Helena
Helena
Helena
HELENA
NOVA EDIÇÃO
UNIVERSITY
LIBRARY
THE GIFT OF
P
. A. Martin
..
LELAND STANFORDJR
UNIVERSITY
IBRARY
THE GIFT OF
P. A.Martin.
HELENA
MACHADO DE ASSIS
(DA ACADEMIA BRASILEIRA)
HELENA
NOVA EDICÃO
1911
Wo
869
84
M 14h
243902
ADVERTENCIA -
CAPITULO I
O V
PITULO
CAPITUL
Acredito.
---- Supponho que é minha amiga ; ha de sel-
!
CAPITULO VI
- E se fosse ?
- Eu deixava -a ir , e nunca a traria em
- Talvez .
Duvido que sejam mais vantajosos do que
este . A sciencia é ardua e seus resultados
fazem menos ruido . Não tem vocação conımer-
cial nem industrial . Medita alguma ponte-
pensil entre a Côrte e Nictherohy, uma estrada
até Matto-Grosso ou uma linha de navegação
para a China ? E' duvidoso . Seu futuro tem
por ora dous limites unicos , alguns estudos
de sciencia e os alugueis das casas que pos-
sue . Ora , a eleição nem lhe tira os alugueis
nem obsta a que continue os estudos ; a elei-
ção completa-o , dando-lhe a vida publica , que
The falta . A unica objecção seria a falta de
opinião politica ; mas esta objecção não
póde ser. Ha de ter, sem duvida , meditado
alguma vez nas necessidades publicas , e...
-
Supponha, - é mera hypothese , que
tenho alguns compromissos com a opposição .
- Nesse caso , dir-lhe-hei que ainda assim
deve entrarna camara - embora pela porta dos
fundos . Se tem idéas especiaes e partidarias ,
a primeira necessidade é obter o meio de as
expôr e defender. O partido que lhe dér a
mão , ―― se não fôr o seu , ficará consolado
com a idea de ter ajudado um adversario
talentoso e honesto . Mas a verdade é que não
escolheu ainda entre os dous partidos ; não
tem opiniões feitas . Que importa ? Grande
numero de jovens politicos seguem, não uma
74 HELENA
Segredos de moça?
Quer lêl-a ? perguntou Helena , apresen-
tando-lh'a .
Estacio fez -se vermelho e recusou com um
gesto . Helena dobrou lentamente o papel e
guardou-o na algibeira do vestido . A innocen-
cia não teria mais puro rosto ; a hypocrisia
não encontraria mais impassivel mascara .
Estacio contemplava- a , a um tempo enver-
gonhado e suspeitoso ; a carta fazia-lhe coce-
gas ; o olhar ambicionava ser como o da
Providencia que penetra nos mais intimos
refolhos do coração . Vieram , entretanto , dizer
a Helena que D. Usurla lhe pedia fosse ter
com ella. Estacio ficou só . Uma vez só , entre-
gou-se a um inquerito mental sobre a proce-
dencia da mysteriosa missiva . Um indicio
havia de que podia conter alguma cousa se-
creta ; era o gosto com que ella a escondeu .
Mas não podia ser de alguma antiga compa-
nheira do collegio , que lhe confiava segredos
seus ? Estacio abraçou com alvoroço esta
hypothese . Depois , occorreu-lhe que, ainda
provindo de uma amiga , a carta podia tratar
de algum idyllio de collegio , em que Helena
fosse protogonista , idyllio vivo ou morto ,
pagina de esperança ou de saudade . Ainda
nesse caso , que tinha elle com isso ?
Fazendo esta ultima reflexão , Estacio sacu-
diu do espirito o assumpto e seguiu a exami-
86 HELENA
prehensão .
A belleza é como a bravura ; vale mais se
não a mettem á cara dos outros .
6
96 HELENA
Você é um ingrato !
N'aquella noite ficou mais patente que
nunca a preponderancia ganha por Helena ,
que se tornára a verdadeira dona da casa , a di-
rectora ouvida e obedecida . D. Ursula ce-
dera, em poucas semanas , o que lhe negara
durante mezes .
Por que razão , pesando em todas as cousas ,
não conseguira ella apressar o casamento de
Estacio ? Estacio continuava a hesitar, a re-
cuar, a adiar ; pedia tempo para reflectir .
Ja agora menos ao Rio - Comprido ; os dias ,
quasi todos , eram desfiados no remanso da
familia . Mas Helena insistiu tanto que elle
prometteu fazer o solemne pedido no pri-
meiro dia do anno .
