Relatorio Inspecao Umf Curado Maio23

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Monitoramento de medidas

provisórias da Corte Interamericana


de Direitos Humanos
Complexo Penitenciário do Curado
Monitoramento de medidas
provisórias da Corte Interamericana
de Direitos Humanos
Complexo Penitenciário do Curado
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Presidente
Ministra Rosa Weber

Corregedor Nacional de Justiça


Ministro Luis Felipe Salomão

Conselheiros
Luiz Philippe Vieira de Mello Filho
Mauro Pereira Martins
Richard Pae Kim
Salise Monteiro Sanchotene
Marcio Luiz Coelho de Freitas
Jane Granzoto Torres da Silva
Giovanni Olsson
Sidney Pessoa Madruga
João Paulo Santos Schoucair
Marcos Vinícius Jardim Rodrigues
Marcello Terto e Silva
Mário Henrique Aguiar Goulart Ribeiro Nunes Maia
Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho

Secretário-Geral
Gabriel da Silveira Matos

Secretário Especial de Programas,


Pesquisas e Gestão Estratégica
Ricardo Fiorezi

Diretor-Geral
Johaness Eck

2023
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
SAF SUL Quadra 2 Lotes 5/6 - CEP: 70070-600
Endereço eletrônico: www.cnj.jus.br
DEPARTAMENTO DE MONITORAMENTO E UNIDADE DE MONITORAMENTO E FISCALIZAÇÃO
FISCALIZAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO DAS DECISÕES DA CORTE INTERAMERICANA DE
E DO SISTEMA DE EXECUÇÃO DE MEDIDAS DIREITOS HUMANOS (UMF)
SOCIOEDUCATIVAS (DMF)
Coordenador Institucional
Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi
Supervisor do DMF e da UMF
Conselheiro Mauro Pereira Martins
Coordenadora Executiva
Coordenador Andrea Vaz de Souza Perdigão
Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi
Coordenadora Científica
Juiz Auxiliar da Presidência
Flávia Piovesan
Edinaldo César Santos Júnior
Juiz Auxiliar da Presidência
EQUIPE UMF/CNJ
João Felipe Menezes Lopes
Luiz Victor do Espírito Santo Silva, Camila Curado Pietrobelli,
Juiz Auxiliar da Presidência Natália Faria Resende Castro e Alcineide Moreira Cordeiro
Jônatas dos Santos Andrade
EQUIPE DMF/CNJ
Juiza Auxiliar da Presidência Adriana Kelly Ferreira De Sousa, Alessandra Amâncio Barreto,
Karen Luise Vilanova Batista de Souza Alexandre Padula Jannuzzi, Alisson Alves Martins, Ana Clara
Rodrigues da Silva, Anália Fernandes de Barros, Ane Ferrari Ramos
Diretora Executiva
Cajado, Arthur Dias Avelino, Camilo Pinho da Silva, Caroline Xavier
Renata Chiarinelli Laurino Tassara, Carolini Carvalho Oliveira, Danielle Trindade Torres,
Chefe de Gabinete Emmanuel de Almeida Marques Santos, Helen dos Santos Reis,
Carolina Castelo Branco Cooper Isadora Brandão Araújo da Silva, Jessica Sales Lemes, João Pedro
Figueiredo dos Reis, Joaquim Carvalho Filho, Joseane Soares da
Costa Oliveira, Karla Cariz Barreira Teodosio, Karla Marcovecchio
Pati, Larissa Lima de Matos, Liana Lisboa Correia, Lino Comelli
Junior, Mariana Py Muniz, Melina Machado Miranda, Natália
Albuquerque Dino, Nayara Teixeira Magalhaes, Roberta Beijo
Duarte, Sirlene Araujo da Rocha Souza, Thaís Gomes Ferreira,
Valter dos Santos Soares e Wesley Oliveira Cavalcante
FICHA TÉCNICA

Coordenação Técnica
Mauro Pereira Martins
Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi

Elaboração
Andrea Vaz de Souza Perdigão
Renata Chiarinelli Laurino
Natália Albuquerque Dino
Isabel Penido de Campos Machado
Pollyana Bezerra Lima Alves
Natália Vilar Pinto Ribeiro
Thandara de Camargo Santos
Natália Faria Resende Castro
Isabelle Cristine Rodrigues Magalhães
Winnie Alencar Farias

C755m

Conselho Nacional de Justiça (CNJ).


Monitoramento de medidas provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos : Complexo
Penitenciário do Curado / Conselho Nacional de Justiça; Coordenação Mauro Pereira Martins, Luís Geraldo
Sant’Ana Lanfredi,. – Brasília: CNJ, 2023.

484 p. : il. color.


ISBN: 978-65-5972-096-5 (Sistema Interamericano de Direitos Humanos)

1. Corte Interamericana 2. Medidas Provisórias. 3. Sistema Penitenciário. I. Título II. Série.

CDD: 340
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 2
2. BREVE HISTÓRICO DO CASO NO SISTEMA INTERAMERICANO ........................................... 6
3. DIAGNÓSTICO TÉCNICO E PLANO DE CONTINGÊNCIA ...................................................... 15
4. ANÁLISE DOS DADOS OFICIAIS .............................................................................................. 21
4.1 Panorama Geral em Pernambuco ................................................................................. 21
4.2 Lotação e Superpopulação Prisional ............................................................................. 22
4.3 Atenção à saúde ............................................................................................................... 23
4.4 Atividade Laboral e Educacional..................................................................................... 26
5. HISTÓRICO DA ATUAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA ...................................28
5.1 A Atuação da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte
Interamericana de Direitos Humanos ................................................................................. 28
5.1.1. Capacitações realizadas pela UMF/CNJ e a Promoção dos parâmetros
interamericanos .................................................................................................................. 34
5.2 A Atuação do Programa Fazendo Justiça ...................................................................... 39
5.3 Respostas estruturais a partir do Conselho Nacional de Justiça ............................... 44
5.3.1 O cômputo em dobro e o Sistema Eletrônico de Execução Unificada .............. 44
5.3.2 Os óbitos das pessoas privadas de liberdade: análise dos dados e dos fluxos
institucionais de registro e apuração ............................................................................... 47
5.4 A missão conjunta do Conselho Nacional de Justiça ao estado de Pernambuco
realizada no mês de agosto/2022 ........................................................................................ 52
5.4.1 Fact Finding ................................................................................................................. 62
5.4.2 Dados obtidos durante as inspeções ..................................................................... 68
5.4.3 Inspeção no Presídio ASP Marcelo Francisco Araújo (PAMFA) ............................ 72
5.4.4 Inspeção no Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) ......................... 83
5.4.5 Inspeção no Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB) ........................................ 93
6. RESULTADOS PRELIMINARES E MONITORAMENTO ........................................................ 109
6.1 Adoção de medidas de urgência pela Corregedoria Nacional de Justiça ............... 109
6.2 A deliberação favorável à aplicação da compensação penal a partir do julgamento
do IRDR 0008770-65.2021.8.17.9000 pelo TJPE ................................................................ 113
6.3 Medidas para cumprimento da decisão da Corregedoria Nacional ....................... 114
7. CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 120
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................. 122
LISTA DE ANEXOS ...................................................................................................................... 126
Complexo Penitenciário do Curado

1. INTRODUÇÃO

O presente Relatório é o esforço para a sistematização do apanhado

histórico e das iniciativas e providências que vão se organizando para o

cumprimento das Medidas Provisórias impostas pela Corte Interamericana de

Direitos Humanos (Corte IDH) no Complexo Penitenciário do Curado.

O Complexo Penitenciário do Curado, situado em Recife/PE, surgiu após a

fragmentação do antigo Presídio Professor Aníbal Bruno. É composto pelas

seguintes unidades: Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), Presídio

Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB).

A primeira Medida Provisória emitida pela Corte Interamericana em relação

ao Brasil foi datada de 22 de maio de 20141, a partir de iniciativa da Comissão

Interamericana de Direitos Humanos, que reportou o caso à Corte. Entre os

principais motivos da solicitação realizada à Corte, destacam-se o elevado índice

de mortes violentas (6 mortes no ano de 2013, 55 mortes entre 2008-2013), bem

como relatos de tortura e violência sexual perpetrados por pessoas privadas de

liberdade que exerciam funções de gestão por delegação de facto (conhecidos

como “chaveiros”), além do tratamento degradante decorrente superlotação e

más condições carcerárias.

Ao todo, em relação ao referido complexo penitenciário, foram adotadas

seis resoluções específicas contendo medidas provisórias de urgência2. Dentre as

1
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 22 de maio de 2014.
2
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 22 de maio de 2014; Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do
Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 7 de outubro de 2015; Corte IDH.
Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.
Resolução de 18 de novembro de 2015; Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado
em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 23 de novembro de 2016; Corte IDH.
Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.

2
Complexo Penitenciário do Curado

medidas emitidas pela Corte IDH, encontram-se de assuntos relativos à segurança

dos apenados, saúde e infraestrutura, os quais serão a seguir detalhados.

Conforme se depreende das informações periódicas apresentadas pelas

partes na etapa de supervisão de cumprimento, até o primeiro semestre de 2022,

poucos avanços haviam sido reportados.

Segundo dados oficiais do Departamento Penitenciário Nacional relativos a

dezembro de 2021, as unidades do Complexo seguiam em situação de

superlotação. O Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA) tinha 2.066

pessoas para uma capacidade de 480 vagas (taxa de ocupação de 430,4%); o

Presídio Frei Damião Bozzano (PFDB) registrava ocupação de 445,5% (com 2.027

pessoas custodiadas em 455 vagas) e, por fim, o Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de

Barros (PJALLB), registra 288,7% de ocupação (com 2.604 pessoas custodiadas na

unidade, que conta com 902 vagas).

No último ano, o Conselho Nacional de Justiça realizou duas missões de

fiscalização e monitoramento, buscando engajar os atores envolvidos para

implementar as medidas provisórias outorgadas pela Corte IDH.

Com o fim de mapear o quadro atual do complexo sob supervisão

internacional, o presente relatório se divide em cinco pontos. Inicialmente, faz-se

um breve histórico do caso do Complexo Penitenciário do Curado no Sistema

Interamericano de Direitos Humanos, abordando os principais aspectos

destacados pela Corte nas resoluções por ela emitidas.

Em seguida, analisam-se os dados constantes no plano de contingência

apresentado pelo Estado brasileiro à Corte, no Diagnóstico Técnico e na planilha

com as últimas atualizações quanto à implementação das ações previstas no

referido plano. Destaca-se que o Plano foi elaborado após visita da Corte

Resolução de 15 de novembro de 2017; Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado


em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018.

3
Complexo Penitenciário do Curado

Interamericana de Diretos Humanos, em 2016, e segue em etapa de

implementação, conforme será detalhado a seguir.

Posteriormente, será traçado um diagnóstico sobre a situação atual do

Complexo a partir de dados oficiais do SISDEPEN (Levantamento Nacional de

Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça e Segurança Pública), do

CNIEP (Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais) e a partir

das informações prestadas pelo estado de Pernambuco ao Conselho Nacional de

Justiça.

No quarto tópico, serão registradas informações relativas às principais

atividades desenvolvidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no âmbito da

Unidade de Monitoramento e Fiscalização de decisões e deliberações da Corte

Interamericana de Direitos Humanos (UMF/CNJ), bem como do Programa Fazendo

Justiça, sendo este um resultado da parceria entre o CNJ e o Programa das Nações

Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para a superação de desafios históricos

que caracterizam a privação de liberdade no Brasil.

Neste contexto, serão detalhadas as ações desenvolvidas com foco em dois

eixos prioritários do caso: a implementação do cômputo em dobro e as ações

voltadas à redução do índice de mortes em ambiente prisional. Serão

apresentados os esforços empenhados pelo Conselho Nacional de Justiça para

incorporação da funcionalidade do cômputo em dobro ao Sistema Eletrônico de

Execução Unificada – SEEU, e serão detalhadas as contribuições deste Conselho

no sentido da qualificação dos fluxos de registro e monitoramento dos óbitos em

ambiente prisional.

No quinto tópico, será apresentada em detalhe a Missão Institucional do

CNJ ao Estado de Pernambuco, ocorrida entre os dias 15 e 19 de agosto de 2022,

com o intuito de realizar correição extraordinária, inspeções em estabelecimentos

prisionais, varas criminais e de execução penal e reuniões institucionais. As

4
Complexo Penitenciário do Curado

informações sobre a Missão serão acompanhadas de registros fotográficos que

contemplam todo o ambiente prisional visitado.

Por fim, serão apresentados os desdobramentos da Missão Institucional,

que se dividem entre as providências adotadas pelo CNJ, por meio de medidas

determinadas pela Corregedoria Nacional de Justiça em caráter de urgência, e

aquelas providências adotadas pelo estado de Pernambuco, em resposta aos

achados identificados durante a Missão e às determinações impostas pela

Corregedoria Nacional.

Neste ponto, serão relatadas as providências mais recentes, ocorridas até

novembro do corrente ano, tomadas pelo Gabinete de Crise instalado pelo Estado

de Pernambuco após a Missão Conjunta do CNJ e as medidas de urgência

determinadas pela Corregedora Nacional de Justiça, que culminaram com a

demolição do Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB), em 19 de novembro.

Uma vez tecidas as considerações iniciais, passa-se ao breve histórico das

medidas provisórias impostas ao Brasil e à análise de ações propostas para o

levantamento destas.

5
Complexo Penitenciário do Curado

2. BREVE HISTÓRICO DO CASO NO SISTEMA INTERAMERICANO

O caso do Complexo Penitenciário de Curado - então chamado de Presídio

Prof. Aníbal Bruno - em Recife, foi levado à Comissão Interamericana de Direitos

Humanos (CIDH), que outorgou medidas cautelares em 04 de agosto de 2011, em

razão do cenário de risco à vida, à saúde e à integridade das pessoas privadas de

liberdade no local.

Diante da ausência de providências por parte do Estado Brasileiro, a CIDH,

após três anos, remeteu o caso à Corte IDH, relatando o elevado índice de mortes

violentas (55 mortes entre 2008-2013, sendo 6 mortes apenas no ano de 2013), os

relatos de tortura e violência sexual, o tratamento degradante decorrente da

superlotação, a extrema insalubridade, a falta de acesso à água tratada, as más

condições carcerárias e a precariedade no acesso aos atendimentos de saúde.

Em 22 de maio de 2014, a Corte IDH proferiu a primeira medida provisória

em relação ao caso, determinando que o Estado brasileiro adotasse, “de forma

imediata, todas as medidas que sejam necessárias para proteger eficazmente a

vida e a integridade pessoal de todas as pessoas privadas de liberdade no

Complexo de Curado, assim como de qualquer pessoa que se encontre neste

estabelecimento, incluindo os agentes penitenciários, funcionários e visitantes”3.

Determinou, ainda, que fossem adotadas medidas a curto prazo a fim de:

a) elaborar e implementar um plano de emergência em relação à atenção


médica, em particular, aos reclusos portadores de doenças contagiosas,
e tomar medidas para evitar a propagação destas doenças; b) elaborar e
implementar um plano de urgência para reduzir a situação de
superlotação e superpopulação no Complexo de Curado; c) eliminar a
presença de armas de qualquer tipo dentro do referido Complexo; d)
assegurar as condições de segurança e de respeito à vida e à integridade
pessoal de todos os internos, funcionários e visitantes do Complexo de

3
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 22 de maio de 2014, ponto resolutivo 1.

6
Complexo Penitenciário do Curado

Curado, e e) eliminar a prática de revistas humilhantes que afetem a


intimidade e a dignidade dos visitantes.4

Em 7 de outubro de 2015, a Corte analisou as informações prestadas pelo

Estado, pelos peticionários e pela CIDH. Foi destacada a situação de violência e

insegurança presente no Complexo, com quadro de superlotação, presença de

armas, condições de segurança e respeito à vida e à integridade pessoal de

internos, funcionários e visitantes. Diante da análise, o Tribunal reforçou as

medidas provisórias relativas ao Complexo.

Diante das informações dos peticionários, sobre a persistência de situações

de extrema violência no Complexo, a Corte emitiu outra Resolução, em 18 de

novembro de 2015, ampliando as medidas provisórias e destacando a

necessidade de proteção dos representantes do caso, em especial da

representante do SEMPRI e beneficiária Wilma Mello5.

Ademais, a Corte realizou visita no Complexo do Curado no dia 8 de junho

de 2016, estando presente nas dependências dos centros penitenciários e seus

arredores. Como resultado, obteve-se o relatório do Mecanismo Nacional de

Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), de 6 de julho de 2016. Conforme

exposto pela Corte, em sua resolução de 23 de novembro de 2016, o relatório

concluiu que o Estado não cumpriu com as devidas diligências de realização das

medidas provisórias, no concernente ao acompanhamento da execução das

penas e garantia dos direitos dos internos. Ainda, o MNPCT recomendou que as

seguintes medidas fossem adotadas pelo Estado brasileiro:

i. A elaboração de um plano de desencarceramento, com participação da


sociedade civil;
ii. A elaboração de um plano de manutenção da infraestrutura de todas
as unidades do Complexo de Curado, também com participação da
sociedade civil;

4
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 7 de outubro de 2015, considerando 1.
5
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 18 de novembro de 2015, ponto resolutivo 1.

7
Complexo Penitenciário do Curado

iii. A realização de um concurso público para agentes penitenciários, para


preencher os postos necessários;
iv. O oferecimento de espaços de convivência específicos à população
LGBT, condicionando sua transferência à expressa manifestação de
vontade dos internos referidos; v. A garantia imediata de visitas conjugais
à população LGBT; vi. O encaminhamento dos internos que padecem de
doenças psíquicas aos serviços da rede de Atenção Psicossocial do
Sistema Único de Saúde.6

Na referida medida emitida pela Corte, enfatizou-se a necessidade de

apresentação de um diagnóstico técnico apontando as causas de superlotação e

superpopulação no Complexo, bem como um plano de contingência.7

No ano de 2017, foi apresentado pelo Estado brasileiro o diagnóstico

técnico apontando as principais causas de superlotação e superpopulação do

Complexo. Foram destacados, no diagnóstico, diversos fatores que corroboram

para a situação de superlotação e superpopulação, dentre os quais destacam-se

“a) a gestão da política penitenciária; b) a gestão das unidades que compõem o

Complexo Penitenciário de Curado; c) as políticas de segurança pública; e d) a

justiça penal nos âmbitos estadual e federal.”8. Tal diagnóstico teria, ainda,

segundo o Estado, a finalidade de desenvolver o previsto no Plano de

Contingência.

6
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 23 de novembro de 2016, parágrafo 59.
7
Nesse sentido: “Por todo o anterior, a Corte considera imprescindível que, dentro do prazo
improrrogável de 90 dias, o Estado apresente à Corte um Diagnóstico Técnico para determinar as
causas da situação de superlotação e superpopulação verificadas pela Corte e expressados na
presente Resolução (pars. 20 e 21 supra) e um Plano de Contingência, com medidas concretas para
resolver essa situação e garantir os direitos à integridade pessoal e à vida dos beneficiários. Este
diagnóstico técnico deve ser realizado conjuntamente por instituições do Governo Federal e do
Estado de Pernambuco e deve prever a reforma de todos os pavilhões, celas e espaços comuns
dos três centros de detenção do Complexo de Curado e também a redução substancial do número
de internos, em atenção às normas nacionais e internacionais indicadas na presente Resolução.
Este Plano e sua implementação deve ser monitorado pelo Fórum de Monitoramento das Medidas
Provisórias e deve ser implementado em caráter prioritário.” Corte IDH. Assunto do Complexo
Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 23 de novembro
de 2016, parágrafo 63.
8
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 15 de novembro de 2017, parágrafo 9.

8
Complexo Penitenciário do Curado

Cita-se, por oportuno, que o referido plano foi dividido em quatro tópicos

principais: a) geração de vagas e realização de transferências para redução da

superlotação; b) melhoria da infraestrutura do Complexo de Curado; c) revisão

processual e apresentação de alternativas à prisão; e d) garantia de direitos e

integridade física. Em tópico próprio, devido a sua importância, será analisada a

implementação do Plano de Contingência apresentado pelo Estado brasileiro,

com base em consulta de informações realizada pelo CNJ ao GMF do estado de

Pernambuco, no ano de 2022.

Por fim, destaca-se a última medida provisória emitida pela Corte em

relação ao Complexo Penitenciário do Curado, em 28 de novembro de 2018. Na

decisão, a Corte destacou que não foram informados detalhes pormenorizados

sobre o cumprimento das metas traçadas no Plano de Contingência.

Quanto aos aspectos de atenção médica, o Estado destacou sobre a

“realização de seleção simplificada para a contratação de 181 profissionais de

diversas áreas para o atendimento das 22 unidades carcerárias do Estado de

Pernambuco.”9; informou sobre a implementação de um novo sistema de

distribuição de comidas, com pacientes incluídos em dietas especiais e a melhoria

do cardápio; ademais foi destacada a realização de registro de pacientes com

quadro de HIV, bem como acompanhamento ao grupo com quadro de diabetes e

hipertensão, dentre outros enfoques. Após a análise dos dados apresentados

pelos peticionários, a Corte destacou os avanços do Estado e pontuou

necessidades de melhorias, em específico às pessoas diagnosticadas com

tuberculose.

Foram avaliados, ainda, os aspectos relacionados às condições de

segurança no Curado, à superlotação, às medidas de proteção dos representantes

das vítimas, bem como aos grupos em situação de vulnerabilidade.

9
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018, parágrafo 15.

9
Complexo Penitenciário do Curado

Após, a Corte ressaltou que “não pode deixar de observar que, apesar do

tempo transcorrido, as medidas dispostas desde 2014 não possibilitaram a

melhoria concreta das condições de detenção das pessoas que se acham privadas

de liberdade no Complexo de Curado”10. Nesse contexto, destacou que a situação

do Complexo do Curado se traduz em:


“i. atenção médica ínfima, com uma médica a cargo de mais de três mil
presos, quando a OMS/OPAS considera que, no mínimo, deve haver 2,5
médicos por 1.000 habitantes para prestar os mais elementares serviços
em matéria de saúde à população livre;
ii. mortalidade superior à da população livre;
iii. carência de informação acerca das causas de morte;
iv. falta de espaços dignos para o descanso noturno, com superlotação
em dormitórios, verificada in situ, em 2016;
v. insegurança física por falta de previsão de incêndios, em particular com
colchões que não são resistentes ao fogo, verificada in situ, em 2016;
vi. insegurança pessoal e física decorrente da desproporção de pessoal
em relação ao número de presos.”11

Considerou, assim, que “a execução de penas privativas de liberdade ou de

detenções preventivas no Complexo de Curado eventualmente violaria o artigo

5.2 da Convenção Americana, situação que não foi superada e tampouco

atenuada desde que a Corte dispôs a medida e levou a cabo a visita in situ.”12

Ademais, destacou que, apesar dos esforços apresentados pelo Estado brasileiro,

estes ainda são “ineficazes para remediar a eventual violação da Convenção

Americana, que se mantém ao longo do tempo, sem solução de continuidade.”13.

Destacou, ainda, que as condições do Complexo “violariam o artigo 5.6 da

Convenção Americana, pois as penas desse modo executadas nunca poderiam

10
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018, parágrafo 80.
11
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018, parágrafo 82.
12
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018, parágrafo 86.
13
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018, parágrafo 87.

10
Complexo Penitenciário do Curado

levar a efeito a reforma e a readaptação social do condenado, tal como prescreve

o citado dispositivo convencional, como objetivo principal dessas penas.”14

Após detalhadas análises de precedentes internacionais, bem como de

jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), a Corte conclui que “o único

meio para fazer cessar a continuação da eventual situação ilícita frente à

Convenção Americana consiste em procurar a redução da população do

Complexo de Curado.”15

Nesse contexto, a Corte dispõe que a execução da pena deve ser reduzida,

ante a emergência da situação. Trata-se de providência que deve ser adotada pelo

Estado voltada à redução da superlotação no estabelecimento penal. Nesse

sentido, assim dispõe os pontos resolutivos 4-6:

4. O Estado deverá arbitrar os meios para que, no prazo de seis meses a


contar da presente decisão, se compute em dobro cada dia de privação de
liberdade cumprido no IPPSC, para todas as pessoas ali alojadas, que não
sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes
sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas, nos termos
dos Considerandos 115 a 130 da presente resolução.
5. O Estado deverá organizar, no prazo de quatro meses a partir da
presente decisão, uma equipe criminológica de profissionais, em especial
psicólogos e assistentes sociais, sem prejuízo de outros, que, em pareceres
assinados por pelo menos três deles, avalie o prognóstico de conduta com
base em indicadores de agressividade dos presos alojados no IPPSC,
acusados de crimes contra a vida e a integridade física, ou de crimes
sexuais, ou por eles condenados. Segundo o resultado verificado em cada
caso, a equipe criminológica, ou pelo menos três de seus profissionais,
conforme o prognóstico de conduta a que tenha chegado, aconselhará a
conveniência ou inconveniêcia do cômputo em dobro do tempo de
privação de liberdade, ou, então, sua redução em menor medida.
6. O Estado deverá dotar a equipe criminológica do número de profissionais
e da infraestrutura necessária para que seu trabalho possa ser realizado no
prazo de oito meses a partir de seu início”. In: Corte IDH. Assunto do
Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho a respeito do Brasil. Medidas

14
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018, parágrafo 88.
15
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018, parágrafo 120.

11
Complexo Penitenciário do Curado

Provisórias. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 22


de novembro de 201816.

Como critério para aplicação do benefício, a Corte IDH impôs duas

diretrizes:

(a) Regra geral: aplicação do computo em dobro para cada dia


de pena vivenciada em condições degradantes na unidade2.
(b) Regra específica aos crimes contra vida, integridade física
e crimes sexuais: realização de laudo pericial para aferição da
fração de compensação a ser aplicada3.

Verifica-se que, ao impor os referidos critérios, a Corte IDH tinha em mente

três objetivos principais: (i) a compensação penal (reparação satisfativa) pela

submissão a tratamento degradante de forma incompatível com a CADH, (ii) a

adoção de medidas concretas voltadas ao desencarceramento (redução de

danos e a interrupção da situação de grave risco, no marco do art. 62(3) da

CADH), (iii) tratamento diferenciado mais rigoroso para os casos relacionados à

prática dos crimes mais graves (assim considerados os crimes contra a vida,

integridade física e de violência sexual).

Por fim, devido à sua importância, cumpre destacar os pontos resolutivos

emitidos pela Corte IDH na última resolução de medida provisória que trata

exclusivamente do Complexo Penitenciário do Curado:

1. Requerer ao Estado que adote imediatamente todas as medidas que


sejam necessárias para proteger eficazmente a vida, a saúde e a
integridade pessoal de todas as pessoas privadas de liberdade no
Complexo de Curado bem como de qualquer pessoa que se encontre nesse
estabelecimento, inclusive os agentes penitenciários, os funcionários e os
visitantes. Solicitar também que ponha em execução imediatamente o
Diagnóstico Técnico e o Plano de Contingência, de acordo com o exposto
nos Considerandos 8 a 13 da presente resolução.
2. Requerer ao Estado que garanta o efetivo respeito à vida e à integridade
pessoal das defensoras Wilma Melo e Guacira Rodrigues.

16
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018, pontos resolutivos 4-6.

12
Complexo Penitenciário do Curado

3. Requerer ao Estado que mantenha os Representantes informados sobre


as medidas adotadas para cumprir as medidas provisórias ordenadas e que
lhes garanta o acesso amplo e irrestrito ao Complexo de Curado, com o
exclusivo propósito de acompanhar e documentar, de maneira fidedigna, a
implementação das presentes medidas.
4. O Estado deve tomar as medidas necessárias para que, em atenção ao
disposto na Súmula Vinculante No. 56, do Supremo Tribunal Federal do
Brasil, a partir da notificação da presente resolução, não ingressem novos
presos no Complexo de Curado, e nem se efetuem traslados dos que
estejam ali alojados para outros estabelecimentos penais, por disposição
administrativa. Quando, por ordem judicial, se deva trasladar um preso a
outro estabelecimento, o disposto a seguir, a respeito do cômputo duplo,
valerá para os dias em que tenha permanecido privado de liberdade no
Complexo de Curado, em atenção ao disposto nos Considerandos 118 a
133 da presente resolução.
5. O Estado deve adotar as medidas necessárias para que o mesmo
cômputo se aplique, conforme o disposto a seguir, para aqueles que
tenham deixado o Complexo de Curado, em tudo o que se refere ao cálculo
do tempo em que nele tenham permanecido, de acordo com os
Considerandos 118 a 133 da presente resolução.
6. O Estado deverá arbitrar os meios para que, no prazo de seis meses a
contar da presente decisão, se compute em dobro cada dia de privação de
liberdade cumprido no Complexo de Curado, para todas as pessoas ali
alojadas que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade
física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas, nos
termos dos Considerandos 118 a 133 da presente resolução.
7. O Estado deverá organizar, no prazo de quatro meses a partir da
presente decisão, uma equipe criminológica de profissionais, em especial
psicólogos e assistentes sociais, sem prejuízo de outros, que, em pareceres
assinados pelo menos por três deles, avalie o prognóstico de conduta, com
base em indicadores de agressividade dos presos alojados no Complexo de
Curado, acusados de crimes contra a vida e a integridade física, ou de
crimes sexuais, ou por eles condenados. Segundo o resultado alcançado
em cada caso, a equipe criminológica, ou pelo menos três de seus
profissionais, conforme o prognóstico de conduta a que tenha chegado,
aconselhará a conveniência ou inconveniência do cômputo em dobro do
tempo de privação de liberdade ou, então, sua redução em menor medida.
8. O Estado deverá dotar a equipe criminológica do número de profissionais
e da infraestrutura necessária para que seu trabalho possa ser realizado no
prazo de oito meses a partir de seu início.
9. Requerer ao Estado que continue informando a Corte Interamericana de
Direitos Humanos, a cada três meses, contados a partir da notificação da
presente resolução, sobre a implementação das medidas provisórias
adotadas em conformidade com esta decisão, e sobre seus efeitos,
referindo-se, em especial, às perguntas discriminadas no Considerando
164 da presente resolução.
10. Requerer aos Representantes que apresentem as observações que
julguem pertinentes sobre o relatório a que se refere o ponto resolutivo
acima, no prazo de quatro semanas, contado a partir do recebimento do
relatório estatal mencionado.

13
Complexo Penitenciário do Curado

11. Requerer à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que


apresente as observações que julgue pertinentes sobre o relatório estatal
a que se refere o ponto resolutivo quatro e sobre as respectivas
observações dos Representantes, no prazo de duas semanas, contado a
partir do encaminhamento das referidas observações dos Representantes.
12. Continuar avaliando, ao longo de um ano, em conformidade com o
artigo 27.8 de seu Regulamento, a pertinência de que uma delegação da
Corte Interamericana realize uma nova diligência in situ ao Complexo
Penitenciário de Curado, e de que se peça o parecer de peritos sobre a
matéria, ou seu acompanhamento da referida diligência, a fim de verificar
a implementação das medidas provisórias, após o consentimento da
República Federativa do Brasil, e com seu consentimento, de acordo com o
Considerando 58 da presente resolução.
13. Dispor que a Secretaria da Corte notifique da presente resolução o
Estado, a Comissão Interamericana e os Representantes dos beneficiários.
14. Dispor que o Estado, imediatamente, leve a presente resolução ao
conhecimento dos órgãos encarregados do monitoramento das presentes
medidas provisórias bem como do Supremo Tribunal Federal e do
Conselho Nacional de Justiça.17

Mais recentemente, considerando como a pandemia global causada pelo

Covid-19 tem impactado os centros de privação de liberdade, em geral, de forma

desproporcional, a Resolução da Presidência da Corte IDH, de 20 de abril de 2021,

solicitou que o Estado Brasileiro se manifestasse e fornecesse dados e respostas

a um rol de quesitos formulados no âmbito de cada uma das quatro medidas

provisórias sob supervisão que versam sobre o tema.

Feita a análise sobre o histórico das medidas provisórias emitidas pela

Corte Interamericana em Relação ao Brasil, passa-se à análise dos documentos

apresentados pelo Estado brasileiro como resposta ao quadro identificado.

17
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018, pontos resolutivos 1-14.

14
Complexo Penitenciário do Curado

3. DIAGNÓSTICO TÉCNICO E PLANO DE CONTINGÊNCIA

Primeiramente, cumpre destacar que uma das principais determinações

da Corte Interamericana de Direitos Humanos em relação ao Complexo do

Curado se refere à necessidade de elaboração de um Diagnóstico Técnico e de

um Plano de Contingência, a ser implementado pelo Poder Executivo (em

parceria com o Poder Judiciário, nos pontos em que houver interfaces, como o

item do controle dos índices de superlotação, aplicação da compensação penal,

etc). Segundo consta na própria decisão da Corte, em 2017, o Poder Executivo

elaborou o referido Diagnóstico Técnico e o apresentou à Corte IDH. A Corte

determina que o Estado (República Federativa do Brasil, com os seus poderes e

entes federados) comprove a implementação do Plano de Contingência

estruturado a partir do Diagnóstico Técnico. Além disso, o Estado deve

demonstrar, com base em dados estatísticos, que os resultados obtidos são

capazes de afastar a situação de grave risco detectada.

Até o momento, não houve a comprovação da implementação do Plano e

da apresentação de indicadores de cumprimento perante a Corte. Diante dessa

situação, em 19 de abril de 2022, o CNJ solicitou ao Grupo de Monitoramento e

Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça de Pernambuco

(GMF/PE) a cópia do Diagnóstico Técnico e Plano de Contingência, assim como

informações sobre a sua efetiva implementação. Nesse sentido, o GMF/PE

remeteu ao CNJ, em 16 de maio de 2022, os materiais solicitados, que serão a

seguir analisados.

O Diagnóstico Técnico enviado pelo GMF/PE destaca a preocupação com o

quadro populacional evolutivo de lotação das unidades prisionais no Estado de

Pernambuco, incluindo o Complexo do Curado. Assim, o Plano de Contingência

apresenta diversas ações com a finalidade de geração de vagas e realização de

transferências para redução da superlotação.

15
Complexo Penitenciário do Curado

De acordo com as informações fornecidas em 16/05/2022, foram

construídos, no ano de 2018, no Estado de Pernambuco, os Complexos Prisionais

de Itaquitinga I e II. Ademais, encontra-se pendente a construção da Unidade

Prisional de Araçoiaba, a qual comportaria 1.940 vagas para população masculina

e 814 vagas para população feminina, de acordo com o diagnóstico técnico.

Cumpre salientar, ainda, que, de acordo com os dados fornecidos,

configura-se uma ação contínua a transferência dos condenados, envolvendo

atividades de realização de levantamento das pessoas privadas de liberdade

(PPLs) condenadas definitivamente; e a transferência para outras vagas já

existentes no Estado.

Quanto à medida de transferência dos presos provisórios, consta-se como

ação contínua a realização de levantamento das PPLs que respondem até dois

processos criminais. Além disso, foram concluídas as transferências de 750 PPLs

para a primeira Unidade Prisional de Itaquitinga, sendo que, em agosto de 2022,

ainda restava como pendente a transferência da mesma quantidade para a

segunda Unidade Prisional de Itaquitinga. No mesmo sentido, não foram

concluídas as obras do Complexo Prisional de Araçoiaba.

Cumpre destacar, ademais, que consta como atrasada a liberação de

recursos para a construção de mais uma unidade prisional na Região

Metropolitana do Recife, bem como a apresentação de proposta ao DEPEN/MJ

para a construção de unidade prisional na Mata Norte do estado de Pernambuco.

Destaca-se, ainda, que, relativamente ao plano de contenção de lotação prisional,

não foi fixada a lotação máxima (limite de capacidade máxima) de cada

estabelecimento penal existente, além da definição do fluxo de notificação sobre

alcance da capacidade máxima de cada estabelecimento aos juízes criminais e de

execução penal do estado, bem como ao Ministério Público e Defensoria Pública

de Pernambuco.

16
Complexo Penitenciário do Curado

Outro ponto tratado no Plano de Contingência apresentado, refere-se às

melhorias na infraestrutura do Complexo Penitenciário do Curado. Entre as ações

previstas para essa temática, foi concluída a identificação e definição dos locais

que serão reformados no Complexo Penitenciário do Curado, contemplando

pavilhões administrativos, pavilhões de vivência e espaços destinados a grupos

vulneráveis. Constavam, ainda, como pendentes, em maio de 2022, as seguintes

propostas: elaboração de projetos, memoriais descritivos e planilhas

orçamentárias de todas as intervenções que serão realizadas nas unidades

prisionais do Complexo; articulação junto ao DEPEN/MJ para liberação de recursos

para a reforma das unidades prisionais do Complexo; liberação de recursos

necessários à realização das obras; e efetiva implementação das propostas.

Outro ponto em destaque no diagnóstico técnico se refere à necessidade

de revisão processual e alternativas ao encarceramento, haja vista a lotação das

unidades prisionais. De acordo com o documento, o estado de Pernambuco já

adota políticas de Alternativas Penais e de Monitoração Eletrônica de Pessoas.

Cita-se as seguintes políticas detalhadas no Parecer Técnico:

Vara de Execução de Penas Alternativas (VEPA), com abrangência da


capital Recife e demais cidades da Região Metropolitana, responsável por
acompanhar a execução de penas restritivas de direitos e ainda da
suspensão condicional da pena e do processo. Para o acompanhamento
dos cumpridores, a VEPA conta com o apoio do Centro Interdisciplinar de
Acompanhamento a Penas e Medidas Alternativas (CAPEMA), composto
por equipe multidisciplinar e capacitada, atuando a partir de uma
perspectiva de ultrapassar a esfera da fiscalização do cumprimento,
percebendo o sujeito em sua totalidade e complexidade sócio-econômica,
familiar, psicológica, não reduzido à condição de infrator.
No âmbito da articulação da Política Nacional de Alternativas Penais, o
DEPEN reconhece o trabalho desenvolvido pela CAPEMA como espaço de
excelência em termos de metodologia de acompanhamento de pessoas
em cumprimento de alternativas penais. Não obstante, o recorte
específico restrito a algumas espécies de alternativas penais e,
principalmente, a não interiorização de sua atuação acaba por impedir a
implementação de uma política judiciária sistêmica voltada à redução da
superpopulação prisional no Estado e à qualificação das intervenções em
conflitos e violência, ainda persistindo a centralidade da aplicação da
prisão como pena ou medida cautelar.

17
Complexo Penitenciário do Curado

A atuação do Poder Judiciário na área de alternativas penais é


complementada pelo Poder Executivo, que conta com a Gerência de
Penas Alternativas e Integração Social (GEPAIS), à qual estão associadas
Centrais de Apoio às Medidas e Penas Alternativas (CEAPAs). As CEAPAs
possuem atribuição de acompanhar medidas decorrentes de transações
penais, na capital, além de penas alternativas em algumas comarcas no
interior.
Apesar da atuação complementar, há pouca interlocução técnica e
metodológica entre a VEPA-CAPEMA e GEPAIS-CEAPAs, integração que
seria fundamental para o aperfeiçoamento metodológico da atuação do
Poder Executivo no Estado e, ainda, para a construção de estratégias
articuladas que possam posicionar as alternativas penais como caminho
capaz de intervir em conflitos e violências de forma mais efetiva do que a
prisão, contribuindo ainda para a redução do encarceramento em
Pernambuco. Merece destaque, a esse respeito, a enorme diferença entre
as taxas de reincidência apuradas nos serviços de alternativas penais e
nas prisões, indicando que a situação de privação de liberdade influencia
numa maior probabilidade de prática de novos delitos e/ou sujeição a
novos processos de criminalização.

Quanto a revisão processual e alternativas de encarceramento, foi

concluída a instituição da Política Estadual de Alternativas Penais, em alinhamento

com a Política Nacional (Portaria nº 495/2016 do MJ), para a fixação de metas de

redução de número de pessoas presas.

Ainda de acordo com as informações prestadas em maio de 2022,

constavam como pendentes as seguintes iniciativas: mutirão da “Defensoria sem

Fronteiras”; Implementação de Modelo de Gestão para atuação da Defensoria

Pública e Revisão da Instrução Normativa nº 15/2016 do Tribunal de Justiça,

promovendo alinhamento com as diretrizes nacionais previstas na Resolução nº

213/2015 do CNJ18 e ao modelo de gestão elaborado pelo DEPEN, em parceria com

o CNJ e PNUD/ONU.

Estavam em andamento, ademais, o Movimento Prisão Domiciliar; a adoção

de medidas voltadas à substituição da prisão preventiva por outras medidas

cautelares diversas da prisão, a serem acompanhadas pela Central de Alternativas

18
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 213 de 15 de dezembro de 2015. Dispõe sobre
a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas. Brasília, DF:
Conselho Nacional de Justiça, 2015. Disponível em:
https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2234#:~:text=RESOLVE%3A-
,Art.,realizou%20sua%20pris%C3%A3o%20ou%20apreens%C3%A3o.

18
Complexo Penitenciário do Curado

Penais ou pela Central de Monitoração Eletrônica; a avaliação de concessão de

benefícios e progressão de regime, considerando a necessidade de promoção do

desafogamento sistêmico do sistema prisional estadual; a implementação de

Centrais de Alternativas Penais conveniadas com o Departamento Penitenciário

Nacional; e a realização de Oficina de Capacitação e Alinhamento Metodológico

para as políticas de alternativas penais.

Por fim, o Plano de contingência dispõe sobre a garantia de direitos e da

integridade física dos apenados. De acordo com os dados fornecidos pelo GMF/PE,

no mencionado relatório de maio de 2022, ainda não haviam sido concluídas as

seguintes ações: nomeação e lotação de 06 defensores públicos para atuarem

nas demandas de execução penal relativas ao Complexo do Curado; Implantação

de Práticas de Justiça Restaurativa; reforço no alambrado das muralhas do

Complexo; construção de espaços destinados a grupos em situação de

vulnerabilidade, incluindo população LGBT; transferência de todas as pessoas

com deficiência em espaço único no PJALLB; verificação do espaço em

conformidade aos critérios nacionais pela SNPDPD (MDH) e DEPEN, em relação às

pessoas com deficiência.

Segundo as informações prestadas pelo GMF/PE, estariam sendo

realizadas, de modo contínuo, as ações relativas às inspeções mensais e à

elaboração de relatórios, nos termos da Lei de Execução Penal, Lei nº 7.210 de

198419. As informações acerca da realização de inspeções periódicas serão,

adiante, confrontadas aos achados da Missão Institucional realizada pelo CNJ ao

Estado.

Além do mais, o GMF informou que foram concluídas as fases de aquisição

de equipamentos de fiscalização eletrônica, incluindo suas instalações nas três

unidades do Complexo, bem como a construção de protocolo de garantia de

19
BRASIL. Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Brasília, DF:
Presidência da República, 2022. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm.

19
Complexo Penitenciário do Curado

direitos da população LGBTQIA+ (envolvendo a definição de fluxos e

procedimentos para garantia de direitos de pessoas privadas de liberdade da

população no Complexo e no sistema prisional estadual, com estratégia de

sensibilização e combate à LGBTfobia; constituição de Grupo de Trabalho entre os

atores envolvidos para elaboração da proposta de Protocolo, mapeamento da

população LGBT no Complexo do Curado e estratégia de sensibilização e combate

à LGBTfobia; e construção do Protocolo e estratégia de sensibilização e combate

à LGBTfobia).

Importa frisar que tais informações, conforme acima explicitado, foram

retiradas do Plano de Contingência, do Diagnóstico Técnico e da planilha com as

últimas atualizações quanto a implementação das ações previstas no referido

plano, enviadas pelo GMF/PE a este Conselho, na data de 16 de maio de 2022.

Feita a exposição dos dados relativos à implementação do Plano de

Contingência, passa-se à análise dos dados oficiais sobre o Complexo, que

foram coletados anteriormente a realização das inspeções pelo Conselho

Nacional de Justiça.

20
Complexo Penitenciário do Curado

4. ANÁLISE DOS DADOS OFICIAIS

O presente tópico apresentará as principais informações sobre o sistema

penitenciário pernambucano, com enfoque no Curado, coletadas a partir de

bancos de dados oficiais e nacionais, que possibilitam a comparabilidade entre as

realidades estaduais.

Utiliza-se, para tanto, principalmente os dados obtidos através do SISDEPEN

(Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça e

Segurança Pública) e do CNIEP (Cadastro Nacional de Inspeções nos

Estabelecimentos Penais). Os dados coletados pelos sistemas nacionais oficiais

serão, em seguida, confrontados aos dados apresentados pelo Estado de

Pernambuco ao Conselho Nacional de Justiça, a fim de identificar possíveis

inconsistências nos fluxos de registro e alimentação dos sistemas nacionais, que

podem impactar o diagnóstico sobre o sistema prisional pernambucano.

4.1 Panorama Geral em Pernambuco

Em relação ao panorama geral do sistema prisional do Estado de

Pernambuco, de acordo com o último levantamento do SISDEPEN (DEPEN/MJ)20,

referente a dezembro de 2021, foi informada a existência de 49.715 pessoas

privadas de liberdade no Estado, sendo que 30% destes são presos sem

condenação definitiva. O contingente de pessoas privadas de liberdade no Estado

teve aumento de 92% na última década, passando de 25 mil pessoas em 2011

para 49 mil em 2021, conforme gráfico abaixo:

20
O banco de dados do SISDEPEN contém informações de todas as unidades prisionais brasileiras,
incluindo dados de infraestrutura, seções internas, recursos humanos, capacidade, gestão,
assistências, população prisional, perfil das pessoas presas, entre outros. Disponível em:
https://www.gov.br/depen/pt-br/servicos/sisdepen/relatorios-e-manuais/bases-de-dados.

21
Complexo Penitenciário do Curado

Gráfico 1 – Evolução da população privada de liberdade no Estado do Pernambuco

Fonte: SISDEPEN, dezembro de 2021.

O estado registra, ainda, a 8ª maior taxa de encarceramento do país (513,8

pessoas presas a cada 100 mil habitantes).

Gráfico 2 – Taxa de encarceramento por 100 mil habitantes, por UF

Fonte: SISDEPEN, dezembro de 2021.

4.2 Lotação e Superpopulação Prisional

Em relação às unidades que compõem o Complexo do Curado, quais sejam,

o Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo – PAMFA, o Presídio Frei Damião de

Bozano – PFDB, e o Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros – PJALLB, os dados

demonstram que todos estão acima do limiar de superlotação.

22
Complexo Penitenciário do Curado

No PAMFA, segundo dados de dezembro de 2021, do SISDEPEN, existem

2.066 pessoas custodiadas na unidade, que conta com 480 vagas, o que

representa uma taxa de ocupação de 430,4%. Foram realizadas, ainda, na

unidade, 58 inspeções desde dezembro de 2012, sendo que a última inspeção

realizada, de abril do corrente ano, apontou a situação de superlotação e

condições regulares.

No PFDB, por sua vez, segundo dados de dezembro/2021, do SISDEPEN,

existem 2.027 pessoas custodiadas na unidade, que conta com 455 vagas, o que

representa uma taxa de ocupação de 445,5%. Foram realizadas, ainda, na

unidade, 63 inspeções desde dezembro de 2012, sendo que a última inspeção

realizada, em abril do corrente ano, apontou a situação de superlotação e

condições regulares.

Em relação ao PJALLB, segundo dados de dezembro de 2021, do SISDEPEN,

existem 2.604 pessoas custodiadas na unidade, que conta com 902 vagas, o que

representa uma taxa de ocupação de 288,7%. Foram realizadas, ainda, na

unidade, 63 inspeções desde dezembro de 2012, sendo que a última inspeção

realizada, em abril do corrente ano, apontou a situação de superlotação e

condições regulares.

Como consequência da situação de superlotação, os dados do CNIEP

apontam para a quantidade de presos por agente penitenciário dentro das

unidades prisionais. Em dezembro de 2021, as unidades PAMFA e PFDB

registravam um total de 30 presos para cada agente penitenciário. No PJALLB esse

número chegava a 32 presos por agente.

4.3 Atenção à saúde

Foram analisados, ainda, os dados relativos à atenção à saúde nas unidades

prisionais do Complexo do Curado. De acordo com os dados do SISDEPEN, no

PAMFA, foram realizados, ao longo do ano de 2021, 2.386 atendimentos médicos.

23
Complexo Penitenciário do Curado

Em relação ao PFDB, foram realizados 3.305 atendimentos médicos. No PJALLB,

por sua vez, foram realizados 3.888 atendimentos médicos. Ressalta-se que tais

dados incluem consultas realizadas dentro das unidades prisionais (pelas equipes

médicas instaladas nas unidades) e fora das unidades, na rede pública de saúde,

mediante deslocamento das pessoas privadas de liberdade. Como pode se

observar no gráfico a seguir, as consultas externas representam uma pequena

parcela dos atendimentos médicos realizados nas unidades, o que compõe o

cenário de baixo acesso a atendimento de saúde especializada, disponível na rede

de saúde.

Gráfico 3 – Total de atendimentos médicos realizados no ano de 2021, de acordo com o

tipo

Fonte: SISDEPEN, dezembro de 2021.

Ainda em relação às medidas de acesso à saúde, destaca-se que o PAMFA

possui 159 pessoas privadas de liberdade para cada servidor da equipe de

saúde21, enquanto o PFDB possui 169 e o PJALLB, 130 presos por servidor de

saúde. Foram analisadas em detalhe as informações disponíveis nas bases de

dados oficiais acerca da composição das equipes e disponibilidade de

equipamentos de saúde nas unidades prisionais do Complexo.

21
Consideram-se, na equipe de saúde, os profissionais informados nas seguintes especialidades:
enfermeiros, auxiliar e técnico de enfermagem, psicólogos, dentistas, técnico e auxiliar
odontológico, médico clínico geral, médico ginecologista, médico psiquiatra, médico outras
especialidades e terapeutas.

24
Complexo Penitenciário do Curado

Gráfico 4 – Número de pessoas privadas de liberdade por servidor da equipe de saúde

Fonte: SISDEPEN, dezembro de 2021.

De acordo com os dados do SISDEPEN, as três unidades prisionais contam

com estrutura de consultório médico, consultório odontológico e farmácia/sala de

estoque. Os referidos dados mostram ainda que em dezembro de 2021, havia no

PAMFA um médico clínico geral, um médico psiquiatra e um dentista. Não foram

registradas outras especialidades na unidade. Quanto ao PJALLB, foram

informados dois médicos clínicos gerais, um médico psiquiatra e dois dentistas,

sem registros de outras especialidades médicas. Por fim, quanto ao PFDB,

informou-se a existência de um médico clínico geral, um médico psiquiatra, um

dentista e um profissional da saúde de especialidade diversa.

Ainda segundo os dados oficiais de dezembro do ano de 2021, foram

analisados os registros de casos de agravos transmissíveis identificados entre a

população privada de liberdade nas unidades prisionais. Os agravos registrados

compreendem os casos de HIV, Sífilis, Hepatite e Tuberculose. No PAMFA, foram

registrados 95 casos de agravos transmissíveis, o PJALLB registrou 109 casos, e o

PFDB 214 casos.

Em relação à taxa de mortalidade geral, que contempla os óbitos naturais,

acidentais e aqueles por causas externas, o presídio Frei Damião de Bozano possui

25
Complexo Penitenciário do Curado

a taxa mais elevada entre as unidades do Complexo, registrando 444 mortes por

100 mil presos, com um total de 9 mortes registrados em 2021. O Presídio ASP

Marcelo Francisco de Araújo possui uma taxa de 193,6 mortes a cada 100 mil

pessoas privadas de liberdade, com um total de 4 mortes registrados em 2021; e

o Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros possui uma taxa de 153,6 mortes por

100 mil presos, com um total de 4 óbitos registrados no ano de 2021.

4.4 Atividade Laboral e Educacional

Foram analisados os registros oficiais acerca do acesso da população privada de

liberdade às atividades educacionais e laborais. No PAMFA, registrou-se que 5,7%

das pessoas privadas de liberdade desempenham alguma atividade laboral. Em

relação ao mesmo quesito, o PFDB possui uma taxa de 4,4% e PJALLB, 5,8%.

Quanto às pessoas que estão em atividade educacional, o PAMFA possui uma taxa

de 2,7%, o PFDB, de 9,6% e o PJALLB, também 9,6%. Os índices registrados atestam

o baixo acesso da população custodiada no Complexo aos direitos preconizados

pela Lei de Execução Penal.

26
Complexo Penitenciário do Curado

Gráfico 5 – Percentual de pessoas privadas de liberdade em atividade laboral e educacional

Fonte: SISDEPEN, dezembro de 2021.

27
Complexo Penitenciário do Curado

5. HISTÓRICO DA ATUAÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

5.1 A Atuação da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da

Corte Interamericana de Direitos Humanos

Em 12 de janeiro de 202122, o Conselho Nacional de Justiça editou a

Resolução nº 364, que instituiu a Unidade de Monitoramento e Fiscalização de

decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (UMF) no âmbito do

Conselho Nacional de Justiça, vinculada ao Departamento de Monitoramento e

Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas

Socioeducativas (DMF).

O objetivo principal da Unidade é adotar as providências necessárias para

monitorar e fiscalizar as medidas adotadas pelo Poder Público para o

cumprimento das sentenças, medidas provisórias e opiniões consultivas

proferidas pela Corte Interamericana envolvendo o Estado brasileiro.

Especificamente em relação aos casos sobre Sistema Prisional e Sistema

de Justiça Criminal, a atividade da UMF Corte IDH tem dialogado com a política

pública judicial desenvolvida pelo Programa Fazendo Justiça (parceria CNJ, PNUD

e DEPEN).

Nesse diapasão, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH)

convocou este Conselho Nacional de Justiça para fornecer subsídios atinentes às

unidades prisionais que são objeto de Medidas Provisórias (decisões vinculantes

22
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 364 de 12 de janeiro de 2021. Dispõe sobre a
instituição da Unidade de Monitoramento e Fiscalização de decisões e deliberações da Corte
Interamericana de Direitos Humanos no âmbito do Conselho Nacional de Justiça. Brasília, DF:
Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:
https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3659#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20institui%C3%
A7%C3%A3o%20da,do%20Conselho%20Nacional%20de%20Justi%C3%A7a.&text=DJe%2FCNJ%20
n%C2%BA%208%2F2021,2%2D3.

28
Complexo Penitenciário do Curado

no âmbito das tutelas de urgência), a saber: Unidade Socioeducativa/ES,

Complexo Penitenciário do Curado/PE, Complexo Penitenciário de Pedrinhas/MA

e Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho/RJ.

A audiência conjunta para monitoramento das medidas provisórias

ocorreu em 2 de junho de 2021. Foram organizadas reuniões relativas a cada

caso específico, com os peticionários, representantes do Poder Executivo,

membros da Ministério Público, Defensorias Públicas e Poder Judiciário,

incluindo o Complexo do Curado.

Elaborou-se, ainda, um Informe23 sobre o cumprimento das medidas

provisórias relativas às quatro unidades, com especial ênfase à situação do

sistema prisional e socioeducativo brasileiros em relação à pandemia de Covid-

19. No documento apresentado à Corte IDH, além das ações que já estavam em

curso pelo Programa Fazendo Justiça e com base no relato dos peticionários, a

UMF propôs uma série de encaminhamentos, em diálogo com os Eixos do

Programa Fazendo Justiça.

Dentre as propostas de atuação e tendo em vista o Incidente de Resolução

de Demandas Repetitivas (IRDR) n. 0008770-65.2021.8.17.9000, destaca-se a

proposta de elaborar uma manifestação do CNJ atinente à viabilidade do

cômputo em dobro da pena, conforme a Resolução da Corte IDH e nos mesmos

moldes da que foi formulada pelo CNJ em relação à Medida Provisória do

Instituto Penal Plácido Sá Carvalho – IPPSC.

No curso do IRDR em epígrafe, a UMF foi convidada pelo Des. Relator

Cláudio Jean Nogueira Virgínio para apresentar informações relevantes sobre

23
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Informe sobre as medidas provisórias adotadas em
relação ao Brasil. Brasília: CNJ, 2021. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2021/06/Medidas_Provisorias_adotadas_em_relacao_ao_Brasil_2021-06-
16_V5.pdf.

29
Complexo Penitenciário do Curado

questões atinentes à implementação da decisão da Corte IDH concernente à

resolução sobre medidas provisórias adotadas em 28 de novembro de 2018.

O Parecer formulado pela UMF/CNJ veicula, inicialmente, um resgate sobre

o contexto de adoção da tutela de urgência interamericana deferida em face da

gravíssima situação observada no Complexo do Curado. Na sequência,

deslinda-se o instituto da compensação penal, com o enfrentamento das

questões centrais da controvérsia apontadas pelo Ministério Público de

Pernambuco, opinando, finalmente, pela aplicabilidade imediata do cômputo

em dobro como critério para aplicação da compensação penal, conforme razões

explicitadas naquele documento.

O Parecer foi encaminhado ao Grupo de Monitoramento e Fiscalização do

TJPE (GMF/PE) em 16/11/2021, para que o órgão promovesse a juntada da peça

informativa nos autos do IRDR n. 0008770-65.2021.8.17.9000.

De outra parte, em relação à prevenção e combate à prática de tortura,

cumpre destacar que o Conselho Nacional de Justiça editou, em setembro de

2021, a Resolução CNJ nº 41424, ato normativo que estabelece diretrizes e

quesitos periciais para a realização dos exames de corpo de delito nos casos em

que haja indícios de prática de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos

ou degradantes, conforme os parâmetros dispostos no Protocolo de Istambul

da Organização das Nações Unidas.

O estudo para elaboração do texto foi iniciado após consulta sobre os

quesitos-padrão adotados no Brasil realizada pela organização inglesa

International Bar Association’s Human Rights Institute, pela Iniciativa

Antitortura da American University (EUA) e pela Sira – Grupo de Acción

24
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 414 de 02 de setembro de 2021. Estabelece
diretrizes e quesitos periciais para a realização dos exames de corpo de delito nos casos em que
haja indícios de prática de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes,
conforme os parâmetros do Protocolo de Istambul, e dá outras providências. Brasília, DF: Conselho
Nacional de Justiça, 2021. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4105.

30
Complexo Penitenciário do Curado

Comunitaria (Espanha). Neste processo, também colaboraram o Conselho

Nacional do Ministério Público (CNMP) e o Departamento Penitenciário Nacional

(Depen).

O ato normativo busca contemplar as diversas fases processuais,

definindo diretrizes e procedimentos a serem adotados pelos integrantes da

magistratura na realização de audiências e outros atos processuais da jurisdição

criminal e infanto-juvenil, bem como em inspeções judiciais a estabelecimentos

de privação de liberdade. O regramento delineado pelo ato normativo abrange

desde as audiências de custódia ou de apresentação de adolescentes até a

execução da pena privativa de liberdade ou medida socioeducativa.

Conforme o ato aprovado pelo plenário do CNJ, em audiências e demais

atos processuais na jurisdição criminal e infantojuvenil, juízes e juízas deverão

inquirir e analisar as condições de apresentação da pessoa privada de

liberdade, de sua detenção e o tratamento a ela conferido a fim de identificar

indício de prática de tortura ou de maus-tratos, especialmente nos casos de

pessoas sob custódia.

Informa-se, ademais, que foi elaborada, em dezembro de 2021, orientação

técnica do CNJ sobre a atualização dos protocolos de prevenção da COVID-19

em espaços de privação de liberdade. Esse documento, que discrimina os

protocolos de prevenção mais adequados, concomitantemente, não descuida

de recomendar medidas de redução da violação de direitos das pessoas presas

e de adolescentes em privação de liberdade.

Além disso, foi realizada a Missão Institucional e visita in loco da UMF a

Recife, no escopo das providências para o cumprimento das Medidas Provisórias

outorgadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Complexo

Penitenciário de Curado/PE. As atividades programadas ocorreram entre os dias

27/03/2022 (data do deslocamento de ida) a 29/03/2022 (data de retorno).

31
Complexo Penitenciário do Curado

A delegação da UMF, apresentou a seguinte composição: Luís Geraldo

Sant’Ana Lanfredi (diretor do DMF e coordenador institucional da UMF), Mauro

Pereira Martins (Conselheiro do CNJ e supervisor do DMF), Isabel Penido de

Campos Machado (então Coordenadora Executiva da UMF), Renata Chiarinelli

Laurinho (chefe de gabinete do DMF e que também atuou substancialmente na

elaboração dos informes à Corte IDH, além de gerir a interlocução entre UMF e

Programa Fazendo Justiça), Caroline Tassara (que é o ponto focal do DMF em

relação ao eixo 1 do Programa Fazendo Justiça, que trata de iniciativas como o

cômputo em dobro) e Melina Machado Miranda (ponto focal do DMF em relação

ao eixo 3 do Programa, focado na promoção de cidadania nas unidades prisionais

e atendimento às pessoas egressas) e, ainda, Carolini Carvalho de Oliveira

(supervisora do DMF).

A Missão compreendeu uma série de reuniões de trabalho com autoridades

locais sobre providências necessárias para o cumprimento da decisão

interamericana e com vistas ao debate sobre as medidas possíveis de

implementação, sobretudo em relação à elaboração de um plano de trabalho e à

operacionalização de proposta de laudo multidisciplinar para os crimes graves

(STJ, HC nº 660332/RJ), adotando-se como marco experiências exitosas nacionais

e internacionais e em estrita observância ao comando da Corte IDH.

Ademais, a Missão buscou estreitar o diálogo com a sociedade civil e de

fomentar o debate acadêmico sobre o caso e sobre as medidas processuais

penais atinentes à matéria, com ênfase no controle de convencionalidade, e

mediante a participação dos seus integrantes em evento realizado na

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), denominado "Implicações jurídicas

da medida provisória do cômputo em dobro no Direito Interno Brasileiro: a atuação

do CNJ como órgão de monitoramento das decisões da Corte IDH", o qual visou

fomentar a discussão sobre a compensação penal e trazer uma maior visibilidade

para o assunto no âmbito acadêmico.

32
Complexo Penitenciário do Curado

Segue sistematização das atividades realizadas durante a missão no quadro

a seguir:
Tabela 1 – Atividades realizadas durante a Missão Institucional no Complexo

Penitenciário de Curado/PE

Recife - Caso Complexo Penitenciário de Curado

DIA 28/03

Horário Encontros
9h00 Reunião na Sala da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco,
da equipe da UMF com o Presidente do TJPE, o desembargador Luiz Carlos de
Barros Figueirêdo; com o Desembargador Mauro Alencar de Barros,
Supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do
Estado de Pernambuco (GMF PB); e com os juízes de direito Roberto Costa Bivar
e Cícero Bitencourt, titulares da Segunda Vara Regional de Execução Penal.
10h30 Reunião na Sala do GMF do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, da
equipe da UMF com com o Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado
de Pernambuco, Eduardo Gomes de Figueiredo; com o Desembargador
Mauro Alencar de Barros, Supervisor do Grupo de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário do Estado de Pernambuco (GMF PB); e com
os juízes de direito Roberto Costa Bivar e Cícero Bitencourt, titulares da
Segunda Vara Regional de Execução Penal, destinada ao debate acerca de
proposta de avaliação técnica multidisciplinar, em cumprimento ao HC
660332/RJ e operacionalização de um plano de trabalho.
16h00 Reunião na sede do Ministério Público Federal, com o Foro de Acompanhamento
das Medidas Provisórias da Corte IDH, presidido pela Procuradora da República,
Carolina de Gusmão Furtado, destinada à exposição do trabalho da UMF.
19h00 Evento conjunto realizado pela UMF e pela UFPE, denominado “Implicações
jurídicas da medida provisória do cômputo em dobro no Direito Interno Brasileiro: a
atuação do CNJ como órgão de monitoramento das decisões da Corte IDH”, no Salão
Nobre desta última, com o fim de fomentar o debate acadêmico e a disseminação
das deliberações da Corte IDH, com a colaboração da Professora Adjunta da
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, Flavianne
Fernanda Bitencourt Nóbrega, coordenadora do Projeto de Extensão “Acesso
ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos” e com a participação do reitor da
Universidade, o professor Alfredo Gomes e ilustre presença dos Representantes
dos peticionários no caso das Medidas Provisórias em relação ao Complexo
Penitenciário de Curado/RE, Wilma Melo, Monique Cruz, Michel Seichi
Nakamura, André Carneiro Leão e Pedro de Paula Almeida Lopes.
DIA 29/03
Horário Encontros
08h30 Reunião no prédio sede da DPU e da DPE com os representantes dos
peticionários no caso das Medidas Provisórias em relação ao Complexo
Penitenciário de Curado/RE (Wilma Mello-SEMPRI e Monique Cruz-Justiça Global),
com a participação de André Carneiro Leão e Ana Ehardt, representando a
Defensoria Pública da União, de Gabriela Lima Andrade, Henrique da Fonte
Araújo de Souza e Michel Seichi Nakamura, representando a Defensoria
Pública do Estado.

33
Complexo Penitenciário do Curado

5.1.1. Capacitações realizadas pela UMF/CNJ e a Promoção dos parâmetros


interamericanos

A partir da criação da UMF/CNJ, criou-se uma estrutura que permite a

assunção de novos compromissos no que concerne o fortalecimento da cultura

de Direitos Humanos no Poder Judiciário. Dentre eles, o Pacto Nacional do

Judiciário pelos Direitos Humanos consiste na adoção de medidas variadas

voltadas para a concretização dos Direitos Humanos no âmbito do Poder

Judiciário.

A elaboração e promoção do Pacto, bem como a consecução das atividades

nele inseridas são esforços efetuados pela UMF/CNJ, vinculada ao DMF/CNJ. Essa

iniciativa é voltada para o fortalecimento da cultura de Direitos Humanos no

Poder Judiciário, à prestação jurisdicional efetiva e orientada pelos parâmetros

constitucionais e tratados internacionais, com ênfase no controle de

convencionalidade. Dentre suas ações iniciais, destacam-se as seguintes:

a) "Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos


Humanos", com ênfase no controle de convencionalidade e na
jurisprudência interamericana;
b) Meta de inclusão da disciplina de Direitos Humanos nos editais dos
concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura em todas as
esferas do Poder Judiciário nacional, com destaque ao sistema
interamericano, jurisprudência da Corte Interamericana, controle de
convencionalidade, jurisprudência do STF em matéria de tratados de
Direitos Humanos e diálogos jurisdicionais.
c) Fomento a programas de capacitação em Direitos Humanos e controle
de convencionalidade em todas as esferas federativas, em cooperação
com as Escolas Judiciais Estaduais e Federais, em parceria com a ENFAM,
a Corte Interamericana de Direitos Humanos, a Comissão Interamericana
e o Max-Planck- Institute for Comparative Public Law and International
Law, com destaque ao controle de convencionalidade; à jurisprudência
interamericana; aos diálogos jurisdicionais; e ao impacto transformador
do sistema interamericano considerando a experiência regional e
brasileira.
d) Publicação dos "Cadernos de Jurisprudência do STF: Concretizando
Direitos Humanos", com volumes específicos dedicados à relevantes
temas da agenda de Direitos Humanos, como Direitos Humanos das

34
Complexo Penitenciário do Curado

mulheres, das pessoas LGBTI, dos povos indígenas, da população


afrodescendente, das pessoas privadas de liberdade, liberdade de
expressão, dentre outros. A publicação contará com o apoio institucional
do Max-Planck-Institute for Comparative Public Law and International
Law.
e) Seminário internacional sobre "Direitos Humanos e Diálogos
Jurisdicionais: Controle de Convencionalidade", com Ministros(as) do STF,
do STJ, Juízes da Corte Interamericana, membros da Comissão
Interamericana e experts na área, para ampla promoção e divulgação do
Pacto Nacional do Judiciário pelos Direitos Humanos, fomentando sua
adesão em todas as esferas jurisdicionais.

Cita-se, também, no sentido de promoção da educação em direitos

humanos, a edição da Recomendação n. 123/2022 do CNJ25, que recomenda aos

órgãos do Poder Judiciário brasileiro a observância dos tratados e convenções

internacionais de Direitos Humanos e o uso da jurisprudência da Corte

Interamericana de Direitos Humanos, bem como a necessidade de controle de

convencionalidade.

O instrumento cumpre indispensável papel na harmonização entre

disposições legais internas e os tratados internacionais que versem sobre direitos

humanos, contribuindo sobremaneira para a uniformização do dever de seguir as

orientações do direito interamericano internamente.

A Recomendação orienta expressamente ao Judiciário brasileiro, ainda, em

seu artigo 1º, inciso II, "a priorização do julgamento dos processos em tramitação

relativos à reparação material e imaterial das vítimas de violações a direitos

humanos determinadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em

condenações envolvendo o Estado brasileiro e que estejam pendentes de

cumprimento integral."

25
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação n° 123, de 7 de janeiro de 2022.
Recomenda aos órgãos a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos
humanos e o uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Brasília, CF:
Conselho Nacional de Justiça, 2022. Disponível em: chrome-
extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://atos.cnj.jus.br/files/original151935202201
1161dda007f35ef.pdf.

35
Complexo Penitenciário do Curado

Desta feita, a Recomendação 123/202226 concretiza a atuação do Conselho

Nacional de Justiça na busca não somente pelo cumprimento das decisões

interamericanas, mas também pela agilidade e prioridade que devem caracterizar

os procedimentos instaurados para efetivar a jurisprudência do colegiado

internacional no Brasil.

Além disso, a Recomendação consiste em um ato normativo de incentivo à

capacitação em controle de convencionalidade aos magistrados e magistradas do

Sistema de Justiça. Inclusive, como decorrência do ato, reporta-se que, entre 11

de março a 11 de novembro deste ano, foi realizado o curso “A importância da

jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos para o Direito

brasileiro”, ofertado pela Escola Paulista de Magistratura.

É oportuno mencionar, ainda, a realização do primeiro curso de capacitação

em Direitos Humanos e Controle de Convencionalidade, fruto da parceria entre a

Escola Paulista de Magistratura (EPM), a Escola Nacional de Formação e

Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) e a presente Unidade, configurando

uma das iniciativas que integram o Pacto Nacional do Judiciário pelos Direitos

Humanos.

O “Curso de Capacitação em Direitos Humanos e Controle de

Convencionalidade” contou com uma rica programação, composta por aulas

acerca de temas caros ao estudo dos Direitos Humanos, oferecidas por grandes

nomes, referências em nível internacional.

Essa iniciativa contou com palestras de 5 Juízes da Corte IDH, de

Comissionados e Comissionadas da CIDH, bem como de acadêmicos e

magistrados brasileiros e estrangeiros. Esse Curso foi um projeto piloto, que

26
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação n° 123, de 7 de janeiro de 2022.
Recomenda aos órgãos a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos
humanos e o uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Brasília, CF:
Conselho Nacional de Justiça, 2022. Disponível em: chrome-
extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://atos.cnj.jus.br/files/original151935202201
1161dda007f35ef.pdf.

36
Complexo Penitenciário do Curado

ensejará replicação em demais Escolas Judiciais e de Magistratura, garantindo-se

a difusão dos estândares interamericanos, em observância às realidades locais e

regionais.

No que se refere ao cumprimento de medidas determinadas pela Corte IDH

no âmbito do Complexo do Curado, destaca-se a realização da palestra

“Jurisprudência Interamericana: Liberdade, Diálogos Jurisprudenciais e

Compensação Penal”, com a presença do Professor argentino Pablo Vacani27, que

apresenta pesquisas relevantes sobre o tema.

A partir deste painel destaca-se a preocupação em discutir os parâmetros

para a realização da compensação penal. Ademais, em linhas gerais o referido

curso, buscou-se cumprir as reiteradas determinações da Corte IDH no sentido de

promover capacitações dos atores do Sistema de Justiça em direitos humanos,

como garantia de não repetição das graves violações verificadas

internacionalmente.

Um outro evento recente que merece destaque é a terceira edição do

“Fórum Nacional em Alternativas Penais”, conhecido como FONAPE, cujo tema foi

o ‘Encarceramento em Massa e Alternativas à Prisão: 30 anos das Regras de

Tóquio das Nações Unidas’. Esta edição, que faz parte das atividades do programa

Fazendo Justiça, parceria entre o CNJ e o PNUD, se desdobrou em vários painéis

com especialistas nacionais e internacionais.

Dentre os painéis, cabe destacar o que versou sobre: “A regulação de vagas

no Sistema Prisional: Boas Práticas Internacionais e parâmetros do Conselho

Nacional de Justiça”, composto pelo Professor Pablo Vacani; Leonel Peña,

Magistrado da Colômbia; Isabel Penido (então Coordenadora da UMF/CNJ); Rafael

27
Para mais informações sobre o conteúdo deste painel e o Curso de Capacitação, em sua
totalidade: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Curso de Capacitação: Controle de
Convencionalidade. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/poder-judiciario/relacoes-
internacionais/monitoramento-e-fiscalizacao-das-decisoes-da-corte-idh/pacto-nacional-do-
judiciario-pelos-direitos-humanos/curso-de-capacitacao-controle-de-convencionalidade/.

37
Complexo Penitenciário do Curado

Barreto (então Coordenador Adjunto do Eixo Proporcionalidade Penal do

Programa Fazendo Justiça28).

Também deve ser relembrado o evento “Implicações jurídicas da medida

provisória do cômputo em dobro no Direito Interno Brasileiro: a atuação do CNJ

como órgão de monitoramento das decisões da Corte IDH”, mencionado

anteriormente, realizado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que

teve como objetivo discutir sobre a supervisão do cumprimento das medidas

provisórias da Corte Interamericana no caso do Complexo do Curado.

Iniciativas no sentido da capacitação são importantes para uma agenda de

implementação de direitos humanos. Não suficientemente, demonstra-se a

realização de atividades sobre os impactos jurídicos da decisão das Corte IDH, em

prol da aplicação do instituto da compensação penal e a favor da salvaguarda dos

direitos humanos.

Além destes cursos, diversas outras ações do Pacto Nacional do Judiciário

pelos Direitos Humanos se relacionam com o cumprimento das Medidas

Provisórias determinadas no caso do Complexo do Curado.

Sob esta perspectiva, destaca-se que o “Concurso Nacional de Decisões

Judiciais e Acórdão em Direitos Humanos”, com ênfase no controle de

convencionalidade e na jurisprudência interamericana29. Em suma, o concurso

visa premiar decisões judiciais ou acórdãos fundamentados na proteção e

promoção dos Direitos Humanos, de modo a assegurar a proteção à diversidade

e às vulnerabilidades em suas inúmeras vertentes.

28
Para mais informações sobre a programação: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. 3° Fórum
Nacional de Alternativas Penais. Disponível em: https://fonape2021.com.br/.
29
Para mais detalhes sobre esta seleção, consultar o edital: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.
Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/02/edital-concurso-nacional-de-decisoes-
judiciais-e-acordaos-em-direitos-humanos.pdf.

38
Complexo Penitenciário do Curado

Dentre as categorias de premiação, há uma categoria específica intitulada:

“Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade”, a qual compreende decisões

judiciais e acórdãos voltados à efetivação dos direitos da população carcerária.

Além do concurso, outro objetivo específico que merece ser pontuado é a

publicação “Linhas Jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal e Direitos

Humanos”, com o apoio institucional do Max-Planck-Institute for Comparative

Public Law and International Law. O conteúdo desta publicação engloba

relevantes temas da agenda de Direitos Humanos. Dentre eles, destaca-se,

novamente, a preocupação em tratar dos direitos relativos às pessoas privadas

de liberdade.

5.2 A Atuação do Programa Fazendo Justiça

O programa Fazendo Justiça é resultado da parceria entre o Conselho

Nacional de Justiça e o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento para a superação de desafios históricos que caracterizam

a privação de liberdade no Brasil. Desta forma, atua para a superação de desafios

estruturais do sistema penal e do sistema socioeducativo a partir do

reconhecimento do estado de coisas inconstitucional nas prisões brasileiras pelo

Supremo Tribunal Federal. Trata-se da continuidade de parceria iniciada em 2019

entre o Conselho Nacional de Justiça e o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento, com importante apoio do Ministério da Justiça e Segurança

Pública e outras colaborações envolvendo o setor público, o setor privado e a

sociedade civil.

O programa trabalha, em suma, em todo o ciclo penal e socioeducativo,

desde o momento da apreensão até o fim da responsabilização, passando por

soluções de gestão com o apoio da tecnologia e fomento às boas práticas.

Compreende, ainda, um plano nacional com 28 ações para as diferentes fases do

39
Complexo Penitenciário do Curado

ciclo penal e do ciclo socioeducativo, adaptado à realidade de cada unidade da

federação com o protagonismo dos atores locais. As ações reúnem as melhores

práticas de diferentes gestões do CNJ e se desdobram em apoio técnico, doação

de insumos e articulação institucional.

Por seu caráter abrangente, o programa está alinhado a diversos Objetivos

de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, em especial, o Objetivo 16 –

Paz, Justiça e Instituições Eficazes. Ademais, está estruturado em eixos temáticos

de ação, que se subdividem em diferentes iniciativas. Dentre os eixos, encontra-

se o Eixo 1, o qual tem por foco a proporcionalidade penal. Para tanto, suas ações

são articuladas em cinco frentes: controle da superlotação carcerária; audiências

de custódia; alternativas penais; justiça restaurativa e gestão de dados. O Eixo 2

ocupa-se com o sistema socioeducativo. O Eixo 3 está ligado à cidadania,

desenvolvendo atividades concernentes ao fortalecimento e qualificação dos

escritórios sociais, ao Plano Nacional de Geração de Trabalho e Renda, dentre

outras atividades. O Eixo 4, por sua vez, ocupa-se com os sistemas e identificação

civil, englobando, nesse diapasão, o Sistema Eletrônico de Execução Unificado

(SEEU). Por fim, há o Eixo 5, relativo à gestão e ações transversais, o qual

desenvolve atividades correlacionadas ao fortalecimento dos GMFs, à atenção às

vítimas, à articulação internacional e proteção dos direitos humanos, dentre

outras funções.

40
Complexo Penitenciário do Curado

Figura 1 – Estrutura do Programa Fazendo Justiça

Fonte: CNJ.

Nesse sentido, importa destacar as ações desempenhadas pelo Programa

Fazendo Justiça, no âmbito deste Conselho Nacional de Justiça, que estão

relacionadas à implementação das Medidas Provisórias determinadas pela Corte

Interamericana de Direitos Humanos no caso do Complexo do Curado.

Cita-se, inicialmente, que, conforme destacado no Diagnóstico Técnico

enviado à Corte, a monitoração eletrônica é um dos meios que podem contribuir

de forma efetiva para a redução da superpopulação prisional no estado. Nesse

sentido, merece destaque a recente formação promovida por este Conselho, no

contexto do programa Fazendo Justiça, relativa à 1ª Atualização Regional em

Monitoração Eletrônica30, que teve duração de três dias e iniciou-se no dia 13 de

junho de 2022.

O evento reuniu mais de 250 profissionais de varas judiciais e centrais de

monitoração de estados das regiões Nordeste e Centro-Oeste, além do Amazonas,

contando, inclusive, com representantes do estado de Pernambuco. Uma das

30
Para mais informações, acessar: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Formação no NE, CO e AM
promove atualização em monitoração eletrônica. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-
promove-atualizacao-em-monitoracao-eletronica-para-nordeste-centro-oeste-e-amazonas/.

41
Complexo Penitenciário do Curado

pautas foi relativa à Resolução CNJ nº 412/202131, a qual dispõe de diretrizes e

procedimentos na aplicação e acompanhamento da medida pelo Poder Judiciário

e centrais de monitoração eletrônica. Foi destacado, ademais, o uso da

monitoração eletrônica como forma alternativa ao encarceramento e modo pelo

qual atende a importantes marcos internacionais na área de direitos humanos e

desenvolvimento da sociedade, bem como uma ferramenta em potencial para

enfrentar o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro,

evitando o custo social e econômico da prisão.

Merece destaque, ainda, a recente reunião com a participação de

representantes de diferentes órgãos do Sistema de Justiça do estado de

Pernambuco, no dia 14 de junho de 2022, incluindo representantes do CNJ. A

reunião teve como principal enfoque a análise de um Termo de Cooperação

Técnica para a implantação do Plano Estadual da Política Nacional de Trabalho,

destinado a pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional,

iniciativa do programa Fazendo Justiça. Destaca-se, nesse contexto, a busca de

ações relativas à melhoria do ambiente de trabalho nas unidades prisionais do

estado, bem como a implementação de projetos de apoio e inserção produtiva

aos apenados e egressos do sistema prisional.

Em atenção ainda ao contexto fático das medidas provisórias outorgadas

com relação ao Complexo do Curado e como desdobramento da edição da

Resolução n° 41432, cumpre reforçar que o Eixo que trabalha a temática da

proporcionalidade penal no Programa Fazendo Justiça foi convidado pelas

autoridades locais do estado de Pernambuco para participar das instruções que

31
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 412 de 23 de agosto de 2021. Estabelece
diretrizes e procedimentos para a aplicação e o acompanhamento da medida de monitoramento
eletrônico de pessoas. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2021. Disponível em:
https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4071.
32
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 414 de 02 de setembro de 2021. Estabelece
diretrizes e quesitos periciais para a realização dos exames de corpo de delito nos casos em que
haja indícios de prática de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes,
conforme os parâmetros do Protocolo de Istambul, e dá outras providências. Brasília, DF: Conselho
Nacional de Justiça, 2021. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4105.

42
Complexo Penitenciário do Curado

serão ministradas em um curso de formação intensiva sobre medicina legal. O

referido processo formativo será ministrado para 28 médicos da Secretaria de

Saúde de Pernambuco que foram contratados temporariamente, para qualificar

a realização de exames de corpo de delito e a averiguação de casos de tortura no

estado.

Cumpre mencionar, também, que, conforme destacado no Diagnóstico

Técnico acima analisado, as audiências de custódia têm um papel de grande

importância na redução da população prisional no Complexo do Curado através

da redução de ingressantes no sistema. Contudo, conforme apontado no

diagnóstico, ainda há uma "insuficiência da extensão e abrangência do projeto de

audiências de custódia". Nesse sentido, em junho do corrente ano, visando

melhorias no sistema de audiência de custódia, a equipe de arquitetura judiciária

do Programa Fazendo Justiça elaborou o Relatório Analítico do Espaço

Arquitetônico das Audiências de Custódia do Tribunal de Justiça do Estado de

Pernambuco (TJPE), documento que consiste em uma análise do espaço

arquitetônico das unidades de audiência de custódia do Fórum Criminal em

Recife, com a apresentação dos parâmetros de análise, a descrição e avaliação

dos espaços, bem como sugestões de intervenção para a adequação dos espaços

analisados. O documento foi encaminhado ao GMF do estado de Pernambuco

para ciência e providência das adequações sugeridas.

Em relação ainda às audiências de custódia, destaca-se a publicação do

Manual de prevenção e combate à tortura e maus-tratos para audiência de

custódia33, desenvolvido com apoio técnico do Escritório das Nações Unidas sobre

Drogas e Crime (UNODC) e da Associação para a Prevenção da Tortura (APT), no

33
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA; PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O
DESENVOLVIMENTO; ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIME. Manual de
prevenção e combate à tortura e maus-tratos para audiência de custódia. Brasília: Conselho
Nacional de Justiça, 2020. Disponível em: chrome-
extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2020/11/manual_de_tortura-web.pdf.

43
Complexo Penitenciário do Curado

ano de 2020, o qual traz orientações práticas e fluxos para qualificação da

condução da audiência de custódia e para implementação de regras e princípios

estabelecidos pela Resolução CNJ nº 213/201534; bem como diretrizes para

prevenção e combate à tortura e aos maus-tratos nas audiências de custódia a

partir de normas e jurisprudência.

5.3 Respostas estruturais a partir do Conselho Nacional de Justiça

5.3.1 O cômputo em dobro e o Sistema Eletrônico de Execução Unificada

A partir da instituição do Departamento de Monitoramento e Fiscalização

do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas

(DMF/CNJ), no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), criou-se, também, a

necessidade de garantir que todas as execuções penais tramitem de forma

eletrônica e uniforme no território nacional. A Lei n° 12.106/200935, que criou o

DMF/CNJ, estabelece como um dos objetivos do Departamento o

acompanhamento da implantação e do funcionamento de sistema de gestão

eletrônica da execução penal e de mecanismo de acompanhamento eletrônico

das prisões provisórias.

Sem um sistema capaz de garantir rotinas e procedimentos padronizados,

com recursos que permitam a automatização dos cálculos referentes à concessão

de benefícios e outros incidentes que impactam na execução penal, o Brasil

34
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 213, de 15 de dezembro de 2015. Dispõe
sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas. Brasília,
DF: Conselho Nacional de Justiça, 2015. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2234.
35
BRASIL. Lei n° 12.106 de 2 de dezembro de 2009. Cria, no âmbito do Conselho Nacional de
Justiça, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de
Execução de Medidas Socioeducativas e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da
República, 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
2010/2009/lei/l12106.htm.

44
Complexo Penitenciário do Curado

estaria fadado a figurar em estado de permanente ilegalidade no que tange às

pessoas privadas de liberdade.

Em face deste diagnóstico, o Sistema Eletrônico de Execução Unificado

(SEEU) foi instituído pela Resolução n° 223 de 27 de maio de 201636 do CNJ como

solução a ser adotada pelos Tribunais. Contudo, inicialmente a norma não

alcançou seu objetivo, em razão de dificuldades técnicas, insuficiência de recursos

humanos e pela priorização de outros projetos.

Desde o início, o SEEU foi desenvolvido para ser uma ferramenta eletrônica

de tramitação processual que permite o controle informatizado da execução

penal e das informações relacionadas ao sistema carcerário brasileiro em todo

território nacional, além do fornecimento de dados e informações por meio de

relatórios estatísticos.

Apenas em 2018, a expansão do SEEU foi priorizada, de forma a garantir

sua implantação e funcionamento nos tribunais brasileiros. Para tanto, editou-se

a Resolução n° 280 de 09 de abril de 201937 do CNJ, que revogou parcialmente a

normativa anterior e estabeleceu a obrigatoriedade e unicidade do SEEU.

Nesse contexto, o fortalecimento do SEEU em âmbito nacional tornou-se

ação prioritária do programa Justiça Presente, parceria firmada entre o CNJ, o

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério da

Justiça e Segurança Pública para o enfrentamento do Estado de Coisas

Inconstitucional do sistema carcerário, reconhecido pelo colendo Supremo

Tribunal Federal (STF) na ADPF 347.

36
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 223 de 27 de maio de 2016. Institui o Sistema
Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) como sistema de processamento de informações e
prática de atos processuais relativos à execução penal e dá outras providências. Brasília, DF:
Conselho Nacional de Justiça, 2016. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2285.
37
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 280 de 09 de abril de 2019. Estabelece
diretrizes e parâmetros para o processamento da execução penal nos tribunais brasileiros por
intermédio do Sistema Eletrônico de Execução Unificado – SEEU e dispõe sobre sua governança.
Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2019. Disponível:
https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2879.

45
Complexo Penitenciário do Curado

Dando continuidade a parceria anterior, e de forma a avançar no

enfrentamento dos desafios estruturais no campo da privação de liberdade, o

Programa Fazendo Justiça é responsável pela melhoria das funcionalidades,

reforço e novas implantações do SEEU.

Assim, o SEEU é uma ferramenta tecnológica do Poder Judiciário que integra

e centraliza a gestão de processos de execução penal no país, conectando os

atores de justiça criminal para maior agilidade na tramitação processual e na

análise de incidentes e garantias processuais38.

Além das funcionalidades do processo eletrônico convencional, o SEEU

atende a peculiaridades da execução penal, como emissão de atestado de pena,

realização dos cálculos da execução, previsão do alcance dos requisitos temporais

para progressão de regime, indulto e comutação.

Em relação ao Estado de Pernambuco, o SEEU foi implantado em sete

unidades especializadas no âmbito do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE)

em 2017 e, em 2021, foi expandido para as demais unidades penais que atuam

com execução penal no Estado. Nesse sentido, sublinha-se que a adoção do SEEU

por este Tribunal representa um importante passo para a sistematização de

dados e, consequentemente, para a melhora da situação no âmbito carcerário.

Como forma de operacionalizar a aplicação do cômputo em dobro

preconizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos na Resolução de

Medidas Provisórias de 28 de novembro de 2018, foram realizadas, ao longo dos

meses de julho e agosto de 2022, reuniões de alinhamento internas com os

técnicos desenvolvedores do SEEU, voltadas ao mapeamento de requisitos

técnicos para criação de nova funcionalidade no sistema. Durante as reuniões,

foram sistematizados os parâmetros determinados pela Corte IDH, que impôs

uma regra geral de aplicação do cômputo em dobro para cada dia de pena

38
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU).
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/10/Folder-SEEU.pdf.

46
Complexo Penitenciário do Curado

vivenciada em condições degradantes no Complexo e uma regra específica, que

alcança as pessoas privadas de liberdade em decorrência de crimes contra vida,

integridade física e crimes sexuais, sendo essa a realização de laudo pericial para

aferição da fração de compensação a ser aplicada. A nova funcionalidade foi

criada e implementada no sistema, estando à disposição do estado de

Pernambuco à partir de agosto de 2022.

Durante a Missão Institucional realizada no estado, entre os dias 15/8 e

18/8, o CNJ realizou capacitações para que os servidores do TJPE possam operar

melhor os sistemas informatizados que monitoram a situação jurídica dos presos

e as penas cumpridas nas prisões pernambucanas.

Durante toda a semana, foram oferecidas a turmas de varas do interior e

da capital capacitações sobre Sistema de Audiência de Custódia (SISTAC), o Banco

Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP 2.0), Cadastro Nacional de

Inspeções em Estabelecimentos Prisionais (CNIEP) e Sistema Eletrônico de

Execução Unificado (SEEU). As turmas voltadas para o uso do SEEU foram

conduzidas pelos juízes desenvolvedores do sistema, que puderam oferecer

capacitação específica aos servidores judiciais acerca do uso da funcionalidade

criada pelo Conselho Nacional de Justiça para implementação do cômputo em

dobro nos processos de execução das pessoas privadas de liberdade no

Complexo do Curado.

5.3.2 Os óbitos das pessoas privadas de liberdade: análise dos dados e dos
fluxos institucionais de registro e apuração

Ao analisarmos os dados oficiais sobre os registros de mortes em ambiente

prisional, observamos que o estado de Pernambuco está na 12ª posição, quando

comparado com os demais estados brasileiros, possuindo uma taxa de 324,30

mortes por 100 mil pessoas privadas de liberdade. A média nacional de mortes

47
Complexo Penitenciário do Curado

registradas em 2021 chega a 326,45 mortes por 100 mil pessoas privadas de

liberdade.

Gráfico 6 – Taxa de mortalidade por 100 mil pessoas privadas de liberdade

Fonte: SISDEPEN, dezembro de 2021.

Quando analisamos em detalhe as diferentes tipologias de registros de

mortes no estado de Pernambuco, observamos que as mortes em ambiente

prisional tiveram aumento significativo nos últimos anos. Segundo os dados do

Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre os anos de 2020 e 2021, a taxa de

mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes registrou queda de 11% no

Estado de Pernambuco, entre a população em geral. No mesmo período, a taxa

de mortalidade relacionada a óbitos criminais no sistema prisional registrou

aumento de 489%, segundo os dados do SISDEPEN.

Gráfico 7 – Números absolutos de óbitos no sistema prisional

Fonte: SISDEPEN, dezembro de 2021.

48
Complexo Penitenciário do Curado

Em outras palavras, dentro de uma unidade prisional pernambucana, uma

pessoa tem 4 vezes mais chances de sofrer uma morte violenta do que fora do

sistema. Neste cenário preocupante, soma-se a isto o percentual de ocupação

significativamente superior ao limiar de superlotação e as altas taxas de

incidência de agravos transmissíveis, conforme os gráficos a seguir:

Gráfico 8 – Taxa de ocupação no Estado de Pernambuco

Fonte: SISDEPEN, dezembro de 2021.

Gráfico 9 – Taxa de incidência de agravos transmissíveis/100 mil

Fonte: SISDEPEN, dezembro de 2021.

Para que possamos compreender as capacidades institucionais de

enfrentamento ao cenário de alta de óbitos em ambiente prisional, é preciso

investigarmos, inicialmente, os fluxos administrativos que subsidiam os registros

49
Complexo Penitenciário do Curado

de óbitos nestes espaços. No âmbito do Estado de Pernambuco, a Secretaria

Executiva de Ressocialização (SERES), órgão integrante da Secretaria de Justiça e

Direitos Humanos (SJDH), possui a missão de cumprir a legislação que versa sobre

execução penal, priorizando a reintegração social dos privados de liberdade.

Nesse sentido, a legislação estadual que disciplina o procedimento a ser adotado

para os casos de óbitos ocorridos no interior das unidades prisionais é o Código

Penitenciário do Estado de Pernambuco, instituído pela Lei n° 15.755, de 4 de abril

de 201639.

Nos termos do art. 50, X, deste Código, o serviço social do estabelecimento

deve ser acionado caso alguma pessoa privada de liberdade, sob a custódia do

Estado, vier a óbito, providenciando para que o fato seja imediatamente

comunicado ao juízo da execução penal e/ou ao juiz processante e aos seus

familiares.

Nos termos do art. 72, VII, deste Código, a morte da pessoa privada de

liberdade será comunicada através da certidão de óbito pela respectiva direção

da unidade prisional ao Secretário Executivo de Ressocialização, ao Juiz

competente e ao Ministério Público, e, tratando-se de pessoa migrante, a

comunicação deverá ser feita ao respectivo representante diplomático ou

consular, além de seus familiares.

Ademais, o art. 72, VIII, especifica que havendo indícios de morte violenta

ou causa desconhecida, o local da ocorrência será preservado e as autoridades

citadas anteriormente deverão ser informadas imediatamente, assim como os

órgãos da polícia judiciária e os familiares.

O fluxo nos casos de óbitos de internos ocorridos dentro das unidades

prisionais poderia ser mais detalhado. Além disso, a legislação também poderia

39
PERNAMBUCO. Lei n° 15.755, de 4 de abril de 2016. Institui o Código Penitenciário do Estado
de Pernambuco. Recife, PE: Governador do Estado, 2016. Disponível em:
https://legis.alepe.pe.gov.br/texto.aspx?tiponorma=1&numero=15755&complemento=0&ano=20
16&tipo=&url=.

50
Complexo Penitenciário do Curado

dispor sobre as mortes dentro das unidades hospitalares, bem como nos

hospitais da rede pública ou particulares.

Sob esta perspectiva, analisamos comparativamente a Resolução SEAP n°

774, de 26 de junho de 201940, adotada pela Secretaria de Estado de

Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP/RJ), que disciplina as rotinas

administrativas a serem adotadas em caso de mortes dentro do sistema prisional.

A Resolução n° 774/2019 da SEAP pormenoriza a rotina padrão a ser

adotada. Nesse sentido, estabelece que o médico deverá (i) constatar e anotar o

óbito no Prontuário Médico do interno; (ii) informar ao Diretor da Unidade

Prisional e na ausência deste comunicar a ocorrência a sua chefia imediata; (iii)

emitir constatação do óbito. Ademais, dispõe que, não havendo médico na

Unidade Prisional, o Diretor, ou seu substituto, deverá solicitar a presença de um

médico de plantão na Unidade Prisional mais próxima.

Além disso a Resolução também esclarece quais ações deverão ser

executadas pela Direção da Unidade, ou seu substituto, tais como: (i) preservar o

local e arrolar as testemunhas; (ii) informar à Corregedoria e à família; (iii)

acompanhar a Perícia Técnica ao local do óbito e a retirada do corpo pela Defesa

Civil; (iv) emitir ofício ao IML, à Vara de Execuções Penais, ao Ministério Público,

dentre outros.

Não suficientemente, a normativa traz instruções ao serviço social das

unidades prisionais e também detalha o fluxo administrativo caso o óbito ocorra

no âmbito de uma unidade hospitalar ou de um hospital da rede pública ou

particular.

40
SECRETARIA DO ESTADO DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA. Resolução SEAP n° 774 de 26 de
junho de 2019. Normatiza as rotinas administrativas para os casos de óbito de internos ocorridos
no âmbito das unidades prisionais e hospitalares da Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária do RJ – SEAP/RJ e em Hospitais da Rede Pública e/ou Particulares. Rio de Janeiro, RJ:
SEAP, 2019. Disponível em: chrome-
extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/http://sti.seap.rj.gov.br/sti/admin/uploads/resolu
coes/2019/Resolu%C3%A7%C3%A3o%20774.pdf.

51
Complexo Penitenciário do Curado

Assim, a partir da análise comparativa entre os fluxos estabelecidos pela

normativa do estado de Pernambuco e aquela observada no âmbito do estado do

Rio de Janeiro, identificamos oportunidades de aprimoramento da legislação

pernambucana, no sentido de padronizar os fluxos de registros de mortes de

pessoas privadas de liberdade no ambiente prisional e em unidades hospitalares.

Uma vez discutidos os principais pontos no tocante ao Complexo do

Curado, passa-se ao relato das principais medidas adotadas pelo Conselho

Nacional de Justiça, no âmbito da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das

Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, bem como no âmbito do

Programa Fazendo Justiça.

5.4 A missão conjunta do Conselho Nacional de Justiça ao estado de

Pernambuco realizada no mês de agosto/2022

Com o objetivo de fomentar a implementação das medidas determinadas

pela Corte IDH, além de viabilizar o monitoramento e fiscalização da situação

prisional no Estado de Pernambuco, foi realizada a Missão Conjunta do Conselho

Nacional de Justiça ao estado entre os dias 15 e 19 de agosto de 2022. Durante a

missão, foram realizadas ações de verificação do funcionamento e da

regularização dos sistemas e plataformas eletrônicas utilizados pelo Tribunal de

Justiça do Estado de Pernambuco, além de inspeções em estabelecimentos

prisionais, varas criminais e de execução penal do Estado de Pernambuco e

reuniões institucionais.

A premissa que moveu a atuação do CNJ é a compreensão de que a

superação do quadro de violação histórica e sistêmica de direitos que caracteriza

o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro somente

poderá ser superada mediante a atuação comprometida e articulada entre os

diversos órgãos que compõem o sistema de justiça criminal e a sociedade civil,

52
Complexo Penitenciário do Curado

conforme determinado nas decisões em cascata proferidas no âmbito da ADPF

34741 e dos habeas corpus coletivos que se debruçam sobre os problemas

estruturais relacionados ao sistema penal.

Além disso, a missão teve como objetivos específicos o monitoramento da

situação do Complexo Penitenciário do Curado em face da decisão da Corte

Interamericana de Direitos Humanos e o início dos trabalhos necessários à

realização do mutirão carcerário voltado à revisão das respectivas prisões,

apuração das circunstâncias de encarceramento e promoção de ações de

cidadania, determinado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no

âmbito do Habeas Corpus coletivo nº 165.704/DF42.

Deste modo, a missão se estruturou a partir de 03 (três) frentes principais:


1. Informações reunidas em expedientes e denúncias recebidas pelo DMF,
especialmente os relatos referentes à estrutura e às condições de
privação de liberdade no Complexo do Curado (Processo SEI 0368/2021),
dando conta da existência de sérios indícios da ocorrência de graves
irregularidades no sistema prisional do Estado de Pernambuco, mediante
a infração de normas internacionais e nacionais aplicáveis; identificada a
necessidade de imediata articulação interinstitucional entre os atores do
Estado de Pernambuco, além de análise do CNIEP e dos dados constantes
dos sistemas informatizados geridos pelo CNJ e por outros órgãos
públicos;
2. Acompanhamento pela UMF Corte IDH/CNJ do cumprimento das
determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH)
em relação à implementação das compensações penais relativas às
Medidas Provisórias em face das pessoas privadas de liberdade no
Complexo do Curado, em Recife-PE;
3. Decisão proferida pela Segunda Turma do E. Supremo Tribunal Federal
(STF), referendada por unanimidade seguindo o voto do relator, no
Referendo na Execução no Habeas Corpus nº 165.704/DF, que
determinou “a realização de mutirões carcerários por parte do DMF, em
prazo razoável e de acordo com a programação deste órgão
administrativo, em coordenação com os representantes do TJSP, TJRJ,
TJPR, TJPE e demais Tribunais que manifestarem interesse, para fins de
identificação dos possíveis beneficiários desta ordem coletiva, com a
revisão de suas prisões, a apuração das circunstâncias de

41
Esse julgamento foi responsável por reconhecer a existência do estado de coisas
inconstitucional. Para mais informações: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental n° 347. Relator: Min. Marco Aurélio. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4783560.
42
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus Coletivo n° 165.704/DF. Relator: Min. Gilmar
Mendes. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5596542.

53
Complexo Penitenciário do Curado

encarceramento e a promoção de ações de cidadania e das pautas sociais


necessárias à ressocialização desses indivíduos”.

Com o importante apoio do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco e

do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, equipes de magistrados, magistradas e

suas assessorias verificaram o funcionamento de varas em diferentes Comarcas,

enquanto equipes de inspeção realizaram visitas aos estabelecimentos, incluindo

unidades prisionais, cadeias públicas, carceragens de polícia e outros tipos de

instituições de privação de liberdade. Adotou-se roteiro de inspeção próprio

adaptado à realidade de Pernambuco (em anexo).

Na verificação das atividades das varas criminais, de execução penal e

cumulativas das duas competências, a equipe de inspeção das unidades judiciais

e de verificação de sistemas informativos avaliou o funcionamento dos serviços

judiciais de Pernambuco. A ação atende às atribuições da Corregedoria Nacional

de Justiça quanto à realização de correições para apuração de fatos determinados

relacionados com deficiências graves dos serviços judiciais.

Ademais, com a finalidade de colher subsídios para aprofundar o

diagnóstico do contexto do sistema prisional do Estado de Pernambuco, ao longo

da missão foram realizadas diversas reuniões com os órgãos do Sistema de

Justiça, órgãos de controle externo e com a sociedade civil em atuação local na

temática.

A primeira reunião da comitiva da Corregedoria Nacional de Justiça ocorreu,

na segunda-feira (15/8), na Escola da Magistratura de Pernambuco (ESMAPE), com

a presença de órgãos da sociedade civil e de prevenção e combate à tortura,

representantes da Defensoria Pública, Ministério Público, Ordem dos Advogados

do Brasil, Secretaria de Direitos Humanos e Conselho Penitenciário do Estado de

Pernambuco43.

43
Este encontro, assim como maiores informações sobre as capacitações e as inspeções foram
noticiadas no site do TJPE. Para mais informações: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO. TJPE

54
Complexo Penitenciário do Curado

Imagens 1 e 2 – Fotos da 1ª Reunião da comitiva da Corregedoria


Nacional de Justiça na Escola da Magistratura de Pernambuco (ESMAPE)
Fonte: https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/albums/72177720301333080

Esta reunião teve como objetivo avaliar as condições do sistema carcerário

pernambucano e solucionar demandas que exigem uma atuação conjunta entre

os Poderes Judiciário e Executivo pernambucanos e a sociedade civil organizada44.

Neste encontro, algumas questões se sobressaíram. Em relação à

População LGBTQIA+, foi pautada a questão da alocação das travestis dentro do

Complexo do Curado. Sobre o assunto, propõe-se capacitação para a

implementação do manual LGBTQIA+ e do Formulário Rogéria, específico para

registro de ocorrências de emergências para proteção e enfrentamento da

violência contra a população LGBTQIA+, de forma a levantar informações e

aprimorar as respostas institucionais aos crimes.

Também foram tecidas considerações sobre racismo institucional;

isolamento e transferências administrativas; independência do Mecanismo

Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), órgão composto por peritos

que terão acesso às instalações de privação de liberdade. Do mesmo modo, foram

recebe força-tarefa do CNJ para aprimorar sistema prisional. Pernambuco, 2022. Disponível
em: https://www.tjpe.jus.br/-/tjpe-recebe-forca-tarefa-do-cnj-para-aprimorar-sistema-prisional.
44
Para acessar as demais fotos do evento: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ e Corregedoria
Nacional de Justiça Realizam Trabalho para Aperfeiçoamento do Sistema Prisional de
Pernambuco. Recife, 2022. Disponível em:
https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/albums/72177720301333080.

55
Complexo Penitenciário do Curado

questionadas as condições de habitação e a arquitetura prisional do Presídio Frei

Damião de Bozzano (PFDB), apontando que tinham aparência de “tumbas”

(espaço para depósito de restos mortais em cemitérios).

Igualmente, foi mencionada a situação precária de saúde na Penitenciária

de Limoeiro e as denúncias recebidas no estabelecimento penal em Itaquitinga; o

sofrimento psíquico das pessoas privadas de liberdade e de suas famílias; a

necessidade de uma reinserção social das pessoas privadas de liberdade.

Ademais, foi pontuada a ausência generalizada de água nas unidades e o

abastecimento irregular por meio de “carros-pipa”. Por fim, apontaram a

dificuldade de implementar resoluções do CNJ e o excesso de prazo nas prisões

preventivas, assim como a urgência em acabar com revistas vexatórias nos

familiares dos apenados.

Na reunião seguinte, foram ouvidos os representantes dos peticionários:

Eduardo Baker (Justiça Global) e Wilma Melo (SEMPRI e beneficiária das medidas

provisórias da Corte IDH), acompanhados de membros da Defensoria Pública do

Estado de Pernambuco (DPE/PE) e da Defensoria Pública da União. Como ponto

comum, além dos problemas gerais que já tinham sido tratados na reunião

anterior, apontaram que a superlotação e as péssimas condições de habitação e

sanitárias foram apontadas como os problemas centrais no Complexo do Curado,

sob as quais se desdobram os demais.

56
Complexo Penitenciário do Curado

Imagens 3 e 4 – Fotos da 2ª Reunião da Reunião da comitiva da Corregedoria


Nacional de Justiça na Escola da Magistratura de Pernambuco (ESMAPE)
Fonte: https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/52290943631/in/album-
72177720301333080/

Destacaram, ainda, a ausência de policiais penais em número suficiente; a

presença de “chaveiros” nos momentos em que os apenados se comunicam com

os defensores no curso das visitas (inviabilizando as entrevistas reservadas em

local privado); a inadequação da disciplina e a imposição de castigos de forma

irregular e sem observância do regulamento. Ressaltaram a estrutura física

precária; a dificuldade de acesso da sociedade civil e da Defensoria para ações de

fiscalização; a não observância das normas protetivas às pessoas LGBTQIA+ e às

que tem transtornos mentais (nos moldes da Lei 10.216/2001); bem como a

dificuldade de ressocialização dos apenados que exerciam as funções de

“chaveiros”.

Além disso, a Defensoria Estadual informou que realizou uma força tarefa

e requereu a aplicação da compensação penal nos autos dos processos judiciais

virtuais (SEEU) para os beneficiários das medidas provisórias. Na ocasião,

relataram que o julgamento dos pedidos, nos casos individuais, estaria suspenso

até o julgamento final do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR).

Isso dava ensejo a uma demora injustificada na prestação jurisdicional para

aplicação da compensação penal, tendo em vista que o Código de Processo Civil

previa o prazo máximo de 1 (um) ano para o julgamento do IRDR e que esse

período já tinha transcorrido sem que o incidente fosse julgado.

57
Complexo Penitenciário do Curado

Finalmente, destacaram que seguiam impetrando habeas corpus nos

tribunais superiores, questionando a demora desarrazoada no julgamento do

IRDR e a necessidade de garantir a aplicação imediata à compensação penal.

Salientaram que recentemente o Min. Relator Luiz Edson Fachin no HC 208.337/PE

deferira uma ordem de habeas corpus favorável à aplicação da compensação

penal e que a DPE solicitou uma extensão de efeitos, para a aplicação da

compensação penal a todas as pessoas que fossem elegíveis à aplicação do

instituto nos moldes da decisão da Corte IDH.

Conforme mencionado anteriormente, durante a Missão, foi realizado, na

quinta-feira (18/08), às 18h, o Seminário “As medidas Provisórias da Corte IDH no

Complexo de Curado: Parâmetros para a construção de respostas institucionais”,

em parceria com a ESMAPE, que abordou o tema da efetivação das determinações

da Corte Interamericana no Complexo do Curado, em especial, no tocante à

aplicação da compensação penal e das medidas para a redução do índice de

mortes45.

Imagem 5 – Foto da transmissão do Seminário “As medidas Provisórias da Corte

IDH no Complexo de Curado: Parâmetros para a construção de respostas

institucionais”

45
Para assistir o Seminário: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Seminário: As medidas
provisórias da Corte IDH no Complexo de Curado. Recife: CNJ, 2022. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=0unWDSESPhU

58
Complexo Penitenciário do Curado

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=0unWDSESPhU

No evento, estiveram presentes, pelo Conselho Nacional de Justiça: a

Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura46 (Corregedora Nacional de Justiça),

o Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho (Ministro do Tribunal Superior do

Trabalho e Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça); o Desembargador

Mauro Pereira Martins (Conselheiro do CNJ e Supervisor do DMF), o Conselheiro

Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho, o Conselheiro Mário Henrique Aguiar

Goulart Ribeiro Nunes Maia e Luis Geraldo Sant’Ana Lanfredi (juiz auxiliar da

presidência e Coordenador Institucional da UMF).

Pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, estiveram presentes o

Desembargador Luiz Carlos de Barros Figueiredo, presidente do TJPE, o

Desembargador Francisco José dos Anjos Bandeira de Mello (o diretor da

ESMAPE), o Desembargador Mauro Alencar (supervisor do Grupo de

Monitoramento e Fiscalização – GMF - do Sistema Carcerário no Estado de

Pernambuco), entre outras autoridades.

A programação do evento consta da imagem a seguir:

46
Em 25 de agosto de 2022, a Min. Maria Thereza de Assis Moura encerrou o seu mandato como
Corregedora Nacional de Justiça e tomou posse como Presidenta do Superior Tribunal de Justiça.
Em 30 de agosto de 2022, o Min. Luís Felipe Salomão (STJ) tomou posse como Corregedor Nacional
de Justiça e como Conselheiro do CNJ.

59
Complexo Penitenciário do Curado

Figuras 2 e 3 – Programação do Seminário “As medidas Provisórias da Corte IDH no


Complexo de Curado: Parâmetros para a construção de respostas institucionais”
Fonte: CNJ.

Além do evento, a missão contou com uma série de capacitações dos juízes

e juízas, bem como de servidores e colaboradores, sobre a utilização dos diversos

sistemas eletrônicos que possuem interface com a execução penal. Em especial,

os cursos ministrados visavam habilitar os colaboradores do TJPE, do interior e da

capital, nos seguintes sistemas: Sistema de Audiência de Custódia (SISTAC), o

Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP 2.0), Cadastro Nacional de

Inspeções em Estabelecimentos Prisionais (CNIEP) e Sistema Eletrônico de

Execução Unificado (SEEU).

Quanto às inspeções nos estabelecimentos de privação de liberdade,

cumpre informar a presença da UMF/CNJ e do Programa Fazendo Justiça durante

60
Complexo Penitenciário do Curado

os dias 1647 e 1848 de agosto de 2022. Os pontos prioritários estabelecidos para

diagnóstico durante a missão conjunta serão abordados mais detalhadamente

em tópico posterior, que versa sobre as recomendações e as providências do CNJ.

Imagens 6 e 7 – Fotos da Inspeção nas Unidades Prisionais de Pernambuco


Fonte:

https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/albums/72177720301370877/with/52291906961/

Imagens 8 e 9 - Fotos da Inspeção nas Unidades Prisionais de Pernambuco


Fonte:

https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/albums/72177720301370877/with/52291906961/

47
Para acessar as demais fotos das inspeções realizadas no dia 16/08/2022: CONSELHO NACIONAL
DE JUSTIÇA. Inspeção nas Unidades Prisionais de Pernambuco. Recife, 2022. Disponível em:
https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/albums/72177720301370877/with/52292066923/.
48
Para acessar as demais fotos das inspeções realizadas no dia 18/08/2022: CONSELHO NACIONAL
DE JUSTIÇA. Inspeção nas Unidades Prisionais de Pernambuco. Recife, 2022. Disponível em:
https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/albums/72177720301414285/with/52296824878/.

