Aula 04 - 2023.2 Texto de Apoio

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Os documentos bíblicos são confiáveis?

Milton Toscano
27 de agosto de 2023

Desde sua composição até os dias atuais, o Novo Testamento tem sido um foco de
investigação e debate. A confiabilidade histórica desses escritos sagrados é
fundamental para muitos, especialmente na perspectiva protestante, onde a inerrância
e a infalibilidade da Bíblia desempenham um papel crucial na fé. Este texto analisará
a prova da confiabilidade histórica do Novo Testamento, com enfoque no manuscrito
de John Rylands (P52), papiros Chester Beatty (P45) e papiros Bodmer II P66, e
considerará argumentos da prova bibliográfica, prova interna e prova externa. Além
disso, abordaremos as críticas de Ferdinand Christian Baur e o contraponto a suas
visões.

Prova Bibliográfica: Os Papiros P52, P45 e P66

Os papiros são fragmentos manuscritos que sobreviveram ao longo dos séculos e são
peças cruciais na análise da confiabilidade histórica do Novo Testamento. Os papiros
P52 (fragmento de João 18:31-33, 37-38) encontrados no Egito, P45 (contendo partes
dos quatro evangelhos e Atos) descobertos em 1931 e P66 (uma cópia quase completa
do Evangelho de João) descobertos em 1956 são alguns dos mais antigos manuscritos
existentes. Sua datação para o século II aproxima significativamente esses escritos dos
originais.

A prova bibliográfica é fortalecida por esses papiros, demonstrando que as cópias


manuscritas foram produzidas em um período relativamente curto após a redação dos
evangelhos originais. A existência desses fragmentos confirma a transmissão
cuidadosa do texto e diminui as possibilidades de distorções substanciais ao longo do
tempo.

Prova Interna: Consistência e Coerência

Uma das maneiras de avaliar a confiabilidade histórica do Novo Testamento é através


da prova interna, que envolve a análise da consistência e coerência dos relatos
presentes nos evangelhos. Essa análise busca determinar se as narrativas dos
evangelhos são congruentes entre si e se mantêm uma harmonia básica em relação à
vida, ensinamentos e eventos relacionados a Jesus.

Coerência nas Narrativas de Jesus: Embora os evangelistas tenham estilos literários


diferentes, as narrativas dos evangelhos apresentam uma notável coerência em relação
à vida e aos ensinamentos de Jesus. Suas mensagens centrais, parábolas e milagres são
consistentes em todos os evangelhos. Isso sugere que, independentemente do estilo
literário de cada evangelista, existe uma base comum de tradições orais
compartilhadas sobre Jesus.

Cronologia e Sequência de Eventos: A consistência na cronologia e na sequência de


eventos é outra indicação da confiabilidade histórica do Novo Testamento. Embora os
evangelhos não sigam necessariamente uma ordem cronológica rigorosa, eles
apresentam uma sequência lógica de eventos-chave na vida de Jesus. Essa consistência
contribui para a formação de uma imagem coerente da trajetória de Jesus e de seus
discípulos.
Testemunho Múltiplo: A existência de testemunho múltiplo, ou seja, a presença de
diferentes evangelhos que relatam eventos semelhantes sob ângulos distintos, reforça
a credibilidade das narrativas. Por exemplo, os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos
e Lucas) compartilham muitas histórias em comum, mas cada um apresenta detalhes
únicos. Isso sugere que esses relatos não foram inventados isoladamente, mas têm uma
base em tradições testemunhadas por várias fontes.

Detalhes Culturais e Contextuais: A inclusão de detalhes culturais, geográficos e


contextuais nas narrativas dos evangelhos contribui para sua confiabilidade histórica.
Os evangelhos fornecem informações sobre práticas religiosas, costumes judaicos,
geografia da região e outros elementos que seriam improváveis de serem inventados
posteriormente.

Testemunho dos Discípulos: As ações e reações dos discípulos diante dos


ensinamentos e eventos de Jesus são detalhes que adicionam credibilidade histórica
aos evangelhos. Os discípulos frequentemente aparecem confusos, duvidosos ou
cometendo erros, o que é improvável de serem criações posteriores com o objetivo de
glorificar a figura de Jesus.

Prova Externa: Registros Extrabíblicos e Atas dos Primeiros Cristãos

A prova externa da confiabilidade histórica do Novo Testamento é baseada em


registros extrabíblicos e em atas escritas pelos primeiros cristãos. Essas fontes
corroboram eventos, personagens e contextos descritos nos evangelhos, fornecendo
uma confirmação independente da autenticidade dos relatos bíblicos. Aqui estão
algumas das principais evidências dessa prova externa:

Flávio Josefo: Este historiador judeu do século I fez referências a Jesus e a João Batista
em suas obras "Antiguidades Judaicas" e "Guerra Judaica". Embora haja debates sobre
a autenticidade de algumas passagens, muitos estudiosos concordam que existem
partes genuínas que mencionam Jesus e sua crucificação.
Tácito: O historiador romano Tácito, em sua obra "Anais", menciona o imperador Nero
responsabilizando os cristãos pelo Grande Incêndio de Roma em 64 d.C. Isso indica a
existência da comunidade cristã e sua ligação com eventos históricos.

Atas dos Apóstolos: As "Atas dos Apóstolos", também conhecidas como "Atos dos
Apóstolos", é um livro do Novo Testamento que narra os eventos após a ressurreição
de Jesus e a propagação do cristianismo. Esses relatos fornecem informações
detalhadas sobre as atividades dos primeiros seguidores de Jesus e suas interações
com a sociedade da época.

