Quantica Cap3

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Capítulo 3

Cinemática e dinâmica
quânticas

Neste capítulo construiremos os conceitos da cinemática e da dinâmica


em M.Q. fundamentados em álgebra linear, teoria da probabilidade, nos
postulados (§2.1)), e na premissa de que as leis da natureza são invariantes
às operações de simetria específicas do espaço-tempo.
A importância da simetria do espaço-tempo está presente já em mecânica
clássica e constitui uma característica fundamental das teorias quânticas
de campos modernas. O primeiro teorema de Noether, publicado em 1918,
afirma que toda simetria diferenciável1 da função lagrangiana de um sistema
físico tem uma lei de conservação correspondente. Sob este aspecto, as leis
do movimento da mecânica clássica são uma formalização das propriedades
de conservação de energia e momento (linear e angular) e estas, por sua vez,
são consequências das simetrias do universo. Em M.Q. o mesmo acontece.
Por simplicidade, trabalharemos no limite não-relativístico (v << c) e toda
discussão desse capítulo será baseada em estados puros, o que nos permite
trabalhar diretamente com o vetor de estado |ψi sem a necessidade de se
trabalhar com operadores de estado.

3.1 Transformações de estados e observáveis


Comecemos essa seção com um importante teorema:

Teorema 9 (Teorema de Wigner) Um mapeamento de um espaço veto-


rial em outro, no mesmo espaço, deve preservar o valor de |hφ | ψi| e pode
1
Simetria diferenciável significa uma transformação de coordenadas (ou suas velocidades)
contínuas infinitesimais que deixa o sistema invariante.

47
48 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA E DINÂMICA QUÂNTICAS

ser implementado através de operadores unitários ou anti-unitários (também


chamados lineares e anti-lineares).

Em outras palavras, se há uma transformação de estados e de observáveis


entre dois sistemas de referência (nomeadamente os sistemas S e S0 ) então a
probabilidade deve ser invariante e a seguinte igualdade |hφ0 | ψ 0 i|2 = |hφ | ψi|2
deve valer.
O teorema também estabelece que o operador U que implementa essa
transformação é um operador unitário ou anti-unitário:

• Operador unitário: é o operador que tem a propriedade de pre-


servar a norma de um vetor, definido por U † = U −1 , que resulta
em U U † = U † U = 1, sendo 1 a operação de identidade. Logo,
hφ0 | ψ 0 i = (hφ0 | U † )(U |ψi) = hφ| ψi.
• Operador anti-unitário: como bras e kets são anti-lineares devido
à simetria Hermitiana (ver §1.1.7), um operador anti-linear é tal que
A(c1 |φ1 i+c2 |φ2 i) = c∗1 (A |φ1 i)+c∗2 (A |φ2 i). Desta forma, o mapeamento
de S em S 0 é tal que hφ0 | ψ 0 i = hφ| ψi∗ .

Note que |hφ0 | ψ 0 i|2 = |hφ | ψi|2 para ambos os mapeamentos, por operadores
lineares e anti-lineares.
Consideremos um operador hermitiano tal que A |φn i = an |φn i no sistema
S. No sistema S0 temos A0 |φ0n i = an |φ0n i. Note que temos o mesmo autovalor
pois transformações de base não alteram os autovalores (valores esperados)
de um operador. Pelo teorema de Wigner |φ0n i = U |φn i então:
A0 U |φn i = an U |φn i , (3.1)
multiplicando à esquerda por U −1 encontramos:
U −1 A0 U |φn i = U −1 an U |φn i , (3.2)
como an é um escalar, comuta com U e encontramos:
U −1 A0 U = A, ou ainda A0 = U AU −1 . (3.3)
Esta é a operação de similaridade definida em §1.2.
Considere, agora, uma família de operadores unitários U (s), que dependem
de um parâmetro contínuo s. Além disso define-se U (0) = 1 e U (s1 + s2 ) =
U (s1 ) U (s2 ). Consideremos que s é um parâmetro infinitesimal tal que valha
a expansão de Taylor:
dU  
U (s) = 1 + s + O s2 , (3.4)
ds s=0
3.2. SIMETRIAS NO ESPAÇO-TEMPO 49

o mesmo deve ser válido para U † :

dU †  
U † = (s) = 1 + s + O s2 , (3.5)
ds s=0

tal que:
dU †
" #
dU
UU = 1 + s

+ = 1, (3.6)
ds ds s=0

logo:
dU dU †
+ = 0, (3.7)
ds ds
cuja solução é do tipo:
U (s) = eiKs , (3.8)
com K = K † . Em palavras: o operador que realiza a transformação de um
sistema S para um sistema S0 (seja lá qual for essa transformação) é uma
exponencial de um operador multiplicado por um parâmetro s. Esse operador
K é necessariamente hermitiano e está associado à natureza do parâmetro
s. Veremos mais adiante as características de K e de s e vislumbraremos a
crucial importância desse resultado em M.Q.

