Ensino Superior No Brasil
Ensino Superior No Brasil
Ensino Superior No Brasil
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende oferecer uma visão abrangente da estrutura do ensino superior
no Brasil e das transformações pelas quais ele vem passando. Há uma percepção
unânime de que a expansão e a qualicação do ensino superior são condições
estruturais para um desenvolvimento econômico e social duradouro e consistente
no Brasil. No entanto, até hoje a taxa de matrícula neste nível de ensino no Brasil
é uma das mais baixas entre países de nível de desenvolvimento semelhante, e o
desempenho geral do sistema tem sido bastante questionável.
Com efeito, o Brasil é um país de contrastes e o seu ensino superior reete,
nesse sentido, um traço histórico persistente da sociedade brasileira como um todo.
Deste modo, é preciso analisar o ensino superior brasileiro tendo presente
1. Este capítulo é uma versão modicada do capítulo Transformações recentes do ensino superior, a ser publicado
no livro Educação Superior e os Desaos no Novo Século: contextos e diálogos Brasil-Portugal, de autoria de Carlos
Benedito Martins e Maria Manuel Vieira (Martins e Vieira, 2014).
2. Doutora em sociologia pela Universidade de Münster, na Alemanha. Professora titular no Departamento de Sociolo-
gia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pesquisadora no Conselho Nacional de Desenvolvimento
Cientíco e Tecnológico (CNPq) e coordenadora do Grupo de Estudos sobre Universidade da UFRGS.
3. Doutor em sociologia pela L’Université Paris Descartes, em Paris. Professor titular no Departamento de Sociologia da
Universidade de Brasília (UnB), onde coordena a linha de pesquisa educação, ciência e tecnologia.
96 Jovens Universitários em um Mundo em Transformação: uma pesquisa sino-brasileira
2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS
O ensino superior brasileiro constituiu um acontecimento tardio, quando compa-
rado com os do contexto europeu e latino-americano. As primeiras universidades
na América Latina foram criadas nos séculos XVI e XVII, quando já existiam várias
universidades na Europa. Ao contrário da colonização espanhola, na América Latina
os portugueses mostravam-se hostis à criação de escolas superiores e de universi-
dades em sua colônia brasileira. As primeiras instituições de ensino superior (IES)
no Brasil foram criadas somente no início do século XIX, com a transferência da
corte portuguesa, em 1808, para a colônia. Elas tinham por objetivo apenas fornecer
quadros prossionais para desempenhar diferentes funções ocupacionais na corte.
No nal do Império (1889) o país contava com somente seis escolas supe-
riores voltadas para a formação de juristas, médicos e engenheiros. Em 1900,
não existiam mais que 24 escolas de ensino superior; três décadas depois o sistema
contava com uma centena de instituições, sendo que várias delas foram criadas
pelo setor privado, principalmente pela iniciativa confessional católica. Até o início
da década de 1930 o sistema de ensino superior era constituído por um conjunto de
escolas isoladas, de cunho prossionalizante, divorciado da investigação cientíca
e que absorvia aproximadamente 30 mil estudantes. A atividade de pesquisa era
realizada nos institutos de pesquisa que, em geral, não possuíam laços acadêmicos
com o sistema de ensino superior existente.
Ensino Superior no Brasil: uma visão abrangente 97
GRÁFICO 1
Número de IES de acordo com a organização acadêmica e o status administrativo
2.112
1.898
304
108 85 129 146
10 40 0
4. As IES comunitárias surgiram no final da década de 1980 como um modelo específico caracterizado como
“públicas não estatais” vinculadas fortemente às comunidades locais e regionais. São IES sem ns lucrativos. As IES
confessionais caracterizam-se pela liação religiosa da mantenedora. Também são lantrópicas. As mais importantes
são as tradicionais IES católicas: as PUCs presentes na maioria das capitais brasileiras.