Estacio não havia esquecido a carta lida
pela irmă ; entretanto por, mais que a esprei-
tasse e estudasse , nada descobria que lhe
fizesse suppôr affeição encoberta . Nenhum
dos homens que iam alli, e eram poucos ,
-
- parecia receber de Helena mais do que a
cortezia commum . D. Ursula , a quem elle in-
cunbira de interrogar a irmã ácerca das pa-
lavras que esta lhe dissera na manhã do
primeiro passeio, não obteve resposta mais
decisiva .
A promessa de ir pedir Eugenia , fel- a Es-
tacio na segunda semana de Dezembro , em
uma noite sem visitas , que eram as melhores
HELENA 97
Helena !
-Oh ! não é vão melindre , é a propria
necessidade da minha posição . Você póde
encaral-a com olhos benignos ; mas a verdade
é que só as azas do favor me protegem ...
Pois bem, seja sempre generoso , como foi
agora ; não procure violar o sacrario de minha
alma . Não insista em pedir a explicação de
palavras mal pensadas e ditas em má hora...
Mal pensadas ? Póde ser ; mas por isso
é que são verdadeiras ; se você tivesse tempo
de as meditar , guardal- as-hia comsigo , avara
de seus segredos e suspeitosa de corações
amigos . Meu fim era sómente ajudal- a a ser
venturosa , destruir ...
E ' tarde ! interrompeu a moça , consul-
tando o reloginho preso á cintura. Vamos ?
Estacio sorriu melancolicamente ; offereceu-
lhe o joelho , ella pousou nelle o pésinho
afilado e leve e saltou no selim. A volta foi
menos alegre do que costumava ser. Elles
fallavam , mas a palavra vinha aos labios , como
uma onda vagarosa e surda ; nenhuma colera ,
mas nenhuma animação . Assim correu aquelle
dia ; assim correriam outros , se não fôra a
vara magica de Helena . O natural influxo
era tão forte que o irmão voltou desde logo ás
boas, sendo as melhores horas as que pas-
sava ao pé della , a escutal- a e a vêl-a , am-
bos contentes e felizes. O episodio da con-
HELENA 107
- Porque ?
-- Porque precisarei meditar ainda vinte e
Tão cedo !
Dou-lhe mez e meio . Nem uma hora
mais ! Estou morta por vêl -os casados , tanto
por você como por ella , coitada ! que o ama
tanto...
Crês ? perguntou vivamente Estacio .
―― Se creio Posso affirmal - o . Não será
amor como você quizera que fosse , mas é o
amor que ella lhe póde dar, e é muito ... Está
dito ! Palavra ?
Estacio estendeu silenciosamente a mão ,
que Helena apertou.
― Vou confiar todo o meu destino á cabeça
mais leve do universo , disse Estacio , com os
olhos fitos no chão . Não é de seu coração que
me queixo ; mas de seu espirito , que nunca
deixou as roupas da infancia . Demais , á me-
dida que me approximo da hora solemne ,
sinto que me repugna ó estado conjugal .
E' tão boa a minha vida de solteiro ! tão cheios
os meus dias ...
Helena tapou-lhe a bocca com uma das
mãos ; com a outra fez -lhe um gesto para que
se calasse . Depois , fugiu. Uma vez só , Estacio
reflectiu longamente na situação em que se
achava ; reconheceu que estava moralmente
obrigado a pedir Eugenia , desde que seus co-
rações se tinham aberto um para o outro , cele-
brando um contracto , que elle só não podia
romper . A consciencia rebellou-se contra as
134 HELENA
irresoluções do coração ,, e
e a decisão foi
curta .
N'aquella mesma noite , ouviu Eugenia a es-
perada palavra.A alegria que se lhe derramou
nos olhos , foi immensa e caracteristica . Um
pouco mais de recato não era descabido em tal
occasião . Não houve nenhum ; o primeiro
acto da mulher foi uma meninice . Eugenia
ignorava tudo , até a dissimulação do sexo .
Concedendo a mão a Estacio , não era uma cas-
tellă que entregava o premio , mas um caval
leiro que o recebia com alvoroço e sub-
missão .
Transposto o Rubicon , não havia mais que
caminhar direito á cidade eterna do matri-
monio . Estacio escreveu no dia seguinte uma
carta ao Dr. Camargo , pedindo - lhe a mão de
Eugenia, carta secca e digna , como as cir-
cumstancias a pediam. Antes de a remetter,
mostrou-a a Helena , que recusou lêl -a . Não a
leu , nem lhe pegou . Elle teve-a alguns ins-
tantes na mão , sem se atrever a dal - a ao
escravo que esperava por ella . Por fim , dei-
tou-a sobre a secretaria .
- Amanhã , disse elle sorrindo para He-
lena .
Helena lançou mão da carta e deu-a ao
escravo .
- Leva á casa do Sr. Dr. Camargo , orde-
nou a moça. Não tem resposta .
CAPITULO XIV
tempo.
Mas tambem se lê de cór.