3.2 Simetrias no espaço-tempo


Considerando o limite não-relativístico (v << c), as simetrias do espaço-
tempo são descritas pelo grupo de Galileu (quando v ≈ c as simetrias são
descritas pelo grupo de Lorentz). O ponto mais importante das simetrias é que
as leis da física têm que ser invariantes para transformações de coordenadas.
Em M.Q. essa assertiva é assegurada pelo teorema de Wigner.
A transformação de coordenadas mais geral possível é:

~x → ~x0 = R~x + ~a + ~v t, (3.9)


t → t0 = t + s, (3.10)

sobre a equação (3.9) o seu primeiro termo corresponde às rotações, o segundo


às translações2 e o terceiro aos movimentos com velocidade relativa entre
referenciais. Já a equação (3.10) corresponde a translações temporais.
Podemos pensar em transformações sucessivas. Seja τ1 = τ1 (R1 , ~a1 , ~v1 , s1 )
e τ2 = τ2 (R2 , ~a2 , ~v2 , s2 ). Queremos calcular τ3 = τ2 τ1 . Usando as relações de
2
Aqui ~a é um operador de translação no espaço. Não confundir com aceleração.
50 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA E DINÂMICA QUÂNTICAS

teoria de grupos temos3 :

R3 = R2 R1 , ~a3 = ~a2 + R2~a1 + ~v2 s1 , (3.11)


~v3 = ~v2 + R2~v1 , s3 = s2 + s1 , (3.12)

ou seja

~x00 = R2 (R1~x + ~a1 + ~v1 t) + ~a2 + ~v2 (t + s1 ) , t00 = t + s1 + s2 , (3.13)

que corresponde às transformações de τ1 e em seguida de τ2 . Como as


transformações são garantidas por operadores unitários então U (τ2 ) U (τ1 ) |ψi
e U (τ3 ) |ψi devem ser iguais a menos de um fator de fase, logo:

U (τ2 τ1 ) = eiω(τ2 ,τ1 ) U (τ2 ) U (τ1 ) . (3.14)

Importante ressaltar que quando representamos um vetor arbitrário |ψi


em coordenadas (comumente chamado de função de onda ψ (x), ver capí-
tulo 5), existe uma relação inversa na atuação do operador unitário quando
comparamos a atuação no vetor ou nas suas coordenadas:
 
U (τ ) ψ (x) = ψ τ −1 x . (3.15)

=⇒ Resolva o exercício 3.1.

3.3 Geradores do grupo de Galileu


Qualquer operador unitário de 1 parâmetro único (uniparamétrico) pode
ser expresso como a exponencial de um “gerador hermitiano”. Como o grupo
de Galileu envolve 3 rotações espaciais, 3 translações espaciais, 3 velocidades
relativas e uma translação temporal temos 10 geradores no caso geral, e
escrevemos:
10
U= eisµ Kµ , com Kµ = Kµ† , (3.16)
Y

µ=1

consideremos o parâmetro sµ infinitesimal, de tal forma que:4


10
U =1+i (3.17)
X
sµ Kµ .
µ=1

=⇒ Resolva o exercício 3.2.


3
O tratamento de teoria de grupos para simetrias de espaço encontra-se no apêndice C.
4
Veja a equação (3.99) do exercício 3.2 e considere expansão em primeira ordem.
3.3. GERADORES DO GRUPO DE GALILEU 51

A lei da multiplicação (Eq.3.14) expressar-se-á atravéz das regras de


comutação dos operadores, que exploraremos agora. Consideremos o produto
de 2 operadores infinitesimais do grupo de Galileu seguido de suas inversas5 :
U = eiKµ eiKν e−iKµ e−iKν , (3.18)
expandindo até segunda ordem (1 + iK − 2 K/2) encontramos:
 
U = 1 + 2 (Kν Kµ − Kµ Kν ) + O 3 , (3.19)
lembrando sempre que a equivalência entre dois operadores é única a menos
de uma fase, ou seja:
10
eiω U = 1 + i sµ Kµ + iω1. (3.20)
X

µ=1

A equivalência entre as equações (3.20) e (3.19) para os 11 parâmetros


(os 10 parâmetros sµ e o parâmetro ω da fase) deve ser tal que o comutador
[Kµ , Kν ] seja uma combinação linear dos geradores e do operador identidade:
10
[Kν , Kµ ] = i cλνµ Kλ + ibνµ 1, (3.21)
X

λ=1

a forma específica de cλνµ depende das relações de transformações de coorde-


nadas dadas pelas equações (3.12), já a forma de bνµ depende do fator de
fase.
Na tabela 3.1 listamos as operações de simetria possíveis ao grupo de
Galileu. Note que o operador associado às translações espaciais é o operador
momento linear (−Pα , α = 1, 2, 3), o associado às rotações é o operador
momento angular (−Jα ), o associado às velocidades relativas é o operador
velocidade (Gα ) e o associado à translações temporais é o operador hamiltoni-
ano (H). Estas associações serão formalizadas mais adiante, mas já adotamos
essa notação por praticidade.
Podemos, agora, avaliar os comutadores (Eq.(3.21)) escolhendo pares
de geradores e substituindo na Eq.(3.18), considerando as operações da Eq.
(3.12), com as formas escalares, vetoriais e matriciais adequadas a estas
operações6 . Finalmente teremos as relações de comutação entre todos os
geradores de transformações de simetria:
[Pα , Pβ ] = 0, [Gα , Gβ ] = 0, [Pα , H] = 0, (3.22)
[Jα , Jβ ] = iαβγ Jγ , [Jα , Pβ ] = iαβγ Pγ , [Jα , Gβ ] = iαβγ Gγ , (3.23)
[Gα , Pβ ] = iδαβ M 1, [Gα , H] = iPα , [Jα , H] = 0. (3.24)
5
Note que esta expressão define comutação em teoria de grupos, enquanto a mais usual
[A, B] = AB − BA é a definição em teoria de anéis.
6
Por exemplo, para rotação, ver Eqs.(1.23).
52 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA E DINÂMICA QUÂNTICAS

Transformações espaço-temporais Operador Unitário


Rotação em torno de um eixo α
e−iθα Jα
~x0 → Rα (θα ) ~x
Translações em torno de um eixo α
e−iaα Pα
x0α → xα + aα
Velocidade ao longo do eixo α
eivα Gα
x0α = xα + vα t
Translações temporais
eisH
t0 → t + s

Tabela 3.1: Transformações de Galileu e seus geradores. O uso de sinal menos


em alguns operadores unitários é para ficar conforme com convenções.