5. Essa lei adicionou à Lei de Diretrizes Básicas o comando de que as “mantenedoras de IES [de direito privado],
previstas no inciso II do Artigo 19 da LDB, poderão assumir qualquer das formas admitidas em direito, de natureza civil
ou comercial” (Nunes, Carvalho e Albrecht, 2009).
Ensino Superior no Brasil: uma visão abrangente 103
ativo e inativo, e outros recursos de custeios e capital. O ensino é gratuito e apenas 3,5% do
orçamento global dessas instituições é constituído por recursos diretamente arrecadados.
O nanciamento provém do Fundo Público Federal, que reúne os recursos nanceiros
arrecadados da população mediante tributos, impostos e taxas (Amaral, 2003).
As instituições estaduais são nanciadas pelos governos estaduais e o ensino é igual-
mente gratuito. Entre as IES estaduais, destacam-se as dos estados de São Paulo,
Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, Ceará e Bahia. As universidades estaduais
paulistas são nanciadas com recursos do impostos sobre circulação de mercadorias
e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação
(ICMS), nunca inferior a 11% do total arrecadado (Schwartzman, 2002).
O nanciamento no setor privado depende fortemente da cobrança de mensalidades,
anuidades e taxas pelos cursos oferecidos (graduação, lato sensu, mestrado,
doutorado etc.). A legislação brasileira concedeu às IES privadas a oportunidade de
xar suas próprias mensalidades, desvinculando as negociações da área educacional
e transferindo para os setores de relação com o consumidor e o produto consumido
(Amaral, 2003). O custo do ensino privado varia de forma signicativa em função
do tipo de curso (medicina e odontologia, por exemplo, são cursos caros, enquanto
administração, economia, pedagogia e ciências sociais são cursos de custo mais baixo)
da região, e do tipo de instituição (universidade, centro universitário, faculdades etc.).
A fonte de sustentação mais visível das IES privadas é a das mensalidades. Porém,
há inúmeras fontes indiretas de recursos públicos para estas IES (isenções scais e previ-
denciárias e renúncia scal/Prouni), e fontes diretas, como o crédito educativo – Fies –,
que contribui signicativamente para sua expansão e manutenção.
GRÁFICO 2
Evolução da matrícula na graduação presencial, por categoria administrativa
7.000.000
6.000.000
5.000.000
4.000.000
3.000.000
2.000.000
1.000.000
0
1960
1970
1971
1972
1973
1974
1975
1976
1977
1978
1979
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
GRÁFICO 3
Matrículas em cursos de graduação presenciais, por organização acadêmica e status
administrativo
4.208.086
1.859.887
1.715.752
1.469.565 1.540.281
807.918
TABELA 1
Número de matrículas presenciais, por tipo de IES e participação sobre o total
(2001 e 2012)
2001 2001 (%) 2012 2012 (%)
Total 3.030.754 100,0 5.923.838 100,0
Universidades 1.956.260 64,5 3.009.846 50,8
Pública 816.913 - 1.469.565 -
Privada 520.895 - 1.540.281 -
Não universidades 1.074.494 35,4 2.913.992 48,2
Pública 122.312 - 246.187 -
Privada 1.570.634 - 2.667.805 -
TABELA 2
Matrículas por nível, tipo de curso e modalidade de ensino (2012)
Total
Graduação e pós-graduação: total
Matrículas 7.261.801
Graduação
Total de matrículas 7.037.688
Bacharelado 4.703.804
Licenciatura 1.366.588
Por tipo de curso
Tecnólogo 944.764
Não aplicável 22.532
Presencial 5.923.838
Por modalidade de ensino
A distância 1.113.850
Cursos sequenciais 20.396
Pós-graduação (mestrado e doutorado)
Matrículas 203.717
TABELA 3
Total de matrículas na graduação presencial, por grande área de curso e crescimento
no período (2000-2012)
2000 2012 Crescimento (%)
Total 2.694.245 5.923.838 119,87
Educação 584.664 913.648 56,27
Humanidade e artes 88.559 155.964 76,11
Ciências sociais aplicadas 1.112.142 2.416.486 115,35
Ciências, matemática e computação 233.726 406.236 73,81
Engenharia, produção e construção 234.497 865.301 269,00
Agricultura e veterinária 63.260 163.034 157,72
Saúde 323.196 862.497 166,42
Serviços 44.201 115.110 160,42
5.2 Prouni
O Prouni é um programa do governo federal que tem como objetivo a con-
cessão de vagas para estudantes de baixa renda em instituições privadas de
ensino superior, com ou sem ns lucrativos. Em contrapartida, as IES que receberem
110 Jovens Universitários em um Mundo em Transformação: uma pesquisa sino-brasileira
alunos beneciados pelo programa terão isenção de alguns tributos. Ele foi regu-
lamentado por meio de Medida Provisória no 213/2004, e institucionalizado pela
Lei no 11.096/2005 (Brasil, 2005).
