradução de Fernando Neeser de Aragão

Medo? Perdão, senhores, mas vocês não sabem o que significa medo. Não, eu
mantenho minha afirmação. Vocês são soldados e aventureiros. Conheceram o
ataque de regimentos de soldados de cavalaria, o frenesi de mares açoitados pelo
vento. Mas medo, o verdadeiro arrepiar de cabelos, o medo que arrepia de horror,
vocês não conheceram. Eu próprio já conheci tal medo; mas, até as legiões da
escuridão rodopiarem do portão do Inferno e o mundo se incendiar em ruínas, tal
medo nunca será conhecido pelos homens:

Escutem, eu lhes contarei a história; foi há muitos anos atrás e a meio mundo
daqui; e nenhum de vocês verá o homem de quem falo, nem saberá se o ver.

Retornem, então, comigo, pelos anos, até um dia quando eu, um jovem cavaleiro
imprudente, saí do pequeno bote que havia me desembarcado desde o navio que
flutuava no porto, amaldiçoei a lama que cobria o desembarcadouro tosco, e
caminhei pelo cais em direção ao castelo, em resposta ao convite de um velho
amigo, Dom Vincente da Lusto.

Dom Vicente era um homem estranho e sagaz — um homem forte, que tinha visões
além do alcance de sua época. Em suas veias talvez corresse o sangue daqueles
antigos fenícios que, dizem-nos os sacerdotes, governaram os mares e
construíram cidades em terras distantes nas eras indistintas. Seu plano de
fortuna era estranho, mas bem-sucedido; poucos homens pensariam nisso, e
menos ainda teriam sucesso. Pois seu poder ficava sobre a costa oeste daquele
continente escuro e místico, aquela frustradora de exploradores: África.

Deste modo, ele havia aberto uma pequena baía na selva sombria, e com mão
impiedosa ele havia arrebatado as riquezas da terra. Ele tinha quatro navios: três
embarcações menores e um grande galeão. Estes trabalhavam entre seus
domínios e as cidades da Espanha, Portugal, França e até mesmo Inglaterra,
carregadas com madeiras raras, marfim e escravos; as mil riquezas estranhas que
Dom Vincente havia ganhado através do comércio e da conquista.

Sim, um empreendedor feroz e um comerciante mais feroz ainda. E, embora ele


tenha formado um império na terra escura, não havia sido para o cara-de-rato
Carlos, seu sobrinho — mas seguirei adiante em minha história.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Vejam, senhores, eu desenho um mapa sobre a mesa, portanto, com o dedo


mergulhado em vinho. Aqui fica o pequeno porto raso; e aqui, os largos
desembarcadouros a ambos os lados. Um patamar de escada segue, deste modo,
para cima da leve inclinação, com armazéns semelhantes a cabanas em cada
lado, e aqui ele para numa vala larga e rasa. Sobre ela se erguia uma estreita
ponte levadiça, e logo alguém ficava de frente a uma alta paliçada de troncos de
árvores situada no chão. Esta se estendia inteiramente ao redor do castelo. O
próprio castelo era construído no modelo de outra época, mais antiga, tendo
mais força do que beleza. Feito de pedra trazida de certa distância, anos de labor
e mil negros, labutando sob o chicote, ergueram seus muros; e agora, ele oferecia
completamente uma aparência quase inexpugnável. Era esta a intenção dos
construtores, pois piratas berberes percorriam as costas, e o horror de uma
revolta nativa sempre se escondia por perto.

Um espaço de 800 metros a cada lado do castelo era mantido limpo, e estradas
haviam sido construídas através da terra pantanosa. Tudo isto havia exigido uma
imensa quantidade de trabalho, mas a força de trabalho era abundante. Um
presente para seu chefe, e ele forneceu tudo o que era necessário. E portugueses
sabem como fazer homens trabalharem!

A menos de trezentos metros a leste do castelo, corria um rio largo e raso, o qual
desembocava no porto. O nome havia arrebentado minha mente. Era um título
bárbaro e pagão, e eu nunca conseguia usar minha língua para ele.
Achei que eu fosse o único amigo convidado para o castelo. Parece que, uma vez
ao ano ou algo assim, Dom Vincente trazia uma multidão de companheiros joviais
à sua propriedade e se divertia por algumas semanas, para compensar o trabalho
e solidão do resto do ano.

De fato, era quase noite e um grande banquete estava em andamento quando


entrei. Fui aclamado com grande deleite, cumprimentado ruidosamente por
amigos e apresentado a alguns desconhecidos que estavam lá.

Cansado demais para participar muito da festança, comi e bebi em silêncio, ouvi
os brindes e músicas, e examinei aqueles que festejavam.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Dom Vincente, é claro, eu conhecia, pois eu havia sido seu amigo e


confidente durante anos; também conhecia sua linda sobrinha Ysabel,
a qual foi uma razão para que eu aceitasse seu convite para ir até
aquela selva malcheirosa. Seu primo-segundo, Carlos, eu conhecia e
não gostava — um sujeito ardiloso e afetado, com cara de marta. Então,
lá estava meu velho amigo, Luigi Verenza, um italiano, e sua irmã
namoradora, Marcita, flertando com os homens, como sempre. Havia
um germano baixo e forte, que se chamava Barão Von Scluller; Jean
Desmarte, um nobre esfarrapado da Gasconha; e Don Florenzo de
Sevilha — um homem magro, moreno e silencioso, o qual chamava a si
mesmo de espanhol e usava uma espada fina e reta, quase tão longa
quanto ele próprio.

Havia outros homens e mulheres, mas foi há muito tempo, e não me


lembro de todos os seus nomes e rostos. Mas havia um homem cujo
rosto, de alguma forma, atraiu meu olhar tanto quanto o ímã de um
alquimista atrai aço. Era um homem de constituição esguia e altura
pouco mais que mediana, vestido de forma simples, quase austera, e
usava uma espada quase tão longa quanto a do espanhol.

Mas não foram suas roupas nem sua espada que me atraíram a atenção.
Foi o seu rosto. Uma face refinada, de alta educação, era sulcada
profundamente com linhas que lhe davam uma expressão cansada e
macilenta. Pequenas cicatrizes lhe salpicavam o maxilar e testa, como
se rasgadas por garras selvagens; eu poderia jurar que os estreitos
olhos cinzas tinham, às vezes, um olhar fugaz e assombrado em sua
expressão.

Curvei-me sobre aquela namoradeira, Marcita, e perguntei o nome do


homem, como se me incomodasse em sermos apresentados.

— De Montour, da Normandia — ela respondeu. — Um homem estranho.


Não acho que gosto dele.

—Ele resiste, então, aos seus ardis, minha pequena encantadora? —


murmurei; a longa amizade me tornara imune, tanto à sua fúria quanto
aos seus ardis. Mas ela preferiu não ficar furiosa, e responde
recatadamente, olhando sob cílios pudicamente abaixados.

Eu olhava muito para De Montour, sentido de alguma forma uma


estranha fascinação. Ele comia pouco, bebia muito e raramente falava
— apenas para responder perguntas.

Logo, enquanto brindes eram feitos, percebi seus companheiros


insistindo para que ele se levantasse e brindasse. Inicialmente ele
recusou, mas depois se levantou sob suas repetidas insistências e
ficou calado por um momento, com o copo de vinho erguido. Ele
parecia dominar e intimidar o grupo de convidados. Então, com uma
risada zombeteira e feroz, ele ergueu o copo de vinho acima da cabeça.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

— Para Salomão — ele exclamou —, que prendeu todos os


demônios! E três vezes maldito seja ele, por alguns que
escaparam!

Um brinde e uma maldição ao mesmo tempo! Bebeu-se em


silêncio e com muitos olhares atravessados e duvidosos.

Naquela noite, eu me recolhi mais cedo, cansado da longa viagem


marítima e com minha cabeça girando devido ao vinho forte — do
qual Dom Vincente tinha grandes estoques.

Meu quarto era próximo ao topo do castelo, e dava vista para as


florestas do sul e o rio. O quarto era mobiliado com esplendor
tosco e bárbaro, como todo o restante do castelo.

Indo para a janela, olhei para o soldado, armado com arcabuz,


marchando pela área do castelo, logo dentro da paliçada; para o
espaço desmatado que estava disforme e árido ao luar; para a
floresta além; para o rio silencioso.