As equações acima7 dependem de um parâmetro M que, até o momento,


não pode ser definido pelas equações que temos a disposição, a menos de ser
uma constante, resultado que pode ser obtido através do Lema de Schur:

Lema 1 (Lema de Schur) Se as representações de um determinado grupo


são irredutíveis, um operador que comuta com os operadores desse grupo só
pode ser uma matriz constante (múltiplo da identidade).

Geralmente os operadores de interesse em M.Q. formam uma representação


irredutível do grupo de Galileu, valendo o lema de Schur. A definição de
representações redutíveis e irredutíveis, e uma prova do Lema de Schur podem
ser encontrada no Apêndice B, seguindo [3].
=⇒ Resolva os exercícios 3.3 e 3.4.

3.4 Identificação dos operadores com as va-


riáveis dinâmicas
3.4.1 Operador posição
Podemos definir o operador posição de uma partícula Q = (Q1 , Q2 , Q3 )
como sendo:
Qα |~xi = xα |~xi , α = 1, 2, 3, (3.25)
cujos autovalores dão a posição da partícula. Note que Q é um operador
hermitiano. Esse operador exige que o espaço seja tratado como contínuo,
o que é verdade nas escalas atômicas e nuclear e pode falhar na escala
7
123 = 231 = 312 = 1; 213 = 132 = 321 = −1; αβγ = 0 se α = β.
3.4. IDENTIFICAÇÃO DOS OPERADORES COM AS VARIÁVEIS DINÂMICAS53

astronômica (por conta de efeitos de Relatividade Geral) ou na escala de


Plank (10−35 m). O subgrupo formado por todos os operadores posição é
abeliano, ou seja, todos os operadores são mutuamente comutantes.

3.4.2 Operador velocidade


Vamos introduzir agora um operador que chamaremos de “operador velo-
cidade”, definido por:
d hQi
= hV i , (3.26)
dt
para qualquer estado. Note que para uma partícula clássica as variâncias de
hQi e hV i são nulas e teríamos a definição clássica de velocidade. Mas por
enquanto podemos supor que estamos apenas usando a mesma palavra.
Para o caso particular de um estado puro descrito pelo vetor de estado
|ψi, o valor esperado do operador velocidade hψ |V | ψi pode ser escrito da
seguinte forma:
d
hψ |V | ψi = hψ (t) |Q| ψ (t)i (3.27)
dt ! !
d d
= hψ (t)| Q |ψ (t)i + hψ (t)| Q |ψ (t)i .
dt dt

3.4.3 Deslocamento temporal


Aplicando um deslocamento temporal t → t0 = t + s, e lembrando que os
operadores de translação obedecem a U (τ ) ψ (x) = ψ (τ −1 x), temos que tal
translação gera:

|ψ (t)i → e−isH |ψ (t)i = |ψ (t + s)i , (3.28)

Expandindo o operador unitário em primeira ordem, temos

e−isH |ψ (t)i = (1 − isH) |Ψ(t)i


|ψ (t + s)i = |Ψ(t)i − isH |Ψ(t)i
|ψ (t + s)i − |Ψ(t)i
= −iH |Ψ(t)i
s
d
|Ψ(t)i = −iH |Ψ(t)i (3.29)
dt
onde o último passo é simplesmente a definição de derivada.
Alternativamente, pode-se simplesmente considerar

eisH |ψ (t)i = |ψ (t − s)i , (3.30)


54 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA E DINÂMICA QUÂNTICAS

e, fazendo s = t e multiplicando ambos os lados por U = e−itH , temos |ψ (t)i


como resultado da aplicação de U em um vetor de estado:

|ψ (t)i = e−itH |ψ (0)i , (3.31)

que é solução de:


d
|ψ (t)i = −iH |ψ (t)i . (3.32)
dt
Note a semelhança com a Equação de Schrödinger dependente do tempo.
Falta, apenas, identificar o operador gerador de translação temporal H com
o Hamiltoniano do sistema.

3.4.4 Comutação canônica entre Q e H


Jogando os resultados da seção §3.4.3 em (3.28) encontramos:

V = i [H, Q] . (3.33)

Temos aqui uma definição para o operador velocidade em função da relação de


comutação entre o operador gerador de translação temporal H e o operador
que extrai a posição da partícula Q, advinda diretamente da definição dos
valores esperados de V (Eq.(3.26)).

3.4.5 Deslocamento espacial


Consideremos a transformação de coordenadas: ~x → ~x0 = ~x + ~a. O
operador que implementa essa transformação de coordenadas é o operador
momento linear:
|~xi0 = e−ia·P |~xi = |~x + ~ai , (3.34)

mas para o operador Q0 = e−ia·P Qeia·P vem:

Q0α |~xi0 = xα |~xi0 , (3.35)

porém, por outro lado, Qα |~xi = xα |~xi e também |~xi0 = |~x + ~ai e comparando
encontramos:
Q0 = Q − a1, (3.36)

que corresponde a uma medida de posição em relação a uma origem deslocada


espacialmente.
3.4. IDENTIFICAÇÃO DOS OPERADORES COM AS VARIÁVEIS DINÂMICAS55

3.4.6 Comutação canônica entre Q e P


Usando a expansão de Taylor: e−iaα Pα = 1 + iaα Pα + O (a2 ), considerando-
se deslocamentos infinitesimais, encontramos:
e−iaα Pα Qeiaα Pα = (1 − iaα Pα ) Q (1 + iaα Pα ) (3.37)
 
= Q + Qiaα Pα − iaα Pα Q + O a 2
,
simplificando e usando Q0 = e−iaα Pα Qeiaα Pα = Q − a1 encontramos:
i [Qaα Pα − aα Pα Q] = Q − aα I, (3.38)
então:
[Qα , Pβ ] = iδαβ 1, (3.39)
que é a relação canônica de comutação entre as componentes dos operadores
Q e P.
=⇒ Resolva o exercício 3.5.