61
Complexo Penitenciário do Curado

Por fim, o encerramento da missão49 foi marcado pela assinatura do termo

do Pacto Nacional do Poder Judiciário pelos Direitos Humanos pelo presidente do

TJPE, desembargador Luiz Carlos de Barros Figueiredo e pelo diretor da Escola

Judicial (ESMAPE), desembargador Francisco Bandeira de Mello, de modo a

formalizar o compromisso do Tribunal na transformação cultural que o pacto

propõe à magistratura, em favor da promoção dos direitos humanos50.

Imagem 10 – Foto do evento de encerramento da Missão


Fonte: https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/52300084409/in/album-

72177720301445075/

5.4.1 Fact Finding

As inspeções realizadas nas três unidades prisionais que integram o

Complexo Curado, no curso da Correição Extraordinária, aos 16, 17 e 18 de agosto

de 2022, constataram uma situação de ininterrupta superlotação, convivência

49
Para acessar as demais fotos do encerramento da missão: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.
Encerramento da Missão e Adesão do TjPE ao Pacto Nacional do Judiciário pelos Direitos
Humanos. Recife, 2022. Disponível em:
https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/albums/72177720301445075/with/52300313255/
50
O fim da visita da Corregedoria Nacional de Justiça foi divulgado no portal do TJPE: TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DE PERNAMBUCO. Visita do CNJ ao TJPE para aprimorar sistema prisional termina
nesta sexta-feira (19/8). Pernambuco, 2022. Disponível em: https://www.tjpe.jus.br/-/visita-do-
cnj-ao-tjpe-para-aprimorar-sistema-prisional-termina-nesta-sexta-feira-19--1.

62
Complexo Penitenciário do Curado

degradante e insalubridade da estrutura física desses estabelecimentos para o

alojamento de pessoas privadas de liberdade.

Durante as inspeções realizadas pelo CNJ, foi constatado o avançado

processo de precarização das condições de alojamento em curso nas unidades do

Complexo Prisional, marcadas pelo elevado contingente populacional custodiado

em espaço sem saneamento e com instalações improvisadas e impróprias, de

modo que as pessoas privadas de liberdade permanecem ao relento e expostas

às intempéries da natureza. Foi possível visualizar o fenômeno de “favelização”

apontado por Monique Cruz (representante dos peticionários pela ONG Justiça

Global) em sua sustentação oral realizada na última audiência pública do dia 02

de julho de 2021. Na ocasião, as peticionárias invocavam a construção teórica

produzida por Deise Benedito51 (ex-perita do MNPCT), em dissertação defendida

sobre o Complexo do Curado na Universidade de Brasília. Em sua pesquisa, a

jurista destaca que a extrema precarização da moradia na organização do espaço

prisional tem claríssimos traços de discriminação racial, reproduzindo as

condições de precariedade em que a população negra se distribui nos grandes

centros urbanos, alocadas em comunidades de baixa renda denominadas

“favelas”. Para a autora, a discriminação racial vivenciada pelas pessoas privadas

de liberdade também se materializa na ocupação do espaço e na precarização das

condições de habitação fornecidas pelo Estado.

Também foi constatada a ausência de controle por parte da administração

prisional sobre os pavilhões e espaços de custódia, nos quais a gestão da

movimentação da população prisional, a aplicação de medidas disciplinares e o

acesso às assistências sociais básicas preconizadas pela Lei de Execução Penal

não são prerrogativas executadas por servidores penais.

51
BENEDITO, Deise. A favelização do Complexo do Curado e a ilicitude da existência: uma faceta
das violações de direitos humanos no sistema penitenciário brasileiro. 2019. 135 f., il. Dissertação
(Mestrado em Direito)—Universidade de Brasília, Brasília, 2019. Disponível em:
https://repositorio.unb.br/handle/10482/35875?locale=en.

63
Complexo Penitenciário do Curado

Foi detectada a existência de uma grande quantidade de pessoas alojadas

nos espaços comuns das unidades prisionais, inclusive na área externa e sem-

teto, em situações semelhantes às de “pessoas em situação de rua”, com barracos

construídos e improvisados pelos próprios custodiados e geridos conforme

relações de poder paraestatais, o que obviamente contraria todos os parâmetros

e estândares definidos em normativas nacionais e internacionais, conforme

evidenciam graficamente as fotos abaixo colacionadas:

Imagem 11 – Foto do Presídio Damião de Bozzano (PFDB)


Fonte: CNJ.

64
Complexo Penitenciário do Curado

Imagens 12 e 13 – Fotos do Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros – PJALLB


Fonte: CNJ.

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Complexo Penitenciário do Curado

Imagens 14 e 15 – Fotos do Presídio Asp Marcelo Francisco Araújo


Fonte: CNJ.

Imagens 16 e 17 - Fotos do Presídio Asp Marcelo Francisco Araújo


Fonte: CNJ.

A proporção de agentes prisionais por pessoas presas significantemente

baixa e a delegação da gestão administrativa e da segurança no interior das

unidades aos próprios presos (chamados de “chaveiros” ou “representantes”), a

quem se delega autoridade disciplinar sobre os outros internos e a execução de

66
Complexo Penitenciário do Curado

atividades próprias do Estado, também se revela como situação insustentável e

inadmissível.

Ressalta-se, ainda, a constatação da falta de água potável e alimentação

adequada e em quantidade suficiente, o que enseja a ostensiva comercialização

[pelos próprios presos, uns em detrimento de outros] de insumos de

sobrevivência básica, vendidos em "cantinas", com preços abusivos.

Também foi identificada a falta de disponibilização de kits de higiene e

vestuário para as pessoas presas, o que reforça esse mercado paralelo de

comercialização de insumos nas unidades, a facilitar, inclusive, situações de

sujeição, corrupção e violência.

Embora esse mesmo contexto tenha sido identificado em outras unidades

do sistema prisional pernambucano, forçoso admitir que no caso do Complexo

Prisional do Curado se mostra ainda mais patente a responsabilidade por parte

dos órgãos constituídos, incluindo-se o Executivo, mas notadamente também do

Poder Judiciário.

Entre 2018 e agosto de 2022, apesar de a Corte IDH ter determinado

expressamente a proibição de novos ingressos, como medida de controle da

população carcerária na aludida Resolução de novembro de 2018, o Complexo

Prisional do Curado continuou a receber novos custodiados, ininterruptamente.

Ademais, ainda seguem pendentes de implementação o Plano de

Contingência e a efetiva aplicação da compensação penal nos respectivos

processos individuais de execução penal em relação às pessoas custodiadas nas

respectivas unidades para a aplicação do cômputo em dobro, consoante

deliberado pela Corte IDH.

Diante do quadro geral observado nas inspeções, o Conselheiro Mauro

Pereira Martins (o Supervisor do DMF/CNJ) submeteu à Corregedoria Nacional de

Justiça, em caráter de urgência, uma solicitação de adoção de medidas aptas a

67
Complexo Penitenciário do Curado

concretizar na íntegra a decisão do Tribunal Interamericano, disponível no Anexo

A.

5.4.2 Dados obtidos durante as inspeções

A missão conjunta extraordinária da Corregedoria Nacional de Justiça e do

DMF/CNJ contemplou visitas ao Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo

(PAMFA), Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e Presídio Frei Damião

de Bozzano (PFDB), as três unidades que compõem o Complexo Penitenciário do

Curado e que são objeto de Medidas provisórias outorgadas pela Corte

Interamericana de Direitos Humanos.

Os fatos apurados no âmbito dos mutirões de inspeções nas varas judiciais

e nos estabelecimentos prisionais do Estado de Pernambuco integrarão Relatório

final com os achados, determinações a serem cumpridas pelo TJPE e

recomendações destinadas ao Poder Executivo, Ministério Público e Defensoria

Pública, após a competente apreciação do Plenário do CNJ.

Quanto às inspeções nos estabelecimentos de privação de liberdade, o

DMF/CNJ estabeleceu os pontos prioritários a serem observados. Com o intuito de

contribuir para a assertividade das ações e a avaliação dos resultados, foram

indicados os aspectos a seguir:


• Visitas sociais e acesso de familiares e advogados(as) restritas;
• Inspeções descontínuas;
• Audiências de Custódia não realizadas;
• Monitoração Eletrônica em dissonância com o preconizado pelo CNJ
Resolução nº 412/2021 e Manual de Gestão para a Política de Monitoração
Eletrônica;
• Superlotação na maioria das unidades prisionais;
• Denúncias na Corte Interamericana de Direitos Humanos – não
observância das medidas estipuladas pela Corte IDH para as unidades
prisionais do Complexo Penitenciário do Curado;
• Apuração de denúncias de tratamento degradante e tortura sem fluxos
predefinidos e transparência;
• Índice de óbitos nas unidades prisionais e fluxo de registro e
acompanhamento das investigações de mortes violentas e não violentas
em ambiente prisional;

68
Complexo Penitenciário do Curado

• Indícios de irregularidades quanto à situação de pessoas presas e


cumprimento das Resoluções CNJ n° 287/2019, 348/2020, 369/2021,
391/2021, 404/2021, 405/2021, 414/2021, 425/2021, entre outras;
• Falta de protocolos para ingresso de forças de segurança nas unidades
prisionais, excessos nas intervenções e não apuração de
responsabilidades em casos denunciados;
• Serviços de saúde insuficientes para atendimento básico nos
estabelecimentos prisionais e difícil acesso ao atendimento na rede
pública;
• Ausência ou grave insuficiência de atendimento jurídico e visitas nos
estabelecimentos prisionais por parte da Defensoria Pública;
• Estrutura física e condições de higiene e salubridade precárias;
• Recursos humanos escassos, com equipes reduzidas;
• Transferência e recambiamentos de pessoas presas sem observância das
diretrizes estabelecidas pela Resolução CNJ n° 404/2021;

Especificamente, a visita de inspeção coletou informações a partir de

diferentes fontes: observação direta, análise de documentos, relatos de

funcionários, relatos de pessoas presas, relatos da administração, bem como

fotos. Além disso, também foi avaliado o nível de controle da administração

quanto à alocação das pessoas nas unidades, bem como verificados os aspectos

que foram identificados como pontos de melhoria nos estabelecimentos

prisionais de Pernambuco.

Também foram realizadas visitas às instalações dos espaços de privação de

liberdade, como celas de triagem, celas de isolamento, celas de enfermaria, celas

de custódia, pátios, área de atendimento dos profissionais, espaços de visita

íntima, entre outros, e locais não declarados, mas que foram informados por

pessoas presas.

69
Complexo Penitenciário do Curado

Imagens 18 e 19 – Imagens da visita de inspeção


Fonte: https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/albums/72177720301414285

Ademais, foram conduzidas entrevistas com as pessoas privadas de

liberdade, com os servidores e com a direção, este último com enfoque em

recomendações emergenciais e questões referentes à prevenção de represálias

contra as pessoas privadas de liberdade. Por último, foram feitas consultas aos

registros e outros documentos institucionais. Cumpre, ainda, informar o

acompanhamento da representante do SEMPRI e beneficiária Wilma Melo ao

longo de todo o processo de inspeção nas unidades.

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Complexo Penitenciário do Curado

Imagens 20, 21, 22 e 23 – Fotos das entrevistas realizadas durante a inspeção


Fonte: https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/albums/72177720301370877

Consoante dados informados pela administração penitenciária do Estado

de Pernambuco, que fica sob a responsabilidade da Secretaria de Justiça e Direitos

Humanos, o Complexo Prisional do Curado dispunha, em 15 de agosto de 2022,

de capacidade para 1.819 pessoas, custodiando, no entanto, 6.509 pessoas, ou

seja, uma superlotação superior a três vezes e meia a capacidade total.

Cabe ressaltar, que havia 1.979 pessoas custodiadas no Presídio ASP

Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), que conta com 464 vagas, o que representa

uma taxa de ocupação de 426,5%. O Presídio Frei Damião Bozzano (PFDB),

registrava ocupação de 473,1%, com 2.148 pessoas custodiadas em 454 vagas e,

por fim, o Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB), registrava 264,3% de

ocupação, com 2.382 pessoas custodiadas na unidade, que conta com 901 vagas,

conforme demonstra o quadro anexo.

71
Complexo Penitenciário do Curado

Nos subtópicos seguintes, será realizado um relato resumido do que foi

encontrado pelas equipes de inspeção em cada uma das unidades que compõem

o Complexo do Curado, sendo as informações enfocadas especificamente nas

condições dos espaços físicos, superlotação e atendimento à saúde em cada

unidade.

5.4.3 Inspeção no Presídio ASP Marcelo Francisco Araújo (PAMFA)

A visita ocorreu nos dias 16 e 17 de agosto de 2022, sendo que no primeiro

dia foi realizada inspeção nos pavilhões e entrevistas com os internos e no

segundo dia priorizou-se a visita às dependências administrativas da unidade,

assim como ao local de preparação da comida. No geral, as equipes puderam

percorrer todos os locais da unidade, possibilitando a observação direta do

ambiente prisional.

O Presídio ASP Marcelo Francisco Araújo (PAMFA) foi inaugurado, com essa

denominação, em 2012. No entanto, sua estrutura física data de 1979, pois trata-

se de uma parcela do antigo Presídio Aníbal Bruno. É uma unidade de grande

porte, destinada, segundo informações da direção, a presos provisórios, mas que

abriga também presos condenados, do regime fechado. A gestão da unidade é

pública, realizada pela Secretaria Executiva de Ressocialização (SERES), do

Governo do Estado de Pernambuco.

O PAMFA possui somente internos do sexo masculino. A população

carcerária, no dia da inspeção, era de 1.967 pessoas privadas de liberdade, para

464 vagas, de acordo com a direção do estabelecimento. No entanto, não há

certeza quanto ao número exato da população prisional, haja vista que não são

realizadas contagens periódicas dos presos. A direção afirmou que os presos só

são contados quando da sua entrada e saída da unidade. A justificativa dada é que

não há efetivo suficiente para realizar esse procedimento dentro dos pavilhões.

72
Complexo Penitenciário do Curado

Como a unidade se destina a presos provisórios e condenados em regime

fechado, não há realização de audiências de custódia, porque estas são realizadas

antes da entrada no estabelecimento, e nem benefícios do semiaberto.

Durante a inspeção, foi possível perceber que não há qualquer separação

entre presos provisórios e condenados (que de acordo com a direção seriam 480)

- seja em pavilhões, seja em celas - em desrespeito ao que é determinado pelo

artigo 84 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84). Os presos dormem nas celas

ou nos corredores do pavilhão. Foi possível também verificar a existência de

colchões do lado de fora, nas áreas cobertas entre os pavilhões, em espaços

destinados a outras atividades, como na Igreja do Pavilhão J; e no Rancho, o que

pode ser indicativo de que os presos também dormem em áreas fora dos

pavilhões de habitação.

O PAMFA é dividido em 8 pavilhões, sendo 6 deles oficialmente de

habitação: A, B, C, D, J e o Anexo, sendo os três primeiros pavilhões de convívio, o

D a disciplina, o J o seguro e o Anexo abriga os presos que trabalham. Os pátios

dos pavilhões apresentam estado ruim de conservação, haja vista tratar-se de

unidade predial bastante antiga e que não passou por reformas ou melhorias

recentes. Em todos os pavilhões a fiação é antiga, tem mofo e apresenta muitas

ligações de energia elétrica improvisadas, havendo risco de curto-circuito.

Chamou a atenção da equipe a existência, ainda, de fios de alta tensão nos

corredores do pavilhão B.

A divisão dos pavilhões ocorre da seguinte forma:

Pavilhões A, B e C: Destinados às pessoas privadas de liberdade do

convívio, ou seja, os que, dentro da estrutura organizacional da unidade, não

possuem desavenças ou situações que inviabilizam seu contato com um número

maior de internos. Os presos do convívio possuem completo acesso a todos os

três pavilhões, à ampla área aberta, aos setores psicossocial e de saúde e ao

Rancho. Há, em média, 300 reclusos por pavilhão.

73
Complexo Penitenciário do Curado

Imagens 24, 25 e 26 – Fotos dos Pavilhões A e B (as duas primeiras fotos são do Pavilhão A e a

última foto é do Pavilhão B)

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Pavilhão J: Destinado a presos que não podem ter convívio com os demais

da unidade. Sua segregação decorre, via de regra, por critérios relacionados ao

pertencimento a grupos de determinados bairros ou facções tidas por inimigas do

restante da massa carcerária, ao tráfico de drogas, à dívida para com outros

presos e ao cometimento de crimes sexuais. Destina-se também à prisão de ex-

policiais, embora não houvesse nenhum preso deste grupo no momento da

inspeção. Também no Pavilhão J estão duas celas destinadas à população

LGBTQIA+ e uma cela destinada ao cumprimento de sanção disciplinar. Neste

pavilhão há, em média, 500 pessoas, sendo o mais populoso da unidade.

74
Complexo Penitenciário do Curado

Imagens 27, 28 e 29 - Fotos do Pavilhão J

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Pavilhão D: Pavilhão no qual ficavam os internos considerados “de alta

periculosidade” ou que não podem ser colocados nos demais pavilhões, nem

mesmo no J, assim como aqueles em cumprimento de sanção disciplinar. Neste

pavilhão, também funciona a triagem de presos que ingressam na unidade.

Segundo a Direção, eles permanecem de 10 a 30 dias até a análise de para qual

pavilhão o interno será destinado, podendo ser constatada, inclusive, a

impossibilidade de permanência no próprio presídio. Há seis celas originais e

áreas de celas improvisadas de alvenaria em locais abertos.

Imagem 30 - Fotos do Pavilhão D

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

75
Complexo Penitenciário do Curado

Pavilhão Anexo: Neste Pavilhão estão os denominados “trabalhadores”

concessionados (remunerados). Lá, tais internos dormem e preparam a sua

própria comida, aspecto que os diferencia dos demais.

Rancho (cozinha e dependências): Destinado ao armazenamento e

preparo da comida da Unidade. Engloba cozinha grande, área de depósito de

alimentos e padaria. Foram encontrados colchões escondidos atrás dos fornos de

pão, o que denota que havia internos que dormiam também ali e que houve

comunicado prévio às inspeções para que essa situação não fosse identificada.

Imagens 31, 32 e 33 - Fotos do Rancho

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Também foi identificado que “moram” três pessoas em galpão que aloca os

mantimentos e prepara a comida especificamente de servidores e trabalhadores,

tendo sido construído, inclusive, barraco com cama.

Os corredores internos e as celas, pela evidente falta de espaço e

inadequação da estrutura, são inaptos a abrigar de forma digna todos que ali se

encontram. Há uma clara desorganização, com roupas, bolsas, utensílios para

alimentação, colchões, televisores, ventiladores, geladeiras e freezers, entre

outros objetos pendurados ou colocados no chão.

Há um grave cenário de superlotação carcerária no local, com 464 camas

(muitas delas dispostas em treliches) para 1.967 internos, ultrapassando em mais

76
Complexo Penitenciário do Curado

de quatro vezes o número de vagas da capacidade projetada. A superlotação é

fator que impossibilita não só a alocação digna das pessoas nos pavilhões, ela

também facilita a proliferação de doenças, inviabiliza acompanhamentos mais

próximos da equipe multidisciplinar, facilita a ocorrência de conflitos entre as

pessoas presas e entre estas e a administração prisional, uma vez que as equipes

não foram pensadas para atender esse número de pessoas.

Devido à superlotação, em regra, as celas ficam abertas todo o tempo ou

sequer possuem grades ou portas, com livre circulação das pessoas privadas de

liberdade dentro dos seus pavilhões, à exceção de presos em cumprimento de

sanções disciplinares e aqueles do chamado seguro do Pavilhão D, composto por

seis celas que abrigam presos que não podem ter convívio, sequer, com os demais

deste mesmo pavilhão.

Ficou evidente, para a equipe que realizou inspeção, que a gestão do

espaço prisional relativamente aos pavilhões, inclusive as eventuais aberturas e

fechamentos de celas, fica a cargo dos internos, mais especificamente dos

representantes (os chaveiros dos pavilhões). Eles são os mais bem vestidos e

falam de forma articulada e polida. Os chaveiros, assessorados por auxiliares e

“faxinas”, têm equipe de apoio de aproximadamente 30 pessoas e dominam as

decisões sobre cada pavilhão. Segundo relatos, eles são escolhidos pelos internos

de cada pavilhão e a direção afirma que, além de dar o aval para a escolha dos

chaveiros, os retiram dessa função, caso estes apresentem comportamentos

agressivos com os demais internos. Entretanto, também restou claro durante a

inspeção que a administração da unidade possui pouco conhecimento sobre o

cotidiano e rotina nos pavilhões, o que dificultaria esse gerenciamento dos

chaveiros e seus auxiliares.

Ademais, em razão da superlotação, diversos presos não estão alocados em

celas, denominadas "barracos'', e dormem no chão dos corredores internos dos

pavilhões, chamados de “BR”. Os que possuem leito próprio, ainda dormem, em

77
Complexo Penitenciário do Curado

regra, em colchões muito finos, fornecidos pela própria família ou comprados de

outros presos.

Um ponto crucial para se notar no PAMFA é a alta estratificação social e a

favelização, baseadas em aspectos econômicos dos internos e de suas famílias e

nas relações de poder entre os detentos. Com a superpopulação e a falta de

camas para a maioria dos presos, o local de habitação pode variar drasticamente,

ocorrendo de presos dormirem nos corredores ou em áreas fora dos pavilhões. A

“favelização” se dá através de construções precárias de dormitórios com tijolos ou

madeiras (em muitos casos apodrecidas) criando um cenário completamente

insalubre de amontoamento, havendo, inclusive, presença de baratas.

A equipe de inspeção ficou impressionada como foram criadas divisões

internas dentro das celas originais, através de construções improvisadas para

abrigar os “barracos” dentro das subunidades, em uma tentativa de dar mais

privacidade e dignidade para as pessoas presas. Muitos deles consistem em

buracos sem iluminação ou ventilação próximos ao teto, onde apenas cabe uma

pessoa deitada. Os barracos transformam a forma de cada cela de acordo com o

que é possível construir e algumas delas chegam a ter até 16 barracos. Essas

estruturas trazem uma forma labiríntica para as celas, com estreitos corredores

que dificultam a entrada de luz e ventilação natural. Por todos os lados há fios

improvisados para que a energia possa chegar a todas as divisórias das celas.

Há também, uma nítida estratificação social nos pavilhões. Presos com mais

recursos financeiros e/ou liderança, fazem jus a barracos em condições muito

melhores que outros, que sequer dispõem de cômodos para se abrigarem. Nos

melhores barracos, pôde-se identificar a presença de revestimento em cerâmica,

camas com colchão, banheiro privativo, som, TV, estoque de alimentos, dentre

outros. Nessas acomodações privilegiadas, há, inclusive, caixas d á


́ gua dentro dos

banheiros, em alvenaria, o que representa um diferencial tendo em vista o

fornecimento fracionado de água na unidade prisional.

78
Complexo Penitenciário do Curado

Há também a presença de “casas de pombo”, e construções de alvenaria

improvisadas, mas que vem durando por anos, em áreas que antes eram abertas.

Importante pontuar a péssima condição das instalações, mesmo tendo sido

informado pelos internos a realização de pintura na unidade como preparação

para a inspeção do CNJ.

Imagens 34, 35, 36, 37, 38 e 39 - Fotos de celas no Pavilhão B que ilustram a

estratificação social

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Sobre a alimentação, os insumos são preparados por internos no Rancho.

São servidas três refeições por dia, sendo a última entre 15 horas e 16 horas, a

depender do pavilhão. A direção afirma que eventualmente são servidos lanches

à noite, fato negado pela totalidade dos internos. Restou constatado, portanto, o

amplo espaço de tempo sem alimentação para os internos (das 15 horas de um

dia até às 06 horas do dia seguinte), criando uma situação famélica, que aumenta

79
Complexo Penitenciário do Curado

o grau de estratificação social entre quem tem condição de ter alimentos extras

vindos de fora da unidade ou comprados dentro dela, através das cantinas e

pequenos comércios de corredor, e aqueles que só podem esperar a

solidariedade dos outros internos.

A qualidade da comida é, de longe, uma das maiores reclamações das

pessoas privadas de liberdade. Ela chega por caldeirões grandes em cada pavilhão

e é servida nos potes individuais improvisados que os internos possuem.

Além disso, internos afirmam que a comida é ruim, que é servida em

porções muito pequenas, que há pouca variedade e que a proteína, além de

restrita, vem muitas vezes crua ou estragada. A título de exemplo, vale pontuar

que foram inúmeros os relatos de galinha crua, fígado cru, feijão cru, em regra

mal temperados e pão duro. Além da má qualidade e críticas à quantidade, foi

pontuado o baixo valor nutritivo das refeições.

Muitos internos relataram que, apesar de saberem que o estado fornece

legumes para a unidade prisional, estes não integram a dieta dos presos dos

pavilhões A, B e C, pelo menos. Nesse ponto, chamou a atenção da equipe de

inspeção a grande quantidade de legumes em uma das geladeiras no corredor de

um dos pavilhões, bem como no galpão onde também foram encontrados os

galões de água. Importante pontuar que apenas foi observado o fornecimento de

frutas para um pequeno número de internos e que, conforme informações da

Unidade Prisional, estas seriam reservadas para os internos da enfermaria. Além

disso, muitos reclamaram de que recebiam sempre papa, xerém e arroz doce. O

cardápio semanal da unidade afixado no Rancho, de fato, confirma esta

informação, bem como o baixo valor nutricional das refeições.

Sobre materiais de limpeza, higiene e roupas, o Estado não fornece nenhum

material de limpeza e higiene. Os internos dependem exclusivamente daqueles

enviados pela família e/ou doações. Da mesma forma, não são fornecidas roupas.

Em teoria, a farda dos internos seria camisa branca e bermuda azul, porém, em

80
Complexo Penitenciário do Curado

inspeção, os únicos identificados com fardamento foram os estudantes, os

colaboradores do setor de saúde e os que trabalham na reciclagem. Todos os

outros se encontravam com roupas de diferentes cores e muitos sem camisa.

No que diz respeito a atenção à saúde, o PAMFA possui três salas de

repouso e sala de procedimentos. A sala de procedimentos é usada para

realização de sutura, aferição de pressão, realização de testes rápidos e aplicação

de medicação. Tem boa aparência e limpeza. Nas salas de repouso, os internos

estavam em macas, muitas vezes sem lençol. A direção da unidade informou que

a equipe é constituída de enfermeiros, três médicos, dois psicólogos e um

assistente social na Unidade de Saúde Prisional. Os médicos são: um clínico geral

(duas vezes na semana), um psiquiatra (duas vezes na semana) e um infectologista

(duas vezes por mês). Importante ressaltar que o infectologista e o psiquiatra

possuem a mesma carga horária (20 horas por semana), mas comparecem em

frequências diferentes.

No dia de visita à unidade de saúde (17/08) não foi constatada a presença

de médicos.

Segundo a equipe de saúde, a distribuição dos remédios é feita três vezes

por semana, sem acompanhamento sobre a ingestão destes. A informação que a

equipe de inspeção obteve nos pavilhões, entretanto, foi que a distribuição de

remédios é feita duas vezes por semana. Medicamentos mais comuns: xaropes

para tosse, dipirona, ibuprofeno e tratamento de asma. No caso de remédios para

tratamentos específicos, primeiro é acionada a família e depois a direção da

unidade. Também no âmbito da saúde, cujo dever de provisão e cuidado integral

da pessoa custodiada caberia ao Estado, o que se observa é que a atuação do

estado acaba se dando de forma subsidiária, apenas na falta do fornecimento dos

medicamentos pelos familiares.

As demandas das pessoas presas para o serviço chegam a partir do

mensageiro de cada pavilhão. Encaminhada para o setor de saúde, a pessoa segue

81
Complexo Penitenciário do Curado

o seguinte fluxo: Psicossocial - enfermaria - encaminhamentos. Há presença de

computadores e é utilizado o prontuário virtual do SUS. A equipe verifica o

histórico de quais exames e cirurgias o interno tinha pendentes antes de chegar

à unidade e a marcação de exames é feita por meio de prontuários eletrônicos do

ESUS. Há código especial para pessoas privadas de liberdade no SUS, não indo

para a fila de marcação de exames da população em geral.

Segundo os internos, a assistência médica é muito deficitária, pois, embora

haja atendimento ambulatorial, ainda que insuficiente, os casos clínicos mais

graves raramente são atendidos com prontidão. Há ausência de ação profilática e

mero atendimento de casos de extrema urgência.

Com relação ao índice de mortes, dos seis óbitos que ocorreram nos seis

últimos meses, dois deles foram motivados por lesões por instrumento

perfurocortantes, três por causas indeterminadas e 1 por tuberculose. Quanto às

causas indeterminadas, foram solicitados exames complementares, mas a

direção informou que o resultado desses exames nunca retorna à unidade, bem

como não chega nova certidão de óbito. De acordo com a direção, na hipótese de

mortes por causas naturais, há apenas comunicação à família e à Secretaria, que

tem convênio com a funerária, para remoção e enterro. Já nos casos de morte não

natural, faz-se a comunicação à polícia militar através do 190 e investigação

interna, além do aviso à família e à Secretaria.

Por fim, no que diz respeito ao contingente de policiais penais, são 65

agentes atuando na unidade, estando um deles de licença. Cada policial penal tem

uma arma no sistema. A maioria dos policiais tem armas acauteladas, alguns, no

entanto, usam as armas da unidade e as devolvem na saída. Além disso, na

armaria há fuzis, coletes balísticos para todos os funcionários, armamento menos

letal, granadas de efeito moral e spray de pimenta. Os armamentos mais potentes

em geral são usados na escolta. Quanto ao armamento menos letal, o armeiro

informa que atualmente há pouca quantidade, tendo sido solicitado. Foi

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Complexo Penitenciário do Curado

observado que os policiais penais ingressam nos pavilhões normalmente com a

própria arma, e não com armamento menos letal, o que causa grande

preocupação. Não há norma ou protocolo interno sobre essa entrada no pavilhão

com arma.

Como consequência, há alto índice de disparos de arma de fogo pelos

policiais penais. Só no mês de janeiro de 2022 foram feitos 31 disparos, sendo eles

14 de calibre .12, 5 de calibre .40 e 12 com munição menos letal. A justificativa

dada é a falta de efetivo e que essa seria a única forma possível de controlar a

massa carcerária e de dispersão no caso de brigas, confusão ou lançamento

(quando objetos são lançados de fora para dentro da unidade), como forma de

advertência.

5.4.4 Inspeção no Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB)

A equipe de inspeção realizou a visita nos dias 17 e 18 de agosto de 2022,

durante os períodos da manhã e da tarde. No primeiro dia, foram inspecionados

os seguintes locais: muralha; rancho, salas de estoques, câmaras frias, sala de

nutricionistas e da CEASA; pavilhões do seguro (N-2, Galpão-4 e O-7) e setores de

saúde (enfermaria, farmácia, consultório odontológico). No segundo dia, além da

equipe de inspeção, também chegou à unidade a comitiva da Corregedora

Nacional de Justiça, Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, de modo que

aguardou-se seu ingresso e procedeu-se com a continuidade da inspeção.

Neste segundo dia, foram inspecionados os seguintes locais: pavilhões do

convívio ou “morro” (T-19; G-14; H-13; I-12; Q-9, que é a antiga barbearia); PAV M-

11, destinado a evangélicos; igreja; setor de supervisões (saúde, laborterapia,

segurança, psicossocial e apoio pedagógico, parlatório virtual); biblioteca; Núcleo

de Apoio Social e Familiar (NASF); área de trabalho e manutenção (serralheria,

marcenaria, eletrônica, manutenção de refrigeradores, local para pintura, espaço

de produção de artesanato); fosso; área de reciclagem; e direção.

83
Complexo Penitenciário do Curado

Cumpre afirmar que o PJALLB foi inaugurado no ano de 2012, a partir da

divisão do antigo Presídio Professor Aníbal Bruno. Trata-se de instituição de

regime fechado e segurança máxima, destinada às pessoas do sexo masculino.

Sua estrutura comporta 15 pavilhões que variam entre pavilhões lineares, alguns

compostos por duas alas (leste e oeste); compartimentos improvisados; e galpões.

Conforme a direção da unidade, toda essa estrutura conta com 270 celas, com

quantidade de camas variável, algumas são beliches ou treliches improvisados,

com abertura de buracos nas paredes.

Conforme dito por profissionais da unidade, apenas os pavilhões G, H e I

são originais, todos os demais são cotidianamente modificados para comportar

mais pessoas. Registre-se que o pavilhão L-5 corresponde ao antigo espaço

destinado à administração da unidade, modificado na década de 1990 para

comportar celas.

Em todos os pavilhões se observou a instalação de ventiladores, tanto nos

corredores quanto nas celas, todos em péssimas condições de manutenção, com

hélices e fiação expostas. Houve relatos de incêndios e curto-circuito. Foi

observada também a existência de inúmeras goteiras que decorrem do acúmulo

de água no teto, que repercute em gotejamento mesmo quando não está

chovendo, como se observou durante a inspeção em algumas celas.

Os pavilhões que visualmente mostram-se mais afetados pela superlotação

são os pavilhões N-2 e o 4, chamado de Galpão. No primeiro, chama atenção a

quantidade de pessoas ocupando espaços já no primeiro espaço de entrada, além

de sacolas penduradas, cenas que remetem à infâmia de um navio negreiro, de

modo que muitas das demandas de saúde apresentadas, conforme narram as

pessoas ali segregadas, são consequências da superlotação. No Galpão, as

demandas de saúde se repetiram, bem como os relatos de cumprimento de pena

sem observância da progressão de regime e livramento condicional, e a demora

em trâmites processuais.

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Complexo Penitenciário do Curado

Imagens 40, 41 e 42 - Fotos do Pavilhão N-2

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Imagens 43 e 44 - Fotos do Galpão

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Assim, em praticamente todos os pavilhões os detentos são mantidos em

estruturas precárias, sem cama, sem colchão, dormindo em corredores, outros

em “barracos/favelas”, conforme definido pelos próprios detentos, amontoados

em buracos onde em um espaço mínimo são colocadas camas, sobrepostas e

fechadas com tapumes de madeira, inúmeras com acesso através de escadas

móveis de madeira, mal pregadas e íngremes. Os banheiros são fétidos e a grande

maioria sem a menor condição de uso, e sem descarga de água. Os presos

convivem com uma população enorme de gatos em todos os pavilhões, áreas

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Complexo Penitenciário do Curado

internas e externas, e reclamaram que muitos estão doentes e transmitem

doenças, principalmente de pele.

Imagens 45, 46, 47 e 48 – As duas primeiras fotos são de corredores do PJALLB, nas quais

podem ser observadas a presença de colchões nos corredores e de fiação exposta, enquanto as

duas últimas fotos são de banheiros dos Pavilhão I e G, respectivamente.

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Contatou-se igualmente a precariedade na assistência material. A

instituição não fornece kit higiene, roupa de cama e banho, e produto de limpeza,

de modo que o acesso a tais itens se dá através de visitas ou outras vias entre as

próprias pessoas privadas de liberdade. O mesmo ocorre quanto a roupas

pessoais, que são lavadas na própria cela ou na lavanderia, que, conforme

86
Complexo Penitenciário do Curado

informado, cobra R$ 5,00 por peça. Este valor só não é cobrado dos presos

concessionados (classificados ao trabalho).

No tocante à alimentação, houve relatos sobre a pouca quantidade e a má

qualidade da comida ("malcozida, macarrão sem molho, galinha seca e feijão sem

gosto”) e grande espaço de tempo entre elas. Os horários de refeição informados

foram: café da manhã servido às 5h00, almoço às 10h30 e a última refeição, jantar

servido às 15h00. Foi relatado também a existência de distinção da qualidade e

quantidade de alimentos por pavilhões.

Tais circunstâncias corroboram a via de compra de ingredientes e

exploração financeira dentro da própria unidade, numa espécie de “feira interna”.

Em parte considerável dos pavilhões, especialmente no Galpão e no Pavilhão O,

há freezers ora nomeados de “cantinas”, que contam com itens como água, gelo,

suco e refrigerante.

Imagens 49 e 50 - Fotos dos Suportes de Almoço e dos Freezers do Pavilhão O

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Os espaços destinados a preparação da alimentação, salas de estoques,

câmaras frias, sala de nutricionistas e da CEASA estavam em condições razoáveis

de salubridade. O rancho continha espaço para descongelamento, mesa de corte,

cozimento (geral e dietas) e padaria, cujas atividades eram conduzidas por 30

pessoas concessionadas. Parte destas pessoas dorme em celas neste próprio

espaço do rancho, e cumprem trabalhos divididos em três turnos, que se iniciam

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Complexo Penitenciário do Curado

às 2h da manhã. Na padaria, trabalham padeiro, ajudantes e forneiro. Este último

trabalha nos seguintes horários: das 5 horas às 9 horas; das 12 horas às 18 horas.

Imagens 51 e 52 - Fotos da sala CEASA e do Estoque

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

As pessoas privadas de liberdade de parte dos pavilhões informaram que a

água é liberada em três turnos e que os pavilhões têm poços e caixas d’água

próprios, cujo custo da compra destas já foi arcado pelos próprios presos, assim

como da manutenção de pavilhões, como de cerâmicas e pinturas. No Pavilhão 10

- P relataram estar sem água há três meses, devido a um problema na bomba;

assim, durante o horário de banho de sol, precisam ir a outro pavilhão para tomar

banho e buscar água para consumo. No Pavilhão 9 - Q, informaram que a água é

retirada de poço e que seria amarela e imprópria para consumo; questionam a

possibilidade de fornecimento de água pela COMPESA (que teria sido suspenso

há cerca de 15 anos).

Em relação a atenção à saúde, o setor é composto por salas de

coordenação, atendimento, consultório odontológico e enfermaria. A

coordenadora deste setor é fisioterapeuta, e há outra profissional com tal

formação, que procede com atendimentos. Pessoas privadas de liberdade

relataram a falta de medicamentos e a dificuldade em acessar o setor de saúde,

cuja demora chega a durar um ano, principalmente para atendimentos médicos e

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Complexo Penitenciário do Curado

odontológicos, bem como sobre as más condições da enfermaria da unidade, na

qual já apareceram animais como escorpiões e ratos. Ainda, informaram sobre

mal atendimento em serviços de saúde externos e ausência de continuidade de

procedimentos indicados, como retirada e avaliação de sangue.

Conforme relato das profissionais que atuam no consultório odontológico,

ali são feitos os seguintes procedimentos: restauração, extração, profilaxia,

raspagem periodontal, drenagem de abcessos e atendimentos de urgência. Elas

relataram que 99% das demandas odontológicas que chegam são resolvidas no

próprio setor. Ele contém cadeira recentemente instalada, mas alguns

instrumentos mais antigos. As profissionais apresentaram as bandejas cirúrgicas

utilizadas e os kits clínicos previamente separados e esterilizados por elas,

respectivamente com cinco e quatro instrumentos cada, e relataram que os

instrumentos faltantes foram solicitados na última semana à Secretaria de Estado

da Saúde. Ademais, mostraram o ambiente e equipamento para esterilização

(autoclave e seladora).

A farmácia da unidade atende demandas mais comuns de saúde, como

casos de febre e dores de cabeça, nas quais se fornece dipirona e paracetamol,

além de preservativos e hidratantes. A dispensação de antibióticos e psicotrópicos

exige prescrição médica, estando estes últimos guardados em armários fechados.

Em casos mais complexos as pessoas são encaminhadas para os serviços externos

das Redes de Saúde do SUS. Foi informado que são compostos kits de

medicamentos para duração de sete dias que são entregues toda quarta-feira.

Houve relatos de casos de venda de tais medicamentos e de pessoas que não

estão tomando conforme a indicação médica.

A enfermaria comporta celas específicas para pessoas com demandas de

saúde mental, isolamentos de tuberculose, com banheiros internos, e um espaço

desativado. Toda estrutura da enfermaria é incompatível com a dignidade de

qualquer pessoa e com os cuidados em saúde. Os lençóis, o chão e as camas

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Complexo Penitenciário do Curado

estavam sujos, com roupas, restos de comida, pão e outros itens espalhados.

Também foi visto café armazenado em balde para ser consumido durante todo o

dia. Neste ambiente, foi informado que há aproximadamente 226 pessoas que

tomam medicamentos psicotrópicos, cujas demandas estão relacionadas a

dificuldades para dormir e ansiedades e questões emocionais próprias da

condição de segregação naquela unidade prisional; e também pessoas cardíacas

e com deficiências físicas.

No espaço da enfermaria há duas celas para demandas de saúde mental,

uma delas é bem pequena e contém duas camas em cimento, e a segunda, mais

ampla, com mais estruturas de cama e com banheiro. Nesta última, estavam sete

pessoas, uma delas ali há três meses, e relataram não conseguirem dormir por

dias seguidos nas celas dos pavilhões, principalmente por conta do barulho, de

modo que compreendiam que aquela enfermaria dispunha de condições para tal,

fato aqui interpretado como a naturalização da condição de indignidade

estrutural imposta e das próprias relações de poder. Ademais, relataram que duas

vezes na semana têm direito a banho de sol, com duração de 3 horas.

Há psiquiatra atuante na unidade e contato com a eAP do estado, que faz

avaliação e atua para mediar os casos de tais pessoas com os Sistemas de Justiça,

Saúde e Assistência Social. Foi informado que quando se tem ciência de que a

pessoa era vinculada a algum Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), se busca

prosseguir com o cuidado específico exigido, o que pode demandar contato direto

com tal serviço externo para buscar informações sobre medicação, por exemplo,

muito embora familiares e a própria pessoa em regra, já trazerem seus históricos

psiquiátricos. Ademais, conforme profissionais do setor, as contenções químicas

são realizadas com medicamentos psicotrópicos, com registro nos prontuários

das pessoas e na farmácia da unidade, ou encaminhamento para o hospital.

No tocante às pessoas com tuberculose, se informou que são mantidas

isoladas por quinze dias, concluindo o tratamento durante seis meses nas celas

90
Complexo Penitenciário do Curado

dos pavilhões. Sobre os óbitos, as pessoas privadas de liberdade relataram que

em quinze dias morreram duas pessoas por tal doença, e outra há dois meses.

Uma das pessoas afirmou que “TB é a pior doença da cadeia”, e relataram a

dificuldade em acessar testagens, sendo o procedimento o pedido à equipe de

saúde e a espera.

Já a ala destinada a pessoas com deficiência detinha condições insalubres

ainda mais graves. As cadeiras de rodas estavam sem condição de uso, os

banheiros estavam sujos, com água e baldes com restos de comidas. O ambiente

possui pérgolas que possibilitam a entrada de ar e camas hospitalares em

condições precárias.

Imagens 53, 54 e 55 - Fotos do Consultório Odontológico, da Cela na Enfermaria para

Pessoas com Tuberculose e da Cela para Pessoas com Deficiência

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

No tocante à equipe de quatro enfermeiros, foi informado que há uma

lógica de divisão para busca ativa, monitoramento e orientação de pessoas em

condições de saúde específicas. Neste sentido, tal divisão se dá com base nos

agravos em saúde: hipertensão e diabetes; tuberculose e hanseníase; ISTs e HIV;

e obesidade e necessidades de asma. Conforme narrado, há ainda o

acompanhamento próximo de pessoas trans.

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Complexo Penitenciário do Curado

No tocante aos agravos em saúde, foi informado que há testagens

regulares, e quando o resultado é positivo, são tomados procedimentos de

isolamento, como nos casos de tuberculose, no qual a pessoa é mantida isolada

nos primeiros 15 dias numa cela da enfermaria, e em tratamento durante os seis

meses seguintes. Foi relatada a ocorrência de um paciente com hanseníase, oito

com hepatite e quarenta e oito com HIV.

Na ocasião da inspeção foi informado que não havia pessoas presas com

Covid-19, mas que no mês anterior foram registrados casos de contaminação. O

procedimento adotado pela unidade foi a realização de testes semanalmente,

teste rápido ou RT-PCR, com apoio da Secretaria de Saúde do Estado. Foi

informado que nestes casos é feito isolamento em celas indicadas pelo chefe de

segurança da unidade, e o monitoramento diário informado a um sistema da

Secretaria de Estado da Saúde.

A população da unidade foi vacinada com três doses contra Covid-19, mas

a demanda é constante por conta das pessoas ingressantes que não estão

vacinadas, de modo que se mantém tal procedimento para este público. A

coordenação do setor informou que provavelmente a quarta dose será

administrada no mês de setembro de 2022. No tocante às demais vacinações, foi

informado que a unidade segue o calendário da Secretaria de Saúde, tendo

ocorrido recentemente vacinação contra influenza.

No tocante a equipe de saúde, há um médico infectologista que atua duas

vezes por mês e outro psiquiatra. Também se informou que das cinco psicólogas,

quatro delas são vinculadas à Secretarias de Saúde de Pernambuco e a outra à

SERES. O mesmo ocorre no tocante às assistentes sociais: duas delas são

vinculadas à Secretarias de Saúde de Pernambuco e as outras duas à SERES. Já a

fisioterapeuta e a nutricionista são vinculados à SERES, e esta última também atua

nos casos que demandam dietas específicas.

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Complexo Penitenciário do Curado

A unidade conta com 78 policiais penais concursados e um quadro técnico

de profissionais e de especialistas em regime de contratação temporária, sendo 5

psicólogos, 04 assistentes sociais, 10 professores, 02 dentistas, 03 médicos, 04

enfermeiros, 04 técnicos em enfermagem, 02 auxiliares odontológicos, 01

fisioterapeuta e 01 nutricionista.

5.4.5 Inspeção no Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB)

O Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB) foi construído na década de 80,

segundo informações dos funcionários, e passou por reforma em 2012, quando o

antigo Presídio Professor Aníbal Bruno foi dividido em três unidades, formando o

Complexo do Curado. Atualmente, ele abriga pessoas com quatro processos ou

mais e possui 121 celas, dividida em 06 pavilhões. Entretanto, cumpre ressaltar

que a documentação fornecida pela unidade registrou 226 celas.

Sobre os pavilhões, são estes: D, E e F: denominados convívio; “Anexo”: uma

espécie de galpão depósito de pessoas; Segurança: onde estão a triagem, castigo,

a cela zero (para pessoas em trânsito, que vieram de outras comarcas para

audiência e o pavilhão de recuperação (pavilhão R); e Conservação: destinado

sobretudo aos trabalhadores concessionados (remunerados) ou não.

A capacidade do PFDB é de 454 pessoas e, conforme seu histórico, estava

superlotado, com 2.131 pessoas privadas de liberdade. Os espaços, portanto, são

visivelmente improvisados para conseguir abrigar uma população quase cinco

vezes maior do que ele foi projetado para suportar. A superlotação é fator que

impossibilita não só a alocação digna das pessoas nos pavilhões, ela também

facilita a proliferação de doenças, inviabiliza acompanhamentos jurídicos, de

saúde, assistência social mais próximos, bem como modifica as relações

interpessoais entre as pessoas privadas de liberdade (foram relatados intensos

conflitos e citado, por exemplo, episódio em que um preso teria mordido o dedo

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Complexo Penitenciário do Curado

de outro) e entre estas e a administração prisional, uma vez que as equipes não

foram pensadas para atender esse número de pessoas.

Neste sentido, são criados arranjos informais que tentam dar conta do

déficit da equipe. Em cada pavilhão há um “chaveiro”, “mesário”, o “faxina” e os

agentes de saúde. Para exercer sua função informal, o chaveiro é assessorado

pelos “mesários”. O “faxina” fica responsável por toda a limpeza do pavilhão, isto

é, dos corredores e arredores do pavilhão, uma vez que cada cela fica responsável

por sua limpeza. Por fim, os agentes de saúde são figuras que fazem a

interlocução entre os pavilhões e o setor de saúde, triando e transmitindo

demandas das pessoas presas até o profissional indicado do setor de saúde.

No que diz respeito à estrutura do PFDB, as paredes originais do prédio se

confundem com novos arranjos que foram sendo construídos, muitas das vezes,

pelas próprias pessoas presas que, ao longo dos anos, passaram pela unidade.

Nos pavilhões, do chão ao teto e em toda largura das paredes, há pequenas portas

de madeira, que formam os denominados “barracos”, construídos na tentativa

proporcionar mais privacidade durante a privação de liberdade, bem como de

otimizar o espaço da cela de forma vertical, uma vez que as camas

originariamente projetadas e o chão já não conseguiam abrigar o número de

pessoas por cela. Ainda assim, pessoas precisam dormir ao longo de todo o

corredor dos pavilhões, na “BR”, bem como em seu exterior, ao ar livre e, durante

o período de chuvas, sofrem com alagamentos desses espaços. Verificou-se que

as celas ficam abertas durante todo o dia, em razão da impossibilidade de

abrigarem todas as pessoas privadas de liberdade.

Os “barracos” são vendidos ou alugados, sendo este mais um fator de

desigualdade entre as pessoas privadas de liberdade. Essas estruturas

improvisadas trazem uma forma labiríntica para as celas, com sinuosos

corredores que dificultam a entrada de luz e ventilação natural. Por todos os lados

há fios improvisados para que a energia possa chegar a todas as divisórias das

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Complexo Penitenciário do Curado

celas. Foi verificado também muitos ventiladores abertos, pelos corredores e nos

“barracos”.

Imagens 56 e 57 - Fotos do Anexo que exemplificam essa estrutura “labiríntica”

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Importa salientar que a equipe dos “chaveiros” possui celas próprias, mais

espaçosas, organizadas e bem equipadas, que geralmente ficam na entrada do

pavilhão, entre uma ala e outra. Também neste espaço do meio do pavilhão, não

raramente, fica localizada uma cantina.

A “favelização” alcança seu extremo no pavilhão Anexo, um galpão que não

possui quantitativo de celas ou vagas, pois não foi projetado para tanto, e onde as

pessoas presas improvisam modos de sobrevivência das mais diversas formas:

colchões no chão do galpão, colchões ao ar livre, redes armadas, barracos

verticalizados em vielas estreitas, escuras e sinuosas, lonas para proteger da

chuva e pertences amarrados em bolsas, mochilas e sacolas plásticas por todos

os lados.

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Complexo Penitenciário do Curado

Imagens 58, 59 e 60 - Fotos do Anexo que ilustram a "favelização”.

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

O Anexo é destinado a pessoas que não possuem convívio com os demais

privados de liberdade da unidade por causa de pequenas desavenças. São cerca

de 940 pessoas sobrevivendo nesse espaço extremamente precário. No primeiro

dia de inspeção, para que entrássemos nesta área, a quase totalidade das 940

pessoas foram trancadas no diminuto espaço que ainda possui uma grade de

contenção, onde fica a maioria dos barracos, e somente o “chaveiro” e parte de

sua equipe ficaram do lado de fora.

Foi possível observar a área coberta com um grande toldo onde funciona

uma igreja, as barracas improvisadas com lonas e alguns “barracos” mais bem

estruturados no início do terreno. No segundo dia de inspeção, por causa da

presença do Grupo de Operações Especiais, foi possível realizar o procedimento

de retirada das pessoas do galpão para que a equipe pudesse inspecionar o

espaço de forma célere, para comprometer o mínimo possível a rotina das

pessoas do galpão Anexo.

A área onde ficam os barracos improvisados, em parte, é coberta por telha

de fibrocimento e em parte por outros materiais de forma remendada. Ela possui

um grande corredor cercado por dois corredores mais bem estruturados, com

barracos à direita e dois outros corredores bem mais estreitos e cheios de buracos

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Complexo Penitenciário do Curado

onde ficam os barracos, por onde só passa uma pessoa e dão acesso a outro

corredor, paralelo ao principal. Principalmente os corredores mais estreitos, da

esquerda, são escuros, pouco ventilados, e cheios de portas e escadas que dão

acesso aos barracos.

Os barracos foram feitos de formas, tamanhos e materiais diferentes,

alguns de cimento, muitos de madeira, alguns revestidos interna ou

externamente de cerâmica, tudo isso contribui para explicitar que há uma

estratificação social dentro da unidade. Há lixo pelos corredores e, por todos os

lados, há sacolas penduradas que funcionam como armários que guardam

roupas, materiais de higiene, panelas, dentre outras coisas. Há colchões e sacolas

espalhados também pelos corredores e uma estrutura de cimento que parece

uma antiga marquise, mas atualmente é utilizada como cama. Por fim, há também

uma cantina ampla e bem equipada com comidas, material de limpeza, de higiene

pessoal, sandálias, freezer, chapa, micro-ondas, aparelho de televisão e panelas.

Imagens 61, 62 e 63 - Fotos do Anexo que ilustram os materiais que formam os barracos

improvisados, as sacolas penduradas e a presença de lixo, respectivamente.

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

No pavilhão conhecido como Segurança informaram a presença de ratos e

alagamentos em época de chuva. Ademais, foi identificado pelos inspetores

baratas em rachadura na parede desse pavilhão, assim como nos pavilhões de

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Complexo Penitenciário do Curado

convívio. Na Segurança, existe ainda um espaço denominado Igreja, onde estão

alocados os evangélicos, aproximadamente 28 pessoas.

Para além do próprio galpão, foram também verificados espaços outros

que, a princípio, não teriam a destinação de abrigar pessoas e não foram

mencionados pela Direção enquanto tais, mas que tinham também essa

destinação. Foi verificado na inspeção que 37 pessoas estavam alocadas no

“Rancho” (cozinha), essas pessoas trabalham e moram no espaço destinado à

guarda e ao preparo das refeições da unidade, bem como foi verificado pessoas

morando em uma pequena construção ao lado da caixa d´água, destinada a

controlar a vazão de água nos horários específicos.

Foi observada a presença de muitos animais no interior da unidade

(cachorros, gatos e galinhas nos pavilhões e celas), além de esgoto a céu aberto,

uma enorme quantidade de pombos e odores que se sobressaiam ao forte cheiro

de cloro e água sanitária.

Imagens 64, 65 e 66 - Fotos de animais presentes nos Pavilhões D, E e F e no Anexo.

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

A divisão dos pavilhões ocorre da seguinte forma:

Pavilhões D, E e F são destinados aos presos do convívio, ou seja, os que,

dentro da estrutura organizacional da unidade, não possuem desavenças ou

situações que inviabilizem de conviverem com um número maior de internos. Os

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Complexo Penitenciário do Curado

presos do convívio têm completo acesso a todos os 3 pavilhões, à ampla área

aberta, aos setores Psicossocial e de Saúde e ao Rancho. A área dos pavilhões de

convívio também é chamada de “morro”.

Imagens 67, 68 e 69 - Fotos da cela e dos corredores nos Pavilhões D, E e F.

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Segurança: Segundo a administração prisional, o seguro é a área na qual

ficam os presos considerados “de alta periculosidade” ou que não podem ser

colocados nos demais pavilhões, como os que cometeram crimes sexuais, nem

mesmo no anexo, assim como aqueles em cumprimento de sanção disciplinar. Na

segurança também funciona a triagem de presos que ingressam na unidade;

possui 1 cela destinada ao castigo; uma cela destinada a pessoas que

provisoriamente estão na unidade para ir para audiência na comarca da capital,

denominada cela zero; e o pavilhão de recuperação ou pavilhão R, onde, durante

a inspeção, foi possível constatar 01 pessoa com transtorno mental. Neste

pavilhão há, em média, 300 pessoas.

Pavilhão Anexo: Também chamado de galpão, é destinado a presos que

não podem ter convívio com os demais da unidade. Sua segregação decorre, via

de regra, por critérios relacionados ao pertencimento a grupos de determinados

bairros ou facções tidas por inimigas do restante da massa carcerária, ao tráfico

de drogas, à dívida com outros presos, ou cometimento de pequenos delitos

99
Complexo Penitenciário do Curado

dentro da unidade. No galpão há, em média, 940 pessoas, sendo o “pavilhão” mais

populoso da unidade.

Imagens 70, 71 e 72 - Fotos do Anexo

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Conservação: Neste Pavilhão estão os denominados trabalhadores

concessionados ou não, e quatro celas destinadas à população LGBTQIA+. Foi

informado que há 75 pessoas nesta área.

Imagens 73 e 74 - Fotos da Conservação e do Pavilhão LGBT.

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Rancho: pavilhão destinado ao armazenamento e preparo da comida da

unidade. Ele engloba uma cozinha grande, área de depósito e refrigeração de

alimentos e padaria. Além disso, foi possível perceber a presença de diversos

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Complexo Penitenciário do Curado

barracos ao longo das paredes do Rancho. De forma análoga, mas bem mais

precária, foi verificado pessoas morando em uma pequena construção ao lado da

caixa d´água, destinada a controlar a vazão de água nos horários específicos.

Imagens 75, 76 e 77 - Fotos do Rancho e de uma Cela na Caixa d’água

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

No pavilhão destinado à segurança ficam também os conhecidos como

“gatos” que seriam aqueles presos aliados aos agentes do Estado e que não

podem voltar ao convívio junto com a massa carcerária. Na cela 03, por exemplo,

havia cerca de 20 pessoas para sete barracos, buracos improvisados para a

dormida ou permanência. Essas pessoas estão sem convívio e relataram passar

as 24 horas do dia na “tranca”/cela, sem, portanto, banho de sol, saindo apenas

se recebem visitas. Algumas PPL que estavam no pavilhão Segurança relataram

que, apesar de terem convívio seguro com os demais, não têm seu local de

custódia na unidade alterado.

Assim como em outras unidades do estado, a alimentação é dispensada

três vezes ao dia: café da manhã às 05h00 (em média dois pães pequenos por

PPL), almoço às 11h00 e jantar às 16h00. É possível perceber o grande intervalo

de tempo entre a última e a primeira refeição do dia, o que obriga aqueles sem

condições financeiras, representada pela grande maioria, a permanecer por

aproximadamente 12 horas sem qualquer alimentação, outro ponto referente à

101
Complexo Penitenciário do Curado

insegurança alimentar e situação de desigualdade promovida pelo próprio Estado.

Inclusive, algumas pessoas em situação de maior sofrimento e pauperização, no

Anexo, referiram passar fome.

Quanto à qualidade das refeições, os presos referem que proteína de

origem bovina e suína nunca fazem parte do cardápio, apenas frango, salsicha e

calabresa. Ademais, falam que verduras e frutas são de presença muito rara, em

que pese terem notícias de que esses alimentos chegam para a unidade, sendo

encontrados apenas para venda. Dizem que o preparo da comida também

apresenta problemas e que o frango geralmente vem sem tempero e cru.

A qualidade da comida foi avaliada como muito ruim em todos os pavilhões

inspecionados e quem possui maiores recursos pode se alimentar dos produtos

enviados pela família de segunda a sexta-feira ou comprar alimentos nas cantinas

da unidade ou no comércio dos corredores. Em algumas celas, verificou-se a

existência de fogão, utilizado para esquentar ou preparar comida.

Imagens 78 e 79 - Fotos da Refeição

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

O fornecimento de água encanada para uso, segundo relatos, ocorre três

vezes ao dia, mais ou menos, às 6 horas, 11 horas e 16 horas, horários nos quais

as pessoas presas enchem os baldes que têm disponíveis para poder utilizar a

102
Complexo Penitenciário do Curado

água durante o dia. Não há fornecimento de água mineral para consumo, sendo

utilizada água da torneira para tanto.

Na área destinada às pessoas LGBTQIA+, as celas não têm água encanada,

é preciso pegar fora da cela. Importante destacar que a equipe de inspeção ouviu

relatos - e verificou in loco - sobre acondicionamento de água da torneira em sacos

plásticos para resfriamento e posterior venda.

Não há fornecimento de kit de higiene no PFDB. A título de exemplo, uma

PPL informou que está há 15 anos no sistema e nunca recebeu nenhum material

deste tipo. As pessoas privadas de liberdade acabam por ficar reféns do comércio

dentro da unidade ou na dependência da família, caso esta tenha alguma

condição financeira de custear o kit de higiene em local de responsabilidade do

Estado.

Quanto ao atendimento em saúde, a unidade conta com estrutura e equipe

para esta finalidade. A última adesão à Política Nacional de Atenção Integral à

Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) ocorreu

em 2019, segundo informações da coordenadora de saúde da unidade.

Foi informado que a médica da clínica geral atuante na unidade comparece

quatro vezes por semana ao PFDB, com atendimento diário de 15 pessoas. O

infectologista atende outras unidades em rodízio, comparecendo quinzenalmente

ao PFDB, o psiquiatra comparece uma vez por semana, às terças-feiras. O dentista

atende três vezes por semana, às segundas, quartas e sextas-feiras. O

fisioterapeuta atende na unidade três vezes por semana.

103
Complexo Penitenciário do Curado

Imagens 80, 81, 82, 83, 84 e 85 - Fotos do Atendimento em Saúde

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Um fato que chamou a atenção da equipe de inspeção foi a imposição ao

uso de algemas como condição para que as pessoas privadas de liberdade

recebam atendimento em saúde. Em diálogo com a coordenação de saúde, foi

informado que há cinco anos houve uma situação de conflito em que os

profissionais de saúde foram feitos reféns, o que alterou o procedimento para os

atendimentos da área.

Na entrada da unidade de saúde, existe uma cela de isolamento onde havia

três pessoas privadas de liberdade em tratamento em decorrência de

Tuberculose (TB). Um deles estava com soluço intermitente há aproximadamente

104
Complexo Penitenciário do Curado

seis meses e havia realizado cirurgia recente no maxilar. Nesta cela são isoladas

das demais as pessoas com TB ou covid.

Ao adentrar na unidade, existem mais duas celas, em uma delas estava um

jovem com diagnóstico de transtorno mental que pediu contato com a família

para receber kit de higiene e limpeza, além de roupas.

Na outra cela, havia outros dois casos de sofrimento mental que alegavam

ter sido diagnosticados ainda antes da prisão, com passagens pelo serviço de

saúde pública. Havia também pessoa com deficiência que morava na referida cela,

tendo em vista sua dificuldade de locomoção, contudo a cela e o banheiro não

eram adaptados a suas necessidades. Ademais, as pessoas alocadas nestas celas,

informaram não terem direito a banho de sol, mesmo uma delas sendo paciente

crônico com déficit em vitamina D.

Imagens 86 e 87 - Fotos da cela de isolamento e de outra cela relacionada ao

atendimento em saúde

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

A equipe de saúde relatou alta incidência de doenças respiratórias, como

tuberculose e asma, decorrentes e agravadas pela superlotação - questões

sanitárias; hanseníase; HIV e outras IST’s, como hepatite e sífilis; hipertensão;

diabetes; e doenças de pele (dermatite e furúnculo). No entanto, a equipe aduz

que o ambiente é inadequado para o atendimento de pacientes com tuberculose,

uma vez que não possui janelas, não é ventilado e é todo fechado, com ar-

105
Complexo Penitenciário do Curado

condicionado. Os números são os seguintes: 63 pessoas com tuberculose, 04 com

Hanseníase, 65 asmáticos, 49 com HIV, 72 hipertensos, 19 diabéticos: e 09 com

hepatite.

Sobre o abastecimento dos insumos da unidade de saúde, foi informado

que os pequenos problemas são comuns aos das unidades de saúde do Sistema

Único de Saúde (SUS) que não estão em prisões. O que costuma acabar ao final

do mês são os medicamentos da farmácia popular. Contudo, há bom diálogo com

o município que também acaba fornecendo eventuais medicações/insumos

faltantes. O sistema eletrônico utilizado é o E-SUS.

Também foi identificada dificuldade de acesso à atenção secundária -

consultas com especialidades e exames, assim como foi relatada demora em

procedimentos mais específicos que devem ser realizados fora da unidade do

PFDB, a exemplo da cirurgia de reconstrução do intestino em situação de

colostomia que deveria ocorrer entre 90 e 120 dias. Há caso na unidade

aguardando 02 anos por essa cirurgia, o que pode impactar negativamente no

procedimento, segundo informações técnicas.

Sobre serviço de fisioterapia, foi informado que a unidade não conta com

materiais e equipamentos necessários, como ultrassom, tens, bicicleta, barra

paralela e escada de canto, sendo que o profissional precisa levar alguns

equipamentos próprios todas as vezes que comparece ao PFDB.

Os principais agravos observados na área são: lesão de ligamento em

decorrência, na maioria dos casos, de arma de fogo e faca e dores nas costas em

virtude da dormida na “BR” (corredores).

No momento da inspeção, foi fornecida lista com 21 nomes de pacientes

com transtorno mental no PFDB alocados em vários espaços da unidade:

Enfermaria, Recuperação, Anexo, Conservação, E, F, Isolamento. Além disso,

também foi encaminhada relação com 220 nomes de PPL que fazem uso de

106
Complexo Penitenciário do Curado

psicotrópicos no PFDB. Segundo a Psicologia da saúde, em torno de 55% dos casos

de uso de psicotrópicos dizem respeito à abstinência do uso de drogas.

O Serviço Social da saúde é responsável pelo agendamento de exames,

acompanhamento dos idosos e pessoas com deficiência da unidade. Segundo as

pessoas privadas de liberdade, o procedimento para serem encaminhados para o

serviço de saúde é dar o nome para o agente de saúde no pavilhão e aguardar

cerca de um a dois meses para atendimento. Há muita reclamação das pessoas

presas em relação à barganha para com os agentes de saúde para que sua

demanda seja encaminhada. Segundo a administração prisional, entretanto, há

mutirão toda quarta-feira para que até 100 pessoas por semana passem por

todos os serviços e a equipe de enfermagem informou que há acompanhamento

mensal de todas as pessoas privadas de liberdade, sendo o resto dos

atendimentos realizados por demanda.

O quadro de pessoal da unidade prisional é composto por 72 policiais

penais, distribuídos entre 58 homens e 14 mulheres. Um dos servidores está

afastado há 2 anos, em licença saúde. O quadro funcional é insuficiente para a

adequada gestão da unidade, estando a maior parte designada para as funções

administrativas e não na função típica de segurança e controle.

Constatou-se que a presença do Estado não ultrapassa a entrada de cada

pavilhão, onde o preso é deixado à própria sorte. O reduzido efetivo de policiais

penais para número cada vez maior de detentos faz com que a administração

delegue de fato a gestão dos espaços aos denominados “representantes de

pavilhão”, que, em tese, seriam indicados pelos pares e validados pela

administração prisional, através de processo não suficientemente esclarecido e

que contam com equipe própria para a organização e disciplina dos presos sob

sua responsabilidade. Cite-se, a título de exemplo, detento que denunciou ter sido

agredido com socos e pontapés e ameaçado de morte com o emprego de arma

de fogo por um dos “representantes de pavilhão”. A pedido dos inspetores, a

107
Complexo Penitenciário do Curado

direção da unidade isolou o preso do restante da população carcerária e procedeu

a sua oitiva a respeito dos fatos, encaminhando-o em seguida à Delegacia de

Polícia para o registro da ocorrência e elaboração de exame de corpo de delito.

No mesmo dia o preso foi transferido e os fatos foram comunicados ao Juiz

Corregedor do estabelecimento.

Por fim, segundo a administração prisional, não houve óbitos de pessoas

privadas de liberdade no último ano, mas, no ano de 2019 houve nove óbitos.

108
Complexo Penitenciário do Curado

6. RESULTADOS PRELIMINARES E MONITORAMENTO

6.1 Adoção de medidas de urgência pela Corregedoria Nacional de Justiça

Conforme pode se constatar dos relatos realizados acima, a situação do

Complexo do Curado é extremamente grave e violadora de direitos básicos das

pessoas privadas de liberdade.

Deste modo, após constatação das condições estarrecedoras encontradas

durante a Correição Extraordinária realizada, o Conselheiro Supervisor do DMF,

Desembargador Mauro Martins, requereu a adoção de medidas de urgência, com

o fim de reestabelecer a otimização dos serviços penais e judiciais que

impactavam na privação de liberdade de pessoas inseridas no Complexo do

Curado.

Considerando que o cenário de violação de direitos humanos que perpetua

a situação de grave risco observada in locu, foram propostas as seguintes

medidas:

[a] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo


Tribunal de Justiça de Pernambuco para a redução da
população carcerária do Complexo do Curado, em
percentual de 70% (setenta por cento) do
contingente informado pela Secretaria de Justiça e
Direitos Humanos a este Conselho Nacional de Justiça,
na data de 15 de agosto próximo passado, dentro de um
prazo de oito (08) meses, a contar da publicação desta
decisão, conjuntamente com a interdição parcial das
unidades (artigo 66, VIII, da Lei de Execução Penal) para
proibir novos ingressos desde agora;
[b] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça de Pernambuco para que
implemente a revisão da situação processual de
todas as pessoas atualmente custodiadas nas três
unidades prisionais do referido Complexo Prisional
do Curado, cumprindo-se, rigorosamente, o disposto na

109
Complexo Penitenciário do Curado

Súmula Vinculante nº 56, do Supremo Tribunal Federal


do Brasil, previamente a qualquer determinação de
transferência, ficando vedadas transferências para
outras unidades que já estejam acima do limite da
capacidade, para se evitar o risco de se deslocar o
problema de superpopulação [ora e ali já] enfrentado
aos demais estabelecimentos do Estado;
[c] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça de Pernambuco para que inicie e
implemente, no prazo de 10 (dez) dias, a contar da
publicação desta decisão, regime especial de
prioridade e atuação, destinado à (i) revisão sobre a
necessidade de manutenção de prisões preventivas e (ii)
a adoção de providências para a retomada da instrução
criminal, prolação de sentenças e acórdãos, bem como
a regularização do andamento de todos os processos de
conhecimento e de execução penal, em todas as
unidades judiciais de 1º e de 2º grau do Tribunal de
Justiça de Pernambuco em que haja presos com mais de
100 (cem) dias sob custódia cautelar, informando-se ao
Conselho Nacional de Justiça a lista de processos
criminais, por unidade judicial e relatoria de
Desembargador, nessas condições;
[d] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça de Pernambuco para que se passe a
promover visitas quinzenais ao Complexo Prisional
do Curado, delas participando, conjuntamente e ao
menos, 05 juízes com competência criminal, 02 juízes
com competência de execução penal e 02
Desembargadores da Seção Criminal, mediante
programação (em sistema de rodízio) que deverá ser
previamente informada a este Conselho Nacional de
Justiça, destinadas ao monitoramento in loco das três
unidades do Complexo Prisional do Curado, até que a
lotação desses estabelecimentos alcance o
contingente determinado no item [a] acima referido.
Observa-se desde logo que as visitas não
deverão limitar-se ao ambiente administrativo, nem se
restringir a diálogos com os gestores prisionais, mas
deverão alcançar, sobretudo, as instalações e a
carceragem das três unidades prisionais,
documentando-se por fotos e vídeos a presença e as

110
Complexo Penitenciário do Curado

entrevistas dos juízes e Desembargadores com


presos nessas unidades, e outras providências
inerentes a todas as ambiências das três unidades do
Complexo Prisional do Curado.
[e] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça de Pernambuco para que inaugure
instância ou crie gabinete de crise destinado ao
monitoramento contínuo e permanente das
unidades prisionais do Complexo Prisional do
Curado, que deverá assegurar composição
interinstitucional, para acompanhar as providências
administrativas e judiciais aptas a enfrentar e
solucionar as condições desumanas e degradantes
em que se encontram as respectivas unidades
prisionais;
[f] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça de Pernambuco para que apresente
ao Conselho Nacional de Justiça plano de readequação
funcional e de reorganização da força de trabalho
junto às unidades de justiça criminal e de execução
penal de 1° grau de todo o Estado de Pernambuco
(em consonância com a Resolução CNJ 219, de 2016) –
de modo a assegurar, destacadamente, a recomposição
dos quadros de servidores nessas áreas de atuação,
com o respeito à proporção máxima de 300 processos
por servidor -, assim como para que providencie
cronograma destinado à conclusão da digitalização
do acervo de processos criminais em meio físico, no
prazo máximo de 6 (seis) meses.
[g] a adoção de providências por parte do Tribunal de
Justiça do Estado de Pernambuco para aprimorar a
estrutura material e funcional do Grupo de
Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário, considerando os parâmetros da Resolução
CNJ nº 214 de 15/12/2015, para que se permita o efetivo
cumprimento de suas atribuições, sem prejuízo das
providências para estruturar a recém-criada
Coordenadoria Criminal no âmbito do Tribunal.
[h] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça de Pernambuco para a realização de
mutirão de audiências de custódia para alcançar todas
as pessoas presas no Complexo Prisional do Curado que

111
Complexo Penitenciário do Curado

porventura não tenham sido realizadas, nos termos da


Resolução CNJ nº 213/2015 e da decisão proferida em 05
de agosto de 2022 pela Corregedoria Nacional de Justiça,
no processo administrativo nº 07227/2022, bem assim
para que se organize, conjuntamente com a Secretaria
da Justiça e de Direitos Humanos, o recenseamento e o
recadastramento de toda a população prisional do
Estado, inclusive a criação de protocolo para
estabelecer essa rotina, buscando a individualização
de todos os presos recolhidos a unidades prisionais
de Pernambuco, com a projeção desses dados e
levantamento sobre as plataformas eletrônicas dos
SEEU, BNMP e SISDEPEN.
[i] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça de Pernambuco para a retomada
imediata de audiências de custódia presenciais,
diariamente, com a presença de juízes, promotores
de justiça e defensores públicos, em todas as
unidades judiciais criminais do Tribunal de Justiça de
Pernambuco.

Em suma, o DMF/CNJ submeteu à Corregedoria Nacional de Justiça as

seguintes medidas concretas para reduzir a população prisional do Complexo do

Curado: (i) Interdição parcial das unidades, Proibição de Novos Ingressos e de

Transferências no Complexo do Curado; (ii) Mutirão Processual; (iii) Fiscalização e

Instauração de Inspeções quinzenais; (iv) Aprimoramento da Estrutura

administrativa: Plano de Readequação dos Quadros da Justiça Criminal e da

Execução Penal e Digitalização de Processos; (v) Realização de audiências de

custódia presenciais conforme a Resolução CNJ 213/201552 e os parâmetros

interpretativos do STF.

Sem prejuízo das ulteriores recomendações e deliberações decorrentes do

Relatório Final da Correição Extraordinária (a ser publicado pelo Conselho

Nacional de Justiça), informa-se que a manifestação do Conselheiro Mauro Pereira

52
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 213 de 15 de dezembro de 2015. Dispõe sobre
a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas. Brasília, DF:
Conselho Nacional de Justiça, 2015. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2234.

112
Complexo Penitenciário do Curado

Martins foi acolhida integralmente pela então Ministra Maria Thereza de Assis

Moura, Corregedora Nacional de Justiça, conforme inteiro teor da decisão,

disponível no Anexo B.

Além do acompanhamento da implementação das medidas de urgência

adotadas pela Corregedoria, está sendo elaborado o relatório final da inspeção

conjunta realizada entre o DMF/UMF e a Corregedoria Nacional de Justiça. Este

documento servirá como guia para adoção de providências estruturais, de forma

a adequar a prestação jurisdicional, otimizar a utilização dos sistemas virtuais e

qualificar os fluxos e procedimentos que impactam a privação de liberdade.

6.2 A deliberação favorável à aplicação da compensação penal a partir do


julgamento do IRDR 0008770-65.2021.8.17.9000 pelo TJPE

Após a realização da Missão do CNJ, o Tribunal de Justiça do Estado de

Pernambuco retomou o julgamento do incidente de resolução de demandas

repetitivas (IRDR n. 0008770-65.2021.8.17.9000)53, que versava sobre a legalidade

da aplicação do cômputo em dobro em decorrência das medidas provisórias da

Corte IDH. Em acórdão, a Seção Criminal concluiu pela prevalência do voto de vista

do Des. Carlos Moraes que, em linhas gerais, sugeriu as seguintes teses aprovadas

pelo colegiado:

Tese 1: A contagem em dobro do tempo de prisão cumprido


no Complexo Penitenciário do Curado, em Recife/PE,
estabelecida pela Resolução de 28/11/2018 da Corte IDH
possui a natureza jurídica de remição sui generis ou, mais
precisamente, de “remição por superlotação”;
Tese 2: Para evitar a superpopulação carcerária e as suas
consequências no Complexo Penitenciário do Curado, os
juízes da execução penal devem observar, em primeiro lugar,
a aplicação da Súmula Vinculante n° 56 e as diretrizes fixadas
pelo STF na repercussão geral do RE 641.320/RS;

53
TJPE. IRDR n. 0008770-65.2021.8.17.9000, Rel. para o acórdão Des.Carlos Moraes. Disponível em:
https://srv01.tjpe.jus.br/consultaprocessualunificada/processo/

113
Complexo Penitenciário do Curado

Tese 3: Após esgotados os parâmetros fixados no RE


641.320RS, o benefício da contagem em dobro do tempo de
prisão cumprido no Complexo Penitenciário do Curado, em
Recife/PE, previsto na Resolução de 28/11/2018 da Corte IDH,
somente se aplica aos detentos que não forem acusados ou
condenados em razão dos crimes contra a vida, a integridade
física e a dignidade sexual, assim classificados pelo Código
Penal, bem como àqueles recolhidos em virtude dos crimes
hediondos e equiparados previstos na Lei n° 8.072/90;
Tese 4: O termo inicial da contagem em dobro do tempo de
prisão cumprido no Complexo Prisional do Curado, em
Recife/PE, prevista na Resolução de 28/11/2018 da Corte IDH,
é a data do ingresso do detento no referido estabelecimento
prisional, independentemente da data em que o Estado
brasileiro foi notificado da deliberação;
Tese 5: Na hipótese de superveniente condenação por crime
posterior no curso da execução, antes de se proceder à soma
determinada pelo art. 111, parágrafo único, da Lei n°
7.210/84, faz-se necessário efetuar a separação das penas tão
somente para fins do cálculo do cômputo em dobro
estabelecido pela Resolução de 28/11/2018 da Corte IDH, a
fim de evitar a denominada “poupança de tempo de prisão”.

Cumpre afirmar, que esse processo se encontrava pendente de julgamento

desde 2021, obstaculizando o cumprimento da determinação da Corte

Interamericana de Direitos Humanos. Deste modo, houve pacificação do

entendimento jurisprudencial sobre os pontos mais relevantes da aplicação do

cômputo em dobro para as pessoas privadas de liberdade que cumprem ou

cumpriram pena no Complexo do Curado.

6.3 Medidas para cumprimento da decisão da Corregedoria Nacional

Com a finalidade de cumprir as medidas de urgência impostas pela

Corregedoria Nacional de Justiça ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, foi

formado um Gabinete de Crise destinado ao monitoramento contínuo e

114
Complexo Penitenciário do Curado

permanente das unidades prisionais do Complexo Prisional do Curado, através do

Ato Conjunto nº 34, de 19 de setembro de 2022.

O Gabinete de Crise – instituído para acompanhar as providências

administrativas e judiciais aptas a solucionar as condições desumanas em que se

encontram as pessoas privadas de liberdade no Complexo do Curado – é formado

por representantes do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), da Corregedoria

Geral de Justiça (CGJ), da Procuradoria Geral do Estado (PGPE), da Defensoria

Pública Estadual (DPPE), do Tribunal de Contas do Estado (TCEPE) e da Secretaria

de Estado de Justiça e Direitos Humanos (SJDH).

Segundo informações do referido gabinete interinstitucional, seus

componentes têm se reunido frequentemente a fim de deliberar sobre o

monitoramento das medidas tomadas. Em relação aos encaminhamentos feitos,

destacam-se: (i) a priorização do cumprimento das medidas de urgência oriundas

do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH) e as decorrentes da

Correição Extraordinária; bem como (ii) a articulação com o Tribunal de Contas do

Estado, com o intuito de agilizar à disposição de recursos para projetos

relacionados à infraestrutura do Complexo do Curado, bem como de conclusão

das unidades prisionais de Araçoiaba e Itaquitinga.

Dentre as respostas apresentadas pelo Gabinete de Crise para melhoria do

Sistema Prisional e, mais especificamente, do Complexo Prisional do Curado,

pontua-se que o TJPE instituiu um Grupo de Trabalho com dezesseis magistrados

para promover a revisão da situação processual das pessoas custodiadas nas

unidades do Curado. Nesse sentido, o Ato Conjunto n° 32/2002, de 02 de

setembro de 2022, que fundou o Grupo Especial de Prioridade e Atuação nas

Unidades com Competência Criminal, concedeu competência ao Grupo para:


I - Revisão sobre a necessidade de manutenção de prisões preventivas;
II - A adoção de providências para a retomada da instrução criminal,
prolação de sentenças, realização de audiências, bem como a
regularização do andamento de todos os processos de conhecimento e
de execução penal, em todas as unidades judiciais de 1º Grau do Tribunal

115
Complexo Penitenciário do Curado

de Justiça do Estado de Pernambuco em que haja presos com mais de 100


(cem) dias sob custódia cautelar;
III - Saneamento dos registros de todos os processos envolvendo pessoas
custodiadas no Complexo do Curado e demais unidades prisionais do
Estado de Pernambuco, mediante a inserção dos dados cadastrais
constantes nos sistemas administrativos do Poder Executivo nas bases de
dados do Poder Judiciário e a verificação da regularidade do cadastro de
mandado de prisão, alvarás de soltura e guias de recolhimento no Banco
Nacional de Monitoramento de Prisão – BNMP 2.0, no Sistema Eletrônico
de Execução Unificado – SEEU e no SISDEPEN do Ministério da Justiça;
IV - Reanálise de ofício e decisão em todos os processos envolvendo pais
ou responsáveis por crianças até 12 (doze) anos ou pessoas com
deficiência para deliberar acerca do enquadramento nas hipóteses de
concessão do Habeas Corpus coletivo, determinado pela Segunda Turma
do Supremo Tribunal Federal no HC 165.704/DF, Relator Ministro Gilmar
Mendes;
V - Objetivar a efetiva aplicação da Súmula Vinculante nº 56 do STF, a
implementação do instituto da compensação penal ou outras medidas
aptas à redução do contingente carcerário, segundo o que restou
determinado pela Resolução de Medidas Provisórias da Corte IDH de 28
de novembro de 2018.
No tocante ao cumprimento da Súmula Vinculante n° 56 do STF, bem como

de modo a evitar o risco de deslocar o problema da superlotação, foi relatada pelo

Gabinete de Crise a formulação de um plano de ação para transferências

temporárias de pessoas privadas de liberdade do Complexo do Curado para

outras unidades prisionais, tendo como objetivo redistribuir a população

carcerária do Complexo e esvaziar o Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB), para

demolição e construção de nova unidade. Cumpre ressaltar ainda que este plano

de ação já está em execução, como pode se observar nas fotos a seguir:

116
Complexo Penitenciário do Curado

Imagens 88, 89, 90 e 91 – Fotos da demolição do Presídio Frei Damião de Bozzano

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

No que se refere à revisão sobre a necessidade de manutenção de prisões

preventivas e a adoção de providências para a retomada da instrução criminal,

prolação de sentenças e acórdãos, bem como a regularização do andamento dos

processos de conhecimento e execução penal, reitera-se a competência do Grupo

Especial de Prioridade e Atuação. Nesse sentido, dentre as ações promovidas pelo

Grupo Especial, afirma-se que foram analisados cerca de 1386 processos e

proferidas 390 decisões revogando prisões preventivas até 11/11/2022.

No tocante à avaliação da situação carcerária, também se menciona a

redistribuição de 50 servidores para a área criminal, de modo que esta

reorganização da força de trabalho também viabiliza uma maior estruturação das

varas com competência criminal. Sob esta ótica, em relação à readequação

funcional junto às unidades de justiça criminal e de execução penal de 1° grau do

Estado de Pernambuco, sublinha-se a edição do Ato n° 762, de 17 de agosto de

2022, o qual estabeleceu a redistribuição de servidores lotados na área

administrativa para a área fim, com atuação na esfera criminal.

Além disso, no âmbito das ações realizadas pelo TJPE, também é importante

mencionar o desenvolvimento de ações de capacitação nos sistemas BNMP e

SEEU pela Escola da Magistratura, de modo a corrigir inconsistências nestes

sistemas e otimizar a alimentação dos dados, tornando-os mais próximos da

realidade. Em relação ao BNMP, afirma-se que foi ofertado curso para os

117
Complexo Penitenciário do Curado

servidores com atuação nos polos de audiência de custódia e central de flagrante

da capital. Por sua vez, o SEEU está em fase de expansão, de maneira que a

Instrução Normativa Conjunta n° 11, de 30 de agosto de 2022 previu a

implantação deste sistema em vinte e quatro unidades judiciárias.

Em relação à Defensoria Pública do Estado de Pernambuco (DPPE), a partir

da assinatura de Termo de Cooperação com o Governo do Estado de Pernambuco,

foi pactuada a ampliação da atuação do órgão no sistema prisional mediante a

expansão do quadro de defensores, da presencialidade dos membros da

instituição nos estabelecimentos prisionais, bem como o alargamento das frentes

de atuação. Sob esta perspectiva, menciona-se que houve a nomeação de 28

defensores públicos para cobrir as unidades prisionais do Estado e, além disso,

também houve o destacamento de dez defensoras públicas para atuação

ininterrupta, em todos os dias da semana, no Complexo do Curado.

Por sua vez, a Secretaria Executiva de Ressocialização (SERES) também

elencou algumas estratégias e planos de ação a serem executados. No que se

refere à estratégia para a construção de novas vagas, a conclusão das obras nos

Complexos Prisionais de Araçoiaba e de Itaquitinga foram elencadas como planos

de ação prioritários a serem executados.

Nesta perspectiva, foi estipulada a avaliação dos entraves das obras e a

organização das ações de mitigação em Araçoiaba. Este complexo prisional será

formado por sete unidades prisionais, sendo cinco destinadas aos reeducandos

masculinos e duas destinadas às reeducandas femininas. No que se refere à

Itaquitinga, pretende-se realizar a recuperação e reforma da Unidade Prisional de

Itaquitinga (Unidades 3, 4 e 5).

Em relação à estratégia de alternativa ao encarceramento, nomearam-se

como planos de ação: a licitação da contratação do serviço de monitoramento

eletrônico em andamento e a publicação da Lei de Penas Alternativas, que visa

fortalecer e institucionalizar as ações de alternativas penais. Nesse sentido, a Lei

118
Complexo Penitenciário do Curado

n° 17.912, de 18 de agosto de 2022 institui a Política Estadual de Alternativas

Penais de Pernambuco, que possui um enfoque restaurativo, em substituição à

privação de liberdade.

No tocante à reestruturação de pessoal, elegeram-se como planos de ação:

a seleção de profissionais multidisciplinares da SERES, com a finalidade de reduzir

o déficit da proporção entre profissionais e a população carcerária; a

reestruturação do Curso de Formação dos Policiais Penais; e a aprovação de

Projeto de Lei Complementar para ampliação do número de policiais penais

efetivos, aumentando o quadro de servidores de dois mil para quatro mil policiais.

Por fim, no que se refere à requalificação do espaço, foram traçados

diversos planos de ação. Dentre eles, estabeleceu-se o acompanhamento mensal

do remanejamento da população carcerária, por meio da atualização mensal de

planilha das saídas, seus respectivos motivos e a unidade prisional. A partir de

projeções elaboradas com base na média de saídas das últimas semanas, a

previsão é de que em abril de 2023 seja alcançada a meta de redução de 70% do

número total de presos existentes no Complexo. Nesse sentido, ressalta-se que

em agosto, havia 6.508 pessoas presas, ao passo que em novembro, o número já

havia reduzido para 5.378 pessoas privadas de liberdade.

Também para contribuir com a requalificação de espaço, foi instituído

Grupo de Trabalho vinculado à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de

Pernambuco (SJDH) por meio do Decreto Estadual n° 53.364/2022 com o fito de

avaliar e propor alternativas para a ampliação da infraestrutura do sistema

prisional no Estado de Pernambuco. Ademais, após o fechamento da porta de

entrada do Complexo do Curado, isto é, depois da interrupção da entrada de

novos presos, informa-se que foi contratada empresa de engenharia para

requalificação do referido Complexo, de modo a implantar uma nova unidade

prisional que substituirá o Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB) e terá 954

vagas.

119
Complexo Penitenciário do Curado

7. CONCLUSÃO

Diante de tudo que foi acima relatado, constata-se claramente que as

históricas violações de direitos humanos continuam ocorrendo no Complexo do

Curado. As dificuldades estruturais para superação da situação calamitosa em

que se encontra o sistema penitenciário de Pernambuco demandam atuação

comprometida e conjugada das diversas instituições que fazem parte do Sistema

de Justiça Pernambucano.

A despeito da série de Medidas Provisórias impostas pela Corte

Interamericana de Direitos Humanos sobre o Complexo do Curado, o contexto de

superlotação, condições degradantes e violações de direitos continuam

ocorrendo e sua superação não será resultado de soluções fáceis ou transitórias.

A Missão Conjunta do Conselho Nacional de Justiça, as determinações da

Corregedoria Nacional e os aportes da UMF tiveram o efeito de mobilização

inédita das autoridades locais para que atuem juntas na superação do problema.

A situação de extrema gravidade no Complexo do Curado gerou um Gabinete e

um plano de crise, este último formulado para atender a um estado de extrema

urgência.

Nos últimos três (03) meses, o Estado de Pernambuco empreendeu

esforços e energia notáveis, avanços do quais não se tem notícia terem sido

realizados nos últimos seis (06) anos. Tal empenho resulta da compreensão, por

parte de todos os atores do sistema de justiça, de que as soluções para os difíceis

problemas do Complexo do Curado resultam de ação conjunta e estratégica de

todas as instituições.

Atualmente, está em marcha um processo de transição de governo

estadual, que se espera dê seguimento a toda esta recente mobilização e

transformação da situação do Curado, para que as estratégias e iniciativas em

120
Complexo Penitenciário do Curado

início de implementação se convertam em políticas de governo permanentes e

não sejam abandonadas pelo governo de ocasião.

Ademais, o Estado ainda se faz devedor de um Plano de Contingência

preciso e consistente, bem como de sua implementação de forma comprometida,

planejada e eficiente, com o fim de buscar soluções de longo prazo para o

cumprimento das Medidas Provisórias estabelecidas pela Corte Interamericana

de Direitos Humanos e fazer cessar de modo definitivo as graves violações de

direitos humanos. Inclusive, faz-se necessária a elaboração, pelo Gabinete de

Crise, de documento detalhando as ações já realizadas e os planos de ação a

serem realizados nos horizontes de curto e médio prazo, com relação a cada uma

das instituições, valendo-se da utilização de mecanismos e estratégias de gestão

capazes de definir metas claras e exequíveis, além de prazos e riscos a serem

mitigados.

Diante deste quadro, o Conselho Nacional de Justiça está atento a todas as

ações do Gabinete de Crise, bem como em relação às futuras medidas do próximo

governo. Cabe ressaltar, que a Unidade de Monitoramento e Fiscalização das

decisões da Corte IDH (UMF) continuará monitorando a situação do Complexo do

Curado e atuando na manutenção do esforço conjunto e interinstitucional,

orientando e apoiando em todo processo de transformação do Curado e

cobrando providências em relação ao cumprimento das determinações da

Corregedoria Nacional, bem como das decisões da Corte Interamericana de

Direitos Humanos.

121
Complexo Penitenciário do Curado

REFERÊNCIAS

BENEDITO, Deise. A favelização do Complexo do Curado e a ilicitude da


existência: uma faceta das violações de direitos humanos no sistema
penitenciário brasileiro. 2019. 135 f., il. Dissertação (Mestrado em Direito) —
Universidade de Brasília, Brasília, 2019. Disponível em:
https://repositorio.unb.br/handle/10482/35875?locale=en. Acesso em: 04 mai.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito


Fundamental n° 347. Relator: Min. Marco Aurélio. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4783560. Acesso em: 04
mai. 2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus Coletivo n° 165.704/DF.


Relator: Min. Gilmar Mendes. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5596542. Acesso em:
28 abr. 2023.

BRASIL. Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal.


Brasília, DF: Presidência da República, 2022. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 03 mai. 2023.

BRASIL. Lei n° 12.106 de 2 de dezembro de 2009. Cria, no âmbito do Conselho


Nacional de Justiça, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas e dá outras
providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2009. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12106.htm. Acesso
em 03 mai. 2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Encerramento da Missão e Adesão do TJPE


ao Pacto Nacional do Judiciário pelos Direitos Humanos. Recife, 2022.
Disponível em:
https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/albums/72177720301445075/with/523
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CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Inspeção nas Unidades Prisionais de


Pernambuco. Recife, 2022. Disponível em:
https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/albums/72177720301370877/with/522
92066923/. Acesso em: 16 mai. 2023.

122
Complexo Penitenciário do Curado

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Concurso Nacional de Decisões Judiciais e


Acórdãos em Direitos Humanos. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça 2022.
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/02/edital-
concurso-nacional-de-decisoes-judiciais-e-acordaos-em-direitos-humanos.pdf.
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atualização em monitoração eletrônica. Notícias, Brasília, 15 jun. 2022.
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-promove-atualizacao-em-monitoracao-
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CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Informe sobre as medidas provisórias


adotadas em relação ao Brasil. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2021.
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2021/06/Medidas_Provisorias_adotadas_em_relacao_ao_Brasil_
2021-06-16_V5.pdf. Acesso em: 04 mai. 2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 414 de 02 de setembro de


2021. Estabelece diretrizes e quesitos periciais para a realização dos exames de
corpo de delito nos casos em que haja indícios de prática de tortura e outros
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, conforme os parâmetros do
Protocolo de Istambul, e dá outras providências. Brasília, DF: Conselho Nacional
de Justiça, 2021. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4105. Acesso
em 27 abr. 2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 412 de 23 de agosto de 2021.


Estabelece diretrizes e procedimentos para a aplicação e o acompanhamento da
medida de monitoramento eletrônico de pessoas. Brasília, DF: Conselho Nacional
de Justiça, 2021. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4071. Acesso
em: 27 abr. 2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Sistema Eletrônico de Execução Unificado


(SEEU). Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2020. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/10/Folder-SEEU.pdf. Acesso em:
05 mai. 2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA; PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O


DESENVOLVIMENTO; ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DROGAS E CRIME.
Manual de prevenção e combate à tortura e maus-tratos para audiência de
custódia. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2020. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/11/manual_de_tortura-web.pdf.
Acesso em: 28 abr. 2023.

123
Complexo Penitenciário do Curado

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 280 de 09 de abril de 2019.


Estabelece diretrizes e parâmetros para o processamento da execução penal nos
tribunais brasileiros por intermédio do Sistema Eletrônico de Execução Unificado
– SEEU e dispõe sobre sua governança. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça,
2019. Disponível: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2879. Acesso em: 05 mai.
2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 223 de 27 de maio de 2016.


Institui o Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU) como sistema de
processamento de informações e prática de atos processuais relativos à execução
penal e dá outras providências. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2016.
Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2285. Acesso em: 28 abr.
2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução n° 213, de 15 de dezembro de


2015. Dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no
prazo de 24 horas. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2015. Disponível em:
https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2234. Acesso em: 25 abr. 2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Curso de Capacitação: Controle de


Convencionalidade. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/poder-
judiciario/relacoes-internacionais/monitoramento-e-fiscalizacao-das-decisoes-
da-corte-idh/pacto-nacional-do-judiciario-pelos-direitos-humanos/curso-de-
capacitacao-controle-de-convencionalidade/. Acesso em: 05 mai. 2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Seminário: As medidas provisórias da Corte


IDH no Complexo de Curado. Recife: CNJ, 2022. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=0unWDSESPhU. Acesso em: 28 abr. 2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ e Corregedoria Nacional de Justiça


Realizam Trabalho para Aperfeiçoamento do Sistema Prisional de
Pernambuco. Recife, 2022. Disponível em:
https://www.flickr.com/photos/cnj_oficial/albums/72177720301333080. Acesso
em: 28 abr. 2023.

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Assunto do Complexo


Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução
de 28 de novembro de 2018. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/medidas/curado_se_06_por.pdf. Acesso em: 02
mai. 2023.

124
Complexo Penitenciário do Curado

PERNAMBUCO. Lei n° 15.755, de 4 de abril de 2016. Institui o Código


Penitenciário do Estado de Pernambuco. Recife, PE: Governador do Estado, 2016.
Disponível em:
https://legis.alepe.pe.gov.br/texto.aspx?tiponorma=1&numero=15755&complem
ento=0&ano=2016&tipo=&url=. Acesso em: 27 abr. 2023.

SECRETARIA DO ESTADO DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA. Resolução SEAP n°


774 de 26 de junho de 2019. Normatiza as rotinas administrativas para os casos
de óbito de internos ocorridos no âmbito das unidades prisionais e hospitalares
da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do RJ – SEAP/RJ e em
Hospitais da Rede Pública e/ou Particulares. Rio de Janeiro, RJ: SEAP, 2019.
Disponível em: chrome-
extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/http://sti.seap.rj.gov.br/sti/admin
/uploads/resolucoes/2019/Resolu%C3%A7%C3%A3o%20774.pdf. Acesso em: 05
mai. 2023.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO. Visita do CNJ ao TJPE para aprimorar


sistema prisional termina nesta sexta-feira (19/8). Pernambuco, 2022.
Disponível em: https://www.tjpe.jus.br/-/visita-do-cnj-ao-tjpe-para-aprimorar-
sistema-prisional-termina-nesta-sexta-feira-19--1. Acesso em: 05 mai. 2023.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO. TJPE recebe força-tarefa do CNJ para


aprimorar sistema prisional. Pernambuco, 2022. Disponível em:
https://www.tjpe.jus.br/-/tjpe-recebe-forca-tarefa-do-cnj-para-aprimorar-sistema-
prisional. Acesso em: 04 mai. 2023.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO. Incidente de Resolução de Demanda


Repetitiva n. 0008770-65.2021.8.17.9000. Rel. para o acórdão Des. Carlos
Moraes. Disponível em:
https://srv01.tjpe.jus.br/consultaprocessualunificada/processo/. Acesso em 05
mai. 2023.

125
Complexo Penitenciário do Curado

LISTA DE ANEXOS

Anexo A – Solicitação de Medidas de Urgência realizada pelo Conselheiro

Supervisor Mauro Pereira Martins

Anexo B – Medidas de Urgência adotadas pela Corregedoria Nacional de Justiça

Anexo C – Petição Inicial do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas –

IRDR nº 0008770-65.2021.8.17.9000

Anexo D – Parecer da UMF/CNJ para instrução dos autos do IRDR

Anexo E – Acórdão IRDR

Anexo F – Medida Cautelar no Habeas Corpus nº 208.337/PE, de Relatoria do

Ministro Edson Fachin

Anexo G– Manifestação do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do

Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do

Conselho Nacional de Justiça (DMF) para instrução dos autos do Habeas Corpus

nº 208.337/PE, de Relatoria do Ministro Edson Fachin

Anexo H – Relatórios de medidas realizadas em Pernambuco pelo Gabinete de

Crise

126
Anexo A
Solicitação de Medidas de
Urgência realizada pelo
Conselheiro Supervisor
Mauro Pereira Martins
Conselho Nacional de Justiça
PJe - Processo Judicial Eletrônico

24/08/2022

Número: 0004051-15.2022.2.00.0000
Classe: CORREIÇÃO ORDINÁRIA
Órgão julgador colegiado: Plenário
Órgão julgador: Corregedoria
Última distribuição : 04/07/2022
Valor da causa: R$ 0,00
Assuntos: Inspeção Pernambuco
Objeto do processo: TJPE - Portaria Conjunta CN DMF nº 02, de 1º de julho de 2022 - Verificação -
Sistemas e plataformas eletrônicas - Mutirão - Inspeções - Estabelecimentos prisionais.
Segredo de justiça? SIM
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes Procurador/Terceiro vinculado
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ (CORRIGENTE)
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO -
TJPE (CORRIGIDO)
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE
PERNAMBUCO - CGJPE (CORRIGIDO)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
48332 23/08/2022 19:17 Despacho (1384318) -DMF - do SEI 06632/2022 Despacho digitalizado
67
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
SAF SUL Quadra 2 Lotes 5/6 Blocos E e F - CEP 70070-600 - Brasília - DF
www.cnj.jus.br

DESPACHO

DEPARTAMENTO DE MONITORAMENTO E FISCALIZAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO


E DO SISTEMA DE EXECUÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS - DMF

CONSELHEIRO SUPERVISOR MAURO PEREIRA MARTINS

Trata-se de expediente instaurado com o objetivo de submeter à Corregedoria Nacional de Justiça


proposta de adoção de providências acautelatórias de urgência, ad referendum do Plenário do Conselho
Nacional de Justiça, em face da superlotação e da absoluta insalubridade das unidades prisionais do
Complexo Prisional do Curado, e de circunstâncias que delineiam um insatisfatório funcionamento do
sistema carcerário e de justiça criminal de Pernambuco, considerando (i) fatos concretos constatados
durante a Correição Extraordinária, determinada pela Portaria Conjunta CNJ/DMF nº 2 de 01 de 07 de 2022,
e (ii) a necessidade de se restabelecer a otimização dos serviços penais e judiciais local, sobretudo assegurar
o cumprimento integral da medida provisória da Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante,
apenas, Corte IDH).

A Missão Conjunta da Corregedoria Nacional de Justiça e do Departamento de Monitoramento


e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (doravante,
apenas, Missão) contemplou visitas aos Presídios ASP Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), Juiz
Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e Frei Damião de Bozzano (PFDB) – as três unidades que
compõem o Complexo Prisional do Curado – para o monitoramento dos indícios de graves violações a
direitos humanos e diversas irregularidades e inconsistências administrativas e judiciais inerentes ao
funcionamento das referidas unidades penais, situações essas em desconformidade com as medidas
provisórias outorgadas pela Corte IDH.

Os fatos apurados no âmbito da Missão, a partir das visitas a varas judiciais e aos
estabelecimentos prisionais do Estado de Pernambuco, vão integrar e fazer parte do Relatório Final, com os
achados e constatações dessas diligências depreendidas, e as respectivas determinações a serem cumpridas
pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco e recomendações que serão destinadas ao Poder Executivo, ao
Ministério Público e à Defensoria Pública, após a regular apreciação do Plenário do Conselho Nacional de
Justiça.

Contudo e por agora, o gravíssimo e reiterado cenário de violação de direitos humanos no


Complexo Prisional do Curado enseja providências imediatas, motivo pelo qual se submete a presente
proposta para o implemento, desde logo, de medidas de urgência no curso da CorOrd 0004051-

Assinado eletronicamente por: IRANEIDE PEREIRA DE ALMEIDA - 23/08/2022 19:17:11 Num. 4833267 - Pág. 1
https://www.cnj.jus.br:443/pjecnj/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22082319170882000000004382009
Número do documento: 22082319170882000000004382009
15.2022.2.00.0000, consoante se depreende da autorização regimental prevista no artigo 58 do Regimento
[1]
Interno do Conselho Nacional de Justiça .

Em síntese, propõe-se:
[a] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco para a
redução da população carcerária do Complexo do Curado, em percentual de 70% (setenta por cento)
do contingente informado pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos a este Conselho Nacional de
Justiça, na data de 15 de agosto próximo passado, dentro de um prazo de oito (08) meses, a contar da
publicação desta decisão, conjuntamente com a interdição parcial das unidades (artigo 66, VIII, da Lei
de Execução Penal) para o fim de proibir novos ingressos desde agora;
[b] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco para que
implemente a revisão da situação processual de todas as pessoas atualmente custodiadas nas três
unidades prisionais do referido Complexo Prisional do Curado, cumprindo-se, rigorosamente, o
disposto na Súmula Vinculante nº 56, do Supremo Tribunal Federal do Brasil, previamente a
qualquer determinação de transferência, ficando vedadas transferências para outras unidades que já
estejam acima do limite da capacidade, para se evitar o risco de se deslocar o problema de
superpopulação [ora e ali já] enfrentado aos demais estabelecimentos do Estado;

[c] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco para que
inicie e implemente, no prazo de 10 (dez) dias, a contar da publicação desta decisão, regime especial
de prioridade e atuação, destinado à (i) revisão sobre a necessidade de manutenção de prisões preventivas
e (ii) a adoção de providências para a retomada da instrução criminal, prolação de sentenças e acórdãos,
bem como a regularização do andamento de todos os processos de conhecimento e de execução penal, em
todas as unidades judiciais de 1º e de 2º grau do Tribunal de Justiça de Pernambuco em que haja presos com
mais de 100 (cem) dias sob custódia cautelar, informando-se ao Conselho Nacional de Justiça a lista de
processos criminais, por unidade judicial e relatoria de Desembargador, nessas condições;

[d] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco para que
se passe a promover visitas quinzenais ao Complexo Prisional do Curado, delas participando,
conjuntamente e ao menos, 05 juízes com competência criminal, 02 juízes com competência de
execução penal e 02 Desembargadores da Seção Criminal, mediante programação (em sistema de
rodízio) que deverá ser previamente informada a este Conselho Nacional de Justiça, destinadas ao
monitoramento in loco das três unidades do Complexo Prisional do Curado, até que a lotação desses
estabelecimentos alcance o contingente determinado no item [a] acima referido.

Observa-se desde logo que as visitas não deverão limitar-se ao ambiente administrativo,
nem se restringir a diálogos com os gestores prisionais, mas deverão alcançar, sobretudo, as
instalações e a carceragem das três unidades prisionais, documentando-se por fotos e vídeos a
presença e as entrevistas dos juízes e Desembargadores com presos nessas unidades, e outras
providências inerentes a todas as ambiências das três unidades do Complexo Prisional do Curado.

[e] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco para que
inaugure instância ou crie gabinete de crise destinado ao monitoramento contínuo e permanente das
unidades prisionais do Complexo Prisional do Curado, que deverá assegurar composição
interinstitucional, para acompanhar as providências administrativas e judiciais aptas a enfrentar e

Assinado eletronicamente por: IRANEIDE PEREIRA DE ALMEIDA - 23/08/2022 19:17:11 Num. 4833267 - Pág. 2
https://www.cnj.jus.br:443/pjecnj/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22082319170882000000004382009
Número do documento: 22082319170882000000004382009
solucionar as condições desumanas e degradantes em que se encontram as respectivas unidades
prisionais;

[f] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco para que
apresente ao Conselho Nacional de Justiça plano de readequação funcional e de reorganização da força
de trabalho junto às unidades de justiça criminal e de execução penal de 1° grau de todo o Estado de
Pernambuco (em consonância com a Resolução CNJ 219, de 2016) – de modo a assegurar,
destacadamente, a recomposição dos quadros de servidores nessas áreas de atuação, com o respeito à
proporção máxima de 300 processos por servidor -, assim como para que providencie cronograma
destinado à conclusão da digitalização do acervo de processos criminais em meio físico, no prazo
máximo de 6 (seis) meses.

[g] a adoção de providências por parte do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco para
aprimorar a estrutura material e funcional do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário, considerando os parâmetros da Resolução CNJ nº 214 de 15/12/2015, para que se permita o
efetivo cumprimento de suas atribuições, sem prejuízo das providências para estruturar a recém-criada
Coordenadoria Criminal no âmbito do Tribunal.

[h] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco para a
realização de mutirão de audiências de custódia para alcançar todas as pessoas presas no Complexo
Prisional do Curado que porventura não tenham sido realizadas, nos termos da Resolução CNJ nº 213/2015
e da decisão proferida em 05 de agosto de 2022 pela Corregedoria Nacional de Justiça, no processo
administrativo nº 07227/2022, bem assim para que se organize, conjuntamente com a Secretaria da
Justiça e de Direitos Humanos, o recenseamento e o recadastramento de toda a população prisional
do Estado, inclusive a criação de protocolo para estabelecer essa rotina, buscando a individualização
de todos os presos recolhidos a unidades prisionais de Pernambuco, com a projeção desses dados e
levantamento sobre as plataformas eletrônicas dos SEEU, BNMP e SISDEPEN.

[i] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco para a
retomada imediata de audiências de custódia presenciais, diariamente, com a presença de juízes,
promotores de justiça e defensores públicos, em todas as unidades judiciais criminais do Tribunal de
Justiça de Pernambuco.

I - Contexto de adoção da tutela de urgência interamericana deferida em face da gravíssima situação


observada no Complexo do Curado

O Complexo Prisional do Curado é objeto de medidas de urgência, oriundas do Sistema


Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), há mais de 1 (uma) década, desde quando a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) outorgou medidas cautelares, aos 04 de agosto de 2011, em
razão do cenário de risco à vida, à saúde e à integridade das pessoas privadas de liberdade naquele local.

Diante da ausência de providências por parte do Estado Brasileiro, a CIDH, após três anos,
remeteu o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), relatando o elevado índice de

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mortes violentas (55 mortes entre 2008-2013, sendo 6 mortes apenas no ano de 2013), as evidências de
tortura e violência sexual, o tratamento degradante decorrente da superlotação, a extrema
insalubridade, a falta de acesso à água tratada, as más condições carcerárias e a precariedade no
atendimento à saúde.

Em 22 de maio de 2014, a Corte IDH determinou Medidas Provisórias para que o Estado
brasileiro adotasse ações necessárias à resolução da aludida situação.

E nessa decisão inaugural, o Tribunal Interamericano conferiu ao Estado certa margem de


discricionariedade para elaborar um pacote de medidas voltados à solução dos problemas estruturais (em
especial a superlotação), sanitários e ao altíssimo índice de violência intramuros, além dos graves aspectos
relacionados às condições de detenção.

Esta é, aliás, uma tendência observada nas medidas provisórias da Corte IDH: as primeiras
decisões relacionadas a tutelas de urgência geralmente deferem aos Estados a possibilidade de adotar
soluções próprias, conforme suas opções de políticas públicas disponíveis e seus próprios desenhos
institucionais de ações para enfrentamento do problema, sem determinar, necessariamente, os meios a serem
adotados.

Ocorre que, ao longo da supervisão do cumprimento da decisão, a Corte emitiu outras


[2]
cinco resoluções , uma vez constatado que a atual situação do Complexo Prisional do Curado
permanece no mesmo nível de gravidade do contexto fático apresentado em 2011 à CIDH.

A Corte IDH segue sua jurisprudência constante, no sentido de que continuará com o
procedimento interamericano de cumprimento da decisão de medidas provisórias até que a situação de
grave risco reportada seja resolvida.

Para aferir a evolução do cumprimento de suas decisões, dado o caráter coletivo da tutela
concedida, o Tribunal Interamericano tem pautado a sua análise com base em dados concretos sobre os
pontos problemáticos detectados, em especial: a superlotação carcerária, o número de mortes violentas, o
número de mortes não-violentas em razão de questões sanitárias precárias e a ausência de acesso ao direito
a tratamento de saúde condigno, a existência de denúncias de tortura e as condições de detenção
degradantes.

Constatada a morosidade do Estado brasileiro em relação a tais aspectos, a 6ª Resolução


da Corte Interamericana a respeito da situação do Complexo Prisional do Curado, datada de
[3]
novembro de 2018 , determinou a adoção de providências imediatas voltadas à redução da
superlotação nos estabelecimentos penais, dentre as quais destacamos aquelas mais relevantes para a
presente sugestão de medidas urgentes de monitoramento das condições das pessoas privadas de liberdade e
de redução da população prisional, como a proibição da entrada de novos custodiados e de transferências
para outras unidades prisionais superlotadas, verbis:
1. Requerer ao Estado que adote imediatamente todas as medidas que sejam
necessárias para proteger eficazmente a vida, a saúde e a integridade pessoal
de todas as pessoas privadas de liberdade no Complexo de Curado bem como
de qualquer pessoa que se encontre nesse estabelecimento, inclusive os agentes
penitenciários, os funcionários e os visitantes. Solicitar também que ponha em
execução imediatamente o Diagnóstico Técnico e o Plano de Contingência, de
acordo com o exposto nos Considerandos 8 a 13 da presente resolução.