Do bairro dos nativos, próximo à margem do rio, veio o estranho


som agudo e vibrante de algum alaúde tosco, soando uma melodia
bárbara.

Nas sombras escuras da floresta, algum misterioso pássaro


noturno erguia uma voz zombeteira. Mil pássaros em tons
menores, feras e sabe o diabo o que mais! Um grande felino
selvagem começava a dar uivos de arrepiar. Encolhi os ombros e
me afastei da janela. Certamente, demônios se escondiam
naquelas profundezas sombrias.

Alguém bateu à minha porta, e eu a abri para receber De Montour.

Ele andou a passos largos até a janela e olhou para a lua, a qual se
erguia resplandecente e gloriosa.

— A lua está quase cheia, não, Monsieur? — ele comentou,


voltando-se para mim. Balancei a cabeça afirmativamente, e seria
capaz de jurar que ele estremeceu:

— Perdão, Monsieur. Não vou mais importuná-lo. — Ele deu a volta


para se retirar, mas, ao chegar à porta, ele girou e voltou sobre os
seus passos.

— Monsieur — ele quase sussurrou, com intensidade feroz —; o que


quer que faça, não deixe de barrar e trancar sua porta esta noite!

Em seguida, ele foi embora, deixando-me perplexo e com o olhar


fixo nele.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Fui dormir, com os gritos distantes dos convidados em meus ouvidos, e,


apesar de cansado — ou talvez por causa disso —, tive um sono leve.
Embora eu só tenha acordado pela manhã, os sons e ruídos pareciam se
arrastar até a mim, através do véu do meu sono; e parecia que, por um
momento, algo estava espreitando e empurrando a porta trancada.

Como era de se imaginar, a maioria dos convidados estava de péssimo


humor no dia seguinte, e ficaram em seus quartos a manhã quase toda e só
mais tarde desceram. Além de Dom Vincente, só havia mesmo três homens
sóbrios: De Montour; o espanhol, de Sevilha (como ele chamava a si
próprio), e eu mesmo. O espanhol não tocou no vinho e, embora De
Montour houvesse consumido quantidades incríveis deste, o vinho não o
afetou de forma alguma
.
As damas nos cumprimentaram da forma mais graciosa.

— Verdade, signor — observou a sirigaita da Marcita, oferecendo-me a mão


com ar gracioso, como que para me fazer dar pequenas risadas.

— Estou feliz em ver que há cavalheiros entre nós, que se importam mais
com nossa companhia do que com a do copo de vinho; pois muitos deles
estão surpreendentemente embriagados esta manhã.

Então, com um escandaloso virar de seus olhos maravilhosos:

— Parece-me que alguém estava bêbado demais para ser discreto na noite
passada… ou não estava bêbado o bastante. Pois, a menos que meus
pobres sentidos estivessem me enganando demais, alguém ficou mexendo
em minha porta durante a noite.

— Ah! — exclamei em raiva fugaz — Alg…

— Não. Silêncio. — Ela olhou ao redor para ver se estávamos sozinhos, e


então: — Não é estranho que Signor de Montour, antes de se recolher na
noite passada, tenha me orientado a trancar firmemente minha porta?

— Estranho — murmurei, mas não contei a ela que ele havia me dito a
mesma coisa.

— E não é estranho, Pierre, que, embora Signor de Montour tenha deixado o


salão de banquetes antes mesmo de você, ele tenha a aparência de quem
ficou acordado a noite toda?

Estremeci. A imaginação de uma mulher é quase sempre estranha.

— Esta noite — ela disse de forma travessa —, deixarei minha porta


destrancada e verei quem pego.

— Eu não faria tal coisa.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Para Salomão — ele exclamou —, que


prendeu todos os demônios! E três vezes
maldito seja ele, por alguns que
escaparam!

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Ela mostrou os dentes pequenos, num sorriso desdenhoso, e mostrou


uma pequena e maldosa adaga
.
— Ouça, diabinho. De Montour me deu o mesmo aviso que tinha dado a
você. O que quer que ele soubesse, quem quer que rondasse os salões
noite passada, estava mais apto a matar do que a aventuras amorosas.
Deixe suas portas trancadas. A dama Ysabel divide seu quarto, não?

—Ela não. E mando minha criada para o bairro dos escravos à noite — ela
murmurou, olhando maliciosamente para mim sob as pálpebras
abaixadas.

— Alguém acharia que você é uma jovem sem caráter, se ouvisse sua
conversa — eu disse a ela, com a franqueza da juventude e de uma longa
amizade. — Ande com cuidado, jovem dama, senão mando seu irmão lhe
dar palmadas.

E me afastei para apresentar meus respeitos a Ysabel. A jovem


portuguesa era o exato oposto de Marcita — uma coisa tímida, modesta e
jovem, não tão bela quanto a italiana, mas delicadamente linda num
aspecto suplicante e quase infantil. Uma vez tive pensamentos… deixa
pra lá! Coisas de um jovem tolo!

Perdão, senhores. O pensamento de um homem velho devaneia. Era sobre


De Montour que eu pretendia lhes falar — De Montour e o primo cara-de-
marta de Dom Vincente
.
Um bando de nativos armados se aglomerava ao redor dos portões,
mantidos à distância pelos soldados portugueses. Entre eles, havia uns
20 homens e mulheres totalmente nus, acorrentados pelos pescoços.
Eram escravos, capturados por alguma tribo guerreira e trazidos para a
venda. Dom Vincente os examinava pessoalmente. Seguiu-se uma longa
discussão e permuta, da qual eu logo me cansei e saí dali, espantado por
um homem da categoria de Dom Vincente se comportar de modo a se
rebaixar a comercializar.

Mas eu retornava, quando um dos nativos da aldeia vizinha interrompeu a


venda com um longo discurso para Dom Vincente.

Enquanto eles conversavam, De Montour chegou e, logo depois, Dom


Vincente se voltou para nós e disse:

— Um dos lenhadores da aldeia foi despedaçado por um leopardo, ou


alguma fera do tipo, na noite passada. Um jovem forte e solteiro.

— Um leopardo? Eles viram o animal? — De Montour perguntou


subitamente e, quando Dom Vincente disse que não, que ele veio e partiu
na noite, De Montour ergueu uma mão trêmula e passou-a pela testa,
como se para limpar o suor frio.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

— Veja, Pierre — disse Dom Vincente. — Eu tenho aqui um escravo


que, maravilha das maravilhas, quer ser seu criado. Só o diabo
sabe por quê.

Ele ergueu um esguio e jovem jakri, um mero rapaz, cujo principal


valor parecia ser um sorriso alegre.

— Ele é seu — disse Dom Vincente. — É bem-treinado e será um


bom criado. E veja: um escravo é mais vantajoso que um criado,
pois tudo o que precisa é de comida e uma tanga, ou algo do tipo,
e o toque do chicote para mantê-lo no lugar.

Não demorou muito tempo. Descobri por que Gola queria ser “meu
criado”, me escolhendo entre todo o resto. Era por causa do meu
cabelo. Como muitos janotas daquela época, eu o usava longo e
cacheado, os fios caindo até meus ombros. Eu era o único homem
da festa que usava meu cabelo assim, e Gola queria se sentar e
olhá-lo em silenciosa admiração durante horas, ou até, eu ficando
nervoso com seu exame sem piscar, expulsá-lo com um pontapé

Foi naquela noite que uma hostilidade latente e mal aparente,


entre o Barão Von Schiller e Jean Desmarte, brotou em chamas.

Como sempre, a causa era uma mulher. Marcita levou adiante o


mais escandaloso flerte com ambos.

Aquilo não era sábio. Desmarte era um jovem feroz e tolo. Von
Schiller era uma fera lasciva. Mas quando foi, senhores, que uma
mulher usou de sabedoria?

A raiva deles se inflamou numa fúria assassina, quando o germano


tentou beijar Marcita.

Espadas colidiram num instante. Mas, antes que Dom Vincente


pudesse gritar uma ordem para pararem, Luigi estava entre os
combatentes e lhes derrubou as espadas, lançando-os
maldosamente para trás.

— Signori — ele disse suavemente, mas com uma intensidade feroz


—, é função de senhores de alta educação lutarem por minha
irmã? Ah, pelas unhas dos pés de Satã, se me lançassem uma
moeda, eu desafiaria vocês dois! Você, Marcita, vá para seu
quarto imediatamente, e não saia enquanto eu não lhe der
permissão.