3.4.7 Rotação de um ângulo infinitesimal e comutação


canônica entre Q e J
A transformação correspondente a uma rotação de um ângulo infinitesimal
θ em torno de um vetor unitário n̂, que leva ~x → ~x0 = ~x + θn̂ × ~x, corresponde
à seguinte operação nos autovetores do operador posição:
~
|~xi → |~xi0 = e−iθn̂·J |~xi = |~x0 i , (3.40)
cuja atuação no operador posição é:
~ ~
Q0α = e−iθn̂·J Qα eiθn̂·J . (3.41)
Repetindo os mesmos cálculos de antes somos capazes de demonstrar:
[Jα , Qβ ] = iαβγ Qγ . (3.42)

3.4.8 Deslocamento no espaço de velocidades e comu-


tação canônica entre Q e G
Por fim, precisamos descrever a transformação de velocidades, implemen-
tada pelo operador G:
~ ~
ei~v·G V e−i~v·G = V − v1, (3.43)
que tem forma exatamente análoga ao vetor Q. Repetindo os cálculos de
antes encontramos:
[Gα , Qβ ] = 0. (3.44)
56 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA E DINÂMICA QUÂNTICAS

3.5 Formas específicas dos geradores do grupo


de Galileu
Estamos interessados, agora, em obter a forma específica dos geradores de
simetria do grupo de Galileu e tornar explícita a semelhança destes operadores
com as grandezas de momento linear, momento angular e energia, através de
suas relações com o operador posição Q. Os resultados dependem, entretanto,
da partícula ter ou não graus de liberdade internos, estar ou não na presença
de campos externos, que são exemplos de fatores que quebram as simetrias
do sistema. Para desenvolvermos essas ideias consideramos separadamente
três casos:

3.5.1 Caso 1: Partícula livre sem graus de liberdade


internos
Consideremos as relações de comutação, em especial:

[Gα , Pβ ] = iδαβ M 1, (3.45)

e também:
[Qα , Pβ ] = iδαβ 1, (3.46)
por comparação podemos supor que a solução para G é Gα = M Qα , porém
não sabemos se ela é única.
Construímos G − M Q que, obviamente, comuta tanto com P quanto
com G. Mas como P e Q formam uma representação irredutível8 , pelo lema
de Schur, os operadores que comutam com ele têm que ser um múltiplo da
identidade, logo:

Gα − M Qα = cα 1, ⇒ Gα = M Qα + cα 1, (3.47)

que é a relação mais genérica possível que podemos obter para Gα . Além
disso, as seguintes relações de comutação:

[Jα , Gβ ] = iαβγ Gγ , [Jα , Qβ ] = iαβγ Qγ , (3.48)

mostram que tanto G quanto Q se comportam como vetores no sentido usual


(satisfazem às mesmas relações de comutação de vetores 3D). Porém, cα 1
não é um vetor e, portanto, devemos exigir cα = 0, o que torna a solução
Gα = M Qα única.
8
Ver apêndice B.
3.5. FORMAS ESPECÍFICAS DOS GERADORES DO GRUPO DE GALILEU57

Continuando, podemos fazer algo análogo para J. Consideremos as


seguintes relações de comutação:

[Qα , Pβ ] = iδαβ 1, [Jα , Jβ ] = iαβγ Jγ , [Jα , Pβ ] = iαβγ Pγ , (3.49)


[Jα , Gβ ] = iαβγ Gγ , [Jα , Qβ ] = iαβγ Qγ . (3.50)

Temos que J = Q × P é uma solução. Construímos J − Q × P que comuta


com Q e P e, pelo lema de Schur, J − Q × P tem que ser um múltiplo da
identidade. Como antes J também se transforma como vetor, logo a constante
multiplicativa da identidade tem que ser nula, assim:

J = Q × P. (3.51)

Para o caso do operador H temos que:

[Gα , H] = iPα , Gα = M Qα , (3.52)

tal que podemos obter:


iPα
[Qα , H] = . (3.53)
M
Uma solução possível é construir: H = P·P 2M
. Como fizemos antes, cons-
truímos H − P·P
2M
, que comuta com Q e P e, pelo lema de Schur, deve ser um
múltiplo da identidade. Aqui não temos argumento para fazer igual a zero a
constante multiplicativa da identidade, então ficamos com:
P·P
H= + E0 , (3.54)
2M
onde E0 é alguma “energia” de referência.
Por fim, para o operador V , encontramos:
P·P
 
V = i [H, Q] = i + E0 , Q , (3.55)
2M
usando as relações de comutação encontramos:
P P P
 
V =i (−i1 + QP ) − (i1 + P Q) = . (3.56)
2M 2M M
Podemos, então, resumir as relações obtidas como sendo:
1
P = M V, H = M V · V + E0 , J = Q × M V. (3.57)
2
É digno de nota que a constante M que aparece nas relações acima
ainda não possui dimensão, é apenas um parâmetro real que obtivemos
58 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA E DINÂMICA QUÂNTICAS

algebricamente nas relações de comutação dos geradores do grupo de Galileu.