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[...]
4. O Estado deve tomar as medidas necessárias para que, em atenção ao
disposto na Súmula Vinculante Nº. 56, do Supremo Tribunal Federal do Brasil,
a partir da notificação da presente resolução, não ingressem novos presos no
Complexo de Curado, e nem se efetuem traslados dos que estejam ali alojados
para outros estabelecimentos penais, por disposição administrativa. Quando,
por ordem judicial, se deva trasladar um preso a outro estabelecimento, o disposto a
seguir, a respeito do cômputo duplo, valerá para os dias em que tenha permanecido
privado de liberdade no Complexo de Curado, em atenção ao disposto nos
Considerandos 118 a 133 da presente resolução.

A despeito de tais determinações, o Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA),


o Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e o Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB)
seguem em situação de superlotação com 6.509 pessoas, para uma capacidade de 1.819 presos,
conforme contagem divulgada pela Administração Penitenciária em 15 de agosto de 2022, data
inaugural da Correição Extraordinária deste Conselho Nacional de Justiça junto ao Tribunal de
Justiça de Pernambuco.
Esse quantitativo confere a porcentagem excedente de quase 360% da lotação das três
unidades que compõem o Complexo Prisional do Curado.

Além disso, conforme dados informados durante a Missão, o quantitativo de agentes


penitenciários/policiais penais que atuam nas unidades é absolutamente ínfimo, correspondendo à
proporção de 01 agente para cada 30 (trinta) a 32 (trinta e dois) pessoas presas, ou seja, muito acima
da determinação da Resolução CNPCP nº 9, de 13 de novembro de 2009, que indica a proporção de 5
(cinco) presos por agente penitenciário.

As inspeções realizadas nas unidades prisionais do Curado, no curso da Correição Extraordinária,


aos 16, 17 e 18 de agosto de 2022, constataram situação de ininterrupta superlotação, a convivência
degradante e a precariedade severa da estrutura física desses estabelecimentos para o alojamento de pessoas
privadas de liberdade.

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Durante as inspeções, igualmente foi constatado o avançado processo de “favelização”, em
curso nas unidades do Complexo Prisional, marcadas pelo elevado contingente populacional
custodiado em espaço sem saneamento e com instalações improvisadas e impróprias, presos esses que
ficam expostos ao próprio relento e às intempéries da natureza.

Ainda, constatou-se a ausência de controle por parte da administração prisional sobre os


pavilhões e espaços de custódia, nos quais a gestão da movimentação da população prisional, a
aplicação de medidas disciplinares e o acesso às assistências sociais básicas preconizadas pela Lei de
Execução Penal não são prerrogativas executadas por servidores penais.

O alojamento das pessoas nos espaços comuns das unidades prisionais, inclusive na área
externa e sem-teto, em situações semelhantes às de “pessoas em situação de rua”, com barracos
construídos e improvisados pelos próprios custodiados e geridos conforme relações de poder
paraestatais, contraria todos os parâmetros e estândares definidos em normativas nacionais e
internacionais, conforme evidenciam graficamente as fotos abaixo colacionadas:

Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB)

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Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros – PJALLB

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Presídio Asp Marcelo Francisco Araújo - PAMFA

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A proporção de agentes prisionais por pessoas presas significantemente baixa e a delegação da
gestão administrativa e da segurança no interior das unidades aos próprios presos (chamados de
“Chaveiros” ou “representantes”), a quem se delega autoridade disciplinar sobre os outros internos e a
execução de atividades próprias do Estado, também se revela como situação insustentável e inadmissível.
Ressalta-se, ainda, a constatação da falta de água potável e alimentação adequada e em
quantidade suficiente, o que enseja a ostensiva comercialização [pelos próprios presos, uns em detrimento
de outros] de insumos de sobrevivência básica, vendidos em "cantinas", com preços abusivos.
Também foi identificada a falta de disponibilização de kits de higiene e vestuário para as
pessoas presas, o que reforça esse mercado paralelo de comercialização de insumos nas unidades, a facilitar,
inclusive, situações de sujeição, corrupção e violência.

Embora esse mesmo contexto tenha sido identificado em outras unidades do sistema
prisional pernambucano, forçoso admitir que no caso do Complexo Prisional do Curado se mostra
ainda mais patente a responsabilidade por parte dos órgãos constituídos, incluindo-se o Executivo,
mas notadamente também do Poder Judiciário.
Isto porque, apesar de a Corte IDH ter determinado expressamente a proibição de novos
ingressos como medida de controle da população carcerária na aludida Resolução de novembro de
2018, o Complexo Prisional do Curado continuou a receber novos custodiados, ininterruptamente.
Ademais, seguem pendentes de implementação Plano de Contingências e o recálculo da pena das

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pessoas custodiadas nas respectivas unidades para a aplicação do cômputo em dobro, consoante
deliberado pela Corte IDH.

O quadro assim delineado configura expressa violação da determinação da Corte IDH, de modo
que a permanência dessa situação acentua e agrava ainda mais a responsabilidade internacional do
Estado Brasileiro.

Dito isso, busca-se, com a presente sugestão e em caráter de urgência, apontar medidas
concretas a serem adotadas pelo Judiciário local, aptas a concretizar na íntegra a decisão do Tribunal
Interamericano em relação à proibição de novos ingressos/transferências e ao monitoramento da integridade
física da população prisional e demais agentes públicos/visitantes com convivência intramuros.

II – Exequibilidade imediata das Medidas Provisórias interamericanas e a atuação do Conselho


Nacional de Justiça

Conforme demonstrado, a imposição de obrigações de meio, determinadas pela Corte IDH, para
o controle da porta de entrada, como a fixação de proibição de novos ingressos, é produto de uma
construção solidificada por quase uma década, em que se deferiu ao Estado a discricionariedade para a
adoção de outras medidas, sem que as ações adotadas até o presente tenham tido êxito em apresentar
resultados (baseados em dados estatísticos) aptos a enfrentar os riscos gravíssimos já mapeados.
Dessa forma, dada a própria natureza de uma tutela de urgência e do risco à vida, à saúde e à
integridade física dos beneficiários(as), os quais alcançam todos os servidores penais que ali estão
trabalhando, as medidas provisórias interamericanas devem ser cumpridas de forma imediata, respeitando-
se o seu caráter e natureza vinculantes, de forma inadiável.

O Supremo Tribunal Federal reconhece que as decisões da Corte Interamericana de Direitos


Humanos são obrigatórias para o Estado brasileiro, por força dos artigos 62(1) e 68(1) da Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, ratificada em 25 de setembro de 1992 e promulgada pelo Decreto
678/1992, além do Decreto 4.463, de 8 de novembro de 2002, ato que promulgou a declaração de
[4]
Reconhecimento da Competência Obrigatória da Corte IDH .
É cediço, outrossim, que o Estado não poderá alegar descumprimento de decisões jurisdicionais
[5]
às quais está vinculado no plano internacional em virtude de alegados obstáculos de direito interno
O Poder Judiciário, na condição de um dos poderes constituídos do Estado brasileiro, detém a
missão de efetuar a promoção de direitos humanos decorrentes de tratados internacionais dos quais a
República Federativa do Brasil seja signatária, conforme disposições da Emenda Constitucional nº 45/2004.
O arcabouço institucional e normativo deste Conselho Nacional de Justiça – notadamente em
iniciativas recentes, como o estabelecimento da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da
Corte IDH (doravante, UMF/CNJ) por meio da Resolução CNJ nº 364 de 12/01/2021 e a publicação da
Recomendação CNJ nº 123 de 07/01/2022 – corrobora o importante papel do Judiciário Nacional na adoção
de providências judiciais e administrativas, no âmbito de suas competências, necessárias ao cumprimento
das decisões da Corte IDH envolvendo o Estado brasileiro.
Destaque, ademais, merece a recente publicação da Recomendação CNJ n. 123, de 7 de janeiro
de 2022, ato que insta os órgãos do Poder Judiciário à observância dos tratados internacionais de Direitos

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Humanos, ao uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, bem como à necessidade
de controle de convencionalidade das leis e atos administrativos internos.
A UMF/CNJ aperfeiçoa-se como mecanismo judicial nacional de supervisão das sentenças e
decisões da Corte IDH, alocado no Conselho Nacional de Justiça, vinculado à estrutura do Departamento de
Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas
Socioeducativas (DMF), cuja principal função consiste em monitorar e fiscalizar o cumprimento das
sentenças, medidas provisórias e opiniões consultivas proferidas pela Corte Interamericana, ativando,
sobretudo, o potencial que decorre da capacidade de interlocução institucional do CNJ.
Em relação às Medidas provisórias afetas ao Complexo Prisional do Curado, a atuação da UMF
foi deflagrada a partir de sua notificação para apresentar informações à Corte IDH, em audiência pública
celebrada em 02 de junho de 2021, oportunidade em que se perquiriram as providências adotadas pelo
Estado Brasileiro para o cumprimento das resoluções ditadas em relação às quatro medidas provisórias
aplicadas ao país, todas relacionadas a sistemas de privação de liberdade.
[6]
Naquela ocasião, a UMF/CNJ apresentou minucioso informe sobre o tema , comprometendo-
se em promover a articulação junto aos atores locais para cumprir a determinação de proibição de novos
ingressos nas unidades do Curado, pugnando pela interdição parcial do estabelecimento e pela construção
de propostas para conter o ingresso de armas na unidade.

Nessa toada é que se encaminham as propostas de adequação administrativa e interinstitucional


voltadas ao cumprimento efetivo das Medidas Provisórias outorgadas pela Corte IDH, por parte do
Judiciário local.

III – Medidas concretas para reduzir a população prisional do Complexo do Curado

- Interdição parcial das unidades, Proibição de Novos Ingressos e de Transferências no Complexo do


Curado

Na Resolução de 28 de novembro de 2018, a Corte IDH estabeleceu que o Estado Brasileiro


deveria tomar as medidas necessárias para que não ingressem novos presos no Complexo Prisional do
Curado, e nem que se efetuem traslados dos que estejam ali alojados para outros estabelecimentos penais,
[7]
por disposição administrativa .
Um dos argumentos que a Corte IDH utilizou para justificar a proibição de novos ingressos nas
[8]
unidades do Curado corresponde ao de que a patente violação do artigo 5(2) da Convenção Americana
no presente caso não pode ser resolvida aguardando-se a construção de novos estabelecimentos, a reforma
de espaços existentes ou a contratação de agentes penitenciários e funcionários em número suficiente,
enquanto mortes, atos de violência, situações humilhantes e degradantes continuam ocorrendo com
[9]
frequência alarmante .

A Corte IDH apontou, ainda, que, as respostas oferecidas pelo Estado acerca da situação
prisional geral não apresentam solução para a atual situação por meio de transferências a outros
estabelecimentos (com exceção dos novos estabelecimentos construídos ou em construção), pois as demais
unidades do Estado também já ultrapassaram o limite de capacidade prisional. Por isso, o Tribunal

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Interamericano considerou que essas transferências seriam medidas meramente paliativas, podendo
acarretar o agravamento da situação de superpopulação dos demais espaços de privação de liberdade, com o
consequente risco de alterações da ordem, motins e resultados desastrosos para os presos e os(as) policiais
[10]
penais(as) .
Por conseguinte, restou determinado que o Estado Brasileiro deveria atuar imediatamente para
reduzir a população prisional do Complexo Prisional do Curado, obstando novas entradas e traslados
administrativos, além da adoção de mecanismos compensatórios para aceleração do cumprimento de pena
[11]
em situação ilícita .
Por todas as razões expostas, demonstrada a imperatividade da decisão judicial
interamericana, propõe-se seja determinado aos juízes da execução corregedores das três unidades
que compõem o Complexo do Curado que promovam a interdição parcial dos referidos
estabelecimentos, nos termos do artigo 66, VIII, da Lei de Execução Penal, com a PROIBIÇÃO DE
ENTRADA de novos presos no Complexo Prisional do Curado, bem como a PROIBIÇÃO de
transferências administrativas para outras unidades penais que já se encontrem superlotadas, em
atenção ao Ponto Resolutivo n. 4 da Resolução de Medidas Provisórias da Corte IDH de 28 de
novembro de 2018.

- Mutirão Processual
Como medida de caráter urgente, destinada à a redução imediata da população prisional
do Complexo Prisional do Curado e em linha com as medidas provisórias outorgadas pela Corte
Interamericana, propõe-se a determinação de que o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco
inicie, no prazo de 10 (dez) dias, mutirão processual para:

a) saneamento dos registros de todos os processos envolvendo pessoas custodiadas no


Complexo, mediante a inserção dos dados cadastrais constantes nos sistemas administrativos do
Poder Executivo nas bases de dados do Poder Judiciário e a verificação da regularidade do cadastro
de mandado de prisão, alvarás de soltura e guias de recolhimento no Banco Nacional de
Monitoramento de Prisão – BNMP 2.0, no Sistema Eletrônico de Execução Unificado – SEEU e no
SISDEPEN do Ministério da Justiça;
b) revisão sobre a necessidade de manutenção da custódia cautelar, adoção de
providências imediatas para a instrução criminal e sentenciamento de todos os processos em que haja
presos com mais de 100 (cem) dias de prisão provisória;
c) reanálise de ofício e proferimento de decisão em todos os processos envolvendo pais ou
responsáveis por crianças até 12 (doze) anos ou pessoas com deficiência para deliberar acerca do
enquadramento nas hipóteses de concessão do Habeas Corpus coletivo, determinado pela Segunda
Turma do Supremo Tribunal Federal no HC 165.704/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes.
Ressalta-se que o Mutirão Processual deve objetivar a efetiva aplicação da Súmula Vinculante
nº 56 do STF, a implementação do instituto da compensação penal ou outras medidas aptas à redução do
contingente carcerário, segundo o que restou determinado pela Resolução de Medidas Provisórias da Corte
IDH de 28 de Novembro de 2018, sobre o critério do cômputo em dobro de cada dia de privação de

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liberdade cumprido nas unidades prisionais do Complexo do Curado, em razão das condições degradantes e
inconvencionais desses estabelecimentos.
Conforme a decisão interamericana, a Corte IDH impôs uma regra geral de aplicação do
cômputo em dobro para cada dia de pena vivenciada em condições degradantes no Complexo e uma regra
específica, que alcança as pessoas privadas de liberdade em decorrência de crimes contra vida, integridade
física e crimes sexuais, sendo essa a realização de laudo pericial para aferição da fração de compensação a
ser aplicada.
Propõe-se, ainda, que o TJPE inicie e implemente, no prazo de 10 (dez) dias, a contar da
publicação da decisão do CNJ, regime especial de prioridade e atuação, destinado à (i) revisão sobre a
necessidade de manutenção de prisões preventivas e (ii) a adoção de providências para a retomada da
instrução criminal, prolação de sentenças e acórdãos, bem como a regularização do andamento de todos os
processos de conhecimento e de execução penal, em todas as unidades judiciais de 1º e de 2º grau do
Tribunal de Justiça de Pernambuco em que haja presos com mais de 100 (cem) dias sob custódia cautelar,
informando-se ao Conselho Nacional de Justiça a lista de processos criminais, por unidade judicial e
relatoria de Desembargador, nessas condições;
Propõe-se, outrossim, seja determinado ao Grupo de Monitoramento e Fiscalização do TJPE
(GMF/PE), por força das atribuições dispostas na Resolução CNJ n. 214, que promova acompanhamento
das prisões provisórias nessas unidades e, com base nos sistemas eletrônicos, informe mensalmente a
este Conselho Nacional de Justiça o quantitativo e respectivo tempo de duração de tais prisões
preventivas.

- Fiscalização e Instauração de Inspeções quinzenais


A fim de monitorar a exequibilidade das medidas concretas a serem adotadas em caráter de
urgência, e como providência necessária para proteger eficazmente a vida, a saúde e a integridade pessoal
dos custodiados, servidores da administração penitenciária, policiais penais e visitantes do Curado (Ponto
Resolutivo n. 1, Resolução de Medidas Provisórias da Corte IDH de 28 de novembro de 2018), sugere-se
seja determinado ao Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco a instauração de regime de Inspeções
Extraordinárias.
Recomenda-se que as Inspeções Extraordinárias sigam periodicidade quinzenal de visitas, que
contemplem, necessariamente, a participação conjunta de juízes(as) com competência criminal, de execução
penal e Desembargadores(as) da Seção Criminal.
As visitas ocorreriam em sistema de rodízio, doravante, até que a lotação de cada um dos
três estabelecimentos do Curado alcance o limite das vagas efetivamente disponíveis, sem prejuízo das
visitas regulares do Juízo de Execução penal, regulamentadas pelo art. 66, VII, da Lei de Execução penal e
pela Resolução CNJ n. 47.
Recomenda-se, finalmente, que os relatórios elaborados por ocasião das inspeções
extraordinárias sejam encaminhados quinzenalmente ao Conselho Nacional de Justiça, para monitoramento
atualizado do cumprimento das decisões da Corte IDH relacionadas ao Complexo Prisional do Curado.

- Criação de Instância Interinstitucional de Monitoramento Emergencial

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Com a finalidade de acompanhar as medidas de superação do quadro de irregularidades do
Complexo Prisional do Curado, recomenda-se a criação, por parte do Tribunal de Justiça do Estado de
Pernambuco, de instância de monitoramento emergencial do Complexo, assegurada composição
interinstitucional e a participação do Poder Executivo, Ministério Público, Defensoria Pública, Ordem dos
Advogados do Brasil, Conselho Penitenciário, Comitê Estadual e Mecanismo Estadual de Prevenção e
Combate à Tortura, além de associações de familiares de pessoas presas.
Outrossim, tendo em vista a repercussão nacional e internacional do caso do Complexo
Prisional do Curado, recomenda-se seja garantido o acompanhamento por representantes da Corregedoria
Nacional de Justiça, do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema
de Execução de Medidas Socioeducativas – DMF/CNJ, do Departamento Penitenciário Nacional, do
Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União, do Ministério da Mulher, Família e Direitos
Humanos e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP.

- Aprimoramento da Estrutura administrativa: Plano de Readequação dos Quadros da Justiça Criminal e


da Execução Penal e Digitalização de Processos

Adicionalmente, tendo em vista a notória carência administrativa constatada na justiça criminal


e de execução penal de 1º grau do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, a contribuir para o cenário
identificado de superlotação carcerária e excesso de prazos processuais, propõe-se seja determinado ao
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco que apresente ao Conselho Nacional de Justiça plano de
readequação funcional e reorganização das forças de trabalho na justiça criminal e de execução penal de 1°
grau, incluindo destacadamente a recomposição dos quadros de servidores nessas unidades judiciais.
Além disso, haja vista a constatação em inúmeras unidades jurisdicionais do Estado de grande
contingente de processos em meio físico, sem controle administrativo de prazos e da situação de prioridade
legal de réus presos, recomenda-se seja determinada a apresentação de cronograma para conclusão da
digitalização do acervo de processos criminais em meio físico e respectivo saneamento dos dados em meio
eletrônico no prazo máximo de 6 (seis) meses.

Necessária, ainda, a adoção de providências por parte do Tribunal de Justiça do Estado de


Pernambuco para aprimorar a estrutura material e funcional do Grupo de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário, considerando os parâmetros da Resolução CNJ nº 214 de
15/12/2015, para que se permita o efetivo cumprimento de suas atribuições, sem prejuízo das
providências para estruturar a recém-criada Coordenadoria Criminal no âmbito do Tribunal.

- Realização de audiências de custódia presenciais conforme a Resolução CNJ 213/2015 e os parâmetros


interpretativos do STF
Durante as inspeções, verificou-se que as unidades que compõem o Complexo Prisional do
Curado integram a porta de entrada ao sistema penitenciário de Pernambuco, além de terem sido
constatados diversos casos de pessoas presas que relataram não haver passado por audiência de custódia.
A adequada realização de audiência de custódia impacta na prevenção e documentação sobre
eventuais práticas de tortura, tratamento cruel, desumano e degradante, mas também no uso racional das

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prisões provisórias, na medida em que possibilita à autoridade jurisdicional colher elementos para aferir a
necessidade de manutenção da prisão ou a possibilidade de aplicação de alguma alternativa penal.
Assim, recomenda-se seja o TJPE instado a dar cumprimento à decisão proferida em 05 de
agosto de 2022 pela Corregedoria Nacional de Justiça no processo administrativo nº 07227/2022, que
determinou:
“I - (...) que a presidência dos Tribunais de Justiça, o Conselho da Justiça Federal e os cinco
Tribunais Regionais Federais sejam intimados para que, em 30 (trinta) dias, promovam e
comprovem a normatização ou o alinhamento dos atos normativos porventura destoantes do
artigo 13, parágrafo único, da Resolução 213/2018 do CNJ e da estipulação constante nesta
decisão, fazendo com que deles conste: (a) a obrigatoriedade da realização das audiências
de custódia nos casos de prisão temporária, de prisão preventiva, de prisão definitiva para
início de cumprimento de pena e de prisões cíveis, inclusive de alimentos; (b) que a
competência nessas hipóteses seja sempre dos Juízos que determinaram a expedição da
ordem de prisão e não das “centrais de custódia”, dos órgãos congêneres ou dos Juízos
plantonistas;
II. Recomendo a normatização da soltura da pessoa a quem foi concedida a liberdade na
audiência de custódia, procurando vedar a imposição de regresso ao estabelecimento penal
ou a qualquer outra repartição para o trato de questões burocráticas.”

Ressalta-se, por oportuno, que diante do atual contexto com a retomada integral das atividades
presenciais no Poder Judiciário brasileiro e a decretação do término do período de emergência sanitária
decorrente da pandemia de Covid-19, não mais persiste a justificativa para realização excepcional de
audiências de custódia por meio de videoconferência, motivo pelo qual se recomenda seja observada a
presencialidade necessária à devida aferição de quaisquer indícios de tortura, maus tratos ou tratamento
cruel ou degradante.

IV - Conclusão
À luz de todo o exposto, submeto a presente proposta à Corregedoria Nacional de Justiça, na
oportunidade em que enfatizo a confiança de que a adoção dessas medidas representará um passo decisivo
do Poder Judiciário brasileiro para a superação do inadmissível quadro de violações de direitos verificado
no Complexo Penitenciário do Curado e reitero o empenho do Departamento de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas para cooperar
nesse desiderato.

Brasília, 22 de agosto de 2022.

Conselheiro MAURO PEREIRA MARTINS

Supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário


e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas - DMF/CNJ

[1]
Art. 58. O Corregedor Nacional de Justiça poderá desde logo adotar as medidas cabíveis de sua competência e proporá ao
Plenário as demais que tenha por pertinentes e adequadas aos objetivos da correição, à vista das necessidades ou deficiências nela

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verificadas. Em qualquer momento em que apuradas, as irregularidades que constituam ilícito penal serão imediatamente
comunicadas ao Ministério Público.
[2]
CORTE IDH, Assunto do Complexo Penitenciário de Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução da Corte
Interamericana de Direitos Humanos de 7 de outubro de 2015; CORTE IDH, Assunto do Complexo Penitenciário de Curado em
relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 18 de novembro de 2015;
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 23 de
novembro de 2016; Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.
Resolução de 15 de novembro de 2017; Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018
[3]
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 28 de
novembro de 2018
[4]
Nesse sentido, ADPF 635 MC / RJ - RIO DE JANEIRO, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Julgamento: 18/08/2020.
[5]
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Artigo 27. Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno
para justificar o inadimplemento de um tratado. [...]
[6]
Informe sobre as medidas provisórias adotadas em relação ao Brasil / Conselho Nacional de Justiça; Coordenadores Luís
Geraldo Sant’Ana Lanfredi, Isabel Penido de Campos Machado e Valter Shuenquener de Araújo – Brasília: CNJ, 2021.
[7]
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 28 de
novembro de 2018; Ponto Resolutivo n. 4.
[8]
CADH, Artigo 5.2 “Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda
pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”.
[9]
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 28 de
novembro de 2018; Parágrafo 118.
[10]
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 28 de
novembro de 2018; Parágrafo 119.
[11]
A implementação do instituto da compensação penal é acompanhada por este Conselho Nacional de Justiça, por intermédio da
atuação da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte IDH, no curso do IRDR/TJPE n. 0008770-
65.2021.8.17.9000.

Documento assinado eletronicamente por MAURO PEREIRA MARTINS, CONSELHEIRO, em


23/08/2022, às 15:58, conforme art. 1º, §2º, III, "b", da Lei 11.419/2006.

A autenticidade do documento pode ser conferida no portal do CNJ informando o código verificador
1384318 e o código CRC 0B8D262B.

06632/2022 1384318v14

Assinado eletronicamente por: IRANEIDE PEREIRA DE ALMEIDA - 23/08/2022 19:17:11 Num. 4833267 - Pág. 17
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Número do documento: 22082319170882000000004382009
Conselho Nacional de Justiça
PJe - Processo Judicial Eletrônico

24/08/2022

Número: 0004051-15.2022.2.00.0000
Classe: CORREIÇÃO ORDINÁRIA
Órgão julgador colegiado: Plenário
Órgão julgador: Corregedoria
Última distribuição : 04/07/2022
Valor da causa: R$ 0,00
Assuntos: Inspeção Pernambuco
Objeto do processo: TJPE - Portaria Conjunta CN DMF nº 02, de 1º de julho de 2022 - Verificação -
Sistemas e plataformas eletrônicas - Mutirão - Inspeções - Estabelecimentos prisionais.
Segredo de justiça? SIM
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes Procurador/Terceiro vinculado
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ (CORRIGENTE)
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO -
TJPE (CORRIGIDO)
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE
PERNAMBUCO - CGJPE (CORRIGIDO)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
48331 23/08/2022 19:11 Despacho de id 1384853 do SEI 06632/2022 Certidão
94
Conselho Nacional de Justiça

Autos: CORREIÇÃO ORDINÁRIA - 0004051-15.2022.2.00.0000


Requerente: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO - TJPE e outros
CERTIDÃO
Certifico, em cumprimento ao despacho de id 1384853 do SEI 06632/2022 a juntada de despacho
de id 1384318 ao presente feito.
Brasília, 23 de agosto de 2022.
Secretaria Processual do Conselho Nacional de Justiça
Seção de Protocolo de Digitalização

Assinado eletronicamente por: IRANEIDE PEREIRA DE ALMEIDA - 23/08/2022 19:11:59 Num. 4833194 - Pág. 1
https://www.cnj.jus.br:443/pjecnj/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22082319131578200000004382098
Número do documento: 22082319131578200000004382098
Anexo B
Medidas de Urgência
adotadas pela Corregedoria
Nacional de Justiça
Conselho Nacional de Justiça
PJe - Processo Judicial Eletrônico

24/08/2022

Número: 0004051-15.2022.2.00.0000
Classe: CORREIÇÃO ORDINÁRIA
Órgão julgador colegiado: Plenário
Órgão julgador: Corregedoria
Última distribuição : 04/07/2022
Valor da causa: R$ 0,00
Assuntos: Inspeção Pernambuco
Objeto do processo: TJPE - Portaria Conjunta CN DMF nº 02, de 1º de julho de 2022 - Verificação -
Sistemas e plataformas eletrônicas - Mutirão - Inspeções - Estabelecimentos prisionais.
Segredo de justiça? SIM
Justiça gratuita? NÃO
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? NÃO
Partes Procurador/Terceiro vinculado
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA - CNJ (CORRIGENTE)
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO -
TJPE (CORRIGIDO)
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE
PERNAMBUCO - CGJPE (CORRIGIDO)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
48332 23/08/2022 21:40 Decisão Decisão
70
Conselho Nacional de Justiça

Autos: CORREIÇÃO EXTRAORDINÁRIA 0004051-15.2022.2.00.0000


Requerente: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA
Requerido: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO – TJPE,
CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO –
CGJPE

CORREIÇÃO EXTRAORDINÁRIA. TJPE. MUTIRÃO DE


INSPEÇÕES NOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS DE
PERNAMBUCO. PORTARIA CONJUNTA CN_DMF Nº
2/2022. COMPLEXO PENITENCIÁRIO DO CURADO.
MEDIDAS EM CARÁTER DE URGÊNCIA.

DECISÃO

Trata-se de expediente instaurado com o objetivo de submeter à


Corregedoria Nacional de Justiça proposta de adoção de providências
acautelatórias de urgência, ad referendum do Plenário do Conselho Nacional de
Justiça, em face da superlotação e da absoluta insalubridade das unidades
prisionais do Complexo Penitenciário do Curado, considerando (i) os fatos
constatados durante a Correição Extraordinária realizada no Estado de
Pernambuco, determinada pela Portaria Conjunta CN DMF Nº 2 de 01/07/2022, e
(ii) a necessidade de assegurar o cumprimento da medida provisória da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).

A missão conjunta extraordinária da Corregedoria Nacional de


Justiça e do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas contemplou

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visitas ao Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), Presídio Juiz
Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB)
–, as três unidades que compõem o Complexo Penitenciário do Curado e que são
objeto de Medidas provisórias outorgadas pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos.

Os fatos apurados no âmbito dos mutirões de inspeções nas


varas judiciais e nos estabelecimentos prisionais do Estado de Pernambuco
integrarão Relatório final com os achados, determinações a serem cumpridas
pelo TJPE e recomendações destinadas ao Poder Executivo, Ministério Público
e Defensoria Pública, após a competente apreciação do Plenário do CNJ. Sem
prejuízo e desde logo, constitui medida de rigor a prolação de decisão
monocrática para o implemento das medidas de urgência que se fazem
necessárias, diante do gravíssimo contexto de violações de direitos humanos e
de descumprimento pelo Estado brasileiro da decisão da Corte Interamericana
relacionada ao Complexo Penitenciário do Curado.

No que tange às atribuições do Poder Judiciário local, escopo


particular da atuação desta Corregedoria Nacional de Justiça, merecem guarida
as propostas encaminhadas pelo Supervisor do DMF (Id 4833267), Conselheiro
Mauro Pereira Martins, de determinar ao Tribunal de Justiça do Estado de
Pernambuco, em síntese:

“[a] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça


do Estado de Pernambuco para a redução da população carcerária
do Complexo do Curado, em percentual de 70% (setenta por cento)
do contingente informado pela Secretaria de Justiça e Direitos
Humanos a este Conselho Nacional de Justiça, na data de 15 de
agosto próximo passado, dentro de um prazo de oito (08) meses, a
contar da publicação desta decisão, conjuntamente com a interdição
parcial das unidades (artigo 66, VIII, da Lei de Execução Penal)
para o fim de proibir novos ingressos desde agora;

[b] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça


do Estado de Pernambuco para que implemente a revisão da situação
processual de todas as pessoas atualmente custodiadas nas três
unidades prisionais do referido Complexo Prisional do Curado,

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Número do documento: 22082321402833000000004382012
cumprindo-se, rigorosamente, o disposto na Súmula Vinculante nº
56, do Supremo Tribunal Federal do Brasil, previamente a qualquer
determinação de transferência, ficando vedadas transferências
para outras unidades que já estejam acima do limite da
capacidade, para se evitar o risco de se deslocar o problema de
superpopulação [ora e ali já] enfrentado aos demais
estabelecimentos do Estado;

[c] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça


do Estado de Pernambuco para que inicie e implemente, no prazo de
10 (dez) dias, a contar da publicação desta decisão, regime
especial de prioridade e atuação, destinado à (i) revisão sobre a
necessidade de manutenção de prisões preventivas e (ii) a adoção de
providências para a retomada da instrução criminal, prolação de
sentenças e acórdãos, bem como a regularização do andamento de
todos os processos de conhecimento e de execução penal, em todas as
unidades judiciais de 1º e de 2º grau do Tribunal de Justiça do Estado
de Pernambuco em que haja presos com mais de 100 (cem) dias sob
custódia cautelar, informando-se ao Conselho Nacional de Justiça a
lista de processos criminais, por unidade judicial e relatoria de
Desembargador, nessas condições;

[d] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça


do Estado de Pernambuco para que se passe a promover visitas
quinzenais ao Complexo Prisional do Curado, delas participando,
conjuntamente e ao menos, 05 juízes com competência criminal, 02
juízes com competência de execução penal e 02 Desembargadores
da Seção Criminal, mediante programação (em sistema de rodízio) que
deverá ser previamente informada a este Conselho Nacional de Justiça,
destinadas ao monitoramento in loco das três unidades do Complexo
Prisional do Curado, até que a lotação desses estabelecimentos
alcance o contingente determinado no item [a] acima referido.

Observa-se desde logo que as visitas não deverão limitar-se ao


ambiente administrativo, nem se restringir a diálogos com os
gestores prisionais, mas deverão alcançar, sobretudo, as
instalações e a carceragem das três unidades prisionais,
documentando-se por fotos e vídeos a presença e as entrevistas

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dos juízes e Desembargadores com presos nessas unidades, e
outras providências inerentes a todas as ambiências das três
unidades do Complexo Prisional do Curado.

[e] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça


do Estado de Pernambuco para que inaugure instância ou crie
gabinete de crise destinado ao monitoramento contínuo e
permanente das unidades prisionais do Complexo Prisional do
Curado, que deverá assegurar composição interinstitucional, para
acompanhar as providências administrativas e judiciais aptas a
enfrentar e solucionar as condições desumanas e degradantes em
que se encontram as respectivas unidades prisionais;

[f] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça do


Estado de Pernambuco para que apresente ao Conselho Nacional de
Justiça plano de readequação funcional e de reorganização da força
de trabalho junto às unidades de justiça criminal e de execução
penal de 1° grau de todo o Estado de Pernambuco (em
consonância com a Resolução CNJ 219, de 2016) – de modo a
assegurar, destacadamente, a recomposição dos quadros de servidores
nessas áreas de atuação, com o respeito à proporção máxima de 300
processos por servidor -, assim como para que providencie
cronograma destinado à conclusão da digitalização do acervo de
processos criminais em meio físico, no prazo máximo de 6 (seis)
meses.

[g] a adoção de providências por parte do Tribunal de Justiça do Estado


de Pernambuco para aprimorar a estrutura material e funcional do
Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário,
considerando os parâmetros da Resolução CNJ nº 214 de 15/12/2015,
para que se permita o efetivo cumprimento de suas atribuições, sem
prejuízo das providências para estruturar a recém-criada
Coordenadoria Criminal no âmbito do Tribunal.

[h] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça


de Pernambuco para a realização de mutirão de audiências de custódia
para alcançar todas as pessoas presas no Complexo Prisional do
Curado que porventura não tenham sido realizadas, nos termos da

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Resolução CNJ nº 213/2015 e da decisão proferida em 05 de agosto de
2022 pela Corregedoria Nacional de Justiça, no processo administrativo
nº 07227/2022, bem assim para que se organize, conjuntamente
com a Secretaria da Justiça e de Direitos Humanos, o
recenseamento e o recadastramento de toda a população prisional
do Estado, inclusive a criação de protocolo para estabelecer essa
rotina, buscando a individualização de todos os presos recolhidos
a unidades prisionais de Pernambuco, com a projeção desses
dados e levantamento sobre as plataformas eletrônicas dos SEEU,
BNMP e SISDEPEN.

[i] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça de


Pernambuco para a retomada imediata de audiências de custódia
presenciais, diariamente, com a presença de juízes, promotores de
justiça e defensores públicos, em todas as unidades judiciais
criminais do Tribunal de Justiça de Pernambuco.”

I – Do caso do Complexo Penitenciário do Curado perante a Corte


Interamericana de Direitos Humanos

O Complexo Penitenciário do Curado, como se sabe, é objeto de


medidas de urgência oriundas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos
(SIDH) há mais de 1 (uma) década, desde que, em 04 de agosto de 2011, a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) outorgou medidas
cautelares em razão do cenário de risco à vida, à saúde e à integridade das
pessoas privadas de liberdade naquele local.

Diante da ausência de providências por parte do Estado


Brasileiro, a CIDH, após três anos, remeteu o caso à Corte Interamericana de
Direitos Humanos (Corte IDH), relatando o elevado índice de mortes violentas (55
mortes entre 2008-2013, sendo 6 mortes apenas no ano de 2013), os relatos de
tortura e violência sexual, o tratamento degradante decorrente da superlotação, a
extrema insalubridade, a falta de acesso à água tratada, as más condições
carcerárias e a precariedade no acesso aos atendimentos de saúde.

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Em 22 de maio de 2014, a Corte IDH outorgou Medidas
Provisórias para que o Estado brasileiro adotasse ações necessárias à resolução
da aludida situação; nessa decisão inaugural, o Tribunal Interamericano conferiu
ao Estado certa margem de discricionariedade para elaborar um pacote de
medidas voltados à solução dos problemas estruturais (em especial a
superlotação), sanitários e ao altíssimo índice de violência intramuros, além dos
graves aspectos relacionados às condições de detenção.

Ao longo da supervisão do cumprimento da decisão, a Corte


emitiu outras cinco resoluções1, ao constatar que a situação do Complexo do
Curado permanecia no mesmo nível de gravidade do contexto fático apresentado
em 2011 à CIDH.

Destaco a 6ª Resolução da Corte Interamericana, datada de


novembro de 20182, que determinou a adoção de providências imediatas voltadas
à redução da superlotação nos estabelecimentos penais, dentre as quais a
proibição da entrada de novos custodiados no Complexo e de transferências para
outras unidades prisionais superlotadas:

1. Requerer ao Estado que adote imediatamente todas as


medidas que sejam necessárias para proteger eficazmente a
vida, a saúde e a integridade pessoal de todas as pessoas
privadas de liberdade no Complexo de Curado bem como de
qualquer pessoa que se encontre nesse estabelecimento,
inclusive os agentes penitenciários, os funcionários e os
visitantes. Solicitar também que ponha em execução imediatamente
o Diagnóstico Técnico e o Plano de Contingência, de acordo com o
exposto nos Considerandos 8 a 13 da presente resolução.
[...]
4. O Estado deve tomar as medidas necessárias para que, em
atenção ao disposto na Súmula Vinculante No. 56, do Supremo
Tribunal Federal do Brasil, a partir da notificação da presente
resolução, não ingressem novos presos no Complexo de

1
CORTE IDH, Assunto do Complexo Penitenciário de Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 7 de outubro de 2015;
CORTE IDH, Assunto do Complexo Penitenciário de Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 18 de novembro de
2015; Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 23 de novembro de 2016; Corte IDH. Assunto do Complexo
Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 15 de novembro
de 2017 ; Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil.
Medidas Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018.
2
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018

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Curado, e nem se efetuem traslados dos que estejam ali alojados
para outros estabelecimentos penais, por disposição
administrativa. Quando, por ordem judicial, se deva trasladar um
preso a outro estabelecimento, o disposto a seguir, a respeito do
cômputo duplo, valerá para os dias em que tenha permanecido
privado de liberdade no Complexo de Curado, em atenção ao
disposto nos Considerandos 118 a 133 da presente resolução.

Os dados demonstram claramente o descumprimento da


Resolução da Corte.

Conforme reportado, o Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo


(PAMFA), o Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e o Presídio Frei
Damião de Bozzano (PFDB) seguem, conjuntamente, em situação de
superlotação com 6.509 pessoas, para uma capacidade de 1.819 presos,
conforme contagem divulgada pela Administração Penitenciária local em 15 de
agosto de 2022 - data inaugural da Correição Extraordinária junto ao TJPE. A
porcentagem excedente é de quase 360% da lotação das três unidades que
compõem o Complexo.

Conforme informações colhidas durante a missão conjunta, o


número de agentes penitenciários/policiais penais em atuação nas unidades
corresponde à proporção de 30 (trinta) a 32 (trinta e dois) por pessoa presa,
bastante acima da determinação da Resolução nº 9 de 13/11/2009 do Conselho
Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP, que indica a quantidade
máxima de 5 (cinco) presos por agente penitenciário.

As inspeções realizadas nessas unidades, no curso da Correição


Extraordinária, em 16, 17 e 18 de agosto de 2022, constataram a ininterrupta
superlotação, a convivência degradante e a precariedade severa da estrutura
física desses estabelecimentos para o alojamento de pessoas privadas de
liberdade.

Durante as inspeções, notou-se a ocorrência de avançado


processo de favelização em curso nas unidades do Complexo, que se dá em
espaço superlotado, sem saneamento e com instalações improvisadas, em que
ausente qualquer controle da administração prisional e onde a gestão da

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movimentação da população e do acesso às assistências sociais básicas
preconizadas pela Lei de Execução Penal não são executadas por servidores
penais, mas funcionam de acordo com relações de poder paraestatais.

Da mesma forma, a falta de água potável e de alimentação


adequada e em quantidade suficiente enseja a ostensiva comercialização, por
parte das próprias pessoas presas, de insumos de sobrevivência básica, vendidos
em "cantinas", com preços abusivos. Também foi identificada a falta de
disponibilização de kits de higiene e vestuário para as pessoas presas, o que
reforça o mercado paralelo de comercialização nas unidades a facilitar, inclusive,
situações de sujeição, corrupção e violência.

É patente a responsabilidade por parte dos órgãos


constituídos, incluindo-se o Executivo, mas notadamente também o Poder
Judiciário: está-se diante de expressa violação da determinação da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.

De fato, apesar de a Corte IDH ter determinado


expressamente a proibição de novos ingressos como medida de controle da
população carcerária, na aludida Resolução de novembro de 2018, o
Complexo do Curado continuou a receber novos custodiados,
ininterruptamente, sem que o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco
e os Juízos responsáveis pela Corregedoria dos Presídios tenham se
articulado institucionalmente para cumprir o comando interamericano.

É preciso cumpri-lo.

As determinações da Corte Interamericana, reconhece o Supremo


Tribunal Federal, são obrigatórias e vinculantes para o Estado brasileiro, por força
dos arts. 62.1 e 68.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada
em 25 de setembro de 1992 e promulgado pelo Decreto 678/1992, além do
Decreto 4.463, de 8 de novembro de 2002, que promulga a declaração de
Reconhecimento da Competência Obrigatória da Corte IDH 3.

3
Nesse sentido, ADPF 635 MC / RJ - RIO DE JANEIRO, Relator(a): Min. EDSON FACHIN,
Julgamento: 18/08/2020.

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À obrigatoriedade no cumprimento das decisões da Corte o
Estado não pode alegar obstáculos de direito interno, conforme os princípios do
Direito Internacional dos Direitos Humanos e do Direito dos Tratados 4.

E o Judiciário, na condição de um dos poderes constituídos do


Estado brasileiro, detém a missão de efetuar a promoção de direitos humanos
decorrentes de tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil
seja signatária, conforme disposições da Emenda Constitucional nº 45/2004. O
Poder Judiciário também é destinatário da decisão da Corte Interamericana e
deve cumpri-la.

Foi nesse sentido a alteração recente do arcabouço institucional e


normativo do Conselho Nacional de Justiça, com o estabelecimento da Unidade
de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte IDH (UMF/CNJ) e a
publicação da Recomendação CNJ n. 123, que corrobora o papel de protagonista
do Judiciário Nacional na adoção de providências administrativas e judiciais
necessárias para o cumprimento das decisões da Corte IDH envolvendo o Estado
brasileiro.

A UMF/CNJ corresponde a um mecanismo judicial nacional de


supervisão alocado na estrutura do Departamento de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas
Socioeducativas (DMF) e recém-instituído por meio da Resolução CNJ n. 364. A
principal função desse mecanismo é a de adotar as providências para monitorar e
fiscalizar o cumprimento das sentenças, medidas provisórias e opiniões
consultivas proferidas pela Corte Interamericana, ativando o potencial que decorre
da capacidade de interlocução institucional do CNJ.

II – Da responsabilidade do Poder Judiciário

O contexto verificado no sistema prisional do Estado de


Pernambuco como um todo e, em particular de forma acentuada, no Complexo
Penitenciário do Curado, é bastante característico do estado de coisas
4
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Artigo 27. Uma parte não pode invocar as
disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. [...]

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inconstitucional reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347/DF, diante da
“violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas
estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de
medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária”.

A precariedade dos três estabelecimentos prisionais que


compõem o Complexo, somada à constatação da negativa de prestação
jurisdicional por parte do Poder Judiciário local e da ausência ou insuficiência da
atuação dos demais órgãos do sistema de justiça, ensejam a assunção imediata
de responsabilidade por parte de todas as instituições constituídas com vistas à
superação desse contexto de violações.

Nesse sentido, é preciso ressaltar que o cenário observado


indica, por parte do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco e de
magistrados e magistradas, falhas graves no dever de fiscalização dos
estabelecimentos penais, negativa de prestação jurisdicional,
descumprimento do prazo legal para julgamento de processos envolvendo
presos provisórios e fortes indícios de violações dos deveres relativos à
realização de audiência de custódia e à observância das resoluções do
Conselho Nacional de Justiça em matéria criminal e de execução penal.

a) Dever de fiscalização dos estabelecimentos penais

A Lei de Execução Penal determina aos juízes de execução a


obrigação de “inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando
providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso,
a apuração de responsabilidade”, cabendo-lhes “interditar, no todo ou em parte,
estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou
com infringência aos dispositivos desta Lei” (art. 66, incisos VII e VIII).

Tal atribuição é regulamentada pela Resolução CNJ nº de


18/12/2007, que prevê que das inspeções mensais deverá o juiz elaborar relatório
sobre as condições do estabelecimento, a ser enviado à Corregedoria de Justiça
do respectivo Tribunal até o dia 05 do mês seguinte, sem prejuízo das imediatas

10

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providências para seu adequado funcionamento, fazendo inserir, ainda, as
informações no sistema informatizado do CNJ, qual seja o Cadastro Nacional de
Inspeções em Estabelecimentos Penais – CNIEP, devendo constar, em campos
próprios:

I - localização, destinação, natureza e estrutura do


estabelecimento penal;
II - dados relativos ao cumprimento do disposto no Título IV da Lei
n. 7210/84;
III - dados relevantes da população carcerária e da observância
dos direitos dos presos assegurados na Constituição Federal e na
Lei n. 7210/84;
IV- medidas adotadas para o funcionamento adequado do
estabelecimento.

Ao se consultar o CNIEP, de plano se verifica que não foram


realizadas inspeções mensais em 2021 até o mês de setembro.

Além disso, a quase totalidade das inspeções de 2021


indicam condições “Regulares” no Complexo do Curado, mesmo em meses
em que a superlotação atingiu a marca de aproximadamente 450%, como
indicado nos relatórios relativos ao mês de outubro de 2021, em que havia
no PRESÍDIO FREI DAMIÃO DE BOZZANO 2.060 presos para 454 vagas
projetadas, sendo 1.461 presos provisórios, e dezembro de 2021, quando
constam no PRESÍDIO ASP MARCELO FRANCISCO DE ARAÚJO 2.050
presos custodiados para 464 vagas projetadas, sendo 1.567 presos
provisórios.

Em 2022, os relatórios de inspeções do CNIEP também trazem


informações frontalmente contraditórias com a insalubridade das unidades,
havendo relatórios de todas as três unidades ao longo do primeiro semestre de
2022 com avaliação de condições “Regulares”.

Nota-se que a despeito do quanto constatado pela missão do


CNJ, consta do CNIEP um relatório do PRESÍDIO JUIZ ANTONIO LUIZ LINS DE
BRITO, mês de referência abril de 2022, em que as condições foram avaliadas
como “Boas” pelo corregedor da unidade.

11

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Ao se verificarem os recibos de inspeção, mesmo naqueles
em que as condições são avaliadas como “Ruins” ou “Péssimas”, não há
anotações indicativas da adoção de providências para o adequado
funcionamento dos estabelecimentos.

É de se enfatizar, ainda, que a Corte Interamericana de


Direitos Humanos, em 2018, proibiu a entrada de novos presos no Complexo
de Curado, o que não foi respeitado.

A par disso, cumpre observar que a LEP também obriga outros


órgãos da execução a fiscalizarem as condições dos estabelecimentos penais,
mencionando expressamente as atribuições do Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, do Conselho Penitenciário e do Departamento
Penitenciário Nacional:

“Art. 64. Ao Conselho Nacional de Política Criminal e


Penitenciária, no exercício de suas atividades, em âmbito
federal ou estadual, incumbe:
(...)
VIII - inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais,
bem assim informar-se, mediante relatórios do Conselho
Penitenciário, requisições, visitas ou outros meios, acerca do
desenvolvimento da execução penal nos Estados, Territórios
e Distrito Federal, propondo às autoridades dela incumbida
as medidas necessárias ao seu aprimoramento;
IX - representar ao Juiz da execução ou à autoridade
administrativa para instauração de sindicância ou
procedimento administrativo, em caso de violação das
normas referentes à execução penal;
X - representar à autoridade competente para a interdição,
no todo ou em parte, de estabelecimento penal.”

“Art. 70. Incumbe ao Conselho Penitenciário:


II - inspecionar os estabelecimentos e serviços penais;”

“Art. 72. São atribuições do Departamento Penitenciário


Nacional:
II - inspecionar e fiscalizar periodicamente os
estabelecimentos e serviços penais”;

Nota-se, por oportuno, que no âmbito do Ministério Público essa


atribuição também se encontra regulamentada pela Resolução CNMP nº 56/2010,
que dispõe sobre a uniformização das inspeções em estabelecimentos penais
pelos membros do Ministério Público, prevendo, tal qual para os juízes da
execução, a realização de inspeções mensais nos estabelecimentos penais para
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apreciar as condições das instalações físicas, recursos humanos, capacidade e
ocupação do estabelecimento penal, perfil da população carcerária, assistência,
trabalho, disciplina e observância dos direitos dos presos ou internados, bem
como adotar providências para a promoção do funcionamento adequado do
estabelecimento.

Resta patente que as inspeções supostamente realizadas nos


estabelecimentos do Complexo Penitenciário do Curado não levaram em conta
parâmetros mínimos de necessidades humanas em atenção a todas as previsões
da Constituição Federal de 19885, da Convenção Americana de Direitos
Humanos6; da Lei de Execução Penal – Lei nº 7.210/1984 7, bem como às
recomendações internacionalmente estabelecidas pelas Regras Mínimas para
Tratamento dos Prisioneiros da Organização das Nações Unidas (Regras de
Nelson Mandela - ONU); o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966;
5
CRFB/1988. Art. 5º. (...) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante;(...)
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito,
a idade e o sexo do apenado;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; (...)
LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; (...)
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.

6
CADH. Artigo 5º.1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica
e moral.
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou
degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à
dignidade inerente ao ser humano. (...)
4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais,
e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas. (...)
6. As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação
social dos condenados.

7
LEP – Lei nº 7.210/1984. Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado,
objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade.
Art. 11. A assistência será:
I - material;
II - à saúde;
III -jurídica;
IV - educacional;
V - social;
VI - religiosa. (...)
Art. 40 - Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e
dos presos provisórios. (...)
Art. 83-B. São indelegáveis as funções de direção, chefia e coordenação no âmbito do sistema
penal, bem como todas as atividades que exijam o exercício do poder de polícia, e notadamente:
(...)
Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado. (...)
Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade.

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e, em âmbito infralegal, as diretrizes básicas de arquitetura penal previstas na
Resolução do CNPCP n° 9/2011.

A contrastar com todas essas previsões normativas, o


avançado processo de favelização no interior dos estabelecimentos com
presos habitando barracos improvisados e tocas cavadas em buracos nas
paredes, a flagrante superlotação, a ausência de separação entre presos
condenados e presos provisórios, a continuidade de novos ingressos nas
unidades do Complexo Penitenciário do Curado, o excesso injustificado de
presos provisórios para além do prazo legal e a falta de controle por parte
da administração penitenciária, que delega atribuições de gestão e
segurança da unidade para os próprios presos, por si sós, demonstram o
mau cumprimento do dever de fiscalização e de adoção de providências
para assegurar a observância dos direitos previstos na Constituição
Federal, na legislação infraconstitucional e em diversos diplomas
normativos internacionais com os quais o Estado Brasileiro se
comprometeu.

b) Dever de prestação jurisdicional

Extrai-se dos relatórios de inspeções relativas ao mês de


referência de junho de 2022, que a população carcerária do Complexo
Penitenciário do Curado correspondia a 6.508 pessoas, sendo que destes 3.633
são presos provisórios, ou seja, 56% do contingente ali custodiado não foi
definitivamente condenado.

Ocorre que, desde 2019, por força de alteração normativa no


Código de Processo Penal, dada pela Lei nº 13.964, estabeleceu-se prazo
nonagesimal para revisão dos fundamentos jurídicos da prisão preventiva, sob
pena de que se torne ilegal.

A redação atual prevê que o órgão emissor da decisão deverá


revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias,
mediante decisão fundamentada, nos seguintes termos:

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Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar
a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo,
verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como
novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o
órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua
manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão
fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

Conforme assentado pelo Supremo Tribunal Federal, a inserção


legislativa da aludida revisão fundamenta-se no enfrentamento da superlotação
no sistema carcerário brasileiro, particularmente considerando o excessivo
contingente de pessoas privadas de liberdade em decorrência de prisões
preventivas.

Ainda que a ausência de revisão periódica não importe na


revogação automática da prisão preventiva, é dever do juízo prolator da decisão
avaliar sua legalidade no prazo nonagesimal, conforme ementa do julgamento
da ADI 6.581 abaixo colacionada:

CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. ART.


316, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.964/2019.
DEVER DO MAGISTRADO DE REVISAR A NECESSIDADE DE
MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA A CADA NOVENTA
DIAS. INOBSERVÂNCIA QUE NÃO ACARRETA A
REVOGAÇÃO AUTOMÁTICA DA PRISÃO. PROVOCAÇÃO DO
JUÍZO COMPETENTE PARA REAVALIAR A LEGALIDADE E A
ATUALIDADE DE SEUS FUNDAMENTOS.
OBRIGATORIEDADE DA REAVALIAÇÃO PERIÓDICA QUE
SE APLICA ATÉ O ENCERRAMENTO DA COGNIÇÃO PLENA
PELO TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO.
APLICABILIDADE NAS HIPÓTESES DE PRERROGATIVA DE
FORO. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO.
PROCEDÊNCIA PARCIAL. 1. A interpretação da norma penal e
processual penal exige que se leve em consideração um dos
maiores desafios institucionais do Brasil na atualidade, qual seja,
o de evoluir nas formas de combate à criminalidade organizada,
na repressão da impunidade, na punição do crime violento e no
enfrentamento da corrupção. Para tanto, é preciso estabelecer
não só uma legislação eficiente, mas também uma interpretação
eficiente dessa mesma legislação, de modo que se garanta a
preservação da ordem e da segurança pública, como objetivos
constitucionais que não colidem com a defesa dos direitos
fundamentais. 2. A introdução do parágrafo único ao art. 316
do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei
13.964/2019, teve como causa a superlotação em nosso
sistema penitenciário, especialmente decorrente do excesso
de decretos preventivos decretados. Com a exigência

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imposta na norma, passa a ser obrigatória uma análise
frequente da necessidade de manutenção de tantas prisões
provisórias. 3. A inobservância da reavaliação prevista no
dispositivo impugnado, após decorrido o prazo legal de 90
(noventa) dias, não implica a revogação automática da
prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a
reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.
Precedente. 4. O art. 316, parágrafo único, do Código de
Processo Penal aplica-se até o final dos processos de
conhecimento, onde há o encerramento da cognição plena pelo
Tribunal de segundo grau, não se aplicando às prisões
cautelares decorrentes de sentença condenatória de segunda
instância ainda não transitada em julgado. 5. o artigo 316,
parágrafo único, do Código de Processo Penal aplica-se,
igualmente, nos processos em que houver previsão de
prerrogativa de foro. 6. Parcial procedência dos pedidos
deduzidos nas Ações Diretas. (ADI 6581/DF, Relator(a): EDSON
FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 09/03/2022, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-084 DIVULG 02-05-2022 PUBLIC 03-05-
2022)

Cumpre ressaltar que, mesmo antes da alteração legislativa de


2019, o Conselho Nacional de Justiça, como órgão regulador da atuação
administrativa do Poder Judiciário, já delimitara que, estando o réu preso
provisoriamente há mais de três meses, com o processo ou inquérito
paralisados, deveria o juízo justificar as razões da demora, indicando
providências a serem adotadas e, posteriormente, comunicá-las à Corregedoria
Geral de Justiça ou à Presidência do Tribunal, conforme redação do art. 5º da
Resolução CNJ n. 66/2009:

Art. 5º Após o exame dos inquéritos e processos, com indiciado


ou réu preso, paralisados por mais de três meses, o juiz
informará à Corregedoria Geral de Justiça e o Relator à
Presidência do Tribunal, as providências que foram adotadas,
por meio do relatório a que se refere o artigo 2º, justificando a
demora na movimentação processual.
Não obstante isso, os resultados preliminares da correição
extraordinária nas varas criminais e nos sistemas informatizados do
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco e do Banco Nacional de
Monitoramento de Prisões – BNMP 2.0., indicam dados alarmantes com
13.560 pessoas presas provisoriamente provisórios, sendo que destas
apenas 1.926 dentro do prazo legal, ou seja, há menos de 90 dias.

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Outro ponto relevante nas inspeções judiciais e nas unidades
prisionais realizadas diz respeito à constatação da demora excessiva na
expedição de guias de condenados, o que impossibilita a instauração da
execução penal e seus incidentes, benefícios e reconhecimento de direitos. No
caso de novas condenações criminais para uma mesma pessoa já em
cumprimento de pena, houve inúmeros relatos no sentido de que as varas
criminais não encaminham a respectiva guia para a VEP, o que acaba por
inviabilizar a unificação das penas, entre outros efeitos.

Somadas tais constatações preliminares ao quadro verificado


no Complexo Penitenciário do Curado, resta evidenciada a falha na
prestação jurisdicional por parte do Tribunal de Justiça do Estado de
Pernambuco, bem como a premência da realização de mutirão de revisão
processual, com priorização dos processos de presos provisórios, a fim de
se apreciar necessidade de manutenção da custódia cautelar e adotar
providências imediatas para a instrução criminal e sentenciamento de todos
os processos em que haja presos com mais de 90 (noventa) dias de prisão
provisória.

c) Dever de realização de audiência de custódia

Durante as inspeções, verificou-se que as unidades que


compõem o Complexo do Curado integram a porta de entrada ao sistema
penitenciário do estado, além de terem sido constatados diversos casos de
pessoas presas que relataram não haver passado por audiência de custódia.

Previsto inicialmente em Tratados Internacionais de Direitos


Humanos dos quais o Brasil é signatário, o instituto da audiência de custódia
ganhou destaque no cenário nacional a partir de duas decisões do Supremo
Tribunal Federal em 2015.

A primeira em agosto daquele ano, no julgamento da ADI 5240,


em que a maioria do Supremo Tribunal Federal declarou que o Provimento
Conjunto nº 03/2015 do Tribunal de Justiça de São Paulo, que disciplinou a
realização das audiências de custódia perante aquela Corte, apenas explicitou

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conteúdo normativo já vinculante previsto na Convenção Americana de Direitos
Humanos, não inovando, portanto, na ordem jurídica brasileira.

No mês seguinte, ao conceder a medida cautelar na ADPF 347


para declarar o “estado de coisas inconstitucional” no sistema prisional brasileiro,
a Suprema Corte obrigou os juízes e tribunais a realizarem audiências de
custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária
no prazo máximo de 24 horas. O fundamento era a necessidade de observância
da garantia até então descumprida pelo estado brasileiro, mas há muito já
imposta pelo artigo 7.5 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, bem
como pelo artigo 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos.

Convenção Americana sobre Direitos Humanos


Artigo 7.
5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem
demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada
pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro
de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de
que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a
garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos


Artigo 9 [...]
3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração
penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou
de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e
terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em
liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam
julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura
poderá estar condicionada a garantias que assegurem o
comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os
atos do processo e, se necessário for, para a execução da
sentença.

Evidente, portanto, que a partir deste julgamento a audiência de


custódia assume a estatura de verdadeiro requisito de validade de uma prisão
processual.

Mercê do vácuo legislativo interno que existia à época em que


passaram a ser disseminadas as audiências de custódia no país, foi editada a
Resolução CNJ nº 213 de dezembro de 2015, produto inerente ao poder
normativo e regulamentar do Conselho Nacional de Justiça, a qual tratou de

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oferecer parâmetros procedimentais a Juízes e Tribunais do país, formatando
regras de conduta idôneas e conforme aos standards internacionais para a
aplicação e efetivação do instituto.

Referido ato normativo trouxe, ainda, dois importantes anexos: o


Protocolo I, que dispõe sobre a aplicação e o acompanhamento de medidas
cautelares diversas da prisão para pessoas apresentadas nas audiências de
custódia; e o Protocolo II, que orienta os tribunais e magistrados sobre
procedimentos para oitiva, registro e encaminhamento de denuncias de tortura e
outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.

Apenas com a Lei nº 13.964/2019, adjetivada Pacote Anticrime,


as audiências de custódia foram finalmente inseridas no Código de Processo
Penal brasileiro.

De fato, a audiência de custódia é a importantíssima garantia que


tem a pessoa presa de ser imediatamente conduzida à presença da autoridade
judicial após a sua prisão, a fim de que esta possa, com seus próprios olhos, de
forma imediata e a partir de uma escuta qualificada, constatar indícios da eventual
prática de tortura ou maus-tratos no momento ou após a prisão e, com base
nisso, decidir quanto à sua legalidade e necessidade. Também deve o magistrado
se manifestar quanto ao eventual cabimento de medidas cautelares diversas da
prisão, de modo que a privação de liberdade seja, de fato, a última e excepcional
opção.

Sabe-se que é no momento da abordagem policial e durante as


primeiras horas após o ato de prisão que há o maior risco da prática de abusos,
agressões e tortura. É nesse contexto que a pronta condução da pessoa perante
a autoridade judicial coloca a audiência de custódia como um momento
privilegiado, e talvez único, para a constatação e documentação de indícios e
evidências materiais de tais atos antes que possam desaparecer, permitindo
também seu encaminhamento para investigação.

Trata-se, portanto, de um dos meios mais eficazes para prevenir e


reprimir a persistente prática de tortura e maus-tratos e assim conferir concretude
ao direito fundamental das pessoas presas de respeito à sua integridade física e
moral (art. 5º, XLIX), bem como ao mandamento constitucional segundo o qual

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“ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”
(art. 5º, III).

Vale, ademais, pontuar que o Relator Especial das Nações


Unidas sobre Tortura de 2010 a 2016, Juan E. Méndez, reconheceu ser a
audiência de custódia uma das iniciativas mais importantes para abordar o
problema da prisão arbitrária e da tortura no Brasil 8.

Em adição, sua realização permite o atendimento pelas equipes


multidisciplinares do serviço de Atendimento à Pessoa Custodiada (APEC) e/ou
das Centrais Integradas de Alternativas Penais (CIAPs), com a identificação de
vulnerabilidades sociais e de saúde e encaminhamentos à rede de proteção
social.

A natureza e os objetivos da audiência de custódia justificam,


portanto, o especial tratamento a ela conferido pelo legislador, ao discipliná-la na
Lei nº 13.964/2019, através da qual o instituto foi expressamente positivado no
Código de Processo Penal, por meio da inclusão do artigo 3º-B, §1º e alteração
dos artigos 287 e 310, que assim estabelecem:

Art. 3º-B
§1º. O preso em flagrante ou por força de mandado de prisão
provisória será encaminhado à presença do juiz de garantias no
prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se realizará
audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria
Pública ou de advogado constituído, vedado o emprego de
videoconferência
Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do
mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será
imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o
mandado, para a realização de audiência de custódia.
Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo
máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da
prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a
presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da
Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa
audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:
I - relaxar a prisão ilegal; ou
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando
presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se
revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares
diversas da prisão; ou
8
Juan Méndez foi Relator Especial das Nações Unidas sobre Tortura de novembro de 2010 a
outubro de 2016. Ver em: https://www.ohchr.org/en/press-releases/2015/08/un-rights-expert-urges-
brazil-address-prison-overcrowding-and-implement?LangID=E&NewsID=16325

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III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
§ 1º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o
agente praticou o fato em qualquer das condições constantes dos
incisos I, II ou III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7
de dezembro de 1940 (Código Penal), poderá,
fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória,
mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos
processuais, sob pena de revogação.
§ 2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra
organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de
fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou
sem medidas cautelares.
§ 3º A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não
realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput
deste artigo responderá administrativa, civil e penalmente pela
omissão.
§ 4º Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do
prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de
audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a
ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente,
sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão
preventiva".

Com efeito, a adequada realização de audiência de custódia


impacta na prevenção e documentação sobre eventuais práticas de tortura,
tratamento cruel, desumano e degradante, mas também no uso racional das
prisões provisórias, na medida em que possibilita à autoridade jurisdicional
colher elementos para aferir a necessidade de manutenção da prisão ou a
possibilidade de aplicação de alguma alternativa penal.

Assim, o TJPE deve ser instado a dar cumprimento à decisão


proferida em 05/08/2022 pela Corregedoria Nacional de Justiça no processo
administrativo nº 07227/2022, que determinou:

“I - (...) que a presidência dos Tribunais de Justiça, o Conselho


da Justiça Federal e os cinco Tribunais Regionais Federais
sejam intimados para que, em 30 (trinta) dias, promovam e
comprovem a normatização ou o alinhamento dos atos
normativos porventura destoantes do artigo 13, parágrafo único,
da Resolução 213/2018 do CNJ e da estipulação constante nesta
decisão, fazendo com que deles conste: (a) a obrigatoriedade da
realização das audiências de custódia nos casos de prisão
temporária, de prisão preventiva, de prisão definitiva para início
de cumprimento de pena e de prisões cíveis, inclusive de
alimentos; (b) que a competência nessas hipóteses seja sempre
dos Juízos que determinaram a expedição da ordem de prisão e
não das “centrais de custódia”, dos órgãos congêneres ou dos
Juízos plantonistas;

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II. Recomendo a normatização da soltura da pessoa a quem foi
concedida a liberdade na audiência de custódia, procurando
vedar a imposição de regresso ao estabelecimento penal ou a
qualquer outra repartição para o trato de questões burocráticas.”

Ressalta-se, no ponto, que diante do atual contexto com a


retomada integral das atividades presenciais no Poder Judiciário brasileiro e a
decretação do término do período de emergência sanitária decorrente da
pandemia de Covid-19, não mais persiste a justificativa para a realização
excepcional de audiências de custódia por meio de videoconferência, motivo
pelo qual se recomenda seja observada a presencialidade necessária à
realização do ato.

III – Da adoção de medidas concretas em caráter de urgência no Complexo


do Curado

A Corte IDH estabeleceu que o Estado deve tomar as medidas


necessárias para que não ingressem novos presos no Complexo do Curado, e
nem se efetuem traslados dos que estejam ali alojados para outros
estabelecimentos penais, por disposição administrativa 9.

Um dos argumentos que a Corte IDH utiliza para justificar a


proibição de novos ingressos nas unidades do Curado corresponde ao de que a
patente violação do artigo 5.2 10 da Convenção Americana no presente caso não
pode ser resolvida aguardando-se a construção de novos estabelecimentos, a
reforma de espaços existentes, ou a contratação de agentes penitenciários e
funcionários em número suficiente, enquanto mortes, atos de violência, situações
humilhantes e degradantes continuam ocorrendo com frequência alarmante 11 .

A Corte argumenta, ainda, que, das respostas oferecidas pelo


Estado acerca da situação prisional geral, depreende-se que tampouco é possível

9
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018; Ponto Resolutivo n. 4
10
CADH, Artigo 5.2 “Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis,
desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito
devido à dignidade inerente ao ser humano.”
11
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018; Parágrafo 118.

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apresentar solução para a atual situação por meio de traslados a outros
estabelecimentos, com exceção dos novos estabelecimentos construídos ou em
construção, porque estes não têm capacidade para receber presos, o que, caso
se forcem esses traslados, geraria maior superpopulação em outros centros
penitenciários, com o consequente risco de alterações da ordem, motins e
resultados desastrosos para os presos e o pessoal 12.

Por conseguinte, o Estado Brasileiro deve atuar imediatamente


para reduzir a população prisional do Complexo do Curado, obstando novas
entradas e traslados administrativos, bem como adotando mecanismos
compensatórios para aceleração do cumprimento de pena em situação ilícita 13.

Por todas as razões expostas, e sem prejuízo das ulteriores


recomendações e deliberações decorrentes do Relatório Final da Correição
Extraordinária instituída pela Portaria Conjunta CN DMF nº 2/2022, acolho a
manifestação do Conselheiro Mauro Pereira Martins, Supervisor do
Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do
Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas, para determinar:

[a] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de


Justiça do Estado de Pernambuco para a redução da população carcerária do
Complexo do Curado, em percentual de 70% (setenta por cento) do contingente
informado pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos a este Conselho
Nacional de Justiça, na data de 15 de agosto próximo passado, dentro de um
prazo de oito (08) meses, a contar da publicação desta decisão, conjuntamente
com a proibição de novos ingressos desde agora nas unidades;

[b] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de


Justiça do Estado de Pernambuco para que implemente a revisão da situação
processual de todas as pessoas atualmente custodiadas nas três unidades
prisionais do referido Complexo Prisional do Curado, cumprindo-se,
12
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas
Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018; Parágrafo 119.
13
A implementação do instituto da compensação penal é acompanhada por este Conselho
Nacional de Justiça, por intermédio da atuação da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das
Decisões da Corte IDH, no curso do IRDR/TJPE n. 0008770-65.2021.8.17.9000.

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rigorosamente, o disposto na Súmula Vinculante nº 56, do Supremo Tribunal
Federal do Brasil, previamente a qualquer determinação de transferência, ficando
vedadas transferências para outras unidades que já estejam acima do limite da
capacidade, para se evitar o risco de se deslocar o problema de superpopulação
[ora e ali já] enfrentado aos demais estabelecimentos do Estado;

[c] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de


Justiça do Estado de Pernambuco para que inicie e implemente, no prazo de 10
(dez) dias, a contar da publicação desta decisão, regime especial de prioridade e
atuação, destinado à (i) revisão sobre a necessidade de manutenção de prisões
preventivas e (ii) a adoção de providências para a retomada da instrução criminal,
prolação de sentenças e acórdãos, bem como a regularização do andamento de
todos os processos de conhecimento e de execução penal, em todas as unidades
judiciais de 1º e de 2º grau do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco em
que haja presos com mais de 100 (cem) dias sob custódia cautelar, informando-
se ao Conselho Nacional de Justiça a lista de processos criminais, por unidade
judicial e relatoria de Desembargador, nessas condições;

[d] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de


Justiça do Estado de Pernambuco para que se passe a promover visitas
quinzenais ao Complexo Prisional do Curado, delas participando, conjuntamente
e ao menos, 05 juízes com competência criminal, 02 juízes com competência de
execução penal e 02 Desembargadores da Seção Criminal, mediante
programação (em sistema de rodízio) que deverá ser previamente informada a
este Conselho Nacional de Justiça, destinadas ao monitoramento in loco das três
unidades do Complexo Prisional do Curado, até que a lotação desses
estabelecimentos alcance o contingente determinado no item [a] acima referido.

Observa-se desde logo que as visitas não deverão limitar-se ao


ambiente administrativo, nem se restringir a diálogos com os gestores prisionais,
mas deverão alcançar, sobretudo, as instalações e a carceragem das três
unidades prisionais, documentando-se por fotos e vídeos a presença e as
entrevistas dos juízes e Desembargadores com presos nessas unidades, e outras
providências inerentes a todas as ambiências das três unidades do Complexo
Prisional do Curado.

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[e] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de
Justiça do Estado de Pernambuco para que inaugure instância ou crie gabinete
de crise destinado ao monitoramento contínuo e permanente das unidades
prisionais do Complexo Prisional do Curado, que deverá assegurar composição
interinstitucional, para acompanhar as providências administrativas e judiciais
aptas a enfrentar e solucionar as condições desumanas e degradantes em que se
encontram as respectivas unidades prisionais;

[f] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de


Justiça do Estado de Pernambuco para que apresente ao Conselho Nacional de
Justiça plano de readequação funcional e de reorganização da força de trabalho
junto às unidades de justiça criminal e de execução penal de 1° grau de todo o
Estado de Pernambuco (em consonância com a Resolução CNJ 219, de 2016) –
de modo a assegurar, destacadamente, a recomposição dos quadros de
servidores nessas áreas de atuação, com o respeito à proporção máxima de 300
processos por servidor -, assim como para que providencie cronograma destinado
à conclusão da digitalização do acervo de processos criminais em meio físico, no
prazo máximo de 6 (seis) meses.

[g] a adoção de providências por parte do Tribunal de Justiça do


Estado de Pernambuco para aprimorar a estrutura material e funcional do
Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, considerando
os parâmetros da Resolução CNJ nº 214 de 15/12/2015, para que se permita o
efetivo cumprimento de suas atribuições, sem prejuízo das providências para
estruturar a recém-criada Coordenadoria Criminal no âmbito do Tribunal.

[h] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de


Justiça de Pernambuco para a realização de mutirão de audiências de custódia
para alcançar todas as pessoas presas no Complexo Prisional do Curado que
porventura não tenham sido realizadas, nos termos da Resolução CNJ nº
213/2015 e da decisão proferida em 05 de agosto de 2022 pela Corregedoria
Nacional de Justiça, no processo administrativo nº 07227/2022, bem assim para
que se organize, conjuntamente com a Secretaria da Justiça e de Direitos
Humanos, o recenseamento e o recadastramento de toda a população
prisional do Estado, inclusive a criação de protocolo para estabelecer essa

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rotina, buscando a individualização de todos os presos recolhidos a
unidades prisionais de Pernambuco, com a projeção desses dados e
levantamento sobre as plataformas eletrônicas dos SEEU, BNMP e
SISDEPEN.

[i] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de


Justiça de Pernambuco para a retomada imediata de audiências de custódia
presenciais, diariamente, com a presença de juízes, promotores de justiça e
defensores públicos, em todas as unidades judiciais criminais do Tribunal
de Justiça de Pernambuco.

Encaminhe-se o presente processo administrativo à


deliberação do Plenário do CNJ.

Encaminhem-se cópias do presente processo administrativo


ao Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, para
medidas imediatas, visando à efetiva implementação e cumprimento do
quanto determinado.

Encaminhem-se, ainda, à Procuradoria Geral de Justiça do


Ministério Público do Estado de Pernambuco, à Defensoria Pública do
Estado de Pernambuco, à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do
Estado de Pernambuco, ao Conselho Nacional do Ministério Público, ao
Departamento Penitenciário Nacional, ao Conselho Nacional de Política
Criminal de Penitenciária, para ciências e outras providências que
porventura estejam ao alcance.

Autuem-se pedidos de providência em apartado para


averiguar a responsabilidade dos juízes de Execução Penal que atuam como
corregedores das três unidades prisionais que compõem o Complexo
Penitenciário do Curado a fim de que prestem esclarecimentos quanto ao
cumprimento do dever de fiscalização dos referidos estabelecimentos no
prazo de 30 (trinta) dias a contar da intimação da decisão.

Apense-se ao presente processo administrativo os autos do


Insp. 0007994-74.2021.2.00.0000, que versam sobre o Relatório de Inspeção

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Ordinária da Corregedoria Nacional de Justiça realizada no período de 22 a
26 de novembro de 2021, no âmbito do qual se apuram situações de
irregularidades nas unidades jurisdicionais e excessos de prazos para
julgamento.

Cumpram-se as determinações acima listadas, com a máxima


urgência.

Intimem-se.

Brasília, data registrada no sistema.

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA


Corregedora Nacional de Justiça

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Anexo C
Petição Inicial do Incidente de
Resolução de Demandas
Repetitivas – IRDR nº
0008770-65.2021.8.17.9000
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO
PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DAS EXECUÇÕES PENAIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO

Excelentíssimo Senhor Desembargador 1º Vice-presidente do Tribunal de Justiça do Estado de


Pernambuco

INSTAURAÇÃO DE INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS


DE NATUREZA CRIMINAL
PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA

O Ministério Público Estadual, por seus promotores de justiça que abaixo subscrevem,
titulares das Promotorias de Justiça Criminais especializadas em execuções penais na Capital,
Caruaru e Petrolina, com atribuições perante a Vara de Execuções Penais da Capital, Vara de
Execuções de Penas Alternativas e 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Varas Regionais da Execução Penal, diante de
inúmeros pedidos de perdão parcial da pena decorrente de medida provisória emanada da Corte
Interamericana de Direitos Humanos – CIDH, que recomendou, para efeito do cumprimento
das sanções penais, a contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades prisionais
integrantes do Complexo do Curado, situação que vem gerando decisões conflitantes e que
pode resultar graves efeitos na administração penitenciária e, por consequência, na segurança
pública do Estado de Pernambuco, com fundamento no artigo 70, alínea “g”, 433 e seguintes
da Resolução nº 395/2017 (Regimento Interno do TJPE), combinado, no que couber, com os
artigos 976 e seguintes do Código de Processo Civil (aplicação subsidiária ao Processo Penal),
requerer a INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DEMANDAS
REPETITIVAS, com pedido de tutela de urgência, visando a uniformização da interpretação
e, liminarmente, a suspensão dos efeitos práticos da adoção da mencionada detração ficta até a
pacificação da matéria pela Seção Criminal desse Egrégio Tribunal, nos termos do memorial
que segue devidamente instruído com os documentos necessários ao exame dos pedidos.
Pede deferimento.
Recife, 21 de maio de 2021 FERNANDO FALCAO Assinado de forma digital por
FABIANO MORAIS DE Assinado de forma digital por FERNANDO FALCAO FERRAZ
FABIANO MORAIS DE HOLANDA
FERRAZ FILHO:77274512404
HOLANDA BELTRAO:99851946400 FILHO:77274512404 Dados: 2021.05.21 11:13:18 -03'00'
BELTRAO:99851946400 Dados: 2021.05.21 13:08:21 -03'00'
FABIANO MORAIS DE HOLANDA BELTRÃO FERNANDO FERRAZ FALCÃO FILHO
8º Promotor Criminal de Caruaru 19º Promotor de Justiça Criminal da Capital

MARIA HELENA DE Assinado de forma digital por JULIO CESAR SOARES Assinado de forma digital por JULIO
MARIA HELENA DE OLIVEIRA E CESAR SOARES LIRA:1841173
OLIVEIRA E LUNA:68252234453
Dados: 2021.05.21 12:25:06
LIRA:1841173 Dados: 2021.05.21 11:47:47 -03'00'
LUNA:68252234453 -03'00'
MARIA HELENA LUNA JÚLIO CÉSAR SOARES LIRA
20ª Promotora Criminal da Capital 5º Promotor de Justiça Criminal de Petrolina
ROBERTO BRAYNER Assinado de forma digital por ROBERTO
BRAYNER SAMPAIO:39779084487
SAMPAIO:39779084487 Dados: 2021.05.21 10:32:11 -03'00'
ROBERTO BRAYNER SAMPAIO
21º Promotor de Justiça Criminal da Capital

1
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO
PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DAS EXECUÇÕES PENAIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO

EXCELENTÍSSIMOS SENHORES DESEMBARGADORES INTEGRANTES DA


SEÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
PERNAMBUCO,
MD. DESEMBARGADOR RELATOR,
MD. SUBPROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA,

1. RELATÓRIO – CABIMENTO DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE


DEMANDAS REPETITIVAS
No início do ano, amparada por medida provisória expedida pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos – CIDH (Doc. 01), a Defensoria Pública Estadual
aforou inúmeros pedidos nos processos em que são executadas as penas privativas de
liberdade das pessoas que por algum período permaneceram custodiadas nas unidades
prisionais componentes do denominado Complexo do Curado. Pediu que o referido
tempo de prisão no Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALB), Presídio ASP
Marcelo Francisco de Araújo (PANFA) e Presídio Frei Damião de Bozano (PFDB) seja
contabilizado em dobro como meio de compensação pelo sofrimento decorrente das
condições inadequadas do encarceramento.

As decisões dos Juízes das Execuções Penais (2ª Vara Regional, 3ª Vara
Regional, 4ª Vara Regional e Vara de Execuções Penais da Capital) proferidas até o
final do mês de abril próximo passado foram no sentido do indeferimento dos pleitos
defensivos, a exemplo da que segue em anexo (Doc. 02).

Ocorre que o Juízo da 1ª Vara Regional das Execuções Penais, no início do


corrente mês, passou a atender aos requerimentos formulados pela Defensoria Pública.
Apenas para exemplificar, segue uma das diversas decisões (Doc. 03).

Em todas as deliberações proferidas pela digna Magistrada titular da 1ª VREP, o


Ministério Público interpôs agravos em execução (Doc. 04). Por sua vez,
invariavelmente, a Defensoria também cuidou de recorrer das decisões dos demais
Juízes das Execuções Penais (Doc. 05).

É fato que serão centenas de agravos em execução a serem examinados pelas


Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, parte com
recursos defensivos e outra com irresignações ministeriais. Para além disso, o cenário é
de milhares de incidentes na 1ª instância e que, aos poucos, ocuparão as pautas já
demasiadamente saturadas das varas de execução penal.

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PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DAS EXECUÇÕES PENAIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO

Apenas para exemplificar, em breve levantamento realizado nos últimos dois


dias, o Ministério Público constatou o incidente, com recursos de agravo interpostos,
nos seguintes processos: 0003425-94.2014.8.17.4011, 1000083-15.2019.8.17.4001, 1000083-15.2019.8.17.4001,
0000017-97.2011.8.17.4012, 1002202-12.2020.8.17.4001, 1002894-45.2019.8.17.4001, 1001693-81.2020.8.17.4001, 1003221-
87.2019.8.17.4001, 1000347-95.2020.8.17.4001, 0003173-23.2016.8.17.4011, 0000130-44.2017.8.17.4011, 0002542-
74.2019.8.17.4011, 0002311-47.2019.8.17.4011, 0005073-70.2018.8.17.4011, 1002808-40.2020.8.17.4001, 0001102-
14.2017.8.17.4011, 1002776-69.2019.8.17.4001, 1003529-89.2020.8.17.4001, 1003899-68.2020.8.17.4001, 0000878-
76.2017.8.17.4011, 1001651-66.2019.8.17.4001, 0001098-79.2014.8.17.4011, 0001365-75.2019.8.17.4011, 1001789-
96.2020.8.17.4001, 1003563-64.2020.8.17.4001, 1000054-62.2019.8.17.4001, 0002065-03.2009.8.17.4011, 0000435-
04.2012.8.17.4011, 1000601-68.2020.8.17.4001, 0000118-30.2017.8.17.4011, 0000253-71.2019.8.17.4011, 0000180-
41.2015.8.17.4011, 1000143-51.2020.8.17.4001, 1001197-52.2020.8.17.4001, 1001949-58.2019.8.17.400, 0000007-
51.2014.8.17.4011, 0003017-35.2016.8.17.4011, 1000118-38.2020.8.17.4001, 0002925-86.2018.8.17.4011, 0000915-
06.2017.8.17.4011, 0001552-20.2018.8.17.4011, 1001990-25.2019.8.17.4001, 1001115-55.2019.8.17.4001, 1000880-
54.2020.8.17.4001, 1000686-54.2020.8.17.4001, 1002162-30.2020.8.17.4001, 1000898-75.2020.8.17.4001, 0004433-
04.2017.8.17.4011, 0002531-84.2015.8.17.4011, 1002203-94.2020.8.17.4001, 1002810-10.2020.8.17.4001, 1001791-
03.2019.8.17.4001, 1002990-60.2019.8.17.4001, 0002664-58.2017.8.17.4011, 0000098-05.2018.8.17.4011, 1002809-
25.2020.8.17.4001, 0000243-61.2018.8.17.4011, 1002053-50.2019.8.17.4001, 0001475-74.2019.8.17.4011, 1001205-
63.2019.8.17.4001, 0001931-29.2016.8.17.4011, 1001169-21.2019.8.17.4001, 1000356-57.2020.8.17.4001, 1000961-
03.2020.8.17.4001, 1002799-78.2020.8.17.4001, 0000630-13.2017.8.17.4011, 1001384-94.2019.8.17.4001, 0001315-
49.2019.8.17.4011, 0003302-57.2018.8.17.4011, 1000002-95.2021.8.17.4001, 0000460-70.2019.8.17.4011, 0004592-
83.2013.8.17.4011, 0002330-87.2018.8.17.4011, 1004346-56.2020.8.17.4001, 0000509-82.2017.8.17.4011, 0001149-
90.2014.8.17.4011, 0002283-79.2019.8.17.4011, 0002121-55.2017.8.17.4011, 1002162-30.2020.8.17.4001, 1001691-
14.2020.8.17.4001, 0001955-52.2019.8.17.4011, 1000086-67.2019.8.17.4001, 1000383-06.2021.8.17.4001, 1002494-
94.2020.8.17.4001, 0001912-57.2015.8.17.4011, 0001167-40.2016.8.17.4012, 0000320-41.2016.8.17.4011, 0004295-
08.2015.8.17.4011, 0000527-69.2018.8.17.4011, 0000954-03.2017.8.17.4011, 004927-29.2018.8.17.4011 1002637-
20.2019.8.17.4001, 1001767-72.2019.8.17.4001, 0005693-19.2017.8.17.4011, 0000189-76.2010.8.17.4011, 0001625-
60.2016.8.17.4011, 0000927-88.2015.8.17.4011, 0002478-74.2013.8.17.4011, 1000817-63.2019.8.17.4001, 0000331-
65.2019.8.17.4011, 0000448-08.2009.8.17.4011.

A matéria em discussão em todos os recursos e em dezenas de outros processos


não catalogados é unicamente de direito. A controvérsia reside na pretensão da adoção
do cômputo em dobro do tempo de prisão nas unidades do Complexo do Curado e nas
questões de interpretação a ela correlatas, tudo na esteira da “RESOLUÇÃO DA
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, DE 28 DE NOVEMBRO
DE 2018, - MEDIDAS PROVISÓRIAS A RESPEITO DO BRASIL - ASSUNTO DO
COMPLEXO PENITENCIÁRIO DE CURADO” (Doc. 01).

A quaestio iuris reclama respostas às seguintes indagações: a) qual a natureza


jurídica do cômputo em dobro do tempo de prisão? b) em relação aos crimes hediondos
ou equiparados, a medida provisória emanada na CDIH é constitucional? c) a referida
medida provisória é exequível independentemente de arbitragem ou regulamentação
pela União (lei ou decreto presidencial)? d) se for de aplicação imediata pela Justiça
Estadual, quais as premissas para concessão da comutação da pena (perdão parcial), em
especial no que concerne ao reconhecimento ou não de violação à Súmula Vinculante
nº 56? e) sendo a medida constitucional e aplicável aos crimes hediondos ou
equiparados, é necessário prévio estudo psicossocial (exame criminológico)? f) se
aplicável, a partir de quando deve-se considerar em dobro o tempo de prisão no
Complexo do Curado? g) se aplicável, no caso de penas unificadas decorrentes de mais
de um processo, é necessário destacar cada uma delas para realizar o cálculo
separadamente e depois reunificar para evitar a denominada “poupança de tempo de
prisão?

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PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DAS EXECUÇÕES PENAIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO

Importa ressaltar que na sistemática processual das execuções penais não há


efeito suspensivo nos recursos de agravo (art. 197, da Lei nº 7.210/84 – Lei das
Execuções Penais). Significar dizer que as decisões modificativas da situação
carcerária vigoram desde o momento em que são proferidas pelos juízes de 1º
grau.

Neste sentido, a partir das decisões tomadas pelo Juízo da 1ª Vara Regional das
Execuções Penais, pessoas cujos processos de execução encontram-se a esta vinculada,
contarão imediatamente com os efeitos do indulto parcial da pena unificada, a razão de
50% (cinquenta por cento) do tempo de prisão no Curado. Outros, cujos feitos
tramitam nas demais Varas de Execução Penal, aguardarão a decisão do Tribunal.

Como se vê nas decisões concessivas da comutação especial ou sui generis, a


digna Magistrada determinou a implantação do tempo em dobro como se fosse remição
de pena por trabalho ou estudos, com efeitos, naturalmente, sobre toda a pena
unificada. Na prática, a redução terá efeitos sobre crimes e condenações suportadas
após o tempo de encarceramento do Complexo do Curado, situação que corresponderá
à “poupança” de tempo para abater no cumprimento das penas unificadas.

Destaco o trecho até o momento presente em todas as decisões concessivas da


espécie de comutação de pena:

“(...)Implantar o incidente, com o título de remição do período contabilizado a


mais, e resultando em benefício, requisitar assentamento carcerário e atestado de
conduta. (...)”

No Sistema Eletrônico de Execuções Unificado (SEEU), a comutação concedida


foi assim implantada:

Para além de extremamente relevante por qualquer ângulo que se observe, há


urgência na adoção de provimento para evitar as consequências graves e imprevisíveis
da quebra da isonomia. A repercussão da diferença de tratamento tem elevado potencial

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para gerar intranquilidade e desequilíbrio no sistema carcerário, com consequências


concretas na gestão da segurança pública.

A propósito, o Conselho Nacional de Justiça estimulou a criação dos Grupos de


Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário. Em Pernambuco, o GMF é
coordenado pelo Desembargador Mauro Alencar e vem desempenhando
importantíssimo papel. Exemplo disso, foram as medidas de prevenção e
enfrentamento à crise sanitária da covid-19, assegurando uniformidade, organização e
isonomia. Em resumo, é uma estratégia exitosa construída para a guarda da estabilidade
e equilíbrio do frágil Sistema Penitenciário. É o que se busca com o presente pedido.

Evidente que as decisões da 1ª VREP podem provocar a sensação de injustiça e


revolta das pessoas privadas de liberdade em unidades com jurisdição dos demais
magistrados que deliberaram de modo diverso.

Estabelece o Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Pernambuco:

Art. 70. Compete à Seção Criminal:

I - Processar e julgar:
g) o incidente de resolução de demandas repetidas, instaurado em razão de efetiva
repetição de processos cuja controvérsia envolva a mesma questão unicamente de
direito, material ou processual, surgida nas causas de natureza penal;

Art. 433. É admissível a instauração do incidente de resolução de demandas


repetitivas quando houver, simultaneamente, existência de causa pendente no
tribunal, efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma
questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica,
observando-se o disposto no art. 976 e seguintes do Código de Processo Civil.

Art. 434. São legitimados a propor a instauração do incidente:


III - o Ministério Público ou a Defensoria Pública, por petição.

Art. 435. O pedido de instauração será encaminhado ao 1º Vice-Presidente que,


independentemente de preparo, o autuará e o registrará como incidente de resolução
de demandas repetitivas, distribuindo, em seguida, ao órgão competente.

É o caso da presente controvérsia e o Ministério Público é legitimado para


deflagrar o procedimento. Necessário buscar a estabilidade e a uniformização a partir
do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

2. O MÉRITO DAS DECISÕES DO JUÍZO DA 1ª VARA REGIONAL

Como mencionado alhures, diferentemente do entendimento dos demais


magistrados que atuam nas unidades jurisdicionais da 1ª instância em Pernambuco, o
Juízo da 1º Vara Regional de Execuções Penais determinou, com base na referida

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medida provisória expedida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos a


contagem em dobro do tempo de prisão no Complexo do Curado e o fez como se fosse
uma remição pelo trabalho ou estudos, o que impacta a pena unificada e os prazos
estabelecidos na lei para o alcance dos demais direitos e até o da extinção da
punibilidade.

Na referida medida provisória, datada de 28 de novembro de 2018, a Corte


Interamericana de Direitos Humanos editou uma resolução, com caráter cautelar, que,
dentre outros pontos, assim trata do cômputo em dobro de cumprimento de pena no
Complexo do Curado:
“(...)
4. O Estado deve tomar as medidas necessárias para que, em atenção ao disposto na
Súmula Vinculante No. 56, do Supremo Tribunal Federal do Brasil, a partir da
notificação da presente resolução, não ingressem novos presos no Complexo de
Curado, e nem se efetuem traslados dos que estejam ali alojados para outros
estabelecimentos penais, por disposição administrativa. Quando, por ordem judicial,
se deva trasladar um preso a outro estabelecimento, o disposto a seguir, a respeito do
cômputo duplo, valerá para os dias em que tenha permanecido privado de liberdade
no Complexo de Curado, em atenção ao disposto nos Considerandos 118 a 133 da
presente resolução.
5. O Estado deve adotar as medidas necessárias para que o mesmo cômputo se
aplique, conforme o disposto a seguir, para aqueles que tenham deixado o Complexo
de Curado, em tudo o que se refere ao cálculo do tempo em que nele tenham
permanecido, de acordo com os Considerandos 118 a 133 da presente resolução.
6. O Estado deverá arbitrar os meios para que, no prazo de seis meses a contar da
presente decisão, se compute em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido
no Complexo de Curado, para todas as pessoas ali alojadas que não sejam acusadas
de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham
sido por eles condenadas, nos termos dos Considerandos 118 a 133 da presente
resolução.
(...)

Inicialmente, registra o Ministério Público que não se nega a situação de


violações aos direitos dos custodiados constatada nas inspeções realizadas nas unidades
do Complexo do Curado. Evidente que os estabelecimentos penais não estavam em
conformidade com o que se espera do sistema carcerário e do respeito à dignidade da
pessoa. Para além disso, apesar de inúmeras providências adotadas pelo Estado de
Pernambuco para minimizar os problemas, os referidos presídios permanecem abaixo
do nível desejado. E como eles, a maioria das unidades no resto do País.

Contudo, o reconhecimento das violações não implica necessariamente na


conclusão alcançada nas decisões da 1ª VREP. No ponto, há questões relacionadas à
natureza jurídica e aos pressupostos da Resolução da CIDH que precisam ser
enfrentadas. E antes de dar efeitos concretos ao benefício da detração ficta ou indulto
parcial das sanções criminais unificadas em favor de uma parcela das pessoas

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condenadas, é necessário uniformizar a matéria em todo o Estado, evitando, desse


modo, que situações assemelhadas tenham tratamento diverso em razão das regras
próprias de competência na execução penal, em que os processos são redistribuídos a
cada transferência de unidade prisional.

É fato que as condições inadequadas mencionadas pela CIDH não são


exclusividades das unidades do Complexo do Curado. Ou seja, ao fim do debate,
devemos nos perguntar se é constitucional e exequível a redução de 50% da pena para
os custodiados do PJALB, PAMFA e PFDB, sem prévia edição de norma pela União. E
se é assim, indagar também as razões pelas quais os demais presos em idêntica situação
ficarão excluídos do benefício.

Antes da análise do mérito da matéria, vale a reflexão sobre o momento histórico


de avanço das ideais no sentido da ampliação das soluções penais e redução do espaço
para adoção de política criminal mais minimalista.

É evidente que o sistema prisional não vem cumprindo o seu papel


adequadamente. Pouco auxilia no resgate da autoestima da pessoa privada de liberdade
e nem prepara satisfatoriamente o indivíduo para o retorno ao convívio social após
cumprimento de pena longa. Isso é fato. Os elevados índices de reincidência
confirmam a tese.

Ocorre que a redução de pena, genericamente determinada com base


eminentemente principiológica e sem amparo no ordenamento jurídico interno, pode
ter o efeito contrário ao esperado pelos defensores da medida provisória da CIDH,
gerando mais violência e dura reação social com a amplificação do clamor por
elevação de resposta penal estatal.

Neste cenário, qualquer movimento de política criminal na linha progressista,


minimalista ou despenalizadora pensado para o curto prazo e com a finalidade de obter
resultados imediatos na redução da população carcerária pode alimentar ainda mais o
desejo já disseminado na sociedade por endurecimento da legislação e, o que é mais
preocupante, estimular o perigoso e crescente discurso fomentador do descrédito nas
instituições democráticas, em especial na parte que toca ao Poder Judiciário. Talvez
seja o pior momento para resolver a questão da superlotação de modo radical e
desencarcerar com base em contagem de tempo de prisão em dobro, o que pode
implicar redução de pena pela metade.

Os riscos de um círculo vicioso não são desprezíveis. Observem-se as


circunstâncias: a) Sistema prisional caótico e superpovoado; b) decisões judiciais
reduzindo pela metade o tempo de encarceramento; c) elevação da criminalidade e do
clamor por mais resposta penal e mais tempo de prisão; d) novas leis penais mais
rigorosas; e) no médio e longo prazo, a probabilidade é de mais superlotação nas
unidades prisionais. Ou seja, as soluções extremadas na atual quadra da história tendem

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a causar mais problemas, como aliás reconheceu a CIDH em um trecho da medida


provisória objeto da controvérsia.

Com efeito, serão inúmeros os casos de Reeducandos que, em regime fechado,


saltarão para o aberto, livramento condicional ou simplesmente alcançarão a declaração
de extinção da pena sem passar pelo desencarceramento progressivo estabelecido na
lei. Bastará um caso de repercussão midiática com violência extrema praticada por um
dos egressos beneficiados para causar enorme dificuldade e clamor por penas mais
altas.

E não há dúvida que o Poder Judiciário é parte da engrenagem da construção da


política criminal e efetivamente tem responsabilidades por ela e pelas consequências
advindas.

A questão a ser decidida é de enorme repercussão. O precedente igualmente


grave. Se é competente a CIDH para, independentemente da edição de norma interna
pela União, afastar o ordenamento jurídico brasileiro e reduzir pena pela metade,
também poderá determinar qualquer outra medida de política criminal.

De outro lado, é de se observar três aspectos da cautelar da Corte Interamericana,


fonte das decisões da 1ª VREP: 1) A contagem em dobro do tempo de prisão, sem
prévia edição de norma nacional, não é conditio sine qua nom ao cumprimento da
Convenção Internacional (Pacto de São José da Costa Rica) que lastreou a medida
provisória; 2) A Corte Internacional não pode legislar ou modificar o ordenamento
jurídico interno; 3) Admitiu a Corte outras providências compensatórias diversas da
contagem do tempo ficto de cumprimento de sanção privativa de liberdade, observadas
as peculiaridades de caráter subjetivo de cada uma das pessoas privadas de liberdade
objeto da medida (respeito ao princípio da individualização da pena); 4) apenas em
caso de comprovada mora estatal por descumprimento da Súmula Vinculante 56
(norma interna cogente), poder-se-ia cogitar a solução determinada na decisão judicial
da 1ª VREP, independentemente da normatização interna; 5) na hipótese de se entender
pela aplicação imediata da medida provisória da CIDH, seus efeitos apenas deveriam
ocorrer sobre tempo de prisão cumprido após a notificação do Estado Brasileiro; 6) a
comutação sui generis não pode ser implantada ou calculada como se remição de pena
fosse.

Com efeito, na hipótese de o Poder Judiciário decidir por compatibilizar o


ordenamento jurídico interno à medida provisória ou exigir norma interna emanada da
União, deixando de aplicar a contagem em dobro neste momento, NÃO se poderá
afirmar que o Brasil descumpriu o Pacto de São José da Costa Rica.

A decisão da CIDH teve escopo no enfrentamento ao problema da superlotação


no Complexo do Curado. No entanto, ao balizar a medida, a Corte estabeleceu as
premissas e, em último caso, que o Estado signatário da Convenção Internacional

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(Brasil) arbitre a solução que recomendava, sem afastar, portanto, a possibilidade de


compatibilização ou integração à legislação interna e à política de segurança pública.

Eis alguns trechos da medida provisória usada como fundamento para as decisões
da 1ª VREP:

“Esta Corte constata que a decisão do Supremo Tribunal Federal do Brasil é


meridianamente clara e não deixa margem a dúvidas de que, em casos de falta de
vagas, ou seja, de superlotação e superpopulação, o Juiz da Execução Penal deve
determinar a saída antecipada do preso, sua liberdade eletronicamente monitorada
ou prisão domiciliar. A lógica jurídica dessa decisão é garantir que a pena do
condenado não seja ilícita ou viole os direitos fundamentais da individualização da
pena e a integridade pessoal do preso”. (considerando 116)

“No entanto, compete aos juízes de execução penal determinar se o local de detenção
é adequado ao regime de cumprimento de pena do condenado. A Corte
Interamericana considera que a Súmula Vinculante 56 é plenamente aplicável como
precedente obrigatório à situação dos beneficiários das presentes medidas
provisórias, em razão dos fatos expostos na presente resolução e em resoluções
anteriores do Tribunal”. ( considerando 117)
“Considera a Corte que a solução radical, antes mencionada, que se inclina pela
imediata liberdade dos presos em razão da inadmissibilidade de penas ilícitas em um
Estado de Direito, embora seja firmemente principista e na lógica jurídica quase
inobjetável, desconhece que seria causa de um enorme alarme social que pode ser
motivo de males ainda maiores” ( considerando 125)

“A via institucional para arbitrar esse cômputo, levando em conta como pena o
excesso antijurídico de dor ou sofrimento padecido, deverá ser escolhida pelo
Estado, conforme seu direito interno, não sendo a Corte competente para indicá-la.
Obviamente, nesse processo decisório, os juízes internos devem dar cumprimento ao
determinado pelo STF na Súmula Vinculante No. 56 (Considerandos 113 a 117
supra). Não obstante isso, a Corte lembra que, conforme os princípios do Direito
Internacional dos Direitos Humanos, o Estado não poderá alegar descumprimento
em virtude de obstáculos de direito interno”. (considerando 127).

“Por conseguinte, a Corte entende que a redução do tempo de prisão compensatória


da execução antijurídica, conforme o cômputo antes mencionado, para a população
penal do Complexo de Curado em geral, no caso de acusados de crimes contra a vida
e a integridade física, ou de natureza sexual, ou por eles condenados, deverá se
sujeitar, em cada caso, a um exame ou perícia técnica criminológica que indique,
segundo o prognóstico de conduta que resulte e, em particular, com base em
indicadores de agressividade da pessoa, se cabe a redução do tempo real de
privação de liberdade, na forma citada de 50%, se isso não é aconselhável, em
virtude de um prognóstico de conduta totalmente negativo, ou se se deve abreviar
em medida inferior a 50%. (considerando 132)

Caberia, portanto, ao Ente Nacional signatário da Convenção Internacional


promover as modificações na legislação interna para fins de estabelecer medidas
compensatórias para o cumprimento de pena em desconformidade com a dignidade

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humana, respeitada, em qualquer hipótese, a Constituição Federal. Ou seja, somente


depois da regulamentação da medida provisória da CIHD pela União poderá se cogitar
aplicar as compensações pelo denominado cumprimento injusto de pena.

Isso porque é do texto da Convenção Internacional a primazia da Constituição e


das leis de cada um dos Estados signatários:

“Artigo 2º. Dever de adotar disposições de direito interno. Se o exercício dos direitos
e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições
legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de
acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as
medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos
tais direitos e liberdades.”

A premissa lógica contida na tese esgrimida pela Defensoria Pública é a de que


compete ao Judiciário Estadual dar imediata execução à medida provisória emanada da
CIDH. É de se indagar, na hipótese do trânsito em julgado de decisões desfavoráveis ao
referido entendimento o País arcará com o ônus do rompimento da cláusula da
Convenção? Evidente que não.

Daí decorre a conclusão de que a concretização da medida provisória da CIDH


depende de introdução no ordenamento interno, competência da União. A
recomendação da Corte Internacional não é, portanto, executável pelos juízes locais,
sem prévia promulgação de lei ou decreto presidencial. E isto se deve ao texto da
própria Convenção Internacional, teleologicamente construído para evitar decisões
conflitantes e ofensas à soberania, à isonomia e aos outros preceitos fundamentais
abrigados na Carta Magna.

A Resolução da CIDH tem natureza de comutação de pena ou indulto parcial.


Com efeito, na prática, a Corte recomendou perdoar parcela das penas, considerando
em dobro o tempo de custódia nas unidades prisionais do Complexo do Curado. Pouca
importa o nomen iuris que se adote em relação à medida provisória. Os efeitos e a
essência são os da comutação da pena, por esta razão, como tal deve ser tratada.

É da Constituição Federal o seguinte dispositivo, em tese violado pelas decisões


da 1ª Vara Regional das Execuções Penais:
“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(...)
XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos
instituídos em lei;”

Não se nega, como já referido acima, a validade das decisões emanadas das
Cortes Internacionais quando decorrentes de Tratados e Convenções subscritas pelo
Brasil. Contudo, os efeitos práticos das deliberações necessitam percorrer o caminho da

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introdução no ordenamento jurídico interno, sob pena de rompimento da soberania


nacional.

Noutras palavras, quando a Constituição Federal estabeleceu as competências na


repartição dos Poderes da República, firmou que cabe privativamente ao Presidente da
República a concessão de indulto ou a comutação de penas. Esta última figura é tratada
pela doutrina como indulto parcial.

De fato, foi exatamente o que deliberou a CIDH. Aprovou ou recomendou uma


espécie de perdão parcial das penas como forma de compensar o que considerou
excesso injusto decorrente de condições inadequadas do cárcere.

Vale ressaltar que o debate não pretende discutir se a Resolução é justa ou injusta.
A questão tratada na presente ação refere-se, primordialmente, à via processual eleita
pela Defensoria Pública e trilhada pelo Juízo da 1ª Vara das Execuções Penais e, na
sequência, a constitucionalidade da deliberação em relação aos crimes hediondos ou
equiparados.

De outro lado, mas seguindo a mesma linha de raciocínio, a CIDH reconhece, em


princípio: 1) a necessidade da análise da personalidade da pessoa privada de liberdade
para a concessão da redução da pena ou desencarceramento antecipado, nos crimes
mais graves; 2) compete ao Estado (Brasil), conforme seu direito interno, a decisão
acerca da aplicação das medidas compensatórias por condições injustas no
cumprimento da pena; 3) o descumprimento da Súmula Vinculante 56 é pressuposto da
aplicação da medida compensatória do cômputo em dobro pelo Judiciário Estadual,
independentemente de decreto presidencial.

Neste plano, não é desarrazoado compreender que a necessidade de observância


do direito interno decorre do texto do próprio Pacto de São José da Costa Rica e que o
ordenamento jurídico nacional aparta ou classifica os delitos previstos na legislação em
comuns e hediondos ou equiparados.

Assim sendo, na hipótese de se considerar de logo exequível a contagem em


dobro do tempo de prisão na forma recomendada pela CIDH independentemente de
decreto presidencial ou alteração legislativa, no que se refere aos delitos hediondos ou
equiparados, é flagrante a inconstitucionalidade da comutação especial de pena
pretendida pela Defensoria Pública.

Deveras, como o direito interno classificou os crimes hediondos ou equiparados,


agrupando-os para diversos efeitos de modo diferenciado (concessão de anistia,
indulto, graça, progressão, livramento etc), ao dar efeito concreto à recomendação da
CIDH, não se poderia ignorar que a Constituição Federal destacou a tais crimes
tratamento mais rigoroso e cauteloso, na forma da lei:

“Art. 5ª. XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou


anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o

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terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os


mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.”

E a Lei nº 8.072/90 estabeleceu:

“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e


drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto; (...)

Portanto, em caso de aplicação da comutação especial objeto do presente


incidente, deve-se excluir de tal medida de política criminal as penas decorrentes dos
crimes do rol da Lei nº 8.072/90. E ainda, na hipótese de se entender que tais delitos
poderiam receber o mencionado indulto parcial, seria indispensável a realização do
estudo psicossocial (exame criminológico), conforme inclusive mencionado na aludida
Resolução da CIDH, para o fim de ser observado o princípio da individualização da
pena e fornecer ao Juízo das Execuções Penais instrumento técnico que permita avaliar
o mérito e o prognóstico de sucesso ou insucesso do desencarceramento antecipado.

Na lição de Mariana Py Muniz Cappellari, Defensora Pública do Estado do Rio


Grande do Sul, que dirigiu o Núcleo em Defesa dos Direitos Humanos da DPRS,
transcreve-se o seguinte:1

“(…) Pode-se afirmar, assim, que o indulto nada mais é do que uma política criminal
redutora de danos, quanto mais em âmbito brasileiro, considerada a precariedade do
seu sistema carcerário e a sua hiperlotação” (...).

(…) Os chamados crimes hediondos ou equiparados não podem receber o indulto ou


comutação. Contudo, caso o sentenciado ou a sentenciada estivesse cumprindo penas
de naturezas distintas (crime hediondo + crime comum), após o cumprimento de 2/3
da pena impeditiva (hediondo) e mais a fração correspondente do crime comum,
poderia ser analisada a obtenção do benefício de indulto ou comutação da pena do
crime comum até a edição do decreto de 2016, o qual em evidente agravamento,
também, exige agora o cumprimento integral da pena do crime impeditivo à
concessão do indulto. (...)”

O Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal seguem o


entendimento da impossibilidade da comutação de pena ou indulto parcial para crimes
hediondos ou equiparados:

“HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. COMUTAÇÃO


CONDICIONAL. CRIME HEDIONDO. INCABIMENTO. PROGRESSIVIDADE.
POSSIBILIDADE. 1. "1. Em sendo a comutação de pena uma das espécies de
indulto, tem-se como incabível a sua concessão aos crimes hediondos, na letra do
artigo 2º, inciso I, da Lei nº 8.072/90. 2. É firme o entendimento do excelso Supremo
Tribunal Federal no sentido de que não ofende ao princípio da irretroatividade da lei

1 https://canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/525939801/o-indulto-e-a-comutacao-na-
execucao-penal

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penal mais gravosa o decreto concessivo de comutação de pena que veda o benefício
para os condenados por delitos que, com o advento da Lei nº 8.072/90, foram
classificados como hediondos ou a eles equiparados. Trata-se, pois, de ato
discricionário do Presidente da República, cabendo a ele definir a extensão do
benefício."( HC nº 25.429/SP , da minha Relatoria, in DJ 15/12/2003). 2. O Plenário
do Supremo Tribunal Federal declarou, por maioria de votos, a inconstitucionalidade
do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, afastando, assim, o óbice da
progressão de regime aos condenados por crimes hediondos ou equiparados. 3.
Declaração de voto do Relator com entendimento contrário. 4. Ordem denegada.
Concessão de habeas corpus de ofício.” (STJ - HC: 49277 RS 2005/0179202-6,
Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Data de Julgamento: 17/08/2006, T6 -
SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 05.02.2007 p. 390) (grifos nossos)

“DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO.


COMUTAÇÃO DE PENA. EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO, EM RELAÇÃO AOS
AUTORES DE CRIMES HEDIONDOS (ART. 2 , INC. I , DA LEI Nº 8.072 , DE
26.07.1990, MODIFICADA PELA LEI Nº 8.930 , DE 06.09.1994). DECRETO Nº
3.226 /99. "HABEAS CORPUS". 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou
entendimento no sentido de que: a) - não é inconstitucional o parágrafo 1º do art. 2º da
Lei nº 8.072 /90, quando impõe o regime integralmente fechado, no cumprimento de
penas por crimes hediondos, nela definidos ("H.C." nº 69.657); b) - são válidos os
Decretos de indulto coletivo, que beneficiam indeterminadamente os condenados por
certos delitos e não os condenados por outros, conforme critérios razoáveis de política
criminal do Presidente da República ("H.C." nº 74.132); c) – o crime de estupro é
considerado hediondo, ainda que dele não resulte lesão corporal grave ou morte
("H.C." nº 81.288). 2. O Decreto nº 3.266, de 29 de outubro de 1999, exclui do
indulto, nele previsto, os condenados por crimes hediondos (art. 7º, inc. I), inclusive,
portanto, os sentenciados por crime de estupro, ainda que sem lesão corporal grave, ou
morte, como é o caso do ora paciente. 3. A comutação de pena é uma forma de
indulto (indulto parcial) e por isso está abrangida por essa exclusão ("H.C." nº
81.567 e "H.C." nº 81.407). 4. "H.C." indeferido. Decisão unânime. (STF - HC: 81410
SC, Relator: SYDNEY SANCHES, Data de Julgamento: 19/02/2002, Primeira Turma,
Data de Publicação: DJ 21-06-2002 PP-00118 EMENT VOL-02074-03 PP-00468 RTJ
VOL-00183-03 PP-01043)” (grifos nossos)

Como já mencionado, pouco importa se a CIDH não fez referência à natureza


jurídica da medida concreta recomendada (cômputo em dobro do tempo de prisão nas
unidades do Complexo do Curado). Na essência, é um indulto parcial correspondente
ao dobro do tempo de prisão em determinados períodos e por isso possui natureza de
perdão parcial que implica na extinção desta fração da pena, para todos os efeitos
legais.