E ela foi, pois, apesar de ela ser independente, ninguém gostava


de encarar o jovem esguio, de aparência afeminada, quando um
rosnado de tigre lhe curvava os lábios e um brilho assassino lhe
iluminava os olhos escuros.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Desculpas foram pedidas, mas, pelos olhares que os dois rivais lançaram um
ao outro, sabíamos que a contenda não foi esquecida e que se acenderia
novamente ao menor pretexto.

Mais tarde, naquela noite, acordei subitamente, com uma estranha e lúgubre
sensação de horror. Por que, eu não conseguiria dizer. Levantei-me, vi que a
porta estava firmemente trancada e, ao ver Gola dormindo no chão, eu o
chutei, irritado, para que acordasse.

E, no exato momento em que ele se levantava apressadamente e se


friccionava, o silêncio foi quebrado por um grito desvairado, um grito que
vibrou através do castelo e arrancou outro grito do assustado soldado que
caminhava pela paliçada; um grito da boca de uma jovem desesperada de
terror.

Gola soltou um grito áspero e mergulhou atrás do leito. Abri bruscamente a


porta e me apressei pelo corredor escuro. Descendo rapidamente uma escada
espiralada, eu me esbarrei em alguém ao pé desta e rolamos abruptamente.

Ele disse algo asperamente, e reconheci a voz de Jean Desmarte. Eu o


coloquei de pé e continuei correndo, seguido por ele; os gritos haviam
parado, mas o castelo inteiro estava num rebuliço: vozes gritando, o tinir de
armas, luzes sendo acesas, a voz de Dom Vincente gritando pelos soldados, o
barulho de homens armados correndo pelas salas e caindo uns sobre os
outros. Apesar de toda a confusão, Desmarte, o espanhol e eu alcançamos o
quarto de Marcita no exato momento em que Luigi corria para dentro e
abraçava a irmã.

Outros corriam para dentro, carregando luzes e armas, gritando e exigindo


saber o que estava acontecendo.

A garota descansava calmamente nos braços do irmão, seu cabelo escuro


solto e enrolado sobre os ombros, sua delicada roupa de dormir rasgada em
trapos e expondo o lindo corpo dela. Havia longos arranhões em seus braços,
seios e ombros.

Logo ela abriu os olhos, estremeceu e então gritou aguda e desvairadamente,


e se agarrou freneticamente a Luigi, implorando a ele que não deixasse nada
levá-la.

— A porta! — ela chorou. — Eu a deixei destrancada. E algo entrou


furtivamente em meu quarto, através da escuridão. Eu golpeei com minha
adaga e aquilo me lançou ao chão, me rasgando e rasgando. Então, desmaiei.

— Onde está Von Schiller? — perguntou o espanhol, com um brilho feroz nos
olhos escuros. Todos os homens olharam, cada um para seu vizinho. Todos os
convidados estavam ali, exceto o germano. Notei De Montour olhando para a
jovem aterrorizada, o rosto dele mais macilento que o normal. E achei
estranho que ele não usasse arma.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

— Sim; Von Schiller! — exclamou ferozmente Desmarte. E metade de nós seguiu


Dom Vincente no corredor. Começamos uma busca vingativa pelo castelo e, num
pequeno e escuro vestíbulo, encontramos Von Schiller. Jazia de bruços, numa
crescente poça escarlate.

— Isto é obra de algum nativo! — exclamou Desmarte, com o rosto horrorizado.

— Bobagem — bramiu Dom Vincente. — Nenhum nativo lá fora consegue passar


pelos soldados. Todos os escravos, inclusive os de Von Schiller, foram trancados
e aferrolhados no bairro dos escravos, exceto Gola, que dorme no quarto de
Pierre, e a criada de Ysabel.

— Mas quem mais poderia ter feito tal coisa? — exclamou Desmarte, furioso.

— Você! — eu disse abruptamente. — Do contrário, por que saiu rapidamente do


quarto de Marcita?

— Maldito seja, seu mentiroso! — ele gritou, e sua espada rapidamente


desembainhada foi brandida contra meu peito; mas, embora ele fosse rápido, o
espanhol era mais ainda. A espada de Desmarte se espatifou ruidosamente
contra a parede, e Desmarte ficou como uma estátua, a ponta imóvel da espada
do espanhol apenas lhe tocando o pescoço.

— Amarrem-no — disse calmamente o espanhol.

—Abaixe sua lâmina, Don Florenzo — ordenou Dom Vincente, dando um passo
para a frente e dominando a cena. — Signor Desmarte, você é um dos meus
melhores amigos, mas eu sou a única lei aqui e o dever tem que ser cumprido. Dê
sua palavra de que não tentará fugir.

— Eu a dou — respondeu calmamente o gascão. — Agi precipitadamente. Peço


desculpas. Não estava fugindo intencionalmente, mas os salões e corredores
deste maldito castelo me confundem.

De todos nós, provavelmente apenas um homem acreditou nele.

— Senhores! — De Montour deu um passo à frente — Este jovem não é culpado.


Soltem o germano.

Dois soldados fizeram como ele pediu. De Montour estremeceu, apontando. O


restante de nós olhou uma vez, e depois recuamos horrorizados.

—Poderia algum homem fazer isso?

— Com uma adaga… — alguém começou a falar.

— Nenhuma adaga faria ferimentos como esses — disse o espanhol. — O germano


foi despedaçado pelas garras de alguma fera terrível.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Olhamos ao nosso redor, meio na expectativa de que algum monstro horrendo


saltasse sobre nós, vindo das sombras.

Vasculhamos aquele castelo — cada metro, cada centímetro dele. E não


encontramos sinais de qualquer fera.

O dia raiava, quando retornei ao meu quarto e vi que Gola havia se trancado lá
dentro; levei quase meia hora para convencê-lo a me deixar entrar. Tendo lhe
dado um sonoro tapa e o repreendido por sua covardia, contei a ele o que havia
acontecido, por ele conseguir entender Francês e conseguir falar uma estranha
mistura à qual ele orgulhosamente chamava de Francês.

Ele ficou boquiaberto, e só o branco de seus olhos ficou visível quando a história
alcançou seu clímax.

— Ju-ju! — ele sussurrou espantosamente — Feiticeiro!

Súbito, uma ideia me ocorreu. Eu já ouvi histórias vagas, pouco mais que
insinuações de lendas, do diabólico culto ao leopardo que existia na Costa Oeste.
Nenhum branco havia visto algum dos seus devotos, mas Dom Vincente nos
contou histórias de homens-fera, disfarçados em peles de leopardos, que se
esgueiravam através da selva à meia-noite, matavam e devoravam. Um arrepio
medonho subiu e desceu por minha espinha, e, num instante, eu agarrei Gola de
um jeito que o fez dar um grito agudo.

— Era um homem-leopardo? — sibilei, sacudindo-o violentamente.

– Massa, massa! — ele ofegou — Mim bom rapaz! Tenho medo de homem ju-ju!
Melhor não dizer nada!

— Você vai… me contar. — Rangi meus dentes, renovando meus esforços, até que,
com as mãos fazendo débeis protestos, ele prometeu me contar o que sabia.

— Não homem-leopardo — ele sussurrou, e seus olhos se arregalaram de medo do


sobrenatural. — Lua cheia, encontrado lenhador destroçado por garras.
Encontrado outro lenhador. O Grande Massa (Dom Vincente) disse “leopardo”.
Não leopardo. Mas homem-leopardo, ele vem para matar. Alguém mata homem-
leopardo. Destroça com as garras! Hai, hai! Lua cheia novamente. Alguma coisa
entrou na cabana solitária, destroçou uma mulher e um menino. Eu encontrei um
destroçado. O Grande Massa diz “leopardo”… Lua cheia de novo, e lenhador
encontrado despedaçado por garras. Agora entra no castelo. Não leopardo. Mas
sempre pegadas de um homem.

Soltei uma exclamação sobressaltada e incrédula.

Era verdade. Gola garantiu. Sempre as pegadas de um homem guiavam para a


cena do assassinato. Então, por que os nativos não contavam ao “Grande Massa”
que eles deveriam caçar aquele demônio? Agora Gola assumia uma expressão
astuta e sussurrava em meu ouvido. As pegadas eram de um homem que usava
sapatos.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Mesmo que Gola estivesse mentindo, senti um calafrio de inexplicável horror.


Quem, então, os nativos acreditavam que estivesse cometendo estes terríveis
assassinatos?