O programa prevê a concessão de bolsas de estudo integrais e parciais
(de 50% e 25%), para cursos de graduação tradicionais (duração de quatro anos)
e sequenciais de formação especíca (dois anos). Desde 2007, possibilita, também,
aos bolsistas parciais que recorram ao nanciamento do valor restante das men-
salidades por meio do Fies da Caixa Econômica Federal. Para um candidato ser
contemplado pela bolsa integral,6 a renda familiar (per capita) não pode ser superior
a 1,5 salário mínimo (R$ 1.086); quanto à bolsa parcial, pode ser concedida para
estudantes com renda per capita familiar de até três salários mínimos (R$ 2.172).
Também é necessário que o candidato tenha cursado o ensino médio completo
em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista
integral (Anhaia, 2012).
O candidato é selecionado por sua pontuação no Enem. A partir de 2009,
passa a ser exigido o mínimo de 450 pontos (em um total de 1.000) na média
das cinco notas obtidas nas provas do exame7 (Anhaia, 2010). Cabe ressaltar que,
quanto maior a nota obtida, maiores são as chances de o candidato escolher o curso
e a instituição em que irá estudar.
Desde sua criação até 2011, o Prouni ofertou 1.128.718 bolsas, das quais
748.788 foram ocupadas. Cerca de 70% são bolsistas integrais. Atualmente,
3.664 pessoas com deciência e 6.587 professores da escola básica pública também
estão sendo beneciados pelo programa. Quanto à modalidade de ensino, a maioria
encontra-se matriculada em cursos presenciais (Brasil, 2011).
Os dados relativos à expansão da matrícula no nível superior revelam que essa
expansão trouxe algumas mudanças na composição social dos estudantes.
Tomando-se como indicador a renda familiar dos alunos, entre os matri-
culados no ensino superior público e privado, os dados mostram que não há
diferença signicativa entre um setor e outro. Mais de 50% dos estudantes são do
ultimo quintil, ou seja, oriundos das classes abastadas. No entanto, está havendo
um crescimento, ainda que pequeno, da presença de alunos de baixa renda em
ambos os setores de ensino, seja público seja privado, especialmente a partir
de 2005, quando começaram a ser implantados programas de inclusão social nas IES.
6. O MEC colocou bolsas de permanência de R$ 300 à disposição de 2,5 mil beneciários do Prouni, aqueles que passam
mais tempo em aula e por isso não podem trabalhar. O objetivo é ajudar a pagar despesas educacionais e incentivá-los
a se dedicar e concluir o curso (Brasil, 2008).
7. As provas são: i) linguagens, códigos e suas tecnologias; ii) ciências humanas e suas tecnologias; iii) ciências da
natureza e suas tecnologias; iv) matemática e suas tecnologias; e v) redação.