Atas dos Mártires: Atas escritas sobre os mártires cristãos, como os relatos de Justino
Mártir e Perpétua, oferecem insights sobre as práticas e crenças dos primeiros cristãos,
assim como suas interações com as autoridades romanas. Essas atestam a existência
da fé cristã e a disposição de muitos seguidores para defender sua fé, mesmo diante
da perseguição.

Clemente de Roma: A primeira Epístola de Clemente, escrita por volta do final do


primeiro século, é um exemplo de uma carta escrita por um líder cristão primitivo que
faz referências ao Novo Testamento e aos ensinamentos de Jesus. Isso demonstra que
as crenças cristãs e os escritos do Novo Testamento eram amplamente conhecidos e
aceitos na comunidade cristã primitiva.

Justino Mártir: Justino Mártir, um apologista do segundo século, fez citações explícitas
dos evangelhos em suas obras de defesa do cristianismo perante as autoridades
romanas. Suas referências confirmam a existência e a importância dos evangelhos já
naquela época.

Irineu de Lyon: Irineu, um bispo do segundo século, também citou e defendeu os


evangelhos e as crenças cristãs em suas obras. Ele argumentou que os quatro
evangelhos canônicos eram fundamentais para a fé cristã e refutou visões heterodoxas.
Inerrância e Infalibilidade: Visão Protestante

A perspectiva protestante defende a inerrância e infalibilidade da Bíblia como


autoridade divina. Isso significa que as Escrituras são verdadeiras e sem erros em
questões de fé e prática, enquanto também são confiáveis em relatos históricos e
científicos. Essa visão é fundamentada na crença de que Deus inspirou os escritores
bíblicos e preservou os textos ao longo do tempo.

A Crítica de Ferdinand Christian Baur ao Novo Testamento

Ferdinand Christian Baur, um influente teólogo e historiador alemão do século XIX,


desempenhou um papel significativo na crítica bíblica e na análise histórica do Novo
Testamento. Sua principal crítica se concentrou na origem e autenticidade dos escritos
do Novo Testamento, questionando a autoria tradicionalmente atribuída a certos
livros e defendendo uma visão mais cética em relação à formação do cristianismo
primitivo. No entanto, as evidências fornecidas pelos papiros P52, P45 e P66
contradizem parte de sua crítica, oferecendo um contraponto substancial à sua
perspectiva.

A Crítica de Baur:

Baur propôs a Teoria das Duas Casas, que postulava que a Igreja Cristã primitiva
estava dividida em duas facções: os judeus-cristãos e os gentios-cristãos. Ele alegava
que essas facções possuíam teologias distintas e opostas, refletidas em diferentes
escritos do Novo Testamento. Baur argumentava que o Evangelho de João, por
exemplo, representava o desenvolvimento posterior da teologia gentia, enquanto as
Epístolas de Paulo representavam as tradições mais antigas do judeus-cristianismo.

Contraponto das Evidências dos Papiros:

As evidências fornecidas pelos papiros P52, P45 e P66, por exemplo, que são
fragmentos manuscritos dos evangelhos e das epístolas encontrados em datas
anteriores à teoria de Baur, lançam dúvidas sobre sua visão. O Papiro P52, por
exemplo, é frequentemente datado do início do segundo século e contém parte do
Evangelho de João. Essa datação sugere que o Evangelho de João já estava em
circulação e sendo copiado pouco depois do tempo de sua suposta autoria,
contradizendo a noção de que ele foi desenvolvido muito mais tarde.

O Papiro P45 contém partes dos quatro evangelhos e das Epístolas de Paulo. Sua
datação também reforça a ideia de que os evangelhos e as epístolas circulavam em
conjunto e eram conhecidos como escritos autoritativos já no segundo século. Isso
contradiz a hipótese de Baur de que as facções cristãs primitivas não possuíam uma
base teológica comum.

Além disso, o Papiro P66, que contém uma parte significativa do Evangelho de João,
também sugere uma circulação precoce e disseminação dos escritos do Novo
Testamento. Essas evidências manuscritas sustentam a visão de que os evangelhos e
as epístolas eram conhecidos e reconhecidos desde cedo na história do cristianismo,
em contraposição à visão de Baur de um desenvolvimento teológico tardio e
fragmentado.

As evidências dos papiros P52, P45 e P66 fornecem um contraponto sólido à crítica de
Baur ao Novo Testamento. Ao sugerirem uma circulação precoce e ampla dos escritos
do Novo Testamento, esses papiros questionam a noção de desenvolvimento teológico
tardio e facções cristãs fragmentadas. Eles respaldam a ideia de que os escritos do
Novo Testamento eram conhecidos, lidos e copiados desde cedo na história cristã, o
que tem implicações significativas para a confiabilidade histórica e a autenticidade dos
textos bíblicos.

Em conclusão, as evidências dos papiros P52, P45 e P66, juntamente com argumentos
da prova bibliográfica, prova interna e prova externa, sustentam a confiabilidade
histórica do Novo Testamento. Na perspectiva protestante, a inerrância e infalibilidade
da Bíblia são fundamentais para a fé, baseadas na crença de que Deus inspirou e
preservou as Escrituras ao longo do tempo. Embora críticos como Baur tenham
levantado questões, as evidências históricas e textuais permanecem como suporte
sólido para a confiança na autenticidade dos evangelhos.

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