E ele respondeu: Dom Vincente!

Naquele momento, senhores, minha mente rodopiava. Qual o significado disso


tudo? Quem matou o germano e tentou violentar Marcita? Enquanto eu
examinava o crime, me parecia que o objetivo do ataque era mais assassinato do
que estupro.

Por que De Montour nos preveniu, e depois apareceu para tomar conhecimento
do crime, contando-nos que Desmarte era inocente e em seguida provando-o?

Estava tudo além do meu conhecimento


.
A história da matança se espalhou entre os nativos, apesar de tudo o que
podíamos fazer; eles ficaram inquietos e nervosos, e por três vezes naquele dia,
Dom Vincente chicoteou um negro por insolência. Uma atmosfera tensa
impregnava o castelo.

Considerei a possibilidade de ir até Dom Vincente, contar a história de Gola, mas


decidi esperar um pouco.

As mulheres guardavam seus quartos naquele dia; os homens estavam inquietos


e mal-humorados. Dom Vincente anunciou que a quantidade de sentinelas fosse
dobrada, e alguns patrulhassem os corredores do próprio castelo. Eu me peguei
refletindo cinicamente que, se as suspeitas de Gola fossem verdadeiras,
sentinelas pouco adiantariam.

Não sou, senhores, um homem que tolera tal situação com paciência. E eu era
jovem na época. Assim, quando bebemos antes de nos recolhermos, arremessei
meu copo de vinho sobre a mesa e, furiosamente, anunciei que, independente de
homem, fera ou demônio, eu dormiria naquela noite com as portas abertas. E
caminhei furiosamente até o meu quarto.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Mais uma vez, como na primeira noite, De Montour chegou. E seu rosto
era o de um homem que havia olhado para os portões abertos do inferno.

— Eu vim — ele disse — para lhe pedir… não, Monsieur, para lhe implorar…
que reconsidere sua determinação precipitada.

Sacudi minha cabeça impacientemente.

— Está decidido? Sim? Então, eu lhe peço que faça isto por mim; que,
depois que eu entrar em meu quarto, você trancará minhas portas pelo
lado de fora.

Fiz como ele pediu, e depois voltei para meu quarto, com minha mente
num labirinto de questionamentos. Eu havia mandado Gola para o
alojamento dos escravos, e coloquei espada e adaga ao meu alcance.
Nem fui à cama, mas me agachei numa grande cadeira, na escuridão.
Então, tive muita dificuldade para evitar o sono. Para me manter
acordado, comecei a refletir sobre as estranhas palavras de De Montour.
Ele parecia sofrer de grande agitação; seus olhos insinuavam mistérios
horríveis que só ele conhecia. E, mesmo assim, seu rosto não era o de um
homem mau.

Súbito, a ideia me fez ir ao quarto e falar com ele.

Andar por aquelas passagens foi uma tarefa estremecedora, mas eu


finalmente cheguei à porta de De Montour. Chamei baixinho. Silêncio.
Estendi uma das mãos e senti fragmentos de madeira estilhada.
Rapidamente, bati sílex e aço que eu trazia, e o estojo flamejante me
mostrou a grande porta de carvalho pendurada em suas enormes
dobradiças; mostrou uma porta esmagada e estilhaçada por dentro. E o
quarto de De Montour estava vazio.

Algum instinto me induziu a correr de volta ao meu quarto — rápida,


porém silenciosamente, com meus pés descalços dando passos furtivos.
E, ao me aproximar da porta, percebi algo na escuridão diante de mim.
Algo que rastejava de um corredor ao lado e andava deslizando
furtivamente.

Num pânico selvagem, eu pulei, golpeando desvairadamente e ao acaso


no escuro. Tudo o que meu punho fechado encontrou foi uma cabeça
humana, e algo caiu com um estrondo. Novamente, acendi uma luz: um
homem jazia inconsciente no chão, e era De Montour.

Enfiei uma vela num nicho da parede e, naquele instante, os olhos de De


Montour se abriram, e ele se ergueu vacilante.

— Você! — exclamei, mal sabendo o que dizia — Precisamente você!

Ele apenas balançou afirmativamente a cabeça.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

— Você matou Von Schiller?


— Sim.

Recuei com uma arfada de horror.

— Ouça — ele ergueu sua mão. — Pegue sua espada e me atravesse. Nenhum
homem lhe tocará.

– Não! — exclamei. — Não posso.

— Então, rápido — ele disse apressadamente —; entre no seu quarto e tranque a


porta! Depressa! Ele voltará!

— O que retornará? — perguntei, estremecendo de horror. — Se ele vai me ferir,


ferirá você também. Venha comigo para o quarto.

—Não, não! — ele guinchou totalmente, recuando, de um pulo, do meu braço


esticado. — Depressa, depressa! Ele me deixou por um instante, mas vai retornar.

— Então, com uma voz baixa de horror indescritível: — Está retornando. Está aqui
agora!

E eu senti alguma coisa, uma presença sem forma por perto. Uma coisa
assustadora.

De Montour se erguia, com as pernas firmadas, os braços lançados para trás e os


punhos cerrados. Os músculos se salientavam sob sua pele, seus olhos se
arregalavam e estreitavam, as veias se sobressaíam em sua testa, como se num
grande esforço físico. Enquanto eu olhava, para meu horror, alguma coisa sem
forma nem nome assumia forma vaga do nada! Como uma sombra, ela se movia
sobre De Montour.

Estava pairando sobre ele! Bom Deus, ela estava se fundindo, se tornando uma
com o homem!

De Montour balançou; um grande ofego escapou dele. A coisa indistinta


desapareceu. De Montour tremulou. Logo, ele se voltou em minha direção, e Deus
permita que eu nunca veja um rosto como aquele novamente!

Era um rosto horrendo e bestial. Os olhos brilhavam com uma ferocidade


assustadora; os lábios a rosnarem recuavam de dentes brilhantes, os quais, para
meu olhar sobressaltado, mais pareciam com presas bestiais do que com dentes
humanos.

Silenciosamente, a coisa — não posso chamá-la de humano — se moveu


furtivamente em minha direção. Arfando de horror, dei um pulo para trás através
da porta, no exato momento em que a coisa se lançava no ar, com um movimento
sinuoso que, mesmo naquele momento, me fez pensar num lobo saltando. Bati a
porta, segurando-a contra a coisa assustadora que se lançava várias vezes contra
ela.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Finalmente desisti e a ouvi escapar furtivamente pelo


corredor. Fraco e exausto, eu me sentei, esperando e
escutando. Através da janela aberta, a brisa soprava,
trazendo todos os cheiros da África — os aromáticos e os
repugnantes. Da aldeia nativa, vinha o som de um tambor
nativo. Então, de algum lugar na selva, soou de forma
horrivelmente incongruente o longo e alto grito de um
lobo da floresta. Minha alma se repugnou.

A aurora trouxe a história de aldeões aterrorizados, de


uma mulher negra rasgada por algum demônio da noite, e
que mal escapara. Dirigi-me até De Montour.

No caminho, encontrei Dom Vincente. Ele estava perplexo


e furioso.

— Há algo infernal acontecendo neste castelo — ele disse.


— Noite passada, apesar de eu não ter dito nada a
ninguém, alguma coisa saltou sobre as costas de um dos
soldados, arrancou-lhe o gibão de couro dos ombros e o
perseguiu até a torre. E mais: alguém trancou De Montour
em seu quarto na noite passada, e ele foi forçado
arrombar a porta para sair.

Ele continuou caminhando, murmurando para si mesmo, e


eu continuei descendo as escadas, mais perplexo do que
nunca.

De Montour se sentou sobre um banco, olhando para a


janela. Havia um ar de indescritível cansaço nele.

Seu longo cabelo estava despenteado e emaranhado, e


suas roupas estavam em farrapos. Com um
estremecimento, vi leves manchas escarlates em suas
mãos — e notei que suas unhas estavam rasgadas e
quebradas.

Ele olhava para cima quando me aproximei, e gesticulou


para que eu me sentasse. Seu rosto estava desgastado e
macilento, mas era o de um homem.
Após um silêncio momentâneo, ele falou:

— Vou lhe contar minha estranha história. Ela nunca antes


havia brotado de meus lábios e, por que lhe contarei,
sabendo que você não acreditará em mim, não consigo
dizer.