Em outras palavras, a constante M surge de forma natural quando estamos
considerando as relações de comutação do grupo de Galileu.
É possível determinar experimentalmente a razão (M/massa), assim como
as razões entre (P/momento linear) e todos os outros operadores mencionados
com as respectivas grandezas clássicas análogas. Importante frisarmos aqui
que, até o momento, não explicitamos que os operadores explorados são ligados
aos conceitos clássicos cujos nomes eles remetem. Apenas reservamos a mesma
nomenclatura para identificá-los. Essa razão entre todos os operadores não é
senão h̄−1 :
M P H J 1
= = = = cte fundamental = .
massa mom. linear energia mom. angular h̄

É surpreendente perceber que a mesma constante física fundamental serve


para dar sentido físico a todos os geradores do grupo de Galileu. Com a
razão 1/h̄ podemos interpretar M como massa, P como momento linear,
H como energia e J como momento angular. A operação de translação
espacial é regida, de fato (não apenas por semelhança de notação), pelo
operador momento linear e é dado pela expressão e−ia·P/h̄ . Similarmente
para rotação e translação temporal. Podemos, então, substituir M → M/h̄,
P → P/h̄, J → J/h̄ e H → H/h̄ nos resultados das equações da seção §3.3,
ou simplesmente pensar neles sob a condição h̄ = 1.
Voltamos, assim, ao que foi escrito no início deste capítulo: O bem
estabelecido teorema de Noether da mecânica clássica assegura que simetrias
do sistema físico levam a leis de conservação. Com o arcabouço da M.Q.,
que em muitos aspectos é análogo ao arcabouço clássico, podemos importar
boa parte das análises e conclusões que foram construídas antes da M.Q.,
guardadas as devidas semelhanças de estarmos falando de operadores e não
mais de funções.
O valor da constante de Plank (h = 6.62607015 × 10−43 J.s, com h̄ =
h/2π) foi fixado na 26a Convenção Geral de Pesos e Medidas9 , em Versalhes,
novembro de 2018, quando foi internacionalmente acordada a nova definição
do kilograma. As unidades do sistema internacional, que no passado foram
definidas com base em protótipos físicos que eram mantidos no Escritório
Internacional de Pesos e Medidas (França), hoje estão todas atreladas a
experimentos físicos que podem ser repetidos em qualquer parte do planeta,
tendo as constantes físicas fundamentais como referência (ver Fig. 3.1). Ou
seja, no novo acordo internacional, o valor de sete constantes fundamentais
foram fixados (ver tabela 3.2), e agora, em vez dos experimentos físicos
9
https://www.bipm.org/en/cgpm-2018/ acesso em 11/02/2019,
3.5. FORMAS ESPECÍFICAS DOS GERADORES DO GRUPO DE GALILEU59

servirem para elucidar os valores das constantes fundamentais no SI, assume-


se que os valores das constantes são fixos e os experimentos são utilizados
para definir fisicamente o que são as unidades de medida do SI. Este acordo
tem a função de balizar todas as transações comerciais no planeta (porque
não dizer: no universo).

Figura 3.1: As unidades do sistema internacional são definidas a partir das


constantes fundamentais da natureza.

constante valor unidade define


c 299.792.458 m/s metro, kilograma, kelvin
h 6, 62607015 × 10−34 J·s kilograma, kelvin, candela
e 1, 602176634 × 10−19 C ampere
∆νCs 9.192.631.770 Hz seg., metro, kilog., amp.
KB 1, 380649 × 10−23 J/K kelvin
NA 6, 02214076 × 1023 part/mol mol
Kcd 683 lumens/W candela

Tabela 3.2: Valores das sete constantes fundamentais utilizadas para definir
as unidades do SI.

3.5.2 Caso 2: Partícula com spin


O spin de uma partícula pode ser considerado como um grau de liberdade
interno, independente de Q e P . Pelo lema de Schur, como existe um operador
que comuta com ambos Q e P , estes não formam mais uma representação
irredutível e é necessário redefinir operadores para incluir este novo grau
60 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA E DINÂMICA QUÂNTICAS

de liberdade. Como o spin é, por definição, uma contribuição interna ao


momento angular total de uma partícula, temos:

J = Q × P + S, (3.58)

onde S é o operador de spin, com [Q, S] = [P, S] = 0. Como J deve respeitar


a primeira relação de comutação em (3.23), e Q × P respeita esta relação,
então:
[Sα , Sβ ] = iαβγ Sγ . (3.59)

E como [J, H] = 0, devemos ter [S, E0 ] = 0, o que implica que termo E0


do hamiltoniano dependerá de S.
Fisicamente, se não há interação de campos externos com os graus de
liberdade internos, estes não afetarão as propriedades do centro de massa
da partícula. Consistentemente, utilizando as regras de comutação pode-se
mostrar que as relações G = M Q e P = M V permanecem válidas.
=⇒ Resolva o exercício 3.6.