De fato, são diversas as espécies ou possibilidades de indulto: o comum, quando


o requisito é o cumprimento de parte da pena; o etário, quando o pressuposto é o
restante de expectativa de vida dos apenados; o assistencial, no interesse do
desenvolvimento e subsistência dos filhos dos apenados; o humanitário, que leva em
consideração o estado de saúde das pessoas privadas de liberdade; o indulto para as
vítimas de tortura, entre outros.

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É, portanto, instrumento de política criminal e que está intimamente relacionada a


um perdão de pena como medida compensatória por algum tipo de sofrimento ou
interesse social.

Como visto, não há como afastar a natureza de comutação de pena da Resolução


da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O indulto implica extinção da punibilidade da pena considerada. Já a comutação


(modificação ou transformação da pena) resulta na redução da reprimenda ou em
condições mais favoráveis de execução. O quantum reduzido é considerado como pena
cumprida ou parcialmente extinta.

Acerca da compatibilização entre as decisões da CIDH e o direito interno, do


Superior Tribunal de Justiça colho trecho do julgamento do HC 379.269-MS, relatoria
para acórdão do eminente Ministro Antônio Saldanha Pinheiro, julgado em 24.05.2017:

“(…) Ainda que existisse decisão da Corte (IDH) sobre a preservação dos direitos
humanos, essa circunstância, por si só, não seria suficiente a elidir a deliberação do
Brasil acerca da aplicação de eventual julgado no seu âmbito doméstico, tudo isso
por força da soberania que é inerente ao Estado. Aplicação da Teoria da Margem de
Apreciação Nacional (margin of appreciation). (...)”

Na mesma toada, o julgamento do Recurso Especial nº 1.717.019-RJ, relatoria


do E. Ministro JORGE MUSSI:

“(…) O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, orienta-se no sentido de que,
embora a Corte Interamericana de Direitos Humanos tenha emitido recomendações
aos Estados signatários do Pacto de São José da Costa Rica, para fins de proteção
dos direitos fundamentais, tais regras são desprovidas de qualquer valor jurídico, não
possuindo efeito vinculante, mas função meramente instrutória. Entende-se desse
modo que, não obstante se reconheça a liberdade de expressão e acesso à informação
como garantia fundamental, no ordenamento jurídico vigente inexiste qualquer
direito de caráter absoluto, de modo que, possuindo a mesma proteção jurídica,
devem ser compatibilizados com outros de igual valor para a sociedade. (...)”

Situação assemelhada ou simétrica, embora em processo de natureza cível,


ocorreu no Tribunal Superior Eleitoral. Enfrentando alegação de cautelar deferida por
organismo de direito internacional, o Colegiado se manifestou no mesmo sentido:

“ (...) A medida cautelar (interim measure) concedida, em 17 de agosto, pelo Comitê


de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) no âmbito de
comunicação individual, para que o Estado brasileiro assegure a Luiz Inácio Lula da
Silva o direito de concorrer nas eleições de 2018 até o trânsito em julgado da decisão
criminal condenatória, não constitui fato superveniente apto a afastar a incidência da
inelegibilidade, nos termos do art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/1997. Em atenção aos
compromissos assumidos pelo Brasil na ordem internacional, a manifestação do

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Comitê merece ser levada em conta, com o devido respeito e consideração. Não tem
ela, todavia, caráter vinculante e, no presente caso, não pode prevalecer, por
diversos fundamentos formais e materiais. (...)”. (RCAND nº 0600903-
50.2018.6.00.0000, relatoria do Min. Luís Roberto Barroso)

De outro lado, caso superadas as questões relacionadas à executoriedade da


medida provisória pelo Judiciário Estadual dispensando a prévia edição de decreto
presidencial ou lei pelo Congresso Nacional e à constitucionalidade em relação aos
crimes hediondos ou equiparados, a leitura da decisão da CIDH é no sentido de que a
solução do cômputo em dobro dos dias de prisão no Complexo do Curado seria
consequência do descumprimento da Súmula 56 do Supremo Tribunal Federal. Tal
circunstância não foi apenas mero argumento, é pressuposto ou requisito para adoção
da medida.

A Súmula Vinculante 56, que versa sobre vagas em estabelecimentos penais,


estabelece: “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do
condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os
parâmetros fixados no RE 641.320/RS.

Como expressamente citado na recomendação da CIDH, o precedente concreto


que ocasionou a Súmula Vinculante 56 foi o Recurso Extraordinário relatado pelo
Ministro Gilmar Mendes, no qual se especificou que “ na hipótese de inexistir vaga em
estabelecimento adequado a seu regime, os princípios da individualização da pena (artigo 5º ,
XLVI, da Constituição) e da legalidade (artigo 5º, XXXIX, da Constituição) restariam violados.”
Neste caso, os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos
regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. Havendo déficit de
vagas, deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de
vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é
posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito ao
condenado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas
propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado.”

Ora, em nenhum momento ventilou-se nos recursos interpostos pela Defensoria


Pública o descumprimento da Súmula 56. De igual modo, não se tem notícia do
ajuizamento de reclamação junto ao Supremo Tribunal Federal. Ou seja, os pedidos
formulados pela Defensoria Pública caracterizam-se pela generalidade para aplicação
indistinta da detração ficta a todo e qualquer apenado que tenha permanecido no
Complexo do Curado.

Os presos do Complexo do Curado não estão cumprindo pena em regime mais


gravoso do que o contido na sentença condenatória. Sabidamente, os presos de
Pernambuco condenados em regime semiaberto são recolhidos à Penitenciária Agrícola
de Itamaracá São João ou às unidades existentes no interior do Estado. Já os do regime
aberto cumprem prisão domiciliar sem monitoramento eletrônico. A quase totalidade
dos presos do Complexo do Curado são, na realidade, presos provisórios por delitos
cometidos na Região Metropolitana de Recife. Logo, sendo presos provisórios

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aguardando julgamento e a escolta para comparecer às audiências, a referida Súmula


Vinculante a eles não se aplica.

Com efeito, os presos condenados definitivamente na Região Metropolitana são


transferidos aos Presídios de Igarassu, Barreto Campelo, Itaquitinga e outros, quando
não há processos pendentes de julgamento. Acontece infelizmente de haver presos já
condenados no Complexo do Curado, mas porque estavam em regime aberto,
semiaberto ou livramento condicional e voltam a delinquir nas ruas. Permanecem no
Complexo do Curado enquanto não são julgados por este último delito.

Logo, constata-se claramente que a invocação da Súmula Vinculante nº 56 do


STF, que trata de ausência de progressão ao regime semiaberto por falta de vagas, não
autoriza o cômputo em dobro de pena cumprida no Complexo do Curado, cujos presos
são em sua maioria provisórios.

Também não se pode desprezar o que a própria Corte Internacional ponderou


no considerando 125 que medidas radicais para fazer cessar o que considera
“pena ilícita” poderiam ser “causa de um enorme alarme social que pode ser motivo
de males ainda maiores.”

É neste sentido que ao acolher a recomendação da CIDH a 1ª VREP


desconsiderou: a) a competência da União para arbitrar a solução e produzir nova
norma; b) o ordenamento jurídico interno; c) a realidade da segurança pública no
Estado de Pernambuco; e d) as consequências da medida de política criminal posta em
prática de modo desorganizado e não uniforme.

De outra banda, princípios constitucionais foram ignorados nas decisões da 1ª


VREP. A isonomia, porque as condições de cumprimento de pena no Complexo do
Curado não são exclusivas daquelas unidades prisionais. O respeito à coisa julgada e à
legalidade, na medida em que várias condenações definitivas foram revistas
genericamente, afastando-se a incidência do Código Penal e do Código de Processo
Penal.

No tocante ao precedente no RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 136961 –


RJ, decisão do Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, apontado pela 1ª
VREP como marco de “pacificação jurisprudencial”, para além de ser uma
manifestação monocrática e muito recente, datada de 28.04.2021, sujeita, portanto, a
reparos dos órgãos colegiados, restringiu-se sua excelência, o Ministro do Superior
Tribunal de Justiça, à controvérsia estabelecida naquele feito específico, qual seja, o
lapso temporal que deveria ser observado na aplicação de decisão assemelhada da
CIDH em relação a uma unidade prisional do Estado do Rio de Janeiro. Ou seja, é
longínqua a pacificação da matéria, o que certamente apenas ocorrerá no Supremo
Tribunal Federal.

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Data máxima vênia, a CIDH também não recomendou a retroatividade da medida


compensatória. E nem faria sentido fazê-lo. Ou seja, caso acolhida a tese esgrimida
pela Defensoria Pública, os efeitos da manifestação da Corte Internacional somente
deveriam se operar após a notificação do Estado.

Por fim, a comutação recomendada pela CIDH não pode impactar a pena
unificada, como se fosse uma remição por trabalho ou estudos. Isso porque o tempo de
prisão em dobro não poderia, logicamente, compensar penas correspondentes aos
crimes praticados após o período denominado de cárcere injusto pela CIDH.

Noutras palavras, caso aplicável o referido perdão parcial, seria necessário


analisar as penas separadamente para preservar a contemporaneidade entre a prisão
injusta e delitos cujas penas são executadas. Do contrário haveria a denominada
poupança de prisão.

A conclusão não é novidade, a Jurisprudência é consolidada no ponto da


impossibilidade de abater do tempo de cumprimento de pena prisão suportada antes da
prática do delito:

“(…) Firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que não é
possível creditar-se ao réu qualquer tempo de encarceramento anterior à prática do
crime que deu origem a condenação atual (...) não podendo o Paciente valer-se do
período em que esteve custodiado - e posteriormente absolvido - para fins de
detração da pena de crime cometido em período posterior (...)” (HC 93.979/RS, rel.
min. Cármen Lúcia, DJe nº 112, publicado em 20.06.2008)

Ao aplicar a regra da remição, uma espécie de arranjo para implantar os


dados no Sistema Eletrônico das Execuções Unificada, permite-se que desconto
correspondente ao perdão parcial tenha reflexo na pena unificada, independentemente
de quando ocorreram os crimes.

3. DA TUTELA DE URGÊNCIA

Permanecendo em vigor as decisões da 1ª VREP, diversas pessoas condenadas,


inclusive por delitos hediondos, serão imediatamente beneficiadas com significativas
reduções de penas pela cômputo em dobro do tempo de encarceramento. Muitos
saltarão do regime fechado para o regime aberto, livramento condicional ou até mesmo
farão jus à extinção da punibilidade pelo cumprimento. Enquanto isso, outros em
situação exatamente igual aguardarão o resultado dos recurso interpostos pela
Defensoria Pública.

Vale dizer, mesmo diante do possível e esperado provimento dos recursos de


agravo interpostos pelo Ministério Público, uma gama enorme de condenados será
posta imediatamente em liberdade. A sensação de desigualdade acima referida
certamente contaminará as unidades prisionais.

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À guisa de exemplo, imagine-se um apenado a 10 anos de reclusão que cumpriu


5 anos em unidades do Complexo do Curado. Como os recursos interpostos pelo
Ministério Público não são dotados do efeito suspensivo, a consequência será a
declaração da extinção da pena, antes, portanto, do tempo necessário à tramitação do
agravo. E mais, o tempo determinada na comutação sui generis, considerada como
“remição”, poderá ser usado para o cálculo de indulto, situação que também pode
trazer mais instabilidade e desorganização à execução penal.

É possível cogitar outras situações de ordem prática, inclusive o sentimento de


revolta dentro das unidades cujos processos não são da jurisdição da 1ª Vara Regional
das Execuções Penais. O dano pode ser irreparável.

Diante disso, evidente a presença dos pressupostos e fundamentos para o execício


do poder geral de cautela conferido ao Poder Judiciário.

O direito aqui defendido é bom. Decorre da Constituição Federal e das Leis. Aa


decisão almejada é oportuna e necessária para suspender os efeitos práticos da detração
ficta, fazendo cessar a situação de risco acima mencionada e a divergência de
interpretação na 1ª instância.

Com efeito, é possível ao Desembargador Relator deferir a tutela de urgência


para suspender os efeitos concretos do cômputo em dobro do tempo de prisão no
Complexo do Curado, até que o presente Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas seja solucionado.

Evitar-se-á, desse modo, a situação de insegurança jurídica e tratamento não


isonômico entre as pessoas cumpridoras de sanção privativa de liberdade enquanto a
quaestio iuris não é definida pela Seção Criminal do Tribunal de Justiça. Igualmente,
evitar-se-á que decisões divergentes venham a ser adotadas pelas diversas Câmaras
Criminais do Tribunal, o que pode agravar a instabilidade.

Sobre o tema e a novidade no direito instrumental, é esclarecedora a lição de


Fernanda Medina Pantoja2, doutora e mestre em Direito Processual pela UERJ e
Professora da PUC/RJ:
“...Nessas situações, é indispensável que se firme, no âmbito do incidente, uma
interpretação provisória sobre a questão de direito controvertida, até que se estabeleça a
tese definitiva, quando do julgamento final do IRDR, na linha do posicionamento que já
vem sendo defendido em estudos sobre o tema. Trata-se, como na suspensão dos processos
determinada por lei, de uma tutela provisória de urgência; neste caso, antecipatória dos
efeitos da tutela definitiva, passível de concessão desde que presentes os requisitos
exigidos pelo art. 300 do Código de Processo Civil. O fumus boni iuris advém da
probabilidade da interpretação defendida quanto à questão de direito afetada; e o
periculum in mora repousa no risco de prejuízo decorrente da demora na definição da

2 https://www.migalhas.com.br/depeso/334937/a-excepcionalidade--e-a-necessidade--da-tutela-de-urgencia-no-incidente-de-
resolucao-de-demandas-repetitivas

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tese, diante da prolação de decisões destoantes, lesivas à isonomia e à segurança


jurídica.

Tal solução vem sendo, pouco a pouco, adotada pelos tribunais. A Seção Cível do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao admitir o IRDR 0417620-30.2017.8.13.0000, por
exemplo, concedeu a tutela de urgência para fixar provisoriamente uma interpretação
sobre a questão de direito controvertida, aplicando-a incontinenti às demandas repetitivas
que tratassem do tema, até o julgamento final do incidente.

(…) a tutela de urgência em IRDR, nos casos em que há extraordinária urgência, não
precisa necessariamente se submeter à competência do colegiado, podendo ser
analisada inicialmente pelo relator, sob pena de tornar inócuo o próprio julgamento do
IRDR, quando grande parte dos danos evitáveis já estarão consumados.

A posição ora defendida alinha-se, ademais, com o reconhecimento da relevância dos


poderes do relator e de seu papel gerencial para organização e tratamento da litigância,
especialmente repetitiva. A tendência está em expansão, como se vê das disposições
contidas na recente recomendação 76 do CNJ, que trata da gestão de processos coletivos,
e, mais, no projeto de lei 4.441/20, que disciplina o procedimento da nova Lei de Ação
Civil Pública. (...)”

Arremata a aludida professora, que a conclusão acima transcrita encontra


respaldo nos Regimentos Internos do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal
Federal, bem como na doutrina especializada (Defendendo os poderes de organização do
Relator: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Vol. 3. 17
ed. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 787-796; TAVARES, João Paulo Lordelo Guimarães. A certificação
coletiva: organizando as ações coletivas e o julgamento de casos repetitivos. Salvador: Juspodivm, 2020.)

Posto isso, admitido o IRDR criminal para fixação da tese relativa à controvérsia
gerada pelo cômputo em dobro do tempo de prisão nas unidades do Complexo do
Curado, requer o Ministério Público o deferimento da tutela de urgência a fim de o
senhor Desembargador Relator determine, no âmbito da 1ª instância do Poder
Judiciário de Pernambuco a SUSPENSÃO da implantação da redução de penas
decorrente da medida provisória emanada da Corte Interamericana de Direito
Humanos até a solução do incidente.

4. DOS PEDIDOS

Considerando a natureza jurídica da Resolução da Corte Interamericana de


Direitos Humanos, claramente uma comutação especial; considerando não vinculante e
não exequível a medida provisória proferida pela CIDH, dependente que é de
introdução no ordenamento jurídico interno por iniciativa da União; Considerando
inconstitucional a concessão de indulto ou comutação de pena para crime hediondo ou
equiparado; considerando não haver demonstração ou sequer alegação de violação à
súmula vinculante 56; considerando a ofensa aos princípios da legalidade, coisa julgada
e individualização da pena; considerando a probabilidade do direito ora invocado e o
perigo de dano ao resultado útil da demanda ora submetida ao Poder Judiciário;

19
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO
PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DAS EXECUÇÕES PENAIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO

considerando os efeitos imediatos das decisões na 1ª instância que determinaram o


cômputo em dobro do tempo de prisão nas unidades do Complexo do Curado como se
remição de pena fosse, requer o Ministério Público:

1. Seja distribuído o presente Incidente nos termos do Regimento Interno deste


Egrégio Tribunal de Justiça de Pernambuco a um dos Senhores Desembargadores
componentes da Seção Criminal para a apreciação da controvérsia narrada e do pedido
de tutela de urgência;

2. Após a distribuição do Incidente ao Desembargador Relator, seja concedida a


tutela de urgência pleiteada, determinando-se, de forma imediata e previamente ao
Juízo de admissibilidade pelo Órgão Fracionário, a suspensão dos efeitos práticos da
contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades integrantes do Complexo Curado
até o deslinde da controvérsia;

3. A admissão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas pela Seção


Criminal do Tribunal de Justiça de Pernambuco, nos termos do Regimento Interno e do
disposto nos arts. 976 e seguintes do Código de Processo Civil, aplicado
subsidiariamente ao processo de execução penal, uma vez que presentes os requisitos;

4. Seja referendada/concedida pelo Colegiado a tutela de urgência e confirmada a


suspensão dos efeitos práticos da contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades
integrantes do Complexo Curado até o deslinde da controvérsia em todos os processos
de execução penal que tramitam no Estado de Pernambuco;

5. Seja intimada a Defensoria Pública Estadual, parte adversa nas demandas de


origem, e a Douta SubProcuradoria Geral de Justiça para suas manifestações, nos
termos dos artigos 982, III e 983 do Código de Processo Civil;

6. Seja dada ampla divulgação e publicidade à instauração e ao julgamento do


Incidente, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça, nos termos
exigidos pelo art. 979 do Código de Processo Civil;

7. A fixação, de forma sucessiva e alternativa, das seguintes teses:

7.1. Possui natureza jurídica de comutação ou indulto parcial a redução de


pena objeto da Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos –
Assunto do Complexo Penitenciário do Curado;

7.2. Como espécie de comutação da pena, a contagem em dobro do tempo


de prisão nas unidades do Complexo do Curado somente será exequível a
partir da edição de norma emanada da União arbitrando a solução
recomendada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, observado o
processo legislativo e as competências estabelecidas na Constituição
Federal;

20
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO
PROMOTORIAS DE JUSTIÇA DAS EXECUÇÕES PENAIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO

7.3. A contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades do Complexo


do Curado somente se aplica na hipótese de comprovada violação à Súmula
Vinculante 56;

7.4. Nos casos de crimes hediondos ou equiparados, a contagem em dobro


do tempo de prisão nas unidades do Complexo do Curado, se e quando
cabível, pressupõe prévio estudo psicossocial (exame criminológico);

7.5. A contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades do Complexo


do Curado, se e quando cabível, somente pode alcançar período posterior à
notificação do Brasil acerca da medida provisória emanada da Corte
Interamericana de Direitos Humanos;

7.6. A comutação especial recomendada pela CIDH não deve impactar as


penas unificadas, sendo necessário decotar e compatibilizar o tempo da
prisão ao dos crimes cujas sanções são executadas.

Recife, 21 de maio de 2021


FABIANO MORAIS DE Assinado de forma digital por FABIANO
MORAIS DE HOLANDA
HOLANDA BELTRAO:99851946400
BELTRAO:99851946400 Dados: 2021.05.21 13:10:25 -03'00'
FABIANO MORAIS DE HOLANDA BELTRÃO
Promotor Criminal de Caruaru
Assinado de forma digital por
FERNANDO FALCAO FERRAZ FERNANDO FALCAO FERRAZ
FILHO:77274512404 FILHO:77274512404
Dados: 2021.05.21 11:14:14 -03'00'
FERNANDO FERRAZ FALCÃO FILHO
19º Promotor Criminal da Capital

JULIO CESAR SOARES Assinado de forma digital por JULIO CESAR


SOARES LIRA:1841173
LIRA:1841173 Dados: 2021.05.21 11:49:07 -03'00'

JÚLIO CÉSAR SOARES LIRA


5º Promotor de Justiça Criminal de Petrolina

MARIA HELENA LUNA


20ª Promotora Criminal da Capital
ROBERTO BRAYNER Assinado de forma digital por ROBERTO
BRAYNER SAMPAIO:39779084487
SAMPAIO:39779084487 Dados: 2021.05.21 10:35:40 -03'00'
ROBERTO BRAYNER SAMPAIO
21º Promotor de Justiça Criminal da Capital

21
Anexo D
Parecer da UMF/CNJ para
instrução dos autos do IRDR
Poder Judiciário
Conselho Nacional de Justiça

Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de


Execução de Medidas Socioeducativas

Autos do IRDR n. 0008770-65. 2021. 8. 17. 9000


Exequente: Ministério Público do Estado de Pernambuco
Exequenda: Defensoria Pública do Estado de Pernambuco

Excelentíssimos Srs. Desembargadores,

I - RELATÓRIO

A Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte


Interamericana de Direitos Humanos (UMF Corte IDH) do Conselho Nacional de Justiça foi
convidada, por intimação formalizada por email, para apresentar INFORMAÇÕES
relevantes, por meio do presente parecer, sobre questões atinentes à implementação de decisão
da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no âmbito da resolução sobre medidas
provisórias adotadas em 28 de novembro de 2018.

A UMF Corte IDH é um mecanismo judicial nacional de supervisão alocada


dentro do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e de Medidas

1
Socioeducativas (DMF). Foi criada recentemente, por meio da Res. 364/2021, em 12 de janeiro
de 2021, como um dos frutos da cooperação internacional estabelecida entre a Corte IDH e o
CNJ, através de memorando de entendimento celebrado em dezembro de 2020. O art. 2º do
referido ato normativo atribui ao órgão mandato para: adotar as providências para monitorar e
fiscalizar o cumprimento das sentenças, medidas provisórias e opiniões consultivas proferidas
pela Corte Interamericana; sugerir propostas e observações ao Poder Público acerca de
providências administrativas, legislativas, judiciais ou de outra natureza, necessárias para o
cumprimento das decisões; solicitar informações e monitorar a tramitação dos processos e
procedimentos relativos à reparação material e imaterial das vítimas de violações a direitos
humanos.

Especificamente em relação aos casos sobre Sistema Prisional e Sistema de


Justiça Criminal, a atividade da UMF Corte IDH tem dialogado com a política pública judicial
desenvolvida pelo Programa Fazendo Justiça (parceria CNJ, PNUD e DEPEN).1

No caso em apreço, a supervisão de cumprimento das medidas provisórias


deferidas em relação ao Complexo Penitenciário do Curado foram deflagradas a partir de
notificação para apresentar informações à Corte IDH, em audiência pública celebrada em 02
de junho de 2021.
A UMF iniciou as suas atividades de monitoramento a partir da convocatória
encaminhada pela Corte IDH2, solicitando a coleta de informações e apresentação de um
relatório sobre as providências adotadas pelo Estado Brasileiro para o cumprimento das
resoluções ditadas em relação às quatro medidas provisórias vigentes em relação ao país, bem
como as medidas específicas para o enfrentamento à pandemia, que inegavelmente teve um
impacto mais acentuado em relação às pessoas privadas de liberdade.

Após apresentar à Corte IDH um informe3 minucioso sobre o tema, expondo o


levantamento de dados solicitados, este mecanismo judicial de implementação optou pela

1
Importante notar que os GMFs estaduais tem sido um importante canal de diálogo para um mapeamento dos
atuais problemas e interlocução com os atores relevantes: Poder Executivo, Administração Prisional, sociedade
civil, demais órgãos do sistema de Justiça, como Ministérios Públicos (Federal e Estadual), Defensorias (DPU e
Estadual), Conselho Penitenciário. Inclusive, o GMF/PE (atualmente coordenado pelo Desembargador Mauro
Alencar e pelo juiz Roberto Bivar) tem se destacado no engajamento e compromisso para a implementação da
política pública desenvolvida.
2
Corte IDH. Asunto de Unidad de Internación Socioeducativa, Complejo Penitenciario de Curado, Complejo
Penitenciario de Pedrinhas e Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho respecto de Brasil. Medidas Provisionales.
Resolución de la Presidenta de la Corte Interamericana de Derechos Humanos de 20 de abril de 2021.
33
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA DO BRASIL. ARAÚJO, Valter; LANFREDI, Luis; MACHADO,
Isabel (Coord). Informe sobre as medidas provisórias adotadas em relação ao Brasil. Série Sistema Interamericano

2
publicação do referido documento, com o objetivo de permitir a transparência e o diálogo com
os demais atores envolvidos.

Além do monitoramento da situação do Complexo do Curado, a UMF Corte


IDH/CNJ segue também fiscalizando e cooperando com os demais casos que são objeto de
medidas provisórias em relação às pessoas privadas de liberdade no Instituto Penal Plácido de
Sá Carvalho (Complexo Penitenciário de Gericinó – RJ), Complexo Penitenciário de São Luís
(Antigo Complexo de Pedrinhas – MA) e Unidade Socio-Educativa do Espírito Santo (UNIS).

Nessa oportunidade, a par de cumprimentar o Egrégio Tribunal de Justiça do


Estado de Pernambuco pela abertura ao diálogo por meio da presente notificação para
apresentar informações e contribuições sobre os pontos que são objeto da consulta,
aproveitamos o ensejo para pontuar, quando pertinente, exemplos de outras experiências
exitosas que vem sendo gradativamente implementadas pelos demais Estados que também são
objeto de medidas provisórias (como é o caso do Rio de Janeiro e do Maranhão). O
compartilhamento de ideias e boas práticas também podem ser uma ferramenta potente para o
aprimoramento do sistema de justiça e de seus problemas estruturais.

II – INFORMAÇÕES

II.1 Breve resgate sobre o contexto de adoção da tutela de urgência interamericana


deferida em face da gravíssima situação observada no Complexo do Curado

Conforme é de notório conhecimento, o Complexo Penitenciário do Curado,


situado em Recife/PE, surgiu após a fragmentação do antigo Presídio Professor Aníbal Bruno.
Atualmente, compõe-se pelas seguintes unidades: Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo
(PAMFA), Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e Presídio Frei Damião de
Bozzano (PFDB).
A situação de grave risco à vida, à saúde e à integridade das pessoas privadas de
liberdade foi levada à Corte Interamericana de Direitos Humanos por solicitação da Comissão

de Direitos Humanos, n. 1. Brasília: CNJ, 2021, pp. 57-58. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2021/06/Medidas_Provisorias_adotadas_em_relacao_ao_Brasil_2021-06-16_V5.pdf.

3
Interamericana, conforme exigência da Convenção e do Regulamento, que estabelece as regras
do processo interamericano.

É importante enfatizar que, para o envio de um caso à Corte IDH, a Comissão


Interamericana segue previamente um rigoroso procedimento para análise das tutelas de
urgência requeridas (Regulamento CIDH, art. 25)4. Apenas quando é evidenciada uma situação
gravíssima de risco de dano irreparável à pessoa, o órgão pode adotar uma medida cautelar.
Após comunicação ao Estado em questão, a Comissão passa a monitorar5, sendo que apenas
submete o caso à jurisdição de urgência da Corte IDH quando se constata a inobservância das
providências elencadas.
No caso do então Presídio Prof. Aníbal Bruno, as medidas cautelares da
Comissão Interamericana foram adotadas em 04 de agosto de 2011 (há mais de dez anos). Três
anos depois, diante do agravamento da situação e da ineficácia das medidas cautelares da
Comissão IDH, o caso foi submetido à jurisdição da Corte. Na ocasião, as principais fontes de
risco listadas foram: o elevado índice de mortes violentas (55 mortes entre 2008-2013, sendo
6 mortes apenas no ano de 2013), bem como relatos de tortura e violência sexual perpetrados
pelos “chaveiros” (pessoas privadas de liberdade que exercem poderes de gestão disciplinar no
estabelecimento), além do tratamento degradante decorrente superlotação, extrema

4 Sobre o longo caminho enfrentado pela sociedade civil para chegar à adoção das medidas cautelares da Comissão
Interamericana, vide pesquisa realizada por SCHIRMER, Julia Barros. A mobilização transnacional do direito e
o sistema interamericano de direitos humanos: o caso Aníbal Bruno. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos
e Cidadania) - Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em:
https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/21852/1/2016_JuliaBarrosSchirmer.pdf.
5
No caso, a CIDH adotou a Resolução de Medida Cautelar - MC 199-11. A respeito: “Em 4 de agosto de 2011, a
CIDH outorgou medidas cautelares em favor das pessoas privadas de liberdade na Prisão Professor Aníbal Bruno,
cidade de Recife, Estado de Pernambuco, no Brasil. Na solicitação de medida cautelar alegou-se que 97 pessoas
privadas de liberdade faleceram na Prisão Professor Aníbal Bruno desde janeiro de 2008, das quais 55 foram
mortas de forma violenta. A solicitação também alega que vários presos foram torturados, presumidamente pelas
autoridades ou com seu consentimento. Ainda, indica que em julho de 2011 houve dois motins que resultaram em
duas pessoas mortas e 16 feridas. A Comissão solicitou ao Estado a adoção de todas as medidas necessárias para
proteger a vida, a integridade pessoal e a saúde das pessoas privadas de liberdade na Prisão Professor Aníbal
Bruno, a adoção das medidas necessárias para aumentar o pessoal de segurança da prisão e garantir que sejam os
agentes das forças de segurança do Estado os encarregados das funções de segurança interna, eliminando o sistema
dos chamados "chaveiros" e impedindo que as pessoas privadas de liberdade tenham funções disciplinares, de
controle ou de segurança. Ainda, a CIDH solicitou ao Estado assegurar atenção médica adequada aos beneficiários
das medidas e informar sobre as ações adotadas a fim de diminuir a situação de superpopulação nesta prisão, entre
outras. Em 2 de outubro de 2012, a CIDH ampliou essas medidas cautelares, a fim de proteger os funcionários e
os visitantes do centro penitenciário”. C.f. “CIDH, Medidas Cautelares 199/11, Pessoas Privadas de Liberdade na
Prisão Professor Aníbal Bruno em relação ao Brasil. 04 de agosto de 2011, com ampliação das medidas em 02 de
outubro de 2012. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/cautelares.asp#tab2011. Acesso em 15
out 2021.

4
insalubridade, falta de acesso à água tratada, más condições carcerárias (em especial nos
alojamentos), além da precariedade no acesso aos atendimentos de saúde.6
Assim, o caso ora analisado percorreu um longo canal de filtragem, passando
por um escrutínio estrito até a adoção da medida provisória outorgada em 2014. Vale também
notar que, na primeira decisão proferida, a Corte IDH determinou que o Estado Brasileiro
(composto pelos seus entes federados e poderes) adotasse medidas para resolver a situação de
grave risco, diante do número de mortes elevadas e denúncias de tortura oriundas do espaço de
privação de liberdade. A decisão inaugural conferiu ao Estado certa margem de
discricionariedade para elaborar um pacote de medidas voltados à solução dos problemas
estruturais (em especial a superlotação), sanitários e ao altíssimo índice de violência
intramuros, além das questões seríssimas sobre as condições de detenção7. Essa é, aliás, uma
tendência observada nas medidas provisórias da Corte. As primeiras decisões geralmente
deferem aos Estados a possibilidade de se organizarem, conforme suas opções de políticas
públicas disponíveis e seus próprios desenhos de ações de enfrentamento ao problema, sem
determinar os meios a serem adotados. Por isso, a decisão inicial focou nas obrigações de
resultado (eliminação da situação de grave risco). A Corte Interamericana, em suas decisões,
só avança para a imposição de obrigações de meio (como é o caso da imposição de
compensações penais para alcançar resultados) quando o Estado, dentro de sua margem de
discricionariedade, não apresenta resultados satisfatórios aptos a eliminar os riscos que deram
ensejo ao problema.
Assim, para contextualizar todo o percurso das decisões que culminaram na
última resolução de 2018, é importante relembrar os termos da medida provisória inaugural de
2014:

6
CIDH. Medidas Cautelares 199/11, Pessoas Privadas de Liberdade na Prisão Professor Aníbal Bruno em relação
ao Brasil. 04 de agosto de 2011, com ampliação das medidas em 02 de outubro de 2012. Disponível em:
https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/cautelares.asp#tab2011. Acesso em 15 out 2021.

7 Em paradigmático estudo para a sua dissertação de mestrado, Deise Benedito traz reflexões sobre o impacto
desproporcional das condições de detenção no Complexo do Curado na população negra pernambucana, realçando
os vários aspectos em que as violações representadas pela situação podem ser analisadas. O trabalho foi, inclusive,
referenciado pela peticionária Monique Cruz (Justiça Global) perante a Corte IDH, na audiência pública de
supervisão de cumprimento, realizada em 02 de junho de 2021. C.f. BENEDITO, Deise. A favelização do
Complexo do Curado e a ilicitude da existência: uma faceta das violações de direitos humanos no sistema
penitenciário brasileiro. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, 2019. Disponível
em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/35875.

5
“A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no uso das atribuições
conferidas pelo artigo 63.2 da Convenção Americana e pelo artigo 27
do Regulamento, resolve:
1. Requerer ao Estado que adote, de forma imediata, todas as
medidas que sejam necessárias para proteger eficazmente a vida e
a integridade pessoal de todas as pessoas privadas de liberdade no
Complexo de Curado, assim como de qualquer pessoa que se
encontre neste estabelecimento, incluindo os agentes
penitenciários, funcionários e visitantes, nos termos do
Considerando 20 desta Resolução.
2. Requerer ao Estado que, na medida do possível, mantenha os
representantes dos beneficiários informados sobre as medidas adotadas
para a implementar a presente medida provisória.
3. Requerer ao Estado que informe à Corte Interamericana de Direitos
Humanos a cada três meses, contados a partir da notificação da presente
Resolução, sobre as medidas provisórias adotadas em conformidade
com esta decisão.
4. Solicitar aos representantes dos beneficiários que apresentem as
observações que considerem pertinentes ao relatório requerido no
ponto resolutivo anterior dentro de um prazo de quatro semanas,
contado a partir do recebimento do referido relatório estatal.
5. Solicitar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que
apresente as observações que considere pertinentes ao relatório estatal
requerido no ponto resolutivo terceiro e às correspondentes
observações dos representantes dos beneficiários dentro de um prazo
de duas semanas, contado a partir da transmissão das referidas
observações dos representantes.
6. Dispor que a Secretaria da Corte notifique a presente Resolução ao
Estado, à Comissão Interamericana e aos representantes dos
beneficiários”.

Desde então, a Corte já adotou seis decisões sobre o Curado: a resolução que
inicialmente defere a medida provisória (em 2014), seguida de resoluções (geralmente anuais)
para a supervisão do cumprimento da decisão. Nesse sentido, destacam-se:

• 1º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do


Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 22
de maio de 20148;
• 2º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do
Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 7 de
outubro de 20159;

8
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.
Resolução de 22 de maio de 2014
9
CORTE IDH, Assunto do Complexo Penitenciário de Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.
Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 7 de outubro de 2015.

6
• 3º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do
Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 18
de novembro de 201510;
• 4º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do
Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 23
de novembro de 201611;
• 5º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do
Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 15
de novembro de 201712;
• 6º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do
Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 28
de novembro de 201813.

A Corte IDH segue sua jurisprudência constante, no sentido de que continuará


com o procedimento interamericano de cumprimento da decisão de medidas provisórias até
que a situação de grave risco reportada seja resolvida.14 Para aferir a evolução do cumprimento,
dado o caráter coletivo da tutela concedida, o tribunal tem pautado a sua análise com base nos
dados concretos sobre os pontos problemáticos detectados, em especial: a superlotação
carcerária, o número de mortes violentas, o número de mortes não violentas em razão de
questões sanitárias precárias e ausência de acesso ao direito à tratamento de saúde, a existência
de denúncias de tortura e as condições de detenção degradantes. A superação de tais problemas
demanda a elaboração e imediata aplicação de um plano de contingência específico para o
complexo, com a demonstração de sua implementação. Além disso, os dados sobre o Complexo
devem evidenciar a superação das questões que deram ensejo à medida provisória.

A partir das informações prestadas pelo GMF/PE ao CNJ para subsidiar o


informe apresentado à Corte IDH15, em relação aos critérios centrais que foram determinantes
para a adoção das medidas provisórias, a atual situação do Complexo do Curado permanece
tão grave quanto os dados apresentados no período em que a Comissão Interamericana adotou

10
CORTE IDH, Assunto do Complexo Penitenciário de Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.
Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 18 de novembro de 2015.
11
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.
Resolução de 23 de novembro de 2016
12
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.
Resolução de 15 de novembro de 2017
13
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.
Resolução de 28 de novembro de 2018
14
HERRERA, Clara Burbano. Provisional measures in the case law of the Inter-American Court of Human
Rights. Antwerp, Oxford, Portland: Intersentia, 2010, p. 173.
15
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA DO BRASIL. ARAÚJO, Valter; LANFREDI, Luis; MACHADO,
Isabel (Coord). Informe sobre as medidas provisórias adotadas em relação ao Brasil. Série Sistema Interamericano
de Direitos Humanos, n. 1. Brasília: CNJ, 2021, pp. 57-58. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2021/06/Medidas_Provisorias_adotadas_em_relacao_ao_Brasil_2021-06-16_V5.pdf, p. 72 et
seq

7
as medidas cautelares em 2011 (quando o estabelecimento ainda pertencia ao Presídio
Professor Aníbal Bruno). A propósito:

Estabelecimento – 2008 a 2011 2013- 2014 2017-2018 2019- Conclusão


Complexo Penitenciário (data da (data da (decisão que 2021
do Curado/PE adoção da decisão determinou (Inform
Medida inaugural) compensaçã e
Cautelar – o penal) Audiênc
Comissão ia
IDH) Pública)
Capacidade projetada 151416 1803 1819 Ampliação de
- 305 vagas (20%)
Lotação - 6.44417 5.96318 6708 Ampliação de
vagas não
resolveu o
problema de
forma
significativa
Porcentagem de - 425% 330% 368% Superpopulação
ocupação segue acima do
nível crítico
Mortes Intencionais 55 6 1219 (apenas 8 Número segue
em 2017) elevado
Quantitativo de 16 - - 16 Número segue
Denúncias por elevado
tortura/maus tratos

16
C.f. Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.
Resolução de 22 de maio de 2014, §7, alínea c, item 11.
17
Contagem de 28 de fevereiro de 2014. C.f. Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em
relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 22 de maio de 2014, §7, alínea c, item 11.
18
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.
Resolução de 28 de novembro de 2018, §67.
19
Informações do Estado: “Quanto a casos de violência e mortes ocorridas no Complexo de Curado, o Estado
comunicou 12 homicídios em 2017, 15 mas não informou sobre óbitos no ano de 2018” C.f. Corte IDH. Assunto
do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 28 de novembro
de 2018, §42. Os peticionários listaram pelo menos 6 óbitos por causa violenta em 2018 (c.f. §48).

8
Segundo os dados coletados, observa-se que poucos avanços foram obtidos em
relação a esses pontos20, sendo necessário o engajamento dos atores envolvidos para
implementar as medidas provisórias outorgadas pela Corte IDH. Com efeito, o estabelecimento
segue em situação de superlotação com 6.708 pessoas, para uma capacidade de 1.819 presos,
conforme contagem divulgada em 24 de maio de 2021.

Diante do exposto, é possível concluir que a imposição de obrigações de meio


para controle da porta de entrada (fixação de proibição de novos ingressos), controle da porta
de saída (adoção de mecanismos compensatórios para aceleração do cumprimento de pena em
situação ilícita) é produto de uma construção solidificada por quase uma década em que se
deferiu ao Estado a discricionariedade para a adoção de outras medidas, sem que as ações
adotadas tenham tido êxito em apresentar resultados (baseados em dados estatísticos) aptos a
enfrentar os riscos gravíssimos mapeados. Por isso, dada a própria natureza de uma tutela de
urgência e do risco à vida, à saúde e à integridade física dos beneficiários (as) das medidas, é
recomendável que as medidas provisórias sejam cumpridas de forma imediata, respeitado o seu
caráter vinculante, de forma inadiável. Esse tem sido, inclusive, o entendimento adotado pelo
Superior Tribunal de Justiça nos casos recentes julgados sobre as compensações penais.

II.2 – Do objeto da controvérsia: a aplicação da compensação penal

Realizada a contextualização geral sobre o percurso das medidas provisórias


adotadas em relação ao Complexo do Curado até a última determinação sobre a aplicação de
compensações penais, passa-se a tratar especificamente sobre o objeto da controvérsia.
Conforme destacado, diante dos dados apresentados no quadro acima, a 6ª
Resolução da Corte Interamericana a respeito da situação do Complexo do Curado, datada de
novembro de 2018, determinou a adoção de providências imediatas voltadas à redução da
superlotação no estabelecimento penal21. Para tanto, impôs o dever de implementar o benefício
da compensação penal em face de pena cumprida em condições degradantes e inconvencionais.

20
A própria Corte IDH reconhece alguns esforços em relação a pontos problemáticos, como o acesso à tratamento
para tuberculose, etc. Ocorre que esses avanços não são suficientes para justificar o levantamento das medidas.
21
Nesse sentido, assim dispõe os pontos resolutivos 4-6: “4. O Estado deverá arbitrar os meios para que, no prazo
de seis meses a contar da presente decisão, se compute em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no
IPPSC, para todas as pessoas ali alojadas, que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física,
ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas, nos termos dos Considerandos 115 a 130 da
presente resolução. 5. O Estado deverá organizar, no prazo de quatro meses a partir da presente decisão, uma

9
A partir da decisão interamericana, a Defensoria Pública do Estado de
Pernambuco passou a peticionar, em casos concretos, pela concessão do benefício na execução
penal, em favor das pessoas privadas que estiveram privadas de liberdade no referido
estabelecimento.
Conforme já destacado no Informe do CNJ de junho de 2021 e também na
própria exposição que consta na exordial ministerial, observa-se que, de uma forma geral, o
benefício não tem sido concedido na maioria dos casos. Contudo, há decisões que
reconheceram a sua aplicabilidade. Por isso, o Ministério Público do Estado de Pernambuco
requereu a instauração de um IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas), com
o fim de uniformizar o entendimento sobre o tema. O Parquet assim apresentou as questões
centrais da controvérsia:

“a) qual a natureza jurídica do cômputo em dobro do tempo de prisão?


b) em relação aos crimes hediondos ou equiparados, a medida
provisória emanada da Corte IDH é constitucional?
c) a referida medida provisória é exequível independentemente de
arbitragem ou regulamentação pela União (lei ou decreto presidencial)?
d) se for de aplicação imediata pela Justiça Estadual, quais as premissas
para concessão da comutação da pena (perdão parcial), em especial no
que concerne ao reconhecimento ou não de violação à Súmula
Vinculante nº 56?
e) sendo a medida constitucional e aplicável aos crimes hediondos ou
equiparados, é necessário prévio estudo psicossocial (exame
criminológico)?
f) se aplicável, a partir de quando deve se considerar em dobro o tempo
de prisão no Complexo do Curado?
g) se aplicável, no caso de penas unificadas decorrentes de mais de um
processo, é necessário destacar cada uma delas para realizar o cálculo
separadamente e depois reunificar para evitar a denominada “poupança
de tempo de prisão”?

equipe criminológica de profissionais, em especial psicólogos e assistentes sociais, sem prejuízo de outros, que,
em pareceres assinados por pelo menos três deles, avalie o prognóstico de conduta com base em indicadores de
agressividade dos presos alojados no IPPSC, acusados de crimes contra a vida e a integridade física, ou de crimes
sexuais, ou por eles condenados. Segundo o resultado verificado em cada caso, a equipe criminológica, ou pelo
menos três de seus profissionais, conforme o prognóstico de conduta a que tenha chegado, aconselhará a
conveniência ou inconveniêcia do cômputo em dobro do tempo de privação de liberdade, ou, então, sua redução
em menor medida. 6. O Estado deverá dotar a equipe criminológica do número de profissionais e da infraestrutura
necessária para que seu trabalho possa ser realizado no prazo de oito meses a partir de seu início”. In: Corte IDH.
Assunto do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho a respeito do Brasil. Medidas Provisórias. Resolução da Corte
Interamericana de Direitos Humanos de 22 de novembro de 2018., Pontos Resolutivos 4-6.

10
Na sequência, abordaremos pontualmente os pontos que encadeiam a
controvérsia.

a) A natureza jurídica do “cômputo em dobro”

O “cômputo em dobro” é o critério adotado para aplicação da compensação


penal. Quanto à natureza jurídica, trata-se de obrigação de meio determinada por um tribunal
internacional por decisão de caráter vinculante no âmbito das tutelas de urgência.
Além da categorização na esfera do Direito Internacional, no âmbito do Direito
Interno também há uma preocupação sobre a classificação do instituto. Nesse sentido, a
compensação punitiva pode ser conceituada como um mecanismo de aceleração do
cumprimento de pena privativa de liberdade em condições ilícitas, desumanas e degradantes.
Pablo Vacani e Eugênio Raúl Zaffaroni22, sedimentados em uma ampla reflexão filosófica e
processual, sustentam que a compensação penal é uma espécie autônoma, consistente em um
mecanismo da execução penal para o ajuste sobre o tempo de pena cumprida também em sua
dimensão qualitativa, considerando os princípios constitucionais da proporcionalidade, ne bis
in idem e vedação ao tratamento cruel, desumano e degradante. No Brasil, ao enquadrar o
instituto segundo as categorias da teoria da execução penal, Adhemar Borges e Aline Osório
têm defendido que se trata de uma modalidade de qualitativa de detração penal 23, que poderia
ser aplicada em analogia in bonam partem à detração penal quantitativa já prevista no art. 42
do CP e 66, III, c da Lei 7.210/198424.

22
A compensação penal é um instituto oriundo de uma teoria desenvolvida pelos juristas Eugenio Raul Zaffaroni
e por Pablo Vacani, segundo o qual o tempo de pena cumprido em situações degradantes é diferente daquele
vivenciado em estabelecimentos que observam os parâmetros mínimos exigíveis pelo Direito Internacional e pelo
próprio Direito Interno dos Estados. C.f. ZAFFARONI, Eugenio Raul. Las penas crueles son penas. Disponível
em VACANI, Pablo; Barresi, Mariela. La medida cualitativa de prisón por ejecución de pena ilícita llega a la
Corte Interamericana (Medidas Provisionales , Asunto Instituto Penal Plácido Sá Carvalho). In: VACANI, Pablo
(org.). La indeterminación de la pena en el proceso de ejecución peal: nuevas herramientas teóricas y
jurisprudenciales. Buenos Aires: Ad-hoc, 2019, p. 269-294. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Las Penas Crueles son
penas. Disponível em: http://www.derecho.uba.ar/publicaciones/lye/revistas/66/las-penas-crueles-son-penas.pdf.
Acesso em 19 de maio de 2021, p. 23.
23
Em artigo publicado em 2019, o Ademar Borges sustenta a “(...) noção de que a pena cumprida em condições
mais severas do que as determinadas pela lei apresenta um conteúdo punitivo mais intenso, que deve ser levado
em consideração pelos juízes para fins de readequação (redução ou extinção) da pena pela sentença”. (In: SOUSA
FILHO, Ademar Borges. Jurisdição constitucional e constitucionalização da pena de prisão. Revista da EMERJ,
v. 21, n. 3, set/dez 2019, tomo 1, p. 105). Recentemente, desenvolvendo um pouco mais a ideia das compensações
punitivas, Ademar Borges e Aline Osório defendem que o instituto teria natureza análoga à da detração. Nesse
sentido, c.f. SOUSA FILHO, Ademar Borges; OSORIO, Aline. Compensações punitivas por violações de direitos
fundamentais dos presos: reflexões sobre o futuro da ADPF 347 – no prelo.
24
Inclusive, relembram os autores que o art. 42 da LEP já vem recebendo interpretação extensiva dos tribunais,
que passaram a admitir o computo do tempo cumprido em sede de prisão domiciliar e do recolhimento noturno.
No artigo destacado, apontam os seguintes precedentes: STJ, HC 3.109, Rel. Min. Adhemar Maciel, Red. p/

11
Outro caminho alternativo observado na experiência nacional vem sendo
aplicado pelos magistrados e magistradas da execução penal do Estado do Rio de Janeiro, com
aplicação da técnica análoga àquela que é usada ao instituto da remição25. Apesar de se tratarem
de institutos distintos (com frações diferentes a serem aplicadas), é possível notar que tanto a
remição quanto a compensação são espécies de mecanismos de aceleração do cumprimento de
pena.
Seja como for, é certo que a compensação penal não se confunde com a
comutação especial ou indulto, que são medidas discricionárias adotadas pelo Poder Executivo,
por meio de Decreto Presidencial, para regulação da política penitenciária nacional. A
diferenciação dos institutos se deve em relação à autoridade com poderes para a determinação
de sua hipótese de incidência. Enquanto a compensação surge como um remédio judicial
efetivo determinada pelo Poder Judiciário para compensar uma omissão inconstitucional
(tolerância estatal com a submissão a tratamento degradante nos cárceres), a fonte da
comutação e do indulto, conforme disposto acima, seria de ato normativo oriundo do Poder
Executivo.
Em situações excepcionais, diante de um quadro generalizado de violações e de
imposição de tratamento cruel, desumano e degradante, o poder judiciário pode impor a
aplicação de um remédio apto a sanar a situação enfrentada.26 A Corte IDH, por mais de 04
anos, aguardou que o Estado Brasileiro controlasse a superlotação carcerária com base em suas
próprias opções de política penitenciária. Contudo, diante da não adoção de medidas com
resultados concretos e efetivos (que resultassem na observância do limite de capacidade
indicada pelo estabelecimento), fixou o dever de adoção do benefício da compensação para que
a situação seja enfrentada com providências concretas. Essa medida pode ser aliada à outras
ações e projetos estruturais para a consecução dos resultados almejados (controle da
superpopulação com a redução até o limite de capacidade das unidades prisionais).
É importante destacar que, apesar de acelerar o cumprimento da pena, a
compensação penal não gera automaticamente a soltura do apenado, pois o benefício impacta
tão somente no cálculo da pena remanescente. Eventual soltura só será concedida em análise

acórdão Min. Vicente Leal, Sexta Turma, j. em 28.03.1995; STJ, HC 11.225, Rel. Min. Edson Vidigal, Quinta
Turma, j. em 06.04.2000; STJ, HC 459377, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. em
04.09.2018. E, ainda: STJ, HC 380.369, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. em 27.09.2017. A propósito,
c.f. c.f. SOUSA FILHO, Ademar Borges; OSORIO, Aline. Compensações punitivas por violações de direitos
fundamentais dos presos: reflexões sobre o futuro da ADPF 347 – no prelo, p. 9.
25
Apesar de seguirem essa técnica, as decisões têm seguido a fração própria da compensação, conforme indicado
pela Corte Interamericana, na resolução sobre as medidas provisórias adotadas.
26
SOUSA FILHO, Ademar Borges. Jurisdição constitucional e constitucionalização da pena de prisão. Revista
da EMERJ, v. 21, n. 3, set/dez 2019, tomo 1, p. 103 et seq.

12
subsequente sobre o cabimento dos benefícios da execução penal (progressão de regime,
livramento condicional, prisão domiciliar). Assim, os juízes e juízas continuarão avaliando o
preenchimento dos requisitos próprios para que uma pessoa seja colocada em liberdade, tal
como tem sido feito cotidianamente.

b) Constitucionalidade da aplicação de compensação penal em relação aos crimes


hediondos ou equiparados

O Conselho Nacional de Justiça tem orientado a sua atuação, em fiel


cumprimento ao mandato de monitoramento, a partir do pressuposto de que as medidas
provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos são constitucionais e obrigatórias27.
Especificamente sobre a constitucionalidade da aplicação da compensação penal
em relação aos crimes hediondos ou equiparados, é importante notar que nem a Constituição,
nem a Lei de Crimes Hediondos trazem vedação expressa nesse sentido. Desta forma, não há
óbice à aplicação do instituto.
Ademais, do ponto de vista material, a medida provisória é compatível com a
Constituição da República Federativa do Brasil, posto que busca, justamente, dar concretude
aos direitos humanos fundamentais expressamente insculpidos na CRFB/1988, em leitura
conjunta com a Convenção Americana. Com efeito, a Corte Interamericana adotou as medidas
provisórias com o objetivo de assegurar o cumprimento da CADH e, por reflexo, do art. 5º da
Constituição Brasileira. A proibição à tortura e a outras formas de tratamento cruel, desumano
e degradante é elencada como direito fundamental, reconhecida também como cláusula pétrea.
No Direito Internacional, trata-se de norma que ingressou no domínio do jus cogens e, por isso,
não pode ser derrogada.
Além disso, sob a perspectiva formal, é importante lembrar que o art. 5º, §4º
estabelece que o Brasil se submete aos tribunais internacionais aos quais for parte. Nesse
sentido, é importante lembrar que o país ratificou a Convenção Americana em 1992 e aceitou
a competência contenciosa da Corte IDH em 1998. A Convenção Americana estabelece no art.

27
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA DO BRASIL. ARAÚJO, Valter; LANFREDI, Luis; MACHADO,
Isabel (Coord). Informe sobre as medidas provisórias adotadas em relação ao Brasil. Série Sistema Interamericano
de Direitos Humanos, n. 1. Brasília: CNJ, 2021, pp. 57-58. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2021/06/Medidas_Provisorias_adotadas_em_relacao_ao_Brasil_2021-06-16_V5.pdf, p. 37.

13
68 que as suas decisões são vinculantes28, sendo que o art. 62(3) confere poderes expressos ao
tribunal para a adoção de medidas provisórias.29 As medidas provisórias têm natureza de
decisões interlocutórias, adotadas no âmbito das tutelas de urgência 30, sob o formato de
resoluções31 (nomenclatura eleita pelo Regulamento da Corte IDH, que codifica as regras de
procedimento no âmbito daquele tribunal). A nomenclatura “resolução” é uma tradução literal
do termo em espanhol, que, em várias jurisdições, é o termo processual adotado para as
decisões interlocutórias de tribunais. Assim, no sistema interamericano, as resoluções são
verdadeiras decisões judiciais, dotadas de caráter vinculante, nos termos do art. 68 da CADH.
Conforme entendimento do STJ:

“7. As autoridades públicas, judiciárias inclusive, devem exercer o


controle de convencionalidade, observando os efeitos das disposições
do diploma internacional e adequando sua estrutura interna para
garantir o cumprimento total de suas obrigações frente à comunidade
internacional, uma vez que os países signatários são guardiões da tutela
dos direitos humanos, devendo empregar a interpretação mais
favorável ao ser humano.
- Aliás, essa particular forma de parametrar a interpretação das normas
jurídicas (internas ou internacionais) é a que mais se aproxima da
Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa
humana dois de seus fundamentos, bem como tem por objetivos
fundamentais erradicar a marginalização e construir uma sociedade
livre, justa e solidária (incisos I, II e III do art. 3º). Tudo na perspectiva
da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo da respectiva
Carta Magna caracteriza como "fraterna" (HC n. 94163, Relator Min.
CARLOS BRITTO, Primeira Turma do STF, julgado em 2/12/2008,
DJe-200 DIVULG 22/10/2009 PUBLIC 23/10/2009 EMENT VOL-
02379-04 PP-00851). O horizonte da fraternidade é, na verdade, o que
mais se ajusta com a efetiva tutela dos direitos humanos fundamentais.
A certeza de que o titular desses direitos é qualquer pessoa, deve
sempre influenciar a interpretação das normas e a ação dos atores do
Direito e do Sistema de Justiça.
- Doutrina: BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria
constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2007; MACHADO, Carlos
Augusto Alcântara. A Fraternidade como Categoria Jurídica:

28
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. The Evolution of Provisional Measures Under the Case-Law of
the Inter-American Court of Human Rights (1987-2002). Human Rights Law Journal, Kehl, v. 24, n. 5-8, p.
162-168, 2003, p. 167. Vide também: CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. O regime jurídico autônomo
das medidas provisórias de proteção. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2017.
29
RAMOS, André de Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015,
p. 252.
30
HERRERA, Clara Burbano. Provisional measures in the case law of the Inter-American Court of Human
Rights. Antwerp, Oxford, Portland: Intersentia, 2010, p. 131.
31
CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. The Evolution of Provisional Measures Under the Case-Law of
the Inter-American Court of Human Rights (1987-2002). Human Rights Law Journal, Kehl, v. 24, n. 5-8, p.
162-168, 2003.

14
fundamentos e alcance (expressão do constitucionalismo fraternal).
Curitiba: Appris, 2017; MACHADO, Clara. O Princípio Jurídico da
Fraternidade. - um instrumento para proteção de direitos fundamentais
transindividuais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017; PIOVESAN,
Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. Sâo
Paulo: Saraiva, 2017; VERONESE, Josiane Rose Petry; OLIVEIRA,
Olga Maria Boschi Aguiar de; Direito, Justiça e Fraternidade. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2017.
8. Os juízes nacionais devem agir como juízes interamericanos e
estabelecer o diálogo entre o direito interno e o direito internacional
dos direitos humanos, até mesmo para diminuir violações e abreviar as
demandas internacionais. É com tal espírito hermenêutico que se
dessume que, na hipótese, a melhor interpretação a ser dada, é pela
aplicação a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
de 22 de novembro de 2018 a todo o período em que o recorrente
cumpriu pena no IPPSC.”32

c) A aplicabilidade imediata das medidas provisórias, independentemente de


arbitragem ou regulamentação pela União (lei ou decreto presidencial)

Por definição, a execução de uma sentença internacional ou de uma decisão no


âmbito das medidas provisórias são autoexequíveis33, vale dizer, não pressupõe
regulamentação da União por lei ou decreto. Tanto que várias sentenças e medidas provisórias
anteriores, sobre os mais variáveis temas, vem sendo cumpridos normalmente.
As decisões da Corte Interamericana não dependem de arbitragem, nem prévia
homologação pelo STJ (exigência imposta às sentenças estrangeiras). Trata-se de uma decisão
de um tribunal internacional ao qual o Brasil é parte, e não de uma sentença estrangeira.34
Ademais, não se confundem com qualquer procedimento relativo à arbitragem. Além disso, a
Corte Interamericana tem uma jurisprudência constante no sentido de afirmar que o Estado não

32
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA . AgRg no RHC 136961. Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, 5ª Turma. DJ 21.06.2021. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2069460&num_
registro=202002844693&data=20210621&peticao_numero=202100442356&formato=PDF
33
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas Corpus 660.332/RJ (2021/0114371-5), Rel. Min.
Sebastião Reis Junior. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&docu
mento_sequencial=133961749&registro_numero=202101143715&peticao_numero=-
1&publicacao_data=20210916&formato=PDF.
34
A propósito, André de Carvalho Ramos esclarece de forma cristalina que: “(...) a decisão de uma organização
internacional não encontra identidade em uma sentença judicial oriunda de um Estado Estrangeiro. Logo, não é
necessário, nem autorizado, pelo nosso ordenamento, a homologação da citada sentença internacional pelo
Superior Tribunal de Justiça, sob pena de violarmos a própria Constituição Brasileira que estabelece os limites de
competência do STJ. Consequentemente, a homologação de sentença estrangeira prevista no art. 105, I, i da
Constituição não se aplica às sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos”. In RAMOS, André de
Carvalho. Processo Internacional de Direitos Humanos. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 375.

15
pode invocar obstáculos internos35 (como exigência de leis ou decretos presidenciais) para
justificar o descumprimento de uma obrigação internacional. No caso, o reiterado
descumprimento situa o Brasil em uma posição de mora internacional, em descumprimento das
obrigações assumidas. A adoção de medidas provisórias é excepcionalíssima e adotada nas
situações mais graves que chegam ao sistema.36

d) Critérios para a concessão da compensação penal

Os critérios para aplicação imediata do benefício são os que foram delineados


pela Corte Interamericana. A Corte IDH impôs duas diretrizes:
• Regra geral: aplicação do cômputo em dobro para cada dia de
pena vivenciada em condições degradantes no complexo37.
• Regra específica aos crimes contra vida, integridade física e
crimes sexuais: realização de laudo pericial para aferição da fração de
compensação a ser aplicada38. Nesse caso, a Corte não se opõe à
aplicação do cômputo em dobro. Apenas nas hipóteses de um perfil de
agressividade significativo, constatado por laudo pericial, a fração de
compensação a ser aplicada poderá ser reduzida, observando-se o dever
de motivação.

Vale destacar que, além da compensação penal, a Corte IDH realça a


possibilidade de concessão de outros benefícios baseados na súmula vinculante 56 do STF. De
se acrescentar, ainda, a viabilidade de agregar as medidas de desencarceramento que emanam
da Recomendação n. 62 do CNJ, adotada diante da pandemia do coronavírus. Além disso, há
outras ações desenvolvidas no âmbito do programa Fazendo Justiça (como a “Central de
Vagas”), que podem ser úteis para o controle da superpopulação39. Essa foi uma medida que o

35
Id, p. 373.
36
LEGALE, Siddharta. A Corte Interamericana de Direitos Humanos como tribunal constitucional, 2ª ed.
Rio de Janeiro: lumen juris, 2020, p. 98.
37
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.
Resolução de 28 de novembro de 2018, ponto resolutivo 6.
38
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.
Resolução de 28 de novembro de 2018, ponto resolutivo 7 e 8.
39
O TJMA instituiu, pela Portaria Conjunta 22/2021, o “(...) o Grupo de Trabalho para a implantação da Central
de Regulação de Vagas nos Estabelecimentos Prisionais do Estado do Maranhão, por intermédio do Programa
Fazendo Justiça, do Conselho Nacional de Justiça-CNJ” (Disponível em:
https://www.tjma.jus.br/atos/cgj/portarias-conjuntas/titulo-portaria/501433). Esse é o primeiro projeto piloto
sobre centrais de vagas como medida para o controle da superpopulação carcerária adotado no Brasil. A ação vem

16
estado do Maranhão aderiu recentemente, tendo em vista a situação enfrentada pelo Estado,
que também possui a medida provisória pendente no caso do Complexo Penitenciário São Luís
(Antiga Pedrinhas).

e) Sobre a realização de exame criminológico para aplicação da compensação penal

Na resolução adotada em novembro de 2018, a Corte Interamericana


estabeleceu que as compensações penais deveriam ser adotadas em relação a todas as pessoas
privadas de liberdade que passaram pelo Complexo do Curado e vivenciaram a situação
degradante e ilícita. Conforme exposto acima, o ponto resolutivo 6º disciplina a aplicação do
benefício como regra geral e os pontos resolutivos 7º e 8º tratam especificamente dos crimes
graves (contra a vida, integridade e sexuais). Em relação a estes últimos, caso o Estado opte
por aplicar uma fração diferenciada em menor proporção à regra geral, tal tratamento
diferenciado deve estar embasado por exame criminológico, realizado por equipe
multidisciplinar. A Corte fixou o prazo de 04 meses para a instituição de uma Comissão
Multidisciplinar para realização dos referidos exames, com prazo de 08 meses para conclusão
dos laudos, contados da data da notificação da sentença40. Atualmente, verifica-se que tal prazo
já se encontra expirado, sendo que a impossibilidade de realização do exame criminológico não
pode ser um obstáculo à aplicação do benefício. Sobre o ponto, o STJ tem reforçado que o
Poder Judiciário deve garantir que o Estado venha a viabilizá-lo (inclusive solicitando a
cooperação técnica com o CNJ)41.
f) Marco Inicial e Marco Final para a contagem da compensação penal

Segundo julgados recentes do STJ, o marco inicial da contagem inicia-se a partir


da data de ingresso da pessoa privada de liberdade no estabelecimento prisional.42 Esse critério,

sendo desenhada pelo Eixo 1 do Programa Fazendo Justiça, pelo GMF/MA e pelo GT criado pela referida portaria.
Vale destacar, que a proposta foi apresentada ao público no folder disponível em: www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2020/10/Folder-Controle-Superlotação.pdf . O Programa irá publicar no sítio do CNJ um manual
instrumental sobre o tema (no prelo).
40
Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias.
Resolução de 28 de novembro de 2018, pontos resolutivos 7 e 8.
41
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Habeas Corpus 660.332/RJ (2021/0114371-5), Rel. Min.
Sebastião Reis Junior. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/julgamento/eletronico/documento/mediado/?documento_tipo=integra&docu
mento_sequencial=133961749&registro_numero=202101143715&peticao_numero=-
1&publicacao_data=20210916&formato=PDF.
42
Especificamente em relação ao Complexo do Curado, há ampla documentação sobre os efeitos da
superpopulação por meio de inspeções, relatório de Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Sistema Prisional,
adoção de medidas cautelares pela CIDH (2011) e adoção das medidas provisórias a partir de 2014

17
inclusive, foi convalidado pelo STJ, em relação à contexto análogo (medida provisória
concedida pela Corte IDH em relação ao Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho – RJ). A
respeito, destaca-se trecho do voto do Min. Reynaldo Soares da Fonseca:

“5. Não se mostra possível que a determinação de cômputo em dobro


tenha seus efeitos modulados como se o recorrente tivesse cumprido
parte da pena em condições aceitáveis até a notificação e a partir de
então tal estado de fato tivesse se modificado. Em realidade, o substrato
fático que deu origem ao reconhecimento da situação degradante já
perdurara anteriormente, até para que pudesse ser objeto de
reconhecimento, devendo, por tal razão, incidir sobre todo o período de
cumprimento da pena.
6. Por princípio interpretativo das convenções sobre direitos humanos,
o Estado-parte da CIDH pode ampliar a proteção dos direitos humanos,
por meio do princípio pro personae, interpretando a sentença da Corte
IDH da maneira mais favorável possível aquele que vê seus direitos
violados.”43

Em relação ao marco final da contagem, ainda não há decisão sobre o ponto no


âmbito dos tribunais superiores. A resolução da Corte IDH também não esclarece de forma
derradeira sobre a questão.44 Para garantir a segurança jurídica, o mais adequado seria
considerar o marco final como a data em que houver o levantamento das referidas medidas,
com o cumprimento e apresentação dos resultados esperados conforme determinado nos pontos
resolutivos da decisão. Assim, caso a aplicação dos benefícios (aliados com as demais medidas
oriundas do plano de contingência) logrem êxito no controle do limite da capacidade do
estabelecimento, o CNJ se prontifica a informar imediatamente ao Ministério da Família,
Mulher e Direitos Humanos (Poder Executivo Federal), que presenta a República Federativa
do Brasil perante a Corte IDH (em articulação conjunta com o MRE e a AGU). Em adição, se
disponibiliza a informar a situação ao tribunal internacional, diante de sua recente atuação
como fonte independente de informação. Em análise às medidas provisórias anteriores em
relação ao Brasil que já foram levantadas, observa-se que o diálogo, articulação e a adoção de

43
STJ, AgRg no Recurso em Habeas Corpus nº 136.961/RJ, 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Reynaldo da Fonseca
44
Importante contextualizar, tal como já exposto no informe do CNJ (2021), no caso do Instituto Penal Plácido
Sá Carvalho, há um específico debate sobre o tema. A SEAP-RJ informou que o limite da capacidade do
estabelecimento era de 1699 pessoas. Em março de 2020, a partir da combinação da concessão do benefício com
outras medidas de desencarceramento (em especial, aquelas que derivam da Recomendação 62 do CNJ), o
estabelecimento penal passou a observar o limite da capacidade. Por isso, os juízes da execução passaram a
considerar tal data como dies ad quem. Contudo, tem sido reportado que a adoção do referido critério encontra
resistência por parte dos peticionários, tendo em vista que a determinação da capacidade máxima do
estabelecimento não observa a Res. 09/2010 do CNPCP (parâmetro adotado pela Corte IDH). Ademais, apesar de
a superlotação ser um dos fatores preponderantes para determinar a aplicabilidade da compensação penal, a Corte
IDH adota outros pontos (como condições de salubridade e acesso à saúde). Por isso, sustentam que o marco final
deveria ser a data do levantamento das medidas provisórias.

18
providências concretas pelos atores envolvidos são o caminho para que se possa alcançar tal
meta.

g) Técnica de Aplicação da compensação penal nos casos que demandam a unificação de


penas

O último ponto da consulta ministerial se refere ao modo de contagem da


compensação penal, nos casos de pluralidade de condenações, que demandam a unificação de
pena.

A técnica de aplicação segue a própria lógica de aplicação já desenvolvida pelo


regime jurídico da execução penal. Segundo o artigo 111 da LEP:

“Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no


mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do regime
de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou unificação das
penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição.

Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da execução, somar-


se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para determinação
do regime”.

Considerando que a remição, assim como a compensação punitiva, são


mecanismos para aceleração do cumprimento de pena, é possível a aplicação de técnica
semelhante. Assim, é razoável considerar que, após a unificação, descontar-se-á o tempo de
compensação, conforme operação matemática que já é comumente adotada para o cálculo da
remição.

III – Considerações Finais

Diante de todo exposto, nesta oportunidade, apresentam-se as informações da


Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte IDH, considerando o

19
contínuo monitoramento que vem sendo feito aos estabelecimentos penais que são objeto de
medidas provisórias ditadas pelo referido tribunal internacional.
Inclusive, lembramos que esta não é a primeira vez que surge uma consulta
nesse sentido. Também o GMF do Rio de Janeiro, no âmbito da implementação da medida
provisória no Instituto Penal Plácido Sá Carvalho, solicitou cooperação técnica com o
DMF/CNJ45, para melhor compreender como seguir a determinação interamericana e associá-
la à política pública judicial do então Programa Justiça Presente. A partir do diálogo construído
entre o CNJ e o GMF do Rio de Janeiro, alguns avanços em relação ao controle da
superpopulação foram alcançados, conforme reportado no último Informe da UMF sobre as
quatro medidas provisórias. Caso V. Exas considerem útil, é possível promover, inclusive,
eventos de cooperação entre os GMFs para compartilhamento das estratégias de
implementação dos pontos resolutivos ainda pendentes de cumprimento, bem como de outras
ações que podem promover o controle dos problemas detectados e a promoção de um controle
de convencionalidade46 pelo Poder Judiciário. O CNJ se propõe, desde já, a intermediar essa
iniciativa, uma vez que os desafios enfrentados pioneiramente pelo TJRJ, TJPE e TJMA podem
servir de modelo para outros tribunais, que enfrentam contextos prisionais com grande
instabilidade, índice de violência e precariedade. Ao mesmo tempo que se compreende o
enorme desafio que o tribunal pernambucano ora enfrenta, relembramos também que se trata
de um território com vastíssima tradição jurídica, terra de grandes juristas e figuras de relevo
nacional. A atuação da UMF se pauta pela certeza que são os atores locais (do Poder Judiciário,
dos Gestores Prisionais, do Ministério Público Estadual e Federal, da Defensoria Estadual e da
União, junto com os peticionários e sociedade civil) que protagonizam os avanços incrementais
que podem ser obtidos. Nesse sentido, é louvável que o IRDR reúna uma vasta pluralidade de
vozes para que se possa pensar coletivamente em arranjos para garantir o fiel cumprimento da
medida imposta.
O esforço e diálogo de todos os(as) envolvidos(as) é o caminho possível para a
construção das reformas sistêmicas necessárias. Essa é a perspectiva que tem sido construída
pelo Supremo Tribunal Federal na ação do Estado de Coisas Inconstitucional, e também pelo

45
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA DO BRASIL. ARAÚJO, Valter; LANFREDI, Luis; MACHADO,
Isabel (Coord). Informe sobre as medidas provisórias adotadas em relação ao Brasil. Série Sistema Interamericano
de Direitos Humanos, n. 1. Brasília: CNJ, 2021, pp. 57-58. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-
content/uploads/2021/06/Medidas_Provisorias_adotadas_em_relacao_ao_Brasil_2021-06-16_V5.pdf.
46 Sobre a proposta, c.f. FACHIN, Melina Girardi; RIBAS, Ana Carolina; CAVASSIN, Lucas Carli. Perspectivas

do controle de convencionalidade do sistema interamericano de direitos humanos no Brasil: implicações para um


novo constitucionalismo. In: BOGDANDY, Armin von; ANTONIAZZI, Mariela Morales; PIOVESAN, Flávia
(coord.). Ius Constitucionale Commune na América Latina: diálogos jurisdicionais e controle de
convencionalidade. Curitiba: Juruá, 2016. v. 3.

20
STJ nos inúmeros habeas corpus e recursos recentemente apreciados. A presença do CNJ,
nesse espaço, só se justifica para compartilhar o que já foi alcançado em outras experiências
em situações semelhantes, nas quais este órgão foi convidado a cooperar.
Por fim, caso V. Exas julguem relevante ou necessário, colocamo-nos à
disposição para apresentação das informações ora sistematizadas por meio de sustentação oral.

Salvo melhor juízo, é o parecer.

Brasília, 16 de novembro de 2021

Luís Geraldo Sant’Ana Lanfredi


Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça
Coordenador da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das deliberações da Corte
IDH
Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema
Carcerário e de Medidas socioeducativas

21
Anexo E
Acórdão IRDR
Tribunal de Justiça de Pernambuco
PJe - Processo Judicial Eletrônico

09/09/2022

Número: 0008770-65.2021.8.17.9000
Classe: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS
Órgão julgador colegiado: Seção Criminal
Órgão julgador: Gabinete do Des. Carlos Frederico Gonçalves de Moraes (Processos Vinculados -
4ª CCrim)
Última distribuição : 24/05/2021
Valor da causa: R$ 0,00
Assuntos: Indulto
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Procurador/Terceiro vinculado
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO
(SUSCITANTE)
DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE PERNAMBUCO
(SUSCITADO)
Defensor Público do Estado de Pernambuco (SUSCITADO)
Coordenação da Central de Recursos Criminais (FISCAL
DA ORDEM JURÍDICA)
Coordenação das Procuradorias Criminais (FISCAL DA
ORDEM JURÍDICA)
PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO
(FISCAL DA ORDEM JURÍDICA)
Amicus Curiae (TERCEIRO INTERESSADO) RENATA XAVIER DE CASTRO (ADVOGADO(A))
FLAVIANNE FERNANDA BITENCOURT NOBREGA
(ADVOGADO(A))
CAMILLA MONTANHA DE LIMA (ADVOGADO(A))
54º Promotor de Justiça Criminal da Capital (FISCAL DA
ORDEM JURÍDICA)
21º Promotor de Justiça Criminal da Capital (FISCAL DA
ORDEM JURÍDICA)
19º Promotor de Justiça Criminal da Capital (FISCAL DA
ORDEM JURÍDICA)
20º Promotor de Justiça Criminal da Capital (FISCAL DA
ORDEM JURÍDICA)
8º Promotor de Justiça Criminal de Caruaru (FISCAL DA
ORDEM JURÍDICA)
5º Promotor de Justiça Criminal de Petrolina (FISCAL DA
ORDEM JURÍDICA)
ESTADO DE PERNAMBUCO, PROCURADORIA GERAL DO
ESTADO DE PERNAMBUCO (FISCAL DA ORDEM
JURÍDICA)
PROCURADOR GERAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO
(FISCAL DA ORDEM JURÍDICA)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
23156 08/09/2022 16:35 Acórdão Acórdão
565
INTEIRO TEOR

SEÇÃO CRIMINAL

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 8770-65.2021.8.17.9000

Suscitante: MINISTÉRIO PÚBLICO DE PERNAMBUCO

Suscitada: DEFENSORIA PÚBLICA DE PERNAMBUCO

Procurador de Justiça: Francisco Dirceu Barros

Relator: Des. Cláudio Jean Nogueira Virgínio

Relator p/ acórdão: Des. Carlos Moraes

EMENTA

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS –


RESOLUÇÃO EDITADA EM 28/11/2018 PELA CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS – ACOLHIMENTO DE
PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO PARA QUE O ESTADO DE
PERNAMBUCO SE PRONUNCIE ACERCA DA MATÉRIA EM
DEBATE NA FORMA DO ART. 983 DO CPC – REJEIÇÃO DA
PRELIMINAR DE INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADA PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO – MÉRITO DO INCIDENTE – CONTAGEM
EM DOBRO DO TEMPO DE PRISÃO CUMPRIDO NO COMPLEXO

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Número do documento: 22090816352679900000022780048
PENITENCIÁRIO DO CURADO – ESPÉCIE SUI GENERIS DE
REMIÇÃO POR SUPERLOTAÇÃO – UNIFORMIZAÇÃO DA
JURISPRUDÊNCIA QUANTO À APLICAÇÃO DA RESOLUÇÃO EM
QUESTÃO (ART. 985 DO CPC) – FIXAÇÃO DE CINCO TESES
JURÍDICAS A SEREM ADOTADAS NO ÂMBITO DESTE TRIBUNAL,
A SABER:
TESE 1: A contagem em dobro do tempo de prisão cumprido no
Complexo Penitenciário do Curado, em Recife/PE, estabelecida pela
Resolução de 28/11/2018 da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (Corte IDH) possui a natureza jurídica de remição sui
generis ou, mais precisamente, de “remição por superlotação”.
TESE 2: Para evitar a superpopulação carcerária e as suas
consequências no Complexo Penitenciário do Curado, os juízes da
execução penal devem observar, em primeiro lugar, a aplicação da
Súmula Vinculante nº 56 e as diretrizes fixadas pelo STF na
repercussão geral do RE 641.320/RS.
TESE 3: Após esgotados os parâmetros fixados no RE 641.320/RS, o
benefício da contagem em dobro do tempo de prisão cumprido no
Complexo Penitenciário do Curado, em Recife/PE, previsto na
Resolução de 28/11/2018 da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (Corte IDH), somente se aplica aos detentos que não forem
acusados ou condenados em razão dos crimes contra a vida, a
integridade física e a dignidade sexual, assim classificados pelo
Código Penal, bem como não se adota aos recolhidos em virtude dos
crimes hediondos e equiparados previstos na Lei nº 8.072/90.
TESE 4: O termo inicial da contagem em dobro do tempo de prisão
cumprido no Complexo Penitenciário do Curado, em Recife/PE,
prevista na Resolução de 28/11/2018 da Corte Interamericana de
Direitos Humanos (Corte IDH), é a data do ingresso do detento no
referido estabelecimento prisional, independentemente da data em
que o Estado brasileiro foi notificado da deliberação.
TESE 5: Na hipótese de superveniente condenação por crime
posterior no curso da execução, antes de se proceder à soma
determinada no art. 111, parágrafo único, da Lei nº 7.210/84, faz-se
necessário efetuar a separação das penas tão somente para fins do
cálculo do cômputo em dobro estabelecido pela Resolução de
28/11/2018 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a fim de
evitar a denominada “poupança de tempo de prisão”.

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Número do documento: 22090816352679900000022780048
Decisão unânime, nos termos do art. 206 do Regimento Interno do
TJPE.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do Incidente de


Resolução de Demandas Repetitivas nº 8770-65.2021.8.17.9000, acima
mencionado, ACORDAM os desembargadores integrantes da Seção Criminal do
Tribunal de Justiça de Pernambuco, à unanimidade, com observância do disposto
no art. 206 do Regimento Interno do TJPE, em ACOLHER PARCIALMENTE o
presente incidente e FIXAR AS TESES JURÍDICAS acima detalhadas, nos termos
dos votos, da ementa e das notas taquigráficas que integram este julgado.

Participaram do julgamento os desembargadores Cláudio Jean Nogueira


Virgínio (relator), Carlos Frederico Gonçalves de Moraes (relator para o acórdão),
Isaías Andrade Lins Neto, Eudes dos Prazeres França, Daisy Maria de Andrade
Costa Pereira, Evandro Sérgio Netto de Magalhães Melo, Antônio Carlos Alves da
Silva, Fausto de Castro Campos, Mauro Alencar de Barros, Alexandre Guedes
Alcoforado Assunção, Marco Antônio Cabral Maggi e Leopoldo de Arruda Raposo.

Recife, 01 de setembro de 2022 (data do julgamento).

Des. Carlos Moraes

01

RELATÓRIO

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Trata-se de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, com pedido de
tutela de urgência, ofertado em 24.05.2021 (ID 16097572), na forma do art. 978 do Código
de Processo Civil, pelo Ministério Público do Estado de Pernambuco, através dos
titulares das Promotorias de Justiça Criminais em execuções penais da Capital, Caruaru e
Petrolina, visando à uniformização da interpretação por meio de controle de
constitucionalidade dos processos de execução relacionados à adoção da medida de
detração ficta imposta por medida provisória emanada da Corte Interamericana de
Direitos Humanos – CIDH, a qual recomendou, para efeitos das sanções penais, a
contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades prisionais integrantes do Complexo
do Curado, e, liminarmente, objetivando a suspensão dos efeitos práticos da referida
detração ficta.
As questões – nuclear e adjacentes – aduzidas no presente incidente versam
sobre duas vertentes que se relacionam com a adequação constitucional da aplicação da
decisão internacional no direito interno. A primeira vertente refere-se à possibilidade da
imediata aplicação dessa contagem em dobro do tempo de pena ou de medida
preventiva, cumprida no Complexo do Curado, independentemente de arbitragem ou
regulamentação pela União (questão nuclear). A segunda vertente diz respeito, caso se
conclua pela aplicação imediata da Medida Provisória, à correta identificação do instituto a
ser aplicado, a partir da delimitação de sua natureza jurídica e dos requisitos legais
inerentes à matéria de execução penal (questões adjacentes). Notadamente, as duas
vertentes aqui destacadas evidenciam-se a partir dos seguintes questionamentos
formulados pelo Ministério Público em sua petição inicial:

“a) qual a natureza jurídica do cômputo em dobro do tempo de prisão?

b) em relação aos crimes hediondos ou equiparados, a medida provisória emanada da CDIH é


constitucional?

c) a referida medida provisória é exequível independentemente de arbitragem ou regulamentação pela


União (lei ou decreto presidencial)?

d) se for de aplicação imediata pela Justiça Estadual, quais as premissas para concessão da comutação
da pena (perdão parcial), em especial no que concerne ao reconhecimento ou não de violação à
Súmula Vinculante nº 56?

e) sendo a medida constitucional e aplicável aos crimes hediondos ou equiparados, é necessário prévio
estudo psicossocial (exame criminológico)?

f) se aplicável, a partir de quando deve se considerar em dobro o tempo de prisão no Complexo do


Curado?

g) se aplicável, no caso de penas unificadas decorrentes de mais de um processo, é necessário


destacar cada uma delas para realizar o cálculo separadamente e depois reunificar para evitar a
denominada “poupança de tempo de prisão?.

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Número do documento: 22090816352679900000022780048
Em 25.05.2021, foi proferido despacho (ID 16109014) determinando o
encaminhamento dos autos à Comissão de Sistematização e Publicação de Precedentes
Judiciais para manifestação na forma do art. 437 da Resolução nº 395/2017 (Regimento
Interno do Tribunal de Justiça de Pernambuco), a qual, em 02.06.2021, emitiu parecer nos
seguintes termos: “verificada a insegurança jurídica que a matéria pode ocasionar na
prática, com efeitos diretos na execução das penas no Estado de Pernambuco, nos
termos do art. 437 do Regimento Interno desta Corte, opina a Comissão de
Sistematização e Publicação de Precedentes Judiciais pela instauração do presente
IRDR, observadas as formalidades legais atinentes à espécie” (ID 16224306).
Em 16.06.2021, a Procuradoria de Justiça manifestou-se nos autos da
seguinte forma: “considerando que o presente IRDR foi proposto pelo Ministério Público,
esta Subprocuradoria-Geral de Justiça em Assuntos Jurídicos deixa de se manifestar
nesse momento, em atenção ao art. 437 do RITJPE, requerendo, desde logo, que
admitido o incidente e concluídas as diligências, seja determinado pelo E. Des. Relator
vista ao MPPE, com arrimo no art. 441 do RITJPE” (ID 16434586)
Na sessão de julgamento realizada em 21.06.2021, a Seção Criminal, à
unanimidade, admitiu o presente incidente e, também por decisão unânime, concedeu a
tutela de urgência requerida, determinando a suspensão dos efeitos práticos da contagem
em dobro do tempo de prisão nas unidades integrantes do denominado Complexo do
Curado, bem como o sobrestamento de todos os recursos de agravo de execução
relacionados à questão jurídica em apreço, até o julgamento do presente incidente,
restando assim ementado o acórdão resultante do julgamento pela admissibilidade do
incidente em análise (ID 16506142):

EMENTA: INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS.


DIVERGÊNCIA DE INTERPRETAÇAO ENTRE AS VARAS DE EXECUÇÕES
PENAIS SOBRE A CONTAGEM EM DOBRO DO TEMPO DE PRISÃO.
DIVERGÊNCIA CONFIGURADA. MULTIPLICIDADE DE PROCESSOS. RISCO A
ISONOMIA E A SEGURANÇA PÚBLICA. PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA
ADMISSÃO DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS.
MOSTRA-SE RELEVANTE SUSPENDER OS EFEITOS PRÁTICOS DA
CONTAGEM EM DOBRO DO TEMPO DE PRISÃO NAS UNIDADES
INTEGRANTES DO DENOMINADO COMPLEXO DO CURADO E DOS AGRAVOS
EM EXECUÇÃO QUE VERSAM SOBRE A MATÉRIA ORA DEBATIDA, TUDO
CONFORME OS ARTS. 313, IV C/C 982, I DO CPC, REPUTADO O LAPSO
REFERIDO NO ART. 980 DO MESMO CÓDIGO. DECISÃO UNÂNIME.

Em 29.09.2021, o Programa de Extensão Acesso ao Sistema Interamericano


de Proteção aos Direitos Humanos (aSIDH) da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) e Projeto de Pesquisa “Monitoramento e cumprimento das decisões do Sistema

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https://pje.tjpe.jus.br:443/2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22090816352679900000022780048
Número do documento: 22090816352679900000022780048
Interamericano de Direitos Humanos: investigação dos arranjos institucionais que
favorecem e dificultam a sua implementação no Brasil”, vinculado ao Programa de Pós
Graduação em Direito da UFPE (PPGD), juntou aos autos petição (ID 17969721), na qual
requer: a) admissão de sua habilitação nos autos para atuar na qualidade de amicus
curiae; b) autorização de envio posterior de memorial escrito, com informações
complementares; e c) autorização para realizar sustentação oral na sessão de julgamento
do mérito do presente incidente.
Em 20.10.2021, foi proferida decisão interlocutória admitindo a habilitação do
Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal de
Pernambuco (PPGD), representado por meio dos integrantes do Programa de Extensão e
do Projeto de Pesquisa referido, para atuarem no presente feito na qualidade de amicus
curiae, autorizando a apresentação de manifestação escrita e a juntada de documentos
sobre as questões jurídicas levantadas no presente incidente, no prazo máximo de 15
dias úteis. Por fim, considerando o caráter estritamente informativo da intervenção do
amicus curiae, bem como o interesse institucional no caso em apreço, foi indeferido o
pedido de sustentação oral formulado pelo requerente.
Em 20.10.2021 foi juntada aos autos certidão (ID 18194275) comprovando a
intimação das autoridades judiciárias das Varas de Execuções Penais (1ª Vara Regional,
2ª Vara Regional, 3ª Vara Regional, 4ª Vara Regional e Vara de Execuções Penais da
Capital), bem como da Unidade de Monitoramento e Fiscalização de decisões e
deliberações da Corte Interamericana de Direitos Humanos do Conselho Nacional de
Justiça (UMF/CNJ), para apresentarem suas manifestações no prazo máximo de 15 dias
úteis.
Em virtude da impetração de Habeas Corpus perante os tribunais superiores,
foram acostados aos autos, pedidos de informações acerca do andamento da ação,
oriundos do STJ, relativos ao HC 682865/PE (2021/0234943-3) (ID 18149018) e ao HC
699606/PE (2021/0326522-0) (ID 18252094), e do STF, relativos à Medida Cautelar no
Habeas Corpus nº 207025 (ID 18149029) e à Medida Cautelar no Habeas Corpus nº
208337 (ID 18670554), cujas informações pertinentes foram devidamente encaminhadas
através dos documentos de ID 184110156, ID 18957574, ID 18957578.
No tocante ao julgamento do HC 693231/PE (2021/0292577-4), o Superior
Tribunal de Justiça cientificou a Seção Criminal da decisão prolatada no sentido de
reconhecer a suspensão de todos os processos na origem, relativos à controvérsia destes
autos, havendo de se aguardar que a Seção Criminal se manifeste em relação ao mérito
do IRDR, sob pena de atuação daquele Tribunal da Cidadania em indevida supressão de
instância e de desprestígio ao TJPE com o incidente em curso. No mesmo sentido se deu
o julgamento do AgRg no Habeas Corpus Nº 708653 - PE (2021/0378350-0) (ID

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https://pje.tjpe.jus.br:443/2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22090816352679900000022780048
Número do documento: 22090816352679900000022780048
18957583) e do HC Nº 712807 - PE (2021/0398492-8) (ID 19005795). Outrossim, em
relação ao julgamento do HC 682865/PE (2021/0234943-3) o Superior Tribunal de Justiça
não conheceu do mandamus (ID 18529142).
Em 09.11.2021, a 2ª Vara Regional de Execuções Penais, a Vara de
Execução Penal em Meio Aberto, a 4ª Vara Regional de Execuções Penais e 3ª Vara
Regional de Execuções Penais, manifestaram-se nos autos através dos documentos nº
18421906, 18422460 e 18422465.
Em 18.11.2021, a Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da
Corte Interamericana de Direitos Humanos (UMF Corte IDH) do Conselho Nacional de
Justiça, na qualidade de amicus curiae, prestou informações nos autos por meio do
documento nº 18529710.
Em 25.11.2021, o Programa de Extensão Acesso ao Sistema Interamericano
De Proteção aos Direitos Humanos (aSIDH) da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) e Projeto de Pesquisa “Monitoramento e cumprimento das decisões do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos: investigação dos arranjos institucionais que
favorecem e dificultam a sua implementação no Brasil”, vinculado ao Programa de Pós
Graduação em Direito da UFPE (PPGD), na qualidade de amicus curiae, prestou
informações nos autos através do documento nº 18641934.
Em 23.12.2021, foram renovados os pedidos de informações à autoridade
judiciária da 1ª Vara Regional de Execuções Penais, para apresentar sua manifestação no
prazo máximo de 15 dias úteis (ID 19005787).
Em 10.02.2022, foi proferido despacho (ID 19441173) dispensando as
informações da 1ª Vara Regional de Execuções Penais e determinando a continuidade do
feito com a intimação das partes, quais sejam: o Ministério Público do Estado de
Pernambuco, através dos titulares das Promotorias de Justiça Criminais em execuções
penais da Capital, Caruaru e Petrolina e a Defensoria Pública do Estado de Pernambuco,
para, na forma do art. 439, inciso VI, do RITJPE, se manifestarem sobre a necessidade da
juntada de documentos, bem como de diligências necessárias para a elucidação da
questão de direito controvertida, no prazo máximo de 15 (quinze) dias úteis. Da mesma
forma, foi determinado, independentemente de novo despacho, a remessa dos autos à
Procuradoria Geral de Justiça para manifestação, também no prazo máximo de 15
(quinze) dias úteis.
Em 21.03.2022, a Defensoria Pública do Estado de Pernambuco juntou aos
autos seus memoriais (ID 20062131).
Por fim, em 21.03.2022 a Procuradoria de Justiça, pelo Procurador Francisco
Dirceu Barros, ofereceu parecer nos autos (ID 20057982), manifestando-se pela “

Assinado eletronicamente por: CARLOS FREDERICO GONCALVES DE MORAES - 08/09/2022 16:35:27 Num. 23156565 - Pág. 7
https://pje.tjpe.jus.br:443/2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22090816352679900000022780048
Número do documento: 22090816352679900000022780048
impossibilidade de aplicação da contagem em dobro do tempo de recolhimento de presos
no Complexo de Curado, em face de sua inconstitucionalidade e, caso não seja esse o
entendimento dessa Corte, que o instituto seja classificado, no âmbito do direito interno,
como comutação da pena e que, para a utilização da ferramenta de cálculo do SEEU, seja
solicitada cooperação técnica ao Conselho Nacional de Justiça”.
Realizado esse alongado relatório, dada a diversidade das matérias cujos
aspectos efetivamente relevantes careciam de exposição detalhada, inclua-se o feito em
pauta para julgamento em sessão virtual do órgão colegiado a ser aprazada com a
observância do que dispõem os §§ 1º e 2º do art. 441 do RITJPE.

Recife, data da assinatura digital.

Des. Cláudio Jean Nogueira Virgínio

Relator

VOTO – RELATOR

I – Escopo do julgamento de mérito deste IRDR

Conforme relatado, a questão controvertida devolvida ao conhecimento deste


colegiado através do presente Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas versa
sobre decisões conflitantes entre a 1ª Vara Regional das Execuções Penais e as demais
Varas de Execuções acerca da aplicação da medida provisória emanada da Corte
Interamericana de Direitos Humanos – CIDH, a qual recomendou, para efeitos das
sanções penais, a contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades prisionais
integrantes do Complexo do Curado.
As questões – nuclear e adjacentes – aduzidas no presente incidente versam
sobre duas vertentes que se relacionam com a adequação constitucional da aplicação da
decisão internacional no direito interno.

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A primeira vertente refere-se à possibilidade da imediata aplicação dessa
contagem em dobro do tempo de pena ou de medida preventiva, cumprida no Complexo
do Curado, independentemente de arbitragem ou regulamentação pela União (questão
nuclear), extraída do seguinte questionamento ministerial:

“c) a referida medida provisória é exequível independentemente de arbitragem ou regulamentação pela


União (lei ou decreto presidencial)?”.

A segunda vertente diz respeito, caso se conclua pela aplicação imediata da


Medida Provisória, à correta identificação do instituto a ser aplicado, a partir da
delimitação de sua natureza jurídica e dos requisitos legais inerentes à matéria de
execução penal (questões adjacentes), evidenciada através dos seguintes
questionamentos:

“a) qual a natureza jurídica do cômputo em dobro do tempo de prisão?

b) em relação aos crimes hediondos ou equiparados, a medida provisória emanada da CDIH é


constitucional?

d) se for de aplicação imediata pela Justiça Estadual, quais as premissas para concessão da comutação
da pena (perdão parcial), em especial no que concerne ao reconhecimento ou não de violação à
Súmula Vinculante nº 56?

e) sendo a medida constitucional e aplicável aos crimes hediondos ou equiparados, é necessário prévio
estudo psicossocial (exame criminológico)?

f) se aplicável, a partir de quando deve se considerar em dobro o tempo de prisão no Complexo do


Curado?

g) se aplicável, no caso de penas unificadas decorrentes de mais de um processo, é necessário


destacar cada uma delas para realizar o cálculo separadamente e depois reunificar para evitar a
denominada ‘poupança de tempo de prisão’?”.

II – Considerações prévias à abordagem do mérito deste IRDR

Nos termos do art. 439, incisos I, II e III, do RITJPE, incumbe ao relator


apontar os elementos norteadores e os identificadores essenciais à delimitação da
questão jurídica controvertida no incidente, in verbis:
“Art. 439. Admitido o incidente, o relator providenciará a mais ampla e específica
divulgação e publicidade, inclusive por meio de registro eletrônico no Conselho
Nacional de Justiça, e proferirá decisão na qual:
I - destacará as questões de direito submetidas a julgamento;
II - identificará as circunstâncias fáticas que ensejam a controvérsia em torno da

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questão jurídica;
III - apresentará o índice com os fundamentos, acerca da questão jurídica,
apresentados até o momento da admissão, inclusive os que constem de
manifestações utilizadas para fins de instruir o pedido ou ofício de instauração, e
com os dispositivos normativos relacionados à controvérsia; No tocante às
circunstâncias fáticas que ensejara”.

As duas vertentes extraídas das questões jurídicas controvertidas


suscitadas pelo Ministério Público referem-se: 1) à possibilidade da imediata aplicação
dessa contagem em dobro do tempo de pena ou de medida preventiva, cumprida no
Complexo do Curado, independentemente de arbitragem ou regulamentação pela União (
questão nuclear) e, caso se conclua pela aplicação imediata da Medida Provisória, 2) à
correta identificação do instituto a ser aplicado, a partir da delimitação de sua natureza
jurídica e dos requisitos legais inerentes à matéria de execução penal (questões
adjacentes).
No que tange às circunstâncias fáticas que ensejaram a controvérsia em
torno das questões jurídicas suscitadas no presente incidente, extrai-se das informações
prestadas pela Unidade de Monitoramento e Fiscalização de decisões e deliberações da
Corte Interamericana de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Justiça (UMF/CNJ)
que os fatos em questão estão relacionados aos detentos que se encontram em
cumprimento de pena no Complexo Penitenciário do Curado, o qual surgiu após a
fragmentação do antigo Presídio Professor Aníbal Bruno e, atualmente, compõe-se pelas
seguintes unidades: Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), Presídio Juiz
Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB).
O então Presídio Aníbal Bruno foi objeto de um rigoroso procedimento para
análise das tutelas de urgências requeridas (Regulamento CIDH, art. 25), por uma
Comissão Interamericana, com o intuito de apurar evidências de situação gravíssima de
risco de dano irreparável à pessoa, sendo permitido ao referido órgão adotar medidas
cautelares para contenção dos riscos averiguados. No caso, as medidas cautelares da
Comissão Interamericana foram adotadas em 04 de agosto de 2011.
Posteriormente, diante do agravamento da situação e da ineficácia das
medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o caso foi
submetido à jurisdição da Corte Internacional. Na ocasião, as principais fontes de risco
listadas foram: o elevado índice de mortes violentas (55 mortes entre 2008-2013, sendo 6
mortes apenas no ano de 2013), bem como relatos de tortura e violência sexual
perpetrados pelos “chaveiros” (pessoas privadas de liberdade que exercem poderes de
gestão disciplinar no estabelecimento), além do tratamento degradante decorrente da
superlotação, extrema insalubridade, falta de acesso à água tratada, más condições

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carcerárias (em especial nos alojamentos), além da precariedade no acesso aos
atendimentos de saúde.
Na primeira decisão proferida, a Corte Internacional determinou que o Estado
Brasileiro (composto pelos seus entes federados e poderes) adotasse medidas para
resolver a situação de grave risco, diante do número de mortes elevadas e denúncias de
tortura oriundas do espaço de privação de liberdade. A decisão inaugural conferiu ao
Estado certa margem de discricionariedade para elaborar um pacote de medidas voltadas
à solução dos problemas estruturais (em especial a superlotação), sanitários e ao
altíssimo índice de violência intramuros, além das questões seríssimas sobre as
condições de detenção, conforme se observa nos termos da medida provisória inaugural
de 2014:
“A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no uso das atribuições conferidas
pelo artigo 63.2 da Convenção Americana e pelo artigo 27 do Regulamento, resolve:
1. Requerer ao Estado que adote, de forma imediata, todas as medidas que sejam
necessárias para proteger eficazmente a vida e a integridade pessoal de todas as
pessoas privadas de liberdade no Complexo de Curado, assim como de qualquer
pessoa que se encontre neste estabelecimento, incluindo os agentes penitenciários,
funcionários e visitantes, nos termos do Considerando 20 desta Resolução.
2. Requerer ao Estado que, na medida do possível, mantenha os representantes
dos beneficiários informados sobre as medidas adotadas para a implementar a
presente medida provisória.
3. Requerer ao Estado que informe à Corte Interamericana de Direitos Humanos a
cada três meses, contados a partir da notificação da presente Resolução, sobre as
medidas provisórias adotadas em conformidade com esta decisão.
4. Solicitar aos representantes dos beneficiários que apresentem as observações
que considerem pertinentes ao relatório requerido no ponto resolutivo anterior dentro
de um prazo de quatro semanas, contado a partir do recebimento do referido
relatório estatal.
5. Solicitar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que apresente as
observações que considere pertinentes ao relatório estatal requerido no ponto
resolutivo terceiro e às correspondentes observações dos representantes dos
beneficiários dentro de um prazo de duas semanas, contado a partir da transmissão
das referidas observações dos representantes.
6. Dispor que a Secretaria da Corte notifique a presente Resolução ao Estado, à
Comissão Interamericana e aos representantes dos beneficiários”.

Desde então, a Corte Internacional já adotou seis decisões sobre o Curado: a


resolução que inicialmente defere a medida provisória (em 2014), seguida de resoluções
(geralmente anuais) para a supervisão do cumprimento da decisão. Nesse sentido,
destacam-se:
• 1º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao
Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 22 de maio de 2014;
• 2º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao

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Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 7 de outubro de 2015;
• 3º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao
Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 18 de novembro de 2015;
• 4º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao
Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 23 de novembro de 2016;
• 5º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao
Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 15 de novembro de 2017;
• 6º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao
Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018.

A Corte Internacional tem pautado a sua análise com base nos dados
concretos sobre os pontos problemáticos detectados, em especial: a superlotação
carcerária, o número de mortes violentas, o número de mortes não violentas em razão de
questões sanitárias precárias e ausência de acesso ao direito ao tratamento de saúde, a
existência de denúncias de tortura e as condições de detenção degradantes.
Segundo a unidade de monitoramento do CNJ, a atual situação do Complexo
do Curado permanece tão grave quanto os dados apresentados no período em que a
Comissão Interamericana adotou as medidas cautelares em 2011 (quando o
estabelecimento ainda pertencia ao Presídio Professor Aníbal Bruno). Afirmam ainda, que,
segundo os dados coletados, poucos avanços foram obtidos em relação a esses pontos,
sendo necessário o engajamento dos atores envolvidos para implementar as medidas
provisórias outorgadas pela Corte IDH. Com efeito, o estabelecimento segue em situação
de superlotação com 6.708 pessoas, para uma capacidade de 1.819 presos, conforme
contagem divulgada em 24 de maio de 2021.
É exatamente a partir da medida provisória oriunda da Resolução de 28 de
novembro de 2018 (6º Ciclo) que a Corte Interamericana de Direitos Humanos determina,
como forma de compensação pelo sofrimento antijurídico decorrido da execução da pena,
a contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades prisionais integrantes do
Complexo do Curado, conforme se observa nas considerações a seguir:
“123. Em princípio, e dado que é inegável que as pessoas privadas de liberdade no
Complexo de Curado podem estar sofrendo uma pena que lhes impõe um
sofrimento antijurídico muito maior que o inerente à mera privação de liberdade, por
um lado, é justo reduzir seu tempo de encarceramento, para o que se deve ater a
um cálculo razoável, e, por outro, essa redução implica compensar, de algum modo,
a pena até agora sofrida na parte antijurídica de sua execução. As penas ilícitas não
deixam de ser penas em razão de sua antijuricidade, e o certo é que vêm sendo
executadas e causando sofrimento, circunstância que não se pode negar para
chegar a uma solução o mais racional possível, em conformidade com a estrutura
jurídica internacional e de acordo com o mandamus do Supremo Tribunal Federal
estabelecido na Súmula Vinculante No. 56.
124. Dado que está fora de qualquer dúvida que a degradação em curso decorre da
superpopulação do Complexo de Curado, cuja densidade é superior a 200%, ou

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seja, duas vezes sua capacidade, disso se deduziria que duplica também a inflicção
antijurídica eivada de dor da pena que se está executando, o que imporia que o
tempo de pena ou de medida preventiva ilícita realmente sofrida fosse computado à
razão de dois dias de pena lícita por dia de efetiva privação de liberdade em
condições degradantes.
125. Considera a Corte que a solução radical, antes mencionada, que se inclina pela
imediata liberdade dos presos em razão da inadmissibilidade de penas ilícitas em
um Estado de Direito, embora seja firmemente principista e na lógica jurídica quase
inobjetável, desconhece que seria causa de um enorme alarme social que pode ser
motivo de males ainda maiores.
126. Cabe pressupor, de forma absoluta, que as privações de liberdade dispostas
pelos juízes do Estado, a título penal ou cautelar, o foram no prévio entendimento de
sua licitude por parte dos magistrados que as dispuseram, porque os juízes não
costumam dispor prisões ilícitas. No entanto, são executadas ilicitamente e, por
conseguinte, dada a situação que persiste, e que nunca devia ter existido, mas
existe, ante a emergência e a situação real, o mais prudente é reduzi-las de forma
que seja computado como pena cumprida o excedente antijurídico de sofrimento
não disposto ou autorizado pelos juízes do Estado.
127. A via institucional para arbitrar esse cômputo, levando em conta como pena o
excesso antijurídico de dor ou sofrimento padecido, deverá ser escolhida pelo
Estado, conforme seu direito interno, não sendo a Corte competente para indicá-la.
Obviamente, nesse processo decisório, os juízes internos devem dar cumprimento
ao determinado pelo STF na Súmula Vinculante No. 56 (Considerandos 113 a 117
supra). Não obstante isso, a Corte lembra que, conforme os princípios do Direito
Internacional dos Direitos Humanos, o Estado não poderá alegar descumprimento
em virtude de obstáculos de direito interno”.

Cumpre registrar que a supramencionada Resolução faz referência expressa


à Súmula Vinculante nº 56, oriunda da constatação pelo Supremo Tribunal Federal do “
estado de coisas inconstitucionais” presente no sistema penitenciário brasileiro, cujo
enunciado prevê que: “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a
manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar,
nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS”.
Destaca-se, ainda, a solução jurídica jurisprudencial apresentada no
julgamento paradigmático do Recurso Extraordinário 641.320/RS, estabelece que:
“(...) na hipótese de inexistir vaga em estabelecimento adequado a seu regime de
cumprimento da pena, seriam violados os princípios da individualização da pena
(artigo 5º, XLVI da Constituição) e da legalidade (artigo 5º, XXXIX da Constituição).
A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do
condenado em regime prisional mais gravoso. […] Os juízes da execução penal
poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto,
para qualificação como adequados a tais regimes. […] Havendo déficit de vagas,
deverão ser determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com
falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai
antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o
cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao condenado que progride
ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas,

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poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado”.

Em 21.06.2021, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do


Habeas Corpus 136.961/RJ, determinou que a Justiça Estadual do Rio de Janeiro
procedesse com o cômputo em dobro de todo o período em que o paciente cumpriu pena
no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, qual seja: de 09 de julho de 2017 a 24 de maio
de 2019, tomando como base a determinação da Corte Interamericana de Direitos
Humanos contida na medida provisória oriunda da Resolução de 28.11.2018, vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. LEGITIMIDADE.
IPPSC (RIO DE JANEIRO). RESOLUÇÃO CORTE IDH 22/11/2018. PRESO EM
CONDIÇÕES DEGRADANTES. CÔMPUTO EM DOBRO DO PERÍODO DE
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE. OBRIGAÇÃO DO ESTADO-PARTE. SENTENÇA DA
CORTE. MEDIDA DE URGÊNCIA. EFICÁCIA TEMPORAL. EFETIVIDADE DOS
DIREITOS HUMANOS. PRINCÍPIO PRO PERSONAE. CONTROLE DE
CONVENCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO INDIVÍDUO,
EM SEDE DE APLICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM ÂMBITO
INTERNACIONAL (PRINCÍPIO DA FRATERNIDADE - DESDOBRAMENTO).
SÚMULA 182 STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Legitimidade do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para interposição
do agravo regimental. "Não há sentido em se negar o reconhecimento do direito de
atuação dos Ministérios Públicos estaduais e do Distrito Federal perante esta Corte,
se a interpretação conferida pelo STF, a partir de tema que assume, consoante as
palavras do Ministro Celso de Mello, 'indiscutível relevo jurídico-constitucional' (RCL-
AGR n.7.358) aponta na direção oposta, após evolução jurisprudencial acerca do
tema" (AgRg nos EREsp n. 1.256.973/RS, Relatora Ministra LAURITA VAZ, Relator
p/ acórdão Ministro ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, Terceira Seção, julgado em
27/8/2014, DJe 6/11/2014).
2. Hipótese concernente ao notório caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho
no Rio de Janeiro (IPPSC), objeto de inúmeras Inspeções que culminaram com a
Resolução da Corte IDH de 22/11/2018, que, ao reconhecer referido Instituto
inadequado para a execução de penas, especialmente em razão de os presos se
acharem em situação degradante e desumana, determinou que se computasse "em
dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no IPPSC, para todas as pessoas
ali alojadas, que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física,
ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas, nos termos dos
Considerandos 115 a 130 da presente Resolução”.
3. Ao sujeitar-se à jurisdição da Corte IDH, o País alarga o rol de direitos das
pessoas e o espaço de diálogo com a comunidade internacional. Com isso, a
jurisdição brasileira, ao basear-se na cooperação internacional, pode ampliar a
efetividade dos direitos humanos.
4. A sentença da Corte IDH produz autoridade de coisa julgada internacional, com
eficácia vinculante e direta às partes. Todos os órgãos e poderes internos do país
encontram-se obrigados a cumprir a sentença. Na hipótese, as instâncias inferiores
ao diferirem os efeitos da decisão para o momento em que o Estado Brasileiro
tomou ciência da decisão proferida pela Corte Interamericana, deixando com isso de
computar parte do período em que o recorrente teria cumprido pena em situação
considerada degradante, deixaram de dar cumprimento a tal mandamento, levando
em conta que as sentenças da Corte possuem eficácia imediata para os Estados

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Partes e efeito meramente declaratório.
5. Não se mostra possível que a determinação de cômputo em dobro tenha seus
efeitos modulados como se o recorrente tivesse cumprido parte da pena em
condições aceitáveis até a notificação e a partir de então tal estado de fato tivesse
se modificado. Em realidade, o substrato fático que deu origem ao reconhecimento
da situação degradante já perdurara anteriormente, até para que pudesse ser objeto
de reconhecimento, devendo, por tal razão, incidir sobre todo o período de
cumprimento da pena.
6. Por princípio interpretativo das convenções sobre direitos humanos, o Estado-
parte da CIDH pode ampliar a proteção dos direitos humanos, por meio do princípio
pro personae, interpretando a sentença da Corte IDH da maneira mais favorável
possível aquele que vê seus direitos violados.
7. As autoridades públicas, judiciárias inclusive, devem exercer o controle de
convencionalidade, observando os efeitos das disposições do diploma internacional
e adequando sua estrutura interna para garantir o cumprimento total de suas
obrigações frente à comunidade internacional, uma vez que os países signatários
são guardiões da tutela dos direitos humanos, devendo empregar a interpretação
mais favorável ao ser humano.
- Aliás, essa particular forma de parametrar a interpretação das normas jurídicas
(internas ou internacionais) é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que
faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos, bem
como tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e construir uma
sociedade livre, justa e solidária (incisos I, II e III do art. 3º). Tudo na perspectiva da
construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo da respectiva Carta Magna
caracteriza como "fraterna" (HC n. 94163, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira
Turma do STF, julgado em 2/12/2008, DJe-200 DIVULG 22/10/2009 PUBLIC
23/10/2009 EMENT VOL-02379-04 PP-00851). O horizonte da fraternidade é, na
verdade, o que mais se ajusta com a efetiva tutela dos direitos humanos
fundamentais. A certeza de que o titular desses direitos é qualquer pessoa, deve
sempre influenciar a interpretação das normas e a ação dos atores do Direito e do
Sistema de Justiça.
- Doutrina: BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria constitucional.
Belo Horizonte: Forum, 2007; MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. A Fraternidade
como Categoria Jurídica: fundamentos e alcance (expressão do constitucionalismo
fraternal). Curitiba: Appris, 2017; MACHADO, Clara. O Princípio Jurídico da
Fraternidade. - um instrumento para proteção de direitos fundamentais
transindividuais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017; PIOVESAN, Flávia. Direitos
Humanos e o direito constitucional internacional. Sâo Paulo: Saraiva, 2017;
VERONESE, Josiane Rose Petry; OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de; Direito,
Justiça e Fraternidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
8. Os juízes nacionais devem agir como juízes interamericanos e estabelecer o
diálogo entre o direito interno e o direito internacional dos direitos humanos, até
mesmo para diminuir violações e abreviar as demandas internacionais. É com tal
espírito hermenêutico que se dessume que, na hipótese, a melhor interpretação a
ser dada, é pela aplicação a Resolução da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, de 22 de novembro de 2018 a todo o período em que o recorrente
cumpriu pena no IPPSC.
9. A alegação inovadora, trazida em sede de agravo regimental, no sentido de que a
determinação exarada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, por meio da
Resolução de 22 de novembro de 2018 da CIDH, teria a natureza de medida

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cautelar provisória e que, ante tal circunstância, mencionada Resolução não poderia
produzir efeitos retroativos, devendo produzir efeitos jurídicos ex nunc, não merece
guarida. O caráter de urgência apontado pelo recorrente na medida provisória
indicada não possui o condão de limitar os efeitos da obrigação decorrentes da
Resolução de 22 de novembro de 2018 da CIDH para o futuro (ex nunc), mas sim
de apontar para a necessidade de celeridade na adoção dos meios de seu
cumprimento tendo em vista, inclusive, a gravidade constatada nas pecualiaridades
do caso.
10. Por fim, de se apontar óbice de cunho processual ao provimento do recurso de
agravo interposto, consistente no fato de que o recorrente se limitou a indicar
eventuais efeitos futuros da multimencionada Resolução de 22 de novembro de
2018 da CIDH fulcrado em sua natureza de medida de urgência, sem, contudo,
atacar os fundamentos da decisão agravada, circunstância apta a atrair o óbice
contido no Verbete Sumular 182 do STJ, verbis: "É inviável o agravo do art. 545 do
CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada."
11. Negativa de provimento ao agravo regimental interposto, mantendo, por
consequência, a decisão que, dando provimento ao recurso ordinário em habeas
corpus, determinou o cômputo em dobro de todo o período em que o paciente
cumpriu pena no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, de 09 de julho de 2017 a
24 de maio de 2019. (STJ, Ag no RHC 136.961/RJ, Rel. Ministro REYNALDO
SOARES DA FONSECA, 5ª Turma, DJe 21.06.2021).