Helena lançou-lhe um olhar suspeitoso .
Não sei lêr de cór , disse ella , erguendo-
se e saindo da varanda .
Mendonça ficou aturdido . Que lhe dissera
elle tão grave que a pudesse offender ? Repe-
tiu as proprias palavras e não lhes achou
sentido mau. Certo , porém, de que a moles-
tara , alli ficou aborrecido de si mesmo , dese-
joso de lhe explicar tudo , se alguma cousa
houvesse explicavel . Após alguns instantes ,
resolveu entrar tambem. Entrou ; Helena não
IIELENA 157
Talvez nunca
Melchior franziu a testa ; a physionomia ,
de ordinario meiga , tornou -se severa , como a
consciencia delle . O padre tinha uma das
mãos de Helena entre as suas ; deixou-a insen-
sivelmente cair . Entre os dous estabeleceu- se
um silencio que os acabrunhava e que não
ousavam romper ; como subjugados por um
mysterio , receiava cada um delles que o outro
lh'o lesse na fronte ; instinctivamente desvia-
ram os olhos .
Melchior foi o primeiro que voltou a si . A
reflexão corrigiu a espontaneidade , e o padre
reassumiu o gesto usual, com essa dissimu-
lação que é um dever , quando a sinceridade
é um perigo .
Vamos lá, disse elle ; ninguem póde
decidir o que ha de fazer amanhã ; Deus
escreve as paginas do nosso destino ; nós
não fazemos mais que transcrevel-as na
terra .
― E ' verdade ! confirmou ella com um gesto
Recebi .
-
Não esperavas por ella , aposto ....
Não .
- Como eu não esperava escrevel -a . Estás
aborrecido ?
-Estou cançado .
― Naturalmente , assentiu Mendonça , abrin-
― Helena ama-te ?
-
Com egual amor , não creio ; mas , accei-
ta-me ; tem-me algum affecto .
Tratarei de consultal-a .
Mendonça não poude continuar , porque Es-
tacio descia a escada ao dar-lhe a ultima
resposta . Mendonça desceu tambem. Na sala
estavam ainda as mesmas pessoas . Perto de
uma janella conversava Helena com o padre .
O chá foi logo servido e a conversa tornou-se
geral , ainda que sem grande animação . Mel-
chior fallou menos que todos .
Nem por isso foi o primeiro que saíu ; foi o
ultimo . Na chacara , dirigindo-se ao portão ,
ergueu os olhos ao firmamento , não para vêr
a lua e as estrellas , senão para subir a região
mais alta. O que disse ninguem o soube , mas
o anjo das rogativas humanas porventura
colheu em seu regaço os pensamentos do an-
cião , e os levou aos pés do eterno e casto
amor.
CAPITULO XVIII
sejo nosso ?
- Quando fosse sacrificio , fal-o-hia de boa
cara ; mas não é,
- Não se trata de um sacrificio repugnante
Não os vejo .
Esse amor mysterioso será realmente
sem esperança ? Nada ha definitivo no mundo
nem o infortunio nem a prosperidade . O que
a tua imaginação suppõe estar perdido , acha-
se apenas transviado ou occulto ...
---- Adivinho o segundo caminho , atalhou
Helena ; não casando agora , posso vir a amar
um dia , mais do que a Mendonça , algum
homem tão digno como elle .
Parece-te absurdo isso ?
-Não , mas é uma loteria ; perco um bem
certo por outro duvidoso . O jogador não faz
calculo differente . Essa felicidade póde não
vir ; eu contento - me com a que me cabe agora.
Mendonça ama-me devéras ; senti-o desde al-
gum tempo . O padre Melchior abriu-me os
olhos ; acceito o destino que os dous me offe-
recem . Esta é a razão e a realidade ; o mais é
illusão e phantasia .
Emquanto ella fallava , Estacio , que tirára
o chapeu de Chile , occupava - se em fazer cir-
cular na copa a fita larga que o cingia . Houve
entre ambos grande silencio . Pela beira do
tanque seguia uma longa carreira de formigas ,
conduzindo as mais dellas trechos de folhas
verdes . Comum galho secco , Estacio distrahia-
se em pertubar a marcha silenciosa e labo-
r a dos pobres animacs . Fugiam todas ,
cou o padre .
Hesito em dal-a .
-
Porque ?
Estacio explicou que Helena não tinha in--
clinação ao noivo que se lhe propunha , ao
que Melchior respondeu , referindo singella-
mente a verdade .
-
E ' certo que o não ama ardentemente ,
concluiu elle , mas acceita-o , aprecia- o , está a
meio caminho da felicidade que lhe devemos
dar.
Ha uma difficuldade , padre- mestre ; é
que ella ama a outro .
Melchior empallideceu ; o olhar escrutador.