3.5.3 Caso 3: Partícula interagindo com campos exter-


nos
Por simplicidade, consideremos a ausência de graus de liberdade internos.
No caso de partículas interagindo com campos externos, a interação modifica
a evolução temporal do estado, e consequentemente das probabilidades de
distribuição dos observáveis. Neste caso, H deve ser visto de forma mais
ampla, como o gerador da evolução dinâmica dependente do tempo H(t), e
não mais um simples gerador de translação no tempo. H deve ser redefinido
para que a equação do movimento (3.32):

d
|ψ (t)i = −iH (t) |ψ (t)i , (3.60)
dt

continue válida e as condições de comutação com os outros operadores da


cinemática devem ser reavaliadas. Além disso a solução V = P/M não é
mais única, uma vez que sua definição leva a V = i[H, Q], que envolve H.
Para generalizá-la, considerando que V − M
P
comuta com o conjunto completo
comutante dos três operadores Q = (Q1 , Q2 , Q3 ) e considerando o teorema 8,
~
precisamos incluir algo que, pelas relações de comutação, tem que ser uma
função de Q:
P − A (Q)
V= , (3.61)
M
3.6. SISTEMAS COMPOSTOS 61

e a solução mais geral possível para o hamiltoniano fica sendo:


(P − A (Q))2
H= + W (Q) . (3.62)
2M
As formas possíveis de H, para que sejam invariantes ante as transformações
do grupo de Galileu, incluem um potencial vetor A (Q) e um potencial escalar
W (Q) que podem ambos variar no tempo, porém têm que ser independentes
de P , uma vez que P significa uma operação geométrica pura de translação
consistente do sistema no espaço. Essas mudanças são necessárias para que
sigam valendo as relações de comutação entre os geradores do grupo de
Galileu.
Finalmente, agora podemos identificar H como sendo o operador Hamil-
toniano do sistema.
=⇒ Resolva o exercício 3.7.

3.6 Sistemas compostos


Vamos agora generalizar os resultados sobre as variáveis dinâmicas de
partículas simples para sistemas compostos. Se duas componentes de um
sistema não influenciarem de nenhuma forma um ao outro, deve ser possível
descrever uma componente sem fazer qualquer menção à outra. Se:
A(1) |am i(1) = am |am i(1) , (3.63)
B (2) (2)
|bn i = bn |bn i (2)
, (3.64)
onde os índices “(1)” ou “(2)” indicam que a operação atua unicamente nas
partículas 1 ou 2, respectivamente. No sistema composto teremos:
A(1) |am , bn i = am |am , bn i , (3.65)
B (2) |am , bn i = bn |am , bn i , (3.66)
em que usamos o produto de Kronecker (§1.2.5):

|am , bn i = |am i(1) ⊗ |bn i(2) . (3.67)


! !
a a b b
Exemplo 15 Considere A = 11 12 e B = 11 12 teremos que:
a21 a22 b21 b22

a11 b11 a11 b12 a12 b11 a12 b12


 
a b a11 b22 a12 b21 a12 b22 
A ⊗ B =  11 21 . (3.68)
 
a21 b11 a21 b12 a22 b11 a22 b12 
a21 b21 a21 b22 a22 b21 a22 b22
62 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA E DINÂMICA QUÂNTICAS

O produto de Kronecker nos permite entender que os operadores A e B


atuam apenas na parte do sistema em que estão definidos:
 
(1) (1)
Ai |am , bn i = Ai |am i(1) ⊗ |bn i(2) (3.69)
 
(2) (2)
Bj |am , bn i = |am i(1) ⊗ Bj |bn i(2) , (3.70)

além disso:
   
(1) (2)
(Ai ⊗ Bj ) |am , bm i = Ai |am i(1) ⊗ Bj |bn i(2) , (3.71)

assim temos que:


(1) (2)
Ai = Ai ⊗ 1, Bj = 1 ⊗ Bj , (3.72)
e também vale que: h i
(1) (2)
Ai , Bj = 0, ∀i, j. (3.73)
Como componentes independentes elas devem satisfazer (veja Eq. (1.87)):

P (A&B|C) = P (A|C) P (B|C) , (3.74)

daí teremos:

Pab {(A = am ) & (B = bn ) |ψ} = |ham , bn | ψi|2 = |ham | ϕi|2 |hbn | φi|2 .
(3.75)
Esta fatorização vale sempre que o estado (não necessariamente puro) satisfaz
|ψi = |ϕi(1) ⊗ |φi(2) , ou ainda ρ = ρ(1) ⊗ ρ(2) , que é a forma mais geral. Estes
tipo de fatorização indica que os estados são não correlacionados, classificação
que será discutida no capítulo 8.

3.7 Equações de movimento


Considerando operadores unitários de deslocamento temporal t → t0 = t+s
escritos na forma U = eisH , a equação de evolução temporal para o estado
|ψ (t)i (3.32) é dada por:

d i
 
|ψ (t)i = − H (t) |ψ (t)i . (3.76)
dt h̄
Considerando que o sistema está no estado inicial t = t0 , a solução escrita
em termos dos operadores de evolução temporal é:

|ψ (t)i = U (t, t0 ) |ψ (t0 )i , (3.77)


3.7. EQUAÇÕES DE MOVIMENTO 63

em que U (t, t0 ) deve satisfazer a equação diferencial:

∂ i
U (t, t0 ) = − H (t) U (t, t0 ) , (3.78)
∂t h̄
sujeita à condição inicial: U (t0 , t0 ) = 1. Se H é hermitiano, U (t, t0 ) é
unitário, ∀t.
A equação admite solução se H independe do tempo:

U (t, t0 ) = e−i(t−t0 )H/h̄ , (3.79)

caso contrário, U (t, t0 ) depende H e a equação só pode ser resolvida iterati-


vamente (através de uma série conhecida como série de Dyson).
Para um operador de estado puro ρ temos que:

ρ (t) = |ψ (t)i hψ (t)| = U (t, t0 ) |ψ (t0 )i hψ (t0 )| U † (t, t0 )


= U (t, t0 ) ρ (t0 ) U † (t, t0 ) . (3.80)