E então escutei ao que era certamente a mais desvairada,


fantástica e bizarra história já ouvida pelo homem.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

— Anos atrás — disse De Montour —, eu estava numa missão


militar no norte da França. Fui obrigado a atravessar sozinho as
florestas, assombradas por demônios, de Villefére. Naquelas
florestas assustadoras, fui atacado por uma coisa inumana e
medonha: um lobisomem. Sob a lua da meia-noite, nós lutamos e
eu o matei. Agora esta é a verdade: que, se um lobisomem for
morto na meia-forma de um homem, seu fantasma assombrará
seu matador através da eternidade. Mas, se for morto como um
lobo, o inferno se abre para recebê-lo. Na verdade, o lobisomem
não é, como muitos pensam, um homem que pode assumir forma
de lobo, mas um lobo que assume a forma de um homem!

“Agora escute, meu amigo, e lhe contarei sobre a sabedoria, o


conhecimento infernal que me pertence, adquirido através de
muitos atos assustadores, dado a mim entre as sombras
medonhas de florestas à meia-noite, onde perambulavam
demônios e homens-fera.

“No começo, o mundo era estranho e disforme. Feras grotescas


perambulavam através de suas selvas. Expulsos de outro mundo,
antigos demônios chegaram em grandes números e se
Uma estranha
estabeleceram neste mundo mais novo e jovem. Por muito
fera, chamada tempo, as forças do bem e do mal guerrearam.
homem,
perambulava “Uma estranha fera, chamada homem, perambulava entre os
entre os outros outros animais selvagens e, uma vez que o bem ou o mal deve
animais ter uma forma concreta antes de realizar seu desejo, os espíritos
selvagens.
do bem entraram no homem. Os demônios entraram nas outras
feras, répteis e pássaros; e, por muito tempo e ferozmente,
empreenderam uma era de batalha. Mas os homens ganharam.
Os grandes dragões e serpentes foram mortos e, com eles, os
demônios. Finalmente, Salomão, que era sábio além da
compreensão humana, fez uma grande guerra contra eles e, em
virtude de sua sabedoria, matou, capturou e prendeu. Mas havia
alguns que eram os mais ferozes e ousados; e, embora Salomão
os tenha expulsado, ele não conseguiu derrotá-los. Eles haviam
assumido forma de lobos. Enquanto as eras passavam, lobo e
demônio se fundiram. O demônio não poderia mais abandonar o
corpo de um lobo à vontade. Em muitos casos, a selvageria do
lobo vencia a astúcia do demônio e o escravizava, de modo que
o lobo voltava a ser apenas uma fera — uma fera selvagem e
astuta, mas meramente uma fera. Mas ainda há muitos
lobisomens.”

“E, durante o período da lua cheia, o lobo pode assumir a forma,


ou a meia-forma, de um homem. Quando a lua alcança seu
zênite, no entanto, o espírito do lobo adquire novamente o
domínio, e o lobisomem se torna mais uma vez um verdadeiro
lobo. Mas, se ele for morto na forma de homem, então aquele
espírito é livre para assombrar seu matador através das eras.”

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

“Agora escute. Eu pensei ter matado a coisa após ela ter mudado para sua
verdadeira forma. Mas eu a matei um instante cedo demais. Embora a lua se
aproximasse do zênite, ela ainda não o havia alcançado, nem a coisa havia
assumido totalmente a forma de lobo.”

“Eu nada sabia disto, e segui meu caminho. Mas, quando se aproximou o período
da lua cheia, comecei a perceber uma influência estranha e maligna. Uma
atmosfera de horror pairava no ar, e senti impulsos inexplicáveis e
sobrenaturais.”

“Certa noite, numa pequena aldeia no centro de uma grande floresta, a


influência caiu sobre mim com força total. Era noite, e a lua quase cheia se
erguia sobre a floresta. E, entre a lua e eu, vi, flutuando no ar, fantasmagórico e
mal distinguível, o contorno da cabeça de um lobo!”

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

“Lembro-me de pouca coisa do que aconteceu depois disso. Eu


me lembro vagamente de escalar para dentro de uma rua
silenciosa, lembro-me de luta corpo-a-corpo, de resistência
breve e em vão, e o resto é um labirinto escarlate, até eu
voltar a mim mesmo na manhã seguinte e encontrar minhas
roupas e mãos empastadas e manchadas de escarlate; e ouvi o
horrorizado tagarelar dos aldeões, falando de um par de
amantes clandestinos, massacrados de forma medonha, um
pouco além dos limites da aldeia, rasgados em pedaços como
se por feras selvagens, como se por lobos.”

“Fugi horrorizado daquela aldeia, mas não fugi só. Durante o


dia, eu não conseguia sentir o impulso de meu terrível captor;
mas, quando a noite caía e a lua se erguia, eu vagava pela
floresta silenciosa — uma coisa aterrorizante, um matador de
humanos, um demônio no corpo de um homem.”

“Deus, as batalhas que já lutei! Mas ele sempre me derrotava e


fazia devorar alguma nova vítima. Mas, depois que a lua cheia
passava, o poder da coisa sobre mim parava subitamente. Ele
Parecia que ele
só retornava três noites antes da lua ficar novamente cheia.”
provavelmente
ainda mataria a “Desde então, tenho perambulado pelo mundo — fugindo,
nós todos, e mesmo fugindo, tentando escapar. E a coisa sempre me segue,
assim eu não tomando conta do meu corpo, quando a lua está cheia. Deuses,
conseguia me as coisas pavorosas que já fiz!”
decidir a contar
nada
“Eu poderia ter me matado há muito tempo, mas não me
atrevo. Pois a alma de um suicida é amaldiçoada, e a minha
alma seria eternamente caçada através das chamas do inferno.
E ouça — o mais horrorizante de tudo —: meu corpo sem vida
vagaria eternamente pela terra, movido e habitado pela alma
de um lobisomem. Pode qualquer outro pensamento ser mais
horrível?”

“E eu pareço imune às armas do homem. Espadas já me


perfuraram, adagas já me cortaram. Estou coberto de
cicatrizes. Mas elas nunca me mataram. Na Germânia, me
amarraram e levaram ao cepo. Lá, eu teria, de boa-vontade,
colocado minha cabeça, mas a coisa caiu sobre mim e,
arrebentando minhas amarras, matei e fugi. Já percorri o
mundo todo, deixando horror e carnificina em meu rastro.
Correntes e celas não conseguem me deter. A coisa está
amarrada a mim por toda a eternidade.”

“No desespero, aceitei o convite de Dom Vincente, pois, veja


você, ninguém sabe de minha assustadora vida dupla, vez que
ninguém me reconhece possuído pelo demônio; e poucos, ao
me verem, vivem para contar isso.”

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

“Minhas mãos estão vermelhas; minha alma, condenada a chamas eternas, e


minha mente está dilacerada de remorso pelos meus crimes. E, mesmo assim, não
posso fazer nada para ajudar a mim mesmo. Certamente, Pierre, nenhum homem
conheceu o inferno que conheci.”

“Sim, eu matei Von Schiller e tentei destruir a jovem Marcita. Porque não o fiz,
não sei dizer, pois já matei tanto homens quanto mulheres.”

“Agora, se você quiser, pegue sua espada e me mate; e, com meu último suspiro,
lhe darei a bênção do bom Deus. Não?”

“Você agora conhece minha história, e vê diante de ti um homem assombrado por


demônios por toda a eternidade”.

Minha mente girava de assombro enquanto eu saía do quarto de De Montour. Eu


não sabia o que fazer. Parecia que ele provavelmente ainda mataria a nós todos,
e mesmo assim eu não conseguia me decidir a contar nada a Dom Vincente. Do
fundo de minha alma, eu sentia pena de De Montour.

Assim, mantive minha tranquilidade e, nos dias que se seguiram, eu aproveitava


para procurá-lo e conversar com ele. Uma amizade verdadeira brotou entre nós.

Quase nesta época, aquele diabo negro, Gola, começou a mostrar um ar de


agitação reprimida, como se soubesse de algo que ele desejava
desesperadamente contar, mas não queria ou não ousava.

Assim, os dias se passavam em festa, bebida e caça, até que numa noite De
Montour veio até meu quarto e apontou silenciosamente para a lua, a qual estava
se erguendo.