Ensino Superior no Brasil: uma visão abrangente 111
GRÁFICO 4
Estudantes que frequentam o ensino superior, por categoria administrativa e quintos
de renda familiar
(Em %)
4A – Público
70
60 59,2
50
40 41,0
30
23,9 25,3
20
16,4
10 9,9 10,2
4,7 7,1
2,3
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011
1o quinto 2o quinto 3o quinto 4o quinto 5o quinto
4B – Privado
80
74,0
70
60
50 48,3
40
30 28,1
20
17,6
13,5
10 5,7
1,4 6,6
1,2 3,5
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2011
1o quinto 2o quinto 3o quinto 4o quinto 5o quinto
Três estados, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, concentravam 49,4%
das matrículas nos cursos de mestrado e 60% das matrículas no doutorado em 2011.
Estes dados, por impressionantes que pareçam, apenas reetem o tamanho da
população universitária e os níveis de desenvolvimento relativo desses mesmos
estados no cenário nacional.
Ao contrário do que ocorre no ensino de graduação, em que se verica um
nítido predomínio quantitativo dos cursos da área de ciências sociais aplicadas,
constata-se, na pós-graduação, um relativo equilíbrio quanto à distribuição dos
cursos de mestrado e de doutorado entre as diversas áreas do conhecimento.
Conforme foi assinalado anteriormente, criou-se, no interior da pós-graduação,
um sistema nacional de avaliação dos programas, realizado pelos pares, que se
transformou em um dos mecanismos responsáveis pelo seu êxito. Desde sua
implantação, na metade da década de 1970, o sistema de avaliação vem sendo
periodicamente revisto visando ao seu aprimoramento. O sistema de avalia-
ção abrange dois processos distintos que, no entanto, mantêm relações entre si.
O primeiro deles compreende a realização do acompanhamento anual dos programas
e a avaliação trienal do desempenho de todos os programas e cursos que integram
o sistema nacional de pós-graduação. Os resultados desse processo, expressos pela
atribuição de uma nota na escala de 1 a 7, além de hierarquizar academicamente
os programas, fundamentam a deliberação do CNE sobre quais cursos obterão a
renovação legal para poder continuar funcionando no triênio posterior. A segunda
modalidade compreende a avaliação das propostas de cursos novos de pós-graduação,
na qual verica-se se elas atendem ao padrão de qualidade requerido nesse nível de
formação (Moreira, Hortale e Hartz, 2004; Gatti et al., 2003).
Os dois processos – avaliação dos programas e avaliação das propostas de
novos cursos – são baseados em um mesmo conjunto de princípios e normas
acadêmicas estabelecido e realizado pelos mesmos agentes: os representantes das
áreas de conhecimento, que são indicados pelos programas e auxiliados por um
comitê de consultores acadêmicos provenientes dos programas de pós-graduação.
O sistema de avaliação visa impulsionar o aprimoramento acadêmico de todo o
sistema nacional de pós-graduação, apontar para cada programa seus pontos fortes
em termos acadêmico, e os desaos que ele necessita enfrentar para alcançar um
elevado nível de qualidade acadêmica. Esse sistema, além de permitir o avanço de
cada programa e do sistema como um todo, tem dotado o país de um eciente
banco de dados sobre a situação e a evolução da pós-graduação, e também oferecido
importantes subsídios para a denição da política de desenvolvimento do sistema
nacional de pós-graduação.
116 Jovens Universitários em um Mundo em Transformação: uma pesquisa sino-brasileira
REFERÊNCIAS
AMARAL, N. C. Financiamento da educação superior: Estado x mercado.
São Paulo; Piracicaba: Cortez Editora; Editora Unimep, 2003.
ANHAIA, B. C. O Programa Universidade para Todos: análise da política, do impacto
e das vivências dos bolsistas. Monograa (Graduação) – Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
______. Políticas públicas e sociais para a equidade: um estudo sobre o Programa
Universidade para Todos. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 17,
n. 60, 2012.
BOMENY, H. Os intelectuais da educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
Ensino Superior no Brasil: uma visão abrangente 121