Queremos calcular a derivada de ρ em relação ao tempo:

dρ (t) d
= [U (t, t0 ) ρ (t0 ) U (t, t0 )]
dt dt
dU (t, t0 ) dU † (t, t0 )
" #
= ρ (t0 ) U † (t, t0 ) + U (t, t0 ) ρ (t0 )
dt dt
i i †
   
= − H (t) U (t, t0 ) ρ (t0 ) U (t, t0 ) + U (t, t0 ) ρ (t0 ) U (t, t0 ) H (t)
† †
h̄ h̄
ih i
= − H (t) ρ (t) − ρ (t) H † (t)

i
= − [H (t) , ρ (t)] , (3.81)

pois H é hermitiano. Enquanto 3.76 é a equação de movimento para um
estado puro, 3.81 é a equação de movimento para o caso mais geral do operador
de estado ρ.
Pelos postulados da M.Q., os observáveis físicos estão atrelados às distri-
buições de probabilidade dos observáveis, em especial dos seus valores médios.
A evolução temporal de um observável R é dada por:

P rob(R = r|ρ) = hRit = T r {ρ (t) R}


n h i o
= T r U † (t, t0 ) U (t, t0 ) ρ (t0 ) U † (t, t0 ) R U (t, t0 )
n o
= T r ρ (t0 ) U † (t, t0 ) RU (t, t0 ) , (3.82)
64 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA E DINÂMICA QUÂNTICAS

onde usamos o fato de


n o traço
o de uma matriz ser invariante a uma operação
de similaridade (T r U M U = T r {M }) e U † U = 1. Com esta operação,

podemos definir o operador RH , que é o observável R no chamado cenário


de Heisenberg:
RH (t) = U † (t, t0 ) RU (t, t0 ) . (3.83)
E neste cenário temos:

hRit = T r {ρ (t0 ) RH (t)} . (3.84)

Aqui é importante fazer a distinção entre dois possíveis cenários em


mecânica quântica: o cenário de Schrödinger e o cenário de Heisenberg10 .
No cenário de Schrödinger (mais usual) a evolução temporal do sistema é
carregada pelo operador de estado ρ (Eq.(3.81)). No cenário de Heisenberg
a evolução temporal do sistema é carregada pelos observáveis (ver Eq.(3.85)
abaixo).
Ambos cenários são equivalentes na descrição quanto-mecânica da evolução
temporal do sistema e, em princípio, podem ser usados para resolver o
mesmo problema (embora não possamos, jamais, misturá-los em uma mesma
descrição). Dependendo do problema que queremos resolver, um dos cenários
será preferível sobre o outro.
Analogamente ao desenvolvimento realizado no cenário de Schrödinger,
no cenário de Heisenberg temos:

dRH (t)
!
i ∂R
= [HH (t) , RH (t)] + , (3.85)
dt h̄ ∂t H

lembrando sempre que HH = U † HU . Note que, para um tratamento con-


sistente, se no cenário de Schrödinger ρ “se move” pra frente no tempo, no
cenário de Heisenberg os operadores R “se movem” para trás. Por isso o sinal
“−” ou “+” nas equações (3.81) e (3.85), respectivamente.
A dependência temporal dos valores médios pode ser obtida nos dois
cenários considerando-se:
( )
d hRi ∂ρ ∂R
= Tr R+ρ , (3.86)
dt ∂t ∂t
que leva aos dois cenários:
( )
d hRi i ∂R
= Tr ρ (t) [H, R] + ρ (t) , (3.87)
dt h̄ ∂t
10
Preferimos utilizar “cenário” em vez de “representação” para não causar confusão com
outras utilizações desta.
3.8. SIMETRIAS E LEIS DE CONSERVAÇÃO 65

e ( ! )
d hRi i ∂R
= Tr ρ0 [H, RH (t)] + ρ0 . (3.88)
dt h̄ ∂t H
Para estados puros
hRi = hψ (t) |R| ψ (t)i (3.89)
ou
hRi = hψ0 |RH (t)| ψ0 i . (3.90)

3.8 Simetrias e leis de conservação


Considere uma transformação unitária (ou seja, conduzida por um opera-
dor unitário), contínua e uniparamétrica:

U (s) = eisK , (3.91)

se o operador hamiltoniano que descreve o sistema é invariante perante essa


transformação:
U (s) HU −1 (s) = H, (3.92)
a multiplicação dos dois lados da equação por U à direita, leva a

[H, U (s)] = 0. (3.93)

Se s é infinitesimal, podemos escrever:


 
U (s) = 1 + isK + O s2 , (3.94)

e temos que:
[H, U ] = H [1 + isK] − [1 + isK] H = 0. (3.95)
Rearranjando os termos chegamos em:

[H, K] = 0. (3.96)

Da Eq.(3.87), temos
( )
d hKi i ∂K
= Tr ρ (t) [H, K] + ρ (t) . (3.97)
dt h̄ ∂t

Já demonstramos que o comutador é nulo. Se, adicionalmente, K não depende


explicitamente do tempo, temos:
d hKi
= 0, (3.98)
dt
66 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA E DINÂMICA QUÂNTICAS

ou seja, hKi é constante de movimento.


Se o operador hamiltoniano for invariante perante uma transformação
unitária e o gerador da transformação não depender explicitamente do tempo,
então esse gerador é uma quantidade conservada do sistema e a transformação
unitária é uma transformação de simetria. Esse é um resultado análogo ao
teorema de Noether da mecânica clássica.
Com essa observação vemos que, de fato, P pode ser interpretado como
momento linear, J como momento angular e H como energia, conforme já
comentamos exaustivamente nesse capítulo. Se H for invariante a translações
espaciais, então o momento linear é conservado; se H for invariante a rotações,
então o momento angular é conservado; e se H for invariante a translações
temporais, então a energia é conservada. Como na mecânica clássica.