— Veja — ele disse. — Eu tenho um plano. Fingirei que estou indo para dentro da
selva, caçar, e você sairá, aparentemente por muitos dias. Mas, à noite,
retornarei ao castelo e você me trancará na masmorra que é usada como
despensa.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Assim foi feito, e eu conseguia escapulir duas vezes ao dia e levar comida e
bebida para meu amigo. Ele insistia em permanecer no calabouço, mesmo
durante o dia, embora o demônio nunca houvesse exercido sua influência sobre
ele durante o dia, e ele acreditasse na impotência da criatura nessas horas; mas
ele não se arriscaria.

Foi durante este período que comecei a perceber que Carlos, o primo cara-de-
marta de Dom Vincente, estava forçando suas atenções para Ysabel, a qual era
sua prima em segundo grau e parecia estar ofendida com aqueles galanteios. Eu
mesmo já o teria desafiado para um duelo, pois o desprezava, mas isso não era
realmente um assunto da minha conta. No entanto, parecia que Ysabel o temia.
Meu amigo, Luigi, enquanto isso, havia se apaixonado pela graciosa jovem
portuguesa e a cortejava assídua e diariamente.

De Montour permanecia em sua cela e recapitulava seus atos medonhos, até


golpear repetidas vezes as barras com suas mãos nuas.

Don Florenzo perambulava pelos terrenos do castelo, como um obstinado


Mefistófeles.

Os outros convidados cavalgavam, brigavam e bebiam.

E Gola deslizava por perto e me olhava como se estivesse sempre a ponto de


revelar uma informação de grande importância. Qual a surpresa, se meus nervos
ficassem irritados a um ponto estridente?

A cada dia, os nativos ficavam mais ríspidos, e cada vez mais mal-humorados e
intratáveis.

Certa noite, não muito antes do zênite da lua, entrei no calabouço onde De
Montour estava.

Ele ergueu rapidamente o olhar:

— Você se arrisca muito, vindo aqui à noite.

Encolhi meus ombros e me sentei.

Uma pequena janela gradeada deixava, na noite, os cheiros e sons da África.

— Escute os tambores nativos — eu disse. — Pois, nessa última semana, eles


soaram quase incessantemente.

De Montour assentiu:

— Os nativos estão inquietos. Parece-me que estão planejando perversidade. Já


notou que Carlos anda muito com eles?

— Não — eu respondi —; mas parece que haverá uma ruptura entre ele e Luigi.
Luigi está cortejando Ysabel.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Assim conversávamos, quando de repente De Montour ficou silencioso e


taciturno, respondendo somente em monossílabos.

A lua se ergueu e penetrou pelas janelas gradeadas. O rosto de De Montour foi


iluminado pelos seus raios.

E então, fui tomado de horror. Na parede atrás de De Montour, apareceu uma


sombra, uma sombra claramente definida como a de uma cabeça de lobo!

Naquele mesmo instante, De Montour sentiu sua influência. Com um guincho, ele
saltou de seu assento.

Ele apontou selvagemente e, enquanto com minhas mãos trêmulas, batia e


trancava a porta atrás de mim, eu o senti lançar seu peso contra ela. Enquanto
subia correndo a escada, ouvi selvagens bramidos e golpes contra a porta
trancada a ferro. Mas, apesar de toda a força do lobisomem, a grande porta
resistia.

Quando adentrei meu quarto, Gola entrou correndo e contou, ofegante, a história
que ele havia guardado durante dias.

Ouvi incrédulo, e então corri para encontrar Dom Vincente.

Fui informado de que Carlos o havia pedido que o acompanhasse à aldeia, para
arranjar uma venda de escravos.

Meu informante foi Don Florenzo de Sevilha e, quando fiz para ele um breve
resumo da história de Gola, ele me acompanhou.

Juntos, saímos às pressas pelo portão do castelo, lançando uma ordem para os
guardas, e seguimos pelo desembarcadouro em direção à aldeia.

Dom Vincente, Dom Vincente, ande com cuidado, mantenha a espada solta na
bainha! Tolo, idiota, para andar à noite com Carlos, o traidor!

Eles se aproximavam da aldeia, quando os alcançamos.

— Dom Vincente! — exclamei. — Volte instantaneamente para o castelo. Carlos


está lhe vendendo aos nativos! Gola me disse que ele deseja as suas riquezas e
Ysabel! Um nativo aterrorizado balbuciou a ele sobre as marcas de pés calçados,
próximas aos locais onde os lenhadores foram assassinados, e Carlos fez os
nativos acreditarem que o matador era você! Esta noite, os nativos vão se
revoltar e matar todos os homens do castelo, exceto Carlos! Acredita em mim,
Dom Vincente?

— Isto é verdade, Carlos? — Dom Vincente perguntou, espantado.

Carlos riu zombeteiramente.

—O idiota fala a verdade — ele disse —, mas isso só acontecerá sem você. Ho!

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Ele gritou enquanto pulava em direção a Dom Vincente. Aço reluziu ao luar, e a
espada do espanhol havia atravessado Carlos, antes que este pudesse se mover.

E as sombras se ergueram ao nosso redor. Então foram costas contra costas,


espada e adaga, três homens contra cem. Lanças reluziam e um brado diabólico
se erguia de gargantas selvagens. Espetei três nativos com várias estocadas e
logo caí, devido ao espantoso giro de um porrete de guerra; e, no instante
seguinte, Dom Vincente caiu sobre mim, com uma lança num braço e outra
atravessada na perna. Don Florenzo se erguia acima de nós, a espada saltando
como uma coisa viva, quando um ataque de arcabuzes varreu a margem do rio e
fomos levados para dentro do castelo.

As hordas negras vinham correndo, as lanças brilhando como uma onda de aço,
um rugido trovejante de selvageria se erguendo até os céus. Repetidas vezes,
eles subiam as inclinações e pulavam o fosso, até se amontoarem nas paliçadas.
E, repetidas vezes, o fogo dos cem defensores os fazia recuar.

Eles haviam incendiado os armazéns saqueados, e a luz do fogo neles competia


com a da lua. Próximo, do outro lado do rio, havia um armazém maior, e as
hordas de nativos se agrupavam ao redor dele, destruindo-o em busca de saque.
— Tomara que lancem tochas aí — disse Dom Vincente —, pois não há nada
armazenado lá, exceto algumas toneladas de pólvora. Eu não ousei guardar este
material perigoso deste lado do rio. Todas as tribos do rio e da costa se
reuniram para nos massacrar, e todos os meus navios estão nos mares. Podemos
aguentar um pouco, mas no final eles se aglomerarão na paliçada e nos
massacrarão.

Corri até o calabouço onde estava De Montour. Do lado de fora da porta, chamei
por ele, e ele me mandou entrar, numa voz que me dizia que o demônio o havia
deixado por um instante.

— Os negros se revoltaram! — eu disse a ele.

— Imaginei isso. Como anda a batalha?

Dei a ele os detalhes da traição e luta, e mencionei a casa de pólvora do outro


lado do rio. Ele se ergueu de um pulo.

—Agora, pela minha alma enfeitiçada! — ele exclamou. — Lançarei os dados com
o inferno, mais uma vez! Rápido, deixe-me sair do castelo! Tentarei atravessar o
rio a nado e explodir a pólvora!

— Isso é loucura! — exclamei — Mil negros se escondem entre as paliçadas e o


rio, e o triplo além! O próprio rio está apinhado de crocodilos!

— Tentarei! — ele respondeu, com uma grande luz no rosto. — Se eu puder


alcançá-la, alguns milhares de nativos iluminarão o cerco; se eu morrer, minha
alma estará livre e talvez ganhe algum perdão, pois terei dado minha vida para
expiar meus crimes.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Logo:

— Rápido — ele exclamou —, pois o demônio está retornando! Já sinto sua


influência! Apressa-te!

Corremos em direção aos portões do castelo e, enquanto De Montour corria, ele


ofegava como um homem numa batalha aterradora.

No portão, ele se lançou de ponta-cabeça, e logo se ergueu, para saltar através


dele. Gritos selvagens o receberam desde os nativos.

Os atiradores de arcabuzes gritavam pragas para ele e para mim. Olhando desde
o alto das paliçadas, eu o vi virar de um lado a outro, incerto. Uns vinte nativos
corriam temerariamente para a frente, as lanças erguidas.

Então, um medonho uivo lupino se ergueu até os céus, e De Montour pulou para a
frente. Horrorizados, os nativos pararam e, antes que um homem deles pudesse
se mexer, ele estava no meio deles. Guinchos selvagens, não de fúria, mas de
terror.

Espantados, os atiradores de arcabuz suspenderam fogo.

