080-083 Claudia-Andujar 276

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 4

Morte da Celina, desenho de Taniki Xaxanapi thëri (André)

80 z fevereiro DE 2019
fotografia y

Mostra de Claudia Andujar sobre o


dia a dia na floresta amazônica
reúne, além de fotos, desenhos feitos
pelos próprios índios nos anos 1970

Glenda Mezarobba

C
laudia Andujar já vivia no Brasil há mais de
duas décadas quando decidiu solicitar um
auxílio à pesquisa à FAPESP. O ano era 1976
e a fotógrafa recém-naturalizada brasileira
queria continuar documentando a vida dos Yano-
mami, projeto iniciado com apoio de uma bolsa da
fundação Guggenheim. Seu primeiro contato com a
etnia havia se dado cinco anos antes, quando esteve
em uma missão católica na bacia do rio Catrimani,
no então território federal de Roraima. Ao submeter
proposta intitulada “Documentação fotográfica e es-
tudo da mitologia dos índios Yanomami”, justificou:
“O desenvolvimento das áreas indígenas é inevitá-
vel. Por isso minha preocupação em documentar e
tentar entender o mundo indígena, respeitando sua
reprodução fotográfica Léo Ramos Chaves

cultura e herança. Acho isso importante e urgente”.


No mês de maio a solicitação da então supervisora
do Departamento de Fotografia e Ensino do Museu Sem título,
de Arte de São Paulo (Masp) foi aprovada, com a de autoria de
Orlando
concessão inicial de Cr$ 58.600,00 para aquisição
de material de consumo (filme fotográfico, fitas de
áudio, papel e canetas hidrográficas), manutenção
de equipamentos e a expedição científica propria-
mente dita. Em junho, a bordo de um Fusca preto

pESQUISA FAPESP 276 z 81


1

Claudia Andujar
em seu
apartamento,
em São Paulo.
Ao fundo, foto de
menina em igarapé

apelidado de Watupari (espírito urubu)


e tendo como companheiro de viagem o
missionário leigo Carlo Zacquini, Andu-
jar partiu em direção a Boa Vista. Fotografar é o processo de
Depois de dois anos dedicados a “um
projeto essencialmente fotográfico”, descobrir o outro e, através do outro,
cujos resultados só eram conhecidos
quando voltava a São Paulo e revelava
a si mesmo
seus filmes, em 1974 ela havia resolvido
testar algo diferente. “Ao fotografá-los,
sentia que era sempre eu que os colo-
cava no papel”, recorda. “A certa altura, com a facilidade com que desenhavam”, Andujar recebeu do antropólogo Darcy
quis que eles próprios começassem a se diz, lembrando que apenas adultos par- Ribeiro (1922-1997), de quem se tornaria
retratar. E aí tive a ideia dos desenhos.” ticiparam do projeto. “São registros, em amiga, o conselho que marcaria sua vida.
Foi para “coletar material acerca das papel, feitos com a cabeça e a mão deles.” “Ele me disse: ‘Se você tem tanto interes-
tradições e mitos, traduzir os dados, os se pelo povo brasileiro, por que não vai
mitos e continuar o desenvolvimento da Descobrindo o Brasil a um povoado indígena’? E sugeriu que
coleta de material através de desenhos Nascida Claudine Haas, a fotógrafa de eu visitasse uma comunidade Karajá”,
feitos pelos próprios índios”, que Andu- Neuchâtel cresceu na região da Transil- conta. No mesmo ano esteve na ilha do
jar obteve o financiamento da FAPESP. vânia, na Romênia, onde vivia a família Bananal, no rio Araguaia. Nunca mais
Mais de quatro décadas após ter con- paterna, de origem judaica e morta nos deixou de trabalhar com o tema que lhe
cluído o projeto, parte do resultado desse campos de concentração de Auschwitz renderia reputação internacional e obras
esforço pode ser vista no Instituto Mo- e Dachau. Durante a Segunda Guerra no acervo de instituições como o Museu
fotos 1 léo ramos chaves 2 e 3 claudia andujar

reira Salles, em São Paulo. Denomina- Mundial, ela e a mãe fugiram de volta de Arte Moderna de Nova York (MoMA).
da Claudia Andujar: A luta Yanomami, para a Suíça. Antes de desembarcar em Registrando o cotidiano dos Yanoma-
a exposição, com curadoria de Thyago Santos, em 1955, viveu em Nova York, mi, Andujar testemunhou o início da
Nogueira, em cartaz até 7 de abril, reúne nos Estados Unidos. Foi lá que adotou construção da rodovia Perimetral Norte
cerca de 300 obras – dentre elas, quase o nome de Claudia e, depois, o sobre- (BR-210), a chegada de doenças que dizi-
três dezenas de desenhos feitos pelos nome Andujar – do amigo de colégio, o mariam dezenas de comunidades, a ado-
Yanomami, que até então desconheciam espanhol Julio Andujar, com quem foi ção do Estatuto do Índio – que em 1973
a técnica de representação envolvendo brevemente casada. Logo que chegou os queria “integrados” à sociedade –,
papel e caneta ou lápis. “Eles nunca ha- ao país, ao tomar conhecimento de seu a entrada de garimpeiros e mineradoras
viam feito isso antes e eu me surpreendi desejo de conhecer “o Brasil e seu povo”, em suas terras, em busca de ouro, urâ-

82 z fevereiro DE 2019
2

3
Is abor rendit que Antus, são para a Criação do Parque Yanomami
quatur sinciaeri (CCPY). A entidade, coordenada por An-
Jeaquam inihil
molestiunt at volores
dujar durante 22 anos, foi fundamental
para a demarcação contínua de 9.419.108
hectares, às vésperas da realização da
conferência da Organização das Nações
Unidas sobre o Clima, a Rio-92.
Convivendo há décadas com antro-
pólogos, aos 87 anos Andujar reconhece
em sua própria trajetória profissional o
diálogo com essa área do conhecimento,
ainda que de forma não acadêmica. “Fo-
tografar é o processo de descobrir o outro
e, através do outro, a si mesmo. Sempre
foi importante, para mim, compreender a
cultura dos povos indígenas. Por isso me
dediquei a estudá-los, mas meu trabalho
é mais intuitivo”, resume. Para Davi Ko-
penawa, líder dos Yanomami, Andujar
nio e cassiterita, e a poluição dos rios. Maloca “vestiu a roupa do índio” e, fotografando,
“Vi aldeais inteiras sumirem. Morreu fotografada com ensinou seu povo a lutar. “Ela me deu arco
filme infravermelho
muita gente”, relata, ela mesmo sobre- e flecha para falar pela boca. Não existe,
(no alto); meninas
vivente de malária – “foram entre três e se banham em no Brasil, mulher corajosa como ela.” n
cinco episódios da doença”, estima. Pa- igapó (acima)
ra proteger o povo Yanomami e o meio
ambiente, em 1978, um ano depois de ser Projeto
retirada da terra indígena pelo governo Documentação fotográfica e estudo da mitologia dos
índios Yanomami (nº 1976/0371); Modalidade Auxílio à
militar, decidiu fundar, com Zacquini e Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Claudia
o antropólogo Bruce Albert, a Comis- Andujar (MASP); Investimento Cr$ 67.801,60.

pESQUISA FAPESP 276 z 83

Você também pode gostar