186 HELENA
rança .
Era capaz disso ? perguntou Melchior .
Se era capaz ? Desejo-o até , disse a
moça com vehemencia .
E accrescentou em tom mais brando :
Sobre o homem de minha escolha desejo
que não paire a minima desconfiança .
Tal era a situação , dous dias depois da
volta de Estacio . O casamento podia contar-
se feito . Mendonça não resistiu ao desinteresse
HELENA 201
tou fatigadissimo .
Não pelo que caçou , disse o desconhe-
cido , rindo .
- Volto com as mãos abanando . Nunca fui
porção justa .
- A porção varia, conforme as necessi-
dades moraes de cada um. Mas eu mesmo ,
que lhe estou a fallar , nem sempre tive esta
virtude intratavel ; e porventura alguma vez
fraqueei ...
A fronte do desconhecido tornou-se som-
bria ; a voz morreu -lhe nos labios , e os olhos
cairam naquella atonia qua exprime uma
grande concentração de espirito . Era occasião
de interrogal- o directamente ou sair . Estacio
preferiu o ultimo alvitre .
- Não o quero demorar mais , disse o
dono da casa , quando o mancebo proferiu as
palavras de despedida . Já é tarde , e sua mãe
talvez csteja anciosa ...
Estacio limitou-se a olhar para elle em
cheio , dizendo :
HELENA 215
quidão .
O padre Melchior não se demorou em acu-
dir ao chamado de Estacio . O bilhete era
instante e a lettra febril . Algum acontecimento
grave devia ter- se dado . A reflexão do padre
era justa, como sabemos ; elle o reconheceu
desde logo , não só no aspecto lugubre da
familia, como na ancia com que era esperado .
Os tres recolheram-se a uma das salas inte-
riores .
―
Helena ? perguntou Melchior .
- Vamos tratar della respondeu
, Estacio .
Referir o que se passara n'aquella fatal
manhã era mais facil de planear que de exe-
cutar . No momento de expôr a situação e as
circumstancias della, Estacio sentiu que a
lingua rebelde não obedecia á intenção .
Achava-se n'um tribunal domestico , e o que
até então fôra conflicto interior entre a affei-
ção e a dignidade , cumpria agora reduzil-o
ás proporções de um libello claro , secco e
decidido . Innocente ou culpada , Helena appa-
recia-lhe n'aquelle momento como uma recor-
dação das horas felizes , doce recordação
que os successos presentes ou futuros podiam
HELENA 225
14
CAPITULO XXIV
- Perfeitamente .
-
Sabe que motivo nos traz à sua casa ?
Não, senhor .
- Confessa a autoria desta carta ?
Salvador estremeceu ; depois respondeu
com um gesto affirmativo .
Pretende que Helena é sua filha , disse
o moço depois de um instante . Confirma ver-
balmente o que escreveu ?
- Helena é minha filha .
Melchior interveiu .
Ha um anno , fallecendo , o meu velho
amigo conselheiro Valle reconheceu Helena ,
por uma clausula testamentaria ; recommen-
dava á familia que a tratasse com affecto e
carinho e designava o collegio em que ella
estava sendo educada . O facto do reconheci-
mento e as circumstancias que apontou , dão
toda a veracidade á palavra do morto . Que
prova apresenta o senhor em contrario a
ella ?
- Nenhuma , disse Salvador ; não tenho
prova de nenhuma natureza .
Na falta de provas , proseguiu o capellão ,
poderia dizer-nos como suppor da parte do
conselheiro uma falsificação , tratando -se de
disposição tão grave como essa de introduzir
uma pessoa extranha na familia ?
Salvador sorriu amargamente .
Supponha, disse elle , que eu havia
HELENA 253
-
A mãe de Helena , disse Salvador , cuja
belleza foi a causa , a um tempo , da sua má e
boa fortuna , era filha de um nobre lavrador
do Rio Grande do Sul , onde tambem nasci .
Apaixonámo-nos um pelo outro . Meu pae
oppoz-se ao casamento ; tinha alguns bens ,
mandara-me estudar , queria vêr-me em po-
sição brilhante . Angela podia ser obstaculo á
minha carreira , dizia elle . Oppoz -se , e eu
resisti ; raptei- a ; fomos viver na campanha
oriental , d'onde passámos a Montevidéo , e
mais tarde ao Rio de Janeiro . Tinha vinte
annos quando deixei a casa paterna ; possuia
alguns estudos poucos , meia duzia de pata-
cões , muito amor e muita esperança . Era de
sobra para a minha edade, mas insufficiente
para o meu futuro . A lua de mel foi desde
logo uma noite de privações e trabalhos .
Minha vida começou a ser um mosaico de
profissões ; aqui onde me vêm, fui mascate ,'
HELENA 255
FIN