De Montour atacou através do grupo de negros e, quando eles se dispersaram e


fugiram, três deles não fugiram.

De Montour deu doze passos em perseguição; então, parou, completamente


imóvel. Ele ficou assim por um momento, enquanto lanças lhe voavam ao redor, e
depois girou e correu rapidamente em direção ao rio.

A poucos passos do rio, outro bando de negros lhe barrou o caminho. À luz das
casas incendiadas, a cena estava claramente iluminada. Uma lança arremessada
atravessou o ombro de De Montour. Sem parar em suas passadas, ele a arrancou
e enfiou num nativo, pulando-lhe o corpo para ficar no meio dos outros. Eles não
conseguiam encarar o branco endemoninhado. Fugiram aos gritos, e De Montour,
saltando sobre as costas de um, o derrubou.

Então, ele se ergueu, oscilou e saltou até a margem do rio. Por um instante, ele
parou ali e logo desapareceu nas sombras.

— Em nome do diabo! — ofegou Dom Vincente, próximo ao meu ombro. — Que tipo
de homem é aquele? Aquilo era De Montour?

Balancei afirmativamente a cabeça. Os gritos selvagens dos nativos se erguiam


acima do crepitar dos tiros dos arcabuzes. Eles estavam bastante aglomerados
ao redor do grande armazém do outro lado do rio.

— Estão planejando uma grande investida — disse Dom Vincente. — Parece-me


que eles vão se aglomerar sobre a paliçada. Ah!

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Um estrondo que parecia rasgar os céus! Uma explosão de fogo que se


elevava até as estrelas! O castelo tremeu com a explosão. Depois, o
silêncio, enquanto a fumaça, levada pelo vento, mostrava apenas uma
grande cratera onde antes havia um armazém.

Eu poderia contar sobre como Dom Vincente liderou um ataque,


apesar de enfraquecido, para fora do portão do castelo, e desceu a
inclinação, para cair sobre os aterrorizados negros que haviam
escapado da explosão. Eu poderia falar do massacre, da vitória e
perseguição aos nativos que fugiam.

Eu poderia contar, também, senhores, de como fiquei separado do


grupo e vaguei para longe, selva adentro, incapaz de achar meu
caminho de volta à costa.

Poderia contar como fui capturado por um grupo errante de


incursores escravagistas, e como escapei. Mas esta não é minha
intenção. Isso daria uma longa história; e é de De Montour que estou
falando.

Pensei muito a respeito das coisas que haviam acontecido, e me


perguntei se, de fato, De Montour alcançou o armazém para explodi-
lo, ou se isso foi apenas um ato do acaso.

Parecia impossível que um homem pudesse nadar por aquele rio


apinhado de répteis, apesar de guiado por demônios. E, se ele ateou
fogo no armazém, deve ter ido para os ares com ele.

Assim, numa noite, eu avançava cansado através da selva, avistei a


costa, e me aproximei de uma pequena e desmantelada cabana de
palha. Fui até ela, pensando em dormir lá, se os insetos e répteis
permitissem.

Adentrei a portada, e então parei bruscamente. Um homem se sentava


num banco improvisado. Ele ergueu o olhar quando entrei, e os raios
da lua lhe caíam sobre o rosto.

Recuei sobressaltado, com um medonho calafrio de horror. Era De


Montour, e a lua estava cheia!

Então, enquanto eu estava parado e incapaz de fugir, ele se levantou e


veio em minha direção. E seu rosto, embora macilento como o de um
homem que olhara para dentro do inferno, era o de um homem são.

— Entre, meu amigo — ele disse, e havia uma grande paz em sua voz. —
Entre e não me tema. O demônio me abandonou para sempre.

— Mas me diga, como você venceu? — exclamei enquanto lhe agarrava


a mão.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

— Lutei uma batalha terrível, enquanto corria para o rio — ele respondeu —, pois
o demônio me dominava e guiava para cair sobre os nativos. Mas, pela primeira
vez, minha alma e mente ganharam domínio por um instante; um instante longo o
bastante para me deter do meu propósito. E acredito que os bons santos vieram
me ajudar, pois dei minha vida para salvar vidas.

“Mergulhei no rio e nadei; e, num instante, os crocodilos se amontoavam ao meu


redor. Novamente possuído pelo demônio, lutei contra eles lá no rio. Então, a
coisa subitamente me abandonou.

“Saí do rio e lancei fogo no armazém. A explosão me lançou a dezenas de metros


e, durante dias, perambulei estúpido pela selva.

“Mas a lua cheia veio, e veio novamente, e não senti a influência do demônio.
Estou livre, livre!”. E um tom maravilhoso de exultação, não, exaltação, vibrou em
suas palavras:

— Minha alma está livre. Por incrível que pareça, o demônio jaz afogado no leito
do rio, ou então habita o corpo de um dos répteis selvagens que nadam pelo
Niger.

Robert Ervin Howard, nasceu em Peaster, Texas, 22 de


Janeiro de 1906 e morreu na cidade de Cross Plains, Texas
a 11 de Junho de 1936. foi um prolífero escritor norte
americano. Um prolífico colaborador das chamadas
revistas de pulp fiction, muito populares nos Estados
Unidos durante a Grande Depressão dos anos 1930,
tendo publicado mais de 160 histórias e deixado inúmeras
outras incompletas ou não publicadas. Considerado o
"pai" do subgênero de espada & feitiçaria (sword and
sorcery), ambientou boa parte de suas histórias no que
chamou de “Era Hiboriana”, um passado posterior a
“queda de Atlântida” esquecido pela civilização após o um
grande cataclisma. Entre suas maiores criações destaca-se
o bárbaro cimério Conan, imortalizado nos cinemas pelo
austríaco Arnold Schwarzenegger. Mas também personagens como Bran Mak Morn, o rei Kull e
Salomão Kane. A mitologia howardiana envolve uma construção de um vasto mundo, repleto de
povos, religiões e culturas diversas, além de uma geografia peculiar, que soube se apropriar do
horror lovecraftiano (ele e H.P. Lovecraft eram amigos), dando sua própria contribuição aos “mitos
de Cthulhu”. Howard inspirou e influenciou diversos escritores no gênero de fantasia e aventura,
deixando um legado que permanece gerando releituras, adaptações e recriações de sua obra.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Lá ou cá

Os sabidos de lá
No afã da esperteza
Intrigas sem sabedorias
Os de cá, sem indiferenças.
Até parecem Darwiano: seleção natural!
Ou seria mero estado de necessidade?
Sabedorias nenhumas!
Lá ou Cá?
Não! Lá e cá!
Espertezas, mesmo!
Sem jeito, tudo jeitinho!

Edmilson dos Anjos

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

CINEOLHAR
Super/Man: A História de Christopher Reeve é
um documentário que explora a ascensão
meteórica de Reeve ao estrelato com sua
interpretação icônica de Superman, e como
sua vida se transformou após um acidente que
o deixou tetraplégico. A partir de imagens de
arquivo e registros inéditos, o longa revela a
trajetória do ator, desde seu papel definitivo
como Clark Kent/Superman, que redefiniu os
super-heróis no cinema e seu envolvimento
em diversos projetos cinematográficos. Após
o acidente, Reeve tornou-se um líder
carismático na luta pela cura de lesões na Super/Man: A história de Christopher Reeve -
2024 - 1h 44min
medula espinhal e um defensor incansável dos Direção: Ian Bonhôte, Peter Ettedgui
direitos das pessoas com deficiência, Com: Christopher Reeve, Johnny Carson,
Glenn Close
continuando a atuar e a dirigir filmes. Nos cinemas em 17/10/2024

Conan (Arnold Schwarzenegger), um cimério, vê seus


pais serem mortos na sua frente e seu povo ser
massacrado, sendo que ele, ainda criança, é levado
para um campo de escravos do feiticeiro Thulsa
Doom. Os anos passam e ele desenvolve uma enorme
força física, o que faz Conan se tornar gladiador. Ele
ainda se mantém determinado a vingar a morte dos
pais e quando é libertado tenta alcançar seu objetivo,
juntando-se a uma dupla de ladrões a serviço de um
rei cuja filha se tornou serva do maligno feiticeiro.
Obra baseada nos contos escritos por Robert E.
Howard que projetou Schwarzenegger em carreira
Conan, o bárbaro - 1982 - 2h 09min | hollywoodiana e uma excelente iniciação a Era
Direção: John Milius (roteiro de Oliver Stone)
Com: Arnold Schwarzenegger, Max von
Hiboriana.
Sydow
Disponível na Disney plus KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