É diante desse contexto e, mais especificamente, do precedente criado no


julgamento do HC 136.961/RJ pelo Superior Tribunal de Justiça, que se inicia a
controvérsia em torno das questões jurídicas suscitadas no presente incidente,
notadamente, a partir da decisão proferida pela 1ª Vara Regional das Execuções Penais,
a qual trata do marco inicial da contagem em dobro do tempo de prisão e também
determina que a referida contagem seja inserida como forma de “remissão”.
“(...) Na referida Resolução a Corte IDH, além de outras medidas, determina que o
Estado Brasileiro arbitre, no prazo de seis meses, os meios para se proceder ao
cômputo em dobro de cada dia de privação de liberdade cumprido no IPPSC para
todas as pessoas lá alojadas que não sejam acusadas ou condenadas por crimes
contra a vida ou a integridade física, bem como crimes sexuais.
A situação no Estado de Pernambuco, no item superpopulação carcerária, tem
destaque nacional, e, assim como o Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho,
localizado no Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro; e o "
COMPLEXO DO CURADO" também foi objeto de visita/inspeção no ano de 2015,
pela Corte INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, que emitiu relatório final
divulgado violações de direitos humanos dentro do Sistema Prisional de
Pernambuco.
A cautela deste Juízo, não se prendia a legitimidade da Convenção Americana
Sobre Direitos humanos, para emitir a Recomendação.
Entendo que a aplicação da RECOMENDAÇÃO, é LEI e, LEI posterior mais
favorável que deve ser tomada a rigor do disposto no artigo 66 I da LEP (Lei 7.210).
A definição do período, era questionado no convencimento do Juízo; assim como a
extensão do benefício a todos que passaram por Unidades Prisionais superlotadas
no Estado de Pernambuco, decisão que incluiria o público feminino, sem condições

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de ter passagem em um estabelecimento prisional destinado aos sentenciados do
sexo masculino.
Visualizava também a hipótese de gerar uma situação caótica, pela adoção de
critérios que afastariam a garantia constitucional da IGUALDADE, pois temos
unidades prisionais, que hoje detém um contingente bem maior de PPL, que o
referido Complexo. Afinal a superpopulação nem sempre foi a constante do Sistema,
que triplicou a população Carcerária no Estado em dez anos, a partir da adoção de
um programa de bonificação pelo cumprimento de mandado de prisão, em 2010.
A exclusão de pessoas privadas de liberdade, pelo simples fato que sofreram as
mesmas violações de seus direitos, não excluídos pela sentença penal
condenatória, em Unidades Prisionais diversas da inspecionada pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos, pode gerar uma situação caótica de
desigualdade, pois temos unidades prisionais, que hoje detém um contingente bem
maior de PPL, que o referido Complexo, que triplicou a população Carcerária no
Estado em dez anos , a partir da adoção de um programa de bonificação pelo
cumprimento de mandado de prisão.
Mas com a decisão do Exmº Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
Reynaldo Soares da Fonseca, NO HABEAS CORPUS nº 136961-RJ, entendo que a
matéria restou pacificada, inclusive em decorrência da competência tratada no artigo
105 da Constituição Federal.
A decisão autoriza que seja contado em dobro todo o período em que um homem
esteve preso no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Complexo Penitenciário
de Bangu, localizado na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
A unidade prisional referida, assim como o Complexo do Curado, foram objeto de
diversas inspeções realizadas pela CIDH, a partir de denúncia feita por órgãos como
a Defensoria Pública ou ONGS sobre a situação degradante e desumana em que os
presos se achavam. Essas inspeções culminaram na edição da Resolução CIDH de
22 de novembro de 2018, que proibiu o ingresso de novos presos na unidade e
determinou o cômputo em dobro de cada dia de privação de liberdade cumprido no
local – salvo para os casos de crimes contra a vida ou a integridade física e de
crimes sexuais.
O HC referido NÃO discutiu a competência do cumprimento da Convenção
Internacional da qual o BRASIL é signatário, mas apenas o período que seria
contabilizado. A decisão do Exmº Ministro, Reynaldo Soares da Fonseca reformou
acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que aplicou a contagem em
dobro apenas para o período de cumprimento de pena posterior a 14 de dezembro
de 2018, data em que o Brasil foi notificado formalmente da resolução da CIDH.
Como a resolução não faz referência expressa ao termo inicial da determinação, o
TJRJ adotou a regra do direito interno, que " confere efetividade e coercibilidade às
decisões na data de sua notificação formal".
O relator lembrou que, a partir do Decreto 4.463/2002, o Brasil reconheceu a
competência da CIDH em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da
Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
aprovada em 1969.
Segundo o magistrado, a sentença emitida pela CIDH tem eficácia vinculante para
as partes processuais, não havendo meios de revisá-la. "A sentença da CIDH
produz autoridade de coisa julgada internacional, com eficácia vinculante e direta às
partes. Todos os órgãos e poderes internos do país encontram-se obrigados a
cumprir a sentença".

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O convencimento judicial está pois fundamentado na decisão do STJ, e motivado
pela necessidade de uma medida eficaz contra a grave situação que a superlotação
carcerária traz, e, na inexistência de um plano eficaz para reduzir os danos da
segregação sem ressocialização, sem oportunidade, sem a presença eficaz do
Estado na tutela dos direitos e garantias fundamentais.
Afinal não é construindo Prisões, que uma Nação afasta a violência, mas edificando
oportunidades e incentivando comportamentos inspirados na ordem e na Justiça.
Aliás os recursos para triplicar o número de vagas no Sistema Prisional, é tão
ilusório que incentiva a adoção da RECOMENDAÇÃO, não apenas porque direitos
foram violados; mas porque representa uma nova chance, um “Recomeçar”, que
não exige previsão orçamentária.
A decisão no HC frisa que aplicar a resolução apenas a partir da notificação oficial
feita ao Brasil, levariam instâncias anteriores a deixaram de cumpri-la, pois as más
condições do presídio, que motivaram a determinação da CIDH, já existiam antes de
sua publicação.
Bem justificada a proposta do Exmº Ministro Relator, a contabilização passa a ser
tomada por todo o período, ressalvo que as remições, podem ser revogadas no
caso de faltas graves, constatadas em devido processo legal, e que no caso
específico a contabilização em dobro, NÃO se aplicaria duas vezes, ou seja depois
de beneficiado, se o agente que for condenado por fato posterior e vier a ser
recolhido no mesmo Presídio, não poderá contabilizar novamente em dobro o seu
tempo, porque aí sim incidirá tratamento desigual para situações iguais, em relação
aos que voltam a cometer delitos , significaria um crédito para delinquir o
recolhimento no Complexo do Curado, entendimento que diverge da Jurisprudência
Superior.
No mais copio a decisão do Superior Tribunal de Justiça, para fundamentar esta
decisão
“...Nesse ponto, vale asseverar que, por princípio interpretativo das convenções
sobre direitos humanos, o Estado-parte da CIDH pode ampliar a proteção dos
direitos humanos, por meio do princípio pro personae, interpretando a sentença da
Corte IDH da maneira mais favorável possível aquele que vê seus direitos violados.
No mesmo diapasão, as autoridades públicas, judiciárias inclusive, devem exercer o
controle de convencionalidade, observando os efeitos das disposições do diploma
internacional e adequando sua estrutura interna para garantir o cumprimento total de
suas obrigações frente à comunidade internacional, uma vez que os países
signatários são guardiões da tutela dos direitos humanos, devendo empregar a
interpretação mais favorável a indivíduo. Logo, os juízes nacionais devem agir como
juízes interamericanos e estabelecer o diálogo entre o direito interno e o direito
internacional dos direitos humanos, até mesmo para diminuir violações e abreviar as
demandas internacionais. É com tal espírito hermenêutico que se dessume que, na
hipótese, a melhor interpretação a ser dada, é pela aplicação a Resolução da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, de...".
Ante o exposto, DEFIRO O PEDIDO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE
PERNAMBUCO, em favor da PPL para que se efetue o cômputo em dobro de todo
o período em que o paciente cumpriu pena no período acima referido. Implantar o
incidente, com o título de remição do período contabilizado a mais, e resultando em
benefício, requisitar assentamento carcerário e atestado de conduta”.

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Desde então, houve, neste Tribunal, a interposição de múltiplos processos
contendo controvérsia sobre essa mesma questão de direito, em razão da divergência de
entendimentos entre as decisões proferidas pelas 2ª, 3ª e 4ª Vara Regional de Execuções
Penais, bem como a Vara de Execuções Penais da Capital e as decisões da 1ª Vara
Regional de Execuções Penais.
Essas são, portanto, as circunstâncias fáticas que ensejaram a controvérsia
em torno das questões jurídicas suscitadas no presente incidente.

III – Quanto à questão nuclear

A questão nuclear do presente incidente repousa no seguinte questionamento


ministerial: “a referida medida provisória é exequível independentemente de arbitragem ou
regulamentação pela União (lei ou decreto presidencial)?”.
Notoriamente, percebe-se que o propósito do referido questionamento
ministerial é submeter a este colegiado a revisão do controle difuso de constitucionalidade
realizado, inicialmente, pela supramencionada decisão da 1ª Vara Regional das
Execuções Penais e, por consequência, pelas demais varas de execuções que divergiram
do entendimento firmado.
Antes de qualquer incursão sobre a questão jurídica apresentada, é
importante rememorar o caminho percorrido pela Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) desde a sua promulgação pelo Decreto nº
678/1992, passando pelo Decreto nº 4463/2002, que reconhece a competência da Corte
Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou
aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos, até a tese da supralegalidade
firmada, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso
Extraordinário 466.343/SP.
Com efeito, por anos discutiu-se sobre a posição ocupada pelos tratados
internacionais que versam sobre direitos humanos no modelo de pirâmide normativa
acolhido pelo ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo após a aprovação da Emenda
Constitucional nº 45/2004, que acrescentou o § 3º ao artigo 5º da Constituição Federal,
com o seguinte comando normativo: “os tratados e convenções internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais”.
Notadamente, à época, a doutrina majoritária filiava-se ao entendimento de

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que deveria se dar maior importância aos tratados internacionais que versam sobre
Direitos Humanos, tendo como base os princípios fundamentais da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, da CF/88) e a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, da CF/88).
Contudo, o plenário do STF, no julgamento Recurso Extraordinário 466.343/SP, optou por
preservar o quórum introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004 e, por isso,
decidiu que os tratados internacionais que versam sobre Direitos Humanos incorporados
ao ordenamento jurídico brasileiro antes da referida emenda, e que não se sujeitaram ao
quórum estabelecido pelo art. 5º, § 3º, da CF/88, gozariam de um caráter supralegal, ou
seja: estariam acima da legislação ordinária, porém abaixo das normas constitucionais.
A propósito, assim decidiu o Ministro Gilmar Mendes ao proferir seu voto-
condutor no referido julgamento:
“parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de
supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna
pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam
infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais
atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de
supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não
poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial
reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria
subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da
pessoa humana”.

Diante disso, é importante frisar que não se questiona aqui a competência da


Corte Internacional dos Direitos Humanos para determinar a providência objeto dos
debates no presente incidente, nem tampouco o dever dos juízes e juízas em exercer o
controle de convencionalidade das normas e decisões internacionais, adequando-as à
estrutura interna, com o intuito de garantir o cumprimento total de suas obrigações frente
à comunidade internacional, mas, por outro lado, não é ilegítima a análise
constitucional da questão nuclear posta em debate nesse momento.
Instados a se pronunciarem sobre a questão nuclear contida no
questionamento ministerial, os atores processuais que atuam nesse incidente se
posicionaram e apresentaram seus fundamentos jurídicos sobre o tema.
A 2ª Vara Regional de Execuções Penais, em exercício cumulativo na Vara
de Execução Penal em Meio Aberto, manifestou-se (ID 18421906) da seguinte maneira:
“(...) a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA não deve ser
tida como norma de aplicação absoluta, frente à Constituição Federal do Brasil.
Com efeito, não se está a discutir se a decisão da CIDH tenha validade dentre as
normas constitucionalmente previstas no arcabouço jurídico normativo brasileiro, na
medida em que o país é signatário de tratado internacional como afirmado na
decisão de minha lavra, sobretudo por possuir como principal função regular e
assegurar o cumprimento das obrigações dos Estados membros da OEA assumidas

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na assinatura da Convenção Interamericana de Direitos Humanos:
“A esse respeito o Supremo Tribunal Federal já firmou ordem no sentido de que têm
natureza supralegal os tratados internacionais e convenções que versem sobre
direitos humanos ratificados pelo Brasil, ao tempo em que incorporados ao direito
interno na forma do artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal (RE n. 466.343),
passando, portanto, a ser de observância integral do Estado, assim como é
signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), denominada
Pacto de São José da Costa Rica, sendo promulgada por intermédio do Decreto n.
678/1992”.
Inegável, pois, que os Estados signatários do tratado sobre direitos fundamentais se
comprometem a respeitar os direitos e liberdades reconhecidos no tratado e a
garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que está sujeita à sua jurisdição.
A CIDH, portanto, é órgão originário do Sistema Interamericano e nesse contexto
uma instituição judiciária autônoma, cujo objetivo é aplicar e interpretar os tratados
da Convenção Americana de Direitos Humano.
Lado outro, aos Estados Membros, na medida em que subscrevem o tratado tem o
dever de adotar instrumentos internos legais a fim de assegurar efetivo gozo dos
direitos previstos na convenção.
Todavia, é sobre esse prisma que nutro a ideia segundo a qual, repito, a decisão da
CIDH não tem o condão de aplicação absoluta, sobrepondo-se à Constituição da
República Federativa do Brasil, senão vejamos:
A decisão da CIDH não tem primazia sobre a coisa julgada (Art. 5º, XXXVI), na
medida em que um juiz brasileiro editou ato sentencial condenatório, após observar
o princípio da individualização da pena, aplicando o quantum necessário para o
cumprimento da reprimenda criminal.
A decisão da CIDH ofende o processo legislativo brasileiro (Art. 59 a 69), na medida
da compreensão segundo a qual é o conjunto de atos complexos realizados pelo
Parlamento – Câmara/Senado -, com o fito de elaboração de leis diante da ordem
democrática, de acordo com regras definidas em seu regimento interno. Sob esse
aspecto, a decisão da CIDH confronta nosso ordenamento jurídico (Código Penal,
Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal).
A decisão da CIDH agride o princípio da igualdade de tratamento dentre aqueles
que estão submetidos a uma condenação criminal, albergada pelo manto da coisa
julgada, apenas pelo fato de se encontrarem cumprindo pena em um determinado
estabelecimento penal, quando se sabe que todas as demais unidades também
estão com um quadro de superlotação (...)”.

Por sua vez, a 4ª Vara Regional de Execuções Penais, manifestou-se (ID


18422460) no sentido de que:
“c) a referida medida provisória é exequível independentemente de arbitragem ou
regulamentação pela União (lei ou decreto presidencial)?
A calculadora usada pelo sistema SEEU e a que serve de base legal para o cálculo
da pena, não reconhece o benefício de contagem em dobro. Teria que sofrer
alteração com esse objetivo. Registre que a remição adotada pela colega, não nos
parece a melhor solução, visto que, tal instituto tem cálculo diverso para o estudo e
trabalho da base da contagem em dobro. Imaginemos a seguinte situação: um
reeducando com uma pena de 02 anos por furto e 03 condenações por tráfico, que

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com as penas unificadas, teria que cumprir 18 anos de reclusão. Estando ele preso
no Complexo de Curado, por 10 anos sua pena estaria extinta com o computo em
dobro. Agora, imaginemos um reeducando condenado a 08 anos por lesão seguida
de morte, mesmo recolhido a 04 anos no complexo, não seria beneficiado. Trilhando
pelo entendimento do STF acima exposto, em se tratando de uma inovação legal,
haveria a necessidade de edição de norma pela União regulamentando tal benefício.
Podemos citar hipótese semelhante, o que ocorreu com o caso de Maria da Penha,
onde o Brasil editou a lei 11.340/2006 dando ampla proteção a violência doméstica,
após ser condenado na CIDH”.

Já a 3ª Vara Regional de Execuções Penais, manifestou-se (ID 18422465) da


seguinte forma:
“A referida medida provisória é exequível independentemente de arbitragem ou
regulamentação pela União (lei ou decreto presidencial)?
Conforme assentado em recente decisão do STJ (HC nº 136961-RJ), o Decreto nº
4.463/2002 reconheceu a competência da CIDH em todos os casos relativos à
interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto
de São José da Costa Rica), reconhecendo a desnecessidade de outra providência
interna no tocante à aplicação da decisão”.

A Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte


Interamericana de Direitos Humanos (UMF Corte IDH) do Conselho Nacional de Justiça,
na qualidade de amicus curiae, manifestou-se (ID 18529710) sobre o tema da seguinte
forma:
“Por definição, a execução de uma sentença internacional ou de uma decisão no
âmbito das medidas provisórias são autoexequíveis, vale dizer, não pressupõe
regulamentação da União por lei ou decreto. Tanto que várias sentenças e medidas
provisórias anteriores, sobre os mais variáveis temas, vem sendo cumpridos
normalmente.
As decisões da Corte Interamericana não dependem de arbitragem, nem prévia
homologação pelo STJ (exigência imposta às sentenças estrangeiras). Trata-se de
uma decisão de um tribunal internacional ao qual o Brasil é parte, e não de uma
sentença estrangeira. Ademais, não se confundem com qualquer procedimento
relativo à arbitragem. Além disso, a Corte Interamericana tem uma jurisprudência
constante no sentido de afirmar que o Estado não pode invocar obstáculos internos
(como exigência de leis ou decretos presidenciais) para justificar o descumprimento
de uma obrigação internacional. No caso, o reiterado descumprimento situa o Brasil
em uma posição de mora internacional, em descumprimento das obrigações
assumidas. A adoção de medidas provisórias é excepcionalíssima e adotada nas
situações mais graves que chegam ao sistema”.

O Programa de Extensão Acesso ao Sistema Interamericano De Proteção


aos Direitos Humanos (aSIDH) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Projeto
de Pesquisa “Monitoramento e cumprimento das decisões do Sistema Interamericano de

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Direitos Humanos: investigação dos arranjos institucionais que favorecem e dificultam a
sua implementação no Brasil”, vinculado ao Programa de Pós Graduação em Direito da
UFPE (PPGD), na qualidade de amicus curiae, manifestou-se (ID 18641934) no seguinte
sentido:
“O Estado brasileiro é signatário da Convenção Americana desde 1992, aceitando a
jurisdição da Corte Interamericana em 10 de dezembro de 1998, o que proporciona
o caráter obrigatório, vinculante das decisões do Sistema Interamericano de Direitos
Humanos. Dessa maneira, enquanto signatário da Convenção e reconhecedor da
competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil deve cumprir
com as decisões e medidas provisórias desse órgão internacional.
Na visão de Franco, “tais sentenças não devem ser compreendidas como uma
imposição externa aos Estados, e nem tampouco interferem em sua soberania
nacional, já que essa instância judicial foi outrora reconhecida por eles por ato de
vontade expresso”. Neste sentido, todas as decisões da Corte IDH, em caráter
contencioso, têm força jurídica vinculante e obrigatória para o Estado brasileiro, o
que inclui todos os agentes, órgãos e entidades do Estado.
Segundo a Dra. Orly Kibrit, a aceitação da jurisdição da Corte é facultativa, mas,
quando o Estado se submete a ela, passa a ter obrigação de cumprimento de seus
comandos, sob pena de responsabilização internacional.
Sendo assim, as decisões proferidas pela Corte, ainda que provisórias, têm sua
obrigatoriedade conferida, pela existência de disposição expressa na CADH e a
própria natureza de norma cogente e internacional, pela qual permite a
responsabilização internacional do Estado signatário. De tal maneira, as decisões da
Corte Interamericana não dependem de instituição de arbitragem, regulamentação
pela União, nem prévia homologação pelo STJ, que é um requisito aplicado às
sentenças estrangeiras.
Destarte, é importante salientar que a homologação da sentença estrangeira é
requisito necessário para revestir eficácia interna às sentenças proferidas por
Tribunais de outros países, de modo que possa produzir efeitos no Brasil, diante da
análise de compatibilidade com o ordenamento.
Ocorre que, conforme bem indicado por Resende, a Corte Interamericana “é um
órgão internacional, cujas sentenças têm a natureza jurídica de decisões
internacionais e não de sentenças estrangeiras, porque não provenientes de
Tribunal sujeito à soberania de Estado estrangeiro”.
Nesse mesmo sentido, é a lição de Valério de Oliveira Mazzuoli: Sentenças
proferidas por “tribunais internacionais” não se enquadram na roupagem de
sentenças estrangeiras a que se referem os dispositivos citados. Por sentença
estrangeira deve-se entender aquela proferida por um tribunal afeto à soberania de
determinado Estado, e não a emanada de um tribunal internacional que tem
jurisdição sobre os seus próprios Estados-partes.
Contudo, apesar do reconhecimento da jurisdição da Corte pelo Brasil, salienta-se
que esta não traduz na implementação efetiva das decisões, sendo necessário a
cooperação entre as instituições estatais e os atores nacionais. À vista disso, Par
Ergstrom: Claramente, o Sistema depende da cooperação das instituições estatais
para gerar resultados nos direitos humanos. Mas a vontade política geral de aceitar
a autoridade do SIDH, embora importante, não se traduz necessariamente em uma
implementação efetiva das suas decisões e recomendações.
Logo, verifica-se que a problemática está na efetivação das decisões internacionais

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(na prática). Isto porque, segundo Par Ergstrom, alguns países membros “se
recusam a cumprir ou simplesmente ignoram as decisões e ordens emitidas”.
Inclusive, a ausência de previsão na legislação interna acerca do cumprimento e,
também, de instrumentos de monitoramento, são arrimos para inadimplência das
sentenças e medidas provisórias.
Ademais, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem jurisprudência
consolidada acerca de que o Estado não poderá invocar o seu direito interno para
justificar o descumprimento de obrigações assumidas em um tratado internacional
devidamente internalizado. Vejamos a sentença da Corte IDH no Caso Gomes Lund
e Outros (“Guerrilha do Araguia”) vs. Brasil: De acordo com o disposto no artigo 68.1
da Convenção Americana e tal como foi indicado pela Corte, “[os] Estados Partes na
Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que
forem partes”. A referida obrigação de dar cumprimento ao ordenado pela Corte
inclui o dever do Estado de informar sobre as medidas adotadas para cumprir cada
um dos pontos ordenados, o que é fundamental para avaliar o estado de
cumprimento da sentença em seu conjunto”. “Portanto, o Brasil não pode opor
decisões adotadas no âmbito interno como justificativa de seu descumprimento da
sentença proferida por este tribunal internacional de direitos humanos, nem sequer
quando tais decisões provenham do tribunal da mais alta hierarquia no ordenamento
jurídico nacional. Independentemente das interpretações que se realizem no âmbito
interno, a sentença proferida pela Corte Interamericana neste caso tem caráter de
coisa julgada internacional e é vinculante em sua totalidade.” (Grifos nossos).
Assim, destaca-se que um dos principais mecanismos de implementação das
decisões do Sistema Interamericano na jurisdição interna é o Controle de
Convencionalidade, em que a Convenção Americana e a jurisprudência da Corte
Interamericana são utilizadas como paradigma e referencial aos juízes e tribunais
nacionais.
Por último, observa-se que as decisões proferidas pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos, tanto como sentença como de medidas provisórias, têm
indubitavelmente o caráter vinculativo que mesmo o Conselho Nacional de Justiça,
no uso de suas atribuições na resolução no 364, de 12 de Janeiro de 2021, instituiu
a Unidade de de Monitoramento e Fiscalização de decisões e deliberações da Corte
Interamericana de Direitos Humanos no âmbito do Conselho Nacional de Justiça, e
fez um primeiro informe para a Corte IDH.
Nessa resolução fica clarividente que as decisões da Corte IDH tem caráter
obrigatório e vinculativo, pois essa Unidade fica responsável pelo monitoramento do
cumprimento das decisões da Corte. Assim se observa, ipsi litteris: Art. 2o A
Unidade de Monitoramento e Fiscalização terá as seguintes atribuições, dentre
outras: [...]II – adotar as providências para monitorar e fiscalizar as medidas
adotadas pelo Poder Público para o cumprimento das sentenças, medidas
provisórias e opiniões consultivas proferidas pela Corte Interamericana envolvendo
o Estado brasileiro; III – sugerir propostas e observações ao Poder Público acerca
de providências administrativas, legislativas, judiciais ou de outra natureza,
necessárias para o cumprimento das decisões e deliberações da Corte
Interamericana de Direitos Humanos envolvendo o Estado brasileiro.
Desse modo, por tudo que foi exposto, é possível que o Estado brasileiro crie
mecanismos internos que facilitem o cumprimento das decisões e medidas
provisórias da Corte Interamericana, com a cooperação dos atores nacionais para a
fiscalização e implementação efetiva, ainda que emanadas provisoriamente, em
caráter de urgência, tal como ocorreu no Caso do Complexo do Curado com a
instituição do Fórum de Monitoramento pela Procuradoria Regional da República da

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5ª Região - Ministério Público Federal. Mas não é necessário a regulamentação pelo
Poder Público das decisões provenientes do Sistema Interamericano para que elas
tenham eficácia e pleno cumprimento nos países que aceitam a sua jurisdição”.

A Defensoria Pública do Estado de Pernambuco, em seus memoriais (ID


20062131), se manifesta sobre a questão da seguinte forma:
“Um dos fundamentos levantados para afastar a aplicação da Resolução nos pleitos
formulados para o cômputo em dobro seria a existência de óbice de direito interno,
pela ausência de previsão legal expressa para adoção do cômputo em dobro do
tempo de pena cumprido.
Vale rememorar, para formulação inicial, que a Convenção Americana de Direitos
Humanos estabelece, em seu art. 63, a possibilidade de que a Corte IDH estabeleça
medidas provisórias, assim como prevê a possibilidade de adotar disposições
reparatórias em caso de violação aos direitos consagrados no documento. Desse
modo, a partir do momento em que o Estado aceita a jurisdição da Corte - o que, no
caso brasileiro, ocorreu em 2002 -, também está vinculado às decisões que ela
profere.
O Brasil, como signatário da Convenção Americana, assume o compromisso
internacional de agir no sentido de proteção aos Direitos Humanos, e,
consequentemente, a obrigação de cumprir de boa-fé com toda e qualquer
determinação da Corte IDH nesse sentido, dando concretude à obrigação inscrita no
art. 2° da Convenção, ao adotar medidas legislativas ou de outra natureza que
forem necessárias para tornar efetivos direitos e liberdades previstos no Pacto.
Nesse contexto, Héctor Ledesma (1999, p. 416)19 manifesta-se, defendendo que:
“O acatamento das medidas provisórias não é apenas o resultado de considerações
práticas, dirigidas a evitar uma publicidade adversa, senão a consequência do dever
jurídico que têm os Estados de cumprir com seus compromissos internacionais.”
(tradução nossa)
Tendo esse cenário em mente, a própria Corte IDH assinala que os Juízes nacionais
também devem realizar o controle de convencionalidade dentro do cotidiano das
decisões judiciais. Isso é reforçado pela obrigação contida no art. 2° acima
mencionado, já que as medidas de qualquer natureza (incluindo, aqui, as do âmbito
judicial) devem ser adotadas para o cumprimento das determinações da Corte. Nas
palavras da Corte Interamericana: “quando um Estado ratifica um tratado
internacional como a Convenção Americana, seus juízes, como parte do aparato
estatal, também estão submetidos a ela, o que os obriga a velar para que os efeitos
das disposições da Convenção não se vejam diminuídos pela aplicação de leis
contrárias a seu objeto e a seu fim e que, desde o início, carecem de efeitos
jurídicos. Em outras palavras, o Poder Judiciário deve exercer uma espécie de
“controle de convencionalidade” entre as normas jurídicas internas aplicadas a
casos concretos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.”
O Superior Tribunal de Justiça (AgRg no RHC 136.961/RJ) incorpora esta mesma
leitura quando da análise da aplicação de outra medida provisória da Corte IDH
(cômputo em dobro de pena antijurídica cumprida no Instituto Penal Plácido de Sá
Carvalho). Para a Corte da Cidadania, as autoridades judiciárias também devem
exercer o controle de convencionalidade, de modo que a ausência de uma
legislação interna prévia não seria óbice ao cumprimento das medidas exaradas
pela Corte Internacional: 7. As autoridades públicas, judiciárias inclusive, devem
exercer o controle de convencionalidade, observando os efeitos das disposições do

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diploma internacional e adequando sua estrutura interna para garantir o
cumprimento total de suas obrigações frente à comunidade internacional, uma vez
que os países signatários são guardiões da tutela dos direitos humanos, devendo
empregar a interpretação mais favorável ao ser humano. (...) 8. Os juízes nacionais
devem agir como juízes interamericanos e estabelecer o diálogo entre o direito
interno e o direito internacional dos direitos humanos, até mesmo para diminuir
violações e abreviar as demandas internacionais (AgRg no RHC 136.961/RJ, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
15/06/2021, DJe 21/06/2021).
Não por outro motivo, o Conselho Nacional de Justiça emitiu recomendação de
caráter geral às autoridades judiciárias (Recomendação n° 123 de janeiro de 2022),
a fim de que haja a observância das convenções internacionais de direitos humanos
e da jurisprudência da Corte IDH dentro da atividade judicial: Art. 1º Recomendar
aos órgãos do Poder Judiciário: I – a observância dos tratados e convenções
internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil e a utilização da
jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), bem como
a necessidade de controle de convencionalidade das leis internas.
Diante do necessário controle de convencionalidade pelos juízes nacionais, da
obrigatoriedade das decisões e das medidas provisórias oriundas da Corte
Interamericana e da concretização de todas as medidas para o fiel cumprimento da
Convenção, a aplicação do cômputo em dobro não está condicionada à edição de
norma federal de caráter geral (lei federal ou decreto presencial).
Em verdade, o regulamento geral a nível federal (lei ou decreto presidencial), se
estabelecido diálogo com o direito interno, também não constitui óbice à análise e
decisão judicial dos casos concretos, dentro do exercício do controle de
convencionalidade. A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Decreto-Lei
n° 4657 de 1942) já prevê, em seu art. 4°, que “na omissão da lei, o juiz decidirá o
caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
No caso em análise, sequer seria necessário recorrer à analogia e aos costumes: há
vasta fundamentação apoiada na Convenção Americana de Direitos Humanos
(status supralegal) e na própria medida provisória emitida pela Corte IDH, a qual,
como já pontuado, tem caráter obrigatório e vincula todos os Poderes instituídos.
Conclui-se, assim, que a própria lei brasileira não prevê como óbice à análise dos
pedidos judiciais visando à aplicação do cômputo em dobro a ausência de
regulamentação pela União.
Migrando do âmbito do direito internacional dos direitos humanos (direitos
reconhecidos por Cortes e tratados internacionais) e partindo para uma lente voltada
apenas ao direito interno, constata-se que, em diversas ocasiões e sob diferentes
argumentos, o Poder Judiciário brasileiro já reconheceu a existência de direitos da
execução penal, independente de leis ou decretos (regulamentos emitidos pela
União) que os previssem expressamente.
Guiando-se pela interpretação ampliativa in bonam partem, por exemplo, o Poder
Judiciário reconheceu direitos como prisão domiciliar por razões humanitárias e a
ampliação jurisprudencial do rol de remições previstas expressamente na Lei de
Execução Penal - a exemplo da remição pela leitura, por participação em coral e
prática de esportes (que não encontravam guarida prévia expressa na legislação
federal): Tem sido amplamente admitida pelo STJ a interpretação extensiva do art.
126, abarcando o trabalho artesanal e outras atividades que podem não estar
expressamente previstas no dispositivo legal (STJ, Resp 1.720.785/RO, Rel. Min.
Ribeiro Dantas, 5ª T., j. 06/02/2018; REsp 1666637/ES, Rel. Min. Sebastião Reis

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Junior, 6ª T, j. 26/09/10’7, entre outros) 22 Novas modalidades de remição também
são cada vez mais colocadas em discussão e podem ser levadas ao Poder
Legislativo ou Judiciário, como a remição pelo esporte, por atividades musicais, com
base em interpretação extensiva in bonam partem do art. 126 da LEP. Por exemplo,
já foi reconhecido direito à remição por participação em coral (ST, Resp 1.666.637,
Rel. Min Sebastião Reis Junior, 6ª T.,j. 26/09/2017).
Realizando a interseção entre os cenários apresentados na esfera internacional e
nacional, revela-se acertada a escolha da via institucional para aplicação do
cômputo em dobro do tempo de pena cumprido realizado pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro. Este toma como fundamento principalmente a tese
defendida por parte dos Ministros integrantes do Supremo Tribunal Federal, da
compensação in natura pelos danos causados pela execução da pena antijurídica,
no RE 580.252/MS - o que dialoga com a natureza de medida reparatória
estabelecida por força de Resolução da CorteIDH.
Como forma de afastar estas graves violações de direito ocorridos dentro do
Sistema Carcerário brasileiro, a doutrina ainda aponta outras medidas que poderiam
ser adotadas: Nesse sentido, deve ser cada vez mais explorado o que
denominamos ‘compensação penal por penas abusivas’, que traduz o dever estatal
de reparar, não só pela via pecuniária, mas principalmente pela via penal, atos
arbitrários, superlotação ou condições desumanas ou degradantes sofridas pelas
pessoas presas. A compensação penal decorre fundamentalmente do excesso de
punição que a privação de outros direitos, além da liberdade ambulatorial,
proporciona na prática da execução penal. Assim, procedendo, o Poder Judiciário
conseguiria ajustar a dimensão aritmética da pena às condições qualitativas de
aprisionamento. A primeira e mais contundente solução para a compensação penal
por atos arbitrários, superlotação ou condições desumanas ou degradantes sofridas
pelas pessoas presas é a renúncia à execução da pena por parte do Estado, cujos
efeitos práticos podem ser alcançados por meio de expressa previsão no Decreto
Presidencial de Indulto. Se não aplicado o indulto, seria absolutamente coerente e
salutar ao menos a aplicação de uma espécie de ‘comutação compensatória’ da
pena privativa de liberdade, de modo a reduzi-la proporcionalmente ao tempo ou à
intensidade da arbitrariedade sofrida pelas pessoas privadas de liberdade.
Assim, resta evidente que, independentemente do meio a ser adotado, o Estado
brasileiro deve agir imediatamente para tutelar direitos e reduzir os graves danos
causados por ele durante o cumprimento antijurídico das penas, como resultado da
obrigação legal imposta pela medida exarada pela Corte IDH, que goza de
autoexecutoriedade, sem que seja necessária a edição de regulamento pela União.
Certo também que já existem vias institucionais para a sua aplicação, conforme
acima demonstrado, reconhecido e já aplicado pelo Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro e recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça”.

Por fim, a Procuradoria de Justiça em seu parecer (ID 20057982), manifesta-


se da seguinte forma:
“Em que pesem as considerações fáticas já aduzidas e a intenção de promover os
direitos humanos no Complexo prisional do Curado, a Resolução CIDH de 28 de
novembro de 2018 é incompatível com nossa Constituição Federal.
Primeiramente, convém esclarecer que a decisão combalida da Corte Internacional
NÃO POSSUI caráter geral e abstrato a classificá-la como equivalente a emenda
constitucional, mas sim de decisão interlocutória prolatada por um Juízo com

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jurisdição internacional, a semelhança do afirmado pela Superior Tribunal de Justiça
quando do julgamento acima transcrito.
Somente pode ser chamado de norma geral abstrata sobre direitos humanos e,
portanto, equivalente à emenda constitucional, o Decreto 678/92, que incorporou o
Pacto de San José da Costa Rica ao ordenamento brasileiro.
Logo, há que se diferenciar o Tratado em si mesmo da Resolução objeto de análise
no presente IRDR.
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas
constitucionais, O MESMO NÃO SE PODE AFIRMAR DA RESOLUÇÃO
QUESTIONADA. ELA PODE E DEVE SER VERIFICADA À LUZ DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Imagine se uma decisão da Corte Internacional determinasse a troca de uma pena
de prisão por trabalhos forçados. É óbvio que, sendo este tipo de pena inaplicável
por força de vedação da Constituição pátria, não poderia ser admitido.
Todavia, em que pesem tais considerações, entendemos que o conteúdo decisório
prolatado não se harmoniza com os princípios constitucionais da isonomia e da
coisa julgada, viola a proibição constitucional de normas despenalizadoras para
determinados crimes, bem assim fere a competência privativa do Presidente da
República para editar normas que impliquem em indulto ou comutação, razão pela
qual há um óbice constitucional para a efetiva aplicação do cômputo imposto.
Senão, vejamos.
Em primeiro lugar, ocorre a violação ao princípio da igualdade, pois a Resolução é
clara ao determinar sua aplicação aos presos recolhidos no Complexo do Curado,
criando, destarte, distinção entre reeducandos, baseada, exclusivamente, no local
de seu recolhimento, em detrimento daqueles que se encontram cumprindo pena
em outro estabelecimento prisional, ainda que igualmente em situação de
superlotação. Não houve uma fiscalização efetiva de todos os estabelecimentos
prisionais do Brasil, para listá-los de forma isonômica, assim, estar-se-ia criando um
mecanismo de diferenciação de cumprimento de penas, fazendo com que os
detentos de outros estabelecimentos cumpram suas sanções normalmente e os
reclusos do Complexo do Curado obtenham o benefício inominado de uma medida
despenalizadora de metade de sua pena.
Além disso, impõe sua aplicação, indistintamente, a todos aqueles recolhidos no
Complexo do Curado, ainda que presos ou apenados pela prática de crimes
hediondos. A exceção se dá apenas em relação a presos por crimes contra a vida e
a integridade física, ou de natureza sexual, em relação a estes, seria possível o
cômputo da pena em razão inferior aos 50% (cinquenta por cento) a ser deferido
aos demais.
Nesse ponto, entendemos que a decisão prolatada violou o disposto no artigo 5º,
inciso XLIII, da Constituição Federal Brasileira que tornou a tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como crimes
hediondos inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia. Se a Constituição
Federal veda a esses crimes essas medidas penalizadoras, não pode uma Corte
estrangeira aplicar benesses semelhantes a essas, ainda que com outra
denominação, pois terá o mesmo efeito: o perdão após o cumprimento de parte da
pena.
Há também que se considerar a violação ao princípio da coisa julgada, insculpido no

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art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, haja vista o ataque a sentenças
penais condenatórias, desconsiderando a atuação do juiz brasileiro que editou o ato
sentencial condenatório, após observar o princípio da individualização da pena,
aplicando o quantum necessário para o cumprimento da reprimenda criminal.
Ainda, considerando que o instituto criado pela Resolução CIDH de 28 de novembro
de 2018 também se assemelha à comutação ou ao indulto, verificasse que se traduz
novamente como inconstitucional, posto que o art. 84, XII 3 da Constituição Federal
atribui competência privativa do Presidente da República a concessão de tal
benefício.
Por tais razões, OPINAMOS pela impossibilidade de aplicação da contagem em
dobro do tempo de recolhimento de presos no Complexo de Curado, em face das
inconstitucionalidades apontadas”.

Após analisar detidamente todos os relevantes argumentos apresentados


pelos atores processuais desse incidente, entendo que não há inconstitucionalidade
na determinação contida na sentença internacional proferida pela Corte
Internacional de Direitos Humanos, pelos seguintes fundamentos a seguir expostos.
A priori, como já destacado anteriormente, não se questiona em nenhum
momento o dever estatal de cumprir as decisões internacionais, sobretudo aquelas que
versam sobre Direitos Humanos, sendo dever do Poder Judiciário exercer o controle de
convencionalidade das leis internas com o fito de adequar o direito interno para garantir o
cumprimento total de suas obrigações frente à comunidade internacional, tendo em vista o
pacífico entendimento jurisprudencial no sentido de que o Brasil não poderá invocar o seu
direito interno para justificar o descumprimento de obrigações assumidas em um tratado
internacional e emanadas de sentença internacional.
No entanto, considerando o caráter supralegal da Convenção Americana de
Direitos Humanos, e, por consequência, das decisões internacionais emanadas pela Corte
Internacional de Direitos Humanos, corroboro o entendimento de que o dever de
convencionalidade aplica-se em sua totalidade às leis ordinárias, a exemplo da Lei de
Execuções Penais, mas não as regras contidas na Constituição Federal, as quais, por sua
própria natureza, detêm supremacia jurídica no aspecto normativo e principiológico.
Partindo dessa premissa, à luz do regramento constitucional contido no art.
4º, inciso III, da CF/88, o qual determina que a República Federativa do Brasil rege-se nas
suas relações internacionais, dentre outros princípios, pela prevalência dos direitos
humanos; bem como pelo compromisso internacional assumido pela completa adesão
às normas da Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 68.1, da CADH – Decreto
nº 678/1992) e pela submissão voluntária do país à jurisdição internacional da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (Decreto nº 4463/2002), cujas decisões possuem
caráter vinculante internamente, é inteiramente constitucional a sentença

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internacional oriunda da Corte Internacional.
Quanto ao mérito da questão nuclear, verifica-se que o Ministério Público
em sua petição inicial (ID 16097572) e a Procuradoria de Justiça em seu parecer (ID
20057982), suscitam possíveis inconstitucionalidades da medida provisória emanada da
Corte Internacional sob o fundamento de que o cômputo em dobro da pena cumprida no
Complexo do Curado fere diretamente os seguintes direitos e princípios constitucionais: 1)
da isonomia (art. 5º, I, CF/88), por entender que “as condições de cumprimento de pena
no Complexo do Curado não são exclusivas daquelas unidades prisionais”; 2) da coisa
julgada (art. 5º, XXXVI, CF/88), sob a alegação de que “várias condenações foram
revistas genericamente, afastando a incidência do Código Penal e do Código de Processo
Penal”; 3) da vedação de normas despenalizadoras para crimes hediondos (art. 5º,
XLV, da CF/88); e 4) da competência privativa do Presidente da República para editar
normas que impliquem em indulto ou comutação de pena (art. 84, XII, da CF/88).
No que se refere à alegada ofensa ao princípio da isonomia, verifica-se
que a sentença internacional debatida se lastreia em um rigoroso procedimento conduzido
por uma Comissão Interamericana, que apura evidências de situação gravíssima de risco
de dano irreparável à pessoa desde o ano de 2011, sendo o caso submetido à jurisdição
da Corte Internacional no ano de 2014 onde deu início a 06 (seis) ciclos de monitoramento
que culminaram na medida provisória contida na Resolução de 28.11.2018 (6º ciclo), a
qual determina a contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades prisionais
integrantes do Complexo do Curado.
Desse modo, observa-se que o processo internacional apreciado pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos se restringe à evidência de situação gravíssima
constatada em procedimento realizado exclusivamente nas unidades prisionais que
integram o Complexo do Curado, e, como todo processo, a decisão apenas se refere e se
destina aos fatos relacionados ao caso concreto submetido à jurisdição internacional.
Notadamente, a medida provisória extrema determinada pela Corte
Internacional é amparada nesse monitoramento realizado por anos no Complexo do
Curado, cujas recomendações não surtiram os efeitos práticos necessários para preservar
a dignidade da pessoa humana no cumprimento da pena privativa de liberdade e
resultaram na compensação penal determinada pela sentença internacional.
Ademais, vale relembrar que em situações de conflitos de princípios
constitucionais na apreciação de um caso concreto é utilizada a “teoria da ponderação” do
jurista alemão Robert Alexy – amplamente utilizada por Tribunais Superiores com
jurisdição constitucional – a qual sugere que seja realizado um exercício de ponderação
entre os princípios constitucionais conflitantes (no caso os princípios da isonomia e da
prevalência dos direitos humanos) através de uma relação de precedência condicionada

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às particularidades do caso concreto, sendo certo que, na realidade constatada através de
processo internacional relacionado ao cumprimento de pena no Complexo do Curado, a
imediata aplicação da compensação penal com fulcro no princípio da prevalência dos
direitos humanos deve preponderar sobre o impedimento da sua aplicação por imposição
do princípio da isonomia.
Registre-se, ainda, que a juíza da 1ª Vara Regional das Execuções Penais,
em sua decisão que inaugurou a controvérsia ora debatida (ID 16098447), destacou a
questão da superlotação em outras unidades prisionais ao pontuar que “a exclusão de
pessoas privadas de liberdade, pelo simples fato que sofreram as mesmas violações de
seus direitos, não excluídos pela sentença penal condenatória, em Unidades Prisionais
diversas da inspecionada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, pode gerar
uma situação caótica de desigualdade, pois temos unidades prisionais, que hoje detém
um contingente bem maior de PPL, que o referido Complexo, que triplicou a população
Carcerária no Estado em dez anos”. Entretanto, a referida magistrada realiza, na ocasião,
o devido exercício de autocontenção e não estende os efeitos da decisão internacional
para outras unidades prisionais em situação análoga à do Complexo do Curado, sob o
fundamento de que a matéria foi pacificada e restringida pela decisão – à época
monocrática – do Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Reynaldo Soares da Fonseca,
no Habeas Corpus nº 136961-RJ, que limitou a contagem em dobro do tempo prisão ao
Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, no Complexo Penitenciário de Bangu, localizado
na Zona Oeste do Rio de Janeiro, o qual também foi objeto da medida provisória
internacional juntamente com o Complexo do Curado.
Sendo assim, considerando que o objeto da causa que originou o processo
internacional é amparado em procedimento de monitoramento realizado exclusivamente
no Complexo do Curado, não vislumbro qualquer ofensa ao princípio da isonomia na
hipótese.
Quanto à alegada ofensa ao princípio da coisa julgada, há no nosso
ordenamento jurídico diversas disposições normativas que demonstram que a coisa
julgada não é absoluta, podendo, inclusive, ser desconstituída através da revisão criminal,
em casos de erro ou injustiça na condenação; bem como relativizada através de institutos
próprios da fase de execução, a exemplo da prisão domiciliar, da detração, da remição, e
até do indulto.
Dessa maneira, a compensação penal determinada pela Corte Internacional
em virtude de questões humanitárias relacionadas ao cumprimento de pena é mais um
instituto legítimo que autoriza a relativização da coisa julgada e, por isso, não visualizo a
pretensa ofensa ao princípio da coisa julgada.
No que tange à alegada ofensa à vedação constitucional de normas

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despenalizadoras para crimes hediondos, é certo que o art. 5º, XLV, da CF/88 veda
expressamente a concessão da fiança, da graça e da anistia aos crimes hediondos,
porém não proíbe a aplicação dos institutos de compensação penal próprios da execução
penal, tais como a detração e a remição.
O Conselho Nacional de Justiça apresenta três possibilidades para a
classificação ou aplicação analógica da compensação penal determinada pela Corte
Internacional na sua convencionalidade com o direito interno: I) considerar a contagem em
dobro como uma espécie autônoma de mecanismo de aceleração do cumprimento da
pena privativa de liberdade em condições ilícitas, desumanas e degradantes. II) aplicá-la
como modalidade qualitativa de detração penal; e III) aplicá-la, analogicamente, como
forma de remição.
Com efeito, todas as possibilidades sugeridas pelo CNJ – e que serão
definidas na análise das questões adjacentes desse incidente – não se confundem com a
graça ou anistia, que são os institutos vedados expressamente pela Constituição Federal,
pelo que não observo qualquer ofensa à vedação constitucional de normas
despenalizadoras para crimes hediondos.
Sobre a alegada ofensa à competência privativa do Presidente da
República para editar normas que impliquem em indulto ou comutação de pena, como
bem destacado no tópico anterior, a compensação penal determinada pela Corte
Internacional pode ser classificada como uma espécie autônoma de mecanismo de
aceleração do cumprimento da pena privativa de liberdade em condições ilícitas,
desumanas e degradantes; como detração ou como remição, as quais, por sua própria
natureza, não se confundem com o indulto ou com a comutação da pena e, por isso,
entendo que a medida provisória imposta não fere a competência privativa do
Presidente da República.
Outrossim, como bem ponderou a Unidade de Monitoramento do CNJ em sua
manifestação: “a execução de uma sentença internacional ou de uma decisão no âmbito
das medidas provisórias são autoexequíveis, vale dizer, não pressupõe regulamentação
da União por lei ou decreto. Tanto que várias sentenças e medidas provisórias anteriores,
sobre os mais variáveis temas, vem sendo cumpridos normalmente”.
Da mesma forma, entendo que não há falar em necessidade de
arbitragem, nem prévia homologação pelo STJ, da decisão da Corte Interamericana, por
se tratar de requisito necessário para revestir de eficácia interna apenas as sentenças
proferidas por Tribunais afeto à soberania de determinado Estado, e não a emanada de
um tribunal internacional que tem jurisdição voluntária sobre os seus próprios Estados-
partes, pois, como bem destacou o Programa de Pós Graduação da UFE em sua
manifestação, a Corte Interamericana “é um órgão internacional, cujas sentenças têm a

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natureza jurídica de decisões internacionais e não de sentenças estrangeiras, porque não
provenientes de Tribunal sujeito à soberania de Estado estrangeiro”.
Tudo isso sopesado, proponho a fixação da seguinte tese para a questão
nuclear inserida no questionamento ministerial: “Item c) a referida medida provisória é
exequível independentemente de arbitragem ou regulamentação pela União (lei ou
decreto presidencial)?”:
PRIMEIRA TESE JURÍDICA: Nos termos do art. 4º, inciso II, da CF/88 c/c
o art. 68.1 do Decreto 678/92 e art. 1º do Decreto 4463/02, a compensação penal
correspondente ao cômputo em dobro do tempo de prisão nas unidades prisionais
do Complexo do Curado determinada por sentença internacional, de caráter
vinculante, oriunda da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é constitucional e
exequível independentemente de arbitragem ou regulamentação pela União.

IV – Quanto às questões adjacentes

As questões adjacentes do presente incidente dizem respeito à correta


identificação do instituto a ser aplicado para a contagem em dobro do tempo de prisão nas
unidades prisionais do Complexo do Curado, a partir da delimitação de sua natureza
jurídica e dos requisitos legais inerentes à matéria de execução penal aplicáveis a
situação jurídica, as quais estão distribuídas nos seguintes questionamentos ministeriais:

“a) qual a natureza jurídica do cômputo em dobro do tempo de prisão?

b) em relação aos crimes hediondos ou equiparados, a medida provisória emanada


da CDIH é constitucional?

d) se for de aplicação imediata pela Justiça Estadual, quais as premissas para


concessão da comutação da pena (perdão parcial), em especial no que concerne ao
reconhecimento ou não de violação à Súmula Vinculante nº 56?

e) sendo a medida constitucional e aplicável aos crimes hediondos ou equiparados,


é necessário prévio estudo psicossocial (exame criminológico)?

f) se aplicável, a partir de quando deve se considerar em dobro o tempo de prisão


no Complexo do Curado?

g) se aplicável, no caso de penas unificadas decorrentes de mais de um processo, é


necessário destacar cada uma delas para realizar o cálculo separadamente e depois
reunificar para evitar a denominada “poupança de tempo de prisão?”.

Os atores processuais que atuam nesse incidente se posicionaram sobre as

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questões adjacentes por meio das suas manifestações, as quais destacam as razões de
fato e de direito que embasam suas conclusões.
A 2ª Vara Regional de Execuções Penais, em exercício cumulativo na Vara
de Execução Penal em Meio Aberto, manifestou-se (ID 18421906) da seguinte maneira:
“(...) Para além do mais, não se tem perspectivas sobre sua aplicabilidade no
aspecto temporal, como se algo indeterminado fosse, não se sabendo o termo inicial
de sua observância.
Ademais, o CNJ não disponibilizou no SEEU – Sistema Eletrônico de Execução
Unificado a realização de cálculo para incidentes de benefícios da execução penal
acaso a contagem em dobro seja a decisão final, a exemplo de comutação, indulto,
remição, progressão de regime prisional, livramento condicional, extinção de
punibilidade.
Efetivamente, a adoção da contagem em dobro refletirá sobremaneira no cálculo da
pena a ser cumprida, devendo-se separar os crimes não violentos e não sexuais dos
demais, especialmente na hipótese de penas já unificadas, a exigir cálculo
diferenciado que, registre-se, pode trazer prejuízos para o apenado, sobretudo
quando há identidade de lapso de tempo de cumprimento das penas, além da
natureza dos crimes, a exemplo dos crimes hediondos em razão da fração para
obtenção de benefícios. Além do mais, deverá ser obedecida a regra prevista no
Código Penal, segundo a qual no concurso de infrações, executar-se-á
primeiramente a pena mais grave (CP, art. 76).
Outro aspecto a ser levado em consideração é o fato de que a decisão da CIDH
objetivou evitar a superlotação na referida unidade prisional – Complexo do Curado -
, todavia de acordo com seu direito interno:
“Considerando 127. A via institucional para arbitrar esse cômputo, levando em conta
como pena o excesso antijurídico de dor ou sofrimento padecido, deverá ser
escolhida pelo Estado, conforme seu direito interno, não sendo a Corte competente
para indicá-la. Obviamente, nesse processo decisório, os juízes internos devem dar
cumprimento ao determinado pelo STF na Súmula Vinculante No. 56
(Considerandos 113 a 117 supra). Não obstante isso, a Corte lembra que, conforme
os princípios do Direito Internacional dos Direitos Humanos, o Estado não poderá
alegar descumprimento em virtude de obstáculos de direito interno”.
E o nosso direito interno permite a consolidação desse entendimento, em grande
medida por força da edição da Súmula 56 do Supremo Tribunal Federal e,
recentemente, a decisão adotada no HC 188820, da relatoria do Min. Edson Fachin,
tornando-se de costume adiante, independentemente do estágio no qual
vivenciamos em relação ao Covid-19.
Os Habeas Corpus coletivos das mulheres e dos homens (HC 143.641 e HC
165.704) também refletem a ideia de evitar a superlotação nas unidades prisionais.
Reproduzo, neste instante, passagem extraída no Habeas Corpus 379.269 – MS,
sendo Relator o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, sendo vencedor o voto de
divergência do Ministro Antônio Saldanha Palheiro, acompanhado pelos demais
integrantes da Corte, apesar de o tema não ser idêntico ao aqui tratado, a saber:
“Diante dessa ótica, com base na Teoria da Margem de Apreciação Nacional (
margin of appreciation), Luiz Guilherme Arcaro Conci anuncia: "Ainda que se parta
do pressuposto de que os direitos humanos tenham pretensão universalista, pode-
se pensar na necessidade de que os estados nacionais estejam– apesar de
vinculados ao direito internacional dos direitos humanos – em situação econômica,

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social, política ou jurídica diferenciada, o que, em algumas situações, legitimaria
uma diversidade de resultados no processo hermenêutico. Essa diferença aponta
para uma reflexão que relativiza a perspectiva universalista, no sentido de entender
que os estados nacionais, apesar de signatários dos mesmos tratados e vinculados
pela jurisprudência da Corte IDH, no caso americano, ou pelo Tribunal Europeu de
Direitos Humanos, naquele continente, continuam a manter um espectro de
discricionariedade para a concretização dos direitos humanos, ainda que existam
decisões tomadas por órgãos judiciários, não judiciários ou que exerçam função
quase judicial. Não se trata de entender a possibilidade do descumprimento ou da
violação, mas de entender que há uma margem de discricionariedade para
temperamento de algumas decisões proferidas internacionalmente, quando de seu
cumprimento internamente”.
Repise-se, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça ainda não disponibilizou na
plataforma do SEEU – Sistema Eletrônico de Execução Unificado mecanismo capaz
de possibilitar o cálculo das penas acaso a decisão da CIDH prevaleça em definitivo.
Neste instante derradeiro, é importante deixar assentado que a educação, a saúde,
a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, apesar de estarem catalogados no Capítulo dos Direitos Sociais
são, de igual maneira, considerados como direitos fundamentais do cidadão, a exigir
do Poder Judiciário Brasileiro efetivo respeito e cumprimento, sobretudo no dever de
proteção à sociedade (...)”.

Por sua vez, a 4ª Vara Regional de Execuções Penais, manifestou-se (ID


18422460) no sentido de que:
“a) qual a natureza jurídica do cômputo em dobro do tempo de prisão?
Em nosso modesto entender, não há previsão legal em nossa legislação que defina
tal direito e por via de consequência, não há em que se falar na natureza jurídica.
Poderia, por analogia, considerar como detração (prisão provisória) e/ou comutação
(que só pode ser declarada pelo Presidente da República), na hipótese do período
ser pós condenação, ou seja, no efetivo cumprimento da pena.
b) em relação aos crimes hediondos ou equiparados, a medida provisória emanada
da CDIH é constitucional?
Temos aqui um conflito aparente de normas. A nova redação do art. 5º, Inc. III, da
CF que dispõe sobre tratados e convenções internacionais dá status de emendas
constitucionais nos seguintes termos: “os tratados e convenções internacionais
sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros,
serão equivalentes às emendas constitucionais”. Sucede que pela dicção do
disposto constitucional acima citado, quanto à forma nada há de inconstitucional,
mas quanto ao conteúdo entendo que não pode ser aderido automaticamente em
nosso ordenamento, até em respeito à soberania do país. Neste contexto, trago
posiciona mento do STF sobre o tema, conforme esclarece Guilherme Nucci, em
sua obra de Código de Processo Comentado, Ed. 2020, pág. 68, ao tratar de
entendimento diverso do dele, citando posição da doutrina contrária a sua ao fazer
as seguintes considerações: “O Brasil, embora adote a teoria monista, deixou clara
a sua preferência pelo direito interno sobre o direito internacional , especialmente
pela posição do Supremo Tribunal Federal , adotada em caso pioneiro (leading
case) de 1978, quando afirmou que lei federal posterior afasta a aplicação de

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tratado anterior. E, atualmente, é o que continua prevalecendo na jurisprudência dos
tribunais. Em nosso País, o tratado jamais pode atentar contra a Constituição
Federal, mas pode ser afastado por lei federal mais recente. Caso seja o tratado o
mais novo, no entanto, afeta a aplicação de lei federal. Note-se, inclusive, que a
Constituição prevê competência ao Supremo Tribunal Federal para julgar, em
recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a
decisão “declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal” (art. 102, III, b), o
que demonstra a equiparação de um e outro, ambos submetidos ao texto
constitucional. Apoia essa tese Francisco Rezek, afirmando não haver, em direito
internacional positivo, norma alguma assegurando a primazia do tratado sobre o
direito interno – logo, somente leis anteriores podem ser afastadas pelo tratado mais
recente (Direito internacional público, p. 103-104). Acompanham esse
posicionamento Luiz Alberto Davi de Araújo, Clèmerson Merlin Clève, Manoel
Gonçalves Ferreira Filho (citações feitas por Sylvia Steiner, A convenção americana
sobre direitos humanos, p. 74) e Luís Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da
Constituição, p. 31-32).” Percebe-se que o tema é bastante arenoso, principalmente
quando afeta crimes hediondos e equiparados em que a CF deu tratamento diverso
dos comuns. Mais ainda, não há lei federal que trate do tema, constando como meio
de solução a súmula vinculante 56. Aqui temos outro inconveniente jurídico, quando
a Resolução CIDH estabelece tratamento desproporcional ao vedar a aplicação da
contagem em dobro para crimes contra a vida ou integridade física, ou de crimes
sexuais, permitindo, porém, par a crimes considerados hediondos e assemelhados,
o que termina por incorrer nas vertentes da infra proteção deficiente e/ou proibição
de excesso. Ao nosso sentir, quando CIDH permite a contagem em dobro, viola
norma constitucional no tocante aos crimes hediondos.
d) se for de aplicação imediata pela Justiça Estadual, quais as premissas par a
concessão da comutação da pena (perdão parcial), em especial no que concerne ao
reconhecimento ou não de violação à Súmula Vinculante nº 56?
Entendo que neste caso, se superada os argumentos retro, só seria aplicado
quando o Estado não fizesse uso das alternativas prevista na Súmula Vinculante 56.
De qual quer forma, a comutação é ato privativo do presidente da República.
e) sendo a medida constitucional e aplicável aos crimes hediondos ou equiparados,
é necessário prévio estudo psicossocial (exame criminológico)?
Caso seja considerado constitucional seria de bom alvitre o exame criminológico.
Convém esclarecer que, na prática, os exames em que são submetidos os
reeducandos estão longe de serem criminológicos, pois se restringem em reproduzir
a entrevista do preso e suas alegações e subscritas por uma psicóloga e assistente
social.
f) se aplicável, a partir de quando deve se considerar em dobro o tempo de prisão
no Complexo do Curado?
Em nosso sentir, a partir da notificação.
g) se aplicável, no caso de penas unificadas decorrentes de mais de um processo, é
necessário destacar cada uma delas para realizar o cálculo separadamente e depois
reunificar para evitar a denominada “poupança de tempo de prisão”?.
A princípio sim. O problema é como fazer isso diante de um reeducando com várias
condenações em crimes diversos, já que não seria um cálculo matemático simples a
fazer e a calculadora do CNJ não está qualificada para tal fim. (...)””.

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Já a 3ª Vara Regional de Execuções Penais, manifestou-se (ID 18422465) da
seguinte forma:
“a) Qual a natureza jurídica do cômputo em dobro do tempo de prisão?
Não há consenso sobre a natureza jurídica do cômputo em dobro do tempo de
prisão. Entretanto, a fim de compatibilizá-lo com as disposições legais referentes à
execução penal no Brasil, sua natureza jurídica seria de comutação de pena do
período determinado e em relação aos crimes executados no momento de
encarceramento na unidade na qual o cômputo deve ser diferenciado. Assim sendo,
deve ser reduzido da pena o período em que o reeducando ficou na unidade.
Exemplificando: se o reeducando foi condenado a 04 (quatro) anos de reclusão e
ficou encarcerado por 02(dois) anos na unidade “X”, cujo período deve ser
contabilizado em dobro, a pena de 04(quatro) anos deve ser reduzida para 02(dois)
anos. O período de prisão seria contado em dobro já que, na prática, equivaleria a
04(quatro) anos de prisão.
b) Em relação aos crimes hediondos ou equiparados, a medida provisória emanada
da CDIH é constitucional?
Entendendo-se que o cômputo em dobro tem natureza de comutação de penas,
instituto também conhecido por indulto parcial, ou seja, espécie de graça, existe
vedação expressa na Constituição Federal à sua aplicação em relação aos crimes
hediondos (art. 5, inciso XLIII).
d) Se for de aplicação imediata pela Justiça Estadual, quais as premissas para
concessão da comutação da pena (perdão parcial), em especial no que concerne ao
reconhecimento ou não de violação à Súmula Vinculante nº 56?
Conforme diversos julgados do STF, a edição da súmula vinculante nº 56 não
implicou em concessão de benefícios a todos os reeducandos que se encontram em
unidades superlotadas, ou seja, foi reconhecido um certo benefício compensatório
aos reeducandos que se encontrassem em unidade prisional superlotada, mas
desde que seguidos determinados parâmetros. Da mesma forma deve seguir a
aplicação do cômputo em dobro. Deve-se adotar parâmetros, dentre os quais os
mais justos se referem à insalubridade das unidades prisionais, ou seja, deve ser
aplicado em unidades nas quais existe determinação expressa da CIDH e em
unidades em condições similares, já que não existe motivos para tratamento
diferenciado a reeducandos que se encontrem em situação similar.
e) Sendo a medida constitucional e aplicável aos crimes hediondos ou equiparados,
é necessário prévio estudo psicossocial?
A medida não é aplicável aos crimes hediondos ou equiparados, mas como toda
comutação de penas deve seguir os parâmetros definidos no diploma concessivo
que, no caso, é a medida provisória da CIDH. Havendo a exigência, é necessário
realizar o exame, não havendo, não há que ser criados, pelo juízo da execução,
embaraços à aplicação da medida provisória.
f) Se aplicável, a partir de quando deve se considerar em dobro o tempo de prisão
no Complexo do Curado?
A partir do primeiro ato que demonstre ciência inequívoca das autoridades estatais
sobre a situação de extrema insalubridade da unidade prisional na qual o período
será contado em dobro. Esta ciência pode se dar, por exemplo, por perícia realizada
ou notificação oficial feita ao Brasil pela CIDH.
g) Se aplicável, no caso de penas unificadas decorrentes de mais de um processo,
é necessário destacar cada uma delas para realizar o cálculo separadamente e

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depois reunificar para evitar a denominada “poupança de tempo de prisão”?
O cômputo em dobro, em sendo considerado como espécie de comutação, será
realizado nas condenações cujos fatos já haviam sido praticados no momento da
contagem em dobro, não atingindo condenações posteriores. O tempo em dobro
deve ser descontado de uma vez em todos os processos existentes e não em cada
um separadamente a fim de evitar que os presos com mais condenações sejam
mais beneficiados e tenham o tempo computado em triplo, quádruplo e etc. Em
suma se o preso terá a dupla contagem de um período, esse período incidirá sobre
todos os processos existentes apenas uma vez e não sobre cada processo existente
à época (...)””.

A Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte


Interamericana de Direitos Humanos (UMF Corte IDH) do Conselho Nacional de Justiça,
na qualidade de amicus curiae, manifestou-se sobre as questões adjacentes no
documento nº ID 18529710.
O Programa de Extensão Acesso ao Sistema Interamericano De Proteção
aos Direitos Humanos (aSIDH) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Projeto
de Pesquisa “Monitoramento e cumprimento das decisões do Sistema Interamericano de
Direitos Humanos: investigação dos arranjos institucionais que favorecem e dificultam a
sua implementação no Brasil”, vinculado ao Programa de Pós Graduação em Direito da
UFPE (PPGD), na qualidade de amicus curiae, manifestou-se sobre os questionamentos
por meio do documento nº 18641934.
A Defensoria Pública do Estado de Pernambuco, enfrentou todos os
questionamentos através dos seus memoriais (ID 20062131).
Por fim, a Procuradoria de Justiça em seu parecer (ID 20057982), manifesta-
se sobre as questões adjacentes da seguinte forma:
“(...) Na hipótese de discordância dessa E. Corte quanto a existência de óbice
constitucional ao cômputo em dobro do tempo de recolhimento dos presos no
Complexo do Curado, no âmbito do direito interno, entendemos que o instituto
configura verdadeira comutação da pena, concordando, destarte, com os
fundamentos apontados pelo suscitante.
Por sua vez, o CNJ apresenta três possibilidades para a classificação do instituto ou
sua aplicação analógica: a primeira é considerar a contagem em dobro como
uma espécie autônoma de mecanismo de aceleração do cumprimento da pena
privativa de liberdade em condições ilícitas, desumanas e degradantes. A segunda
seria aplicá-la como modalidade qualitativa de detração penal. E a terceira seria
como vem sendo aplicada pelos magistrados e magistradas da execução penal do
Estado do Rio de Janeiro, isto é, utilizando-se de técnica analógica àquela que é
usada ao instituto da remissão.
Quanto à técnica de aplicação da compensação penal nos casos que demandam a
unificação das penas, destacamos a dificuldade apontada pelos Juízos consultados,
quanto à utilização da ferramenta de cálculo do SEEU – Sistema Eletrônico de
Execução Unificado para aplicação do instituto. Nesse ponto, caso se conclua por
sua utilização, OPINAMOS pela solicitação de cooperação técnica ao Conselho

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Nacional de Justiça para sua implementação, e não sua aplicação direta pelos
juízes de execução”.

IV.I – Quanto à questão adjacente sobre a natureza jurídica do cômputo em dobro do


tempo de prisão e as premissas para concessão como hipótese de comutação da pena.

No que se refere à questão adjacente inserida no questionamento: “Item a)


qual a natureza jurídica do cômputo em dobro do tempo de prisão?” e “Item d) se for de
aplicação imediata pela Justiça Estadual, quais as premissas para concessão da
comutação da pena (perdão parcial), em especial no que concerne ao reconhecimento ou
não de violação à Súmula Vinculante nº 56?”, teço as considerações a seguir.
Após sopesar os argumentos apresentados, bem como a experiência
aplicada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no cumprimento da mesma
medida provisória, data vênia aos entendimentos contrários, entendo que a compensação
penal determinada pela Corte Interamericana deve ser aplicada no direito interno,
analogicamente, como forma de remição sui generis, dentro das premissas constantes
nos Considerandos 115 a 130 da Resolução da Corte Interamericana de Direitos
Humanos.
Com efeito, ao se manifestar sobre as situações gravíssimas apuradas no
Complexo do Curado, dentre elas as ilicitudes na execução da pena pelas condições
degradantes de superlotação, a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabelece
que “o tempo de pena ou de medida preventiva ilícita realmente sofrida” seja “computado
à razão de dois dias de pena lícita por dia de efetiva privação de liberdade em condições
degradantes”.
A contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades prisionais que
integram o Complexo do Curado se deu frente ao grau aproximado de 200% de lotação
no referido complexo Penitenciário, que, seguindo a Corte Internacional, desencadeou
uma dupla “inflicção antijurídica eivada de dor da pena que se está executando”
justificando, portanto, a razão estabelecida de dois dias computados para cada um, em
virtude do que foi denominado como uma “execução ilícita”.
A Corte Interamericana enfatiza, ainda, que o chamado "excedente
antijurídico” deve ser compreendido juridicamente como tempo efetivo de cumprimento
de prisão, o que abre caminho para três possibilidades de aplicação interna da referida
contagem, quais sejam: I) considerar a contagem em dobro como uma espécie
autônoma de mecanismo de aceleração do cumprimento da pena privativa de liberdade

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em condições ilícitas, desumanas e degradantes. II) aplicá-la, analogicamente, como
modalidade qualitativa de detração penal (art. 42 do Código Penal c/c o art. 66, III, “c”,
da Lei de Execução Penal); e III) aplicá-la, analogicamente, como forma de remição sui
generis (art. 126, da Lei de Execução Penal).
Notadamente, os institutos da comutação de pena e do indulto não figuram
como opções viáveis para o implemento da referida compensação penal por
apresentarem empecilhos de cunho finalístico e operacional inadmissíveis para o
cumprimento da sentença internacional em seu exercício de convencionalidade com o
direito interno, já que tanto o indulto quanto a comutação da pena caracterizam-se como
um perdão total ou parcial da pena (empecilho finalístico) que está intimamente
relacionado ao poder discricionário do chefe de Estado (empecilho operacional), não
se fundamentando, portanto, numa perspectiva de compensação derivada de violação de
direitos ocorrida no contexto de pena abusiva e ilícita.
Como bem pontuou a Defensoria Pública em sua manifestação (ID
20062131): “contrariamente à lógica do perdão, o cômputo em dobro considera que a
pena foi efetivamente cumprida e não diminuída”, sendo certo que considerar o cômputo
em dobro como indulto ou comutação de pena retira da medida provisória emanada da
Corte Interamericana “sua natureza de resposta a violações de direitos, não mais a
tratando como pena efetivamente cumprida - como estabelecido pela Corte - e passando-
a a tratar como um perdão, que em nada está relacionado à violação de direitos das
pessoas privadas de liberdade pelo Estado brasileiro”.
Após refletir sobre os argumentos apresentados nesse incidente, acredito
veementemente que o melhor caminho – finalístico e operacional – para a aplicação da
compensação penal imposta no direito interno é reconhecê-la como forma de remição
sui generis, pelas seguintes razões.
Na perspectiva finalística, a Lei de Execuções Penais dispõe em seu art. 128
que “o tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos”, o que
denota a sua compatibilidade finalística entre a recomendação da Corte Interamericana
com o direito interno, já que a decisão internacional estabelece que o cômputo em dobro
deve ser interpretado como pena efetivamente cumprida. Além disso, como bem
ponderou o Programa de Pós Graduação da UFPE (ID 18641934): “há uma verdadeira
compatibilidade ontológica entre ambos institutos jurídicos. Como é pacífico na
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a remição deve ser interpretada e aplicada
em total acordo com sua finalidade teleológica, isto é, visando à recuperação da
dignidade, à reeducação e à reintegração do condenado”.
Ademais, a jurisprudência superior tem admitido o uso da analogia in bonam
partem e interpretação extensiva no tocante à inclusão de outras atividades para fins de

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remição de pena, o que reforça o entendimento de que o rol apresentado pela Lei de
Execução penal não é taxativo. É o que se percebe, por exemplo, no recente julgamento
do Habeas Corpus 663678/SP, apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, em maio de
2021, ocasião em que estabeleceu a possibilidade de remição por tempo de leitura; bem
como no julgamento do REsp 1.666.6379, em que o Superior Tribunal de Justiça admitiu a
remição da pena em decorrência do envolvimento do condenado com as atividades
artísticas de um Coral.
Registre-se, ainda, que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
dando cumprimento à mesma medida provisória internacional que determinou a contagem
em dobro do tempo de prisão das unidades prisionais do Complexo Curado, vem
realizando a mencionada compensação penal como forma de remição, formando,
portanto, precedente específico sobre a matéria debatida.
Por essas razões, proponho a fixação da seguinte tese para as questões
adjacentes inseridas nos questionamentos ministerial: “Item a) qual a natureza jurídica do
cômputo em dobro do tempo de prisão?” e “Item d) se for de aplicação imediata pela
Justiça Estadual, quais as premissas para concessão da comutação da pena (perdão
parcial), em especial no que concerne ao reconhecimento ou não de violação à Súmula
Vinculante nº 56?”:
SEGUNDA TESE JURÍDICA: A contagem em dobro do tempo de prisão
nas unidades prisionais do Complexo do Curado é compatível finalisticamente com
o instituto da remição, por aplicação analógica dos arts. 126 e seguintes da Lei de
Execução Penal, devendo ser aplicada, imediatamente, de acordo com as premissas
constantes nos Considerandos 115 a 130 da Resolução da Corte Interamericana de
Direitos Humanos.

IV.II – Quanto à questão adjacente sobre a aplicação da compensação penal aos crimes
hediondos ou equiparados e a necessidade de prévio estudo psicossocial.

No que se refere à questão adjacente inserida nos questionamentos: “Item b)


em relação aos crimes hediondos ou equiparados, a medida provisória emanada da CDIH
é constitucional?” e “Item e) sendo a medida constitucional e aplicável aos crimes
hediondos ou equiparados, é necessário prévio estudo psicossocial (exame
criminológico)?”.
Após refletir sobre os argumentos expostos pelos atores processuais, como
também na esteira do entendimento jurisprudencial de que o Estado não pode invocar

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obstáculos internos (como exigência de leis ou decretos presidenciais) para justificar o
descumprimento de uma obrigação internacional, entendo que a contagem em dobro do
tempo de prisão nas unidades prisionais do Complexo do Curado como forma de remição
sui generis é aplicável aos presos por crimes hediondos e equiparados, sendo exigido o
exame criminológico apenas aos condenados por crimes contra a vida ou a integridade
física, ou de crimes sexuais, nos termos dos Considerando 132 da Resolução da Corte
Interamericana de Direitos Humanos.
Especificamente sobre a constitucionalidade da aplicação da compensação
penal aos crimes hediondos, tal tema já foi enfrentado dentro da questão nuclear desse
incidente, ocasião em que se concluiu que não há qualquer ofensa a vedação
constitucional contida art. 5º, XLV, da CF/88.
Da mesma forma, o tema também encontra-se superado pela conclusão
alcançada na questão adjacente sobre a natureza jurídica do cômputo em dobro da pena,
oportunidade em que se firmou a tese jurídica de que a referida contagem seria
internalizada como forma de remição sui geniris, instituto compatível e aplicável aos
crimes hediondos e equiparados.
Quanto à necessidade de exame criminológico para a realização da
compensação penal determinada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, extrai-
se da medida provisória imposta que os critérios para aplicação imediata do benefício
foram delineados da seguinte forma: 1) Regra geral: aplicação do cômputo em dobro
para cada dia de pena vivenciada em condições degradantes no complexo (Ponto
Resolutivo 6); e 2) Regra específica: os condenados por crimes contra a vida, integridade
física e crimes sexuais deverão se submeter a realização de laudo pericial para aferição
da fração de compensação a ser aplicada (Ponto Resolutivo 7 e 8).
A regra específica em questão, está amparada no item 132 da Resolução
internacional, a qual prevê a possibilidade de aplicação da fração de compensação
reduzida, quando constatado, por laudo pericial, a existência de perfil de agressividade
significativo, in verbis:
‘‘Por conseguinte, a Corte entende que a redução do tempo de prisão
compensatória da execução antijurídica, conforme o cômputo antes mencionado,
para a população penal do Complexo de Curado em geral, no caso de acusados de
crimes contra a vida e a integridade física, ou de natureza sexual, ou por eles
condenados, deverá se sujeitar, em cada caso, a um exame ou perícia técnica
criminológica que indique, segundo o prognóstico de conduta que resulte e, em
particular, com base em indicadores de agressividade da pessoa, se cabe a redução
do tempo real de privação de liberdade, na forma citada de 50%, se isso não é
aconselhável, em virtude de um prognóstico de conduta totalmente negativo, ou se
se deve abreviar em medida inferior a 50%”.

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Desse modo, deve se dar efetividade ao entendimento jurisprudencial de que
o Estado não pode invocar obstáculos internos (como exigência de leis ou decretos
presidenciais) para justificar o descumprimento de uma obrigação internacional, sobretudo
àquelas oriundas de jurisdição voluntária, como é o caso das decisões emanadas pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos (art. 1º, Decreto nº 4463/2002), e, por isso,
não cabe a esta Corte criar novas hipóteses condicionantes à realização do exame
criminológico para além daqueles constantes na medida provisória internacional.
Vale frisar, que, além da compensação penal, a Corte Interamericana realça a
possibilidade de concessão de outros benefícios baseados na súmula vinculante 56 do STF,
como também existe a possibilidade de se acrescentar as medidas de desencarceramento que
emanam da Recomendação nº 62 do CNJ, adotada diante da pandemia do coronavírus. Além
disso, a Unidade de Monitoramento do CNJ destacou a as ações desenvolvidas no âmbito do
programa Fazendo Justiça (como a “Central de Vagas”), aderida recentemente pelo Estado do
Maranhão, que também possui a medida provisória pendente no caso do Complexo Penitenciário
São Luís (Antiga Pedrinhas).

Por todo o exposto, proponho a fixação da seguinte tese para as questões


adjacentes inseridas nos questionamentos ministerial: “Item b) em relação aos crimes
hediondos ou equiparados, a medida provisória emanada da CDIH é constitucional?” e “
Item e) sendo a medida constitucional e aplicável aos crimes hediondos ou equiparados, é
necessário prévio estudo psicossocial (exame criminológico)?”:
TERCEIRA TESE JURÍDICA: O cômputo em dobro do tempo de prisão
nas unidades prisionais do Complexo do Curado como forma de remição sui
generis é aplicável aos presos por crimes hediondos e equiparados, sendo exigido
o exame criminológico apenas aos condenados por crimes contra a vida ou a
integridade física, ou de crimes sexuais, nos termos do Considerando 132 da
Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

IV.III – Quanto ao marco inicial da compensação penal e sua aplicação em penas


unificadas decorrentes de mais de um processo

No que se refere à questão adjacente inserida nos questionamentos: “se


aplicável, a partir de quando deve se considerar em dobro o tempo de prisão no
Complexo do Curado?” e “se aplicável, no caso de penas unificadas decorrentes de mais
de um processo, é necessário destacar cada uma delas para realizar o cálculo
separadamente e depois reunificar para evitar a denominada “poupança de tempo de
prisão?”.

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Após refletir sobre os argumentos expostos pelos atores processuais, bem
como na modulação dos efeitos firmada pela jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, entendo que o marco inicial da contagem em dobro do tempo de prisão se dá a
partir da data do ingresso da pessoa privada de liberdade nas unidades prisionais do
Complexo do Curado, sendo aplicável a regra do art. 111 da Lei de Execução Penal para
o cálculo da remição sui geniris.
Com efeito, embora houvesse alguns entendimentos no sentido de que a
medida provisória somente seria aplicada as hipóteses surgidas após a notificação do
Brasil pela Corte Interamericana, a questão foi resolvida através de decisão colegiada da
5ª Turma do STJ, que, no julgamento do Habeas Corpus 136.961/RJ, determinou que a
Justiça Estadual do Rio de Janeiro procedesse com o cômputo em dobro de todo o
período em que o paciente cumpriu pena no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, o
qual envolvia período anterior à Resolução internacional (09 de julho de 2017 a 24 de
maio de 2019), vejamos:
“AGRAVO REGIMENTAL. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. LEGITIMIDADE.
IPPSC (RIO DE JANEIRO). RESOLUÇÃO CORTE IDH 22/11/2018. PRESO EM
CONDIÇÕES DEGRADANTES. CÔMPUTO EM DOBRO DO PERÍODO DE
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE. OBRIGAÇÃO DO ESTADO-PARTE. SENTENÇA DA
CORTE. MEDIDA DE URGÊNCIA. EFICÁCIA TEMPORAL. EFETIVIDADE DOS
DIREITOS HUMANOS. PRINCÍPIO PRO PERSONAE. CONTROLE DE
CONVENCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO INDIVÍDUO,
EM SEDE DE APLICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM ÂMBITO
INTERNACIONAL (PRINCÍPIO DA FRATERNIDADE - DESDOBRAMENTO).
SÚMULA 182 STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
1. (...).
5. Não se mostra possível que a determinação de cômputo em dobro tenha seus
efeitos modulados como se o recorrente tivesse cumprido parte da pena em
condições aceitáveis até a notificação e a partir de então tal estado de fato tivesse
se modificado. Em realidade, o substrato fático que deu origem ao reconhecimento
da situação degradante já perdurara anteriormente, até para que pudesse ser objeto
de reconhecimento, devendo, por tal razão, incidir sobre todo o período de
cumprimento da pena.
6. Por princípio interpretativo das convenções sobre direitos humanos, o Estado-
parte da CIDH pode ampliar a proteção dos direitos humanos, por meio do princípio
pro personae, interpretando a sentença da Corte IDH da maneira mais favorável
possível aquele que vê seus direitos violados. (...)
11. Negativa de provimento ao agravo regimental interposto, mantendo, por
consequência, a decisão que, dando provimento ao recurso ordinário em habeas
corpus, determinou o cômputo em dobro de todo o período em que o paciente
cumpriu pena no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, de 09 de julho de 2017 a
24 de maio de 2019”. (STJ, Ag no RHC 136.961/RJ, Rel. Ministro REYNALDO
SOARES DA FONSECA, 5ª Turma, DJe 21.06.2021).

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Percebe-se, facilmente, que o colegiado superior ampliou a proteção dos
direitos humanos na espécie, utilizando-se do princípio pro personae para interpretar a
sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos de forma a abarcar o período de
encarceramento anterior a notificação da Resolução, sob a premissa lógica que a situação
gravíssima no cumprimento da pena já existia antes do monitoramento realizado pela
Comissão Internacional.
No que se refere ao marco final da compensação penal, a Unidade de
Monitoramento do CNJ explica de forma elucidativa o trâmite procedimental para o
encerramento dos efeitos da medida provisória internacional, senão vejamos:
“Em relação ao marco final da contagem, ainda não há decisão sobre o ponto no
âmbito dos tribunais superiores. A resolução da Corte IDH também não esclarece de
forma derradeira sobre a questão.44 Para garantir a segurança jurídica, o mais
adequado seria considerar o marco final como a data em que houver o
levantamento das referidas medidas, com o cumprimento e apresentação dos
resultados esperados conforme determinado nos pontos resolutivos da decisão.
Assim, caso a aplicação dos benefícios (aliados com as demais medidas oriundas
do plano de contingência) logrem êxito no controle do limite da capacidade do
estabelecimento, o CNJ se prontifica a informar imediatamente ao Ministério da
Família, Mulher e Direitos Humanos (Poder Executivo Federal), que presenta a
República Federativa do Brasil perante a Corte IDH (em articulação conjunta com o
MRE e a AGU). Em adição, se disponibiliza a informar a situação ao tribunal
internacional, diante de sua recente atuação como fonte independente de
informação. Em análise às medidas provisórias anteriores em relação ao Brasil que
já foram levantadas, observa-se que o diálogo, articulação e a adoção de
providências concretas pelos atores envolvidos são o caminho para que se possa
alcançar tal meta”.

Por fim, no que tange a forma de aplicação da compensação penal nos casos
de unificação da pena decorrentes de mais de um processo, após a definição da referida
compensação como forma de remição sui generis nos critérios e requisitos definidos pelo
Item 132 da Resolução Internacional, deve ser aplicada para a internalização da decisão
internacional a técnica jurídica disposta no art. 111 da Lei de Execução Penal, a qual
dispõe: “Quando houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou em
processos distintos, a determinação do regime de cumprimento será feita pelo resultado
da soma ou unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou remição”.
Sendo assim, por se tratar de mecanismo para aceleração do cumprimento
de pena aplicado analogicamente como forma de remição, é razoável considerar que,
após a unificação, será descontado o tempo de compensação penal, conforme operação
matemática que já é comumente adotada para o cálculo da remição.
Por tudo isso aquilatado, proponho a fixação da seguinte tese para as
questões adjacentes inseridas nos questionamentos ministerial: “Item f) se aplicável, a

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partir de quando deve se considerar em dobro o tempo de prisão no Complexo do
Curado?” e “Item g) se aplicável, no caso de penas unificadas decorrentes de mais de um
processo, é necessário destacar cada uma delas para realizar o cálculo separadamente e
depois reunificar para evitar a denominada “poupança de tempo de prisão?”:
QUARTA TESE JURÍDICA: O marco inicial da contagem em dobro do
tempo de prisão se dá a partir da data do ingresso da pessoa privada de liberdade
nas unidades prisionais do Complexo do Curado, sendo aplicável a regra do art. 111
da Lei de Execução Penal para o cálculo da remição sui geniris.

V – Julgamento das questões jurídicas

Em face dos fundamentos jurídicos apresentados, voto pelo acolhimento


integral das teses jurídicas propostas, as quais servirão para uniformização da matéria
em debate.

Recife, data da assinatura digital.

Des. Cláudio Jean Nogueira Virgínio

Relator

VOTO VISTA

PRELIMINAR DE OFÍCIO – NECESSIDADE DE OUVIDA DO


ESTADO DE PERNAMBUCO

Conforme relatado pelo eminente Desembargador Cláudio Jean


Nogueira Virgínio, o Ministério Público suscitou o presente Incidente de Resolução

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de Demandas Repetitivas com o objetivo de uniformizar a jurisprudência do TJPE
acerca de como aplicar (ou não aplicar) a Resolução editada em 28/11/2018 pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH (cópia da Resolução no
doc. ID 16098443), a qual determinou a contagem em dobro do tempo de prisão
suportado pelos detentos no chamado Complexo Penitenciário do Curado (antigo
Presídio Aníbal Bruno), que é composto das 3 (três) seguintes unidades
carcerárias: 1) Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB); 2) Presídio
Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA); e 3) Presídio Frei Damião de Bozzano
(PFDB).

A Corte IDH descreve a situação degradante experimentada no seio do


aludido complexo prisional, e que a levou a editar a citada Resolução. Aponta, por
exemplo: 1) a falta de escolta para a condução de presos às unidades de saúde
(item 25); 2) a redução do fornecimento de medicamentos a eles necessários (item
28); 3) a facilidade do ingresso de instrumentos bélicos no local (item 48); 4) a
presença de “chaveiros” comercializando armas e substâncias entorpecentes (item
49); 5) o número de agentes penitenciários (hoje “policiais penais”) muito inferior ao
mínimo exigido (item 56); 6) a construção – irregular, é claro – de “barracas”, sendo
estas comercializadas pelos presos (item 76); 7) a superlotação dos dormitórios,
inclusive com pessoas tendo que se acomodar no chão, de cimento (item 82) etc.

Pois bem.

Com efeito, a Corte põe em questão, como um dos fatores para as


situações por ela constatadas, “a gestão das unidades que compõem o Complexo”
(item 9), gestão essa que, como se sabe, está a cargo do Governo do Estado de
Pernambuco, mais precisamente da sua Secretaria Executiva de Ressocialização –
SERES.

Por esse motivo, é evidente o interesse do Estado de Pernambuco na


solução do caso, inclusive porque muitas das determinações emanadas pela Corte

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IDH consistem em medidas a ser diretamente por ele implementadas. Confira-se
(doc. ID 16098443, pp. 37-38):

“A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,


no exercício das atribuições que a ela conferem o artigo 63.2 da
Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo
instrumento, e o artigo 27 de seu Regulamento,

RESOLVE:

1. Requerer ao Estado que adote imediatamente todas as medidas


que sejam necessárias para proteger eficazmente a vida, a saúde e a
integridade pessoal de todas as pessoas privadas de liberdade no
Complexo de Curado bem como de qualquer pessoa que se encontre
nesse estabelecimento, inclusive os agentes penitenciários, os
funcionários e os visitantes. Solicitar também que ponha em execução
imediatamente o Diagnóstico Técnico e o Plano de Contingência, de
acordo com o exposto nos Considerandos 8 a 13 da presente
resolução.

2. Requerer ao Estado que garanta o efetivo respeito à vida e à


integridade pessoal das defensoras Wilma Melo e Guacira Rodrigues.

3. Requerer ao Estado que mantenha os Representantes informados


sobre as medidas adotadas para cumprir as medidas provisórias
ordenadas e que lhes garanta o acesso amplo e irrestrito ao Complexo
de Curado, com o exclusivo propósito de acompanhar e documentar,
de maneira fidedigna, a implementação das presentes medidas.
(...)
7. O Estado deverá organizar, no prazo de quatro meses a partir da
presente decisão, uma equipe criminológica de profissionais, em
especial psicólogos e assistentes sociais, sem prejuízo de outros, que,
em pareceres assinados pelo menos por três deles, avalie o
prognóstico de conduta, com base em indicadores de agressividade
dos presos alojados no Complexo de Curado, acusados de crimes
contra a vida e a integridade física, ou de crimes sexuais, ou por eles
condenados. Segundo o resultado alcançado em cada caso, a equipe
criminológica, ou pelo menos três de seus profissionais, conforme o
prognóstico de conduta a que tenha chegado, aconselhará a

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conveniência ou inconveniência do cômputo em dobro do tempo de
privação de liberdade ou, então, sua redução em menor medida.

8. O Estado deverá dotar a equipe criminológica do número de


profissionais e da infraestrutura necessária para que seu trabalho
possa ser realizado no prazo de oito meses a partir de seu início.

9. Requerer ao Estado que continue informando a Corte


Interamericana de Direitos Humanos, a cada três meses, contados a
partir da notificação da presente resolução, sobre a implementação
das medidas provisórias adotadas em conformidade com esta
decisão, e sobre seus efeitos, referindo-se, em especial, às perguntas
discriminadas no Considerando 164 da presente resolução”.

O que se observa, no entanto, do compulsar dos autos, é que o Estado


de Pernambuco ainda não foi ouvido, neste IRDR, a respeito da matéria ora em
debate.

Ora: essa oitiva é, in casu, fundamental, nos termos do art. 983 do


Código de Processo Civil, pelo interesse público na solução do problema, pelo
conhecimento do Estado sobre o assunto e, é claro, por ser exatamente ele o
responsável pela administração do sistema penitenciário.

Aliás, o CPC dispõe, sobre o procedimento do IRDR:

Art. 983. O relator ouvirá as partes e os demais interessados,


inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia,
que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada
de documentos, bem como as diligências necessárias para a
elucidação da questão de direito controvertida, e, em seguida,
manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.
§ 1º Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em
audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e
conhecimento na matéria.
§ 2º Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o

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julgamento do incidente.

Frise-se que o Estado de Pernambuco, ao prestar as suas


informações, poderá trazer elementos essenciais ao julgamento desta Seção,
a saber: i) o número de presos que estão cumprindo pena em regime fechado
por crimes hediondos ou equiparados, bem como os que não estão nessas
categorias; ii): o número de presos provisórios; iii) quais as medidas que
foram adotadas sobre os questionamentos da Resolução da Corte IDH, isto é,
deve se manifestar acerca das atuais condições dos presídios, inclusive
apontando possíveis providências que foram ou que serão implementadas
naquele Complexo do Curado, além de se pronunciar sobre a sugerida
inconstitucionalidade suscitada pelo MPPE.

O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas foi inserido na


legislação processual justamente para permitir a pluralidade de debates,
extremamente necessária frente à relevância do tema ora discutido, cuja
decisão terá, logicamente, uma forte repercussão social. Assim, a ampliação e
a qualificação do contraditório, com a participação do Estado de Pernambuco,
é uma medida que deve, com certeza, ser aqui garantida.

Transcreva-se, a propósito, este julgado do Superior Tribunal de Justiça,


sobre a natureza desta modalidade de incidente:

PROCESSUAL CIVIL – INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE


DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR – REQUISITO – EXISTÊNCIA DE
PROCESSO EM TRÂMITE – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DO
INCIDENTE – INVIABILIDADE – VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO
CPC/2015 – INEXISTÊNCIA. (...) VII – Inserido no microssistema de
formação concentrada de precedente obrigatório (arts. 489, § 1º, 984,
§ 2°, e 1.038, § 3°, CPC/2015), o IRDR extrai sua legitimidade jurídica
não apenas de simples previsão legal. Afastando-se de um mero
processo de partes (destinado à decisão de um conflito singular),
ostenta natureza de processo objetivo, em que legitimados adequados
previstos em lei requerem a instauração de incidente cuja função

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precípua é permitir um ambiente de pluralização do debate, em que
sejam isonomicamente enfrentados todos os argumentos contrários e
favoráveis à tese jurídica discutida; bem como seja ampliado e
qualificado o contraditório, com possibilidade de audiências públicas e
participação de amicus curiae (arts. 138, 927, § 2º, 983, 1.038, I e II,
todos do CPC/2015). (...) X – Agravo conhecido para conhecer
parcialmente do recurso e, nessa parte, negar-lhe provimento. (STJ –
AREsp 1.470.017/SP – 2ª Turma – Rel. Min. Francisco Falcão – Julg.
15/10/2019).

Deve, portanto, o Estado de Pernambuco ser ouvido na qualidade de


terceiro interveniente com interesse no deslinde da causa.

Assim sendo, voto no sentido de SUSCITAR, ex officio, neste momento,


a preliminar para converter o julgamento do feito em diligência, procedendo-se
à intimação de Sua Excelência o Governador do Estado de Pernambuco para que
este, através da Procuradoria Geral do Estado, se manifeste, no prazo de 15
(quinze) dias, a respeito da matéria objeto do presente incidente, nos termos do art.
983 do CPC.

VOTO-VISTA

MÉRITO

EXAME DA ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE SUGERIDA PELO MPPE

Prosseguindo na análise do Incidente, faz-se necessário discorrer


acerca de outra questão de extrema relevância, a ser observada por este Órgão

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julgador fracionário.

O Ministério Público, tanto na petição inicial do presente IRDR (docs. ID


16098439, 16098440, 16098441 e 16098442) quanto no seu parecer, apresentado
no doc. ID 20057986, expôs o seu entendimento pela “inconstitucionalidade da
Resolução da Corte IDH”. Nesse sentido, observe-se a seguinte argumentação do
MP (doc. ID 16098440, p. 05):

“(...) a concretização da medida provisória da CIDH depende de


introdução no ordenamento interno, competência da União. A
recomendação da Corte Internacional não é, portanto, executável
pelos juízes locais, sem prévia promulgação de lei ou decreto
presidencial. E isto se deve ao texto da própria Convenção
Internacional, teleologicamente construído para evitar decisões
conflitantes e ofensas à soberania, à isonomia e aos outros preceitos
fundamentais abrigados na Carta Magna.

A Resolução da CIDH tem natureza de comutação de pena ou indulto


parcial. Com efeito, na prática, a Corte recomendou perdoar parcela
das penas, considerando em dobro o tempo de custódia nas unidades
prisionais do Complexo do Curado. Pouca importa o nomen iuris que
se adote em relação à medida provisória. Os efeitos e a essência são
os da comutação da pena, por essa razão, como tal deve ser tratada.

É da Constituição Federal o seguinte dispositivo, em tese violado


pelas decisões da 1ª Vara Regional das Execuções Penais:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


(...)
XII – conceder indulto e comutar penas, com audiência, se
necessário, dos órgãos instituídos em lei;
(...)
Noutras palavras, quando a Constituição Federal estabeleceu as
competências na repartição dos Poderes da República, firmou que
cabe privativamente ao Presidente da República a concessão de
indulto ou a comutação de penas. Esta última figura é tratada pela
doutrina como indulto parcial.

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De fato, foi exatamente o que deliberou a CIDH. Aprovou ou
recomendou uma espécie de perdão parcial das penas como forma de
compensar o que considerou excesso injusto decorrente de condições
inadequadas ao cárcere.

Vale ressaltar que o debate não pretende discutir se a Resolução é


justa ou injusta. A questão tratada na presente ação refere-se,
primordialmente, à via processual eleita pela Defensoria Pública e
trilhada pelo Juízo da 1ª Vara das Execuções Penais e, na sequência,
a constitucionalidade da deliberação em relação aos crimes hediondos
ou equiparados.”

Já no seu parecer, o Fiscal do Ordenamento Jurídico ressaltou, ainda


mais diretamente:

“(...) entendemos que o conteúdo decisório prolatado não se


harmoniza com os princípios constitucionais da isonomia e da
coisa julgada, viola a proibição constituicional de normas
despenalizadoras para determinados crimes, bem assim fere a
competência privativa do Presidente da República para editar
normas que impliquem em indulto ou comutação, razão pela qual
há um óbice constitucional para a efetiva aplicação do cômputo
imposto. Senão, vejamos.

Em primeiro lugar, ocorre a violação ao princípio da igualdade,


pois a Resolução é clara ao determinar sua aplicação aos presos
recolhidos no Complexo do Curado, criando, destarte, distinção
entre reeducandos, baseada, exclusivamente, no local de seu
recolhimento, em detrimento daqueles que se encontram
cumprindo pena em outro estabelecimento prisional, ainda que
igualmente em situação de superlotação. Não houve uma
fiscalização efetiva de todos os estabelecimentos prisionais do
Brasil, para listá-los de forma isonômica, assim, estar-se-ia
criando um mecanismo de diferenciação de cumprimento de
penas, fazendo com que os detentos de outros estabelecimento
cumpram sua sanção normalmente e o reclusos do Complexo do
Curado obtenham o benefício inominado de uma medida
despenalizadora de metade de sua pena.

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Além disso, impõe sua aplicação, indistintamente, a todos
aqueles recolhidos no Complexo do Curado, ainda que presos ou
apenados pela prática de crimes hediondos. A exceção se dá
apenas em relação a presos por crimes contra a vida e a
integridade física, ou de natureza sexual, em relação a estes,
seria possível o cômputo da pena em razão inferior aos 50%
(cinquenta por cento) a ser deferido aos demais.

Nesse ponto, entendemos que a decisão prolatada violou o


disposto no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal
Brasileira que tornou a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como crimes
hediondos inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia. Se a
Constituição Federal veda a esses crimes essas medidas
penalizadoras, não pode uma Corte estrangeira aplicar benesses
semelhantes a essas, ainda que com outra denominação, pois
terá o mesmo efeito: o perdão após o cumprimento de parte da
pena.

Há também que se considerar a violação ao princípio da coisa


julgada, insculpido no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição
Federal, haja vista o ataque a sentenças penais condenatórias,
desconsiderando a atuação do juiz brasileiro que editou o ato
sentencial condenatório, após observar o princípio da
individualização da pena, aplicando o quantum necessário para o
cumprimento da reprimenda criminal.

Ainda, considerando que o instituto criado pela Resolução CIDH


de 28 de novembro de 2018 também se assemelha à comutação
ou ao indulto, verificase que se traduz novamente como
inconstitucional, posto que o art. 84, XII da Constituição Federal
atribui competência privativa do Presidente da República a
concessão de tal benefício.

Por tais razões, OPINAMOS pela impossibilidade de aplicação da


contagem em dobro do tempo de recolhimento de presos no
Complexo de Curado, em face das inconstitucionalidades
apontadas.”

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Pelo visto, o Ministério Público traz a debate uma inconstitucionalidade
incidental para que esta Seção Criminal delibere a esse respeito, nos termos do art.
983 do CPC.

No ponto, foi ouvido o Conselho Nacional de Justiça, (ID 18529723),


que assim se expressou:

“O Conselho Nacional de Justiça tem orientado a sua atuação,


em fiel cumprimento ao mandato de monitoramento, a partir do
pressuposto de que as medidas provisórias da Corte
Interamericana de Direitos Humanos são constitucionais e
obrigatórias. Especificamente sobre a constitucionalidade da
aplicação da compensação penal em relação aos crimes
hediondos ou equiparados, é importante notar que nem a
Constituição, nem a Lei de Crimes Hediondos trazem vedação
expressa nesse sentido. Desta forma, não há óbice à aplicação
do instituto.”

Registre-se, também, que o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a


aplicação da Resolução da Corte, não declarou de forma incidental qualquer
inconstitucionalidade inserida no texto, especialmente quando da decisão proferida
no AgRg no RHC n. 136.961/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca,
Quinta Turma, julgado em 15/6/2021, DJe de 21/6/2021.

Consequentemente, tenho como constitucional a Resolução de


28/11/2018 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, deixando de acolher, no
ponto, os argumentos do Ministério Público.

EXAME QUANTO AO MÉRITO DO PRESENTE IRDR

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Contextualizando o caso mais uma vez, no intuito de rememorar as
questões de extrema importância em debate neste momento, afirme-se que o
Ministério Público do Estado de Pernambuco instaurou o presente Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas com o objetivo de uniformizar a jurisprudência
do TJPE acerca de como aplicar (ou não aplicar) a Resolução editada em
28/11/2018 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH (cópia da
Resolução no doc. ID 16098443), a qual determinou a contagem em dobro do
tempo de encarceramento cumprido pelos presos no chamado Complexo
Penitenciário do Curado (antigo Presídio Aníbal Bruno).

Na sua exordial (docs. ID 16098439, 16098440, 16098441 e 16098442


), o MP, na fundamentação desenvolvida, sugere que não seja aplicada a
contagem em dobro determinada pela resolução da Corte IDH. Em resumo, o
órgão ministerial disse:

“(...) a concretização da medida provisória da CIDH depende de


introdução no ordenamento interno, competência da União. A
recomendação da Corte Internacional não é, portanto, executável
pelos juízes locais, sem prévia promulgação de lei ou decreto
presidencial. E isto se deve ao texto da própria Convenção
Internacional, teleologicamente construído para evitar decisões
conflitantes e ofensas à soberania, à isonomia e aos outros
preceitos fundamentais abrigados na Carta Magna”.

Destaca-se ainda do trecho da petição inicial que esta Seção Criminal


deve se pronunciar acerca de duas linhas sucessivas de entendimento: a primeira
refere-se à possibilidade (ou não) da imediata aplicação da contagem em dobro,
independentemente de arbitragem ou regulamentação pela União; e a segunda,
caso se decida pela aplicação imediata da Resolução da Corte IDH, diz respeito à
correta identificação do instituto a ser aplicado, pela delimitação de sua natureza
jurídica e dos requisitos legais inerentes à matéria de execução penal. Essas duas
linhas se manifestam por meio das seguintes questões formuladas pelo Ministério
Público na petição inicial:

“a) qual a natureza jurídica do cômputo em dobro do tempo de prisão?

b) em relação aos crimes hediondos ou equiparados, a medida

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provisória emanada da CDIH é constitucional?

c) a referida medida provisória é exequível independentemente de


arbitragem ou regulamentação pela União (lei ou decreto
presidencial)?

d) se for de aplicação imediata pela Justiça Estadual, quais as


premissas para concessão da comutação da pena (perdão parcial),
em especial no que concerne ao reconhecimento ou não de violação à
Súmula Vinculante nº 56?

e) sendo a medida constitucional e aplicável aos crimes hediondos ou


equiparados, é necessário prévio estudo psicossocial (exame
criminológico)?

f) se aplicável, a partir de quando deve se considerar em dobro o


tempo de prisão no Complexo do Curado?

g) se aplicável, no caso de penas unificadas decorrentes de mais de


um processo, é necessário destacar cada uma delas para realizar o
cálculo separadamente e depois reunificar para evitar a denominada
“poupança de tempo de prisão?”

O Programa de Extensão Acesso ao Sistema Interamericano de


Proteção aos Direitos Humanos – aSIDH, da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), apresentou memoriais, na qualidade de amicus curiae (doc. ID 18641934).

A Defensoria Pública do Estado de Pernambuco também ofereceu a sua


petição, no doc. ID 20062131.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou por meio do parecer doc. ID


20057986, “pela impossibilidade de aplicação da contagem em dobro do tempo de
recolhimento de presos no Complexo de Curado, em face de sua
inconstitucionalidade e, caso não seja esse o entendimento dessa Corte, que o
instituto seja classificado, no âmbito do direito interno, como comutação da pena e

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que, para a utilização da ferramenta de cálculo do SEEU, seja solicitada
cooperação técnica ao Conselho Nacional de Justiça”.

O eminente Desembargador Cláudio Jean Nogueira Virgínio lançou


relatório nos autos (doc. ID 20319053), determinando a inclusão do feito em pauta
para julgamento.

Na sessão do dia 02/05/2022, quando o IRDR foi posto para a


discussão colegiada pelos Nobres Pares, eu resolvi solicitar vista dos autos, a fim
de analisar mais profundamente a matéria e, depois, poder sobre ela melhor me
manifestar.

Ulteriormente, eu suscitei uma preliminar de ofício para que o Estado de


Pernambuco se manifestasse como interessado na presente demanda, o que foi
acolhido por esta Seção. A manifestação do citado ente público consta do ID
22458431.

E, agora, continuo a me manifestar acerca do caso em discussão.

DA ALEGADA APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 56, DO STF,


TOMADA PELA CORTE IDH

Antes de qualquer abordagem acerca das controvérsias jurídicas do


caso em comento, é preciso dizer que não se desconhece que os detentos que se
encontram recolhidos nas unidades integrantes do Complexo Penitenciário do
Curado enfrentam problemas diversos que atingem as 3 (três) seguintes unidades
carcerárias lá existentes: 1) Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB); 2)
Presídio Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA); e 3) Presídio Frei Damião de
Bozzano (PFDB).

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O problema central diz respeito à superlotação, da qual decorre a maior
parte das demais dificuldades que afetam a condição dos detentos provisórios ali
encarcerados.

De acordo com as informações extraídas do banco de dados do


Conselho Nacional de Justiça – CNJ, na data de 01/06/2022, o Complexo
Penitenciário do Curado abrigava 5.543 presos, sendo 3.655 deles presos
provisórios. Entretanto, não se pode perder de vista que a sua estrutura foi
idealizada para que comportasse tão somente 1.819 detentos.

Dito isso, acho importante fixar uma premissa sobre o ponto


fundamental que a resolução da Corte IDH se referiu ao adequar a sua
deliberação ao enunciado da Súmula Vinculante nº 56 do Supremo Tribunal
Federal, que trata da inadequação dos estabelecimentos prisionais e está
assim redigida:

“A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a


manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso,
devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE
641.320/RS”

Por sua vez, assim está ementado o acórdão do RE 641.320/RS:

“CONSTITUCIONAL. DIREITO PENAL. EXECUÇÃO PENAL.


REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO
REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. 2. Cumprimento de pena
em regime fechado, na hipótese de inexistir vaga em estabelecimento
adequado a seu regime. Violação aos princípios da individualização da
pena (art. 5º, XLVI) e da legalidade (art. 5º, XXXIX). A falta de
estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do
condenado em regime prisional mais gravoso. 3. Os juízes da
execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados
aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como
adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não
se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto)
ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto)

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(art. 33, § 1º, alíneas “b” e “c”). No entanto, não deverá haver
alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com
presos do regime fechado. 4. Havendo déficit de vagas, deverão ser
determinados: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime
com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao
sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão
domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas
restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao
regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas
alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao
sentenciado. 5. Apelo ao legislador. A legislação sobre execução
penal atende aos direitos fundamentais dos sentenciados. No entanto,
o plano legislativo está tão distante da realidade que sua
concretização é absolutamente inviável. Apelo ao legislador para que
avalie a possibilidade de reformular a execução penal e a legislação
correlata, para: (i) reformular a legislação de execução penal,
adequando-a à realidade, sem abrir mão de parâmetros rígidos de
respeito aos direitos fundamentais; (ii) compatibilizar os
estabelecimentos penais à atual realidade; (iii) impedir o
contingenciamento do FUNPEN; (iv) facilitar a construção de unidades
funcionalmente adequadas – pequenas, capilarizadas; (v) permitir o
aproveitamento da mão-de-obra dos presos nas obras de civis em
estabelecimentos penais; (vi) limitar o número máximo de presos por
habitante, em cada unidade da federação, e revisar a escala penal,
especialmente para o tráfico de pequenas quantidades de droga, para
permitir o planejamento da gestão da massa carcerária e a destinação
dos recursos necessários e suficientes para tanto, sob pena de
responsabilidade dos administradores públicos; (vii) fomentar o
trabalho e estudo do preso, mediante envolvimento de entidades que
recebem recursos públicos, notadamente os serviços sociais
autônomos; (viii) destinar as verbas decorrentes da prestação
pecuniária para criação de postos de trabalho e estudo no sistema
prisional. 6. Decisão de caráter aditivo. Determinação que o Conselho
Nacional de Justiça apresente: (i) projeto de estruturação do Cadastro
Nacional de Presos, com etapas e prazos de implementação, devendo
o banco de dados conter informações suficientes para identificar os
mais próximos da progressão ou extinção da pena; (ii) relatório sobre
a implantação das centrais de monitoração e penas alternativas,
acompanhado, se for o caso, de projeto de medidas ulteriores para
desenvolvimento dessas estruturas; (iii) projeto para reduzir ou

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eliminar o tempo de análise de progressões de regime ou outros
benefícios que possam levar à liberdade; (iv) relatório deverá avaliar
(a) a adoção de estabelecimentos penais alternativos; (b) o fomento à
oferta de trabalho e o estudo para os sentenciados; (c) a facilitação da
tarefa das unidades da Federação na obtenção e acompanhamento
dos financiamentos com recursos do FUNPEN; (d) a adoção de
melhorias da administração judiciária ligada à execução penal. 7.
Estabelecimento de interpretação conforme a Constituição para (a)
excluir qualquer interpretação que permita o contingenciamento do
Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), criado pela Lei
Complementar 79/94; b) estabelecer que a utilização de recursos do
Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) para financiar centrais de
monitoração eletrônica e penas alternativas é compatível com a
interpretação do art. 3º da Lei Complementar 79/94. 8. Caso concreto:
o Tribunal de Justiça reconheceu, em sede de apelação em ação
penal, a inexistência de estabelecimento adequado ao cumprimento
de pena privativa de liberdade no regime semiaberto e, como
consequência, determinou o cumprimento da pena em prisão
domiciliar, até que disponibilizada vaga. Recurso extraordinário
provido em parte, apenas para determinar que, havendo
viabilidade, ao invés da prisão domiciliar, sejam observados (i) a
saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas;
(ii) a liberdade eletronicamente monitorada do recorrido,
enquanto em regime semiaberto; (iii) o cumprimento de penas
restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado após progressão
ao regime aberto”. (STF – RE 641.320/RS – Trib. Pleno – Rel. Min.
Gilmar mendes – Julg. 11/05/2016).

Ainda colando trechos da Resolução de 28/11/2018 (doc. ID 16098443):

“123. Em princípio, e dado que é inegável que as pessoas privadas de


liberdade no Complexo de Curado podem estar sofrendo uma pena
que lhes impõe um sofrimento antijurídico muito maior que o inerente
à mera privação de liberdade, por um lado, é justo reduzir seu tempo
de encarceramento, para o que se deve ater a um cálculo razoável, e,
por outro, essa redução implica compensar, de algum modo, a pena
até agora sofrida na parte antijurídica de sua execução. As penas
ilícitas não deixam de ser penas em razão de sua antijuricidade, e o
certo é que vêm sendo executadas e causando sofrimento,
circunstância que não se pode negar para chegar a uma solução o

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mais racional possível, em conformidade com a estrutura jurídica
internacional e de acordo com o mandamus do Supremo Tribunal
Federal estabelecido na Súmula Vinculante No. 56.”

Era essa a contextualização fática que precisava ser feita, isto é, a


compatibilidade da Súmula Vinculante nº 56 com a deliberação da Corte
Interamericana.

Cotejando-se ambos os textos acima referidos, vê-se que a Súmula


Vinculante 56 trata de regime de cumprimento de pena (fechado, semiaberto e
aberto), e não de diminuição da pena como se fosse uma espécie de remição.
Por outro lado, o núcleo central da Resolução da Corte IDH não trata
diretamente da mudança de regime de cumprimento de pena para ensejar a
transferência do apenado para regime mais brando, mas, ao contrário,
determina a dedução, em dobro, da pena imposta se valendo da referida
súmula. Observe-se que com a redução da pena, no percentual de 50%, por
exemplo, o preso, em muitos casos, não vai progredir de regime e será posto
em liberdade imediatamente. Então, é preciso trazer a seguinte questão para o
debate: a Resolução da Corte IDH se adequa totalmente ou não ao que foi
decidido pela Suprema Corte na citada súmula? Será que transferir o
reeducando para um regime menos gravoso é o mesmo que descontar a pena
para ele fixada, pela metade, e colocá-lo em liberdade de imediato?

DA QUESTÃO JURÍDICA CONTROVERTIDA OBJETO DO IRDR.

No caso concreto, a instauração do IRDR decorreu da existência de


decisões conflitantes acerca do cômputo em dobro do tempo de prisão suportado
pelos presos no Complexo do Curado. De um lado, encontra-se a posição do Juízo
da 1ª Vara Regional de Execuções Penais, no sentido de que a Resolução da Corte
IDH possui eficácia imediata, aplicando-se a todos os presos que tiveram
passagem pelo referido Complexo – tese à qual se filia a Defensoria Pública; e, no
sentido oposto, têm-se as decisões das demais Varas de Execuções (2ª, 3ª e 4ª
Varas Regionais e Vara de Execuções da Capital), as quais, por sua vez, entendem
que a referida medida não pode ser aplicada sem antes ser regulamentada pela
União.

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Número do documento: 22090816352679900000022780048
São duas as linhas sucessivas de entendimento:

A primeira refere-se à possibilidade (ou não) da imediata aplicação da


contagem em dobro, independentemente de arbitragem ou regulamentação pela
União, o que se infere da seguinte questão formulada pelo Ministério Público, ora
suscitante, na petição inicial:

“c) a referida medida provisória é exequível independentemente de


arbitragem ou regulamentação pela União (lei ou decreto
presidencial)?”

Já a segunda, caso se decida pela aplicação imediata da Resolução da


Corte IDH, diz respeito à correta fixação da natureza jurídica do instituto e dos
requisitos inerentes à matéria. Valendo-se novamente das proposições do MP:

“a) qual a natureza jurídica do cômputo em dobro do tempo de prisão?

b) em relação aos crimes hediondos ou equiparados, a medida


provisória emanada da CDIH é constitucional?
(...)
d) se for de aplicação imediata pela Justiça Estadual, quais as
premissas para concessão da comutação da pena (perdão parcial),
em especial no que concerne ao reconhecimento ou não de violação à
Súmula Vinculante nº 56?

e) sendo a medida constitucional e aplicável aos crimes hediondos ou


equiparados, é necessário prévio estudo psicossocial (exame
criminológico)?

f) se aplicável, a partir de quando deve se considerar em dobro o


tempo de prisão no Complexo do Curado?

g) se aplicável, no caso de penas unificadas decorrentes de mais de


um processo, é necessário destacar cada uma delas para realizar o
cálculo separadamente e depois reunificar para evitar a denominada
“poupança de tempo de prisão?”.

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Uma vez que, pela norma do art. 439 do RITJPE, cabe ao Relator
delimitar as questões jurídicas controvertidas, e que, no caso sub examine, o
eminente Des. Cláudio Jean Nogueira Virgínio já cumpriu esse mister, à luz das
formulações do MP, faz-se necessário, agora, perpassar por cada ponto indicado, a
fim de que se possa chegar à tese final perseguida nesta via.

DA NATUREZA JURÍDICA DO CÔMPUTO EM DOBRO DO TEMPO DE PRISÃO.

Como se sabe, o direito pátrio contempla uma série de benefícios no


âmbito das execuções penais. No escopo de ressocialização do indivíduo, diversos
institutos têm a aptidão de amenizar a forma com que deve ser cumprida a pena
estabelecida no édito condenatório.

Nesse compasso, extraem-se da Lei nº 7.210/84: 1) o indulto (artigos


187 a 193); 2) a remição (“Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime
fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de
execução da pena.”); 3) a progressão de regime (“Art. 112. A pena privativa de
liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime
menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz [...].”); 4) o livramento condicional (que
“poderá ser concedido pelo Juiz da execução, presentes os requisitos do artigo 83,
incisos e parágrafo único, do Código Penal, ouvidos o Ministério Público e Conselho
Penitenciário” – diz o art. 131 da LEP); 5) a detração (que significa computar, “na
pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão
provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação”
, nos termos do art. 42 do CP) etc.

Agora, especificamente sobre a matéria discutida neste IRDR, pergunte-


se: em qual instituto das execuções penais se enquadraria o benefício do cômputo
em dobro do tempo de prisão? Seria compatível com uma categoria já existente ou
seria uma possibilidade nova, singular, decorrente puramente da decisão
internacional da Corte IDH?

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No entender do Ministério Público de Pernambuco, o cômputo dobrado
teria a “natureza de comutação de pena ou indulto parcial”. Isso porque, a seu ver,
“na prática, a Corte recomendou perdoar parcela das penas”, e “pouco importa o
‘nomen iuris’ que se adote”, “Os efeitos e a essência são os da comutação da pena,
por essa razão como tal deve ser tratada.” (doc. ID 16098440, p. 05).

Já na visão da Defensoria Pública de Pernambuco, é uma previsão


nova, sui generis, uma verdadeira “medida reparatória por comprovadas violações
de direitos” (expressão no doc. ID 20062131, p. 12). “A tentativa (...) em encontrar
correspondência exata dentro de previsão legal será sempre deficiente, podendo
resultar em distorções na sua aplicação em concreto” (trecho no doc. ID 20062131,
p. 09).

Então.

Primeiro de tudo, descarte-se a correspondência do cômputo em dobro


com a comutação de pena (ou indulto parcial). Isso porque, como resume Alexis
Couto de Brito, na sua obra Execução Penal:

“No Brasil, o indulto (...) é essencialmente um ato puramente político


de competência exclusiva do Presidente da República. (...) Sempre
mantivemos em nosso ordenamento a característica de ser o indulto
absolutamente discricionário, (...) (e) percebemos que até os dias
atuais (...) sempre foi intrinsecamente ligado ao arbítrio do governante
supremo do Executivo. (...) seu conteúdo é de verdadeiro ato político
que não comporta análise de seu cabimento, disponibilidade e
oportunidade por parte dos demais poderes. (...) Permitir ao Judiciário
seu controle de conteúdo seria usurpar função exclusivamente
executiva”.
(BRITO, Alexis Couto de. Execução Penal, 7. ed., São Paulo,
SaraivaJur, 2022. E-book Kindle).

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Ademais, o indulto (que compreende a sua modalidade parcial, a
comutação) é um ato de clemência, de perdão, com a capacidade de dispensar o
condenado de uma pena por ele ainda não cumprida. Acontece que, no caso do
cômputo em dobro, toda a lógica da Resolução da Corte IDH consiste em que a
pessoa já suportou a privação de liberdade, e de forma extremamente penosa,
cruel. O cômputo dobrado é só o reconhecimento por algo que o sujeito já
experimentou. Não se está isentando o condenado de nada; só se está
reconhecendo o que ele já foi obrigado a sofrer.

Por sua vez, quanto à remição (desconto de um dia de sanção para


cada período de certa atividade suportada pelo preso), aí sim o instituto guarda
uma maior proximidade com o cômputo em dobro.

Para se remir o período prisional, a Lei das Execuções Penais elegeu,


como circunstâncias justificadoras, o labor e a frequência escolar do detento. Nos
termos da LEP, a contagem se dá à razão de “1 (um) dia de pena a cada 12 (doze)
horas de frequência escolar (...) divididas, no mínimo, em 3 (três) dias”, e “1 (um)
dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho”.

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou


semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo
de execução da pena.
§ 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
I – 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar -
atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante,
ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no
mínimo, em 3 (três) dias;
II – 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.
(...)
Art. 128. O tempo remido será computado como pena cumprida,
para todos os efeitos.

Note-se que há uma ficção jurídica, na medida em que, por exemplo, se


um reeducando trabalhar 3 dias, é como se tivesse cumprido 4 dias de sanção; já
se ele trabalhar e estudar, 3 dias passados importarão 5 dias a menos de pena a
cumprir. Não transcorreram 5 dias, mas 5 devem ser contabilizados.

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E frise-se que, embora a lei só tenha previsto duas situações
legitimadoras (trabalho e frequência escolar), o Superior Tribunal de Justiça já
reconheceu, em vários e vários julgados, que esse rol não é taxativo, sendo “
possível proceder à interpretação extensiva em prol do preso e da sociedade, uma
vez que o aprimoramento dele contribui decisivamente para os destinos da
execução” (HC n. 312.486/SP, DJe 22/6/2015). Nessa linha, o artesanato, a leitura
e até mesmo a participação em grupos musicais foram admitidos, pelo referido
Tribunal Superior, como fundamentos hábeis à remição.

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS


CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO POR ESTUDO. LIMITE.
ATIVIDADE ESCOLAR. TEMPO QUE EXCEDEU A CARGA DE 4
HORAS DIÁRIAS QUE DEVE SER COMPUTADO PARA REMIR A
PENA. ISONOMIA COM A HIPÓTESE DE REMIÇÃO POR
TRABALHO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O art. 126
da Lei de Execução Penal determina que o condenado que cumpre a
pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou
por estudo, parte do tempo de execução da pena. 2. O entendimento
atual de ambas as Turmas que compõe a Terceira Seção se orienta
no sentido da flexibilização do art. 126 da LEP, para se reconhecer a
remição pela leitura, pelo estudo por conta própria e realização de
artesanato, não sendo, pois, razoável que também não se reconheça
a remição da pena pelo labor interno, devidamente atestado pelo
estabelecimento prisional, até mesmo "como forma de possibilitar aos
apenados encarcerados em unidades sem outras atividades laborais
receberem o benefício, desde que devidamente reconhecida pelo
estabelecimento prisional" (AgRg no REsp 1.935.335/RS, Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 8/6/2021). 3. Não
se mostra plausível admitir-se horas extras na remição pelo trabalho e,
negá-las quando a remição é feita por meio do estudo.
4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 692.779/SP. STJ,
Quinta Turma, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, DJe 14/02/2022)

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO. ATIVIDADE


REALIZADA EM CORAL. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA IN BONAM
PARTEM DO ART. 126 DA LEP. PRECEDENTES. REDAÇÃO
ABERTA. FINALIDADE DA EXECUÇÃO ATENDIDA. INCENTIVO AO

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APRIMORAMENTO CULTURAL E PROFISSIONAL. AFASTAMENTO
DO ÓCIO E DA PRÁTICA DE NOVOS DELITOS. PROPORCIONAR
CONDIÇÕES PARA A HARMÔNICA REINTEGRAÇÃO SOCIAL.
FORMAÇÃO PROFISSIONAL. PROVIMENTO. 1. Em se tratando de
remição da pena, é, sim, possível proceder à interpretação extensiva
em prol do preso e da sociedade, uma vez que o aprimoramento dele
contribui decisivamente para os destinos da execução (HC n.
312.486/SP, DJe 22/6/2015). 2. A intenção do legislador ao permitir a
remição pelo trabalho ou pelo estudo é incentivar o aprimoramento do
reeducando, afastando-o, assim, do ócio e da prática de novos delitos,
e, por outro lado, proporcionar condições para a harmônica integração
social do condenado (art. 1º da LEP). Ao fomentar o estudo e o
trabalho, pretende-se a inserção do reeducando ao mercado de
trabalho, a fim de que ele obtenha o seu próprio sustento, de forma
lícita, após o cumprimento de sua pena. 3. O meio musical, além do
aprimoramento cultural proporcionado ao apenado, promove sua
formação profissional nos âmbitos cultural e artístico. A atividade
musical realizada pelo reeducando profissionaliza, qualifica e capacita
o réu, afastando-o do crime e reintegrando-o na sociedade. 4. Recurso
especial provido para reconhecer o direito do recorrente à remição de
suas penas pela atividade realizada no Coral Decreto de Vida,
determinando ao Juízo competente que proceda a novo cálculo da
reprimenda, computando, desta feita, os dias remidos como pena
efetivamente cumprida. (REsp n. 1.666.637/ES. STJ, Sexta Turma,
Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJe 09/10/2017)

Concluindo: a legislação brasileira e a jurisprudência já estabelecem


várias situações jurídicas que beneficiam o apenado. Partindo dessa premissa,
caso seja adotada para todos os crimes abarcados no voto do relator,
incluindo os hediondos e os a eles equiparados, a contagem em dobro dará
ensejo à obtenção com muito mais rapidez da soltura imediata, da progressão
de regime e de outros benefícios, razão pela qual, na prática, a pena seria
cumprida em curto prazo.

De fato, perceba-se que com essa “remição sui generis”, contagem em

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dobro, até mesmo os indivíduos que cometeram os crimes de maior gravidade
previstos no nosso ordenamento (contra a vida, a integridade física, sexuais e até
mesmo hediondos e equiparados) chegarão muito mais rápido aos demais
benefícios prisionais.

Vejamos alguns exemplos para elucidar o que se está, aqui, afirmando:

Imagine-se, primeiramente, que um réu foi condenado a 16 anos de


reclusão pela prática de um homicídio qualificado por motivo fútil e pela utilização
de recurso que impossibilitou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, incisos II e IV, do
CP[1]).

Esses 16 anos serão cumpridos, no início, no regime fechado, como


determina o art. 33, § 2º, “a”, do CP[2].

Pelo que dispõe o art. 112, VI, “a”, da LEP[3], a progressão para o
semiaberto será admissível após o transcurso de 8 anos (50% da pena).

E, do regime semiaberto para o aberto, será necessário o cumprimento


de 50% dos 8 anos restantes (ou seja, 4 anos).

Serão, portanto, 12 anos de cárcere (8 anos no regime fechado e 4


anos no semiaberto). Do total de 16 anos, apenas os últimos 4 anos se passarão no
regime aberto (recolhimento em uma casa de albergado, que, como se sabe,
caracteriza-se pelo trânsito livre, pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga,
consoante os artigos 93 e 94 da Lei de Execuções Penais[4]).

Porém, veja-se que, se o primeiro período fosse computado em dobro,


pelo fato de o reeducando se encontrar no Complexo Prisional do Curado, o cálculo
seria muito diferente: bastariam 4 anos no regime fechado (contabilizando 8 anos) e
4 anos no semiaberto. Na prática, o condenado suportaria 8 anos de prisão (e não
12 anos).

Segundo exemplo:

Tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006[5]). Réu reincidente

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específico condenado a 10 anos de reclusão por ter sido encontrado com 500
pedras de crack por policiais militares.

O regime inicial será o fechado; a progressão para o semiaberto será


possível quando do cumprimento de 60% da pena, ou seja, 6 anos depois (art. 112,
VII, da LEP[6]); e o regime aberto se dará 2 anos, 4 meses e 24 dias depois disso,
ou seja, quando faltar 1 ano, 7 meses e 6 dias de pena a cumprir.

Se o primeiro período for computado em dobro, 6 anos significarão 12


anos, o que é maior do que a própria pena total. Na prática, se o reeducando ainda
estiver cumprindo a sanção, é possível que ele não deseje progredir de regime,
mas sim deseje passar 5 anos no Complexo do Curado (5 contabilizando 10),
quando, então, requererá a extinção da punibilidade.

E, ainda, um terceiro exemplo, também representativo de uma


situação bastante comum enfrentada no cotidiano deste Tribunal:

Caso de um sujeito já reincidente que foi condenado a 7 anos de


reclusão pela prática de roubo majorado por concurso de pessoas (art. 157, § 2º, II,
do CP[7]). Ele empregou violência contra a vítima e subtraiu a res furtiva, mas
terminou sendo preso em flagrante delito, tendo permanecido encarcerado durante
todo o processo, o qual, graças ao empenho do Juiz singular e da Câmara Criminal,
transitou em julgado 3 anos e 6 meses após o fato em comento.

Note-se que, se a contagem do tempo de prisão processual ocorrer em


dobro, será como se o condenado tivesse cumprido 7 anos de reclusão. Ele já terá
adimplido tudo. Deverá ser posto em liberdade de imediato, sem passar,
tecnicamente, nem um dia sequer de prisão-pena.

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Por outro lado, considerando-se a forma regular de contagem, ele
precisará cumprir 30% para progredir do fechado para o semiaberto, e 30% desse
restante para alcançar o aberto (art. 112, IV, da LEP).

Fazendo-se os cálculos pertinentes, vê-se que esse condenado


passará, em tese, 3 anos, 5 meses e 4 dias no regime aberto, que, como se sabe,
compreende uma série de medidas de caráter ressocializador.

Artigos 113 a 115 da LEP:

Art. 113. O ingresso do condenado em regime aberto supõe a aceitação


de seu programa e das condições impostas pelo Juiz.

Art. 114. Somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que:


I - estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo
imediatamente;
II - apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a
que foi submetido, fundados indícios de que irá ajustar-se, com
autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime.
Parágrafo único. Poderão ser dispensadas do trabalho as pessoas
referidas no artigo 117 desta Lei.

Art. 115. O Juiz poderá estabelecer condições especiais para a


concessão de regime aberto, sem prejuízo das seguintes condições
gerais e obrigatórias:
I - permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias
de folga;
II - sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados;
III - não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial;
IV - comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades,
quando for determinado.

Outra possibilidade para esse reeducando seria o chamado “livramento


condicional”, que é outro instituto de reinserção, pautado nos artigos 83 do CP e
131 a 146 da LEP.

Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao

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condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2
(dois) anos, desde que: (...)
II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em
crime doloso;
III - comprovado:
a) bom comportamento durante a execução da pena;
b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses;
c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e
d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho
honesto;
IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o
dano causado pela infração;
V - cumpridos mais de dois terços da pena, nos casos de
condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o
apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza.
(...)

Art. 131. O livramento condicional poderá ser concedido pelo Juiz


da execução, presentes os requisitos do artigo 83, incisos e
parágrafo único, do Código Penal, ouvidos o Ministério Público e
Conselho Penitenciário.

Art. 132. Deferido o pedido, o Juiz especificará as condições a que


fica subordinado o livramento.
§ 1º Serão sempre impostas ao liberado condicional as obrigações
seguintes:
a) obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para
o trabalho;
b) comunicar periodicamente ao Juiz sua ocupação;
c) não mudar do território da comarca do Juízo da execução, sem
prévia autorização deste.
§ 2° Poderão ainda ser impostas ao liberado condicional, entre
outras obrigações, as seguintes:
a) não mudar de residência sem comunicação ao Juiz e à
autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção;
b) recolher-se à habitação em hora fixada;
c) não freqüentar determinados lugares.
(...)

Ocorre que, considerando-se a contagem em dobro, nada disso haverá


– nem progressão, nem livramento condicional. Esse indivíduo, mesmo tendo
empregado violência contra a vítima, e mesmo sendo reincidente, será posto nas

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ruas sem passar pelos deveres legais de demonstrar bom comportamento
carcerário, procurar ocupação lícita, não frequentar determinados lugares, recolher-
se à habitação em hora fixada, etc.

Então, é muito importante observar que, da maneira como foi posto


pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, mesmo as pessoas que mais
precisam de um sistema progressivo de institutos ressocializadores da execução
(praticantes de delitos contra a vida, a integridade física, sexuais e hediondos e
equiparados) saltarão de uma prisão inadequada para a liberdade total, de forma
completamente massificada, sem qualquer preparação para se reinserir na
sociedade.

Para além disso, a determinação da Corte IDH permite que os


reeducandos recolhidos por diversos crimes considerados hediondos ou
equiparados (pela Lei nº 8.072/1990) sejam beneficiados com a contagem em
dobro independentemente de exame criminológico. Observe-se:

“Art. 1º São considerados hediondos os seguintes crimes, todos


tipificados no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 -
Código Penal, consumados ou tentados:
(...)
II – roubo:
a) circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, §
2º, inciso V);
b) circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A,
inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito
(art. 157, § 2º-B);
c) qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157,
§ 3º);
III – extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima,
ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º);
IV – extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159,
caput, e §§ lº, 2º e 3º);
(...)
VII – epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º);

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Número do documento: 22090816352679900000022780048
(...)
VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto
destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, §
1º-A e § 1º-B, com a redação dada pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de
1998);
(...)
IX – furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato
análogo que cause perigo comum (art. 155, § 4º-A).
Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou
consumados:
(...)
II – o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido,
previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
III – o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17
da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
IV - o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou
munição, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de
2003;
V – o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática
de crime hediondo ou equiparado”.

Acrescente-se que o art. 2º da Lei nº 8.072/90 equipara o tráfico ilícito


de entorpecentes aos crimes hediondos, de sorte que os detentos que cometeram
esse delito também seriam automaticamente beneficiados com o cômputo em
dobro.

Ocorre que atribuir a todos esses crimes o mesmo tratamento


dispensado a delitos menos graves vai de encontro a todo o ordenamento jurídico
vigente.

Com efeito, o ordenamento jurídico nacional confere aos crimes


hediondos e equiparados, dentre os quais se incluem delitos contra a vida,
integridade física e sexuais, tratamento diferenciado em razão de sua especial
gravidade, citando-se como exemplos: a) exigência de percentual maior de

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cumprimento de pena para progressão de regime (art. 112, incisos V a VIII, da Lei
7.210/84); b) proibição de saídas temporárias para os condenados em regime
semiaberto (art. 122, § 2º, da Lei 7.210/84); c) cumprimento de 2/3 (dois terços) da
pena para livramento condicional (art. 83, V, do Código Penal); d) proibição da
fiança (art. 323, II, do CPP); e e) vedação de graça ou anistia (art. 5º, XLIII, da
Constituição).

Pelo visto, além de contrariar toda a legislação interna pertinente, a


resolução em análise foge ao princípio da razoabilidade ao, por exemplo, dar ao
condenado reincidente por tráfico de drogas e organização criminosa o mesmo
tratamento conferido ao apenado primário que cumpre pena por fraude fiscal.

Se todo o ordenamento jurídico vigente e a própria Constituição Federal


exigem maior rigor na concessão de benefícios penais aos crimes mais graves,
não entendo como possível, com a devida vênia, adotar a resolução da Corte
Interamericana de Direitos Humanos a mesma solução para todos os delitos
indistintamente.

Por tais razões, entendo que os detentos acusados e condenados


pelos crimes contra a vida, a integridade física e a dignidade sexual, assim
como aqueles recolhidos em razão dos crimes hediondos e equiparados
previstos na Lei nº 8.072/90 não podem ficar sujeitos ao benefício da
contagem em dobro do tempo de prisão no Complexo do Curado, aplicando-
se a legislação interna brasileira quanto a essas pessoas.

DA FORMA DE APLICAÇÃO DO CÔMPUTO EM DOBRO NO CASO DE PENAS


UNIFICADAS

Outra questão relevante a ser delimitada consiste na forma de aplicação

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do cômputo em dobro quando estamos diante de penas somadas ou unificadas,
decorrentes de mais de um processo, quando sobrevém condenação, no curso da
execução, por crime posterior.

O ponto reflete um questionamento feito pelo Ministério Público na


petição inicial:

“g) se aplicável, no caso de penas unificadas decorrentes de mais de


um processo, é necessário destacar cada uma delas para realizar o
cálculo separadamente e depois reunificar para evitar a denominada
“poupança de tempo de prisão?”

Sabe-se que, de acordo com a LEP (Lei n.º 7.210/84), compete ao juiz
da Execução Penal decidir sobre a soma ou unificação de penas (art. 66, III, a, da
LEP).

Veja-se, inclusive, o que prevê o seguinte dispositivo da Lei de


Execução Penal:

Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime, no


mesmo processo ou em processos distintos, a determinação do
regime de cumprimento será feita pelo resultado da soma ou
unificação das penas, observada, quando for o caso, a detração ou
remição.
Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da execução,
somar-se-á a pena ao restante da que está sendo cumprida, para
determinação do regime.

No caso, considerando a natureza jurídica do cômputo em dobro como


remição sui generis, conforme fundamentação já exposta, a internalização da
decisão internacional precisa observar os ditames da Lei de Execução Penal.

Com efeito, de acordo com o art. 111, caput, da LEP, acima transcrito, a
soma das penas necessariamente deverá observar a remição, caso existente.

Ocorre que, sobrevindo condenação no curso da execução, por crime


posterior, antes de proceder-se à soma determinada pelo art. 111, parágrafo único,

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da LEP, faz-se necessário efetuar a separação das penas (e não a unificação,
neste momento), tão somente para fins do cálculo do cômputo em dobro.

Isso porque o tempo de prisão contado em dobro, pelas condições


degradantes de seu cumprimento, não poderia gerar um “crédito” para compensar
penas futuras, correspondentes aos crimes praticados após o período do cárcere
reputado injusto pela Corte IDH.

Consoante bem afirmou o Ministério Público na petição inicial, é


necessário analisar as penas separadamente, “para preservar a
contemporaneidade entre a prisão injusta e os delitos cujas penas são executadas”.

Logo, no caso das penas unificadas decorrentes de mais de um


processo, quando sobrevém condenação por crime posterior, caso não fosse feito o
cálculo em dobro separadamente, poderia se formar, indevidamente, em favor do
apenado, uma “poupança de tempo de prisão”.

Convencionou-se denominar “poupança de tempo de prisão” a situação


na qual o tempo em que o apenado ficou preso indevidamente poderia ser utilizado
como “crédito” para uma condenação criminal superveniente.

Em outras palavras, teríamos uma conta poupança delinquencial,


viabilizando ao imputado a prática de ilícitos impuníveis, amparáveis por
créditos de não persecução, ou seja, um crédito contra o Estado, e
representaria a impunidade de posteriores infrações penais.

Tal prática é expressamente vedada pela jurisprudência dos nossos


Tribunais Superiores, a exemplo do precedente do STJ a seguir transcrito:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DETRAÇÃO PENAL


ENTRE PROCESSOS DISTINTOS. DELITO PELO QUAL O
SENTENCIADO CUMPRE PENA ANTERIOR AO TEMPO DE
PRISÃO EM OUTRO PROCESSO.AGRAVO REGIMENTAL NÃO
PROVIDO. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal admite a
detração (art. 42 do CP) por custódia indevidamente cumprida em
outro processo, desde que o crime em virtude do qual o
condenado executa a pena a ser computada seja anterior ao

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período pleiteado. Busca-se, com isso, impedir uma espécie de
crédito em desfavor do Estado, disponível para utilização no futuro. 2.
O agravado, após a extinção de sua punibilidade por indulto, cumpriu
indevidamente alguns dias de pena em período de tempo posterior à
data do crime relacionado à condenação que pretende remir, daí ser
possível a aplicação do art. 42 do CP entre os processos distintos. 3.
Agravo regimental não provido.” (AgRg no HC n. 506.413/SP, relator
Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 30/9/2019.) (grifo
nosso)

Assim, o cômputo em dobro será aplicado apenas em relação ao


tempo cumprido em um dos presídios do Complexo do Curado. Ademais, a
infração penal precisa ser anterior ao cumprimento da pena no Complexo do
Curado, tendo em vista que a razão de existir do cômputo em dobro é a
situação degradante do local a que submetida a pessoa em privação de
liberdade.

TERMO INICIAL DO CÔMPUTO EM DOBRO DO TEMPO DE PRISÃO.

Sobre o termo inicial do cômputo em dobro do tempo de prisão, importa


citar que o Ministério Público, na sua exordial, ressaltou que, “caso acolhida a tese
esgrimida pela Defensoria Pública, os efeitos da manifestação da Corte
Internacional somente deveriam se operar após a notificação do Estado” (doc. ID
16098442, p. 02).

Já a Defensoria Pública destaca que as violações dos direitos humanos,


com relação ao Complexo Prisional do Curado, já existiam antes mesmo de 2014,
quando a primeira Resolução da Corte IDH foi emitida. Alega que o assunto já foi
objeto, inclusive, da Medida Cautelar 199-11 da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, solicitada por representantes que noticiaram a ocorrência, desde
o ano de 2008, de violações a direitos humanos.

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A Defensoria, sopesando que “a Corte IDH não fixa marcos temporais”
e que o STJ “já se pronunciou no sentido da impossibilidade de modulação de
efeitos do cômputo”, requer que todo o período de pena cumprido de forma
degradante no Complexo Penitenciário do Curado seja considerado em dobro,
“sem limitação prévia inicial” (doc. ID 20062131, p. 27).

E, na realidade, essa questão não demanda maiores divagações, pois,


como bem destacou a Defensoria Pública, o STJ já se manifestou sobre a matéria.

No julgamento do AgRg no RHC nº 136.961/RJ, onde foi analisada a


aplicação da Resolução de 22/11/2018 da Corte IDH – sobre o cômputo em dobro
de cada dia de privação de liberdade cumprido no Instituto Penal Plácido de Sá
Carvalho/RJ –, a 5ª Turma do STJ considerou período de cumprimento de pena
anterior à dita Resolução. Eis a ementa do julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL.


LEGITIMIDADE. IPPSC (RIO DE JANEIRO). RESOLUÇÃO CORTE
IDH 22/11/2018. PRESO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES.
CÔMPUTO EM DOBRO DO PERÍODO DE PRIVAÇÃO DE
LIBERDADE. OBRIGAÇÃO DO ESTADO-PARTE. SENTENÇA DA
CORTE. MEDIDA DE URGÊNCIA. EFICÁCIA TEMPORAL.
EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS. PRINCÍPIO PRO
PERSONAE. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE.
INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO INDIVÍDUO, EM SEDE DE
APLICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM ÂMBITO
INTERNACIONAL (PRINCÍPIO DA FRATERNIDADE -
DESDOBRAMENTO). SÚMULA 182 STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
(...) 4. (...) Na hipótese, as instâncias inferiores ao diferirem os efeitos
da decisão para o momento em que o Estado Brasileiro tomou ciência
da decisão proferida pela Corte Interamericana, deixando com isso de
computar parte do período em que o recorrente teria cumprido pena
em situação considerada degradante, deixaram de dar cumprimento a
tal mandamento, levando em conta que as sentenças da Corte
possuem eficácia imediata para os Estados Partes e efeito meramente

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declaratório. 5. Não se mostra possível que a determinação de
cômputo em dobro tenha seus efeitos modulados como se o
recorrente tivesse cumprido parte da pena em condições aceitáveis
até a notificação e a partir de então tal estado de fato tivesse se
modificado. Em realidade, o substrato fático que deu origem ao
reconhecimento da situação degradante já perdurara anteriormente,
até para que pudesse ser objeto de reconhecimento, devendo, por tal
razão, incidir sobre todo o período de cumprimento da pena. (...) 8. Os
juízes nacionais devem agir como juízes interamericanos e
estabelecer o diálogo entre o direito interno e o direito internacional
dos direitos humanos, até mesmo para diminuir violações e abreviar
as demandas internacionais. É com tal espírito hermenêutico que se
dessume que, na hipótese, a melhor interpretação a ser dada, é pela
aplicação a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos,
de 22 de novembro de 2018 a todo o período em que o recorrente
cumpriu pena no IPPSC. 9. A alegação inovadora, trazida em sede de
agravo regimental, no sentido de que a determinação exarada pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos, por meio da Resolução de
22 de novembro de 2018 da CIDH, teria a natureza de medida
cautelar provisória e que, ante tal circunstância, mencionada
Resolução não poderia produzir efeitos retroativos, devendo produzir
efeitos jurídicos ex nunc, não merece guarida. O caráter de urgência
apontado pelo recorrente na medida provisória indicada não possui o
condão de limitar os efeitos da obrigação decorrentes da Resolução
de 22 de novembro de 2018 da CIDH para o futuro (ex nunc), mas sim
de apontar para a necessidade de celeridade na adoção dos meios de
seu cumprimento, tendo em vista, inclusive, a gravidade constatada
nas peculiaridades do caso. (...) 11. Negativa de provimento ao agravo
regimental interposto, mantendo, por consequência, a decisão que,
dando provimento ao recurso ordinário em habeas corpus,
determinou o cômputo em dobro de todo o período em que o paciente
cumpriu pena no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, de 09 de
julho de 2017 a 24 de maio de 2019. (AgRg no RHC n. 136.961/RJ,
relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de
21/6/2021).

Analisando-se o aresto acima transcrito, percebe-se que o Tribunal


Superior considera como marco inicial a data do ingresso da pessoa privada de

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liberdade no estabelecimento prisional, independentemente da data de notificação
estatal.

E, por oportuno, com relação ao termo final da contagem em dobro,


embora os Tribunais Superiores e a Resolução de 28/11/2018 da Corte IDH não
tenham esclarecido a questão, deve-se adotar a sugestão trazida pela Unidade de
Monitoramento e Fiscalização das Decisões da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (UMF Corte IDH) do CNJ:

“(...) considerar o marco final como a data em que houver o


levantamento das referidas medidas, com o cumprimento e
apresentação dos resultados esperados conforme determinado nos
pontos resolutivos da decisão” (doc. ID 18529723, p. 18).

Eis mais este importante trecho das informações encaminhadas pelo


Juiz Coordenador da UMF Corte IDH (pp. 18-19):

“Assim, caso a aplicação dos benefícios (aliados com as demais


medidas oriundas do plano de contingência) logrem êxito no controle
do limite da capacidade do estabelecimento, o CNJ se prontifica a
informar imediatamente ao Ministério da Família, Mulher e Direitos
Humanos (Poder Executivo Federal), que representa a República
Federativa do Brasil perante a Corte IDH (em articulação conjunta com
o MRE e a AGU). Em adição, se disponibiliza a informar a situação ao
tribunal internacional, diante de sua recente atuação como fonte
independente de informação. Em análise às medidas provisórias
anteriores em relação ao Brasil que já foram levantadas, observa-se
que o diálogo, articulação e a adoção de providências concretas pelos
atores envolvidos são o caminho para que se possa alcançar tal
meta.”

Diante dessas considerações e corroborando o entendimento do


Superior Tribunal de Justiça, conclui-se, portanto, ser computado em dobro todo o
período de cumprimento da pena para as pessoas alojadas no referido Complexo
(com exceção das acusadas ou condenadas por crimes contra a vida ou a
integridade física, delitos sexuais, crimes hediondos e equiparados, como detalhado
neste voto anteriormente).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por todo o exposto, por se tratar a contagem em dobro de instrumento


de abreviação do cumprimento da pena em condições degradantes, o qual é
aplicado, por analogia, como espécie sui generis de remição (ou remição por
superlotação), sugiro as seguintes TESES a serem aprovadas por este colegiado:

TESE 1: A contagem em dobro do tempo de prisão cumprido no


Complexo Penitenciário do Curado, em Recife/PE, estabelecida pela
Resolução de 28/11/2018 da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (Corte IDH) possui a natureza jurídica de remição sui
generis ou, mais precisamente, de “remição por superlotação”;

TESE 2: Para evitar a superpopulação carcerária e as suas


consequências no Complexo Penitenciário do Curado, os juízes da
execução penal devem observar, em primeiro lugar, a aplicação da
Súmula Vinculante nº 56 e as diretrizes fixadas pelo STF na
repercussão geral do RE 641.320/RS;

TESE 3: Após esgotados os parâmetros fixados no RE 641.320/RS, o


benefício da contagem em dobro do tempo de prisão cumprido no
Complexo Penitenciário do Curado, em Recife/PE, previsto na
Resolução de 28/11/2018 da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (Corte IDH), somente se aplica aos detentos que não forem
acusados ou condenados em razão dos crimes contra a vida, a
integridade física e a dignidade sexual, assim classificados pelo
Código Penal, bem como não se adota aos recolhidos em virtude dos
crimes hediondos e equiparados previstos na Lei nº 8.072/90.

TESE 4: O termo inicial da contagem em dobro do tempo de prisão


cumprido no Complexo Penitenciário do Curado, em Recife/PE,
prevista na Resolução de 28/11/2018 da Corte Interamericana de
Direitos Humanos (Corte IDH), é a data do ingresso do detento no
referido estabelecimento prisional, independentemente da data em
que o Estado brasileiro foi notificado da deliberação;

TESE 5: Na hipótese de superveniente condenação por crime

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posterior no curso da execução, antes de se proceder à soma
determinada pelo art. 111, parágrafo único, da Lei nº 7.210/84, faz-se
necessário efetuar a separação das penas tão somente para fins do
cálculo do cômputo em dobro estabelecido pela Resolução de
28/11/2018 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a fim de
evitar a denominada “poupança de tempo de prisão”.

É como voto.

Recife, data registrada no sistema.

Des. Carlos Moraes

[1] Art. 121. Matar alguem: (...) § 2° Se o homicídio é cometido: (...) II - por motivo futil; (...)
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou
torne impossivel a defesa do ofendido; (...) Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

[2] Art. 33 (...) § 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma
progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e
ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: a) o condenado a pena
superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado; (...).

[3] Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso
tiver cumprido ao menos: (...) VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for
primário, vedado o livramento condicional; (...).
[4] Art. 93. A Casa do Albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de
liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana. Art. 94. O prédio
deverá situar-se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e
caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga.

[5] Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor
à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever,
ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão
de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e
quinhentos) dias-multa.

[6] Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a
transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso
tiver cumprido ao menos: (...) VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for
reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado; (...).

[7] Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça

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ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à
impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. (...) § 2º A
pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade: (...) II - se há o concurso de duas ou mais
pessoas; (...).

VOTO EM CONCORDÂNCIA COM A RELATORIA - DES. ANTÔNIO CARLOS ALVES DA


SILVA

Pelo exposto, concordo com o Relator do processo.

, 2022-06-02, 14:32:03

VOTO-VISTA

Trata-se de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas suscitado pelo


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, visando fixar entendimento
sobre questão jurídica referente à contagem em dobro do tempo de custódia, nas
unidades prisionais integrantes do Complexo do Curado, determinada pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos através de Medida Provisória.

Iniciado o julgamento na sessão de 28 de abril do corrente ano, o


Desembargador Relator votou no sentido de acolher o incidente, propondo quatro
teses jurídicas a fim de uniformizar a matéria:

· PRIMEIRA TESE JURÍDICA: Nos termos do art. 4º, inciso II, da CF/88
c/c o art. 68.1 do Decreto 678/92 e art. 1º do Decreto 4463/02, a
compensação penal correspondente ao cômputo em dobro do tempo de
prisão nas unidades prisionais do Complexo do Curado determinada por
sentença internacional, de caráter vinculante, oriunda da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, é constitucional e exequível
independentemente de arbitragem ou regulamentação pela União;

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· SEGUNDA TESE JURÍDICA: A contagem em dobro do tempo de
prisão nas unidades prisionais do Complexo do Curado é compatível
finalisticamente com o instituto da remição, por aplicação analógica dos
arts. 126 e seguintes da Lei de Execução Penal, devendo ser aplicada,
imediatamente, de acordo com as premissas constantes nos
Considerandos 115 a 130 da Resolução da Corte Interamericana de
Direitos Humanos (SIC);
· TERCEIRA TESE JURÍDICA: O cômputo em dobro do tempo de
prisão nas unidades prisionais do Complexo do Curado como forma de
remição sui generis é aplicável aos presos por crimes hediondos e
equiparados, sendo exigido o exame criminológico apenas aos
condenados por crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes
sexuais, nos termos do Considerando 132 da Resolução da Corte
Interamericana de Direitos Humanos;
· QUARTA TESE JURÍDICA: O marco inicial da contagem em dobro do
tempo de prisão se dá a partir da data do ingresso da pessoa privada de
liberdade nas unidades prisionais do Complexo do Curado, sendo
aplicável a regra do art. 111 da Lei de Execução Penal para o cálculo da
remição sui geniris (SIC).

Na ocasião, acompanhei o posicionamento do Desembargador Relator, tendo


o Desembargador Carlos Moraes pedido vista, razão pela qual o julgamento foi adiado.
Inobstante, anteciparam os votos – inacolhendo as teses jurídicas propostas pelo
Relator – os Desembargadores Alexandre Assunção, Fausto Campos e Marco Maggi,
ficando suspensas as decisões dos juízes de 1º grau até a conclusão do julgamento do
incidente. A Desembargadora Daisy Andrade pediu vista sucessiva.

No último dia 16 de junho, foi acolhida, por unanimidade, a preliminar arguida


ex-officio pelo Desembargador Carlos Moraes a fim de converter o julgamento em
diligência, com vistas a intimar o Governador do Estado de Pernambuco para se
manifestar sobre a matéria objeto do presente incidente, nos termos do art. 983, do
Código de Processo Civil[1]. Nesta sessão, refluí do voto anteriormente proferido e
pedi vista dos autos.

O Estado de Pernambuco se manifestou através da petição de id. 22458431.

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Pois bem.

A questão nuclear do incidente cinge-se à análise da possibilidade de


aplicação imediata da contagem em dobro do tempo de prisão – cumprido no
Complexo do Curado –, independentemente de regulamentação ou arbitragem pela
União, sendo extraída do seguinte questionamento formulado pelo Ministério Público
na petição inicial: “c) a referida medida provisória é exequível independentemente de
arbitragem ou regulamentação pela União (lei ou decreto presidencial)?”.

Caso admitida a imediata aplicação, tem-se a vertente relativa à identificação


do instituto a ser utilizado para a contagem em dobro do tempo de prisão, delimitando-
se a respectiva natureza jurídica e os requisitos legais, materializada através das
seguintes indagações: “a) qual a natureza jurídica do cômputo em dobro do tempo de
prisão?; b) em relação aos crimes hediondos ou equiparados, a medida provisória
emanada da CDIH é constitucional?; d) se for de aplicação imediata pela Justiça
Estadual, quais as premissas para concessão da comutação da pena (perdão parcial),
em especial no que concerne ao reconhecimento ou não de violação à Súmula
Vinculante nº 56?; e) sendo a medida constitucional e aplicável aos crimes hediondos
ou equiparados, é necessário prévio estudo psicossocial (exame criminológico)?; f) se
aplicável, a partir de quando deve se considerar em dobro o tempo de prisão no
Complexo do Curado; e, g) se aplicável, no caso de penas unificadas decorrentes de
mais de um processo, é necessário destacar cada uma delas para realizar o cálculo
separadamente e depois reunificar para evitar a denominada ‘poupança de tempo de
prisão’?”.

Sabe-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos é uma instituição


judicial autônoma, órgão jurisdicional integrante da Convenção Americana de Direitos
Humanos (CADH), tratado do qual o Brasil é signatário.

Conquanto a jurisdição contenciosa da Corte IDH não seja obrigatória, sendo


cláusula facultativa da Convenção Americana de Direitos Humanos, o Brasil aderiu ao
referido dispositivo pelo Decreto Legislativo nº 89/98, o qual foi transmitido ao
Secretário-Geral da OEA em 10 de dezembro de 1998. Posteriormente, através do

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Decreto nº 4.463, de 08 de novembro de 2002, o Poder Executivo Federal promulgou o
reconhecimento da jurisdição internacional da Corte IDH no território nacional.

A Corte IDH possui competência tanto para emitir opiniões consultivas, sem
caráter vinculante, quanto para julgar casos de violação à Convenção Americana de
Direitos Humanos, exarando decisões vinculantes. Sobre o tema, leciona Valerio de
Oliveira Mazzuoli, na obra Curso de direitos humanos, 6. ed. – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019:

A Corte detém uma competência consultiva (relativa à interpretação


das disposições da Convenção, bem como das disposições de
outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos
Estados Americanos)33 e uma competência contenciosa, de caráter
jurisdicional, própria para o julgamento de casos concretos, quando
se alega que um dos Estados-partes na Convenção violou algum de
seus preceitos. Contudo, a competência contenciosa da Corte
Interamericana é limitada aos Estados-partes da Convenção que
reconheçam expressamente a sua jurisdição. (...).
A Corte não relata casos e não faz qualquer tipo de recomendação
no exercício de sua competência contenciosa, mas profere
sentenças, que, segundo o Pacto de San José, são definitivas e
inapeláveis (art. 67). Ou seja, as sentenças da Corte são
obrigatórias (a título de coisa julgada) para os Estados que
reconheceram a sua competência em matéria contenciosa. (...).
O tribunal interamericano, ainda, tem deixado expresso que a
determinação da obrigatoriedade de suas sentenças não pode ficar
ao arbítrio de um órgão do Estado, especialmente aquele que gerou
a violação de direitos humanos, não sendo possível,
por qualquer forma, subordinar a decisão internacional a questões
de direito interno que retirem a sua autoridade, pois tal tornaria
incerto o acesso à justiça que é parte do sistema tutelar dos direitos
humanos consagrado na Convenção Americana.38

Ainda em sede de jurisdição contenciosa, nas hipóteses de extrema


gravidade, a Corte IDH pode expedir Medidas Provisórias de caráter vinculante, com
vistas a evitar danos irreparáveis às pessoas. Tais Medidas podem ser tomadas de
ofício, nos casos submetidos ao conhecimento da Corte, ou a pedido da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (art. 63.2 da CADH).

Outrossim, “A jurisprudência da Corte IDH tem sustentado que as medidas

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provisórias podem proteger os membros de uma coletividade ou pessoas ligadas a
essa coletividade, bastando que tais pessoas, ainda que inominadas, sejam ao menos
identificáveis e determináveis (Corte IDH. Caso das Comunidades do Jiguamiandó e
do Curbaradó (relativo à Colômbia). Medida Provisória de Proteção. Resolução de
06.03.2003 parágrafos 9-11)”[2].

Na hipótese, cabe mencionar que o Complexo Penitenciário do Curado


(antigo Presídio Aníbal Bruno), é composto pelo Presídio ASP Marcelo Francisco de
Araújo (PAMFA), Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e Presídio Frei
Damião de Bozzano (PFDB).

Visando apurar evidências de que os reeducandos estavam em situação


degradante e de grave risco, o Complexo Penitenciário do Curado foi objeto de
procedimento para análise de tutelas de urgência requeridas, tendo a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos expedido Medidas Cautelares em 04 de agosto
de 2011.

Ante a ineficácia das medidas adotadas pela Comissão e o agravamento da


situação dos custodiados, o caso foi levado ao conhecimento da Corte Interamericana
de Direitos Humanos, a qual expediu a primeira Medida Provisória através da
Resolução de 22 de maio de 2014, tendo, em seguida, expedido Resoluções de
acompanhamento e promovido novas determinações em 7 de outubro de 2015, 18 de
novembro de 2015, 23 de novembro de 2016 e 15 de novembro de 2017.

Mantido o padrão sistêmico de violação dos direitos humanos, nova Medida


Provisória foi expedida pela Corte IDH, por meio da Resolução de 28 de novembro de
2018, determinando a contagem em dobro do tempo de prisão para os custodiados
nas unidades integrantes do Complexo do Curado, como forma de compensar o
sofrimento infligido pela situação degradante a que estão submetidos.

Aos reclusos por crimes contra a vida e a integridade física ou por delitos
sexuais, restou determinado que a conveniência da contagem em dobro do tempo de
prisão, ou sua redução em menor medida, está subordinada à realização de exame

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criminológico, in verbis (id. 16098443 - Págs. 36/38):

A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,

no exercício das atribuições que a ela conferem o artigo 63.2 da


Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo
instrumento, e o artigo 27 de seu Regulamento,

RESOLVE:

1. Requerer ao Estado que adote imediatamente todas as medidas


que sejam necessárias para proteger eficazmente a vida, a saúde e
a integridade pessoal de todas as pessoas privadas de liberdade no
Complexo de Curado bem como de qualquer pessoa que se
encontre nesse estabelecimento, inclusive os agentes
penitenciários, os funcionários e os visitantes. Solicitar também que
ponha em execução imediatamente o Diagnóstico Técnico e o
Plano de Contingência, de acordo com o exposto nos
Considerandos 8 a 13 da presente resolução.

(...).

4. O Estado deve tomar as medidas necessárias para que, em


atenção ao disposto na Súmula Vinculante No. 56, do Supremo
Tribunal Federal do Brasil, a partir da notificação da presente
resolução, não ingressem novos presos no Complexo de Curado, e
nem se efetuem traslados dos que estejam ali alojados para outros
estabelecimentos penais, por disposição administrativa. Quando,
por ordem judicial, se deva trasladar um preso a outro
estabelecimento, o disposto a seguir, a respeito do cômputo duplo,
valerá para os dias em que tenha permanecido privado de liberdade
no Complexo de Curado, em atenção ao disposto nos
Considerandos 118 a 133 da presente resolução.

5. O Estado deve adotar as medidas necessárias para que o


mesmo cômputo se aplique, conforme o disposto a seguir, para
aqueles que tenham deixado o Complexo de Curado, em tudo o
que se refere ao cálculo do tempo em que nele tenham
permanecido, de acordo com os Considerandos 118 a 133 da
presente resolução.

6. O Estado deverá arbitrar os meios para que, no prazo de seis


meses a contar da presente decisão, se compute em dobro cada
dia de privação de liberdade cumprido no Complexo de Curado,
para todas as pessoas ali alojadas que não sejam acusadas de
crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais,
ou não tenham sido por eles condenadas, nos termos dos
Considerandos 118 a 133 da presente resolução.

7. O Estado deverá organizar, no prazo de quatro meses a partir da


presente decisão, uma equipe criminológica de profissionais, em

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especial psicólogos e assistentes sociais, sem
prejuízo de outros, que, em pareceres assinados pelo menos por
três deles, avalie o prognóstico de conduta, com base em
indicadores de agressividade dos presos alojados no Complexo de
Curado, acusados de crimes contra a vida e a integridade física, ou
de crimes sexuais, ou por eles condenados. Segundo o resultado
alcançado em cada caso, a equipe criminológica, ou pelo menos
três de seus profissionais, conforme o prognóstico de conduta a que
tenha chegado, aconselhará a conveniência ou inconveniência do
cômputo em dobro do tempo de privação de liberdade ou, então,
sua redução em menor medida.

8. O Estado deverá dotar a equipe criminológica do número de


profissionais e da infraestrutura necessária para que seu trabalho
possa ser realizado no prazo de oito meses a partir de seu início.

(...).

14. Dispor que o Estado, imediatamente, leve a presente resolução


ao conhecimento dos órgãos encarregados do monitoramento das
presentes medidas provisórias bem como do Supremo Tribunal
Federal e do Conselho Nacional de Justiça.

Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário de Curado a


respeito do Brasil. Resolução de 28 de novembro de 2018, da Corte
Interamericana de Direitos Humanos. Resolução

Diante das decisões conflitantes exaradas pelas Varas de Execução Penal


do Estado, a respeito da imediata aplicabilidade da contagem em dobro do tempo de
prisão, cabe inicialmente tecer considerações sobre a adequação da medida
internacional com a nossa Lei Fundamental.

Conquanto oriunda de decisão da Corte IDH, a Resolução de 28 de


novembro de 2018 deve se submeter ao controle de constitucionalidade, sendo
analisada a sua compatibilidade com a Constituição Federal, sobretudo pela natureza
jurídica supralegal da Convenção Americana de Direitos Humanos.

O suscitante defende que a contagem em dobro afrontaria regras e princípio


constitucionais: da isonomia, da coisa julgada, da vedação de normas
despenalizadoras para crimes hediondos e da competência privativa do Presidente da
República para indulto e comutação de penas.

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A República Federativa do Brasil possui como um de seus pilares
constitucionais o postulado da dignidade da pessoa humana, do qual decorre, dentre
outras, a necessidade de assegurar a integridade física e moral dos presos, consoante
se infere dos arts. 1º, III[3] e 5º, XLIX[4], ambos da Constituição Federal.

Nesse toar, o Ministro Alexandre de Moraes, em sua obra Direito


Constitucional, 33. ed. – São Paulo: Atlas, 2017, in verbis:

Ressalte-se, contudo, que a supremacia absoluta das normas


constitucionais e a prevalência do princípio da dignidade da
pessoa humana como fundamento basilar da República37 obrigam
o intérprete, em especial o Poder Judiciário, no exercício de sua
função interpretativa, aplicar não só a norma mais favorável à
proteção aos Direitos Humanos, mas, também, eleger em seu
processo hermenêutico, a interpretação que lhe garanta a maior e
mais ampla proteção.38

Destarte, a assertiva de que a decisão tomada pela Corte IDH seria


incompatível com a Constituição Federal, por afrontar o princípio da isonomia,
não merece prosperar.

A par do valor supremo concedido à dignidade da pessoa humana, não se


mostra plausível deixar de aplicar a contagem em dobro do tempo de prisão, para os
custodiados no Complexo do Curado, em virtude das condições existentes nas outras
unidades prisionais do Estado de Pernambuco.

As medidas impostas pela Corte IDH foram precedidas de inúmeras


inspeções no Complexo do Curado, tendo sido franqueado o contraditório ao Estado
Brasileiro e a participação de diversos atores ligados à execução penal.

Como a Medida Provisória de 28 de novembro de 2018 da Corte IDH apenas


reconheceu a situação degradante e desumana dos custodiados nas unidades

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integrantes do Complexo do Curado, o qual não teve redução efetiva de sua
superpopulação carcerária desde 2011, conforme se extrai das recentes informações
prestadas pelo Estado de Pernambuco (id. 22458431), é defeso deixar de dar
prevalência ao postulado da dignidade da pessoa humana sob a alegação de que as
demais unidades integrantes do sistema prisional de Pernambuco estariam na mesma
situação, à míngua de qualquer inspeção ou resolução internacional a respeito das
respectivas condições.

Mutatis mutandis, o Superior Tribunal de Justiça entendeu ser inaplicável,


aos reeducandos de outra unidade prisional, a determinação da contagem em dobro
do tempo de prisão concedido para os custodiados no Instituto Penal Plácido de Sá
Carvalho, no estado do Rio de Janeiro (objeto de determinação semelhante à contida
na Resolução referente ao Complexo do Curado). Senão vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. IMPUGNAÇÃO


DEFENSIVA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE.
INOCORRÊNCIA. PREVISÃO DE JULGAMENTO EM DECISÃO
MONOCRÁTICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO. PEDIDO DE
CÔMPUTO EM DOBRO DO PERÍODO DE PRIVAÇÃO DE
LIBERDADE NO PRESÍDIO REGIONAL DE JOINVILLE/SC.
PRESO EM CONDIÇÕES PRECÁRIAS E DEGRADANTES.
AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL E JURISPRUDENCIAL.
RESOLUÇÃO CORTE IDH 22/11/2018 SOBRE A PRIVAÇÃO DE
LIBERDADE NO INSTITUTO PENAL PLÁCIDO DE SÁ
CARVALHO/RJ. EFICÁCIA INTER PARTES. AGRAVO
IMPROVIDO.
1. Segundo reiterada manifestação desta Corte, não viola o
princípio da colegialidade a decisão monocrática do Relator calcada
em jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, tendo
em vista a possibilidade de submissão do julgado ao exame do
Órgão Colegiado, mediante a interposição de agravo regimental. [..]
(AgRg no HC 650.370/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA
TURMA, julgado em 13/04/2021, DJe 29/04/2021).
2. Já decidiu esta Corte que [...] Hipótese concernente ao notório
caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho no Rio de Janeiro
(IPPSC), objeto de inúmeras Inspeções que culminaram com a
Resolução da Corte IDH de 22/11/2018, que, ao reconhecer
referido Instituto inadequado para a execução de penas,
especialmente em razão de os presos se acharem em situação
degradante e desumana, determinou que se computasse "em dobro
cada dia de privação de liberdade cumprido no IPPSC, para todas
as pessoas ali alojadas, que não sejam acusadas de crimes contra
a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham
sido por eles condenadas, nos termos dos Considerandos 115 a
130 da presente Resolução". [...] 4. A sentença da Corte IDH
produz autoridade de coisa julgada internacional, com eficácia

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vinculante e direta às partes. [...] (AgRg no RHC 136.961/RJ, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA,
julgado em 15/06/2021, DJe 21/06/2021).
3. Ocorre que a Resolução da eg. Corte Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH) de 22/11/2018 reconheceu
inadequado apenas o Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho
para a execução de penas, aos reeducandos que se encontram
em situação degradante e desumana, determinando o
cÔmputo, em dobro, de cada dia de pena privativa de liberdade
lá cumprida. Eficácia inter partes da decisão. Não inclusão,
portanto, do Presídio de Joinville/SC, em relação ao qual não
há notícia de qualquer inspeção e resolução específica da
referida Corte sobre as condições da unidade prisional.
4. Dessa forma, não há amparo jurisprudencial nem legal à
concessão do cômputo em dobro de cada dia de privação de
liberdade cumprido pelo agravante no Presídio Regional de
Joinville.
5. Agravo regimental não provido.
(STJ - AgRg no HC n. 706.114/SC, relator Ministro Reynaldo
Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de
29/11/2021). Grifei.

Ademais, a contagem em dobro do tempo de prisão determinada pela


Corte IDH não viola o princípio da coisa julgada.

Malgrado a coisa julgada desempenhe um papel relevante para as decisões


judiciais condenatórias, pode ser afastada de modo excepcional, através da
propositura de Revisão Criminal, corrigindo eventual erro judiciário, o que demonstra
não possuir caráter absoluto.

Os comandos das sentenças penais com trânsito em julgado não foram


alterados pela decisão da Corte IDH. Na verdade, como decorrência das condições
desumanas e degradantes a que estão submetidos os reeducandos do Complexo do
Curado, a Corte Interamericana apenas determinou uma forma de compensação pelo
mal infligido.

Pensar de maneira diversa seria, por via oblíqua, sustentar a


inconstitucionalidade dos institutos que influenciam diretamente o cumprimento das
penas impostas aos condenados, como a remição, a detração penal e o indulto.

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Quanto à alegada ofensa à vedação de normas despenalizadoras para
crimes hediondos, valho-me das palavras do Desembargador Relator:

O Conselho Nacional de Justiça apresenta três possibilidades


para a classificação ou aplicação analógica da compensação penal
determinada pela Corte Internacional na sua convencionalidade
com o direito interno: I) considerar a contagem em dobro como uma
espécie autônoma de mecanismo de aceleração do cumprimento
da pena privativa de liberdade em condições ilícitas, desumanas e
degradantes. II) aplicá-la como modalidade qualitativa de detração
penal; e III) aplicá-la, analogicamente, como forma de remição.
Com efeito, todas as possibilidades sugeridas pelo CNJ – e que
serão definidas na análise das questões adjacentes desse incidente
– não se confundem com a graça ou anistia, que são os institutos
vedados expressamente pela Constituição Federal,
pelo que não observo qualquer ofensa à vedação constitucional de
normas despenalizadoras para crimes hediondos.

Como reforço, acrescento que a redação original da Lei dos Crimes


Hediondos previa que as respectivas penas seriam cumpridas integralmente em
regime fechado, o que foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal
no HC nº 82.959, da Relatoria do Ministro Marco Aurélio, julgado em 23 de fevereiro de
2006.

O Congresso Nacional alterou a redação original do § 1º do art. 2º da Lei nº


8.072/90[5], prescrevendo que as penas dos crimes hediondos seriam cumpridas
inicialmente no regime fechado.

Todavia, no Habeas Corpus nº 111.840, da Relatoria do Ministro Dias Toffoli,


julgado na sessão de 27 de junho de 2012, a Suprema Corte reconheceu que a
inconstitucionalidade permanecia, pois as vedações impostas aos crimes
hediondos e equiparados foram expressamente previstas na Constituição
Federal – são inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia –, razão pela qual a
nova redação dada à Lei de Crimes Hediondos continuava com a mesma pecha,
violando o princípio da individualização da pena.

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Posteriormente, ao analisar o Tema 972, o Supremo Tribunal Federal sob a
sistemática da repercussão geral fixou a seguinte Tese: “É inconstitucional a fixação ex
lege, com base no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/1990, do regime inicial fechado, devendo
o julgador, quando da condenação, ater-se aos parâmetros previstos no artigo 33 do
Código Penal”.

Assim, tendo como base que o próprio Conselho Nacional de Justiça


classificou a contagem em dobro, do tempo de prisão no Complexo do Curado, como
mecanismo de aceleração do cumprimento da sanção imposta, como espécie
qualitativa de detração penal ou como uma forma de remição e que, dentre as
restrições impostas aos crimes hediondos e equiparados pela Constituição Federal
não se encontram presentes os mencionados institutos, inexiste incompatibilidade
entre a decisão da Corte IDH e a vedação de normas despenalizadoras.

Frise-se que na hipótese de crimes contra a vida e a integridade física ou de


delitos sexuais, os presos deverão se submeter a exame criminológico para aferição
da possibilidade da contagem em dobro do tempo de segregação ou sua redução em
menor medida, consoante se extrai do Considerando 132 e dos Pontos Resolutivos 7 e
8 da Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A compensação penal em comento não ilide a adoção de outras medidas


destinadas ao desencarceramento, como previsto na Súmula Vinculante nº 56, do
Supremo Tribunal Federal[6] e na Recomendação nº 62, do Conselho Nacional de
Justiça[7], adotada durante a pandemia do coronavírus.

Sob o mesmo fundamento, inexiste qualquer inconstitucionalidade por


suposta violação à competência privativa do Presidente da República para o
indulto e comutação de penas.

O indulto é uma das formas de renúncia do Estado ao direito de punir,


concedido pelo Presidente da República no exercício do poder discricionário, através
do qual são apagados os efeitos executórios da condenação, permanecendo
incólumes os efeitos penais secundários e os efeitos civis decorrentes da prática

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delitiva.

O benefício é considerado pleno quando extingue totalmente a pena; todavia,


quando for parcial, somente diminuindo ou substituindo a reprimenda imposta, é
chamado de comutação.

Como acima já explanado, a contagem em dobro não se trata da concessão


de um perdão aos reeducandos do Complexo Prisional do Curado, mas sim uma forma
de compensação pela forma degradante de custódia a que estão submetidos. Razão,
pela qual, o próprio CNJ considerou que essa compensação deve ser classificada
como uma espécie de aceleração do cumprimento da pena, como uma modalidade
qualitativa de detração penal ou uma forma de remição, sendo frágil a tese de violação
ao art. 84, XII, da Constituição Federal[8].

Assentada a conformidade da Resolução de 28 de novembro de 2018 da


Corte IDH, Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação ao Brasil, com a
Constituição Federal, é defeso a utilização de obstáculos internos para impedir
que a Medida Provisória seja cumprida imediatamente e de forma integral,
sobretudo em razão do seu caráter vinculante.

Como alhures esmiuçado, por ser signatário da Convenção Americana de


Direitos Humanos, tendo se submetido à jurisdição contenciosa da Corte IDH – desde
a adesão à cláusula facultativa –, a decisão internacional relativa à contagem em
dobro possui autoridade de coisa julgada internacional, com efeito direto e vinculante
às partes envolvidas.

Sobre o tema, a decisão do Supremo Tribunal Federal em Medida Cautelar


na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. MEDIDA CAUTELAR EM


ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL. OMISSÃO ESTRUTURAL DO PODER PÚBLICO
NA ADOÇÃO DE MEDIDAS PARA A REDUÇÃO DA LETALIDADE
POLICIAL. VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS. NECESSIDADE

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DE INTERPRETAÇÃO DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS.
CONHECIMENTO DA ARGUIÇÃO. LIMITAÇÕES LEGAIS PARA O
DEFERIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR EM SEDE DE OMISSÃO
INCONSTITUCIONAL. INDEPENDÊNCIA E AUDITABILIDADE
DAS PERÍCIAS DO ESTADO. PROTOCOLO DE MINNESOTA.
LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS ÀS OPERAÇÕES POLICIAIS
NAS PROXIMIDADE DE ESCOLAS. DIREITO DAS CRIANÇAS E
ADOLESCENTES. ABSOLUTA PRIORIDADE. FUNÇÃO DO
CONTROLE EXTERNO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DEVER DE
INVESTIGAR EM CASOS DE SUSPEITA DE ILÍCITOS
PRATICADOS POR AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA.
MEDIDA CAUTELAR PARCIALMENTE DEFERIDA. 1. É cabível a
arguição de descumprimento de preceito fundamental quando
houver (i) uma violação generalizada de direitos humanos; (ii) uma
omissão estrutural dos três poderes; e (iii) uma necessidade de
solução complexa que exija a participação de todos os poderes. 2.
A violação generalizada é a consequência da omissão estrutural do
cumprimento de deveres constitucionais por parte de todos os
poderes e corresponde, no âmbito constitucional, à expressão
“grave violação de direitos humanos”, constante do art. 109, § 5º, da
CRFB. A utilização da expressão grave violação no âmbito da
jurisdição constitucional permite identificar o liame não apenas entre
a magnitude da violação, mas também entre suas características,
ao se exigir do Tribunal que examine o tema à luz da jurisprudência
das organizações internacionais de direitos humanos. A omissão
estrutural é a causa de uma violação generalizada, cuja solução
demanda uma resposta complexa do Estado, por isso, é necessário
demonstrar não apenas a omissão, mas também o nexo. A
necessidade de solução complexa pode ser depreendida de
decisões proferidas pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos, especialmente se dela for parte o Estado brasileiro. 3. A
Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Favela
Nova Brasília, reconheceu que há omissão relevante do Estado
do Rio de Janeiro no que tange à elaboração de um plano para
a redução da letalidade dos agentes de segurança. Ademais,
em decisão datada de 22 de novembro de 2019, em processo
de acompanhamento das decisões já tomadas por ela,
conforme previsão constante do art. 69 de seu regimento
interno, a Corte fez novamente consignar a mora do Estado
brasileiro relativamente à ordem proferida. Não obstante a
nitidez do comando vinculante, a superação normativa de uma
omissão inconstitucional, não é providência a ser solvida em
sede de cautelar, nos termos do art. 12-F, § 1º, da Lei 9.868, de
1999. 4. Não cabe ao Judiciário o exame minudente de todas as
situações em que o uso de um helicóptero ou a prática de tiro
embarcado possa ser justificada, mas é dever do Executivo
justificar à luz da estrita necessidade, caso a caso, a razão para
fazer uso do equipamento, não apenas quando houver letalidade,
mas também sempre que um disparo seja efetuado. No exercício
de sua competência material para promover as ações de
policiamento, o Poder Executivo deve dispor de todos os meios
legais necessários para cumprir seu mister, desde que haja
justificativa hábil a tanto, verificável à luz dos parâmetros

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internacionais. (...). 11. Medida cautelar parcialmente deferida.
(STF - ADPF 635 MC, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno,
julgado em 18/08/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-254
DIVULG 20-10-2020 PUBLIC 21-10-2020 REPUBLICAÇÃO: DJe-
107 DIVULG 01-06-2022 PUBLIC 02-06-2022). Grifei.

Por ser relevante, impende transcrever excerto do voto proferido pelo


Ministro Edson Fachin no bojo da mencionada Medida Cautelar na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental, in verbis:

Em termos mais concretos, o quadro de violação generalizada


pode ser comprovado mediante denúncias feitas por organizações
internacionais, pelos relatórios da Revisão Periódica Universal e
pelas relatorias especiais estabelecidas pela Conselho de Direitos
Humanos, pelas observações aprovadas pelos comitês do sistema
de tratados, pelos
informes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e por
decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
O requerente, no caso em tela, busca comprovar o quadro,
por meio da decisão proferida pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos no Caso Favela Nova Brasília vs. Brasil,
sentença de 16 de fevereiro de 2017 (eDOC 7).
De fato, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, cujas
decisões são vinculantes para o Estado brasileiro, nos termos
do artigo 68.1 do Pacto de São José da Costa Rica, ratificado
em 25.09.1992 e promulgado pelo Decreto n. 678, de 6 de
novembro de 1992, assentou que (...).

Vale destacar, ainda, a recente decisão do Ministro do Supremo Tribunal


Federal Edson Fachin, na Medida Cautelar no Habeas Corpus nº 208.337, proferida no
último dia 30 de junho, a qual reconheceu a força vinculante da Medida Provisória
expedida pela Corte IDH e deferiu em parte o pedido liminar para que o paciente,
recluso no Complexo do Curado em virtude de condenação por crime contra a vida, “
(...) seja avaliado por uma equipe criminológica que preencha os requisitos
estabelecidos pelo item 7 do dispositivo da Resolução da Corte Interamericana de
Direitos Humanos de 28 de novembro de 2018; (ii) o Juízo da Execução profira nova
decisão a respeito da cômputo do período de cumprimento de pena pelo paciente no
Complexo Prisional do Curado à luz da avaliação efetuada e da mencionada resolução
”.

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Tal entendimento, a respeito da natureza vinculante das decisões oriundas
da jurisdição contenciosa da Corte IDH, é compartilhado pelo Superior Tribunal
Justiça, destacando-se o já mencionado AgRg no HC n. 706.114/SC, relator Ministro
Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de
29/11/2021.

Logo, diante do caráter vinculante da decisão internacional e do princípio pro


persona, com vistas a dar prevalência ao postulado da dignidade da pessoa humana,
deve a Resolução da Corte IDH ser aplicada à míngua de qualquer normatização ou
regulamentação interna ou de arbitragem.

Pontue-se, ainda, que ao conceder o prazo de 06 (seis) meses para que o


Estado arbitre meios para viabilizar o cômputo em dobro do tempo de segregação, a
Corte IDH franqueou um lapso temporal a fim de que os órgãos responsáveis pela
execução penal fossem apetrechados para tanto. Ou seja, um prazo para que fossem
disponibilizados pessoal e meios técnicos e operacionais para a execução da decisão
internacional.

De mais a mais, não se pode admitir que a contagem em dobro se


restrinja apenas ao período posterior à notificação do Brasil sobre a expedição
da Medida Provisória.

Com efeito, a contagem em dobro deve abarcar todo o período de


segregação na unidade considerada em situação degradante, dando-se prevalência ao
princípio pro persona, que exige sempre a interpretação mais favorável ao indivíduo.

Sobre a questão, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO REGIMENTAL. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL.


LEGITIMIDADE. IPPSC (RIO DE JANEIRO). RESOLUÇÃO CORTE
IDH 22/11/2018. PRESO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES.
CÔMPUTO EM DOBRO DO PERÍODO DE PRIVAÇÃO DE
LIBERDADE. OBRIGAÇÃO DO ESTADO-PARTE. SENTENÇA DA
CORTE. MEDIDA DE URGÊNCIA. EFICÁCIA TEMPORAL.
EFETIVIDADE DOS DIREITOS HUMANOS. PRINCÍPIO PRO

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PERSONAE. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE.
INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO INDIVÍDUO, EM SEDE
DE APLICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM ÂMBITO
INTERNACIONAL (PRINCÍPIO DA FRATERNIDADE -
DESDOBRAMENTO). SÚMULA 182 STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Legitimidade do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro
para interposição do agravo regimental. "Não há sentido em se
negar o reconhecimento do direito de atuação dos Ministérios
Públicos estaduais e do Distrito Federal perante esta Corte, se a
interpretação conferida pelo STF, a partir de tema que assume,
consoante as palavras do Ministro Celso de Mello, 'indiscutível
relevo jurídico-constitucional' (RCL-AGR n.7.358) aponta na direção
oposta, após evolução jurisprudencial acerca do tema" (AgRg nos
EREsp n. 1.256.973/RS, Relatora Ministra LAURITA VAZ, Relator
p/ acórdão Ministro ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, Terceira Seção,
julgado em 27/8/2014, DJe 6/11/2014).
2. Hipótese concernente ao notório caso do Instituto Penal
Plácido de Sá Carvalho no Rio de Janeiro (IPPSC), objeto de
inúmeras Inspeções que culminaram com a Resolução da
Corte IDH de 22/11/2018, que, ao reconhecer referido Instituto
inadequado para a execução de penas, especialmente em
razão de os presos se acharem em situação degradante e
desumana, determinou que se computasse "em dobro cada dia
de privação de liberdade cumprido no IPPSC, para todas as
pessoas ali alojadas, que não sejam acusadas de crimes contra
a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não
tenham sido por eles condenadas, nos termos dos
Considerandos 115 a 130 da presente Resolução".
3. Ao sujeitar-se à jurisdição da Corte IDH, o País alarga o rol de
direitos das pessoas e o espaço de diálogo com a comunidade
internacional. Com isso, a jurisdição brasileira, ao basear-se na
cooperação internacional, pode ampliar a efetividade dos direitos
humanos.
4. A sentença da Corte IDH produz autoridade de coisa julgada
internacional, com eficácia vinculante e direta às partes. Todos
os órgãos e poderes internos do país encontram-se obrigados
a cumprir a sentença. Na hipótese, as instâncias inferiores ao
diferirem os efeitos da decisão para o momento em que o
Estado Brasileiro tomou ciência da decisão proferida pela
Corte Interamericana, deixando com isso de computar parte do
período em que o recorrente teria cumprido pena em situação
considerada degradante, deixaram de dar cumprimento a tal
mandamento, levando em conta que as sentenças da Corte
possuem eficácia imediata para os Estados Partes e efeito
meramente declaratório.
5. Não se mostra possível que a determinação de cômputo em
dobro tenha seus efeitos modulados como se o recorrente
tivesse cumprido parte da pena em condições aceitáveis até a
notificação e a partir de então tal estado de fato tivesse se
modificado. Em realidade, o substrato fático que deu origem ao
reconhecimento da situação degradante já perdurara
anteriormente, até para que pudesse ser objeto de
reconhecimento, devendo, por tal razão, incidir sobre todo o

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período de cumprimento da pena.
6. Por princípio interpretativo das convenções sobre direitos
humanos, o Estado-parte da CIDH pode ampliar a proteção dos
direitos humanos, por meio do princípio pro personae,
interpretando a sentença da Corte IDH da maneira mais
favorável possível aquele que vê seus direitos violados.
7. As autoridades públicas, judiciárias inclusive, devem exercer o
controle de convencionalidade, observando os efeitos das
disposições do diploma internacional e adequando sua estrutura
interna para garantir o cumprimento total de suas obrigações frente
à comunidade internacional, uma vez que os países signatários são
guardiões da tutela dos direitos humanos, devendo empregar a
interpretação mais favorável ao ser humano.
- Aliás, essa particular forma de parametrar a interpretação das
normas jurídicas (internas ou internacionais) é a que mais se
aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da
dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos, bem como
tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e
construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I, II e III do
art. 3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de
sociedade que o preâmbulo da respectiva Carta Magna caracteriza
como "fraterna" (HC n. 94163, Relator Min. CARLOS BRITTO,
Primeira Turma do STF, julgado em 2/12/2008, DJe-200 DIVULG
22/10/2009 PUBLIC 23/10/2009 EMENT VOL-02379-04 PP-00851).
O horizonte da fraternidade é, na verdade, o que mais se ajusta
com a efetiva tutela dos direitos humanos fundamentais. A certeza
de que o titular desses direitos é qualquer pessoa, deve sempre
influenciar a interpretação das normas e a ação dos atores do
Direito e do Sistema de Justiça.
- Doutrina: BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como categoria
constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2007; MACHADO, Carlos
Augusto Alcântara. A Fraternidade como Categoria Jurídica:
fundamentos e alcance (expressão do constitucionalismo fraternal).
Curitiba: Appris, 2017; MACHADO, Clara. O Princípio Jurídico da
Fraternidade.
- um instrumento para proteção de direitos fundamentais
transindividuais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017; PIOVESAN,
Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional.
Sâo Paulo: Saraiva, 2017; VERONESE, Josiane Rose Petry;
OLIVEIRA, Olga Maria Boschi Aguiar de; Direito, Justiça e
Fraternidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.
8. Os juízes nacionais devem agir como juízes interamericanos
e estabelecer o diálogo entre o direito interno e o direito
internacional dos direitos humanos, até mesmo para diminuir
violações e abreviar as demandas internacionais. É com tal
espírito hermenêutico que se dessume que, na hipótese, a
melhor interpretação a ser dada, é pela aplicação a Resolução
da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de
novembro de 2018 a todo o período em que o recorrente
cumpriu pena no IPPSC.
9. A alegação inovadora, trazida em sede de agravo regimental,
no sentido de que a determinação exarada pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos, por meio da Resolução

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de 22 de novembro de 2018 da CIDH, teria a natureza de
medida cautelar provisória e que, ante tal circunstância,
mencionada Resolução não poderia produzir efeitos
retroativos, devendo produzir efeitos jurídicos ex nunc, não
merece guarida. O caráter de urgência apontado pelo
recorrente na medida provisória indicada não possui o condão
de limitar os efeitos da obrigação decorrentes da Resolução de
22 de novembro de 2018 da CIDH para o futuro (ex nunc), mas
sim de apontar para a necessidade de celeridade na adoção
dos meios de seu cumprimento, tendo em vista, inclusive, a
gravidade constatada nas pecualiaridades do caso.
10. Por fim, de se apontar óbice de cunho processual ao provimento
do recurso de agravo interposto, consistente no fato de que o
recorrente se limitou a indicar eventuais efeitos futuros da
multimencionada Resolução de 22 de novembro de 2018 da CIDH
fulcrado em sua natureza de medida de urgência, sem, contudo,
atacar os fundamentos da decisão agravada, circunstância apta a
atrair o óbice contido no Verbete Sumular 182 do STJ, verbis: "É
inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar
especificamente os fundamentos da decisão agravada."
11. Negativa de provimento ao agravo regimental interposto,
mantendo, por consequênci, a decisão que, dando provimento ao
recurso ordinário em habeas corpus, determinou o cômputo em
dobro de todo o período em que o paciente cumpriu pena no
Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, de 09 de julho de 2017 a 24
de maio de 2019.
(STJ – AgRg no RHC n. 136.961/RJ, relator Ministro Reynaldo
Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/6/2021, DJe de
21/6/2021). Grifei.

No que se refere à natureza jurídica do cômputo em dobro do tempo de


prisão e às premissas para concessão como hipótese de comutação da pena,
perfilho do entendimento esposado pelo Desembargador Relator e entendo que
essa compensação deve ser considerada como uma forma de remição sui
generis.

A remição é o direito que o condenado, ou a pessoa segregada de forma


cautelar, possui para reduzir o tempo de cumprimento da pena, através do abatimento
de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de estudo ou a cada 3 (três) dias de
trabalho, nos termos do art. 126, da Lei de Execuções Penais[9].

Ademais, nos estritos termos do art. 128, da LEP, na redação dada pela Lei

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nº 12.433/11, “O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os
efeitos”, o que se coaduna com a determinação do cômputo em dobro, sendo uma
resposta às violações dos direitos humanos.

Como bem pontuado pelo Desembargador Relator:

Após sopesar os argumentos apresentados, bem como a


experiência aplicada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro no cumprimento da mesma medida provisória, data vênia
aos entendimentos contrários, entendo que a compensação penal
determinada pela Corte Interamericana deve ser aplicada no direito
interno, analogicamente, como forma de remição sui generis, dentro
das premissas constantes nos Considerandos 115 a 130 da
Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
(...).
Ademais, a jurisprudência superior tem admitido o uso da
analogia in bonam partem e interpretação extensiva no tocante à
inclusão de outras atividades para fins de remição de pena, o que
reforça o entendimento de que o rol apresentado pela Lei de
Execução penal não é taxativo. É o que se percebe, por exemplo,
no recente julgamento do Habeas Corpus 663678/SP, apreciado
pelo Superior Tribunal de Justiça, em maio de 2021, ocasião em
que estabeleceu a possibilidade de remição por tempo de leitura;
bem como no julgamento do REsp 1.666.6379, em que o Superior
Tribunal de Justiça admitiu a remição da pena em decorrência do
envolvimento do condenado com as atividades artísticas de um
Coral.
Registre-se, ainda, que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, dando cumprimento à mesma medida provisória
internacional que determinou a contagem em dobro do tempo de
prisão das unidades prisionais do Complexo Curado, vem
realizando a mencionada compensação penal como forma de
remição, formando, portanto, precedente específico sobre a matéria
debatida.
(...).
Por fim, no que tange a forma de aplicação da compensação
penal nos casos de unificação da pena decorrentes de mais de um
processo, após a definição da referida compensação como forma
de remição sui generis nos critérios e requisitos definidos pelo Item
132 da Resolução Internacional, deve ser aplicada para a
internalização da decisão internacional a técnica jurídica disposta
no art. 111 da Lei de Execução Penal, a qual dispõe: “Quando
houver condenação por mais de um crime, no mesmo processo ou
em processos distintos, a determinação do regime de cumprimento
será feita pelo resultado da soma ou unificação das penas,
observada, quando for o caso, a detração ou remição”.

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Conquanto seja possível defender que o rol do art. 126, da LEP não é
taxativo, pontue-se que os Tribunais Superiores entendem ser vedada a concessão da
chamada remição ficta ou automática.

A inexistência de meios para o desempenho de atividades laborais ou


pedagógicas no estabelecimento prisional não autoriza a remissão ficta, sendo
necessário haver o efetivo desempenho dessas atividades.

Mesmo que o reeducando esteja recluso em estabelecimento prisional com


condições insalubres ou degradantes, os Tribunais Superiores inclinam-se pela
impossibilidade de concessão da remissão como forma de compensar a aflição sofrida.
Nessas situações, o preso possui o direito de ser indenizado em pecúnia, mas não
agraciado com a remição ficta.

Analisando o Tema 365, o Supremo Tribunal Federal sob a sistemática da


repercussão geral fixou a seguinte Tese: “Considerando que é dever do Estado,
imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de
humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos
do art. 37, § 6º, da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais,
comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das
condições legais de encarceramento”.

Relevante evidenciar parte das discussões travadas durante o julgamento do


RE nº 580.252, leading case do tema supratranscrito[10]:

Durante os debates do julgamento, o Min. Roberto Barroso


propôs que a indenização não fosse em dinheiro, mas sim por meio
de remição da pena. Dessa forma, em vez de receber uma
reparação pecuniária, os presos que sofrem danos morais por
cumprirem pena em presídios com condições degradantes teriam
direito ao “abatimento” de dias da pena (remição ficta).
Assim, pela proposta do Ministro Barroso, os danos morais
causados a presos por superlotação ou condições degradantes
deveriam ser reparados, preferencialmente, pela remição de parte
do tempo da pena – à razão de um dia de remição para cada 3 a 7

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dias cumpridos sob essas condições adversas, a critério do juiz da
Vara de Execuções Penais competente. Barroso argumentou que,
com a solução, ganha o preso, que reduz o tempo de prisão, e
ganha o Estado, que se desobriga de despender recursos com
indenizações, dinheiro que pode ser, inclusive, usado na melhoria
do sistema.
O voto do Min. Barroso foi acompanhado apenas pelos Ministros
Luiz Fux e Celso de Mello, ficando, portanto, vencido.
A maioria dos Ministros do STF decidiu que a indenização deve
ser mesmo em pecúnia.

Em harmonia, o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS


EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO
ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO. SITUAÇÃO
DEGRADANTE DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL.
1. A jurisprudência desta Corte não admite a remição da pena
baseada na situação degradante de estabelecimento prisional,
haja vista a falta de previsão legal. Precedentes.
2. Não é obrigação do julgador refutar especificamente cada
questão suscitada pela parte se, apreciada a matéria essencial,
seja possível verificar o acolhimento ou a rejeição de todos os
argumentos. Precedente.
3. Verifica-se que o acórdão recorrido não apreciou a matéria à luz
da alegada violação aos arts. 95, V, 110, § 2º, e 621, do Código de
Processo Penal, em que pese à oposição de embargos de
declaração. No caso, persistindo a omissão, caberia à defesa ter
alegado, nas razões do apelo especial, a ocorrência de violação ao
disposto no art. 619 do Código de Processo Penal, ônus do qual
não se desincumbiu. Logo, a questão carece de
prequestionamento, motivo pelo qual não poderia ser analisada
ante o que preceitua a Súmula n. 211/STJ. Precedente.
4. Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.541.056/MT, relator Ministro
Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe
de 8/8/2022). Grifei.

Entretanto, ressalvado o meu entendimento pessoal a respeito da forma


de compensação penal escolhida, vez que a indenização em pecúnia seria mais
razoável, a aparente contradição entre o posicionamento dos Tribunais
Superiores acerca da remição ficta e o conteúdo da decisão internacional não é
apta a inviabilizar a imediata aplicação da Medida Provisória.

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Frise-se que a voluntária submissão do Brasil à jurisdição contenciosa da
Corte IDH traz como consequência a necessidade de observância e de aplicação
imediata da decisão internacional em comento.

A decisão jurisdicional da Corte IDH foi proferida diante de um caso concreto


que lhe foi submetido – relativo à situação dos reclusos no Complexo do Curado –
sendo constatada violação a preceitos da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Como a natureza vinculante das decisões da Corte IDH, prevista no art. 68.1
da CADH[11], foi reconhecida pelos próprios Tribunais Superiores, resta ilógico
obstaculizar a aplicação da Medida Provisória, exigindo alguma regulamentação
interna ou arbitragem.

Diante de tais considerações, voto pelo acolhimento integral das teses


jurídicas propostas pelo Desembargador Relator, uniformizando-se a matéria em
debate.

Recife, data da sessão de julgamento.

Isaías Andrade Lins Neto


Desembargador

[1] Art. 983. O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia,
que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da
questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.

§ 1º Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e
conhecimento na matéria.

§ 2º Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente.

[2] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O TJ/PE instaurou IRDR para dirimir as divergências na aplicação da Resolução da CIDH de
22/11/2018 (cômputo da pena em dobro para os presos do Complexo do Curado); enquanto não julgado o IRDR, os processos
envolvendo o tema estão suspensos. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/1b38735595369838f208dd2b25315195>. Acesso em: 07/08/2022.
[3] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

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Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...);

III - a dignidade da pessoa humana;

(...).

[4] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...);

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

(...).

[5] Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
(Vide Súmula Vinculante)
(...).
§ 1º A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.
§ 1o A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado. (Redação dada pela Lei nº 11.464, de
2007)

(...).

[6] A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se
observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.

[7] Recomenda aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo
coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.

[8] Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:


(...)
XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;
(...).

[9] Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de
execução da pena. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011).
§ 1º A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de 1 (um) dia de pena por 3 (três) de trabalho.
§ 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de: (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011)
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou
superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias; (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)
II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho. (Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011)
(...).

[10] CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Não é possível a remição ficta da pena. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em:
<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/bac49b876d5dfc9cd169c22ef5178ca7>. Acesso em: 09/08/2022.

[11] Os Estados Partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes.

VOTO DE VISTA

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Em sessão realizada no dia 28 de abril do corrente ano, o
Desembargador Relator votou no sentido de acolher o incidente, propondo quatro
teses jurídicas a fim de uniformizar a matéria:

PRIMEIRA TESE JURÍDICA: Nos termos do art. 4º, inciso II, da CF/88 c/c o art. 68.1 do
Decreto 678/92 e art. 1º do Decreto 4463/02, a compensação penal correspondente ao
cômputo em dobro do tempo de prisão nas unidades prisionais do Complexo do Curado
determinada por sentença internacional, de caráter vinculante, oriunda da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, é constitucional e exequível independentemente
de arbitragem ou regulamentação pela União;

SEGUNDA TESE JURÍDICA: A contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades


prisionais do Complexo do Curado é compatível finalisticamente com o instituto da
remição, por aplicação analógica dos arts. 126 e seguintes da Lei de Execução Penal,
devendo ser aplicada, imediatamente, de acordo com as premissas constantes nos
Considerandos 115 a 130 da Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos
(SIC);

TERCEIRA TESE JURÍDICA: O cômputo em dobro do tempo de prisão nas unidades


prisionais do Complexo do Curado como forma de remição sui generis é aplicável aos
presos por crimes hediondos e equiparados, sendo exigido o exame criminológico
apenas aos condenados por crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes
sexuais, nos termos do Considerando 132 da Resolução da Corte Interamericana de
Direitos Humanos;

QUARTA TESE JURÍDICA: O marco inicial da contagem em dobro do tempo de prisão


se dá a partir da data do ingresso da pessoa privada de liberdade nas unidades
prisionais do Complexo do Curado, sendo aplicável a regra do art. 111 da Lei de
Execução Penal para o cálculo da remição sui geniris (SIC).

Na ocasião, foi acompanhado pelo e. Des. Isaias Andrade Lins Neto,


tendo o Desembargador Carlos Moraes pedido vista, razão pela qual o julgamento
foi adiado. Inobstante, anteciparam os votos – inacolhendo as teses jurídicas
propostas pelo Relator – os Desembargadores Alexandre Assunção, Fausto
Campos e Marco Maggi, ficando suspensas as decisões dos juízes de 1º grau até a
conclusão do julgamento do incidente. Pugnei por vista sucessiva.

No 16 de junho do corrente ano, foi acolhida, por unanimidade, a


preliminar arguida ex-officio pelo Desembargador Carlos Moraes a fim de converter

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o julgamento em diligência, com vistas a intimar o Governador do Estado de
Pernambuco para se manifestar sobre a matéria objeto do presente incidente, nos
termos do art. 983, do Código de Processo Civil. Nesta sessão, o e. Des. Isaías
Andrade Lins Neto refluí do voto anteriormente proferido e pediu vista dos autos.

O Estado de Pernambuco ofereceu manifestação (ID 22458431).

Após o voto do eminente Des. Isaías Andrade Lins Neto, foi levanta
questão de ordem em relação a apresentação do voto vista do Des. Carlos Moraes
quanto ao mérito do presente incidente, ou seja, quanto à possibilidade de
aplicação imediata da contagem em dobro do tempo de prisão – cumprido no
Complexo do Curado –, independentemente de regulamentação ou arbitragem pela
União, sendo extraída do seguinte questionamento formulado pelo Ministério
Público na petição inicial: “c) a referida medida provisória é exequível
independentemente de arbitragem ou regulamentação pela União (lei ou decreto
presidencial)?”.

Passo a análise do objeto da controvérsia.

De proemio destaco que, para o envio de um caso à Corte IDH, a


Comissão Interamericana segue previamente um rigoroso procedimento para
análise das tutelas de urgência requeridas (Regulamento CIDH, art. 25). Apenas
quando é evidenciada uma situação gravíssima de risco de dano irreparável à
pessoa, o órgão pode adotar uma medida cautelar. Após comunicação ao Estado
em questão, a Comissão passa a monitorar, sendo que apenas submete o caso à
jurisdição de urgência da Corte IDH quando se constata a inobservância das
providências elencadas.
In casu, foi levada à Corte Interamericana de Direitos Humanos a
situação de grave risco à vida, à saúde e a integridade das pessoas privadas de
liberdade no Complexo Penitenciário do Curado, situado em Recife/PE, surgiu após
a fragmentação do antigo Presídio Professor Aníbal Bruno – atualmente, compõe-
se pelas seguintes unidades: Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA),
Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e Presídio Frei Damião de
Bozzano (PFDB), sendo adotadas em 04 de agosto de 2011, medidas cautelares
pela Comissão Interamericana. Três anos depois, diante do agravamento da
situação e da ineficácia das medidas cautelares da Comissão IDH, o caso foi
submetido à jurisdição da Corte até adoção da medida provisória outorgada em
2014, in verbis:

“A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no uso das atribuições conferidas pelo


artigo 63.2 da Convenção Americana e pelo artigo 27 do Regulamento, resolve:

1. Requerer ao Estado que adote, de forma imediata, todas as medidas que sejam
necessárias para proteger eficazmente a vida e a integridade pessoal de todas as

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pessoas privadas de liberdade no Complexo de Curado, assim como de qualquer
pessoa que se encontre neste estabelecimento, incluindo os agentes
penitenciários, funcionários e visitantes, nos termos do Considerando 20 desta
Resolução.

2. Requerer ao Estado que, na medida do possível, mantenha os representantes dos


beneficiários informados sobre as medidas adotadas para a implementar a presente
medida provisória.

3. Requerer ao Estado que informe à Corte Interamericana de Direitos Humanos a cada


três meses, contados a partir da notificação da presente Resolução, sobre as medidas
provisórias adotadas em conformidade com esta decisão.

4. Solicitar aos representantes dos beneficiários que apresentem as observações que


considerem pertinentes ao relatório requerido no ponto resolutivo anterior dentro de um
prazo de quatro semanas, contado a partir do recebimento do referido relatório estatal.

5. Solicitar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que apresente as


observações que considere pertinentes ao relatório estatal requerido no ponto
resolutivo terceiro e às correspondentes observações dos representantes dos
beneficiários dentro de um prazo de duas semanas, contado a partir da transmissão
das referidas observações dos representantes.

6. Dispor que a Secretaria da Corte notifique a presente Resolução ao Estado, à


Comissão Interamericana e aos representantes dos beneficiários”.

Cumpre esclarecer que as primeiras decisões geralmente deferem


aos Estados a possibilidade de se organizarem, conforme suas opções de políticas
públicas disponíveis e seus próprios desenhos de ações de enfrentamento ao
problema, sem determinar os meios a serem adotados. A Corte Interamericana, em
suas decisões, só avança para a imposição de obrigações de meio (como é o caso
da imposição de compensações penais para alcançar resultados) quando o Estado,
dentro de sua margem de discricionariedade, não apresenta resultados satisfatórios
aptos a eliminar os riscos que deram ensejo ao problema.

Desde então a Corte já adotou seis decisões sobre o Curado: a


resolução que inicialmente defere a medida provisória (em 2014), seguida de
resoluções (geralmente anuais) para a supervisão do cumprimento da decisão.
Nesse sentido, destacam-se:

1. 1º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação


ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 22 de maio de 2014;
2. 2º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação
ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 7 de outubro de 2015;
3. 3º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação
ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 18 de novembro de 2015;
4. 4º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação
ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 23 de novembro de 2016;
5. 5º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação

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ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 15 de novembro de 2017;
6. 6º ciclo: Corte IDH. Assunto do Complexo Penitenciário do Curado em relação
ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 28 de novembro de 2018.

É exatamente a partir da medida provisória oriunda da Resolução de


28 de novembro de 2018 (6º Ciclo) que a Corte Interamericana de Direitos
Humanos determina, como forma de compensação pelo sofrimento antijurídico
decorrido da execução da pena, a contagem em dobro do tempo de prisão nas
unidades prisionais integrantes do Complexo do Curado, conforme se observa nas
considerações a seguir:
“123. Em princípio, e dado que é inegável que as pessoas privadas de liberdade no
Complexo de Curado podem estar sofrendo uma pena que lhes impõe um sofrimento
antijurídico muito maior que o inerente à mera privação de liberdade, por um lado, é
justo reduzir seu tempo de encarceramento, para o que se deve ater a um cálculo
razoável, e, por outro, essa redução implica compensar, de algum modo, a pena até
agora sofrida na parte antijurídica de sua execução. As penas ilícitas não deixam de ser
penas em razão de sua antijuricidade, e o certo é que vêm sendo executadas e
causando sofrimento, circunstância que não se pode negar para chegar a uma solução
o mais racional possível, em conformidade com a estrutura jurídica internacional e de
acordo com o mandamus do Supremo Tribunal Federal estabelecido na Súmula
Vinculante No. 56.

124. Dado que está fora de qualquer dúvida que a degradação em curso decorre da
superpopulação do Complexo de Curado, cuja densidade é superior a 200%, ou seja,
duas vezes sua capacidade, disso se deduziria que duplica também a inflicção
antijurídica eivada de dor da pena que se está executando, o que imporia que o tempo
de pena ou de medida preventiva ilícita realmente sofrida fosse computado à razão de
dois dias de pena lícita por dia de efetiva privação de liberdade em condições
degradantes.

125. Considera a Corte que a solução radical, antes mencionada, que se inclina pela
imediata liberdade dos presos em razão da inadmissibilidade de penas ilícitas em um
Estado de Direito, embora seja firmemente principista e na lógica jurídica quase
inobjetável, desconhece que seria causa de um enorme alarme social que pode ser
motivo de males ainda maiores.

126. Cabe pressupor, de forma absoluta, que as privações de liberdade dispostas pelos
juízes do Estado, a título penal ou cautelar, o foram no prévio entendimento de sua
licitude por parte dos magistrados que as dispuseram, porque os juízes não costumam
dispor prisões ilícitas. No entanto, são executadas ilicitamente e, por conseguinte, dada
a situação que persiste, e que nunca devia ter existido, mas existe, ante a emergência e
a situação real, o mais prudente é reduzi-las de forma que seja computado como pena
cumprida o excedente antijurídico de sofrimento não disposto ou autorizado pelos juízes
do Estado.

127. A via institucional para arbitrar esse cômputo, levando em conta como pena o
excesso antijurídico de dor ou sofrimento padecido, deverá ser escolhida pelo Estado,
conforme seu direito interno, não sendo a Corte competente para indicá-la.
Obviamente, nesse processo decisório, os juízes internos devem dar cumprimento ao
determinado pelo STF na Súmula Vinculante No. 56 (Considerandos 113 a 117 supra).
Não obstante isso, a Corte lembra que, conforme os princípios do Direito Internacional
dos Direitos Humanos, o Estado não poderá alegar descumprimento em virtude de

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obstáculos de direito interno”.

Realizada a contextualização, a questão nuclear do presente


incidente repousa no seguinte questionamento ministerial: “a referida medida
provisória é exequível independentemente de arbitragem ou regulamentação
pela União (lei ou decreto presidencial)?”.

De certo que o Brasil é signatário da Convenção Americana de


Direitos Humanos (CADH), denominada Pacto de São José da Costa Rica, sendo
promulgada por intermédio do Decreto n. 678/1992, passando, desde então, a ser
de observância integral do Estado.

É necessário frisar que a Constituição Brasileira de 1988 constitui o


marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos
humanos no Brasil. O texto de 1988, ao simbolizar a ruptura com o regime
autoritário, empresta aos direitos e garantias ênfase extraordinária, situando-se
como o documento mais avançado, abrangente e pormenorizado sobre a matéria,
na história constitucional do país.

O valor da dignidade humana — ineditamente elevado a princípio


fundamental da Carta, nos termos do artigo 1º, III — impõe-se como núcleo básico
e informador do ordenamento jurídico brasileiro, como critério e parâmetro de
valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional
instaurado em 1988. A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm a
constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e
dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro.
Na ordem de 1988 esses valores passam a ser dotados de uma especial força
expansiva, projetando-se por todo universo constitucional e servindo como critério
interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico nacional.

É neste contexto que há de se interpretar o disposto no artigo 5º, §2º


do texto constitucional, que, de forma inédita, tece a interação entre o Direito
Brasileiro e os tratados internacionais de direitos humanos. Ao fim da extensa
Declaração de Direitos enunciada pelo artigo 5º, a Carta de 1988 estabelece que os
direitos e garantias expressos na Constituição “não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte”.

Importa destacar que o Pacto de San José da Costa Rica, que possui nível
hierárquico supralegal, porém infraconstitucional no Direito brasileiro, tal como
explicitado no julgamento do Recurso Extraordinário n° 466343. De fato, os
Ministros reconheceram que a redação do artigo 4º (1) do Pacto comporta
exceções à regra nela contida em razão da sua própria redação (pela expressão

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“em geral”), e essas exceções podem ser previstas pelas leis internas.

O Supremo Tribunal Federal nas decisões sobre a Convenção Americana


sobre Direitos Humanos, que consiste em tratados de direitos humanos aprovados
antes da vigência da Emenda Constitucional n° 45, de 2004, enfatiza que esse tipo
normativo possui estatura supralegal e, assim, informa toda a legislação que se
encontra abaixo dele, porém infraconstitucional, observando as limitações impostas
pelas normas constitucionais, o que é o caso.

Analisando a Convenção propriamente dita, no tocante à enumeração de


deveres (Capítulo I), tem-se as diretrizes gerais impostas aos Estados aderentes,
in textus:

Artigo 1. Obrigação de respeitar os direitos


1. Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e
liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda
pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo
de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra
natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer
outra condição social.
2. Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

Artigo 2. Dever de adotar disposições de direito interno


Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não
estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados
Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais
e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra
natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

Passo adiante, no que se refere à faceta estruturante do Sistema


Interamericano, o art. 33 estabelece que são competentes para conhecer das
matérias concernentes na CADH: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (IDH).

De acordo com o art. 41 do Pacto de São José da Costa Rica, a


Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) possui a função primordial
de promover a observância e a defesa dos direitos humanos e detém as seguintes
atribuições:

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a. estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América;

b. formular recomendações aos governos dos Estados membros, quando o considerar


conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos
humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como
disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos;

c. preparar os estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho


de suas funções;

d. solicitar aos governos dos Estados membros que lhe proporcionem informações
sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos;

e. atender às consultas que, por meio da Secretaria-Geral da Organização dos Estados


Americanos, lhe formularem os Estados membros sobre questões relacionadas com os
direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o assessoramento que
eles lhe solicitarem;

f. atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de sua


autoridade, de conformidade com o disposto nos artigos 44 a 51 desta Convenção; e

g. apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados


Americanos.

Em exame do dispositivo supracitado é possível deduzir que os


verbos relacionados às suas funções não ostentam caráter decisório, mas tão
somente instrutório ou cooperativo. Prima facie, depreende-se que a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) não possui função jurisdicional.

A respeito do tema, bem leciona a específica doutrina:

“(...) as funções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos são quase


judiciais. A maior 'punição' consiste na publicação de suas opiniões e conclusões sobre
as questões a ela submetidas na forma de relatório (Artigo 51, parágrafo 3º) (...). Ela
não prolata sentenças. A função jurisdicional dentro do sistema interamericano
cabe, para os Estados que a aceitam, à Corte Interamericana de Direitos
Humanos, tratada no Capítulo Oitavo do Pacto de São José” (Alves, J. A. Lindgren. A
arquitetura internacional dos Direitos humanos – São Paulo: Ftd, 1997. p. 281/282).
(grifei)

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), por sua vez,


é uma instituição judiciária autônoma cujo objetivo é a aplicação e a interpretação
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, possuindo função jurisdicional
e consultiva, de acordo com o art. 2º do seu respectivo Estatuto (Aprovado pela
resolução AG/RES. 448 (IX-O/79), adotada pela Assembleia Geral da OEA, em seu
Nono Período Ordinário de Sessões, realizado em La Paz, Bolívia, outubro de
1979).

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Já o art. 68 da CADH prevê que os Estados Partes na Convenção se
comprometem a cumprir a decisão da Corte em todo caso em que forem partes, o
que denota de forma patente seu caráter vinculante.

Acentue-se que as deliberações internacionais de direitos humanos


decorrentes dos processos de responsabilidade internacional do Estado podem
resultar em: recomendação; decisões quase judiciais e decisão judicial. A primeira
revela-se ausente de qualquer caráter vinculante, ostentando mero caráter “moral”,
podendo resultar dos mais diversos órgãos internacionais. Os demais institutos,
porém, situam-se no âmbito do controle, propriamente dito, da observância dos
direitos humanos.

Sendo certo que as recomendações não possuem força vinculante,


mas tão somente “poder de embaraço” ou “mobilização da vergonha”, como bem
assinala André de Carvalho Ramos ao alumiar:

“(...) essas deliberações compõem o chamado power of embarras, que por definição é
uma pressão política, já que lhe faltaria a chamada força vinculante. Busca-se, então, a
chamada “mobilisation de la honte”, para que o Estado violador, sponte propria, repare
integralmente a ofensa aos direitos humanos protegidos”. (Ramos, André de Carvalho.
Processo internacional de direitos humanos: análise dos mecanismos de apuração de
violações de direitos humanos e a implementação das decisões no Brasil – 4. ed. –
São Paulo: Saraiva, 2015. p. 359).

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte


Interamericana (Corte IDR) têm perfilhado o entendimento de que o exercício dos
direitos humanos deve ser feito em respeito aos demais direitos, de modo que, a
rigor, esse cenário deve ser submetido ao denominado controle de
convencionalidade, que, na espécie, revela-se difuso, tendo por finalidade, de
acordo com a insigne doutrina, “compatibilizar verticalmente as normas domésticas
(as espécies de leis, lato sensu, vigentes no país) com os tratados internacionais
de direitos humanos ratificados pelo Estado e em vigor no território nacional”
(Mazzuoli, Valerio de Oliveira, 1977 – O controle jurisdicional da convencionalidade
das leis; prefácio de Luiz Flávio Gomes. – 3. ed., rev., ampl. – São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013. p. 148).

Sob essa perspectiva, para que a produção normativa doméstica


possa ter validade e, por conseguinte, eficácia, exige-se uma dupla compatibilidade
vertical material, assim ilustrada:

"Para a melhor compreensão dessa dupla compatibilidade vertical material, faz-se

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necessário, primeiro, entender como se dá (1) o respeito à Constituição (e aos seus
direitos expressos e implícitos) e (2) aos tratados internacionais (em matéria de direitos
humanos ou não) ratificados e em vigor no país. O respeito à Constituição faz-se por
meio do que se chama de controle de constitucionalidade das leis; o respeito aos
tratados que sejam de direitos humanos faz-se pelo até agora pouco conhecido (pelo
menos no Brasil) controle de convencionalidade das leis; e o respeito aos tratados que
sejam comuns faz-se por meio do controle de supralegalidade das leis (...)." (Op. Cit. p.
135)

Nessa toada, atraindo essa conjuntura à situação em concreto, nada


obstante, ainda que existisse decisão da Corte (Corte IDR) sobre a preservação
dos direitos humanos no Complexo do Curado, essa circunstância, por si só, não
seria suficiente a elidir a deliberação do Brasil acerca da aplicação de eventual
julgado no seu âmbito doméstico, tudo isso por força da soberania inerente ao
Estado.

Diante dessa ótica, com base na Teoria da Margem de Apreciação


Nacional (margin of appreciation), Luiz Guilherme Arcaro Conci anuncia:

“Ainda que se parta do pressuposto de que os direitos humanos tenham pretensão


universalista, pode-se pensar na necessidade de que os estados nacionais estejam –
apesar de vinculados ao direito internacional dos direitos humanos – em situação
econômica, social, política ou jurídica diferenciada, o que, em algumas situações,
legitimaria uma diversidade de resultados no processo hermenêutico. Essa diferença
aponta para uma reflexão que relativiza a perspectiva universalista, no sentido de
entender que os estados nacionais, apesar de signatários dos mesmos tratados e
vinculados pela jurisprudência da Corte IDH, no caso americano, ou pelo Tribunal
Europeu de Direitos Humanos, naquele continente, continuam a manter um espectro
de discricionariedade para a concretização dos direitos humanos, ainda que existam
decisões tomadas por órgãos judiciários, não judiciários ou que exerçam função quase
judicial. Não se trata de entender a possibilidade do descumprimento ou da violação,
mas de entender que há uma margem de discricionariedade para temperamento de
algumas decisões proferidas internacionalmente, quando de seu cumprimento
internamente”.

Importa esclarecer que a aludida Resolução emitida pela Corte Interamericana de


Direitos Humanos – Corte IDR apenas estabelece que o Estado deverá arbitrar
os meios para que, no prazo de seis meses a contar da presente decisão, se
compute em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no Complexo
Curado, para todas as pessoas ali alojadas que não sejam acusadas de crimes
contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por
eles condenadas, não deixando de excluir a possibilidade de que o Estado arbitre
também outros meios substitutivos da privação de liberdade, a fim de contribuir
para resolver a superpopulação e a superlotação do Complexo de Curado, mas,
nesse sentido, também insta o Estado a que envide o máximo esforço possível para
fazer cessar a atual situação.

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Há experiências exitosas relativas a casos que tramitaram perante os
órgãos do Sistema Interamericano, como o Caso Maria da Penha e o Caso dos
Meninos Emasculados do Maranhão, nos quais foram firmados acordos de solução
amistosa que representaram algumas mudanças significativas na vida das vítimas.
O primeiro teve reflexos não apenas na vida da vítima que lhe dá o nome, mas
também no arcabouço de proteção às mulheres contra a violência doméstica e
familiar no país, com a edição da Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Os órgãos
do Sistema Interamericano reconhecem quando o Estado empreende esforços
efetivos para a cessação das violações de direitos humanos e esse reconhecimento
serve de estímulo à promoção de políticas públicas na área.