3.9 Comentários sobre mecânica quântica re-


lativística
Na construção que fizemos até aqui exigimos que as leis da mecânica
quântica são invariantes perante à ação do grupo de Galileu. Isso é equi-
valente a dizer que as probabilidades são as mesmas em dois sistemas de
referência diferentes se, e somente se, essas transformações de referenciais
forem implementadas por operadores unitários ou anti-unitários (devido ao
teorema de Wigner).
Uma outra forma de perceber esse cenário é notar que todos os geradores
do grupo de Galileu comutam com H, o hamiltoniano. Conforme comentamos
ele é o gerador das translações temporais e todos os demais geradores do
grupo de Galileu comutam com ele. Isso é uma manifestação do caráter
não-relativístico da teoria que construímos.
Suponha, então, que estejamos interessados em construir uma teoria quân-
tica que seja invariante perante o grupo de Lorentz, o grupo que implementa
as transformações de coordenadas que são estabelecidas pela relatividade
restrita.
Sabemos que as transformações de Lorentz misturam componentes espaço-
temporais e também misturam energia e momento (como podemos facilmente
perceber na relação pra energia relativística). Essa mistura de componentes
impede que os geradores do grupo de Lorentz comutem com H, uma diferença
bastante notável para o caso clássico.
Esse é um problema a ser contornado e, portanto, não se pode estabelecer
H e os demais geradores de forma “independente” mas, sim, temos que
estabelecê-los todos de uma vez só.
3.10. COMENTÁRIO FINAL 67

Por conta dessas sutilezas a construção matematicamente rigorosa da


mecânica quântica relativística é bem mais complexa e envolve o conhecimento
do grupo de Lorentz (em vez do grupo de Galileu) e de suas estruturas (mais
especificamente, envolve a representação do grupo de Lorentz).
Por outro lado é graças à teoria quântica relativística que podemos conhecer
bastante coisa acerca da natureza como, por exemplo, o spin e a anti-matéria.
A construção de uma equação relativística para o elétron, a chamada equação
de Dirac, leva ao surgimento natural do spin 1/2 e do pósitron, que na teoria
não relativística devem ser postulados. Para maiores detalhes sobre esses
assuntos sugerimos consultar [18].

3.10 Comentário final


Até aqui construímos o maquinário um pouco abstrato que estrutura a
mecânica quântica, fundamentado em conceitos de álgebra linear, de teoria
das probabilidades, nos postulados da mecânica quântica e nas simetrias de
Galileu. De agora em diante vamos começar a trazer aplicações mais concretas
deste maquinário. Os quatro capítulos seguintes falam da representação de
coordenadas (capítulo 4, que trabalha o espaço real e nos leva ao conceito mais
conhecido de função de onda e suas aplicações), da representação de momentos
(capítulo 5, que trabalha o espaço recíproco, importante em difração e em
física de materiais), dos osciladores harmônicos (capítulo 6) e da física do
momento angular (capítulo 7, que define os orbitais atômicos, trata de spin,
dentre outros).

3.11 Exercícios
Exercício 3.1 Prove as propriedades de multiplicação do grupo de espaço,
equações (3.11) e (3.12). Veja o apêndice B, e demonstre também a equação
de inversa C.5, na notação das equações (3.11) e (3.12).

Exercício 3.2 Seja A uma matriz quadrada cuja potência An existe ∀n. A
exponencial dessa matriz é definida por:

An
e =
A
(3.99)
X
.
n=0 n!

Se A é hermitiano com A |ψi = λ |ψi, mostre que eA |ψi = eλ |ψi.

Exercício 3.3 Prove o lema de Schur.


68 CAPÍTULO 3. CINEMÁTICA E DINÂMICA QUÂNTICAS

Exercício 3.4 Prove todas as relações de comutação dos geradores do grupo


de Galileu, equações (3.22), (3.23) e (3.24). Dica: escolha dois operado-
res Kµ e Kν e realize a operação unitária eiKµ eiKν e−iKµ e−iKν segundo as
transformações de Galileu. O resultado deve ser igualado ao comutador dos
dois operadores escolhidos, a menos de um múltiplo da identidade. Para
encontrar o número de múltiplos da identidade, utilie a identidade de Jacoby,
[[Kµ , Kν ], Kλ ] + [[Kν , Kλ ], Kµ ] + [[Kλ , Kµ ], Kν ] = 0. Este procedimento pode
ser encontrado no livro do Ballentine.

Exercício 3.5 Prove que os operadores Q = x e P = −ih̄(∂/∂x) formam


uma representação irredutível (por simplicidade, demonstre em uma dimensão).
Dica: ver Apêndice B. Note que Q e P estão escritos na representação de
coordenadas, assunto do próximo capítulo.

Exercício 3.6 Considere uma partícula com spin angular interno S na au-
sência de campo externo (§3.5.2)). Demonstre que [S, E0 ] = 0 e que, con-
sequentemente, o termo E0 do hamiltoniano dependerá de S. Utilizando as
regras de comutação, mostre que as relações G = M Q e P = M V permanecem
válidas.

Exercício 3.7 Prove que o operador de evolução temporal conduzido pelo


gerador hamiltoniano H é unitário se H for hermitiano.

Exercício 3.8 Resolva os exercícios do livro do Ballentine [2].

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