UMA REFLEXÃO SOBRE


“VOTAR”

por Francisco Moreira

Nas últimas eleições um caso curioso que de tão surreal e


representativo do poder de cada eleitor, virou até notícia
nacional, ocorreu envolvendo alguns amigos e conhecidos
meus. O fato é que determinado candidato simplesmente
empatou na disputa eleitoral com outro, tendo ambos a mesma
quantidade de votos. Como preconiza a lei em casos assim, o
mais velho dos dois acabou por ser eleito, deixando o outro
com o pensamento de “Poxa, se eu tivesse tido só mais um voto,
estaria eleito”. Sem questionar a qualidade de quem venceu,
mas chamando a atenção para algo que a reportagem nem
soube, mas que virou resenha entre amigos. Dias antes da
eleição, um dos amigos e apoiadores do candidato que quase se
elege, disse a turma que votaria em outro candidato, esse sem
chance alguma de se eleger e que realmente teve um número
pífio de votos. Tal escolha era por que “Fulano estaria eleito e
não precisaria de seu voto” e portanto, votaria no outro por
pilhéria, pois tinha garantido a ele e que seu voto “não faria
diferença”. Como visto, fez diferença e muita, pois o voto dado
por “pilhéria” acabou tirando da eleição aquele que todos
julgávamos mais preparado.

Ainda vemos em nossos dias pessoas que, mesmo tendo um


candidato cujos valores e propostas lhe agradem, ainda
costumam votar em quem aparece mais a frente em pesquisas
ou que tem mais chance de ganhar, simplesmente para “não
perder o voto”. Por mais absurdo que isso pareça.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

Nenhum voto é perdido, cada um deles importa e não deve ser desperdiçado por achar
que esse ou aquele tem mais chance de vitória. Uma eleição, não é uma competição,
muito embora candidatos e eleitores costumem se comportar como se fosse. Uma eleição
é uma disputa que envolve a escolha de um projeto político que pode melhorar ou piorar
a sua qualidade de vida. Escolher votar em alguém por que a pesquisa disse que esse tem
“maior chance”, é desperdiçar a oportunidade de fazer valer os seus desejos, os seus
valores e as suas necessidades como cidadão.

O voto não é um instrumento de troca, de negociação. O voto não pode estar a venda,
nem ser instrumento de brincadeira ou insignificância. Como vimos acima, um voto pode
sim decidir uma eleição, por isso, é essencial observar as propostas, o caráter, as ações
pregressas dos candidatos e avaliar qual a melhor escolha. Busque entender se suas
propostas são viáveis, possíveis ou se são apenas promessas vazias. Uma proposta que
aumente o salário do funcionalismo é sempre bem vinda, mas se um candidato diz que vai
aumentar 60%, 80%, coloque as barbas de molho e veja que tal percentual é algo quase
impossível. Se o candidato promete construir hospitais, clínicas, etc. Reflita se há
necessidade de tais construções, se o dinheiro público (que é seu) será capaz de terminar
a obra e ainda colocar profissionais para trabalhar ali. Muitas vezes reclamamos de
promessas não cumpridas pelos políticos, mas será que as promessas que ajudamos a
eleger tinham condições verdadeiras de ser cumpridas?
.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

COMO SE ELEGEM PREFEITOS E VEREADORES

Algumas vezes pode parecer que nosso voto não teve o devido valor, principalmente
quando vemos alguém que teve mais votos do que outro e não se elegeu. Isso se dá em
razão do sistema de votação existente no Brasil. Nós temos um sistema que é majoritário
mas também proporcional, ou seja, na eleição para prefeito nas cidades com até 200 mil
eleitores, a eleição se dá em turno único pela maioria simples dos votos; as cidades acima
desse número terão eleição em dois turnos, elegendo-se aquele que tiver mais da metade
dos votos válidos.

Em relação aos vereadores a coisa complica um pouquinho, pois o voto é dado de modo a
garantir que a representação da população no Legislativo seja proporcional à sua força
política. Assim, o voto dado a determinado vereador segue para a coligação ou o partido
e, para determinar se o candidato será eleito ou não, será necessário determinar o
Quociente Eleitoral, que é o número de votos válidos dividido pelo número de vagas na
câmara municipal. A partir daí é calculado o Quociente Partidário, que diz quantas vagas
cada partido/coligação terá direito. Sendo que para ser eleito é preciso obter ao menos
10% do Quociente Eleitoral.

Para exemplificar: Uma cidade tem 10 mil votos válidos e 10 vagas para vereador. 10.000
/10 = 1000, então 1000 será o Quociente Eleitoral. Para saber quantas vagas o partido
terá direito na câmara é só dividir o número de votos deste pelo QE. Vejamos, se um
partido teve 5 mil votos, outro 3 mil e um terceiro 2 mil. O primeiro terá 5 cadeiras, o
segundo partido terá 3 e o último 2 cadeiras. Se um quarto partido obtiver no total
apenas 900 votos, ainda que tenha o candidato mais votado, ficará de fora do legislativo.
Por isso que as vezes vemos um candidato com bem menos votos conseguir se eleger e
outro mais bem votado não.

Vale lembrar que os votos válidos são aqueles que excluem os votos nulos e em branco,
que não possuem valor algum e não contam nesse cálculo. É importante dizer que a
informação de que se houver mais votos nulos e brancos do que votos válidos, a eleição
será anulada e outra terá que ser feita com novos candidatos é uma afirmação falsa. Os
votos nulos e brancos são simplesmente descartados, não causando nenhum efeito
eleitoral.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

ESPAÇO HQ
Com narrativas cativantes e poderosas, artes deslumbrantes em vários estilos gráficos, as
sugestões da coluna este mês homenageiam esse gênero literário tão querido da espada e
feitiçaria, que é fonte contínua de inspiração para diversas mídias e que costuma render
momentos de extremo prazer e divertimento. Nos quadrinhos não seria diferente.

Conan, o cimério - edição definitiva - Uma releitura


em quadrinhos feita por artistas europeus sobre os
contos originais de Robert E. Howard. Histórias
consagradas como “O colosso negro”, “A Cidadela
escarlate”, “Os profetas do círculo negro” e “A hora
do dragão” são interpretadas com os estilo
característicos de artistas tão diferentes como:
Julien Blondel, Sylvain Runberg, Park Jae Kwang e
Ooshima Hiroyuki, Patrice Louinet e Paolo Martinell,
Sedyas e Robin Recht, entre outros. Uma verdadeira
obra de arte em formato europeu e capa dura.
Verdadeiro tesouro para quem já admira o
personagem ou quer se embrenhar pelas terras da
Era Hiboriana, desvendando seus segredos e
mistérios. Pela editora Pipoca e Nanquim.

Elric: O trono de ruby - Em meio a traições, feitiços, espadas


mágicas, acontece uma luta acirrada pelo poder. Elric, o
imperador albino criado por Michael Moorcock deve
enfrentar seu primo Yyrkoon pelo controle do reino de
Melniboné. E além de todos os perigos e armadilhas, os dois
vão ter que lidar com as manipulações de Arioch, Senhor do
Caos e Duque dos Infernos Abissais! Um dos personagens
mais importantes do gênero “espada e feitiçaria” numa
história de Julien Blondel, elogiada pelo próprio criador do
personagem. A edição da Mythos editora infelizmente está
esgotada, mas é uma aquisição que merece ser citada pela
construção narrativa e épica do frágil soberano destinado a
ser o destruidor de seu próprio povo, que busca a liberdade
de tal profecia em escolhas trágicas que só o levam mais
próximo a ela.

KIKOSOFIA
NÚMERO 24 SETEMBRO DE 2024

JESUS LHES DISSE: “NESTE MUNDO, OS


REIS E OS GRANDES HOMENS EXERCEM
PODER SOBRE O POVO E, NO ENTANTO,
SÃO CHAMADOS DE SEUS BENFEITORES.
ENTRE VÓS, PORÉM, SERÁ DIFERENTE.
QUE O MAIOR ENTRE VÓS OCUPE A
POSIÇÃO INFERIOR, E O LÍDER SEJA O
SERVO.”
LUCAS, 22, 25-16

Jesus lava os pés de seus discípulos (1905)


William B. Hole

KIKOSOFIA

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