Frise-se que não podemos perder de vista que ‘não pode a Corte
Interna de Direitos Humanos alterar a legislação interna do Estado. Conforme o art.
2º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos:

Art. 2. Dever de adotar disposições de direito interno


Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver
garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes
comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as
disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem
necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

Logo, afigura-se bastante claro que não detém competência para


alterar nosso ordenamento jurídico a Corte Interamericana de Direitos Humanos
em suas decisões de mérito, sendo, portanto, mais precária ainda a sua
capacidade em decisões cautelares, como ocorre na espécie. Como dito, no caso
de Maria da Penha, que foi vítima de diversas agressões e crimes por ser mulher
sem uma resposta adequada do ordenamento jurídico brasileiro, a Corte
Interamericana de Direitos Humanos determinou a edição da lei pelo Estado-
Membro, que carrega seu nome em homenagem, e claramente não legislou
diretamente.

Cumpre registrar que esta vogal já se pronunciou acerca da matéria


em diversos julgados, o qual destaco o Habeas Corpus sob nº 0015027-
43.2020.8.17.9000, que em julgamento proferido pela Terceira Câmara Criminal
desse Egrégio Tribunal de Justiça, no dia 02/12/2020, decidiu de forma unânime,
que a Resolução em tela não é dotada de caráter impositivo, porque a lei nacional
não autoriza a redução compensatória da pena cominada em razão das condições
de cumprimento de pena a que são submetidos os presos, com contagem em
dobro do período de prisão cumprido.

Aliado ao entendimento supracitado, tenho também como ponto de


partida o fato de o Juízo das Execuções Penais serem conhecedores da real
situação carcerária do Estado em que atuam, destacando que ainda há um

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caminho a se percorrer a fim de tornar exequível as medidas recomendas na
Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 28/11/2018 – Medida
Provisória a respeito do Brasil Assunto do Complexo Penitenciário do Curado, de
forma a equilibrar a norma internacional ao sistema jurídico nacional, naquilo que
não se conflitam – exercendo o controle de convencionalidade, observando os
efeitos das disposições do diploma internacional e adequando sua estrutura interna
para garantir o cumprimento total de suas obrigações frente à comunidade
internacional, uma vez que os países signatários são guardiões da tutela dos
direitos humanos, devendo empregar a interpretação mais favorável ao Ser
Humano.

Entendo que o real propósito da norma internacional é desafogar os


presídios para que os presos tenham condições dignas de cumprimento de pena
neles e por isso deve o Estado de Pernambuco junto com o Poder Judiciário
atentarem para isso, a fim de expandir e modernizar seu sistema penitenciário,
compatibilizando a norma internacional com o sistema jurídico nacional, tal como
trazido pela Corregedora Nacional de Justiça, Ministra Maria Thereza de Assis
Moura em decisão publicada nessa terça-feira (23/08/2022), atendendo em parte,
as determinações da Corte Internacional de Direito Humanos (Corte IRD) ao país,
sendo reconhecidos os problemas existentes nas prisões pernambucanas tanto
pelo governo do Estado quanto pelo TJPE, assumindo, ambos os Poderes,
compromissos de promover mudanças no sistema prisional do Complexo do
Curado (Corregedoria dá ao TJPE oito meses para tirar 70% dos presos do
Complexo do Curado. Conselho Nacional de Justiça, 2022. Disponível em:
https://www.cnj.jus.br/corregedoria-da-ao-tjpe-oito-meses-para-tirar-70-dos-presos-
do-complexo-do-curado/. Acesso em 25/08/2022).

Diante de tais considerações, voto pelo inacolhimento da


PRIMEIRA TESE JURÍDICA proposta pelo Desembargador Relator,
entendendo que as recomendações expedidas pela CIDH não possuem força
vinculante, restando prejudicada a análise das questões adjacentes do
presente incidente que dizem respeito à correta identificação do instituto a ser
aplicado para a contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades prisionais do
Complexo do Curado, a partir da delimitação de sua natureza jurídica e dos
requisitos legais inerentes à matéria de execução penal aplicáveis a situação
jurídica, uniformizando-se a matéria em debate.

É como voto.

Recife, 25 de agosto de 2022.

Desa. Daisy Maria de Andrade Costa Pereira

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Voto - Des. Evandro Magalhães Melo

Eminentes pares, representante do Ministério Público.

Chamado a votar em face de necessidade de quórum qualificado para o julgamento do presente


IRDR, de importantíssimo teor, eis que várias ações estão suspensas aguardando seu desfecho,
igualmente por se tratar de análise de constitucionalidade de decisão da corte interamericana de
direitos humanos, bem como guardar sintonia com as orientações e procedimento recentes pelo
CNJ, tenho a posicionar pela seguinte forma.

Primeiramente, vejo que o Ministério Pública vem posicionado nos autos no sentido de ser
declarada a inconstitucionalidade daquela decisão, e, consequentemente, sua inaplicabilidade no
ordenamento jurídico brasileiro. Nesse ponto, reservando meu entendimento para casos futuros
em que eu tenha maiores condições de verticalidade no tema, vejo que nesse caso específico,
temos o posicionamento do CNJ no documentos acostado na ID 18529723, no sentido de que
seja dado cumprimento, reconhecendo a constitucionalidade, e por isso, obrigatórias, e assim
com temos também uma decisão do STJ, no AgRg no RHC n. 136.961/RJ, relator Ministro
Reynaldo Soares da Fonseca, onde não declara a insconstitucionalidade. Assim, entendo por
rejeitar a tese ministerial contrária à constitucionalidade desta decisão específica da corte
interamericana.

Em segundo lugar, vejo com bastante preocupação a contagem ficta em dobro do cumprimento
da pena quando se trata de crimes gravíssimos e que atenta à segurança da sociedade, eis que
ao mesmo tempo em que temos o direito do preso em estar em lugar adequado ao cumprimento
de pena – direito individual -, temos, por outro lado, o direito de preservar o princípio da
segurança à sociedade – direito coletivo. Assim, o comando normativo a ser cumprido não pode
por seu turno, servir a colocar em risco à sociedade com retorno do preso gravíssimo, sem uma
ressocialização, sem passar pelos requisitos meritórios de progressão do regime, para que
retorne à sociedade sem pô-la novamente em risco gravíssimo! O maior filósofo vivo do direito
hoje, o alemão e Robert Alexy, deixa bem claro essa preferência de princípios, que na mesma
linha, aqui no caso, há de prevalecer o coletivo.

São várias as exigências para o preso progredir de regime, a exemplo dos comandos normativos
dos art.s 5 LXIII da CF, 83 V e 323 II do CPP, 112 V a VIII e seu §2º da lei 7210, pelo que aplicar
indistintamente a decisão da corte interamericana afronta ao menos tais normativas brasileiras, e
por isso comungo do entendimento ressalvado pelo eminente colega Des Carlos Moraes,
impossibilito a contagem em dobro aos detentos acusados e condenados pelos crimes contra
a vida, a integridade física e a dignidade sexual, assim como aqueles recolhidos em razão
dos crimes hediondos e equiparados previstos na Lei nº 8.072/90, e sendo aplicado apenas
em relação ao tempo cumprido em um dos presídios e em sendo anterior ao cumprimento
da pena no Complexo do Curado.

Eminentes pares, enfim, com base nos fundamentos aqui postos, normas, decisão da corte
superior e prevalência do princípio maior, dentre as teses aqui exposadas nos votos já colhidos,
entendo que o meu posicionamento está em consonância com o voto do eminente colega Des

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Carlos Moraes, e assim, para facilitar a coleta de meu voto pelo presidente, VOTO NO MESMO
SENTIDO E PELOS MESMOS FUNDAMENTOS DO VOTO DO DES CARLOS MORAES.

VOTO – VOGAL

Conforme relatado pelo eminente Desembargador Cláudio Jean Nogueira Virgínio, o


MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO suscitou o presente INCIDENTE DE
RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS com o objetivo de uniformizar a jurisprudência
deste E. TJPE acerca de aplicação (ou não) da Resolução, editada em 28/11/2018, pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos – Corte IDH, que determinou a contagem em dobro do
tempo de prisão suportado pelos detentos no chamado COMPLEXO PENITENCIÁRIO DO
CURADO (antigo Presídio Aníbal Bruno), que é composto pelos 03 (três) estabelecimentos
prisionais a seguir denominados: 1) Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB); 2)
Presídio Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA); e 3) Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB).

O julgamento foi iniciado no dia 28/04/2022, quando o Desembargador Relator votou


no sentido de acolher o incidente propondo as seguintes teses jurídicas a fim de uniformização do
tema:

PRIMEIRA TESE JURÍDICA: Nos termos do art. 4º, inciso II, da CF/88 c/c o art. 68.1 do
Decreto 678/92 e art. 1º do Decreto 4463/02, a compensação penal correspondente ao
cômputo em dobro do tempo de prisão nas unidades prisionais do Complexo do Curado
determinada por sentença internacional, de caráter vinculante, oriunda da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, é constitucional e exequível independentemente de
arbitragem ou regulamentação pela União;

SEGUNDA TESE JURÍDICA: A contagem em dobro do tempo de prisão nas unidades


prisionais do Complexo do Curado é compatível finalisticamente com o instituto da remição,
por aplicação analógica dos arts. 126 e seguintes da Lei de Execução Penal, devendo ser
aplicada, imediatamente, de acordo com as premissas constantes nos Considerandos 115 a
130 da Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos (SIC);

TERCEIRA TESE JURÍDICA: O cômputo em dobro do tempo de prisão nas unidades


prisionais do Complexo do Curado como forma de remição sui generis é aplicável aos
presos por crimes hediondos e equiparados, sendo exigido o exame criminológico apenas
aos condenados por crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, nos
termos do Considerando 132 da Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos;

QUARTA TESE JURÍDICA: O marco inicial da contagem em dobro do tempo de prisão se

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dá a partir da data do ingresso da pessoa privada de liberdade nas unidades prisionais do
Complexo do Curado, sendo aplicável a regra do art. 111 da Lei de Execução Penal para o
cálculo da remição sui geniris (SIC).

Na ocasião, acompanhou o Des. Relator, o Desembargador Isaías Andrade Lins


Neto, tendo o Des. Carlos Moraes pedido vista, e a Desa Daisy, vista sucessiva, sendo, então, o
julgamento adiado. Na ocasião, anteciparam os votos contrários ao Desembargador Relator, os
Desembargadores Alexandre Assunção, Fausto Campos e Marco Maggi.

No dia 16/06/2022, foi acolhida preliminar, à unanimidade de votos, para fins de


converter o julgamento em diligência, com vistas a intimar o Estado de Pernambuco para se
manifestar sobre a matéria objeto deste incidente. Nesta sessão, o Des. Isaías refluiu do voto
anteriormente proferido, no que pediu vista dos autos.

Na sessão de 18/08/2022, o r. mencionado Julgador votou, ratificando seu voto


anterior, acompanhando, em sua integralidade, o voto do eminente Desembargador Relator. Após
o seu voto, fora levantada questão de ordem em relação à apresentação do voto vista do Des.
Carlos Moraes, quanto ao mérito do presente incidente, no que se suspendeu a sessão para
convocação deste Julgador para proferir seu voto de mérito acerca do objeto deste IRDR.

E, na sessão seguinte, de 25/08/2022, foram, então, proferidos os votos como a


seguir detalhado.

Inicialmente, o Desembargador Carlos Moraes trouxe o seu voto, ao final, propondo


a seguinte deliberação:

“Por todo o exposto, por se tratar a contagem em dobro de instrumento de abreviação do


cumprimento da pena em condições degradantes, o qual é aplicado, por analogia, como
espécie sui generis de remição (ou remição por superlotação), sugiro as seguintes TESES a
serem aprovadas por este colegiado:

TESE 1: A contagem em dobro do tempo de prisão cumprido no Complexo Penitenciário do


Curado, em Recife/PE, estabelecida pela Resolução de 28/11/2018 da Corte Interamericana
de Direitos Humanos (Corte IDH) possui a natureza jurídica de remição sui generis ou, mais
precisamente, de “remição por superlotação”;

TESE 2: Para evitar a superpopulação carcerária e as suas consequências no Complexo


Penitenciário do Curado, os juízes da execução penal devem observar, em primeiro lugar, a
aplicação da Súmula Vinculante nº 56 e as diretrizes fixadas pelo STF na repercussão geral
do RE 641.320/RS;

TESE 3: Após esgotados os parâmetros fixados no RE 641.320/RS, o benefício da


contagem em dobro do tempo de prisão cumprido no Complexo Penitenciário do Curado,

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em Recife/PE, previsto na Resolução de 28/11/2018 da Corte Interamericana de Direitos
Humanos (Corte IDH), somente se aplica aos detentos que não forem acusados ou
condenados em razão dos crimes contra a vida, a integridade física e a dignidade sexual,
assim classificados pelo Código Penal, bem como àqueles recolhidos em virtude dos crimes
hediondos e equiparados previstos na Lei nº 8.072/90.

TESE 4: O termo inicial da contagem em dobro do tempo de prisão cumprido no Complexo


Prisional do Curado, em Recife/PE, prevista na Resolução de 28/11/2018 da Corte
Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), é a data do ingresso do detento no
referido estabelecimento prisional, independentemente da data em que o Estado brasileiro
foi notificado da deliberação;

TESE 5: Na hipótese de superveniente condenação por crime posterior no curso da


execução, antes de se proceder à soma determinada pelo art. 111, parágrafo único, da Lei
nº 7.210/84, faz-se necessário efetuar a separação das penas tão somente para fins do
cálculo do cômputo em dobro estabelecido pela Resolução de 28/11/2018 da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, a fim de evitar a denominada ‘poupança de tempo de
prisão’”.

Em seguida, a Desembargadora Daisy Maria de Andrade Costa Pereira, votou pelo


inacolhimento da primeira tese jurídica proposta pelo Desembargador Relator Cláudio Jean,
entendendo que as recomendações expedidas pela Corte IDH não possuem força vinculante,
restando prejudicada a análise das questões adjacentes do presente incidente.

Postos, então, em discussão os votos apresentados, não fora alcançado o quórum


necessário para julgamento e deliberação do presente incidente, motivo pelo qual fui convocado a
votar, juntamente com o Desembargador Evandro Magalhães, na sessão que ora se descortina.

Pois bem.

Antes de adentrar propriamente no objeto do presente Incidente de Resolução de


Demandas Repetitivas, cumpre fazer uma breve digressão acerca do Sistema Interamericano de
Direitos Humanos.

Conforme se depreende das informações obtidas junto ao sítio eletrônico da própria


Corte Interamericana dos Direitos Humanos,

“Os Estados Americanos, em exercício de sua soberania e no âmbito da


Organização dos Estados Americanos, adotaram uma série de instrumentos
internacionais que se converteram na base de um sistema regional de promoção e
proteção dos direitos humanos, conhecido como o Sistema Interamericano de
Proteção dos Direitos Humanos. Esse Sistema reconhece e define os direitos
consagrados nesses instrumentos e estabelece obrigações que tendem a sua
promoção e proteção. Ainda, por meio deste Sistema se criaram os órgãos
destinados a zelar pelo seu cumprimento: A Comissão Interamericana de Direitos

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Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

O Sistema Interamericano se iniciou formalmente com a aprovação da Declaração


Americana de Direitos e Deveres do Homem em 1948. Adicionalmente, o Sistema
conta com outros instrumentos como a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos; Protocolos e Convenções sobre temas especializados, como a
Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, a Convenção
Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, e a Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, entre
outros; além dos Regulamentos e Estatutos de seus órgãos.

(...)

A Convenção Americana, também chamada de Pacto de San José da Costa Rica é


um tratado internacional que prevê direitos e liberdades que precisam ser
respeitados pelos Estados Partes. Além disso, a Convenção estabelece que a
Comissão e a Corte IDH são órgãos competentes para reconhecer os assuntos
relacionados com o cumprimento de compromissos contraídos pelos Estados Partes
da Convenção e regular seu funcionamento”.[1]

Ou seja, a COMISSÃO IDH tem por função precípua promover a observância e a


defesa dos direitos humanos, detendo uma série de atribuições, contudo, em conformidade com o
art. 41 do Pacto de San José da Costa Rica, deduz-se que as atividades desta comissão não
ostentam caráter decisório, mas tão somente instrutório ou cooperativo, concluindo-se assim que
esta não possui função JURISDICIONAL.

Por sua vez, a CORTE IDH é uma instituição JUDICIÁRIA autônoma, que tem por
finalidade a aplicação e a interpretação da CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS
HUMANOS, possuindo função JURISDICIONAL e CONSULTIVA. Inclusive, o art. 68, da
CONVENÇÃO ADH prevê que todos os Estados partes se comprometem a cumprir a decisão
da CORTE nos casos em que forem parte, concluindo-se pelo seu PATENTE CARÁTER
VINCULANTE.

A COMISSÃO IDH apenas submete o caso à jurisdição de urgência da CORTE IDH


quando se constata a inobservância das providências elencadas.

Conquanto a jurisdição contenciosa da CORTE IDH não seja obrigatória, sendo


cláusula facultativa da CONVENÇÃO ADH, o BRASIL aderiu ao referido dispositivo pelo
Decreto Legislativo nº 89/98, o qual foi transmitido ao Secretário-Geral da OEA em 10/12/1998.
E, posteriormente, através do Decreto nº 4.463, de 08/11/2002, o Poder Executivo Federal
promulgou o reconhecimento da jurisdição internacional da CORTE IDH em território
nacional.

Diante deste cenário, deve se observar que, dada a realidade observada no


Complexo Penitenciário do Curado, foram adotadas em 04/08/2011, pela COMISSÃO IDH
determinadas medidas cautelares.

Contudo, três anos depois, diante do agravamento da situação e da ineficácia das

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referidas medidas da Comissão IDH, o caso foi submetido à jurisdição da CORTE IDH até
adoção da medida provisória outorgada em 2014.

Foram, então, proferidas 06 (seis) decisões, basicamente, anuais (uma e 2014,


duas em 2015, uma em 2016, uma em 2017 e uma em 2018), nesta última, deliberando-se
pelo cômputo em dobro da pena, como forma de compensação pelo sofrimento antijurídico
decorrido da execução da pena nas unidades prisionais integrantes do Complexo do
Curado.

Nesta última decisão, foram feitas as seguintes considerações pela CORTE IDH:

i) As pessoas privadas de liberdade no Complexo de Curado podem estar


sofrendo uma pena que lhes impõe um sofrimento antijurídico muito maior que o
inerente à mera privação de liberdade, sendo, então, justo reduzir seu tempo de
encarceramento, para o que se deve ater a um cálculo razoável, e, por outro lado,
essa redução implica compensar, de algum modo, a pena até agora sofrida na
parte antijurídica de sua execução;

ii) Uma vez que a densidade populacional no Complexo é superior a 200%, ou


seja, duas vezes sua capacidade, deduz-se disso que se duplica, também, a
inflicção antijurídica eivada de dor da pena que se executa, logo, é que se impõe
que o tempo de pena ou de medida preventiva ilícita realmente sofrida fosse
computado à razão de dois dias de pena ilícita por um dia de efetiva privação
de liberdade em condições degradantes;

iii) Uma vez que a pena é executada ilicitamente, e nunca deveria ter sido assim
cumprida, ante a emergência e situação real, o mais prudente é reduzi-la de
forma que seja computado como pena cumprida o excedente antijurídico de
sofrimento não disposto ou autorizado pelos juízes do Estado;

iv) A via institucional de como deverá ser arbitrado e aplicado este cômputo
em dobro fica a critério do Estado, conforme seu direito interno, não sendo a
CORTE IDH competente para indicá-la, contudo, a CORTE ressalta que o “Estado
não poderá alegar descumprimento em virtude de obstáculos de direito interno”.

Este é o cenário em que se deu a Resolução da CORTE IDH que ora se analisa.

Pois bem.

Uma vez observado o contexto em que se arbitraram as medidas cautelares pelo r.


mencionado Tribunal Internacional e, ante todos os bem lançados votos, tenho que o que
melhor se adequa ao ordenamento jurídico pátrio é o voto proferido pelo Desembargador
Carlos Moraes e, explico.

Como bem pontuado neste voto,

“O Ministério Público traz a debate uma inconstitucionalidade incidental para que


esta Seção Criminal delibere a esse respeito, nos termos do art. 983 do CPC.

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No ponto, foi ouvido o Conselho Nacional de Justiça, (ID 18529723), que assim se
expressou:

‘O Conselho Nacional de Justiça tem orientado a sua atuação, em fiel cumprimento


ao mandato de monitoramento, a partir do pressuposto de que as medidas
provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos são constitucionais
e obrigatórias. Especificamente sobre a constitucionalidade da aplicação da
compensação penal em relação aos crimes hediondos ou equiparados, é
importante notar que nem a Constituição, nem a Lei de Crimes Hediondos
trazem vedação expressa nesse sentido. Desta forma, não há óbice à
aplicação do instituto’.

Registre-se, também, que o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a aplicação


da Resolução da Corte, não declarou de forma incidental qualquer
inconstitucionalidade inserida no texto, especialmente quando da decisão
proferida no AgRg no RHC n. 136.961/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da
Fonseca, Quinta Turma, julgado em 15/6/2021, DJe de 21/6/2021.

Consequentemente, tenho como constitucional a Resolução de 28/11/2018 da


Corte Interamericana de Direitos Humanos, deixando de acolher, no ponto, os
argumentos do Ministério Público”. (destaquei)

Sobre o tema, o Desembargador Relator também faz importantes ponderações:

“O Superior Tribunal de Justiça (AgRg no RHC 136.961/RJ) incorpora esta mesma


leitura quando da análise da aplicação de outra medida provisória da Corte IDH
(cômputo em dobro de pena antijurídica cumprida no Instituto Penal Plácido de Sá
Carvalho). Para a Corte da Cidadania, as autoridades judiciárias também devem
exercer o controle de convencionalidade, de modo que a ausência de uma
legislação interna prévia não seria óbice ao cumprimento das medidas
exaradas pela Corte Internacional: 7. As autoridades públicas, judiciárias
inclusive, devem exercer o controle de convencionalidade, observando os efeitos
das disposições do diploma internacional e adequando sua estrutura interna para
garantir o cumprimento total de suas obrigações frente à comunidade internacional,
uma vez que os países signatários são guardiões da tutela dos direitos humanos,
devendo empregar a interpretação mais favorável ao ser humano. (...) 8. Os juízes
nacionais devem agir como juízes interamericanos e estabelecer o diálogo entre o
direito interno e o direito internacional dos direitos humanos, até mesmo para
diminuir violações e abreviar as demandas internacionais (AgRg no RHC
136.961/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA,
julgado em 15/06/2021, DJe 21/06/2021).

Não por outro motivo, o Conselho Nacional de Justiça emitiu recomendação de


caráter geral às autoridades judiciárias (Recomendação n° 123 de janeiro de 2022),
a fim de que haja a observância das convenções internacionais de direitos
humanos e da jurisprudência da Corte IDH dentro da atividade judicial: Art. 1º
Recomendar aos órgãos do Poder Judiciário: I – a observância dos tratados e
convenções internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil e a utilização da
jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), bem como
a necessidade de controle de convencionalidade das leis internas.

Diante do necessário controle de convencionalidade pelos juízes nacionais, da

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obrigatoriedade das decisões e das medidas provisórias oriundas da Corte
Interamericana e da concretização de todas as medidas para o fiel cumprimento da
Convenção, a aplicação do cômputo em dobro não está condicionada à edição
de norma federal de caráter geral (lei federal ou decreto presencial).

Em verdade, o regulamento geral a nível federal (lei ou decreto presidencial), se


estabelecido diálogo com o direito interno, também não constitui óbice à análise e
decisão judicial dos casos concretos, dentro do exercício do controle de
convencionalidade. A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Decreto-Lei
n° 4657 de 1942) já prevê, em seu art. 4°, que “na omissão da lei, o juiz decidirá
ocaso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

No caso em análise, sequer seria necessário recorrer à analogia e aos


costumes: há vasta fundamentação apoiada na Convenção Americana de
Direitos Humanos (status supralegal) e na própria medida provisória emitida
pela Corte IDH, a qual, como já pontuado, tem caráter obrigatório e vincula
todos os Poderes instituídos.

Conclui-se, assim, que a própria lei brasileira não prevê como óbice à análise dos
pedidos judiciais visando à aplicação do cômputo em dobro a ausência de
regulamentação pela União”.

Desta feita, clara está a constitucionalidade e exequibilidade da Resolução ora


examinada, independentemente de arbitragem ou regulamentação pela União, tal como
preconizada na primeira tese jurídica fixada pelo Desembargador Relator.

Ocorre que, tal como devidamente mitigado pelo Desembargador Carlos Moraes a
Resolução da CORTE IDH deve ser analisada e, posteriormente aplicada com algumas
ressalvas, sobre as quais passo a discorrer adiante.

Vejamos.

Antes de realizar qualquer ponderação quanto aos pontos em que há discordância


entre meu posicionamento e o posicionamento do Desembargador Relator, destaco que
compactuo do mesmo entendimento deste quanto às seguintes teses por ele afixadas, assim
como o fez o Desembargador Carlos Moraes, em seu voto:

i) A contagem em dobro do tempo de prisão cumprido no Complexo


Penitenciário do Curado, estabelecida pela Resolução de 28/11/2018, da
Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) possui a natureza
jurídica de remição sui generis, por aplicação analógica aos arts. 126 e
seguintes;

ii) O marco inicial do cômputo em dobro do tempo de pena aos presos do


Complexo do Curado se dá a partir da data de ingresso da pessoa privada de
liberdade nas unidades prisionais do Complexo do Curado, sendo aplicável a
regra do art. 111, da LEP para o cálculo da referida remição sui generis.

Assinado eletronicamente por: CARLOS FREDERICO GONCALVES DE MORAES - 08/09/2022 16:35:27 Num. 23156565 - Pág. 126
https://pje.tjpe.jus.br:443/2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22090816352679900000022780048
Número do documento: 22090816352679900000022780048
Com relação a tais pontos, tão bem examinadas e ponderados nos votos de ambos
os r. mencionados julgadores, acolho as razões ali constantes como minhas razões de decidir.

Por fim, passo a análise acerca das ressalvas que entendo por pertinentes quanto
às ponderações constantes do voto do Relator em relação à terceira tese jurídica por ele proposta
[2].

Em seu voto, o Desembargador Relator acolhe integralmente a Resolução da


CORTE IDH, onde entende que a contagem em dobro é de ser aplicada a todos os crimes,
inclusive aos hediondos em equiparados, somente feita a ressalva de que é exigido o exame
criminológico para os crimes contra a vida ou a integridade física ou de crimes sexuais, nos
termos do Considerando 132 desta norma.

Contudo, após compulsar os fundamentos do voto do Desembargador Carlos


Moraes, ousei discordar do Voto do Relator, mesmo que, assim, houvesse a necessidade de
mitigar o decisum da Corte Internacional.

E, esclareço.

Partindo-se da premissa de que o cômputo em dobro determinado pela Resolução


da CORTE IDH possui natureza de remição sui generis, deve-se ter em mente, como bem
pontuado no voto do Desembargador Carlos Moraes que “até mesmo os indivíduos que
cometeram os crimes de maior gravidade previstos no nosso ordenamento (contra a vida, a
integridade física, sexuais e até mesmo hediondos e equiparados) chegarão muito mais rápido
aos demais benefícios prisionais”.

Isto porque, caso seja adotada a referida contagem para todos os crimes previstos
no ordenamento jurídico indistintamente, tal cômputo dará ensejo à obtenção, de forma muito
mais célere, de progressão de regime, ou mesmo de concessão de outros benefícios previstos na
legislação que trata da execução da pena.

E, assim, até aqueles presos que necessitem de todo o sistema progressivo de


execução de pena, dado o seu caráter essencialmente ressocializador, poderão ser postos em
liberdade total – vindos estes diretamente da segregação absoluta – sem, contudo, passar por
qualquer etapa preparatória para que possa, só assim, ser eficazmente reinserido na sociedade.

Ressalte-se, ademais, a questão dos presos por crimes hediondos e equiparados os


quais, perante o ordenamento jurídico pátrio, possuem tratamentos específicos sob diversos
aspectos da execução penal e, para a Resolução da CORTE IDH deverão, objetivamente, sem
qualquer exame/análise ter seu tempo de prisão computado em dobro, ferindo, assim, a norma
pátria sobre a espécie.

Sobre o tema, vejamos as bem lançadas palavras do Desembargador Carlos


Moraes:

Assinado eletronicamente por: CARLOS FREDERICO GONCALVES DE MORAES - 08/09/2022 16:35:27 Num. 23156565 - Pág. 127
https://pje.tjpe.jus.br:443/2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22090816352679900000022780048
Número do documento: 22090816352679900000022780048
“Com efeito, o ordenamento jurídico nacional confere aos crimes hediondos e
equiparados, dentre os quais se incluem delitos contra a vida, integridade física e
sexuais, tratamento diferenciado em razão de sua especial gravidade, citando-
se como exemplos: a) exigência de percentual maior de cumprimento de pena para
progressão de regime (art. 112, incisos V a VIII, da Lei 7.210/84); b) proibição de
saídas temporárias para os condenados em regime semiaberto (art. 122, § 2º, da Lei
7.210/84); c) cumprimento de 2/3 (dois terços) da pena para livramento condicional
(art. 83, V, do Código Penal); d) proibição da fiança (art. 323, II, do CPP);
e e) vedação de graça ou anistia (art. 5º, XLIII, da Constituição).

Pelo visto, além de contrariar toda a legislação interna pertinente, a resolução em


análise foge ao princípio da razoabilidade ao, por exemplo, dar ao
condenado reincidente por tráfico de drogas e organização criminosa o mesmo
tratamento conferido ao apenado primário que cumpre pena por fraude fiscal.

Se todo o ordenamento jurídico vigente e a própria Constituição Federal


exigem maior rigor na concessão de benefícios penais aos crimes mais
graves, não entendo como possível, com a devida vênia, adotar a resolução da
Corte Interamericana de Direitos Humanos a mesma solução para todos os
delitos indistintamente.

Por tais razões, entendo que os detentos acusados e condenados pelos crimes
contra a vida, a integridade física e a dignidade sexual, assim como aqueles
recolhidos em razão dos crimes hediondos e equiparados previstos na Lei nº
8.072/90 não podem ficar sujeitos ao benefício da contagem em dobro do
tempo de prisão no Complexo do Curado, aplicando-se a legislação interna
brasileira quanto a essas pessoas”. (destaquei)

Ante o exposto, acompanho o voto do eminente Desembargador Carlos Moraes


em sua integralidade, com ressalva do meu entendimento de que deveria haver modulação, nos
termos do art. 927, §3º, do CPC, para uma melhor adequação da Resolução da CORTE IDH ao
ordenamento jurídico pátrio.

Vejamos.

Na minha opinião, uma vez reconhecida a aplicação do cômputo em dobro do tempo


de pena para os presos do Complexo Penitenciário do Curado, ressalvada a não aplicação para
os crimes de maior gravidade, para uma melhor adequação das medidas cautelares contidas na
Resolução da Corte IDH, ao caso dos presos do r. mencionado Complexo, é de se impor a
seguinte condição, condição esta a ser aplicada, indistintamente, a todos os presos,
independente do crime pelo qual foi processado.

Observados os princípios que norteiam a execução das penas, nos termos do art.
83 e seguintes, do Código Penal, e art. 126 e seguintes da Lei de Execução Penal[3], será
garantido o cômputo em dobro de reprimenda ao preso que terminar o cumprimento de
sua pena no bom comportamento carcerário, e sem o cometimento de falta grave e/ou
novo delito.

Ou seja.

Assinado eletronicamente por: CARLOS FREDERICO GONCALVES DE MORAES - 08/09/2022 16:35:27 Num. 23156565 - Pág. 128
https://pje.tjpe.jus.br:443/2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22090816352679900000022780048
Número do documento: 22090816352679900000022780048
Uma vez procedida a compensação penal por parte do Juízo da Execução,
cometendo o apenado falta grave ou novo delito, perderá este TODOS os dias
compensados, voltando ao cumprimento de sua pena, nos moldes previsto na Lei de
Execução Penal.

Esclareço, por fim, que a presente modulação é proposta com o fito de se realizar
uma maior adequação das medidas cautelares, provenientes da Corte Interamericana, a
realidade estatal, em estrita observância das Conclusões sobre a situação de superlotação e
superpopulação do Complexo Penitenciário do Curado, à realidade do Estado, em plena
conformidade com o direito interno, em especial ao regramento atinente à Execução Penal que
dispensa requisitos, bem como condições, para o acompanhamento do sistema progressivo pelo
preso, tudo nos moldes das ponderações alhures tratadas.

Diante de todo o exposto, voto pelo acolhimento deste Incidente de Resolução


de Demandas Repetitivas, para entender que deve ser computado em dobro todo o tempo
de pena executada no Complexo Penitenciário do Curado (com exceção das pessoas
acusadas ou condenadas por crimes contra a vida ou a integridade física, delitos sexuais,
crimes hediondos e equiparados), nos termos do voto do Desembargador Carlos Moraes.

É como voto.

Recife, data da assinatura digital.

Des. Mauro Alencar de Barros

[1] Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/que_es_la_corte.cfm?lang=pt Acesso em 30/08/2022.

[2] TERCEIRA TESE JURÍDICA: O cômputo em dobro do tempo de prisão nas unidades prisionais do Complexo do Curado como
forma de remição sui generis é aplicável aos presos por crimes hediondos e equiparados, sendo exigido o exame criminológico
apenas aos condenados por crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, nos termos do Considerando 132
da Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

[3] Código Penal

Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois)
anos, desde que:

I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes;

II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso;

Assinado eletronicamente por: CARLOS FREDERICO GONCALVES DE MORAES - 08/09/2022 16:35:27 Num. 23156565 - Pág. 129
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Número do documento: 22090816352679900000022780048
III - comprovado:

a) bom comportamento durante a execução da pena;

b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses;

c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e

d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto;

IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração;

V - cumpridos mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa
natureza.

Parágrafo único - Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do
livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não
voltará a delinqüir.

(...)

Art. 86 - Revoga-se o livramento, se o liberado vem a ser condenado a pena privativa de liberdade, em sentença irrecorrível:

I - por crime cometido durante a vigência do benefício;

II - por crime anterior, observado o disposto no art. 84 deste Código.

Revogação facultativa

Art. 87 - O juiz poderá, também, revogar o livramento, se o liberado deixar de cumprir qualquer das obrigações constantes da
sentença, ou for irrecorrivelmente condenado, por crime ou contravenção, a pena que não seja privativa de liberdade.

Efeitos da revogação

Art. 88 - Revogado o livramento, não poderá ser novamente concedido, e, salvo quando a revogação resulta de condenação por
outro crime anterior àquele benefício, não se desconta na pena o tempo em que esteve solto o condenado.

Lei de Execuções Penais

Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do
tempo de execução da pena.

(...)

Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art.
57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar.

Assinado eletronicamente por: CARLOS FREDERICO GONCALVES DE MORAES - 08/09/2022 16:35:27 Num. 23156565 - Pág. 130
https://pje.tjpe.jus.br:443/2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22090816352679900000022780048
Número do documento: 22090816352679900000022780048
Proclamação da decisão:
SESSÃO DO DIA 28.04.2022 - "APÓS O VOTO DO RELATOR QUE ACOLHEU O
INCIDENTE E PROPÔS AS TESES JURÍDICAS, VISANDO A UNIFORMIZAÇÃO DA
MATÉRIA EM DEBATE NO QUE FOI ACOMPANHADO PELO DESEMBARGADOR
ISAÍAS LINS, PEDIU VISTA O DESEMBARGADOR CARLOS MORAES, FICANDO
ADIADO O JULGAMENTO. ANTECIPOU OS VOTOS INACOLHENDO AS TESES
JURÍDICAS PROPOSTAS PELO RELATOR EM SEU VOTO, OS
DESEMBARGADORES ALEXANDRE ASSUNÇÃO, FAUSTO CAMPOS E MARCO
MAGGI, FICANDO SUSPENSO AS DECISÕES DOS JUÍZES DE 1º GRAU ATÉ A
CONCLUSÃO DO JULGAMENTO DO INCIDENTE. PEDIU VISTA
SUCESSIVAMENTE A DESEMBARGADORA DAISY ANDRADE''. SESSÃO DO DIA
16.06.2022- "À UNANIMIDADE, FOI ACOLHIDA A PRELIMINAR ARGUIDA, DE
OFÍCIO, PELO DESEMBARGADOR CARLOS MORAES, PARA CONVERTER O
JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA, PROCEDENDO-SE A INTIMAÇÃO DE SUA
EXCELÊNCIA GOVERNADOR DO ESTADO DE PERNAMBUCO, PARA QUE ESTE
SE MANIFESTE, NO PRAZO DE 15 DIAS, ACERCA DA MATÉRIA OBJETO DO
PRESENTE INCIDENTE, NOS TERMOS DO ART. 983,DO CPP. APÓS O VOTO DO
DESEMBARGADOR CARLOS MORAES, PEDIU VISTA SUCESSIVAMENTE O
DESEMBARGADOR ISAÍAS ANDRADE E O DESEMBARGADOR LEOPOLDO
RAPOSO". SESSÃO DO DIA 18.08.2022 - "APÓS O VOTO-VISTA DO
DESEMBARGADOR ISAIAS LINS ACOMPANHANDO O RELATOR O PROCESSO
CONTINUA ADIADO". SESSÃO DO DIA 25.08.2022 - POR MAIORIA, FOI
REJEITADA A PRELIMINAR DE INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADA PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO. VENCIDOS A DESEMBARGADORA DAISY ANDRADE E O
DESEMBARGADOR PRESIDENTE QUE ENTENDIAM QUE A PRELIMINAR NÃO
DEVERIA SER CONHECIDA EM RAZÃO DO SEU CONTEÚDO VERSAR SOBRE O
MÉRITO DA CAUSA. NO MÉRITO, APÓS OS VOTOS-VISTA DO
DESEMBARGADOR CARLOS MORAES ACOLHENDO PARCIALMENTE E SENDO
ACOMPANHADO PELO DESEMBARGADOR EUDES FRANÇA, DA
DESEMBARGADORA DAISY ANDRADE INACOLHENDO E DO DESEMBARGADOR
LEOPOLDO RAPOSO ACOLHENDO, FOI SUSPENSO O JULGAMENTO PARA
CONVOCAR OS DESEMBARGADORES AUSENTES JUSTIFICADAMENTE, PARA O
COMPLETO JULGAMENTO, DADA A AUSÊNCIA DE QUÓRUM EXIGIDA PELO
REGIMENTO. SESSÃO DO DIA 01/09/2022. "POR UNANIMIDADE, FOI ACOLHIDO
O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS PARCIALMENTE,
COM A RESSALVA DO VOTO DO DESEMBARGADOR CARLOS MORAES,
APLICANDO-SE PARA O JULGAMENTO A REGRA DO ART. 206 DO REGIMENTO
INTERNO DESTE TRIBUNAL. LAVRARÁ O ACORDÃO O DESEMBARGADOR
CARLOS MORAES."

Assinado eletronicamente por: CARLOS FREDERICO GONCALVES DE MORAES - 08/09/2022 16:35:27 Num. 23156565 - Pág. 131
https://pje.tjpe.jus.br:443/2g/Processo/ConsultaDocumento/listView.seam?x=22090816352679900000022780048
Número do documento: 22090816352679900000022780048
Anexo F
Medida Cautelar no Habeas
Corpus nº 208.337/PE,
de Relatoria do Ministro
Edson Fachin
Supremo Tribunal Federal

MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 208.337 PERNAMBUCO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


PACTE.(S) : RONALDO ESTEVAO DA SILVA
IMPTE.(S) : SARITA LEITE DE SOUSA E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO:

Trata-se de habeas corpus impetrado em face de acórdão do Superior


Tribunal de Justiça, que negou provimento ao AgRg no HC 682.865/PE
nos termos da seguinte ementa (eDOC 10, p. 2):

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS.


PEDIDO DE CÔMPUTO EM DOBRO DO PERÍODO DE PENA
CUMPRIDO NO COMPLEXO DO CURADO/PE. ATO
COATOR: DECISÃO SINGULAR DE DESEMBARGADOR DO
TRIBUNAL A QUO. DETERMINAÇÃO DE SOBRESTAMENTO
DO AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL LÁ INTERPOSTO ATÉ
O JULGAMENTO DO IRDR N..0008770-
65.2021.8.17.9000/TJ/PE.. INEXISTÊNCIA DE RECURSO
ADEQUADO NA INSTÂNCIA DE ORIGEM, QUAL SEJA, O
AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE
ILEGALIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO
REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Segundo entendimento jurisprudencial desta Corte,
quando não há notícia da interposição do recurso adequado na
instância de origem, qual seja, o agravo regimental, e, ainda, a
inexistência de flagrante ilegalidade, é incabível o habeas corpus,
haja vista indevida supressão de instância.
2. No caso, não se configurou flagrante ilegalidade capaz
de autorizar a apreciação do mérito por esta Corte, porquanto a
determinação, pelo relator, de sobrestamento do agravo em
execução interposto no Tribunal de origem decorreu de ordem
da Seção de Direito Criminal daquela Corte, expedida no
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas de n. 0008770-
65.2021.8.17.9000. 3
. A análise direta do tema pelo Superior Tribunal de Justiça

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Supremo Tribunal Federal

HC 208337 MC / PE

revelaria não apenas supressão de instância, mas manifesto


desprestígio às instâncias ordinárias e aos instrumentos
processuais de uniformização da jurisprudência.
4. Agravo regimental não provido.

Narram os impetrantes que: a) o paciente, cumprindo pena privativa


de liberdade em regime fechado, requereu ao Juízo de origem o cômputo
em dobro do período de cumprimento de pena no Complexo
Penitenciário do Curado, com amparo em resolução emanada da Corte
Interamericana de Direitos Humanos em 28 de novembro de 20218; b) em
primeiro grau de jurisdição, não obstante, indeferiu-se o pleito, “sob
alegação de que as decisões da Corte IDH não são de obrigatório e imediato
cumprimento; que a aplicação da Resolução implicaria ofensa ao princípio da
isonomia em relação aos demais presos do sistema, além de produzir burla na
execução penal do Estado”; c) dessa decisão, interpôs-se agravo em
execução, cujo trâmite foi sobrestado pelo Tribunal de Justiça do Estado
de Pernambuco enquanto não julgado o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas instaurado para dirimir divergência
jurisprudencial a respeito da decisão da CIDH; d) contra tal
pronunciamento, impetrou-se habeas corpus no Superior Tribunal de
Justiça, que não concedeu a ordem pretendida; e) a negativa da contagem
em dobro do período de cumprimento de pena pelo paciente consiste em
grave atentado a seus direitos fundamentais, porquanto a omissão estatal
no cumprimento efetivo de decisão da Corte Interamericana, cuja eficácia
é imediata para os Estados signatários da Convenção Americana de
Direitos Humanos, interfere, negativa e indevidamente, em seu status
libertatis.

Requer-se, liminarmente, o cômputo em dobro do tempo de reclusão


do paciente no Complexo do Curado até o julgamento de mérito da
presente impetração. No mérito, postula-se a confirmação da liminar.

A Procuradoria-Geral da República se manifestou pelo não


conhecimento do habeas corpus e, em caso de conhecimento da

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Supremo Tribunal Federal

HC 208337 MC / PE

impetração, pela denegação da ordem, sem prejuízo da recomendação de


celeridade no julgamento do IRDR pelo TJPE (eDOC 15).

Prestaram informações o Juiz de Direito da Vara de Execução Penal


da Capital de Pernambuco (eDOC 21), o Desembargador Relator do
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas instaurado no Tribunal
de Justiça do Estado de Pernambuco (eDOC 22) e o Secretário Executivo
de Ressocialização do Estado de Pernambuco (eDOCs 33-38).

Também vieram aos autos documentos oriundos do 7º Ofício da


Procuradoria da República em Pernambuco.

É o relatório. Decido.

Cumpre assinalar, por relevante, que o deferimento da medida


liminar, resultante do concreto exercício do poder geral de cautela
outorgado aos juízes e tribunais, somente se justifica em face de situações
que se ajustem aos seus específicos pressupostos: a existência de
plausibilidade jurídica (fumus boni juris), de um lado; e a possibilidade de
lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), de outro.

No caso dos autos, a partir de uma análise sumária que ora faço,
tenho que a pretensão liminar merece parcial acolhida.

O periculum in mora, in casu, é evidente, uma vez que, segundo consta


dos autos, o paciente está privado de sua liberdade, em cumprimento de
pena de reclusão de 37 (trinta e sete) anos no regime fechado pela prática
do crime de homicídio qualificado.

Lado outro, também antevejo presente o fumus boni iuris, pois a


documentação vertida e as alegações do impetrante demonstram a
verossimilhança da tese articulada na impetração.

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Supremo Tribunal Federal

HC 208337 MC / PE

Com efeito, este Tribunal reconhece que, nos termos dos arts. 62.1 e
68.1 do Pacto de São José da Costa Rica, ratificado em 25.9.1992 e
promulgado pelo Decreto 678/1992, além do Decreto 4.463, de 8 de
novembro de 2002, as decisões da Corte Interamericana de Direitos
Humanos são obrigatórias e vinculantes para o Estado brasileiro. Nesse
sentido: ADPF 635 MC/RJ, de minha relatoria, julgada pelo Tribunal
Pleno em 18.8.2020.

Além disso, na resolução de 28 de novembro de 2018, a Corte


Interamericana de Direitos Humanos, ao deliberar sobre a situação do
Complexo Prisional do Curado, determinou ao Estado brasileiro que
adotasse, entre outras, as seguintes medidas:

4. O Estado deve tomar as medidas necessárias para que,


em atenção ao disposto na Súmula Vinculante No. 56, do
Supremo Tribunal Federal do Brasil, a partir da notificação da
presente resolução, não ingressem novos presos no Complexo
de Curado, e nem se efetuem traslados dos que estejam ali
alojados para outros estabelecimentos penais, por disposição
administrativa. Quando, por ordem judicial, se deva trasladar
um preso a outro estabelecimento, o disposto a seguir, a
respeito do cômputo duplo, valerá para os dias em que tenha
permanecido privado de liberdade no Complexo de Curado,
em atenção ao disposto nos Considerandos 118 a 133 da
presente resolução.
5. O Estado deve adotar as medidas necessárias para que o
mesmo cômputo se aplique, conforme o disposto a seguir, para
aqueles que tenham deixado o Complexo de Curado, em tudo o
que se refere ao cálculo do tempo em que nele tenham
permanecido, de acordo com os Considerandos 118 a 133 da
presente resolução.
6. O Estado deverá arbitrar os meios para que, no prazo de
seis meses a contar da presente decisão, se compute em dobro
cada dia de privação de liberdade cumprido no Complexo de
Curado, para todas as pessoas ali alojadas que não sejam

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
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Supremo Tribunal Federal

HC 208337 MC / PE

acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de


crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas, nos
termos dos Considerandos 118 a 133 da presente resolução.
7. O Estado deverá organizar, no prazo de quatro meses a
partir da presente decisão, uma equipe criminológica de
profissionais, em especial psicólogos e assistentes sociais, sem
prejuízo de outros, que, em pareceres assinados pelo menos por
três deles, avalie o prognóstico de conduta, com base em
indicadores de agressividade dos presos alojados no Complexo
de Curado, acusados de crimes contra a vida e a integridade
física, ou de crimes sexuais, ou por eles condenados. Segundo o
resultado alcançado em cada caso, a equipe criminológica, ou
pelo menos três de seus profissionais, conforme o prognóstico
de conduta a que tenha chegado, aconselhará a conveniência ou
inconveniência do cômputo em dobro do tempo de privação de
liberdade ou, então, sua redução em menor medida.
8. O Estado deverá dotar a equipe criminológica do
número de profissionais e da infraestrutura necessária para que
seu trabalho possa ser realizado no prazo de oito meses a partir
de seu início.

Assim, em novembro de 2018, a CIDH determinou ao Estado


brasileiro que, no prazo de 6 (seis) meses, arbitrasse os meios necessários
para o cômputo em dobro dos dias de privação de liberdade cumpridos
naquele complexo prisional por pessoas não acusadas de crimes contra a
vida, contra a integridade física ou crimes sexuais, bem como que, em 8
(oito) meses, viabilizasse o início do trabalho de equipe criminológica de
profissionais para avaliar os acusados desses crimes e aconselhar, em tais
casos, a conveniência do cômputo em dobro do tempo de privação de
liberdade ou da redução deste multiplicador.

Prima facie, a realidade que emerge dos autos, superados em muito


todos os prazos estabelecidos pela resolução da Corte Interamericana,
revela um enorme descompasso em relação aos termos de sua decisão: o
que se constata é que, por força da instauração de um Incidente de

Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço
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Supremo Tribunal Federal

HC 208337 MC / PE

Resolução de Demandas Repetitivas, um órgão judiciário do Estado


brasileiro, ao se deparar com a prolação de decisões oriundas dos Juízos
de Execução que contêm manifesta recusa ao cumprimento do que
decidido pela CIDH, optou por lhe negar eficácia ao determinar, pelo
prazo de 1 (um) ano, “a suspensão dos efeitos práticos da contagem em dobro
do tempo de prisão nas unidades integrantes do denominado Complexo do
Curado”, prolongando o quadro de violação de direitos humanos das
pessoas presas naqueles estabelecimentos prisionais.

Diante desse cenário, impõe-se o restabelecimento da possibilidade


de que a decisão emanada da Corte Interamericana de Direitos Humanos
incida em favor do paciente, com a remoção dos obstáculos levantados
pelas instâncias ordinárias. Tendo em vista que o paciente, a toda
evidência, cumpre pena pela prática de crime contra a vida, o
cumprimento da resolução da CIDH pressupõe a realização de avaliação
criminológica antes de se decidir sobre o multiplicador a incidir sobre os
dias de privação de liberdade por ele passados no Complexo Prisional do
Curado.

Ante o exposto, defiro em parte o pedido liminar para determinar


que em 30 (trinta) dias: (i) o paciente RONALDO ESTEVAO DA SILVA
seja avaliado por uma equipe criminológica que preencha os requisitos
estabelecidos pelo item 7 do dispositivo da Resolução da Corte
Interamericana de Direitos Humanos de 28 de novembro de 2018; (ii) o
Juízo da Execução profira nova decisão a respeito da cômputo do período
de cumprimento de pena pelo paciente no Complexo Prisional do Curado
à luz da avaliação efetuada e da mencionada resolução.

Comunique-se ao Juízo da Execução, ao qual incumbirá


implementar esta decisão, bem como informar a este Tribunal, findo o
prazo de 30 (trinta) dias: (i) as medidas adotadas para lhe conferir
efetividade; (ii) a situação atualizada do paciente.

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Supremo Tribunal Federal

HC 208337 MC / PE

Comunique-se, outrossim, ao TJPE e ao STJ, para ciência.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 30 de junho de 2022.

Ministro EDSON FACHIN


Relator
Documento assinado digitalmente

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Anexo G
Manifestação do DMF/CNJ
para instrução dos autos do
Habeas Corpus
nº 208.337/PE, de Relatoria
do Ministro Edson Fachin
Departamento de Unidade de
Monitoramento e Monitoramento e
Corregedoria Fiscalização do Sistema Fiscalização das
Nacional de Justiça Carcerário e do Sistema de Deliberações da Corte
Execução de Medidas Interamericana de Direitos
Humanos
Socioeducativas

INFORMAÇÕES
Inspeções no Complexo
Prisional do Curado

Presos no Complexo do Curado, no Recife - Foto: G.Dettmar/Agência CNJ de Notícias


Sumário
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 3

2. CARACTERIZAÇÃO DO COMPLEXO PRISIONAL DO CURADO ..................................................... 6

O CASO DO COMPLEXO PRISIONAL DO CURADO PERANTE A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS ..... 6
ASPECTOS GERAIS................................................................................................................................................................... 13
PONTOS RESOLUTIVOS VIGENTES ........................................................................................................................................ 17
Saúde ...................................................................................................................................................................................... 17
Acesso ..................................................................................................................................................................................... 17
Ingressos ............................................................................................................................................................................... 17
Egressos ................................................................................................................................................................................ 18
Cômputo em dobro ........................................................................................................................................................... 18
Pessoal ................................................................................................................................................................................... 18

2
3. SELETIVIDADE PENAL RACIAL – UM OLHAR ATENTO AO CURADO ...................................... 19

4. PRINCIPAIS INCONFORMIDADES NAS INSPEÇÕES ...................................................................... 21

ASSISTÊNCIA JURÍDICA ........................................................................................................................................................... 21


PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ................................................................................................................................................... 22
SUPERLOTAÇÃO E INFRAESTRUTURA ................................................................................................................................... 24
ACESSO A ÁGUA ....................................................................................................................................................................... 31
AUSÊNCIA DE POLICIAIS PENAIS E A DELEGAÇÃO DA ATUAÇÃO NO CONTROLE E SEGURANÇA AOS “CHAVEIROS” .... 33
BANHO DE SOL ......................................................................................................................................................................... 34
ALIMENTAÇÃO ......................................................................................................................................................................... 34
VISITAS E CONVÍVIO FAMILIAR .............................................................................................................................................. 36
ASSISTÊNCIA MATERIAL E FORNECIMENTO DE ITENS DE HIGIENE .................................................................................. 37
GRUPOS COM VULNERABILIDADE ACRESCIDA ..................................................................................................................... 37
ACESSO A TRABALHO E EDUCAÇÃO ....................................................................................................................................... 39
SAÚDE DAS PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE .................................................................................................................. 41
MORTES .................................................................................................................................................................................... 43
USO DA FORÇA ......................................................................................................................................................................... 44
CONTROLE EXTERNO E FISCALIZAÇÃO ................................................................................................................................. 45

5. PROVIDÊNCIAS ADOTADAS PÓS-MISSÃO ...................................................................................... 47

1. INTRODUÇÃO

Trata-se de relatório do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema


Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça
(DMF) a respeito das condições do Complexo Prisional do Curado, para a finalidade de instruir os
autos dos Habeas Corpus nº 208.337/PE, de Relatoria do Ministro Edson Fachin, em trâmite perante
o Supremo Tribunal Federal, atendendo à solicitação formulada na decisão de 18 de agosto de 2022
que instou esta unidade a apresentar as informações decorrentes do mutirão de inspeções
realizadas entre os dias 15 e 19 de agosto do presente ano, em conjunto com a Corregedoria
Nacional de Justiça.

O presente Relatório expõe preliminarmente os resultados da missão conjunta


realizada no Estado do Pernambuco pela Corregedoria Nacional de Justiça e pelo Departamento
de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas

3
Socioeducativas - DMF - com o objetivo de apurar as condições de privação de liberdade naquela
unidade da federação.

A missão conjunta foi instituída pela Portaria da Presidência e da Corregedoria Nacional


nº 2 de 1º de julho de 2022, publicada no DJe/CNJ nº 161, de 4 de julho de 2022, p. 3-4, a qual
determinou a realização de correição extraordinária para verificação do funcionamento e
regularização dos sistemas e plataformas eletrônicas utilizados pelo Tribunal de Justiça do Estado
de Pernambuco, além de mutirão de inspeções em estabelecimentos prisionais do Estado de
Pernambuco. A iniciativa se deu em continuidade do esforço concentrado entre os referidos órgãos,
conjugando suas competências e experiências na realização de correições para verificação do
funcionamento dos serviços judiciais e auxiliares e no monitoramento e propositura de soluções em
face de irregularidades verificadas no sistema carcerário e no sistema de execução de medidas
socioeducativas.

Assim, do mesmo modo como ocorreu nas missões anteriores ao Estado do Ceará, em
dezembro de 2021, e ao Estado do Amazonas, em maio de 2022, equipes de magistrados,
magistradas e suas assessorias verificaram o funcionamento de varas em diferentes Comarcas,
enquanto equipes de inspeção realizaram visitas aos estabelecimentos, incluindo unidades
prisionais, cadeias públicas, carceragens de polícia e outros tipos de instituições de privação de
liberdade. Para tanto, utilizou-se Roteiro de Inspeção e metodologia de inspeção próprio e adaptado
à realidade de Pernambuco.

Na seara correcional, foi apurada a qualidade da utilização dos seguintes sistemas


informatizados administrados pelo CNJ para a gestão de processos criminais e de execução penal:
Sistema de Audiência de Custódia (SISTAC), Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP
2.0), Cadastro Nacional de Inspeções em Estabelecimentos Prisionais (CNIEP) e Sistema Eletrônico
de Execução Unificado (SEEU), com o intuito de aperfeiçoar fluxos que possibilitem o cumprimento
de alvarás de soltura de forma tempestiva, assim como a apreciação de benefícios, continuidade de
inspeções e regularização das audiências de custódia.

Ademais, com a finalidade de colher subsídios para aprofundar o diagnóstico do


contexto do sistema prisional do Estado de Pernambuco, ao longo da missão foram realizadas
reuniões com os órgãos do Sistema de Justiça, órgãos de controle externo e com a sociedade civil
em atuação na temática localmente.

4
O diagnóstico inicial aprofundou o quadro global de problemas relatados ao CNJ,
envolvendo necessidade de aprimoramento na informatização dos fluxos do sistema de justiça e
prisional, bem como irregularidades encontradas pela grave superlotação que culmina em uma
totalidade de deficiências, com destaque ao precário acesso à justiça nos estabelecimentos
prisionais.

Além de considerar as atribuições previstas na Lei nº 12.106/2009, que impõe ao


DMF/CNJ os deveres de, entre outros, planejar, organizar e coordenar, no âmbito de cada tribunal,
mutirões para reavaliação da prisão provisória e definitiva, da medida de segurança e da internação
de adolescentes e para o aperfeiçoamento de rotinas cartorárias e acompanhar e propor soluções
em face de irregularidades verificadas no sistema carcerário e no sistema de execução de medidas
socioeducativas, a missão contou com o suporte da Unidade de Monitoramento e Fiscalização de
decisões e deliberações do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (UMF), instituída no
âmbito do Conselho Nacional de Justiça por meio da Resolução CNJ n. 364, de 12/01/2021, para
acompanhar o cumprimento das determinações da Corte Interamericana de Direitos Humanos
(Corte IDH) em relação ao Brasil.

Com efeito, o Complexo Prisional do Curado, situado em Recife/PE, requer especial


atenção por parte do Estado Brasileiro, haja vista ter sido objeto da primeira Medida Provisória
emitida pela Corte Interamericana em relação ao Brasil, datada de 22 de maio de 2014, a partir de
iniciativa da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O conjunto de estabelecimentos
prisionais surgiu após a fragmentação do antigo Presídio Professor Aníbal Bruno e atualmente é
composto pelas seguintes unidades: Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), Presídio
Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB).

Dentre os principais motivos da solicitação realizada à Corte, destacam-se o elevado


índice de mortes violentas (6 mortes no ano de 2013, 55 mortes entre 2008-2013), bem como
relatos de tortura e violência sexual perpetrados por pessoas privadas de liberdade que exerciam
funções de gestão por delegação de fato (conhecidos como “chaveiros”), além do tratamento
degradante decorrente superlotação e más condições carcerárias. Ao todo, em relação ao referido
Complexo Prisional, foram adotadas seis resoluções específicas contendo medidas provisórias de
urgência. Dentre as medidas emitidas pela Corte IDH, encontram-se assuntos relativos à segurança
dos apenados, saúde e infraestrutura, os quais serão a seguir detalhados.

5
A despeito da gravidade do contexto apresentado ao sistema interamericano, desde a
determinação das medidas provisórias constatam-se poucos avanços, sendo necessário o
engajamento dos atores envolvidos para implementar as medidas provisórias outorgadas pela Corte
IDH e superar o quadro de grave violação de direitos identificado nas unidades.

2. CARACTERIZAÇÃO DO COMPLEXO PRISIONAL DO


CURADO

O CASO DO C OMPLEXO P RISIONAL DO C URADO PERANTE A C ORTE


I NTERAMERICANA DE D IREITOS H UMANOS

Tendo em vista o cenário calamitoso e violador que o caracteriza, o sistema prisional


pernambucano vem sendo sistematicamente objeto de denúncias por parte da sociedade civil,
sobretudo no que diz respeito ao Complexo Prisional do Curado. Inaugurado em 1979 e situado no
bairro do Curado, na cidade de Recife, ele tinha, inicialmente, capacidade para 366 pessoas. Até
2012, ele constituía uma única unidade prisional, o Presídio Professor Aníbal Bruno.

Em 2011, organizações da sociedade civil entraram com um pedido de medidas


cautelares junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), devido ao contexto de
intensa superlotação e pelas péssimas condições da unidade. As medidas foram outorgadas em 4
de agosto de 2011, em razão do cenário de risco à vida, à saúde e à integridade das pessoas privadas
de liberdade no local. Como forma de responder às medidas outorgadas pela CIDH, em 2012 o
presídio foi subdividido em três unidades prisionais compondo, a partir daí, o Complexo Prisional
do Curado. Diante da ausência de providências por parte do Estado brasileiro, a CIDH, após três
anos, remeteu o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), relatando o elevado
índice de mortes violentas (55 mortes entre 2008 e 2013, sendo 6 mortes apenas no ano de 2013),
tortura e violência sexual, o tratamento degradante decorrente da superlotação, a extrema
insalubridade, a falta de acesso à água tratada, as más condições carcerárias e a precariedade no
acesso à saúde.

Em 22 maio de 2014, a Corte IDH outorgou Medida Provisória ao Brasil determinando


que o Estado adotasse providências que mitigassem o quadro violador, sobretudo no que diz

6
respeito à superlotação, devendo implementar “de forma imediata, todas as medidas que sejam
necessárias para proteger eficazmente a vida e a integridade pessoal de todas as pessoas privadas
de liberdade no Complexo de Curado, assim como de qualquer pessoa que se encontre neste
estabelecimento, incluindo os agentes penitenciários, funcionários e visitantes”. Determinou, ainda,
que fossem adotadas medidas a curto prazo a fim de:

a) elaborar e implementar um plano de


emergência em relação à atenção médica, em particular, aos
reclusos portadores de doenças contagiosas, e tomar medidas
para evitar a propagação destas doenças; b) elaborar e
implementar um plano de urgência para reduzir a situação de
superlotação e superpopulação no Complexo de Curado; c)
eliminar a presença de armas de qualquer tipo dentro do
referido Complexo; d) assegurar as condições de segurança e
de respeito à vida e à integridade pessoal de todos os internos,
funcionários e visitantes do Complexo de Curado; e) eliminar a
prática de revistas humilhantes que afetem a intimidade e a
dignidade dos visitantes.1

Em 7 de outubro de 2015, a Corte analisou as informações prestadas pelo Estado, pelos


peticionários e pela CIDH. Foi destacada a situação de violência e insegurança presente no
Complexo, com quadro de superlotação, presença de armas, condições de segurança e respeito à
vida e à integridade pessoal de internos, funcionários e visitantes. Diante da análise, o Tribunal
reforçou as medidas provisórias relativas ao Complexo e, em 18 de novembro de 2015, emitiu outra
Resolução ampliando as medidas provisórias e destacando a necessidade de proteção dos
representantes do caso, em especial da representante do SEMPRI e beneficiária Wilma Melo2.

Essa determinação foi sucedida de visita de representantes da Corte IDH ao Complexo


do Curado, no dia 8 de junho de 2016, e da emissão de nova resolução em 23 de novembro de
20163, na qual foi assinalado que o Estado Brasileiro não cumpriu com as devidas diligências de
realização das medidas provisórias, no concernente ao acompanhamento da execução das penas e
garantia dos direitos dos internos. Na referida medida emitida pela Corte, enfatizou-se a

1
Corte IDH. Assunto do Complexo Prisional do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 7 de
outubro de 2015, considerando 1.
2
Corte IDH. Assunto do Complexo Prisional do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 18 de
novembro de 2015, ponto resolutivo 1.
3
Corte IDH. Assunto do Complexo Prisional do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 23 de
novembro de 2016, parágrafo 59.

7
necessidade de apresentação de um diagnóstico técnico apontando as causas de superlotação e
superpopulação no Complexo, bem como um plano de contingência.4

No ano de 2017, foi apresentado pelo Estado brasileiro o diagnóstico técnico apontando
as principais causas de superlotação e superpopulação do Complexo. Foram apontados, no
diagnóstico, diversos fatores que corroboram para a situação de superlotação e superpopulação,
dentre os quais destacam-se “a) a gestão da política penitenciária; b) a gestão das unidades que
compõem o Complexo Prisional de Curado; c) as políticas de segurança pública; e d) a justiça penal
nos âmbitos estadual e federal”5 . Tal diagnóstico teria, ainda, segundo o Estado, a finalidade de
desenvolver o previsto no Plano de Contingência.

Quanto aos aspectos de atenção médica, o Estado Brasileiro informou que houve a
“realização de seleção simplificada para a contratação de 181 profissionais de diversas áreas para
o atendimento das 22 unidades carcerárias do Estado de Pernambuco”. Adicionalmente, indicou
as seguintes medidas adotadas: (a) implementação de um novo sistema de distribuição de comidas,
com pacientes incluídos em dietas especiais e a melhoria do cardápio; (b) realização de registro de
pacientes com quadro de HIV; e (c) acompanhamento ao grupo com quadro de diabetes e
hipertensão, dentre outros enfoques.

Após a análise dos dados apresentados pelos representantes, a Corte IDH reconheceu
os avanços implementados e pontuou necessidades de melhorias, em específico às pessoas
diagnosticadas com tuberculose.

Na mais recente deliberação da Corte IDH sobre o caso, de 28 novembro de 2018,


ressaltou-se que “apesar do tempo transcorrido, as medidas dispostas desde 2014 não

4
Nesse sentido: “Por todo o anterior, a Corte considera imprescindível que, dentro do prazo improrrogável de 90 dias,
o Estado apresente à Corte um Diagnóstico Técnico para determinar as causas da situação de superlotação e
superpopulação verificadas pela Corte e expressados na presente Resolução (pars. 20 e 21 supra) e um Plano de
Contingência, com medidas concretas para resolver essa situação e garantir os direitos à integridade pessoal e à vida
dos beneficiários. Este diagnóstico técnico deve ser realizado conjuntamente por instituições do Governo Federal e do
Estado de Pernambuco e deve prever a reforma de todos os pavilhões, celas e espaços comuns dos três centros de
detenção do Complexo de Curado e também a redução substancial do número de internos, em atenção às normas
nacionais e internacionais indicadas na presente Resolução. Este Plano e sua implementação deve ser monitorado pelo
Fórum de Monitoramento das Medidas Provisórias e deve ser implementado em caráter prioritário.” Corte IDH. Assunto
do Complexo Prisional do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 23 de novembro de 2016,
parágrafo 63
5
Corte IDH. Assunto do Complexo Prisional do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 15 de
novembro de 2017, parágrafo 9.

8
possibilitaram a melhoria concreta das condições de detenção das pessoas que se acham privadas
de liberdade no Complexo de Curado”, assinalando os seguintes aspectos prioritários:

“i. atenção médica ínfima, com uma médica a


cargo de mais de três mil presos, quando a OMS/OPAS
considera que, no mínimo, deve haver 2,5 médicos por 1.000
habitantes para prestar os mais elementares serviços em
matéria de saúde à população livre;
ii. mortalidade superior à da população livre;
iii. carência de informação acerca das causas de
morte;
iv. falta de espaços dignos para o descanso
noturno, com superlotação em dormitórios, verificada in situ,
em 2016;
v. insegurança física por falta de previsão de
incêndios, em particular com colchões que não são resistentes
ao fogo, verificada in situ, em 2016;
vi. insegurança pessoal e física decorrente da
desproporção de pessoal em relação ao número de presos.”

A Corte IDH considerou, assim, que “a execução de penas privativas de liberdade ou de


detenções preventivas no Complexo de Curado eventualmente violaria o artigo 5.2 da Convenção
Americana, situação que não foi superada e tampouco atenuada desde que a Corte dispôs a
medida e levou a cabo a visita in situ”. Ademais, destacou que, apesar dos esforços apresentados
pelo Estado brasileiro, estes ainda são “ineficazes para remediar a eventual violação da Convenção
Americana, que se mantém ao longo do tempo, sem solução de continuidade”.

Destacou, ainda, que as condições do Complexo “violariam o artigo 5.6 da Convenção


Americana, pois as penas desse modo executadas nunca poderiam levar a efeito a reforma e a
readaptação social do condenado, tal como prescreve o citado dispositivo convencional, como
objetivo principal dessas penas”.

Após detalhadas análises de precedentes internacionais, bem como de jurisprudência


do Supremo Tribunal Federal (STF), a Corte IDH conclui que “o único meio para fazer cessar a
continuação da eventual situação ilícita frente à Convenção Americana consiste em procurar a
redução da população do Complexo de Curado”6.

6
Corte IDH. Assunto do Complexo Prisional do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 28 de
novembro de 2018, parágrafo 120.

9
Nesse contexto, a Corte dispôs que a execução da pena deve ser reduzida, ante a
emergência da situação. Trata-se de providência que deve ser adotada pelo Estado voltada à
redução da superlotação no estabelecimento penal, estabelecendo, assim, os pontos resolutivos 4-
6, que possuem o seguinte teor:

4. O ESTADO DEVERÁ ARBITRAR OS MEIOS PARA QUE, NO PRAZO DE SEIS MESES A


CONTAR DA PRESENTE DECISÃO, SE COMPUTE EM DOBRO CADA DIA DE PRIVAÇÃO DE
LIBERDADE CUMPRIDO NO IPPSC, PARA TODAS AS PESSOAS ALI ALOJADAS, QUE NÃO
SEJAM ACUSADAS DE CRIMES CONTRA A VIDA OU A INTEGRIDADE FÍSICA, OU DE
CRIMES SEXUAIS, OU NÃO TENHAM SIDO POR ELES CONDENADAS, NOS TERMOS DOS
CONSIDERANDOS 115 A 130 DA PRESENTE RESOLUÇÃO.

5. O ESTADO DEVERÁ ORGANIZAR, NO PRAZO DE QUATRO MESES A PARTIR DA


PRESENTE DECISÃO, UMA EQUIPE CRIMINOLÓGICA DE PROFISSIONAIS, EM ESPECIAL
PSICÓLOGOS E ASSISTENTES SOCIAIS, SEM PREJUÍZO DE OUTROS, QUE, EM PARECERES
ASSINADOS POR PELO MENOS TRÊS DELES, AVALIE O PROGNÓSTICO DE CONDUTA COM
BASE EM INDICADORES DE AGRESSIVIDADE DOS PRESOS ALOJADOS NO IPPSC,
ACUSADOS DE CRIMES CONTRA A VIDA E A INTEGRIDADE FÍSICA, OU DE CRIMES
SEXUAIS, OU POR ELES CONDENADOS. SEGUNDO O RESULTADO VERIFICADO EM CADA
CASO, A EQUIPE CRIMINOLÓGICA, OU PELO MENOS TRÊS DE SEUS PROFISSIONAIS,
CONFORME O PROGNÓSTICO DE CONDUTA A QUE TENHA CHEGADO, ACONSELHARÁ A
CONVENIÊNCIA OU INCONVENIÊCIA DO CÔMPUTO EM DOBRO DO TEMPO DE
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE, OU, ENTÃO, SUA REDUÇÃO EM MENOR MEDIDA.

6. O ESTADO DEVERÁ DOTAR A EQUIPE CRIMINOLÓGICA DO NÚMERO DE


PROFISSIONAIS E DA INFRAESTRUTURA NECESSÁRIA PARA QUE SEU TRABALHO POSSA
SER REALIZADO NO PRAZO DE OITO MESES A PARTIR DE SEU INÍCIO”. IN: CORTE IDH.
ASSUNTO DO INSTITUTO PENAL PLÁCIDO DE SÁ CARVALHO A RESPEITO DO BRASIL.
MEDIDAS PROVISÓRIAS. RESOLUÇÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS
HUMANOS DE 22 DE NOVEMBRO DE 20187.

Como critério para aplicação da compensação penal, a Corte IDH impôs duas
diretrizes: (a) Regra geral: aplicação do computo em dobro para cada dia de pena vivenciada em
condições degradantes na unidade; (b) Regra específica aos crimes contra vida, integridade física

7
Corte IDH. Assunto do Complexo Prisional do Curado em relação ao Brasil. Medidas Provisórias. Resolução de 28 de
novembro de 2018, pontos resolutivos 4-6.

10
e crimes sexuais: realização de laudo pericial para aferição da fração de compensação a ser
aplicada.

Verifica-se que, ao impor os referidos critérios, a Corte IDH tinha em mente três
objetivos principais: (i) a compensação penal (reparação satisfativa) pela submissão a tratamento
degradante de forma incompatível com a CADH, (ii) a adoção de medidas concretas voltadas ao
desencarceramento (redução de danos e a interrupção da situação de grave risco, no marco do art.
62(3) da CADH), (iii) previsão de tratamento diferenciado mais rigoroso para os casos relacionados
à prática dos crimes mais graves (assim considerados os crimes contra a vida, integridade física e
de violência sexual).

Por fim, devido à sua importância, cumpre destacar os pontos resolutivos emitidos pela
Corte IDH na última resolução de medida provisória que trata exclusivamente do Complexo Prisional
do Curado:

1. REQUERER AO ESTADO QUE ADOTE IMEDIATAMENTE TODAS AS MEDIDAS QUE


SEJAM NECESSÁRIAS PARA PROTEGER EFICAZMENTE A VIDA, A SAÚDE E A
INTEGRIDADE PESSOAL DE TODAS AS PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE NO
COMPLEXO DE CURADO BEM COMO DE QUALQUER PESSOA QUE SE ENCONTRE NESSE
ESTABELECIMENTO, INCLUSIVE OS AGENTES PENITENCIÁRIOS, OS FUNCIONÁRIOS E OS
VISITANTES. SOLICITAR TAMBÉM QUE PONHA EM EXECUÇÃO IMEDIATAMENTE O
DIAGNÓSTICO TÉCNICO E O PLANO DE CONTINGÊNCIA, DE ACORDO COM O EXPOSTO
NOS CONSIDERANDOS 8 A 13 DA PRESENTE RESOLUÇÃO.

2. REQUERER AO ESTADO QUE GARANTA O EFETIVO RESPEITO À VIDA E À


INTEGRIDADE PESSOAL DAS DEFENSORAS WILMA MELO E GUACIRA RODRIGUES.

3. REQUERER AO ESTADO QUE MANTENHA OS REPRESENTANTES INFORMADOS


SOBRE AS MEDIDAS ADOTADAS PARA CUMPRIR AS MEDIDAS PROVISÓRIAS
ORDENADAS E QUE LHES GARANTA O ACESSO AMPLO E IRRESTRITO AO COMPLEXO DE
CURADO, COM O EXCLUSIVO PROPÓSITO DE ACOMPANHAR E DOCUMENTAR, DE
MANEIRA FIDEDIGNA, A IMPLEMENTAÇÃO DAS PRESENTES MEDIDAS.

4. O ESTADO DEVE TOMAR AS MEDIDAS NECESSÁRIAS PARA QUE, EM ATENÇÃO AO


DISPOSTO NA SÚMULA VINCULANTE NO. 56, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DO
BRASIL, A PARTIR DA NOTIFICAÇÃO DA PRESENTE RESOLUÇÃO, NÃO INGRESSEM
NOVOS PRESOS NO COMPLEXO DE CURADO, E NEM SE EFETUEM TRASLADOS DOS QUE
ESTEJAM ALI ALOJADOS PARA OUTROS ESTABELECIMENTOS PENAIS, POR DISPOSIÇÃO
ADMINISTRATIVA. QUANDO, POR ORDEM JUDICIAL, SE DEVA TRASLADAR UM PRESO
A OUTRO ESTABELECIMENTO, O DISPOSTO A SEGUIR, A RESPEITO DO CÔMPUTO
DUPLO, VALERÁ PARA OS DIAS EM QUE TENHA PERMANECIDO PRIVADO DE LIBERDADE

11
NO COMPLEXO DE CURADO, EM ATENÇÃO AO DISPOSTO NOS CONSIDERANDOS 118
A 133 DA PRESENTE RESOLUÇÃO.

5. O ESTADO DEVE ADOTAR AS MEDIDAS NECESSÁRIAS PARA QUE O MESMO


CÔMPUTO SE APLIQUE, CONFORME O DISPOSTO A SEGUIR, PARA AQUELES QUE
TENHAM DEIXADO O COMPLEXO DE CURADO, EM TUDO O QUE SE REFERE AO
CÁLCULO DO TEMPO EM QUE NELE TENHAM PERMANECIDO, DE ACORDO COM OS
CONSIDERANDOS 118 A 133 DA PRESENTE RESOLUÇÃO.

6. O ESTADO DEVERÁ ARBITRAR OS MEIOS PARA QUE, NO PRAZO DE SEIS MESES A


CONTAR DA PRESENTE DECISÃO, SE COMPUTE EM DOBRO CADA DIA DE PRIVAÇÃO DE
LIBERDADE CUMPRIDO NO COMPLEXO DE CURADO, PARA TODAS AS PESSOAS ALI
ALOJADAS QUE NÃO SEJAM ACUSADAS DE CRIMES CONTRA A VIDA OU A INTEGRIDADE
FÍSICA, OU DE CRIMES SEXUAIS, OU NÃO TENHAM SIDO POR ELES CONDENADAS, NOS
TERMOS DOS CONSIDERANDOS 118 A 133 DA PRESENTE RESOLUÇÃO.

7. O ESTADO DEVERÁ ORGANIZAR, NO PRAZO DE QUATRO MESES A PARTIR DA


PRESENTE DECISÃO, UMA EQUIPE CRIMINOLÓGICA DE PROFISSIONAIS, EM ESPECIAL
PSICÓLOGOS E ASSISTENTES SOCIAIS, SEM PREJUÍZO DE OUTROS, QUE, EM PARECERES
ASSINADOS PELO MENOS POR TRÊS DELES, AVALIE O PROGNÓSTICO DE CONDUTA,
COM BASE EM INDICADORES DE AGRESSIVIDADE DOS PRESOS ALOJADOS NO
COMPLEXO DE CURADO, ACUSADOS DE CRIMES CONTRA A VIDA E A INTEGRIDADE
FÍSICA, OU DE CRIMES SEXUAIS, OU POR ELES CONDENADOS. SEGUNDO O RESULTADO
ALCANÇADO EM CADA CASO, A EQUIPE CRIMINOLÓGICA, OU PELO MENOS TRÊS DE
SEUS PROFISSIONAIS, CONFORME O PROGNÓSTICO DE CONDUTA A QUE TENHA
CHEGADO, ACONSELHARÁ A CONVENIÊNCIA OU INCONVENIÊNCIA DO CÔMPUTO EM
DOBRO DO TEMPO DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE OU, ENTÃO, SUA REDUÇÃO EM
MENOR MEDIDA.

8. O ESTADO DEVERÁ DOTAR A EQUIPE CRIMINOLÓGICA DO NÚMERO DE


PROFISSIONAIS E DA INFRAESTRUTURA NECESSÁRIA PARA QUE SEU TRABALHO POSSA
SER REALIZADO NO PRAZO DE OITO MESES A PARTIR DE SEU INÍCIO.

9. REQUERER AO ESTADO QUE CONTINUE INFORMANDO A CORTE INTERAMERICANA


DE DIREITOS HUMANOS, A CADA TRÊS MESES, CONTADOS A PARTIR DA NOTIFICAÇÃO
DA PRESENTE RESOLUÇÃO, SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS
ADOTADAS EM CONFORMIDADE COM ESTA DECISÃO, E SOBRE SEUS EFEITOS,
REFERINDO-SE, EM ESPECIAL, ÀS PERGUNTAS DISCRIMINADAS NO CONSIDERANDO
164 DA PRESENTE RESOLUÇÃO.

10. REQUERER AOS REPRESENTANTES QUE APRESENTEM AS OBSERVAÇÕES QUE


JULGUEM PERTINENTES SOBRE O RELATÓRIO A QUE SE REFERE O PONTO RESOLUTIVO
ACIMA, NO PRAZO DE QUATRO SEMANAS, CONTADO A PARTIR DO RECEBIMENTO DO
RELATÓRIO ESTATAL MENCIONADO.

12
11. REQUERER À COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS QUE
APRESENTE AS OBSERVAÇÕES QUE JULGUE PERTINENTES SOBRE O RELATÓRIO ESTATAL
A QUE SE REFERE O PONTO RESOLUTIVO QUATRO E SOBRE AS RESPECTIVAS
OBSERVAÇÕES DOS REPRESENTANTES, NO PRAZO DE DUAS SEMANAS, CONTADO A
PARTIR DO ENCAMINHAMENTO DAS REFERIDAS OBSERVAÇÕES DOS
REPRESENTANTES.

12. CONTINUAR AVALIANDO, AO LONGO DE UM ANO, EM CONFORMIDADE COM O


ARTIGO 27.8 DE SEU REGULAMENTO, A PERTINÊNCIA DE QUE UMA DELEGAÇÃO DA
CORTE INTERAMERICANA REALIZE UMA NOVA DILIGÊNCIA IN SITU AO COMPLEXO
PRISIONAL DE CURADO, E DE QUE SE PEÇA O PARECER DE PERITOS SOBRE A MATÉRIA,
OU SEU ACOMPANHAMENTO DA REFERIDA DILIGÊNCIA, A FIM DE VERIFICAR A
IMPLEMENTAÇÃO DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS, APÓS O CONSENTIMENTO DA
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, E COM SEU CONSENTIMENTO, DE ACORDO COM
O CONSIDERANDO 58 DA PRESENTE RESOLUÇÃO.

13. DISPOR QUE A SECRETARIA DA CORTE NOTIFIQUE DA PRESENTE RESOLUÇÃO O


ESTADO, A COMISSÃO INTERAMERICANA E OS REPRESENTANTES DOS BENEFICIÁRIOS.

14. DISPOR QUE O ESTADO, IMEDIATAMENTE, LEVE A PRESENTE RESOLUÇÃO AO


CONHECIMENTO DOS ÓRGÃOS ENCARREGADOS DO MONITORAMENTO DAS
PRESENTES MEDIDAS PROVISÓRIAS BEM COMO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E
DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.

Feita a análise sobre o histórico das medidas provisórias emitidas pela Corte
Interamericana em Relação ao Brasil, passa-se à análise do contexto identificado durante as
inspeções realizadas em agosto de 2022 pela missão do Conselho Nacional de Justiça.

A SPECTOS G ERAIS

Segundo dados oficiais do Departamento Penitenciário Nacional, relativos a dezembro


de 2021, havia 2.066 pessoas custodiadas no Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA),
que conta com 480 vagas, o que representa uma taxa de ocupação de 430,4%. O Presídio Frei
Damião Bozzano (PFDB), registrava ocupação de 445,5% (com 2.027 pessoas custodiadas em 455
vagas) e, por fim, o Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB), registrava 288,7% de
ocupação (com 2.604 pessoas custodiadas na unidade, que conta com 902 vagas). Todas as

13
unidades do Complexo Curado se destinam ao público masculino cis, acolhendo ainda população
autodeclarada GBTI+.

Consoante dados informados pela administração penitenciária do Estado de


Pernambuco, que fica sob a responsabilidade da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos - SJDH, o
Complexo Prisional do Curado dispunha, em 15 de agosto de 2022, de capacidade para 1.819
pessoas, custodiando, no entanto, 6.509 pessoas, ou seja, uma superlotação superior a três vezes
e meia a capacidade total.

As unidades que o compõem registram superlotações que chegam a 473%, no caso do


Presídio Frei Damião de Bozzano – PFDB, constatando-se o percentual de 427% de superlotação no
Presídio ASP Marcelo Francisco Araújo e 264% no Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros – PJALLB,
conforme detalhado na tabela abaixo:

Para além do grave cenário de superlotação, o Complexo também é marcado por um quadro
tido como de “favelização” do espaço prisional. Uma vez que as instalações são antigas – estando,

14
portanto, muito degradadas – e que não há espaço para comportar tamanha quantidade de
pessoas, soluções improvisadas acabaram instituídas no local.

Desta forma, pessoas alojadas em pavilhões onde não há mais celas dormem em “barracos”;
pessoas também se revezam para dormir na chamada “BR”, isto é, os corredores que ficam entre
os pavilhões, deitadas apenas sobre lençóis que cobrem o chão e, a depender do dia, ao relento e
sujeitas às intempéries da natureza.

“Camas” ao relento (PFDB) Pavilhão superlotado (PFDB).

Identificou-se, ainda, um sistema de improviso de celas construídas pelas pessoas presas,


com recursos próprios e das famílias, que foi descrito às equipes de inspeção com o apelido de
“Minha cela, minha vida”.

O Complexo Prisional do Curado é caracterizado, portanto, por péssimas condições de


infraestrutura, o que determina sobremaneira as condições de privação de liberdade – marcadas
por tortura, maus tratos, adoecimentos, privações de muitas ordens, dentre outros.

Cabe observar que um dos aspectos que ensejou determinação, por parte da Corte IDH, de
adoção de medidas são as condições às quais estão submetidas a população LGBTI+, quais sejam:
falta de segurança, violência sexual, discriminação, restrição de circulação, imposição de trabalho
para outros presos, ausência de acompanhamento específico de saúde, dentre outras.

15
Embora tenham sido adotadas medidas para minimizar esse quadro, relatório publicado pela
Defensoria Pública da União em 2021, mencionado anteriormente, aponta que o contexto, naquela
ocasião, ainda era de violações graves aos direitos dessa população.

Durante as inspeções realizadas pelo CNJ em agosto de 2022, foi constatada a ausência de
controle por parte da administração prisional sobre os pavilhões e espaços de custódia, nos quais
a gestão da movimentação da população prisional, a aplicação de medidas disciplinares e o acesso
às assistências sociais básicas preconizadas pela Lei de Execução Penal não são prerrogativas
executadas por servidores penais, mas, sim, por presos previamente selecionados.

Foram colhidos relatos no sentido de que ocorre um processo de dupla legitimação desses
presos, chamados de “chaveiros”, que envolveria uma validação da sua posição de poder
paraestatal pelos pares privados de liberdade, conjugada com a chancela da administração da
unidade prisional.

Registra-se, por oportuno, que essa não é uma característica isolada do Complexo Prisional
do Curado, havendo em outras unidades do sistema prisional pernambucano a presença dessas
pessoas presas responsáveis pelas chaves que dão acesso aos pavilhões e das celas. Contudo,
somado ao quadro de precariedade e improviso estrutural das unidades prisionais que compõem
o Curado, trata-se de situação de especial gravidade, contrariando todos os parâmetros e
estândares definidos em normativas nacionais e internacionais.

Tendo em vista as relações desiguais de poder entre as pessoas presas, esse tipo de
atribuição reforça uma dinâmica de condições também desiguais de permanência na prisão. Em
outras palavras, como são os presos detentores das chaves que decidem a respeito do fluxo das
demais pessoas presas, algumas delas têm mais acesso a atendimentos médicos, atividades laborais
e educacionais e a vantagens do que as demais. Neste sentido, tem-se um quadro de precarização
e vulnerabilidade ainda maiores para aquelas pessoas que, na disputa de poder interna, são
desfavorecidas, de modo que o tratamento que recebem, no sistema prisional, é desigual e
discriminatório.

16
Pavilhão 4 - Beco de "celas"(PJALLB) ”Celas de trabalhadores” (PJALLB)

P ONTOS R ESOLUTIVOS V IGENTES

Os pontos resolutivos vigentes perante a Corte IDH para o caso do Complexo do Curado
que merecem destaque no presente Relatório são os seguintes:

S AÚDE
Requerer ao Estado que adote imediatamente todas as medidas que sejam necessárias
para proteger eficazmente a vida, a saúde e a integridade pessoal de todas as pessoas privadas de
liberdade no Complexo de Curado bem como de qualquer pessoa que se encontre nesse
estabelecimento, inclusive os agentes penitenciários, os funcionários e os visitantes.

A CESSO
Requerer ao Estado que mantenha os Representantes informados sobre as medidas
adotadas para cumprir as medidas provisórias ordenadas e que lhes garanta o acesso amplo e
irrestrito ao Complexo de Curado, com o exclusivo propósito de acompanhar e documentar, de
maneira fidedigna, a implementação das presentes medidas.

I NGRESS OS
O Estado deve tomar as medidas necessárias para que, em atenção ao disposto na
Súmula Vinculante Nº 56, do Supremo Tribunal Federal do Brasil, a partir da notificação da

17
presente resolução, não ingressem novos presos no Complexo de Curado, e nem se efetuem
traslados dos que estejam ali alojados para outros estabelecimentos penais, por disposição
administrativa. Quando, por ordem judicial, se deva trasladar um preso a outro estabelecimento, o
disposto a seguir, a respeito do cômputo duplo, valerá para os dias em que tenha permanecido
privado de liberdade no Complexo de Curado.

E GRESSOS
O Estado deve adotar as medidas necessárias para que o mesmo cômputo se aplique,
conforme o disposto a seguir, para aqueles que tenham deixado o Complexo de Curado, em tudo o
que se refere ao cálculo do tempo em que nele tenham permanecido.

C ÔMPUTO EM DOBRO

O Estado deverá arbitrar os meios para que, no prazo de seis meses a contar da presente
decisão, se compute em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no Complexo de Curado,
para todas as pessoas ali alojadas que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade
física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas.

P ES S OAL
O Estado deverá dotar a equipe criminológica do número de profissionais e da
infraestrutura necessária para que seu trabalho possa ser realizado no prazo de oito meses a partir
de seu início.

Todos os pontos resolutivos da Corte foram inspecionados na Missão em questão.


Infelizmente, apesar dos esforços empenhados pelo Estado de Pernambuco, os pontos seguem
demandando uma resposta estatal urgente.

18
3. SELETIVIDADE PENAL RACIAL – UM OLHAR
ATENTO AO CURADO

Dentre os principais achados da missão do CNJ, em Pernambuco, o perfil étnico-racial


indica que a violência estrutural da superlotação atinge principalmente a população negra privada
de liberdade, considerados pretos e pardos, conforme a Lei Nº 12.288, de 20 de julho de 2010
(Estatuto da Igualdade Racial). O dispositivo prevê a garantia à população negra a efetivação da
igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o
combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Dessa forma, é dever do Estado
a garantia do acesso à Justiça pela população em questão, de modo a promover a equidade racial
essência da realização dos direitos humanos e das liberdades.

Em um quadro global, as unidades prisionais do Estado de Pernambuco apresentam


percentuais acima de 80% de pretos e pardos privados de liberdade, conforme os dados absolutos
fornecidos pela Administração Penitenciária. No caso das unidades femininas a situação é
igualmente preocupante.

No caso do Curado, porém, o grupo compõe até 91% da população carcerária,


representando um dos mais altos índices do país, de modo que é preciso destacar a questão racial
que inequivocamente atravessa o elevadíssimo grau de violação de direitos fundamentais nas três
unidades que compõem o complexo.

Tabela. Percentual étnico-racial de pretos e pardos do Complexo do Curado.

UNIDADE PRETOS E PARDOS TOTAL LOTAÇÃO GERAL

PAMFA 91,20% (1.794) 1.967 423,92%

PFDB 91,03% (1.918) 2.146 472,69%

PJALLB 91,30% (2.192) 2.401 268,70%

Tabela. Percentual étnico-racial de pretos e pardos unidades femininas.

UNIDADE PRETOS E PARDOS TOTAL LOTAÇÃO GERAL

CPFAL 84,45% (391) 463 241,15%

19
CPFR 89,21% (488) 547 190,18

Apesar de o público feminino não ser escopo do presente relatório (uma vez que não
estão custodiadas no complexo prisional do Curado), a análise interseccional para gênero e raça
deve ser atentada para compreendermos a seletividade penal presente no Estado.

Ainda, contrariando o preceito disposto no Art. 5º da Constituição Federal, fica


evidente que a população negra é alvo de impacto desproporcional do encarceramento, sem
qualquer tipo de atenção e proteção integral deste segmento de vulnerabilidade acrescida. O
enfrentamento desse cenário prevê a articulação de raça e gênero por meio de adoção de políticas
públicas que objetivem o fim da violação dos direitos humanos, conforme preconiza a Política
Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PNPIR.

Tal cenário indica o papel


fundamental do Sistema de Justiça na
proposição de tratamento adequado e o
protagonismo para implementação da
atenção integral à população negra em todas
as etapas de custódia, conforme previsto na
legislação pátria. De tal sorte, em 2019, a
Secretária Executiva Adjunta da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Marisol Blanchard, solicitou Parecer Consultivo da
Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), sobre as obrigações diferenciadas que o
princípio de igualdade e não discriminação impõe aos Estados no contexto de privação de liberdade.

Constata-se a importância do reconhecimento deste estado de coisas para a garantia de


direitos, e portanto, a latente demanda de capacitação de servidores que atuam diretamente nas
políticas penais, integralizando a política pública para promoção de outros direitos, a saber saúde,
educação, alimentação, dentre outros.

Por fim, conforme observado pelas equipes de inspeção do CNJ, a política penal não
garante a integridade física e as condições básicas de existência das multidões amontoadas em
pavilhões superlotados, desnudando um cenário de desigualdade real de grupos em situação de
risco, sujeitos à violação sistemática de direitos fundamentais.

20
4. P RINCIPAIS I NCONFORMIDADES NAS I NSPEÇÕES

Conforme já mencionado na introdução do presente Relatório, o caso do Complexo


Prisional do Curado - então chamado de Presídio Prof. Aníbal Bruno - em Recife, foi levado ao
sistema interamericano, em razão do cenário de risco à vida, à saúde e à integridade das pessoas
privadas de liberdade no local e da persistente ausência de providências por parte do Estado
Brasileiro diante do elevado índice de mortes violentas, os relatos de tortura e violência sexual, o
tratamento degradante decorrente da superlotação, a extrema insalubridade, a falta de acesso à
água tratada, as más condições carcerárias e a precariedade no acesso aos atendimentos de saúde.
Quase uma década depois da primeira medida determinada em 2014, a situação do Complexo do
Curado se mantém, conforme os principais pontos identificados a seguir.

A SSISTÊNCIA JURÍDICA

Um dos principais problemas relatados no Complexo do Curado foi o acesso precário à


Justiça. É geral a reclamação de que raras são as oportunidades de assistência judiciária por
intermédio da Defensoria Pública, com diversos casos de encarcerados que sequer sabem do
quantum de pena ainda a cumprir. Muitos relatam que cumpriram pena suficiente para a progressão
de regime, porém, continuam presos indevidamente.

Em relação ao atendimento da Defensoria Pública, este tem acontecido nas unidades,


mas de forma escassa. Houve relatos no sentido de que mesmo com defensores presentes no
interior do Complexo, há atendimentos realizados por videoconferência com presos ali custodiados,
os quais ficam acomodados em outra sala, sem contato presencial com aquele(a) que patrocinará
sua defesa. No que tange ao controle externo, o órgão iniciou recentemente a realização de visitas
de inspeção. Ainda, é importante destacar que a equipe de inspeção buscou apresentar informações
sobre a Resolução da Corte IDH publicada em 2018 que determina o cômputo em dobro do tempo
de pena cumprido nas unidades do Complexo Prisional do Curado, em face das dúvidas
manifestadas pelos presos em todos os pavilhões.

No PJALLB, por exemplo, as pessoas privadas de liberdade pediram que fosse criada uma
forma de monitoramento, principalmente da computação em dobro dos dias de cumprimento de

21
penas na unidade em questão. Em suas falas, descrentes de que a decisão da Corte IDH seja
cumprida, afirmaram que “inexistem para o estado” e apresentaram questionamentos sobre como
o Poder Judiciário de Pernambuco não cumpre decisões de instâncias internacionais.

P RESTAÇÃO JURISDICIONAL

Houve uma profusão de reclamações quanto à baixa eficiência do Tribunal de Justiça


Pernambucano nas análises processuais das pessoas presas. Problemas com a emissão de Guias
de Execução (demorando aproximadamente 9 meses), para garantia de progressão de regime e
pessoas presas há mais de 1 ano sem ainda ter tido audiências. Quanto ao ponto, os relatos das
pessoas presas correspondem aos achados da equipe responsável pelas correições nas unidades
judiciais do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, bem como nos sistemas informatizados
geridos pelo CNJ.

Extrai-se dos relatórios de inspeções registradas no Cadastro Nacional de Inspeções em


Estabelecimentos Prisionais – CNIEP que não houve inspeção no mês de referência de agosto de
2022 no Presídio ASP Marcelo Francisco de Araújo, sendo o último registro relativo ao mês de
referência de julho de 2022, o que, por si, é um indicativo da insuficiência do controle por parte do
Poder Judiciário a respeito do contexto do Complexo. A partir dos relatórios do CNIEP, a população
carcerária atual corresponderia a 6.450 pessoas, sendo que destes 3.643 seriam presos provisórios,
ou seja, 56,4% do contingente ali custodiado não foi condenado.

Outro ponto relevante que se apresentou tanto nas inspeções prisionais quanto nas
judiciais diz respeito à constatação da demora excessiva na expedição de guias de condenados, o
que impossibilita a instauração da execução penal e seus incidentes, benefícios e reconhecimento
de direitos. No caso de novas condenações criminais para uma mesma pessoa já em cumprimento
de pena, houve inúmeros relatos no sentido de que as varas criminais não encaminham a
respectiva guia para a VEP, o que acaba por inviabilizar a unificação das penas, entre outros efeitos.

Cumpre destacar que na apreciação da qualidade da utilização do Banco Nacional de


Monitoramento de Prisões (BNMP 2.0) no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco
como um todo, foram identificadas falhas graves, com grande discrepância entre o quantitativo
de pessoas efetivamente privadas de liberdade e aquelas assim relacionadas no BNMP2,
ocasionada por fatores como duplicidade de registros para uma mesma pessoa, pessoas presas

22
sem mandado de prisão cadastrado e pessoas soltas sem o respectivo alvará de soltura registrado
no banco, de forma a distorcer por completo os dados sobre a população carcerária que deveriam
ser de domínio do Poder Judiciário por força de expressa disposição do Código de Processo Penal,
o qual atribuiu ao Conselho Nacional de Justiça o dever de instituir e gerir Cadastro Nacional de
Presos unificado.

Os dados do BNMP também corroboram o quadro de excesso de prisões provisórias


sem apreciação. A partir de cálculo que compreende o tempo médio decorrido após o cumprimento
de um mandado de prisão e da posterior guia de recolhimento definitiva, documento que é
elaborado após a prolação da sentença condenatória, o sistema registra:

Excesso 2.024 pessoas presas provisoriamente há mais de 4 anos


de prazo
de prisão 1.528 pessoas presas provisoriamente há mais de 3 anos
provisória
- BNMP - 1.499 pessoas presas provisoriamente há mais de 2 anos
TJPE
2.585 pessoas presas provisoriamente há mais de 1 ano

2.407 pessoas presas provisoriamente há mais de 6 meses

1.591 pessoas presas provisoriamente há mais de 90 dias.

Assim, constataram-se apenas 1.926 pessoas presas provisoriamente dentro do prazo


legal de 90 (noventa) dias previsto no art. 316, parágrafo único, do CPP.

Reitera-se, contudo, a ressalva quanto à qualidade da alimentação do sistema,


conforme mencionado acima, o que pode distorcer os quantitativos totais, porém não possui o
condão de afastar, senão reforçar, a parcela de responsabilidade do Poder Judiciário para o
contexto de desarranjo estrutural do sistema carcerário pernambucano.

Já no que diz respeito ao Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU), verificou-se


que havia, na data da inspeção, aproximadamente 51.000 (cinquenta e um mil) execuções ativas no
Estado de Pernambuco. Contudo, dentre estas aproximadamente 2.700 (duas mil e setecentas)
execuções sem ação penal implantada, o que inviabiliza a atuação da defesa e do Ministério Público
e a contagem dos prazos e emissão de alertas para progressão de regime e término da pena.

23
Somente na Vara de Execuções Penais da Capital,
extraiu-se do SEEU a existência de 1.520 (mil
quinhentos e vinte) incidentes de execução
vencidos e pendentes de instauração.

S UPERLOTAÇÃO E INFRAESTRUTURA

A superlotação e a superpopulação perfazem aspectos fundantes nas omissões estatais


e na falta de garantia de direitos nas unidades prisionais. Importa ressaltar que o
superencarceramento observado repercute numa lógica de improvisação dos espaços, de celas e
subcelas, cuja infraestrutura (ventilação, iluminação, salubridade etc) mostra-se totalmente
precária e indigna.

PFDB

Com capacidade para 1.819 e abrigando 6.509 pessoas privadas de liberdade (dados da
SJDH/PE de 15/08/2022), o Complexo do Curado está flagrantemente superlotado. Os espaços,
como consequência, são visivelmente improvisados para conseguir abrigar uma população quase 5
vezes maior do que ele foi projetado para suportar.

24
A superlotação é fator que impossibilita não só
a alocação digna das pessoas nos pavilhões, ela também
facilita a proliferação de doenças, inviabiliza
acompanhamentos jurídicos, de saúde, assistência social
mais próximos, bem como dificulta as relações
interpessoais entre as pessoas privadas de liberdade e
entre estas e a administração prisional, uma vez que as
equipes não foram pensadas para atender esse número de
pessoas.

Em oposição ao que preconiza nossa legislação e


tratados internacionais, as unidades possuem construções Pavilhão sem camas
precárias, em dissonância as normativas de arquitetura (PJALLB)
prisional demandando uma atenção urgente.

No que diz respeito à estrutura e ambiência de todas as unidades do complexo, as


paredes originais do prédio se confundem com novos arranjos que foram sendo construídos, muitas
das vezes, pelas próprias pessoas presas que, ao longo dos anos, passaram pela unidade.

Nos pavilhões, do chão ao teto e em toda


largura das paredes, há pequenas portas de madeira, que
formam os denominados “barracos”, construídos na
tentativa proporcionar mais privacidade durante a privação
de liberdade, bem como de otimizar o espaço da cela de
forma vertical, uma vez que as camas originariamente
projetadas e o chão já não conseguiam abrigar o número
de pessoas por cela.

Ainda assim, pessoas precisam dormir ao longo


de todo o corredor dos pavilhões, na “BR”, bem como em
seu exterior, ao ar livre e, durante o período de chuvas, sofrem com alagamentos desses espaços.
Devido à superlotação e à impossibilidade de as celas abrigarem todas as pessoas privadas de
liberdade, as celas ficam abertas durante todo o dia.

25
Pavilhão ANEXO (PFDB) Pavilhão 04 (PJALLB)

As estruturas são antigas e mal conservadas, predominando sujidades, e demandam


nitidamente um cuidado maior com manutenção. Os internos convivem com a proliferação de
doenças de pele a todo momento, sem atendimento médico.

Na maior parte das unidades do Complexo os banheiros, quando existentes, são fétidos
e a grande maioria sem a menor condição de uso, alguns poucos com descarga, mas a maioria não.
Os presos convivem com uma população enorme de gatos, ratos, baratas e outros animais em todos
os pavilhões, áreas internas e externas, e reclamam que muitos estão doentes e transmitem
doenças, principalmente de pele.

Alagamentos em época de chuva também puderam ser identificados. A questão é


complexa, pois gatos são vistos como potenciais controladores de ratos e baratas, mas nas áreas
onde presos convivem com terra, os animais fazem necessidades fisiológicas no mesmo lugar de
convívio de internos.

26
Pavilhão 12 (PJALLB). Banheiro (PDFB).

Os “barracos” improvisados trazem uma forma labiríntica para as celas, com sinuosos
corredores que dificultam a entrada de luz e ventilação natural. Por todos os lados há fios
improvisados para que a energia possa chegar a todas as divisórias das celas. Foi verificado também
muitos ventiladores abertos, pelos corredores e nos “barracos”.

Pavilhão A (PAMFA). “Barracos” (PFDB)

27
Grave foi a identificação pela equipe de que espaços que, a princípio, não seriam
destinados para abrigar pessoas e não foram mencionados pela Direção enquanto tais, na prática
estavam sendo assim utilizados.

Em todas as unidades do complexo constataram-se celas, barracos ou colchões no


Rancho, um espaço destinado à guarda e ao preparo das refeições da unidade. No PJALLB e no PFDB
foram identificadas pessoas morando em uma pequena construção nas intermediações da caixa
d´água, onde estão localizadas as bombas de água e é destinada a controlar a vazão de água nos
horários específicos.

No PAMFA, foram identificadas 3 pessoas morando em galpão que aloca os


mantimentos e prepara a comida especificamente de servidores e trabalhadores e no PJALLB
também foi possível verificar que há presos instalados na lavanderia.

Colchões escondidos no Rancho (PAMFA). Lavanderia com dormitórios (PJALLB).

28
“Celas” na Caixa d’água (PFDB). “Celas” na cozinha (PFDB).

Ainda em decorrência da superlotação e da falta de espaços adequados que se somam ao


enorme contingente de pessoas presas, o território nos apresenta um fenômeno de favelização das
pessoas privadas de liberdade. Construções sem saneamento, alto contingente populacional e
instalações que muitas vezes se assemelham às condições impostas às pessoas em situação de rua
nos grandes centros do país. A custódia, por um órgão estatal, não pode impor aos seus cidadãos
tamanhos contrassensos.

Pavilhão Anexo - PFDB

29
O termo “favelização”, cunhado por Deise Benedito8, vem sendo utilizado para ratificar
e reproduzir a segregação social e racial percebida no PFDB. Ademais a importância do termo,
certamente ainda não é capaz de traduzir o grau de precarização do espaço, as relações sociais de
controle e dominação que se impõem entre as próprias pessoas presas e a permanente violação de
direitos humanos.

Pavilhão Anexo - PFDB

A favelização alcança seu extremo no pavilhão Anexo do PFDB, um galpão que não
possui quantitativo de celas ou vagas, pois não foi projetado para tanto, e onde as pessoas presas
improvisam modos de sobrevivência das mais diversas formas: colchões no chão do galpão,
colchões ao ar livre, redes armadas, barracos verticalizados em vielas estreitas, escuras e sinuosas,
lonas para proteger da chuva e pertences amarrados em bolsas, mochilas e sacolas plásticas por
todos os lados. Os barracos foram feitos de formas, tamanhos e materiais diferentes, alguns de
cimento, muitos de madeira, alguns revestidos interna ou externamente de cerâmica, tudo isso
contribui para explicitar que há uma estratificação social dentro da unidade. Há lixo pelos
corredores e até uma antiga marquise é utilizada como cama, tendo sido improvisado seu acesso.

8
Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/35875?locale=en . Acesso em 20 de setembro de 2022.

30
Pavilhão Anexo - PFDB

Também se notou na saída do PFDB que havia um espaço próximo à capela com
garrafas PET repletas de água no chão. Questionado se aquelas garrafas seriam para consumo
pelas pessoas presas, um servidor da administração penitenciária informou que, na verdade,
naquele local era erguido aos finais de semana um barraco destinado à realização de visitas
íntimas com as esposas e companheiras dos presos, sendo as garrafas PET utilizadas como um
colchão de água improvisado.

PFDB

A CESSO A ÁGUA

Quanto ao acesso à água, direito fundamental cuja garantia foi apontada como urgente
pela Corte, foi possível identificar que, em regra, a água encanada é racionada, sendo liberada em
horários específicos. Entretanto, há exceções a esta regra, como nos pavilhões J e D do PAMFA.
Também nesta unidade, foi relatado que os próprios presos construíram o poço do pavilhão B e

31
antes disso não havia água. Também houve relatos de presos custearem a construção de caixas
d´água e poços no PJALLB e de uma situação grave de falta de água há 3 meses no Pavilhão 10 - P
desta unidade.

Freezers com água ensacada (PJALLB) Freezers com produtos diversos (PJALLB)

Não há fornecimento de água potável, sendo utilizada água da torneira para tanto.
Sobre este ponto, foi possível observar uma ostensiva comercialização de água mineral ou não
(sendo esta última vendida gelada em sacos plásticos) e insumos do gênero alimentício pelas
cantinas, com preços abusivos, para o consumo rotineiro das pessoas em privação de liberdade.
Uma vez que o Estado não fornece nenhum material de limpeza, higiene pessoal ou roupas, os
internos dependem exclusivamente daqueles enviados pela família, doações ou vendido nas
cantinas da unidade.

32
A USÊNCIA DE POLICIAIS PENAIS E A DELEGAÇÃO DA ATUAÇÃO NO CONTROLE E

SEGURANÇA AOS “ CHAVEIROS ”

Conforme dados informados durante a Missão, o quantitativo de agentes


penitenciários/policiais penais que atuam nas unidades é absolutamente ínfimo, correspondendo à
proporção de 01 agente para cada 30 (trinta) a 32 (trinta e dois) pessoas presas, ou seja, muito
distante da determinação da Resolução CNPCP nº 9, de 13 de novembro de 2009, que indica a
proporção de 5 (cinco) presos por agente penitenciário.

Um arranjo informal que advém da superpopulação prisional em uma frustrada


tentativa de dar conta do déficit da equipe das unidades do complexo para atender o excedente de
pessoas é a instituição do “Chaveiro”, figura de poder exercida por pessoas privadas de liberdade
nos pavilhões e que detém o controle da massa e a organização, por meio de outras pessoas
privadas de liberdade subordinadas a ele, para pedidos e acesso às assistências dentro da unidade.
Ele é a institucionalização da função de prerrogativa estatal e produz impactos na gestão das
unidades e nas relações de poder entre as pessoas presas. Para exercer essa função, o “chaveiro”
conta com uma equipe que o auxilia e são geralmente denominados “mesário ou auxiliar”, “faxina”,
os mensageiros e/ou agentes de saúde.

“Chaveiro” no PAMFA

33
Importa salientar que a equipe dos “chaveiros” possui celas próprias, mais espaçosas,
organizadas e bem equipadas, que geralmente ficam na entrada do pavilhão, entre uma ala e outra,
o que denota sua posição de destaque na estratificação social reproduzida nas unidades prisionais
do Curado. É preciso, portanto, entender que a lógica do controle das unidades do Complexo do
Curado passa pelo entendimento dessas figuras e seus papéis na manutenção da ordem prisional.
Nas inspeções às três unidades, restou clara a presença intimidadora dos chaveiros e dessa estrutura
de controle espalhada, capilarizada em cada cela.

B ANHO DE SOL

Graves também são os relatos referente à garantia de banho de sol. Em regra, tendo
em vista os pavilhões superlotados e a impossibilidade das pessoas permanecerem nas celas, estas
ficam abertas o dia todo, de modo que é possível circular no pavilhão e, no caso das pessoas que
ficam nos pavilhões de convívio, por toda a área que circunda estes pavilhões.

Entretanto, nas celas do seguro que permanecem trancadas, foram colhidas


reclamações em todas as unidades do Complexo sobre a ausência de banho de sol regular, sendo
que em algumas unidades visitadas havia banho de sol apenas 2 vezes na semana por 30 minutos
e, em outras, sequer havia banho de sol e as pessoas presas poderiam sair somente no dia de visita,
caso tivesse visita. Também houve relatos das celas das enfermarias não terem banho de sol regular
em duas das unidades do curado, sendo que, em uma delas, o banho de sol acontecia apenas 2x
por semana por 30 minutos e, na outra, não havia banho de sol.

A LIMENTAÇÃO

A baixa qualidade e quantidade


insuficiente da alimentação nas unidades que
compõem o Complexo Prisional do Curado
representaram um grande número das
reclamações colhidas durante as inspeções.

De acordo com o que foi coletado de


informações, os insumos para produção dos

34
alimentos vêm do CEASA e são preparados pelas pessoas privadas de liberdade que trabalham nas
cozinhas (Ranchos).

São servidas apenas 3 refeições por


dia, às 5h, 11h e 16h, podendo haver diferença de
até 1h nestes horários a depender do pavilhão. Há,
portanto, grande espaço de tempo sem
alimentação, chegando até 17h entre a última
refeição de um dia e a primeira do dia seguinte, o
que aumenta o grau de estratificação social que
privilegia aqueles que possuem condição
socioeconômica que lhes permite usufruir de alimentos extras oriundos de fora da unidade,
trazidos por familiares, ou comprar alimentos nas cantinas e pequenos comércios de corredor
organizados de forma paraestatal nas unidades prisionais. Dentro desse cenário, quem não recebe
visitas ou não dispõe de recursos financeiros é gravemente prejudicado, podendo sofrer com
quadro de subnutrição.

Além disso, internos


afirmam que a comida é
ruim, servida em porções
muito pequenas (em
recipientes improvisados
pelas próprias pessoas
presas), que há pouca
variedade e que a proteína,

Anúncio: “Temos picolé e gelo aqui” além de restrita, vem muitas


vezes crua ou estragada.
Ademais, foi pontuado o baixo valor nutritivo das refeições. Muitos internos relataram que, apesar
de saberem que o estado fornece legumes para a unidade prisional, estes não são encontrados na
comida que é servida a eles, sendo que os cardápios semanais da unidade afixado nos Ranchos
confirmam estas informações.

Embora as equipes tenham obtido informações contraditórias neste sentido, pode-se


afirmar que há comércio entre os internos de alimento, a presença de cantinas (algumas delas
desmontadas para a inspeção) e muitos freezers e geladeiras com cadeados. As informações sobre

35
as cantinas são desencontradas, mas há relatos de que algumas pertencem a pessoas presas e
algumas a policiais penais, além de grave relato de que parte dos alimentos que chegam para o
preparo da comida das pessoas privadas de liberdade é desviada para venda na cantina.

Freezers com produtos diversos (PFDB)

V ISITAS E CONVÍVIO FAMILIAR

Outra situação que demanda atenção diz respeito às visitas e contato com mundo
exterior. Durante a pandemia, as visitas de adultos e crianças ficaram suspensas, sendo
possibilitadas apenas visitas virtuais, que seguem sendo ofertadas. As visitas presenciais foram
retomadas há cerca de 5 meses, no entanto ainda restaram algumas restrições. As visitas são
realizadas aos sábados e domingos alternados de acordo com o número final dos prontuários, das
9h às 15h. As visitas íntimas aconteciam aos sábados e seguem suspensas oficialmente, mas, na
prática, vêm acontecendo no mesmo dia e espaços das visitas sociais. Trata-se de uma situação
extremamente complexa e em dissonância às normativas internacionais que o país é signatário.

A visita por amigos ou outros não familiares, em regra, não é permitida, tendo sido
explicitado que ocorrem em casos excepcionais. Essas visitas ocorrem com menor tempo de
duração, cerca de 30 minutos.

As visitas passam por revista com bodyscan e raio-x, mas houve relatos de assédio e
constrangimentos nas filas, como segurar o tempo de seu andamento, direcionar a pessoa da vez
para o final da fila e compras de vagas. Em escuta às pessoas privadas de liberdade, foi grande o
clamor para o retorno da visita semanal e da possibilidade da visita poder levar comida, uma vez

36
que esta fica longas horas na fila e durante a visita sem se alimentar ou tendo que dividir a comida
oferecida pela unidade.

Ademais, não há infraestrutura adequada para receber os visitantes e familiares, no


contexto de precariedade e insalubridade já descrito no presente relatório.

A SSISTÊNCIA MATERIAL E FORNECIMENTO DE ITENS DE HIGIENE

Outra questão que insta ressaltar refere-se à assistência material. Há possibilidade de


entrega de sacolas para os presos durante os dias úteis, com dias distintos em cada unidade, de 3 a
5 dias na semana. As sacolas podem conter alimentos, material de higiene e de limpeza, roupas e
calçados. É vedada a entrega de enlatados, alimentos embalados em plástico não transparente,
perucas, produtos de maquiagem, ferramentas e instrumentos perfurocortantes. Embora a entrada
de sacolas esteja liberada, tivemos relatos de celas da segurança que não estão recebendo as suas.
Ademais, os itens que podem ser acessados não constam em portaria, sendo recorrente as
alterações nas regras.

G RUPOS COM VULNERABILIDADE ACRESCIDA

No que diz respeito à população LGBTQIA+, relatos da sociedade civil mencionam que o
PJALLB é uma das unidades mais violentas para a custódia desse público. A população LGBTQIA+
fica custodiada em celas específicas destinadas a este público. No entanto, importa salientar que
esta destinação não é uma escolha das pessoas privadas de liberdade, mas da administração
prisional, em dissonância ao preconizado pela Resolução CNJ n. 348/2020.

.Foto:G.Dettmar/Ag.CNJ

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Foi possível verificar que a Resolução não vem sendo observada nem pelo Poder
Executivo e nem pelo Poder Judiciário. Em resumo, os direitos que devem ser assegurados como
acesso ao nome social, acesso às assistências, tratamento hormonal e acesso à saúde não são
observados, somados ainda a um alto índice de denúncias de lgbtfobia pelos servidores penais,
chaveiros e pelas pessoas presas.

As equipes responsáveis pelas inspeções ainda identificaram a não observância no que


diz respeito ao gênero feminino, já que as presas transexuais e travestis não podem usar
vestimentas lidas como femininas ou usar maquiagem.

Também não há acesso a tratamento de hormonioterapia nas unidades prisionais do


Curado, de modo que, para fazer ou continuar o tratamento, é necessário que a família mande o
hormônio. No entanto, é preciso observar que a maioria das pessoas LGBTQIA+ não recebem visita,
de modo que essa população acaba ficando em situação de vulnerabilidade no mínimo três vezes
maior que os demais presos: em primeiro lugar por fazerem parte de população já com
vulnerabilidade acrescida (LGBTQIA+), em segundo lugar pelo encarceramento e, em terceiro, por
não receberem insumos do Estado para o autocuidado, o que incentiva outras violações e riscos,
como a prostituição para sobrevivência naquele ambiente.

Finalmente, foi verificado no PFDB que as celas específicas destinadas ao público


LGBTQIA+ sofrem sanções coletivas, ainda que tal preceito seja vedado pelas normativas
nacionais.

Em continuação aos públicos de vulnerabilidade acrescida, foi possível notar a premente


necessidade da consolidação de dados e alinhamento das premissas e direitos que são preconizados
nas Resoluções produzidas pelo CNJ (i.e indígenas, quilombolas, migrantes, LGBTI+, mulheres,
gestantes, entre outras).

Ainda que o Curado seja um complexo majoritariamente masculino, importante


destacar, por parte do TJPE, a inobservância da Resolução CNJ n. 369/2021 que estabelece
procedimentos e diretrizes para a substituição da privação de liberdade de gestantes, mães, pais e
responsáveis por crianças e pessoas com deficiência, nos termos dos arts. 318 e 318-A do Código de
Processo Penal, e em cumprimento às ordens coletivas de habeas corpus concedidas pela 2ª Turma
do Supremo Tribunal Federal nos HCs nº 143.641/SP e nº 165.704/DF.

38
Não há nenhum fluxo estabelecido para identificação e apreciação dos processos
judiciais de pais e responsáveis por crianças até 12 (doze) anos ou pessoas com deficiência, nos
termos do HC nº 165.704/DF, de Relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

Tendo em vista que o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco não logrou


apresentar dados à Segunda Turma do STF no âmbito das audiências de supervisão do cumprimento
do HC nº 165.704/DF, o DMF/CNJ solicitou à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos que
fornecesse os dados disponíveis a respeito desse público.

A partir de rápido mutirão de entrevistas realizadas pelas equipes psicossociais da


administração penitenciária, foi encaminhada relação de pessoas que poderiam ser beneficiadas
pela ordem coletiva, a qual também se encaminha anexa ao presente relatório.

A CESSO A TRABALHO E EDUCAÇÃO

Em referência às atividades laborais e educativas foi possível identificar uma baixa


incidência de ações de trabalho e de educação. Além de poucas vagas ofertadas para estas
atividades, a superlotação por vezes faz com que os espaços destinados ao trabalho sejam utilizados
para custódia de pessoas em detrimento das atividades educacionais e/ou laborais. Ademais, as
relações horizontais e verticais de poder entre pares nas unidades prisionais limitam a circulação e
o acesso a estas atividades.

Na unidade PFDB, a direção informou que há 90 cotas para trabalho remunerado e que,
respaldados por Boletim interno, podem contar com 50% das pessoas presas no PFDB exercendo
trabalhos voluntários, com direito à remição somente e não percepção de remuneração.
Atualmente, a PFDB possui 20% da quantidade das cotas de voluntários, sendo que 20 presos
trabalham de forma não remunerada. Anteriormente, este era o limite permitido, porém, em
12/08/22, houve nova deliberação da PGE permitindo a ampliação para 50%.

Na padaria foram identificadas pessoas que trabalham com extensa carga horária e em
condições de altas temperaturas, sem remuneração, contando apenas com a remição de pena. Foi
verificada a necessidade de melhoria na estrutura da padaria, pois o forno está degradado, não há
caixa plástica para transporte e armazenamento suficiente para a produção diária dos pães.

Os trabalhos geralmente fomentados na unidade são de marcenaria, reciclagem,


limpeza, serviços gerais, na cozinha e padaria ou na parte administrativa da unidade, como

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“chaveiro”, “mesário”, agente de saúde e “faxina”. Entretanto, ficou evidente a ausência de trabalho
suficiente para a demanda da unidade. Os presos dizem que não há oportunidades para todos
aqueles que querem trabalhar, o que foi confirmado pelo Setor Psicossocial da unidade.

Sobre o trabalho no PJALLB, a direção informou que há pessoas concessionadas


(trabalho remunerado) e voluntárias: 207 pessoas trabalhando na unidade, das quais 145 estão
remuneradas e 62 são voluntárias, sendo estas últimas mantidas numa fila de espera de novas vagas
para remuneração. O pavilhão destinado às pessoas concessionadas é composto por 44 celas, das
quais 26 são internas e 18 são externas, contendo cada uma quatro (4) “barracos” em média,
podendo variar. Estes espaços também são improvisados, e para se alcançar alguns são precisas
escadas improvisadas.

As pessoas “concessionadas” informaram que para trabalhar na unidade, se considera a


experiência laboral prévia, mas também se busca a disseminação dos conhecimentos específicos
para continuidade dos trabalhos. Alguns destes homens informaram que além de trabalhar,
também estudam na escola da unidade e fazem cursos profissionalizantes.

Na unidade PAMFA, considerando a quase inexistência de atividades laborais


regulamentadas, é precária a remição da pena pelo trabalho. A direção afirma que 110 trabalham e
apenas 90 recebem remuneração. Os critérios para a escolha dos presos que vão desempenhar
atividades laborais não são claros. Segundo alguns relatos a escolha pauta-se em indicações. Houve,
ainda, relatos de que o acesso a esses postos de trabalho ocorre mediante pagamento em pecúnia
ou vantagens aos administradores. A Missão do CNJ identificou alguns internos realizando trabalhos
gerais de limpeza, distribuição de comida (não remunerada), que são apenas ajudantes do chaveiro,
sem regulamentação e sem remição.

Finalmente, quanto à pauta do trabalho prisional, é alarmante o extenso quantitativo


de pessoas submetidas a trabalho voluntário (sem remuneração) e às condições insalubres em
seus postos laborais. Tal situação se opõe à normativa do Ministério Público e Ministério Público
do Trabalho, bem como os regulamentos internacionais da Organização Internacional do Trabalho.

Quanto às questões de educação, no PFDB houve disparidade na informação quanto


ao número de pessoas privadas de liberdade matriculadas na escola: enquanto a direção informou
que 205 pessoas cursam ensino fundamental e 41, o ensino médio, o gestor informou que há um
total de 280 alunos estudando, sendo que há capacidade para até 380 vagas. Quando questionado
sobre o motivo das vagas não serem preenchidas, este último reputou à suposta falta de interesse

40
das pessoas privadas de liberdade e à desistência, por causa das constantes transferências.
Aduziu, ainda, que a disponibilização de cursos técnicos poderia atrair mais o interesse dos alunos.

Nos corredores dos pavilhões do convívio, entretanto, houve relatos de que a razão
para não se matricular na escola seria a difusão da ideia de que as pessoas que “descem” para a
escola, localizada abaixo do “morro” (área dos pavilhões de convívio) e mais próxima da
administração e do pavilhão anexo, são "caguetas" e, portanto, mal vistos por todos os pavilhões
do convívio. Alguns presos sugeriram que houvesse outra escola destinada às pessoas do “morro”.
Tal fato demonstra a dificuldade do acesso à educação e de sua universalização, bem como a não
compreensão sobre as estruturas e dinâmicas de poder existentes nas unidades prisionais.

Na ocasião da inspeção, estavam ocorrendo aulas regulares de Educação de Jovens e


Adultos (EJA) no PJALLB. Conforme documentos enviados pela unidade, estavam matriculadas 275
pessoas no ensino fundamental e 47 pessoas no ensino médio, e há atividades de alfabetização.
Periodicamente, é realizado supletivo e ENEM, e há atividades pedagógicas e Trabalho de Conclusão
do ensino fundamental. Relatou-se que se intenta efetivar projeto de ensino superior EAD. Foi
informado que há remição pela leitura.

Sobre o acesso ao estudo no PAMFA, a escola tem duas salas de aula pequenas, sendo
que apenas uma delas está ativada por falta de outro professor. Há apenas 1 (uma) turma com uma
professora (a única da escola), destinada a 20 presos do ensino fundamental 1 e 2. Há lista de espera,
anotada à mão pela secretária da escola com 11 internos. Questionada sobre a pouca procura, a
secretária afirma que os internos já sabem que não há vagas e que, se disponibilizadas, haveria mais
inscrições. Atualmente, apenas 50 internos participam das atividades de leitura.

S AÚDE DAS PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE

Importante apresentar, ainda, os achados referentes à saúde e saúde mental. Inegável


a importância da implementação da PNAISP no território e as melhorias garantidas a partir da
referida política. No entanto, as questões de saúde nas unidades do Curado ainda demandam
atenção devido ao estado de superlotação encontrado, indicando enorme carência de acesso à
saúde pelas pessoas privadas de liberdade. A inspeção identificou um alto índice de doenças de
pele, doenças sexualmente transmissíveis e tuberculose.

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Na unidade PJALLB, as pessoas privadas de liberdade relataram a falta de medicamentos
e a dificuldade em acessar o setor de saúde, cuja demora chega a durar um ano, principalmente
para atendimentos médicos e odontológicos, Destacaram ainda as más condições da ambiência da
enfermaria da unidade, relatando que já foram identificados no espaço animais como escorpiões e
ratos.

Toda estrutura da enfermaria é incompatível com a dignidade de qualquer pessoa e com


os cuidados em saúde. Lençóis, chão e camas estavam sujos, com roupas, restos de comida, pão e
outros itens espalhados. Também foi verificado café armazenado em balde para ser consumido
durante todo o dia pelas pessoas presas. Informou-se que há aproximadamente 226 pessoas que
tomam medicamentos psicotrópicos, cujas demandas estão relacionadas a dificuldades para dormir
e ansiedades e questões emocionais próprias da condição de segregação naquela unidade prisional.
Constam ainda pessoas cardíacas e com deficiências físicas em tais espaços.

A enfermaria comporta celas específicas para pessoas em sofrimento mental e celas de


isolamento de tuberculose. Uma das pessoas afirmou que “Tuberculose (TB) é a pior doença da
cadeia”, e relataram a dificuldade em acessar testagens, sendo o procedimento o pedido à equipe
de saúde e a espera.

Há de se olhar com cautela as práticas de atenção e cuidado à saúde de tais pacientes,


devendo os protocolos do Ministério da Saúde serem observados, especialmente ao que tange a
diagnóstico e tratamento. Grave ainda foi a constatação pelos peritos de que o banho de sol às
pessoas em sofrimento mental só é garantido duas vezes na semana, com duração de 3 horas.

Já a ala destinada às pessoas com deficiência detinha condições ainda mais graves. As
cadeiras de rodas estavam sem condição de uso, os banheiros estavam sujos, com água e baldes
com restos de comidas. O ambiente possui pérgolas que possibilitam a entrada de ar e camas
hospitalares em condições precárias.

Na unidade PFDB, um fato que chamou a atenção da equipe de inspeção foi as pessoas
privadas de liberdade serem algemadas para receberem atendimento em saúde. Em diálogo com a
coordenação de saúde da unidade, foi informado que, há 05 anos, houve uma situação de conflito
em que os profissionais de saúde foram feitos reféns, o que alterou o procedimento para os
atendimentos da área. Trata-se de protocolo que se opõe de forma grave aos normativos
internacionais relacionados à saúde prisional. Urgente seria melhorias na gestão prisional, para que
a garantia do direito e do acesso à saúde seja realizado de modo humanizado.

42
Em conversa com a equipe de saúde do PFDB, foi informado que os critérios para
permanecer indefinidamente na enfermaria são as pessoas privadas de liberdade terem algum tipo
de comorbidade ou transtorno mental. As pessoas dessas celas, entretanto, informaram não terem
direito a banho de sol, mesmo uma delas sendo paciente crônico com déficit em vitamina D. No
momento da inspeção, foi fornecida lista com 21 nomes de pacientes com transtorno mental no
PFDB alocados em vários espaços da unidade: Enfermaria, Recuperação, Anexo, Conservação, E, F,
Isolamento. Além disso, também foi encaminhada relação com 220 nomes de PPL que fazem uso de
psicotrópicos no PFDB. Segundo a Psicologia da saúde, em torno de 55% dos casos de uso de
psicotrópicos dizem respeito à drogadição.

Na unidade PAMFA, a assistência médica, segundo os internos, é muito deficitária, pois,


embora haja atendimento ambulatorial ainda que insuficiente, os casos clínicos mais graves
raramente são atendidos com prontidão. Há ausência de ação profilática e mero atendimento de
casos de extrema urgência. Assim como no caso de acesso à assistência judicial, o acesso ao
atendimento médico, segundo relatos, é facilitado mediante pagamento.

M ORTES

Ressalta-se o significativo número de presos que vieram a óbito nas unidades do Curado.
A discussão sobre as mortes em ambiente prisional, não pode ser tratada de forma dissociada dos
demais problemas que marcam o cárcere e não pode ser pensada, senão, como resultado de um
ciclo de violações de garantias básicas que se estendem desde o precário acesso à saúde e higiene
até a condição de superlotação e insalubridade que marca o sistema prisional pernambucano e
promove a disseminação de doenças entre as pessoas privadas de liberdade. É preciso, ainda,
atentarmos aos mecanismos de perpetuação da violência e da tortura nos espaços de privação de
liberdade, ratificados pela inexistência de fluxos adequados.

Na unidade PAMFA, dos 6 (seis) óbitos que ocorreram nos 6 (seis) últimos meses, 2
(dois) deles foram motivados por lesões por instrumento perfurocortantes, 3 (três) por causas
indeterminadas e 1 (um) por tuberculose. Quanto às causas indeterminadas, foram solicitados
exames complementares, mas a direção informou que o resultado desses exames nunca retorna
à unidade, bem como não chega nova certidão de óbito.

De acordo com a direção do PAMFA, na hipótese de mortes por causas naturais, há


apenas comunicação à família e à Secretaria, que tem convênio com a funerária, para remoção e

43
enterro. Já nos casos de morte não natural, faz-se a comunicação à polícia militar através do 190 e
investigação interna, além do aviso à família e à Secretaria.

Na unidade PFDB, segundo a administração prisional, não houve óbitos de pessoas


privadas de liberdade no último ano, mas, no ano de 2019 houve 9 (nove) óbitos.

Todavia, há evidente necessidade de imediata adequação do fluxo de comunicação dos


óbitos às normativas estaduais. Conforme já disciplinado no Código Penitenciário de Pernambuco
(Lei n. 15.755/2016), todos os óbitos ocorridos em unidade prisional devem ser comunicados ao
juízo da execução penal e/ou ao juiz processante e seus familiares (art. 50, X).

Além disso, a lei impõe a comunicação “pela respectiva direção da unidade prisional ao
Secretário Executivo de Ressocialização, ao Juiz competente e ao Ministério Público, e, tratando-se
de estrangeiro, ao respectivo representante diplomático ou consular, além de seus familiares”
(artigo 72, inciso VII). E, “havendo indício de morte violenta ou de causa desconhecida, preservar-
se-á o local da ocorrência e informar-se-ão imediatamente, além das autoridades citadas no inciso
VII, os órgãos da polícia judiciária e os seus familiares” (artigo 72, inciso VIII). Fundamental, nestes
casos, o registro de ocorrência na delegacia de polícia, a elaboração de laudo pericial e declaração
de óbito pelo IML, com prosseguimentos das investigações pela polícia civil. Sugere-se, ainda, a
comunicação de todos os óbitos também à Defensoria Pública.

U SO DA FORÇA

Quanto ao controle das pessoas privadas de liberdade e uso da força, constatou-se que
a presença do Estado não ultrapassa a entrada de cada pavilhão, onde o preso é deixado à própria
sorte. O reduzido efetivo de policiais penais para número cada vez maior de detentos faz com que
a Administração delegue de fato a gestão dos espaços aos denominados “representantes de
pavilhão”, como previamente citado. Não há um critério da administração para que detentos do
pavilhão de segurança possam migrar para os pavilhões de convívio, por exemplo.

Situação singular foi observada no tocante a registros de PAD de pessoas que quebram
o livramento condicional e são direcionadas à unidade. Conforme se observou, há registros de PAD
nestas circunstâncias no Conselho Disciplinar do PJALLB, mesmo tal fato ter ocorrido no âmbito do
Patronato do estado.

44
C ONTROLE EXTERNO E FISCALIZAÇÃO

Em referência ao controle externo, foi informado pela administração das unidades que
o Poder Judiciário realiza inspeções visitando algumas instalações, especialmente a área
administrativa e as de isolamento, sendo que o Ministério Público realizaria visitas nos mesmos
moldes.

Embora a Defensoria Pública tenha informado que iniciou no ano passado inspeção a
unidades prisionais, esta ainda não o fez no PJALLB e PAMFA segundo informações colhidas com a
direção, com as pessoas privadas de liberdade e com a própria Defensoria.

A maioria da massa carcerária referiu nunca ter presenciado uma inspeção prisional ou
nunca ter visto uma autoridade judiciária na unidade desde que havia sido presa.

Por fim, foi informado pelas direções que a sociedade civil se mostra presente nas
inspeções e denúncias da unidade, demonstrando ciência pormenorizada de dinâmicas e rotinas do
presídio, o que de fato foi observado pela equipe de inspeção, nas reuniões de cúpula realizadas e
ratificado pelas pessoas presas, embora estas tenham referido que não há um grande número de
grupos que o fazem.

Os relatos a respeito do parco controle externo sobre o Complexo Prisional do Curado


condizem com aqueles extraídos do Cadastro Nacional de Inspeções em Estabelecimentos Penais –
CNIEP, do CNJ, conforme mencionado na decisão de 24 de agosto de 2022 da Corregedora Nacional
de Justiça que determinou medidas acautelatórias de urgência para o Complexo Prisional do
Curado:

“(...) Ao se consultar o CNIEP, de plano se verifica


que não foram realizadas inspeções mensais em 2021 até o
mês de setembro.
Além disso, a quase totalidade das inspeções de
2021 indicam condições “Regulares” no Complexo do Curado,
mesmo em meses em que a superlotação atingiu a marca de
aproximadamente 450%, como indicado nos relatórios
relativos ao mês de outubro de 2021, em que havia no
PRESÍDIO FREI DAMIÃO DE BOZZANO 2.060 presos para 454
vagas projetadas, sendo 1.461 presos provisórios, e dezembro
de 2021, quando constam no PRESÍDIO ASP MARCELO
FRANCISCO DE ARAÚJO 2.050 presos custodiados para 464
vagas projetadas, sendo 1.567 presos provisórios.
Em 2022, os relatórios de inspeções do CNIEP
também trazem informações frontalmente contraditórias com

45
a insalubridade das unidades, havendo relatórios de todas as
três unidades ao longo do primeiro semestre de 2022 com
avaliação de condições “Regulares”.
Nota-se que a despeito do quanto constatado pela
missão do CNJ, consta do CNIEP um relatório do PRESÍDIO JUIZ
ANTONIO LUIZ LINS DE BRITO, mês de referência abril de 2022,
em que as condições foram avaliadas como “Boas” pelo
corregedor da unidade.
Ao se verificarem os recibos de inspeção, mesmo
naqueles em que as condições são avaliadas como “Ruins” ou
“Péssimas”, não há anotações indicativas da adoção de
providências para o adequado funcionamento dos
estabelecimentos.”

46
5. P ROVIDÊNCIAS ADOTADAS PÓS - MISSÃO

A missão conjunta ao Estado tem como objeto principal a qualificação do sistema


prisional de Pernambuco. Imbuídos do objetivo maior de assegurar a integral proteção dos direitos
humanos, a Corregedoria Nacional de Justiça e o DMF vêm apresentar as constatações iniciais
encontradas ao longo da semana em questão.

Importante ressaltar que, ato seguinte às atividades correcionais e de inspeção, iniciou-


se a elaboração de um relatório analítico com uma análise robusta sobre o Estado, contemplando
todos os documentos angariados e roteiros de inspeção preenchidos.

Por fim, insta destacar que em 24 de agosto foi proferida importante decisão da
Corregedoria Nacional de Justiça, a qual segue anexa ao presente Relatório, determinando ao TJPE
o seguinte conjunto de medidas acautelatórias de urgência:

[a] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo


Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco para a redução
da população carcerária do Complexo do Curado, em
percentual de 70% (setenta por cento) do contingente
informado pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos a este
Conselho Nacional de Justiça, na data de 15 de agosto próximo
passado, dentro de um prazo de oito (08) meses, a contar da
publicação desta decisão, conjuntamente com a proibição de
novos ingressos desde agora nas unidades;
[b] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco para que
implemente a revisão da situação processual de todas as
pessoas atualmente custodiadas nas três unidades prisionais
do referido Complexo Prisional do Curado, cumprindo-se,
rigorosamente, o disposto na Súmula Vinculante nº 56, do
Supremo Tribunal Federal do Brasil, previamente a qualquer
determinação de transferência, ficando vedadas
transferências para outras unidades que já estejam acima do
limite da capacidade, para se evitar o risco de se deslocar o
problema de superpopulação [ora e ali já] enfrentado aos
demais estabelecimentos do Estado;
[c] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco para que inicie e
implemente, no prazo de 10 (dez) dias, a contar da publicação
desta decisão, regime especial de prioridade e atuação,
destinado à (i) revisão sobre a necessidade de manutenção de
prisões preventivas e (ii) a adoção de providências para a
retomada da instrução criminal, prolação de sentenças e

47
acórdãos, bem como a regularização do andamento de todos
os processos de conhecimento e de execução penal, em todas
as unidades judiciais de 1º e de 2º grau do Tribunal de Justiça
do Estado de Pernambuco em que haja presos com mais de 100
(cem) dias sob custódia cautelar, informando-se ao Conselho
Nacional de Justiça a lista de processos criminais, por unidade
judicial e relatoria de Desembargador, nessas condições;
[d] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco para que se
passe a promover visitas quinzenais ao Complexo Prisional do
Curado, delas participando, conjuntamente e ao menos, 05
juízes com competência criminal, 02 juízes com competência
de execução penal e 02 Desembargadores da Seção Criminal,
mediante programação (em sistema de rodízio) que deverá ser
previamente informada a este Conselho Nacional de Justiça,
destinadas ao monitoramento in loco das três unidades do
Complexo Prisional do Curado, até que a lotação desses
estabelecimentos alcance o contingente determinado no item
[a] acima referido. Observa-se desde logo que as visitas não
deverão limitar-se ao ambiente administrativo, nem se
restringir a diálogos com os gestores prisionais, mas deverão
alcançar, sobretudo, as instalações e a carceragem das três
unidades prisionais, documentando-se por fotos e vídeos a
presença e as entrevistas dos juízes e Desembargadores com
presos nessas unidades, e outras providências inerentes a
todas as ambiências das três unidades do Complexo Prisional
do Curado.
[e] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco para que
inaugure instância ou crie gabinete de crise destinado ao
monitoramento contínuo e permanente das unidades
prisionais do Complexo Prisional do Curado, que deverá
assegurar composição interinstitucional, para acompanhar as
providências administrativas e judiciais aptas a enfrentar e
solucionar as condições desumanas e degradantes em que se
encontram as respectivas unidades prisionais;
[f] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco para que
apresente ao Conselho Nacional de Justiça plano de
readequação funcional e de reorganização da força de
trabalho junto às unidades de justiça criminal e de execução
penal de 1° grau de todo o Estado de Pernambuco (em
consonância com a Resolução CNJ 219, de 2016) – de modo a
assegurar, destacadamente, a recomposição dos quadros de
servidores nessas áreas de atuação, com o respeito à
proporção máxima de 300 processos por servidor -, assim como
para que providencie cronograma destinado à conclusão da
digitalização do acervo de processos criminais em meio físico,
no prazo máximo de 6 (seis) meses.

48
[g] a adoção de providências por parte do Tribunal
de Justiça do Estado de Pernambuco para aprimorar a
estrutura material e funcional do Grupo de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário, considerando os
parâmetros da Resolução CNJ nº 214 de 15/12/2015, para que
se permita o efetivo cumprimento de suas atribuições, sem
prejuízo das providências para estruturar a recém-criada
Coordenadoria Criminal no âmbito do Tribunal.
[h] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça de Pernambuco para a realização de
mutirão de audiências de custódia para alcançar todas as
pessoas presas no Complexo Prisional do Curado que
porventura não tenham sido realizadas, nos termos da
Resolução CNJ nº 213/2015 e da decisão proferida em 05 de
agosto de 2022 pela Corregedoria Nacional de Justiça, no
processo administrativo nº 07227/2022, bem assim para que
se organize, conjuntamente com a Secretaria da Justiça e de
Direitos Humanos, o recenseamento e o recadastramento de
toda a população prisional do Estado, inclusive a criação de
protocolo para estabelecer essa rotina, buscando a
individualização de todos os presos recolhidos a unidades
prisionais de Pernambuco, com a projeção desses dados e
levantamento sobre as plataformas eletrônicas dos SEEU,
BNMP e SISDEPEN.
[i] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo
Tribunal de Justiça de Pernambuco para a retomada imediata
de audiências de custódia presenciais, diariamente, com a
presença de juízes, promotores de justiça e defensores
públicos, em todas as unidades judiciais criminais do Tribunal
de Justiça de Pernambuco.

Foi dada ciência a respeito da decisão e de seus fundamentos à Procuradoria Geral de


Justiça do Ministério Público do Estado de Pernambuco, à Defensoria Pública do Estado de
Pernambuco, à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado de Pernambuco, ao Conselho
Nacional do Ministério Público, ao Departamento Penitenciário Nacional, ao Conselho Nacional de
Política Criminal de Penitenciária, para ciências e outras providências que porventura estejam ao
alcance.

Além disso, foram autuados pedidos de providência em apartado no âmbito do CNJ para
averiguar a responsabilidade dos juízes de Execução Penal que atuam como corregedores das três
unidades prisionais que compõem o Complexo Prisional do Curado a fim de que prestem
esclarecimentos quanto ao cumprimento do dever de fiscalização dos referidos estabelecimentos
no prazo de 30 (trinta) dias a contar da intimação da decisão.

49
Registra-se, porém, que consoante também destacado na decisão da Ministra
Corregedora Nacional de Justiça, o dever de fiscalização não é imposto apenas aos juízes da
execução penal, mas também ao Ministério Público e outros órgãos como o Conselho Penitenciário,
DEPEN, Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e órgãos de prevenção e combate à
tortura em nível nacional (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura) e local
(Comitê/Mecanismo Estadual).

Em âmbito local, após a missão, foi julgado o Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas nº 0008770-65.2021.8.17.9000, suscitado pelo Ministério Público de Pernambuco
(MPPE), que discutia os critérios para aplicação do cômputo em dobro de pena para pessoas presas
em condições subumanas no Complexo do Curado, definido na Resolução de 28/11/2018, da Corte
IDH. O acórdão fixou as seguintes teses:

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS –


RESOLUÇÃO EDITADA EM 28/11/2018 PELA CORTE INTERAMERICANA
DE DIREITOS HUMANOS – ACOLHIMENTO DE PRELIMINAR SUSCITADA
DE OFÍCIO PARA QUE O ESTADO DE PERNAMBUCO SE PRONUNCIE
ACERCA DA MATÉRIA EM DEBATE NA FORMA DO ART. 983 DO CPC –
REJEIÇÃO DA PRELIMINAR DE INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADA
PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – MÉRITO DO INCIDENTE – CONTAGEM
EM DOBRO DO TEMPO DE PRISÃO CUMPRIDO NO COMPLEXO
PRISIONAL DO CURADO – ESPÉCIE SUI GENERIS DE REMIÇÃO POR
SUPERLOTAÇÃO – UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA QUANTO À
APLICAÇÃO DA RESOLUÇÃO EM QUESTÃO (ART. 985 DO CPC) –
FIXAÇÃO DE CINCO TESES JURÍDICAS A SEREM ADOTADAS NO ÂMBITO
DESTE TRIBUNAL, A SABER:

TESE 1: A CONTAGEM EM DOBRO DO TEMPO DE PRISÃO CUMPRIDO NO COMPLEXO


PRISIONAL DO CURADO, EM RECIFE/PE, ESTABELECIDA PELA RESOLUÇÃO DE
28/11/2018 DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CORTE IDH)
POSSUI A NATUREZA JURÍDICA DE REMIÇÃO SUI GENERIS OU, MAIS PRECISAMENTE, DE
“REMIÇÃO POR SUPERLOTAÇÃO”.

TESE 2: PARA EVITAR A SUPERPOPULAÇÃO CARCERÁRIA E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS


NO COMPLEXO PRISIONAL DO CURADO, OS JUÍZES DA EXECUÇÃO PENAL DEVEM
OBSERVAR, EM PRIMEIRO LUGAR, A APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 56 E AS
DIRETRIZES FIXADAS PELO STF NA REPERCUSSÃO GERAL DO RE 641.320/RS.

TESE 3: APÓS ESGOTADOS OS PARÂMETROS FIXADOS NO RE 641.320/RS, O


BENEFÍCIO DA CONTAGEM EM DOBRO DO TEMPO DE PRISÃO CUMPRIDO NO
COMPLEXO PRISIONAL DO CURADO, EM RECIFE/PE, PREVISTO NA RESOLUÇÃO DE
28/11/2018 DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (CORTE IDH),

50
SOMENTE SE APLICA AOS DETENTOS QUE NÃO FOREM ACUSADOS OU CONDENADOS
EM RAZÃO DOS CRIMES CONTRA A VIDA, A INTEGRIDADE FÍSICA E A DIGNIDADE
SEXUAL, ASSIM CLASSIFICADOS PELO CÓDIGO PENAL, BEM COMO NÃO SE ADOTA AOS
RECOLHIDOS EM VIRTUDE DOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS PREVISTOS NA LEI
Nº 8.072/90.

TESE 4: O TERMO INICIAL DA CONTAGEM EM DOBRO DO TEMPO DE PRISÃO


CUMPRIDO NO COMPLEXO PRISIONAL DO CURADO, EM RECIFE/PE, PREVISTA NA
RESOLUÇÃO DE 28/11/2018 DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
(CORTE IDH), É A DATA DO INGRESSO DO DETENTO NO REFERIDO ESTABELECIMENTO
PRISIONAL, INDEPENDENTEMENTE DA DATA EM QUE O ESTADO BRASILEIRO FOI
NOTIFICADO DA DELIBERAÇÃO.

TESE 5: NA HIPÓTESE DE SUPERVENIENTE CONDENAÇÃO POR CRIME POSTERIOR NO


CURSO DA EXECUÇÃO, ANTES DE SE PROCEDER À SOMA DETERMINADA NO ART. 111,
PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.210/84, FAZ-SE NECESSÁRIO EFETUAR A
SEPARAÇÃO DAS PENAS TÃO SOMENTE PARA FINS DO CÁLCULO DO CÔMPUTO EM
DOBRO ESTABELECIDO PELA RESOLUÇÃO DE 28/11/2018 DA CORTE
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, A FIM DE EVITAR A DENOMINADA
“POUPANÇA DE TEMPO DE PRISÃO”.

DECISÃO UNÂNIME, NOS TERMOS DO ART. 206 DO REGIMENTO INTERNO DO TJPE.

Além do julgamento do IRDR por parte do TJPE que se encontrava pendente de


apreciação desde 2021, obstaculizando o cumprimento da determinação da Corte IDH, foi noticiado
que o Ministério Público do Estado de Pernambuco instituiu, no dia 31 de agosto, por meio da
Portaria PGJ nº 2.144/2022 (anexa), um Grupo de Atuação Conjunta Especializada (GACE) com
atuação na Execução Penal e Direitos para atuar juntamente de forma direta no Complexo Prisional
do Curado, composto por sete promotores de Justiça que deverão se reunir semanalmente para
articular a atuação e propor soluções integradas com o Poder Executivo e os demais órgãos do
Sistema de Justiça, como o Tribunal de Justiça e a Defensoria Pública.

Finalmente, na segunda-feira, 19 de setembro de 2022, foi constituído o Gabinete de


Crise do Complexo Prisional do Curado, por meio do Ato Conjunto nº 34, editado pelo TJPE, a
Corregedoria Geral da Justiça (CGJ), a Procuradoria Geral de Justiça, a Defensoria Pública, o
Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) e a Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos, com
o objetivo de "acompanhar as providências administrativas e judiciais aptas a enfrentar e
solucionar as condições desumanas e degradantes em que se encontram as pessoas presas nas
respectivas unidades prisionais".

51
Todas essas providências já adotadas após a missão conjunta demandam o
monitoramento e engajamento das autoridades de âmbito federal e local para firmarem-se como
medidas pragmáticas e efetivas no sentido de enfrentar o quadro de violações sistemáticas,
estruturais e históricas que caracterizam o Complexo Prisional do Curado.

De sua parte, o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário


e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas – DMF – seguirá os esforços para a
conclusão do relatório geral da missão conjunta com a Corregedoria Nacional de Justiça, para
posterior submissão ao Plenário do Conselho Nacional de Justiça, com conjunto de determinações
direcionadas aos órgãos do Poder Judiciário e recomendações aos demais atores do sistema de
justiça criminal, o que se pretende seja apresentado até o mês de novembro de 2022, após o
calendário eleitoral.i

i
Os registros fotográficos que compõem o presente Relatório foram produzidos pelas equipes de inspeção e pelo
fotógrafo do CNJ G.Dettmar. O uso das imagens é autorizado, com a devida identificação.

52
Anexo H
Relatórios de medidas
realizadas em Pernambuco
pelo Gabinete de Crise
Relatório
Relatóriode
demedidas
medidasrealizadas
realizadasem
em
Pernambuco:
Pernambuco:Gabinete
GabinetededeCrise.
Crise.
TJPE, MPPE, DPPE, SJDH.
TJPE, MPPE, DPPE, SJDH.

Relatório Gabinete de Crise

Documento base - RESERVADO

Data de finalização
11/11/2022
PÁGINA | 01

1. Apresentação

Entre os dias 15 e 19 de agosto do ano de 2022, a Corregedoria Nacional de Justiça e o


Conselho Nacional de Justiça, por meio do seu Departamento de Monitoramento e
Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF), realizaram uma missão institucional no estado
de Pernambuco com o objetivo de verificar o cenário local, bem como apontar soluções
aos problemas encontrados.

Os órgãos se organizaram e criaram através de Ato Conjunto 34/2022 que institui o


Gabinete de Crise com a finalidade de realizar o monitoramento contínuo e permanente
das unidades prisionais do Complexo Prisional do Curado e acompanhar as providências
administrativas e judiciais aptas a enfrentar e solucionar as condições desumanas e
degradantes em que se encontram as pessoas presas nas respectivas unidades
prisionais - DJe 20.09.2022

O presente relatório tem por objetivo responder de forma consolidada aos


questionamentos realizados pela Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura,
corregedora nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no que se refere
a essa última visita. O documento apresenta as respostas dos órgãos que possuem
atuação junto ao Sistema Prisional e informa as diversas ações realizadas por tais
instituições a fim de obter melhorias na situação geral do Sistema e em
especificamente, no Complexo Prisional do Curado.

A seguir serão dadas as respostas pelo Tribunal de Justiça e pelo Ministério Público de
Pernambuco a cada questionamento do CNJ e posteriormente serão detalhadas outras
ações correlatas desses órgãos, além da Defensoria Pública e da Secretaria de Justiça e
Direitos Humanos.
PÁGINA | 02

2. Questionamentos CNJ

[a] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça do


Estado de Pernambuco para a redução da população carcerária do
Complexo do Curado, em percentual de 70% (setenta por cento) do
contingente informado pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos a
este Conselho Nacional de Justiça, na data de 15 de agosto próximo
passado, dentro de um prazo de oito (08) meses, a contar da publicação
desta decisão, conjuntamente com a proibição de novos ingressos desde
agora nas unidades;

RESPOSTA TJPE

Inicialmente a Secretaria Executiva de Ressocialização – SERES foi oficiada para que


apresentasse à Coordenadoria Criminal deste Tribunal, na máxima brevidade possível,
listagem de todas as pessoas presas no Complexo Prisional do Curado, informando, em
cada caso, nome da pessoa privada de liberdade, se preso provisório ou definitivo,
unidade prisional, unidade judicial a que estão vinculados, a situação da prisão, data de
entrada no sistema, ficha jurídica com NPU e varas processantes, bem como todas as
demais informações pertinentes. Essas informações constituem uma das bases de
dados para o direcionamento das ações de revisão da situação processual das pessoas
custodiadas e, por conseguinte, o impulsionamento dos autos em tramitação.

Com base nas informações prestadas a Coordenadoria Criminal procedeu com estudo
visando a redução da população carcerária do Complexo Prisional do Curado, em
percentual de 70% (setenta por cento) do contingente informado pela Secretaria de
Justiça e Direitos Humanos - SJDH ao Conselho Nacional de Justiça na data de 15 de
agosto próximo passado.

Tem-se realizado, desde o impedimento de novas entradas no Complexo e de 28 de


agosto de 2022, um contínuo monitoramento dos registros da população carcerária de
cada uma das unidades do Complexo do Curado, destacando-se que, até 30 de outubro,
988 (novecentas e oitenta e oito) pessoas já deixaram o Complexo tendo um
significativo quantitativo se dado por meio de liberdade provisória, assim como
progressão para o regime semiaberto, livramento condicional e transferência para outras
unidades.
PÁGINA | 03

2. Questionamentos CNJ

É de se observar, para esses registros de motivo de saída mais frequentes, que são
derivados de atuação das equipes jurídicas das unidades prisionais do Complexo, da
Defesa, dos Juízos competentes pelo processamento das ações penais e execuções de
pena, assim como em razão do trabalho de revisão das prisões preventivas que vem
sendo realizado pelo Grupo Especial de Prioridade e Atuação, instituído pelo Ato
Conjunto nº 32, de 02 de setembro de 2022, e destinado a avaliar a situação carcerária
das pessoas presas do Complexo Prisional do Curado e demais unidades prisionais do
estado de Pernambuco.

Foi determinado a Coordenadoria Criminal e o Grupo de Monitoramento e Fiscalização


do Sistema Carcerário e do Sistema Socioeducativo – GMF, ambos deste TJPE, que
atuassem no sentido de cumprir a determinação de proibição de novos ingressos de
pessoas presas no Complexo Prisional do Curado, em suas esferas de competência.

Em estreito diálogo com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), objetivando-


se cessar os novos ingressos nas unidades do Complexo do Curado, a Coordenadoria
Criminal do TJPE oficiou todas as unidades judiciárias com competência para matéria
criminal solicitando que se abstivessem de determinar o envio de pessoas presa para as
unidades do Complexo do Curado, bem como a SERES informando da proibição de
novas entradas.

Tratam-se, pois, de ações continuadas e que vem notoriamente caminhando para o


alcance do seu fim, qual seja, a redução da população carcerária do Complexo em
percentual de 70% do contingente informado pela SJDH ao Conselho Nacional de
Justiça, em 15 de agosto de 2022.

RESPOSTA MPPE

Criação do Grupo de Atuação Conjunta Especializada – GACE, junto ao Centro de Apoio


Operacional de Defesa Social, nos termos da PORTARIA PGJ Nº 2.095/2022, em
atendimento a pedido deste Coordenador à Procuradoria-Geral de Justiça (SEI
19.20.1060.0019848/2022-67), para executar ações estratégicas na área de direitos
humanos e de execução penal, a fim de mitigar a gama abrangente de violações aos
direitos humanos das pessoas privadas de liberdade nas unidades prisionais do
Complexo Prisional do Curado (CPC) e acompanhar o cumprimento da Resolução de 28
de Novembro de 2018 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
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2. Questionamentos CNJ

No âmbito do GACE foram apresentadas sugestões de medidas para redução da


população carcerária no Complexo do Curado, sobretudo enquanto não criadas mais
vagas por meio da construção/reforma das unidades penitenciárias.

Apresentação de modelo padronizado de quesitos para exame criminológico e


eventual concessão do benefício do cômputo em dobro estabelecido pela Corte
IDH, conforme decidido no IRDR nº 8770-65.2021.8.17.9000.

Interlocução com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos para acompanhamento


das medidas que vem estão adotadas no âmbito do Complexo do Curado, visando o
cumprimento da decisão da Corte IDH:

a) após solicitação do GACE na reunião dede 19.09.2022, a SJDH publicou em


22.09.2022 a INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 01/2022 – SJDH, determinando a interrupção
de recebimento de novos presos no Complexo Prisional do Curado;

b) acesso a informações sobre aumento da capacidade de vagas (conclusão de obras e


ativação de unidades nos complexos de Araçoiaba e Itaquitinga; ampliação de vagas no
PFDB), incremento no quadro de Policiais Penais (Lei Complementar nº 506/2022) e
acompanhamento da quantidade de presos no CPC (tabela de saídas de presos),
inclusive com a apresentação de relatório analítico dos presos sentenciados (PAMFA);

c) acesso aos principais documentos relacionados ao processo de inexigibilidade de


licitação para a construção de unidades em blocos pré-moldados no PFDB;

d) acesso ao plano estratégico (cronograma) de fortalecimento do sistema de


ressocialização de Pernambuco; frisou-se a necessidade de contratação dos
profissionais, especialmente psicólogos com experiência profissional na área de
psicologia forense;
PÁGINA | 05

2. Questionamentos CNJ

[b] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça do


Estado de Pernambuco para que implemente a revisão da situação
processual de todas as pessoas atualmente custodiadas nas três
unidades prisionais do referido Complexo Prisional do Curado, cumprindo-
se, rigorosamente, o disposto na Súmula Vinculante nº 56, do Supremo
Tribunal Federal do Brasil, previamente a qualquer determinação de
transferência, ficando vedadas transferências para outras unidades que já
estejam acima do limite da capacidade, para se evitar o risco de se
deslocar o problema de superpopulação (ora e ali já) enfrentado aos
demais estabelecimentos do Estado.

RESPOSTA TJPE

Coadunando-se com as medidas acima tomadas, o Tribunal de Justiça de Pernambuco


traçou estratégia inicial para promoção da revisão da situação processual das pessoas
custodiadas nas unidades do Curado, cumprindo-se o disposto na Súmula Vinculante nº
56, do Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF), utilizando-se, para tanto, da atuação de
grupo de trabalho com, 15 (quinze) juízes, sob a Coordenação do Desembargador Mauro
Alencar de Barros, Coordenador Criminal do TJPE. Esse grupo, como supramencionado,
foi instituído pelo Ato Conjunto nº 32/2022 com a designação “Grupo Especial de
Prioridade e Atuação”.

Para definição da metodologia de atuação do Grupo Especial, nesta primeira fase,


procedeu-se um estudo, com auxílio da Secretaria de Tecnologia da Informação e
Comunicação (SETIC) e Coordenadoria de Planejamento e Gestão Estratégica (COPLAN)
do TJPE, com o objetivo de se identificar as unidades judiciárias com competência
criminal mais críticas do Tribunal e, para elas, determinar regime especial para revisão
sobre a necessidade de manutenção de prisões preventivas e a adoção de providências
para a retomada da instrução criminal, prolação de sentenças, realização de audiências,
bem a regularização do andamento dos processos de conhecimentos, em que haja
presos com mais de 100 (cem) dias sob custódia cautelar.
PÁGINA | 06

2. Questionamentos CNJ

As varas selecionadas, que estão sob regime especial por 05 (cinco) semanas,
conforme Atos Conjuntos nº 36 e 39 de 2022, foram:

1ª, 2ª e 3ª Varas Criminais da comarca de Olinda;


Vara do Tribunal do Júri da comarca de Olinda;
1ª e 2ª Varas Criminais de Paulista;
Vara Criminal de Igarassu;
Vara Criminal de Goiana;
Vara Criminal de Gravatá;
Vara do Tribunal do Júri de Caruaru;
3ª e 4ª Varas do Júri da Capital;
1ª Vara Criminal do Cabo;
1ª Vara Criminal de Jaboatão;

Destaque-se que, no conjunto de ações promovidas pelo Grupo de Trabalho, já foram


analisados cerca de 1386* processos e proferidas 390* decisões revogando prisões
preventivas. Para além destes processos, foram analisados e solicitado
impulsionamento de em torno de 194 processos. Além disso, há orientação para que
sejam tomadas as providências necessárias a eventual regularização da situação da
pessoa presa no sistema BNMP.

Não se pode deixar de citar que, antes dessa fase, o Grupo Especial de Prioridade e
Atuação fez análise de 377 casos individuais de natureza processual para identificação e
solicitação das medidas pertinentes a cada demanda. Tais registros foram compilados a
partir de relatos colhidos pela equipe responsável pela Missão Conjunta da CNJ e DMF
em Pernambuco e enviados ao TJPE, por meio do Despacho nº 1394639 dos autos SEI
nº 06632/2022 CNJ, para providências.

Impende mencionar, ainda, que, além da atuação dos magistrados do Grupo Especial, há
engajamento dos juízos criminais do estado de Pernambuco para que, no âmbito de suas
unidades judiciárias, priorizem os feitos nos quais há réu preso, estando esses
custodiados no Complexo do Curado ou outras unidades prisionais do estado.

Essa é uma ação em andamento, com perspectiva de prorrogação da atuação do Grupo


Especial de Prioridade e Atuação para o ano de 2023, sendo avaliada, para tanto, a
pertinência de alteração das unidades judiciárias onde será implantado o regime
especial.
*Dados obtidos em 11.11.22, podendo sofrer alterações.

Vara Criminal de Ipojuca.


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2. Questionamentos CNJ

Ademais, o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema


Socioeducativo (GMF) com auxílio da Corregedoria Geral de Justiça de Pernambuco vem
monitorando as transferências de pessoas privadas de liberdade do Complexo do
Curado que vem sendo operacionalizadas pela SERES, no intuito de reduzir o percentual
de 70% (setenta por cento) do contingente informado pela Secretaria de Justiça e
Direitos Humanos – SJDH ao Conselho Nacional de Justiça na data de 15 de agosto de
2022, bem como na proibição de transferências para outras unidades que já estejam
acima do limite da capacidade.

Cumpre esclarecer ainda, que foi traçado plano de ação pela Secretaria para
transferências temporárias de pessoas presas do Complexo do Curado para outras
unidades prisionais, tendo como objetivo redistribuir a população carcerária do
Complexo e esvaziar o Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB), para futura demolição e
construção de nova unidade. Inclusive, o Desembargador Mauro Alencar de Barros, no
dia 17 de setembro, em conjunto com a Magistrada Roberta Viana Jardim, Juíza
Assessora do eminente Corregedor-Geral da Justiça de Pernambuco, visitaram
instalações de Complexo Prisional de Maceió cujo modelo será provavelmente adotado
na construção da unidade que substituirá o PFDB.

O Conselho Nacional de Justiça, na data de 15 de agosto de 2022, bem como na


proibição de transferências para outras unidades que já estejam acima do limite da
capacidade.

Cumpre esclarecer ainda, que foi traçado plano de ação pela Secretaria para
transferências temporárias de pessoas presas do Complexo do Curado para outras
unidades prisionais, tendo como objetivo redistribuir a população carcerária do
Complexo e esvaziar o Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB), para futura demolição e
construção de nova unidade. Inclusive, o Desembargador Mauro Alencar de Barros, no
dia 17 de setembro, em conjunto com a Magistrada Roberta Viana Jardim, Juíza
Assessora do eminente Corregedor-Geral da Justiça de Pernambuco, visitaram
instalações de Complexo Prisional de Maceió cujo modelo será provavelmente adotado
na construção da unidade que substituirá o PFDB.
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2. Questionamentos CNJ

[c] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça do


Estado de Pernambuco para que inicie e implemente, no prazo de 10 (dez)
dias, a contar da publicação desta decisão, regime especial de prioridade
e atuação, destinado à (i) revisão sobre a necessidade de manutenção de
prisões preventivas e (ii) a adoção de providências para a retomada da
instrução criminal, prolação de sentenças e acórdãos, bem como a
regularização do andamento de todos os processos de conhecimento e
de execução penal, em todas as unidades judiciais de 1º e de 2º grau do
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco em que haja presos com
mais de 100 (cem) dias sob custódia cautelar, informando-se ao Conselho
Nacional de Justiça a lista de processos criminais, por unidade judicial e
relatoria de Desembargador, nessas condições.

RESPOSTA TJPE

Através do Ato Conjunto nº 32/2022 a Presidência do TJPE determinou a atuação do


Grupo Especial de Prioridade e Atuação, destinado à:

I - revisão sobre a necessidade de manutenção ou não de prisões preventivas;

II - a adoção de providências para a retomada da instrução criminal, prolação de


sentenças, bem como a regularização do andamento de todos os processos de
conhecimento e de execução penal, em todas as unidades judiciais de 1º grau do
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco em que haja presos com mais de 100
(cem) dias sob custódia cautelar;

III - saneamento dos registros de todos os processos envolvendo pessoas custodiadas


no Complexo, mediante a inserção dos dados cadastrais constantes nos sistemas
administrativos do Poder Executivo nas bases de dados do Poder Judiciário e a
verificação da regularidade do cadastro de mandado de prisão, alvarás de soltura e
guias de recolhimento no Banco Nacional de Monitoramento de Prisão – BNMP 2.0, no
Sistema Eletrônico de Execução Unificado – SEEU e no SISDEPEN do Ministério da
Justiça;
PÁGINA | 09

2. Questionamentos CNJ

IV - reanálise de ofício e decisão em todos os processos envolvendo pais ou


responsáveis por crianças até 12 (doze) anos ou pessoas com deficiência para deliberar
acerca do enquadramento ou não nas hipóteses de concessão do Habeas Corpus
coletivo, determinado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no HC
165.704/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes; e

V – atuar no sentido da efetiva aplicação da Súmula Vinculante nº 56 do STF, a


implementação do instituto da compensação penal ou outras medidas aptas à redução
do contingente carcerário, segundo o que restou determinado pela Resolução de
Medidas Provisórias da Corte IDH de 28 de Novembro de 2018.

Também foi determinado que a Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação


- SETIC apresentasse ao Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário
e do Sistema Socioeducativo – GMF/TJPE e à Coordenadoria Criminal deste Tribunal
listagem contendo processos criminais de acusados presos (1º e 2º Grau) que estejam
paralisados há mais de 100 (cem) dias, utilizando-se do Sistema de Informação da
Corregedoria - SICOR e Sistema de Gestão da Presidência – GEPRO.

Contribuindo indiretamente, o TJPE conta com uma ferramenta de automação robótica,


lançada em 11 de outubro, que agilizará a tramitação dos processos criminais no Estado.
O “Expedito”, instituído e regulamentado através da Instrução Normativa Conjunta nº 12,
de 13 de outubro de 2022, irá funcionar executando atividades repetitivas que hoje
ocupam vários servidores, a exemplo do envio de guia de recolhimento para unidades
prisional e comunicações cartorárias e bancárias de destinação de bens e ativos
oriundos de atividade criminosa.

Particularmente, em relação a identificação dos possíveis beneficiários da Habeas


Corpus coletivo, determinado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no HC
165.704/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, foi encaminhada aos juízes e juízas com
competência criminal do TJPE a Resolução CNJ nº 369/2021 e recomendado o seu
cumprimento. Complementarmente, com base em levantamento realizado pela SERES,
em agosto de 2022, das pessoas privadas de liberdade possíveis beneficiárias, busca-
se estabelecer plano de ação para reanálise de ofício e deliberação acerca do
enquadramento ou não nas hipóteses de concessão do Habeas Corpus coletivo.
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2. Questionamentos CNJ

Quanto aos processos do 2º grau, foi requerido aos Excelentíssimos Desembargadores


com competência criminal que envidassem esforços para a retomada dos julgamentos e
prolação de acórdãos, bem como a regularização do andamento de todos os processos
sob suas relatorias em que haja presos com mais de 100 (cem) dias sob custódia
cautelar.

Neste sentido, foi determinado ao Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema


Carcerário e do Sistema de Medidas Socioeducativas – GMF/TJPE que apresentasse ao
Conselho Nacional de Justiça a lista de processos criminais, por unidade judicial e
relatoria de Desembargador, dos presos em custodia cautelar há mais de 100 (cem) dias.
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2. Questionamentos CNJ

[d] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça do


Estado de Pernambuco para que se passe a promover visitas quinzenais
ao Complexo Prisional do Curado, delas participando, conjuntamente e ao
menos, 05 juízes com competência criminal, 02 juízes com competência
de execução penal e 02 Desembargadores da Seção Criminal, mediante
programação (em sistema de rodízio) que deverá ser previamente
informada a este Conselho Nacional de Justiça, destinadas ao
monitoramento in loco das três unidades do Complexo Prisional do
Curado, até que a lotação desses estabelecimentos alcance o
contingente determinado no item [a] acima referido. Observa-se desde
logo que as visitas não deverão limitar-se ao ambiente administrativo, nem
se restringir a diálogos com os gestores prisionais, mas deverão alcançar,
sobretudo, as instalações e a carceragem das três unidades prisionais,
documentando-se por fotos e vídeos a presença e as entrevistas dos
juízes e Desembargadores com presos nessas unidades, e outras
providências inerentes a todas as ambiências das três unidades do
Complexo Prisional do Curado.

RESPOSTA TJPE

Foi determinado que a Coordenadoria Criminal deste Tribunal, com apoio do Grupo de
Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema Socioeducativo –
GMF/TJPE e da Secretaria Judiciária – SEJU, realizasse rodízio de visitas quinzenais ao
Complexo Prisional do Curado, com apoio da Assessoria de Comunicação Social do
TJPE – ASCOM para promover todos os registros fotográficos e audiovisuais das visitas.

No entanto, apenas foi possível no momento o atendimento parcial da determinação, na


qual foram realizadas visitas mensais ao Complexo do Curado, sendo uma em 29 de
setembro e outra em 27 de outubro. Contou-se nessas visitas com o acompanhamento
de membro da Assessoria de Comunicação Social do Tribunal (ASCOM), o qual
promoveu os registros fotográficos e audiovisuais das visitas.
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2. Questionamentos CNJ

Essas visitas foram realizadas com a participação do Desembargador Mauro Alencar de


Barros e do Juiz Corregedor das unidades prisionais do Complexo e titular da Vara de
Execução Penal da Capital, Dr. Evandro de Melo Cabral. Servidores do TJ acompanharam
as visitas auxiliando os magistrados nas suas atividades. Buscou-se priorizar os espaços
dos pavilhões, entrevistar os presos e policiais penais. Além disso, foram vistoriados os
ambientes administrativos e entrevistada a direção das unidades.

Em decorrência dessas visitas, em especial as entrevistas com os presos, foram


anotadas e identificadas situações que mereceram pedidos de agilização processual
perante as unidades judiciárias competentes.

Ainda, foram solicitadas às gerências das unidades do Complexo do Curado a relação


de presos que haviam sido condenados, porém ainda não constavam nos registros
carcerários as informações quanto a guia de recolhimento. Dessa forma, com esses
registros, são solicitadas às respectivas varas criminais as providências que se fizerem
necessárias.

RESPOSTA MPPE

Foram empreendidas duas visitas dos membros do GACE para a inspeção in loco das
unidades do Complexo do Curado, a saber: a primeira no dia 05.09.2022; e a segunda foi
no dia 17.10.2022, oportunidade em que os membros do GACE foram acompanhados
pelo Conselheiro do CNMP, Dr. Jaime Miranda.
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2. Questionamentos CNJ

[e] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça do


Estado de Pernambuco para que inaugure instância ou crie gabinete de
crise destinado ao monitoramento contínuo e permanente das unidades
prisionais do Complexo Prisional do Curado, que deverá assegurar
composição interinstitucional, para acompanhar as providências
administrativas e judiciais aptas a enfrentar e solucionar as condições
desumanas e degradantes em que se encontram as respectivas unidades
prisionais.

RESPOSTA TJPE

Através de Ato Conjunto nº 34, de 19 de setembro de 2022, foi instituído o Gabinete de


Crise destinado ao monitoramento contínuo e permanente das unidades prisionais do
Complexo Prisional do Curado.

Com o objetivo de acompanhar as medidas administrativas e judiciais aptas a enfrentar e


solucionar as condições em que se encontram as pessoas privadas de liberdade do
Complexo, o Gabinete tem composição interinstitucional contando com representante
do Tribunal de Justiça de Pernambuco, da Corregedoria Geral da Justiça (CGJ), da
Procuradoria Geral de Justiça, da Defensoria Pública, do Tribunal de Contas do Estado
(TCE-PE) e da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos.

Foram realizadas reuniões mensais, setembro e outubro, estando entre os principais


encaminhamentos:

Priorização do cumprimento das medidas de urgência oriundas do Sistema


Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), bem como as decorrentes da Correição
Extraordinária;

Articulação com Tribunal de Contas do Estado, com vistas a dar maior agilidade aos
procedimentos que tratam da disposição de recursos para os projetos de
restruturação do Complexo do Curado, bem como de conclusão das unidades
prisionais de Araçoiaba e Itaquitinga.
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2. Questionamentos CNJ

RESPOSTA MPPE

Procedimento Administrativo n.º 02007.000.090/2022 (8ª Promotoria de Justiça de


Defesa da Cidadania da Capital, com atuação na Promoção e Defesa dos Direitos
Humanos).

Notificado sobre a Resolução de 2018 da Corte IDH, o 8º Promotor de Justiça de Defesa


da Cidadania da Capital, com atuação na Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, em
abril de 2019, instaurou o mencionado Procedimento Administrativo, com o objetivo de
acompanhar e fiscalizar, de forma continuada, a política pública prisional no Complexo
Penitenciário do Curado, em especial as medidas implementadas pela Secretaria
Executiva de Ressocialização para proteger a vida, a dignidade e a integridade das
pessoas privadas de liberdade.

Procedimento Administrativo nº 02424.000.030/2021 (19ª Promotoria de Justiça


Criminal da Capital, com atuação na Execução Penal)

Outrossim, o 19º Promotor de Justiça Criminal da Capital instaurou Procedimento


Administrativo para realizar o acompanhamento das obras de construção de novas
unidades prisionais no estado e vem realizando reuniões bimensais com a SJDH, SERES,
TCE/PE e construtoras, no desiderato de fiscalizar a aplicação dos recursos
orçamentários e mitigar a superlotação existente no Complexo Penitenciário do Curado.

Inquérito Civil nº 01988.000067.2020 (27ª Promotoria de Justiça de Defesa da


Cidadania da Capital, com atuação da defesa do patrimônio público)

Investiga a ilegalidade nas contratações de profissionais da área administrativa que


operam no sistema penitenciário, inclusive psicólogos e assistentes sociais, o que se
reflete nos exames criminológicos.
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2. Questionamentos CNJ

[f] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça do


Estado de Pernambuco para que apresente ao Conselho Nacional de
Justiça plano de readequação funcional e de reorganização da força de
trabalho junto às unidades de justiça criminal e de execução penal de 1°
grau de todo o Estado de Pernambuco (em consonância com a Resolução
CNJ 219, de 2016) – de modo a assegurar, destacadamente, a
recomposição dos quadros de servidores nessas áreas de atuação, com o
respeito à proporção máxima de 300 processos por servidor -, assim
como para que providencie cronograma destinado à conclusão da
digitalização do acervo de processos criminais em meio físico, no prazo
máximo de 6 (seis) meses.

RESPOSTA TJPE

Como medida para estruturar mais ainda as varas com competência criminal, foi editado
o Ato nº 762 de 17 de agosto de 2022, que determinou a readequação funcional e
reorganização da força de trabalho junto às unidades de justiça criminal e de execução
penal de 1° grau de todo o Estado de Pernambuco (em consonância com a Resolução
CNJ nº 219, de 2016), havendo a redistribuição de servidores lotados na área
administrativa para a área fim, com atuação na esfera criminal. Esta ação segue em
andamento.

Após a realização da readequação funcional e reorganização da força de trabalho, o


quadro de lotação de servidores nas unidades judiciárias de competência criminal e de
execução penal de 1° grau de todo o Estado de Pernambuco, já obteve um incremento
na força de trabalho na ordem, de 22% (vinte e dois por cento).

É importante destacar que foram instaladas duas novas varas criminais, sendo uma na
comarca de Paulista e outra em Cabo de Santo Agostinho – Atos nº 684/2022 – SEJU e
nº 686/2022 – SEJU, respectivamente. E, mais recentemente, foram alocadas 07 (sete)
funções gratificadas de apoio à atividade jurisdicional do 1º grau de jurisdição na Vara de
Execução de Penas em Meio Aberto (VEPEMA), através da Instrução Normativa TJPE nº
32/2022.
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2. Questionamentos CNJ

Quanto à digitalização do acervo de processos criminais em meio físico o Comitê


Executivo de Migração do acervo físico para o Processo Judicial Eletrônico, coordenado
pelo Desembargador Antenor Cardoso, está responsável pela elaboração de estudos
para subsidiar as ações de digitalização.

Para conclusão da digitalização do acervo de processos criminais em meio físico, foram


instituídos Grupos de Trabalho de digitalização e migração do acervo físico, em todas as
comarcas de Pernambuco onde ainda não estejam em funcionamento, por meio do Ato
nº 853, de 02 de setembro de 2022.

Atualmente apontamos o seguinte cronograma para digitalização do acervo de


processos criminais em meio físico:

RESPOSTA MPPE

Designação de Promotores de Justiça e servidores para atuarem especificamente nos


processos da execução penal e nos processos de conhecimento em andamento nas
varas criminais.
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2. Questionamentos CNJ

[g] a adoção de providências por parte do Tribunal de Justiça do Estado de


Pernambuco para aprimorar a estrutura material e funcional do Grupo de
Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, considerando os
parâmetros da Resolução CNJ nº 214 de 15/12/2015, para que se permita o
efetivo cumprimento de suas atribuições, sem prejuízo das providências
para estruturar a recém-criada Coordenadoria Criminal no âmbito do
Tribunal.

RESPOSTA TJPE

Foi providenciado pela SETIC a upgrade de 05 (cinco) estações de trabalho do GMF, o


que garantiu significativa melhoria das condições de trabalho. Quanto aos recursos
humanos, estão em tratativas medidas para a lotação de servidores para a unidade, bem
como propositura de projeto que cria cargos para o setor.
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2. Questionamentos CNJ

[h] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça de


Pernambuco para a realização de mutirão de audiências de custódia para
alcançar todas as pessoas presas no Complexo Prisional do Curado que
porventura não tenham sido realizadas, nos termos da Resolução CNJ nº
213/2015 e da decisão proferida em 05 de agosto de 2022 pela
Corregedoria Nacional de Justiça, no processo administrativo nº
07227/2022, bem assim para que se organize, conjuntamente com a
Secretaria da Justiça e de Direitos Humanos, o recenseamento e o
recadastramento de toda a população prisional do Estado, inclusive a
criação de protocolo para estabelecer essa rotina, buscando a
individualização de todos os presos recolhidos a unidades prisionais de
Pernambuco, com a projeção desses dados e levantamento sobre as
plataformas eletrônicas dos SEEU, BNMP e SISDEPEN.

RESPOSTA TJPE

Para fins de organização de mutirão de audiências de custódia, foi solicitado a Secretaria


Executiva de Ressocialização – SERES para que, no prazo de 15 (quinze) dias, apresente
à Coordenadoria Criminal deste Tribunal listagem contendo todas as pessoas presas no
Complexo Prisional do Curado que não tenham sido apresentadas à autoridade judicial
para realização da audiência de custódia.

Diante dos dados apresentados, o Coordenador Criminal, Des. Mauro Alencar, apontou
que, durante o período da pandemia, onde as audiências de custodia se deram na
modalidade virtual, o que pode ter ensejado divergência por parte da pessoa presa, que
entendeu não ter havido. Assim, está-se em diálogo com a SERES para que novo
levantamento seja realizado.

Cumpre mencionar que, todos os presos autuados em flagrante delito só ingressam nas
unidades prisionais em Pernambuco, desde o ano de 2016, após terem suas prisões em
flagrante convertidas em preventiva na audiência de custódia.
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2. Questionamentos CNJ

RESPOSTA TJPE
A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH/PE) foi oficiada para que apresente ao
Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema
Socioeducativo – GMF/TJPE o recenseamento e o recadastramento de toda a população
prisional do Estado, devendo essas unidades elaborar protocolo para estabelecer essa
rotina, buscando a individualização de todos os presos recolhidos às Unidades prisionais
de Pernambuco, com a projeção desses dados e levantamento sobre as plataformas
eletrônicas dos SEEU, BNMP e SISDEPEN, enviando-se ao GMF/PE, para que se construa
um fluxo de comunicação permanente com vista a evitar dissonância de informação.
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2. Questionamentos CNJ

[i] a adoção de medidas concretas e efetivas pelo Tribunal de Justiça de


Pernambuco para a retomada imediata de audiências de custódia
presenciais, diariamente, com a presença de juízes, promotores de justiça
e defensores públicos, em todas as unidades judiciais criminais do
Tribunal de Justiça de Pernambuco.”

RESPOSTA TJPE

Cumpre destacar que foi oficiado ao Exmo. Ministro Mauro Pereira Martins informando
que, nos termos do Provimento do Conselho da Magistratura nº 03, de 28 de abril de
2016 (com as atualizações trazidas pelo Provimento do Conselho da Magistratura 03, de
23 de março de 2017 e Provimento do Conselho da Magistratura nº 03, de 02 de
setembro de 2021), informando que as audiências de custódia, nos dias úteis, estão
sendo realizadas pelos Polos de Custódia, de forma presencial, e, durante os plantões
judiciários de finais de semana e feriados, na comarca polo mais próxima da sede do
plantão da Polícia Judiciária que lavrou o auto de prisão, de forma telepresencial, pois a
estrutura de pessoal do Poder Judiciário e dos demais órgãos auxiliares da Justiça não
permitem um maior número de juízes, promotores e defensores públicos nos finais de
semana, eis que o trabalho extraordinário gera compensação de plantão.
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3. AÇÕES CORRELATAS TJPE

OUTRAS AÇÕES EM ANDAMENTO TJPE

Após as ações de capacitação realizadas durante a Missão Conjunta da CNJ e CNJ/DMF,


em agosto de 2022, no TJPE, as unidades judiciárias vêm continuadamente promovendo
a correção de inconsistências nos sistemas de tramitação processuais PJe e SEEU, bem
como no BNMP.

Está sendo avaliada a possibilidade de instituição de Grupo de Trabalho de servidores


para atuar no saneamento dos sistemas BNMP e SEEU. Assim como, ações de
capacitação vem sendo desenvolvidas. No último dia 25.10.2022, foi ofertado curso de
capacitação no BNMP para os servidores com atuação nos polos de audiência de
custódia e central de flagrante da capital (Edital conjunto de convocação nº 08/2022).

A Coordenadoria Criminal está empreendendo esforços para prestar as orientações aos


magistrados e servidores com vistas a melhorar a alimentação dos dados nos sistemas
e, por conseguinte, termos bases mais fidedignas à realidade.

Quanto ao sistema SEEU, em 03 de outubro deu-se nova fase de expansão do sistema


para unidades judiciárias com competência para execução de penas em regime aberto,
restritivas de direitos, penas de multa, medidas de segurança e sursis penal. O
cronograma, previsto na Instrução Normativa Conjunta nº 11, de 30 de agosto de 2022,
previu a implantação do SEEU em 24 (vinte e quatro) unidade judiciárias.

É imprescindível mencionar as ações do titular da Vara de Execução Penal da Capital, Dr


Evandro Melo, voltadas à Política de Atenção aos Egressos, como a que envolve as
tratativas com Ministério Público do Trabalho para viabilização de recursos para a
reforma e implantação de Escritório Social em Olinda, bem como as tratativas com o
Município do Recife, por meio da Secretaria de Segurança Cidadã, para instituição de
Escritório Social no novo COMPAZ a ser construído nas imediações do Complexo do
Curado.

Também através dessa mesma Secretaria, estão sendo feitas tratativas com o Município
do Recife para identificação de possível local para a implantação de uma Central
Integrada de Alternativas Penais no município.
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3. AÇÕES CORRELATAS TJPE

Noutra linha, está em andamento – fase avaliação na Procuradoria Geral do Estado de


Pernambuco (PGE) para publicação - a instituição de Fundo do Municipal de Políticas
Penais do Recife, ação capitaneada pelo titular da Vara de Execução Penal da Capital,
Dr. Evandro Melo, junto com o Secretário Municipal de Segurança Cidadã, senhor Murilo
Cavalcanti.

Ainda, os Excelentíssimos Juízes de Direito do GMF, Dra. Lorena Victorasso e Dr. Roberto
Costa Bivar, acompanham Grupo Intersetorial formado entre o GMF/TJPE, o MPT e
diversas outras instituições para se construir alternativas voltadas à empregabilidade de
pessoas privadas de liberdade e egressas. No bojo dessa articulação, obteve-se
recursos do MPT que se destinaram a implantação de projetos de trabalho em unidades
prisionais femininas, especificadamente, nas Colônias Penais Femininas de Buíque, do
Recife e de Abreu e Lima.

Por fim, no âmbito do Grupo de Trabalho de Saúde Mental, instituído através da Portaria
Conjunta nº 01/2021 TJPE, está em andamento a construção de minuta de Normativo de
define Política Estadual de Atenção Integral de Pessoas com transtorno mental em
conflito com a Lei.
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4. AÇÕES CORRELATAS MPPE

OUTRAS AÇÕES EM ANDAMENTO MPPE

O Ministério Público apresentou proposta para redução da taxa de ocupação carcerária


e após reunião com os Promotores e juízes com atuação na execução penal do estado e
com os representantes do Gabinete de Crise do TJPE e do MPPE, concordaram no
sentido de:

a) Ampliação/extensão da antecipação da progressão do regime semi-aberto para o


aberto de 06 meses para 01 ano;

b) Para quem está no Regime fechado: Antecipação em 01 ano na concessão do


livramento condicional, desde que o condenado não registre falta disciplinar nos últimos
12 meses;

Obs. Em ambos os casos ficarão em prisão domiciliar com monitoramento eletrônico.

Visita institucional ao Complexo Prisional de Alagoas – Unidade de Segurança


Máxima (17.10.2022), quando se pôde compartilhar a experiência do estado vizinho
com um modelo de construção (blocos pré-moldados) que pretende ser adotado
pela SJDH na construção de nova unidade prisional no local do PFDB (tratativas
avançadas no processo de inexigibilidade);

No contexto no P.A. n.º 02007.000.090/2022, o MPPE promoveu a elaboração de


Relatórios de Engenharia, Arquitetura e Serviço Social para levantar as necessidades
e embasar a atuação ministerial;

Processo SEI Nº 19.20.0137.0003724/2022-53 (Centro de Apoio Operacional de


Defesa Social e Assessoria Técnica do PGJ).

Atuação conjunta do CAO Defesa Social com a Assessoria Técnica do PGJ na


construção de atos normativos que visam à inserção de presos e egressos em
atividades laborativas.
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5. AÇÕES CORRELATAS DPPE

OUTRAS AÇÕES EM ANDAMENTO DPPE

Formalização ao CNJ da perspectiva defensorial, apresentada no dia 15 de agosto,


quanto aos principais problemas relacionadas ao sistema carcerário do estado
pernambucano (vide anexo);

Aperfeiçoamento do modelo de atuação defensorial, mediante: (b.1) ampliação da


capacidade de atendimento e acessos aos serviços jurídicos pelos presos,
considerando a dificuldade de acessos aos serviços oferecidos pelo sistema prisional,
adotamos como diretriz de atuação uma busca ativa em nossos trabalhos; Assim, os
presos serão atendidos independentemente de uma provocação prévia, possibilitando
que todos os presos passem por um atendimento jurídico; (b.2) controle dos
atendimentos realizados, de modo a ampliar a quantidade de pessoas atendidas;

Assinatura de Termo de Cooperação com o Governo do estado para ampliar a atuação


da Defensoria Pública no sistema prisional, mediante: (c.1) Ampliação do quadro de
defensoras e defensores, o que permitiu a presença da Defensoria em todos os
estabelecimentos prisionais; (c.2) ampliação da presencialidade dos membros da
instituição nos estabelecimentos prisionais; (c.3) ampliação das frentes de atuação –
coletiva e individual;

Realização de visita institucional para estabelecer aproximação com a Secretaria de


Ressocialização (SERES) e propiciar a qualificação das atividades em favor das pessoas
privadas de liberdade. Análise do melhor modelo de atuação em cada estabelecimento
prisional, considerando o perfil jurídico da pessoa privada de liberdade em cada local
(provisório, definitivo, misto, homem, mulher, etc.);

Realização de oficinas de capacitação aos membros da Defensoria para qualificação e


melhor desenvolvimento das análises jurídicas realizadas;
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5. AÇÕES CORRELATAS DPPE

Destacamento de 10 (dez) Defensoras Públicas para atuação no Complexo Prisional


do Curado, com atuação ininterrupta em todos os dias da semana.

Atuação da DPPE nos procedimentos administrativos disciplinares dos presos do


Complexo Prisional do Curado;

Novo peticionamento no HC Nº 208.337 MC/PE, de relatoria do Excelentíssimo


Ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, com o objetivo de atualizar
sobre o julgamento do IRDR nº 8770-65.2021.8.17.9000 e reiterando a necessidade
de extensão dos efeitos;

Impetração de Habeas Corpus Coletivo com o objetivo de afastar as teses fixadas


em sede do IRDR nº 8770-65.2021.8.17.9000. Aplicação da determinação da Corte
IDH, na Resolução nº 6, de 28 de novembro de 2018;

Manifestação no IRDR nº 8770-65.2021.8.17.9000, após oposição de Embargos de


Declaração do Amicus Curiae – UFPE;

Composição como membro do Comitê de Crise, instaurado pelo Tribunal de Justiça


do Estado;

Promoção de mutirão de atendimento nas unidades prisionais do Estado com a


participação de 28 (trinta) novos Defensores Públicos, a fim de realizar 600
(seicentos) atendimentos de presos do CURADO;

Realização de Inspeções Defensoriais nos Estabelecimentos Prisionais do Estado;


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5. AÇÕES CORRELATAS DPPE

METAS

Continuação da realização de Inspeções Defensoriais nos Estabelecimentos


Prisionais do Estado;

Realização de 6.042 (seis mil e quarenta e dois) atendimentos nas Unidades do


Estado;

Promoção de mutirão de atendimento na Penitenciária Juiz Plácido de Souza, a fim de


realizar 800 (oitocentos) atendimentos;

Atendimento à população carcerária e aos seus familiares;

Designação de 35 (trinta e cinco) Defensores Públicos na Execução Penal do Estado


para as seguintes unidades prisionais do Estado:7

Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros - PJALLB


Presídio Frei Damião de Bozzano – PFDB
Presídio Asp Marcelo Francisco Araújo –PAMFA
Colônia Penal Feminina de Abreu e Lima – CPFAL
Centro de Observação e Triagem Prof. Everardo Luna–COTEL
Penitenciária Professor Barreto Campelo - PPBC
Colônia Penal Feminina de Recife – CPFR
Penitenciária Agroinsustrial São João - PAISJ
Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico -HCTP
Presídio de Igarassu –PI
Centro de Ressocialização do Agreste – CRA (Canhotinho)
Colônia Penal Feminina de Buíque – CPFB (Buíque)
Presídio de Salgueiro – PSAL (Salgueiro)
Penitenciária Juiz Plácido de Souza – PJPS (Caruaru)
Penitenciária Dr. Enio Pessoa Guerra – PDEPG (Limoeiro)
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5. AÇÕES CORRELATAS DPPE

Presídio Advogado Brito Alves – PABA (Arcoverde)


Penitenciária Dr. Edvaldo Gomes – PDEG (Petrolina)
Presídio Vitória de Santo Antão - PVSA (Vitória de Santo Antão)
Presídio Romildo da Rocha Leão – PRRL (Palmares)
Presídio Desembargador Augusto Duque – PDAD (Pesqueira)
Presídio de Santa Cruz do Capibaribe - PSCC
Presídio de Tacaimbó - PTAC
Presídio de Itaquitinga - PIT
Vepa + Vepema
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

OUTRAS AÇÕES EM ANDAMENTO SJDH

Ao que tange às atribuições da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, e em


especificamente, da Secretaria Executiva de Ressocialização (SERES), diante dos
questionamentos e recomendações elencadas pela Corregedoria Nacional de Justiça e
pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a fim de contribuir na melhoria do cenário do
Sistema Prisional do Estado de Pernambuco, foi realizado um trabalho nesta Secretaria a
fim de planejar e executar as diversas ações.

Este produto se caracteriza como complemento do relatório no qual tem sua primeira
versão apresentada até o “Capítulo 3- Planejamento” e entregue na visita do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) em 19.08.22. O Planejamento apresenta de que forma se dará a
execução das ações para mitigar todas as determinações e se apresenta em 6
estratégias subdivididas em 24 ações. Em seguida, foi aplicada a metodologia da Matriz
GUT – Gravidade, Urgência e Tendência – para elencar as prioridades na resolutividade
das ações. Com as pontuações finalizadas, ficou determinado 3 faixas de prioridades
que serão iniciadas em momentos distintos descritos conforme tabela resumo abaixo:

No segundo momento as ações foram descritas no formato de Plano de Ação que é um


instrumental que consolida quais etapas são necessárias para realização do pleito com
determinação de prazos e responsáveis de forma que seja realizado o monitoramento
pelo gabinete e deliberado o que for necessário; Posteriormente, os Planos são
consolidados em um Dashboard produzido na ferramenta de gestão ágil, Trello, para que
seja realizado o monitoramento de forma mais ágil e efetiva.

Nesse sentido, este capítulo 4 denominado “Monitoramento” apresenta quais foram os


avanços em cada estratégia e o plano de ação respectivo, bem como uma tela no BI
correspondente. As estratégias e os respectivos planos foram divididos conforme tabela
abaixo.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH


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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

Nas páginas seguintes serão detalhados os planos, suas características, informações


relevantes e as respectivas etapas planejadas:

1. PLANO DE AÇÃO: ACOMPANHAMENTO MENSAL DO REMANEJAMENTO


DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA

Estratégia: Requalificação de espaço

Objetivo: Reduzir percentual de superlotação do Complexo Prisional do


Curado.

Mensalmente é atualizada a planilha acumulada das saídas do Complexo do Curado e os


seus respectivos motivos e unidade prisional. O acompanhamento foi iniciado em
28.08.2022 e ao longo das últimas semanas foi identificada uma média de 130 saídas de
presos por semana, conforme demonstrado na tabela abaixo. Considerando essa média,
foi realizada uma projeção para que seja alcançada a meta de redução de 70% do
número total de presos existentes no Complexo, chegando assim no final do mês de
abril de 2023 o quantitativo de 4.232 presos remanejados ao longo do referido período.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

A seguir será apresentado um gráfico demonstrando essa projeção, alcançando a meta


de redução do número de presos existentes no Complexo do Curado ao final de
Abril/2023:
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

2. PLANO DE AÇÃO: CRIAÇÃO DO GT SJDH/PGE/SEPLAG/SAD PARA


EXPANSÃO DE NOVAS UNIDADES

Estratégia: Requalificação de espaço

Objetivo: Criar comissão SJDH/PGE/SEPLAG/SAD para construção e


validação de um plano de expansão de novas unidades por modelo
construtivo rápido, utilizando-se de recursos do tesouro estadual, Depen
e parcerias com setor Privado.

O Grupo de Trabalho foi instituído por Decreto Estadual nº 53.364/2022 vinculado à


Secretaria de Justiça e Direitos Humanos com a finalidade de avaliar e propor
alternativas para a ampliação da infraestrutura do sistema prisional no Estado de
Pernambuco. O grupo é composto por integrantes da SJDH, Secretaria de Planejamento
e Gestão, Secretaria de Administração, Secretaria de Defesa Social e Procuradoria Geral
do Estado.

Foram realizadas duas reuniões presenciais no qual foi compartilhado o planejamento


elaborado e o cenário do Sistema Prisional e deliberadas diversas consultas e
articulações que foram fundamentais para os avanços dos destraves de cada ação
desenvolvida.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

Deliberações GT: O foco principal do GT foi realizar tratativas quanto ao modelo


construtivo e quanto à contratação de pessoal e nesse sentido foi estabelecido a
possibilidade de contratação para obra de engenharia pelo sistema SISCOPEN
(sistema construtivo penitenciário) que tivesse por objeto a requalificação e
reestruturação da área de ocupação para implantação de unidade penal do
presídio Frei Damião de Bozzano no Complexo Prisional do Curado.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

2.1. PLANO DE AÇÃO: CONSTRUÇÃO DE NOVO PRESÍDIO FREI DAMIÃO


BOZZANO - PFDB– COMPLEXO DO CURADO
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

3. PLANO DE AÇÃO: CONCLUSÃO DA OBRA DE ARAÇOIABA

Estratégia: Construção de novas vagas

Objetivo: Avaliar os entraves das obras e organizar ações de mitigação de


Araçoiaba.

O Complexo Prisional de Araçoiaba está situado na Avenida João Pessoa de Moraes


Guerra, próximo a PE-41, em Araçoiaba. O complexo prisional será formado por 07
unidades prisionais, sendo 05 unidades destinadas aos reeducandos masculinos e 02
unidades destinadas às reeducandas femininas, totalizando 2.1754 novas vagas.

Status da Obra

lote 01: 2 unidades femininas com 81% concluída, com previsão de conclusão para
março/23;

lote 02: 2 unidades masculinas com 51% concluída, com processo de licitação do
remanescente em andamento;

lote 03: 3 unidades masculinas com 62% concluída, com previsão de conclusão para
agosto/23.

A seguir serão detalhados alguns gargalos e avanços alcançados relativos a Orçamento,


Compesa, Celpe, DER, Corpo de Bombeiros, sobre formalização e análise jurídica e
outros assuntos internos.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

AJUSTES ORÇAMENTÁRIOS

1. Lote 1 e 3: necessidade de reequilíbrio, aditivo e reajuste com valor estimado em R$


13.000.000,00. envio de pedido de suplementação orçamentária à Seplag;

2. Lote 2: ajuste da peça orçamentária da obra - relicitação iniciada com ddo referente a
2022. envio de pedido de suplementação orçamentária à Seplag;

3. Lotes 1, 2 e 3: autorizar recurso para licitar equipagem necessária para inaugurar as 7


unidades. envio de pedido de suplementação orçamentária à Seplag ;

AJUSTES ADMINISTRATIVOS COM A COMPESA

1. Acompanhar a construção da adutora que irá abastecer os 3 lotes com água


encanada- As unidades não possuem água encanada e foram realizadas diversas
reuniões e articulações com a Compesa e com a PGE durante os últimos 60 dias para
que os entraves da obra pudessem ser sanados junto ao CPRH. Portanto a obra está
sendo retomada pela Compesa e será enviado o cronograma oficial de abastecimento.
Importante ressaltar que em razão da irregularidade do terreno não é viável a construção
de poços artesianos e temporariamente as obras estão sendo abastecidas com água
transportada por carro pipa.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

2. Solicitar apoio à adequação e gestão das estações de tratamento de esgoto- ETE - foi
solicitado à Compesa a aprovação dos projetos das ETES para a posterior transferência
de titularidade destes para o órgão em razão da sua natureza. Aproveitando que as
Estações de Tratamento das unidades prisionais de Araçoiaba não tinham sido
construídas, com exceção da UPM01 e UPM02, foi iniciado tratativas para adequação em
projeto das Estações de tratamento de Esgoto das UPF 01, UPF02, UPM03, UPM04 e
UPM05, dessa forma foi encaminhado através do SEI nº 0012900161.000618/2021-78 os
projetos adequados pelo fornecedor do equipamento, pois segundo o Construtor havia a
possibilidade desse fornecedor entregar o projeto com o equipamento. Dessa forma
encaminhamos o ofício nº 67/2022 GAE/SERES com o projeto adequado conforme as
determinações dos especialistas da Compesa. Várias pendências foram sanadas nos
últimos dias visando a adequação dos projetos para que pudessem contemplar as
mudanças de normativas no hidromecânico, restando a entrega de um laudo topográfico
que está sendo construído com previsão de conclusão até 30.11.

AJUSTES ADMINISTRATIVOS COM A CELPE

1. Solicitar monitoramento do cronograma apresentado pela Celpe que inicialmente


tinham previsão de conclusão em 22.10 sem efetiva confirmação desse prazo- As obras
do Lote 1 tem eletrificação limitada e os Lotes 2 e 3 não possuem nenhuma eletrificação.
As obras funcionam com gerador em razão da solicitação ter sido enviada desde 2016
reiterado pela última vez em 2021;) Segundo a Celpe nos informou, a licença ambiental ,
que era impeditiva ao início da execução foi liberada em 22.09.22. Posteriormente foi
assinado o contrato entre a Celpe e esta Secretaria em 23.09.22. Com o contrato
assinado foi solicitado uma reunião com a equipe técnica da Celpe que foi realizada em
30.09 às 10h . Neste mesmo dia, como encaminhamento da referida reunião, os técnicos
de ambos os órgãos realizaram uma visita in loco às 14:30 de forma que pudessem ser
avaliadas a priorização da eletrificação por unidade, uma vez que elas têm tempos
distintos de previsão de inauguração.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

Nesse sentido, após os alinhamentos determinados a Celpe enviou em 10.10.22 um


cronograma de execução da eletrificação conforme abaixo:

1. Lote 1 com previsão de conclusão da eletrificação definitiva em Novembro/22;

2. Lote 2 e 3 com previsão de instalação da eletrificação em Março/2023.

Este órgão ainda aguarda a formalização do cronograma acima solicitado via ofício
enviado em 27.11.22 e de que forma será possível acompanharmos a execução do
cronograma em razão da independência institucional da Celpe.

AJUSTES ADMINISTRATIVOS COM O DER

O cenário encontrado é que as unidades são de difícil acesso inviabilizando a chegada


de veículos de transporte coletivo regular e veículos pequenos. O cronograma exposto
com início em junho e com prazo de conclusão de 300 dias sem efetiva confirmação
desse prazo e era analisada a possibilidade de antecipar a ativação do lote 1 para
dezembro/22 e nesse cenário a unidade não tem viabilidade logística sobretudo no
inverno. Nos últimos 60 dias foram realizadas reuniões de monitoramento com o órgão a
fim de acompanhar a execução, sendo a última realizada em 20/09/22 para alinhamento
de pendências. Foi solicitado ajuste no desnível da estrada que fica próximo a uma das
muralhas de segurança, sendo este acatado. Foi nos informado também que a última
desapropriação de imóvel necessária para o andamento da obra está sendo realizada e
está no último lote com previsão de conclusão até nov/22. A previsão da conclusão da
etapa da estrada que dá acesso ao complexo está até dez/22.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

AJUSTES ADMINISTRATIVOS COM O CORPO DE BOMBEIROS

Realizada adequação dos projetos de spda (para raio) e gás em razão das mudanças de
normativas e aprovação dos projetos de combate à incêndio- ) os projetos ainda estão
sendo analisados pelo Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco - CBPM - PE. Já foram
sanadas diversas exigências nos últimos dois meses e estas já foram protocoladas em
13.10.22, 28.10.22 e 07.11.22. Estão sendo aguardados o levantamento final de
pendências Em 25.10.22 foi realizada uma reunião com a equipe técnica do CBPM-PE
para que sejam enviadas todas as pendências de forma consolidada.

FORMALIZAÇÃO E ANÁLISE JURÍDICA

PGE Recebida a aprovação com ressalva acerca da relicitação do lote 02 -


Araçoiaba, após cumpridos os apontamentos do TCE, em 27.09.2022
Caixa Cumpridas as condicionalidades para execução e inclusão de planos de ação e
apresentado posicionamento de não óbice em 16.09.22
DEPEN Autorização da renovação em 27/09/2022 (informação recebida secretário
advinda da diretoria geral de DEPEN
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

AJUSTES INTERNOS

Reunião com o governador de Pernambuco, em 20.09.22, com a presença do


secretário Cloves Benevides, der, bombeiro, Compesa, Seplag e Sefaz para
apresentar os entraves. Seplag: enviados os pedidos de DDO;

Solicitação de aporte de recursos para viabilizar a 1ª (primeira) fase de intervenções


para requalificação do Complexo Prisional do Curado (CPC), localizado em Recife/PE.
SEI Nº 1900000001.004702/ 2022-40 Solicitação de aporte de recursos para
viabilizar intervenções para requalificação das unidades 3, 4 e 5 do ora denominado
Centro Integrado de Ressocialização de Itaquitinga/PE (CIR).SEI Nº
1900000001.005834/ 2022-99 Solicitação de aporte de recursos para atender
despesas atinentes às obras de construção do Complexo Prisional de Araçoiaba/PE.
SEI Nº 1900000001.005838/ 2022-77 no valor de R$ 43.000.000,00;

Em processo de análise internamente o pedido de reequilíbrio; Realizar aditivo com


replanilhamento, reequilíbrio e reajuste até; Realizar aditivo de prazo da gerenciadora
TPF.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

Próximas etapas:
A seguir serão apresentados os planos de ação dos 3 lotes da Obra de Araçoiaba:

Lote 01 - UPF01
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

Lote 01 - UPF02
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

Lote 02 - UPM01
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

Lote 02 - UPM02
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

Lote 03 - UPM03
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

Lote 03 - UPM04
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

Lote 03 - UPM05
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

4. PLANO DE AÇÃO: CONCLUSÃO DA OBRA DE CARUARU

Estratégia: Construção de novas vagas.

Objetivo: Avaliar os entraves das obras e organizar ações de mitigação de


Araçoiaba, Caruaru e Itaquitinga.

Próximas Etapas:
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

5. PLANO DE AÇÃO: CONCLUSÃO DA OBRA DE ITAQUITINGA

Estratégia: Construção de novas vagas.

Objetivo: Avaliar os entraves das obras e organizar ações de mitigação de


Araçoiaba, Caruaru e Itaquitinga

Próximas Etapas:
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH


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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

6. PLANO DE AÇÃO: PLANEJAMENTO DE OCUPAÇÃO DE ITAQUITINGA 2 E


IGARASSU

Estratégia: Construção de novas vagas.

Objetivo: Planejar e monitorar remanejamento dos presos das obras concluídas.

Próximas Etapas:
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

7. PLANO DE AÇÃO: LICITAÇÃO DA CONTRATAÇÃO DO SERVIÇO DE


MONITORAMENTO ELETRÔNICO EM ANDAMENTO

Estratégia: Alternativa ao encarceramento.

Objetivo: Ampliar o monitoramento eletrônico com a contratação de pessoal


para reforçar o CEMER e realizar nova licitação para contratação de mais
tornozeleiras.

O atual Processo Licitatório nº 0035.2022.CPL.PE.0013.SERES, qual seja, contratação


de empresa especializada na prestação do serviço de monitoramento eletrônico de
pessoas, sob a vigilância do Estado, através do fornecimento de todos os insumos
necessários para implantação de uma central de monitoração de pessoas por meio de
tornozeleiras eletrônicas e equipamentos para prevenção de violência doméstica e a
execução dos serviços acessórios necessários à atividade, para atender às demandas
da Secretaria Executiva de Ressocialização – SERES foi iniciado conforme SEI
0012900005.003643/2022-97. Este inclusive terá ampliação de atendimento que
passa de 4000 para 8000/mês.

Ocorre o processo licitatório PL.0016.2022.CPL.PE.0007.SERES, no qual já estava em


andamento e tinha seu pregão agendado para 24.10.22 foi REVOGADO com fulcro no
art. 49 da Lei nº 8.666/93, sendo dispensado o contraditório e a ampla defesa, visto
que não se concretizou o direito adquirido, nem o ato jurídico perfeito decorrente da
adjudicação do objeto licitado. Desta feita, foi solicitada abertura de novo processo
licitatório para contratação de empresa especializada na prestação de serviço de
monitoramento eletrônico de pessoas sob a vigilância do Estado, através do
fornecimento de tornozeleiras eletrônicas e equipamentos de prevenção de violência
doméstica, assim como todos os insumos necessários à execução do serviço.

Próximas Etapas:
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH


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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

8. PLANO DE AÇÃO: SELEÇÃO DE PESSOAL DO CEMER PARA O


MONITORAMENTO ELETRÔNICO

Estratégia: Alternativa ao encarceramento.

Objetivo: Ampliar o monitoramento eletrônico com a contratação de pessoal


para reforçar o CEMER e realizar nova licitação para contratação de mais
tornozeleiras.

O processo deve ser finalizado até o fim do mês de novembro com resolução do
julgado do TCE. Ocorre que a equipe multidisciplinar que trabalha nas unidades da
SERES e com o Monitoramento eletrônico são no formato de contratações temporárias
e estas foram julgadas irregulares pelo TCE. Para sanar está sendo assinado um TAC -
Termo de Ajuste de Conduta entre a SJDH, Secretaria de Administração, Secretaria de
Planejamento e Gestão, Procuradoria Geral do Estado e Ministério Público,
consolidando o comprometimento do Estado em realizar concurso público para essas
funções. Para tanto será encaminhado um projeto de Lei para criação do concurso para
que de forma gradativa os profissionais temporários sejam substituídos por
profissionais efetivos.

Próximas etapas:
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH


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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

9. PLANO DE AÇÃO: PUBLICAÇÃO DA LEI PENAS ALTERNATIVAS

Estratégia: Alternativa ao encarceramento.

Objetivo: Fortalecer e institucionalizar as ações de alternativas penais.

A Gerência de Penas Alternativas e Integração Social - GEPAIS da Secretaria Executiva


de Justiça e Promoção dos Direitos do Consumidor, da Secretaria de Justiça e Direitos
Humanos de Pernambuco é o órgão responsável pela fiscalização e monitoramento da
Política Estadual de Alternativas Penais, através das suas Centrais de Apoio às Medidas
e Penas Alternativas – CEAPA’s e integra o Plano Estadual de Segurança Pública -
PESP/2007 – Pacto Pela Vida. Atualmente existem, no Estado de Pernambuco, 16
(dezesseis) Centrais de Apoio às Medidas e Penas Alternativas criadas para dar suporte
técnico operacional ao Sistema de Justiça, distribuídas em 10 (dez) Municípios, atuando
em cooperação ao Sistema de Justiça na fiscalização e acompanhamento das
alternativas penais. Ou seja, esse quantitativo representa apenas 9,34% das comarcas
instaladas no Estado que possuem competência criminal, tornando imprescindível a
ampliação dos equipamentos para outros municípios. As CEAPA´s instaladas realizam o
acompanhamento e monitoramento de pessoas em alternativa penal que cometeram
delitos de pequeno e médio potencial ofensivo, através da aplicação de medidas e
penas alternativas ao encarceramento e visando fortalecer foi publicada a Lei LEI Nº
17.912, DE 18 DE AGOSTO DE 2022. Institui a Política Estadual de Alternativas Penais de
Pernambuco, com enfoque restaurativo, em substituição à privação de liberdade.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH


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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

10. PLANO DE AÇÃO: SELEÇÃO DE PESSOAL DE VÁRIAS ESPECIALIDADES


DA SERES

Estratégia: Reestruturação de Pessoal.

Objetivo: Reduzir déficit da proporção profissionais X população carcerárias por


meio da seleção simplificada de 81 novos profissionais multidisciplinar em
andamento e ad referendum autorizado para chamamento de mais 183
profissionais de diversas áreas como Assistência Social, Psicóloga e Médicos;
Reduzir déficit da proporção profissionais X população carcerárias por meio de
nova seleção simplificada de 172 novos profissionais. O processo deve ser
finalizado até o fim do mês de novembro com resolução do julgado do TCE.
Ocorre que a equipe multidisciplinar que trabalha nas unidades da SERES e
com o Monitoramento eletrônico são no formato de contratações temporárias
e estas foram julgadas irregulares pelo TCE. Para sanar está sendo assinado
um TAC - Termo de Ajuste de Conduta entre a SJDH, Secretaria de
Administração, Secretaria de Planejamento e Gestão, Procuradoria Geral do
Estado e Ministério Público, consolidando o comprometimento do Estado em
realizar concurso público para essas funções. Para tanto será encaminhado um
projeto de Lei para criação do concurso para que de forma gradativa os
profissionais temporários sejam substituídos por profissionais efetivos.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

11. PLANO DE AÇÃO: REESTRUTURAÇÃO CURSO DE FORMAÇÃO DOS


POLICIAIS PENAIS

Estratégia: Reestruturação de Pessoal.

Objetivo: Reduzir déficit da proporção profissionais X população carcerárias por


meio da seleção simplificada de 81 novos profissionais multidisciplinar em
andamento e ad referendum autorizado para chamamento de mais 183
profissionais de diversas áreas como Assistência Social, Psicóloga e Médicos;
Reduzir déficit da proporção profissionais X população carcerárias por meio de
nova seleção simplificada de 172 novos profissionais. O processo deve ser
finalizado até o fim do mês de novembro com resolução do julgado do TCE.
Ocorre que a equipe multidisciplinar que trabalha nas unidades da SERES e
com o Monitoramento eletrônico são no formato de contratações temporárias
e estas foram julgadas irregulares pelo TCE. Para sanar está sendo assinado
um TAC - Termo de Ajuste de Conduta entre a SJDH, Secretaria de
Administração, Secretaria de Planejamento e Gestão, Procuradoria Geral do
Estado e Ministério Público, consolidando o comprometimento do Estado em
realizar concurso público para essas funções. Para tanto será encaminhado um
projeto de Lei para criação do concurso para que de forma gradativa os
profissionais temporários sejam substituídos por profissionais efetivos.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH


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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

12. PLANO DE AÇÃO: CONSTRUIR BI COM PAINEL DE MONITORAMENTO


COM MATRIZ DE RESPONSABILIDADES

Estratégia: Implantação de Gestão Para Resultados.

Objetivo: Estruturar os Planos Operativos e construir BI com Painel de


Monitoramento dos PO’s com Matriz de Responsabilidades.

O atual Processo Licitatório nº 0035.2022.CPL.PE.0013.SERES, qual seja, contratação


de empresa especializada na prestação do serviço de monitoramento eletrônico de
pessoas, sob a vigilância do Estado, através do fornecimento de todos os insumos
necessários para implantação de uma central de monitoração de pessoas por meio de
tornozeleiras eletrônicas e equipamentos para prevenção de violência doméstica e a
execução dos serviços acessórios necessários à atividade, para atender às demandas
da Secretaria Executiva de Ressocialização – SERES foi iniciado conforme SEI
0012900005.003643/2022-97. Este inclusive terá ampliação de atendimento que
passa de 4000 para 8000/mês.

Ocorre o processo licitatório PL.0016.2022.CPL.PE.0007.SERES, no qual já estava em


andamento e tinha seu pregão agendado para 24.10.22 foi REVOGADO com fulcro no
art. 49 da Lei nº 8.666/93, sendo dispensado o contraditório e a ampla defesa, visto
que não se concretizou o direito adquirido, nem o ato jurídico perfeito decorrente da
adjudicação do objeto licitado. Desta feita, foi solicitada abertura de novo processo
licitatório para contratação de empresa especializada na prestação de serviço de
monitoramento eletrônico de pessoas sob a vigilância do Estado, através do
fornecimento de tornozeleiras eletrônicas e equipamentos de prevenção de violência
doméstica, assim como todos os insumos necessários à execução do serviço.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

12. PLANO DE AÇÃO: CONSTRUIR BI COM PAINEL DE MONITORAMENTO


COM MATRIZ DE RESPONSABILIDADES
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

13. PLANO DE AÇÃO: PROJETO DE LEI PARA AMPLIAÇÃO DO EFETIVO DE


POLICIAIS PENAIS

Estratégia: Reestruturação de Pessoal.

Objetivo: Reduzir déficit da proporção policiais penais X população carcerárias


por meio de concurso de 200 policiais com autorização de chamamento de
mais 300 de acordo com as vagas livres no limite da lei; Reduzir déficit da
proporção policiais penais X população carcerárias por meio de Projeto de lei
que visa aumentar o quantitativo do quadro de servidores de 2.000 para 4.000
policiais.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

14. PLANO DE AÇÃO: CONTRATAÇÃO DE EMPRESA DE MATERIAL DE


CONSTRUÇÃO

Estratégia: Requalificação de espaço.

Objetivo: Realizar abertura imediata de licitação ou adesão a ata de registro de


preço de materiais de construção para o funcionamento rotineiro da Unidades.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

PRÓXIMAS ETAPAS

MAPEAMENTO DE RISCOS EM CONSTRUÇÃO: NSTITUIR FERRAMENTAS DE


CONTINUIDADE DOS PLANOS

Descontinuidade das diretrizes determinadas;

Descontinuidade da execução do planejamento enviado ao CNJ;

Descontinuidade da equipe que possui as informações necessárias para eventuais


defesas junto aos órgãos de controle;

Pausa para início de exercício financeiro que podem eventualmente interromper as


obras por descontinuidade de pagamento;

Interrupção do curso de formação e as nomeações das seleções em curso gerando


embate com o Sindicato e mobilização social;

PLANEJAMENTO EM CONSTRUÇÃO

Serão realizadas oficinas de planejamento entre os dias 21 e 25 de novembro para


realizar o planejamento e iniciar as etapas necessárias dos seguintes processos:
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

PROSPECÇÃO DE CENÁRIO FUTURO

O Sistema Penitenciário de Pernambuco uma realidade específica quanto à sua estrutura


e comportamento de crescimento da população carcerária. O desafio se caracteriza em
duas vertentes.

Em um primeiro momento o cenário atual, no qual pode ser considerado um momento


de crise, está sendo mitigado com um plano de ataque iniciado em Agosto de 2022 de
forma a dar velocidade no cenário de dificuldades sobrepostas dos últimos anos.

Porém a problemática da superlotação das unidades e da falta de efetivo de policiais


penais não cessará apenas com essas ações que visam contemplar o cenário de crise
de forma contingencial.

O comportamento da população carcerária já foi objeto de diversos estudos da


academia e apresenta uma realidade de crescimento vegetativo que está fora do
alcance da gestão pública. “O presente estudo buscou analisar – na direção da garantia
do direito humano à saúde – as pesquisas mais recentes sobre o perfil da população
prisional brasileira e a sua demografia, além das leis e normas existentes. O sistema
prisional brasileiro configura-se como um universo complexo onde os contextos penais
estaduais e federais mantêm sob custódia mais de 607 mil pessoas cujo perfil é de 75%
de jovens, negros, 67% com baixa escolaridade e 41% são de presos provisórios,
residindo em estabelecimentos prisionais superlotados e arquitetonicamente
depredados, com crescimento populacional na ordem de 575% em 24 anos,
transformando esse ambiente em um grande foco de produção de doenças.”

fonte: https://www.scielo.br/j/csc/a/MztrXvhhdHyWD8GNn8hfT4h/
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

No cenário de Pernambuco, cabe portanto que o planejamento possa ser utilizado com
ferramentas que permitam a prospecção de cenários futuros. Esses cenários devem
considerar os seguintes fatores:

Percentual de crescimento: que nos últimos 10 anos a população carcerário


aumentou na seguinte proporção:

Novas vagas iminentes: Conclusão do PFDB e considerando que o PAMFA e o PJALB


seriam as próximas unidades a receberem intervenção estrutural no modelo
SISCOPEN, as 3 unidades resultariam em torno de aproximadamente 2000 novas
vagas;

Novas vagas iminentes: Conclusão das obras de Araçoiaba que resultariam mais
2754 novas vagas;

Novas vagas iminentes: Conclusão das obras de Caruaru e Itaquitinga 3, 4 e 5, nas


quais resultariam em torno de aproximadamente mais 3000 novas vagas;

Depreciação de estrutura: A partir de 5 anos de existência todas as estruturas físicas


das unidades começam a apresentar depreciações que necessitam de intervenção

Efetivo de profissionais: Redução do déficit de policiais penais versus presos. Hoje a


realidade é 1500 policiais penais para 36.000 presos aproximadamente.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

Portanto, considerando que com o déficit atual que fica em torno de 21.000 vagas e
considerando que após a conclusão nos próximos 2 anos de mais 8000 vagas
aproximadamente, teríamos um remanescente de 13.000 vagas, se faz necessário a
abertura imediata de uma série de medidas para que o sistema garanta um seguridade
para a população carcerária e expectativas mais concretas de redução de suas
vulnerabilidades “Ao debater a demografia do sistema prisional, o perfil dos presos e as
vulnerabilidades e iniquidades identificadas é possível vislumbrar com mais clareza os
possíveis caminhos para a efetivação do direito à saúde e da oferta de assistência
médica para o sistema prisional, em contraposição às deficiências no que tange ao
próprio processo de ressocialização.”

fonte: https://www.scielo.br/j/csc/a/MztrXvhhdHyWD8GNn8hfT4h/

Ainda com a conclusão de 8000 vagas e considerando o crescimento vegetativo da


população, caso nenhuma medida seja efetivamente iniciada o cenário se configura da
seguinte forma:

Portanto fica claro que as medidas de construção de novas vagas precisam ser iniciadas o mais breve
possível para que o Sistema Penitenciário não se torne crítico novamente em médio-longo prazo, e
para que seus status de caos crônico seja debelado.
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6. AÇÕES CORRELATAS SJDH

Paralelo a esse cenário de vagas outra questão latente é a de servidores efetivos. Nos últimos 60
dias vários avanços se concretizaram nessa temática, tais como a aprovação da Lei Complementar Nº
506, de 21 de outubro de 2022 que aumenta quantitativo total para 4.000 (quatro mil) vagas para o
cargo de Policial Penal do Estado e a aprovação do Ad Referendum da seleção dos profissionais
multidisciplinares.

Com o aumento do efetivo na legislação associado ao concurso em andamento de Policiais Penais é


possível realizar a nomeação de forma gradativa nos próximos 18 meses da seguinte forma, uma vez
que gerou um banco de aproximadamente 1300 profissionais aprovados:

Primeiro CFP-PPE
Previsão Início: 15/12/2022
Previsão término: 15/04/2023
Total de alunos: 500 (quinhentos)

Segundo CFP-PPE
Previsão Início: 15/03/2023
Previsão término: 15/07/2023
Total de alunos: 500 (quinhentos)

Terceiro CFP-PPE
Previsão Início: 15/06/2023
Previsão término: 15/10/2023
Total de alunos: 300 (trezentos)

Esse cenário ainda pode ser otimizado caso seja possível realizar a formação dos 1300 profissionais
de forma única no primeiro período supracitado. Portanto a nomeação em qualquer dos dois cenários
precisa ser considerada nas prospecções de curto prazo e elaboração do orçamento estadual.

Já quanto aos profissionais multidisciplinares, o chamamento em curso de 324 profissionais associado


à medida de início de planejamento para aprovação da lei desses cargos.

O déficit de profissionais associada à superlotação é o que mais contribui para as dificuldades


encontradas atualmente, ao passo que quando as novas unidades começarem a ser entregues não
terão capacidade operacional em razão da ausência ou existência insuficiente para pelo
funcionamento.

Destarte as duas vertentes precisam ter o mesmo critério de urgência e de comprometimento


governamental, subsidiados por estrutura de planejamento e orçamento para que possa alterar de
forma permanente a realidade do Sistema Prisional.

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